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Coordenação:
Gabriel Bartolomeu
“É muito bonito dizer que teoria e técnica são a mesma coisa. Então,
aproveitemo-nos disso” (LACAN, 2009/1955, p. 265).
“A intuição é ágil, mas uma evidência deve ser-nos tão mais suspeita quanto
mais se torna uma ideia aceita” (LACAN, 1953/1998, p. XXXX).
2 Em todas as passagens que empregamos o termo técnica neste texto estamos nos referindo a sua
concepção moderna, que podemos definir como um meio para se obter determinado fim: faça isso,
desse jeito e obterá aquilo, de tal jeito. Pretendemos, ao longo da pesquisa, investigar o conceito de
técnica (techne) na Antiguidade, cujo sentido é inteiramente diverso do usado na modernidade
ocidental
maneira como Fink as coloca ao leitor não deixam de parecer regras de boa
conduta, algumas incrivelmente estranhas. Seguem dois exemplos.
Ainda que Fink cite Lacan e Freud, e que possamos situar que a
recomendação técnica “parar de compreender tão rapidamente” é uma paráfrase de
uma recomendação feita por Lacan 3, não podemos deixar de lado a impressão de
que, na verdade, Fink está querendo dizer ao psicanalista qual a melhor atitude a se
tomar durante o seu trabalho. É uma recomendação com um viés negativo: não faça
isso, pare de tentar compreender tão rapidamente! Mesmo que possamos suavizar
a recomendação, como se suaviza as recomendações técnicas freudianas,
afirmando que “não são regras, são apenas indicações, mas cada psicanalista tem a
liberdade de realizar de outra forma em sua clínica”, mesmo assim, a recomendação
impacta o leitor como se o autor estivesse estabelecendo um imperativo. Esse
imperativo tem como pressuposto que, primeiro, o leitor-psicanalista compreende
3 “Quantas vezes não fiz observar àqueles que controlo, quando me dizem – Acredito ter
compreendido que ele queria dizer isto, e aquilo – uma das coisas que mais devemos evitar é
compreender muito, compreender mais do que existe no discurso do sujeito” (LACAN, 2009, p. 101,
grifo do autor).
rápido demais o que escuta da boca do paciente e, segundo, que esta suposta
compreensão é um erro, um problema. Logo, a ideia que parece reger o livro de
Fink é que o leitor-psicanalista não tem domínio sobre o seu fazer (faz errado!) e
que o leitor-psicanalista busca no livro as informações para aprender esse fazer
(pois, o autor sabe como fazer e pode te dizer!). O leitor é situado como ignorante
de seu fazer e, pior, como veremos no estranho exemplo a seguir, tratado como um
obtuso.
Essa passagem seria cômica se não fosse trágica! Como dissemos, Fink
assume uma posição na relação com o leitor-psicanalista na qual se sente no direito
de dizer o que este leitor-psicanalista pode ou não dizer durante o seu trabalho. A
qualificação de “jeitos convencionais de expressar a atenção” como “vulgares”
denota novamente a lógica que Fink assume em seu texto que é situar
determinadas “condutas” do psicanalista como erradas e apontar para outras
supostamente corretas.
Ainda, há que considerar que Fink supõe que há uma relação semântica a
partir da qual “jeitos convencionais de expressar a atenção” implica em uma
“perspectiva distante e condescendente” por parte do analista na situação com o
analisante. Nada mais equivocado se formos pensar desde a teoria do significante
de Lacan, na qual o significante em si mesmo não significa nada, o seu valor só
pode ser estabelecido no cerne de uma cadeia articulada a outros significantes 4.
Portanto, se formos tomar os exemplos que Fink dá, “interessante” ou “fascinante”,
considerando a teoria de Lacan, o valor ou sentido desses termos só podem ser
estabelecidos de maneira particular a depender da relação que mantém na cadeia
significante forjada na relação analista-analisante, podendo ser inclusive qualificada
pelo analisante de maneira contrária a que Fink propõe.
Como se isso não bastasse para tecermos uma severa crítica a Fink, o autor
segue com uma recomendação estranhíssima: “ela [a analista] deveria desenvolver
ampla gama de ‘hums’ e ‘hãs’” (FINK, 2017, p. 26). O caráter cômico dessa
asserção só não pode ser plenamente desfrutado pelo choque que produz quando
estamos avisados do quão problemática ela é, não só essa passagem, como todo o
livro de Fink. O problema já o situamos mais de uma vez: propor um manual de
conduta para o trabalho do psicanalista. Recomendar que o psicanalista desenvolva
uma “ampla gama de ‘hums’ e ‘hãs’ é reduzir a discussão sobre o trabalho do
psicanalista a uma pequenez que quase não encontramos palavras para qualificá-la,
pois, retira a discussão do âmbito intelectual – epistemológico, teórico,
metodológico, técnico – e a leva a uma conversa tecnicista (para não dizer de senso
comum) sobre o que o psicanalista pode ou não fazer: Fink pede para utilizar os
“hums” e “hãs” aos menos para indicar ao paciente que a analista “está acordada”!
Fica claro que Fink considera que o leitor-analista não só não sabe o que faz em
sua prática, mas também espera as piores atitudes de sua parte.
4 Ver: Seminário 3, capítulo “O significante como tal não significa nada”. (LACAN, 1988)
5 Ver: “Função e campo...”, p. 246. (LACAN, 1998).
O livro do qual tiramos as passagens apresentadas é o segundo material de
Fink publicado no Brasil sobre o tema. Em 2018 (publicado nos Estados Unidos em
1997), a editora Zahar (a mesma que publica a obra de Lacan) publicou o livro
“Introdução clínica à psicanálise lacaniana”, o qual Fink inicia com um diagnóstico:
Podemos perceber que Fink acredita que as ideias de Lacan podem ser
simplificadas, talvez por isso elabore um material excessivamente técnico, próximo
a um código de conduta. Material que acreditamos ser muito popular no contexto
brasileiro, pois, os estudantes de psicanálise o acham mais acessível que os textos
de Lacan. No Brasil, no qual a educação média e universitária não prepara o
estudante para a leitura metódica de textos complexos (por exemplo, científicos e
filosóficos)6, entendemos que recorrer aos textos psicanalíticos mais “simples e
claros”, como os do Fink, torna-se uma escolha forçada à qual os estudantes de
psicanálise são levados. Ainda que não seja o objetivo de nosso grupo de pesquisa,
parece-nos urgente o debate sobre métodos de leitura de textos nas instituições de
psicanálise para habilitar os estudantes à apreensão crítica dos textos de Lacan,
bem como ao desenvolvimento da independência intelectual.
6 [1] Ver: “Leitura e escrita de textos argumentativos”, de Marcus Sacrini (SACRINI, 2020).
lacaniana, inclusive é esse gap que motiva a realização da presente pesquisa
acerca do trabalho do psicanalista. Porém, não estamos de acordo com a forma
como Fink aborda o problema e lhe propõe soluções.
HIPÓTESE DE PESQUISA
Como fica claro, a maneira como Fink pensa o trabalho do psicanalista é pela
via da técnica, caracterizando a prática analítica como uma série de “boas condutas”
a serem adotadas pelo praticante em sua relação com o analisante. Fink adverte o
leitor acerca de sua proposta desde o início do livro:
Fink faz uma distinção entre teoria e técnica nessa passagem, pois, afirma
que irá apresentar a “técnica elementar” sem “longas explicações teóricas”. A
verdade é que ao longo do livro fica claro que não há nenhuma teorização rigorosa
sobre o emprego das técnicas recomendadas. Mas, o que gostaríamos de destacar
é que Fink parece considerar que é possível realizar uma discussão sobre o
trabalho do psicanalista separando técnica e teoria, de tal maneira que ele poderia
apresentar um texto cujo conteúdo aborda exclusivamente a dimensão técnica. A
nosso ver, trata-se de uma posição epistêmica criticável e que não está alinhada à
posição de Lacan. Para Lacan, teoria e técnica são inseparáveis – como
demonstraremos adiante. Portanto, Fink parece se distanciar do espírito da
pesquisa lacaniana. Ainda, tal como na obra de outros autores sobre o trabalho do
psicanalista, a discussão sobre os pressupostos epistemológicos que sustentam a
teoria e a técnica não são evidenciados e debatidos. O que empobrece a discussão
e alimenta mais ainda um viés tecnicista sobre o tema. Em nossa pesquisa,
incluiremos também os pressupostos epistemológicos que sustentam tanto a teoria
de Lacan quanto a nossa.
Como expõe em vários momentos de seu ensino, para Lacan o conceito não
é um representante da coisa, mas, sim, o conceito é o gerador da coisa (LACAN,
1998). E se o conceito gera a coisa, então, não temos a possibilidade de pensar que
mantemos uma relação de neutralidade com os objetos do mundo. Os objetos do
mundo são sempre o reflexo de nossas ideias, a realidade é o que pensamos que a
realidade é.
9 A expressão “pensamento conceitual” referida ao pensamento matemático não é precisa, mas, por
hora, nos servirá para ilustrar nosso ponto.
Huyghens não fora gerado ao acaso, mas, sim, a partir da teoria proposta por
Galileu e, ainda, visando a confirmação da hipótese de Galileu. Além disso, a
interpretação dos dados observados através do aparelho, que foram considerados
confirmativos da hipótese em questão, só foi possível pela existência anterior da
proposição teórica de Galileu. Sem a teoria da equigravidade não seria possível
reconhecer a sua existência no mundo. Em poucas palavras: por haver uma teoria
da equigravidade é que foi possível “descobrir” a sua existência na natureza. Trata-
se de um belo exemplo da inexistência de uma verdadeira divisão entre teoria e
experimentação, conceito e objeto.
OBJETIVO GERAL
CRONOGRAMA
Abril
Maio
Junho
REFERÊNCIAS
LACAN, Jacques. Função e campo da fala e da linguagem (1953). In: Escritos. Rio
de Janeiro: Zahar, 1998. p. 238-324.
BIBLIOGRAFIA INICIAL
(em construção)
FAGUET, E (1912). Ler devagar. In: A arte de ler. Campinas: Kírion, 2021.