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Como orientar a transição da pré-escola para o

1º ano
Estudo identifica as principais dificuldades das crianças nesse momento de
mudanças

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Por: Elisângela Fernandes

Até novembro é permitido - e valorizado - correr, brincar, conversar e beber água


quando dá vontade. Poucos meses depois, após o recesso escolar, a situação é outra: a
mesma criança precisa ficar sentada em sua carteira, em silêncio e trabalhar sozinha.
Ir ao parque, só é permitido uma vez na semana. A descrição pode parecer insólita,
mas esses fatos são bastante recorrentes na transição da Educação Infantil para o
Ensino Fundamental.

Com o objetivo de investigar essa fase de intensas mudanças, Flávia Miller Naethe
Motta acompanhou uma turma desde a pré-escola até o fim do 1º ano, de 2007 a 2009,
no município de Três Rios, a 125 quilômetros da capital fluminense. Com base na
abordagem etnográfica, ela observou e registrou como a cultura infantil se apresenta
na escola. O resultado está na tese de doutorado De Crianças a Alunos: Transformações
Sociais na Passagem da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, defendida na
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

O trabalho evidencia como os alunos desenvolvem táticas de resistência ao processo


de escolarização e reforça que eles continuam sendo crianças após ingressar no 1º
ano. De acordo com a pesquisadora, a regra de que o barulho não deve estar presente
na classe - uma das grandes diferenças da nova fase para a anterior - apareceu em
vários momentos durante sua observação das aulas. "Quando fiz o trabalho de campo,
percebi que não havia silêncio algum, apesar do esforço da professora para que as
crianças se apropriassem das rotinas escolares", lembra Flávia.

Da Pré-escola ao 1º ano: novidade sem susto

Rotina do 1º ano

Procurando manter a rotina a que estão acostumados, os pequenos desenvolvem


algumas estratégias. Levantam-se constantemente para apontar o lápis, conversam
baixinho, se mexem na cadeira, levam brinquedos escondidos e transformam
materiais escolares em ferramentas da cultura infantil, por exemplo, fazendo de uma
régua uma vara de pescar. A professora Fernanda Müller, coordenadora do Grupo
Interdisciplinar de Pesquisa sobre a Infância (Gipi), na Universidade de Brasília (UnB),
explica que essas ações demonstram como as crianças buscam manter o controle de
sua vida e tentam compartilhá-lo com os demais colegas. Essa ideia também é
defendida por William Arnold Corsaro, sociólogo da Universidade de Indiana, nos
Estados Unidos, pesquisador da Sociologia da infância (leia mais sobre os teóricos dessa
área no quadro da página seguinte).

Os conflitos vividos pelos novos estudantes do 1º ano demonstram a necessidade de a


escola reconhecer cada indivíduo em suas múltiplas dimensões, ou seja, sem restringir
sua condição apenas à de aluno. Para que isso aconteça, a pesquisadora defende que
sejam garantidos tempo e espaço adequados para os momentos de brincadeira e
interação. Afinal, assim como na Educação Infantil, no Ensino Fundamental também é
esperado que as propostas pedagógicas valorizem o movimento, que as aulas levem
em conta os saberes prévios dos pequenos e os contextos social e cultural em que eles
estão inseridos. "Temos de reconhecer as crianças como atores sociais e permitir que
participem em condições de igualdade com os adultos nesse espaço educativo. Elas
produzem conhecimentos quando interagem com seus pares. Se isso não ocorre, nós
limitamos seu desenvolvimento", explica Ordália Alves de Almeida, professora e
coordenadora do curso de especialização em Educação Infantil na Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

Para amenizar as dificuldades que surgem com a mudança de fase, Corsaro propõe no
livro I Compagni: Understanding Children?s Transition from Preschool to Elementary
School (Os Companheiros: Entendendo a Transição das Crianças da Pré- Escola para a
Escola Primária, sem tradução para o português) a realização de "eventos primários".
São ações que funcionam como uma socialização antecipatória e facilitam a passagem
de uma etapa de ensino para a outra. Isso deve ser feito pelo corpo pedagógico das
duas etapas, de forma que as crianças possam conhecer a futura escola e ter contato
com seus alunos e professores.
Atenção às especificidades das crianças

Pesquisas como a que foi realizada por Flávia, que analisam as culturas infantis em
contextos escolares, estão ganhando ainda mais importância. Isso porque a
escolarização ocorre cada vez mais cedo no Brasil. Em 2006, a lei nº 11.274 reduziu
para seis anos a idade de ingresso no Ensino Fundamental e, recentemente, a Emenda
Constitucional nº 59/09 determinou que até 2016 todas as crianças entre 4 e 5 anos
deverão estar matriculadas na pré-escola. Diante disso, a pesquisadora ressalta que ao
receber esse aluno tão pequeno a escola precisa garantir espaço para o
desenvolvimento pleno da infância.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, aprovadas em 2010 pelo


Ministério da Educação (MEC), também apontam a necessidade de as instituições de
ensino assegurarem que essa transição ocorra de forma a dar continuidade aos
processos de aprendizagem e de desenvolvimento. "É chegada a hora de efetivamente
integrar a Educação Infantil à Educação Básica, de buscar elos de ligação entre o que se
propõe como trabalho de qualidade para as crianças pequenas e para aquelas que
chegam à idade escolar", ressalta a pesquisadora.

Infância é coisa séria


A pesquisa de Flávia Miller Naethe Motta foi baseada em teorias da Sociologia
da infância. Um dos primeiros a defender que essa fase não seja vista apenas
como um período de transição, o sociólogo dinamarquês Jens Qvortrup indica
que as crianças formam um grupo social que precisa ser investigado. Na
mesma direção, o português Manuel Sarmento enfatiza que é preciso conhecer
como os pequenos estão inseridos nos vários modos de estratificação social e
como interpretam as relações de poder da sociedade. Assim como Qvortrup e
Sarmento, William Arnold Corsaro investiga as atitudes infantis na escola para
compreender como se dão as relações entre pares e com os adultos. Segundo
ele, as crianças contribuem ativamente para a produção e as mudanças
culturais.
Novidades da série
A passagem entre séries pode ser bem tranquila. Para tanto, vale organizar visitas
monitoradas e bate-papos entre alunos e professores

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Por: Diego Braga Norte

FIM DAS DÚVIDAS A professora Anne Karine Miranda fala sobre os conteúdos do 6º ano com alunos do 5º. Foto:
Cristiano Mariz

"O sentimento que prevalece, especialmente no primeiro mês, é o medo." Alessandra


Nascimento, professora de Língua Portuguesa do Instituto de Educação Integral (Inei),
unidade Lago Sul, em Brasília, descreve dessa maneira o comportamento das crianças
que acabam de sair do 5º e chegam ao 6º ano. E é natural os alunos se sentirem assim.
Afinal, a nova série traz uma lista considerável de desafios quando comparada à
anterior. O mais importante é a escola encontrar maneiras de atenuar as dificuldades,
auxiliando na adaptação. Interações entre alunos e professores, visitas monitoradas às
novas instalações e adoção de hábitos de organização são pontos-chave para fazer a
mudança - inevitável e necessária - sem contratempos.

A primeira diferença entre as duas etapas é a maior quantidade de professores. Depois


de conviver com apenas um educador em sala de aula durante anos, a troca para até
oito deles parece algo bem difícil. Por isso, a professora de Ciências Anne Karine
Miranda, também do Inei, faz questão de participar de rodas de conversa com as
classes de 5º ano. Nessas ocasiões, Anne fala sobre as tarefas e as avaliações de sua
disciplina, antes mesmo de começar a lecionar para a turma.

Em Florianópolis, o Instituto Estadual de Educação (IEE), adota uma atividade similar.


Desde 2007, a escola coloca em prática um processo de transição que prevê várias
ações. Segundo o coordenador de ensino Vendelin Borguezon, uma delas é a palestra,
feita em novembro, para todos os estudantes de 5º ano. No evento, os educadores se
apresentam, traçam um panorama dos conteúdos e tiram dúvidas. "Esse tipo de
encontro é proveitoso. A garotada fica ansiosa e procuramos mostrar que esse é um
processo pelo qual todos passam", destaca Borguezon.

Além do contato com os futuros professores, é válido promover a interação dos mais
novos com os mais velhos. Assim, os que já se adaptaram ao novo jeito de estudar
explicam aos outros como fizeram para se adequar (confira as principais dificuldades
dessa fase e as ações para ajudar a superá-las no quadro abaixo). Esses momentos de
troca podem ocorrer em uma visita dos estudantes de 5º ano a uma sala de 6º para a
realização de uma entrevista, por exemplo. Segundo Maria Aparecida Ferreira da
Silveira, educadora e formadora de professores do Instituto Chapada, em Palmeiras, a
390 quilômetros de Salvador, antecipar dados da realidade do ano seguinte é mesmo
uma das melhores formas de evitar o choque inicial.
Como a escola pode ajudar em cada momento
Os espaços e o ritmo de estudo são diferentes nessa nova fase

Outra questão a ser encarada diz respeito ao espaço físico. Para muitas crianças,
terminar o 5º ano significa mudar para a escola mais próxima, onde são oferecidas as
séries finais do Ensino Fundamental. Nesses casos, é importante que diretores e
coordenadores das unidades que atendem até o 5º ano combinem uma visita
monitorada a salas de aula, laboratórios, quadras e pátios que serão usados em breve.
Mesmo quando a escola é a mesma, pode ocorrer de as séries finais ocuparem locais
diferentes dos reservados às iniciais. Às vezes, os alunos tiveram pouco ou nenhum
contato com os futuros ambientes de ensino.
MUDANÇAS EM VISTA Para a professora Maria Cristina Nazário, apresentar o laboratório agiliza a adaptação. Foto:
Edu Lyra

Conhecer os espaços previamente aplaca a curiosidade e ajuda na localização espacial.


A professora Maria Cristina Nazário, que leciona Ciências no 6º ano do IEE, sabe bem o
que esse tipo de novidade provoca na garotada. "Dou aulas práticas no laboratório e,
por isso, tenho de me deslocar com eles até lá. No começo, eles ficam muito agitados e
dispersos", diz. Segundo ela, o comportamento é diferente se eles já conheceram, no
ano anterior, a sala de estudo: a ida ao local ocorre com mais naturalidade e menos
barulho - o que é melhor para as classes que estão em aula.

Maria Cristina destaca que o ritmo dos alunos é outro aspecto que merece atenção. No
5º ano, com uma professora apenas, as aulas tendem a ser mais lentas. No 6º, com
aulas de 45 minutos, a dinâmica de ensino se acelera um pouco, demandando
agilidade. As aulas também ficam mais densas, exigindo maior concentração. "Às
vezes, o quadro está cheio quando chego. Não posso entrar e já ir logo apagando.
Sempre dou um tempinho para que todos terminem de anotar", explica. Em geral,
superado o primeiro bimestre, a moçada já está acostumada ao andamento das aulas e
acompanha as atividades com facilidade.

Talvez a mais importante aliada nesse processo de adaptação seja a capacidade de


organização (leia mais no quadro acima). No início, é normal, por exemplo, as crianças
se confundirem na separação do material didático: se esquecem de trocá-lo de um dia
para o outro ou, por inexperiência, levam tudo diariamente. Nesse sentido, orientações
pontuais ajudam até que seja assimilada essa nova necessidade de separação de livros
e cadernos. Quando possível, o ideal é que os alunos já cheguem ao 6º ano cientes do
horário das aulas e sabendo usar a agenda.

FERRAMENTA EXTRA Na agenda eletrônica do Colégio Magno, os alunos acompanham a data das tarefas. Foto: Kriz
Knack

De fato, desde o 5º ano, é importante incentivar o registro das tarefas nos respectivos
dias de entrega. A agenda na versão de papel e para uso individual dá conta dessa
organização básica, mas há escolas que adotam também uma agenda eletrônica
coletiva. No Colégio Magno, em São Paulo, cada aluno tem um login e uma senha para
acessar a relação de atividades de sua classe por meio do site da escola. Os pais
também têm a possibilidade de consultar. A lista é simples: indica a disciplina, a tarefa,
a data de solicitação e a de entrega. "Estamos diante de uma geração que entra na
internet todos os dias. Já faz parte do cotidiano", conta a diretora, Cláudia Tricate.

As agendas coletivas, além de disponibilizar informações confiáveis, têm a vantagem


de compartilhar dados entre os professores. Isso é fundamental para evitar o acúmulo
de atividades em um mesmo dia, prevenindo uma eventual sobrecarga, especialmente
sobre a garotada que ainda está insegura. As experiências mostram que auxiliar na
passagem entre as duas etapas é uma jornada muito útil. Ajuda a diminuir a ansiedade
e, com isso, facilita a aprendizagem.

Organização exemplar
O professor também precisa se organizar para cumprir suas atividades. É
fundamental fazer um planejamento cuidadoso, realizado no início de cada ano.
Para ajudar nessa tarefa, vem aí o especial Planejamento. A edição vai trazer as
didáticas essenciais para o ensino de todas as disciplinas do currículo de 6º a 9º
ano, as expectativas de aprendizagem e uma proposta de currículo. A revista chega
às bancas em 11 de janeiro, por 5,40 reais.

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