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Este livr~ estuda a TRANSFERÊNCIA segundo

Freud, Melanie Klein, Lacan, Movimento


Cinco
Institucionalista e segundo as noções filosófi- Lições
cas de Repetição e Diferença. Ele remete às
origens da noção de Transferência na psicaná- sobre
. lise, à sua existência em outros campos do
saber, às concepções freudiana, kleiniana e
a
lacaniana, aos novos horizontes que se abriram Transferência
nas experiências institucionais e aos questiona-
mentos que emergem no diálogo com a filoso-
fia que emergem no diál?go com a filosofia. O
autor realiza a difícil tarefa -'- fruto de vasta
experiência - de apresentar a problemática de
maneira didática e ao mesmo tempo crítica. GREGORIO
BAREMBLITI

3." edição

EDITORA
EDITORA HUCITEC HUCITEC

Copo: f
SÉRIE ··SAÚDELOUCURA" (TEXTOS) 5

direção de
Antonio Lancetti
Série "SAÚDELOUCURA"

TÍTULOS EM CATÁLOGO

SaúdeLoucura 1, Antonio Lancetti et ai


SaúdeLoucura 2, Félix Guattari, Gilles Deleuze et ai
Hospital: Dor e Morte como Ofício, Ana Pitta
Cinco Lições sobre a Transferência, Gregorio Baremblitt
A Multiplicação Dramática, Hernán Kesselman e Eduardo Pav- ~
lovsky
Lacantroças, Gregorio Baremblitt CINCO LIÇOES
Saúdel.oucura 3, Herbert Daniel, Jurandir Freire Costa et ai
Psicologia e Saúde: Repensando Práticas, Florianita Coelho SOBRE A
Braga Campos (org.)
Mario Tommasini: Vida e Feitos de um Democrata Radical, TRANSFERÊNCIA
Franca Ongaro Basaglia
Saúde Mental no Hospital Geral, Neury J. Botega e Paulo Dal-
galarrondo
Manual de Saúde Mental, Benedetto Saraceno, Fabrizio Azioli
e Gianni Tognoni
Saúdel.oucura 4, François Tosquelles, Enrique Pichon-Riviere,
Robert Castel et alo

A RELAÇÃO DAS DEMAIS OBRAS DA COLEÇÃO "SAÚDE EM


DEBATE", DA QUAL FAZ PARTE A SERIE "SAÚDELOUCURA",
ACHA-SE NO FIM DO LIVRO.
GREGO RIO BAREMBLITT

.-
CINCO LIÇOES
SOBRE A
TRANSFERÊNCIA

TERCEIRA EDIÇÃO

EDITORA HUCITEC
São Paulo, 1996
© Direitos autorais, 1990, de Gregorio Baremblítt. Direitos de publi-
cação reservados pela Editora de Humanismo, Ciência e Tecnologia
HUCITEC Ltda., Rua Gil Eanes, 713 - 04601-042 São Paulo, Brasil.
SUMÁRIO
Telefones: (011)240-9318,543-0653. Vendas: (011)530-4532. Fac-
símile: (011)530-5938.

ISBN 85-271.0140-8
Foi feito o depósito legal.

.-\gradecimento 8
rrodução 9
prcscntação 11
_-\ concepção Ircudiana 12
A concepção anglo-saxônica 39
.-\ concepção lacaniana 66
.-\ concepção institucional 89
Reflexão filosófica sobre a transferência 113
A transferência. Considerações finais provi-
sórias 131
Bibliografia 139
\

AGRADECIMENTOS
-
INTRODUÇAO

,
A equipe do Sindicato dos Psicólogos No meu entender, nestes tempos acc-
de Minas Gerais, que encampou o desafio de or- rados, todo escrito deveria ser datado. Cada um
ganizar este Curso. Ies tem uma marcada conjunturalidadc que, quan-
À Psicóloga Elizabet Dias de Sá, que, através _ não é levada em conta, adquire sentidos e va-
de pacientes horas de datilografia, soube ouvir s necessariamente diversos dos que teve na sua
meus intuitos e não "ver" meus erros. asião inaugural.
À Psicóloga Rosângela Montandon, que teve a O texto que se vai ler é produto de uma iniciativa
seu cargo gestionar a publicação, e à Psicóloga Ci- .o preendida junto a uma equipe do Sindicato dos
bclc Ruas de Meio, que corrigiu, datilografou e J icólogos de Minas Gerais, em circunstâncias nas
fez contribuições ao texto. ,uais era conveniente impulsar as atividades for-
Aos participantes do Curso, que aportaram sua ativas da organização.
atenção e suas inteligentes perguntas. Devido à urgência do evento é que se poderá
A todos os meus amigos de Belo Horizonte, que entender tanto a abrangência, demasiado ambiciosa,
me ajudaram a sonhar com a Pátria que perdi. como a sua velocidade.
Muito se tem dito e escrito sobre a transfc-
o Autor ência. Esse termo, como tantos outros, não é
oriundo da Psicanálise, mas é bem verdade que
, no campo psicanalítico onde ela adquire seu
enrido mais inspirador. O mesmo já tem sido
adotado e redefinido por outras disciplinas cien-
tíficas, inscrito como categoria filosófica contem-
porânea e utilizado como noção em diversos âm-
bitos da cotidianidade.
10 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA

Mas, antes de tudo, trata-se de um fato, um acon-


APRESENTAÇAO
tecer real, cujos efeitos incidem nos sujeitos e nas
sociedades que os desfrutam ou padecem, aprovei-
tam ou desperdiçam.
Estas rápidas e modestas aulas nada poderão di-
zer de original ou profundo ao "expcrt" na matéria.
Apenas pretendem ser sintéticas e acessíveis.
Contudo, elas levam um propósito central: mos- A MIGOS e colegas, sinto-me muito fe-
trar que nem a Psicanálise, nem nenhuma corrente liz de poder iniciar, com vocês, esta breve série
psicanalítica em particular, são "proprietárias" des- ~ aulas.
se "descobrimento", e que ninguém falou a "última Este tipo de iniciativa, como a que empreende-
palavra" sobre o tema. os agora, no seio de um Sindicato, de um orga-
As idéias, como a terra, são de quem as trabalha. aismo representativo de classe, me é essencialmen-
Freud costumava dizer que é perigoso transplan- c grato e afim.
tar os conceitos para longe do seu chão nativo, Antes de começar, quero agradecer à ex-presi-
mas cabe acrescentar que quando tal coisa acontece, ente do Sindicato, Elizabet Dias de Sá, e à equipe
e eles sobrevivem, novas espécies maravilhosas ue trabalhou comigo na realização do Curso. Ela
nascem. anifestou grande dedicação e especial tolerância
Gregorio F. Baremblitt om algumas dificuldades que tive durante o trans-
urso da organização. Muito obrigado pelo convite,
o trabalho realizado e a tolerância de meus incon-
-enientes.
. A CONCEPÇÃO FREUDIANA 13

A CONCEPÇAO
- m estado hipnótico, a paralisia de uma paciente
istérica d~ um laQQ do ~Õrpo-:-p-araoutro, .0 _ ..J./

FREUDIANA -:ue é possível - como e sabido - por melo~'


ca sugestão hipnótica.Qcomeçou a trabalhar,
_ roximadamentesI.IL.l895, utilizando o famoso~
.....Jt.Q.Ç!Q.
~ár(~o, que já se empregava bas-
nte em Paris. (Çharc2!> praticava a hipnose s)n-
mática na escola da a petricr , enquanto que
A exposição não vái ser fá~qUe -~a deU anel. ra pr'aticado o método hi -
zocatártico. Todos esses investigadores já.uuili-
resumir a questão da Itransferêné} em Freud em
uma aula é um desafio o qual ignoro que alguém ~am o termo 'transferência. Freud era um neu-
seja capaz de resolver. Pessoalmente, não me sinto - logista que resolveu dedicar-se à psicoterapia
em absoluto certo de consegui-Io. as enfermidades mentais. Inicialmente, ele pra-
Então, toda a exposição será centrada em torno icou hipnose de maneira supressiva. ~omo ou:.....
dos Quadros: 1 e 2. Terei de valer-me deste recurso ~os investigadores, hipnotizava paciente~llÍs-
p ra expor melhor. 'ricoScObsessi'Vos e, no estado de hipnose, uti-
\ 1\ ..1 Transferê~cia não é um termo exclusivo da psi- zandosu CStao su eria-=Ihes _ue seus SiI1iOmas
Yt r~ canálise, como, seguramente, e ObVIOpara vcces. m desaparecer. Este método teve sucesso du-
/(y. O termo, fora das práticas psicológicas, refere-se nte muito tempo e ainda continua tendo, eni
~ ,f ao deslocamento, a~raslado de qualquer !i.I20 de gumas ocasiões. Mas seus resultados não são
~~ mãtena: ransfcrência de capital, transferência de uradouros.
funciônários, transferência de c1ementos, de recur- A artir do uso desse rocedimento começou a
sos etc. r ou.!!º-iLue consistia em, no estado de hipnose,

/~ EmG-p-s-ic-o-l-o-g~
a pren Izage
tem sido muito usada na
para desi nar transp-orte ue se
- ~LI2acientes Ql-ICrevivcssern as snuaçoes

2
~\/
po e azer as ca aciqadcs ad ujridas..Qe a render
em relação a um~J~!9~~ento,
1( o -=---
conhecimento de um novo objeto.
--- .
Jara o
m que seus sintomas agare~ram.
Mais tarde, pediu para revivcrern e relatarem
urras situações mais arcaicas que, supostamente,
eriarn a ver com aquela na qual os sintomas apa-
Em psiquiatria e psicoterapia, antes de reud., ::-cerarn pela primeira vez. Isto gerava nos pa-
--J!.!i~va-se o te~mõ "transfcrt"-para referir-se a um cientes uma rcvivência e uma forte descarga de
y'A,f experimento hip~óticõ que c~nSlSiCC'm trasladar, tos, uma intensa descarga de emoções, e ainda
14 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO FREUDIANA 15

de movimentos corporais, que produziam uma genr as pacientes que, quando ele tocasse em
"melhora" do sintoma, cuja permanência e estabi- a testa com a mão, elas conseguiriam continuar
lidade eram maiores do que com o método hip- ando sobre o que se havia interrompido. Teriam,
nótico suprcssivo. - im, a possibilidade de conseguir lembrar situa-
Durante o uso do método, especialmente com que não estavam atingindo. Posteriormente,
I2.a~ientes histéncas, 9 foL comprovando ~e udando O fenômeno da interru _ -o d l.XQgs-
muitas destas pacientes não tinham disposição para iativo, nesse momento de im asse, depois de
serem hipnotiza as. sto o levou paulatinamente a ':'-10 vencido muitas vezes or m2io da sug~tão
'-~----~--~
abandonar o método hipnocatártico e limitar-se a _ da inipãSiçãõClas ITIãQ..sna testa, reu foi com-
sugerir aos pacientes que fossem falando de tudo -rccndcndo que o que acont'ecia nesse instante é
aquilo que Ihes parecia importante, de tudo aquilo cue havia a arccido na consciência d,º-paci~nte
que Ihes vinha à mente. Durante este procedimento, .~ma associação, idéia, afeto ou impulso ue ji-
~~----.~----
ins irado em parte por algumas de suas pacientes, - ~a a vcrComa pessoa c!Q_m6dico, doo e rai<.? r,
~~EcamTi1ha~a as assõc~0es dessas enferm~s que essa idéia ou impulso_ era con~do -- de
na direção da explicação dos sintomas e no~ntido rma consciente ou não pelo paciente -- incon-
.de lembrar situações assadas ue tivesse a ver niente, inadequado a uma s·tlJ.aç.ão de relação
com os sintomas. Posteriormente, foi célebre a rea- -rofissional como a que acontecia. Então, o pa-
ção de uma das pacientes de Freud, que disse que TIte já a tinha clara, e não podia comunicá-Ia
não apenas não queria hipnotizar-se, como não que- rque a julgava imprópria, ou acabava por não
ria falar daquilo que Freud achava importante que ~r nenhuma idéia, isto é, a idéia desaparecia de
fosse falado. Ela ueria falar somente do ue ELA _ a mente. 6. rofundando mais no fenômeno reud
queria falar, especialmente relatar seus sonhos, suas - ega à concllisão de ue nesse mo me to de irn-
fantasias... reud teve o om senso de aceitar se. a inca acidade de continuar associando deve-se
essas exigências. :: mp~~a revivescên.9'l de aI. uma situa ão an-
Mas, durante o exercício desse procedimento, rior em gue pessoa üv. tiI2Q de afeto, de
----~---------.~--~-.~
reu percebia que, em determinados momentos,
o

---
m~ulso, de emoção similar, mas com outra pessS!
a paciente não podia co~inu;r relatando ~i- em uma situação especialmente, intcnsa c !cral- . ,)(
-~Acontecia
-- -----
nh-::a--;::-a-s::-°l":"":la"---:m=e_=-n-;::te.
uma interrupção do ente relacionada com a sexualidade. Ao retorno des- {Y!;
fluxo associativo. Nesses momentos, Freud, con- situação anterior, passÍvc de rcConstituição ue~-
servando ainda algumas manobras do método hip- S reitera, que se renova na situa ão terapêutica Freud
nocatártico, que já havia abandonado, costumava _-hamou de(TRANS~ERÊNCrA.
16 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO FREUDIANA 17

tj' Neste momento altmnsre,ência~m uma ],epetisã2)


e vamos encontrá-Ia no item ue chamamos "ponto
j

. de vista clínico". Repetição de vivências, de expe-


riências, d~itua ões _Qe atitudes, <tecomportaIl!.en-
tos, de imagens de pçssoas, de interlocutores. Isto
CStrdito de~aneira bastante vaga e descritiva. Na
interrupção do fluxo associativo, reud descobriu
a [repetiçao compl~ múlti Ia, ~e todos ~s ~Ie-
me~t~s que I22diam~stal intCJ:vindo.nestas_~i.!~-
ções traumáticas anteriores ~e o pacientc je etia
no ambiente terapêutico de maneira in~oluJ!tária e
~em supostamente inteirar-se de gue_0ajsto sue
estava acontecendo.
Esta é a primeira, a mais simples, a mais ingênua
definição de transferência que podemos encontrar
em Freud. Nesta defini ão tão elementa é ossível
.L.l.,l( compreender gue a forma como a transferência a a-
f:t" rece na situação analítica é como obstáculo como
rJ':J.r
? lnconvenie_nte.,: rcud propõe às suas pacientes dizer
tudo que lhes venha à mente, comentar tudo o que
estão pensando e sentindo. As pacientes empe-
nham-se em cumprir esta indicação. Chega um mo-
mento em que isto se Ihes torna impossível e não
sabem por quê. Há, então, um obstáculo, uma di-
ficúldade ara levar em frente o t aumento para
cumprir um dos re uisitos exigidos ara Rossibili-
tá-lo. A isto Freud (mesmo nessa época)~amou
./ ,~ \'resistência"\ --
.P (RêSTStencia", como vocês sabem, tem signifi-
rY:~",~-.:ado político e târrib"énleÍ6tnco. ~e re-
fere-se Uuta_que um povo ou uma classe exerce
vy~
rr;)JJ
18 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO FREUDIANA 19

das ara eliminá-Ia e ermitir que a transferência ~ é-consciente, consciente). Também o modelo do
se manifeste claramente e possa ser verbã1TZãdae "Complexo de Édipo'', o modelo da "Teoria pu 1-
d~scarregada e;;;-ci~l~nle e, desta forma, pro- ional", e o modelo da "Segunda tópica" (Id, ego
pJc~ar ~ cu~ a desaparição duradoura do sintoria. supcrcgo). Em cada um d s.modclos está incluído
, A medida que o tempo passa, quando reu vai conceito de transferência como um dos rinei ais
1~ co~.preendendo mais rofund~me!!!(! qual é _º_si- ecanismos do ,i uismo.
fr P ~nIflcado da transferência <:. por que ela a arece Podemos resumir os vários modelos em uma
~./ como_:esistênci~ ~Ie renuncia à manobra de vencer reposição que Freud formulou nos artigos de 1913
_ 1915, que é a proposta de uma "rnetapsicologia
~;) sugeslIvan:en~e. a re~is,t,ência e confia no que ele
-"
ttY l' chama ~~vInha. a? .(termo também ingênuo) li seja, uma teoria
\
ue está "além da sicolo ia" .
ri' \ dos motivos da rcsistcncia para conseguir a propi- .-\ psicologia seria o método predominantemente -:/
ciação de que a transferência seja claramente ma- ~escritivo dos fenômenos da conduta e da consciên- L
nifestada, vcrbalizada e descarregada afetivamente . cia manifesta. A &etapsicologialseria a teoria do~"7
•11 Pode-se dizer que, l!9 momento em 9.!!.!.:: reu iquismo en uanto a uele qu .- , ·siY.el,-..não;Y°
tf6: ~ renu~1Cia ao venci~lento sugestivo da resistência e ~escritível, aquilo que está além da psicologia. Tal
~~0.l"confIa no que sena o começo da ~o" etapsicologia tem quatro pontos de vista: ~
,'» ~/ 9~ t~ans~erência-resiSiCnciã, começa propriamente ico, dinâmTCo, tópico e estrutural. Uma forma de
.:f"" o pr~cedlmento I2sicanªJítico. atar e de entender como vai evoluindo em Freud
A tfãIisTcrencIa continua sendo o conceito central conceito de transferência durante a construção
dura.!!.te a obra osterior de Freud, tanto na teoria c sua obra é tratar de revisar como a transferência
~omo no método e na técni~sicanalítiql. Apa- adquire novos sentidos teóricos e, portanto, novos
recem, claro, muitos refinamentos do termo trans- os técnicos ou clínicos em cada um dos pontos
ferência. Sabemos que a teoria freudiana não é sim- "c vista (econômico, dinâmico, tópico, estrutural e
ples. Ela é uma série de re-versões, de novas ver- clínico ).
sões dos "modelos" com os quais Freud tenta ex- No Quadro 1 há um quadrado, e seus quatro
plicar como funciona o psiquismo. Existem muitos ângulos são pontos referentes à transferência, C011-

modelos. Há aquele utilizado no período da "Psi- ratransferên~ia, à resiSl ~ ciae à contra-resistência.


coterapia da histeria" (do qual cstarnos falando). Definimos, provisoriamente, a transferência como
Existe o modelo do psiquismo enunciado no capí- Frcud o fez no período inicial. A contratransferên-
tulo 7 de A Interpretação dos Sonhos. Há o cha- cia / um termo que vai aparecer em Freud a gum
mado modelo da "Primeira tópica" (Inconsciente, cmpo depois em uma série de artigos que vão mais
20 UÇOES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO FREUDIANA 21

Quadro 2
Quadro 1
Princípio da realidade )
Transferência

<princípio do prazer-desprazer Compulsão


de
Transferência •.,-------+ Recíproca e/ou Por quê?
( Princípio de inércia-nirvana ) repetição
Contratransferência

Formações do
< ) Amistosa Motor da cura

<
Inconsciente Elaboração Posttiva
Erótica
:o
--
Recordação Resistência
Inibições
(l)
"O Cura
=- Qual e
~
.õ.
::orno? Negativa - Hostil

Sintomas
~.
o
(Assinalamento
Interpretação Na situação analítica
Construção) :::)onde?<
Atuações Na vida cotidiana

Ponto de vista econõmico - Energias - Processo primário


Contra-Resistência
Resistência •.,-------+ e/ou
(
Resistência Recíproca
Pon~o de vista dinâmico _ Forças (. Putsôes

Conflttos
<:re
Defesas
ou menos de 1910 a 1920.Qdiz ue se toda
essoa é capaz do fenômeno de transferência, ela Ego
Instâncias Superego
/ acontece, no procedimento psicanalítico, não ape- psíquicas (
Id
Ponto de vista /
~J nas no paciente como ~~!:!!bémno analista. A pri-- C>Jt---- estrutural

~_~
rJft-
melr~ definição de contra transferência é muito si-
métnca porque Freud fala de transferências recí-
\ Complexo de
Sujetto
Objeto
desejante
desejado
Édipo. posições ( Objeto lnterditor
procas. Depois, sm outro~artigos, reu tenta di-
eren ar o ue é a t ansíc ência do analista acor-
Sistema inconsciente
dado ela incidência, ~ impacto da transferência Representações

do paciente, e a transferência do analista ue talvez Ponto de vista tópico Afetos


( Fantasmas
aconteceria com qual-uer paciente, e que de ende Estereótipos

maig da estrutura ps(quica do anafÍsta do ue a uela Discursos


Vivências
eculiar do acÍente. Em princípio, a contratrans- Experiências
Ponto de vista clínico
ferência ro ..!iamenle_dita ' c.mesrno fenômeno Atitudes
( Comportamentos
da transferência acontecendo no analista mas tal- Situações

'l;~\ vez possamos dilerenciar uma transferência do.ana-;


jJ
22 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO FREUDIANA 23

lista e uma contra transferência propriamente dita, íproca, colocando em relação a transferência do
que seria a resposta do analista à pw.liaridade da alista com a transferência do paciente, e a linha
transferência do aciente. . ---- e vai da transferência à contratransferência e re-
. Por outro lado temos~~rmo[resistênci4, ue tarn- iona a contra transferência própria do analista
ú;1'tém definimos rovisoriamente segundo Freud o fa- _ m esse tipo de paciente, se corrclacionarn entre
pri>Pi)a no nodo inici C0jJ10 obstáculo, dificuldade de _. e são simétricas. Ou seja, transferência do pa-
{fi' cum rir a regWluldamenlal da livre-associa ão. Pela _:cnte/transferência do analista, contratransferência
parte do analista existe contratualmente uma exi- _ ste analista com cste aciente.
gência simétrica. A sua função é a da atenção Poder-se-ia dizer a mesma coisa uanto à re ·s-
flutuante, a da possibilidade de ouvir a livre-as- ência e contra-resistência. A impressão que dá é
sociação sem selecionar nenhum ponto em espe- -;.e~ende a dizer que, no nível das relações
cial e também de manter-se abstinentc. Ou seja, e tre resistência e contra-resistência de-se fal r
não deixar que suas convicções, seus desejos, diretamente em resistências recí racas r ue a re-
suas idéias incidam no tratamento e o distanciem -i tência própria do analista, que se daria com todos
-" de seu objetivo fundamental, que é fazer cons- pacientes e não com este em particülar, supõe-se
~ ciente o ue é inconsciente no paciente. A \con- ,ue esteja levantada, solucionada pela sua formação
~ tra-resistência aparece no analista como a difi- órica e eiã análise ~essoal à ual ele esteve sub-
~ ~ culdade para cumprir. com.seu olljetjv e_propó- etido.
~ sito e também em últimª- instância,_com seu de- No interior do Quadro, delimitado por quatro
sej~g~ é Q.eJespeitar a Iivr~associação do ga- ntos, temos outra correlação, outra díade: ~-
.cie~te sem violentar a regra da absli ência e con- 2Çã~ por um lado, S elaboração, cura, repetição,
§ervar a capacidade de atenção flutuante para po- recordação, lembran a, r outro. Sabemos que ~
der.analisar. - ~enos de transferência, resistê~ontratral!.s-
A linha que vai da transferência à resistência rência e contra-resistência têm como caraeterístic
é óbvia porque dissemos que o fenômeno da resis- ~al ser repetitivo;, reitera tivos, recdi~-
tência e o fenômeno da transferência são duas fa- r~~, ão a enas de situações tr~ticas S91
ces do mesmo rocesso - ~ma não sedá sem a mo de todas as situações im ortantcs e si nifiça,
õutra. É lógico que a contra transferência e a con- iv;;-a-;- vi@ Qsíg}lica de cada sujeito. Freud dis- ~~
tra-resistência são também du s ces do mes o crimina dois tipos de repetições: a @petição fiellJl
processo no analista. isto é, de um símile idêntico, da traslação do antigo ~
~ A linha que vai da transferência à transferência obre o atual sob o signo da igualdade, e outra
24 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO FREUDIANA 25

~dO que seria uma diferença. Em princí ia, transformá-Ios em verbaliza ão-com reensão, em
a repetiçao é a tentativa d~ repetiç~o do igual, do _ue se juntam as idéias com as descargas de afeto
idêntico, aquela situação exatamente igual a esta. -: rres ondcntcs. Em uma palavra: ~- &
r I Neste sentido é que os fenômenõs, as formas -;7i- _ do. Os recursos de ue o analist dispi'ie para' /'
dentes, manifestas, da repetição, se milnifestam jio "'?r;Segl~ir esse objet"vosão rcdorninantcmcnte re- ~~vf/
~ r: seio do tratamento psicanalítico por meio de I sin- :ursos verbais, relacionados com o uso da palavra /. //
I ~,/~ toma ou de -atuações.-~: parali~as his~ u o silêncio. ~s recursos de uso da palavra são vJ:!~
I-)P' cas, problemas sensoriais histéricos, crises de an- aStiDaT~escrição do que está acon- ~.if
gústia, idéias obsessivas, rituais, enfim, tudo quanto . cendo), a mter eta ã uma tentativa de corre- tfV·,
seja sintoma e seja registrado pelo paciente como .acionar dados do presente com dados do passado)
!~l. Também inclui ~, que consistem em u uma ~.ique é uma cdificação complexa
comportamentos, atitudes condut~creJa$,-1:or- que conSZgue correlacionar, em sentido amplo, todo
.20rais e sociais em ue se vai repejir.a.rcação que período da vida do paciente, uma série de situa-
~oi requisitada ou 9};le_nãoconseguiu ser praticada ~ões que se retém, com a situação atual).
na si tuação traumática. Em realidade, estas caract('(íslicas--d(.~~sso
- A repetição manifesta-se como sintomas e como e transferência-r;;isíência-contra-transferência-
atuações, como fenômenos sofridos, indesejáveis, ontféHcslstência, cuj9 miolo é a repetição e s~u
incômodos, dos sentidos ou do pensamento, ou co- ontrário~ que éa elaboração, cura, lembrança, têm
mo passagem à ação repetitiva descontextualizada. Ido revisadas e recorridas or nós rinci almente
•.1;" No pólo contrário, uando a repetição realizada om base no ue Freud diZia du ante o eríodo
~.,.,. no contexto do tratamento é interpretada.mma....r.e- inicial da psicanálise, que vai mais ou menos de
~; sistência, como tentativa de deslocar o Rassado so- 1895 a 1905. Tenllo feito isto por razões pedagó-
Vbre o presente, quando se consegue discriminar pre- gicas porque parece que é acessível, muito claro,
,/" sente e passado, ela mesma provê a força necessária porém vai se tornando cada vez mais complexo na
l para realizar uma operação que se chama @abo- medida em que os "modelos" de como funciona o
~ lembrança ou cura, cuja definição é um pou- . iquismo vão se tornando cada vez mais refinados
co com licada. Vamos apelar a certo recurso, para c sofisticados e o comportamento técnico, a mani-
ter uma vaga idéia do processo. Grosso modo, po- pulação destes fenômenos, também varia. Acom-
de-se reconhecer que a repetição como tal é im- panhar isto detalhadamente é um objetivo que tal-
possível; com reender e aceitar que a reedi ão 'á vez transcenda em muito nosso propósito aqui.
tem uma diferença, dissolver os sintomas e atua ões Mas, passo um pouco por cima do acompanha-
26 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO FREUDIANA 27

mento histórico, pretendendo suplantá-Io ou solu- -::uste, então, uma repetição-transferência causada
cionar o problema pedagógico com o Quadro 2, Ia pulsão de vida, pela procura do prazer e a
que é uma tentativa de síntese de uma questão mui- _ .itação do dcsprazcr, adequação à realidade para
to difícil de sintetizar. Baseio-me em perguntas pro- - Ihor satisfação e logro do princípio de prazer,
cedentes para qualquer problemática: Por quê? _ outra relativa ao repetir por repetir, despido, "de-
Qual? Como? Que e quem? Quando e quanto? oníaco", relacionado à idéia de eliminar toda ten-
Onde? _âo no aparelho psíquico e voltar à situação de _
r
Por quê? É claro que se pode responder a partir orte. "~
de todos os recursos teóricos de cada modelo. Mas, Quando se pergunta ~e '\.Ç{)mo'l referimo-~~~~
na tradição psicanalítica Ircudiana, usa-se com fre- s a uma divisão ue Freud faz em um arti _o decfr
qüência para se explicar f!.~ lIe os ..!incíl2ios das 'cnica em 1915 onde a~é divididaj.
l2ulsôes. cpmo dctcrrninantes último .ão as.Iorças ositiva e negativa. T~ divisão sc dCI! pelo
que movem o psiquismo. Haveria entãQ (e sempre ip<) de afeto e de investimentos que estão em jogo.
q-;:Ie falo de- transferência refiro-me também à re- ~ importante esclarecer que é assim porque habi-
sistência) transfcrôncia-rcsistência a serviço do ualmcntc se faz confusão quando se afirma que a
rincípio do prazer e da realidade (que são dois ransfcrôncia positiva é a que propicia a realização
princípios que regem o funcionamento da pulsão a cura e da elaboração, e a negativa é sinônimo. dlY"/
de vida), e uma transferência-resistência a serviço
da chamada compulsão de repetição (um tipo de
e resistência. Não é assim, porque a positiva
disse rcud -
-t~
divide-se em amistosa e erótica.·~.ÍtP
repetição, que não está a serviço do prazer nem Obviamente, amistosa é aquela na qual se cstabc- L 11""
.~da realidade), que não traz prazer a nenhuma ins- Ieee um vínculo de colaboração, um investimento
tância do psiquismo (Ego, ld e Superego). Ela e<:!i ublimado sobre o analista-:c:~qu;;;to que a erótica~
..• a serviço do repetir or re12etir está c mpromeÜ.da é a transferência de pulsôes. desejos, fantasmas do .
s.~ 7com uma te~vil.. de retornar a um estado ainda tipo amoroso-erótico sobre o analista. A ~-
jJ prévio à existência do si uismo, como Freud de- rência n~gativ( é a repeti~ão de todos os elementos
, fine miticamente. É o que se chamayulsão e mor- hostis. E importante compreender que a trans-
Ir::~ Assi~ co~o, (~s princípios ~e ...@?-e-,:-~e rca- -
ferência amistosa é o rnot(~ da cura, enqu~le
a transferência
\ \
erótica e a hostil funcionam como
O}lda~e sao pr~ncl \(:s. q.ue org~nIzam_~namlca d~
)1t!.rUl~ de VIda, dirigindo seu funcl~na~~~~o, o resistência. A transferência positiva, amistosa, pode
! p:i~cípio de iné~cia, d~ ~ui~tude abs~.luta, é o prin- ~elacionada com a tendência à repetiçã.Q..f.Q-
t ~ c!E1o jue organiza a dinâmica da pulsão de morte. .!!lº-diferença. Em todo caso é uma repetição de
jJ.
28 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO FREUDIANA 29

impulsos, sentimentos, fantasmas, ,'s - ,desejos, fantasmas, escolhas de ob'etos rc-


de serem usados ara dissolver a transfe ê cia, ""csentações etc. ue confi Juram o famosíssimo
estando mais próxima da diferença do que da re- .:onjunto constitutivo da "p-ersonalidade" ou da "na-
peti ão. ureza" ~o sujeito, com9., também as instâncias gue J.i!
rn!
vT" O
'" ue e ,I~ " ,
liuem]. As coisas ai complicam-se com poe!E.:. ••1"'~;
,~1,..n' um pouco e temos de passar rapidamente, Agru- O ponto de vista tópico já o antecipamos. Vamos ~
I
9'T parnos o ponto dee vi vista cconornrco e o onto de
A ,

pctir: fantasmas inconscientes ,ue ~ão ce~ifka-I"-y


, J'i>'~ vista dinâmico, O ponto de vis!!1 econômico diz õcs -=-~xtos em que os desejos inconscientes 'r
~./ que o que se transfere s~.Q_q.uan1Ldadc· íscrcias, parecem con~ realizado~, Claro que do ponto de
/- ':..atexias, qu~ explicam_o f~lncionamento d(~siquis- 'ista consciente e, segundo Freud, também incons-
mo como sistema no qual se roduzem, se distri- lente, repetem-se afetos cujos sinônimos são sen-
~ e scdcscarregam en~rgias, Repete;:;;e dis- timentos, paixões, emoções, Esses termos não são
r/ tribuiçôcs cncrgéticas, c~te~ ~odalidades de inônimos precisos. E por isto a transferência cos-
V descarga. Do ponto de vls,ta(dtnamlqJ, reg,etem-se luma ser um fenômeno intensamente vivido.
jogos de força e conflitos entre as ulsões de vida epresentações são as marcas que detalha~os
e de mo e, O conflito estabeleceu-se em dctcrrni- ' antcnorrncntc. Têm~a característica, segundo disse
nado momento e repete-se como jogo de forças, Freud nos primeiros trabalhos, de que a idéia ou
Poder-se-ia acrescentar aqui defesas, impulsos, de- a significa 'ão ue a arece no momento de repro-
sejos, Repetem-se como processos. Na primeira tó- dução da transferência é um elemento Q,llç se presta
ica, diferencia-se rocesso primário e processo se- tanto à emergência do re rim ido inconsciente ua -
cundá 'o. O que vai se repetir é uma articulação to à defesa cont ele. Sua transformação é devida
peculiar que se dá entre o processo primário e o à exigência de torná-Ias mais toleráveis para as ins-
secundário que historicamente tende a reiterar-se tâncias superiores do psiquisrno. Esta representação, ~
no presente. Repetem-se desejos, Repetem-se vín- mista - por um lado, repetição inconsciente, e~ll.J>
culos e suas escolhas de objeto (objeto libidinal). por outro, um "ajcitarncnto", uma solução de com- Jp;JP
I Repetem-se "rela ões ob'et is". prornisso com o presente e os sistemas pré-cons-
~~ Do ponto de vistaLestruturiJ] podemos dizer que ciente e consciente - é o que se chama .:.9RM~-
rY o que se reitera na situação terapêutica são todas ~. Sel~ssin.0_n~mos~ãº: f~r-
estas coisas ordenadas segundo o complexo ~e é ma ão t' .. . I 'lmbem denvados do 1Il-
~;-- -
fundante e constitutivo do aparelho psí :ico: o consciente, cuja principal expressão é o sintoma.
~
-
o, E o conjunto de impulsos, pul- Na transferência, aparecem como a representação
30 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO FREUDIANA 31

intolerável que não pode ser cornunicada. Freud lítica é uma das tantas situações em que a trans-
fala ainda em estereótipos, ou seja, modelos, esque- ferência também vai aparecer. Só que a situação
mas, cngramas, que se repetem exatamente assim psicanalítica estaria especialmente de~enhad~ par~1 ..•,0
como são e se mostram deformados . que a transferência a are -a com maIOr rapIdez C6yP'y
•~.ÓJ- Do,ponto de vista \~línic(u falamos em tudo isto intensidade (j.QJlroseà~r.illJBcrência) e com majQr ~.~~
~ q~ já mencionaml~s: vivências,experiências, si- possibilidade de ser dife~encia~la ou distinguida..s;o-~
~.;JI tuaçõcs, atitudes ... ~laro que tudo que seja des- mo tal e correta me te dissolVida s~rerada ou l2er-
crição da repetição não é muito valorizado na psi- laboral a. Por isso, Frcud insiste muito nos artigos
canálise or ue a transfer6ncia não é um fenômeno sobre técnica em que uma série de fenômenos, ren-
-:<:---"..-...,-----
. Çjue 120ssa ser descr~ E um fenômeno que deve dimentos, produtos da transferência não devem ser
ser entendido, decifrado com todo o instrumental considerados como absurdos, ridículos e exclusi-
teórico de que a psicanálise dispõe e abordado com vamente criados elo tratamento sicanalítico, por-
todos os recursos técnicos que lhe são caracterí- que as mesmas forças 9.ille... roduziriam rendiment s
sticos: interpretação, construção. Não se pode ca- similares' fora da análise são as ue . uoduzcm
racterizar a transferência pela repetição de atos, dentro. As pessoas apaixonam-se, excitam-se se-
pensamentos ou afetos conscientes e dcscritívcis ~ente, irritam-se, agridem pelos mesmos "mo-
porque a repetição transfcrcncial - é claro - tem tivos" transfcrcnciais. Igual acontece na situação
muitos aspectos de repetição cmpírica. O sujeito psicanalítica, embora o analista julgue que ele não
vai apresentar, frente ao analista, uma série de ati- dá pretextos "reais", "naturais", para que estas rea-
tudes, idéias etc. que já teve antes. ~ transferência, ções lhe sejam encaminhadas. Por isso deve-se dar
digamos, tem uma repetição visível, dcscritívcl, garantia de que a transferência não será corres-
consciente. Mas ela é predominantemente incons- pondida, não será utitizada. Apenas nos serviremos
ciente e deve ser reconstruída. <; gue se IÇiSte de uma parte dela, da amistosa, para perlaborar,
deve ser "descoberto" como tal. dissolver, marcar a condição de mec.íl.D·s caico
A. Ji}, ~nte, a última pergunta: "onde'?" Isto é s!S2. re.àll,l.
~ importante explicar para concluir.~insiste que Por último, isso não quer dizer que não existam
,vepetição transferencial é um fenÔmeno universal. situações na vida em que a perlaboração da trans-
Onde há su'eito sí uico, em todas as atividades ferência Iam bérn seja possível. Não devemos nos
humanas, há transferência., O sujeito psíquico é esquecer de que os homens amavam, adoeciam e
"movido a transferência", como se diz de um carro curavam-se antes de existir psicanálise. Evidente-
que é movido a álcool ou gasolina. A situação ana- mente, parece que este procedimento está desenha-
32 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA 33 '/

~p
A CONCEPÇÃO FREUDIANA

do para conscgui-lo com maior propriedade e fa- csso. ~a tran::.fç.rência amistosa, o que se repete
cilidade. Infelizmente, é impossível aprofundar e
insistir mais nesta questão. Mas, se for revisada
cuidadosamente, pelo menos servirá para levantar
--
_ Q..ue cada..Yez é diferente. O que retoma, não
igual._Retoma o diferente.

alguns dos preconceitos que costumamos ter em - Se a transjerência implica a repetição do su-
relação ao tema. '0 e de situações vivenciais, em que medida o

texto econômico, social, político de sociedade


erjere na vida do sujeito? Existe o risco de se
INTERVENÇÕES E PERGUNTAS ir em um reducionismo porque se ele vive uma
Ilação de repetição, seguramente tem uma so-
- Pedido de aclaração acerca da repetição e edeterminação de múltiplas causas. É possível
a diferença na tral1.\ferência. criminá-las?

Resposta: Tentarei dar uma explicação provi- Resposta: Em rigor, este é um problema parti-
sória. Talvez seja esclarecido nas exposições se- cular de uma questão mais geral que consiste em
guintes. Quando Frcud fala em transferência po- mo incidem as determinações de natureza não-
sitiva e a divide em amistosa e erótica, deixa íquica ou de natureza psíquica consciente para
claro gue a transferência erótica é da orde-;;da odclar, transformar, modular o funcionamento, as
tentativa de e etir o i_Tual. ~petir uma situas.,ão crcrminaçõcs e as formas inconscientes. Respon-
de aixão causada por desejos e investimentos er a isto não é brincadeira ... É um problema de
arcaicos. Reconhece também na força, nos im- Icna atualidade em psicanálise. Afeta não apenas
pulsos, nos fenômenos da transferência um efeito transferência, mas a todos e a cada um dos me-
amistoso em que, pode-se dizer provisoriamente, anismos do funcionamento psíquico. A psicanáli-
o que se re ete é' lilo gue já foi diferente de
outras situações
--- ~-------
na situação J2asgd(~
-
gue se
, tanto a Ircudiana quanto a atual, não tem um
acordo concludcn te a este rcspci to.
repete é uma capacidade de distinguir a.di Icrcnça. Existem posições que vão desde uma afirmação
Isto será melhor entendido talvez nas próximas e que a psicanálise não tem recursos teóricos nem
aulas, quando poderei falar das implicações filo- mctodológicos ou técnicos para tomar em conta essa
sóficas na transferência. . ibrcdctcrminação e interferência dos outros fatores
Em qualquer processo temporal, se tudo se re- da realidade nos processos psíquicos. Assim como
pete, não há processo. Se nada se repete, não há não se pode fazer feijoada com um coador, não se
34 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO FREUDIANA 35

.v pode ~l~l.rco~t? de.stes fenÔ~enos com a psicanálise. ou um pouco menos ocasião para que os estereó-
V'\V A \ps,canahs4 ~erve estritamente para Isto _. dar tipos se repitam. Mas, sua natureza inconsciente e

j~Olll'~ d.as ~lete~mlOações "ígu~ca~ inco s "CJ1J~<;-- repetitiva vai acontecer sempre - fatalmente -

~~..,o;p
V
e,pa~d l,ncl~lr, ~~)m :ecursos ~SlqlllCOS: predoml~an-
temente verbais e IOterpretatIvo~. EXIste a posição
diametralmente contrária que diz que a psicanálise
por uma dinâmica própria que não é incidida, cor-
rígida ou piorada por nenhuma outra determinação
(histórica, política, social etc.).
é um procedimento cujos recursos para isolar outras Existem os que afirmam que não é assim. Na
variáveis incidentes, intcrvcnicntcs, que não sejam transferência, quando se constitui, tudo aquilo que
as propriamente do psiquismo são insuficicnrcs. vai ser repetido, e quando se repete, o faz em estrei-
Serve apenas para TRADUZIR a interferência den- ta conexão com a vida biológica, social, política
tro do si uismo das var;iíveis não-!2&.CLuic~. E um ctc, A magnitude, a intensidade da repetição não
procedimento que acontece imcrso nesta realidade se deve estritamente às determinações psíquicas e
e está permanentemente sujeito a todas estas de- sim à confluência de todos os fatores. É por isso,
tcrrninaçôcs. Tanto do ponto de vista do paciente, por exemplo, que Freud dividia as famosas séries
quanto do ponto de vista do analista, como do ponto complementares em série disposicional e série de-
de vista do contrato, da situação que se cria no scncadcantc, sendo que talvez se possa pensar que
dispositivo analítico, iLpsicanálise (para realmente essas séries são obviamente situações histórico-
dar conta de seu objeto) tem de se articular com social-biológica complexas, embora deva cscla-
outras leituras e outros rocedimentos. Caso con- rccer que esta é uma questão em plena discussão
trário, arrisca-se a não resolver a robIcmática ue dentro da psicanálise. Diria que escolher uma pc-
scf..preten e transformar, porque só dará conta de sição a esse respeito é uma decisão não apenas
~ma de suas determina~.QQi. Se se -;)~pr~u psicanalítica e cpistcrnológica, como também uma
mais ou menos qual é esta problemática muito am- escolha política.
pla da disciplina e sua articulação com outras dis- Levantando o problema de maneira menos ampla
ciplinas, de sua condição de fato social-histôrico- do que você colocou, ele está concctado com outras
político-ideoI6gico, multiplamente determinado, questões circunscritas. Por exemplo, as definições
estará claro que a transl"crência é um dos preces- que dizem sobre o que se repete não têm igual
sos-Icnôrncnos que se dá neste marco. Há quem adesão entre os analistas. Para alguns, falar de al-
diga que a transferência é um fenÔmeno determi- gumas das coisas que se repetem e que figuram
nado por estereótipos inconscientes e que as situa- no nosso quadro não tem o. menor sentido, porque
çõcs reais, concretas, podem dar um pouco mais não são questões que tenham sido enfatizadas pelo

_b
36 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA
A CONCEPÇÃO FREUDIANA 37

deciframento, orientação psicanalítica que certos mitaçõcs, é uma tentativa (pelo menos) não de ana-
psicanalistas subscrevem. Para alguns analistas, por lisar, e sim de lemhrar as características polirnorfas,
exemplo, o que importa é que o que se repete são as numerosas versões que a transferência tem em
representações, fantasmas ou, por exemplo, rcla- Freud. Dizer até onde foi Freud, o que é de Freud
çõcs objetais. Que se repitam distribuiçües econô- e o que é rcclaboração posterior de outros autores
micas da libido não interessa demasiadamente. Me- é praticamente o tema de nossas próximas cxpo-
nos ainda que se repitam atitudes, condutas, com- siçõcs, ainda que muito simplificadamente. Para
portamentos, porque alguns analistas são drásticos responder à sua pergunta em termos muito gerais,
nesse sentido. Comportamentos, condutas, atitudes diria que todos os autores e analistas que têm co-
não nos interessam ... Isto é objeto da psicologia. locado posições novas - digamos, invenções -,
Não é objeto da psicanálise. Dito de forma um com relação à definição de transferência, reconhe-
pouco grosseira, o que interessa é que se repitam cem que nenhuma delas surge do nada. Todas têm
palavras, ou seja, sentidos, significados Ou signifi- pinçado, selecionado algumas definições Ircudianas
cantes, como se queira chamá-Ios. da transferência. Todas elas têm hipertrofiado, cx-
Por outro lado, isto está conectado com a famo~a clusivizado, e trabalhado produtivamente posições
questão de que, se a transferência é um fenômeno frcudianas para desenvolver aspectos novos. Pode-
exclusivamente psíquico, inconsciente e objeto da mos dizer que nenhuma das rcclaboraçôcs parte de
psicanálise, é mais factível afirmar que é no seio uma base inexistente. Todas escolheram diferentes
do tratamento psicanalítico onde poderá ser enten- momentos da obra de Frcud, diferentes tratamentos
dida, interpretada e pcrlaborada. Se a transferência que ele deu à transferência no transcurso de sua
é um fenômeno complexo, resultante de múltiplas obra tão com plcxa e divcrsificada. A pergunta
determinações, podem existir numerosas situaçôes que caberia aqui, talvez, seria a seguinte: Frcud
vitais que sejam capazes de desencadear a transfe- deu uma versão final, um fechamento de todo
rência e resolvê-Ia.
este polimorfismo do fenômeno transfcrcncial?
Não que eu saiba. Haverá talvez um autor que
- O que você colocou faz pensar nas diferentes dirá (e isso é freqüente): "Aqui está o fechamen-
orientaç6es teâricas da psicanálise. Até onde Freud to: esta é a última versão frcudiana. Por isso eu
foi neste sentido? O que é reelaboração ou' relei- a tomei para cdificar minha teoria". Isso é ca-
tura de Freud?
ractcrfstico dos analistas. Cada um diz isso. Eu,
por uma questão de ignorância ou de originali-
Resposta: Esta exposição, com todas as suas li- dade, direi que não sei qual é a versão definitiva.
38 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA

Por isso, limito-me a transmitir a maior quantidade A CONCEPÇAO


de versões freudianas da transferência que conheço.
ANGLO-SAXÔNICA
- Você disse que estaria imbuído um conceito
de transferência em cada modelo do aparelho psí-
quico. Poderia fazer a exposição do modelo do
aparelho psíquico da histeria e do complexo de
Édipo com relação à transferência?
H O.lE pretendemos repassar o concei to
Resposta: Deus nos dê longa vida ... Realmente, e transferência tal como apareceu na obra de Me-
neste momento, já estava a ponto de encerrar esta lanie Klcin, Em rigor, tratar deste tema em Melanie
exposição. No entanto, a forma mais simples, mais Icin é um pouco diferente de tratá-Ia em Freud.
econômica e menos sofrida de pelo menos abordar O conceito de transferência em Mclanic Klein não
a questão será ler o verbete TRANSFERÊNCIA no Vo- tem, em nenhuma parte da obra, um tratamento
cabulário da Psicanálise, de Laplanche e Pontalis, teórico exclusivo ou deliberado. Pelo contrário, a
onde foi feita uma explicação breve, certamente técnica em Melanie Klein tem dado grandes con-
muito clara, da transferência no período da histeria, iribuiçõcs à abordagem opcracional e instrumental
da transferência em A Interpretação dos Sonhos, da transferência. Teremos, então, de lembrar um
da transferência nos casos clínicos, ela transferência pouco mais as contribuições gerais da teoria de
nos artigos técnicos (1910-1920), da transferência Mc!anie Klcin, situando uma ou outra conseqüência
em "Inibição, sintoma e angústia". E, digamos, os teórica que tais contribuições têm sobre o conceito
pseudofechamentos com a transferência no "Esboço de transferência. Trataremos de enfatizar as "me-
de psicanálise". Nessa obra póstuma, em duas ou didas práticas" de manejo da transferência que ela
três páginas, dará mais ou menos para fazer a di- inventou e que realmente ocasionaram uma espécie
ferenciação. De qualquer maneira, esta exposição de pequena revolução no procedimento psicanalí-
serve para que saibamos que as diferentes exposi- tico.
ções de transferência não fazem senão cnfatizar al- O primeiro caso de análise de criança que se
guns destes elementos. Se aceitamos a idéia de que conhece na história da psicanálise foi a peculiar
não há nenhuma versão definitiva, será um grande análise feita por Freud sobre o famosíssimo Hans,
estímulo para continuarmos estudando a transfe- o "Joãozinho". O garoto apresentou uma quantida-
rência. de de fobias, e seu pai, que havia sido analisado
40 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO ANGLO-SAXÕNICA 41

Freud e era interessado pela psicanálise, resol- canalítico eram limitadas. Anna Freud propunha
veu empreender uma espécie de análise familiar que, para analisar crianças, elas deveriam passar
- ele mesmo (o pai de Hans) atuando como psi- num primeiro momento por um processo educativo,
canalista de seu filhinho sob a supervisão de Freud. informativo, em que o terapeuta deveria reunir-se
Esta primeira análise concreta de uma crianca teve com elas em várias oportunidades e explicar-Ihes
caráter um tanto esdrúxulo. O terapeuta era' o pai em que consiste o trabalho psicanalítico, observar
do paciente e Freud - o terapeuta do pai - era o grau de desenvolvimento intelectual, moral etc.
o supcrvisor. Felizmente a ortodoxia ainda não esta- Só- depois desse período é que se poderia propor
va em moda nessa ~poca, o que permitiu abrir um um tratamento mais ou menos similar ao modelo
capítulo interessante da psicanálise. Não houve uma do adulto.
análise direta de um paciente infantil. Na mesma época mais ou menos, apareceu a
Anos depois, algumas terapeutas, especialmente célebre psicanalista Mclanic Klein, que era paciente
analistas mulheres, estavam cientes da existência de Abraharn, um' dos principais colaboradores de
da "doença mental" nas crianças, não apenas pela Frcud, que afirmava o contrário. Dizia que as crian-
observação como também porque as obras teóricas ças são perfeitamente passíveis de análise e que a
de Freud já haviam colocado o fato de que a neu- análise de crianças é mais fácil e direta do que a
rose e outras doenças começam na infância e não análise de adultos em muitos sentidos: na medida
apenas ocorriam na maturidade. Estas psicanalistas em que estão mais "próximas de seu inconsciente",
tentaram aplicar a psicanálise em crianças. Uma dispõem de defesas secundárias menos consolida-
delas foi Sofia Morgenthal e outra F. Helmuth, que das etc. Deve-se, é claro, tomar consciência de que
fizeram ensaios simultaneamente com Anna Freud. a atividade expressiva da criança - aquilo através
As tentativas das duas primeiras não deram muito de que a vida psíquica da criança se manifesta -,
certo, o que as desanimou, enquanto Anna Freud predominantemente, em sua vida cotidiana, era a
desenvolveu um método sistemático de análise de brincadeira, o jogo.
crianças. Afirmava ela que as crianças não estavam O erro de Anna Frcud consistia em querer aplicar
em condições de ser diretamente analisadas porque à criança um procedimento próprio do adulto, exi-
não possuíam o aparelho psíquico totalmente cons- gindo dela material verbal associativo, o que não
tituído. O superego não estava inteiramente implan- 6 o modo prcvalcntc de expressão da criança, em-
tado. A capacidade de simbolização e de compre- bora seja capaz de fazê-h O que se devia fazer
ensão das interpretações e de aceitação da regra era colocar a criança em condições as mais "na-
fundamental sobre a qual se edifica () contrato psi- turais" possíveis e simplesmente sugerir-lhe ou dar-

..
42 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO ANGLO·SAXÔNICA 43

lhe elementos para que brinque, para que jogue. quer outra zona crógcna ou na mesma que a origina,
O jogo espontâneo da criança é, nela, um material Cria-se um universo anárquico, disperso, fragmen-
tão expressivo, significativo e representativo das tado. quc os alcrnâcs chamavam schpaltung ou zcr-
formações inconscientes como o discurso verbal sclrpaltung (fragmentação), O scl I constitui-se
livrc-associativo do adulto, Eis o que Melanie Klcin quando o universo anárquico organiza-se. unifica-se
começou a fazer. Depois de alguns anos de expe- em uma entidade coerente. Isto acontece tendo co-
riência foi selecionando e rcclaborando na teoria mo prccondiçáo uma relação complexa e indispcn-
freudiana os aspectos da doutrina que lhe pareciam sávcl com os objetos que são os outros sujeitos
mais inteligíveis e úteis na compreensão e inter- responsáveis pela criança. por sua criação, Existem
pretação do jog« da criança, Aí é que se cdificou forças que movem esse organismo psíquico; estas
a teoria ou tendência klciniana em psicanálise. Me- forças são o que Mclunic Klci n chama de instinto
lanie Klcin, como todos os continuadorcs de Frcud , de vida e instinto de morte, Vocês podem perguntar
.

não toma a teoria freudiana completa, in totum, e se em Mclanic Klcin existe a diferença tão co-
sim seleciona aspectos da mesma, que extrai e ar- nhecida entre "iusti nto" c "pulsâo". Esclarecemos
ticula à sua maneira, introduzindo outros recursos que tal diferença. para Mclunic Klcin, é irrclcvantc.
provenientes sobretudo de correntes lingüísticas e Ela lula cru instinto algumas vezes e em outras,
filosóficas anglo-saxónicas da sua preferência. de pulsâo. Náo é uma di [crença que lhe interesse
O sujeito psíquico, para Melanie Klein. com- dcmusiado.
põe-se de uma unidade que ela chama de sar, que Neste caso, o instinto de morte é exatamente o
compreende aproximadamente todas as instâncias mesmo quc em Frcud - responsável pela quietude,
psíquicas anunciadas por Freud em sua segunda irnprodutividadc, dcstruiçào, fragmentação -, en-
tópica. quanto o instinto de vida é responsável pelo movi-
O sclf constitui-sedesde o começo por relações mente. atividade, junção, uniâo, organização, dirccio-
com os objetos significativos no desenvolvimento narncnto das forças cic. Segundo Mclanic Klcin, para
de uma criança, A etapa anterior à constituicão do que esse organismo disperso. em estado de splilfillg.
self é um período de total dispersão e fragme~tação tenda ,I organizar-se, o instinto de vida c de morte
do psiquismo, que lembra muito o que Freud cha- devem combinar-se entre si, de forma tal quc C) ins-
mava de auto-erotismo, situação em que o aparelho tinto ele vida predomine e coloque () instinto de morte
psíquico não está constituído e compõe-se de uni- a xcu serviço, aproveitando <1:--características do ins-
dades eróticas que funcionam ao acaso e geram tinto de morte par,1 cncammb.i-lo. dirccion.i-Io para
impulsos parciais que podem satisfazer-se em qual- tl L'rl'Sl'inll'ntn l· l'n1lul:d() li" "r!2dnl:--l1ltl psíquic«. ela·
44 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO ANGLO-SAXÕNICA 45

ro que tal combinação é precária nos primórdios tividadc. Outras defesas também serão utilizadas.
da vida psíquica, de tal modo que o instinto de Por exemplo: a negação ou declaração da incxis-
morte continua consideravelmente indomável, não tência predominantemente do aspecto ruim.
controlado, não dominado. Consegue-se, pelo me- A teoria de Melanie Klcin tem sido muito criticada
nos nas primeiras etapas, organizar o splitting neste porque os teóricos perguntam-se como é possível,
universo fragmentário. Mas só alcança Iazê-lo se- nesta etapa primária do psiquismo, que se resolva
parando-o em duas partes mediante o primeiro me- chamar "bom" ou "ruim" aos dois setores do self e
canismo de defesa deste sclf, que é processo de dos objetos, quando esta etapa é pré-vcrbal, pré-jul-
dissociação. Tal dissociação, de certa maneira, or- gativa, pró-ética, e o sujeito primordial não tem a
ganiza o sclf porque evita a dispersão total, mas menor capacidade para fazer tais julgamentos.
não consegue uni-Io além da cisão em duas partes. Trata-se de uma crítica injusta, porque Mclanic
Esses dois setores não têm conexão entre si e vin- Klcin esclareceu muito bem que o "bom" e o
culam-se, por sua vez, em separado com seus res- "ruim" não têm nenhuma conotação moral, obede-
pectivos objetos. Ou seja, os objetos também so- cendo à necessidade de denominar de algum modo
frem a mesma dissociação que o sei f. Esta estranha essas etapas com uma terminologia que, evidente-
estrutura partida, que relaciona uma parte do sclf mente, é mais apropriada ao investigador do que
com uma do objeto, e outra parte do sclf com outra ao sujeito.
do objeto, consegue, desta maneira, que o sclf in- Como o sujeito chamaria esses momentos e eta-
cipiente (que experimenta a ação da pulsão de mor- pas, se pudesse falar, ninguém sabe ... Ocorre que
te com uma vivência muito sofrida que se chama este momento é denominado por Mc\anie Klcin de
ansiedade) possa combater a mesma e torná-Ia não posição, da mesma maneira que pedimos nossa
inteiramente dcstrutiva. Ao contrário, consegue que "posição" quando vamos verificar o saldo de nossa
seja promotora, impulsiva para o desenvolvimento. conta bancária. A posição de que falamos chama-se
Ademais da dissociação, que divide o sele e os csquizoparanóidc. "Esquizo" pela dissociação, por-
objetos em maus e bons, existem outras defesas, que há separação. "Paranóidc" porque um lado da
como por exemplo: os objetos bons e a parte boa posição é profundamente pcrsccutório. Esta posição
do sclf serão idealizados, isto é, todas as excelên- caracteriza-se porque o sclf e o objeto estão dis-
cias scr-lhcs-ão atribuídas, todas as onipotências e sociados, A" ansiedades muito intensas e predomi-
maravilhas, enquanto a outra parte do self,que se nantes são pcrsecutórias ou paranóicas, O sofrimen-
relaciona com outro objeto parcial, será chamada to, o medo, a sensação de destruição são intensos.
de ruim, tendo poder de pcrsccução, dano, dcstru- As defesas que operam no sentido de moderar tais
46 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO ANGLO-SAXÕNICA 47

ansiedades são mecanismos de dissociação, ideali- produzem-se transformações de maneira que dimi-
zação, projeção do mau no objeto, negação etc. nui a dissociação e tende a produzir uma integração
Teremos formas de "representações mentais" (as- entre o sclf dcstruído, dani ficado, agressivo, pcr-
sim denominadas por Nlf11jl,~ieKlein) do estado no secutório ... e o sclf prazcroso, gratificante. O mes-
qual o psiquismo se encontra. Este estado está mo acontece com os objetos. Eles e o sclf vão se
composto por um determinado equilíbrio de forças integrando, tendendo a transformar 6 self em sclf
e uma topografia onde se distribuem o self e os total e os objetos em objetos totais, integrados. Esse
objetos, defesas etc. Trata-se de reconstruir como processo faz com que as defesas sejam mais fluidas,
a chamada "mente do sujeito" consegue representar, de maneira que tendem a diminuir sua rigidez e
essa situação e - além de representá-Ia - con-' transformá-Ias em técnicas de manejo das ansieda-
segue de algum modo "ajeitá-Ia" para torná-Ia su- des. Em termos dinâmicos, predomina a pulsão de
portável. As representações que faz o sujeito nesta vida, conseguindo-se cada ver. mais colocar a pul-
etapa chamam-se fantasmas ou fantasias. Os ingle- são de morte a seu serviço. Os fantasmas são cada
ses têm feito uma diferenciação entre "fantasy" e vez mais próximos do que seria o processo secun-
"phantasy". FANTASY refere-se aos devaneios, dário no adulto. Passa-se, então, para uma nova
sonhos diurnos que todos temos. l'Hi\NTASY é re- etapa, que Melanie Klcin denomina "posição de-
lativa aos produtos inconscientes aos quais não te- prcssiva", em que se utilizam provavelmente as
mos acesso direto, devendo ser reconstruídos, de- mesmas defesas de antes, porém mais atenuadas,
cifrados. Claro que nos bebês, ainda que existissem acrescentando-se outras novas. Em termos gerais,
fantasmas, não existiria a menor possibilidade de diminuem a projcção-introjcção do self sobre os
acesso a esses materiais. Existe no adulto, no qual objetos, a dissociação, idcalização, negação e per-
os fantasmas podem ser construídos a partir do dis- sccução, tendendo a transformar-se na discrimina-
curso associativo, e nas crianças, que os manifes- ção e capacidade seletiva do "normal". A proje-
tam no brincar. Tais fantasmas só serão rccons- ção-introjcção é utilizada para fins de empatia ou
truídos a partir da sua pcrvivência, subsistência e capacidade de colocar-se "em lugar de outro" ou
permanência no sujeito simbolizante, o que nos per- incorporar aspectos positivos do outro que enrique-
mite supor o que acontece no bebê. À medida que cem a personalidade. A idcalização transforma-se
se desenvolve e realiza o processo de desenvolvi- em admiração e respeito pelos objetos reais e assim
mento psicosscxual da criança, e que a criança tem sucessivamente. Por outro lado, diminui a onipo-
experiências boas, especialmente com o lado bom, tência tanto da maldade quanto da bondade, do su-
idealizado, em sua relação entre o sclf e os objetos, jeito e dos objetos, de acordo com o princípio de
48 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO ANGLO·SAXÕNICA 49

realidade. Modificam-se os sentimentos - questão


que acompanhou todo o tcmpo nossa descrição e
ranóidc, enquanto sentimentos que a acompanham.
Outros sentimentos aparecem com a entrada da~
.r'»
~
que, voluntariamente, deixei excluída, para não posição de ressiva) Por exemplo: o CIÚME - von- ~~.
complicar as coisas, ta e de ossuir um ob'eto vaI' o que outro 110s- /;V~y.
Melanie Klcin atribui muitíssima importância ~i e não necessariamente vontade de destruí-Io; a ~.
aos sentimentos inconscientes que, em Freud, se- CULPA - dor ou ~orso pelos danos que se pode ('
gundo certas leituras, carecem desta importância. eventualmente ter causado (real ou imaginariamen-
Para Frcud os afetos e sentimentos são efeitos e te) ao objeto; o MEDO - não tanto o medo da
fenômenos que pertencem à ordem do consciente, vingança, da retaliação, do revide do objeto per-
não tendo, assim, demasiada importância para a secutório, porém o medo de causar-lhe dano peja
investigação mctapsicológica psicanalítica. g.gressividade e ho;-tilidade do sujeito. Surge a AN-
Para Melanie Klcin, existem sentimentos incons-
cientes o tempo todo, desde os prirnórdios do de-
---
GÚSTIA, que não deve ser confundida com ã7n-
siedade (característica de todas as posições),~
senvolvimento até a vida adulta. Alguns desses sen- é própria da posição depressiva ou pós-depressiva.
timentos acompanham as características das posi- Os ingleses diferenciam "angust" de "anxiety".
ções. São próprios da csquizoparanóidc e da cha- Aparecem também sentimentos de REPARAÇÃO-
mada posição dcprcssiva e de uma nova etapa que vontade de curar, de consertar e construir, tanto
Melanie Klcin não enunciou, e, talvez, poder-se-ia no que diz respeito ao self e ao objeto, e ainda o
imaginá-Ia, a etapa pós-dcpressiva. Os sentimentos sentimento de NOSTALGIA - capacidade de lem-
característicos durante a posição csquizoparanóidc brar o perdido ou destruído com sentimento de
são: a A V[[)EZ - vontade de esvaziar, incorporar SAUDADE, ao mesmo tempo resignada e relativa-
completamente o objeto e, assim, anulá-to, clirni- mente gostosa. O idioma português é privilegiado
ná-lo; a VORACIDADE - que também é um senti- por ser o único que possui a palavra saudade, que
mento de incorporação em que a destruição não é uma nostalgia gostosa. Finalmente, aparece com
está dada porque a incorporação é exaustiva, senão maior clareza o sentimento de AMOR - anseio
"dcsgarrantc", dcsarticuladora do objeto como se do bem absoluto para o objeto e para si mesmo.
fosse mastigá-lo; o sentimento de INVEJA - von- Para completar o quadro, as posições, com suas
tadc de colocar todo o mal do sujeito no objeto, respectivas formas de self, objetos, ansiedades, de-
porém não com o fim de possuir o bom que o fesas, instintos, sentimentos e fantasmas, coincidem
objeto detém. e sim com o fim de dcstruí-ln relativamente com as etapas que Freud enunciou
Estas são as características da posição esquizopa- em sua teoria do desenvolvimento psicossexual das
50 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃd ANGLO-SAXÕNICA 51

fases crógcnas (fase oral primária e secundária, fase gens e as escolhas do progenitor do sexo contrário
anal retentiva e expulsiva, fase fálica e fase genital). c'õmo amado ou a esco a do progenitor do mesiTiõ
~ Alpms klcinianos afirmam que a fronteira entre a sexo como odiado e temido. n im, a distribuição
tYf" slcose e a neurose, o lImIte entre a posição esqui- <!.os personagens e impulsos que temos no Édipo
r,/' zoparanóide e dcprcssiva, é a fase anal secun an v adulto e maduro é difícil de reconhecer no Édipo
~. em ue se come a a diferençar o sujeito do objeto, precoce, porque estamos falando de ob'etos ar-
o mundo interno dQ externo o self de seus objêiãS ciais, nao a enas no sentido de o]),~eJ.Qs.Jlons....e..-Db-
a.!.Çm de todas as outras integrações que vão se js..tos maus. Estarnos falando em objetos parciais
realizar. Neste plano, uma diferença importariiC é enquanto Partes da anatomia fantãsmática dos cor-
que Melanie Klcin baseia-se em suas observações pos dos pro enitores. Fala-se em seio, em pênis,
•..e acrescenta uma nova etapa intermediária entre a em fezes, em fluxos, de maneira tal que em uma
(~J fase anal e a fase fálica - a ETAPA URETRAL leitura mais "realista" do Édipo esses objetos se-
1~ -, muito importante para ela, põr uanto as fanta- riam irreconhecíveis. De qualquer maneira, Melanie
sias relacionadas com a urina, como urinar den ro ~afirma que as fantasias correspondentes aos
do objeto, têm muito a ver com a inveja c vcicu- períodos primários são organizáveis edipianame.rue.
(ação de iml2ulsos inY..ej.Qso-s,. Por exemplo, a fantasia clássica cIos ataques inve-
Outra~tão importante é a~diferen,Ça que eX,iste josos ou ciumentos que se ode iam.Jazcr.nc 'di o
~'f.Y\ em M. ~q~nto à concepção freudiana do gdi- adÜlto ao pai é dirigida ao pênis do pai ou aos
~ QSL Essa diferença deve entender-se em dois sen- bebês, enquanto interiores ao corpo da mãe, e assim
"V tidos: o primeiro sentido é ue Freud afirma ue sucessivamente. Isto tem dado um verdadeiro ca-
o Édi o instala-se plenamente e resolve-se entre tálogo, uma lista telefônica de fantasmas rccons-
dois e guatro anos de idade, e tudo o que acontece truídos pelos kleinianos, cada um dos quais mais
antes - auto-erotismo, narcisismo primário, nar- inacreditávcI do que o outro. Tem dado lugar tam-
cisismo secundário etc. - ainda não pode ser con- bém a ironias e piadas e gozações das interpreta-
siderado Complexo de Édipo porque as posições ções kleinianas.
do Complexo de Édipo não podem estar definidas. Entretanto, é bom lembrar que todos os fantas-
I Melanie Q<lei~t~falado em ÉDIPO PRECOCE. mas que Melanie~d~obriu e catalogou são
-b~ ~firma ue o Edi está instaladodcsde o princíw estritamente passíveis de descoberta na clínica,
-.nY ~ vid$L. D.!ldas as c?~acterísticas que o s~os especialmente n~ica de crianças e nãCi'Ínica
t"" obl..etos adquirem, ~ Edipo é uma espéêíê' de dra a de psicóticos n~da em gue as c-riançasainçla
surrcalista no qual é difícil reconhecer os persona- estariam nestas etapas e que os psicóticos perma-
- - _:.-.r-
52 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO ANGLO·SAXÕNICA 53

necem fixados nelas ou reg!"idem a elas _o mo- incide na progressão são os vínculos gue se es~-
mento de catástrofe ou cataclismo do surto.
.:.;..:.:.;:..:;;-.::.;;...==. • - Pode- b~lecem com os objetos, predominantemente ~m
";;;"os discutir o achado, o deciframento da clínica os objetos bons, pcrmitindo quc os sll'citos acu-
dos fantasmas, mas estão todos presentes. Para con- mulem experiências favoráveis, introjetcm o . o
cluir, podemos dizer que no momento de saída par- bom c o convertam no núcleo de seu self, conse-
JÁ,,,cial da posição depressiva vai se consolida o guindo assim integrar os instintos, ansiedades etc.
~/~ processo muito importante que Melanic chama de ~)Cesso que gera a t[cgr'essãd para Melanie
'-J!:',.;f @mb~lizaç[2,listo é,} capacidade de elaborar, cap- (~; o retroccsso, a fixação, são fundamental~~n-
-gr\ turar, orde~r os fantasmas, impulsos, instintos, de- te as ex eriências de frustra 'ão, ..9!!.a.ndo o .~UJCItO
fesas, ansiedades e sentimentos em sistemas de [e- sentc-se atacado, privado de amor, imeotente ou
wesentação simbólica conscicnjc. Este processo é, abandonas.It!..r.clo OfÜf.tO. Com isto, claro, podemos
por sua vez, causa e efeito d e t e enumerar nove característica~ .das cont~ibuições \ .. .K-I'
é o que (embora de maneira recária roduz uma. klcinianas, não sem antes definir o que e &ransfe-~..;;y
certa" alidadc". Isto fundamenta o que para ~ncia \para Mclanie ~ Não.é nada ~ais n~da ~'.-.y.
Melanie Klein é o princípio da cura, não demasiado menos que a repetição gue se vaI prodUZIr, na vIçlar ~
diferente daquele de Freud quando diz que a cura em eral ou na situa 'ão a illili e articu r,
é a instauração e dominância do processo secun- dos momcntos de fixa ão nos uais sc ermanece
dário. Ou seja, a capacidade adquirida pelo sujeito or falta de desenvolvimento ou se. etorna devid
por meio da expressão lúdica e sua possibilidade à re ressão originada pela frustra.c~o. Estes mo-
de simbolizar as vicissitudes de seu mundo interno, mentos, que implicam formas de ser do self, for-
de dorniná-lo, ordená-Ia, em um sistema de repre- mas de ser dos objetos, formas de articulação
scntações conscientes. dos instintos, ansiedades típicas, sentimentos tí-
Vejo-me obrigado a fazer toda esta passagem picos e fantasmas típicos, tendem a repetir-se pre-
pela teoria klciniana, o que deve ser, para alguns, dominantementc por efeito da pulsão de morte,
absolutamente supérfluo, redundante e desnecessá- c.!J;a natureza, além de imobilizar, desarmar, con.-
rio, mas que nunca será demais para outros. Só sistc em re etL
assim poderei referir-me às contribuições de Me- As c ntribuições podem resumir-se assim:
lanie Klein acerca da transferência; é óbvio que 1) A t6cnica do j~: ~ criança deve ser co-
todo este devir, este processo evolutivo, tem mo- locada em condições adequadas para desenvolver
mentos de estagnaç~ação, progressão e regrcs- a ati~idade que lhe é completamente :natucal" e
são. Para Melanie~.Q que fundamcntalmc~ predominante em sua vida, que é ?rincar. Não é
54 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO ANGLO-SAXÔNICA 55

necessário pedagogia de nenhum tipo. O que se sado só é im ortante na medida em uc está pLe-
pode fazer é favorecê-Ia por meio de brinquedos sente. Se se consegue simbolizar exaustivamente o
e de um ambiente ro ício ao '0 TO. presente' como transferência entre o paciente e o
2) A segunda contribuição klciniana é a proposta ànalista, ode-se tornar desneccssáno reconstruir o
de que a inter reta ão não precisa es erar ue a - assado.
transferência se estabeleça or ue esta se estabelec S) A quinta contribuição deve ser discutida quan-
imediataments... quando há o primeiro contatqçcm
. ---
a-f.!iança a~sim que começa o jogo, e, por v~,
to a ser considerada uma contribuição ou um erro.
Fica em aberto. Cada sessão '0 _o brincadeira, cada
ante~a relação com os pais ue consultam. instante da rela 'ão contém um fa t . 'aJúas-
3) Se a criança está regredida a um ponto de ma pode e deve ser interpretado ainda ue o sujeito
fixação, e se o ponto de fixação significa predo- pareça não estar em condições de aceitá-Ia e ainda
minância das posições primárias, quer dizer que - ue nãa.o acene. O processo consiste em coiil'ffintar
haverá um predomínio da pulsão de morte, tendo o fantasma com a realidade. Só que a realidade,
como efeito a dominância na situação psicanalítica no caso, devido à formulação anterior, reduz-se
da transferência negativa. ~ interpretações d~em fundamentalmente à realidade da pessoa e da tarefa
ser reeoces, rápidas e, por outro lado, devem estar do analista. Em outras palavras, reconstrói-se o fan-
eentradas na transferência negativa, no vínculo per- tasma em que aparece a vontade de devorar o ob-
s~cutório, destrutivQ., agressi~ Só quando for com- jeto, consurni-lo com avidez, o medo de ser per-
p~eendido, simbolizado, capturado, é que o proces-
--- -
so con eguirá continuar.
-. seguido por ele, destruído etc. A simbolização re-
sulta da confrontação entre os fantasmas decifrados
4) A transferência deve ser interpretada c2!!l0 e a realidade da pessoa e da tare a a al'sta ue
um fenômeno quc está a~cendo estritamente naturalmente não é assim e não re' de fa~.e nc- .~
aqui e agora na relação entre o aciente e o terª-: nhuma de as soisas. $
~uta. O que ac;n~ fora, na relação com os pais 6) Lm )rtância do rocesso de simboliza ão ue~');.
e com o mundo, só tem importância na medida ~ consiste nec~ssariamente na exposição verba.l~
em que é manifestado para exprimir situações que ~e.:.:.ca do que fOl~nten I 9. onslste. na mudança?
estão acontecendo entre o paciente e o terapeuta. da qualidade do jogo, em que os bnnquedos ad-
Por outro lado, a história pessoal que se pode re- quirem a característica que realmente possuem e
construir a partir do decifrarncnto do ui e agora são manejados de maneira prazcrosa e criativa.
O gue Freud - hamava
não tem tanta importância.
de construções
-- ~
não tem tanto peso, porque o as-
7) Na interpretação do Édipo precoce é primor-
dial a questão da simetria sexual, cujo ponto não
56 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO ANGLO-SAXÕNICA 57

foi tratado por nós na parte teórica. Em poucas ratura. Os literatos são os artistas do sentimento,
,dv-r.' palavras vamos rcsurni-lo. M.~ n!o adn:ite_o das mudanças, dos pequenos medos, alegrias, espe-
rwrrV
p
ue Freud ostula acercaia diSers..n.sa ~...Edipo ranças, estados de ânimo .. , Pela importância dada
rnJaSCldino e femininQ. Não aceita o que mode a- aos sentimentos, [luitos kleinianos sã_o capazes de
r mente se chama a primazia do ltalus. Não con- fazer este tipo de interpretação da transferência em"l
cõr a com a definição que o ~ujei to faria da con- termos de delicados sentimentos.
diçâo feminina como uma espécie de carência do 9) A importâôc;jj:aãdâ às ansiedades, defesas, r-_~
órgão masculino. O modelo de compreensão Ireu- fantasmas e, talvez_ menos a outros aspectos, Por ()Jf"
diana do Édipo é o Édipo masculino, enquanto o exemplo, os kleinianos julgam muito negativamente
Édipo feminino se desenvolve como negativo do ~s "a tllações" e dão )llCa im[1ortância aos sonhos,
masculino. Para M.@ sada sexo tem seu Édipo ue não sao o seu ~(Qne". Os kleinianos opinam
e um conhecimento implícito das características ana- que, na medida em que as ansiedades são registros
tômicas de seu se O homem sabe que tem pênis, do jogo instintivo e do sofrimento psíquico, e na
e o pênis entra nas vicissitudes de seus amores edi- medida em que desencadeiam defesas, instintos, an-
pianos como: vontade de possuir genitalmente a mãe, siedades e defesas, se exprimem nos fantasmas,
medo de pcrdê-lo pela castração do pai etc. A mulher Analisando os fantasmas, as ansiedades e defesas,
tem, muito cedo, a plena vivência da existência da consegue-se desmanchar as características adotadas
sua vagina e da capacidade de cngravidar. Por sua pelo sclf e os objetos em cada posição, o que torna
vez sofre um complexo de castração articulado às mais manejável a importância que pode ter, even-
t}{yicissiiudes do com .lexo ~ ÉdifX~,~a~ aquelZ-vivi~o tualmente, a carga dos instintos em cada uma das
X-~ em torno de fanta~IjlLsh; destrmçao Interna, e nao posições, especialmente os instintos de morte,
~A~da , rda do ~nis il2!.?gjnári2,. Pode-se dizer q~te Resumir tudo isto não é uma tarefa fácil. Espero,
f'v- conceito kleiniano do ÉdifX) femi~in() e fXJsitivo, no pelo menos, que tenha sido ilustrativo.
sentido de que é onglDal, e um iI?<2. rQQrio. Não
precisa calcar-se ou contrapor-se ao outro como sendo
um negativo simétrico, INTERVENÇÕES E PERGUNTAS
}. 8) A importância que os kleinianos dão aos scn-
Jl"'f~ ~~entos os t~~"ª-dQ,_ no~ bons casos (existem - Você poderia explicar mais sobre a transfe-
Y" ti} kleinianos muito ruins), à consideração dQs. s~- rência negativa?
Y' ~~ e tem-lhos dado uma peculiar sensibilidade
para entender o material, que se aproxima da litc- Resposta: Apesar de Mclanic Klcin ter escrito
58 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO ANGLO-SAXÔNICA 59

um artigo chamado "Observando a conduta dos be- porque não é o erótico que predomina. O que prc.-
bês", no qual se abre a ilusão de que também os d.9mina não é o amor, é o ódio não simboliza~o,
bebês podem ser analisados (interessante neste mo- não capturado no sistema de representações, nio
mento de crise de mercado que vivemos, pois, já permitindo que o impulso de vida, o erótico, o a!!l0-
que no Brasil há grande natalidade, a possibilidade .!:O:iO, se desenvolva e tome a seu controle 0d1re-
de analisar os bebês é empolgante ... ). Mas 'parece d.omínio da tníalidad da-\&Í.Ga-p&Í.Gfuica.Por isto é
que os bebês não são analisáveis, até um determi que ela prescreve que o rimeiro a ser' pr.ç.tado
nado momento, em torno dos dois anos e meio ~ a transferência negativa, ou seja, deve-se trabalhar
a invcia a avidez, a voracidade, o ódio, o cifune,
~(~. É quando os 5ebês ganham um apa~(~
neuromuscular, sensorial e simbólico suficiente- a cul a crsecutória etc.
--~
mente desenvolvido para permitir-Ihes cumprir a O que tcm ocorrido, sem entrar em muitos re-
atividade que é a base de Icitura do analista - a finamentos teóricos, é que a proposta kleiniana tem
b~incadeira, o jogo. Supõe-se gue a criança eS,tejã sido mal interpretada. Mpitas yczes-<t~-
VIvendo, neste eríodo as osi 'ões es uizo ara- ções kleinianas I2arecem uma desaforo, porgue en-
nóide e dcpressiva. Como já disse, as posições ca- {;}tizam tanto a maldade, o ódio, a ~Q~de de cks-
~cterizam-se por não existir uma adequada inte- tr~lir ue a crianç,a ou o adulto a~ab;m ri!siàJ:lco-
gra 'ão dos instintos. Não existe integração de nada. lizando-sc cntendcnd2 quc são C!!!~111entc ruins ou
Nem dos instintos, ncm do self, nem dos objetos, ue nada têm de bom .. As interpretações da trans-
o que faz com gue as ~dadcs sejam muito iin- ferência negativa não são àrticuladas com as siri-

' p~rtantes, bcm como as dcfe~ que ããiTViâa e


de s~mbolização!êja .. po~re. Portaniõ,. o que p;e-
\1Is. ão se mostra ao paciente como o predomjnio
---- - - -

-
negativo não permite a emergência do positivo, o

fA )f 9!§J.9 e a~
dom ma, ~nLU.IQ.ç.ê.Q. nega ti~.
.
ue às vezes produz incremento da cul a ~ºcutória,
da auto unição e, fundamentalmente do desalento.

"
Entendemos por transferência negativa o predo-
t, mínio da . 'dade e a ersecução na;t - Nas palavras do paciente, seria: "Ah, então é assim ...

fY
~ r ana-lítica.:-MeIanie Klcin diz que não adianta educar então não tenho salvação nenhuma ..." Se isto surge
~ neste momento segundo a proposta de Anna Freud, necessariamente da concepção kleiniana ou não, é
. pois toda tentativa de informações e educação cairá discutível. Em geral, vemos que surge da má com-
no campo onde predomina a pulsão de morte, a preensão da teoria e da proposta klciniana.
hostilidade e a persccução. A criança não vai as-
similar o ue se ensina. Não adianta interpretar - Você poderia [alar um pouco mais sobre as
cnlatizando, por exemplo, a transferência erótica, interpretações qual/do predomina a pu/são de morte?
60 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO ANGLO-SAXÔNICA 61

que poderia destruir o analista, a vontade de in-


Resposta: Deprccnde-se um pouco da resposta corporá-lo, csvaziá-lo, tirar-lhe todas as coisas boas,
anterior. Melanie Klein tem dois casos famosos, o a vontade de cortá-lo em pedacinhos, de destruí-I o,
"caso Dick" e o "caso Richard", sendo um deles tirá-lo de outros relacionamentos afetivos com ou-
descrito de maneira admirável em um livro grande, tros pacientes, com seus familiares etc. Esses fan-
sessão por sessão, tudo que foi interpretado a Ri- tasmas arcaico.s...aconl 'cem..com grande predomínio
chard - Relato da psicanálise de uma criança. da ulsao de e CQm orussimas e dcsprazcro-
Independentemente de coincidir ou não com a teo- sas ansiedades e com defesas rígidas contra a an-
ria kleiniana e com o tipo de intervenção que ins- ied e Na medida em que se interpreta e se coloca
pira, o que deve ser resgatado com o maior respeito em termos simbólicos, diminui a ansiedade porque
e admiração é a vontade de ob'etivar o trabai110 diminui o temor de que isto esteja acontecendo na
que e a azo Nao sei se vocês observaram que ul-
timamente
'-
nin ruém ublica casos clínicos. Os psi-
canalistas se ocupam em rcanalisar teoricamente
os casos de Freud. Mas não se sabe o que cada
realidade. Localizando tudo isso como fantasma,
surge a ocasião de que o lado da pulsão de vida,
a transferência amorosa, apareça com mais clareza
e a induza ao processo de manifestação do jogo e
um faz no consultório o ue é muito negativo· ara da expressão mais livre, criativa e compreensível.
Q dcsenvolvimento_de..n.oss<Ld.is.ciplin;I. Todos falam
das teorias que adotam, mas não falam como as -J á que a teoria kleiniana dá ênfase ao jogo,
aplicam e ninguém sabe se dá certo ou não. Melanie ao brincar como forma de expressão, gostaria de
Klcin fez lon as exposições de seu jeito de trabal- saber se ela faz referência à criatividade, à ima-
har. .Nesse livro, isto Rode ser a reciado. ginação, no caso da criança, e o que faria a res-
A interpretação rápida, de entrada, remete aos peito.
primeiros brinquedos que a criança pega, aos pri-
meiros movimentos que faz, os quais Melanie Klein Resposta: Realmente, sim. Para os kleinianos o
já interpreta em termos de relações objetais. Volto 2IQcesso de simboliza a ,com tudo o que implica
a insistir, há muitas críticas a fazer, porém esta é domínio de todos os aspectos que acabamos de
a característica. Assinala predominantemente as "i'nencionar, seria a base da sublimação e do uso
fantasias e impulsos destrutivos que atrapalham a .....criativo da capacidade de pensamento e de imagi-
liberdade do jogo. Em termos do medo que a crian- na ão e de toda atividade construtiva, não apenas
ça pode ter de que o que está se repetindo com at.tísüca.
relação ao analista esteja sendo produto da inveja, Há um artigo de Melanie Klcin que se chama
62 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO ANGLO-SAXÕNICA 63

"Acerca da importância da formação de símbolos". Cada sessão tem um fantasma que pode e deve
Há outros autores pós-klcinianos como innicoU ser intelpretado, independentemente do entendi-
por exemplo, que se têm ocupado especialmente mento ou da aceitação do paciente. Em que sentido
disto. Eles afirmall! terminantemente gue a ca a- pode ser um erro e em que sentido pode ser uma
cidade de bicar (seja espontânea ou adquirida contribuição?
através de uma análise ou outros procedimentos)
é o antecedente, o prolcgôrncno de qualquer outra Resposta: Esta é uma excelente pergunta. Não
capacidade criativa-construtiva-inventiva-sublima- é fácil resumir a resposta. A proposta kleiniana é
tória do adulto. Existe um analista klciniano ar- de que cada momento e segmento do que chama-
gentino -@driguÇ)- que tem trabalhado sobre mos "material" (jogo, discurso, sessão, período)
uma questão que, segundo me parece, responde à tem um fantasma que pode e deve ser decifrado.
sua pergunta, que é a INTERPRETAÇÃO LÚDICA, Uma vez decifrado, eve ser comunicado ao pa-
no sentido, por exemplo, de que o analista de crian- ciente independentemente de estar ou não em con-
ças não precisa necessariamente colocar as inter- dições conscientes de assimilá-Io, aceitá-Ia. Isto
prctaçõcs de forma verbal ou de maneira "adulta" tem um ~10 positivo: os analistas, sabendo que
e "ortodoxa"; §Ie sÓ precisa hrincar, por sua vez, pode ser assim, que pode haver um fantasma espe-
de uma ane· ra ue adote o côdi!o le a crian cífico em cada segmento do material, esforçam-se
do "ma-
-
usa. Se ele brinca de maneira
segue transmitir significações
complementar
'
e con-
com esfe.recurso,..nãô
em decifrá-Io, isto é, diminuir aquelayarte
t~rial" à qual não prestam atenção por ue lhes dá
recisa_ interpretar .• Com este recurso não precisa impressão de que é "conversa fiada", que não é o
enunciar interpretações em um sentido clássico, o caso compreender o que não "quer dizer nada".
que é um grande desafio, porque os analistas sabem Existem analistas que tomam em demasiada con-
interpretar, mas não sabem brincar. Aí se coloca sideração o que eu poderia lhe explicar através de
um desafio, uma prova. Quanto o analista conserva uma metáfora que uso para isto: poder-se-ia chamar
de uma criança brincalhona, e quanto consegue de "engolideira" o aparelho de engolir? É um neo-
brincar novamente com fins específicos para seu logismo. Existem terapeutas que levam em dema-
procedimento? siada consideração o diâmetro da "engolideira': do
paciente. Só lhe dizem coisas as quais esteja~-
- Gostaria que você esclarecesse a quinta sÕÍutament;; seguros de que ele vai engolir orcwe
contribuição, quando afirma que pode ser um er- se preocu am muito com a resposta imediata. Neste
ro ou uma contribuição a questão da interpretação. sentido, desconhecem, esquecem, não valorizam
64 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO ANGLO·SAXÔNICA 65

que a interpretação só muito parcialmente está di- à medida que o dissertante vai falando, o tradutor
rígida ao cgo e à consciência. Ela o era e outro~_ vai traduzindo (nunca soube como conseguem fazer
níveis e sua apropriação e rocedência não se de- isso; para mim é um mistério ... ). Mas, em análise,
finem pela r~s osta imediata. Definem-se c diz isto não funciona. Deve-se esperar ue se coml2lc-
Freud ela capacidade qlLe=posslli de abri ovos tem os períodos significativos que se qualifiquem
materiais no ue vai aparecer de ais. Neste sentido como tais a partir da emergência de uma formação
é bom ue os klcinianos insista!l1 em interpretar do inconsciente típica como o sonho, o ato falho,
en uanto entendem;,quando entendem, interpret~ o lapsus linguae; é partindo daí que dá para en-
O paciente não "entende" nada, e a sua primeira tender o ue foi dito anteriormente peüindo asso-
resposta é de desgosto ou rejeição. Isto não tem ciações a respeito.
importância. A questão é continuar com a atenção Outra atitude é pegar cada passagem e procu-
flutuante, vendo o que virá. Neste sentido, é posi- rar-lhe uma tradução em termos de fantasmas, con-
tivo. Não sei se ficou claro quais são os sentidos sultando o "dicionário de fantasmas" que Mclanic
positivos desta idéia. Os'@fntidos~at", ou pelo Klcin produziu. O conteúdo manifesto pode ter um
menos discutíveis, sªo os que Ereud dcixou.bem., certo parecido com o fantasma que temos dispo-
claro: o "material", o "discurso" do paciente eic. nível, que lembramos, mas pode não ser o seu sen-
tido latente. O fantasma pode ser outro. O yerigo
não são unif?rme e igualmente valiosos. Existem
é ue leve a uma tradu 'ão sistemática simu ('" a
pontos noüms ue se chamam 170 A Õ S DO
e estereoti ada. Este me parece o aspecto negativo
--------
INCONSCIENTE, que são, como em qualquer escri-
.
to, as palavras sublInhadas, assagens rivilegiadas
do assunto.

ue temos de considerar es ecialmente e cuja in-


terpretação permite entender, retroativamente, todo
o outro período e transcurso que não é muito ex-
rf:Y,1 pressivo ~ significativo. A tradução, or assim di-
_ú-~_z~r, o decilrarncnto, deve ser feita a partir d<2§R.0~n-
~I tos privilegiados que vão dar sentido aos outros
~ períodos "vazios" de exrressividade. A idéia de
K tomar todo material por igual e interpretar cada
parte no momento em que "aparece" é uma pro-
posta perigosa porque leva a uma espécie de atitude
de "intérprete simultâneo" de congressos na qual,
A CONCEPÇÃO LACANIANA 67

nomina discurso, animada por uma força insistente


A CONCEPÇAO "ue é o dese'o constitui o su'cito e est or a
LACANIANA vez, segrega seus ob'etos sendo ue a mate I-

dade última do objeto e do chamado su'eito exige


ue a teoria ue dá conta dele, e a prática de seu
conhecimento e transformação, tenham claro que
s;ctesenvolve inte ralmente no cam o da lingua-
gem ou do sentido. A teoria psicanalítica, em con-
seqüência deste axioma, não será uma metalingua-
gem que fala acerca de seu objeto. ~
UMA dificuldade para expor o tema é esti eculiar ue ro icia ser falado ar ele . .Qy
não sabermos até que ponto o auditório conhece seia , uma es écie de "drarnatização" signiíicante.
as contribuições teóricas originais dos pós-Ireudia- A sua tese mais importante, a de que o mcons-
nos. Não sabemos, por conseguinte, até que ponto ciente é estruturado como uma linguagem .s..!i!ll-
podemos expor diretamente o tema, sem fazer uma diona) segundo afirmava~com base:J e-
brevíssima introdução a esses apartes, rações de \!cslocamentõJe d - que@)
A proposta lacaniana oferece neste sentido, di- denomina metoními e etáfora exige que a teoria
ficuldades especiais porqu&-;;-a:0 propôs um re-
do inconsciente seja uma linguagem apropriada pa-
torno a Freud com características eculiares que o
ra veicular estas operações. Lacan afirma daí que
Iez produzir uma rcformulação temática, conceitual
a teoria deve estar formulada de maneira aproxi-
e formal na qual a obra freudiana se torna, amiúde,
mativa -- não dentro da modalidade cartesiana das
irreconhecível. sto se deve, sem dúvida, ao fato
"idéias claras", e sim utilizando figuras retóricas
de que o trabalho lacaniano produtivo gera novi-
nas quais o sentido desliza, o que não impede, por
dades consideráveis e a peculiar concepção de La-
outro lado, que, junto a uma estilística literária e
can sobre o discurso teórico da nossa disciplina,
aporética, ele se proponha uma singular precisão
em concordância com a material idade peculiar que
em suas formulações, tal como em seus maternas,
atribui ao nosso objeto de estudo e de intervenção:
que exprimem uma lógica, uma álgebra peculiar,
o sujeito psíquico e, em especial, o seu incons-
ciente. na qual Lacan tenta circunscrever as' estruturas
Todo o psi uismo é imanente à linguagem que constitutivas do sujeito de maneira precisa,
Laca isola e redefi,llQ., como um sistema si n 'fi- Quanto ao tema da transferência, como tantos
outros, Lacan parte estritamente de Freud. Lcm-
-----
cante. Para Lacan, a seqüência significante que de-
"--~------~------~~-
68 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO LACANIANA 69

brames que, em ~Q)a ft@"nsferêncial segundo interpret~do, c?nsiderando que é capaz de capturar
vimos, pode caracterizar-se em quatro formas CU1e o analista como uma das representações dos restos
forqm aparecen o sucessiVã'i'i'iCnle no peÍlsamento di urnas, i ual aos ue se constroem nos sonho .
{jr Ireudiano. Frcud entende altransfcrênci~ com"R..!Ç- 1 A transferência como .resisiência, obstáculo, como
~ ~ petição dos rotótipos inconscientes. A lfCpêTiÇã9, fenômeno amoroso, formando parte de uma enfer-
. ~~.);neste sentido, é ar um lado aguilo . ue constit~Ii midade artificial, é um fato que surpreende Freud
P~ o motor da cura e o material a ser entendido o na ordem do acontecimento inesperado, A [ransfe-
. 1,V.;f modificado. A tepetiçao'\tambÓ; apare~~ ~_ '2. ~ncia como resistência. em rigor, localiza-se fl.ln-
~.
-----
sistência, como obstáculo à direção da cura. A osci-
lação como motor e como resistência-obstáculo
damentalmente em uma infraSS.ilo o_~diillL9-º-ªmI-
lista, aceito pelo paciente, de cumprir CO!!! a liv}e
configura uma ambigüidade ue dcve sc-;' cu· 0- associação, dizer tudo que lhe vem' ~n.te,~
samente considerada. A transferência aparece, no 3 rejeitar ou selecionar o ue deve ser dito,
t~rceiro sentido, como _s~' comQ...cstado--I2.e-

--
Quando Frcud faz sua famosa classificação de
culiar de submissão do paciente ao ~a, o que transferência entre amistosa e erótica, constituindo
~
tem muito a ver com a idcalização do hipnotizador a transferência positiva, por outro lado, e a hostil,
e com o sentimento de amor que faz com que entre constituindo a negativa (esclarecemos que, erótica
hipnose, sugestão c enamoramento, exista uma co- ou hostil, a transferência constitui-se como resis-
nexão claramente advertida por Freud, especial- tência) Lacan 'observa. ue a amistosa não é a~ as
mente em Psicologia das Massasy . J1.1l4jise de Ego. igual a certa forma da sugestão, embora não deixe

o da ransferênci
dentro
-
'------"
da enfermidade
....•..
a-;{ . e desencadeia,
-
O uarto sentido Ireudiano que~sublinha
como o acontecimento
-
artificial ~ 9.l!.C
conhecido classicamente
come
central
o da
c.om
é ~ de contê-Ia, ela é uma res osta a uma demand
do analista, justamente,. de livre-associa ão. Esta é
a única pressão que o analista se dá o direito de
exercer sobre o paciente, sendo que sua atitude, a
o nome de 'neurose de trans[erênci!!X - c2pécie~ partir deste momento, deve ser passiva e não uma
de reedição concentrada e reformulada da neurose ativa tentativa de interpretar as resistências do pa-
cÓtidiana ela ual o aciente vem se consultar. ciente e de procurar dissolvê-Ias ou forçá-Ias;.2-
Lacan enfatiza a transferência tal como ela se
inconsciente que vai manifestar-se no discurso do
apresenta em A Interpretação dos Sonhos, enten- paciente, através das formações do inconscie te
dida como ~ de sentidos ,9,ue se deslocam
Jdas quais o analista é uma delas), não re~~,-ªpe-
~ ~ uma representaç~para outr~ o.ql~~igL9ue._ nas sabe insistir em dcse'ar. A resistência vem. do
fI~ o conteúdo manifesto do sonho seja decifra;!2..e ~ qu~ divide em "je"i, ç~o:L.:,...e,-1llais .
70 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA
A CONCEPÇÃO LACANIANA 71

p~ecisamente, do "moi", porque a liberação do re- desencadeia e condensa todo o processo na base
rim ido roduzir-lhe-á desprazer. Em Inibição, Sin- da proposta da lIvre-associa C1
toma e Angústia, Freud faz um quadro (ao qual já vocar a transferência tendo fé em
nos referimos) em que@enfatiza as resistên- (por mais sem sentido que pareça) uer dizer 1-
cias do e o en uanto minimiza as do su ere o co- guma coisa ue obedece a causas. I;?Ü;:ªJ~ue dissej
!!!O inconsciente, e as do Id ue funciol1an segundo r.o aciente, isto uerer'- 'zer T a coisa. A1tran~-
um automatismo de repetição que rocura a tem- ferência é a conseqÜência imediata da estrutura da
poralização d;Cx eriêpcia da transferência. situação analítica. Lacan pretende dar conta desta
A transferência ue acontece na situação psica- 'estrutura transfcnornônica, isto é, que fundamenta
nalítica não é muito diferente, ara ca da e e explica todas as formas aparentes em que a trans-
a~.9ntece na vidü~l, o que é um questionamento ferência se manifesta. Q analista aceita ser o suporte
da realidade mesma desta vida. Ela é a enas ro- do Outro. Neste sentido, e transitoriamente. on-
vocada artificialmente na situação analítica e fica ~orda em converter-se no Amo do Sentido, isto é,
intensificada ela resistência. can dá a entender a:-ue~.9u~ecide o ue foi gue ? discurso incon-
ue vivemos em um sonho e ue acordamos uando sciente uis dizer. Em outras palavras, o Amo da
nos a roximamos dO_ct~é verdageiramente real \ . erdade, o que implica para o analista ter clara a
em nó~ i:5ejo e as pulsões). res onsabilidade e a dignidade de sua funç~o. Q.
'" Par can todo aquele que emite um discurso analista coloca o paciente em uma condição de
o faz inconscienie'iiiente, encaminhando-o a um ou:- abertura ue o torna re ara(Ío ara a transferência.
tm.... ue _ ca chama de o Grande Outro e que, O principal instrumento para deOagrar essa dispo-
em rigor, dará o verdadeiro sentido do discurso, siÇão é o silêncio do analista, ue faz com ue
de modo tal ue o sujêltoconsciente se vê surp~e- na,), responda às demandas manifestas do paciente,
endido
'-=.. porque sempre diz a mais ou a menos do ..... I Jnildo ocasião para que a demanda inconsciente se
CJ.!lerensava e encontra-se com um dLto, cujo sen.: manifeste no discurso ines erado gue logo aparece.
tido ele desconhec~, revelando que o inconsciente Por Isso:---rccom;'-se ao analista, di;nte de cada
- cstruturado como uma linguagem .- contém
um saber do gual o sujeito nada sabe. Quando este
discurso e sua verdade são colocados, parecem vir
l
paciente, esquecer o que sabe no sentido teórico-
epistemológico tradicional 99
No ,grincípio de 1954,(1aca
termo. L
pensa· a transfe-~
de um outro ao qual, inconscientemente, ia dirigido. rênci QQminllJ.1temenlv_comoFreud o fez em sua<t ~
Para~ a importância do lugar do analista, versão Icnornênica, copo r~la ão ima i.n.ária de ~ .
que por meio dos dispositivos técnic - ícos amor- aixão. Dez anos dçpols Lacan retifica esta ~:I(»"
- - .- r\r
72 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO LACANIANA 73

versão e coloca como mecanismo central a adiu- cura, estrutural e te é ue amando o analista o
dicação do analista da condição de "Sujeito Su~to colocara no lugar de seu Ideal do E.o e rocurara
ao Saber", que_denomina piVOl do procedimento. constituir-se ele no lugar do E TO Ideal. Na a
Deve entender-se, em princípio, que a posição de em que a identificação é rocurada r meio do
Sujeito Suposto ao Saber não deve ser confundida fazer-se amar tornar-se amável or seu Ideal do
com atitudes ou convicções conscientes do paciente E o, fecha-se um círculo narcisístico ue restaura "
pelas quais pode supor que o analista já sabe an- uma si tuaÇãõ especular. .
tecipadamente o necessário para solucionar todos egun o acan, não se trata, como muitos ana-
os seus problemas. Em certas ocasiões, ·0 paciente listas não-lacanianos pareciam entender, de colocar
declara manifestamente o contrário, supõe que o o analista no lugar do Superego, porque o superego pC
.•
~ analista não sabe ou não entende o que ele está não tem a ver com a Lei, nem com as normas.~· .
~J):,dlzen.do. Trata-se de. uma posição estrutural que Não é a medida da realidade. O superego é uma
~V'
p
antenormente
...
denominamos transfcnornênica.
.
E o
~
instância muito . ,. le e i,e gue o sujeito J./~
ozc. Esta imposição é impossível e tem muito a ~'Jtf
1rO/J'
r:'I"Jtr
L s u..•J:,..e_l
t-:o_In_c_o~n~s..;.c..;;..le;;.;n;...;t;.;:.e_.,l;;;.le~s:.;:u:.&::.:;:õ:.;:e...:lu;;:;e::;..,;;o~s:;:.a
c.onsciente já. e~tá todo prod,u~ido no lu ar do ana-
b::;.e::;.r~d~o~in-
ver com a Pulsão de Morte. 'lcanaz -r.ç:,r
uma distin-
~~I lIsta, o ual fana desnecessário o rocedimento ga ..s;ão radical entre razer gozo. O razer é o di: 9-
cJY livre-associação. Em rigor, esta mal entendida si- ferencial ue se estabelece no su';ií;'; entre o gozo,
tuação da coloca ão do a!lali~Q ugar de.sujei- procurado como estado último de restauração total
to-suposto-ao-sabe~ (o sujeito que sab'e não é o do narcisismo, e o prazer, ue é l~si~ul;;'o
mesmo sujeito suposto ao saber do inconsciente) sucedâneo do gozo obtido em rela 'ão ao rocurac!Q.
~se torna manifesta em uma situação peculiar - O superego não é aquela instância que exige do
quando o começo da análise desencadeia uma si- sujeito que triunfe e sim que goze. Por esse motivo,
cQse âlucinatória paranóica na ualo aciente cla- o triunfo amiúde produz efeitos paradoxais de culpa
ramente pensa ue o analista 'á sabe tudo o que e de desprazer, em conseqüência do dcscumprimcn-
ele vai dize,r. Em outras palavras, ~divinha-lhe o to dos ditames arcaicos e incoerentes do superego.
pensamento, o gue, em geral, adquire características Q! analistas não-Iacanianos, com exceção, tal-
persecutórias e torna a análise especialmente difícil, vez, de Melanie lcin tcriam confundido o lu ar
senão im 2Q.SS.ÚI.el. analista com o do Su erego, ro iciaildo a idcn-
A demanda consciente tem múltiplos sentidos, tifica ãb.Ae divers s aneíras, o.Ego.com,o SlI-
geralmente demanda de amor, demanda de reco- ere TO e definido esta identifica ão como cura. Esta
nhecimento. Mas o que o sujeito inconsciente pro- situação é a antítese do que Lacan definiu como
74 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO LACANIANA 75

cura, que não é a introjeção do analista e a iden- g!nária, especular com O ideal do ego amador ou
~~ ~ificação do paciente com este superego e sim a amante em ue colocou seu analista, O aciente
~ !plerve~ç.ão ~o desejo do analista, como desejo ge v~ransformar-se em sujeito de seu desejo par~
~r prescindível, a tal ponto que o analista se torne q..!;!e ossa continuar demandando e associando li-
uma espécie de rcsTcIuo,d'C-éf2eçâo ou resto' da vremente, e para que este processo nao se intcr-
I,,-~ y opem ão. psi,cana~ítica. Por isso, ~ denomina om a ou se blo ueie em uma identifica 'ão. E~~
Mi,r' r
esse desejo ~eseJo do analista' , que não é o mes- outras palavras, o analista deve rocu - 'r I!)IP, I
~ mo que dcse o de tornar-se analista nem deseio o lugar do gu Laca denomina "obiet'o }" (Iê-s~#l
~ ~n.alistas. !mta-se de.que é um <!ysejy de n~ o bijcto pequeno a)', que e o o bileto dcscncadcaruc-zs v
do o d nao-ser dese o ue ad uire neste sen- do desejo do paciente, senão operar manobras gue
tido a d(me são do dese'o da morte. permitam "semblanteá-Io", como ele fala, Ou sej~,
O sujeito fala a partir da posição do Outro, Ideal escapar da máscara pela qual o sujeito lhe atribui
do Ego, Amo da Verdade, para roduzir a mensa- esta condição, Se, ao contrário, o psicanalista pro-
-?:m da qual se torna o significante: Ser amável e picia a identificaçao de diversos maneiras, ela p..Q.ce
g?'Vernado pelo O;:!.~o. Em outras palavras, ~ Eãpturá-lo como totalidade ou Rode produzir a "irni-
Ciente te ta ser halus ara o icanalista. Se o Úlçao", por arte do paciente, de um traço do ana-
P5icanalista. não tem daro ual é seu lugar, se não lista, que Laca denomina "traço unário", o que
I~ consolidado em si o desejo de analisar, pode f~IZcom que nestas falsas curas se possa ~-
favor~cer o desejO do paciente e, assim, produzir hecer os analisados de certo analista ois, de uma
um I1 o ~ resu tado no ~ o Su erego co..!.!!... o o~ de outra forma, todos acabaOL ) parecer-se Jr
~Ith qu'!l..~ paciente o._vê.identificado_ ten~a "comido" com ele, JJYf,JJi
~v:-0 su to. Lacan, ironicamente, denomina tais aná- O conceito do desejo do analista uflo deve sGr~
cQnfundido com a contratransfcrência. A [Cõ11"i!ã- ~
Il~ lises '.'ca~ibalíst~cas", provoca das por uma espécie
'JI" d$._abJeçao da figura do analista. Lacan denom~ transferênci segundo can reduz-s' ~ , l2arií,;ão,e»::"';{
a transferência "a posta em ato da realidade do na situação analítica, de todos os preconceitos e~...u:
inconsciente".,..-1\. função do analista é a de "des- Íl~J]orâncias do analista ue o levam a cncamar,cx- flP"
marcar-se", sair desse lu ar, destituir-se, fazer jus- cIusivamente este lugar do O~ltro, do Amo da Ver-
tamente o ue não se es era dele. Para isso, deve ê,iãde, do Supcrego, do objeto a, do amador do pa-
adotar lima a1itu~de total i norância e assi~ ciente e do modelo de identificação.
. ' , A situação psicanalítica não está desenhada nem
con;egul!:..,9ueo ~iente saia do lugar do Ego eal,
-
para a interpretação da contra transferência do ana-
amavel, gue E..0cu!:.a
-
~jsJentifica ão narcísica, irna- -.,-- ---
76 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA
A CONCEPÇÃO LACANIANA 77

,
list,
mento de cura. -
llLP-aLa-Quc esta scia usada como instru- seu lugar e função, pode ~rfeitamente
governar, excluir estas ignorâncias e
co lt:.olar,
reconceitos
J que são a forma como a contra transferência aparece
~ dentro o processo analítico. Esta posição é muito
PERGUNTAS E INTERVENÇÕES

- Qual é o papel da coruratransjerénciar Está


r
. di ferente da que diria

transferência
reud m seus arti os téc-
nicos, quando define a contratransferência como
recí roca. Estaria em desacordo com
r'

ausente? Não cumpre nenhum papel no processo


o que afirma a Escola Anglo-Saxônica e a Escola
da cura?
Argentina, que dizem que a lCOntratransferência t-
é claro - é um fenômeno indesejável dentro do
Resposta: A respeito disto,@disse que é
funcioname;to da sessão, mas é um fenômeno
provável que ~lguma coisa como a contratransfe-
aproveitável para o processo de analisar,
rêl1cia aconteça durante o processo analítico. Mas,
o experimento psicanalítico, a maquinaria psicana- - Qual é a relação entre a função paterna -
lítica da sessão não está desenhada nem para dar conceito característico da leitura lacaniana - e
conta da contra transferência, não servindo para ana- a função do analista?
lisá-Ia, nem para utilizá-Ia como instrutnento com
o fim de analisar o paciente. Se existe, se acontece Resposta: Podemos responder a isto segundo os
no processo sicana!..ftico)_ a cQ!1tratra;sferênci-ª-. é diversos momentos da teoria laeaniana. Tentarei
.apcnas registrada como a ignorância do analista responder dentro do que me parece ser o momento
~~o.s princípios teóri~os que regem o dispositivo an~- mais maduro. Em realidade, a função paterna, o
f'" 1)ltICO. O desconhecimento do sentido da função de Nome do Pa sua fun ão o.casnadoxsimhálico,
analisar, o qual faz com que no lugar dos princípios se arador da célula-mãe-fálica-crian a narcisista
o analista coloque seus preconceitos, suas opiniões, ;tc. não é equiparável à funçã2 do analista; A fun-
seus valores e até seu corpo, sua figura, alterando, ção do analista talvez possa abrir um espaço dentro
obturando sua função de ocupar o lugar do sujeito- do sujeito para que este procure alguma coisa ou
suposto-saber e tornando-~ lu a~ do morto, que lhe alguém que faça nele a função e registrar o nome
corresponde ocupar. do pai, a metáfora paterna, a castração simbólica
'Nàõ quccStcja' ausente e não jogue um papel. ete. Mas não é o analista que ocupa esse lugar,
Assim como o instrumental psicanalítico está de- porque, ,se o fizer, distorcerá de uma mane~ ou
senhado, se o analista_tQllLC o e ue cons ste
--
de outra suas exigências básicas - estar no lugar
~
78 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO LACANIANA 79

do morto do su.'eito-sUposlo-ao-saber -, e não vai do imagin<lrio e a 9!.;<;tra.$líQ..i da' orde!!L. do sim-


dcsem penhá-lo. ~ ~.-
t;.ólico, e,Pbora exisllm ouuns cnmhlna..ç
veis.
- Quando Freud fala do estado de privação --Isto se complica ai,nda mais em um quadro feito {
em que o paciente deve ser mantido e Lacan re- por Lacan e que deixaremos, momentan,e~mente~ JIY::J
fere-se a não atender às demandas, a suportar o de lado. Em todo .caso, o ~rocesso a~altlt~o e:t.al~
lugar do suieito-suposto-oo-sabcr, o lugar do mor- destinado a produzir castraçao no sentIdo simbóli-
10, estão falando da mesma coisa? Qual é a dife- co, ou seja, autonomização do sujeito e desa!ien:- I
rença da releitura a esse respeito? ção do su."eito do Outro e p~r outro lado, aceltaS:ª0\\
da erda dI' .( T " cio su' ei to. Em lin-
Resposta: A questão da contribuição, da dife- guagem lacaniana costumamos dizer ~eitação dj.)
rença, é uma problemática que afeta a todos e a sujeito em deixar de ser o p!:.Elus do outro (scpa-
cada um dos conceitos lacanianos. Não é fácil dizer ;ação), Lembramos que o sujeito se constituiJla
onde está a diferença, a novidade e a contribuição. dialética de duas o era ôes: aliena ão-s' a' âo.
Há quem afirme que novidade e a diferença são Mas os processos relacionados com a cura, por
radicais e substanciais. Há quem afirme que, na exemplo, recebem e~o nome específico de
medida em que a relcitura de Freud não toma todo castração e são da ordem do si " . Pode-se
o Freud e sim a um Frcud peculiar, e rejeita o reconhecer ou admitir que esta discriminação feita
outro ou o corrige, não é impossível dizer que o po~ evi ta ,u ma série ~e c?n (us~~s por. uc
conceito írcudiano adotado não é substancialmente tanto' eu como na teofla pSlcanalttlca ostc- J.
diferente do lacaniano. É apenas refinado, selecio- rior, castração, privação e frustração co.n~u,ndem~e cY",tf;r
nado, ressaltado em seu valor cpistcrnológico den-
rermanentemente e não se vê a es e~d.Bd~_de~'VI
tro da teoria, Neste caso particular, parece-me (não cada um dos termos. Por exemplo, os psicanalistas
estou muito certo) que a resposta asSa p-or uma norte-americanos e anglo-saxônicos falam, pcrrna- c
diferenciação com~le'xa e sutil - como to~s nentemente, em frustração. A rustração é o te o
cOfSas de La'can - ~ riva ã a 't .çã ~- que explica tudo em mat<:ria de falta. diz
0 .l
"",vI'j.
ção
Você usou o termo privação, ~
~ relaciona
~ a frustra -ao é fr 1st 'I -ão de amor da de anda
de amor.
:\~ ,IJ:estes três ter os com os famosos e s ., eal -~tração não se aplica ao desejo, por exel1!.-
~L}y imag~nário e simbólico, Abreviada~1en~e, ~- 10. NãQ se aplica à ulsão c..!!~ se aplica à rea-
~ s.?0 sdéLDrdem do real, Wrustraçao e da ordem- lidade. no sentido de ue não há frustracão da fome.
~

vr
'
80 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO LACANIANA 81

Cada um dos termos é aplicado a um i.mpulso di- é, pela possibilidade de colocar-se em lugar do ou-
f!;fente, a um nível diferente do requerimento (de tro e sentir o que o outro sente. É assim que com-
a mor, de desejo e de necessidade), jogando-se em preendemos, explicamos e interpretamos. A idéia
registro diferente -;;imbólico, imaginário e real). O lacaniana é totalmente diferente. O dispositivo, com
pa el fundamental d0.3-nalista ~ 0.J?$:.!ara castração, a pro os ta de livre-associação - dizer tudo o ue
n~re~do simbólico. vem à mente -, dá lugar a que o discurso incons-
cie~ manifeste. Só quando o discurso do in-
- A questão do lempo lógico na teoria laca- consciente manifesta-se como tal, através de suas
nlana é de qual registro? expressões específicas, que são as formações do
inconsciente, é que se tem o chamado "material",
Resposta: Tentarei simplificar a fim de fazer-me sem o qual não se pode trabalhar. Há o momento
entender (só que a teoria lacaniana não é entusiasta de percebê~lo, na emergência dess; elemento. Há
da idéia de que as pessoas entendam ... Trata-se, o momento de concluir e o tempo posterior de en-
pois, de um desejo meu).@diz que no registro tender, estabc ecen o a re e e ígaçõese conexões
ue se tem do discurso do Inconsciente nela qual simbólicas. Isto é ilustrado por Lacan por uma
o sujeito é falado, uando a· arecem as formaç.ões espécie de romance complexo, um jogo que se faz
go
4

i c scícnic, podemos.dize que.há.um instante entre presidiários, em que cada um deve "adivi-
d'.:.." crccber, o momento de co~ncluir e temp-o para nhar" o número do outro. Quem adivinha o número
com rccndcr.-Os três não são a mesma coisa. Aí do outro pode ficar livre. É uma explicação bastante
estão implícitos vários assuntos, por exemplo: que complexa em que existe o momento de perceber
não se interpreta com base emfeelings, como dizem alguma coisa, o de entender sua relação com outra
os ingleses; não se interpreta com base 'no que um C o de concluir e arriscar a hipótese: "Teu número
sente; e não se interpreta "precocemente", como é tal", para poder obter ou não o benefício da li-
dizem os kleinianos: "Entrou, vi-o e tive a seguinte berdade. I/ •..Y
impressão ... " Outra implicação é ue o(§mpª para os laca-t"'1
Segundo a concepção lacaniana, a "achologia" nianos, é o tempo do inconSCIente, e dev~ ~e-1:
e a "sintologia" não adiantam (acho que.", sinto vado em conta porque opera como uma mt(;lli2re-
que ... ). Lacan diz que isto corrcspondc, nos me- taçao.
lhores casos, a uma atitude fenomenológica à Jas- ~ õ; recursos habitua' analista são o uso
pers, em que a proposta de entendimento e cxpli- do silêncio e o uso da alava ão tendo outras
caçãoestá dada pela simpatia ou pela crnpatia, isto
--
táticas (o silêncio dos lacanianos cumpre o papel
82 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO LACANIANA 83

de disparador da demanda, acelerador da regrcs- que se percebe como felicidade é a eliminação de


são): a intervenção - a esar das c acrcrístícas um sofrimento ou aquisição de certo bem ou razer.
bem peculiares - e a intcr rctacão-construcão Nos dois casos, a medida é o estado anterior e o
~ c(~hecemõS'Cm Freud, a2 que denomina subseqüente, embora Freud fique intrigado com os
untua ão. orientais, os iogues, que parecem conseguir o nir-
O an<llista lacaniano dispõe de um outro recurso, vana permanente. Os amigos de Freud, Tomas
que é o de q'>rte ~ se~, sua interrupção ~ Mann e Romain Rolland falavam da obtenção do
momento de concluir, em que o corte faz as vezes nirvana por meio de técnicas orientais. Isto seria
da inter reta ão. Propicia, dito numa linguagem um estado de felicidade. Apesar da multiplicação
não-lacaniana, ingênua e incorreta, a continuação de academias de ioga, parece que não o consegui-
do processo de "auto-análise". mos... Procuramos um estado de felicidade mas,
Para compreendermos isto devemos levar em no entanto, sabemos que a felicidade são momen-
conta que o lacaniano insiste em que o centro, o
protagonista do roccss . nanic ,_é analisando
(que é o paciente), que, em rigor, analisa-se a si
tos, medindo-se por contrastes. Assim, talvez se
compreenda melhor o anseio de ozo e a obten ão
de prazer, que é o diferencial que se dá entre o
6'
~"mo, c..Qm a nrescnça ml aus6ncia ejõ" analista. gozo procura o, e 1m IVO, rmanente, COl1klud_en- ft{
Assim, o corte no momento de conCluir-faz as ~ te, e uma certa dose que se obteve e que avaliamos
de uma in.rrprctação, acelerando a continuação do depois de tê-Ia obtido. E a famosa história do que
proccsso "auto-analítico". . ocorre após o orgasmo. Humoristicamente, o sujeito
"pós-orgástico" perguntaria: "Ah ... era isto? F'õi
- Poderia voltar à questão do gozo e do prazer? bom ..."

~esposta: É um assunto complexo, que se po- . - Solicitação de esclarecimento quanto ao pro-


deria responder a partir da teoria pura, o que parece blema da articulação entre o desejo do analisando
não. dar certo porque foi sobre a teoria pura q uc e a posição do analista de alguma forma relacio-
falei antes, e não ficou claro. Tratarcmos de res-
nada com o desejo de morte ou de morte, do desejo.
ponder a partir de um Frcud mais familiar. Em
Resposta: Parece-me que o esejo do analisando,
Mal-estar 170 civiliza -{/O há uma assa rem onde
dentro das .limitações da exposiçao, est mais ou
Frcud diz que estamos habituados a rocurar a fe-
menos claro. ~ um de~ que insiste na cadeia-
licidade é l estado. Entretanto, sabemos qUC
significante, gerando demandas de ob'etos - de-
a ~adc é um contraste c não um estado.' O
84 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO LACANIANA 85

mandas que podem ser qualificadas diferentemente, zação de "ser" ou "ter" em termos freudiano§.
segundo o momento teórico tratado - de amor
de identificação, de reconh' . Q..CJc: - , -E a cura?
-O \ànalista>" eve funcionar no lu rar do morto,
suporte de transferências,' oferecendo-o como ob- Resposta: Sabemos q~e a~é _um processo
jeto de transferência, suporte do sujeito-sup.n&t~a- interminável, o que não uU-d' c ql c ão ssia.
r

ber c apenas suporte), não odendo 's', r en- eventualmente, sus 'nso. liás, deve ncccssaria-
quanto desejar significar demandar, por sua vez, mente ser suspenso, o quc não quer dizer termi-
acionar seu desejo em busca das mesmas coisas. nado, pois é por definição um proccsso intcrminá-
Os la~ani,anos f~lam de um tdesejo do an!!lsta't- vel. Em termos frcudianos, o que leva à repetição
que nao e o mesmo que o desejo de ser analista, a serviço do rincír.io de iné da o l 'ão de

que é um problema de vocação profissional, e cabe morte, à re eti ão a servi o do rincí io do


discutir se é o mesmo que desejo dos analistas. na que constitui em rigor a característica do
medida em que os Iacanianos insistem que há rnui- - insistir na demanda - é o motor do si uismo
tos analistas que não compreendem como a coisa Ç, que clinicamentc reconhecemos como transfcrên- r/
funciona, Seus desejos não são o desejo do analista. cia. Curar-se n: . nifica c 'n uir isto. Significa
São seus próprios desejos, da forma como entende que isto vai continuar acontecendo, vai sc continuar
o analisando. O desc'o do analist' é procurando e construindo imaginários fantasmáÍi-
,gm lugar estrutural, igual c com o mesmo esrauuo cos ue "satisfazem" o desejo. A cura consiste em
do sujeito-su oslo-ao-saber. Não é o desejo de ser que este rocesso ad uira a ca"--acidade de con-
analista ou o desejo dos analistas ... Em que consiste tinuar fazendo-se fluidamente, ue o rocesso não
o desejo do analista'! De forma um tanto ingênua, s~ctcnha, rctificando-se constantementc a artir
incorreta, podemos dizer que <lo desejo de analisar, di) simbólico, atribuindo-lhe sua condição de irna-
p.,.';ra e exclusivamente. Q desejo de analisar é o ~rit\ de impossível, irrealizável e irrealizado.
úDico desejo permitido ao psicanalista, ~Ie se de- Produz-se. assim. toda uma transformaçao da eco-
cornpôc nas questões de identificação não assumir nomia psíquica que prcscinde de seus sintomas,
~gar de l'J(;';T do Ego, não oferece;-se com~ al- atuaçôes e tudo o que oderíamos chamar de" 0-
guém ~e amará e será amado. Pode-se dizer que eriça", dando um novo equilíbrio ao psiquismo,
este desejo, que não deseja nada, ocupando o lugar que não é eterno nem invariávcl,_llodendo 'êm
ue lhe corres onde, é um desejo de morte, en- qualquer momcnto rcgreclir novamente. Por isto
q~nto renúncia de toda cxpc . (s de reali- Freud dizia quc não há vacina para a~urose.
86 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO LACANIANA 87

A idéia lacaniana de cura coincide com certa O cam o das ulsões é denominado o Real e,
idéia freudiana. Não é a idéia de atingir um estado segundo ca, sua característica básica é de ser _ d
último, permanente e invariável. Não é a idéia de im ossívcl de se realizar. Lacan toma de Aristó- \Ju.!'
uma perfeição. Em certo 'sentido, é justamente o reles duas modalidade: yché (causalidade con-
contrário. É a idéia de aprender a lidar com o de- tingcntc, imprevisível e dcsordcnada) elÀutoma~
sejo. Deixá-lo falar e conhecê-Io; decifrar os Ian- ~(cauSalidade regular, previsível e ordenada).
tasma~possibilitarque o processo continue acon- A Pulsão pulsa segundo tyché quando os roces-
t~cendo liv~~e..! não pretenda a "realizaçãcr sos, organizados segundo automaton, apresentam

~e '-~~--------~---------~
A defini âo lacaniana de cura fo e deliberada-
túÕo gue~ con~a.J.1ormatiza~o. Ou
seja; na versão lacaniana de cura não há nenhuma
uma fenda, béance). Na sua rocura de realização
no objeto, a Pulsão s6 encontra a cadeia siêli-
ficante, composta flelas marcas da ausência do
norma de como o su'eito deve ser~mniricamente objeto-,-
e is de estar curê.QQ. Não há nenhuma referência Este encontro é, em rigor, um desencontro, ou
a tra os de ersonalidade,!.. comportamen ~ so- um encontro falido, que gera deslizamentos na ca-
ciais, a llorm}s morais etc. A definiçãq está estri- deia significante (melonímia) ue resultam em s' -
tamente relacionada com a definição que o laca- tomas e formaçôes do inconsciente (metáforas).

{ nismo faz de com~ona


Para concluir, digamos ~
o sujeito.
como em toda teoria
A reconstrução interpretativa desse processo de-
cifra uma cena Iantasrnática na qual a Pulsão se

rJ
~
r - j sistemática,
efine
na obra de --3caw a iransferênci~
or re a!;fu --..ptros t ês conceitos funda-
/J'{u'(Íl mentais da disci Una: ulsão conscie te,. e e-
pscudo-rcalizou

cstruturado
como desejo e este foi exprimido
numa Demanda. Por isso é, portanto, esse processo
como uma linguagem, cuja realidade
q }/JfpetIção. - est~ constituída por essas substituições significan-
~~; ! ulsão, como seu nome indica, ggera ritrni- tcs, animadas pelo Desejo e montadas como Fan-
rr c<lmente, q!ler dizer, a pulsão pnlsa Em cada pul- tasmas. A partir deles é gue se pode situar °sill.çito
c-csação, a Pulsão emite um impulso que vai em busca corno ocupando uma posiSão na cstrutura por r,?-
do seu objeto (alguma parte do corpo erógeno que lacão aos objetos e ao Campo do Outro.
ficou "desprendida" dela). Pretende contorná-lo pa- Talvez seja viável reconhecer neste andamento . ./
ra se descarregar finalmente na própria zona eró- jl!.Qs r()rm~ dej-çpetiÇill): a cio Mesmo (automaton)" .1J'
em cuja falha emerge o Diferente (tyché). Segundo~
gena da qual partiu, fechando assim um círculo
o dito, então, a transferência se define como' a
que cIausura transitoriamente sua solução de con-
posta em ato da Realidade do Inconsciente", sob
tinuidade.
88 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA

a forma de uma repetição complexa qu~ticllla A CONCEPÇÃO


as duas modalídades mencionadas.
O Real, como registro, também é dcfinido como
INSTITUCIONAL
"o ue scm re vo ta a seu ugar , fórmula de difícil
(
interpretação que talvez deva-;;: entendida assi~:
<[cf~i~os a-a pulsação instantânea são i;;;edia.1a.ID.CIk-
t~recomJX)stos pelos m~ca!Jismos e instâncias tais
C~) o "Ego, que restituem a ordem mo -
--- m.••.
<wte alterada:-Pareceria que se pode atribuir a
essas operações a responsabilidade pelo efeito rc- TENTAREMOS falar hoje sobre as con-
sistencial da transferência. O que resiste é a coe- tribuições da corrente institucionalista ao tema da
rência do discurso. transferência. Anteriormente tratamos a transferên-
cia em Freud, Mclanic Klcin c Lacan, o que não
foi simples nem fácil. Nesta oportunidade, compli-
ca-se um pouco mais porque falaremos de um saber
que-não é tão difundido como a psicanálise. Sus-
peito que muitos tenham ouvido falar pouco ou
nada a respeito.
Para abordar as contribuições do l nstitucionalis-
mo, devemos caracterizar o Movimento Institucio-
nalista e o conceito de transferência que suas di-
versas correntes manejam. O assunto torna-se com-
plexo porque cstarnos acostumados a tratar proble-
mas próprios de uma disciplina em seus diferentes
enfoques. O institucionalismo
.....--
é um MOVIME TO .J

e não uma disci li


Isto implica que não é lima ciência, não é um
saber instituído, clássico, senão um conjunto de sa-
beres e de mod d' crvir uc oderíamos ua-
li icar d.f...Í11tcrdiscip-linarcs, transdisciplinares e ex-
tradisci linarcs.
90 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO INSTITUCIONAL 91

IJ!;~'/
tf~l-'flca
A última denominação btradisciplinaresb
que o movimento institucionalista
signi-
inte ra em
sem inter OSI ao do Estado central se deu suas
ró rias estruturas 120líticas econômicas e sociai ,
sua parafernália teórica e técn'~a o saber e o a ir separando-se da Monarquia espanhola rcgida pelo
dos coletivos, dosliSWfrios, de gr~lpOS e de comu- Estado e construindo uma República autônoma,J.
nidades ue produzem por srnlesmos o conheci- sem Estado isto é sem exército rofissional sem
!!}ento, sem apelarem aos meios acadêmicos tradi- I rcia e sem nenhuma das Instituições tradicionais
0)nais1 convencionais ou enquadráveis nas cate- ue o inte ram. Conseguiu autogerir-se, auto-orga-
I gorias científicas consagradas,
saber e o ~ber-razer popular'r,
o que se chama o nizar-se e conduzir sua vida durante quase três
anos, suportando
~
um estado de' assédio e guerra
-
Inevitavelmente, para lalar=da contribuicão do civil permanente. Finalmente, ª experiência termi-
Movimento Institucionalista ao tema da tran;ferên- nou derrotada. Mas não foi fácil consegui-lo, sendo
cia, devemos abordá-Io em duas vertentes: a GÊ- preciso uma aliança entre o poder central es anhol
NESE IIlSTÓRICO-SOCIAL, como se origin~ e a colabora ao da Alemanha Nazista,_12arcialmente
transcurso da vida das sociedades, e a GÊNES ~ da União Soviética, contribuições inglesas, norte-
~ONCElTUAL, isto é, como se....QLigin GlNtllilJl.Q americanas ... Enfim, foi uma verdadeira cons-
fontes teóricas e saberes prévios que utilizou ara pi ração internacional.
I.P'C
c2nstituir-se, - - ---
Podemos dizer que o Movimento Institucionalis-
O::!ros exemplos
autogestivos da Arrélia
do tipo são os processosw
Albân'a ugosláaia bas- r~l
ta, no sentido de sua gênese histórico-social, inclui tante recentes, e algumas experiências launc-aroe-
em seu perímetro e auto-reconhecimento as inicia- . anas, que ainda não fo~xaustL.vamcntc estu-
tivas históricas, sociais, coletivas, em que núcleos 'ãadãs: comoQ;quilombos aqui no Brasil ou o mo-
de pessoas e grupos têm tentado reger-se por si < imcnto dt)s chamados "coml1o('[Q," ~~
mesmos, dando sua própria definição dos proble- Enfim, todos esses movimentos sem governo cons-
mas (auto-análise), gcrcnciando e realizando suas tituído e com um funcionamento igualitário, fra-
próprias soluções (autogestão), Nã;-há tantos an- terno, com lideranças absolutamente surgidas do
tecedentes históricos como se poderia pensar. Al- seio do coletivo, conseguiram seus objetivos, ainda
guns de vocês, seguramente, não desconhecem o que de maneira transitória, mas real. Pequenas ini-
"jA.{exemplo máximo, que é o movimento auto estiv ciativas desse tipo, mutirões, comunidades de base
~. acontecido durante a guerra civil espanhola e a irn- etc. são experiência habitual no Brasil.
~ plantaça~), .~a ,R,e úblic~ espanhola, ~or volta e A gênese conceitual do Movimento Institucio-
~1.?J, 1926. Nesse período, boa parte da naçao espanhola, nalista recebe apertes de todas as áreas do conhe-
92 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO INSTITUCIONAL 93

cimento, sendo alguns deles rovenientes de cam- As ngmana. são o que se chama psicotera ias
pos científicos específicos. O '~slill!cionalisma n.!:!.: i~stT~uci~nais e psicopedagogias ou eda >ogias ins-Yd -
tre-se da psicanálise, da sociologia científica, da utucíonaís,
antropologia científ ..-da-li.f.lgiiislica,-.da scmiática A ,'icotera ia instituciona é um movimento que
e ate da biologia moIccular e outros campos do se pode considerar fundante desta corrente. Resu-
conhecimento propriamente científico. O institucio- mindo-a: começou por uma observação feita pelos
nalismo nutre-se ainda do saber olítico iatuo.da operadores de hospitais psiquiátricos, especialmente
ciência como-dâ ~ência 120líticª dos c~letivos um enfermeiro de origem basco-espanhola que to-
mili~antes, do aE.!.ístico, do saber incluído na prática mou parte da República espanhola durante a guerra.
e~tética, pictórica, cscultórica, poética, literária etc. Constatou-se que os internos de uma instituição
Nutre-se do pensamento
medida em ue muitos
---
filosófico e do mítico, na
institucionalistas
.------,
dão valor
psiquiátrica produziam espontaneamente
de medidas de auto-organização,
uma série
de produtos cul-
especial ao pensamento primitivo--ºos selva Tens. turais tendentes a criar uma es -cie de sociedade
Adotam estes recursos téôricos, aplicando-os sem própria, sui generis. Os internos, submetidos a to-
reformulação ou crítica prévia às doutrinas institu- das as normas estatutárias e técnicas da organiza-
cionalistas como tais ção, geravam uma espécie de eultura de resistência,
O 'nstitucionalismo como seu próprio nome in- autônoma e independente daquela implantada pelas
J;fl
/-
dica, é um movimento, uma eSl2écie de frent em normas institucionais. Observou-se que esta cultura

Z
~
firO
constante transformação, estando com osto
muitas correntes e escolas .su~ apresentam aI uns
tsaços em comum. Mencionaremos
or

o traço da rei-
de resistência resultou mais terapêutica do que qual-
quer manobra da arafernália tera êutica do esta-
belecimento. Constatou-se, por exemplo, que r-
vindicação daãiÚogest50 (como meio e fim ao mes- mitindo aos acientes administrar o es aço da Qr-
mo tem davida )ntegral dos coletivos. Exi~te ganização, conseguiam espontaneamente chegar a
também urna série de diferenças entre as Escolas um acordo sobre a utilizaçã~ do tempo, o progran;..a
e Correntes, sendo difícil resumi-Ias em nossa ex- diário de ativjdades~Jermitiam-se-Ihes reunir-se
posição, pois há um elevado número e o nosso para discutir publicamente suas opiniões sobre di-
objetivo é ver em que contribuem para o tema da retivas médico-administrativas, davam-se-lhes oca-
transferência. Em todo caso, tentarei, numa brevís- sião para unir-se, organizar-se segundo suas pró-
sima síntese, dar o panorama das correntes insti- prias afinidades, permitiarn-sc-lhes manifestações
tucionalistas atuais. Eu as dividiria em originárias artísticas, como pintura, escultura, música, dança,
~õ"ntemporâi1eai) respeitando suas preferências, momentos c formas
94 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO INSTITUCIONAL 95

de Iazê-lo. .. Em última instância, permitiam-se-lhes e comportam-se de modo a propiciar que C?... Ids-a I
ll"IDasérie de manobras dcsunadas li transformar ° de Ego, colocado no con utor, ame a todos por
estabelecimento no qual estavam por razões alheias iguaC sto esta elece uma cornposiçao nã'"CSi"rütura
à -;;ua vontade em uma comunidade rÓ ria auto- lTbidi~~1 que faz com que cada sujeito identificado
an;lisada, auto ~jada, autogerida, aula-adminis- com seu líder, enquanto Ideal de Ego, estabeleça
trada. Constatava-se que a porcentagem de melho- também uma identificação horizontal de um indi-
~ "'<tO

ria, de curas e, finalmente, de altas aumentava con- víduo a outro. Assim, forma-se uma espécie de
sideravelmente, chegando a minimizar e fazer pres- organismo psíquico, espécie de sujeito ampliajío
cindível ° emprego de todos os recursos oficiais que tem características prÓprias a qualquer sujeito
deç'tratamento, como eletrochoq~les, IDSUIDa, Iso~a- isolado e outras extraordinárias, muito .difíceis de
mentos, camisas-de-força até medi.Çjlmentos e J!i- se ver em um sujeito In IVI ual,.c amado "normal".
tÇI.\lI2·as formais, Algumas dessas características são altamente úteis
Houve, neste sentido, dois grandes ensaios, um e benéficas. Outras são indesejáveis. Pode-se dizer, \ .•J('
iniciado na Inglaterra, que se denominou Corrente em todo caso, que têm havido fenômenos de if,j;J
da Psicoterapia nstitucional Cõfual1l afia ng ~·R!\NSFERENCíl.. não "bipessoal" e sim COLETr-~~tyO"
e outra desenvolvida na França, que se denominou v!\. É. verdade que tal transferência mobiliza os~
~?icoterapia Instituciona . Q~o os psicotcrapeu- mesmos mecanismos que os que o sujeito pode
tas e psicanalistas observaram esse processo, que ter, por exemplo, em esta os e I nose ou ê'"":" i-
foi um fenômeno de fato que se foi implantando ~u ainda dentro de uma situação psicanaIít!gJ.
e realizando-se, deu resultado - começaram a pen- Mas ela se IDscreve no dispositivo coletivo e ad-
sar nele, a tratar de tcorizar sobre quais seriam os quire características que não são encontradas na
mecanismos responsáveis pelos rendimentos favo- situaçao transferencial clá~ Entre as potcncia-
ráveis. Foi um trabalho feito em conjunto por dis- lidadcs positivas está a de que a identidade comum
tintas disciplinas. Mas, na participação corresp.sm- adquirida pela transferência coletiva dará um pe-
dente à sicanális ta.aennui r.a-d.' 'G-f.l.t~ culiar sentimento de poder à massa, ~ma capaci-
""n/) fenômeno, partiu-se das formulaçôes de Freud em dade ele reagir em consenso e em harmônico acor.:
f $0~s:la obra chamada social (como em Psicologia das dõ, uma particular disposição para a solidariedade,
11'vt' Massas e Análise do Ego), on~e explica ue uma p'ãrãSentimentos nobresdcfraternid~ comu-
~()/
t( l}J~dtidão, uma ~assa,.....!:!!.:!!-.gruo .forma-s~ orque nhãõ, uma especial se'nsação âe corâgem e algumas
os sujeitos ue Integram os c ct ve "_proJeJa ou m"a-nifestações de altruísmo e renúncia ao egoísmo.
constituem no líder do movimento seu Ideal de E o que---cãfãCiC!2za habitua~ente os sujeitos isolado.
96 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO INSTITUCIONAL 97

Claro que a assa acrescenta também algumas ca- perfeitamente ser depositário das mesmas transfe-
racterísticas negativas como, por eXemRI(~ certa di- rências-resistências psíquicas e rendimentos que
minuição da capacidade de funcionar racionalmcn- ocorriam nas massas artificiais ou naturais quando
t~, tendência à explosividade, à impulsividade, di- esse lugar era ocupado por um chefe real.
~~nuiçao do juízo crítico, aceitando pouco discr]- Com base nisso descobriu-se que os pacientes
rniriadamcntc as sugestões vindas do líder certa de uma or 'aniza ão si ui~ítrica e outras estabele-
tCiidência a reagir a formas sons cores e não;o ciam múltiplas transferências laterais com seus
cOOteúdo conceitual do discurso que lhe é enca- iguais, com a equipe de enfermagem, de médicos,
minhado. a equipe administrativa, com as chefias e também
A maioria dos psicanalistas e psicoterapcutas in- com a Organização como um todo: nao a enas co-
teressados em trabalhar com 'm os arte da for- mo estabelecimento, figura arquitetônica, não ar.e-
mulação freudiana da psicologia das massas. Boa nas com lugares e espaços onde se desenvolviam
parte destes psicanalistas e psicoterapeutaslnstitu- sl~as atividades, se~ã~I~1bém com a ideologia da
cionais trabalharam previamente com grupos, seja Organiz' ':-o..J.!u seja, o Iddrio, a carta de princí-
fora seja dentro das organizações. Observando o pios, o sentido que a Organização se dava para
fenômeno de colctivização espontânea, todos tra- existir, seu conceito dos serviços que prestava e
taram de entendê-Io por meio da aplicação do do objeto-usuário ao qual encaminhava seu serviço.
1_11' esqu~ma freudiano de Psicologia das Massas e Em outras palavras, os integrantes internos de
~.' Análise do Ego. Descreveram e ' a roveitar uma Organização estabeleciam transkrências com
~.) o ue se chama ransferência institucionaI. todas as características que estudamos, com o con-
~ ~ havia colocado as bases para se ente'!- ceito de loucura, de psicose, que possuía a Orga-
fi' der o fenomeno quando explica que Das massas nlzaçao, e com toda a parafernália ue arbitrava
chamadas estáveis (diferentemente das efêmeraS), para dar conta deste ob·eto. Isto não é mais do
massas como a Igreja e o Exército, a liderança que a aplicação das idéias Ircudianas da Psicologia
poderia estar colocada em um indivíduo ou sujeito das Massas no campo de um estabelecimento psi-
c:.0ncreto como o chefe da Igreja, o Papa,-.Q!Lno quiátrico concreto.
chefe ou general do Exército. Mas poderia também Vimos nas aulas anteriores, ao abordarmos os
estar colocada em. uma entidade abstrata, Pátria, termos freudianos clássicos, que a transferência di-
bandeira, Ideal etc. vidia-se em positiva e negativa. A positiva por
Esta liderança não ocupada por nenhum indiví- sua vez, dividia-se em amistosa e erótica, scnd
duo-sujeito concreto constituía um lugar que podia que a erótica e a negativa funcionavam como
98 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO INSTITUCIONAL 99

sistência, entendida no sentido em que predominava E a organização repetia, na medida em que en-
a tentativa imaginária de repetição do mesmo. Na contrava nos usuários uma transferência erótico-
transferência amistosa existia a possibilidade de re- dependente ou negativa, ambas resistenciais, esta-
petição diferenciante de experiências aconiccidas belecendo um círculo vicioso, espécie de baluarte
antigamente, sendo que tal repetição poderia ser que conhecemos com o nome de IIOSPlTALlSMO.
utilizada a serviço do trabalho de tomada de cons- Um de seus" ,. s é um ti o de wtro<Tel1la e
ciência da tentativa de repetição do igual e do im- doença técnica gerada pela Organi/açào Il<l qu~ ()
pulso para a sua modificação ou transformação. Por P'lciente responde com manifestaçl)es doentias uc
isso, chamamos a [transferência amist(9 o "motor surgem da imposição de respeitar os disposi~vos
da cura". na qual se repete o.igJJ' . diJ:crell.1C. ornanizacionais
b __
que as desperlamn1 -
c
suscitaram.
--

enquanto na transferência erótica e ne ativa rc- Em conseqüência, o círculo vicioso conclui-uuma


dominava a tentativa de rep'etiçãQ.. cJ.u.Jgual, nã cronificação da atolo Tia dos usuá ios e um, pcr-
utilizável, ela qual tornava-se resistência e o p~tuaçüo da estrutura autoritária e repressora JJ(~
n.lll!,;-.seao exercício do procedi~cnto tcrapêutico. or<Tanizaçüo.
Ao lcm brarrnos esta divisão, podemos en tender Descobriu-se, ao contrário, que, quando se per:.
melhor o que os institucionalistas encontraram no mitia aos usuários assumirem ativamente o geren-
fenômeno da transferência institucional ou organi- ciamento de sua existência dentro da Organização,
zacional. Todas as características da transferência a produção de sua vida artística, esportiva, sexual,
freudiana que acabamos de lembrar ocorriam tam- sua participação na adrninistraçâo dos bens mate-
bém com a institucional. Há uma tentativa de pe- riais, do tempo, espaço ctc., formava-se um pro-
tição do igual que funcionava como resistência (lro- cesso de potenciaçüo da transfe'rê;Zia positiva amis-
piciada, r,,,;;recida pelas características autoritárias, tosa, tanto na íorrna paralela - entfc os usuános
fechadas, preestabelccidas, dominantes, mistifica- .: c~o en~re os integra~t~s do e'\I{/blí.\II~lIepl':.~)1
doras ou cxploratórias das organizaçôcs psiquiátri- entre ~\ equipe e os usua~~. ESla transferência
cas que se estabelecia entre a transferência irisliiu- ;\mistosa. coletiva, organi/.acional, p-otenciada pelos
ciona dos usuários, entendida
~ como resistência , c a d~ ositivos de autogestf;o, tornava--;c altamenteJe-1
contratransfcrência institucional conservadora de toda rapêutica, tanto para pacientes quanto para tcra-
=---
eutas.
a Organização, seus agentes, sua ideologia etc:~
es~ie de acto ara a doensa: de tal.mancin qu.c Eis o que deu origem à )SICOlerapTâ institucio-

os usuários repetiam sua patologia rnvocados, con-. ~tan~J.!....SQ..munitária ing esa como a ranccsa.
v()Cados pela Organiza ão. - - - Posteriormente estes achados foram transportado.
- -
100 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO INSTITUCIONAL 101

para a pedagogia, descobrindo-se que nas Organi- outra sene de rendimentos rodutivos.
sclarecemos por último que, como dizia
zaçõcs e estabelecimentos
similar. 6 "patologia"
de ensino acontecia algo
política, econÔmica, idcoló- S há uma série de resultados aparentemente
gica dos organismos de ensino tendia a produzir terapêuticos que são roduto da utiliza~ão da trans-
w>1 uma ~ltolo~ia" correspondente d~ ;;assa de aprcn- ferência. Se lembrarmos que a psicanálise era a
~ ~ dizes, ile alunos. Ambas potcncravam-sc mutua- única disciplina capaz de manejar a transferência
~;jJ -iimenié~ reforçavam-se mutuamente, tendendo a cro- amistosa não só para eliminar sintomas "utilizando"
r~ nificar os vícios e limitações do ensinar e do aprcn- a transferência, mas também empregando-a para
lYl'~ der na medida em que, obviamente, estavam em resolver, dissolver, conscientizar todas as repetições
r jogo neste processo as velhas transferências eróticas em jogo, poderia existir a dúvida de que nesta psi-
e hostis e as defesas contra as mesmas, que con- coterapia institucional o que se faz em realidade é
stituíam o substrato libidinal de todos os vícios pc- um uso benévolo da transferência, uso apenas amo-
dagógicos, tais como a passividade, o cnciclopcdi- roso, fraterno, o qual pode não gerar melhores efei-
smo, a subserviência etc. Utilizando-se o mesmo tos que a união entre a transferência e a contratrans-
procedimento, permitindo-se a participação ativa do lcrôncia hostil, que só pode dar hostilidade.
usuário aprendiz na Organização de~ prática êm Entretanto, o que ercebemos na sicoterapia
sua gestão e planejamento, fomentavam-se, propi- institucion<!J} é t;;;a ~s 'cr,'"' ',' stituciona co-
ciavam-se transferências amistosas, e os rendimZn- letiva que se estabelece, cujo uso 'era efeitos te-
t~)S no processo de ensino-aprendizagem mu.Lli.pli- raptuticos, não são a enas efeitos transitÓr" s sin-
cavam-se surpreendentemente. / tomáticos ou supressivos. Talpsicoterapia institu-
Tudo gira em torno d-"a-'r-id-e~~i"'-a-f-u-n-d-am-e-n-ta"J
de que ~ sional cria dispositivos de auto-análise da Organi-
a transf' '"'ncia uncionava de forma [tIZ' , ;- zação, alimentados pela transferência amistosa, que
~te estabelecia-se entre ~ídu()s e gJu- ~ão apenas sintomáticos ou su ressivos ' .irn
os . mCfetos. senão entre o todo coletivo, incluin- dw resultados estáveis do empre 'o da transferência
do a e ui e técnica e () que poderíamos chama("a ara sua at.:!..0~rreensão e autodissolução, assim
ideologia da Organização ue era tomada C(;mO como na produção "sublimatória" de lIma~vi-
objeto - por vezes como objeto Ideal de Ego, vênci~p'rodutiva t 'Ipêutica.
sádico, inatingível, despÓtico, ou como figura idcn- Referi-me às tendências originárias das várias
tificatória ue 'erava as condutas que pretendia rc- correntes. Direi em poucas palavras algo sobre
e '_como ~l?ém de um superego permissivo, as tendências atuais e contemporâneas. Faremos
democrático, ero,iÔvcl, amáxcl, ue 11 ava um certo sacrifício, deixando de mencionar rnui-
102 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO INSTITUCIONAL 103

tas e referindo-nos, restringindo-nos a umas poucas.


. ~W,
. sico\.Qgia l,nstituc,ion',I. de ~IIt,~~t~o
Não estou seguro de que esta solução seja a mais Jacques de ongem Inglesa, "::'O!11grclm!c II1I1UenCld 7
justa. klci niana e biouiana. Imagino que muitos a co-
Entre as tendências contemporâneas ·do lnstitu- ~hecem porque teve grande ingerência sobre algu-
n:~cionalismo, uma das mais interessantes é a /psic,9- mas tendências ar rcntinas de Psicologia Insti tucio-
F.?lo(Tia Social de (0hon Rivicr;) que se origina na nal, como a 'Ble Ter nl.i!is conhecida. e a de
v~rgentina e resulta da~mnuência de Escohs ror- U\loa menos conhecida, mas também E!iE!!iliUW /
te-americanas como a de Psicologia dos e u~11oS
gru os d Lewil a "Teoria do Campo" ~ecebendo ~~a tendência importante é a chamada(sóci; ~~
também influências da psicanálise k\ciniana e_de Psicanálise~de Gerard~É uma cO~1bi~açãoV
certo Mate-;:T;';lismo Histórico. Esta é uma teoria da de uma concepção marxIsta das Or(Tanl'/,a 'oes e
sllbjetiviJãZí'C socTtl. Um dos seus principais instru- ~ma concepção freudiana dasubjetividade nas clas-
mentos de análise, operação e intervenção é () cha- ses institucionais, propiciando um método de aná-
mado \Grupo Operativ3 que, infelií',mente, anda lise da vida libidinal dos coletivos, sua interven~ío
muito dcscaractcrizado. Tenho tido oportunidade de e intcr reta~üo assim como de uma militância ima,;-
~ ver que, em toda a América Latina e ainda na Eu- ncntc Ú patologia e ~ cUGU.nst'tucional.
./ ropa, chama-se hoje Grupo Operativo a qualquer -Outra corrente que já tem sua história no Brasil
uofr coisa feita em grupo, o que é inteiramente inc~to é a chamada ' ntílise InstitllcÍ()f/u!J o criador do
~ (;o--indesejável. A teoria e técnica do urupo pera- termo foi Fólix uattan que hoje encabeça uma
tíVõ como parte da Psicologia Social de Pichou outra tendência, criada por ele posteriormente. En-
Rivicrc, é ill]1a conccp .ão e um proccdimcntoul- tre os continuadores desse intuito' . ,', de Guauari
tarncntc sofisticado e es ccífico. Muitas pessoas estão George~lpassa1We René Loura, .i1,utor do
[uc lnZem praticar Grupo Operativo não apenas livro Análise Insritucional. que _é~I~ tentativa}le
não o fazem, como não têm a menor idéia de que compreender as Organil.a õcs e o psiquismo nas
seu criador foi Pichou Rivicrc. Sua teoria pode ser Organizações, e de propiciar intervenç.Ôes que ge-
considerada como uma das mais importantes cor- rem um a tendê ncia a u I. )-'lI1aIít ica cQ..leJi ' pcrrna-
rentes do Institucionalismo atual. Não tenho opor- ~ente e ;-utogestiva entre os inte~ran~s l~CS-
tunidade de detalhar suas características aqui; é cla- mas. Sua inspiração é também psicanalítica e ma-
ro quc a resenta al<Tuns as ectos te<Íricos, técnic()~ tZrialista-histórica. incluindo muitas outras contri-
e ideológicos qucstionávcis, mas tamhém méri~os buicôcs, por exemplo, da rilosofia de Hcgcl, da
qüe ainda não foram devidaJ:!lÇ e~()xados. Ou- Sociologia das Organivaçôcs, da Antropologia, da
< --
1,~ LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO INSTITUCIONAL 105

~~emi6tica. O conceit0...5.le cont~atra~sfeiêI~c·aL<L.!:s:. corpÓrco, podendo efet uar-se em grandes conj un tos
ffct; formulado por eles como lmplrcaçao, mais amplg" ~ociais. Esses conjuntos sociais estabelecem-na
~~olideterminada e coletiva. ~m aspectos abstr;tos como a ideologia, os valo-
{t" Para concluir, gostaria de apenas registrar a exis-
o
res, as organizaçôes, o estabelecimento, () Iluxogra-
tência de uma corrente institucionalista ultramodcr- ma, o organograrna ctc.
na ou pôs-moderna muito com lexa, rica e inte- eleuze e Guaiiãri))talvez se' am exce 'ão or te- ,/
ressante, que é chamada cs uizoanálise cujos cria- rem produzido, na, minha o~ini.ão, um conceit(~ ql~e~,
dores e cultivadorcs são o filósofo Gillcs c1euz é. de certa maneIra,. subst!tutlvo da: trans.f~rencra ~\Li(.,
e Félix uallari que abandonaram a Análise Ins- institucional ou am Irada. E o conceito da I RANS- ~~
titucional para rod~lzire01 esta nova disci lin~ Não VERSAI.IDADE Não é fácil explicá-lo. Farei uma
me atrevo a falar sobre a Esquizoanálisc aqui por tímida tentativa. Consi.stc em postular a existên.fia
ser uma concepção altamente complexa e cujos in- de, uma ca acidade de transferência em cada di~-
tuitos são similares e diferentes dos outros. Ou seja, positivo ou agenciamento social que talvez possa
produzir uma corrente de análise mútua e compar- -ter seu antecedenTê íCOnco na trans e~êncra amis-
otilhada em todos os coletivos de modo que leve à tosa, assim chamada por reud Significa U.!l1re-
auto-organização, auiodccisão, autogestão da vida torno da diferen'a ~ do ue definem como Oco.
social. Contudo, esta csquizoanálisc ~s s~:;;. Não é um desejo narcisístico, cdipiano, rcpc-
ue uma corrente institucionalista. Chega a ser me- titivo, insistente, mas um desejo de produção, de
smo uma visão de mundo, ins iradora de nov s liberdade, de novidade, ue se origina do que 0-
~odos de viver. deria ser a transferência coletiva permanente de sin-
Todas as tendências contemporâneas levam em gularidades pré-subjetivas, que ~ltravessa tod(; o
cOI~·(lc.raç.ã.o ou menor rau, a te()ria CãiiiPõ socia e e responsável pelas Trandes tra s-
psicanalítica do sujeito psíquico, a existência qo rormaçôes hi~tôricas, revolucionárias científicas,
Id. inconsciente e o fenômeno de " ôr em ato" de artísticas crc.
,)f;1J ôr em movimento a realidade do inconsciente, A proposta da esquizoanálise consiste em poder
~i-que é a vransfcrênciiiJT~(~r;;-onl~ce;;-~- detectar a existência da transversa Ida e e ro 'c', r

r
~ fcrência ue o era cómo resistência c a trans íc-
rência q~le pode ser utilizada a serviço do auto-
con iccimcnto, do crescimento e da cura odas
seu devir e seu desenvolvimento em todo c ll,al-
quer espaço da vida social, natL.!!lDe técnica.
Dadas as limitacôcs da exposição, pretendi cx-
reconhecem (j,!!e.J! transferência ...nã ) Cde..sencadea- plicar-lhcs as contribuiçôes do Movimento l nstitu-
da excl~lmentc por um interlocutor pontual e cionalista, a tcorizacâo e o manejo técnico ou tático
106 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO INSTITUCIONAL 107

da transferência, bem como a contribuiçiio do con- metapsicologia da relação analítica. Isto não pre-
ceito e das manobras cl<Íssicas da translcrõncia nos iénde descrever nenhum comportamento ancdótico,
Movi me mos Inst iluciona Iis Ias. crnpírico, Icnornênico ou "transfcrcncial manifesto"
I'LRC;UNTJ\S L INTLRVLNÇ()LS do paciente. Pretende conceitualizar um dispositivo'
estru tmal do psiquísmc pcl qllal O "erro" do ana..;
- Gostaria de fazer uma pergunta referente ao lisando que se dirige ao outro é su or ue se trata
tema da aula passada. Tentos dúvida quanto às do Outro, o sujeito do saber Inconsciente, ou me-
Iraduç6es espanholas relativas ao "su'eilo-sll JOS- lhor do saber uc constitui seu Inconsciente. Para
to-ao-saher" e "sujeito-sufJosto-sa!Jer ". Existe al- Lacan o Inconsciente é estrutmado como lingua-
gunu: dij"erellça dos termos lia ve7s(/o lacaniana Tem é uma se Üência de sig ificantcs. Em outras
ou é somente uma questão de tradução '! palavras, é um conjunto de "pensamentos", o qu~
Frcud chamava "pensamentos do sonho".
Resposta: Não poderia precisar como foi tradu- Ocorre que este discurso, esta seqÜência, envolve
zido em cada língua. Referi-me ao conceito, e po- um saber mas um saber, sem su'eito -- se por
deríamos verificar se as traduções são fiéis ao con- sujeito entendemos o sujeito consciente, sujeito do
ceito ou não. Se formulamos "sujeito-suposto-sa- ego -, e o analista é entendido como sujeito desse
ber", o perigo é que o que se tenta transmitir seja saber. O analista como sujeito nao sa e uma ai vra
entendido no nível Icnomênico ou crnpírico. E~l do saber do inconsciente do analisando.
outras palavras, é a idéia de que o paciente sim- Não há ninguém mais ignorante do que o analista,
plesmente supóc que o analista sabe tudo acerca o que é bom. Quando se diz que o sujeito em sua
dele e que não precisa comunicar, associar; um topologia tem um lugar que é o lugar do sujeito su-
si 111
pies caso de adivinhação do pensamento. Na posto ao saber, trata-se de uma questão estrutural.
prática constatamos (deixo claro que Icnomcnica- não ancdótica. O disfX)sitivo estrutural que contém
mente) que as coisas não se dão assim. Frcqlien- esse lugar de sujeito-SufX)SIO-ao-saber fX)de funcionar
t.elllCl1te () paciente em transferência negati\ra po(lc anedoticamente através de comrJrtamentos ou atitu-
f azer questão de mostrar que o ana lista não sabe des do paciente que declaram abertamente que ss
nada, podendo dizê-I;; t~x!ualmcn!e ou comportar-_ analista é um idiota, ou, como ac) ltcce nas ic
s~ de lal forma que o analista fique, de fonl ou pQranÓicas de transferência, o paciente delira que _ ~
cai-a no ridículo. analista lhe adivinha o .nsamcnto.
Na outra formulação, a idéia de "sujeito-su osto-
ao-saber", est;í-se falando, como di!ia~ d: - O sujeito-suposto-saber será então da arde
108 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA
A CONCEPÇÃO INSTITUCIONAL 109

do imaginário 0/1 do simbólico? outro nível do complexo psíquico a natureza con-


servadora das pulsÔes, A pulsão de morte e de vida
Resposta: Se for como penso, Q,sujeito-supostg- são conservadoras se 'undo ' ' G.H~#fltI',
saber refere-se ao su'eito com "WJ.l.i.:.:.,_c~o, Para eleuze e Guallan o ~lcseiÊt não é conser-
a~ito que pensa ue sabe e a seu Outro i '- vador. Não tenta restituir 's aI 'um' !!fu.)
ginário.:.."Por exemplo, alguém, depois de ser atro- ~ecuperar nenhum estado arcaico, Ademais,
pelado por um lapsus, pela emergência de algo o deseio - em certo Freud - não tem ob,i.W), .o
inesperado em seu discurso, pensa que sahe por desejo é desejo de encontrar na realid, de 1m ol,~to
que, ou que tem um outro cgo que sabe. Em outras alucinado e irredutivelmente perdi~, Para Dclcuzc
palavras, sujeito-suposto-saber é o sujeito que su- e Guallari o desejo "tem obieto", A diferença fun-
põe que sabe sobre si mesmo, ou que um outro damental c~siste em que ~)tü§'ii'Cill
é sinÔnimQ.jle
pode saber "cncarnando" uma instância que lhe é rodu 'ão, O que tradicionalmente conhecemos no
interna, "Quem pode saber mais de mim do que âmbito social, político, econômico como produção,
eu mesmo'!" É isto que inspira a formulação do geração de coisas novas, em Dclcuzc e Guattar~
sujei to-su posto-sa bcr, se aceitamos que ela existe. imanente ao Deseio, O desejo é Produção, A Pn2:,
O sujeito-suposto-ao-saber mIe ter talvez uma dução é Desçh) , Ambos são 1 ' ~
versão estrutural da ordem do imagin,hio e uma propiciam encontros "criadores", O~scjo,~
~11b6Iico. Mas é ~ais importante desta~ que g(; é um devir rodutivo "em' ". '- vl1~
é estrutural e não uma "convicção pessoal" do su- A transversalidad ' é a rede molccular de fluxos ~ j
jeito que supõe um outro ao discurso do Incons- desejantes e produtivos que atravessa um r.anora a I
ciente, social. uma forma 'ão olítica s ,', .' i aI for-
mando-se sin 'ularidades desc.'antes produtivas uc
entram em c~nexão entre si ara rodu/,ir novidade.
Isto é a Transversalidade, o fluir do Desejo c ~a
Producão através de um campo social, que é in-
cessan'temente desterritorializado por aquele.
Resposta: Para Deleuze e Guattari o...•d.i:sQ,jo não?
é o 'Iássico dese'o da sicanálisc. Em termos [rcu- fwl é (I concepção do4-C.---+-

rr
J!IP'dianos é a for,ç~ que ins,iste em sua tentativa de
restaurar o narclslsmo pc nll.(lo, sendo, então, uma for-
ça conservadora, Não rüz mais do que repetir em
em cieuzc

Resposta:
e Gllallar'?

Isto é mais
<
110 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA A CONCEPÇÃO INSTITUCIONAL 111

A idéia de Deleuze e Guattari é a de que não exisLe


um mecanismo universal de estruturação do sujeito.
E-;istem fÓrmulas múltiplas, histÓricas, de produ 'ão
de subjetividades e modos de sllb·etivação. O dipo
como equipamento produtor do sujeito não é uma
forma eterna universal, ubíqua e oniprcscntc, senão
u!!,a forma produzida dominante. Existem inúmeras
f2!mas de rodu ão de subjet"vação. Mas estão,
- _ Ao longo de S(/{/ exposição me<? se reicrin à
Pedagogia e ti Psicoterapia !/ls/i/flóo/lalis/(l, centran-
do-se na psicoterapia. Gostaria ((U! 'olasse,ainda ( fie
em geral, submetidas, subjugadas, hegemonizad~
r."Zlo Édi o, elo modo edi iano de_PID--iliLç.ãiL.da rapidamente. sobre a LPer/agogia !/ls/i/flcio!lo!iHü
subjetividade, que é uma forma de captura do de-
sejo como restitutivo, narClsístico, sem ob."eto e Resposta: Falarei muito rapidamente, justifica-
que tem sua continuidade assegurada pela não-ob- da mente: falei menos da Pedagogia lnstituciona-
tenção de seus objetos s outras formas de sub- lista porque não é meu forte. A Pedagogia lnsti-
jetivação, não, pois o Desejo funciona de outra ma- tucionalisla é posterior ~I Psicoterapia lnstitucio-
neira, tem outra natureza. Sua potência é inesgo- nalista. É como uma extensão de s 'li' i 1C'lliQS
tável. Não porque não atinge seu objetivo, mas por e experiências ao ümbito do ensino. odcndose
formar parte da essência de seu ser. I2Ie é produçãg, in:luir grandes séries de ~-.;;;;;ências d~ chama 0a
sÓ sabe produzir, dczir. autogestão edagólTica. Todas as experiências em
que o alunado auiogcrc, determina, em debate co-
- Como se cO/lsli/lIl/'la 11m Desejo (J n(Jo ser letivo permanente, tudo o que faz - a implantação,
p<;.lo neka/ivo, pela [aI/a l existência, subsistência da Organi:tação-Escola, dos
programas de ensino, das formas de seleção, ma-
Resposta: Existe a longa história da positividadc neira de transmitir conhecimentos, provas, avalia-
e da negatividade, do ser pleno e do ser da falta. côcs. certi ficados de formação. bens ma teria is do
Para certa concepção do Desejo em psicanálise, o estahelecimento, hierarquia do poder ete.
Desejo constitui-se pela ausência do objeto, o de-
sejo mobiliza-se pela falta, o ser psíquico é um _ Pode citar algurn autor?
ser de falta, ser de carência, é uma idéia que con-
tinua uma longa tradição que começa em Sócratcs Resposta: Mannoni, Lapassadc, Lourau. Lobrot.
e Platão, enquanto outras linhas filosóficas no Oury, Rcquejo e outros.
112 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA

Niio é o mesmo que participacionismo pcdagó-


gico, a famosa questão da co-gcsrão universitária. REFLEXÃO FILOSÓFICA
Não se trata de eu-gestão, e sim de autogestão.
SOBRE A
TRANSFERÊN CIA

C OMEÇJ\REMOS, como tem sido habi-


tual, fazendo uma ressalva. O tema desta aula, além
de ser sumamente complexo, exige do expositor e
do público um preparo filosófico mínimo. Como
eu não estou satisfeito com o meu preparo e des-
conheço o de vocês, devo admitir que abordarei o
tema de uma forma elementar e sintética.
Creio ue no transcorrer destas aulas sobre
Transferência tem ficado claro que a mesma é, ao
mesmo tempo, o principal obstáculo e () único mo-
tor do procedimento psicanalítico. Penso que deu
para compreender que a Transferência aparece e
funciona na análise como Resistência, mas também
como a força que impulsiona para a cura e como
matéria mesma a ser trabalhada ara conse rui-Ia.
Nestes dois sentidos, a transferência está inti-
mamente linada tanto à lIestão ela Re eticão uan-
to 1 da O'"cre "t.
Mas Diferença e Repetição têm sido tema de
reflexão filosófica desde os começos do pensamen-
to, não só filosófico como também mitológico e
114 LlÇÓES SOBRE A TRANSFERÊNCIA REFLEXÃO FILOSÓFICA 115

religioso. ~tra conceitualizar as rclaçôcs entre Re- da Repetição e daquilo que se repete nele. Assim
petição, Diferença e Transferência, tanto Frcud co- as questões procedentes seriam: "A repetição acon-
mo os 6s-freuuianos se basearam, implícita ou cx- tece no objeto a ser conhecido, no pensamento, ou
plicitament.s...na mitologia< na religião e na filoso TIt, em ambos'!"; "Segundo leis e dctcrminaçôcs ou
tanto quanto nas ciências naturais, formais ou so- sem elas?"
ciais de :i...euteOlpo. Em todos os casos: "Esse conhecimento é pos-
Por sua parte, as Ciências e a Filosofia contem- sível, ou não, e quais são suas condições, proce-
porâneas têm começado a prestar Psicanálise uma
à
dimentos e recursos'! E, em última instância, tal
atenção crescente, tanto que é difícil encontrar um conhecimento é necessário ou apropriado'?"
~ensador atual da Repetição e da Diferença que Esta última pergunta antecipa uma terceira classe
Ignore as contribuiçiics que a Psicanálise tem pro- de reflexão que conccrnc a problemática dos va-
duvido a respeito. lores, ou seja, a Axiologii.!.; A Repetição é boa ou
Seja qual for a concordância ou a dissidência má, bela ou feia? Existe uma repetição que seja
que existam entre as diversas disciplinas, as con- boa e bela, ou má e feia, ou nem uma coisa nem
tribuições têm resultado proveitosas. outra'? Ela é desejável, conveniente, imperiosa ou
Na Filosofia o problema ua Re eti 'ão está ine- prescindível?
vitavelmente liga~ à questão ontol6gica, ou seja, Em todas as interrogações citadas vocês terão
a do Ser a de seu cvi r e, conscq ücn temC'n"iC,"a sentido provavelmente a necessidade de uma defi-
uÓ em o A pergunta pcrt incnte é: "SL<J!!e é tI uç nição precisa de Repetição, assim como terão ex-
~?", e esta exige por sua vez colocacõcs perimentado a tendência habitual entre nós de en-
acerca de se o (ue se re 'te é o mesmo oOu o tendê-Ia assimilando-a ou opondo-a a alguma outra
ou.tm, () um ou o múltil210, o sin~lar ou o plural, noção, conceito ou categoria. Espero que se com-
o Igualou o desi Tual, o semelhante ou o diferente preenda que isso é justamente parte do que está
~positivo ou o negativo, o equivalente ou o dis~ em discussão. Mas, se cedemos a essa tentaçiío
valente, o idêntico ou o diverso. Desde já se vê espont<'inea, diremos que correntemente são sinô-
que todas estas perguntas podem ser Formuladas nimos (e epetição palavras tais como re.J'l dução,
na ordem do qualitativo, do quantitativo, do inten- rcncracao e retorno, assim coJ1lo são seus antôni.;
sivo ou do cronol6gico. iiiôsrl1u( ança, renovação, sendo que essa or.osiçfLO
Por outra parte, estes temas suscitam necessa- com as precedentes costuma girar e tOJO( da idéia
riamente a reflexão gnosiolcígica, ou seja, as per- de Direrença. Mas, como dizíamos anteriormente,
guntas sobre a possibilidade de conhecer o processo é indispensável saber que em Filosofia cada um
116 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA REFLEXÃO FILOSÓFICA 117

desses termos tem significado sistemático, ou seja, e do caos inicial como da criação e do criado.
que varia segundo a posição precisa que esse vo- Estes acontecimentos se reproduziriam constante-
cábulo ocupa dentro do conjunto de uma determi- mente em períodos regulares, devendo sobrevir ou
nada teoria ou doutrina, e ainda do uso que delas não algum fim dos tempos. Obviamente neste pen-
se faça em cada conjuntura histórica. samento ou sistema de valores, a repetição do mes-
Por isso, P3Ha poder abordar aceitavelmente esta mo, do sagrado, era o Bem Supremo. (JJ'
6~
--
importante problemática no marco de uma aula i~-
_
l~lda, só nos resta um caminho: fazer uma breve

P~), e resumir as .Qolêmicas gue na atualidade


•..
r.svisão Cfonoló rica das rincipais posi 'ões a rcs-
Uma classi ficaçili.Lgr ) 'seira dos ensadores ..•.
~cráticos, que receberam enorme influência do lt'~~
pensamento mítico, p,ode dividi-los entre os gue f7~
~'atizavam a IlermanÔltcÍ1l-.C-Í.m.pasScihiliÜade
oré-

p;.,7
têm ad uirido rele~, segundo nossa opinião, ~er e os que insistiam na im ortância do .m;.i,;-
no panorama contemporâneo do pensamento filo- mente e do devi r, fosse este reiterativo ou não,
sófico e em relação à psicanálise. Obviamente esta 11~ determinado ou fatal. Para dizô-lo de maneira
revisão e síntese não serão imparciais nem inocen- pitoresca, temos os ré-socráticos est·' 'cos e dinâ-
tes, seguramente serão incompletas e até é possível micos
que sejam parcialmente incorretas. ~~ác~ por exemplo, sustentava que O Ser
Tentando o caminho proposto, em primeiro lugar "devem" e que "nunca nos banhamos no mesmo
digamos que o l2.ensamento mÍtico e religioso ti- rio", enquanto (nrmênid~ declara que o Ser é e
veram sempre como tema privilegiado' o das ori- o não-ser não é, sendo que o movimento do ser é
gens de tudo quanto existe. Para muitos p~~ impossível. Os seres são eternamente iguais a si
gênese foi divina, realizada a partir do nada ou de mesmos:
um caos primordial no qual os deuses naturais ou ®crate~ por sua vez - a quem conhecemos
sobrenaturais introduziram a existência e a ordem. através dos escritos de seu discípulo Platão -, s
Logo, esta criação, acontecida em um tempo divino, tentava a existência de três mundos: o mundo dàs
devia repetir-se fielmente igual a si mesma. idéias puras, detentoras das essências, 'da identida-
Isso fazia com que boa parte da natureza e da de, da verdade e da eternidade. Logo, dirf, q mundo
vida humanas se desenvolvessem no âmbito do ri- das cópias, que teriam chegado a ver as idéias.
tual e do sagrado, estritamente rcitcrativo, sendo mas perderam a proximidade com elas e as esque-
que as atividades lprofanas careciam de toda idcn- ceram; sendo assim, padecem de falta de essência,
~idad~ e de ordem.. Algum(~s (~es.tas cosmogonias de identidade e verdade, e vivem parcialmente na
incluíam a crença de um dcvir CICl!COtanto do nada semelhança e na aparência, embora possam subsa-
118 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA REFLEXÃO FILOSÓFICA 119

ná-Io por meio da rcrncmoração. Esta lembrança é platonismo e (J posteriori do aristotelismo - afir-
obtcnívcl mediante o ascctisrno e o diálogomaiêutico. ti, a _pelo con trá rio, ;...r:9tência..~fals2.. Q:i.Li.cam
O terceiro dos mundos é o do simul(~ro, composto o im ério do Ideal, da Verdade na Repetição de-
de elementos totalmente anárquicos, carentes por com- fendendo com sua crística. arte da luta verball a
pleto de essência, identidade e verdade, existindo em importância dos simulacros, da opinião vulgar, da
um mero dcvir louco e demoníaco, na pura diferença ;ida mundana ctc. __ --,
ou na simulação. ili estóico. e tPicureus\ não sem certa discor-
~undo alguns autores, a doutrina socrático-pla- dância, :iÇ inscrevem em uma linha que retoma de
~é, em rigor, um sistema moral destina o a forma variada os pré-socráticos.
... - É conhecida a afi-
instituir determinados valores e a selecionar as boas nidadc de Crísipo, Epicuro, Lucrécio e Zcnon pelos
e as más cópias segundo sua semelhança com o pré-socráticos: Hcráclito, Dcmócrito e Empédoclcs.
ideal ao qual pretendem imitar. Portanto, o valor Estes pensadores, a esar de afirmare Que o uni-
~
máximo romovido )r essa doutrina é a tentati"w verso é imutável c ue dev~ém em ciclos repetitivos,
de repetir o Ideal como o Mesmo e copiá-Io. O sustentam também que nele não existe uma coisa
Vãlor mais detestado é o da repetição das pura~ que seja ·Igua a outra, e que toda~ elas res'u\[am
diferenças, do singular.
Com €istótelcsrp(~de-se dizer qu~iste~a ---
de agregações
~~pelo
e desagregações
.-
de átomos operadas
DI~';VIO de ai 'uns deles, denominado
manifestamente moral socrático- latônico refina-se, s:.uI2§meQ. Segundo estas escolas ,º=contato entre
disfarça-se e transforma-se em uma lógica, uma qs corpos (entendendo por tais as mais variadas
epistemologia c-;:;ma psicologia. As idéias puras naturezas) gera, nas superfícies resultantes, os in-
socràtico-platônicas são substituídas em Aristótclcs
pelos sistemas dos concci tos, obtidos pelo proce-
..
corporais, extra-seres ou substânCIaS não-corpóreas,
-
dotadas de um oder de efetua 'ao ue determll1a
dimento da abstração, que são uma representação a~ como, por exemplo, quando um juiz define
do mundo que permitia a classificação dos seres o encontro entre o corpo de uma vítima e de um
segundo sua substância, gênero, diferença especí- réu como sendo um delito e ao protagonista como
fica, propriedade e acidente. As causas e e~s culpado; os atos assim produzidos como Incorpo-
são Jigorosamente classificados por Aristótelcs e rais constituem os Acontecimentos, únicos e irrc-
a qUlfem I( cnuc aue representada no conceito que petíveis. Deus, primeira potência do Mundo. forma
conseguem incluir em seus limites até o Acaso co- do Acontecimento, constituíra o Mundo mesmo.
mo causa e os efeitos mais diferentes. Esse panrcísmo, como veremos mais adiante. será
Os ~e os - adversários J!o antecedente de pensadores como Espinoza.
120 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA REFLEXÃO FILOSÓFICA 121
/

10C'
tf~r lástica,
No críodo denominado da 'PatrÍstica e dal$sco- desse retorno que se pode determinar como "e[~i- ~
~tabe~ '.", ê '" .' mificativa ~~ (talvez se possa falar de "ilusões") ~ IgUal-~ ..,)9-

~í!''.t entre Du s Escore e Santo Tomás de Aquino. dade, Identidade, Mesmidade ou modalid"'a-d'""e~s-d"'e-~;.J
lf' Para San to Tomás a ca tegoria do Ser r.cúne ent(d Siãs, tais como a Semelhança, E uivalência,_An;-
análo 'OS, ou se'~ ue são semelhantese diferent 's. iõgra etc. A ~ontade de potênci nietzschiana con-
Para Duns Escoro o Ser é unÍvQcJ).,_o que implica siste, entre outras coisas, na afirmação deste Ser
que da Essência de tudo quanto é só podemos dizer do Devir como re eti ão das D' ~o Desejo
que é. Isto significa que a fala acerca das seme- dos Fatos e Acontecimentos). Repetição essencial
lhanças e difcr~nç(ís-i-elativas ou absolutã'Critfc os esta que não se rege por leis, senão que sobrevém
ser'cS não se aPlica ao Sa-'éon1o categona, por- sempre ao acaso, mais além do Estabelecido, do
q.tTa~[() ô Sc,r j.,J.!Sutro. Não se trata- de que o Tcr Humano, do Bem e do Mal. A'lsim se emendem
seja idêntico ou único, e sim uc sua essência ~m os lemas nietzschianos como "v' crigosamon-
si não admite iltrÜ2.!!!9.sdeste-..tWQ". te" ou a ro osta de criticar os valores mas não
/ ./ ~ Pa;a-~ o ser é unÍvoco, mas não é n~u- Qara substituÍ-los or outros, senão ara acabar com
~ VJ ~ E a Diferença que o expressa e afirma em a necessidade de viver se 'undo valores estabe e- ~
~',~;; lodos os seus modos e gra us de intensidade. fu cidos. J
v-r Ic, izando com I[)-f.scart~, que afirma que só exis-
tem duas substâncias, ares cogita e ares extensa,
0fi16so(o dinamarquês QSierkegaar~cMcebe
Repetição como um método a sccxiç . é' como
a ~' .

~afirmava que sÓ há uma substância que l!.,mexercício de Libcrdads Assim como em Nietz-
se expressa em um número fII1Ito de modos e em sche, não se trata em Kierkegaard da Repetição
um infinito de at ' llJ.QS. segundo as leis da Natureza, ou da memória, se-
Para ieli'sche por sua vez, não se deve dizer gundo a Reminiscência platônica. Não é a reitera-
J,?apenas que o Ser é Substância, senão que só há ção numérica do hábito nem a rcmemoração do
o l~ ser, o do Dcvir. Além do mais, ~ pode P(lS- Mesmo Ideal, não é uma segunda vez, e sim de
}-
tu lar-se a semelhança a partir da afirmação daquilo l!m querer repetidamente aquilo que se quer até o
CU!,eé Di feren ts... infinito, a eternidade de cada instante' à enésima
Nictzschc, muito influenciado pelos pré-socráti- potência. Não se trata de extrair algo novo de uma
cos ita róricos e alguns estóicos, afirmava o~o Repetição, de compreender ou de contemplar um
Retorno mas não o Eterno Retorno do igual, Idên- repetir para ver algo novo. Trata-se de atuar como
tico e Mesmo, e si le tudo uanto é Diferente. objeto supremo da Vontade, de fazer da Re li ão
O que se [(,;.~.lÇ.,J,2o·s é a Diferen 'a, e é a artir como tal uma novidade, uma tarefa de Liberdade.
122 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA REFLEXÃO FILOSÓFICA 123

. ~As concepções de~tz~e de ~keg~têrn ~ negação de si que o obriga a sair de si. alie-
~Q)'~.iastante em comum como or exemplo, pro or a nando-se na existência de tudo quanto existe e .!.Q-
~r' Repetição assumida como um movimento ue não duzindo assim uma diferença. Logo procede a uma
conclui nunca mas a resentam também diver ên- nova negação, a negação da negação, adquirin~o
cias: ara 'erkegaard e eti ão assumida é um consciência da Di [erença e tornando-se Espírito pa-
caminho ara a salva ão cristã, que sempre envolve ra si.yeste novo estágio estão superados e con-
certa resignação, enquanto para o ateu ietzsch servados o da afirmação inicial e o de sua negação,
é a maneira de libertar-se definitivamente da cre~a que subsistem rcformulads ( vidadc adquirida.
nos deuse~ e em qualquer outra entidade garanti- Este processo, chamado dialético abran Tee di ri _e
dora como a Igreja e o Estado. Mas talvez o mais todos os cam s da realidade, tanto o dJLló.gica
importante é gue o filósofo dinamarquês procura interna que informa o pensamento como o da
,{vi uma '~ e(2etição Diferencia}" na qual a diferença tureza, a subjetividade e a História da huma 'dMle,
~~Q vai estabelecer-se entre a Repetiçaoe o Repetido, -No âmbito da consciênCIa e do pensamento este
{~ sendo que o ue se afuma-.não é um Jluro Acaso, processo diz como se efetua a passagem da simples
e sim a ge eti.ção renovadora de casos. negação à negação determinada. A "consciência in-
Em ietzsch a proposta consiste na afirmação gênua" ou "alma bela" parte da afirmação de uma
~soluta da Re eti ão voluntária do Acaso. Desejar certeza subjetiva. Se ela aceita, por mero uso da
o Acaso, propiciar os encontros para gerar os acon- linguagem em uma relação intersubjetiva com outra
tecimentos se conservar ressentimento aI um consciência, questionar as condições do vivido, da-
"porque não foi como queríamos" e sem crer em rá lugar à emergência de uma verdade objetiva co-
nenhum destino. Para @erkegaar&o procedimento mo resultado de uma relcitura. A mesma estará
da Repeti ão tem um forte com nente subjetivo concluída e adquirirá pleno sentido quando conse-
e é uma probabilidade entre outras; ara Nietzsche guir articular-se na totalidade do movimento do De-
é a única possível e corresponde ao jogti das forças vir do Espírito (Saber Absoluto). Essa figura da
dó Devir, e não ao âmbito da subjetividade em alma bela, exposta na enomenologw (,0 Espínlo, nlP'
Qarticula[. se complementa com outra, não menos famosa que ~
Costuma-se opor a concepção d,e Nietzsche e é conhecida como "Dialéticà do - do Escra- rrr
aJ{
Kierkegaard à de Hegel. É sabido que para o Idea- ~ sta caracteriza o vínculo intcrsubjetivo que ~
l. lOY lisrno hegeliano Q.Ser, que é o Espírito em si, con- se dá entre o Amo ou Senhor, o qual demonstra
-\\?'O tém todas as possibilidades, mas em estado de in- na guerra que está "mais além da vida" porque
determinação. O Es írito em si inicia um roce so "não teme a morte ..." e o Escravo, que permaneceu
124 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA REFLEXÃO FILOSÓFICA 125

imerso nas preocupações pela sobrevivência .....Q mo produto uma diferença definida e objetiva de-
Amo, ara afirmar seu Ser e seu domínio, necessita pois da mediação de duas negações determinadas.
que o Escravo se reconheça como tal e o ~~ça O que se conserva no produto é provavelmente o
como Amo. Assim é que ele se torna um Homem. mesmo que estava contido no "em-si" vivido da
Mas o escravo, que nao é ainda um HonlciTI nessa afirmação inicial, mas transformado por sua inclu-
relação e não pode propriamente reconhecer nin- são nos conceitos da reflexão dialética. Daí a fór-
guém, só pode tornar-se tal pelo reconhecimento mula última de Hegel que diz que "tudo que é
de outros escravos conseguido através do trabalho racional é real e tudo que é real é racional". Para
compartilhado, com o que se consegue o domínio ege é pela aquisição desse saber racional ~e
sobre a Natureza. Neste ponto, os escravos.-1a.rna- exercita a Liberdade como "consciência de neces-
dos homens oderão escolher de comum aco o ;idade de repetir", da ual se é vítima quando não
um Senhor, o Estado, no ual são reconhecidos se tem "conceito da repetição" do Igualou do es-
Esta tese está a oiada em uma Ontolo ia ue afir- mo e do Desejo mpossível o er eno. I en-
IJIa que o Homem é um Ser-da-falta, um Ser 9!!.e ti a e é, pOIS, a Repetição sem conceito, a Dife-
é porque lhe falta e ue rocura um ser de com- rença se gera pelo conhecimento racional da Re-
pletude no Desejo similar de outro Serj •• e nunca petição.
õ......alcança. O Desejo que move o homem ~m
c A crítica produtiva que o marxismo faz a Hegel
Desejo de Ser Pleno no reconhecimento dado pelo introduziu modificações importantes na concepção
~eJo do OutroJ falta nega o Ser o ornem Idealista do grande filósofo alemão, sobretudo no
que tem a convicção subjetiva de Ser Homem, e que se refere à material idade do Real, mas con-
quando este nega esta negação de reconhecimento servou a Dialética como processo do Devir e como
(tomada de consciência só possível pela mediação Método do pensamento que privilegia a Razão,
da linguagem no diálogo e a retrospecção inter- especialmente a científica.
subjetiva) produz uma Verdade objetiva e se torna Já que suportamos até aqui esta árida e insufi-
assim parte da Totalidade do Espírito recuperado ciente versão filosófica, trataremos de ver de que
para si. Parece evidente que, para~ de alguma forma esta longa história do pensamento incide so-
forma herdeiro do pensamento socrático-platônico- bre a Psicanálise em geral e sobre o problema da
tomista-kantiano, a o eraçao res onsável do moyj- Transferência em particular.
mento é a negação e a negação da negação, estado É óbvio que seria interessante saber como essas
qUeê e denomina de "Superação". A afirmação i~ doutrinas participaram direta ou indiretamente qual
diferenciada, caótica e indeterminada inicial dá co- foi a influência que tiveram sobre Freud, as idéias
126 LlÇÓES SOBRE A TRANSFERÊNCIA REFLEXÃO FILOSÓFICA 127

que vimos, além de outras que não mencionamos, inconsciente como o lugar da cadeia signif.ifante
como as de Kant, Herbart, Schopenhauer, Dilihcy, que, animada pelo Desejo, insiste em sua rocur~
Brentano, Bergson etc. Ninguém duvida, por exem- do Falo e da repelição o mesmo narcisístico. E
plo, da influência que Hcidcggcr teve sobre certa cÍaro que essa cadeia significante só constitui es-
psicanálise contemporânea. se significante falo como um mesmo ilusório, real
Mas aqui nos limitaremos a colocar algumas último buscado por detrás da série já constituída
questões que seguramente não serão neutras nem e sistemática das máscaras significantes. 9 fato
casuais acerca da polêmica atual sobre qual seria delimita o ponto no qual a pulsãQ...CLÓ.l.i.í.:a..s.e.ca-
a inspiração filosófica que cabe melhor à concepção lTzaria na fusão entre sujeito e ob'~ a.iJlda Q-
psicanalítica da transferência e algumas de suas gícãmente anterior à Identifica ão Primácla. En-
conseqüências cpistcmológicas e éticas. No come o contro Imposs[vcldo qual cada ensaio falido, Ial-
desta exposição destacamos que a ransferência toso dá como resultado uma forma 'ao do incons-
tanto em suas manifesta ões "v·siv..e··" c o nas c~~ um~e~~ulada com as outras e
"latentes" ou meta psicológicas, dentro e ~ decifrada
__ ' confiaura a
.::=t_ J'á mencionada "Re eti ãc,
análise, é um processo reprodutivo e ao mesmo Diferencia!", a Diferença de Sentido de cada Rc-
'tempo imwador. Vendo esta dualidad o petição. Sah~mos que esse encontro falido é cau-
ângulo, dissem~ ue a mesma funciona como Re- sado por certa forma do Acaso que Lacan refere
sistência (desobediência involuntária da livre-asso- à Tyché de Arístótclcs, que os efeitos que gera
ciação) e nor sua vez como motor, cam e mater são da ordem do imaginário, e que seu destino
com o qual e no qual se processará a cura. Quando analítico (como diria Freud) é serem ligados, su-
revlsamosas- ivcrsas teorias Ircudianas a respeito, bordinados ao processo secundário para alimentar
destacamos uma delas, que tentava explicar essa um resultado de recordação e domínio dos afetos
dualidadc da transferência atribuindo () efeito resis- contrários à atuaçãp ou à sintomatologização do
tencial à transferência de qualidade erótica e à hos- Desejo. Segundo@, o Imaginário deverá ser
til, e o efeito propriamente analítico ou curativo à subordinado pelo registro simbólico, para ser visto,
Amistosa. Assinalamos que essa concepção é con- c9'2!.I2Ieçn I o e concluído no processo analí~ic~
siderada puramente descritiva por Lacan. Durante Sejam quais forem as sutilezas e obscundades
nosso breve exame da abordagem lacaniana afir- destas leituras (e não são poucas), é difícil deixar
mamos compreender que a partir da releitura de de crer que a proposta analítica gira em torno das
Inibição, Sintoma e Angústia,@define o Ego seguintes categorias:
(je-moi) como instância da resistêntia e o IcL 1) Coloca a realidade não-psíquica entre parên-
c-=
128 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA REFLEXÃO FILOSÓFICA 129

teses para só ler e operar sobre a psíquica, em mitologizando, desmistificando e sublimando inter-
r
especial a Inconsciente. minavelmente. Em termos um tanto mais empíricos
2) Entende o ~conscientF enquanto transindivi- ou em categorias filosóficas se poderá 'denominar
dual estruturado como uma liÍ1_ua em composta estes rendimentos como se quiser: reconstrução da
de significantes, sobre os quais "pesa proscrição" história, da novela familiar, transformação da Re-
que f~ltam à IS osiçao o ujc'to gue fa a ara petição da Identidade sem conceito na Repetição
completar as falhas do discurs Diferencial por conceitualização da Diferença, des-
3) Para poder decifrá-Io parece colocar todo sig- construção do destino Inconsciente, aumento da ca-
nificado entre parênteses para ler e intervir apenas pacidade de escolher etc.
so re a slgm icância, assim como exige que toda Se se repassam as posições filosóficas que an-
ação corpórea ou sociaf~significativãSe]ãíiiT51da teriormente tratamos de resumir, resultará que ~
re uzin o o l'l1l.atenal" ãseqi.jência na qual supõe c,Qncevção psicanalítica da Repetisão e da Diferen-
pOder lOCalizar e circunscrever as repetições trans- ça parece ter muito mais a ver com a linha de
ferenciais significantes. - -- Parrnênides, ,.,ocrates, Platao, Aristóteles, Santo
- 4) Define o~ como uma força que insiste Agostinho, Descartes, Kant, Hegel e Kierkegaard
em animar a cadeia signi ficante no sentido da re- do que com a de Heráclito, Dcmócrito, sofistas,
pêtição de um significante originário que, por seu estóicos, Duns Escoro, Espinoza e Nietzsche. Mas,
v~lor imaginário, é a marca da alienação do sujeito sem dúvida, as coisas não são tão simples.
da Unidade Primitiva Perdida. Três questões se apresentam:
5) ~irma que na procura repetitiva do valor 1) A psicanálise adere a uma concepção da Re-
imaginário do significante rimordial ~JS'ü)elto petição do mesmo como Idêntico, Igual, Seme-
constituído na transferência, tentará tomar o analista lhante, Análogo ou Equivalente?
por seu go deal e conformar- e e ~ 2) Ou a uma da Repetição da Diferença como
a" para aquele. Mas que, em rigor, sua pulsação Repetição Diferencial ou conceitual e/ou signifi-
inconsciente encontrará o desencontro, a falta do cante em qualquer das modalidades acima citadas
objeto que, uma vez devidamente simbolizado, o do Desejo como Falta? Psicanálise ciência Ociden-
levará à recuperação de uma diferencial idade na tal?
repetição que se plasmará como uma troca de po- 3) Ou a Psicanálise traz implícita, virtual uma
sição na estrutura. Isto lhe permitirá seguir ima _i- concepção da Repetição do Ser como Ser da Di-
nando e retificando suas ilusoes, buscando o ozo ferença, Pura Diferença, singularidades e rnultipli-
e satisfazendo-se com o diferencial gozo- razer ... cidades, o Desejo como vontade de Potência de
=-
130 LIÇÕES SOBRE.A TRANSFERÊNCIA

afi!:mação da Diferença, do encontro e do Acaso. A TRANSFERÊNCIA


uase ciência dos bons encon ros.'
Estas perguntas, evidentemente, não são apenas
Considerações Finais
retóricas, nem muito menos um exercício acadêmico. Provisórias
Para começar a respondê-Ias é preciso romper com
toda ortodoxia, particularmente com urna série de
crenças que lhe são características. Por exemplo: é
a psicanálise um saber e um fazer cujo grau de aper-
feiçoamento a torna a única ou preferencial opção S UPONIIO que tenha sido possível en-
para entender e resolver toda e qualquer situação na tender, durante o transcurso destas aulas, que a
qual estejam envolvidas as subjetividades sofrentes transferência é um rocesso real e material. Por
ou as produtivas. Existe UMA psicanálise ou UM.de- real e material quero dizer que a mesma acontecia
sS!1volvimento da mesma feito por UMA escola ue e acontece independentemente de que ai uém se
clausurc definitiv~~nte O~J?<:)ssíveis ou virtuais? en a ocupaüo e ITIvestIga-la dcliberadamente e
São âctíveis os empregos teóricos, metodológi~ ge intervir sobre ela Rara encam' l{ - eJll-llma
técnicos, estratégicos ou táticos de alguns recursos ou outra di [I Gli-o.
psicanalíticos por fora da especificidadc e da profis- Espero que tenha ficado claro que este [ato tor-
sionalidadc da disciplina, articulados às de outras nou-se objeto de conhecimento e de operação para
práticas e ainda a outros modos de produção da diversas disciplinas e práticas.
vida cotidiana? Na existência cotidiana as pessoas costumam
[;TudO uanto não se re ete como diferente está percebê-Ia e designá-Ia por diferentes noções mais
~)rto, mas ainda assim pode servir como estrume. ou menos vagas, assim como comportar-se a seu
respeito de maneiras que poderíamos denominar de
não-específicas. Não é por casualid.a.~ 9
enfatiza que a transferência que se dá na sessão
ª~alítica é similar à que acontece fora dela,~-
riando somente o uso ue se faz da mesma .
..:.:.:.------ . li
Várias ciências a detectaram e conccitua izararn
em seu próprio campo e a manejam com procedi-
mentos peculiares, tal é o caso da Antropologia,
da Lingüística, da Scrniótica, da História, da So-
132 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA
CONSIDERAÇÕES FINAIS PROVISÓRIAS 133

ciologia, da Economia, da Pedagogia e até da Psi-


/-~ .
sentes na obra de(Fr~ug,_cste am ~otad~
cologia. Em um de seus escritos, "Múltiplcs interés deI
Certas práticas de estatuto especial, como a Po- Psicoánalisis", o fundador da disciplina incursiona
Iitica e o Direito, sempre reconheceram os fenô- em numerosas áreas da vida humana nas quais a
menos transferenciais e atuaram em relação a eles Psicanálise poderia vir a ter importância explicativa
de forma particular, enquanto algo parecido ocorre e operacional. Algumas delas, como a Biologia ou
com a Medicina como território de confluência de a Arte, não implicam necessariamente um proce-
numerosos saberes. dimento clínico, outras supõem modos de interven-
Por último, recordemos que a Filosofia refletiu ção que não possuem objetivos "tcrapêuticos", em-
fartamente sobre a questão com base nas categorias bora exijam certas manobras estraté ricas e táticas. _
de repetição e diferença, em complexa intcração Esta Psicanálise se denomina a licada' nome'f~',
com todas as outras abordagens. não muito feliz, enquanto a prática da Psicanálise~
Sem dúvida S
no domínio da (Psicanálise:..illlli- consiste na aplicação da teoria e do método si-
d3 q~e uma modalidade específica de entendi- can..alíticos mediante adequação destes a cada si-
!l1..~nto e ~go da Transferência adqúire um ní- tua ao co rnoscitiva e é"~'12ê~t'al SI' _ e/1Q.is.
vel de ~ar~ct~iza 'ão teórica e i ort1JlÇiª técnica Neste tipo de estudo enquadram-se perfeitamente
'l!!~rnaram aradi -'má ticas em toda a cultura muitos dos textos freudianos em especial os que
J!1Qderna _e contef!l12o~ân9 de forma que os outros integram a chamada "Obra Social '. Desde este pon-
saberes foram notavelmente influenciados pela con- to de vista ou toda a Psicanálise é "aplicada" ou
cepção psicanalítica.
~
":imos também que ~ continuadores de~ , Por outra parte, transitamos nas aulas por uma
partindo de algum dos aspectos (amiúde descone- rápida visão de algumas novas "disciplinas" (por
xos e até contraditórios do tratamento u iador chamá-Ias de alguma maneira) ou saberes, tills co-
dJ!. Psicanálise deu ao assunto), desenvolveram-nos I
mo a nálise Instituciona fD:
e a~<;quizoanálise} ' ~
dentro de suas res ectivas orienta õcs. . incor oram e em t( s sicanálise e as uais' ,
Permiti-me insistir na afirmação de que essas não se pode qualificar nem de "Análise a licad ".
abordagens freqiientemente foram interessantes e São verdadeiras 'Invenções, ou seja, novidades
valiosas, mas que en s ode atribuir-se cujo valor heurístico e prático não é 'ul á c\ a nas
o ,érito e ser a únic a s bre desde os conceitos psicanalíticos. Cada uma delas
~ Muito menos pretenderão sustentar que tem sua redcfinição do que é Transferência, assim
o tema está concluído ou ue as su Ôe::; pze- como de vários outros recursos clássicos. Em re-
134 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA
CONSIDERAÇÕES FINAIS PROVISÓRIAS 135

lação a estas inovações talvez a mesma Psicanálise vamente insinuados naquela célebre e auto-irônica
tradicional possa ter algo a aprender. Os acertos e sentença médica: "A operação foi um sucesso, mas
erros, assim como a real transcendência destas cor- o paciente faleceu;'.
rentes, demasiado jovens, só poderão ser avaliados I Obviamente devemos crer que qualquer argu-
com o tempo.
mento epistemológico legitimador de uma sturã
De qualquer forma, o que não Rodemos aceitar e- aman 1a arrogânCIa nao é senão uma raciona-
é a desqualificação do mática ue uma orientação liz~ção de interesses corporalIvos rofissionalistas
pSlcana ltlca faz das outras, ou a ue se tenta m ou ainda místicos, mas jamais uma autêntica vo-
'"'nome da Psica~ii'~,
- --, .. - - ----------
com qualquer outra disciplina
clássica ou recente. Segundo as escolas Iideístas
~cação de conhecimento c prcstaçãc.de.scrvíços.
, No âmbito da transferência nunca saberemos o
~uais acabam~de nos referir, toda "Psicanálise" suficiente e não existe proposta que não devamos
que não seja como cada uma delas determina, "não estar dispostos a considerar.
é Psicanálise", e os métodos e procedimentos as- Se para começar a pensar aceitamos, por exem-
sumidamente não-psicanalíticos não têm direito de plo, a afirmativa de que "a transferência é a posta
tomar nada da Psicanálise porque, supostamente, em ato da realidade do Inconsciente", do ponto de
não conseguirão Iazê-lo sem desvirtuar por com- partida desta proposição (como de qualquer outra)
pleto a especificidade psicanalítica. Ademais, esta abrem-se milhares de caminhos para o questiona-
especificidade se postula como indicada e prefe- mcnto.
rencial para toda e qualquer situação, sendo que De certo modo tratei de sugeri-Ios nas diferentes
este privilégio haverá de ser estimado exclusiva- aulas, tentando ser coerente com a idéia de que,
mente com os critérios internos da escola em pauta nesse terreno, vivemos um tempo no qual é ainda
e nunca com os de outras abordagens possíveis ou mais fecundo multiplicar e reformular constante-
ainda com os da inspiração intuitiva. Assim, toda mente os interrogantes do que fechá-los em con-
avaliação da inteligibilidade nas leituras de uma clusões mais ou menos fanáticas.
conjuntura ou da eficiência de uma intervenção ca- Este inconsciente (ou os inconscientes), seja mo-
receria inteiramente de validade porque "não en- dclizado como um espaço ou um sistema animado
tende" as premissas e metas DESSA Psicanálise que, por um processo que lhe é próprio, engendrado no
Ireqüentemcnte, não se esforça muito para ser en- jogo entre as pulsões e as representações ou no do
tendida nem para demonstrar sua utilidade. desejo e as substituições na cadeia significante ...
É fácil imaginar que esta atitude pode conduzir seja ordenado em uma estrutura na qual o sujeito
a desenlaces do tipo dos que se tornam expressi- se constitui como um lugar ... seja formado como
136 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS PROVISÓRIAS 137

um "caldeirão fervente de estímulos" tal como sordem Produtiva da Vida ... que desarma inces~an-
Freud o define em O Ego e o Id: temente todos os territórios para criar incessante-
É uma forma universal e invariante na qual ape- mente novas terras ... e só aparece como Resistênçla
nas mudam os conteúdos que as línguas e as so- ao~er capturado por legalidades de qualquer ordem,
ciedades, ou as particularidades dos sujeitos, intro- incluído órc ?
duzem nela? E, como corolário, a Transferência ... deve ser
Ou consiste em uma substância produtiva que "dissolvida" ..."elaborada" ..."reanimada" a conti-
se autogenera de infinitas formas, cada vez únicas, nuar deslocando-se de significante em significante
que por sua vez realizam inúmeras modalidades mediante a "tomada de consciência", .o "insight"
diferentes de subjetivação? ou a "repontuação" .., ou s$.-trata de intensificá-),a
O complexo desejo-significante-fantasma-sujei- e liberá-Ia para deflagrar suas potências, suas vir-
to-Outro-outro está regido por tendências iterativas iualidades Intnnsecamente afirmativas até conse-
cuja função é tentar repetir O Mesmo ... seja se- qüências que nunca são últimas nem revisíveis?
gundo um movimento regular que procura restaurar -Tudo consiste em assumir que valor atribuímos
um equilíbrio "perdido" ... seja dirigido um "mais
à
à Transferência em nós mesmos, e até onde dese-
além" de imobilidade e silêncio total... inclinações jamos levar nosso "amor pelos fatos" (Amor Fati,
estas de sua materialidade relacional só alterada como dizia Nietszche).
desritmicamente por contin ências ulsionais? Suspendamos aqui nosso encontro, não sem an-
Ou sua essência é a d Produ ão em si , de -' si tes citar um jovem psicanalista que, ainda com as
e porque sim, cu'a única "lei" é a do acaso radical limitações de sua visão, registra o "mal-estar de
que conecta multiplicidades, puras diferenças en- nossa cultura profissional" através de um agudo
gendrando sem c sar devires singulares? analisador:
A transferência é um processo do sujeito que, _ "No "Traumdeutung' Freud afirma, segundo
impactado por uma diferença ocasional, mostra re- me parece, que aquele que interpreta o sonho é
petitivamente como constitui seus objetos ... e se quem o suporta; o analista parece não mais inter-
aparece como Resistência do Saber, do Ego, do pretar nada. Entretanto, nós, analistas, supomos que
Discurso ou da Comunicação a verdades que re- interpretamos,. e ~rélO que isto se sustenta sobre
metem finalmente à Verdade Negativa da Castra- uma espécie déSAI3ER MUITO IMPORTANTE que
ção, da Falta, do Nada e de nosso Destino Mortal? temos. E digo temos porque não só acreditamos
Ou a ltransferêncial é o Processo do Real Mes- como também o exercemos, então parece que o
mo-Abstrato-Subjetivo-Universal-Positivo, a~ temos. Eu pensava se em tudo isto que vimos sobre
138 LIÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA

BIBLIOGRAFIA
a interpretação não há algo que se relaciona com
a exposição que fazemos da teoria. Às vezes me
pergunto por que são tão sérias estas reuniões nas
quais todos sabemos muito. Os que estão aqui por-
que falamos, os que estão lá porque se calam, tudo
supõe saber, não se junta ao humor, essa vacilação
da palavra na qual se revela sua absoluta poliva- PRIMI::JRA AULA - "A Transfcrúncia Segundo a Obra de Frcud'
lência que faz surgir algo da ordem do desconhe-
cimento. Há vezes que alguém se pergunta se uma Frcud. S. r::sllldos sobre (I histcria. Trad. Christi ano Mon teiro Oiricica.
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Profissionalização e Conhecimento: a Nutrição em Questão, Maria Lúcia
Magalhães Bosi
Uma Agenda para a Saúde, Eugênio Vilaça Mendes
Ética da Saúde, Giovanni Berlinguer

Série DIDÁTICA (direção de Emerson Elias Merhy)


Planejamento sem Normas, Gastão Wagner de Sousa Campos, Emerson
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Programação em Saúde Hoje, Lilia Blima Schraiber (org.)
Inventando a Mudança na Saúde, Luis Carlos Oliveira Cecilio (org.)
Razão e Planejamento: Reflexões sobre Política, Estratégia e Liberda-
de, Edmundo Gallo (org.)
Saúde do Adulto: Programas e Ações na Unidade Básica, Lilia Blima
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Série PHÁRMAKON (direção de José Ruben Alcântara Bonfim e Vera
Lucia Mercucci)
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Indústria Farmacêutica, Estado e Sociedade: Crítica da Política de
Medicamentos no Brasil, Jorge A. Zepeda Bermudez
Propaganda de Medicamentos: Atentado à Saúde?, José Augusto Cabra!
de Barros

pabx (011) 418-0522 fax R: 30

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