Você está na página 1de 15

2019 - 02 - 07 PÁGINA RB-2.

1
CPC em Foco - 2019
2. COMPETÊNCIA - PRINCIPAIS INOVAÇÕES DO NCPC

2. Competência - Principais inovações do NCPC


Evaristo Aragão Santos

1. Fixação da competência: momento do registro ou da distribuição da petição inicial


1
O NCPC altera o critério para fixar a competência. Deixa de ser o momento em que “a ação é
proposta” (art. 87 do CPC/1973) e passa a ocorrer quando do registro ou da distribuição da petição
inicial (art. 43 do NCPC).

Essa mudança não é apenas redacional e tem importantes implicações práticas.

A primeira são os significados e distinção entre os termos registro e distribuição da inicial.

O registro tem lugar nas comarcas ou circunscrições com um único juízo competente para
conhecer da causa. Como não se faz necessário distribuir o processo para um dos vários juízos
igualmente competentes, basta então seu registro perante aquele único, apto a conhecer e
processar a demanda.

Por sua vez, a distribuição tem lugar, justamente, nas localidades com dois ou mais juízos (leia-
se, órgãos judiciais) com mesma competência para processar e julgar aquela determinada
controvérsia. Após a apresentação da inicial perante o Judiciário, a distribuição, logo em seguida,
será o termo definidor do juízo competente para o julgamento da causa.

Além de servirem para fixação da competência, os atos de registro e distribuição também


servirão de critério para resolver eventual prevenção. Essa é outra implicação prática de grande
relevo e que merece atenção. Aparece disciplinada no art. 59 do NCPC e será aqui analisada logo
mais à frente.

Por ora, o termo registro deve ser analisado, especialmente para se definir quando uma inicial
pode ser considerada registrada para o fim de fixar a competência.

1.1. Quando a inicial pode ser considerada registrada

Tanto o CPC/1973 quanto o atual não se ocuparam em definir o registro. Limitaram-se a dizer
que todos os processos a ele estão sujeitos (art. 251 do CPC/1973 e art. 284 do NCPC). Embora nem
fosse de esperar que o Código de Processo se ocupasse de detalhes como esse (algo muito mais
apropriado às regras de organização judiciária), saber quando uma inicial pode ser considerada
efetivamente registrada pode ter implicações práticas relevantes no dia a dia do foro.

Tradicionalmente, a ideia de registro está relacionada a algo mais substancioso. Isto é,


anotações detalhadas e em local próprio a respeito da demanda, seus elementos e assim por
diante.2 Mais precisamente, ao ato “de lançar no sistema eletrônico ou em livro próprio, conforme
a metodologia adotada pelo órgão judicial em que se pratica o ato, todos os elementos
identificadores do processo e seus incidentes, tais como nome das partes, tipo de procedimento,
data do ato, natureza e valor da causa, entre outros”.3

A dúvida, todavia, é saber se apenas após isso a inicial pode ser considerada realmente
“registrada” para fins de fixação da competência e seus desdobramentos ou se outros atos, menos
burocráticos e bem mais simples, já poderiam ser tidos como atestadores da existência da inicial
perante o Judiciário. Por exemplo: se os comprovantes gerados pela apresentação (isto é, o
protocolo) da inicial no cartório ou secretaria do juízo já não serviriam para atestar seu registro,
ao menos para os fins dos arts. 43 e 59 do NCPC.

Essa dúvida ganha algum relevo diante do texto do art. 312 do NCPC. De acordo com esse
dispositivo, a ação será considerada proposta “quando a petição inicial for protocolada”. Ou seja,
já no momento do protocolo e independentemente de qualquer anotação mais detalhada. O
comprovante do protocolo é em si mesmo suficiente para atestar o momento da propositura da
petição inicial.

Apareceria aí, então, ao menos na literalidade, uma (aparente) incompatibilidade entre os arts.
43 e 59, com o art. 312. A ação é considerada proposta já logo após o protocolo, enquanto a
competência será definida apenas num momento posterior: do registro ou da distribuição.

Isso tem relevo, sobretudo, naquelas comarcas ou circunscrições com um único juízo
competente. Dependendo do que se considere como registro, poderá surgir um hiato entre esse
momento e o inicial, do protocolo da petição, durante o qual, então, ficaria indefinida a fixação da
competência.

Esse problema terminológico decorreria de uma modificação, de última hora, na tramitação do


projeto de lei em seu retorno ao Senado.4

O fato é que a petição inicial existe, para o “mundo jurídico”, desde o momento do protocolo. A
competência, o quanto possível, deveria poder ser definida nesse mesmo momento. É provável
que com a popularização dos sistemas informatizados de tramitação processual isso se torne
realidade um dia. Até lá (e estamos numa fase de transição), será preciso conciliar os arts. 43 e 312
do NCPC.

Nas comarcas com um único juízo competente, isso parece ser possível desde já. Para fins de
definição da competência, o carimbo de protocolo da inicial, emitido pelo próprio juízo, já parece
ser certificação mais do que suficiente para registrar a existência da demanda e, acima de tudo, o
momento de sua recepção justamente por aquele órgão que ficará encarregado de apreciá-la. Não
há por que se exigir mais, uma vez que a intenção do legislador, claramente, ao aludir ao
“registro” como critério definidor da competência, teve em perspectiva o momento da recepção da
inicial pelo órgão julgador. Por isso, não parece haver razões para se esperar o registro detalhado
da petição inicial para, só então, considerá-la apta a definir a competência.

Nas bases territoriais com mais de um órgão julgador, por sua vez, o critério definidor da
competência é mesmo o da distribuição e, por isso, o momento do protocolo (e do registro que dele
se pode extrair) perde destaque. Será competente o juízo que primeiro receber, por distribuição, a
inicial. De todo modo, mesmo aqui é de perceber que o registro detalhado das informações da
demanda também é irrelevante: o que interessa é o juízo que primeiro foi designado para a causa
pela via da distribuição. Depois disso, a inicial certamente haverá de ser registrada em minúcias
perante esse órgão judicial. O que importa, porém, para a fixação da competência é a designação.
Qual foi o primeiro juízo designado. Algo substancialmente idêntico, portanto, àquele que, sendo o
único competente em determinada base territorial, recebe em primeiro lugar a inicial já no
momento do protocolo.

Assim, e para os fins dos arts. 43 e 59 do NCPC, acreditamos que se pode considerar registrada a
petição inicial, mediante o protocolo emitido pelo juízo perante o qual deverá ser processada e
julgada a demanda, ou sua designação pelo cartório distribuidor.

2. Causas envolvendo o Poder Público

A disciplina da competência jurisdicional, quando o processo envolve o Poder Público


(especialmente no âmbito federal), merece algum destaque. O tratamento do tema no CPC/1973
estava bastante desatualizado (a redação era substancialmente a mesma de quatro décadas atrás)
e essa dissonância era ainda maior em relação às regras de competência (anomalamente) tratadas
no âmbito da Constituição Federal (arts. 108 e 109, por exemplo). O NCPC busca ao menos colocar
em sintonia a legislação processual, tanto com a Constituição quanto com a jurisprudência firmada
no âmbito dos Tribunais Superiores.

Nesse contexto, merecem alguma atenção, em nosso sentir, as regras disciplinando tramitação
processual quando do ingresso no processo de ente federal (e com isso gerando o deslocamento da
competência), assim como a participação, em geral, do Poder Público num dos polos da demanda.

2.1. Ingresso de ente federal em processo tramitando em outro juízo

Em termos mais detalhados do que o art. 99, parágrafo único, do CPC/1973, os reflexos, no
âmbito da competência, gerados pelo ingresso de ente federal no processo, aparecem agora
disciplinados no art. 45 do NCPC.

Alguns pontos de atenção: o dispositivo disciplina a remessa dos autos à Justiça Federal, quando
o processo tramite perante outro juízo. Como tal, deve-se entender todo aquele que, para
apreciação da causa envolvendo os interesses do ente público, não conte com a competência
jurisdicional atribuída pela Constituição à Justiça Federal. Essa ressalva é feita especialmente para
destacar a competência delegada da Justiça Estadual (art. 109, §§ 3º e 4º, da CF/1988). Nesse caso (e
excepcionalmente), o juízo estadual é o competente para apreciar os interesses do ente federal
envolvido na causa. Não se tratará, portanto, de “outro juízo”, tampouco haverá a necessidade de
deslocamento da competência.

O dispositivo também fala da intervenção do ente público federal como ato deflagrador da
alteração da competência. Esse termo deve ser interpretado em seu sentido amplo. Basta a
manifestação dos entes federais, relacionados no dispositivo, manifestando seu interesse na causa
e buscando integrar a relação processual na qualidade de parte ou de terceiro, para operar-se o
deslocamento. Não caberá ao juízo estadual (ou ao “outro juízo”, segundo a terminologia do
dispositivo), julgar se há ou não esse interesse, permitindo ou não o ingresso do ente federal.
Manifestada a intervenção, a competência já se desloca e por isso o processo deverá ser remetido à
Justiça Federal sem maiores delongas. Lá, essa intervenção e o efetivo interesse do ente federal em
participar do processo serão analisados (Súmula 150 do STJ). Caso se apure a desnecessidade de
sua presença, o processo então será restituído ao juízo originário, para que ali prossiga tramitando
normalmente (art. 45, § 3º). Nesse particular, o texto de lei também encampa a orientação
consolidada na jurisprudência (Súmula 224 do STJ).

Alguma (aparente) falta de harmonia entre as regras de competência na CF/1988 e no NCPC


podem ser notadas. O art. 45 inclui as fundações e conselhos de fiscalização de atividade
profissional como entes cuja intervenção ensejaria o deslocamento da competência (embora
ambos não tenham sido nominados no art. 109, I, da CF/1988). Trata, ainda, como imunes ao
deslocamento a recuperação judicial e a insolvência civil (embora a CF/1988 mencione apenas o
processo de falência). Não há desarmonia, porém, com a Constituição Federal. As fundações e
conselhos equiparam-se a entidades autárquicas federais, enquanto a recuperação judicial e a
insolvência civil são, por assim dizer, desdobramentos do gênero “falência”.5 Portanto, todas essas
hipóteses do NCPC podem ser reconduzidas ao texto constitucional.

2.2. Causas envolvendo Estado ou Distrito Federal

O CPC/1973 não disciplinava o tema. Agora a legislação processual não apenas dele se ocupa,
como alinha seu tratamento ao que já dispunha o art. 109, §§ 1º e 2º, da CF/1988 e ao que passou a
ser tratado no art. 51 do próprio NCPC (aí para o âmbito da União).

Nas causas em que Estado ou Distrito Federal figurarem como autores, o foro competente será o
do domicílio do réu. Por seu turno, quando forem demandados (e talvez esteja aqui a maior
novidade do dispositivo), haverá concorrência entre o domicílio do autor, do ato/fato que originou
a demanda, da situação da coisa objeto do processo ou, por último, da própria capital do ente
federado.

Segundo entendimento do STF, o art. 109, § 2º, aplica-se também às autarquias federais.6

Trata-se de regra de competência ratione personae, portanto absoluta.7 -8

3. No âmbito do direito sucessório: partilha extrajudicial de bens e o autor da herança sem


domicílio certo

Duas inovações do NCPC merecem destaque nesse âmbito. A primeira foi a atualização das
regras processuais ao regime da partilha extrajudicial de bens. Surgida em 2007 (Lei 11.441/2007),
não havia previsão específica a respeito do foro competente para apreciar e julgar demanda que a
tivesse por objeto. A definição ficava por conta, então, das regras gerais de competência. Agora,
não só não há mais dúvida de que o competente é o foro do autor da herança, como também é
elogiável que a partilha extrajudicial tenha recebido tratamento equivalente ao do inventário e da
partilha judicial.

A segunda inovação digna de nota é o tratamento da competência para quando o autor da


herança não tenha domicílio certo. O critério geral passa a ser o do foro da situação dos bens
imóveis do de cujus (art. 48, parágrafo único, I). Isso quer dizer que o local do óbito (tal qual o
previa o CPC/1973 – art. 96, parágrafo único, II) deixa de ter importância. Caso todos os imóveis se
concentrem numa mesma base territorial, essa então será a competente. Caso estejam espalhados
por mais de uma, qualquer delas será competente para processar as demandas. Apenas na
hipótese de não existirem bens imóveis no espólio (e aí, mais uma vez, a fidelidade ao critério
eleito) é que o foro será o do local de qualquer dos outros bens.

4. No âmbito do direito de família: fim do foro do domicílio da mulher

Nas ações de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de


união estável há mudança significativa. No CPC/1973, o critério definidor da competência era o do
domicílio da mulher (art. 100, I, do CPC/1973). Isso desaparece. Primeiro porque, de maneira geral
buscou-se dar tratamento isonômico ao casal: não há mais razão para essa distinção,
privilegiando-se a mulher em detrimento do homem. Além disso, e talvez o fator mais importante
para essa mudança, há a percepção de que as uniões (e, consequentemente, eventuais rupturas) há
tempos deixaram de estar limitadas ao binômio homem-mulher. As uniões homoafetivas são uma
realidade, reconhecidas tanto no âmbito do direito material quanto (por exemplo, nesse ponto)
agora no processual.

No cenário atual, ao menos dentro do processo, não faz sentido falar em privilégios com base
no sexo ou no gênero.

Por isso, no NCPC o critério para definição da competência passa a ser, em primeiro lugar, o do
local do domicílio do guardião do filho incapaz (art. 53, I, a). O foco não se concentra, mais, então
apenas na pessoa de um dos integrantes do casal, mas alcança também o filho incapaz. O local em
que ambos estiverem domiciliados será o competente para processar a demanda. O NCPC parte do
pressuposto de que aquele encarregado da guarda tem menor mobilidade e, por isso, deve ser
privilegiado.9

Embora essa hipótese seja bastante comum, está longe de ser a única (ou, mesmo, a mais
frequente). São inúmeras as situações de casais sem filhos ou com prole já na plenitude da
capacidade civil. Nesse caso, o NCPC estabeleceu outro critério: o do último domicílio
compartilhado pelo casal (art. 53, I, b). Esse será, então, o foro competente.

Aqui, porém, três situações merecem atenção: a guarda compartilhada de filho incapaz; a
guarda de filho incapaz confiada a terceiros; e o casal com dois filhos incapazes e cada qual
assumindo a guarda de um deles. Nas duas primeiras, nenhum dos integrantes do casal exerce a
guarda (ao menos não com exclusividade); na terceira, ambos a exercem, porém com relação a
filhos diferentes.

Embora as três hipóteses envolvam filho incapaz, não há como fixar a competência tendo como
critério o domicílio do guardião (art. 53, I, a). Diante dessa impossibilidade, o foro competente será
o do último domicílio do casal (art. 53, I, b). Na verdade, “o lugar do último domicílio do casal
ganha relevância em qualquer situação na qual não possa ser aplicada a regra que alude ao
‘guardião do filho incapaz’”.10

Por último, pode ocorrer que nenhum dos integrantes de casal sem filhos, ou com prole já
capaz, continue residindo no antigo domicílio. Nesse caso, será competente o foro do local da
residência do réu na demanda (art. 53, I, c).

5. Idoso: local de sua residência para causa que verse no Estatuto do Idoso

O idoso recebeu atenção especial na definição do foro competente. Nas causas que, de maneira
ampla, tiverem por objeto a proteção estabelecida pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), a
competência para processá-las e julgá-las será o da residência do idoso (art. 53, III, e).

Vale registrar que o Estatuto já fixa regra de competência com igual teor, mas limita-a ao
processo coletivo, ali anotando, porém, tratar-se de hipótese de competência absoluta (art. 80 da
Lei 10.741/2003). No processo individual, disciplinado agora no NCPC, porém, a hipótese é de
competência relativa, na medida em que se trata de competência territorial, prevalecendo
claramente como critério para sua fixação por parte do legislador o interesse particular do
litigante idoso.11

6. Sede do cartório notarial: demandas envolvendo reparação de danos em razão do ofício

Inovação do CPC, sem correspondência no anterior. Até então, a competência para


processamento das demandas indenizatórias envolvendo atos de cartório notarial era definida
pelas regras gerais. Agora, será o foro da sede da serventia notarial (art. 53, III, f).

Alguns pontos merecedores de cuidado. O primeiro é a natureza das demandas abrangidas pela
regra: reparação de danos. Demandas de outra natureza (como cobrança; a discussão em torno da
responsabilidade tributária etc.) não estão por ela abrangidas. Além disso, também não se trata de
qualquer reparação civil, mas apenas aquela decorrente do ofício notarial. Pretensões reparatórias
outras, ainda que contra o cartório notarial, também não se sujeitam a essa disciplina.

Mais ampla é a interpretação com relação aos sujeitos abrangidos pela regra. Como não há
especificação a respeito de algum segmento notarial específico (imóveis, protestos, títulos e
documentos etc.), a regra aplica-se aos registros públicos em geral (Tabelionatos, Registros de
Imóveis, Cartório de Títulos e Documentos etc.):12 será competente para processar demandas de
reparação de danos decorrentes da atividade notarial em geral o foro da sede da respectiva
serventia.

7. Acidente envolvendo aeronaves: domicílio do autor ou local do fato (art. 53, V)

A regra para definir o foro competente para a ação de reparação de danos decorrentes de delito
ou acidente de veículos é idêntica nos textos do CPC anterior e no atual. A diferença é que, agora
expressamente, entre os veículos também inclui as aeronaves. Embora, para alguns, essa previsão
já pudesse ser extraída do texto do regime anterior, agora dela se ocupou o legislador.

Será então competente para processar a demanda de reparação de danos, em razão de delito ou
acidente de veículos terrestres e aéreos, o domicílio do autor da demanda ou do local do fato.

8. Modificação da competência
8.1. Conexão: panorama geral

Nas suas notas essenciais, a disciplina da conexão no NCPC não discrepa daquela já
estabelecida pelo regime anterior. A definição registrada no texto de lei é idêntica (haverá conexão
entre causas quando houver identidade ou de pedido ou de causa de pedir – art. 55, caput),
inclusive no ponto em que sofria críticas: ter dito menos do que deveria.

Sua finalidade continua sendo a de evitar decisões conflitantes mediante a reunião dos
processos para solução conjunta (art. 55, § 1º) e, como se trata de questão de ordem pública (tal
qual já o era), pode ser declarada de ofício pelo órgão judicial (art. 337, VIII). Sempre lembrando,
porém, a obrigatoriedade de que, antes dessa decisão no sentido da reunião, propicie-se o
contraditório a respeito do tema (art. 9º).

Além dele, e apesar de se tratar de questão de ordem pública, seu reconhecimento não pode
ocorrer a qualquer tempo e grau de jurisdição. O NCPC encampa entendimento jurisprudencial
consolidado no âmbito do STJ (Súmula 235), fixando limite temporal para essa declaração: a
reunião das causas (e a determinação para tanto, consequentemente) poderá ocorrer até que uma
delas seja sentenciada.13 Depois disso e como o julgamento conjunto ficará inviabilizado,
desparece a razão prática para reuni-las (art. 55, § 1º, parte final).

Segundo alguns, no entanto, agora essa reunião seria um dever imposto ao órgão judicial. Isto
é, presentes os requisitos para conectar as causas, a junção seria obrigatória por parte do órgão
judicial. Tratar-se-ia, como dito, de um dever, e não mais mera faculdade.14 Tal obrigatoriedade,
vale registrar, decorreria, essencialmente, da entonação mais impositiva do texto legal. Enquanto
no CPC/1973, uma vez constatada a presença dos requisitos para conexão, dispunha que o juiz
poderia ordenar a reunião das ações propostas em separado (art. 105 do CPC/1973), agora o texto
da regra não faz uso dessa condicionante e já dispõe que os processos serão reunidos para decisão
conjunta (art. 55, § 1º, do CPC). Por essa leitura, não deixaria alternativas ao órgão judicial, senão
reunir as causas.

Esse dever, porém, não parece existir tampouco, em nossa opinião, emerge da redação do texto
legal. A falta de sanção para o eventual desatendimento a esse suposto dever é um dos óbices que,
aqui, nos parece difícil de transpor. Além dele, a ausência de reunião das causas não significa, por
si só, que ambas venham a ser decididas de maneira contraditória e, se porventura o forem, a
ausência de reunião também não acarretará (somente por isso) a nulidade de uma delas. Muito
menos significa que as partes não deixam de ter mecanismos para corrigir eventual distorção
dessa ordem. A conexão é mecanismo que tem em vista, essencialmente, dar concretude ao
princípio da economia processual. Por isso, temos que a melhor interpretação para o NCPC
continua sendo aquela consolidada no STJ à luz do regime anterior: a reunião ou não das causas
por conexão constitui faculdade do órgão judicial, que, “a seu critério e diante de cada caso
concreto, verificará a utilidade do julgamento simultâneo, com vistas a evitar decisões conflitantes
e privilegiar a economia processual”.15

Das inovações no plano da conexão destacamos duas: a possibilidade (agora expressa) de


reunião da ação de execução com a de conhecimento que tenha por objeto o direito de crédito
registrado no título executivo (art. 55, § 2º, I) e a inusitada possibilidade de reunião de processos
entre os quais haja o simples risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias (art. 55, §
3º).

8.1.1. Conexão entre a execução por título extrajudicial com a ação de


conhecimento envolvendo o mesmo direito registrado no título

O NCPC encampa, nas notas essenciais, orientação já firmada pela jurisprudência: há conexão
(e por isso recomenda-se a reunião) da ação execução fundada em título extrajudicial, com
demanda de conhecimento que tenha por objeto o direito registrado naquele título executivo.

A reunião, aqui, permitida pela lei, não se opera exatamente para evitar julgamentos
conflitantes (até porque na execução não haverá julgamento de mérito, mas a atuação do órgão
judicial para satisfazer o direito registrado no título), mas resultados práticos desarmônicos.

Algumas ressalvas, porém, devem ser feitas. Da maneira como o texto de lei foi editado, é
possível interpretá-lo como uma fórmula ampla, permitindo a reunião, em qualquer momento, da
ação de execução com outra de conhecimento que lhe seja correlata. Essa, porém, não parece ser a
melhor interpretação.

Em primeiro lugar, porque para o NCPC (tal qual já ocorria no anterior) “a propositura de
qualquer ação relativa a débito constante de título executivo não inibe o credor de promover-lhe a
execução” (art. 784, § 1º). Ou seja, não é por si só a simples pendência das duas demandas que
ensejará a reunião dos processos, muitas vezes prejudicando a marcha da execução forçada. É
preciso mais.

Além disso, há o momento da propositura da ação de conhecimento. Para a jurisprudência do


STJ, formada no regime processual anterior, a reunião por conexão recomendava-se quando a
ação conhecimento houvesse sido proposta antes da execução.16 Isso tinha, basicamente, duas
razões. A primeira era a de efetiva economia processual: a demanda de conhecimento ajuizada
antes já fazia as vezes da reação do devedor no processo executivo e assim deveria ser
aproveitada.17 A outra, de organização e equilíbrio do processo: a propositura da demanda de
conhecimento, depois da execução e, acima de tudo, depois de escoado o prazo para os embargos,
não deveria servir como subterfúgio para suprir possível desídia do executado. A ausência de
reação, nos momentos adequados, deveria sujeitá-lo (ao menos como regra) aos rigores da
execução.

O texto, agora, do art. 55, § 2º, II, na sua literalidade permitiria a reunião a qualquer tempo,
inclusive premiando o executado desidioso (que não quis ou perdeu o prazo para embargar). Não
parece haver razões, porém, para se afastar, nesse quesito, a orientação já formada no STJ: a ação
de conhecimento proposta antes da execução recomenda a reunião dos processos, enquanto
aquela proposta depois da oportunidade de reagir pela via própria (embargos) somente deve
ensejá-la em situações excepcionais, preservando-se ao máximo os interesses do credor (art. 784, §
1º).18 Mesmo porque, e como destacado linhas acima, inclusive nesse contexto (execução – ação de
conhecimento) a reunião por conexão não deixa de ser uma faculdade do órgão judicial.19

8.1.2. Conexão por mero “risco de decisões conflitantes ou contraditórias”

Outra inovação importante é a fixada no art. 55, § 3º. Seu texto, porém, deixa margem para
dúvidas. Em linhas gerais, admite-se ali a reunião de processos entre os quais se verifique o “risco
de prolação de decisões conflitantes”, isso “mesmo sem conexão entre eles”. Ou seja, prevê a
conexão, mas, paradoxalmente, mesmo sem conexão.

Essa certa falta de precisão na redação do texto, porém, não é o principal problema para
atuação prática. Da maneira como foi redigido, o dispositivo parece não ter limites. Isto é, por sua
literalidade poder-se-ia admitir como viável a reunião de uma multiplicidade de processos nos
quais despontasse o risco de prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias” a respeito da
mesma situação. Assim, e dessa perspectiva, todas as causas discutindo a legalidade de
determinada cláusula contratual (capitalização de juros, por exemplo) ou a validade de
determinado tributo poderiam ser reunidas para evitar soluções discrepantes. Afinal de contas e
embora não haja, em sentido estrito, conexão entre todos, haveria o risco de decisões
(aparentemente) conflitantes.

Não é bem assim. Aliás, não pode ser. O primeiro atentado seria mesmo contra o bom senso.
Embora o dispositivo dê a entender que para reunião das causas bastaria o mero risco de decisões
conflitantes, é preciso que exista alguma ligação entre as relações jurídicas subjacentes aos
processos. Ainda que não seja absoluta a identidade de pedidos ou de causas de pedir, algum liame
entre as causas precisa existir, a justificar não só a reunião em si, mas, também, a própria
preocupação de evitar, na prática, decisões conflitantes. Aliás, orientação semelhante já apareceu
na jurisprudência do STJ.20
Causas versando sobre a mesma tese jurídica, por exemplo, mas sem qualquer outra relação de
identidade, não justificam a reunião por conexão. O resultado prático seria, no mínimo,
tumultuadíssimo, sem contar o prejuízo ao contraditório efetivo.

Esse mecanismo não se presta, portanto, a evitar contradições em tese entre julgamentos, mas,
sim, a não permitir contradições práticas entre causas, ainda que em ambas não se verifiquem os
elementos tradicionalmente ensejadores da conexão. Por isso, até a aparente contradição no texto
legal, quando reconhece existir a necessidade de reunião (portanto, de conexão) entre os
processos, “mesmo sem conexão entre eles”.

Em poucas palavras, esse dispositivo não representa ferramenta processual para tutela coletiva
de direitos individuais. Mesmo porque há outros mecanismos no NCPC, aí sim destinados a esse
propósito. A técnica do recurso especial repetitivo e o incidente de resolução de demandas
repetitivas são dois exemplos.

8.2. Continência: extinção da ação contida (art. 57)

A reunião por continência é definida no NCPC de maneira substancialmente idêntica à do


regime anterior (art. 56). Há, porém, uma inovação digna de nota.

O reconhecimento da continência pode ensejar a extinção de uma das demandas. Ou seja, não
haverá a reunião dos processos para tramitação. O segundo já será extinto.

A regra é a seguinte: caso a ação continente tenha sido proposta antes daquela que em seu bojo
se constate estar contida, esta segunda, então, será extinta sem julgamento do mérito (art. 57). A
medida é profilática e em sintonia com o princípio da economia processual, pois realmente não se
justifica a continuidade da demanda posterior.

O contrário, porém, não ocorre: caso a demanda continente tenha sido proposta depois da
contida, ambas, então, serão necessariamente reunidas para tramitação conjunta. O tratamento
diferenciado justifica-se. Caso se permitisse, de maneira indistinta, a extinção da demanda contida,
isso alcançaria também aquelas já estabilizadas e até em fase instrutória.21 Em vez de economia e
otimização do procedimento, haveria desperdício e retrocesso. Por isso, no caso de a ação contida
ter sido proposta antes, a reunião de ambas passa a ser inexorável.

8.3. Critérios definidores da prevenção: registro ou distribuição da inicial

Houve importante mudança no que se refere aos critérios para definir o juízo prevento.

No CPC/1973 havia dois: para os juízos de uma mesma comarca ou circunscrição com a mesma
competência territorial para conhecer e processar determinada causa, a competência definia-se
em favor daquele que primeiro despachou a inicial (art. 106 do CPC/1973); já para juízos de bases
territoriais distintas o critério era o da citação. Vale dizer, daquele perante o qual por primeiro se
operou a citação (art. 219 do CPC/1973).

Isso mudou. Esses critérios foram substituídos no NCPC. Agora, a prevenção apura-se pelo
registro ou distribuição da inicial (art. 59). Uniformizaram-se os critérios de fixação inicial da
competência e da prevenção.

Da mesma forma que o disciplinado no art. 43, o registro terá lugar nas comarcas ou
circunscrições com um único juízo competente para conhecer da causa, enquanto a distribuição
da petição inicial ocorrerá nas bases territoriais com multiplicidade de juízos competentes.

Andou bem o legislador, sobretudo porque adotou critérios bem mais intuitivos e
operacionalmente simples do que os anteriores.

Podem surgir dúvidas sobre quando a inicial deve ser considerada registrada para os fins de
definição da competência. A esse respeito fizemos algumas observações no item 1.1, ao qual
tomamos a liberdade de remeter o leitor.
8.4. Foro de eleição: controle de ofício, contornos da abusividade e momento para argui-la

O NCPC continua prevendo a possibilidade de o juiz controlar a cláusula de eleição de foro. A


novidade fica a cargo do caráter mais amplo da regra. Antes, o texto do CPC/1973 limitava essa
possibilidade à cláusula inserida em contrato de adesão. Era expresso nesse sentido. Agora não há
mais essa limitação. Em toda e qualquer contratação é possível o controle da eleição do foro, caso
tenha sido pactuada com abusividade.

Esse controle pode ocorrer até de ofício. Aqui, porém, um ponto importante: admite-se essa
atuação espontânea do órgão judicial apenas até antes da citação (art. 63, § 3º). Evidentemente que
tal inciativa não poderá deixar de respeitar o contraditório. Ou seja, percebendo que a cláusula de
eleição de foro ganha contornos abusivos a partir do contexto no qual está inserida,
necessariamente o órgão judicial deverá possibilitar à parte autora manifestação a esse respeito,
sob pena de violação ao art. 9º do NCPC. Mais ainda: como a eleição de foro, especialmente fora
dos contratos de adesão, espelha (ao menos de maneira suficiente) a manifestação de vontade de
ambos os contratantes, o desejável é que a atuação de ofício do órgão judicial fosse precedida da
manifestação das partes interessadas (e atingidas pela atuação espontânea do juiz).

Não havendo, porém, a declaração de ofício, a nulificação da cláusula somente poderá ocorrer
mediante arguição da parte interessada, a qual deverá formulá-la por meio de sua contestação, sob
pena de preclusão (art. 63, § 4º). Fica clara, então, aqui, a opção do legislador no trato da
competência relativa: não havendo impugnação por parte daquele cuja defesa poderia ser
prejudicada pela dificuldade de acesso ao foro, então a competência fixada pela vontade das
partes se consolida.

Um último destaque: o fundamento para declaração da nulidade. Como dito linhas acima, agora
estar inserida em contrato de adesão não é mais exigência para caracterização da abusividade.
Embora, rigorosamente, já não o fossem (ao órgão judicial franqueia-se o controle das cláusulas
abusivas em geral), os fundamentos para reconhecer a nulidade do foro de eleição não devem se
afastar daqueles já assentados pela orientação reiterada do STJ. Mesmo quando inserida em
contrato de adesão, a pactuação do foro é, em princípio, válida e eficaz,22 sendo indispensável para
caracterização da abusividade a constatação da hipossuficiência do réu.23 Isso quer dizer, em
linhas gerais, que a cláusula “somente pode ser afastada quando reputada ilícita em razão de
especial dificuldade de acesso à justiça ou no caso de hipossuficiência da parte”.24

8.5. Prorrogação da competência: preliminar de contestação e a possibilidade de o


Ministério Público suscitá-la (art. 65)

Modificação importante para o cotidiano forense diz respeito à via para arguição da
incompetência relativa. No regime do CPC/1973 destinava-se à exceção. Agora tal arguição deverá
ser formulada na própria contestação, por meio de preliminar. Caso o réu não a suscite em sua
defesa, haverá a prorrogação da competência (art. 65). Voltaremos a essa técnica no item 8.6.

Além da via processual para arguição, o NCPC estabelece que a “a incompetência relativa pode
ser alegada pelo Ministério Público nas causas em que atuar” (art. 65, parágrafo único). O texto
legal não fixa limites. Sua literalidade, então, permite concluir que ao MP passou-se a permitir a
arguição da incompetência relativa, sempre que atuar no processo, inclusive quando o faça na
condição de fiscal da lei.

A doutrina inclina-se para essa interpretação mais ampla.25 -26 De todo modo, tal entendimento
merece mais reflexão. Diante do caráter aberto do texto, a fórmula “nas causas em que atuar” não
pode ser tida como permissão irrestrita para que o MP argua sempre a incompetência relativa.

A orientação do STJ, até aqui, vai em sentido oposto: salvo situações excepcionais (e de clara
demonstração de prejuízo), operando como custos legis reconheceu-se não ter o MP legitimidade
para arguir a incompetência relativa. Precedente da primeira Seção do STJ, formado em 2004,
orienta nesse sentido. Como as regras de competência relativa “são instituídas para tutela de
interesses privados”, isso significa que, “não tendo sido oposta exceção declinatória do foro pela
parte ré, falece ao Ministério Público legitimidade para, na qualidade de custos legis, arguir a
incompetência”.27

Alguns anos mais tarde (2007) o STJ flexibilizou essa orientação. Quando o MP, na condição de
fiscal da lei, vislumbrasse efetivo prejuízo para defesa de incapaz (tratava-se, lá, de inventário
envolvendo menor), aí surgiria sua legitimidade para arguir a incompetência relativa. Do
contrário, isto é, não demonstrado o prejuízo, perduraria sua ilegitimidade para tanto.28

Não vemos razão para que essa orientação se modifique à luz do NCPC. Realmente é difícil
perceber por que ao MP deveria ser franqueada a possibilidade de suscitar a incompetência
relativa sempre que participe do processo. Se a própria parte, a principal interessada em fazê-lo,
permaneceu em silêncio, não há por que o Estado ter intervindo e se sobreposto a essa
manifestação de vontade.

Assim e como regra, pode o MP suscitar a incompetência relativa quando atuar como parte
(embora também seja igualmente difícil vê-lo atuando como réu).29 Não terá legitimidade para
fazê-lo, porém, quando figurar no processo como custos legis, salvo, excepcionalmente, situação de
evidente prejuízo.

8.6. Incompetência relativa: procedimento para argui-la

Outra alteração relevante está na técnica para arguir a incompetência relativa. No regime do
CPC/1973, franqueava-se ao interessado a via da exceção. Isso desaparece com o NCPC. A
incompetência relativa (assim como, no geral, as matérias até então passíveis de arguição pela via
da exceção), deve ser suscitada em preliminar de contestação.

É desejável que também faça o mesmo na hipótese da incompetência absoluta, tal qual já
ocorria no regime anterior. De todo modo, com relação a esta, não há preclusão, podendo ser
reconhecida e declarada a qualquer momento e grau de jurisdição. O réu leniente com sua
arguição responderá pelos prejuízos que, no processo, essa sua demora tenha dado causa.

Há outra alteração a exigir atenção: o foro de protocolo da contestação com essa preliminar. O
NCPC procura facilitar ao máximo o acesso do réu para suscitar a incompetência. Como o fará por
meio da contestação, permite-se, agora, que essa peça de defesa seja protocolada no foro de seu
domicílio. Estipula-se procedimento específico para isso (art. 340).

Embora não se trate de alternativa propriamente inusitada (o art. 305 do CPC/1973 previa algo
semelhante), revela-se, inegavelmente, algo de difícil operação e, tudo indica, cairá em progressivo
desuso (na medida da expansão do processo eletrônico).

Em linhas gerais, o procedimento é o seguinte: formulando contestação com preliminar de


incompetência (seja relativa ou absoluta), o réu poderá (note-se, trata-se de mera faculdade)
protocolar a defesa perante o foro de seu domicílio, e não naquele no qual tramita o processo.
Caso, ali, no local de seu domicílio, haja pluralidade de juízos potencialmente competentes, a
contestação então deverá ser apresentada perante o cartório distribuidor, que a registrará e
remeterá a um dos juízos da comarca. Caso, porém, o réu tenha sido citado por carta precatória,
então sua contestação poderá ser protocolada diretamente perante o juízo deprecado.

Recebida a contestação, o juízo que a recepcionou deverá adotar duas providências. A primeira
é comunicar imediatamente esse fato ao juízo da causa, fazendo isso, de preferência, pela via
eletrônica (art. 340, caput). Em seguida, remeterá a via física da defesa ao juízo em que tramita o
processo.

Há, porém, o problema da audiência inicial de conciliação. Como regra, o réu é citado não mais
para apresentar defesa, mas, sim, para comparecer a essa audiência (art. 334). Apenas depois dela
fluirá o prazo para contestar (art. 335, I).

Ao protocolar a defesa em seu domicílio, isso significa que o réu não compareceu na audiência
nem, na prática, deseja fazê-lo (pelo menos não perante o juízo reputado incompetente). Na
verdade, tal opção deve ser exercida antes da audiência inicial, o que acarretará sua suspensão
(art. 340, § 3º). Outra será designada, se for o caso, quando resolvida a questão em torno da
competência (art. 340, § 4º).

O Código, porém, não estabelece com quanta antecedência isso deve ocorrer. No mínimo, o
protocolo deverá ocorrer em prazo hábil para que as providências fixadas no art. 340 possam ser
tomadas.

Além disso, como a contestação está sendo antecipada (e o réu se valendo do privilégio de
protocolá-la no foro de seu domicílio), a defesa já deverá ser apresentada com todos os
argumentos. Há, aqui, para o réu, quanto a isso, preclusão consumativa. Não lhe será dada a
oportunidade de complementar as razões de contestação após solucionar-se o imbróglio em torno
da competência.30

Nada impede, porém, que compareça à audiência de conciliação perante o juízo da citação,
espere iniciar o prazo para apresentar defesa e, ao apresentá-la, suscite a incompetência por meio
de preliminar.

Seja como for, uma vez reconhecida a incompetência, os autos então serão remetidos ao juízo
competente, considerando-se prevento para aquele que tenha recebido a contestação. Aqui um
ponto de atenção. Pode ocorrer de a contestação ter sido recebida por juízo cujas atribuições, na
comarca, se limitavam ao processamento de precatórias. Nesse caso, reconhecida a incompetência
do juízo originário, a causa terá de ser redistribuída assim que recepcionada no foro competente.

Há, ainda, outro ponto obscuro: os processos que já tramitam pela via digital. Nesse caso, não
parece haver razão para que o réu se valha do benefício do art. 340, caput. Tramitando pela via
eletrônica, não há nenhum obstáculo para já protocolar sua defesa diretamente perante o juízo
originário, suscitando, ali, a incompetência. Aí a distância física do local de tramitação do processo
deixa de ser um obstáculo. Deverá fazê-lo, porém, antes do prazo da audiência, de forma a
possibilitar a adoção da providência prevista no art. 340, § 3º. O benefício do art. 340, caput, é
mera faculdade e, além disso, claramente destinado a dar conta daquelas situações em que o réu
realmente precisa ter facilitado seu acesso ao Judiciário para o adequado exercido de seu direito
de defesa.

8.7. Preservação dos atos processuais praticados pelo juízo incompetente

No CPC/1973 os atos decisórios pronunciados por juízo absolutamente incompetente eram


considerados nulos. Apenas com relação à competência relativa é que se possibilitava ao novo
juízo, ao receber os autos, reconhecer como válidos todos os atos anteriores praticados pelo outro
juiz.

O NCPC muda isso. Agora, os atos decisórios pronunciados por juiz absolutamente
incompetente também podem ser preservados quando do translado do processo para o outro
juízo.

O Código encampa a chamada translatio iudicii, cuja orientação, em linhas gerais, pode ser
compreendida como a possibilidade de dar continuidade, perante o juízo efetivamente
competente, ao processo iniciado perante aquele absolutamente incompetente para processá-lo e
julgá-lo.31 A ideia essencial é a de possibilitar o aproveitamento dos atos processuais, dado que,
apesar da divisão de competência para fins organizacionais e funcionais, os juízes exercem, todos
eles, parcela de um mesmo Poder (o jurisdicional) conferido pelo Estado. Logo, atos decisórios
pronunciados por juízo incompetente, mas que, na substância, possam ser aproveitados porque
adequados, realmente devem sê-lo. Não há razão para nulificá-los. Andou bem o legislador.

Na prática, isso significa que, uma vez reconhecida a incompetência absoluta de determinado
juízo, os autos serão remetidos para o competente. Lá, na decisão que recepcionar o processo e
determinar seu prosseguimento, o novo juízo já deverá dispor a respeito da preservação dos atos
decisórios de seu antecessor. Poderá preservá-los no todo ou nulificar apenas os que entender
adequados ao adequado julgamento da causa. Caso nada declare a respeito, ter-se-ão como
preservados os atos decisórios do juiz anterior.

NOTAS DE RODAPÉ
1

Todos os artigos citados no texto sem referência são do NCPC.

Cf. MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Forense, 1991. v.
II, n. 394, p. 423.

Cf. ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa et al. (Coord.). Breves comentários ao Código de Processo Civil. São
Paulo: Ed. RT, 2015. p. 741.

É o que anota, com críticas, Daniel Amorim Assumpção Neves, reputando-a como um desserviço da
Comissão Revisora do Senado (Novo Código de Processo Civil: inovações, alterações, supressões
comentadas. São Paulo: GEN/Método, 2015. n. 6.4, p. 69).

A esse respeito, com análise detalhada, VIANA, Salomão. Breves comentários ao novo Código de Processo
Civil. Coord. Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 162 e 178.

“Embargos de declaração. Constitucional. Competência. Causas ajuizadas contra a União. Art. 109, § 2º, da
Constituição Federal. Critério de fixação do foro competente. Aplicabilidade às autarquias federais,
inclusive ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade. Argumentos insuficientes para
modificação da decisão embargada. Embargos de declaração rejeitados. 1. A faculdade atribuída ao autor
quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para
julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que
se encontram afastados das sedes das autarquias. 2. As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos
mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem, de modo que a
elas não se aplica o que previa o art. 100, IV, a, do CPC de 1973, porque isso resultaria na concessão de
vantagem processual não reconhecida à União. 3. Embargos de declaração rejeitados (regime do CPC de
1973)” (STF, RE 627.709 ED, Tribunal Pleno, j. 18.08.2016, rel. Min. Edson Fachin, DJe 18.11.2016).
7

Cf. NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed.
RT, 2015. p. 328.

Contra, entendo tratar-se de hipótese de competência territorial e, portanto, relativa – VIANA, Salomão.
Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. Coord. Teresa Arruda Alvim Wambier et al. São
Paulo: Ed. RT, 2015. p. 204.

Cf. NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed.
RT, 2015. p. 329.

10

Cf. VIANA, Salomão. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. Coord. Teresa Arruda Alvim
Wambier et al. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 210.

11

Cf. AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 111.

12

Cf. ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São
Paulo: Ed. RT 2015. p. 119.

13

STJ, AgInt no AREsp 1.063.623/RS, 3ª T., j. 05.12.2017, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 15.12.2017.

14

Cf. AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 112.

15

STJ, AgRg no AgRg no Ag em REsp 691.530/RJ, 3ª T., j. 10.11.2015, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe
19.11.2015 No mesmo sentido: STJ, REsp 1.707.572/SP, 2ª T., j. 07.12.2017, rel. Min. Herman Benjamin, DJe
16.02.2018.

16

STJ, REsp 758.270/RS, 1ª T., j. 08.05.2007, rel. Min. Luiz Fux, DJ 04.06.2007.
17

STJ, REsp 1.169.422/AL, 3ª T., j. 16.08.2011, rel. Min. Massami Uyeda, DJe 22.06.2012. Nesse julgamento,
registrou-se que as “ações autônomas de declaração de inexistência da relação obrigacional possuem
natureza jurídica idêntica à dos embargos do devedor, podendo, inclusive, substituí-los na hipótese de
ajuizamento anterior, já que, repetir os mesmos fundamentos e causa de pedir nos embargos, implicaria
litispendência” (g.n.).

18

“A ação revisional ostenta a mesma natureza dos embargos do devedor – ação de conhecimento
prejudicial à execução –, razão pela qual deve ter o mesmo tratamento àqueles dispensado quando
ajuizada anteriormente à ação satisfativa” (STJ, REsp 850.142/SE, 4ª T., j. 22.11.2011, rel. Min. Luis Felipe
Salomão, DJe 06.12.2011).

19

STJ, AgInt no AREsp 1.028.902/RJ, 3ª T., j. 16.05.2017, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 25.05.2017.

20

STJ, REsp 780.509/MG, 4ª T., j. 25.09.2012, rel. Min. Raul Araújo, DJe 25.10.2012; STJ, AgInt no AREsp
479.470/SP, 4ª T., j. 03.08.2017, rel. Min. Marco Buzzi, rel. p/ acórdão Min. Luis Felipe Salomão, DJe
27.09.2017.

21

Cf. NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed.
RT, 2015. p. 343.

22

AgRg no AREsp 590.388/RS, 4ª T., j. 26.05.2015, rel. Min. Marco Buzzi, DJe 1º.06.2015; STJ, AgRg no Ag em
REsp 331.972/MG, 3ª T., j. 25.11.2014, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 12.12.2014.

23

STJ, AgRg no Ag em REsp 701.481/CE, 4ª T., j. 20.08.2015, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 27.08.2015.

24

STJ, EDcl no AgRg no REsp 878.757/BA, 4ª T., j. 22.09.2015, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 01.10.2015.

25

ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo
Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 132; BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São
Paulo: Saraiva, 2015. p. 118; AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São
Paulo: Ed. RT, 2015. p. 121-122; NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Comentários ao Código de
Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 360.

26

Contra: SCHENK, Leonardo Faria. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. Coord. Teresa
Arruda Alvim Wambier et al. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 241.

27

STJ, EDiv em REsp 222.006/MG, 1ª Seção, j. 10.11.2004, rel. Min. Luiz Fux, DJ 13.12.2004.

28

STJ, REsp 630.968/DF, 3ª T., j. 20.03.2007, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 14.05.2007.

29

Refletindo a respeito, admitindo a possibilidade de o Ministério Público figurar como réu numa relação
jurídica processual e formulando exemplos, DIDIER JR., Fredie. Editorial 138. Disponível em:
[www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-138/].

30

Cf. SICA, Heitor Vitor Mendonça. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. Coord. Teresa
Arruda Alvim Wambier et al. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 915.

31

A esse respeito, ver GRECO, Leonardo. Translatio iudicii e reassunção do processo. RePro 166/9-26.

© desta edição [2019]

Você também pode gostar