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O Comercio Inter-Insular Seculos XV-XVII PDF
O Comercio Inter-Insular Seculos XV-XVII PDF
O Comercio Inter-Insular Seculos XV-XVII PDF
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oCOMERCIO
INTER-INSULAR
NOS SÉCULOS XV E XVI
o COMERCIO
I N T E R - lN S U LA R
NOS SÉCULOS XV E XVI
ALBERTO VIEIRA
1 987
Capa, gráficos e mapas: VIRGfLIO GOMES
5
PÀ<ilNA r~ BI!ANCO
INTRODUÇÃO
et) Artur Teodoro de Matos, "Las relaciones entre Azares, Canarias y America Espaiiola en los siglas XVI
y XVII .., in V C.H.C.A .. Las Palmas, 1982 (no prelo); Manuel Lobo Cabrera, «Gran Canaria y los contactos com
las islas portuguesas atlanticas: Azores Madera, Cabo Verde y Santo Tomé .., in Congresso Internacional de
Historia Maritima, Las Palmas, 1982 (no prelo) Manuel Lobo Cabrera. Elisa Torres Santana, -Aproximaclón 'de
las relaciones entre Canarias y Azares em los siglas XVI y XVII .., in Os Açores e o Atlantico (séculos XVI-XVII).
Angra do Heroísmo, 1984,352-375. Manuel Lobo Cabrera e Margarida I. Martín Socas. «Emigracion y comercio
entre Madeira y Canarias en el siglo XV)", in ibidem, 678-700.
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pioneiro desta inovadora perspectivação da realidade histórica insular. Ele terá sido ainda o
pioneiro a evidenciar e delinear os traços comuns destas sociedades nascentes, tanto ao nível
geográfico, como ao administrativo e económico (2). Na realidade não estava equivocado
quando tentou essa abordagem, pois os referidos arquipélagos pertencem à Macaronésia ao
mesmo tempo que fazem parte de um conjunto, que é o Atlântico.
A perspicácia e pormenor das suas descrições atestam, por um lado, o conhecimento
profundo que havia destas ilhas em finais do século XVI e, por outro, as possibilidades ou
assiduidade dos contactos entre as diversas ilhas. Para escrever os referidos relatos Gaspar
Frutuoso terá percorrido algumas delas, apoiando-se, ainda, no testemunho oral do viajante
e do mercador que frequentavam a ilha de S. Miguel e).
Talvez o facto de ser filho do
mercador Frutuoso Dias, natural de Ponta Delgada, tenha contribuído para essa familia-
rização com os arquipélagos vizinhos, com que os açorianos mantinham contactos assíduos (4).
Para além desta tentativa de análise comparada e de conjunto dos arquipélagos
atlânticos, o texto frutuosiano poderá ser considerado ainda como a primeira memória atenta
que preserva o cotejo do inter-relacionamento destes arquipélagos, dando conta do movi-
mento migratório e comercial entre a Madeira, os Açores e as Canárias.
Todavia o seu apelo para a fundamentação da sociedade e economia insulares e do
sistema de inter-conexões manteve-se no esquecimento por várias gerações, sendo apro-
veitado, apenas, no nosso século.
Partindo das tentativas já referenciadas e cientes da importância desse tipo de abordagem
lançamos mãos, em 1982, de um projecto de estudo do Mediterrâneo Atlântico nas suas
peculiaridades, fazendo-o incidir nas relações entre estes três arquipélagos, situados. às
portas do Atlântico Sul. Aqui conclui-se a primeira fase desse plano, cujo objectivo
primordial é o conhecimento da realidade histórica insular. Assim, esta monografia define-
-se pelo seu carácter introdutório ao tratamento do tema.
As lacunas da documentação nos três arquipélagos são imensas, pelo que fomos
impossibilitados de estabelecer as séries cronológicas necessárias para um estudo desta
índole. Deste modo o tratamento do comércio inter-insular ficou muito limitado em termos
documentais e expositivos, não pela sua importância no contexto económico insular, mas
sim pelas referidas lacunas. Todavia, a informação respigada nessa documentação, ainda
que diminuta em termos numéricos, é suficientemente elucidativa para podermos afirmar a
sua importância na economia insular. .
Além disso os reflexos da compartimentação geográfica, aliados à dificuldade de
contactos com as ilhas fizeram-se sentir, de modo evidente, neste primeiro resultado da
investigação em curso. Assim, a dispersão geográfica da documentação açoriana, em
consonância com a impossibilidade material de uma adequada permanência no arquipélago
canário, impossíbitaram-nos de um maior aprofundamento destes arquipélagos. Se nas
Canárias essa lacuna foi colmatada parcialmente pela riquíssima produção historiográfica
deste século, nomeadamente da Universidade de La Laguna e da Casa Colón (Las Palmas),
nos Açores apenas podemos ficar agradecidos ao brilhante e minucioso trabalho de recolha
de Ernesto do Canto, reproduzido parcialmente no Arquivo dos Açores.
Uma maior familiarização com o riquíssimo acervo documental madeirense, aliada à
importância deste arquipélago no sistema de inter-conexões insulares, levaram-nos a apostar
nessa documentação e partir dela para a análise pretendida. Além disso, porque reconhecemos
ter sido a Madeira a ilha onde se lançou a primeira experiência de ocupação atlântica, com
e) Rodrigo Rodrigues. «Notícia biográfica do Dr. Gaspar Frutoso.., in Saudades do da Terra, L.0 I, Ponta
Delgada, 1984, XV-CVX; Manuel Lobo Cabrera «Aproximacion a las relaciones entre Canarias y Azores ... ",
354-356.
(3) Rodrigo Rodrigues, art, cit., XL-XLI, LXIV.
(4) Idem, Ibidem, XXVI, LXVII.
8
implicações nas ilhas vizinhas, estruturámos a nossa exposiçao a partir daí. associando
depois os Açores e as Canárias. Aliás, a Madeira contribuiu em muito para o arranque da
ocupação e valorização sócio-económica desses arquipélagos vizinhos. Este impacto madei-
rense terá condicionado o desenvolvimento das suas sociedades, evidenciando a similitude
de processos, técnicas e produtos. Neste sentido poderá considerar-se o colono madeirense
como o principal obreiro desta sociedade e economia insulares.
A concretização deste estudo não seria possível sem a prestimosa colaboração de
instituições, amigos e mestres a quem agradecemos vivamente. De entre estes distinguimos
o contributo do Professor Doutor Manuel Lobo Cabrera, que nos encaminhou pelas sendas
da investigação arquivística e bibliográfica canária, e o Professor Doutor Artur Teodoro de
Matos, timoneiro deste cruzeiro atlântico, pela orientação e impulsionamento dado a este
trabalho.
Para a presente edição deste nosso trabalho estamos gratos a todos os elementos da
Comissão Instaladora do Centro de Estudos de História do Atlântico por nos confiarem a
honra da primeira edição desta instituição. Ao Professor Doutor Luís de Albuquerque o
nosso especial agradecimento pelos sábios conselhos dados, quando da preparação do texto
para edição, e pelo empenho e acompanhamento da impressão.
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2
PÀ<ilNA r~ BI!ANCO
PRIMEIRA PARTE
PÀ<ilNA r~ BI!ANCO
o ATLÂNTICO E AS ÁREAS INSULARES
1. A ECONOMIA INSULAR
13
mediterrânica, ao comprometerem-se com o processo de expansão atlântica, não puseram de
parte a sua tradição agrícola, incentivadora das trocas comerciais. Por isso na bagagem dos
primeiros cabouqueiros insulares eram imprescindíveis as cepas, as socas de cana, alguns
grãos do precioso cereal, de mistura com os artefactos de uso corrente.
O processo de ocupação e domínio do Atlântico foi, deste modo, definido por uma
transplantação material e mental de que os colonos peninsulares foram os principais
obreiros. Mais do que uma tentativa de recriação do velho rincão natal, este processo foi a
primeira experiência de ajustamento das arroteias às directrizes da nova economia de
mercado (5). Assim, a aposta preferencial de cultura irá incidir nos produtos em falta na
Europa e naqueles mais valorizados nessa economia nascente, como o açúcar e o pastel.
A sociedade e economia insulares surgem na confluência destes vectores externos em
consonância com as condições mesológicas do multifacetado mundo insular. Todavia, a sua
distribuição e a sua valorização não foram simultâneas nem obedeceram aos mesmos
princípios organizativos, mercê da sua repartição pelas coroas peninsulares e senhorios
ilhéus. Na Madeira e nos Açores o arranque sócio-económico dependeu, de modo uniforme,
da intervenção da coroa e senhorio (1433-1497), enquanto nas Canárias os mesmos agentes
tiveram uma acção diversificada e localizada em ilhas. Nesta última situação o processo de
integração do arquipélago foi muito moroso e variou de ilha para ilha, sendo comum
distinguir as ilhas realengas das senhoriais. Não obstante esta forma diversificada de
direcção e domínio, é notória a dominância dos princípios definidores da nova economia de
mercado, visível na selecção das culturas e no incentivo que lhes foi dado.
As Canárias, pela riqueza dos seus recursos humanos e naturais surgiu, desde o século
XIV, como primeiro alvo preferencial dos povos peninsulares e mediterrânicos. Todavia o
seu processo de conquista e ocupação foi retardado pela disputa entre Portugal e Castela,
bem como, pelo afrontamento da população guanche. Deste modo, a Madeira e o Porto
Santo irão assumir a posição dianteira neste processo, surgindo, desde princípios do século
XV, como importantes focos de recepção e materialização das necessidades e dos anseios
sociais, políticos e económicos do Ocidente. O arquipélago açoriano, colocado numa
posição excêntrica em relação ao principal pólo de atracção atlântica nas primeiras décadas
do século XV e, mercê da premência dos fenómenos sísmicos e vulcânicos, não se
apresentava muito favorável a esse desenvolvimento inicial. Apenas na segunda metade do
século este espaço multifacetado atrairá as atenções dos peninsulares e até dos descontentes
com a situação madeirense. Assim, a partir da década de 70 as ilhas açorianas surgem como
uma concorrente da Madeira, galvanizando as atenções de madeirenses e peninsulares. A
experiência adquirida pelos colonos imigrantes da Madeira foi importante para a valorização
sócio-económica deste arquipélago bem como do canário.
A Madeira, que se encontrava a pouco mais de meio século da sua existência como
sociedade insular, estava já em condições de oferecer contingentes de colonos preparados
para o lançamento de novas arroteias e culturas nas ilhas vizinhas. Assim terá sucedido com
a transplantação da cana-de-açúcar para as ilhas de Santa Maria, S. Miguel, Terceira, Gran
Canaria e Tenerife. Deste modo o arquipélago madeirense, posicionado estrategicamente
nesse mundo de ilhas, dominará todas as conexões atlântico-insulares; será um intermediário
entre os dois arquipélagos do extremo ocidental e oriental e um importante veículo que
assegurará a unidade e a vizinhança, e aproximará as parcelas deste Novo Mundo; pelo seu
lado, ambos os arquipélagos vizinhos integrarão a Madeira nos circuitos comerciais do
litoral africano e americano.
A aproximação e vizinhança das ilhas que compõem o Mediterrâneo 'Atlântico serão
(5) José V. Torres, Introdução à História Económica e Social da Europa. Coimbra, 1983, 83-85; Maria
Olímpia da Rocha Gil, ..Os Açores e a nova economia de mercado (séculos XVI-XVII)>>, in Arquipélago, série
Ciências Humanas, vol. III, 1981, 371-375; Pierre Chaunu, Sé vil/e et l'Atlantique, vol. VIII. 79.
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corresponsabilizadas por esta identidade, bem como pelas assimetrias e complementaridades
do seu desenvolvimento económico. Estas características dominantes do mundo insular são
o único meio estabilizador dos mecanismos sócio-económicos insulares, uma vez que
criaram as condições necessárias à resolução dos problemas quotidianos e à valorização das
potencialidades locais. Foi, certamente, a única possibilidade da economia insular se
afirmar em face da premência e dominância da Europa Ocidental; assim sucedeu com os
cereais que, produzidos apenas em algumas ilhas, foram suficientes, em condições normais,
para satisfazer as necessidades da dieta local. Esta conjugação de interesses marcará, por
todo o século XVI, as linhas complicadas das conexões insulares.
O afrontamento das economias das ilhas aparece apenas no domínio das culturas
coloniais - pastel, açúcar, vinho - impostas pelo Ocidente com a única finalidade de
suprir as suas carências; tal imposição externa, dominante em todo esse mundo, conduziu a
um afrontamento e a uma crítica desarticulação da economia insular. Todos estes produtos
são o suporte mais poderoso do domínio europeu na economia das ilhas (6).
O açúcar na Madeira, Gran Canaria , Tenerife, La Palma e o pastel, em S. Miguel,
Terceira, exerceram uma acção devastadora do equilíbrio da exploração económica local,
retirando o espaço agricultado às culturas similares. Tal circunstancionalismo culminou
sempre numa situação de forte dependência em relação ao mercado externo que, para além
de consumidor exclusivo destes produtos, surge como o principal fornecedor dos produtos
ou artefactos que os povos das ilhas carecem. Qualquer eventualidade que pusesse em causa
a produção dessas culturas era o prelúdio da estagnação do comércio e da fome. Assim
sucedeu em 15]3 na ilha de Tenerife com a acção do bicho da cana que destruiu grande
parte das fazendas de açúcar que, segundo reclamação dos seus vizinhos, «es lo principal de
la isla- (). De igual modo se poderá definir a situação madeirense, na segunda metade do
século XVI, mercê da concorrência do açúcar brasileiro que abateu o comércio do «da ilha
que he o fruito e comercio principal dclla e remedio dos lavradores» (8).
Terá sido com base nesta ambiência que Fernand Braudel defendeu, em 1949, para
estas ilhas um regime produtivo de monocultura e).
No entanto nesse mesmo ano Orlando
Ribeiro esclarecia o carácter de não monocultura do regime de exploração agrícola
madeirense eo). E, volvidos vinte anos, Elias Serra Rafols respondia a Francisco Marales
Lezcano , enunciando que nas Canárias nunca existiu um regime de monocultura, uma vez
que a economia canária foi dominada por uma variedade de culturas, cuja actuação não é
uniforme no tempo e no espaço r!"). Mais tarde, Frédéric Mauro, secundado por Vitorino
Magalhães Godinho, retomam a questão, enunciando que a economia insular se definiu
apenas por um regime de produtos dominantes e não de monocultura (12).
(6) Femand Braudel , ibidem. I, 182, Pierre Chaunu , ibidem, vol. VIII, 79.
ç7) Acuerdos dei Cabildo de Teneri]e, III. 277-283, n.? 42, ..Capitulaciones que presenta ai Rey la isla de
Tenerife por mano de mensagero ...
(8) A. R. M., C. M.F., Tombo Velho, fi. 178, 5 de Dezembro de 1598.
(9) Ob. cit .• ed. de 1949, 123.
eo) L'fie de Madêre ( ... ), Lisboa, 1949, 67.
(11) « EI gofio nuestro de cada dia .., in Estudios Canarios, XIV-XV, 1969-1970,97-99; corroborado por
M. A. Ladero Quesada (Espana en 1492, Madrid, 1978, 205-218), Eduardo Aznar Vallejo (La lntegracián de las
islas Canarias en la corona da -Castilla, La Laguna, t983, 455) e Fernando Clavijo Hernandez « Los documentos
de tletamentos ( .. .}» in IV C. H. C. A.. vol. 1,36. A tese de Victor Morales Lezcano, baseada em F. Braudel
surgiu pela primeira vez em Slntesis de la historia economicá de Canarias , Tenerife , 1966. sendo depois reforçada
em Las relaciones mercantiles entre Inglaterra y los archipélagos atlantico ibéricos ( ... ) La Laguna, 1970 e em
..Cultivos dominantes y ciclos agrícolas en la historia Modema de las islas Canarias .., in Historia General de las
Islas Canarias, IV, 11-22.
e 2 ) Frédéric Mauro, Le Portugal et l'Atlantique au Xvt!«, siõclet.... ), Paris, 1960 50 I; Idem, ..,conjoncture
économique et structure sociale en Amérique latine depu is I'époque coloniale .., in Conjoncture Economique.
Structure Sociales, Hommage à Ernest Labrousse, Paris, 1974,237-251; Vitorino Magalhães Godinho, ..A divisão
da história de Portugal em períodos .., in Ensaios !l, 2." ed., Lisboa, 1978. t2-14.
15
Deste modo, e em face de uma análise aturada da economia insular, parece-nos que a
mesma não se rege por princípios exclusivistas, de acordo com a premência das solicitações
externas. Antes pelo contrário, o seu desenvolvimento sócio-económico processou-se de
forma variada, sendo a exploração económica dominada por esses vectores dominadores,
confrontados com as condições e recursos do meio, com solicitações da economia de
subsistência. É difícil, senão impossível, conseguir definir um ciclo em que impere a
monocultura de exportação, num espaço amplo e multifacetado como é o mundo insular, ou
em cada arquipélago em particular. O espírito de inter-ajuda atrás enunciado é a prova cabal
disso. Os modelos, embora perfeitamente delineados, não se ajustam à realidade sócio-
-económica, que é extremamente variada e enriquecida de múltiplas matrizes. Embora
alguns produtos, como o trigo, o açúcar, o vinho e o pastel, surjam em épocas e ilhas
diferenciadas como os mais importantes e definidores das trocas externas, não são os únicos
na economia insular. A análise dos produtos na exploração agrícola comercial do mundo
insular comprovará esse facto.
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2. AS ÁREAS INSULARES A EXPANSÃO E O COMÉRCIO NO ATLÂNTICO: AS
ROTAS DE NAVEGAÇÃO E COMÉRCIO
e) Avelino Teixeira da Mota, «As rotas marítimas portuguesas no Atlântico de meados do século XV ao
penúltimo quartel do século XVJ.>, in Do Tempo e da História, III, 1970, 18-19: Frédéric Mauro, «Les routes
océaniques et la domination de I' Atlantique», in Études SUl' /' expansion portugaise 1500-1900, Paris, 1970,
98, 106,
(2) Pierre et Hughette Chaunu, Séville et l'Atlantlque , t. VII, 18-21; t. VIII, 349; Joaquim Navarro y
Morgado, Navegacián dei oceano Atlantlco( , , ,), Madrid, 1876: Derrotero de las islas Canárias y orchipiélago
de la Modera, Madrid. 1864; Glyn Daniel, The Atlantic Seaways (as rotas do Atlântico), Lisboa, 1961, sep. do
«Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa". Julho-Setembro de 1961: Ed. le Danais, L' Atlantique. Histoire et
vie d'un océan, Paris, 1939, 150-184,
e) São múltiplas as obras e estudos sobre as carreiras da Índia e Índias. Sobre a carreira da Índia e rotas
portuguesas no atlântico citaremos: Gabriel Pereira, Roteiros portugueses de Lisboa fiíndia /lOS séculos XVI e
XVII. Lisboa. 1898: Frazão de Vasconcellos, Subsídios para a história da carreira da lndia ao tempo dos Filipes.
Lisboa, 1960. António da Silva Rego, "Viagens portuguesas à Índia no século XVI», in , Aliais da Acad;mlll
Portuguesa de História, " série. vol. V. 1951. \09-242; Virgínia Rau , «Les escates de la carreira de India
(XVo-XVIIIo siécle) ... in X Colloque Maritime, Bruxelas. 1968; Avelino Teixeira da Mota, Jorge Borges de
Macedo c Frédéric Mauro. -Les routes portugaises de l'Atlantique , in Anuario de Estudos Americanos XXV, 1968.
129-151: José Roberto do Amaral Lapa. "Variação triangular da rota do Cabo (séculos XVI, XVII, XVIII). in
lbidem , XXV. 1968.507-513: Luís de Albuquerque. "Escalas da carreira da Índia .., in Revista da Universidade de
Coimbra. XXV\, 1978. 137-144, Sobre a Correra de las índias veja-se: Pierre Chaunu, art . cit.; Francisco
Morales Padrón ... Sevillu, Canarias y América". in Historia General de las islas Cal/ar/as, Il , 225-240: Augustin
Guimerá Ravina. «Canarias en la Carrera de Índias 1564-1778 .., in ibidem, II, 169-174, Uma primeira análise
comparativa das duas rotas foi feita por Artur Teodoro de Matos. "As carreiras da Índia e Índias no século XVI.
Esboço de estudo comparativo ... in VI Coloquio de Historia Canario-Americanu, Las Palmas, 1984 (no prelo),
(4) Sevltlav América, Siglos XVI -" XVI!. 43-48,
(5) Ibldem.'43-54: Francisco Mora1es Padrón , "Canárias en los cronistas de Índias .., ln A.E,A .. X. 1964.
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3
naus faziam aguada, procediam aos necessários reparos e se reabasteciam de lenha e géneros
imprescindíveis para a longa caminhada de um a dois meses. As ilhas de Tenerife, Gran
Canaria, Hierro, La Gomera e Lanzarote eram favorecidas com essa escala técnica, pois
para além de poderem escoar os seus produtos no abastecimento das naus, estava facilitada a
sua intervenção no comércio americano (6).
O arquipélago canário, nomeadamente a ilha de Tenerife, mereceu também a preferência
dos navegadores portugueses nas suas viagens ao Brasil, à costa africana e à Indiat").
Assim terá sucedido, por várias vezes, no século XVI, sendo de referir em 1530, a escala da
armada de Martim Afonso de Sousa em Tenerife e, em 1563, a viagem do jesuíta Sebastião
de Pinat").
As ilhas Canárias surgem, pois como uma importante base de aprovisionamento para as
naus portuguesas com destino ao Brasil, Cabo Verde, Guiné e Angola e, mesmo, como
relevantes entrepostos do comércio ilegal de escravos na costa africana (9).
Os ingleses serviram-se igualmente das Canárias como o ponto de apoio para as suas
navegações de comércio e corso nas costas africana e americana. Entre 1524 e 1600
contam-se treze viagens em que aportaram a este arquipélago, sendo de salientar a de John
Hawkins em 1564 e a de Francis Drake em 1581 eo).
A escala da rota de retorno das principais carreiras oceânicas passava obrigatoriamente
pelos Açores. Este arquipélago surge, desde princípios do século XVI, como o principal
ponto de apoio para essa navegação, sendo para os espanhóis as «Canárias de los
retomas» (11).
Ambas as escalas são imprescindíveis à navegação e comércio atlântico. As dificuldades
e delongas da viagem de retorno implicavam uma paragem retemperadora em pleno oceano,
onde fosse possível reparar os danos das embarcações, fazer o aprovisionamento de víveres
e de água. Por vezes os portos açorianos apresentavam-se como o reduto seguro para a
protecção e defesa de qualquer assalto corsário. Tudo isso oferecerá a praça de Angra, onde
a coroa portuguesa centralizou serviços e infraestruturas de apoio, como a Provedoria das
Armas, a partir de 1527et2 ) .
Segundo o testemunho de viajantes, na segunda metade do século XVI a cidade de
Angra, mercê de uma forte rede de fortificações e de bom porto de abrigo, era o principal
entreposto comercial do tráfego oceânico na rota de retorno. Pompeo Arditi, em 1567,
refere que "à ilha afluem muitos navios por ser mais cómodo à navegação do que qualquer
das outras; por isso nela tocam todos os vindos das Índias orientais e ocidentais, do Brasil,
São Tomé, Mina e Cabo Verde, a abastecer-se de mantimentos, parecendo que Deus põe
milagrosamente esta ilha no meio de tão grande oceano para salvação dos míseros
211-213; Manuel Lobo Cabrera, «Gran Canaria y Indias ( ... h in IV C.H.C.A., vol. I, 111-128; Clarence H.
Haring, Comercio y navegación entre Espana y las Índias, México, 1979, 23.
(6) Gaspar Frutuoso (Saudades da Terra. L;" I. 87) refere que o comércio, do vinho em Las Palmas se
desenvolveu pela necessidade que havia dele para abastecer os navios da carreira de Indias; veja-se infra II. a parte,
cap. II, sobre o comércio canário-americano.
n Pierre Chaunu, Séville et I'Atlantique, T. VIII, 378-380.
(8) J. G. Salvador, Os cristãos novos e o comércio atlântico meridional. S. Paulo, 1978, 241-242.
(9) Enriqueta Vila Vilar, "Las Canarias como base de aprovisionamento de navios portuguêses», in II
C.H.C.A .. vol, I. 1977, 287, 293; Idem, Hispanoamerica y el comercio de esclavos, Sevilha, 1977.
e o) Richard Hakluyt, The Principal navegations ( ... ), 12 vols., Glasgow, 1903-1905 (reedição de 1982),
t. VIII, 160, 297, 310, 407; t. IX, 361, t. X, 11-12,98, 184,204,452; t. XI, 44, 278, 384; J. W. Blake,
Europeans in West Africa, 1450-1560. voI. II, Londres, 1946, 250; Antonio Rume~ de Armas, Pirater~as y
ataques navales contra las islas Concrias, 5 vols., Madrid, 1947-1950; Idem, Los viages de John Hawkins a
Canarias, Sevilha, 1947.
(11) Pierre Chaunu, Sevilla y America. Siglos XVI y XVII. 44, 55-58.
(12) Artur Teodoro de Matos, "A Provedoria das Armadas da Ilha Terceira e a carreira da Índia no
século XVI, in /I Seminario Internacional de Historia Indo-Portuguesa (no prelo).
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navegantes, que muitas vezes lá chegam sem mastros nem velas, ou sem mantimentos e aí
e
se fornecem de tudo» 3 ) . Vinte anos volvidos Mosquera de Figueiroa corrobora esse
movimento do porto de Angra, dizendo que «es mucho el comercio com las Índias
Orientales y Ocidentalis, por ser escala importantissima para el refresco y refugio de sus
armadas, por tener en si agua en abundancia muy delgada y saludable» 4 ) . e
A participação madeirense na carreira das Índias foi esporádica. justificando-se esta
ausência pela posição marginal em relação à sua rota. Todavia a Madeira representa um
porto de escala muito importante para as navegações portuguesas para o Brasil, Golfo da
e
Guiné e Índia s ). Desde o século XV que ficou demarcada essa posição da escala
madeirense para as explorações geográficas e comerciais dos portugueses na costa ocidental
africana. Esta opção pela Madeira adveio dos conflitos latentes com Castela pela posse das
Canárias. A expansão comercial de finais do século XV, com a abertura da rota do Cabo,
veio valorizar mais uma vez esta escala aquém equador, surgindo inúmeras referências, em
e
roteiros e relatos de viagens. à escala madeirense 6 ) . Os mesmos ingleses que utilizaram as
Canárias tocavam com assiduidade a Madeira, onde se proviam de vinho para a viagemt").
A Madeira, como as Canárias, muito raramente foi escolhida como escala de retorno
- uma vez que essa missão estava, por condicionalismos geográficos, reservada aos
Açores. Todavia verificou-se ocasionalmente a escala das embarcações vindas da Mina.
Índia e Índias na Madeira. Em 1520 o monarca determinava o modo de transporte de carga
da nau de D . Diogo de Lima, originário da Índia, para o reino, enquanto em 1528 André
Soares. capitão de uma nau oriunda de Mina, reclamava ao provedor da fazenda . Aí
atacavam não só as naus do comércio americano e índico, mas também as embarcações do
comércio insular 1581, mas de acordo com a opinião de Filipe II essa prática era assídua
nestas últimas décadas do séculor!").
A posição demarcada do Mediterrâneo Atlântico no comércio e na navegação atlântica
fez com que as coroas peninsulares investissem aí todas as tarefas de apoio, defesa e
controle do trato comercial. As ilhas eram os bastiões avançados, suportes e símbolos da
hegemonia peninsular no Atlântico. A disputa pela riqueza em movimento neste oceano será
feita na área definida por elas, pois para aí incidiam piratas e corsários ingleses, franceses e
holandeses, ávidos das riquezas em circulação nas rotas americanas e índicas. Uma das
maiores preocupações das coroas peninsulares terá sido a defesa das embarcações que
sulcavam o Atlântico em relação às investidas dos corsários europeus. A área definida pela
e 3
)"Viagem de Pompeo Arditi ... », in B./B./.T., VI, 1968, 179.
e 4) "Conquista da Ilha Terceira em 1583», in Arquivo dos Açores. IV, 281. Idêntica é a opinião de J. H.
Linschoot cm 1589 ("História da Navegação ( ... )>>, in B.l.H./.T.. I, 1943, 154) de Gaspar Frutuoso (Ob. ctt..
lo" VI, 1963, 13) c do Pe. Manuel Luis Maldonado (Phoenix Angrense, cit. por Hélder Lima, Os Açores na
economia atlântica ( ... ), Angra do Heroísmo, 1978, 125-127). Veja-se ainda Marcelino Lima, Anais do
Município da Horta, Famalicão, 1940, 629; Ccsareo Fernandez Duro, La conquista de los Açores en /583,
Madrid, 1886, p. 9; Maria Olímpia da Rochu Gil, «O porto de Ponta Delgada e o comércio açoreano no
século XVII ( ... )>>, in Do Tempo I' da Histária, III, 1970, 67-70.
e s ) Pierre Chaunu, Séville et l'Atlantique, t. VIII. 442-448; José Gonçalves Salvador, ob, clt.. 242.
e 6
) Em 1508 a armada de Jorge de Aguiar com destino il Índill pllSSOU pelu Madeira (José Ramos Coelho,
Alguns documentos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo acerca das Navegações dos Portuguêses, Lisboa,
1892. 197), Veja-se Luis de Albuquerque, art. cit., 142; António da Silva Rego. art, cit.. 81; Frédéric Mauro. Le
Portugal et l'Atlantique ali XVlle siêclc, 490-491.
(17) J, W. Blake. Europeans in West A/rica. /450-/560, vol. II, Londres, 1942,250,327-328,361,398;
Richard Hakluyt, ob, cit.. l. VIII, 424, t. X, 11-12, 93, 266.
e s ) A.N.T.T .. C.C .. II. 89-137. carta régia de 26 de Abril de 1520, Ibidem, II, 153-26, auto de
requerimento de 17 de Dezembro de 1528.
(19) Joel Serrão, "Holandeses e ingleses em portos de Portugal no domínio filipino». in D.A.H.M.,
n.O 3, 9-13.
19
Península Ibérica, Canárias e Açores era o principal foco de intervenção do corso
europeu eo) sobre os navios que transportavam açúcar ou pastel ao velho continente 1 ) , e
Sendo o ouro, a prata e as especiarias orientais os principais alvos da cobiça dos
corsários, lógico será admitir que a intervenção destes se fizesse em particular entre os
Açores e o Cabo de S, Vicente (22), Foi tendo em conta essa insegurança das embarcações e
das ilhas açorianas que, em 1543, Bartolomeu Ferraz traçou um plano de fortificação desse
arquipélago, justificado, segundo ele, "porque as ilhas Terceiras importarão muito assv pelo
que per ssy valem como por serem o velhacoute e socorro muy principal das naos da Índia e
os franceses sserem tão dessarrozoados que justo vel injusto tomão tudo que podem» 3 ) . e
Outra e não menos importante preocupação das referidas coroas incidia sobre o comércio
ilegal que aí se fazia com as mercadorias do Novo Mundo rê"). Deste modo as necessidades
da defesa e da vigilância, bem como da guarda e da protecção das armadas ou frotas
implicaram a criação de estruturas capazes de manter com segurança e vantagem o
monopólio comercial ibérico.
Desde o início da escala das rotas que esta situação de insegurança se evidenciará, pelo
que ambas as coroas delinearam, em separado, um plano de defesa e apoio às suas
embarcações. Da parte portuguesa promulgara-se em 1520 o regimento para as naus da
lndia nos Açores, no qual se estabelecem as formas de intervenção à chegada das naus da
Índia ao arquipélago. Define-se nesse diploma o modo de segurar a mercadoria das mãos do
contrabando e corso, o abastecimento necessário para a viagem até Lisboae s). A insu-
ficiência destas prerrogativas tornou necessária e urgente a Provedoria das Armadas da
Índia, Brasil e Guiné, sendo seu provedor, desde 1527, Pera Anes do Canto. Depois, a
partir da década de 30, procurou-se delinear um plano de defesa das principais ilhas do
arquipélago, com particular incidência para os portos de apoio de Angra, Ponta Delgada e
Horta.
Ao provedor competia a superintendência de toda a acção de defesa e abastecimento
das embarcações em escala ou em passagem pelos mares açorianos 6 ) . Além disso a sua e
acção de apoio alargava-se à Armada das Ilhas, criada expressamente para comboiar, desde
o Corvo até Lisboa, as embarcações vindas do Brasil, Índia e Mina, e a fiscalização do mar
dos Açores. No período de 1536 a 1556 há notícia de pelo menos doze armadas terem sido
eo) Avelino Teixeira da Mota, "As rotas marítimas portuguesas ... »,28.
e l
) Só em meados do século XVI os corsários franceses tomaram 30 navios espanhóis e portugueses
carregados com açúcar para Flandres; M. Mollat, Le commerce maritime normand ( ... ), 502. Veja-se António
Rumeu de Armas, oh. cit., Frédéric Mauro, oh. cit., 447; Maria Olímpia da Rocha Gil, O arquipélago dos Açores
110 século XVII ( ... ), 307-352; Elias Serra Rafols, «Introduclón», in Acuerdos dei Cablldo de Tenerife, IV,
pp. IV-V; Manuel Lobo, Protocolos de Alonso Gutierrez, 11-12; "Defesa da navegação de Portugal contra os
Franceses 1552 » , in Arquivo Histórico Português, VI, 1908, 161-168; v. Fernandez Asis, Epistolario de Filipe /I,
Madrid, 1943, passim; Antónia Haredia Herrera, Catálogo de las consultas dei Consejo de Indias, 2 vols.,
Madrid, 1972.
(22) Há notícia da presença francesa ao largo dos Açores em 1543, 1551, 1552, 1553, 1557-1561, 1571,
1577, 1581, 1583, 1587, 1590-1591. Veja-se nota 21 e A.G.I. Real Ratronato-gobierno, leg. 268, fls. 283-90
«Archivo General de Índias .., in Boletim de Fi/moteca Ultramarina Portuguesa, n.? 26, 1964, 68-70; A.G.I..
Secretaria de Estado leg. 371. doe. 84, Ibidem, n.? 45, 1971,260,
e 3 ) A.N.T.T., Cartas Missivas, maço 3, n.? 205, s.d., earta de Bartolomeu Ferraz, pubI. in Arquivo dos
Açores, V, 364-367.
e 4 ) Eufemio Lorenzo Sanz. oh. cit., voI. II, 123, 127. 330-342.
e s ) A.N.T.T., Leis, maço 2, n.? 167, publ. in Arquivo dos Açores, II, 29-33.
e 6
) Artur Teodoro de Matos, "A Provedoria das Armadas da ilha Terceira ( ... )>>
20
enviadas nessa missãot"). E, entre 1531-1535, Duarte Coelho era capitão-mar da armada
no Atlântico, tendo-se deslocado em Abril de 1535 com os seus navios aos Açores, onde
permaneceu até Julho r'"),
Por vezes essa armada não chegava atempadamente aos Açores ou os poucos navios
que aí chegavam eram insuficientes para a defesa das frotas, pelo que o provedor era
forçado a armar ou fretar embarcações para a referida missão. Assim sucedeu entre 1532 e
e
1555 por onze vezes 9 ) . Esta incerteza da vinda da armada das ilhas e a presença constante
dos corsários franceses levaram o provedor, em 1537, a apresentar ao monarca um plano de
construção de caravelas para a referida armada nas ilhas eo). Aliando a este projecto de
criação de uma armada insular surge, em 1543, o plano de defesa dos Açores, traçado por
Bartolomeu Ferraz, como forma de dissuasão aos corsários franceses C"). Todavia só muito
mais tarde, em face do agravamemto da acção dos corsários nórdicos e franceses, se tornou
possível a concretização desse plano de fortificação das ilhas, com a construção dos castelo
de S. Brás (1553) no porto de Ponta Delgada, do Castelo de S. Sebastião (1572) na baía do
Porto Pipas (Angra) e de um baluarte (1572) na baía da Horta (32).
Sendo a Terceira o mais importante porto de escala da Carreira das Índias, os monarcas
espanhóis viram-se, por diversas vezes, na necessidade de solicitar o apoio do provedor das
armadas às embarcações espanholas que por aí passavam r'"). Mas o menosprezo português
ou a necessidade de uma guarda e uma defesa mais eficazes das armadas da América
exigiram uma reorganização do sistema de frotas da Carreira de las Indias. Assim desde
1521 estas passaram a representar uma nova estrutura organizativa e defensiva, primeiro
com a criação do sistema de frotas anuais armadas ou ocasionalmente escoltadas por uma
armada protectora, depois, a partir de 1555, com o estabelecimento de duas frotas anuais
para o tráfico americano: Nueva Espãna e Tierra Fiermee 4 ) . Para além desta regulamentação
rigorosa das frotas definira-se, desde 1521, a necessidade da sua escolta na área definida
pelo Cabo de São Vicente, Canárias e Açores. A partir de então as armadas espanholas
passaram a surgir com frequência nos Açores, a aguardar as naus da Índiae S ) .
(27) Ibidem: conhecem-se os regimentos dados em 1572 e 1575 a Pedro Correia de Lacerda, veja-se Artur
Teodoro de Matos. Os Açores e a carreira das Índias no século XVI, 965.
Para o conhecimento da acção desta armada confronte-se Gaspar Frutuoso, oh. cit .. 1.0 IV, cap. XXI; Maria
Olímpia da Rocha Gil, O Arquipélago dos Açores no século XXVII, 350-352.
es) Avelino Teixeira da Mota, "Duarte Coelho, capitão mor de armadas no Atlântico (1531-1535)", in
/I Colóquio Luso-Brasileiro de História do Brasil, publ. in Revista das Ciências do Homem, vol. IV, série A,
Lourenço Marques, 1972, 301-352.
(29) Artur Teodoro de Matos, "A Provedoria das armadas da ilha Tereeira( ... )"
eo) A.N.T.T., C.C., 1-49-91, carta régia de 1 de Setembro de 1532, publ. in Arquivo dos Açores, I,
120-121.
e t
) Documento já citado na nota 24.
e 2 ) A.N.T.T., C.C. rV-37-12, 23-III-155I, carta de Manuel Nunes Ribeiro ao rei, publ. in Arquivo dos
Açores, III, 18; B.A.P.D. Fundo Ernesto do Canto, ms 10, "Extractos de documentos michaelenses», vol. VIII,
n." 219, carta régia de II de Julho de 1572; Francisco Ferreira Drumond, Anais da Ilha Terceira, 1,649; Gaspar
Frutuoso, oh. cit., 1.° Vl, 23; G. Perbellini, «Fortificazioni delle isole di Sâo Miguel e Terceira nell'archipé1ago
delle Açores", in R. Castellum, n.? 13, Roma, 1971.
C3 ) Assim sucedeu em 1518, 1547, 1548 e 1571; veja-se Artur Teodoro de Matos, Os Açores e a carreira
das índias no século XVI, 100-101. No período de 1518 a 1598 há notícia da escala e assistência, por quarenta
vezes, à armada da América na Terceira, tendo-se guardado em terra, por dezoito vezes, ouro e prata. Veja-se
ainda Manuel Gonçalves da Costa, "Mártires jesuítas nas águas das Canárias (1570-157]) .., in A.E.A., V, 1959,
445-482.
e 4
) Eufemio Lorenzo Sanz, oh. cit .. vol. II, 275-282.
CS ) Há notícia da presença de uma armada real nos Açores em 1530-1532, 1537, 1539, 1552, 1554-1557,
1559.1561,1571,1572,1579-1581,1583,1587, 1590-1598; veja-se Antónia Heredia Herrera, oh, cit., vol , I,
21
A escolta das frotas das Índias espanholas mereceu maior atenção da coroa peninsular
nas duas últimas décadas do século XVI, mercê do reforço das investidas dos corsários
franceses, holandeses e ingleses. Depois da invasão de Portugal pelas tropas de Filipe II,
importantes almirantes da armada espanhola passaram a surgir com assiduidade no mar
açoreano a capitanear armadas de defesa e protecção das referidas frotas. Assim, foram
incumbidos dessa missão Don Álvaro Bazan (1580, 1590-1591), D. Pedro de Valdés (1581)
e o Marquês de Santa Cruz (1587)(36).
Conhecida e sistematizada a importância destes arquipélagos na navegação e comércio
Atlântico, importa discernir qual o impacto deste movimento na sociedade insular e qual a
paricipação dos insulares nesse trato de mercadorias, sob a forma de contrabando ou não.
Muitos estudiosos têm afirmado o reduzido proveito de algumas ilhas que desempenharam
um papel de relevo neste trato, como sejam as ilhas açorianas. Todavia as principais
contrapartidas económicas da intervenção destas ilhas assentam, fundamentalmente, na
prestação de serviço a essas rotas. Se a partir da Madeira e das Canárias estava facilitada a
actuação dos insulares com o Novo Mundo, por meio da produção local do vinho, cereais e
queijo, nos Açores apenas se verificava uma intervenção de apoio ou então uma intromissão
no contrabando das especiarias, açúcar, ouro e pratar"). As possibilidades de comércio
directo esbarravam com um apertado sistema de vigilância e limitação criadas pelas coroas
peninsulares, que impossibilitava seu desenvolvimento. Deste modo para o ilhéu o maior
benefício terá resultado de uma remuneração indirecta por meio do abastecimento das
embarcações em escala, da faina de apoio e reparo das mesmas. Pelo menos esta era a
situação que se vivia na ilha Terceira, como nos retrata Pedro Frias em finais do
século XVI: «a gente desta Ylhas eram inclinadas a seu jnteresse do qual vjvjam e se
sostentavão êj era vemderem has armadas de Castela e de Portugal, as crjações, os frutos,
que Recolhjam e os oficjaes suas obras que tjnham p.to pera o tempo das frotas e nam
podjam vjver sem esta comunjcaram» s ). e
O aprovisionamento das naus das diversas frotas que sulcavam o Atlântico era uma
preocupação constante das coroas peninsulares, pelo que nos diversos regimentos para as
referidas frotas e para as estruturas de apoio nestas criadas nos arquipélagos era dada a
especial importância a esse serviço r'").
Os arquipélagos madeirense e canário tiveram uma acção muito influente no aprovi-
sionamento das naus da Índia em vinho, legumes frescos, carne, água e lenha. No caso das
Canárias essa situação é-nos descrita, de modo exemplar, por Gonzalo Fernándes de Oviedo
103, 141, 323-326; vol. II, passims; V. Fernandez Asis, oh. cit., pp. 34-35, 59-60, 63-64, 148, 349; Artur
Teodoro de Matos, ibidem, pp. 100-102.
e 6
) V. Fernandez, oh. cit., /z.o 673,686,704, 1802, 136, 142; Antónia Heredia Herrera, ob. cit .. vol. I,
n.? 870, 872-873 (23 a 24 de Maio de 1581); Archivo General de Simaneas, Guerra Antigua, Legajo 104, doe.
13,17,18,25,148,241 (Junho a Julho de 1580); lbidem, legajo 250, doe. 10,23-27 (Julho a Agosto de 1589). A
armada que saíu a 8 de Abril de 1581 era composta de sete navios. dirigindo-se cinco para São Miguel, um para a
Terceira e o outro à Madeira ("Archivo General de Sirnancas» in Boletim da Filmotcca Ultramarina Portuguesa,
n.? 38 a 40, 1969, 29-31).
e 7
) Artur Teodoro de Matos, Os Açores e a carreira das Índias 110 século XVI, 105-106; Idem. "A
Provedoria das Armadas da ilha Terceira ..... ; Maria Olímpia da Rocha Gil. ibidem 339-364.
eH) Pedro Frias, Crónica dei-Rei D. António. Coimbra, 1955, 31.
e 9
) Tenha-se em consideração o regimento para as naus da Índia nos Açores de 1520, bem como o
regimento da armada capitaneada por Fernão Soares (A.N.T.T. Gavetas, 15-20-1. cit, por José Ramos Coelho,
ob. cit .• 1160-1183). Segundo Luis de Figueiredo Falcão (Livro em que contem toda a fazenda ( ... ), Lisboa,
1859, 200 e 205) o mantimento e apetrechos de uma nau de quinhentas e cinquenta toneladas com duzentos e
cinquenta soldados e cento c doze tripulantes orçava em trezentos e cinquenta e quatro mil reis. Sobre a
alimentação a bordo veja-se: Moreira Braga, "Perspectiva sobre a alimentação a bordo de uma caravela portuguesa
no século XVI», in Aliais do Clube Militar Naval. n.? 113, 1983.381-390; Jean Merrien, A vida quotidiana dos
Marinheiros no tempo do Rei-Sol. Lisboa, s.d., 87-90.
22
em 1534: «Tornando el viaje deste camino de muestro Índias, digo pues que de una destas
siete islas en especial de Gran Canaria, o la Gomera, o la Palma (porque estan en mas
derecha derrota y alproposito, e som fertiles a abundan de abastimentos y de lo que
conviene a los que esta larga navegación haccen tomam alli los navios refresco agua e lena e
pau fresco e gallinas, e pescados sallados e pagos que las naos saean de Espana» (40).
Na Madeira habitualmente faziam escala as naus portuguesas da rota da Mina, Brasil e
Índia, que aí se abasteciam de vinho e lenha; por vezes, muitas embarcações espanholas
também apartavam à ilha antes do habitual refresco das Canárias. Assim sucedeu em 1498
com a expedição de Colombo (41). Esse serviço de apoio às embarcações portuguesas era
assegurado e pago pelo provedor da Fazenda da Ilha (42). Dele apenas se referencia, em
1517, a entrega de oitenta arrobas de lenha a uma nau que se dirigia à Índia e do envio ao
reino, em 1531, de duzentas pipas de vinho para a frota da Índia (43). Por vezes as
embarcações escalavam a ilha para tomar o vinho necessário para a viagem. Aliás não foram
só os portugueses que utilizaram o vinho madeirense na ementa das naus que sulcavam o
Atlântico, pois também os ingleses o fizeram por diversas vezes; é o caso, em 1533, da
escala de Richard Eraen na sua viagem à Guiné, que tomou algumas pipas de vinho no
Funchal (44). A Madeira também provia as embarcações de retomo que por aí passavam;
assim sucedeu em 1528 com uma nau régia capitaneada por André Soares, procedente de
Mina, que recebeu do provedor da fazenda biscoito, pescado, azeite e vinho para sustento
dos dezoito tripulantes, no período de vinte dias de viagem até Lisboa (45).
As embarcações régias que iam à Madeira carregar açúcar para o reino ou principais
praças italianas e flamengas eram igualmente abastecidas pelo almoxarifado dos quartos e
quintos conforme a duração da viagem e número de tripulantes (46). De acordo com o
regimento de 1520 o almoxarifado do Funchal deveria assegurar o reparo e abastecimento
dos navios. Esse aprovisionamento era atribuído de acordo com a demora do percurso;
assim, os que se dirigiam ao reino recebiam mantimentos para vinte dias, sendo de quarenta
dias para poente e sessenta para o levante (47); esses mantimentos consistiam em carne,
peixe, biscoito e vinho e eram distribuídos em rações individuais à tripulação. Em 1508 há
informação da ração completa da nau «S. Martinho» com quarenta e cinco tripulantes que se
dirigia para o levante; cada tripulante recebeu duas arrobas de biscoitos, dois almudes e
meio de vinho, duas pescadas e meia e uma arroba de carne (48).
Nos Açores, desde 1520 que o referido abastecimento às naus da Índia, Brasil, Mina e
Guiné fora regulamentado, ficando essa missão a cargo do provedor das armadas. O dinheiro
para essas despesas era retirado das receitas do almoxarifado de Angra, tendo-se fixado em
1539 no valor de quarenta mil reais o quantitativo máximo a despender nesse serviço (49).
(40) G. Fernandez de Oviedo, I, lib. 2, cap. 9, p. 36, cit. por Pierre Chaunu, Sévllle et 'Atlantique, t. VIII,
vol. I, 354(4).
(41) Bartolomeu de Las Casas, História de Las índias, vol. I, México. 1981, 496-497.
(42) A.N.T.T., C.C .. 11-87-162. 20 de Fevereiro de 1520. treslado do regimento do almoxarife e oficiais
dos contos.
(43) lbidem, II, 69-71, 25-IV-1517; ibidem, 11-166-13. 9-XII-1530.
(44) J. W. Blake, ob. cit.. vol. II. 314.
(45) A.N.T.T., C.C .. II-I 53-26, 17-XII-1528.
(46) Idem. NA .. n." 903, foI. 12; Idem, C.C., II-72-Il. 20-VII-1508; Ibidem, II-15-52, 30-VIII-1508;
lbidem, II-159-28, 7-X-1529.
(47) Ibidem, II-87-162, 20-II-1520.
(48) lbidem, I1-15-52, 30-VIII-1508.
(49) B.P.A.P.D., Fundo Ernesto do Canto, ms 78, t. I. l ." parte. fls. 2-2 v." e I. I, 2. a parte, fls. 42-43,
provisões de II de Agosto de 1539 e 19 de Maio de 1548. Por vezes há até grandes dificuldades no pagamento.
Veja-se Artur Teodoro de Matos, "A Provedoria das Armadas na ilha Terceira ... »
23
Em 1523 o refresco da caravela "Santo António», capitaneada por Pedro Camelo, custou
quatro mil e seiscentos reais, tendo o dito recebido seis carneiros, duas dúzias de galinhas,
uma arroba de azeite, pão fresco, madeira e lenha (50).
A assiduidade da escala terceirense, a partir do fim do segundo quartel do século XVI,
aliada à conjuntura difícil da produção cerealífera terceirense, vieram causar dificuldades à
acção de reabastecimento das naus. As insuficiências de gado, pescado e trigo na Terceira
obrigavam o provedor das armadas a adquirir estes produtos nas ilhas vizinhas, designa-
damente em S. Miguel, S. Jorge, Faial e Pico (51).
Em certa me-dida, e de acordo com a opinião do Pe. Manuel Luis Maldonado, esta
escala apresentava-se proveitosa para o burgo angrense, uma vez que com ela se adquiriram
moeda e metais preciosos a troco de carne, panos, fruta, pão, vinho, legumes e peixe (52).
Todavia, a imposição da obrigatoriedade do fornecimento das naus em escala da armada das
ilhas apresentava-se como um pesado encargo para os açorianos.
(50) A.N.T.T" C.C., III-7-111, 27 de. Julho de 1523, carta de Pero Camello Pereira ao contador, com
recibo, publ. Arquivo dos Açores, II, 42.
(51) Gaspar Frutuoso, oh. cit., L." VI, 13,57-59, Artur Teodoro de Matos, «A Provedoria das Armadas da
ilha Terceira ..... ; Alberto Vieira, «A questão cerealífera nos Açores nos séculos XV-XVII (,. ')", in Arquipélago,
série História e Filosofia, vol. VII, 1985, 135-136, 142-143.
(52) B.P.A.A.H., Fenix Angrense, alento 3. 0 , fl. 96, cit por Artur Teodoro de Matos, Os Açores e a
carreira das índias no século XVI, 104; B.P.A.P.D., Fundo Ernesto do Canto, ms. 29, fls. 7-21, 28-II-1574,
carta do colégio de Angra para as mais províncias.
24
SEGUNDA PARTE
4
PÀ<ilNA r~ BI!ANCO
o COMÉRCIO INTER-INSULAR
I. FACTORES
27
adequadas (almoxarifado, provedoria da fazenda) e com a colaboração das instituições
locais (a vereação) exercia esse controle e ditava as medidas necessárias ao cumprimento e
manutenção da sua política económica.
Tendo em conta que a primeira situação mereceu já tratamento adequado por especia-
listas de renome, apenas nos deteremos sobre a segunda, encarada, é certo, ao nível do
mercado insulare).
A economia insular, como vimos, estrutura-se na consonância dos vectores marcantes
da política expansionista europeia, com as diferenças ou as assimetrias resultantes da
estrutura do solo, do clima e do seu posicionamento geográfico. Todo este conjunto de
factores definirá um processo peculiar de cada grupo destas ilhas. De acordo com esse
dimensionamento teremos a definição e regulamentação das actividades económicas da
sociedade insular. Há necessidade, por parte das administrações central e insular, de exercer
um estrito controle destas actividades nos seus múltiplos aspectos, no sentido de assegurar o
cumprimento de uma dada política, acima referida.
Esta preocupação é constante e abrange todos os sectores de actividade. As autoridades
municipais e régias intervêm na produção, no processo transformador das matérias-primas,
na distribuição e no comércio dos produtos locais e estrangeiros. O município legisla sobre
a forma de postura e de acórdão, regulamentando com minúcia todas as actividades
sectoriais acima enunciadas; a coroa, por sua vez, através das instituições próprias, intervém
por meio de regimentos e alvarás. Deste modo os produtos e as actividades que definem a
economia de subsistência e de mercado sujeitavam-se ao intervencionismo municipal e
régio; esta actuação regia-se pelos princípios básicos da comunidade insular de provisão,
qualidade, preço, peso e medida adequados desses produtos.
As repartições régias surgem, muitas vezes, como mecanismos coarctivos, tendo como
finalidade básica a defesa do património real. A sua acção tem como princípio impedir a
vigência e generalização de práticas fraudulentas e lesivas desse património. O contrabando
surge, neste circuito, ao mesmo tempo como causa e consequência deste apertado sistema
de controle de produtos no mercado insular, pois, como é bem sabido, a excessiva
regulamentação dos mecanismos de troca, para além de entorpecer e de retardar esta, cria 0'1
toma inevitável o aparecimento de circuitos paralelos. Ao mercador insular e europeu não
satisfazem estas medidas intervencionistas da coroa e do município, pois limitam o seu
restrito campo de manobra e oneram a sua acção; daí que ele actue de modo a poder ter uma
intervenção activa na formulação das normas, ao mesmo tempo que se serve de subterfúgios
para contrariar as leis e normas vigentes.
Como atrás enunciamos, este intervencionismo é geral, uma vez que atinge os vários
sectores de actividade: produção, actividade artesanal ou transformadora e comércio. De
seguida daremos conta dessa intervenção, de modo separado, de acordo com os referidos
sectores de actividade e com os produtos, ou seja, com as componentes da economia
insular.
Produção
A intervenção das autoridades inicia-se com a distribuição das terras para arrotear, em
que se define não só o proprietário, a forma de sucessão e os limites das arroteias, mas
também os produtos adequados para o seu cultivo e).
Esta última situação resultava, em
e) Para Portugal veja-se Fernando Navais, Estrutura e Dinâmica do Sistema Colonial (séculos XVI-XV/lJ.
Lisboa, 1978; Manuel Nunes Dias, O capitalismo monárquico português, 2 vols, Coimbra, 1964. Para Espanha
temos: C. H. Haring, Comercio y navegacián entre Espana y las Índias. 2." edicão. México, 1979; Francisco
Morales Padron, EI comercio canario americano (siglas XVI. XVlI Y XVlIl) , Sevilha, 1955: Idem. Sevilha
Canarias y America, Gran Cariaria, 1970, Eufemio Lorenzo Sanz, Comercio de Espana com America en la época
de Filipe 1/, 2 vols. Valladolid, 1979-1980.
e) Acerca da repartição das terras veja-se Fernando Jasmins Pereira, A ilha da Madeira no período
28
primeiro lugar, de política expansionista europeia e, em segundo, da necessidade de
assegurar a subsistência das ilhas. No primeiro caso salienta-se o lançamento de produtos
coloniais, componentes fundamentais do comércio atlântico: o açúcar e o pastel. O mesmo
sucede no segundo, com a transplantação dos componentes fundamentais da dieta europeia-
-mediterrânica: a vinha e os cereais.
De acordo com estes dados temos conhecimento de algumas situações bem claras.
Assim, na Madeira, em 1492, recomendava-se o plantio das terras aráveis com trigo ou
cevada enquanto, em 1508, se ordenava que «se nam rompa em toda essa ylha terra pera se
em ella se ave r de lavrar e semear pam nem pera outra alguüa cousa somente pera se
fazerem canaveaes pera açuquares» e).
Na ilha de S. Miguel definira-se, em 1532, que as
terras de cultura estavam reservadas para o trigo e pastel, principais produtos da economia
micaelense (4). No que respeita às Canárias é significativa a actuação dos governadores de
Tenerife e Gran Cariaria, o primeiro apostado na cultura da cana do açúcar e o segundo num
conjunto de culturas capazes de assegurarem a subsistência e um comércio rendoso (5).
O incentivo à produção açucareira, na Madeira e nas Canárias, derivava das facilidades
do seu rápido escoamento e, igualmente, da criação de condições para o normal andamento
das tarefas agrícolas e da laboração dos engenhos; por isso se regulamentou o uso das águas,
a construção de levadas, o corte e o transporte da lenha e o reparo dos engenhos (6).
Definido o proprietário, o regime de exploração e o produto adequado ao solo e às
necessidades do momento, não estava ainda concluída a intervenção das autoridades, uma
henriquino. Lisboa. 1959. Sep. de Ultramar; Id .. Alguns elementos para (1 estudo da Histária económica da
Madeira (capitanin do Funchul, século XV). Coimbra. 1959, pp. 87-115; Eduardo Aznar Vallejo , La integracián
de las islas Canarias en la <'01'0110 de Castllla (/478-1526), La Laguna, 1983; Elias Serra Rafais, Las datas de
Tencri]e, La Laguna. 1974, Elias Rafols e Leopoldo de La Rosa, Reformacián deI repartimiento em Teneri]e em
1506. La Laguna de Tenerife, 1963; Scbasuin Jiménez Sanchez, Primeros repartimientos de tierras y aguas en
Grun Canaria, Las Palmas, 1940.
e) A.R.M. C.M.F" Registo geral, t. I, fls , v." ; 291. Regimento sobre a lenha dado à Madeira em J8 de
Agosto de 1508, publ, iII A,H.M" Vol. XVIII, 1974, p. 508.
(4) B.r.A.p.D., C.P.A" L.0 3 de registo, fi. 98 -». Note-se que em 1576 o elevado preço de carne em
Ponta Delgada era justificado por seu termo ser «caje toda a terra delle aproveitada de pastes e terras de parn»,
(Id., ibidem, L. "4 11. 83 v.", «capítulo de uma carta régia àcerca do talbo da carne", publ. in Arquivo dos Açores,
vol. III, p. 55).
(5) Veja-se Emma González Yancs, -Irnportación y exportación en Tenerife, durante los primeros anos de la
conquista (l497-1503)", in Revista de Histário, n." 101-104. pp. 79-91; Leopoldo de La Rosa «EI repoblamiento
do los Reinos de lcod y Dautc», in Estudios Cunarios XIV-XV, 1968-1970, 35-43 Manuela Marrero, «Los
l1amengos en los cornienzos hispânicos de Tcnerifc». in Studi ln memoria di Frederigo Melis, t. 1II,1978, pp.
587-588; idem, «Algunas consideracloncs sobre Tcncrife cn el primer tercio dei siglo XV]", in A.E.A" n." 23
1977, pp. 373-374.
As datas de terra em Tenerife documentam de modo esclarecedor essa situação. Veja-se Elias Serra Rafols,
Las datas de Tencri]e, La Laguna, 1974.
(6) Na Madeira a regulamentação do corte de árvores foi estabelecida pelos regimentos de 15 de Janeiro de
1515,27 de Agosto 1562 (Veja-se Álvaro Rodrigues de Azevedo, «Anotações" in Saudades da Terra. Funchal,
1873, 436-471). As posturas da câmara do Funchal de 1587 apresenta um título sobre os engenhos cm que se
rcgulumenta o transporte de lenha e madeiras para os engenhos (A.R.M., C.M.F" Livro de Posturas, 11. 68-71).
O mesmo sucede em Tenerife e Gran Cunaria. Veja-se Miguel Angel Ladero Quesada, «Ordenanzas municipales
y regulacion de la actividade ccónomica en Andalucia y Canarias. Siglos XIV-XVII", in II C.H.C.A" vol. II,
pp. 142-156. Quanto às águas, na Madeira e regulamentação da sua distribuição e aproveitamento fez-se desde os
inícios do povoamento com o Infante D. Fernando, em 1461, seguindo-se outras medidas legislativas no mesmo
sentido. Veja-se Álvaro Rodrigues de Azevedo, ob clt., p, 673; Fernando Augusto da Silva, «Águas» in
Elucidario Madeirense, vol. I, 1940, pp. 24-25; lei" "Levadas" in oh cit, vol. II, 1945,242-243. Nas Canárias
estas mereceram igual atenção das autoridades locais, tendo-se regulamentado a sua distribuição por posturas.
Veja-se Marcos Guimcrá Pcraza, Reglmen jurídico de Las aguas en Canarias, La Laguna de Tenerife, 1960;
Francisco Morales Padron , Ordenanzas del conccjo de Gran Canaria (l53/), Las Palmas, 1974, 30; José Peraza
de Ayala, Las Ordenanzas de Tenerife ( ... ), Santa Cruz de Tenerife, 1976, V, 12, VII, VIII, 6; X 1 a 27. Em
Tenerife , o cablldo definira em 1508 não só o modo de funcionamento dos engenhos, por meio de ordenança, mas
também a forma de apanhar II cana de açucar. (Acuerdos dei cabildo de Tenerife, II, 1952, n.? 1, p. 1, acórdão de
27 de Maio de 1508; ibld., 13, p. 9, acórdão de II de Agosto de 1508).
29
vez que estas pretendiam não só assegurar a sua manutenção, mas também a qualidade e
preços condignos.
A defesa e manutenção da qualidade do produto colhido no solo insular é uma das
constantes da actuação das autoridades régias e locais, atingindo especialmente os produtos
da exportação: o vinho, o pastel e o açúcar. A todos se definiam, por regimentos
específicos, as tarefas de cultivo, do cuidado e da laboração final do produto, de modo a
que este se apresentasse nas condições e quantidades necessárias para a sua comercialização.
Assim, para o pastel aparece nos Açores o regimento de 1536, em que se estabeleciam
normas para a sua cultura e laboração, ao mesmo tempo que se criavam cargos de
aldeadores para assegurar o seu cumprimento e).
Idêntica é a situação na Madeira e nas
Canárias com o açúcar, que é alvo de constantes regulamentações e de um controle assíduo
dos aldeadores para o efeito eleitos em vereação (8). Deste modo, o monarca D. Manuel,
para garantir a boa qualidade do açúcar madeirense de exportação e assegurar o seu crédito
no mercado europeu, ordenara, em 1485, que todo o mestre de açúcar deveria ser
examinado e aprovado por três homens bons, ao mesmo tempo que estipulava a obrigato-
riedade de uma vistoria qualitativa ao açúcar, após a sua laboração, por oficiais competen-
tes: os aldeadorest").
O engenho, estrutura industrial complexa e fundamental para a laboração do açúcar,
era o centro de toda a actividade açucareira e mantinha-se activo os doze meses do ano.
Enquanto durava a safra, de Janeiro a Junho, tinha intensa actividade com a laboração do
açúcar; nos restantes meses aproveitava-se a disponibilidade para as necessárias reparações,
abastecimento de lenha e víveres para a safra seguinte. Uma mão de obra especializada
assegurava as principais tarefas da sua laboração: mestre de açúcar, caldeireiro, purgador,
espumeiro, refinador, caixeiro, etc.; entretanto um grupo numeroso de almocreves garantta
a referida laboração, fornecendo as canas e lenha eo).
Deste grupo numeroso de assalariados dependia o funcionamento do engenho e bem
assim a qualidade do produto laborado. Daí que as autoridades municipais tenham acautelado
esta situação ao regulamentarem exaustivamente, por postura, as principais tarefas. Ao
mesmo tempo exigia-se que os ofícios empenhados nessas actividades fossem examinados e
aprovados pelas autoridades competentes (11). Francisco Morales Padron refere, a propósito,
que nas ordenanças de Gran Canaria (1531) tudo gira em torno do açúcar 2 ) . e
(7) L. 0 de registo, 1568-1603, fls. 191-195, 13 de Outubro de 1536, «Regimento sobre o beneficiar do
pastel e enleição dos lealdeadores», publ. por Maria Olímpia da Rocha Gil, «Os Açores e a IIOW/ economia de
mercado (séculos XVI-XVl/) , in Arquipélago, III, 1981, Série Ciências Humanas, pp. 393-400. Veja-se ainda
Francisco Carreiro da Costa, A cultura do pastel nos Açores. Subsídios para a sua história, Ponta Delgada, 1966,
Sep. do B.C.R.C.A .. n.? 4 (1966).
(8) Para a Madeira veja-se Fernando Jasmins Pereira, Alguns elementos para a História Económica da
Madeira ( ... ), pp. 107-115, 129-138; Maria do Carmo Jasmins Pereira Rodrigues, O açucar na ilha da Madeira
(século XV/), Lisboa, 1964, pp. 38-46. Para as Canárias temos; Maria Luisa Fabrellas, "La produción de açzucar
en Tenerife .. in Revista de História, n.? 100 (1952),468-469; Guilhermo Camacho y Perez Galdós, "EI cultivo de
la cana de azúcar y la industria azucarera en Gran Canaria (1510-1535) .. in A.E.A .. n.? 7, 1961, 37-38.
(9) A.P.M., C.M.F., Registo Geral, t. I, fi. 219, 17 de Dezembro de 1485, Regimento sobre aldeamento do
açucar, publ. in A.H.M.. XV, pp. 192-195. Para o conhecimento da orgânica de funcionamento desta prática
veja-se Fernando Jasmins Pereira, ibid., 134-137; Maria do Carmo Jasmins Pereira Rodrigues, ob, cit., pp. 40-46.
A negligência dos aldeadores e da população em geral obrigaram D. Manuel I a recomendar com assiduidade esta
prática e enviar novo regimento em 1501 (A.R.M., C.M.F., Registo Geral, t. I. fls., 185 v.0-187, publ. in
A.H.M., XV, pp. 416-417. Ao mesmo tempo impunham-se pesadas penas aos infractores, que iam até à perda do
açúcar.
eo)' Veja-se Guilhermo Camacho y Pérez Galdós, ob cit., 35-39; Eduardo Aznar Vallejo, ob. cit., 392-401.
(11) Para a Madeira foi regulamentado por postura de 1587 (A.R.M, C.M.F .. L.0 de Posturas, fls. 68-71).
Nas Canárias temos idênticas posturas em Gran Canaria (Francisco Morales Padron, ibid .. 27 e 40) e Tenerife
(José Peraza de Ayala, ibid., XVI).
(12) Ibidem,pp. 26-27.
30
As actividades artesanais
(13) Miguel Angel Ladero Quesada, ob. cit .. 153-154; Eduardo Aznar Vallejo, ob. cit .. 357-360. Leopoldo
de La Rosa Oliveira, "Los orígines de la vida municipal en Canárias», in História General de las islas Canarias.
m, pp. 155-172.
et 4
) Para a Madeira temos nas posturas de 1587 um título de "Sapateiros. tauxa; alfaytes; boieiros;
ferradores; oleiros; barbeiros; carniceiros», (A.R.M., C.M.F.. L,0 de Posturas, fls. 60 v. u-68). Nos Açores essas
actividades mereciam idêntica atenção do município, veja-se Urbano de Mendonça Dias, A vida de nossos avós.
vol. VIII. Vila Franca do Campo, 1948. 21-133; António dos Santos Pereira, "A administração municipal na Vila
das Velas na segunda metade do século XVI". in Os Açores e o Atlântico, séculos XIV-XVlf, pp. 714, 725-726;
A,C,M.R.G" L," 4 de Acôrdãos, /599, fi. 45-46 v.", 24 de Novembro.
et 5 ) Na Madeira temos um "Título das examinaçôes fianças. juramentos». A.R.M.• C.M.F., L.0 de
Posturas, fls. 31-32 v:", Nos registos das vereações deparamos com uma referência à eleição em vereação dos
examinadores dos mestres de açúcar. A.R.M,. C.M.F.. n.? 1302, 1497, fi. 98-100 v.", vereação de 18 de Janeiro
de 1497. O juiz para o exame dos ofícios era eleito entre os membros de cada corporação ou então pelos oficiais de
câmara. A 31 de Dezembro de 1596. na Ribeira Grande procedeu-se à eleição do juiz dos sapateiros (A.C.M.G.R.
L,°2 dos Acárdãos, /596, fi. 34). Além disso a aprendizagem do ofício era igualmente autorizada pelo município
(A.C.M.R.G .• L,0 3 de Acárdãos, /578, fls, 139 v.", 18 de Outubro). Veja-se ainda. Urbano de Mendonça Dias.
ob, cit., vol. VIII, pp, 40, 47-48, A questão da cxamínação dos ofícios na Ribeira Grande deu azo a acesa
polémica a respeito dos moleiros; o litígio surgiu em 1578 em face das reclamações da população e dos moleiros
contra Manuel Afonso; a vereação tomou primeiro a iniciativa de sugerir ao dito Manuel Afonso que solicitasse ao
juiz dos moleiros, Afonso Luis. os necessários ensinamentos, e depois, de acordo com as posturas, passou a
prover os moleiros para os vários moinhos da vila (A.C.M.R.G .• L, o 3 de Acôrdãos, /578, fls., 101-106. 28 de
Julho; lbid. fls. 119 v,o 122. 3 de Setembro); para impedir qualquer desvio recomenda ainda ao juiz examinador
que o exame se faça na presença de vereação (lbid, fi, 122 v.", 13 de Setembro). Saliente-se que os moleiros
constituiam um estrato sócio-profissional muito importante no município da Ribeira Grande, pois esta era uma das
principais zonas de produção de trigo e aí estavam sediados a maior parte dos moinhos da ilha, Sobre as fianças
veja-se A,R,M., C.M.F .. n.? 1297, fls. 44 v.o-45, 20 de Abril de 1482; lbidem, n.? 1298, fls. 154 v.o-156;
Ibidem, n.? 1299, fls. 124-128; lbidem, n.? \300. fls. 234-247; A.C.M.R.G .• L,o 3 de Acórdãos. fls. 12 v. o-14.
19-28 v .", Idem, L," 2 de Acárdãos, fls. 40-60; Idem, L.O 4 de Acôrdãos, fls. 74-139.
et 6 ) Na Madeira temos uma postura para os moleiros e outra para as padeiras. A.R.M .• C.M.F .. L.0 de
Posturas. fls. 25-30 v.", 16 v.o-25. Nos Açores há igualmente referência a essa actuação, nomeadamente na vila
da Ribeira Grande, A.C.M.R.G., L,0 3 de Acôrdãos, /578, fls. 101-106.28 de Julho; lbid., fls. 119 v.o-I21, 3 de
Setembro. O mesmo sucede na Vila elo Topo em S. Jorge; A. Santos Pereira, ob, cit., p. 714. Para as Canárias
veja-se Eduardo Aznar Vallejo, ob, cit., pp. 389-391.
31
o comércio
e 7
) Fréderic Mauro, Le portugal et l'Atlantique ali XV/Je siêcle ( ... ), Paris, 1960, 433-448; Victor
Morales Lezcano, Relaciones Mercantiles entre Inglaterra y los archipélagos dele Atlantico ( ... ), La Laguna,
1970.
e s ) A primeira autorização data de 1535, tendo-se permitido a carga dos produtos locais por um período de
dois anos (Reales Cédulas, 2, n.? 52, 1535) sumariado por Leopoldo de la Rosa, «Catálogo dei Archivo
Municipal de La Laguna » , in Revista de História, n.' 101-40 3 115-116; Fransisco Morales Padron, «Fundos
Canarios en el Archivo de Índia», in A.E.A., n.? 24-25; Idem, Cedulario de Canarias, 3 vais. Sevilha, 1970;
Eduardo Aznar Val1ejo, ob. cit., pp. 315-317; Francisco Morales Padron «Las relaciones comerciales canario-
-americanas», in Historia General de las islas Canarias, III, pp. 317-329. As referidas ordenanças, leis e
regimentos foram condenadas no livro VIII título XXXXI «Dei comercio, y navegacion de las íslas de Canária»,
in Reconpilación de leya de los regnos de las Indias, UI!. Madrid. 1943, 498-508. .
(19) Veja-se Artur Teodoro de Matos, Os Açores e a carreira das Índias no século XVI: Lisboa, 1983, Sep.
de Estudos de História de Portugal, vol. Il, séculos XVI-XX. Note-se que em 1595, 1598 e 1629 o monarca
proibira a descarga das naus das Índias no Funchal (A.R.M., C.M.F.. Registo Geral, t. III, fls. 216 e 253; t. VI,
fls. 22 v. °-23).
e 9
) U rbano Medonça Dias, A vida de nossos avós, vol. II, Vila Franca do Campo, 1964, 57-110; Eduardo
Aznar Val1ejo, ob, cit., pp. 121- 141. O primeiro foral e regimento doalmoxarifado da Madeira data de 4 de Julho
de 1499, a que se seguiu o foral novo de 1515. Veja-se Utbano de Mendonça.Dias, Ibidem, pp. 11-44.
e l
) Femando Jasmins Pereira, ob. cit., pp. 183-193; Álvaro Rodrigues da Azevedo, ob. cit., pp. 596-601.
32
de Machico; entre esta data e 1483 estes serviços adquirem uma orgânica adequada ao
volume das trocas madeirenses 2 ) . e
Em finais do século XV e princípios do seguinte o desenvolvimento do comércio do
açúcar implicou a criação de novas alfândegas na Ribeira Brava, Ponta de Sol e Calhetae 3 ) .
Com a alfândega nova no Funchal, a partir de 1508, todo o serviço de exportação do açúcar
passará a fazer-se por aíe 4 ) . O monarca, ao estipular esta medida, em 1512, aduzia em seu
favor a perda que a coroa tinha com a arrecadação dos direitos em diversas localidades s ). e
Até princípio do último quartel do século XV o movimento de carga e descarga, no
calhau do Funchal, fazia-se na presença dos oficiais do duque ou dos seus rendeiros; desde
então o juíz da alfândega, com os almoxarifes e os escrivães, passará a controlar toda essa
actividade, lançando os direitos de acordo com o regimento; a partir de 1497 o despacho dos
navios era supervisionado por um juíz e vereador da câmara do Funchal 6 ) . e
Se os alvarás e os forais concediam aos naturais o privilégio de isenção da dízima das
mercadorias de e para o reino, o mesmo já não sucedia com os estrangeiros que, para além
de estarem sujeitos ao pagamento desse direito, viam limitada a sua acção com as medidas
proibitivas da coroar?"). Assim, para além da interdição de vizinhança, estes viram
restringidas as suas possibilidades de comércio pelos contingentes de 1483 e 1485; de facto,
os referidos mestres ou mercadores eram obrigados a descarregar a sua mercadoria num
prazo de três e, depois, cinco dias, pagando a respectiva dízima; caso contrário perdiam a
mercadoria; esteve-lhes também vedada até 1508 a carga na ilha, pois apenas o podiam
e
fazer os naturais s ).
Nos Açores a arrecadação dos direitos reais fazia-se do mesmo modo que na Madeira,
regendo-se as referidas repartições pelos regimentos das suas similares do Funchal 9 ) . No e
entanto aí elas adquiriram nesse caso uma estrutura mais complexa, e não só também mais
adequada à realidade geo-humana como igualmente ajustada à sua importância no contexto
da economia açoreana e atlântica.
Nas Canárias a fazenda real, transplantada de Castela, organizou-se de acordo com as
circunstâncias das ilhas após a conquista e o seu posicionamento no traçado das rotas
e
2 ) A.R.M., Registo Geral, l. I, 11. 231-238 v.", Beja, de 15 de Março de 1477, ..Apontamentos da Infanta
pensam que levam hos esprivães quando despacham os açuquares na alfândega», publ. in A.H.M., vol. XV,
p. 116; ibidem, t. I, fls. 238 v.o-249, Tomar, 12 de Novembro de 1483, «Resposta do Duque e alguüs
apomtamentos sobre hos Dereytos», publ. in A.H.M., vol. XV, pp. 147-156; lbidem, t. I. fls. 270-256, /20 de
Março de 1485/, « Apontamentos dei Rey dom Manuell semdo Duque pera esta ylha Da madeyra» pub. in
A.H.M., vol. XV, 147-156, lbidem, l. I, I1s. 270-256 v.o /20 de Março de 1485/, ..Apontamentos deI Rey dom
Manuell semdo Duque pera esta ylha Da madeyra», publ. in A.H.M., vol. XVIII. pp, 495-497.
(24) Sobre a construção da alfândega do Funchal veja-se José Pereira da Costa, A construção da alfandega
nova do Funchal, Lisboa, 1978, Sep. da ..Revista da Universidade de Coimbra»; António Aragão, Para a História
do Funchal. Pequenos Passos para a sua História, Funchal, 1979, 103-112.
(25) Fernando Augusto da Silva, ..Alfândega » , inElucidário Madeirense, vaI. I, p. 38. Não obstante já em
3 de Abril de 1509 o monarca em carta ao provedor ordenara a proibição de descarga em Machico, passando esta
a fazer-se apenas no Funchal (A.R.M., C.M.F .. Registo Geral, t. I, 66 v."). Salienta-se que a alfândega da
capitania de Machico tinha assento em Santa Cruz e manteve-se em funcionamento todo o século XVI. Não
sabemos, é certo, qual a sua forma de organização e actuação após estas medidas centralizadoras.
e6 ) A.R.M., C.M.F., n.? 1302, fl. 108 v.", vereação de 15 de Fevereiro de 1497.
(27) Jerónimo Dias Leite, Descobrimento da ilha da Madeira ( ...), Coimbra. 1947, 30; Álvaro Rodrigues
de Azevedo, ob. cit., notas XX-XXI. Por carta régia de 1 de Junho de 1439 o monarca concedera a isenção do
pagamento da dízima, (Chancelaria de D. Afonso V, L.0 19, fi. 77 v.", publ. J. M. Silva Marques, Os
descobrimentos portuguêses, I, n. o 314, p, 400).
es ) A.R.M., D.A .. ex. I, doe. 92.
e9 ) Urbano Mendonça Dias, ob. cit.. 11, pp. 9-10; Francisco Ferreira Drumond, Anais da ilha Terceira, 1,
481-90 e 550-551; Arquivo dos Açores, VI, 271-280; Maria Olímpia da Rocha Gil, O Porto de Ponta Delgada e o
comércio açoriano no século XVll ( ... ), pp. 58-60 e 72-73.
33
5
comerciais do Atlântico. Assim, o regime fiscal não se apresentou gravoso, pois a coroa
concedera ao arquipélago um regime idêntico ao que se fizera na Madeira e nos Açores,
várias isenções e privilégios incentivadores da sua ocupação e do seu desenvolvimento
económico eo). Todavia a grande preocupação do legislador castelhano neste arquipélago
incidia mais sobre o comércio canário-americano do que sobre o comércio canário em geral.
Disto resultaram as constantes ordenanças e instruções da Casa de Contrataccián de Sevilha
aos oficiais régios das ilhas deste arquipélago (31).
Legislação
A venda de qualquer produto deveria fazer-se em praça pública, nas lojas e tendas,
sendo proibida a venda em casa ou de porta em porta, como era hábito dos bufarinheiros 4 ) . e
Os vinhos e a comida no Funchal, em 1541, apenas poderiam ser vendidos nas ruas do
eo) Eduardo Aznar Vallejo, ob. cit., pp. 121-122 e 144; Eduardo Aznar Vallejo e Miguel Angel Ladero
Quesada, «La Hacienda Real en CanariasI ... )>>, in IV, C.H.C.A., I, Las Palmas, 1980,79·108; Pedro Cullen dei
Castillo, Incorporacion de la islas y fuero y privilegio concedidos a Gran Canaria, Las Palmas, 1978.
(31) Em 1573 enviado à ilha de La Palma um oficial real com as necessárias instruções para a carga de
mercadorias para as Índias (F. Morales Padron, « Fondos Canarios en el Archivo de Indias», A.E.A., n.? 28, doe.
n.? 8, p. 424). Veja-se Idem, Cedulario de Canaris, 3 vols., Sevilha, 1970.
e 2
) Eduardo Aznar Vallejo, ob, cit.. 51 e 313-317.
(33) Cf. Elias Serra Ráfols e Leopoldo de La Rosa, Acuerdos dei cabildo de Tenerife, 3 vols., La Laguna,
1949, 1952, 1970: Eduardo Aznar Vallejo, ob.cit., 108,313-317 e 323; José Peraza de Ayala, ob. cit.; Francisco
Morales Padron, Ordenanzas del concejo de Gran Canaria, Las Palmas, 1974; A.R.M., C.M.F., L.0 de Posturas;
Urbano Mendonça Dias, A vida de nossos avós. VaI. III, Vila Franca do Campo, 1944.
e 4
) Em 6 de Junho de 1489 a vereação Funchalense proibe os bufarinheiros de venderem a retalho pelas
casas, só o permitindo em lugares e lojas públicas (A.R.M., C.M.F.• n.? 1299, fi. 103 v."), Ao mesmo tempo o
talhare vender da carne só era permitido no talho (ibidem, n.? 1300, fi. 82, vereação de 12 de Maio de 1492),
mas apenas ao sábado e domingo, pois a sua venda nos restantes dias da semana estava sujeita a uma licença
especial, (ibtdem, n.? 1306, fls. 37 v.o·38 v.", vereação de 28 de Abril de 1531). Em Tenerife a venda de
mantimentos por miudo fazia-se apenas nas tendas montadas nas praças públicas dei Adelantado e de La
Concepcion. Veja-se Acuerdos dei cabildo de Tenerife, III, n.? 277, pp. 154-155,24 de Janeiro de 1522; Ibidem,
I, n.? 108, p. 216, 14 de Agosto de 1523;Leopoldo de La Rosa, «Catalogo deI Archivo Municipal de La Laguna»,
in Revista de História, n.? 101-104, pp. 249 e 251, cédulas de 1530 e 1533; Ibidem, n.? 115-116, p. 110, cédula
de 1564; Eduardo Aznar VaIlejo, ob. cit.. p. 313.
34
Matoso, dos Peixes e Direita CS ) . Idêntica é a situação dos artífices que vêem reduzida a sua
disseminação no burgo com a obrigatoriedade de assentarem a sua tenda num arruamento
determinado pela vereação. Esta situação facilitava a actividade do município na fiscalidade,
inspecção e controle das lojas e tendas.
O controle sobre os agentes do mercado local mais se amplia com a obrigatoriedade de
pagamento de fiança por todos os oficiais mecânicos e intervenientes nas actividades da
praça pública: vendeiros, regatões, carniceiros, etc. Muitas vezes o município vedava o
acesso a estas actividades como forma de evitar o roubo. Assim, no Funchal, os escravos e
moços solteiros que viviam de sua soldada não podiam exercer o ofício de vendeiro ou
e
regatão Ó ) .
A venda dos produtos de importação estava sujeita a uma regulamentação especial, de
modo a evitar-se o açambarcamento e a especulação r"). Assim, só era permitida a sua
venda a retalho nove ou quinze dias após a sua entrada, respectivamente em Tenerife e no
Funchal; além disso a sua venda só se poderia efectuar após vistoria dos deputados e sua
subsequente licença, ficando o infractor sujeito a pesadas penas s) . e
Nas Canárias duas particularidades evidenciam uma similar orgânica do mercado
interno. Assim, entre 1521-1522, funcionou em Tenerife um mercado franco, uma vez por
semana, que foi encerrado pelo dano que acarretava às rendas do concelho r"). Ao mesmo
nível funcionaram no século XVI feiras locais com carácter sazonal. Além disso em Gran
Canaria, Tenerife e La Palma a venda de determinados produtos de consumo em áreas
definidas era muitas vezes entregue, em regime de monopólio, a determinados moradores;
as casas de venda eram conhecidas por bodegones Ç't),
O controle das entradas fazia-se de acordo com as carências locais, tendo-se em vista a
necessidade de evitar a concorrência dos produtos do estrangeiro ou das ilhas vizinhas, bem
como a sua utilização como represália para com as nações inimigas; no primeiro caso temos
como exemplo a actuação do cabildo de Tenerife ao proibir a entrada de vinhos de fora e ao
incentivar a cultura da vinhat'"); no segundo temos as represálias mútuas entre Portugal e
Castela, na década de 70, que surgem nas Canárias em ordens de 1476 e 1480 e na Madeira
em 1471 (42). Além disso há referência a represálias nas Canárias em 1592 contra a França e
es) A.R.M, C.M.F., n.? 1308, fls. 5-6 v.". Vereação de ( ... ) Janeiro de 1547.
e Assim o determinavam as posturas de 1497 e 1596. A.R.M., C.M.F., n.? 1302, f1s. 54 v.", vereação
Ó
)
de 18 de Outubro de 1497; Ibidem, fi. 69, vereação de 31 de Outubro de 1497; Ibidem, n.? 1312, f1s. 41 v.0-42,
vereação de I de Junho de 1596. Para Tenerife essa interdição abrangia apenas os escravos; Leopoldo de La Rosa.
Ibidem, n." 101-104. doe. n.? 24, p. 262, cédula de 1560.
e 7 ) Esta é uma das preocupações constantes da vereação Funchalense e do Cabildo de Tenerife que
deliberam com assiduidade sobre isso. As penas impostas denunciam o empenho do município e a gravidade com
que estes encaravam estas situações. Veja-se A.R.M .. C.M.F.• n." 1297, f1s. 44 v.0-45, 20 de Abril de 1482;
lbidcm, o." 1385. fls. 42, 27 de Fevereiro de 1527; Acuerdos dei cabildo de Tenerife, IV, n.? 373, p. 184,20 de
Fevereiro de 1523; lbidem, n." 374 p. 209. I de Julho de 1523.
e s ) Nas Canárias esta prática estava definida nas posturas de Tenerife e Oran Canaria; Francisco Mora1es
Padron, ob. cit.. p. 16; Jose Peraza de Ayala, ob. cit.: Acuerdos dei cabildo de Tenerife I, n.? 707, p. 151. 12
de Fevereiro de 1507. O mesmo sucede na Madeira a partir de 1482; A.R.M., C.M.F., n.? 1297, f1s. 45 v:", de
26 de Abril de 1482; lbidem, n. ° 1301, fls. 195 v.", II de Maio de 1492.
e 9 ) Acuerdos dei cabildo de Tenerife, IV. 0.° 261, p. 112, de 15 de Novembro de 1521; Ibidem, n. ° 263,
pp. 113-115, 18 de Novembro de 1521; Ibidem, n.? 276, pp. 122-123, 10 de Janeiro de 1522; n.? 282, lb idem ,
p. 127, 21 de Fevereiro de 1522. Elias Serra Rafols comenta, a propósito desta criação efémera: "se dita una
amplia ordenanza que nos deja atónitos por su franquia y libertad tan contrarias ai habitual y minucioso
ordenancismo de la época .. (" Introducción» in Acuerdos dei cabildo de Tenerife, IV. p. XI).
(40) Eduardo Aznar Vallejo, oh. cit., p. 108.
(41) Acuerdos dei cabildo de Tenerife, 111, 0.° 179, p. 181,22 de Dezembro de 1516; lbidem, Ill , n.? 201,
p. 199,4 de Setembro de 1517; lbidem, IV, n.? 44, p. 21, 18 de Maio de 1519; lbidem, IV, n.? 65, p. 30,15 de
Abril de 1519; Ibidem, IV, n.? 66, p. 30, 18 de Abril de 1519; lbidem, IV, n.? 153, p. 58, 1 de Junho de 1520;
Ibidem, IV, n." 332, p. 160. 18 de Agosto de 1522; José Peraza de Ayala, ob. cit.; p. 108.
(42) Eduardo Azanar Vallejo, Documentos Canarios ( ... ). La Laguna, 1981, pp. 1-11 does. n. o 1, 6, 24.
35
em 1596 contra a Inglaterra, o mesmo sucedendo na Madeira em 1485 contra a Escócia e
Bruges (43).
Mas se os produtos de fora não deparavam com grandes entraves à entrada, o mesmo já
não sucedia à saída; nesse caso o concelho exercia um controle rigoroso sobre esse
movimento, no sentido de coibir a saída dos produtos proibidos, porque necessários ao
burgo; deste modo para todo o produto cuja exportação fosse autorizada, o mercador deveria
solicitar ao concelho a necessária licença de saída. O trigo, as madeiras, a carne e as
verduras faziam parte desse grupo de produtos prescritos. A sua exportação só se fazia em
condições específicas e mediante licença dos oficiais do concelho (44); e, muitas vezes, só
em condições muito especiais era facultada a sua saída (45).
Na Madeira nos séculos XV e XVI, o açúcar galvanizou as atenções das autoridades
madeirenses e régias. Este produto era, então, uma componente importante dos réditos da
ilha e da coroa e, como tal, estava sob vigilância constante do senhorio, da coroa, do
almoxarifado e da vereação. Segundo Vitorino Magalhães Godinho «o regime do comércio
[do açúcar] vai oscilar entre a liberdade fortemente restringida pela intervenção quer da
coroa quer dos poderosos grupos capitalistas, de um lado, e o monopólio global, primeiro,
posteriormente um conjunto de monopólios cada qual em relação com uma escápula de
outra banda» (46). Assim, desde 1469 e até princípios do século XVI, o comércio do açúcar
madeirense fazia-se num apertado circuito sob controle da coroa e de um reduzido grupo de
mercadores estrangeiros.
As tentativas levadas a efeito pelo Infante D. Fernando para fazer vigorar o contrato de
monopólio mereceram a oposição declarada e firme dos vizinhos do Funchal (47); somente
conseguiu vigorar, a partir de 1487, o monopólio régio de exportação deste produto para o
levante, um dos principais mercados do açúcar madeirense (48); e, finalmente, em 1498,
D. Manuel I, em face da difícil situação de crise comercial, limita esse comércio,
estabelecendo um máximo de produção e os contingentes para as diversas escápulas (49).
Esta situação foi revogada em 1503, mas o comércio deste produto não obteve a necessária
liberalização, pois o escoamento passou a fazer-se sob o regime de contrato entregue, na sua
maioria, a estrangeiros ou seus agentes (50).
Ao invés, nas Canárias, e mesmo nos Açores, o comércio do açúcar não suscitou a
mesma atenção e intervenção da coroa, pois que esse trato foi aí deixado à iniciativa do
grupo de mercadores nacionais ou estrangeiros; no caso das Canárias o seu comércio era
quase exclusivo dos mercadores genoveses e flamengos.
Mais do que o açúcar, o trigo e outros cereais serão o alvo primordial da intervenção
34, 47; A. Cioranescu, História de Santa Cruz. I. p. 376 (nota 44); Victor Morales Lezcano, Sintesls de la
História economlca de Canarias, Tenerife, 1966, pp. 23-24.
(43) A.R.M, C.M.F .. n.? 1296,fls. 24-24 v;", s.d., (1471); Ibidem, n.? 1298, fls. I-I v.", 23 de Junho de
1485.
(44) Acuerdos dei cabildo de Tenerife, I n." 529, pp. 100-101, 20 de Julho de 1506.
(45) É o caso do fornecimento das naus e armadas das rotas das índias, Índia e Brasil nos três arquipélagos.
Veja-se 1. a parte.
(46) Os Descobrimentos e a economia mundial, IV, p. 87.
(41) Ernesto Gonçalves, «João Afonso do Estreito", in D.A.H.M.. n.? 17, 1954, pp. 4-8; Fernando Jasmins
Pereira, Alguns elementos para o estudo da história económica da Madeira, pp. 144-162; Maria do Carmo
Jasmins Pereira Rodrigues, O açucar na ilha da Madeira, pp. 91-101.
(48) Vitorino Magalhães Godinho, ob, cit.. IV, p, 87; A.R.M., C.M.F.. Registo Geral, t. I, fls. 65 v. 0-75
v .", Saragoça, 21 de Agosto de 1698. Apontamentos do Rei sobre o açucar, pubI. in A.H.M., XVII, pp. 372-380;
lbidem, fi. 293 v. 0-294, Lisboa, 18 de Janeiro de 1499, carta régia, pubI. in A.H.M" XVII, pp. 382-383.
(49) Fernando Jasmins Pereira, O açucar madeirense ( ... ), pp. 56-57.
(50) A.R.M .. C.M.F., Registo Geral, t. I, fls. 288-288 v,", Lisboa, 28 de Agosto de 1503, alvará régio
sobre a carga do açucar para Portugal, publ, in A.H.M., XVII, pp. 445-446; Fernando Jasmins Pereira, Ibidem;
Virginia Rau e Jorge de Macedo, O açucar da Madeira no fim do século XV ( ... ), Funchal, 1962, pp. 25-33.
36
assídua do município. Sendo produtos básicos da dieta alimentar insular, lógico será admitir
que os vereadores, tendo a seu cargo o regimento da terra, estivessem preocupados e atentos
ao fornecimento do cereal no mercado local (51). Numa breve passagem pelas vereações dos
séculos XV e XVI existentes para os três arquipélagos verifica-se que esta questão
atemorizava e preocupava constantemente os oficiais da Câmara quando se reuniam em
vereação duas vezes por semana (52).
A actuação de cada concelho será feita de acordo com as peculiaridades e a conjuntura
específica da área a que se circunscreve. Podemos considerar para os três arquipélagos uma
linha de conduta que, na globalidade, apresenta muitos pontos comuns. Assim, teremos para
a Madeira e Açores a sua inspiração na administração de Lisboa e, para as Canárias, a
transplantação e adaptação do modelo andaluz (53). Embora com raíz diferente essa actuação
dos municípios insulares poderá definir-se do seguinte modo:
- controle da produção e dos circuitos de abastecimento e conservação de cereal.
- controle/regulamentação/proibição do comércio e transporte do cereal no mercado
interno e externo.
(51) Eduardo Aznar Vallejo, oh. cit., p. 253, A. Cioranescu, ob. cit.. I, p. 318, Frédéric Mauro, lbidem,
pp. 300 e 306. Saliente-se que esta ambiência não é típica das ilhas, pois as mesmas preocupações dominam em
Coimbra e Algarve; veja-se António Oliveira, A vida económica e social em Coimbra ( ... ). II, 1972,
pp. 122-130 e 162; Joaquim Antero Romero Magalhães, Para o estudo do Algarve económico durante o
século XVI. Lisboa, 1970, pp. 66-70.
(52) Fizemos um largo tratamento da questão cerealífera em alguns trabalhos já publicados. ,,0 comércio de
cereais dos Açores para a Madeira no século XVII», in Os Açores e o Atlântico (Séculos XIV-XVII), Angra do
Heroísmo, 1984, sep. do B.I.H.I.T.. vol. XLI, (1983), pp. 651-677; "A questão cerealífera nos Açores nos
séculos XV-XVII (elementos para o seu estudo)» in Arquipélago. História e Filosofia. vol. VII, n.? 1, 1984,
pp. l23-201; ,,0 comércio de cereiais das Canárias para a Madeira nos séculos XVI-XVII, in VI C,H.CA., Las
Palmas, 1984 (no prelo).
(53) Veja-se Urbano de Mendonça Dias, A vida de nossos avós, vol. III, Vila Franca do Campo, 1944,
idem, A Vila, Vila Franca do Campo, 1927, vol. VI; Maria Teresa Campos Rodrigues, A administração do
município de Lisboa no século XV. separata dos n.OS 101-9 da Revista Municipal. pp. 83-110; Miguel Angel
Ladero Quesada, «Ordenanzas municipales y regulacion de la actividad em Andalucia y Canárias siglas
XIV-XVII», in II Colóquio Canario-Americano, 1977, Orã Canária, II, pp. 143-56, Eduardo Aznar Vallejo,
Integracion de las islas Canarias en la carona de Castilla (1478-1526), Sevilha, La Laguna, 1983; Emma
Conzalez Yanes, «Irnportación y exportacíón en Tenerife durante los primeros anos de la conquista (1497-
-1503)>>, in Revista de História. La Laguna, n.? 101-4, pp. 70-9i.
37
vereação tinha a incumbência de fazer, no início do Verão, por altura das colheitas, o
orçamento do trigo necessário ao consumo e à sementeira até à nova colheita, armazenando-o
depois em granéis à sua guarda, de modo a poder distribui-lo na altura da carência. A partir de
1561 juntar-se-à um quarto dos valores exportados. Para dar cumprimento a estas medidas a
vereação ordenará que toda a exportação só deveria ser feita mediante licença sua após
vistoria dos granéis a cargo do oficial dos exames (54).
Nas Canárias, e mais propriamente em Tenerife, encontramos definida a mesma
orientação sob a designação do tazmia ou cala y cata. O cabildo em momento de penúria,
antes de autorizar a saída do cereal, procedia ao exame dos granéis e ao arrolamento da
população, de modo a avaliar o trigo necessário ao consumo concelhio e assegurar a reserva
satisfatória (55). Esta prática derivava das primeiras medidas proibitivas exaradas em finais
do século XV e do correcto dimensionamento da política cerealífera pelo cabildo em
princípios do século XVI (56). Enquanto no primeiro período apenas se estipulava a
proibição de saída, no segundo, ao pressentir-se a ineficácia dessa actuação, alarga-se o seu
âmbito. Assim, em 1505, em face da falta de pão, ordena-se a vistoria às principais casas da
ilha para, no ano imediato, se promulgar a ordenança sobre o pão, onde se definia o modo
de actuar (57). A partir de então esta prática institucionaliza-se, tomando-se um hábito
corrente na vida municipal (58).
Não obstante as medidas proibitivas terem maior força de lei em momentos de maior
penúria, o certo é que em anos de abundância estas apresentavam-se como prejudiciais aos
vizinhos das ilhas produtoras: Tenerife, La Palma e Fuerteventura. Pior era, no entanto, a
situação dos mercadores, obrigados à troca das suas mercadorias por trigo. Daí a reivindi-
cação dos moradores do direito de exportar metade da sua colheita, no que a coroa apenas
concordou com um terço (59). Mesmo assim o cabildo passou a exercer um controle rigoroso
sobre esta parte, ao definir como obrigatória a solicitação de licença para exportar e,
mesmo, revogando essa regalia em momentos de penúria, como sucedeu em 1522 (60).
O cabildo de Tenerife perante a contingência da conjuntura de crise e do movimento
demográfico conclui que os dois terços não são suficientes para o sustento da população,
(54) Esta questão foi tratada em estudo que elaborámos sobre ..A questão cerealífera nos Açores ( ... )>>,
pp. 144-158. Veja-se Urbano Mendonça Dias, A vida de nossos avós, voI. III, pp, 32-8, 489, 62-63.
(55) Conhece-se uma tazmia de 1552,publicada por F. Moreno Fuentes, « Tazmia de la isla de Tenerife em
1552 .., in Anuario de Estudios Atlanticos. n.? 25, pp. 411-92.
(56) Eduardo Aznar Vallejo, Documentos Canarios ( ... ), La Laguna, 1981, does. n." 156,440,568, 652,
727, 883. 892, 916. 986. 1193; Acuerdos dei cabildo de Tenerife, I, n.o 270, p. 48, 28 de Junho de 1502.
(57) Ibidem, I. n.? 436-437, p. 81. 10 de Dezembro de 1505; lbidem, n." 540. pp. 103-108.8 de Novembro
de 1506; Ibidem, n.? 600-601. pp. 116-117; 12 de Fevereiro de 1507.
(58) A primeira referência à cala y cata de 1511 (lbidem, 0.° II, n. ° 185, p. 134. 5 de Dezembro)
seguindo-se esta prática em 1514 (lbidem, III, n.? 12, p. 5, 28 de Abril; lbidem, III. n.? 21, p. 18, 16 de Junho;
lbidem, III, n." 22, p. 18, 21 de Julho) e em 1522 (lbidem. IV, n." 276, p. 123, 17 de Janeiro).
(59) A primeira reclamação foi exarada em reunião de Tenerifc em I de Setembro de 1508 (Ibidem, II,
n.? 15. p. 12) mas só em 28 de Fevereiro de 1512 atendida (Ibidem, II, n." 33, pp. 264-265). Não obstante não
é
satisfaz as pretensões dos tenerifenhos (Ibidem, n.? 42, pp. 277-283, «capitulaciones que presenta ai rey la isla de
Tenerife por mano de mensagero-), Veja-se Manuel Marrero, «Algunas viages atlanticos de los veeinos de
Tenerife en el primer tereio deI siglo XVI", II, C.H.C.A .. vol. I, 1977, pp. 64-65. Veja-se, Pierre e Huguette
Chaunu , Seville et l'Atlantlque, Paris, 1959. t. VIII, vol. I, p. 370; Sebastian Jimenez Sanchez, «EI trigo uno de
los alimentos de Gran Canarios prehispanicos», in Revista de História, La Laguna, n. ° I, p. 213; J. Perez Vidal,
«Aportacion portuguesa a la poblacion de Canarias», in Anilaria de Estudios Atlanticos, n.? 14, pp. 65-6:
E. Gonzalez Yanes, ob. cit .. p. 85; Leopoldo de La Rosa, «Catálogo dei Archivo Municipal de La Laguna", in
Revista de História, La Laguna. n.? 101-104. pp. 256. 261; idem. ibidem, n." 113-4, assim; Manuela Marrero,
«Algunos viages atlanticos de los vecinos de Tenerife en el primer tereio dei siglo XVI", in II Colóquio de
História Canario-Americana, Las Palmas, 1977. vol. I, pp. 64-5;. Idem. «Algunas consideraciones sobre
Tenerife » , in Anilaria de estudios Atlanticos, n.? 23. p. 379.
(60) Acuerdos dei cabildo de Tenerife, IV, n.? 314, p. 150, II de Julho de 1518; Ibldem, n.? 335, p. 161.
29 de Agosto de 1522. Ibidem, n.? 337. p. 161.5 de Setembro de 1522; Ibidem, n.? 343, p. 165,26 de Setembro
de 1522, Ibidem, n." 380. p. 189. 26 de Março de 1523.
38
pelo que ordena, a partir de Julho de 1522, que de todo o trigo a exportar deveria ficar uma
reserva de dez por cento às ordens da câmara, a fim de ocorrer aos momentos de falta (61).
De modo a controlar-se o cumprimento desta ordenação regulamentara-se a obrigatoriedade
do registo do cereal a exportar e a solicitação da respectiva licença ao cabildo, ao mesmo
tempo que se estabeleciam guardas de vigia nos portos (62).
Quer em S. Miguel, quer em Tenerife, os produtores e mercadores, entre os quais se
colocavam o capitão donatário, o senhorio e alguns funcionários concelhios e régios,
usavam de todos os subterfúgios para fazer sair o seu trigo, agravando deste modo a
situação de penúria cerealífera (63).
No mercado consumidor carente toda a política cerealífera incidia a dois níveis no seu
comércio: primeiro procurando assegurar o normal abastecimento de trigo, por meio de
incentivos à sua introdução; depois através do controle dos circuitos de fornecimento de
mercado local, evitando a sua saída, sob a forma de grão ou de biscoito. Ao nível da
Madeira define-se a actuação da vereação funchalense; primeiro, com o estabelecimento de
contratos com alguns mercadores para meterem anualmente o trigo necessário ao provimento
dela, pagando-se a descarga, os sacos e a loja; depois, com a abertura total do mercado à
sua introdução, por meio da isenção da dízima de entrada (64). Caso estas medidas não
fossem suficientes, então a vereação punha em prática o seu plano de emergência, que
consistia na actuação junto dos mercadores e mestres de navios, obrigando-os a descarregar
o trigo que conduziam ao reino ou às Canárias, ou então forçando-os a irem buscar o trigo
aos Açores ou outras partes (65). A esta orientação aliavam-se as ordenações régias de 1508
a 1521, que tomavam obrigatória a rota de fornecimento de trigo açoriano ao mercado
madeirense (66).
Assegurados os circuitos de abastecimento do mercado funchalense, tomava-se neces-
sário controlar e regulamentar os circuitos internos de distribuição e venda, de' modo a
evitar-se o açambarcamento e a especulacão. Neste caso a vereação actuava com medidas
drásticas, quer por meio do exame das lojas pelos almotacés, quer lançando pesadas multas
aos infractores (67). Ao mesmo tempo, desde 1496 proibira-se a saída deste cereal, até
mesmo para o fornecimento de naus que escalavam a ilha pois, segundo se dizia, estas
deveriam vir devidamente providas de Lisboa (68).
Idêntica situação encontra-se definida no arquipélago canário nas ilhas da Gran
Canaria, La Gomera, onde estava regulamentada a proibição de saída, e medidas de apoio
aos circuitos e rotas abastecedoras com origem em Lanzarote, Tenerife ou Fuerteventura (69).
39
A ilha de Gran Canaria tinha em Tenerife o celeiro de abastecimento anual, mas tal como
sucedia na Madeira em relação aos Açores, esse provimento despoletou vários litígios entre
as duas ilhas no período de 1531-1603, devido à segunda se negar a esse fornecimento t?");
pelo que respeita a La Gomera, o trato foi assegurado por cédula de 1521 (71).
Se é certo que as medidas atrás enunciadas atestam o interesse do concelho em
assegurar o normal funcionamento dos circuitos de abastecimento de modo a evitar-se
qualquer situação de penúria ou de fome, também é verdade que as mesmas documentam,
de modo evidente, a prernência da crise, resultante do esgotamento do solo e, acima de
tudo, do aumento da população insular. Assim, ao nível das áreas produtoras, as medidas
regulamentadoras do comércio do cereal surgem com maior acuidade, apontando para uma
nítida tendência da sua proibição. Tal como sucede nos Açores, desde a década de 30 do
século XVII e, em Tenerife, a partir de 1564-65, evidenciando-se nesta última a partir de
princípios do século XVII. Deste modo se as crises de 1502, 1506, 1521 e 1546 surgem
como fenómenos isolados, articulando-se com as más colheitas, ocasionadas por factores
sazonais, o mesmo já não se poderá dizer em 1574, 1604, 1616, 1625, em que se nota uma
marca evidente da crise estrutural, cujo agravamento se salienta de modo periódico em
ciclos decenais (2). Esta situação da economia cerealífera das Canárias repercutir-se-á de
modo evidente no mercado madeirense, que tinha nesse arquipélago uma fonte importante
de abastecimento, em 1589 e 1596(3).
(0) Leopoldo de la Rosa, ob. cit., Revista de História, n.? 113-4; p. 84 (n.? 41) 85 (n.? 72); Ibidem,
n.? 101-104, p. 251 (n.? 12), 253 (n.? 3); Ibidem, n.? 115-6 (1958), p. III (n.? 108).
(71) Ibidem, n.o 101-4, p. 246 (n.o 5).
(72) Veja-se nosso estudo, ,,0 comércio de cereais ... >l, já citado; P. Chaunu ob. cit., pp. 371-373.
(3) A.R.M., C.M.F., n.? 1311,!l. 142 v.", vereação de 20 de Fevereiro de 1596, idem, ibidem, n.? 1311,
fls. 16-17 v.". vereação de 4 de Fevereiro de 1589.
40
1.2 Técnicas
A NAVEGAÇÃO
41
6
( ... ) todo tiene que venir de fuera o ha de salir pera fora. El camino del mar lo es todo,
vida material espiritual, riqueza y saber; en eI tiene todo su origen y su fin» e).
Sendo certa a importância primordial do Oceano Atlântico nas comunicações insulares
e deste com o litoral afro-europeu-americano, não menos o serão em termos restritos das
vias de comunicação terrestres, pois é por seu intermédio que se escoam os produtos para os
mercados ou postos do litoral, a partir dos quais entram nos circuitos comerciais locais e
internacionais. Não obstante o interesse das autoridades municipais na abertura e preservação
dos caminhos, nota-se em todo o mundo insular a insuficiência de vias de comunicação
terreste e a ineficácia das referidas ordenações (4)
A importância das comunicações por terra no espaço insular relaciona-se com a
formação orográfica de cada ilha. Assim, enquanto na Madeira elas são relativizadas, em
S. Miguel, Terceira, Tenerife e Gran Canaria apresentar-se-ão como fundamentais para a
economia local. Na Madeira os meios e vias de comunicação terrestres apenas ganham
importância a partir de finais do século XVIII, sendo assim relativa a actuação dos
carreteiros, dos boieiros e, mesmo, de bestas de carga na vida local (5). Toda a economia
madeirense é dominada pelo mar e define-se pela litoralidade da sua implantação sócio-
-geográfica.
O mesmo não sucede nas ilhas de Gran Canaria e Tenerife, onde há a preocupação de
traçar uma rede viária que ligue os canaviais aos engenhos e estes aos portos de cabotagem
ou de exportação (6). Assim, deparamo-nos nestas ilhas com uma elevada valorização dos
agentes de transporte, sendo numeroso o grupo de carreteiros, de almocreves, de cameleiros,
bem como de bestas de carga C). Estas profissões e actividades mereceram uma regu-
lamentação constante por parte dos cabildos (8). Pelas mesmas razões é elevado o número de
reclamações dos carregadores da ilha de S. Miguel pela abertura e pela reparação de
caminhos (9). Aliás estes eram um importante meio de contacto entre o principal porto de
comércio com o exterior - Ponta Delgada - e as áreas produtoras' de pastel e trigo. Os
contactos com a Ribeira Grande faziam-se por via terrestre e eram assíduos, havendo para o
efeito um numeroso grupo de carreiras eo).
42
8 Portos de exponac áo
~01\O sa.\'\\.O
• Portos de cabotagem
Rotas de cabotagem
Caminhos
~
lH VIAS DE COMUNICAÇÃO E PORTOS NA MADEIRA. Século XVI
A insuficiência das comunicações terrestres evidencia a importância de actuação das
vias marítimas materializadas numa teia complicada de rotas de cabotagem. A sua prefe-
rência é muitas vezes relativizada em face dos acidentes e adversidades da costa e do mar,
pois os ventos e as correntes maritimas dificultam a sua utilização (11). A Madeira, devido
aos condicionalismos de ordem geográfica e climática, apresentava reduzidas possibilidades
para o desenvolvimento das vias e meios de comunicação terrestres e marítimas 2 ) . Esta e
condição limitou as possibilidades de desenvolvimento económico, fazendo restringir essa
actuação à faixa litoral sul entre Machico e a Calheta, espaço recheado de enseadas e
calhetas para o necessário movimento de cabotagem. Assim surgem portos em Machico,
Santa Cruz, Funchal, Ribeira Brava, Ponta de Sol e Calheta (13). O transporte da produção
de açúcar da Calheta do ano de 1509 para o Funchal fez-se por barqueiros, em conjunto ou
individualmente; executava-se ao longo de todo o ano, mas habitualmente no periodo da
safra e de maior exportação, entre Março e Julho.
Até 1508 todo o movimento de contactos com o exterior era feito a partir do Funchal.
Daí que existisse um contínuo movimento de cabotagem, entre este porto e os restantes da
ilha, para o escoamento do açúcar t '"). A partir de então, ao ser permitida a carga e
BARQUEIRO ARROBAS
DATA
DE AÇÚCAR
(11) Carmen G. Galero Martin, Las comunicaciones maritimas interinsulares, Las Palmas, 1979, pp. 8-9.
Veja-se supra, primeira parte.
(12) Veja-se em Gaspar Frutuoso (Saudades da Terra. L.0 II, 1979, caps. XV-XVII) a descrição da costa da
ilha da Madeira. O porto do Funchal era considerado, no século XVI, muito perigoso para a navegação; Valentim
Fernandes em 1506 dizia a esse propósito: «em o Funchal nenhum navio não pode estar no tempo que começa de
ventar até sudeeste por banda do sul. Por isso é mandado do capitão que quantos navios estejam abertos com suas
velas e vergas altas para partir quando quer que aqueles ventos ventem" (Manuscrito de Valentim Fernandes.
Lisboa, 1940, p. 110). Idêntica é a opinião de Giulio Landi em 1534 e de Hans Sloane em 1687. (António Aragão,
A Madeira vista por estrangeiros,Funchal, 1981, pp. 83. 168).
(13) A.R.M., C.M.F., Registo Geral, t. I, fls, 272-272, Almeirim, 21 de Janeiro de 1511, carta régia sobre
a carga pelos mercadores estrangeiros, pubI. in A.H.M. XVIII, 531-532.
e 4
) Ibidem, fi. 260-261 v."; [8 de Setembro de 1507] Regimento sobre a arrecadação dos quintos, pubI.
in A.H.M., XVIII, 395-396; Idem, C.M.F., Foral da cidade (1515-1736), fIs. 25 v. o-26.
44
• Porto de Cabotagem
@ Porto de Exportação
Rotas de Cabotagem
---- Caminhos
Vila Franca
CABRESTANTES
N." PREÇO N." PREÇO N." PREÇO N.O PREÇO N." PREÇO N." PREÇO
es) A.R.M., C.M.F .. Registo Geral, t. I, fl. 193 v. o , Sintra, 17 de Agosto de 1508, carta régia, publ. in
A .H.M.. XVIII, p. 541.
e
6
) Ibidem, fls. 201-201 v.", Lisboa, 15 de Janeiro de 1512, carta régia sobre a carga as naus; publ. in
A.H.M., XVlll, p. 543.
e 7
) Gaspar Frutuoso (ob. cit.. p. 109), em finais do século XVI, referia a propósito: " ... há pela costa
calhau miúdo e areia, o qual é o porto da cidade, onde ancoram naus e navios, que ali decarregam, tão povoado e
crusado sempre deles, com tanto tráfego de carregações e descarregas, que parece outra Lisboa...
eB) A.R.M., C.M.Foo n.? 1299, fls. 13 v. 0-14, vereação de 31 de Julho de 1498. Veja-se Álvaro Manso de
Sousa.vos Cabrestantes » , in D.A.H.Moo Supl. ,,0 Jornal», n.? 5029, 17 de Abril de 1969 pp. 183-184
e9
) A.R.M., C.M.F., n.? 698-720, 866-868. " .
(~O) Não o~stante, a costa açoriana não se apresentava muito propícia a essa navegação de cabotagem, pois
era muito alta e dispunha de poucas enseadas ou baías. Veja-se sobre isto a descrição,feita por Gaspar Frutuoso em
as Saudades da Terra. L. 0 III, IV e VI, da costa açoriana. Cf. com Sarmento Rodrigues, Ancoradouros das ilhas
dos Açores. Lisboa, 1970. Em 1589 Linschot dava conta dessa situação, anotando quanto ao porto de Angra: "Mas
tem o inconveniente de não ter quaisquer portos de abrigo e sendo necessário que os navios, em caso de
46
o próprio arrumar das culturas nas ilhas foi comandado por esta importante via de cornu-
nicaçâo t"),
O desenvolvimento das infraestruturas portuárias do arquipélago fez-se de acordo com
a importância das ilhas na economia insular e atlântica. Por estas razões vemos desenvolver-
-se no século XVI dois portos importantes: Ponta Delgada e Angra, o primeiro para servir o
comércio do pastel e dos cereais de S. Miguel e o segundo para o apoio à navegação
atlântica. Além disso, em ambos existe uma clara intervenção nos circuitos de redistribuição e
escoamento do mercado açoriano 2 ) e
Tal como na Madeira, no arquipélago das Canárias o movimento de cabotagam está
e
dificultado pelas condições geo-climáticas da área 3 ) ; não obstante este meio era preferido
ao terrestre, pois o transporte de produtos dentro das diversas ilhas fazia-se habitualmente
por mar e4)~ por isso o cabildo de Gran Canaria e Tenerife apostavam mais na construção e
reparo dos portos locais de cabotagem do que nos caminhos de penetração.
Lobo Cabrera refere que o mundo do mar galvanizou os canários e que essa navegação
marítima surgiu e se alicerçou nas pescarias, no comércio de cabotagem e de longa
e
distância s ). O mesmo autor define ao nível das infraestruturas portuárias dois tipos de
portos, de acordo com o seu vocacionamento: portos de destino e de despacho; aliás,
adquiriram variadas designações, de acordo com a dominância de determinados sectores de
actividade e das áreas geográficas com que se relacionavam.
A existência desta variedade de portos nas Canárias não implica uma acção descentra-
lizadora dos circuitos comerciais, pois tanto em Tenerife, como em Gran Canaria surge um
porto que se afirma com entreposto ou área charneira, para onde convergem os rotas de
cabotagem e donde divergem os circuitos dos principais produtos, como o açúcar e
6
e
cereais ) . Assim em Gran Canaria o Puerto de Las Isletas e de la Luz..em Tenerife o
Puerto de Santa Cruz e Garachicojj"). Nos registos de fretamento do século XVI (1507-
tempestade, se afastam da costa e se metam ao mar para evitarem o perigo, o que não se poder fazer na Terceira, e
por causa disso os navios de frequência vão à ilha de S. Miguel .. (..História da navegação do Holandes 1. H.
Linschot .. , B.l.H.l.T.. I. 1943, 154-155). Gonzalo de Murga (Derrotem dei arquipélago de las Azares o
Terceras, Madrid, 1866) refere que «los Azares son tierras de serrania muy alta, cuya configuración es varia e
raral ... I las costas terminam en general por bananas ó fontones cortados a pique y de rnucha elevación, a cuyo
pié rara vez aparece playa de arena. Además todo el archipélago carece de puertos y fondeadores abrigados, lo
mal prejudica mucho a su comercio. Para levasse generalmente es preciso aprovechar [os terreles ... Por sua parte
Luis Bernardo d'Athayde (Reminiscências da vida antiga em S. Miguel. Ponta Delgada, 1921, 168-176) refere que
o mar influencia a definição e vivência do ilhéu sendo « para o açoriano, motivo de maior encanto e a mais
deslumbrante das maravilhas .. (p. 171).
e 1 ) Em 1565 justificava-se o concerto do cais de Ponta Delgada "por ser hum dos principais portos das
ilhas dos Açores e onde concorrem muitas armadas e navios asy de meus reinos como de fora deles .. (L. o de
registos de alfandega de Ponta Delgada, 1568-1603, fi. 242 v. o, cit. por Maria Olímpia da Rocha Gil, O porto de
Ponta Delgada e o comércio açoriano no século XVJl ( ... ), p. 77)
(22) Veja-se Alberto Vieira, A questão cerealífera fIOS Açores I ...1, 167-168; Maria Olímpia da Rocha Gil,
O arquipélago dos Açores no século XVII. p. 252.
e 3 ) Pierra Chaunu (Séville et l'Atlantique, t. VIII, vol. I, p, 358) comenta a propósito: "Mais d'ile, de porl
cn port, de cabotage est aussi malaise. Les Canaries - c'est le sont souvent des archipels à la cohésion médiocre
_ cornmuniquement mieaux ave c I'Espanhe ou les Indes, qu'elles communiquement entre elles ... Veja-se Maria
Luisa Fabrel1as, "Naves y marinas en los comienzos hispanicos de Tenerife», in Revista de História, n.? 105-108
(\954),38-39; Manuel Lobo Cabrera, «El mundo de! mar en Gran Canaria I ... 1», in A.E.A., n." 26 (1982),
322-327; Alejandro Cioranescu, História de Santa Cruz, I (1977), 218-223; Carmen Calero Martin, ob. cit.,
pp. 7-10.
(24) Fernando Clavijo Hemandez ccLos documentos de fretamentos/ .. .1», in C.H.C.A" vol. I, 1980, p. 44.
e s ) ob, cit.. 322-327.
e 6
) Ibidem; Pierre Chaunu ob. cit., t. VIII, vol. I, p. 360, nota I.
(27) Ibidem; t. VIII, vaI. i, p. 361, nota 4 a 7; Maria Luisa Fabrellas, ob. cit., p. 38-39; Alejandro
Cioranescu. oh. clt., I, p. 218-223. Este último refere que ..el puerto de Santa Cruz es la obra politica dei cabildo,
en lucha mas bian en la colaboración con el1a.. (Ibidem. p. 220),
47
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00
Graciosa
Á Porto de exportação
Rotas de Comércio ínter-ílhas
Rotas de cabotagem
Porto de cabotagem
~puertode La Estaca
<: •
@
Portos Cabotagem
Portos exportação
Rotas exportação
ROTAS E PORTOS DE COMÉRCIO NAS CANÀRIAS Rotas cabotagem
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\D
-1551), já publicados, esta situação surge com certa evidência: No global temos 64% com
origem em Santa Cruz e 26% em Las Isletas, sendo apenas 10% dos restantes portos de
Gran Canaria e Tenerife s). e
A partir dos principais portos processa-se todo o movimento comercial da ilha, pois os
portos secundários apenas surgem como escalas intermédias para se proceder à carga; elas
aparecem em 33 % dos fretamentos em causa, circunscrevendo-se aos portos de Taganana,
Sardina, Agaete , Garachico, Abona, La Orotava e Taoro.
Por vezes as embarcações de cereal ou de açúcar para exportação faziam o circuito de
cabotagem para carregarem o produto, voltando depois aos portos de Las Isletas ou Santa
Cruz donde seguiam o rumo definido. Em Tenerife , das quarenta e sete embarcações saídas
de Santa Cruz, entre 1507 e 1520, seis fizeram esta escala nos portos de Taoro, Abona,
Garachico e Taganana. Em Gran Canaria apenas se verifica a escala na rota nos portos de
Agaete e La Orotava, mas sem o retomo ao ponto de partida. De um modo geral nesta ilha
as referidas embarcações não fazem qualquer escala de carga, pois ao porto de Las Isletas
vinham parar todos ou quase todos os quantitativos de açúcar de exportação.
Nas restantes ilhas do arquipélago os portos existentes serviam apenas o movimento de
cabotagem, fazendo escoar os seus produtos para os principais centros de comércio em Las
Palmas e Santa Cruz. Apenas as ilhas de La Palma e Gomera contrariam esta tendência,
mercê da sua actuação como portos de escala para as naus das rotas atlânticas 9 ) . e
A construção naval
50
é incriminado André Lourenço, mestre de moinhos de açúcar em Santa Cruz, por ter
construído uma embarcação de maiores dimensões do que as permitidas no regimento C4 ) .
OS estaleiros de reparação e construção naval da Madeira situar-se-iam no Funchal,
principal porto da ilha e em Machico sede da capitania norte, onde as madeiras eram
abundantes CS).
Nos Açores promovera-se, desde o início da sua ocupação, a construção naval C6 ) .
Esta actividade ganhou importância nos séculos XV e XVI, nomeadamente nas ilhas de
S. Miguel e Terceira r'"). Gaspar Frutuoso na sua crónica das ilhas refere-nos a existência
de vários estaleiros de construção naval em S. Miguel: Fenais da Luz, Porto Formoso,
Lagoa, Porto dos Bateis, Ponta Delgada e Povoação C'"). Para a Terceira alude apenas aos
estaleiros de Porto de Pipas e Prainha, dizendo que na cidade de Angra eram cinquenta os
carpinteiros de ribeira C9 ) .
Este numeroso grupo de estaleiros, apenas nas duas ilhas, atesta a importância que esta
actividade assumiu nos Açores no século XVI. No entanto as dificuldades no fornecimento
de madeiras conduziram à sua delimitação em 1594, altura em que se restringiu a sua
construção apenas a embarcações até 40 toneladas e, ao mesmo tempo, se interditava a sua
venda para fora (40).
Nas Canárias a construção naval teve idêntico relevo nas actividades transforma-
doras (41). A riqueza de madeiras e as necessidades da navegação de cabotagem e das rotas
atlânticas fortaleceram esta arte. Mas num segundo momento as dificuldades no abaste-
cimento de madeiras e pez, em consonância com os problemas de desarborização, conduziram
à sua limitação. Os cabildos de Tenerife e Gran Canaria passam a controlar o corte de
madeiras mediante a passagem de licenças (42).
As limitações impostas à construção naval nesta ilhas conduziram à aquisição de
embarcações nos estaleiros navais da Península. Assim, no caso das Canárias, mais
propriamente em Tenerife, há notícia da compra de vinte e sete embarcações, na sua maioria
~ Portugal. O preço destas variava de acordo com o tipo, a tonelagem e a capacidade da
embarcação (43).
e 4) Carta de perdão de D. João III de 27 de Junho referenciada por A. Sarmento, ibidem, p. 41.
(35) Gaspar Frutuoso (ob. cit.. p. 204) refere-nos a construção. em finais do século XVI, de uma galé com
17 remos por bordo, em Machico. por ordem de Tristão Vaz de Veiga para uso na defesa da costa.
e 6 ) O almoxarífado dos Açores de 2 de Julho de 1437 dizia: «Quem nessa ilha fizer algum navio ou navios
a mim me praz de lhe quitar a dízima do taboado, e madeira que por eles fizeram. e isto enquanto a mim
aprouver .. (F. F. Drummond, Anuis da ilha Terceira, .1. pp. 167-168). Veja-se Luis Bernardo Leite d' Athayde,
Notas sobre arte, 1915, pp. 176-178); Francisco Carreiro da Costa, «Antigos estaleiros navais dos Açores » , in A
Ilha. n.? 1600,6 de Outubro de 1962; Miguel de Figueiredo Corte Real, A construção naval da Ilha de S. Miguel
nomeadamente na Ribeira da Povoação fIOS séculos XVI e XVIl. Ponta Delgada, 1982, pp. 7-19; José Augusto do
Amaral Frazão de Vasconcelos. Leandro Raiz. construtor naval micaelense dos séculos XVI e XVIl. Lisboa. 1962.
(37) Luis Bernardo Leite d'Atahyde, ibldem; Idem, Reminlscencias da vida antiga em S. Miguel, Ponta
Delgada, 1929. pp. 61-79; Luis da Silva Ribeiro, «Formação histórica do povo dos Açores.., in Obras de História,
Angra do Heroísmo, 1983, p. 75.
e B) Saudades da Terra, L.0 IV, caps. XXXI. XXXIX, XLIV, XLVII, LXXVII.
e 9 ) lbidem, L.0 VI, (1963), pp. 23-24; Urbano de Mendonça Dias. História dos Açores. p. 172.
(40) 1..03 da alfandega de Ponta Delgada, fls. 9 v.P-If). 28 de Abril de 1594, publ , por Luis Bernardo Leite
d'Athayde, Notas sobre arte, pp. 178-179.
(41) P. Chaunu, lbidem, VIII, vol, i, 367-369 e 355; E. Aznar Vallejo , ob. cit .. 331-332; Manuel Lobo
Cabrera, El mundo dei mar en Gran Cana ria / ... l , 318-322; A. Cioranescu, oh. cit.. I, 244-245.
(42) Em I de Julho de 1623 o juiz Gallinato solicitou licença ao cabildo para o corte de maneira de pinho e
pau branco a fim de mandar construir uma caravela e um barco de pesca (Acuerdos dei cabildo de Tenerife, IV,
n. O 399. p. 210).
(43) Manuel Lobo Cabrera, ob . cit., pp. 310-313.
51
Preço das embarcações século XVI
o frete
(44) Fernando Clavijo Hernandez, -Los documentos de fletamentos / ... l , IV C.H.C.A" 1,45-46 e 51;
Idem. Protocolos dei escrlbano Hermán Guerra, Tenerife, 1980, pp. 21-23 Manuel Lobo Cabrera, EI mundo dei
mar en Ta Gran Canaria / .. .l , 307, 310: Idem, Protocolos de Alonso Gutiérrez, Tenerife, 1979. p. 37: Maria
Olímpia da Rocha Gil, ..Açores. Comércio e Comunicações nos séculos XVI e XVIf". in Arquipélago, série
Ciências Humanas, IV. ([983) 349-415.
(45) O preço de frete variava consoante a estação do ano e com o decorrer dos anos. No percurso de Santa
Cruz de Tenerige e Cádiz o frete custava. em 1509. 300 maravedis por tonelada, passando em [522 para o dobro
(F. Clavijo Hernández, ibidem, 45-46).
52
do mantimento da tripulação. O frete variava entre os cinco mil setecentos e sessenta e os
trinta e cinco mil trezentos e setenta maravedis.
Ao nível do movimento de cabotagem o custo do transporte dos produtos variava de
acordo com a distância, a mercadoria e o período do ano em que se assentava. Na Madeira,
em 1503, o frete de um batel para ir aos lugares de baixo (Calheta-Ponta de Sol-Ribeira
Brava) orçava os trezentos e cinquenta reais, passando em 1516 para quatrocentos reais (46).
E em 1505 o transporte de passageiros entre a Ribeira Brava ou Calheta orçava os cento e
cinquenta reais cada (47). O aumento significativo do seu custo só se fazia sentir nas ligações
com a costa norte, mercê da demora e das dificuldades do percurso. Em 1517, por exemplo,
o transporte de um mastro de barbusano ao Funchal ficou por dois mil e quinhentos
reais (48).
Toma-se possível em 1591 a comparação do tarifário dos serviços de cabotagem na
Madeira e nos Açores, mercê do registo de despesa da visita do inquisidor do Santo Ofício
às Ilhas:
Preço do transporte do inquisidor cm 1591
ITINERÁRIO PREÇO
Saliente-se que os trezentos reais que em 1505 davam para uma viagem do Funchal à
Calheta, em 1591 apenas dão para despesas de transbordo no calhau do porto do Funchal.
Esse percurso ficará então por cinco vezes mais (49).
Nas Canárias há, igualmente, conhecimento do custo do frete no comércio de cabotagem
entre as diversas ilhas do arquipélago, nos anos de 1509 e 1523:
(46) A.N.T.T.• C.C .. 1I-7-16. 18 de Janeiro de 1503, mandado do contador da fazenda para o recebedor so
almoxarifado da alfândega; Idem, Ibidem, 1I-66-66, 30 de Setembro de 1516. mandado do provedor de fazenda.
(47) Idem. N.A, n.? 903 B, fis. 13-16.
(48) Idem. C.C .. 1I-69-144, mandado de 12 de Maio de 1517.
(49) lbidem, II-69-71, 25 de Abril de 1517.
53
As relações entre os três arquipélagos eram assíduas, mercê dos contactos estabelecidos
para o transporte de produtos e passageiros. Entre as Canárias e a Madeira mantem-se uma
rota de fornecimento de pez e trigo. Os custos de transporte de pez variavam entre
quinhentos e setecentos maravedis a tonelada e do trigo entre trinta e três e quarenta e cinco
maravedis o quintal. No global o frete do navio oscilava entre os doze mil e os dezassete mil
e quinhentos maravedis. Note-se que em 1511 se mantinha o mesmo preço por tonelada de
cevada a exportar para o Funchal e Faial. O trigo açoriano com destineao Funchal era
onerado entre mil e mil e seiscentos e cinquenta reais por tonelada.
Fonte: F. CaIavijo Hernandez, Ibldem; Maria Olimpia da Rocha Gil, ibidem, A.N.T.T., Inquislção de Lisboa.
ms 146-6-287.
Nos contactos com o exterior o preço do frete variava de acordo com o porto do destino
e o número de escalas intermédias. Assim, da Madeira e dos Açores ao reino o frete custava
em 1591 setenta mil reais. Das Canárias para o mesmo destino ele poderia oscilar, em
1520-1521, entre os quatrocentos e sessenta maravedis por tonelada para Lisboa e Setúbal e
os quinhentos para Aveiro (50). De Tenerife para Castela, em 1510-1511, o frete variava entre
os seiscentos e cinquenta maravedis para Galiza e os quinhentos e cinquenta e quatro para
Cádiz (51). O açúcar transportado desde Las Isletas até Cádiz era contabilizado a quatro reais
de prata em 1511,e seis e meio em 1572, à caixa. Para Génova ficava em um ducado de
ouro a caixa (em 1519), chegando a atingirem 1531 a quantia de quinze reais de prata. Para
Anvers o seu preço cifrava-se, em 1533-1534, em cinco ducados ouro.
Meios de pagamento
54
atlânticas, onde se afirmará uma economia colonial, o instrumento de troca tem uma acção
primordial na estrutura económica insular.
A moeda e seus substitutos são necessários para a compra de manufacturas de
importação e aquisição dos bens essenciais de que a sociedade insular carece, pois os
produtos dominantes não perfazem nem contrabalançam essa entrada, A situação monetária
das ilhas não se apresentava diferente. pois que em todas é dominante a falta do metal
amoedável e da sua circulação. Esta é. assim, a característica dominante da sociedade
insular, que condiciona de modo vincado as operações financeiras e contribui para o
entorpecimento das relações de troca,
Esta falta crónica de moeda tornou necessária a criação de novas formas de pagamento
e condicionou o aparecimento de novos instrumentos de troca, Assim, ter-se-ia generalizado
nestas ilhas o pagamento em géneros, a troca produto a produto e, em circuitos mais
amplos, o crédito, a letra de câmbio e o trespasse de dívidas,
Como medida padrão do sistema de troca produto a produto vigora em cada área e em
cada época o produto ou produtos dominantes e mais importantes em termos sócio-
-económicos, Este câmbio-vertical da moeda apresentava-se muito prejudicial aos insulares,
uma vez que os mercadores nacionais e estrangeiros. que detinham o controle dos circuitos
de importação, apresentavam os seus produtos a um preço mais favorável em relação aos
produtos de troca locais: pastel, trigo e açúcar. A dominância desta tendência monocultural
e a dependência dela decorrente em relação ao mercado externo contribuiram para o reforço
da posição estrangeira, o aumento especulativo dos produtos e Ifas suas transacções, e o
agravar da situação financeira.
A moeda corrente nas ilhas era a mesma do mercado hispânico continental. As coroas
de Portugal e Castela mantiveram sempre como privilégio seu a cunhagem da moeda (53).
Esta situação não invalida a existência de cunhagens especiais com destino às ilhas, bem
como a circulação uniforme de moeda portuguesa e castelhana nos três arquipélagos.
, A
primeira situação surge apenas nas Canárias em 1511 e 1513 com a cunhagem da moeda em
Sevilhat'"); a segunda aparece desde os primórdios destas sociedades como resultado das
interconexões sócio-políticas e económicas dos três arquipélagos. A moeda de prata
castelhana, porque se apresentava como a moeda forte, alastrará a todo o mundo atlântico,
dominando todas as relações de troca; circulou com abundância no mercado madeirense
desde princípios do século XVI (55). As autoridades locais tendo em atenção essa situação
regulamentaram desde meados do século o seu valor corrente. que passaria a ser de trinta e
seis reais (56). Nas Canárias, ao invés, circulavam os ceutis portugueses, que invadiam o
mercado financeiro canário em face da valorização da moeda de ouro e prata espanhola (57);
as transacções do mercado interno implicavam a existência de uma moeda fraca e o ceutil
português era a mais indicada. .
As questões e soluções adequadas para o sistema financeiro insular não er~ um~or
mes; pelo contrário, entre as ilhas portuguesas e espanholas apresentavam-se assímetnas.
Assim, enquanto nas Canárias se procedia à valorização da moeda (1500-1509, 1521), como
forma de assegurar a estabilidade do mercado financeiro, na Madeira e nos Açores,
(53) O donatário das ilhas portuguesas não tinha o direito de cunhar moeda, pois D. Duarte, na doação de 26
de Setembro de 1433, o reservara para a coroa. Fernando Augusto de Silva «Moeda» in Elucidaria Madeirense. /I
(1945), 377; Bernardino José de Sena Freitas, "Memória Histórica sobre a moeda nos Açores .., in Arquivo dos
Açores. IX (1887),292-413. A moeda castelhana vinha de Sevilha; veja-se Eduardo Aznar, Documentos Canarios
/ ... / n.? 962, p. 193, Valaladolid, la de Maio de 1513.
(54) Eduardo Aznar Vallejo, La integraclán de las islas Canarls en la corona de Castilho f . ,./. 334.
(55) José Madurell Marimón, «Los Seguros rnaritimos y el comercio en las islas de la Madera y Canarias ..,
in A.E.A .. n.? 5, 507-509, II de Abril de t500, seguro marítimo para transporte de moeda de Andaluzia à
Madeira a troco de açúcar.
(56) A.R.M., C.M.F.. n.? 1309, fls. 85 v.0-86 v.", 30 de Dezembro de 1500.
(57) Eduardo Aznar Vallejo, ibidem, 335; A. Cioranescu, Ibidem, I, 275.
55
mercê de política financeira portuguesa, actuava-se no sentido inverso, com consecutivas
desvalorizações (58).
A incidência da questão financeira no mercado insular foi igualmente preocupação dos
municípios, que intervinham no sentido de assegurar a estabilidade do mercado monetário
local, procurando colmatar os problemas derivados da urgente falta de moeda. Em Tenerife,
desde finais do século XV, o respectivo cabildo , definiu a sua política financeira, que
assentava nas seguintes directrizes:
(li Açúcar mercadoria de troca na Madeira
1508-1509
João Francisco Affaitati 1508 II 470 arrobas e 19 arrateis 454 quintais, 2 arrobas e 6 arrateis
de pimenta
1509 1 I 470 arrobas e 19 arrateis 454 quintais, 2 arrobas e 6 arrateis
de pimenta
8 282 arrobas e 27,5 arrateis dívidas diversas
Claaes 1509-1510 10 000 arrobas 198 quintais, 17 arrobas e 4 arrateis
de pimenta
1507 659 524,5 reais de açúcar mercadoria
1506 273 908 reais de açúcar mercadoria
1508 979 818 reais de açúcar mercadoria de latão e cobre
1509 988 arrobas e II arrateis mercadoria de latão e cobre
Tristão da Cunha 1509 6000 arrobas 240 quintais, 3 arrobas, 19 arrateis
e 3 onças de pimenta
Rui Freire 1508 143 arrobas e 14 arrateis 47 340 reais de pimenta
Marchionni 1508-1509 40 000 arrobas 2 636 quintais, 2 arrobas, 6 arra-
teis e 2 onças de pimenta
'Álvaro Pimentel 1508 12 000 arrobas trato de tenças e casamentos
1509 12 000 arrobas trato de tenças e casamentos
1510 7 936,5 arrobas trato de tenças e casamentos
Lucas Rem 1508 12000 arrobas e a dízima de saída476 quintais, 2 arrobas, 6 arrateis
e 2 onças de pimenta
Hutra Deli Rio 1505 I 326 arrobas e 22 arrateis 199 moios de trigo
- aumento da produção da riqueza local por meio do incentivo à produção com valor
mercantil,
- incentivo à fixação de artesãos como forma de contrabalançar o movimento de troca
com o exterior, considerado a principal causa de sangria monetária,
- dinamização e institucionalização do sistema de trocas por produtos (cereais,
açúcar) de acordo com um tabelamento de preços pré-estabelecidos nas posturas e
acórdãos,
- obrigatoriedade dos mercadores efectuarem os seus pagamentos em moeda e de
arrecadarem as dívidas locais em produtos, de acordo com o preço estabelecido,
- proibição de saída da moeda (59).
(58) Eduardo Aznar Vallejo,La integración de las lslas Canarias en la carona de Castilla, 335-336: Maria
José Ferro Tavares, "A moeda de D, João II aos Filipes (1481-1640)" in História de Portugal, IV. 1984.273-290.
Na Madeira em 1568, segundo ordenação régia, o real sofreu uma quebra de 70%: veja-se A.R.M., C.M.F.,
Registo Geral, 1. m. fls, 133 v.o-134 V.O
(59) Eduardo Aznar Vallejo, Ibidem, pp. 52, 315 e 33-337: A. Cioranescu, Ibidem, I. 273-277: Enrique
Otte, Ib idem , 159-160; Elias Serra Rafais «Introduccion» in Acuerdos dei Cabildo de Tenerife, II, pp. XV-XVI.
56
dos seus produtos (60). A valorização sócio-económica do açúcar obrigou a uma nova
reformulação do sistema de trocas, passando este produto a actuar como medida, a partir de
1508 (61). Nesse sentido poderá considerar-se que os cereais e o açúcar se mantiveram por
todo o século XVI como os principais produtos e instrumentos de troca(62). Na Madeira e
nos Açores a situação financeira é idêntica e, de igual modo, os produtos dominantes terão
uma acção fundamental na organização do sistema de troca. Os cereais, o pastel, o açúcar e
o vinho surgirão em cada época como moeda de troca (63).
Na Madeira, a dominância de cultura da canasacarina até a primeira metade do
século XVI, fará com que o açúcar seja utilizado como meio de pagamento no mercado
local e internacional; o açúcar era usado não só no pagamento de soldadas e dos serviços de
lavra e safra açucareira, mas também para pagar o trigo e cevada importados dos Açores.
A coroa, por vezes, servia-se dos seus réditos para fazer os pagamentos, em pimenta da
casa da Índia, das despesas da coroa e das comendas (64).
O lavrador e o proprietário do engenho serviam-se usualmente do produto da sua safra
para o pagamento da mão de obra assalariada de que necessitavam. Entre 1509 e 1537 há
AÇÚCAR
ASSALARIADOS NÚMERO
ARROBAS MÉDIA
Albardeiro 2 10 13
Alfaiate 6 4,5 0,75
Almocreve 7 32,5 4,64
Barbeiro [ 4 4
Boticário 1 6 6
Caixeiro 1 3,5 3,5
Caldeireiro 2 4 2
Canavieiro 2 6 3
Feitor 1 2 2
Ferreiro 7 93,5 13
Mestre 1 8 8
Moleiro 1 3 3
Ortelâo 1 1 I
Pedreiro 3 9,5 3
Pescador I 2 6
Purgador 2 11,5 5,75
Refinador 1 [ I
Sapateiro 6 105,5 17,5
Tacheiro 1 4 4
Tanoeiro 2 8 4
Trabalhador 15 54,5 3,6
Fonte: A. N. T. Too Núcleo Antigo. Livros do quarto e quinto do açúear da Madeira. 1509-1537
(60) Acuerdos dei cabildo de Tenerife, t. I, n.? 49,52,62,74, 112, 189,325,462,464, de 15 de Maio de
1498 a 24 de Julho de 1503.
(61) lbidem, n." 685, 688, 713, 8 a 10 de Janeiro e I de Março de .1507.
(62) O pagamento em espécie institucionalizou-se, sendo a prática eorrente e dominante em Tenerife e Gran
Cariaria. Segundo Gentil da Silva, entre 1509-1510, em Tenerife 32,5 % dos pagamentos foram feitos em moeda e
68,5 % em espécie, sendo, destes últimos, 59.6 % em açúcar, 6,9 % em cereais, 0.6% em gado. (José Gentil da
Silva. «Échanges et troe; l'exemple des Canaries au début do XVI" siécle», Annales, Economiques. Sociétés ,
CivilisatÍons . . n." 5, 1691. 1003-1011. Clavijo Hernández (los documentos de fletamentos I ... 1, 33-41)., ao
estudar as obrigações de pagamentos entre 1507-1511 e 1520-1523. conclui pela dominância destes produtos, com
especial saliência para os cereais.
(OJ) José Gentil da Silva, As ilhas dos Açores e os metais preciosos I .. .1. 602-603; Veja-se Gaspar
Frutuoso, Saudades da Terra, L." IV, II, 18-23.
(64) Fernando Jasmins Pereira, O a~'lÍcar madeirense I ... 1, pp. 61-91.
57
8
referência a diversos pagamentos em açúcar por serviços prestados na lavoura e na
laboração do engenho e, mesmo, na compra de qualquer manufactura ou prestação de
serviço artesanal.
Os pagamentos aos serviços da safra do açúcar atingem 31%, sendo 17% no cultivo e
apanha da cana e o restante nos serviços, sendo dominados pelos sapateiros (28%) e
ferreiros (25 %) .
As obrigações do pagamento do trigo açoriano com açúcar surgem apenas entre 1509 e
1519. No global temos 43% em moeda e 57% em açúcar(65). Neste curto período de dez
anos movimentaram-se 946,5 arrobas de açúcar em troca de 235,5 moias de trigo, o que dá
em média quatro arrobas de açúcar por maio de trigo, avaliado em cerca de mil reais.
AÇÚCAR DINHEIRO
ANOS
NÚMERO ARROBAS NÚMERO REAIS
1509 I 42
151O 22 618 e 8 35200
1511 22 288 e 24
1512 13 24 e 30 I 15000
1513 40 1995459
1514 I 65000
1519 2
Esta característica da economia e das finanças das ilhas não era a mais conveniente
o
para desenvolvimento do comércio externo do mercado insular; para além de entorpecer os
circuitos de troca e de prejudicar os habitantes das ilhas e os estrangeiros, conduziu à
paulatina subordinação da economia ao mercado europeu que aí surgia em condições
vantajosas com as suas manufacturas. O ilhéu, não dispondo destas e perante a penúria da
moeda, via-se obrigado a recorrer à venda antecipada e às hipotecas ou empréstimos. Desta
forma os mercadores adquiriam as manufacturas a preços elevados e sujeitavam-se a
entregar os cereais e o açúcar a preços inferiores.
Perante tal exorbitância dos mercadores estrangeiros, os municípios actuaram no
sentido de regularizar a situação, traçando normas de conduta mais convenientes. Primeiro
estabeleceram o preço porque deviam ser vendidos os produtos, depois coibiram os
mercadores de tais práticas fraudulentas (66).
As dificuldades do sistema monetário não implicaram apenas os recurso à troca produto
a produto, mas de igual modo a procura de outras formas de pagamento substitutivas da
moeda, então em voga na Europa: a carta ou letra de câmbio e o trespasse de dívidas em
dinheiro ou produtos (67).
Segundo Enrique OUe, Las Palmas surge no século XVI como uma importante praça
bancária, situando-se ao nível das de Medina dei Campo e Valência (68). Os genoveses
detinham aí a maior parte do movimento de cédulas.
(65) A.N.T.T., C.C .. II, Maços 5, 21-29, 33, 36-8, 41-43, 46, 79, 185.
(66) Acuerdos dei cabildo de Tenerife I, n.? 356, pp, 33-34, 25 de Maio de 1509; Ibidem, IV, n.? 396,
p. 206, 15 de Junho de 1523: Fernando Jasmins Pereira, Alguns elementos paro o estudo da História económica
da Madeira, pp. 149-151.
(67) Eduardo Aznar Vallejo, Ibidem, 336-337; A. Guimerá Ravina, "La financiacion del comércio de
Garachico con las Indias (1566-1612).., in II C.H.C.A, I., 1977, pp. 266 e 274.
(68) Enrique oue, ob, cit., pp. 157-173.
58
Na Madeira, como nos Açores, a letra de câmbio teve igual importância nas transacções
comerciais com o exterior. Este meio de pagamento activou o trato do açúcar, sendo usual
nas trocas com o reino, nomeadamente Lisboa (69). A existência de uma importante
comunidade de italianos e de flamengos, ligados ao comércio do açúcar com as principais
praças europeias, contribuiu para a generalização desta forma de pagamento. Os florentinos,
experientes nas transacções financeiras, surgiram também com grande evidência, sendo
particularmente importante a acção de Feducho Lamoroto e de Francisco Lape (0).
(69) A.R.M .• Misericórdia do Funchal, L.? 710. fls. 234-236 v.", 26 de Junho de 1547, testamento de
Fernão Raiz mercador; Ibldem, L. ° 41, fls. 280-284, 24 de Outubro de 1559, procuração de Brás Pires a Baltasar
Gonçalves mercador; Idem L.0 de notas de João Tavira, fls. 43.45 v.", 6 de Setembro de 1597, auto de venda de
foros,
eo) Feducho Larnoroto, mercador florentino. vizinho do Funchal, entregou em 1512 três letras suas no
valor de 403 DOO reais a João Saraiva (A.N.T.T., C.C. 11-41-120); e em 1517 enviou sob a mesma forma
., 10 000 rs. a André da Silveira (Iii idem• 11-71-131). Francisco Lape, igualmente florentino, passou uma letra de
300 000 rs. a João Francisco Affaitati, que lhe foi entregue por Francisco Pessoa, tesoureiro do dinheiro do reino e
moradias Ubidem, 11-7-77: 8-96). Temos, ainda em 1512. referência a duas operações de igual índole. a primeira
de João Dias, mercador flamengo, residente no Funchal. que passou uma letra no valor de 100000 reais e a
segunda de Nicolosso Justinhom, genovês, no valor de 106900 reais (lbidem, 11-41-120),
e') Kristo Glamunn, "E! comercio europeo (1500-1750)0. in Historia Económica da Europa (2) siglos XV/
I' XVI/o Barcelona. 1981, 387-409 Valentim Vasqucz Prada, História ecollómica mundial l, Porto, 1977,302-312:
'Maria Olímpia da Rocha Gil, ..Açores-Comércio e comunicações nos séculos XVI e XVII.., in Arquipélago. série
Ciências Humanas. IV. 1982, 351-357,
(72) Maria Thereza Schorer, ..Notas para a história das relações dos banqueiros alemães, .. ". in Revista da
História, XV, S, Paulo, 1977, 277-355.
59
interesses (73). Quando tal se tomava impossível recorria-se aos compatrícios avizinhados
nas principais praças. Esta última forma surgiu com assiduidade na Madeira.
Não obstante as companhias familiares terem à partida uma tendência perdurável, de
modo geral a associação de mercadores assume um carácter temporário ou eventual. Todas
as companhias são formadas por um período determinado, e surgem com frequência nas
transacções comerciais entre as Canárias a Andaluzia e as Índias (4): na Madeira assumem a
mesma condição definidas para a compra do açúcar das escápulas, dos direitos reais e
também para o arrendamento desses direitos por períodos determinados.
O relacionamento dos intervenientes nestas sociedades fazia-se de acordo com o
investimento na empresa: capital e trabalho. Quando um dos societários apenas intervém
com o seu trabalho poderá ser definido como agente ou feitor (s). Por vezes esses laços são
de menor dimensão surgindo assim o procurador que, mediante documento notarial, actua
sobre a fazenda do seu parceiro no mercado local, cobrando por isso uma determinada
percentagem (6). Ambas as situações aparecem com grande evidência na praça funchalense,
enquanto nas Canárias se afirma com muita acuidade a segunda.
A rede de negócios funchalense, em tomo do trato do açúcar, foi criada e incentivada
pelo mercador estrangeiro, alemão ou italiano, que aí apartou depois da reconfortante e
vantajosa escala em Lisboa; ele dominou as principais sociedades intervenientes no comércio
açucareiro, não obstante ter morada fixa em Lisboa, Flandres ou Génova (7); o seu domínio
atingiu não só as sociedades criadas no exterior com intervenção na ilha, mas também o
grupo de agentes ou feitores e procuradores subestabelecidos no Funchal. A escolha destes é
criteriosa; primeiro os familiares, depois os compatrícios enraízados na sociedade e, só
depois, os madeirenses ou nacionais.
AGENTES
SÓCIOS MERCADO TOTAL
PROCURADORES
ORIGEM ~_.'--_.- ..
~"~"--
Nacionais 22 42 12 44 3 13 37 36
Estrangeiros 30 58 15 66 21 87 66 64
Total 52 51 27 26 24 23 103
(73) Eufemio Lorenzo Sanz, Comercio de Espana con America en la época de Filipe II. I, Valladolid, 1979,
159.
(4) Manuel Lobo Cabrera, «Gran Canaria y lndias I., ,I» IV C,H,C,A" l, 134-135; Francisco Morales
Padron, «Cariarias en el Archivo de Protocolos de Sevilha» A.E.A .. n.? lO (1961), 253; Veja-se documento
n.? 176 e 216; Eduardo Aznar Vallejo, ob. ri!" 337-338.
(5) Manuel Lobo Cabrera, lbidem. 134-136.
(6) Maria Olímpia da Rocha Gil, O arquipélago dos Açores no século XVII, Castelo Branco, 1979,
357-360.
(7) Virgínia Rau e Jorge de Macedo, O açúcar da Madeira 1, .. 1, 29.
60
princípios do século XVI, João de Augusta, Bono Broxone , Jorge Emdorfor, Jácome
!10lzbuck, Leo Ravenspurger e Hans Schonid. Os produtores e feitores, na sua condição de
mterlocut~res dos mercados europeus, não se ligam a uma única sociedade, mas distribuem
a sua acçao por um grupo numeroso de societários; e estes, por sua vez, não se prendem
30 - iii
:.:-:.:.:.:.:.: Nacionais
25 -
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O
Sócios Mercadores Agente/Procurador
apenas a um representante, pois fazem distribuir os seus poderes por um grupo razoável de
feitores e procuradores. Na primeira situação distingue-se Benoco Amatori que representava
B. Marchionni, B. Morelli, Álvaro Pimentel e Jerónimo Sernigi, e, na segunda João
Francisco Affaitati que, entre 1500-1529, estava representado por Gabriel Affaitati, Luca
Antonio, Cristóvão BocoIlo, Capella e Capellani, João Dias, João Gonçalves, Matia
Manardi, Mafei RogeIl e Lucas Giraldi (vejam-se os mesmos quadros).
61
Sociedades para o comércio do açúcar
1471-1473 açúcar da produção local Martim Anes Boa Viagem, Fernão Nunes Boa Viagem, Fernão Pires,
Vicente Gil, Pedro Botelho, Álvaro Esteves, Batista Lomelim, Francisco
Calvo e Micer Leão
1502 escápulas mediterrânicas António Salvago, João Francisco Affaitati, Jerónimo Sernigi, João
Grande Francisco Corvinelli
1520-1521 direitos João Francisco Affaitati e Jerónimo Bicudo
1524 direitos Jorge Lopes Bixorda e Pedro de Minença
1526 direitos Charles Correa e Pedro de Minença
1527 direitos Pedro de Ayala, João de Miranda, João de Odom, Diogo de Torres e
Nuno Henriques
1530 direitos Bernardim de Medina. João Coquet, João Rodrigues Castelhano,
João de Quintana e Afonso de Sevilha
1534 direitos Manuel Mendes e Gabriel Fernandes
1535 direitos Tobias de Marim e Henrique Nunes
1537 direitos Afonso de São Victor e Henrique Nunes
62
Na praça de Angra fomos encontrar um mercador inglês, Thomaz Barnes, associado a
um compatrício seu, com interesses nas Canárias (82). E, em Ponta Delgada, Afonso Armes
de Chaves surge associado, em sistema de parceria, com Afonso Pires, vizinho e morador
no Porto (83); o primeiro comprometia-se a enviar ao Porto vinhos, vinagres, castanhas e
sardinhas, enquanto este lhe enviaria couro de cordovão e toalhas de mãos.
Nas Canárias as companhias não surgem apenas no sector comercial, pois esta forma de
associação alarga-se também ao sector produtivo e aos transportes (84); é de referir em
especial, no sector produtivo, a aquisição,em 1513, pelos Welsers, de importantes canaviais
em Tazacorte (La Palma), que depois trespassaram aos seus agentes, Juan Bissan e Jácome
de Monteverde r"). Em Gran Canaria são frequentes os contratos de companhia entre os
lavradores de açúcar e os mercadores ou mesmo entre os primeiros e os canavieiros (86).
As sociedades comerciais canárias actuam de modo diverso em três partes distintas -
mercado europeu nórdico e mediterrânico, no litoral africano e no litoral americano. Nas
praças de Las Palmas, Santa Cruz e Garachico formam-se sociedades, compostas por
mercadores locais e forasteiros, com o objectivo de comerciar nessas três partes. Geral-
mente chegam aí a partir de Sevilha e Cadiz, as principais sociedades europeias que
subestabelecem o tratamento dos seus interesses em feitores ou procuradores (87).
Em 1518 forma-se em Cádiz uma sociedade para comerciar entre Castela e Tenerife,
sendo composta por dois mercadores residentes nesta ilha, Juan Pacho e Gaspar Jorba, e
outro em Castela, mas com larga experiência no comércio canário, Lorenzo Garcia C").
Quando ela termina, em 1520, dois dos seus intervenientes, Juan Pacho e Lorenzo Garcia,
criam nova sociedade por quatro anos (89). O êxito destas iniciativas, bem como a
possibilidade de alargamento da rede de negócios à Flandres e Berberia, fê-los fundar em
1533 uma nova companhia, conjuntamente com Lucas deI Burgos e Diego Rodrigues eo).
Com os mesmos objectivos surgiu em 1536 outra companhia, fundada por três
mercadores de Barcelonar'"); pretendiam comerciar o açúcar das Canárias e escravos, tendo
Cádiz como centro de redistribuição. A estes seguiu-se, em 1574, nova iniciativa de
mercadores de Barcelona com idêntico objectivo (92).
Nesta trama de relações comerciais entre a Andaluzia e as ilhas Canárias dominam,
acima de tudo, as companhias de familiares, em que se conjugam os laços de parentesco
com os comerciais. As principais famílias italianas, flamengas e andaluzas, organizadas ou
não em sociedade, subestabelecem familiares seus nas principais praças destas ilhas,
nomeadamente em Las Palmas, Garachico e Santa Cruz. Aí encontramos os Sopranis,
Coronas, Veintinigla, etc. (93).
(82) B.P.A.P.D., Livraria Ernesto do Canto, Extractos de Documentos Micaelenses, vol. IV, p. 28, 26 de
Agosto de 1549, testamento de Thomaz Bames.
(83) Idem, Escrituras 1518-1599, n." 9, Porto, 16 de Abril de 1518, carta de quitação.
(84) Eduardo Aznar Vallejo, ibldem, 338.
(85) Ihidem, 351, nota 177; José Peraza de Ayala, "Historia de la casa de Monteverde», in Nobiliario de
Canárias, II, La Laguna, 1959, 491-579; Manuel Lobo Cabrera, "Los Vecinos de Las Palmas y sus viages de
pesque ria 1...1" III C.H.C.A., II, 1978, 471.
(86) Guilherme Camacho y Perez Galdós, «El cultivo de la cana de açúcar I ... I" in A.E.A., n.° 7 (1961) -
33-34.
(87) Manuel Lobo Cabrera, «Gran Canaria y Indias I .. . /», IV C.H.C.A" I, 143; Manuela Marrero
Rodrigues, "Una sociedad para comerciar en Castilla, Canarias y Flandres en la primera mitad deI siglo XVI". III
C.H.C.A., I, 1978, 161.
(88) Manuel Lobo, Ibidem, 161-173.
(89) Ihidem, 172.
(90) Ibidem, 163-164.
(91) J. M. Madurell Marimon, «Notas sobre el antiguo comercio / .. ./ » A.E.A., n.? 3, (1957), 563-592;
Idem, "E1 antiguo comercio / ... l», A.E.A., n.? 7 (1961), 71-74.
(92) Idem, «Miscellanea de documentos historicos Atlânticos», A.E.A .. n.? 25 (1979) 224-225, 235-238.
(93) Guilhermo Camacho y Pérez Galdós, ibldem, 52; Eufemio Lorenzo Sanz , ibidem, I, 105-423.
63
1.3 Agentes
64
1 ()()() -
CJ Agentes de Comércio
mm
..........•.. Agentes de Transporte
500 -
1 !j!1!ji1ij!j!1i1!1!j!j~j ~ 1
::::::::::;:::::::::::::::;:;1
Madeira Açores Canárias
65
9
As ilhas da Madeira e Canárias exerceram maior atracção, pois totalizam isoladamente
48 % enquanto os Açores atingem apenas 3 %. Esta situação por si só denuncia a importância
que os dois sectores tiveram na Madeira e nas Canárias, importantes entrepostos do
comércio atlântico.
A presença forasteira é mais clara no sector comercial do que no de transporte, pois no
primeiro atinge 88,5% e no segundo não ultrapassa os 11,5%. Esta presença é justificada
pelo comércio dos produtos de exportação. Além disso ela varia nos três arquipélagos, pois
nos Açores é apenas de 3,4% enquanto na Madeira é de 48,1 % e nas Canárias de 50,5%.
A situação aludida, para além de reforçar a ideia da importante actuação da classe mercantil
forasteira na Madeira e nas Canárias, nos contactos com o exterior, denuncia a sua
predominante intervenção no mercado e comércio local. O açúcar e, depois, o vinho
atraíram mais facilmente a cobiça do mercado europeu do que o pastel ou os cereais. Neste
grupo de estrangeiros evidenciam-se os oriundos do mercado hispânico que representam na
Madeira 47,7% e nas Canárias 44,4%. Verificamos assim que a burguesia comercial e
marítima hispânica mantém uma posição dominante no mercado insular, que desde os
inícios do povoamento atraiu as suas atenções.
A activação dos circuitos de troca no mercado insular deriva da acção dos agentes de
transporte e de comércio. Os primeiros subdividem-se em agentes de transporte terrestre
(carreteiro, boieiro, cocheiro, cameleiro, almocreve) e marítimo (barqueiro, mareante,
piloto e mestre de navio). Os segundos ramificam-se de acordo com a incidência da sua
actividade no mercado local e externo; assim, teremos o mercador propriamente dito, que se
dedicava ao trato por grosso de mercadorias de exportação e importação, e um grupo
numeroso de agentes retalhistas, que asseguram a actividade do mercado local - regatão,
vendeiro, estalajadeiro, peixeira, especiero, carniceiro e vinhateiro.
Numa área onde a economia se define pela litoralidade, em que portanto o transporte
dominante é o marítimo, e onde a troca directa ou indirecta da produção é devida à acção
dos agentes comerciais, esta fica logicamente valorizada; representam 71,7%, predominando a
sua actuação nos três arquipélagos. De acordo com essa situação, o transporte marítimo terá
uma posição primordial, representando os seus agentes dois terços do global do grupo de
transporte.
e) A. Barquero Moreno, ..A acção dos almocreves / .. '/", in Papel das Àreas Regionais na História de
Portugal. Lisboa, 1975, 185-215; J. Borges de Macedo, « Almocreve » , in Dicionário de História de Portugal.
vol. I, Lisboa, 1975, 119-120.
(4) A.R.M., C.M.F .• n.? 1313, fIs. 14-14 v.", vereação de 5 de Maio de 1597; R. Diaz Hernandez, EI
66
250 -
-
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O Mareante
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[[]] Barqueiro
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Madeira Açores Canárias
67
Na Madeira surgem com maior incidência no século XVI (82,1%), sendo os principais
agentes de transporte na safra do açúcar, onde as condições orográficas o permitiam. A área
do Funchal e arredores, onde se concentravam todas as actividades comerciais, torna-se o
seu principal pólo de acção, seguindo-se a parte ocidental da vertente sul, entre a Ribeira
Brava e Calheta, região onde se situava a maior produção açucareira.
Nos Açores, não obstante a importância que tiveram nas ligações entre Ponta Delgada e
Ribeira Grande e de Angra com a Praia, apenas há notícia de um almocreve (5). Aliás, nos
contactos entre a Ribeira Grande e Ponta Delgada, o transporte terrestre, para além de ser
mais rápido, estava facilitado pelas condições orográficas. Assim no século XVI os
almocreves micaelenses deram um importante contributo à economia cerealífera local,
sendo os principais agentes de transporte de cereais e farinhas da Ribeira Grande e áreas
limítrofes para Ponta Delgada. A câmara da Ribeira Grande preocupa-se com a sua acção,
quer por meio do regimento da sua actividade, quer pela acção de reparo dos caminhos. Em
1599 era autorizada a circulação de 60 almocreves nesse circuito, que deveriam apresentar
anualmente fiança na câmara (6).
Almocreves na Madeira
MORADA N."
'"
Funchal 131 93,57
Santa Cruz I 0,71
Caniço I 0,71
Ribeira Brava 4 2,86
Ponta do Sol 2 1,43
Calheta I 0,71
Nas Canárias, tal como na Madeira, a sua actividade será justificada pela safra do
açúcar.' Deste modo teremos nas ilhas produtoras de açúcar - Gran Canaria e Tenerife -
um numeroso grupo de almocreves. Todavia, apenas são referenciados 52, sendo 13,5% em
Gran Canaria e 86,5% em Tenerife. Destes, quatro são portugueses.
Quanto aos restantes agentes de transporte apenas há a salientar os cameleiros e
carreteiros nas Canárias e os cocheiros e boieiros na Madeira C). Estes últimos surgem na
década de 50, certamente dedicados ao transporte de passageiros. Em Vila Franca do
Campo e S. Miguel existiam, em 1566, 14 carreteiros dedicados ao transporte de produtos
no município e deste com Ponta Delgada e Ribeira Grande (8).
O predomínio dos agentes de transporte marítimo denuncia a cambiante marítima da
sociedade e economia insulanas. As vias e meios de transporte desse tipo são um dos
azucar en Canarias, Las Palmas, 1982, p. 27; G. Camacho y Pérez Galdós, ob. cir., 56-58; Eduardo Aznar
Vallejo , oh. cit., 324-326.
(5) B.P.A.P.D., Ernesto do Canto, ms, 20, Tombo de escrituras de compras e de cartas de sesmarias,
1482-1515, fi. 32 v.", Angra, 4 de Junho de 1511, escritura de compra de metade de um chão e casa na Rua
Direita por Pero Anes do Canto e Pero Álvares Andrade, almocreve.
(6) A.C.M.R.G., L.0 de Acórdãos. fls. 31 v.? c 41, vereações de 29 de Junho e 13 de Novembro de 1593.
n Eduardo Aznar Vallejo, ob. cit .. 325-326: A.R.M., Paroquiais. Baptizados da Sé, fi. 85 v.", 8 dc
Setembro de 1553, Gimena filha de João Martins, cocheiro; ibidem, n.? 10, fl. 14, 17 de Setembro de 1575, Ana,
filha de Gonçaleanes, boieiro; Idem, óbitos-sé; n. ° 68, 25 de Outubro de 1552, Maria Fernandez, Carreira.
(8) A. Teodoro de Matos e Maria de Jesus dos Mártires Lopes, "Subsídios para a História económica e
social do concelho de Vila Franca do Campo no ano de 1566 / ... /0>, in Os Açores e o Atlântico (séculos
XlV~XVll), Angra do Heroísmo, 1984, 550.
68
e· ·
69
sustentáculos da economia dessa sociedade. A vivência ribeirinha fez do ilhéu um mari-
nheiro nato, ele surge como pescador, barqueiro, mareante e, muito raramente, como piloto
ou mestre de navio.
N." 'il:
N." 'il: N."
'* N."
'*
Madeira 56 95 248 91 2 10 3 60
Açores 12 4 5 4 1 20
Canárias 3 5 13 5 126 95 1 20
BARQUEIRO MARINHEIRO
ORIGEM
N." N."
Funchal
Santa Cruz
Machico
Campanário
Ribeira Brava
Ponta de Sol
Calheta
Porto Santo
Reino
Canárias
70
..:
z
II e.· ·
71
Muitos destes encontravam-se lá temporariamente ao serviço de embarcações que aportavam
ao Funchal. Desses 12,2% são do reino, nomeadamente de Tavira, Faro, Lagos, AIcacer do
Sal, Santarém, Buarcos, Porto, Esposende, Sesimbra, Gaia, Viana, Barcelos e Vila do
Conde. Sendo assim, o movimento de embarcações entre a Madeira e os Açores e o reino
era intenso, salientando-se neste último o litoral algarvio, a região de Lisboa e a costa norte.
A existência de mareantes fora do Funchal - Calheta, Santa Cruz, Machico (3,2%) -
evidencia também a existência de contactos dessas embarcações de comércio a longa
distância nestas zonas costeiras.
O mareante e o barqueiro, tal como o pescador, assentaram morada na zona ribeirinha
pelo apego ao mar, junto do burburinho do calhau, onde poderiam ouvir o marulhar das
ondas. A zona do calhau, hoje Corpo Santo, acolhia o maior número de marinheiros,
barqueiros e pescadores. A sua influência foi dominante nesta área citadina, pois aí
construiu no século XV uma capela para o seu padroeiro S. Pedro Gonçalves Telmo, com
uma confraria para defesa e apoio dos mesmos mareantes (11). Em Machico, Santa Cruz,
Ribeira Brava, Calheta e na ilha do Porto Santo havia igualmente uma diminuta comunidade
de homens do mar com morada fixa junto ao calhau ou aos ancoradouros.
Nos Açores o barqueiro ou mareante surge em todas as ilhas nas áreas costeiras de
maior movimento. Em Vila Franca do Campo, por exemplo, em 1566 a comunidade marítima
representava 5% do grupo, sendo 23 barqueiros, 10 marinheiros e 13 pescadores (12).
A comunidade marítima nas Canárias, embora espalhada por todo o arquipélago, tem
em Gran Canária e Tenerife os principais focos de fixação, e surge anexa aos principais
portos destas ilhas: Las Isletas, Santa Cruz e Garachico. Nestes lugares, onde domina o
tráfico a longa distância nota-se a afirmação dos marinheiros, pilotos e mestres de navio; os
primeiros representam 88% e os últimos apenas 9%.
A maioria dos mestres de navio referenciados actua a partir de Tenerife (80%),
surgindo com maior frequência o porto de Santa Cruz; eram na sua maioria forasteiros. No
total de 125 aduzidos apenas 49 têm a indicação de procedência, sendo 78% estantes e 22%
vizinhos. Nos primeiros sobressaem os portugueses com 13%, seguidos dos castelhanos
(6%) e genoveses (3%)(13). No grupo dos portugueses encontramos dois oriundos da
Madeira e um do Faial, facto demonstrativo das ligações entre as Canárias e os arquipélagos
de Portugal.
(11) Fernando Augusto da Silva. "Capela do Porto Santo», in Elucidário Madeirense, I (1940). 316-317.
ee3) A.Eduardo
2) Teodoro de Matos, ibidem, 550. . . _
dá conta apenas de trinta e quatro com a 1n~ICaçao de
Aznar Vallejo (ob. cit.. 327-328)
procedência. Ao nível local dominam os portugueses seguidos dos andaluzes e _bascos e, nas relações com o
exterior, surgem em primeiro lugar os vizinhos e os genoveses. ambos com tres.
72
rigorosa fiscalização exercida sobre eles, através da obrigatoriedade do uso da licença, os
vereadores exararam em postura a faculdade dos vizinhos poderem comprar os seus
produtos directamente ao mercador visitante. Para isso, ordenaram que todo o produto
deveria ficar retido nove ou quinze dias, respectivamente, em Tenerife e na Madeira, para
os vizinhos poderem adquiri-los ao preço de compra; só após esse prazo se procederia a
revenda de acordo com as posturas 4 ) . e
No Funchal há notícia de quarenta e oito vendeiros que se dedicavam a esse comércio a
retalho, dos quais vinte e cinco são de finais do século XV e vinte e três do século XVI. Em
finais do século XV os vendeiros são na totalidade do sexo feminino, pois só na última data
aparecem os do sexo masculino que representam cerca de 70% (quadro n.? 11).
O açougue, a peixaria, a taberna mereceram maior incentivo por parte do município,
que regulamentava com rigor a venda nestes recintos de modo a dissuadir os seus agentes da
especulação eda fraude, e com o fim de garantir as devidas condições de higiene. A venda
dos produtos estabelecidos para essas lojas, considerados essenciais para o quotidiano do
burgo, fazia-se de acordo com as normas e tabelamento de preços, estabelecidos em
vereação. Esta vigilância não derivava apenas da necessidade de assegurar o abastecimento
da população e de evitar as práticas fraudulentas, mas tinha de igual modo o fim de
assegurar o lançamento e arrecadação dos direitos reais e concelhios, como sucedia com o
vinho da Madeira. Aqui a vereação, por intermédio do juíz da referida imposição, auxiliado
por arrieiros e um escrivão, verificava o transporte, a abertura das pipas e a venda do vinho,
lançando, de acordo com o varejo, os direitos a pagart'").
A venda de carne era feita nos açougues municipais que detinham o monopólio do
abate e da venda. Eram arrendados pelo concelho a carniceiros que procediam ao abate e
venda de acordo com as posturas 6 ) . e
O comércio externo do espaço insular, pela amplitude e importância que adquiriu no
mercado atlântico-europeu, pelo investimento e organização que implicava, condicionou o
aparecimento de agentes forasteiros, ligados aos circuitos comerciais europeus no Atlântico
e Mediterrâneo. A intervenção destes agentes de comércio neste domínio far-se-á de modo
diverso, adquirindo uma dimensão ou posição de acordo com a amplitude da sua actividade.
Poderemos assim diferenciar três tipos de mercadores: 1. mercador, especializado no
comércio de determinados produtos de importação e exportação; 2. mercador transportista,
que intervem no comércio marítimo internacional, dispondo de meios financeiros e técnicos
para isso; e 3. mercador banqueiro, que se dedica a operações de finanças nos principais
mercados de dinheiro da Europa, tendo uma rede de negócios organizada em todas as
melhores praças europeias, por intermédio de familiares e agentes 1). e
Ao nível insular a presença destes três grupos de mercadores não é uniforme, pois varia
de ilha para ilha de acordo com a importância sócio-económica das praças insulares. Os dois
últimos tipos, na sua maioria estrangeiros, têm uma presença temporária, surgindo apenas
em momentos de exportação dos produtos mais importantes do mercado - vinho, açúcar,
pastel- a fim de estabelecer a sua troca com as manufacturas europeias. Por vezes fazem-no de
modo indirecto, por meio de familiares ou agentes, que se apresentam como filiais das casas
e 4
Veja-se supra 2. n parte, cap, l.1.
)
es ) Problemática abordada em estudo que fizemos sobre O vtnho da Madeira fIOS séculos XVIl-XIX. em
vias de publicação.
(16) A.C.M.R.G., L.0 de Acordãos. 1578.11.64 v.0-66 v.", Vereação de 16 de Abril de 1578; ibidcm; fls.
67-68, Vereação de 19 ele Abril de 1578; Idem L.0 de Acórdãos, 1599,11. 14 v.", \O ele Abril de 1599; Ibidem, fi.
18,8 de Maio de 1599; Ibidem, fi. 27, 12 de Junho de 1599; Vereações de Velas (5. Jorge) 1559-1570-1571,
1984, pp. 28-29: A.R.M., C.M.F., 0.° 1296, fl. 3020 de Outubro de 1470: Ibidem, 0.° 1297, fls. 24; 8 de Junho
de 1481: ibidem, fi. 27-27 v.", 28 de Julho de 1481; lbidem, fl. 39-39 v.", 3 de Dezembro de 1481; pussirn.
[17) Frédéric Mauro, Marchand et marchands Banquiers portugais {/li XVI/eme siêcle. Coimbra. 1961.
Separata di! Revista Portuguesa de História. vo1. IX (1961).19-20, Maria Valcntina Cotta do Amaral, Mercadores
estrangeiros em Portugal no reinado de D. João 11/, Lisboa, 1967 (lese de licenciatura, policoplada), 19-20 e
72-74.
73
lO
europeias. Além disso, o último tipo só surgirá com grande relevo em Las Palmas, onde a
alta finança europeia monta uma praça bancária especializada no comércio atlântico s). Nos e
Açores e na Madeira não há qualquer informação que aponte para a sua existência; aí tudo
nos indica a presença e o domínio exercido pela praça de Lisboa.
O primeiro grupo será aquele que terá maior representatividade no mercado insular. Ele
surge muitas vezes numa posição subalterna, como agente subestabelecido ou representante
de mercador transportista ou barqueiro; os que nele se inserem, definem a burguesia
comercial com assento nas ilhas, que detém uma posição privilegiada no comércio
inter-insular e nos contactos com a mãe pátria.
A maior parte das operações financeiras, comerciais e, mesmo, de transporte eram
dominadas por estrangeiros, a partir de Génova, Veneza, Anvers e Antuérpia. Uma rede de
negócios e circuitos comerciais assegurava esse domínio. Italianos e flamengos, seus
principais detentores, surgem desde cedo nas praças de Lisboa, Sevilha e Cádiz; a partir daí
tomam a direcção das operações financeiras e comerciais do Mediterrâneo Atlântico,
adquirindo e reforçando essa posição com as regalias e os privilégios concedidos pelas
coroas hispânicas 9 ) . e
Factores internos e externos condicionaram essa intervenção de mercadores nacionais e
estrangeiros no mercado insular; em primeiro lugar, o desenvolvimento de culturas, como o
vinho, o açúcar, o pastel, componentes importantes das trocas europeias e americanas; em
segundo, a posição privilegiada dos três arquipélagos e, nomeadamente, das Canárias e dos
Açores, no traçado das rotas do comércio atlântico eo). Alemães, genoveses, venezianos e
judeus disputam entre si o domínio deste mercado 1 ) . e
O arruamento dos ofícios e dos locais de venda de artefactos e produtos agrícolas
deriva não só da necessidade de fiscalizar e defender os interesses dos diversos artesãos e
vendedores, mas também da necessária aproximação da alfândega e calhau, de modo a
facilitar as operações de transporte. Por isso nas principais cidades e vilas do mundo insular
existia, sempre uma Rua dos Mercadores, arruamento onde se centrava a maioria deste
grupo, para proceder às suas transacções locais e externas 2 ) . e
Na Madeira, de acordo com a informação de Gaspar Frutuoso, toda a actividade
comercial estava centralizada em três ruas anexas à alfândega e calhau: Rua Direita dos
Mercadores, Rua do Poço Novo e Rua do Sabão r"). A primeira é definida pelo autor como a
e 8
) Enrique Otte, ob. cito
e 9
) Maria Valentina Cotta do Amaral, ibidem; Virgínia Rau, "Privilégios e legislação portuguesa referente
a mercadores estrangeiros (séculos XV e XV!)" in Estudos de História, Lisboa, 1968, [31-158; H. Gama Barros,
História da Administração Pública em Portugal, Lisboa, vol. X, [71-205 e 221-280; M. B. Azmalak, Mercados
comerciais, Lisboa, 1932, 96-98; Hermann Kellenberz, "Os mercadores alemães de Lisboa por volta de 1530», in
Revista Portuguesa de História. vol. IX, Coimbra, 1960, 124.140; Enrique Stols, "Os mercadores flamengos em
Portugal / ... l », in Anais de História, S. Paulo, 1973, 11-54; Charles Verlinden, Les origines de la civilization
atlantique / .. .l , Neuchatel, 1966, 10; Jacques Heers, Gênes au XV e siêcle, Paris, 1971, 328-331; Maria Olímpia
da Rocha Gil, "OS Açores e a rede de negócios no atlântico seiscentista" in Açores e o Atlântico (Séculos
XIV-XVII), Angra do Heroísmo, 1984. 555-573.
e ll
) Enrique Otte, ibidem, 28-29.
e 1
) Sobre os mercadores judeus veja-se Meyer Kayserling, História dos judeus em Portugal, São Paulo,
1971; José Gonçalves Salvador, Cristãos-novos e o comércio no Atlântico Meridional, Lisboa, 1978, Maria José
Ferro Tavares, Os Judeus em Portugal no século XV, Lisboa, 1982; Idem, « Os Judeus em Portugal», in História
de Portugal (direcção de José Hermano Saraiva), vol. IV, Lisboa, 1982, 259-272.
e 2
) Em Tenerife existia em 1520, a Calle Real de Santo Espírito de los mercadores (Acuerdos dei cabildo
de Tenerife , IV. n.? 183, p. 69, 22 de Outubro de 1520). Na Madeira esta Está documentada desde 1469; Veja-se
A.R.M., C.M.F. Registo Geral. t. I, fls. 1 v.0-2 v.", 25 de Setembro de 1469, carta dos mercadores sobre o
monopólio do comércio do açúcar, pubI. in A.H.M.. xvn, 47-49.
e 3
) Saudades da Terra, L.0 Il, Ponta Delgada, 1968, 111-112; mas surgem também nas ruas das Pretas
(Miguel Lopo), Tanoeiros (Diogo de Medina, João Tavira, João Gago, Bartolomeu Pereira), Ponte Cidrão, Nova,
Netos, Pelourinho (João Esmeraldo), Ribeirinho, Ferreiros, Santa Maria, Matoso, do Peixe, Cotijo, Carreira,
Ponte, Conceição, S. Sebastião, Alfândega. do Frias, Marmeleiros, Pinhos e Beco do Baluarte.
74
1000
sec, xv
mm sem data
500
o
Madeira Açores Canárias
75
mercadores do trato do açúcar r'"); no século XVI estava-lhes reservada, em consequência
da obrigatoriedade de os mercadores com casa de aluguer residerem apenas aí, o que
mereceu o protesto dos visados e o pedido da revogação dessa postura s ). Não obstante, e
pela sua localização e costume da actividade comercial, esta rua manteve-se como o
principal arruamento de residência e actividade do mercador, quer local quer estrangeiro.
No século XVI dos oitenta e um mercadores com referência da morada temos 31 % com loja
nessa rua e os restantes nas ruas circumvizinhas da alfândega.
RUA N." %
Direita 31 38,3
Poço Novo 8 9,9
Santa Maria 7 8,6
Tanoeiros 3 3,7
João Tavira 3 3,7
João Esmeraldo 2 2,5
Diogo de Medina 2 2,5
Outros 25 30,8
--
Total 81 100
e 4
) Dizia-se nesse documento que ..esta rua dos mercadores que he junto com ho mar esta povoada destes
mercadores do trauto do açúcar e outros que a esta pertencem ... " (A.R.M., C.M.F., Registo Geral, t. I, fi. I
v.0-2 v.o, já cit.). Veja-se Ernesto Gonçalves, «João Gomes da ilha» , in A.H.M.. XI, 44, 46; Manuel Juvenal de
Pita Ferreira, "o Infante D. Fernando, terceiro senhor do arquipélago da Madeira, 1460-1470.., in D.A.H.M.. n.?
39 (1963), 21; Álvaro Manso de Sousa, ..Ruas do Funchal (notas para o estudo da toponímia citadina)", in
D.A.H.M.. n.? 5094, 10 de Julho de 1949, 268-269.
e s
) A.R.M., C.M.F .. Registo Geral, t. I, fls. 324 v.0-325 v.o, in A.H.M.. xvm, 536-537.
e s
) . A diminuição de 15% resulta única e exclusivamente de a nossa recolha ter incidido na primeira metade
do século, período para o qual abundam publicações de documentos.
76
150
f~i~i~i~i~i~D Canárias
~
~ M
ado
erra
100
D Açores
:~ ~ ~ ~ ~ ~ ~:
50
li~
Espanha Itália Portugal Flandres França Inglaterra
ESTANTES VIZINHOS
LOCAL
N." % N." %
e
7
) Veja-se Maria Olímpia da Rocha Gil, O Arquipélago dos Açores no século XVll / ... l , Castelo Branco,
1979.
78
o grupo de mercadores estrangeiros oriundos das principais praças europeias é
dominante nos três arquipélagos, atingindo 14% na Madeira, 9% nos Açores e 31% nas
Canárias. Nesse grupo sobressaem, na Madeira e nas Canárias, os italianos e os flamengos,
e nos Açores os ingleses.
Mercadores estrangeiros
79
o monarca, comprometido com essa posiçao vantajosa dos estrangeiros, mercê dos
privilégios concedidos, actua de modo ambíguo, procurando salvaguardar os compromissos
anteriormente assumidos e atender às solicitações dos moradores do reino; por isso
estabelece limitações à residência dos estrangeiros no reino, fazendo-a depender de licenças
e
especiais z ); quanto à Madeira define a impossibilidade da sua vizinhança sem licença sua,
e
ao mesmo tempo que os interdita de revenda no mercado local 3 ) ; a câmara, por seu turno,
baseada nestas ordenações e no desejo expresso dos seus moradores, ordena a sua saída até
e
Setembro de 1480, no que foi impedida pelo senhorio 4 ) ; somente em 1489 se reconhece a
utilidade da sua presença na ilha, ordenando D. João II a D. Manuel, então Duque de Beja,
que os estrangeiros fossem considerados como «naturaes e vizinhos de nossos regnos» s ). e
Os problemas do mercado açucareiro da década de 90 conduziram ao ressurgimento
desta política xenófoba. Os estrangeiros passam a dispor de três ou quatro meses, entre
Abril e meados de Setembro, para comerciar os seus produtos, não podendo dispôr de loja e
feitorr'"); em 1493 D. Manuel reconhece o prejuízo que as referidas medidas causavam à
economia madeirense, afugentando os mercadores, pelo que revoga as interdições anterior-
e
mente impostas 7 ) . As facilidades concedidas à estada destes agentes forasteiros conduzi-
rão à assiduidade da sua frequência nesta praça, bem como à sua fixação e à sua intervenção
de modo acentuado na estrutura fundiária e adrnínístratíva r").
A comunidade de mercadores estrangeiros na Madeira estava dominada pela presença
italiana, seguida da dos flamengos e dos franceses; todos surgem aí atraídos pelo tão
solicitado ouro branco.
ORIGEM N." %
Flandres 36 3,8
França. 32 3,3
Inglaterra 10 1,0
Itália 50 5,2
Castela 17 1,8
Alemanha 11 1,1
Holanda 1 0,1
---
Total 157 14,3
15-17; Maria José Pimenta Ferro Tavares, Os judeus em Portugal no século XV, Lisboa, 1982,279-80; V. Rau,
O açúcar na Madeira / .. .l , 29-30; Idem, The Setlement of Madeira and the sugar cane plantations, W., 1964,
8-9; H. Gama Barros, História de Administração Pública em Portugal, X, 149-155; Fernando Augusto da Silva,
«Estrangeiros» in Elucidaria Madeirense, I (1940), 419-421; Charles Verlinden, «Les débuts de la production et
exportation du sucre à Madêre. Quel rôle y jouêrent les italiens», in Studi iII Memoria de Luigi dei Palie, Roma,
1982, 301-310.
(3Z) H. Gama Barros, ibidem, X, 152-153; ibidem, vol. 330; V. Rau, O açúcar na Madeira / ... l . p. 26.
nota 27; Monumenta Henricina, XV, Coimbra, 1974, 87-89.
(33) A.R.M., C.M.F.. n." 1298, fi. 37, 22 de Dezembro de 1485; ibldem, fi. 68 v.", 15 de Abril de 1486;
lbidem, fi. 87 v.", 7 de Junho de 1486.
e 4
) A.R.M" C.M.F., Registo Geral. t. I, fIs. 292-293, Lisboa. 7 de Agosto de 1486.
e s
) A.N.T.T., Gavetas, XV-5-8, Évora, 22 de Dezembro de 1489, sumariado in As Gavetas da Torre do
Tombo, IV. Lisboa. 1964. 169-170.
(36) H. Gama Barros ibidem, X. 155; Fernando Jasmins Pereira, Alguns elementos para o estudo da
História económica da Madeira / , .. /139-162; A.R.M., C.M.F.. Registo Geral. t. I, fls. 262 v. 0-269 v.", Torres
Vedras, 12 de Outubro de 1496. in A.H,M.. XVII, 350-358; lbidem, n.? 1302. fIs. 83-83 v.", 26 de Novembro de
1496.
e 7
) A.R.M., C.M.F" Registo Geral, t. I, fls. 291 v. 0-292, Lisboa, 22 de Março de 1498 in A.H.M.. XVII.
369. Veja-se Álvaro Rodrigues de Azevedo, «Anotações", in Saudades da Terra. Funchal, 1873. 681-682.
(38) Alberto Vieira. O regime de propriedade na Madeira. O caso do açúcar (1509-1532) (em vias de
publicação).
80
Os italianos, em especial os florentinos e os genoveses, conseguiram implantar-se na
Madeira, desde meados do século XV, como os principais agentes do comércio do açúcar,
alargando depois a sua actuação ao domínio fundiário, por meio da compra e laços
e
matrimoniais 9 ) . Na década de 70, mediante o contrato estabelecido com o senhorio da
ilha, detinham já uma posição maioritária na sociedade criada para o efeito, sendo
representados por Baptista Lomellini, Francisco Calvo e Micer Leão (40). No último quartel
do século vêm juntar-se a estes Critóvão Colombo, João António Cesare, Bartolomeu
Marchioni, Jerónimo Sernigi e Luis Doria. A este grupo inicial seguiu-se, em princípios do
século XVI, outro grupo mais numeroso, que alicerçou a comunidade italiana residente;
entravam nele Lourenço Cattaneo, João Rodrigues Castigliano, Chirio Cattaneo, Sebastião
Centurione, Luca Salvago, Giovanni e Lucano Spinola.
Os mercadores-banqueiros de Florença evidenciaram-se nas transacções comerciais e
financeiras do açúcar madeirense no mercado europeu. A partir de Lisboa, onde adquirem
uma posição privilegiada junto da coroa, mantêm e orientam uma extensa rede de negócios
que abrange a Madeira e as principais praças europeias. Primeiro conseguem da fazenda real
o quase exclusivo do comércio do açúcar resultante dos direitos reais por meio do contrato;
depois apoderam-se do açúcar em comércio, tomando o exclusivo dos contingentes estabe-
lecidos pela coroa, em 1498 (41). Assim teremos Bartolomeu Marchioni, Lucas Giraldi e
Benedito Morelli com uma clara intervenção no trato do açúcar, na primeira metade do
século XVI (42). A manutenção dessa rede de negócios fazia-se por meio da intervenção
directa destes mercadores e por meio de procuradores ou de agentes subestabelecidos.
Benedito Morelli, em 1509-1510, tinha na ilha como seus agentes para o recebimento do
açúcar dos quartos Simão Acciaiuolli, João de Augusta, Benoco Amador, Cristóvão Bocollo
e António Leonardo r'"). Marchioni, em 1507-1509, fazia-se representar em operações de
idêntica índole por Feducho Lamaroto (44). João Francisco Affaitati, cremonês, agente em
Lisboa de uma das mais importantes companhias comerciais da época, teve uma participa-
ção muito activa nesse comércio entre 1502 e 1526, por meio de contratos de compra e
venda dos açúcares dos direitos reais (1516-1518, 1520-1521 e 1529) e pagamentos em
açúcar a troco da pimenta (45); este mercador actua quer em sociedade com Jerónimo
Sernigi, João Jaconde, Francisco Corvinelli e Janim Bicudo, quer isoladamente, tendo para
o efeito como feitores e procuradores na ilha Gabriel Affaitati, Luca António, Cristóvão
Bocollo, Capela de Capellani, João Dias, João Gonçalves, Matia Manardi e Maffei Rogell.
e 9
) Virginia Rau comenta, a propósito: "E uma vez que os italianos se aferraram 110 comércio de exportação
do açúcar da Madeira. servidos por uma vasta rede comercial e financeira disponta sobre toda a Europa, fácil lhes
foi também penetrarem com o tempo na posse de terras e transformarem-se então em produtos e proprietário da
ilha da Madeira I , "/ a Madeira terá sido para os italianos, em grande parteva ilha de grande comércio de
exportação do açúcar durante a segunda metade do século XV e primeira metade do século XVI, até ao advento e
tempo da grande exportação do açúcar do Brasil em meados deste último século » (ibidem, 32).
Sobre a presença italiana na Madeira veja-se Charles Verlinden, ob. cit.; M. do Rosario: Genoveses na
História de Portugal, Lisboa, 1977; Prospero Peragallo, Cenni in torno alia colonia italiana in Portogallo nei
Secoli XIV, XV e XVI, Génova, 1882; Domenico Geoffré, «Le relazionl fra genova e Madera nel I decenio deI
secolo XVIo>, in Studi Colombiani, III, Génova, 1952, 435-483; Carlos Passos «Relações históricas luso-
-italianas » , in Anais da Academia Portuguesa de História, 2. a série, VII, Lisboa, 1856, 143-240 «Italianos na
Madeira" in A.H.M, V (1937), 63-67; Jacques Heers, Gênes au XVe slêcle, Paris, 1977, 335; Virgínia Rau, "Uma
familia de mercadores italianos em Portugal no século XV: os Comelllni» in Estudos de História, I, Lisboa, 1968,
33-36,
(40) Virginia Rau, O açúcar na Madeira 1 ... l , 29.
(41) Fernando Jasmins Pereira, O açLÍcar madeirense de 1500 e 1537 / .. .l , 61-65.
(42) Ibidem, 61-91; Idem, Os estrangeiros na Madeira. 88, 115-117 e 125-128.
(43) Idem, Os estrangeiros na Madeira, 19, 27, 60, 105, passim,
(44) Ibidem, 115-118.
(45) Ibidem, 22-26,
81
11
Venda do açúcar dos direitos na Madeira 1502-1534
João Francisco Affaitati 1502 18000 arrobas de escápulas com Jerónimo Semigi
1504 35 000 arrobas
1587 6000 arrobas
1516 direitos do açúcar branco
1517 direitos do açúcar branco e mel
1520-21 (') direitos do açúcar
Pedro de Ayala 1527e) direitos do açúcar
1528 direitos do açúcar
Jerónimo Bicudo 1527 (') direitos do açúcar
Jorge Lopes Bixorda 1524e) direitos do açúcar
1531 direitos do açúcar
Charles Correa 1526 (4) direitos do açúcar
João Coquet 1530 (5) direitos do açúcar
Francisco Corvinelli 1502 (6) direitos do açúcar
João Jaconde 1502 (6) direitos do açúcar
Nunes Henriques 1527e) direitos do açúcar
Gabriel Fernandes 1534 (') direitos do açúcar
João de Freitas 1512(8) direitos do açúcar
Bach. Bartolomeu Lopes 1520 direitos do açúcar
Marchionni 1507 10 000 e 12 000 arrobas de açúcar
1512 12 000 arrobas de açúcar
Tobias Marim 1535(g) direitos do açúcar
Bernardim de Medina 1530 ('0) direitos do açúcar
Manuel Mendes 1534 (') direitos do açúcar
Braz Teles de Menezes 1524 3 000 arrobas de açúcar
1536 3 000 arrobas de açúcar
Pedro de Mimença 1524 e) direitos do açúcar
João .de Miranda 1527 e) direitos do açúcar
Luiz Vaz di Negro 1524 12 000 arrobas de açúcar
Henrique Nunes 1535 (g) direitos do açúcar
1537 ('0) direitos do açúcar
João de Odom 1527 e) direitos do açúcar
João de Quintana 1530 (5) direitos do açúcar
João Rodrigues Castelhano 1530 (5) direitos do açúcar
António Sal vago 1502 18 000 de escápulas
João Saraiva 1512 (8) direitos do açúcar
Afonso de São Victor 1537 ('0) direitos do açúcar
Jerónimo Serinigi, com J. F. Affaitati 1502 18 000 de escápulas
Afonso de Sevilha 1530 direitos do açúcar
82
como proprietários e mercadores de açúcar, instalam-se nas terras de melhor e maior
produção; e, por meio de compra e laços matrimoniais, tomam-se nos mais importantes
proprietários de canaviais. Assim sucede com Rafael Cattano, Luis Doria, João Esmeraldo,
João e Jorge Lomelino, João Rodrigues Castelhano, Lucas Salvago, Giovanni Spinola, João
Antão, João Florença, Simão Acciaiolli e Benoco Amatori.
A sua intervenção na estrutura administrativa madeirense abrange os domínios mais
elementares do governo, como a vereação e repartições da fazenda, que incidiam sobre a
economia açucareira. Surgem, assim, como almoxarifes e provedores da fazenda; e têm uma
intervenção forte na arrecadação dos direitos reais, aparecendo ainda como rendeiros.
83
açúcar que transportam em embarcações suas. Nesse trato evidenciaram-se mestre António,
Archelem, António Coyros, António Caradas e Francisco Lido (47).
Nos Açores a inexistência de uma forte rede de negócios em tomo do açúcar, bem
como a sua desvalorização em favor do pastel e dos cereais, limitaram as possibilidades de
intervenção da burguesia italiana e castelhana, e abriram as portas à intervenção de
flamengos e ingleses, interessados no comércio do pastel. Linschoot, em 1589, refere que o
comércio do pastel era feito por franceses, ingleses e escoceses (48); quanto a Ponta
Delgada, diz-nos que aí «vão mercadores franceses, ingleses e escoceses buscar o pastel
mais do que vão à Terceira, e que lá levam mais de duzentos _quintais todos os anos" (49).
Esta assídua frequência de mercadores estrangeiros nos portos de Ponta Delgada e de
Angra era considerada pelos seus vizinhos como ruinosa, pelo que solicitaram ao monarca,
em 1557, medidas limitativas da sua actuação Ç'"). No entanto, estas pretensões só foram
atendidas na década de 80, já sob o domínio filipino'; através de uma guerra de represálias
interditou-se o mercado açoriano à sua intervenção, primeiro com a proibição de venda das
suas mercadorias, depois, proibindo a sua actividade nas ilhas (51); todavia, esta proibição
não surtiu o efeito desejado, uma vez que os por ela visados se mantiveram activos,
servindo-se da intervenção de outros mercadores, pelo que em 1590 e 1596 o governo
espanhol reforçou a represália (52).
As Canárias estiveram, ao longo dos séculos XV-XVI, sujeitas à investida de merca-
dores forasteiros, que participaram activamente na conquista e ocupação, relançamento das
bases da estrutura sócio-económica, e também na activação e manutenção dos circuitos
comerciais; primeiro os portugueses e genoveses, depois, os flamengos e franceses.
Os genoveses, fortemente implantados na Andaluzia, tiveram no século XV uma
participação muito activa no comércio da urzela e escravos deste arquipélago. (53). O seu
interesse pelo comércio nesta área comprometeu-os com o processo de conquista, e este
conduziu ao reforço das suas actividades comerciais no arquipélago e na sociedade
nascente (54); desalojados das suas feitorias e cidades no Mediterrâneo, impedidos de aí
comerciar pelos árabes e pelas rivalidades políticas dos seus irmãos, procuraram no
Mediterrâneo Atlântico o lugar ideal para a sua morada; a Madeira, Gran Canaria e Tenerife
serão, assim, nos séculos XV e XVI, a sua pátria atlântica, onde se fixam como vizinhos,
tomando-se em poderosos proprietários, mercadores e prestamistas.
84
Destes mercadores genoveses poderemos identificar três tipos, de acordo com o seu
modo de fixação: 1. Conquistadores, que tomam parte activa nas conquistas das Canárias,
como guerreiros e financiadores das expedições; 2. Povoadores, que surgem após a
conquista, usufruindo dos incentivos inerentes ao processo de ocupação; e 3. Mercadores,
solicitados pelo desenvolvimento das relações de troca locais, que surgem temporariamente,
dedicando-se ao comércio de manufacturas e açúcar, apoiados pela intervenção dos seus
compatrícios aí residentes.
Conquistadores e povoadores adquirem importância na sociedade nascente, em Tene-
rife e Gran Canaria, tornando-se nos mais importantes hacendados, com uma intervenção
directa e activa na administração, comércio e finança; neste grupo, incluem-se Mateo Vifia,
Cristóbal Ponte e Tomás Justiniano, que surgem em Tenerife como os mais ricos da
ilha (55).
Em Gran Canaria a sua implantação é mais clara e dominadora da economia açucareira
local, pois aí representam 70%, enquanto em Tenerife não ultrapassam os 28%; apesar
disso, Clavijo Hemandez considera que a ilha de Tenerife foi o centro mercantil dos
genoveses (56). A razão dessa implantação em Gran Canaria deriva da sua acção na
conquista, povoamento e lançamento das principais arroteias para os canaviais; de financia-
dores da conquista passam a financiadores de plantação e safra dos canaviais. Incluem-se
neste grupo Francisco Riberol, António Manuel MayueIlo, Bautista Riberol e Jacome
Sopranis (57). A sua importância fica revelada pela posse do patronato de capela maior do
convento de S. Francisco e pela designação de uma rua - calle de los genoveses (58).
Tal como na Madeira, eles intervêm na vida administrativa local, como funcionários ou
rendeiros dos direitos reais; é o caso de Juan Leandro e Luis de Couto, que em 1524 surgem
como arrendatários das terças reais (59).
Sendo certa a fixação de muitos genoveses na sociedade canária, surgindo aí como
componentes importantes da aristocracia fundiária, não é menos certa a sua presença com
carácter temporário; aliás o número de mercadores genoveses referenciados em Gran
Canaria sob o título de estantes, de acordo com a enumeração de Guilherme Camacho y
Pérez Galdos, é quatro vezes superior ao dos vizinhos (60); ao invés, em Tenerife os
vizinhos representam 57%. A primeira situação explica-se pelo facto de a maioria destes
agentes se dedicar ao comércio de exportação de açúcar e de importação de manufacturas, o
que implicava um movimento assíduo nas ilhas e entre estas e a Buropat'"): além disso,
esses homens tinham, na sua maioria, as suas casas instaladas na costa andaluza, mantendo
uma rede de negócios em todo o mundo atlântico, com familiares, feitores ou procura-
dores (62); Francisco Riberol, por exemplo, um dos mais importantes mercadores genoveses,
residia ora em Sevilha, ora em Gran Canaria, tendo, aliás, nesta ilha grandes interesses na
economia açucareira (63).
(55) Manuel Lobo, Ibidem, 19; Manuela Marrcro Rodrigues, Los gelloveses en la organlzatíon de Tene~ife
/ ... / 57; Eduardo Aznar, ob, cit.. 196; Augustín Guimerá Ravina, « El repartlrniento de Daute (Tenerife:
1498-1529), in III C.H.C.A .. I, 1978, 127-128, 133-134,
(56) Fernando Clavijo Hernandez, Protocolos dei escribano Hernân guerra, 39-40,
(57) Guílhermo Camacho y Pérez Guldós, ob, cit, 41-42, 49-50, 52-54.
(5B) lbidem, 52. . .
(59) A.H.P.L,P., A. S. Clemente, n. o 2316, n.
436, Galdar, 22 de Janeiro de 1524, dívida aos arrendatanos
das terças reais. . . h N
(60) Ob, cit.. 524, Este autor referencia oitenta e oito mercadores genoveses, sendo 81,82% VIZI~ ?s, a
nossa recolha das fontes impressas apenas encontrámos cinquenta e quatro sendo 70% estante 29% VIZinhos.
(61) R. Diaz Hernandez, EI aztlcar en Canarla, Las Palmas, 1982, 41.
(62) A. Cioranescu, História de San/a Cruz / ... l , t. I, 1977, 102. Manuel Lobo Cabre~a refere que ..los
mercadores agentes como los capitalistas, residen indiferentemente tanto en el lugar de produccion como en el de
comercialización , anque lo corriente es que los agentes residan en los primeros y los capitalistas en los segundos..
(EI comercio entre Gran Canaria y Flandres hasta 1558 / .. .l , 47).
(63) Eduardo Aznar Vallejo, ob. cit., 196; Fernando Clavijo Hernandez, ibidem, 38-40.
85
Em síntese pode-se dizer que o mercador genovês teve uma actuação primordial na
economia canária, dominando quer a exploração dos recursos com valor mercantil (urzela),
quer a produção para troca no mercado europeu (açúcar), quer ainda, a venda de manufac-
turas de importação (64).
Os genoveses surgem na sociedade canária como os mais representativos (91 %) da
comunidade italiana, não obstante a presença activa dos lombardos e dos florentinos nas
operações financeiras; entre estes sobressaem Juanoto Berudo, florentino e conquistador de
La Palma e Jacome de Carminátis, lombarda, que aliava o comércio à agricultura e à
actividade artesanal (65).
A comunidade flamenga será uma componente de quase igual importância na economia
e sociedade canária. Não obstante a intervenção isolada de um ou outro como mercador ou
conquistador no século XV, os flamengos só chegam ao arquipélago nos começos do século
XVI, adquirindo notoriedade a partir da década de 20(66); atraídos pelo comércio do açúcar
e das plantas tintureiras (pastel, urzela), estabelecem uma rota importante para a exportação
desses produtos e de importação da rapa. A sua actividade alargava-se a todos os sectores
do mercado, desde a venda em tenda à concessão de empréstimos em dinheiro e mercadoria,
ao comércio externo das ilhas; estabeleceram deste modo uma importante rede de negócios
no arquipélago, a partir das ilhas de Gran Canaria, La Palma e Tenerife(67). Esta última
atraiu maior número de mercadores dos países baixos, tendo-se afirmado como principal
pólo de fixação e manobra; aí apartaram 57% dos mercadores flamengos, enquanto a Gran
Canaria apenas chegaram 32% e La Palma um reduzido grupo de 8%.
O mercador flamengo que aparece nas ilhas de Tenerife e Gran Canaria é na sua
maioria visitante, sendo reduzido o número com morada fixa (15%); na primeira temos 87%
como estantes e na segunda 76%. As suas operações, por que se circunscreviam ao domínio
comercial-financeiro e de transporte, não implicavam uma permanência constante no
arquipélago; a sua estada é temporária, limitando-se ao tempo necessário para a venda da
rapa e' a compra ou troca do açúcar para a viagem de retorno; apenas quando as dificuldades
e as delongas das suas operações lhe impossibilitavam o retomo rápido o mercador se via
(64) O comércio de manufacturas en Gran Canaria estava sob controle dos mercadores genoveses e
flamengos, salientando-se, nos primeiros, Sebastián Burón, Jerónimo de Franquez. Juan Batista Vijia e, nos
segundos, Larnberto Broque; Veja-se A.H.P.L.P., Roque de Couto, n.? 857, passim; Manuel Lobo Cabrera.
Indices y extractos / .. .l , 16.
(65) Manuela Marrero Rodrigues define de modo exemplar esta predomináncia e trifuncionalidade dos
genoveses: ..Los mercadores que no desdénan modalidad alguna de negocio y ai miesmo tiempo forrcn sus
capitales tento en operaciones muy lucrativas como en otras menos brillantes y de menos rendimiento.
Los genoveses, vecinos de Tenerife, son empresarios agrícolas con capital y haciendo que demonstram'
saber valorizar la tierra más ingrata que les he tocado en repartimiento. Además sou mercadores venden los
productos de su plantación y traten de ampliar 5U actividad comercial, sin oluidar su condición de pustamistas pera
la actividad de los genoveses es doble. Unos participan tanto de la producción corno de la distribuicción, miutros
otros se dedicam como actividad única a Ia prestación de servicios-, (Protocolos del escribano Juan Roiz de
Berlanga. Tenerife, 1974, 40-41; Eduardo Aznar Vallejo, oh. cit., 197-198.
(66) Para o conhecimento de colónia flamenga nas Canárias veja-se Manuela Marrero Rodrigues, «merca-
dores flamengos / ... / ", IV C.H.C.A .. 1(1980), 599-614; Idem «los flamengos en los comienzos hispánicos de
Tenerife», in Studi in memoria Frederigo Mellis, UI, 1978,587-593; Enrique Stols, «Les Canaries et l'expansion
Coloniale / .. .t ; in IV C.H.C.A .. II (1980). E também: F. Donnet, Histoire de I' établissement des Anversois lll/X
Canaries llU XVI siêcle, Anvers, 1895; Joseph Van Cappellen, «Los Van de Valle des Flandres", in Revista de
His/o.ria Canaria 141-148 (1963-1964), 45-55; J. A. Van Hontte e E. Stols, ..Les Pays-Bas et la Mediterrané
atlantique au XVI siêcle- , in Melanges en I'honneur de Fernand Braudel; I, Paris, 645-660: Manuela Marrero
Rodrigues, ..Los mercadores flamencos en los cornienzos hispánicos de Tenerife», in Studi in memori Fredrigo
Molis, III, 1978, 587-593; Idem, « Mercadores flamengos / .. .] » in IV C.H.C.A .. I, 599-614: E. Stols, .. Les
Canaries et l'expanslon coloniale / .. '/'" in IV C.H.C.A., II.
(67) Manuela Marrero, Los mercadores flamengos / ... /,601-609, refere que « los ftamencos son conocidos
como tales. En esta primera mitad des siglo XVI venden los productos más solicitados en los centros mercantiles y
tratan de ampliar actividad comercial. Pero la actividad de los flamencos es doble. Unos participan tanto de la
producción corno de la distribuicción mientros otros prestan sus servicios por cuenta ajena- (lbidem, 609).
86
forçado a assentar morada; em alternativa, e a prática era corrente, fazia-se substituir por
meio de procuração, por feitores ou agentes. '
Apenas em La Palma nos deparamos com uma pequena comunidade fixa com forte
implantação no meio sócio-económico da ilha. Em primeiro lugar tivemos a intervenção dos
Welsers na economia canária por intermédio de Juan Bisen e Jácome de Monteverde
investindo capitais no sector produtivo com a compra de importantes terrenos em Tazacorte
e los Danos; Jácome de Monteverde, ao adquirir a titularidade deste património fundiário,
tornou-se um dos principais proprietários do arquipélago (68). A ele juntaram-se em 1562 os
:van de WaIle ~ue aí fixam morada e adquiriram terrenos (69); esta família, como componente
influente da Cidade de Bruges, conduziu à valorização das rotas comerciais das Canárias
com a Flandres. O mercador flamengo, coma mesma facilidade que o genovês, penetra na
soci~~ade insular. adquirindo o estatuto de vizinho, relacionando-se com as principais
famílias desta SOCiedade nova e comandando os activos circuitos comerciais com as cidades
de origem - Bruges e AnversCo).
Os mercadores oriundos dos reinos peninsulares surgem como o grupo mais numeroso
dos forasteiros na Madeira (13%), Açores (5%) e Canárias (28%); são geralmente originários
das regiões costeiras da península com tradição marítimo-comercial; assim na Canárias
dominarão as regiões andaluza e a catalã, enquanto que na Madeira e nos Açores pertencerá
a região de Entre-Douro-e-Minho.
Para a Madeira surgem três áreas perfeitamente delineadas dos mercadores oriundos do
reino: Algarve (9%), Lisboa (13 %) e norte do Douro(7l %), sendo as mesmas dominads por
algumas vilas e cidades costeiras importantes, como Lagos, Tavira, Lisboa, Ponte Lima,
Caminha, Vila Real e Vila do Conde. Os contactos com a região de entre Douro e Minho
iniciaram-se muito cedo, pois desde 1477 que há referência a um comércio assíduo de panos
e outros produtos desta área a troco de açucar da ilha (71).
Ao invés, nas Canárias a maior participação surge da região andaluza (35%), dominada
pelas principais cidades da bética: Sevilha (9%) e Cádiz (4%). A vinculação comercial da
região andaluza é anterior à conquista das Canárias, reforçando-se com esta (72). Aos
andaluzes seguem-se os catalães (12 %), cuja comunidade nas Canárias, ao contrário da
andaluza e galega, se dedicava em exclusivo ao comércio, com uma intensa actividade em
Tenerife, Gran Canaria e na zona de Cádiz e Sevilha; os poucos que fixam morada nas
Canárias, como Rafael Fonte e Pedro Benavente, não renegaram a sua ascendência e a sua
actividade, mantendo contactos assíduos com a sua região de origem e activando um sistema
de trocas entre si ('3).
(68) Eduardo Aznar Vallejo, ob, cit .. 198, M. A. Ladero Quesada, La economia de las islas Canarias
/ .. .l , já citado, 129.
(69) E. Stols, ibidem, 906, 9% 9, 914; M. A. Ladero Quesada, ibldem, 129.
eo) Giles Hana, mercador flamengo, vizinho de Daute (Tenerife) casou-se com Francisca de Canninatis
filha do mercador lombarda, Juan Jácome de Carminatis que por sua vez era casado com Juana Joven, filha de
Jaime Joven, mercador catalão, vizinho de Tenerife; Juan de Xembrens, mercador flamengo, vizinho de Tenerife,
casou-se com Ana de Betencor, filha de Guillén de Betencor. Veja-se Manuela Marrero, Los mercadores
flamengos / ... / 611-614.
('1) Joel Serrão, "Em torno das condições económicas de 1640", in Vértice, X-XI, 1951, 6: Ernesto
Gonçalves, "João Gomes da ilha», A.H.M., XI, 46. Gaspar Frutuoso (ob, cit., L. 0 II, 358-359) refere que em
1566, no momento de assalto francês ao Funchal, residiam na Rua do Sabão dois mercadores de Guimarães com
"suas logeas de mercadorias de pano de linho e de burriés-. Luis de Sousa e Melo ("Emigração na Madeira », in
História e Sociedade, n.? 6, 1979,49-52) em estudo sobre a imigração madeirense, entre 1539-1600. refere que os
indivíduos oriundos da região de Entre Douro e Minho represen!avam 50%.
(72) Eduardo Aznar ValIejo, ob. cit ., 16, Idem, "Relaciones comerciales entre Andalucia y Canarias a finis
deI siglo XV y comienzos deI siglo XVI», in Coloquio de Historia Medieval Andaluzia, Sevilha, 1982.
('3) Manuel Lobo, Protocolos de Alonso Gutiérrez; 16; Idem, Los galejos en canarias I .. ./ 213: Manuela
Marrero Rodrigues, Protocolos dei escribanoJuan Ruiz de Berlanga, 42; Eduardo Aznar Vallejo, ob, cit., 197;
Elias Serra Rafaels, «Introducclon-, in Acuerdos Cabildo de Tenerife, II, 1952, p. X; F. Mauro Fuentes, «Tazrnia
de la lsla de Tenerife de 1552», A.E.A .. n.? 25; 1416.
87
ao
ao
ORIGEM N.· %
Porto 12 11,43
Guimarães 15 14,28
Ponte Lima 17 16,19
Viana 11 10,48
Lisboa 10 9,52
Tavira 4 3,81
Lagos 2 1,90
Algarve 3 2,86
Vila Real 5 4,76
Vila do Conde 4 3,81
Covilhã 3 2,86
Aveiro I 0,95
Canaveses 2 1,90
Abrantes 1 0,95
Guarda 1 0,95
Braga 3 2,86
Lamego 1 0,95
Chaves 2 1,90
Barcelos 1 0,95
Olivença 1 0,95
Torres Novas 1 0,95
Sinfães 0,95 .15-20
1
Gouveia
Outros
1
3
0,95
2,86
e 6-12
Total 105 12,75
•• 3-5
1-2
Catalunha 16 IUI
Sevilha 12 8.63
Cádiz 5 3.97
Barcelona 3 2.16
Moguer I 0.72
Biscaia 2 1,44
Burgos 2 1.44
Outros 98 28.26
e l ().20
• 1·2
89
12
A influência e acção da comunidade castelhana e portuguesa no espaço insular não é
uniforme, pois varia de ilha para ilha e de época para época. Esta alteração espacio-
-ternporal resulta da conjuntura político-sócia-económica do Mediterrâneo Atlântico em
paricular, e da Europa atlântica, no geral.
Nas ilhas portuguesas a acção dos mercadores de Castela é reduzida e, apenas ganha
importância no período filipino (1580-1640). Mas se no caso dos Açores poderá considerar-
-se nula, na Madeira terá alguma representatividade (2 %), resultante da posição dessa ilha
em relação às rotas peninsulares de ligação às Canárias e do necessário comércio de cereais
entre as Canárias, a Madeira e Lisboa. Daí deriva essa intervenção castelhana com carácter
temporário ou fixo. Os Açores, alheios a estes circunstancialismos, surgiram apenas como
sustentáculo da rota de retomo das Índias, facto que atraíu as atenções dos agentes
comprometidos nesse trato, mas apenas no intuito de assegurar a chegada dos seus produtos
a porto seguro, intervindo raras vezes no mercado local.
As Canárias, pelo contrário atraíram as atenções de mercadores, marinheiros e agentes
de Portugal e ilhas (4). As diversas províncias do reino associaram-se ao processo de
construção da sociedade canária: do Minho e Beiras vieram agricultores e artesãos: do litoral
algarvio os marinheiros e pilotos de navios. Da comunidade portuguesa faz parte um grupo
numeroso de mercadores (32 %), interessado no comércio dos cereais, de escravos e da tão
solicitada oportunidade de uma saída até às Índias (5). A importância da comunidade
lusíada é de tal modo significativa em Tenerife e Gran Canaria que justificou a existência de
uma rua em Las Plamas e na vila de San Cristóval (Tenerife) (6).
O mercador insular, com parcos recursos financeiros, não poderia usufruir das mesmas
vantagens que o mercador hispânico e europeu, pelo que estava limitado o seu campo de
manobra; encontrava-se, muitas vezes reduzido à posição subalterna de feitor ou procurador
do mercador do reino, dos flamengos e dos italianos. Perante esta circunstância hipera-
trofiadora, ele aspira, apenas, a reduzidos contactos com o reino e ilhas próximas ou, então,
algumas aventuras esporádicas nos arquipélagos vizinhos. O carácter temporário com que
executam essas actividades comerciais não permitiu, muitas vezes, a sua referenciação
documental.
(4) A emigração de portugueses para as Canárias filia-se nas pretensões à sua posse e na necessidade da sua
utilização nas viagens de exploração geográfica e comercial ao longo da costa ocidental africana. As pretensões
portuguesas à posse deste arquipélago remontam ao século XIV e só foram definitivamente abandonadas em 1479.
Veja-se Florentino Perez Emibld, Los descobrimentos en el Atlântico y la rivalidad castel/ano-portuguesa hasta el
tratado de Tordesilhas, Sevilha, 1948; Elias Serra Rafols, "Portugal en las islas Canarias», in Congresso do
Mundo portugues-memorias, III, Lisboa, 1940; Antonio Rumeu de Armas, Espana en el Africa Atlântica, 2 vols.
Madrid, 1956; Charles Verlinden, «la découverte portugaise des Canaries», in Revue Belge de Philosofie et
Histoire, XXXVI, 1958, 1173-1209; Luis Suárez Fernández, Relaciones entre Portugal y castilha enla época dei
infante D. Henrique, Valladolid, 1960; Jose Perez Vidal, «Aportación portuguesa a la poblacion de Canárias» in
A.E.A .. 14 (1968), 41-42; Pierre Chaunu, Seville et l'Atlantique, T. VIII, vol. I, 382-384.
(5) Eduardo Aznar Vallejo, ob. cit.. 194-195; Manuel Lobo, Protocolos de Alonso Gutiérrez. 17-18; F.
Clavijo Hernandez, Protocolos dei escribano Hernán Guerra, 36-37; A. Cioranescu, ob. cit.. I, 421; M. A.
Ladero Quesada, ob. cit.. III, 128; Manuel Lobo Cabrera, "EI mundo dei mar en la Gran Cariaria» in A.E.A., n.?
26, 342. Segundo Leopoldo de la Rosa "EI repoblamiento de los reinos de Icod y Daute», in Estudios Canarios,
XIV-XV, 1968-1970, 37.
Charles Verlinden ("Le Role des portugais dans l'economie canarienne au début du XVle sieclc», in
Homenaje a Elias Serra Râfols, III, La Laguna, 1970,423) refere-nos a propósito: "II s'agit donc avanttout d'un
véritable prolétariat colonial parmi lequeI la pauvreté n'est pas rare 1.. ./.
A Tenerife, au début du XV!" siêcle, presque tous les Portugais sont des ouvriers ou des Ires modestes
agriculteurs. Aucun comparaison n'est possible avec les autres groupes étrangers, italiens ou fIamends, ou les
marchands dominenl. Ce qu'aportent ces derriers ce sont des capitaux et des relacions comerciales. Les Portugais,
à quelques rares exceptions prês fournissent surtout leur bras. II est intérressant de noter ce contraste, tant pour
l'éconornie que pour la sculture sociale des Canaries au début de la colonization espagnole».
(6) A.H.P.L.P., Diego de San Clemente. n.? 733, fi. 274; Manuel Lobo, lbldem, 18 Maria Isidra Coelho
Gomez, Protocolos de Alonso Gutiérrez, 686.
90
I
e·· ·
91
Sabemos da existência e assiduidade desses contactos, mas pouco ou quase nada dos
nomes dos intervenientes; lacunas da documentação insular impossibilitam um conhecimento
aprofundado dessa situação; assim, nos Açores há apenas referência a um mercador canário,
enquanto nas Canárias apenas se noticia um mercador madeirense (7).
No entanto, na Madeira encontramos uma importante comunidade de açorianos (2 %),
resultante da assiduidade de contactos entre os dois arquipélagos em torno do comércio ou
fornecimento de cereais; aliás, se tivermos em conta a sua origem, verificaremos que eles
prevêm, na sua maioria (75 %), das ilhas de maior comércio e contactos com a Madeira, ou
seja, S. Miguel e Terceira.
Definida a componente forasteira dos agentes comerciais da sociedade insular, torna-se
necessário referenciar o seu comportamente em conjunto com os naturais ou residentes, no
espaço amplo e heterogéneo que é o mundo insular hispânico.
Mercadores nas ilhas: distribuição geográfica
Funchal 857 89,55 Ponta Delgada 30 68,18 Angra 23 79,31 Gran Canaria 281 51,94
Calheta 42 4,39 V. Franca do Campo 7 15,91 Praia 3 10,34 Tenerife 246 45,47
Santa Cruz 16 1,67 Ribeira Grande 5 11,36 La Gomera 1 0,18
Ribeira Brava 23 2,40 Agua d'Alto 2 4,56 La Palma 11 2,03
Ponta de Sol 4 0,42 Lanzarote 1 0,18
Machico 2 0,21 Fuerteventura 1 0,18
Caniço 2 0,21
Faial 1 0,10
Total 947 98,95 Total 44 59,46 Total 26 89,65 Total 541 99,27
S. Miguel 9 45
Terceira 6 30
Graciosa 3 15
S. Jorge 1 5
Santa Maria 1 5
Total 20 100
(7) Diego Afonso, mercador, natural da ilha do Faial, encontrava-se em 1511 em Tencrife (quadro n.? 2);
Juan Porras, mercador, natural da Madeira, estava em 1521 em Gran Canaria (quadro n.? 3).
92
Corvo
D Graciosa
C)
Flores
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S.ta Marla
• 6-10
• J-5
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W MERCADORES NOS AÇORES. Século XVI
A predominância da cultura sacarina. aliada a esta tendência, actuará de modo explícito
na concentração dos agentes económicos. As áreas de maior produção na vertente sul.
dominada pelo porto do Funchal, atrairão as suas atenções e condicionarão a sua vizinhança
além do Funchal. Assim se explica a importância que eles adquiriram na Calheta e Ribeira
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Estrangeiros
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Brava, ao invés do que sucede em Santa Cruz e Machico; estas povoações situavam-se na
capitania de Machico com pouca importância na economia açucareira.
Na ilha de S. Miguel, a cidade de Ponta Delgada, como o seu porto e alfândega
principal de ilha, desde princípios do século XVI, domina a actividade de troca e a
concentração dos seus agentes. A importância de Vila Franca do Campo e da Ribeira
Grande é justificada pelo seu peso na economia micaelense, pois nas suas proximidades
situavam-se as áreas de maior produção de pastel e de cereais. Na Terceira a vivência
94
ribeirinha do burgo angrense fez concentrar aí o grosso destes agentes, não obstante a vila
da Praia se localizar numa das áreas mais importantes de economia agrícola terceirense. Tal
situação deve-se ao facto da proximidade desta vila em relação a Angra e da facilidade das
comunicações por via marítima e terrestre. Se tivermos em conta a que na Praia e
S. Sebastião existiam portos 'aptos ao comércio das produções da área, seremos levados a
compreender o reforço da posição macrocéfala da praça angrense que domina toda a ilha e
algumas vizinhas, como S. Jorge e Graciosa.
O mercador vizinho ou estante procura, assim, o acolhimento das principais praças
comerciais do mundo das ilhas definidas com áreas de convergência da produção insular e
de redistribuição das manufacturas europeias.
A actividade comercial não o absorve por completo, poís subdivide a sua acção
quotidiana entre o comércio, o transporte, a banca, a produção e a administração local e
régiae s); as primeiras actividades completam-se e garantem-lhe um pecúlio vantajoso,
enquanto a última assegura as condições e meios privilegiados da sua acção.
Atraídos, primeiro, pela produção local, esses mercadores acabam por investir os seus
capitais em bens fundiários, tomando-se importantes proprietários; eles representam na
Madeira 7% do total e nos Açores, 26%. Na primeira destas ilhas, mercê do desenvolvimento
e importância da cultura do açúcar, surgem como proprietários de canaviais, representando,
na primeira metade do século XVI, 24% do total dos proprietários, com 30% da produção ('9).
A estrutura administrativa da sociedade insular, desde princípios do século XVI,
organiza-se de acordo com as realidades sócio-económicas, procurando ajustar-se às
necessidades da fiscalidade e da intervenção e regulamentação das actividades económicas
dominantes.
Ao mercador, como interveniente comprometido com as realidades sócio-económicas,
interessava uma posição de domínio nessa complexa estrutura administrativa, como forma
de fazer valer os seus interesses nas ordenanças, posturas, leis e regimentos. De entre os
mercadores intervenientes nessa estrutura temos 10% na Madeira e 3 % nas Canárias.
Na Madeira, dos referenciados, 52 % são funcionários da fazenda real, do almoxarifado
e alfândega e 48 % têm participação activa na administração municipal. Saliente-se que
neste grupo de mercadores funcionários estrangeiros há dois estrangeiros na Madeira e
quatro nas Canárias (80).
(8) A. Guimerá Ravina, «Canárias en La Carrera das Indias- ([564-1778)>>, in Historia General de las
islas Canarias, IV, [73. Este Autor destaca a simbiose entre o proprietário agrícola-comerciante, produtor.
industrial e prestamista.
(9) Veja-se Alberto Vieira, O regime de propriedade lia Madeira. O caso do açúcar (1509·1537).
(80) Em Gran Canaria, Antonio Mayuello e Bautista Riberol , genoveses, foram regedores do cabildo e em
Tenerife, Arnaldo Vaudela, flamengo, foi administrador da fazenda e Michel Vasol, igualmente flamengo. foi
mayordomo deI Adelantado. Para a Madeira surgem Cristóvão Esmeralda, que foi contador e juiz da alfandega. e
António Dias, flamengo, recebedor dos quintos.
95
1.4 Emigração inter-insular
e) Segundo Juan F. Martin Ruiz (EI N. W. de Gran Canarias / .. .l , Las Palmas, 1978) « La ernigracion que
una constante en la sociedad canaria. Esta hecho esté, un primer lugar, en relación con unas bases estruturales
precarias: una economia de monocultivo comercial en la costa, e de subsistencia em medianias y cumbres. Junto a
esta estructura economica precaria, como ya hemos seiialado, un crecimiento natural vertiginoso. Casi todos los
períodos intercensales arrojon soldos migratorios negativos, favorables, portanto a los emigrantes. El numero de
emigrantes parece que aumenta justamente en los ciclos de crises agraria » ilbidem, p. 12).
e) A.G.S., Registro general dei sello. t. III. fi. 6, cédula real de 5 de Janeiro de 1484, referenciado por
Emilia Sanchez Falcón, ..Evolucion demografico de las Palmas... in A.E.A., X (1964), 312.
e) Maria Olímpia da Rocha Gil, O arquipélago dos Açores /lO século XVl/ 1 ... l , 11-43.
(4) Analola Borges, ..Emigracion canaria e americana .., in A.E.A .. .n." 23 (1977) 244-245. A mesma refere a
propósito: - ..EI transplante humanc es lo más transcendental de los factores determinantes de las relaciones
canario-indianas y la más preciosa aportación a la empresa del XVI. Desde principias del siglo comienzan a partir
famílias procedentes de Lanzarote, Hierro y Gornera; posteriormente el contingente mayor de emigración lo darán las
islas recientemente conquistadas e. incorporadas a la carona de Castilla, que, además son también las islas mayores:
Gran Canaria, Tenerife, La Palma. La ernigracion se extiende a toda la centuria y se hará aún más patente en los
siglas seguíentes» (lbidem, p. 243).
(5) Ibidem, p. 247.
96
Francisco Morales Padron transmite-nos de forma modelar essa realidade da sociedade
canária do século XVI: «Las islas fueron primero, como una espera de lo desconocido:
luego una previa experiencia; después se transforrnaron en camino para las Índias, y más
tarde se convierten en vivero conformador dei Nuevo Mundo» (6).
As ilhas portuguesas não se dissociaram do processo expansionista português do
Atlântico e do Índico. A aristocracia insular, imbuida das ideias de conquista e de
descobrimentos, participou activamente nas viagens de exploração para Ocidente e nas
diversas expedições a África e Brasil C). Além disso muitos dos seus vizinhos, ambicionando
maior riqueza ou impelidos pelas circunstâncias, saíram para o Brasil e Índia (8).
As ilhas, pela sua proximidade e similar forma de vida, aliadas às necessidades de
contactos comerciais assíduos, mercê da complementaridade sócio-económica, exerceram
igualmente forte atracção entre si. Madeirenses, açorianos e canários não ignoram a sua
condição de insulares e, por isso mesmo, sentiram necessidade de um estreitamento dos
contactos e relações, com especial relevo para os comerciais (9). Nesta comunhão de ideias e
neste espírito de entre-ajuda teremos a solicitação de colonos experimentados da Madeira
para a cultura e safra do açúcar nas Canárias e Açores et°).
A Madeira mercê da sua posição charneira entre os Açores e as Canárias e da
prioridade da sua ocupação, foi desde meados do século XV um importante fornecedor de
colonos a estes arquipélagos. Foram os madeirenses que deram o arranque definitivo à
ocupação da terra açoriana e, nomeadamente, à ilha de S. Miguel. Os filhos segundos da
aristocracia madeirense, sem direito a uma parcela de terreno do seu torrão natal por força
do direito sucessório, procuram adquirir nos Açores e, depois, nas restantes áreas de
ocupação portuguesa, aquilo que lhes foi negado na Madeira. Assim o conseguiram Rui
Gonçalves da Câmara ao trocar, em 1474, as suas parcas fazendas na Ponta de Sol pela
Capitania de S. Miguel. O mesmo sucedeu com Álvaro de Ornelas ao adquirir a capitania da
ilha do Pico. Com estes vieram outros membros de aristocracia madeirense na esperança de
adquirir maior número de dadas de terras; assim sucedeu com alguns membros da família
97
Betancor, os descedndentes de Gonçalo Aires Ferreira, dos Furtados de Mendonça de Castela,
dos Martim Mendes de Vasconcellos, dos Tavares, dos Cantos e dos Barcelos (11). Todos
eles receberam dadas de terra em S. Miguel, Terceira e Santa Maria, tornando-se influentes
e
nos locais de fixação z ). Essa posição adveio das vantagens iniciais na aquisição de terras,
do seu espírito empreendedor e do seu rápido relacionamento matrimonial com as principais
famílias açorianas (13).
Aliada a esta vaga de povoamento teremos, ao longo do século XVI, novas levas de
emigrantes, provocadas quer pelo movimento comercial, quer por causa da peste que
assolou a Madeira, na primeira metade desse século 4 ) . e
Dos madeirenses emigrados para os Açores, nos séculos XV e XVI, 62 % destinaram-
-se aS. Miguel, l7 % à Terceira e os restantes distribuiram-se por Santa Maria, Graciosa, S.
Jorge, Pico e Faial. Esta situação denota o interesse sócio-económico dos madeirenses pelas
duas ilhas mais importantes do arquipélago com as quais a Madeira mantinha estreitas
relações comerciais.
As Canárias não ofereciam aos madeirenses as mesmas possibilidades que os Açores.
No entanto, a situação deste arquipélago, associada às esperanças postas no mito açoriano,
atrairão o madeirense que num ou noutro arquipélago busca uma libertação das peias da
aristocracia fundiária local ou uma solução para a crise açucareira. Para os mais ambiciosos
a mira será S. Tomé ou o Brasil, mas a maioria prefere as propostas aliciantes dos
governadores de Gran Canaria e Tenerife à aventura tropical. Assim, um grupo numeroso de
lavradores, mestres de açúcar, carpinteiros, caldeireiros e refinadores trocou as agruras da
cultura e safra do açúcar madeirense pela promissora faina açucareira de Gran Canaria e
e
Tenerife s ). Da contabilização estabelecida para este surto emigratório há referência a 56 %
relacionados com a safra do açúcar, enquanto os restantes se distribuem de modo uniforme
pelas diversas actividades agrícolas e artesanais. O primeiro grupo surge com maior
incidência em Gran Canaria, enquanto o segundo se circunscreve a Tenerife 6 ) . e
As áreas de maior afluxo desta vaga emigratória são, naturalmente, as ilhas de Gran
Canaria e Tenerife, onde teremos, respectivamente, 37% e 60%; das restantes apenas são
referenciadas as ilhas de Palma e Hierro.
Açorianos e canários, atentos e cobiçando as riquezas das Índias, ignoravam a realidade
sócio-económica madeirense; toda a sua atenção estava virada para o promissor Novo
Mundo; eram as embarcações que chegavam de Andaluzia e nas Canárias procuravam o
necessário reparo e refresco para o moroso percurso que os esperava até às Antilhas; eram
os mercadores naturais e estrangeiros que cobiçavam e disputavam as necessárias licenças
(11) Gaspar Frutuoso, ibidem, L.0 rr, 404; lbidem, L.0 IV, 267, 260, 278, 318, 324; lbidem, L.0 IV, vol. n,
100-110; Henrique Henriques de Noronha, Nobiliario genealogico / ... l , Rio de Janeiro, 1947, 437-41, 194.
519-521; Manuel Monteiro Velho Arruda, Colecção de documentos relativos ao descobrimento e povoamento dos
Açores. Ponta Delgada, 1932, 166-172; Francisco de Atayde M. de Faira e Maia, Subsídios para a História de
S. Miguel e Capitães Donatários (1439-1766). Ponta Delgada, 1942, 18-22, 25-26.
(12) Urbano de Mendonça Dias, ibidem, 132, 147 e 164.
et3
) Pedro Álvares da Camara, irmão do capitão donatário da Madeira, casou a sua filha Branca com Diogo
Paim e Isabel de Lamelas com Antão Martins Homem filho do donatário da Praia (Terceira). Em 1483 Pero Correia,
primeiro capitão da Graciosa, casou com Iseu Perestrelo, filha do primeiro capitão donatário do Porto Santo. João de
ameias de Savedra casou na Terceira com Catarina de Teive Gusmão, filha de Diogo de Teive, tendo recebido terras
no lugar das Fontainhas, onde instituiu o morgado ameias. Gonçalo Mendes de VasconceIlos, filho de Martim de
VasconceIlos, casou com Bartolesa Rodrigues Cameiro, filha de Álvaro Martim Correia, morador em S. Miguel e
senhor dos lugares da Povoação, Mosteiros e Ponta Garça.
et4
) Em 1515 refere-se que Lianora Lopes saiu para as ilhas de baixo no ano em que houve a primeira peste
(A.R.M.. Misericórdia do Funchal. n.? 710, fi. 41, 23 de Setembro, instrumento de doação). O mesmo sucedeu com
João Gonçalves Pereira, de Serra de Água que se mudou para S. Miguel (Gaspar Frutuoso, ibidem, L. 0 IV,
cap. XXXIII).
(15) Maria Luisa Fabrellas, ibidem, 471. Veja-se nota 10.
(16) Margarita I. Martin Socas, ibidem. 684-687.
98
para um comercio rendoso com essa área; eram, ainda, os vizinhos, que aguardavam as
caravelas ou a almejada oportunidade de embarcarem para as Índias. Nos Açores, pelo
contrário, vivia-se a expectativa da chegada das naus na esperança de adquirir algumas
migalhas do reluzente e precioso metal.
A Madeira só era recordada quando todas estas expectativas se goravam ou quando a
manutenção do comércio inter-insular o justificava. As rotas açoriana e canária do forne-
cimento dos cereais à Madeira implicaram essa necessidade; por isso depararemos, ao longo
dos séculos XVI e XVII, com a permanência temporária de açorianos e canários na
Madeira; eram na sua maioria originários das ilhas que mantinham contactos mais assíduos
com o Funchal.
ORIGEM N."
S. Miguel 6 43
Terceira 3 21
Faial 4 29
Tenerife 6 43
Gran Canaria 4 29
Lanzarote 2 14
Palma I 7
Hierro I 7
e') Luis Francisco Cardoso de Sousa Melo, «A imigração na Madeira», in História e Sociedade. 0,0 6.
1979. 51-53.
e s ) Lothar Siemens Hemandez, «La expedicion a la Madera dei Conde de Lanzarote desde la perspectiva de
las fuentes madeirenses», in A.E.A .. n.? 25. (1979) 289-305: J. de Abreu Gallndo, História de la ronquista de las
siete is/as Canarias, Sant~ Cruz de Tenerife, 1977,245: Sergio Bonnet, «La expedieion dei Marques de Lanzarote
a la isla de la Madera», in EI Museo Canario , X, 1984, 59-68.
e 9
) J. de Abreu Galindo, ibidem, 104 e 134: Henrique Henriques de Noronha, ibidem, J. 51-74.
(20) Lothar Siemens e Liliana Barreto, "Los esclavos aborigenes canarios en la isla de la Madera (1455-
-1505) .., in A.E.A .. n.? 20 (1974). 111-143.
99
o conhecimento das correntes migratórias entre os Açores e as Canárias está dificultado
pela falta de fontes; no entanto, as poucas disponíveis elucidam-nos sobre a existência destes
e
contactos humanos e comerciais 1 ) . Esta corrente migratória afirmou-se mais no sentido
Açores-Canárias que no inverso; neste último sentido apenas há notícia da vinda de um mestre
de açúcar para Vila Franca do Campo e de Pedro Alves, de Tenerife, que serviu a João
Alvares do Sal na Lagoa (S. Miguel) como guardador de cabrase 2 ) .
Os emigrantes açorianos nas Canárias são, na sua maioria, oriundos das ilhas Terceira e
S. Miguel; fixam-se nas ilhas de Tenerife, Gran Canaria e Lanzarote, dedicando-se à cultura
dos cereais, vinha e cana sacarina. Em Lanzarote surge um grupo importante que de dedica à
cultura cerealíferaf"). Os açorianos teriam contribuído para o arranque da cultura do pastel
em Tenerifet?").
e Manuel
t
)
I .../, 102.
Lobo Cabrera, ibidem, José Perez Vidal, Aportacion Portuguesa á la poblacián de Canarias
e2
) Gaspar Frutuoso, ib idem , L.o IV, VaI. II (1926), 60.
(23) Manuel Lobo Cabrera, ibldem, 359-360.
e4
) Ibidem, 363-364.
100
1.5 Os produtos
As ilhas atlânticas dos três arquipélagos a que nos temos referido, definidas por F.
Braudel e P. Chaunu como o Mediterrâneo Atlântico, caracterizam-se por uma política de
desenvolvimento económico na dependência dos interesses do tráfico europeu interna-
cional e). A selecção e transplante dos produtos para as novas arroteias far-se-á, assim, em
consonância destes vectores do dirigismo económico europeu,' com as diferenças e assimetrias
derivadas da estrutura do solo e do clima. Esses impulsos, em conjunto, actuam como
mecanismos virtuais de distribuição das culturas europeio-mediterrânicas, componentes da
dieta alimentar (cereais, vinho) ou resultantes das solicitações das principais praças europeias
(açúcar e pastel) e).
Tal situação materializar-se-á numa nítida tendência destas áreas para uma exploração
económica baseada na monocultura ou dominância de um produto. Contra isso surgirá a
heterogeneidade do espaço insular que condicionará a distribuição das culturas, dando lugar
a uma política distributiva ou de arrumação dos principais produtos agrícolas; surgem deste
modo áreas de produção para a subsistência e troca, procurando definir-se as condições
necessárias à estabilidade das actividades sócio-económicas. Assim, o alargamento da área
do cultivo do açúcar na Madeira implica a criação de novas áreas de produção cerealífera.
De igual modo, a heterogeneidade e descontinuidade do espaço arável dos arquipélagos
das Canárias e dos Açores condicionarão a distribuição dos produtos e sectores de
actividade nas diversas ilhas, definida pela sua importância em relação às necessidades
internas e externas. As ilhas de Fuerteventura, Lanzarote e Tenerife serão vocacionadas para
atender as necessidades da sua própria subsistência e das ilhas vizinhas, enquanto as ilhas de
S. Miguel, Graciosa, S. Jorge suprirão as carências de Angra, praças africanas e Madeira.
Nas ilhas de Tenerife e S. Miguel, mercê da actuação hábil dos governantes ou da
disponibilidade de áreas de arroteias, foi possível conciliar as necessidades de subsistência
com a voracidade das solicitações do mercado externo. Aí os cereais medravam, lado a lado
com o pastel ou o açúcar.
Esta situação de interdependência activa uma complicada teia de circuitos comerciais
inter-insulares, necessários à manutenção desta tendência monocultural,
O povoamento e exploração do espaço insular vai ao encontro das solicitações que
regeram o processo e a economia insulares. O carácter agrário destas sociedades nascentes é
compatível com as necessidades derivadas da subsistência e das solicitações externas.
Ambos os sectores alicerçaram o rumo desta economia, definindo, por um lado, a aposta
numa agricultura de subsistência, assente nos componentes da dieta alimentar europeia e,
por outro, a imposição de produtos estranhos capazes de activarem o sistema de trocas e).
e) Fernand Braudel , La Medlterranée erle monde méditerranéen / .. .l , I. 141-142; Pierre Chaunu, ob.
cit.. t. VTIl , I. 76-79, 369-370.
(2) Maria Olímpia da Rocha Gil. O arquipélago dos Açores no século XVII, / ... t , 421; idem, o porto de
Ponta Delgada comércio açoriano no século XVII. 107. Joel Serrão "A exploração económica da Madeira
(1425-1470)>> in D. A. H. M., n.? 31 (1961), 4) refere que a "A História agrária da Madeira caracteriza-se pois. a
partir dos seus inícios, por um regime de policultura - cereais, açúcar e vinho - , mas com tendência para o
predomínio de uma dessas produções com efeito, no decorrer dos séculos XV, XVI e XVII, sobre este fundo
inicial de policultura. desenha-se sempre uma tendência para a monocultura - princípio. o trigo; e, posterior e
sucessivamente. o açúcar e o vinho".
çJ) Eduardo Aznar Vallejo, ob, cit., 455; Vitorino Magalhães Godinho, Os descoblmentos e li economia
mundial. III. 232-233; A Guimerá Ravina, «Porqué Comercia Canarias com Indias en el siglo XVI?/ ... / ". in II
C. H. C. A .• 90.104.
101
A estrutura do sector produtivo adaptar-se-á a esta situação, podendo definir-se em
componentes de dieta alimentar - cereais, vinha, hortas, fruteiras, gado e derivados - e
de troca colonial - pastel, cana de açúcar. Em consonância com a actividade agrícola
verificar-se-á a valorização dos recursos do meio insular, que irão integrar a dieta alimentar
- pesca, silvicultura - e as trocas comerciais - urzela, sumagre, madeiras e derivados,
como o pez.
Uma informação sobre a importância de todos esses componentes na economia agrícola
insular apenas se torna possível para as Canárias; aí, em finais do século XVI, as deduções
do diezmo permitem essa análise (4).
Miunças 542760 mrs 14 156351 mrs 720664 mrs 87 223 mrs 175 060 mrs 63842 mrs 84714mrs 44
Açúcar 241 162 mrs 85612 mrs 173544 rnrs 5 275 rnrs 8
Trigo 767 fanegas I 270 fanegas 685 fanegas 226 fanegas 59 fanegas 35
Cevada 628 fanegas 581 fanegas 417 fanegas 159 fanegas 176 fanegas 6
Centeio 548 fanegns 550 fanegas 402 fanegas 7
102
Os cereais e o vinho
(11) "Relação de Diogo Gomes», in Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, n.? 5. 291-292:
Jerónimo Dias Leite, O Descobrimento da ilha da Madeira I .. .1, Coimbra, 1947, 180-181.
e 2 ) A. R.M., C. M. F" Registo Geral, T.I, fi. 204-205, 3 de Agosto de 1461, ..Apontamentos e capitolos
e s ) Cadamosto, em meados do século XV, refere que de uma produção inicial de I :60 se havia passado
para I :30 ou I :40 (..Navegações de Luis de Cadarnosto», ln A. Aragão, A Madeira vista por estrangeiros). Giulio
103
o agravamento do défice cerealífero nas décadas de 70 e 80, que conduziu ao
alastramento da fome em 1485, surgirá como a principal preocupação das autoridades locais
e centrais. Primeiro procurou-se colmatar a falta com o recurso à Berberia, Porto, Setúbal,
Salónica; depois foi necessário definir uma área externa produtora, capaz de suprir as
necessidades dos madeirenses. Assim sucedeu, desde 1508, com a definição dos Açores
como principal área cerealífera do Atlântico português; as ilhas açorianas actuariam como o
celeiro de provimento da Madeira e substitutivo desta no fornecimento às praças africanas 6 ) . e
A Madeira, que se havia afirmado, no período henriquino, como um importante
mercado de fornecimento de trigo passará, no governo fernandino, à situação de comprador,
adquirindo mais de 1/2 do seu consumo nas ilhas vizinhas: Açores, Canárias 7 ) . e
A crise cerealífera surge simultaneamente com a afirmação da mesma cultura no solo
açoriano, havendo correlação entre a crise, de um lado, e o surto, do outro; Joel Serrão
refere-nos que a valorização dos cereais na agricultura resulta dessa situação s ). O rápido e
incentivo do povoamento deste arquipélago nas décadas de 60 e 70, conduziu ao igual
desenvolvimento da cultura cerealífera, de modo que esta se afirmava, em finais do século,
como a principal área produtora de trigo do Novo Mundo 9 ) . e
A historiografia quinhentista é unânime em afirmar a elevada fertilidade do solo
açoriano; o mais demonstrativo desses textos é o de Gaspar Frutuoso, que nos dá conta, de
modo exaustivo, das diversas formas de actividade económica do arquipélago, tendo em
conta a actuação dos factores de produção eo); na descrição que faz das nove ilhas salienta
que o solo açoriano, de um modo geral, se apresenta apto para a cultura do trigo, quer pela
sua estrutura geográfica, quer pela fertilidade, que tornava desnecessário o recurso ao
sistema de afolhamento 1 ) . e
A intensificação dessa cultura e a falta de uma correcta política de arroteamento
condicionaram a produção cerealífera açoriana a partir de meados do século XVI. A
situação de crise, que então surgiu, resultava, por um lado, do esgotamento e inadequação
das sementes ao solo e, por outro, de acção da alforra. Esta situação condicionará e
provocará profundas alterações na economia agrária açoriana, sendo o factor preponderante
para o alargamento da área arroteada e das alterações na estrutura económica 2 ) . e
Os problemas cerealíferos que surgirão com maior acuidade a partir desta data,
agravando-se nas últimas décadas do século, pautavam toda a acção dos municípios e coroa
que procuram, de modo desenfreado, as soluções adequadas para a carestia e para a
fome r"),
A partir de finais do século XV as Ilhas de Tenerife, Lanzárote, Fuerteventura, La
Palma e Gran Canaria juntar-se-âo ao grupo das áreas produtoras de cereal no Atlântico,
apresentando-se como celeiro local e de fornecimento da Madeira e, até de Castela, em
Landi ("Descrição da ilha da Madeira». ibidem. 84). em cerca de 1530. dá conta dessa situação de modo explícito:
"A ilha produziria em maior quantidade se semeasse. Mas a ambição das riquezas fez com que os habitantes.
descuidando-se de semear trigo, se dediquem apenas ao fabrico do açúcar, pois deste tiram maiores proventos, o
que explica não se colher na ilha trigo para mais de seis meses, por isso há uma carestia de trigo pois em grande
abundância é importado das ilhas vizinhas». .
(16) Alberto Vieira, O Comércio de Cereais dos Açores para a Madeira no século XVIl, 652.
(17) Giulio Landi em 1530 refere a sua importação das ilhas vizinhas (Ibidem) e Pompeo Arditi em 1567
refere que o «trigo que aí se colhe é muito bom. mas tão pouco que não chega para a terça parte da ilha; por isso
são obrigados a importá-los das Canárias e das ilhas dos Açores» "Viagem à ilha da Madeira e aos Açores». in
ibidem, 130). Gaspar Frutuoso (ob, clt., L.0 II, (14) em finais do século, elucida que a ilha precisa de importar
anualmente doze mil moios de trigo.
ct a) os.cit., 5-6.
ct 9 ) Veja-se o nosso estudo, A Questão cerealífera /lOS Açores / .. .l , 123-136.
eo) Saudades da Terra. L.0 IV (2 vols.), L.o VI.
e 1
) Ibidem, L.0 III, 98, 66; L.0 IV, vol. II, 17.23. 25; L.0 VI. 4. 227.
e 2
) Alberto Vieira, A questão cerealífera /lOS Açores / .. .l , 132-133.
eJ
) Ibidem, 133-139.
104
e
momentos de penúria 4 ) ; segundo Eduardo Aznar a cultura cerealífera desempenhou um
papel preponderante na economia insular, suplantando mesmo o açúcares). Da análise das
rendas das ilhas realengas verifica-se que os cereais surgem como uma componente
importante da economia insular. variando, é certo, de ilha para ilha. Assim. para todo o
século XVI, nas ilhas de Tenerife e La Palma teremos a dominância desta cultura; de 1507 a
1508 ela representava 47%, na primeira, e 36%, na segunda; em 1510 estas duas ilhas
apresentavam 49 % em cereais e 45 % em açúcar.
Em 1522, no conjunto das ilhas realengas, salienta-se com maior acuidade a dominância
desta cultura na produção canária; assim as referidas ilhas representavam 55 % enquanto o
açúcar surge com 16%, isto é, menos de um terço. Esta situação resulta, fundamentalmente,
da ilha de Tenerife, uma vez que em Gran Canaria, e desde 1498, o açúcar adquiriu uma
posição privilegiada (52%) em relação aos cereais (38%).
A produção cerealífera canária circunscrevia-se às ilhas de Tenerife, Gran Canaria, La
Palma, Lanzarote e Fuerteventura. A primeira adquire posição cimeira, desde os inícios da
conquista. mantendo-se até finais do século XVI (1585); entre 1507 e 1522, a média de
produção orçava as 85 000 fanegas de cereais, sendo 60% de trigo e 40% de cevada. No
ano de 1522 das 100000 fanegas de produção, cerca de 30000 foram consumidas
localmente e as restantes exportadas para as ilhas vizinhas e para a Madeira 7 ) . e
A ilha de Tenerife mantém-se, até princípios do século XVII, como o principal celeiro
canário, capaz de suprir as necessidades do seu consumo e das ilhas vizinhas, como Gran
Canaria, La Palma e Madeira. Aliás, em 1585, Thomas Nichols referia que «esta isla es la
más fértil de todas encuanto ai trigo, y desde este punto de vista es una madre o una nodriza
para todas las demás en tiempo de necessidad» s) . e
A conjuntura cerealífera deste arquipélago, em meados do século XVI, é idêntica à das
restantes áreas produtoras (5. Miguel, Terceira), definindo-se pela acuidade dos problemas
(24) Guilhermo Camacho y Perez Galdós, ibidem, 224-50: Pierre Chaunu, ibldem, VIII, Vol. I, 366-372:
Leoncio Afonso. ibidem, 7-42.
e s ) Ob. cit.• 252.
(26) José Sanchez Herrero, ibidem, 74-90.
(27) Acuerdos dei cabildo de Tenerife, TV, n.? 343, 26 de Setembro de 1522: Eduardo Aznar Vallejo , ob,
clt., 252: Leoncio Afonso, ibidem, 30-33.
e R
) «Descripction de las islas afortunadas .. in Alejandro Cíoranescu, Thomas Nlchols mercador de azúcar.
hispanista y herege. La Laguna, 1963, 114.
105
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106
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e 44
•• 6-10
3-5
I
• 1-2
.-
O
-:J VINIIAS E LATADAS liA MADE[RA. Século XVI
de abastecimento local, que surgem como o resultado da deterioração do solo e do aumento
desproporcionado da população; a esta situação de crise, generalizada a todo o mundo
insular, corresponde uma intervenção assídua da coroa e dos municípios, entravando a livre
circulação do produto e o seu consequente comércio.
PRODUÇÃO
ILHAS POPULAÇÃO ------------ CONSUMO SALDO
TRIGO CEVADA/CENTEIO
e9
) José Sanchez Herrero, ibidem, 74-90.
eo) «Navegação 1... .]» in António Aragão, ob. cir., 37.
e1
} Virginia Rau, O açúcar da Madeira / ... /,66-74; A.R.M., Misericórdia do Funchal, n." 40, 43,694.
710.
(n) Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra. L.0 II, passim.
108
Os trigais e os canaviais davam, assim, lugar às latadas e balseiras, a vinha tornava-se
a cultura exclusiva do colono madeirense, à qual passa a dedicar toda a sua acção e
engenho. O vinho adquire o primeiro lugar na economia madeirense, mantendo-se nessa
situação por cerca de três séculos.
A evolução da situação viti-vinícola madeirense é apresentada de modo exemplar por
alguns visitantes da ilha nesse século. Assim, em 1547 Hans Standen definia a economia da
ilha pelo binómio vinho/açúcar, enquanto, em Maio desse ano a vereação funchalense
decidia o preço do vinho, urna vez que «nesta ilha as mais pessoas deIla vivem de
vinhos»
3
e) . Esta última situação surge reforçada em meados do século, e de tal modo que,
na década de 70, o vinho viria a apresentar-se como o primeiro e principal produto de
e
exportação 4 ) . Em 1583 T. Nichols referia que «la producción principal de este pais es una
gran cantidad de vino excepcionalmente bueno, que se lleva a muchos lugares» s ). E, em e
1590, Torriani dava conta da abundância de vinhos na ilha, referindo "que superou em
mucho lo que en su tiempo habia visto Alvise da Mosto» 6 ) . e
Nos Açores o vinho não terá adquirido, nos séculos XV e XVI, a importância que teve
na Madeira e, mesmo, nas Canárias; só assumirá uma posição de relevo na economia
açoriana a partir de finais do século XVI, com as escápulas vantajosas para o Brasil e
e
Antilhas 7 ) . Os condicionalismos de ordem geográfica e climática terão contribuído, em
parte, para o escasso desenvolvimento da cultura da vinha; se excluirmos a ilha do Pico e
Santa Maria, é forçoso concluir que o arquipélago não apresentava as condições mesológicas
adequadas aos vinhedos; aliás, no reinado de D. João II, o alemão Münzer queixava-se da
e
fraca qualidade do vinho dos Açores s); e, em finais do século tanto Linschoot como
Mosquera de Figueiroa apontaram que o vinho terceirense era de muita má qualidade; o
primeiro salienta, a esse propósito, que na ilha «onde se dá também grande abundância de
vinho, mas muito fraco e que não pode guardar-se nem ser transportado para fora; é,
contudo, utilizado pela gente pobre, pois que os mais ricos usam ordinariamente dos vinhos
da Madeira e da Canárias» 9 ) . e
O incentivo desta cultura no século XV, a partir das décadas de 60 e 70, deverá resultar
das correntes imigratórias de madeirenses que participaram activamente na ocupação e
exploração do solo açoriano; de resto a tradição anota que teria sido frei Pedro Gigante
quem, cerca de 1460, introduziu os primeiros bacelas oriundos da Madeira na ilha do
Pico (40). A cultura de vinha espalhou-se a quase todo o arquipélago, adquirindo importância
na ilha do Pico e em S. Jorge, Santa Maria e S. Miguel, ocupando aí todas as terras de
biscoito (41).
Na ilha de S. Miguel a produção em finais do século oscilava entre duas mil e cinco
mil pipas anuais, das quais 70% provinham das vinhas de Ponta Delgada e Lagoa, 20% da
Ribeira Grande e apenas 10% das restantes partes da ilha(42). Nade S. Jorge colhiam
anualmente três mil pipas de que se exportava metade para a Graciosa e Faial, referindo
Gaspar Frutuoso que em S. Jorge existiam trezentas adegas (43). Na ilha do Pico, só em
e ) Ibidem,
e9)
244. .
"História da Navegação l . ./», B.l.H.f.r.. I, 151; C. Mosquera de Figueiroa ..Conquista de la isla
Terceira en 1583» in Arquivo dos Açores. IV, 281.
(40) Ernesto Rebello, «Notas açorianas » ,in Arquivo dos Açores. VII. 65, 75.
(41) Gaspar Frutuoso (Saudades da Terra. L." III, IV. VI) dá-nos conta da situação da economia
viti-vinícola açoriana em finais do século.
(42) Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra. Livro IV, vol. II, 5, 46-47.
(43) lbidem. L. 0 VI, 246-247.
109
S. Roque e Santa Bárbara produziam-se mil e novecentas pipas, havendo aí importantes
lavradores de vinha, como Belchior Homem, que produzia de cem a cento e trinta pipas de
bom vinho (44).
Nas Canárias o impulso viti-vinícola deu-se logo após a conquista destas ilhas, tendo o
vinho assumido uma posição de relevo na economia canária, na segunda metade do
século XVI. O rápido arranque desta cultura na ilha de Tenerife resulta do incentivo do
cabildo à plantação de videiras, aliado à proibição dos vinhos de fora, como forma de
colmatar a sua falta no mercado local (45). Nas ilhas de La Palma e Gomera esse avanço
resulta da existência de um mercado comprador nas Índias Ocidentais, cujo transporte era
facilitado pela posição das duas ilhas no traçado rotas comerciais de ida (46).
A insuficiência da produção cerealífera insular, acompanhada da incidência de agudas
crises de produção, conduziram à valorização da componente leguminosa e frutícola na
alimentação insular. Assim, a fruticultura e horticultura apresentar-se-ão como componentes
importantíssimas na economia de subsistência. Gaspar Frutuoso, em finais do século XVI,
alude com frequência às hortas e quintais, que ornamentavam a paisagem humanizada do
mundo insular, onde se produzia um conjunto variado de legumes e frutas (47); estes, para
além do uso na dieta alimentar, eram também valorizados pela utilização para provimento
das naus que apartavam com assiduidade a estas paragens.
A dieta insular completava-se com o aproveitamento dos recursos do meio com valor
alimentar, como seja a caça e pesca, e dos derivados da actividade pecuária, corno a carne,
o queijo e o leite. A pesca, mercê de condições do meio, será uma actividade importante das
populações ribeirinhas, que usufruem de grande variedade de mariscos e peixe, junto à costa
e no mar alto (48).
O gado terá igualmente importância na economia insular, não só pela sua utilização
corno força de tracção nos transportes e na lavoura, mas também pela valorização dos seus
derivados na alimentação (carne, queijo) e nas indústrias artesanais (couro, sebo). Tendo em
conta esta múltipla utilização, os municípios procuram valorizar e regulamentar a compo-
nente pecuária da economia local, ao mesmo tempo que intervêm na distribuição e venda
dos seus derivados e do seu uso quotidiano, como força motriz (49).
110
o açúcar e o pastel
(50) Frédéric Mauro, ob. cit., 116-190; Henrique Gomes de Amorim Parreir~, "História do Açúcar em
Portugal » in Anais da Junta das Missões geográficas ~o Ultramar, vol, ~II, t. II; Lisboa: 1952: Eduar~o Az~ar
' b·'1 260-263' Charles Verlinden, «Les de.buts de la production et I explotation du sucre a Madere
V a IIejo, o . (I " , . I ib d
/., '/'" in Studi in onori de Luigi dei Pane, Roma, 1982,301-310; José Perez Vidal , :Las con.servas a mi.,era as
de los Azores y las Canarias » , in B.l.H.I.T., XIV (1956), 18-19; Vitorino Magalhaes Godinho, ob. cit., IV,
69-99(51) Veja-se Orlando Ribeiro, L'iie de Madêre. Élude géografique. Lisbonne, 1949 pp. 60-62; Vitorino
Magalhães Godinho, Os descobrimentos e a economia mundial. IV, pp. 80-81. . , _
(52) Veja-se V. Rau, ibidem, p. 15; V. M. Godinho, ibidem, p. 80; Fernando Jasmins Pereira, O açucllr
madeirense /"'/' p, 95, . A . d J d
(53) O autor refere-se a H. G, de Amorim Parreira, "História do Açúcar em Portugal:>, ln nats a unta. e
lnvestigação do Ultramar, vol, VII (1952)., T. I, pp. 31-32: V. Rau, ibidem, p. 14; Veja-se Fernando Jasmins
Pereira, ibidem, p. 100-101.
111
Na capitania do Funchal os canaviais distribuem-se de modo irregular, de acordo com
as condições mesológicas da área. Em 1494 a maior safra situava-se nas partes do fundo,
englobando as comarcas da Ribeira Brava, Ponta de Sol e Calheta com 64% da produção,
enquanto o Funchal e Câmara dos Lobos tinham apenas 16%(54). Em 1520, não obstante
uma ligeira alteração, a diferença mantém-se, pois a primeira área surge com 50%,
enquanto a segunda apresenta 25 %, valor igual ao total da capitania de Machico (55).
Numa análise em separado das diversas comarcas da capitania do Funchal verifica-se
que a comarca do Funchal domina essa produção com 33 %, seguindo-se a Calheta com
27 %; as comarcas de Ribeira Brava e Ponta de Sol surgem numa posição secundária, ambas
com 20% (56).
Referida a situação da geografia açucareira madeirense, vejamos a sua evolução até
meados do século XVI. Criadas as condições a nível interno por meio do incentivo ao
investimento de capitais na cultura da cana-de-açúcar e comércio de seus derivados, do
apoio do senhorio, da coroa e da administração, a cana estava em condições de prosperar e
de se afirmar, por algum tempo, como o produto dominante da economia madeirense.
O incentivo externo do mercado mediterrâneo e nórdico aceleraram este processo expan-
sionista, e a sua detenção só foi possível pela conferência de vários factores endógenos e
exógenos; assim se explica o rápido movimento ascendente bem como o percurso inverso,
pois ao atingir-se o zénite não houve um lapso de estabilidade.
A fase ascendente, que poderá situar-se entre 1450 e 1506, não obstante. a situação
deprecionária de 1497-1499, é marcada por um crescimento acelerado que, entre 1454-
-1472, se situava na ordem dos 240% e no período subsequente, até 1493, em 1430%, isto
é, uma média anual de 13,3 % no primeiro caso e de 68 % no segundo. No período seguinte,
após o colapso de 1497-1499, a recuperação é de tal modo rápida que em 1500-1501 o
crescimento é de 110% e, entre 1502-1503, de 205%. Esta forte aceleração do ritmo de
crescimento nos primeiros anos do século XVI irá marcar o máximo, atingido em 1506, a
que se' sucede um rápido declínio nos anos imediatos, de tal modo acelerado que em quatro
anos se atinge um valor inferior ao do início do século. A situação agrava-se nas duas
décadas seguintes, baixando a produção na capitania do Funchal, entre 1516-1537, em
60 %; na capitania de Machico a quebra é lenta, sendo sinónimo do depauperamento do solo
e da crescente desafeição do mesmo à cultura. Todavia a partir de 1521 a tendência
descendente é global e acentuada, e de tal modo que a produção do fim do primeiro quartel
do século se situava a um nível pouco superior ao registado em 1470(57).
Na década de 30 consumava-se em pleno a crise da economia açucareira, e o ilhéu
viu-se na necessidade de abandonar os canaviais ou de os substituir pelos vinhedos, o que
sucedeu de modo evidente a partir de meados do século XVI.
A historiografia tradicional vem apresentando múltiplas explicações para esta crise,
assentes fundamentalmente na actuação de factores externos. No entanto Fernando Jasmins
Pereira com o seu estudo sobre o açúcar madeirense, contraria essa opinião fazendo assentar
a crise em determinantes condições ecológicas e sócio-económicas da ilha, definindo como
primordial o primeiro factor: « •.• a decadência da produção madeirense é primordialmente
motivada por um empobrecimento dos solos que, dada a limitação da superfície aproveitável
na cultura, vai reduzindo inexoravelmente a capacidade produtiva" (58).
Deste modo a crise da economia açucareira madeirense não se explica apenas pela
concorrência do açúcar das Canárias, Brasil, Antilhas e S. Tomé mas, acima de tudo, pela
conjugação de vários factores de ordem interna: a carência de adubagem, a desafeição do
solo à cultura e as alterações climáticas. A concorrência do açúcar das restantes áreas
112
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produtoras do Atlântico, bem como a peste (em 1526) e a falta de mão-de-obra vieram
agravar a situação de crise do açúcar madeirense.
As socas de cana não foram esquecidas na bagagem dos primeiros caboqueiros
açorianos, pois esta cultura surge nas primeiras frentes de arroteamento nas ilhas de Santa
Maria e S. Miguel e, mais tarde, na Terceira e no Faial. A cana trazida por colonos
oriundos do reino, da Madeira ou da Flandres, não encontrou aí as condições adequadas ao
seu rápido desenvolvimento. As condições mesológicas aliadas à inexistência ou reduzida
presença de capitais nacionais e estrangeiros travaram o seu desenvolvimento. Não bastaram
as iniciativas madeirenses, a partir da década de 70, e flamengas, em 1490, para que esta
cultura tomasse rumo idêntico ao da Madeira (59). No que se refere a Santa Maria, Gaspar
Frutuoso afirma que essa situação resultou da falta de regalias, da insuficiência de cabedais
e da pouca curiosidade dos seus homens (60). Não obstante esta situação desfavorável, em
finais do século XV e princípios do seguinte este produto ganhou importância de relevo nas
ilhas de Santa Maria, S. Miguel e Faial, isto se atendermos ao rendimento das rendas entre
1502 e 1510(61), Nesta última data o açúcar açoriano representaria apenas um terço da
produção madeirense (62).
A falta de informação adequada para o período imediato e a indicação no texto
frutuosiano de uma nova fase de arranque da cultura na década de 40 levam-nos a concluir
que a primeira metade do século não se apresentava favorável ao seu cultivo, mercê do
rápido surto da cultura dos cereais e pastel.
Esta segunda tentativa de implementação da cultura surge em Vila Franca do Campo,
por iniciativa de micaelenses com o apoio técnico e financeiro de madeirenses (63); embora
certamente mais bem sucedida do que a primeira, manteve-se por pouco tempo, pois desde
1563 que surgem os primeiros sinais de crise que condicionarão o momento seguinte, e de
tal modo que na década de 80 havià apenas um engenho na Ribeira Seca.
A situação favorável das décadas de 40 e 50 é retratada na documentação oficial.
Assim, em 1551 o ouvidor justificava a necessidade de construção de um porto em Ponta
Delgada pelo «grande crescimento em que vai a ilha com os açúcares que agora se prantão e
querem fazer» (64). Além disso, desde 1552 que era justificada a existência, em Vila Franca
do Campo, de um escrivão e recebedor de açúcar (65).
A crise de 1583 foi atribuída pelos mercadores deste trato à fraca qualidade do produto,
derivado das condições mesológicas e das técnicas de fabrico (66). A tudo isto juntar-se-á,
em finais do século XVI, a oneração do fabrico da arroba de açúcar, em contraste com o seu
valor reduzido e com a pouca competitividade com o da Antilhas e do Brasil; este
orçamento dos custos de produção derivava do elevado preço de construção dos engenhos
(600 000 reais) e da falta e dificuldade de transporte de lenha para a sua laboração; o bicho
da cana viria completar a fase decrescente desta cultura e pôr termo a esta efémera
aventura (67).
(59) Vitorino Magalhães Godinho, ibldem, IV, 94-95; Carreiro da Costa, «A cultura da cana de açúcar nos
Açores. Algumas notas para a sua história», in a.C.R.C.A .• n.? 10 (1949), 15-31; H. Amorim Parreira, ibidem,
51-52.
(60) Ob. cit., L. ° III, 14.
(61) Vitorino Magalhães Godinho, lbidem, IV. 94.
(62) A.N.T.T., L.0 3 de D. Manuel, fl, 28, alvará régio de 10 de Julho de 1510, in Arquivo dos Açores, III,
200-201.
(63) Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra. L.0 IV, vol. II, 59, 209-212; Francisco Carreiro da Costa,
ibidem. Sebastião Gonçalvez associa-se a Baltasar Pardo, proprietário importante de Canaviais no Funchal, e traz
consigo um mestre de engenho.
(64) A.N.T.T., C.C .. 1-85-87, Ponta Delgada, 23 de Março de 1551, in Arquivo dos Açores, II, 18-19.
(65) Livro de Registo da Alfândega de Ponta Delgada. 1568-/603, fi. 82 v.", referenciado por Maria
Olímpia da Rocha Gil, O Porto de Ponta Delgada e o comércio açoriano no século XVII r.. .l , 75.
(66) lbidem, fl, 340 v. o; citado por Idem, lbidem, 76.
(67) os. cit., L.0 IV, vol. II, 58-59.
114
Em síntese poderemos afirmar que o açúcar nos Açores não se apresentou com a
mesma importância que assumiu na Madeira e nas Canárias, pois nunca constituiu um
«elemento predominante na economia insular», no dizer de Maria Olímpia da Rocha
Oil(68).
Nas Canárias, na mesma medida da Madeira, o açúcar surge como o componente mais
importante do comércio durante o século XVI; o desenvolvimento desta cultura nas ilhas
Canárias ficou a dever-se em muito à intervenção genovesa, quer por meio do investimento
do seu capital em canaviais e engenhos, quer pela sua acção no trato deste produto (69);
enquanto os genoveses intervêm com o capital e prática comercial, os portugueses surgem
com a sua experiência no delineamento do sistema de regadio, construção e laboração dos
engenhos CD).
As primeiras socas de cana e mão-de-obra especializada foram conduzidas da Madeira
pelo governador de Gran Canaria, D. Pedro de Vera. A partir daí a cultura expande-se para
as ilhas de Tenerife, La Palma e La Gomera, áreas onde existiam as condições necessárias
para a manutenção desta cultura, ou seja, ilhas em que se tornava possível introduzir o
devido sistema de regadio e encontrar a lenha necessária à laboração dos engenhos.
Deste modo o açúcar surgirá, na vida canária da primeira metade do século XVI, como
o principal produto activador das actividades económicas. Segundo M. A. Ladero Quesada
«el azúcar fue, en efecto, el principal producto de exportación, que permitia obtener en
contrapartida las manufacturas y otros productos que las islas necessitaban. EI azúcar atrajo
las inversiones de capital más importantes, estimulá las relaciones mercantiles, la cons-
trucción de puertos y varaderos» (71).
Na segunda metade do século XVI assistir-se-á à diminuição paulatina desta cultura,
mercê da concorrência do açúcar das Antilhas e costa ocidental africana e, de igual modo,
do incremento da produção vitícola (72).
Tal como o açúcar, o pastel surge no mercado da Europa nórdica e mediterrânica como
um produto importante; era um dos principais corantes utilizados na indústria têxtil
europeia (73). A abundância de urzela e sangue de drago no mercado insular condicionou o
aparecimento dos mercadores italianos e flamengos que, na procura desses materiais.
corantes, trouxeram consigo o pastel.
Não obstante estar referida a sua existência na Madeira, no século XV, e nas ilhas de
Hierro, La Palma e Tenerife, o pastel só ganhou importância nas ilhas açorianas; encon-
tramos esta cultura em todas as ilhas dos Açores, com especial incidência em S. Miguel,
Terceira e Faial C4 ) .
Esta planta cultivou-se inicialmente na Madeira, sendo o seu produto enviado ao reino
e Itália; em 1460, ainda em vida do Infante D. Henrique, recomendava-se o seu envio ao
115
reino t?"). Jacques Heers corrobora esta situação ao afirmar que, por volta de 1460, os
genoveses vinham frequentemente buscar este produto à ilha, e que esta era conhecida como
a ilha do pastel('6); não obstante, a documentação madeirense apenas referencia a existência
e o comércio de outras plantas tintureiras, como o dragoeiro e a urzela. Mas se dermos
crédito à lembrança do Infante D. Henrique, corroborada pela notícia de Jacques Heers, e se
tivermos em conta a referência feita por Virginia Rau, acerca da sua exportação em 1537
para Antuérpia, somos levados a concluir que este produto era um componente importante
e
das trocas madeirenses nos séculos XV e XVI 7 ) . O seu esquecimento na documentação
oficial será resultado da inexistência de qualquer circunstância que nos escapa ou da sua
secundarização a favor de produtos, como o vinho e o açúcar, dominantes e granjeadores de
um valioso lucro.
O mesmo se poderá dizer em relação às Canárias, onde deparamos apenas com
referências muito lacónicas ácerca do cultivo e comércio deste produto; a planta surge nas
ilhas de Hierro, La Palma e Tenerífer "): Gaspar Frutuoso em finais do século XVI,
refere-nos que em La Palma «houve muito pastel que deixaram de os fazer por haver mais
proveito nos vinhos e trigo e por os da escala das Indias, de que é frequentada aquela ilha,
não pedirem senão vinhos» ('9).
O pastel foi certamente introduzido nas Canárias pelos portugueses oriundos dos
Açores, uma vez que estes surgem em Tenerife associados à sua cultura e transformação (BD).
No arquipélago açoriano esta cultura alcançou um lugar similar ao ocupado pela cana-de-
-açúcar na Madeira e nas Canárias, sendo o principal produto de troca com o exterior e um
chamariz para os mercadores italianos, flamengos e ingleses.
A historiografia, baseada no texto de Gaspar Frutuoso (L.os III, IV, VI) refere-nos que
o pastel foi introduzido pelos flamengos que estiveram ligados ao povoamento das ilhas da
Terceira e Faial (Bl); no entanto parece-nos ser de outra precedência a sua origem em solo
açoriano. Em primeiro lugar, convém esclarecer que o facto de os flamengos estarem
ligados aos primórdios do seu cultivo e comércio não poderá ser prova cabal da sua
transplantação da Flandres e de que a sua produção se destinava em exclusivo a este
mercado. O seu interesse pelo pastel deriva da necessidade do seu uso na indústria têxtil,
procurando evitar os contratempos e dificuldades do mercado abastecedor francês, pois a
Flandres não era um mercado produtor, mas sim um potencial comprador do pastel de
Toulouse (82). Deste modo, se tivermos em conta a sua existência na Madeira no século XV,
considerado na década de 60 como um produto importante, poderemos referenciar a
possibilidade da sua introdução por colonos madeirenses, que invadiram as ilhas da
Terceira, Faial e S. Miguel a partir de meados do século XVI. Saliente-se que Guilherme da
Silveira, apontado como um dos introdutores do pastel no Faial, na sua expedição para esta
ilha apartou à Madeira, onde se deteve por algum tempo (B3). De igual modo Jácome de
t s ) Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, L." II, 95; Fernando Augusto da Silva, «pastel.., in Elucldario
Madeirense. II (1946), .54.
t 6 ) Gênes au XV slécle, Paris, 1971, ;317.
t 7
) A 6 de Março de 1537 o navio «Santa Maria das Areias » de Diogo Gonçalves, entrou em Antuérpia
com pastel de Madeira. Veja-se Virginia Rau, A exploração e o comércio de sal de Setúbal, Lisboa, 1952.
t 8 ) Dacio Victoriano Darias y Padron, Noticias generales hlstorlcas sobre la isla dei Hierro, Santa Cruz de
Tenerife, 1980, 208; Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, L.0 I, 132; Manuel Lobo Cabrera e Elisa Torres
Santana, «Aproxímacción a las relaciones entre Canarias y Azores en los siglas XVI y XVII" in Os Açores e o
Atlântico (XV-XVII), 1984, 363-364.
(79) Oh. cit., L.0 1, 132.
(80) Manuel Lobo Cabrera, tbidem, 132-133; Elias Serra Rafols, Las datas de Tenerife, La Laguna, 1978,
data n.? 32, 53, 65,462, 516, 590, 762, 1249, 1462, 1470, 1487, 1521, 1526.
(81) Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, L.0 VI, cap. XXXVI; António da Silveira Macedo, História das
quatro ilhas I .. ./, I, 17; Carreiro da Costa, A cultura do pastel nos Açores. já citado.
(82) Veja-se nota 73.
(83) Saudades da Terra, L.? VI, 257,278.
116
Bruges, outro flamengo relacionado com o povoamento da Terceira, esteve na Madeira na
década de 50, tendo trazido consigo Diogo de Teive (84). Em síntese é legítimo concluir que
o pastel foi introduzido pelos flamengos que na Madeira estiveram ligados ao seu comércio
ou então pelos colonos madeirenses que emigraram para os Açores, a partir da década de
50 (85) ..
De acordo com Gaspar Frutuoso, os flamengos corresponsabilizaram-se pela introdução
e distribuição do pastel, a partir do Faial, pelas ilhas S. Jorge, Graciosa e S. Miguel,
alargando-se depois às restantes ilhas.
A ilha de S. Miguel, pela sua extensão e disponibilidade do solo arável, tornou-se a
principal área de produção e comércio deste produto. A aristocracia fundiária micaelense fez
incidir as suas arroteias na cultura dos cereais e desta planta tintureira; Gaspar Frutuoso dá
conta desses elementos influentes da produção de pastel, citando em especial Jorge Botelho
e Francisco Arruda da Costa(86).
Os incentivos da coroa a esta cultura, bem como a elevada valorização do seu produto
no mercado têxtil europeu, conduziram à sua rápida afirmação no solo açoriano; assim, em
1592, Gonçalo Vaz Coutinho, governador da ilha de S. Miguel, atribuia a falta de pão na
ilha à ocupação quase exclusiva do pastel C"): e, conforme referia J. H. Linschoot, em
1589, «o negócio mais frequente destas ilhas é o pastel para uso de tinturar» de que «os
camponeses fazem seu principal mister», sendo o seu comércio «o principal proveito dos
insulares» (88); o autor holandês adianta a predominância desta cultura na agricultura
açoriana, nomeadamente em S. Miguel e na Terceira, referindo no entanto que a produção e
comércio da primeira é muito superior à da segunda.
118
2. COMÉRCIO
(1) A tendência da historiografia, até ao momento, foi para a valorização das ilhas atlânticas no conte~to
do comércio europeu-americano, alheando-se os textos das suas ligações europeias. Es~a situ~çã,o surge COm~al?r
acuidade na historiografia canária c açoriana, mercê da posição de evidência destes do!s ~rqUlpela~os, ~o comer:lO
americano. A reforçar essa situação surgiu, em Las Palmas, desde 1976, «Colóquio d~ Hls~ona, Cana~o
-Arnericana» e desde 1980 as «Jornadas de Estudos Canárias-América•. Veja-se Augustín Guirnerá Ravina,
«Canárias en la' carrera de ,Indias (1564-1518)., .tn I Jornadas de Estudos Canartas-
,. A mertca,
,. 1980, 201-219'
. '
Idem, «Los protocolos notariales y el comercio canario-americano en la edad modema», in EI Muse~ Canario,
XXXVI-XXXVII, 1915-1916, 169-188. O tratamento do comércio canario-americano mereceuestu?os Importante~
de António Rumeu de Armas (1941, 1950); Pierre Chaunu (1951-1960); Francisco Morales Padron (1955); Jose
Peraza de Ayala (1052) e Analola Borges (1969); veja-se a bibliografia.
119
2.1 Mercados e produtos insulares
(4) A.R.M., C.M.F .. registo geral. T.I, fi, 172-179,21 de Junho de 1493, «carta do duque em que manda
que se faça cerca e muros nesta Villa do Funchal», publ. in A.H.M., XVI, 287.
(5) Ibidem, fi, 278 v.o-279, Sintra, 21 de Agosto de 1508, «carta dei Rey noso Seiior em que faz cidade a
este Funchal, publ. in A.H.M., XVIII, 512-513,..
(6) Ibidem, fls. 337-340, 10 de Janeiro de 1512, regimento sobre a guarda do mar, in A.H.M., XVIII,
539-542.
c') «Descrição da ilha da Madeira". in A Madeira vista por estrangeiros, 1981, 83.
(8) Ibldem, 86.
(9) «Viagem à ilha da Madeira e aos Açores / .. .l», in Ibidem, 130.
121
16
Ocidental dourada, chegando e adoçando seus frutos de extremo a extremo quase o mundo
todo» eo).
O segundo põe a tónica na intensa actividade comercial do porto funchalense com a
África e a Europa: «EI comercio es muy importante, y se hace navios que vienen a esta
ciudad de Funchal de todas las partes dei África Cristiana, de Italia, Espana, França,
Alemana y Escocia, de modo que se le ha apodado de «pequena Lisboa» 1 ) . e
Esta piccola lixbona inseria-se de modo evidente na economia europeia e atlântica,
comparticipando do trato com Velho e Novo Mundo, servindo de entreposto de comércio
para as suas riquezas e das áreas vizinhas.
Não obstante Vitorino Magalhães Godinho referir, baseado no texto de Diogo Gomes
(1450), que em meados do século os Açores apresentavam um comércio activo de cereais e
gado com o reino, parece-nos que o arranque, em termos sócio-económico do arquipélago
açoriano só se processou, com maior acuidade, a partir do último quartel do século XV.
Aliás, a infanta D. Beatriz, em 1474, ao confirmar a compra da capitania da ilha de
S. Miguel por Rui Gonçalves da Câmara, refere que a mesma estava «mal aproveitada e
pouco povoada», sendo necessário o «serviço e proveitos dos seus súbditos» para a «dita
ilha ser melhor aproveitada e povoada pelas muitas mercadorias que dela poderão vir» (12).
As isenções fiscais (1443-1444) no comércio com o reino, para além de surgirem como
aliciante à fixação de colonos, contribuiram igualmente para o reforço das ligações com o
continente e para a afirmação da burguesia metropolitana nessa rota. Aliás nas cortes de
Coimbra (1472) e de Évora (1481-1482) é bem expressa essa aspiração r!").
Tal como na Madeira, as preocupações do sector dirigente açoriano orientavam-se para
as possibilidades abertas pelo desenvolvimento da economia de mercado. Assim cultivaram
as culturas mais valorizadas nas trocas comerciais europeias (cana de açúcar e pastel);
apenas o pastel conseguiu adaptar-se bem ao solo açoriano, surgindo, desde princípio do
século XVI, como um dos principais produtos do comércio dos Açores; desde 1501 que,
segundo Valentim Fernandes, a ilha de S. Miguel exportava pastel para Flandres e outras
e
partes 4 ) .
A exploração do pastel teve uma evolução de tal modo favorável, que, em 1536, o
monarca O.João III manifesta o seu apoio à sua cultura por meio de um regime de defesa da
sua qualidade e da sua capacidade. concorrencial no mercado europeu; refere que o trato do
e
pastel «era grãde e podia ser muito major» s ) . Na realidade; assim sucedeu, pois, a 'partir
da década de 60, o comércio do pastel açoriano veio a intensificar-se mercê do apoio e da
vigilância da coroa e da sua valorização no mercado· europeu do norte 6 ) . e
Em 1589 Linschoot refere que «o negocio mais frequente destas ilhas é o pastel para
uso da tinturaria com o. qual negoceiam os ingleses, escoceses.: franceses, levando .para lá
fazenda e outras mercadorias em troca» (17); acrescenta que o comércio desse produto estava
centralizado no porto de Ponta Delgada e Angra, sendo aí «o principal proveito dos
e
insulares» s ).
No século XVI o porto de Angra apresentava-se como o principal entreposto comercial
açoriano, com uma intervenção importante no comércio do .pastele em outros produtos do
arquipélago, e COITlO um importante porto de escaladas embarcações das Índias Orientais e
eo) Saudades da Terra, L.0 11,1968,99.100.
(11) Descripcion e Historia dei Reino de las islas Canarias, 266.
et 2 )Carta de confirmação da compra da ilha de S. Miguel por Rui Gonçalves da Câmara, dada por
D. Beatriz em la de Março de 1474, publ. in Arquivo dos Açores. I. 103.
et3
) Maria Olimpia da Rocha Gil, ibidern, 372-375.
(14) Manuel Monteiro Velho Arruda, Colecção de documentos relativos ao descobrimento epovoamento dos
Açores. P. Delgada, 1932, p. 161.
ets ) Arquivo da Alfândega de Ponta Delgada, L. o de registo de Alfandega de POII!a Delgada, 568-1603,
fi, 191 e segs., publ. por Maria Olímpia da Rocha Gil, ibidem, 393-400.
et6
) Maria Olimpia da Rocha Gil, ibidem, 393-400.
e 7
) "História de Navegação do holandês J. H. Linschoot», B.I.H.I.T., n." I (1943), 152.
ets ) lbidem, 154.
122
Ocidentais, Brasil, Mina, S. Tomé e Cabo Verde. Assim, em 1578, D. Sebastião não hesita
e
em classificá-lo como um dos mais importantes do reino 9 ) . Segundo o Pe. Maldonado este
movimento do porto de Angra animava o comércio do burgo, contribuindo para a circulação
do metal amoedável e para a riqueza dos terceirenses (20).
Na mesma época a cidade de Ponta Delgada anima-se, não só com o apoio às naus das
rotas atlânticas, mas também como o comércio das riquezas da ilha: o pastel e o trigo.
Gaspar Frutuoso, cronista das ilhas, enaltece as qualidades da população de Ponta Delgada
no comércio e evidencia o elevado trato comercial do burgo: «A nobre e populosa cidade de
Ponta Delgada, tão célebre com generosos e poderosos moradores; tão rica, provida e
abastada com diversos comércios e grossos tratos de mercadores riquissímos, / .. ./ quasi
tão sempre frequentada de navios infinita gente forasteira, / ... / finalmente n'ela está o
corpo dos negócios, riqueza, habitações e comunicações de todo o trato e contratos de toda
a ilha; e residem os mercadores mais ricos / .. .l , que têm comércio em Portugal, Castela,
ilha da Madeira, Canárias, Flandres e outras partidas, e se negociam os negócios d'esta ilha
por um lado tão bem, chão e verdadeiro, que seguro nas partes estrangeiras não ha nenhuma
de seu qual lhe peça vantagem» 1 ) . e
O arquipélago canário, tardiamente associado ao domínio europeu, manteve desde o
século XVI um comércio activo com a Península, baseado em escravos, carnagem e plantas
tintureiras (sangue de drago, urzela). Neste tráfico intervêm peninsulares e os italianos
recém-chegados à península. Após a conquista, castelhanos, portugueses e italianos repartem
entre si o comércio nestas ilhas; só mais tarde surgem os flamengos e ingleses, que
delinearão as rotas de ligação ao mercado nórdico.
O desenvolvimento da nova economia de mercado nas Canárias advem da exploração
dos recursos do meio e também do posicionamento deste arquipélago em face das áreas de
comércio do litoral africano e americano; as duas situações concorreram para o aparecimento
e
de agentes e representantes das principais sociedade comerciais europeias 2 ) . Em relação à
costa ocidental africana, o arquipélago canário surge como um «mercado receptor y exportador
de esclavos», centralizando o comércio destes com a América, Europa e Mundo Insular 3 ) . e
Múltiplas descrições, de finais do século XVI, evidenciam a posição dominante das
Ilhas de Tenerife e Gran Canaria, ao mesmo tempo que enunciam as diversas cambiantes do
mercado. Um texto anónimo de cerca de 1585 diz que em Tenerife «es el trato ... rnucho ,
porque ay anos que se cargam más de 30 navios para Yndias con vinos, y quando el ano es
e
abondoso de pan / ... /» 4 ) ; o mesmo texto refere ainda que esta ilha mantem um trato
importante com as praças de Flandres, França e Inglaterra, baseado no açúcar e vinho.
Torriani, na década de 90, após referenciar que a população canária «se dirige bajo el de los
oficias y dei tráfico de mercancias» ,corrobora as afirmações do texto anterior dizendo: «Es
com mucho la más rica de todas en azúcar y en vinos excelentes que se transporta a
diferentes partes dei mundo, / .. .l . Tiene mucho comercio, porque está mais problada de
que Canaria, y dos veces más que la Palma» s ) e
e") Luis da Silva Ribeiro, "Formação histórica do povo dos Açores» in Obras II História, Angra do
Heroísmo, 1983, 74; "Uma antiga carta da ilha Terceira» in BU.H.I.T .. n.? 5 (1947),285.
eo) Phenix Angrense (ms. inédito da Biblioteca Pública e Arquivo de Angra do Heroismo), citado por
Helder de Sousa Lima, Os Açores e a economia Atlãntica (subsídios) séculos XV, XVI e XVIll, Angra do
Heroismo, 1978, 125-127, Sep. do B.I.H.I.T, n.? 34 (1978).
(21) Saudades da terra, L.0 IV, vol, 11, 1981, pp. 70-79.
(22) É extensa a Bibliografia sobre o comércio canário-americano e canário-africano, sendo de salientar os
estudos de Antonio Rumeu de Armas, Pierre Chaunu, Francisco Morales Padrón, José Peraza de Ayala, Manuel
Lobo Cabrera; Veja-se a bibliografia. F. Clavijo Hernandez, "Los documentos de fletamentos ..... IV X.H.C.A., I,
45,58; Manuel Lobo Cabrera, Procolos de Alonso Gutierez, 27 e 35-37; F. Clavijo Hernandez, Protocolos dei
escribano Hernân Guerra, 21-22.
e 3 ) Veja-se Manuel Lobo Cabrera, La esclavitad en las Canarias Orientales en el siglo XVI, 1982,
161-165, passim.
e 4 ) E. Marco Dorta, -Descripción de las islas Canárias», in Revista de História. IX (1943), 203.
123
Ainda na mesma época, Frutuoso refere «haver nestas ilhas um continuo trato e
comércio de diversas nações, por causa dos bons açúcares e vinhos, breu, lãs, queijos e
e
outros frutos que com todas as mais delas há» 6 ) ; em relação às ilhas de Tenerife e La
Palma aduz que a importância da vinha na exploração agrícola adveio da constante
solicitação das naus e do comércio da rota das Índias 7 ) . e
O comércio do mundo insular baseava-se, essencialmente, na troca de produção
agrícola por artefactos europeus; a produção das ilhas deveria fornecer os produtos
adequados à activação da economia de troca, capaz de suprir as necessidades locais.
A economia insular alicerçou-se no confronto dessas solicitações da economia de subsis-
tência e de mercado; assim, os vectores da primeira condicionaram a valorização dos
componentes da dieta alimentar (o vinho, os cereais), enquanto os da segunda implicaram a
inserção da economia insular na economia colonial europeia através da exploração de
produtos, como o açúcar e o pastel. Os produtos referenciados, pelas razões apontadas
impuseram-se no mercado insular, galvanizando todo o sistema de trocas; entre eles o
vinho, o trigo e o açúcar adquiriram uma importância vital no comércio local externo.
Partindo desta valorização dos produtos de comércio do mundo insular analisemos, de
modo sumário, o mercado e comércio de cereal, vinho e açúcar para depois definirmos as
áreas e as formas desse comércio.
Nos três arquipélagos o cereal e o vinho adquiriram, em épocas diversas, posição
dominante no comércio local e externo. Quanto ao açúcar, ele teve um lugar de relevo na
Madeira e nas Canárias, mas foi substituído nos Açores por o equivalente, o pastel. Esta
aliança entre os vectores dominantes da economia de subsistência e mercado tem a sua mais
perfeita concretização nos Açores e nas Canárias. Na Madeira a estreiteza do espaço
arroteável impediu essa simbiose, a partir de meados do século XV, pelo que a ilha supria
essa carência com a aposta num produto com elevado valor mercantil, capaz de fornecer ao
ilhéu o açúcar para a troca pelo cereal e manufacturas, ou para aumento dos seus réditos.
Em condições normais de produção o mundo insular apresentava-se como auto-suficiente,
produzindo o cereal e mais componentes da alimentação insular. Apenas em momentos de
penúria havia necessidade de recurso ao mercado europeu ou à Berberia. As ilhas de
Tenerife, La Palma, Lanzarote, Fuerteventura. S. Miguel, Santa Maria, Flores, Graciosa
produziam o cereal suficiente para o consumo corrente, bem como elevados excedentes para
o abastecimento das ilhas vizinhas (Gran Canaria, Terceira, Faial, S. Jorge e Madeira) e
mesmo para exportação para o litoral peninsular e marroquino.
Esta dinâmica de interajuda definia-se por diversas contrapartidas. Assim, a Madeira
oferecia ao açoriano vinho, açúcar e produtos de que esta carecia e ao canário algum vinho,
fruta, manufacturas de importação, a troco do precioso cereal. Nos três arquipélagos o
vinho e o cereal surgem como os principais animadores das trocas de cabotagem, inter-
-insular atlântico-europeia, enquanto o açúcar apenas activará a rota europeia.
A Madeira até à afirmação da economia açucareira, a partir de meados do século XV,
evidenciou-se como o principal celeiro atlântico, fornecedor das praças e das áreas carecidas
do litoral português. Para isso a coroa traçou uma política cerealífera, definida pela abertura
das duas rotas de escoamento: primeira, orientada no sentido dos portos do reino (Lisboa,
Porto, Lagos), foi incentivada em 1439 por meio de isenções fiscais s); a segunda foie
imposta pela coroa, em tempos de D. Afonso V, e tinha como finalidade o abastecimento
e
das praças do litoral africano e guineense 9 ) . Esta última solução definia-se pelo monopólio
ou direito preferencial por meio de contrato firmado com os mercadores; assim, em 1466,
todo o trigo dos direitos do infante estava entregue a um mercador catalão, enquanto em
e 6
(27)
Saudades da Terra, L. 0 I, Ponta Delgada, 1966, 87.
)
lbidem, 97, 132.
es) A. H. de Oliveira Marques, Introdução à História da Agricultura em Portugal, 248-249; Alberto Iria,
O Algarve e a Madeira no século XV. 198-201.
(29) Vitorino de Magalhães Godinho, Os descobrimentos e a Economia Mundial. III, 233-234
124
1473 se estabelece um contrato com Baptista Lomelim para que "todo ho trigo que hi
houver o possa tirar para fora dela ilha» eo).
As dificuldades sentidas, a partir de 1461, agravadas na década seguinte, ditaram as
profundas alterações da economia madeirense que conduziriam a uma inversão do comércio
do cereal. As tentativas do infante D. Fernando, em 1461 e 1466, para manter a dominante
cerealífera na economia madeirense e as consequentes rotas de escoamento esbarram com a
alta rentabilidade e valorização da cultura do açúcart?"). Deste modo, o impulso da safra
açucareira e o aumento populacional implicaram uma insuficiência da produção cerealífera e
a necessidade de definição de um mercado fornecedor; e desde logo o recurso aos mercados
onde o cereal se encontra disponível - na Berberíar'"). Em 1479, os moradores da ilha
diziam que "somos este ano postos em outra mayor que nesta ylha nam a pan para se
poderem mãter meses pello qual a nos he necessareo prover e buscar maneyras de fora do
e
reyno apenas triguo segundo Vasa Senfioria sabe" 3 ) . Esta evidência implicava a tomada
de medidas no sentido de estabelecer uma área capaz de fornecer, com relativa regularidade,
o cereal de que a ilha carecia; assim sucedeu a partir de 1483, com a definição das ilhas
vizinhas como fornecedoras da saca do trigo necessário ao consumo madeirense 4 ) . Para e
atrair esse produto estipulava-se em 1508 a isenção da dízima de entrada; desde 1527 foram
mesmo custeados os encargos com a descarga, sacos e armazenamento s). e
A coroa, ao mesmo tempo que procurava definir um celeiro de abastecimento da
Madeira, actuava no sentido de preencher a lacuna deixada em aberto pela quebra da
produção madeirense. Deste modo, esse celeiro deveria cobrir as necessidades do reino, da
Madeira e das praças marroquinas. A sua concretização só se efectuará mediante uma
constante e rigorosa intervenção régia por meio de ordenações e regimentos 6 ) . Saliente-se e
que em 1473 e 1490 a população de Lisboa reclamara junto do monarca contra o envio de
e
cereal para África, no sentido de colmatar as carências do reino 7 ) ; estas reclamações
atestam a apreensão dos reclamantes pela quebra da produção madeirense, ao mesmo tempo
que comprovam a importância do mercado açoriano e madeirense no fornecimento' do
continente português. Aliás nessa década e na seguinte intensificou-se o comércio do trigo
açoriano com o reíno; tal nota assume maior importância no século XVI favorecida pelas
isenções fiscais nos portos importadores e pela falta de novas áreas produtoras. O aumento
do movimento de cereal para o reino resultava, não só desse activo comércio, mas também
das transferências das rendas dos senhorios e direitos reais.
O comércio de trigo açoriano para as praças marroquinas fazia-se, desde 1488, por
meio de assentistas que em Lisboa recebiam o contrato de fornecimento. A partir daqui
cerealífera /lOS Açores /lOS séculos xv-xvm. 281-283; Maria Olímpia da Rocha Gil, O arquipélago dos Açores /10
século Xvll , 282-283; no Arquivo dos Açores publicaram-se alguns regimentos do século XVI. Vej.am-seos vol~.
V, 122-123; II, 327-334; I, 228-231; Francisco Carreiro da Costa, "Os Açores e o problema cerealífero portugues
no século XV", in B.C.R.C.A., n.? 1 (1945), 23-28.
e 7 ) A. H. de Oliveira Marques, lbidem, 254,
125
preparavam o embarque com auxílio de procuradores residentes nas praças de Ponta
Delgada e Angra, ou deslocavam-se ao arquipélago para dar execução ao contrato s ). e
Em síntese o comércio do cereal alicerçou-se no provimento do reino, da Madeira e
praças marroquinas. A rota do reino surgiu como uma necessidade decorrente da promoção
do seu cultivo em solo insular, enquanto as duas últimas foram definidas por intervenção
régia, de acordo com a política desenvolvimentista do mundo atlântico.
É praticamente impossível contabilizar e estabelecer séries do trigo no comércio
insular, uma vez que faltam os registos das alfândegas. Também a insuficiente informação
das poucas vereações existentes para o século XVI impossibilita uma análise quantitativa
desse tipo. Todavia, alguns dados avulsos elucidam-nos que a exportação do cereal açoriano
para as praças marroquinas no século XVI oscilava entre os mil e quinhentos a três mil
maios, e era na sua maioria, oriundo da ilha de S. Miguel r"). Para o reino o quantitativo
era muito superior pois em 1524 só a cidade de Lisboa recebeu dois mil moias (40), e, em
1535, apenas um mercador, António Borges, conduziu ao reino mil oitocentos e cinquenta e
nove moias e quarenta e dois alqueires de trigo (41). Quanto ao trigo saído das diversas
alfândegas açorianas há apenas notícia do embarque na vila da Praia (na ilha Terceira) em
1533 e 1562; no primeiro ano a vila exportou quatro mil maios e, no segundo, cinco mil
maios, além de setecentos moias para Angra (42).
EMBARCAÇÕES TRIGO
DESTINO
NÚMERO MOIOS %
Madeira 20 712,5 26
Portugal 19 755 24
Espanha 4 1 152 42
Gran Canarial Gomera 133 5
Total 38 2752,5
es) Ibidem, 254; Maria Olímpia da Rocha Gil, O porto de Ponta Delgada e o comercio açoriano no século
XVII 1 ... 1.111-113.
e 9
) Helder de Sousa Lima, Ihidem, 254.
(40) Libra das Posturas Antigas. Lisboa. 1974, 309.
(41) A.N.T.T., Chancelaria de D. João Ill, L.0 10, fl. 118, Évora, 22 de Junho de 1535, in Arquivo
Histórico Português. IX, 454, n.? 7, n.? 720.
(42) Maria Olimpia da Rocha Gil, O arquipélago dos Açores no século XVII. 284-285.
(43) F. C. Hemandez, Protocolos de Hermân Guerra. Santa Cruz de Tenerife, 1980 Manuel Lobo Cabrera
Protocolos de Alonso Gutierrez, Santa Cruz de Tenerife, 1979, Emma Gonzalez Yannes, Protocolos dei escribano
Hermân Guerra. La Laguna, 1958.
126
Comércio de cevada em Tenerife século XVI (44)
DESTINO MOIOS %
o problema cerealífero no mercado surge com maior acuidade apenas na Madeira, uma
vez que esta ilha se apresenta a partir das três últimas décadas do século XV, como uma
área carecida de cereal. A produção local, circunscrita às partes do fundo e ilha do Porto
Santo era muito insuficiente e dava apenas para um terço ou metade do consumo anual; a
parte em falta deveria ser colmatada com a importação do cereal das ilhas vizinhas; mas a
constância dos problemas cerealíferos no mercado insular, em conjunção com os impedi-
mentos impostos a esse trato, obrigaram os madeirenses a socorrer-se do cereal do reino,
nomeadamente em Lisboa, Setúbal e Porto e no mercado europeu, como a Bretanha,
Salónica e Jerez, a troco de açúcar (45)
No século XVI, definido de modo rigoroso o celeiro de provimento nas ilhas vizinhas,
a questão cerealífera atenuar-se-á, agravando-se apenas com as crises sazonais das áreas
produtoras. A premência deste insuficiente aprovisionamento obrigou o ilhéu a socorrer-se
do velho continente, com que manteve um comércio activo a troco do açúcar. Durante o
século em causa a Madeira recebeu 42% de cereal da Europa e 40% das Canárias, enquanto
na Europa domina o mercado flamengo com 32 %.
A cultura da vinha alastrou a todo o espaço insular, mas apenas na Madeira e nas
Canárias o vinho adquiriu um lugar de valor nas trocas externas, nomeadamente no mercado
afro-americano; os dois arquipélagos disputaram o domínio desse mercado consumidor de
vinho. Até à união das duas coroas a Madeira detinha o monopólio do comércio de vinho
com os portos afro-brasileiros, enquanto as Canárias disputavam com a Andaluzia o
mercado das Índias. A partir de 1598, com a proibição do comércio da ilha da Madeira com
o Brasil, corno forma de evitar o contrabando do açúcar brasileiro, a Madeira perde a
posição favorável, que detinha neste mercado em favor da ilha de La Palma C'").
Desde meados do século XV exportava-se o vinho madeirense para as diversas partes
do mundo; sendo muito apreciado pelo europeu, conjuntamente com o açúcar, chegava às
principais praças nórdicas, como Ruão, Orleans, Flandres e Londres (47); além disso era
127
Registo de Trigo no porto do Funchal Século XVI
(em moios)
Pono
Dala Açores Canárias Castela Escócia Flandres França Portugal Santo Outros
1485 125
1509 7
1510 99,5 2,5 e 10 al.
1511 4 e 20
1512 24,5
1513 103 e 18
1514 6,5 e 18
1518
1523 82
1524 13 e 20
1527 20,5 e 10
1535 20
1536 5 100
1546 204 e 5
1547 30 15
1550 I
1552 90 I e 4
1574
1580 3,5 aI.
1589 30
1596 259 504,5 e 10 6,5 e 197,5 e 10
1597 243,5 e IS 57 e 24 674,5 1213,S e 20
1599 68 17,5 e 10 33 e 20 25 588 70 J3
Total 1187 e 8 712,5 e 8 33 e 20 25 1262,5 170 145 7,5 e I 342,5
Fonte: A.R.M., Vereações de 1474-1500; Alberto Vieira, O Comércio de Cereais das Canárias para a Madeira
nos séculos XVI e XVII, já citado; Idem, A questão Cerealífera nos Açores nos séculos XV-XV/I, já citado.
(48) J. W. Blake, Europeans in West Africa, 1450-1560, vol II, Londres, 1942, 314, 320-324. Em 1508
foram remetidas de Machico vinte e uma pipas de vinho para Diogo de Azambuja em Safirn (A.N.T.T., C.C .. II
- 15-44, 25-VIII·1508) e, em 1589 Simão Pires enviou doze pipas de vinho a Cabo Verde (A.R,M., l.C.R. -
Funchal. fls. 381 v.0-385 v.", 3 de Abril).
(49) M. A. Ladero Quesada, ..Seiiores de Canarias e Sevilha», in A.E.A.; n.? 23, 161; E. Gonzales Yanes,
..Importación y exportación en Tenerife { ... l , in Revista de Historia, n.? 101-104,77. Em 1523 importou vinte
pipas de vinho do Funchal (A.N.T.T., N.A., N." 541).
(50) Pierre Chaunu, Seville el I' Atlantique, r. VIII, vol I, 374; Eufemio Lorenzo Sanz, Comercio de Espana
com America en la epoca de Filipe /I. vol. I Valladolid, 1979, 464-469. Gaspar Frutuoso refere a produção e
comércio do vinho das Ilhas de Tenerife e La Palma, salientando quanto a La Palma que o maior proveito do vinho
é "por os da escala das Índias, de que é frequentada aquela ilha não pedirem senão vinho». (Ob. cit., L.0 I (1966),
97, 104, 132); A. Cioranescu, ob. cit.. I, 321-323.
128
americano (51). Em 1551 a ilha de La Palma exportou mil trezentas oitenta e seis pipas de
vinho para S. Domingos, Porto Rico e Nome de Deus; dezasseis anos depois a ilha de
Tenerife conduziu mil duzentas trinta e sete pipas para Nueva Espana (52).
Esse comércio com o Novo Mundo foi regulamentado, a partir de 1559, com a
concessão de licença para o seu embarque, ficando todo o movimento, desde a segunda
metade do século, sujeito às autorizações temporárias da Casa da Contratação, que
coordenava todo o comércio com as Índias (53).
O comércio do açúcar do mercado insular, circunscrito às ilhas de Gran Canaria,
Tenerife, La Palma e Madeira, é o principal activador das trocas com o mercado europeu.
Na Madeira ele assume uma posição dominante na produção e comércio entre 1450 e 1550,
enquanto que nas restantes praças surge apenas em princípios do século XVI, tendo
assumido uma posição de evidência a partir da terceira década.
O regime do comércio do a~úcar madeirense nos séculos XV e XVI, segundo opinião
de Vitorino Magalhães Godinho, «vai oscilar entre a liberdade fortemente restringida pela
intervenção quer da coroa quer dos poderosos grupos capitalistas, de um lado, e o
monopólio global, primeiro, posteriormente um conjunto de monopólio cada qual em
relação com uma escápu1a de outra banda» (54). Deste modo o comércio apenas se manteve
em regime livre até 1469, altura em que a baixa do preço veio condicionar a intervenção do
senhorio, que estipulou o exclusivo do seu comércio aos mercadores de Lisboa (55). O
madeirense, habituado a negociar com os estrangeiros, reage veementemente contra essa
decisão, pelo que o Infante D: Fernando, restringidas as suas possibilidades, arremata em
1471 todo o açúcar a uma companhia formada por Vicente Gil, Álvaro Esteves, Baptista
Lomelim, Francisco Calvo e Martim Anes Boa Viagem (56). Dessa decisão resultou um
conflito aceso entre a vereação e os referidos contratadores (57).
Passados vinte e um anos a ilha debate-se ainda com uma conjuntura difícil no
comércio açucareiro, pelo que a coroa retoma em 1488 e 1495 a pretensão do monopólio do
seu comércio, mas apenas consegue impor um conjunto de medidas regulamentadoras da
cultura, safra e comércio, que ocorrem em 1490 e 1496. Esta política, definida no sentido
da defesa do rendimento do açúcar, irá saldar-se mais uma vez num fracasso, pelo que em
1498 é tentada uma nova solução, com o estabelecimento de um contingente de cento e
vinte mil arrobas para exportação, distribuidas por diversas escápulas europeias (58),
Estabilizada a produção e definidos os mercados de comércio do açúcar, a economia
madeirense não necessitava dessa rigorosa regulamentação, pelo que em 1499 o monarca
revoga algumas das prerrogativas estipuladas no ano anterior, mantendo-se, no entanto, até
1508 o regime de contrato para a sua venda; só nessa data é revogada toda a legislação
anterior, activando-se o regime de liberdade comercial (59). Assim o definia o foral da
(51) Leopoldo de la Rosa, "Catálogo del Archivo Municipal de La Laguna», in Revista de História,
n.? 101-104, pp. 256-8.
(52) Francisco Morales Padrón, El comercio canario-americano, 320-376.
(53) Leopoldo de La Rosa, art, cit., 262, n.? 19; Francisco Morales Padrón, El Cedulâ rio de Canárias,
vol. I, pp. 127-351, nos 87, 152, 174-175, 182-183, 199,200,228,269; Idem, « Inventário de Fondos existentes
en el Archivo de Indias», in A. E. A., n.? 25, 523.
(54) Ob. cit , IV, 87.
(55) A. R. M., C. M. F., registo geral, T. I, fls. I-Iv.o, Alcochete, 14 de Julho de 1469, carta do infante
sobre o trato do açúcar, in A. H. M., XV, 45-47; Ibidem, fls. Iv.0-2 v.", 25 de Setembro de 1469, carta dos
regedores do Funchal in A. H. M., XV, 47-49; lbldem, fls. 5 v.o·6, Lisboa, 16 de Outubro de 1478, carta régia
sobre trato do açúcar, in A. H. M., XV, 57; Ernesto Gonçalves, "João Gomes da Ilha», in A. H. M., XV, 40·47;
Idem "João Afonso do Estreito», in D. A. H. M., n.? 17 (1954), 4·8.
(56) A. R. M., C. M. F., n.O 1296, fls. 30 v.o·31 v.", II e 28 de Outubro de 1471; lbidem, n.? 1296,
fi. 41, 12 de Fevereiro de 1472, lbidem, n.2 1296, fls. 52 v.o·53, 17 de Agosto de 1472.
(57) Fernando Jasmins Pereira, ob. cit., 144-152.
(58) lbidem, 152-159.
(59) A. R. M., C. M. F., registo geral, T. I, fls. 308 v.o·309, Sintra, 7 e 8 de Agosto de 1508, alvará
régio, publ. A. H. M., XVIII, 503-504.
129
capitania do Funchal, em 1515, ao enunciar que: «Os ditos açúcares se poderão carregar
para o Lavante e Poente e pera todas outras partes que os mercadores e pessoas que os
carregarem aprouver sem lhe isso ser posto embargo algum» (60).
O estabelecimento das escápulas em 1498 definia de modo preciso o mercado
consumidor do açúcar madeirense, que se circunscrevia a três áreas distintas: o reino, a
Europa nórdica e a mediterrânica. As praças do Mar do Norte dominavam esse comércio,
recebendo mais de metade das referidas escápulas; entre elas evidenciavam-se as praças
circunscritas à Flandres, enquanto no Mediterrâneo a posição cimeira é atribuída a Veneza,
conjuntamente com as três levantinas de Chios e Constantinopla.
(60) Álvaro Rodrigues de Azevedo, «Anotações» in Saudades da Terra, Funchal, 1873, 501.
130
fi
O 185000
O 30-40000
O 7-J5000
O 1-3000
O 500
® Viana
'Si? <:(? ~
-c,
~
. {f;
~",.; ,~ ..;. Contingente de 1498
:t:.'fi.:-' o MADEIRA
TOTAL
DESTINO 1490-1500 1501-1510 1511 1520 1521-1530 1531-1540 1541-1550
ARROBAS %
VIANA
ANOS
ARROBAS %
1581 630 2
1582 1420 4
1583 940 2
1584 1 110 3
1585
1586 550 2
1587 150
Essa função redistribuidora dos portos a norte do Douro fica evidenciada entre 1535 e
1550, pois das cinquenta e seis embarcações entradas no porto de Antuérpia com açúcar da
Madeira, dezasseis são do norte e apenas uma de Lisboa. Na primeira 50% são provenientes
de Vila do Conde, 3 I % do Porto e 19% de Viana do Castelo (63); aliás em 1505 o monarca
considerava que os naturais 'dessa região tinham muito proveito no comércio do açúcar da
ilha (64). Em 1538 esse comércio era assegurado por um numeroso grupo de grupos de
mercadores dessa proveniência, entre eles Aires Dias, Baltasar Raiz, Dioguo Alvares
Moutinho e Joham de Azevedo (65).
132
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o:
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e~ s j
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133
Nas transacções com o mundo mediterrânico existiam igualmente alguns entrepostos,
em especial Cádiz e Barcelona. Estas cidades surgem no período de 1493 a 1537 com os
portos de apoio ·ao comércio com Génova, Constantinopla, Chios e Águas Mortas (66).
Italianos 266288,5 90,04 65751,5 64,20 58 181,5 63,70 5344 53,49 395 565,5 78,40
Ingleses 212 0,07 402 0,39 458 0,50 1072 0,21
Franceses 2 568,5 0,87 1536 1,50 4365 4,78 8469,5 1,68
Flamengos 9649 3,26 I 726,5 1,69 II 375,5 2,25
Alemães 11642,5 3,94 11642,5 2,31
Castelhanos 248 0,08 702,5 0,69 14562,5 15,94 15513 3,07
Portugueses 5 147 1,74 6042,5 5,90 5535 6,06 7073,5 46,97 23798 4,72
Outros 26249,5 25,63 8233 9,01 2641 17,54 41 029,5 8,13
A ordenança de 1498 não determinava apenas o contingente das diversas escápulas mas
também a forma da sua comercialização. A coroa, para dar maior facilidade no seu
escoamento, monopoliza as escápulas de Roma e Veneza, vinte mil arrobas das de Flandres
e três mil das de Inglaterra, num total de quarenta mil arrobas, o equivalente a 33% do total;
a este açúcar juntava-se o quantitativo do quinto ou quarto e da dízima de exportação, que o
rei carregava por meio de contrato estabelecido com as grandes companhias nacionais e
internacionais. O rendimento dos direitos era exportado para Flandres e Veneza, tendo estas
recebido, entre 1495 e 1526, respectivamente cento e sessenta mil e vinte e seis mil
arrobas (67).
As escápulas, até 1504, e o produto dos direitos reais eram canalizados para o mercado
europeu, quer por carregação directa, quer por negócio livre ou a troco de pimenta (68). Esse
açúcar era arrendado por mercadores ou sociedades comerciais, sediados em Lisboa, sendo
de salientar a actuação dos mercados italianos, como João Francisco Affaitati e Lucas
Salvago (69).
As operações comerciais em torno do açúcar, no período de 1501 e 1504, estavam
centralizadas em mercadores ou sociedades comerciais que, a partir de Lisboa, controlavam
esse trato por meio de um sistema complicado de feitores' ou procuradores. A sua
intervenção, que se apresentava dominante nos três primeiros decénios do século, sofreu um
decréscimo acentuado na última década. Esta situação atesta que os mercadores estrangeiros,
em face da instabilidade do mercado açucareiro madeirense nos primeiros trinta anos,
abandonaram o seu comércio fazendo-o substituir pelo canário ou americano.
A comunidade italiana controlava a quase totalidade do comércio do açúcar com as
principais praças europeias, seguida da portuguesa e da castelhana. Os mercadores nórdicos,
não obstante a sua posição privilegiada, não apresentam uma posição de relevo nestas
operações, pois quedam-se por cerca de 5%. Tal situação mostra, mais uma vez, que essa
(66) Domenico Geoffré, Documenti sulle relazioni ira Genova ed ii Portogallo dei 1493 ai 1539, Roma,
1961,18-20,266-265,268-270,277-279,284-285, 290-292, 309-310, José Maria Madurell Marimón, art, cit.,
486-487, 493-494, 497-499, 501-502, 521-522, 563-564.
(67) Fernando Jasmins Pereira, O Açúcar madeirense.l .. ./, 78-92; Vitorino Magalhães Godinho, ob. cit.,
vol. IV, 84-93.
(68) Ibidem, 80.
(69) Idem, 78-92.
134
rota se mantinha sob o controle dos portugueses, nomeadamente os oriundos do litoral
norte, e que esse comércio estava organizado pela feitoria portuguesa da Flandres.
Nos quatro decénios em análise verifica-se que os italianos detêm o exclusivo do
comércio na primeira década e uma posição dominante nas duas seguintes, sendo substituídos
pelos portugueses na década de 30, e também por castelhanos e franceses.
Nacionais 5 147 1,74 6042,5 5,90 5 535 6,06 7073,5 46,97 23798 4,72
Estrangeiros 290608,5 98,26 96368 94,10 85800 94,94 7985 53,03 480761,5 95,28
Total 295 755,5 58,62 102410 20,30 91 335 18,10 15 058,5 2,98 504 559,5
AÇÚCAR
MERCADOR
ARROBAS %
135
Para manter esta amplitude das operações comerciais na ilha contava com um grupo
numeroso de feitores ou procuradores: Gabriel Affaitati, Luca Antonio, Cristovão Bocollo,
Matia Minardi, CapelJa e CapelJani, João Dias, João Gonçalves e Mafei Rogel!. Por outro
lado aceitou procuração de Garcia Pimentel, Pedro Afonso de Aguiar e João Rodrigues de
Noronha. Note-se que o grupo inicial é, na sua maioria, formado por italianos, ligados ao
comércio do açúcar, e que os segundos pertencem a algumas famílias mais influentes da ilha.
O açúcar canário oriundo de Tenerife, Gran Canaria e La Palma, surge no mercado
europeu a partir de princípios do século XVI. A comunidade italiana, residente em Cádiz e
Sevilha e com intervenção activa no arquipélago, traçou as rotas desse comércio com o mar
do Norte e o Mediterrâneo. A activação desse trato comercial nas primeiras décadas do
século XVI condicionou a presença de mercadores peninsulares e estrangeiros, que se
instalaram em Tenerife, Gran Canaria e La Palma (2).
O porto de Cádiz, importante praça comercial peninsular, funcionava como centro de
redistribuição e comércio no Mediterrâneo. A conquista do mercado nórdico é mui
posterior, mercê do forte enraizamento desse mercado no comércio e consumo do açúcar
madeirense. A primeira carga de melaço canário enviada a Antuérpia, em 1508, não foi do
agrado dos eventuais clientes (3). Somente a partir da década de trinta o açúcar canário
consegue agradar ao gosto flamengo, beneficiando para isso da quebra do açúcar madeirense
e da presença da comunidade flamenga no arquipélago. O trato com as praças nórdicas é
assegurado, em parte, pelos portugueses de Vila do Conde, Lisboa e Algarve, que fazem
valer a sua mestria e experiência, adquiridas no trato do açúcar da Madeira (4).
Em síntese, a colónia italico-flamenga, residente ou estante nas ilhas de Gran Canaria e
Tenerife, era o principal elo de ligação aos mercados de comércio e consumo do açúcar.
Aqui, como na Madeira, ambas as comunidades esquecem os antagonismos religiosos para
se unirem em prol duma causa comum, o comércio do açúcar, repartindo entre si o domínio
do mercado açucareiro (5).
('2) Maria Luisa Fabrellas, "La produción de azúcar en Tenerife», in Revista de Historia, n.? 119-120,
176-177; Victor Morales Lezcano, ob. cit., 52; G. Camacho y Perez Galdos, "EI cultivo de la caiiade azúcar y la
industria azucarera en Gran Canaria (1510-1535)>>, in A. E. A., n. o 7, 48-56; R. Díaz Hernández, EI azlÍcar en
Canarias, Las Palmas, 1982, 38.
('3) Vitorino Magalhães Godinho, ibidem, IV, 98.
('4) Idem, 98-99.
('5) Jacques Heers, Gênes au XVe siêcle, Paris, 1971, 337.
(76) H. La Peyre, Une famille de marchands: Les Ruiz; Paris, 1955, 621-624; Valentim Vazquez Prada,
Lettres Marchands d'Anvers, voI. III, 385-386; F. Ruiz Martin, Lettres marchands échangées entre Florence et
Medina dei Campo, Paris, 1965, n.? 141, 159, 199, 440.
('7) Ao cento em libras.
('8) Em gruesos,
('9) Em ducados.
(80) Em 1582 o açúcar a 213/4, o retame e outros a 14 eiS ducados, e em 1585 o retame a 16 1/2 e o
açúcar de primeira sorte a 20.
136
o comércio do açúcar diversifica-se a partir de princípios do século XVI. A Madeira,
que no século XV surgira como o único mercado de produção, debater-se-á, a partir de
finais desse século, com a concorrência do açúcar das Canárias, de Berberia, de S. Tomé e
mais tarde do Brasil e das Antilhas. Esta diversificação das possibilidades de escolha, por
parte de mercadores e compradores, condicionará a evolução do comércio açucareiro.
Todavia, o açúcar madeirense manterá a sua situação preferencial no mercado europeu
(Florença, Anvers, Ruão), sendo o mais caro. Talvez devido a esse favoritismo encontramos
com frequência referências à escala na Madeira de embarcações que fazem o comércio do
açúcar nas Canárias, Berberia e São Tomé t'"). Esta situação deveria, de igual modo,
explicar a venda de açúcar madeirense em Tenerife, no ano de 1505 (82).
O comércio açucareiro na primeira metade do século XVI era dominado na Europa do
Norte pelas ilhas e litoral do Atlântico, nomeadamente, entre as primeiras, a Madeira,
Tenerife, Gran Canaria e La Palma. Assim, na década de 30 os navios normandos ocupados
nesse comércio dirigiam-se preferencialmente a esta área. Convém anotar que a maioria das
embarcações que rumava a Marrocos e escalava na Madeira à ida e no regresso, o que
valorizou a Madeira no comércio com a Normandia.
DESTINO NÚMERO %
Açores 1 9
Canárias 3 27
Madeira 1 2
Marrocos 6 55
(81) É o que sucedeu com a embarcações da Normandia entre 1530 e 1540, veja-se M. Mollat, La commerce
maritime normand . . ., 247-248.
(82) Acuerdos dei Cabildo de Tenerife, I, p. 83, n." 447, 26 de Março de 1505.
(83) M. Mollat, oh. cit., pp. 247.248.
(84) Vitorino Magalhães Godinho, ob. cit., IV, 98-99.
137
18
2.2 Comércio de Cabotagem
138
arquipélagos, actuando corno receptores dos excedentes da produção local e redistribuidores
dos produtos vindos de fora.
Gaspar Frutuoso, em finais do século XVI, dá conta dessa situação, escrevendo, a
propósito, que o porto de Angra era o principal porto de cabotagem inter-ilhas no grupo
central e ocidental (6). A dominância da praça de Angra é então de tal modo clara que o
cronista açoriano não hesita em afirmar «que todas as outras ilhas são suas escravas, pois
quanto nelas se cria vem pera ela» concluindo, que «as outras ilhas ao redor são quintas da
ilha Terceira» C).
A Terceira fornecia às ilhas vizinhas os produtos de importação, corno o vinho e açúcar
da Madeira, manufacturas diversas, recebendo em troca os cereais, gado e carne, vinho,
madeiras e lenha, fruta e barro (8).
Entre as restantes ilhas o comércio e os contactos eram assíduos. Assim no grupo
central, a ilha de S. Jorge exportava para o Faial e Graciosa os excedentes de vinho e
cereais, enquanto o Pico comerciava as suas madeiras, gado e vinho (9). Todavia a ilha
de S. Jorge, que segundo informação de Frutuoso exportava cereais em 1576, em face
da crise de produção cerealífera vê-se obrigada a importá-lo da Graciosa, Terceira e
Faial eo).
A Ocidente as ilhas de Flores e Corvo estão em permanente contacto, surgindo a uttnna
como uma verdadeira quinta das Flores. Assim o Corvo comunica com o exterior a partir
das Flores, recebendo daí os produtos de fora e canalizando até lá as madeiras, o linho,
panos e outros produtos para venda nas ilhas do arquípélago t!").
No grupo Oriental o comércio estava centralizado na praça de Ponta Delgada que
recebe as produções da ilha e o barro e telha mariense, ao mesmo tempo que procede à
redistribuição dos produtos de importação 2 ) . e
A ilha de S. Miguel ao apresentar-se, no século XVI, como o principal celeiro
açoriano, condicionará uma rede de cabotagem inter-ilhas para fornecimento das ilhas
carecidas procedendo-se o seu escoamento a partir de Vila Franca, Porto Formoso e
Lagoat P). Em finais do século XVI esta ilha, conjuntamente com a Graciosa, tem o
encargo de assegurar o fornecimento de trigo à tropa do presídio, sediada em Angraj'").
De igual modo nas Canárias, as ilhas maiores (Tenerife e Gran Canaria) detêm o
exclusivo do comércio das manufacturas de importação, no mercado canário, enquanto as
ilhas menores se limitam ao comércio dos produtos básicos: madeiras, cereais, gado s ). e
139
o porto de Santa Cruz de Tenerife evidencia-se como um dos mais importantes no
comércio inter-ilhas, estabelecendo rotas comerciais com as ilhas de Gran Canaria, Lanzarote
e
e Fuerteventura 6 ) . A partir daí exportava-se o trigo para Gran Canaria, La Gornera, La
Palma e as' madeiras e carneiros para Gran Canaria t?").
As ilhas de Fuerteventura, Lanzarote e La Palma salientam-se no comércio de cereais,
gado e carne, fornecendo as principais praças de Tenerife e Gran Canariaé!").
O comércio de cabotagem interna era intenso nos dois arquipélagos (Açores, Canárias)
sendo orientado para a distribuição dos produtos estrangeiros ou das ilhas vizinhas e da
canalização da produção local para as principais praças do comércio externo. Assim é
reforçada essa situação nas ilhas de Gran Canaria, Tenerife, S. Miguel e Terceira.
et76 )A. Cioranescu, ibidem, vol, II, 20, 446, nota 80.
et ) Idem, lbidem, VaI. II 20, 446, nota 80; F. Clavijo Hemandez, Protocolos de Hérman Guerra
Tenerife, 1980,408 (n.o 1530), 367 (n.o 1351); Idem, "los documentos de fletamento .. ,", in IV C. H. C. A.:
vol, I, 41; Manuel Lobo, Protocolos de Alonso Gutiérrez ; Tenerife, 1979,80 (n.? 106),292 (n.? 934); Acuerdos
dei ~a.bildo de Tenerife , IV, n.? 812, p. 86,26 de Março de 1521; Leopoldo de la Rosa, "Catalogo deI Archivo
Municipal de ~a Laguna » , in Re.v!sta de História, n.? 101-104, p. 252 (n.? 38), 264 (n.020); G, Gamacho y Perez
Galdosis"Cul.tlvos de cereales vma. y huerta en Gran Canaria (1510-1537) » in A, E. A., n.? 12, 1966,242-243.
( ) Ibidem, 242-243; A.. Cioranescu, ob, cit., vol. II, 446 nota 80; Acuerdos dei Cabildo de Tenerife,
vol, I, p. 28, 26-IV-1500; Ibidem, vol, I. n.? 449, p. 26-III-1505; Ibidem, vol, I, n.? 533, p. 101-102,
24-VIII-1506; lbidem, vol. I, n.? 310, pp. 145-147, 23-VI-1522.
140
2.3 Comércio Inter-Insular
o comércio entre as ilhas dos três arquipélagos atlânticos resulta não só da comple-
mentaridade da sua exploração económica, mas também da proximidade e da assiduidade de
contactos; o intercâmbio de homens, produtos e técnicas dominou o sistema de relações
entre eles. A historiografia insulana tem ignorado esta componente do comércio uma vez
que apenas tem valorizado as relações com o Novo e o Velho Mundos.
A Madeira, mercê da sua posição privilegiada entre os arquipélagos dos Açores e das
Canárias e do seu parcial alheamento das rotas índicas e americanas, apresentava condições
favoráveis para o estabelecimento de contactos assíduos com as ilhas vizinhas; os contactos
com os Açores, em especial, resultam da intervenção madeirense na ocupação e exploração
do solo açoriano e da necessidade de abastecimento em cereais de que o arquipélago
açoriano era um dos principais produtores.
Com as Canárias, não obstante a sua conquista e a sua integração na coroa de Castela,
os contactos são muito mais assíduos e importantes; tal situação resulta da proximidade dos
dois arquipélagos, da atracção exercida pela terra canária nos madeirenses e, ainda, pela
hostilização açoriana ao estabelecimento da rota de comércio de cereais e).
Os contactos permanentes entre a Madeira e as Canárias, evidenciados por uma
constante corrente emigratória marcam uma constante da História destes dois arquipélagos e
evidenciam as afinidades existentes, consequência de um idêntico posicionamento dos
monarcas ibéricos na política expansionista. Em reforço dessa comunhão de interesses e do
necessário relacionamento está a posição privilegiada do porto do Funchal nas ligações entre
a Europa e as Canárias, surgindo como um porto de escala dessas rotas e).
Se é certo que a maioria dos contactos entre os arquipélagos advem da posição
privilegiada da Madeira em relação às Canárias e o Velho Continente, não é menos certo
que o trato comercial resulta de necessidades e solicitações internas, que impelem para uma
aproximação. Ela aparece, por outro lado, pela necessidade de recurso a um novo celeiro de
provimento de cereais, mediante a recusa dos açorianos a esse fornecimento; e por outro,
pelas solicitações da comunidade portuguesa residente nas Canárias, de que fazia parte um
grupo numeroso de madeirenses que ansiavam por contactos com os locais de origem.
O trigo foi, sem dúvida, o principal móbil do comércio canario-madeirense, Aliás,
segundo testemunho de Giulio Landi (1530) e Pompeo Arditi (1567) os cereais actuaram
como os principais activadores e suportes do sistema de trocas entre a Madeira e estas ilhas
vizinhas, quer do arquipélago canário, quer do açoriano e).
Esta rota de abastecimento de
cereais é definida em princípios do século XVI, mantendo-se com toda pujança até meados
do século seguinte. 'As primeiras referências ao envio de trigo canário para a Madeira
surgem em 1504 para o trigo remetido de La Palma e, em 1506, para o de Tenerife (4).
Quanto ao trigo açoriano, não obstante se apontar o seu início em finais do século XV,
apenas em 1508 temos uma referência a esse comércio, com a definição por parte da coroa
ct) José Pérez Vidal, «Aportación portuguesa a la población de Canarias. Datas para su estudio», in
A.E,A .. n." 14, 1968, 41-106; Margarita Martin Socas e Manuel Lobo Cabrera, art, cito
e) No século XVI das 14 embarcações saídas das Canárias com destino à Europa 4 fazem escala no
Funchal, veja-se Margarita Martin Socas e Manuel Lobo Cabrera, art, cit.
e) "Descrição da ilha da Madeira » , in A Madeira vista por estrangeiros. Funchal, 1981,84; "Viagem à
ilha da Madeira e aos Açores ... », in ibidem, 226; L. Torriani em 1590 refere o comércio de cereal de Lanzarote
com a Madeira (ob.cit., 45-46).
(4) «Reforrnación dei repartimiento de Tenerife em 1506», in Colleción de documentos sobre el Adelantado y
SlI gobiemo, Santa Cruz de Tenerife, 1953,90-91; Manuela Marrero Rodrigues, «Algunas consideraciones sobre
Tenerife .. ,» in A.E.A., n." 23, 1977,380.
141
dessa rota de fornecimento de cereais à Madeira, que se estrutura de forma idêntica à rota de
comércio com as praças africanas (5).
A abertura e permanência desta rota dificultava a intervenção das autoridades dos dois
arquipélagos próximos, uma vez que irá provocar acesa contestação e permanente boicote de
vizinhos e funcionários régios e locais. Esta contestação aumenta em momentos de penúria,
dificultando o abastecimento de cereais na Madeira. Nos Açores, proprietários e mercadores,
com intervenção activa nos municípios, boicotam a rota, procurando furtar-se a esse
encargo. Perante isso a coroa teve de intervir por diversas vezes, apelando para as
autoridades açorianas, a fim de que não pusessem qualquer impedimento ao envio de cereais
para a Madeira, uma vez «que los triguos desas ylhas se gastam mays na ylha da Madeyra
que em nehüa outra parte de nosos reygnos- (6). Em Canárias o cabildo catedral de Oran
Canaria queixava-se de receber a sua parte dos dízimos, que se escoava para a Madeira,
ordenando-se em 1532 o seu embargo t). Por outro lado o conflito antigo entre as duas
coroas criava, por vezes, atropelos a esse comércio. Todavia a rota canária impõe-se pela
dominância dos contactos assíduos entre os dois arquipélagos, não o impedindo as crises de
produção, nem as limitações impostas pelo cabildo de Tenerife. Nos Açores, ao invés, o
monarca teve de impor à força esta rota, pois a posição dos municípios e produtores era de
constante recusa (8); esta situação de afrontamento dos açorianos resultava do desinteresse
da burguesia açoriana, pois estava apostada no comércio especulativo com o reino e nos
contratos de fornecimento às praças africanas.
As dificuldades sentidas no abastecimento de cereais na Madeira na primeira metade do
século XVI, bem como a incessante recusa dos açorianos em participar nesse comércio,
levaram o monarca a intervir, em 1521, no sentido de manter a prioridade na exportação do
cereal para a Madeira. Mediante a acção especulativa dos grandes produtores, o rei estipula
a obrigatoriedade de todo o carregamento se fazer mediante procuração da comarca do
Funchal e com preço estabelecido em auto e).
Em todas as recomendações e ordenações o
monarca fundamenta a sua intervenção no facto de a ilha não ter «outro pão salvo o que
mandão comprar às ditas ilhas» eo).
A Madeira de acordo com a informação em 1546, consumia anualmente doze mil
maios de pão, dos quais oito mil vinham de fora.
A ilha, apenas poderia contar com 32 % da sua produção que chegaria apenas para três
a quatro meses (11). O cereal de importação provinha, de modo variado, das ilhas vizinhas e
da Europa, serido muito importante a posição das ilhas com 49 %. No caso dos Açores o
trigo entrado no porto do Funchal é na sua maioria oriundo do Faial, Santa Maria e
S. Miguelvilhas que dispunham de' um excedente vantajoso para esse comércio. Quanto às
Canárias são as ilhas de Lanzarote e Tenerife que surgem como os principais graneros.
A permanência desta rota de abastecimento de cereais implicou um incentivo e um
alargamento das trocas comerciais entre os três arquipélagos; assim, ao cereal vieram
juntar-se outros produtos, como contrapartida favorável a essas trocas. Pelo que respeita aos
(5) A.R.M., C.M.F.. registo geral, t. I, fls. 310-311 v.", alvará régio de 20 de Agosto de [508, in
A.H.M., XVIII, 512.
(6) Ibidem, registo geral, t. I, fi. 341, alvará régio de 31 de Dezembro de 1516, in A.H.M.. XVIII, 586.
e) G. Camacho y Perez Galdós, art, cit., 246; José Pérez Vidal, art. cit., 61.
(8) Assim sucederá em 1521, 1535, 1546, 1563-1564, 1569, 1572, 1587. Veja-se Alberto Vieira ,,0
comércio dos Açores para a Madeira no século XVII», 652-654; Idem «A questão cerealífera nos Açores nos
séculos XV-XVII", 167; Idem ,,0 comércio de 'cereais das Canárias para a Madeira nos séc. XVI-XVII», in VI
C.H.C.A., Las Palmas, 1984, no prelo.
(9) A.R.M., D.A., cxa. I, 133, carta régia de 6 de Novembro de 1521; Ibidem, cxa, II, 195, ordenação de
!O de Dezembro do Cardeal D. Henrique à jurisdição dos Açores; ibidem, cxa. II, 198, ordenação de 13 de
Novembro de 1565; Veja-se Joel Serrão, "Sobre o trigo das ilhas nos séculos XV a XVI», in D.A.H.M., n.? 2,
[950.
eo) A.R.M., DA., cxa. tt, 198. já citado.
(11) lbldem, cxa, I, 171, Almeirim, 29 de Março de 1546, carta de D. João II à câmara de Lisboa.
142
o Comércio de cereal das ilhas dos Açores e Canárias no Séc. XVI (12)
AÇORES CANÁRIAS
Ilhas
Moios % Ilha Moios %
Açores, a Madeira tinha para oferecer o seu afamado vinho, açúcar, conservas, queijos,
peles, sebo e chacina et 3 ) ; neste grupo destaca-se o vinho que era muito apreciado pelos
açorianos; Linschoot, em finais do século XVI, refere que o vinho madeirense, conjunta-
mente com o canário era o preferido dos «mais ricos» da terrarl"); além disso este afamado
rubinéctar era o vinho de uso corrente na celebração eucarístícat").
A fama do vinho da Madeira deveria ser tão grande na sociedade açoriana que o seu
consumo era sinónimo de importância social; por isso os trabalhadores de soldada, em 1574,
rejeitam na joma o vinho da terra em favor do da Madeira (16); e, ao mesmo tempo, a
principal nobreza do arquipélago preferia a sua oferta nos encargos de missa por morte (17).
O vinho da Madeira surge assim no mercado açoriano por imposição do gosto
« apurado» da sua população e como moeda de troca para a aquisição do cereal et 8 ) . Deste
modo podemos dizer que a rota do cereal trouxe consigo o comércio do vinho madeirense.
Aliás, a primeira referência ao seu comércio nos Açores surge nos inícios do século XVI, na
altura em que era vendido na Ribeira Grande a oito reais a canada. O tabelamento do seu
preço de venda ao público pelas vereações de Angra, Ribeira Grande e Velas (S. Jorge)
atesta a importância que o vinho adquiriu no mercado local.
Angra 40
Ribeira Grande 8 13 44 44
Velas 36 32
1984, 397-398; Frei Agostinho de Montalveme, Crónicas da Província de S. João Evangelista, vol, II, 17;
143
Em 1574 o vinho da Madeira representava 42% do vinho entrado no porto de Ponta
Delgada, enquanto o vinho do reino ficava apenas por 8 % e o vinho da Terceira e mais ilhas
em 50%e o).
A primeira referência ao envio do vinho da Madeira para os Açores surge tombada em
1544 no testamento do mercador Afonso Alvarez, em que se refere ter ele enviado ao Faial
seis pipas de vinho (!1). O Faial parece ter sido um porto importante de destino do vinho
madeirense, dedicando-se a isso alguns importantes mercadores corno Francisco João,
e
falecido em 1620 2 ) . O comércio do vinho nesta praça tão próxima das ilhas produtoras do
bom vinho açoriano (Pico e S. Jorge) resultará, sem dúvida, da contrapartida favorável ao
comércio dos cereais.
Na praça de Angra o vinho da Madeira é transaccionado com muita frequência, quer
para consumo local, quer para redistribuição pelas ilhas vizinhas de Graciosa e S. Jorge; as
3
únicas notícias do seu comércio nesta cidade surgem em 1552, 1561 e 1594e ) . Saliente-
-se, por outro lado, que em 1564 António Pires do Canto entregara a Pedro Ribeiro
dezassete pipas de vinho para vender nas ilhas de Baixo, comprometendo-se este último a
entregar ao primeiro, em troca, vinte pipas de vinho da Madeira ) .
4
e
Também nas relações com as ilhas Canárias o vinho surge, muitas vezes, aliado a
outros produtos corno moeda de troca dos cereais. Assim, em 1521 o mercador Juan Pomar,
vizinho da Madeira, enviou a Juan Garcia de Lós, mercador vizinho de Gran Canaria,
e
algumas pipas de vinho s ). E em 1525 enviou urna pipa e um quarto de vinho e um quarto
e
de vinagre 6 ) . Entretanto em 1523 sai do Funchal o navio de Lourenço Morais com vinte
e
pipas de vinho para o mesmo destino 7 ) ; e, finalmente, em 1563 o mercador João Nunes
envia ao seu cunhado, residente nas Canárias, três pipas de vinho para que este lhe enviasse
trigo r").
O comércio entre a Madeira e as Canárias remontava a meados do século XV, altura a
partir da qual a Madeira passou a receber escravos canários, carne, queijo e sebo. Todavia
esse trato não era do agrado do Infante D. Fernando, senhorio da ilha, uma vez que ele
recusou a solicitação dos seus naturais para isenção da dízima dos produtos que daí vinham,
dizendo a propósito, «que tam bõo trauto e das minhas ylhas dos Açores e tam bõo retorno
e
averem e milhar que de Canaria se em elle quiserem emtrar» 9 ) . Não obstante, os vizinhos
do Funchal teimaram em manter os seus contactos com as Canárias; assim, em 1477, Nuno
Cayado, mercador madeirense, há mais de quinze anos ocupado nesse comércio, recebeu
A.C.M.R.G., L.0 3 de acórdãos. fls, 40-41 v.". 21 de Fevereiro de 1578; Francisco Ferreira Drumond, Anais da
ilha Terceira, vol. I, 381.
eo) Saudades da Terra, 1.° IV, vol. II, 198.
e 1
) A.R.M. ,Misericórdia do Funchal. n.o 684, fi. 286, 1 de Agosto de 1544.
e 2
) Maria Olímpia da Rocha Gil, O arquipélago dos Açores no séculoXV/l, 187. Em 19 de Abril de 1574
na câmara da Horta o vinho da Madeira é referenciado em separado do outro vinho de fora (António Lourenço da
Silveira Macedo, História das Quatro ilhas ... , Angra do Heroísmo, 1981, 78).
e J
) Em auto de veraçâo de 3 de Março de 1552 refere-se que cinco navios franceses roubaram uma caravela
da Madeira com vinho e mercadorias (As gavetas da Torre do Tombo, X, Lisboa, 1974, 674-675). A 15 de
Novembro de 1561, Diogo de Amorim refere ter enviado à Terceira quatro pipas de vinho a Baltasar Gonçalves,
seu cunhado (A.R.M., I.R.C. -Funchal, tombo, fi. 354 v."). E em 28 de Outubro de 1594 Pero Gonçalves, de
Santa Cruz, refere ter enviado a seu irmão Antonio Anes, morador na Terceira, duas pipas de vinho (lbtdem,
Santa Cruz, t. II, fi. 52 v.").
e 4
) B.P.A.P.D., Fundo Ernesto do Canto, ms. 20 A, n.? lO, 1 de Novembro de 1564, caderno de
lembranças de António Pires do Canto.
e s ) A.R.M., Misericórdia do Funchal. n.o 684, fi. 303.
e 6
) Q. Camacho y Perez Galdós, art, cit., 278-279.
e 7
) A.N.T.T., N.A., n.o 541, registo de 30 de Outubro.
e s) lbidem, n." 541, registo de saída de 12 de Janeiro de 1525 do navio de João Gago com um quarto de
vinho ~9 um quarto de vinagre da mulher de Antonio Leme, uma pipa de vinho de Diogo Martins.
( ) A.R.M., C.M.F., registo geral, t. I, fls. 226-229 v.", Beja, 7 de Novembro de 1466, apontamentos do
Infante D. Fernando, pubI. in A.H.M. XVI, 36-40.
144
um salvo conduto dos reis católicos para comerciar nessas ilhas eo); e, em 1513, ao ser
apresada em Gran Canaria uma caravela portuguesa que levava a bordo um malfeitor, o
regedor local receia represálias por parte dos madeirenses e 1 ) .
A Madeira receberá, por intermédio dos portos do Funchal e Santa Cruz, cereais, gado,
pez, pipas vazias e em troca fornecerá o seu vinho, canas, fruta verde, liaças de vime,
sumagre, pano de estopa, burel e liteiroe 2 ) .
Um dos mais importantes produtos fornecidos pelo mercado madeirense e -que tinha
saída fácil nas Canárias era o sumagre, que terá contribuído para o desenvolvimento da
industria de curtumes em Gran Canaria; uma primeira remessa é solicitada em 1569,
seguindo-se, a partir de 1570, a intromissão em força da classe mercantil neste tratoe 3 ) ; por
exemplo, em 1571 Anton Solis e Juan de Cabrejas, vizinhos de Gran Canaria, criam uma
companhia para comerciar o sumagre da Madeira; e, ainda nesta década, surgiram outras
companhias com a mesma finalidade, o que atesta a importância deste produto no comércio
com Gran Canaria 4 ) . e
Em síntese, as Canárias ofereciam à Madeira os produtos alimentares de que esta
carecia e em troca recebiam, para além do vinho e sumagre, uma série de artefactos de
produção local ou de importação. A Madeira tinha neste arquipélago vizinho não s6 o seu
celeiro, mas também o açougue, fornecedor de gado e seus derivados, como a carne, sebo,
queijo. Note-se que em 1527 Joana Falcão veio declarar em vereação que o seu marido,
Joam Novo, que detinha o exclusivo da venda de carne no açougue municipal, estava
ausente nas ilhas Canárias, onde fora buscar carnes, como era hábitoe s). Esse gado e carne
eram adquiridos, habitualmente, nas ilhas de Fuerteventura e Lanzarote 6 ) . e
O comércio entre os Açores e as Canárias não assume a mesma importância que
apresenta na Madeira, pois a dificuldade nas comunicações e a distância entre os dois
arquipélagos, em convergência com um diverso posicionamento destas ilhas na economia
atlântica, bloquearam o desenvolvimento e estreitamento desses laçose 7 ) . Não obstante,
desde muito cedo surgem referências avulsas sobre esse comércio; em 1508 ao ser
interditada a entrada de navios em Tenerife por causa da peste, são referidos entre muitos,
homens oriundos dos Açores r"); e em 1511 surge em Santa Cruz de Tenerife um Diego
Afonso, mercador, vizinho da ilha do Faial, para carregar desse porto de Garachico e outros
portos da ilha mil fanegas de cevada r"').
eo) Eduardo Aznar, Documentos Canários / ... /, La Laguna, 1981, p. 129, n.O 958, Valladolid, 13 de
Abril de 1513.
e(32) lbidem,
1) p. 4, n." 16, Sevilha, 30 de Novembro de 1477. .
A.N.T.T., N.A., n.? 541, registo de saída de 27 de Maio de 1523, em Santa C~z, navio com duzentas
e quarenta varas de estopa, setenta de burel, duzentas deyteiro ~ cento e vinte,e. oito de liaças de LeoneloPonte.
Por postura de 19 de Março de 1547 estava proibida a sal~a.de 1Ja5as para_Ca~anas (A.R.M., C:M.F.,~. 1:08,
fi. 33). E em 12 de Maio de 1584 Gaspar Rodrigues solicitava a vereaçao licença para levar as refendas Ilhas
duzentos feixes de arcos (Idem, D.A .. cxa. IV, n.? 500). A. Rumeu de Armas (Piraterias y ataques navales e~tre
las islas Canarias, t. I, 269) dá-nos conta que em 1581 se carregava lã e queijo em Lanzarote para a Madel~a.
Veja-se Manuel Lobo Cabrera, «EI mundo dei mar en la Gran Canaria ... ", in A.E.A., n.? 26, 328; Marganta
Martin Soca e Manuel Lobo Cabrera, art . clt .. 679 e 695.
e
3) Manuel Lobo Cabrera, «Gran Canaria y los contactos con las islas portuguesas atlanticas ... »
ees) Veja-se
4
) ibidem.
A.R.M., C.M.F., n." 1305, fi. 22 v.", 26 de Março de 1527. Gaspar Frutuoso refere que o gado era
abundante nesta ilha (Ob. cito L. 0 I, 82-85).
(36) A.H.P.L.P., Protocolos de Cristobal de San Clemente, n.? 736, fIs. 522-523, 9 de O~tubro de 1526,
fretamento do navio de Anton Diaz e Lorenzo Yanes a Lope Diaz e Niculoso Bordego, genoves, estante, para
carregar queijo e gado em Lanzarote e conduzi-lo ao Funchal. e Santa Cruz. . .,
e7) A primeira abordagem foi feita por Manuel Lobo Cab~er~ e Eli~a Torres Santana, «Aproxlmaclon, a las
relaciones entre Canarias y Azores ... », in Os Açores e o Atlântico (seculos XIV·XVII), Angra do Heroísmo,
1984.
ee9)s) Ihidem , 364.
F. Clavijo Hemandez, Protocolos de Hernán Guerra, n.? 1048, p. 294, 7 de Maio de 1511.
145
A partir da segunda metade do século XVI as trocas entre os dois arquipélagos são mais
assíduas, facilitadas pela fixação temporária ou permanente de açorianos no território
canário; estas trocas assentam ou no vinho canário e/ou no trigo açoriano (40).
O aparecimento do trigo açoriano em território canário não é permanente, mas sim
sazonal e resultado, muitas vezes, do desvio da rota das embarcações que transportavam o
cereal à Madeira; a primeira situação documenta-se em 1563 com o envio de cereal para a
ilha de La Palma, mercê da carestia que aí havia(41); a segunda surge em 1535 com o trigo
de Nuno Alvarez, mercador de Guimarães, que aportou a Las Palmas, onde lhe foram
retirados trinta moios (42); em 1563, Gonçalo Dinis, mercador da Ribeira Grande, trans-
portando trigo e toucinho para a Madeira, sofre um desvio na sua rota indo aportar a La
Palma (43); a situação repete-se em 1582 com duas embarcações de S. Miguel e da
Terceira (44).
Só em 1535 surge em Las Palmas uma companhia formada entre Andrés Pérez
Guitarte, mercador nos Açores e Jerónimo Mecia, mercador genovês estante em Gran
Canaria, para o comércio de trigo, couros e outras mercadorias dos Açores (45). Esta
permuta de cereais testemunha a dinâmica de inter-ajuda dominante nestes três arquipélagos,
patente, aliás, em 1521 e 1573, com a solicitação do cereal por parte do cabildo de Gran
Canaria à respectiva edilidade funchalense. A Madeira, que habitualmente consumia o
cereal canário, poderá, por vezes, auxiliar estes vizinhos em momentos de penúria,
socorrendo-se para isso do cereal importado dos Açores ou da Europa (46).
Os açorianos recebiam das Canárias, em troca do cereal, apenas vinho e breu.
O primeiro produto, segundo Pompeo Arditi, era conjuntamente com o da Madeira muito
apreciado no mercado açoriano (47); no entanto, apenas há notícia em 1565 do envio de uma
carga de cinquenta e cinco botas de vinho de Gran Canaria e, em 1570, de quarenta pipas de
vinho de Tenerife para a Terceira (48).
A manutenção e estreitamento das relações entre os dois arquipélagos portugueses com
as ilhas Canárias resultam de vários factores. Em, primeiro lugar, e quanto à Madeira, da
necessidade de abastecimento de cereais que se encontravam ali tão perto da ilha e, em
segundo, da intervenção dos portugueses avizinhados na sociedade canária, que facilitaram
e asseguraram esse intercâmbio comercial (49).
146
2.4. Comércio Atlântico-Europeu
e) Francisco Morales Padron, Canarias y América. Las Palmas, 1982;. Pierre Chaunu, Seville et
l'Atlantique, T. VIII, VoI. I, 359-365; Manuel Lobo" Cabrera, «Gran Canaria e Indias ... », 111-128.
e) Maria Olímpia da Rocha Gil, O arquipélago dos Açores no séc, XVII/o 337-352.
147
ceses, flamengos e ingleses interessados no comercio, altântico e apostados nesta nova
economia de mercado; se, numa primeira fase, a sua intervenção estava limitada à
península, num segundo momento, facilitada a sua intervenção nas ilhas, actuam a partir
delas, onde se afirmam como os principais homens de negócio; a partir daí estabelecem
contactos e rotas directas com as principais praças do Mediterrânico e do Norte.
A Madeira, de todas a primeira a merecer uma ocupação efectiva, alicerçou o seu
comércio europeu nas relações com as zonas costeiras de proveniência dos seus colonos e
com as principais praças de origem dos mercados forasteiros. Se no início os contactos eram
sazonais e se justificavam apenas pelas necessidades do povoamento e governo da terra,
num segundo momento, vão ser feitos com assiduidade e mercê do comércio activo com a
Europa Ocidental.
Os cronistas do século XV e XVI referem com frequência a abundância de madeiras na
ilha que, em face da abertura de diversas frentes de arroteamento, condicionou um rendoso
comércio com o reino e outras partes e).
De acordo com mesma informação a exploração
das madeiras fazia-se em regime industrial com o objectivo de fabrico de embarcações,
mobiliário para a exportação e das caixas de açúcar para a embalagem do produto.
O impacte da exportação de madeiras foi de tal ordem que conduziu a alteração na técnica
de construção naval e civil do reino (4).
O comércio das madeiras foi, sem dúvida, a primeira actividade que constituiu uma
fonte de riqueza para os colonos e senhores da ilha, conforme se depreende do indeferimento
dado, em 1461, pelo Infante D. Fernando, ao pedido de isenção da dízima da sua
exportação (5).
O desgaste do parque florestal madeirense, provocado por este comércio lucrativo e
pelo uso da lenha na laboração dos engenhos, veio a condicionar os corte de madeiras e o
seu consequente comércio. Em 1503 tomava-se imperiosa a proibição do seu comércio por
naturais ou estrangeiros, restringindo-se o seu uso ao estritamente necessário (6); todavia,
quando havia grande necessidade, esta medida proibitiva era esquecida; assim sucedeu em
1508 com a saída de tabuado vinhático, paus, traves e chaprões para a fortificação das
praças portuguesas de Safim e Mcgador ("). Além disso o alto valor de algumas madeiras
como o cedro, condicionava a sua saída para algumas partes, como para Ruão (8). Essa falta
de madeiras resultante de anárquica exploração da floresta explica, em parte, a importação
da Flandres de madeira de cedro, em 1525, para a construção da Igreja de Machico (9).
Os contactos entre a Madeira e o reino, ao longo dos séculos XV e XVI, eram
constantes e faziam-se com maior frequência com os portos de Lisboa, Viana e Caminha; os
marinheiros e mercadores dos portos do norte, nomeadamente da região costeira e entre
Douro-e-Minho, frequentavam com assiduidade o porto do Funchal, para comerciar o
açúcar a troco de panos e carne eo). Aliás em 1505 o monarca, ao conceder aos madeirenses
e) Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, L.0 II, 1968, 137-138, 84-85; Jerónimo Dias Leite, Descobri-
mentos da ilha da Madeira . . ., 20; Álvaro Rodrigues de Azevedo, «Anotações.., in Saudades da Terra, Funchal,
1873, 400-471; Fernando Augusto da Silva. Pela História da Madeira, Funchal, 1497, 60-65.
(4) «Regímen Florestal», in Elucidário madeirense, voI. III, 181-184.
(5) A.R.M., C.M.F., registo geral, t. I, fls. 204-209, 3 de Agosto de 1641, «Apontamentos e capitolos do
ymfante dom Fernando para esta ylha.., pubI. in A.H.M" XV, 11-20.
(6) Ibidem, fls. 299-300 v. o, 4 de Maio de 1503, «carta dei Rey noso Sefior sobre ha madeira e fazirnêto de
navios e canareos desta ylha.., pubI. in A.H.M.. n.? 1307, fls. 54-54 v.", 56, vereação de 5 e 8 de Maio de 1546.
C) A.N.T.T., C.C., II-13-73, Il-14-144; II-15-37, 55, 56, II-16-5, documentos de 3 de Junho de I de
Setembro de 1508.
(8) Ob. Cit., pubI. in A Madeira vista por .estrangeiros, 86.
(9) A.N.T.T., C.C.. III 14-135, 27 de Abril de 1525.
eo) Em 19 de Fevereiro de 1498 o monarca ordenou que o comércio de panos de Entre-Douro-e-Minho para
a Madeira se fizesse apenas pelo porto de Caminha, (J.M. da Silva Marques, Os descobrimentos portugueses, III,
n.? 318, 482-483). O comércio das ilhas da Madeira e dos Açores com Aveiro era muito apreciável em princípios
do século, XV, veja-se «Foral de Aveiro de 1515.. in Milenário de Aveiro, t. I, 297. Em 1551 refere-se o
148
a mercê da importação de carne dessa região, refere que «os meercadores e pessoas dessa
comarca têm e hão-de trauto dos açúcares que na dita ilha há ... », sendo um grupo bem
definido no comércio desse produto com o reino e com o Mar Norte ctt). Note-se que em
1523-1524 esse destino é referenciado com o merecido relevo e, em 1581-1584, Viana é o
único porto metropolitano referenciado no comércio do açúcart P).
O Porto do Funchal actuava muitas vezes como intermediário entre o porto de Lisboa, e
a ilhas portuguesas do golfo da Guiné, nomeadamente para o comércio de peles de Cabo
Verde; isso se deduz do envio em 1523 de mil e duzentas peles de Cabo Verde pára
et
Lisboa 3 ) .
A Madeira ofereceu ao mercador do reino, num primeiro momento, as suas madeiras e
o excedente de cereais; todavia, o principal comércio com o reino foi o açúcar, solicitado
desde o início pelos mercadores nacionais, que procuravam firmar o monopólio da rota
lisboeta. A ilha recebia em troca um grupo variado de produtos necessários a uso e consumo
quotidianos, como ferramentas, panos, tecidos, telha, louça, barro, ferro, carne, peixe, sal,
et
azeite 4 ) ; tudo isto a troco de açúcar e de reexportação de alguns produtos, como peles,
escravos, breu, algodão ct s).
A importação de louça fazia-se com assiduidade dos principais portos do reino como
e
Setúbal, Lisboa e Porto 6 ) ; de igual modo, as formas para o fabrico do açúcar deveria ser
proveniente do reino, nomeadamente da região do Barreiro, tendo em conta a escassez de
barro na ilha e o fraco desenvolvimento da olaria local.
O comércio açoriano com os portos do reino regia-se pelos mesmos princípios e
solicitações que o madeirense, apenas se alterando os produtos de troca. De facto enquanto
a Madeira oferecia o seu precioso açúcar, os Açores apresentavam um mercado mais
avantajado com os cereais, o pastel, o gado e a esperança do contrabando com as naus das
Indias de Castela e Portugal. Não obstante a posição dominadora do porto de Lisboa, a
documentação disponível aponta para a valorização do comércio com os portos de Entre-
-Douro-e-Minho, Buarcos, Aveiro e Tavira 7). e
Entre 1508 e 1538 nas embarcações assaltadas ao largo dos Açores surgem seis
oriundas do reino, sendo três de Buarcos, duas de Vila do Conde e uma de Tavira; as
primeiras transportam linho, estopa, couro, vinho e roupa do norte do país para os portos de
Ponta Delgada e Angra, enquanto a última vinha apenas para carregar trigoet s); em 1551
aprestamento no Cabo de S. Vicente do navio de Pero Rodrigues, oriundo dessa área, que conduzia açúcar da
Madeira para Flandres (Joaquim Veríssimo Serão, A embaixada em França de Brás de Alvide, 25). E, em 1533,
segundo Gaspar Frutuoso (Ob. Cit., L.0 II, 411), um Penteado de Vila do Conde estivera ocupado no comércio de
açúcar com a Flandres.
(11) A.R.M., C.M.F.. registo geral, t. I, fls. 303 v.0-304, Lisboa, 15 de Março de 1505, carta régia, publ.
in A.H.M., XVII, 452-453.
(12) A.N.T.T., N.A., n.? 541, 724; Joel Serrão, «Notas sobre o comércio de açúcar entre Viana do Castelo e
o Funchal>. , Revista de Economia. III, 209
e 3 o
) A.N.T.T., NA .. n. . 541.
(14) A.R.M., C.M.F .. registo geral, t. I, fls. 303 v. o 304, 2 de Novembro de 1483 «carta régia sobre o
comércio das carnes do norte», publ. in A.H.M.. XVII, 453-454; lbidem, t. I, fls. 204-209, 3 de Agosto de 1641,
« Apontamentos e capitolos do ymfante dom Fernando pera esta ylha», publ. in A.H.M.• XV, 14; Ibldem, fls, 238
v. 0-249, 12 de Novembro de 1483, « Resposta do duque a alguüs apontamentos sobre hos dereytos» , publ.
in A.H.M.• XV, 124; lbidem, fls. 118-118 v. o, 5 de Setembro de 1498, « carta deI Rey noso Seiior em que manda
lamçar gibonetes aos moradores desta ylha», publ. in A.H.M.• XVII, 381, Ibidem, fls. 337-340, 10 de Janeiro de
1512, regimento da guarda do mar, publ. in A.H.M. XVIII, 542.
e s ) A.N.T.T., N,A" n. o 541, 724.
e Ó
) A.R.M., C.M.F., n.? 1298, fls. 6 v.
0-7,
I de Julho de 1485; Ibidem, n." 1298, fls. 113-117.
(17) Veja-se ..Foral de Aveiro de 1515», in Milenário de Aveiro, t. I, 297; Maria Olímpia da Rocha Gil, «Os
Açores e a nova economia de mercado (séculos XVI-XVII)>> in Arquipélago, III, 1981, 373; Joaquim Veríssimo
Serrão, oh. cit., 25, 36; Ana Maria Pereira Ferreira, « Os Açores e o corso Francês na primeira metade do século
XVI ... », in Os Açores e o Atlântico (séculos X/V-XV/l) , Angra do Heroísmo, 1984, 290-292.
eB) Ana Maria Pereira Ferreira, art .cit. 25.
149
outras seis embarcações oriundas de Entre-Douro-e-Minho são apresadas por corsários
franceses.
Em síntese, o comércio de Entre-Douro-e-Minho com os Açores era muito importante,
activando uma rede complicada de rotas de fornecimento de panos e mais artefactos a troco
e
de trigo, carne e couros 9 ) . De acordo com informação do monarca de 1517, o comércio
dos portos do norte do país assentava, fundamentalmente, no comércio de panos, que esta
área produzia e importava dos principais centros têxteis do norte da Europa eo).
Sendo tal região caracterizada por uma importante produção de linho, estopa, e seda,
fornecida de importantes centros têxteis, lógico seria admitir a necessidade de activação do
comércio das plantas tintureiras de produção açoriana, mas escasseiam as notícias acerca de
tal comércio, pois ele é referenciado apenas por duas vezes; a primeira surge no Censual da
Mitra do Porto de 1541, em que é mencionado «o pastel que vinha das ilhas»; a outra está
exarada nos registos de entrada de navios na barra do Douro onde em 1597 se apontou o
navio ,,5. João», propriedade de Pero de Coresma, mercador de S. Miguel, que aí apartou
com pastel da mesma ilhae 1 ) .
O comércio canário com a a península desenrolava-se em quatro frentes: Andaluzia,
Galiza, Catalunha e Portugal. No entanto a área atlântica andaluza, circunscrita às praças de
Cádiz e Sevilha, dominava esse trato comercial com as ilhas de Tenerife e Gran Canariae2 ) .
O comércio com estas áreas peninsulares incidia, fundamentalmente, em produtos
alimentares (cereais, açúcar, queijo), matérias-primas (madeiras, couros, pez) e escravos
que os insulares trocavam por panos, azeite carne' salgada e manufacturas diversas.
Segundo Manuel Lobo Cabrera o principal móbil do comércio com Portugal, na
primeira metade do século XVI, era o cereale3 ) . Desde 1504 que se activou o comércio a
partir de Tenerife com os portos de Tavira, Faro, Lagos, Lisboa, Viana. Aos cereais
juntaram-se, a partir de 1569, os vinhos de Gran Canaria, que terão importância primordial
nas trocas do reino (Lisboa, Setúbal), para a Guiné, Cabo Verde e São Tomé 4 ) . A estes e
produtos, que activaram as trocas entre as Canárias e Portugal, 'vieram juntar-se outros
como o pez, açúcar, escravos.
A contrapartida portuguesa à oferta canária baseava-se num grupo variado de produtos
e artefactos necessários ao consumo e produção insular. Saliente-se que no século XVI, em
face da escassez de cereais nas Canárias, a ilha de Gran Canaria procurou o seu abasteci-
mento nos portos de Lisboa e Aveiro s ). e
e 9
) Valentim Fernandes (1506-1508) refere que na Terceira exportava muita carne e sebo para o reino
(Viriato Campos, Sobre o descobrimento e povoamento dos Açores. Lisboa, 1983, 35). Aliás em 1512 há notícia
do comércio de couros das Ilhas em Lisboa (Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa.
Livro de Reis, IV, Lisboa, 1859, p, 231, n. o 100, alvará de 8 de Maio.) E em 1551 é referido o apresamento em
~ilrita Maria de uma embarcação com gado (J.M. Serrão, oh. cit .. 25). ° comércio de linho do reino deveria ser
igualmente importante, pois Gaspar Frutuoso tob. cit., I. o IV, vol. II, 199) refere esse comércio, sendo
corroborado pelas presas de navios em 1508 e 1538.
eo) Maria Olímpia da Rocha Gil. "Os Açores e a nova economia de mercado ... ".375; Sobre o comércio
de tecidos do norte de ,Portugal; veja-se Ana Maria Ferreira, A importação e o comércio textil em Portugal no
século XV (1385-148/). Lisboa, 1983; João Cordeiro Pereira, Para a História das alfândegas em Portugal/ .. . l ,
e
Lisboa. 1983. 1)Candido A.O. Santos. corno o pez, açúcar, escravos.
(21) Candido A.O. Santos. O Censual da Mitra do Porto/ ... l , Porto, 1973, 347; LA. Pinto Ferreira,
Visitas de saída às embarcações entradas na barra do Douro nos séculos XVI e XVIl. Porto, 1977, 94-95.
e 2
) A. Cioranescu, ob. cit., I, 318-319; II, 20; Francisco Moralles Padron, «Canárias en el Archivo de
Protocolos de Sevilha", in A.E.A, n." 10. 1961,252; Manuel Lobo Cabrera, Protocolos de Alonso Gutiérrez,
35-37; F. Clavijo Hernandez, "Los documentos de fletamentos ... ", 45; José Maria Madurell Marinón, "Los
seguros y el comercio en las islas de la Madera y Canárias», in A.E,A, n.? 5. 488; Eduardo Aznar Vallejo,
ob. cit.« 339-342.
e 3
) Manuel Lobo Cabrera, «El comercio entre Portugal y Canarias en el quinientos ... ", in Congresso
Internacional. Os descobrimentos e II Europa do Renascentismo, Lisboa, 1983 (no prelo).
e 4
) Manuel Lobo Cabrera, La esclavitud en Las Canarias orientales em el siglo XVI. Las Palmas, 1982; A.
Cioranescu, ob. cit.• II, 21.
e s ) A.H.P.L.P., Protocolos Bernardino de Pedro de Cabrejas, n.? 856, fl: 43; Idem, Protocolos de
150
A manutenção e incentivo do comércio das Canárias em Portugal dependeu, em grande
medida, da forte presença da comunidade portuguesa nas ilhas de Gran Canaria e Tenerife;
de um modo geral o comércio e o transporte eram assegurados por portugueses, que
surgiram nestas ilhas sob a condição de estantes 6 ) . e
Se no caso das relações das ilhas com os reinos peninsulares os laços e imperativos de
soberania destes territórios, aliados á tendência monopolizadora da burguesia metropolitana,
impuseram um estreitamento de contactos e de comércio com a Península, no que respeita
aos mercados nórdico e mediterrânico as ilhas afirmaram-se pelos seus produtos, impostos
pela nova economia de mercado, o açúcar e pastel. Para além disso, as insuficiências da
indústria peninsular traduziam-se muma procura de novos mercados capazes de satisfazer o
gosto, cada vez mais apurado da nova aristocracia e da nova burguesia; se é certo que os
artefactos de uso diário poderão ser encontrados na península, outros há que escasseiam nas
suas praças, havendo necessidade de os importar de Itália, Flandres e Inglaterra. Para esta
nova classe dirigente a ostentação da riqueza surge como uma forma de afirmação social e
política, sendo exteriorizada por meio do uso de produtos flamengos e italianos; deste modo.
os panos peninsulares são preteridos em favores dos riquíssimos tecidos de Ypres, Ruão e
Londres.
Na Madeira esta ostentação traduz-se na compra de uma campa em Flandres ou na
aquisição de valiosas pinturas flamengas que depois ornamentavam as capelas dos morgados
mais importantes da ilhae 7 ) . Em 1546, João Lourenço Leitão refere ter comprado o
retábulo de Nossa Senhora da Piedade do Mosteiro de S. Francisco em Flandres por trinta e
e
sete mil reais s ). E, em 1566, quando do assalto francês à cidade do Funchal, Frutuoso
refere o saque de valiosos móveis, «porque pela maior parte, pelo trato dali, a mais e maior
riqueza daquela terra eram jóias e ricas peças de móveis ricos, que mandavam fazer de
Flandres e outras partes pelos constantes e forasteiros, a troca de mercadorias da terra e de
suas novidades, sem estimarem nem sentirem a compra e custo de semelhantes coisas, ainda
e
que custosas ... » 9 ) .
Gaspar Frutuoso referindo-se a S. Miguel, dá conta que Diogo Nunes Botelho, um dos
principais proprietários da ilha, mandava vir de Flandres, Inglaterra e Sevilha alfaias e
vestidos a troco do pastel eo).
Para a burguesia ou para a aristocracia insulares, enriquecidas com o comércio do
açúcar ou do pastel, os créditos arrecadados serviam apenas para a sua ostentação e
afirmação no acanhado meio em que viviam. As restrições impostas pelo meio geográfico
impelem-nas para essa forma de investimento do capital, pondo de 'parte a sua possível
revalorização na actividade de troca.
O pastel, o açúcar e o vinho atraíram os mercados europeus que invadiram o mercado
insular com os vários artefactos e produtos alimentares.
Nas ilhas dos arquipélagos da Madeira e Canárias as relações com o mercado italiano e
levantino surgem, desde o século XVI, sedimentadas pelos mercadores e agentes das
Bernardino Rosales, n.? 889, fi. 149, idem, ibidem, 888, fi. 599 v.", citados por Manuel Lobo Cabrera, "EI
comercio entre Portugal y Canarias ... ".
("6) Manuel Lobo Cabrera (lbidem) refere que 70 % das transacções com Portugal foram feitas por
portugueses e destes cerca de 54 % são originários dos portos do destino, entre os quais Lisboa, Porto, Lagos e
Tavira. Veja-se ainda Manuel Lobo Cabrera, Grupos humanos en la sociedad cana ria dei siglo XV/o Las Palmas,
1979; Elias Serra Rafols, Los Portugueses en Canarias, La Laguna, 1942.
(27) No testamento de Rui Mendes de Vasconcellos de 16 de Abril de 1519 refere-se que este mandara vir de
Flandres uma campa para a sua sepultura (A.R.M. Misericórdia do Funchal. n.? 684, fls. 54-54 v."). Sobre a
compra de pintura flamenga ii troco de açúcar pela a aristocracia fundiária madeirense, veja-se Manuel C. de
Almeida Cayolla Zagallo, A pintura dos séculos XV e XVI da ilha da Madeira, Lisboa, 1943; João Couto, Os
painéis flamengos da ilha da Madeira, Funchal, 1955.
("8) A.R.M.• J.R:C .• fls. 359 v. o-365, testamento de 16 de Março de 1546.
e 9
) Saudades da Terra, L.
0 II, 333.
eo) Ibidem, L.0 IV, vol. II, 65-67.
151
principais sociedades italianas, que participaram activamente no lançamento dos fundamen-
tos desta sociedade insular.
Desde meados do século XVI que a Madeira penetrara com o açúcar nos mercados
nórdico e mediterrânico e estabelecera rotas de comércio com as principais praças dessas
áreas; o açúcar madeirense passou, desde então, a circular com abundância no mercado
europeu, concorrendo com o da Sicília e Medinat'").
A importância do comércio com as praças da Eucrásia, Bruges, Flandres e Meldeburgo
toma-se bem clara, já em 1485, em face da interdição desse trato e suspensão dos
privilégios aos mercadores flamengos aí residentes (32). Esta era a forma de represália mais
adequada contra a guerra nestas paragens.
Para os portos nórdicos exportava-se quer açúcar, pastel e urzela, quer algodão e
e
escravos 3 ) ; em troca, a ilha recebia os panos (Londres, Escócia, Ruão) , cereais e peixe
seco ou salgado 4 ) .e
Nos contactos com o mundo mediterrânico distinguem-se três áreas: as praças espanho-
las de Sevilha, Valência e Barcelona, as cidades italianas (Génova, Veneza, Livorno) e o
Levante. As primeiras funcionaram como mercado de consumo do açúcar, e centros de
e
redistribuição deste produto no mercado levantino s ). Para a última região bem como para
as cidades italianas, além do açúcar, exportavam-se escravos, tábuas de cedro e vinhático
urzela, pastel e couro, a troco de panos, trigo e objectos de luxo r"). Dos portos de
Barcelona e Valência recebiam-se habitualmente os panos de Castela, que surgem com
e
muita frequência no mercado madeirense 7 ) . Muito antes de 1417 os panos castelhanos, de
importação directa ou indirecta, vendiam-se no mercado madeirense, pelo que o monarca
definiu como forma de represália, em face de guerra com Castela, a queima dos que
e
estivessem à venda s ). Nesta última década quatrocentista está documentado o comércio
desses panos e de cereais a partir da costa da Catalunha, Valência, Cádiz, a troco de
açúcarr").
C1 ) A.R.M., C.M.F., t. I, fls. I-I v.", 14 de Julho de 1469, carta do infante D. Fernando sobre o trato do
açucar, aí refere a concorrência do açúcar da Sicilia e Medina, publ. in AB.M., XV, 45-47.
(32) Ibidem, fls. 21-22 v:", 22 e 23 de Junho de 1485, alvarás régios sobre o comércio de açúcar, publ. in
A.H.M.,XVI, 187-188.
C3 ) A 7 de Julho e 1524 Pero Anes despachou em Santa Cruz para Londres no navio de Francisco Lopes
trinta quintais de urze1a; a 12 de Julho, Manuel de Brito despachou para Flandres no navio de Vasco Domingues
duas sacas de algodão; a 9 de Setembro o rendeiro João Gonçalves Ferreira e Diogo Lopes despacharam, cada um,
uma escrava para Londres no navio de João Esteves (A.M:T.T., N.A. n.? 724). A única exportação de pastel que
se conhece na Madeira doi feita em Março de 1537 por Diogo Gonçalves no navio Santa Maria das Areias, para
Flandres (V. Rau, A exploração e o comércio de sal em Setúbal, Lisboa, 1961).
C4 ) Em 26 de Fevereiro de 1596 Joam de Berberage e Garcês (?), alemão, declarou em vereação cento e
cincoenta caixas de sardinha e trinta varas de pano da Escócia (A.R.M., C.M.F., n.? 1312, fl. 22). Em diversos
testamentos da Misericórdia do Funchal surgem algumas referências a panos dessas proveniencias; Veja-se
A.R.M., Misericórdia do Funchal, n.o,712, fl. 52 v.", 19 de Agosto de 1511, pano de Londres; Ibidem, n.? 684,
fl. 153 v.", 27 de Novembro de 1560, pano de França; lbidem, n.? 684, fls. 640-642, 26 de Novembro de 1589,
pano de Ruão; ibidem, n.? 710, fi. 17-21, 13 de Maio de 1490, pano de Ypres. Em 1531 Álvaro Pardo de Ruão
envia três navios bretões com trigo e panos de Ruâo para carregar açúcar e especiarias em Sevilha ou Lisboa (M.
MolIat, Le comerce maritime normand ... , Lisboa, 1925, 163.
CS) Domenico Gioffré, Documenti sulle relazioni fra Genova ed ii Portogallo dei 1493 ai 1539. Roma,
1961, 180-182; José Maria MadurelI Marinón, art. cit.. does. n.? 3 e "46.
(36) Virginia Rau, Portugal e o Mediterrâneo no século XV ... , Lisboa, 1973, 15, Jacques Heers, Genes au
XV- siécle, Paris, 1971, 317. A 10 de Janeiro de 1524 Esteano Romano despachou em Santa Cruz na nau de
Simão Vaz .para Livorno, vinte tábuas de vinháticos e cedro, três escravos e uma escrava e noventa couros de Joam
Novo (A.N.T.T., N.A .. n.? 724).
C7) Nos testamentos da Misericórdia do Funchal surgem algumas referencias a panos de Castela: A.R.M.,
Misericórdia do Funchal, n.? 684, fi. 336, 25 de Março de 1507; lbidem, n.? 684, fi. 326 v.P, 28 de Abril de
1541; Ibidem, n.? 684, fi. 153 v ,", 27 de Novembro de 1560.
CS) A.R.M., C.M.F.. n.? 1296, fl. 24 v.", vereação de 7 de Agosto de 1471.
C9) José Maria MadurelI Marinón, art. cit., 489, 502-507.
152
o comércio canário, baseado nos mesmos produtos que o madeirense, será um forte
concorrente na disputa dos mercados nórdico e mediterrânico (40). Os produtos dos dois
arquipélagos surgem, lado a lado, nas praças de Londres, Anvers, Ruão e Génova. A única
vantagem do madeirense resultava deste arquipélago ter sido o primeiro a penetrar com o
açúcar e o vinho no mercado europeu, ganhando a preferência de vendedores e consumidores.
O comércio deste arquipélago com as principais praças europeias fazia-se com assi-
duidade a partir das ilhas de Gran Canária e Tenerife; este movimento comercial terá
adquirido uma importância primordial nas trocas externas do arquipélago uma vez que no
período de 1549 a 1555 há notícia de cinquenta e oito partidas ou chegadas de navios no
percurso de Anvers às Canárias (41).
Segundo A. Cioranescu o comércio da ilha de Tenerife fazia-se com maior assiduidade
com os Países Baixos, sendo apenas limitado pelas guerras e pelos conflitos religiosos (42);
contudo o tráfico mais importante do porto de Santa Cruz orientava-se no sentido da
Inglaterra, baseando-se na oferta de vinho e urzela r'"): esse. comércio deveria ser resultado
da abertura do porto de Bristol ao tráfico com as Canárias, proposta em 1538 por Carlos V(44).
Na ilha de Gran Canaria o comércio nórdico, nomeadamente com a Flandres, estava
em função do açúcar; no entanto os flamengos só surgem aí a partir de 1532 e, com toda a
pujança, na década de 50 (45); esta ilha recebia uma variedade de produtos manufacturados
de que sobressaem os tecidos de diversas qualidades, oriundos dos mercados de Anvers,
Ruão, Holanda e Gante (46); estes produtos eram transaccionados com dinheiro e açúcar por
mercadores genoveses e flamengos, distinguindo-se neste grupo Bernardino Anehesi,
Jerónimo Lerca, Lamberto Broque, Sébastian Búron e Jerónimo Fránquez.
No arquipélago açoriano o comércio europeu orientava-se fundamentalmente, para as
praças nórdicas (Inglaterra, Flandres, Holanda), com uma indústria textil importante, uma
vez que este arquipélago era um dos principais produtores de pastel de mercado insular no
século XVI (47).
O comércio das ilhas com o litoral africano fazia-se com maior assiduidade a partir das
Canárias do que da Madeira ou dos Açores; mas a Madeira, no século XV, manteve uma
acção muito importante nesse comércio, quer como porto de escala, quer como entreposto
de comércio. Os madeirenses tiveram uma participação activa nas viagens de exploração
geográfica e no comércio no litoral africano, surgindo o Funchal, nas últimas décadas do
século XV, como um importante entreposto de comércio de dentes de elefante(48).
(40) F. Clavijo Hernandez, «Los documentos de fIetamentos .. ,,,,48; E. Marco Dorte, «Descriptión de ~as
yslas Canárias", in Revista de História. IX, 1943, 203; Manuel Lobo Cabrera, La esclavitud em las Canarias
orientales en el siglo XVI, 161-162. •. . .
(41) E. Stols, «Les Canaries et l'expansion coloniales des Pays-Bas rnérídionaux ... » ln IV .C.H.c..~"
vol. I, 908; J.A. Goris, (Ob. cit., 157, 165, 167) refere o envio de três naus de Anvers (1508-1540) as Canárias
para comprar açúcar.
(42) Ob, cit., II, 21-23. • . . . .
(43) A. Cioranescu, ob. cit .. II, 23; Francisco Morales Padron, Cedul~:'o de Canar~~s. vol. I, ~evllh~,
1970, o. 368, n.? 285, 4 de Maio de 1583; E. Conzález Yanes, «lmportaclOn y exportacion en Tenerife», ln
Revista de História. n.? 101-104, 82. Em 1557 Thomas Nichols (ob, cit., 85) teria exportado para Inglaterra peles
de. cabrito.
(44) Clarence H. Haring, oh. cit .. 23.
(45) Manuel Lobo Cabrera, « EI comercio entre Gran Canaria y Flandes hasta 1558... 32-33.
(46) Idem, Indices y Estractos . . . 16, 45; 1. A. Goris, ob. cit.• 295-306.
(47) Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra. L.0 IV, vol. II, 16; Carreiro da Costa, «A cultura do pastel nos
Açores ... ", 16-17. Em 1571 Fernão Jacques, mercador flamengo, despachou fazendas em Ponta Delgada ~ara
comprar pastel (B.P.A.P.D., Fundo Ernesto do Canto . ..Extractos de Documentos Michaelenses", vol. V. L. , 1
do registo da alfandega de Ponta Delgada, fi. 248). . . .
(48) A.R.M., C.M.F .. registo geral, t. I, fi. 146-146 v", 25 de Junho de 1470, carta regia, pubI. ln A.H.M.
XV, 51-52; Ibidem,fIs. 274-274 v", 24 de Maio de 1497, carta régia, publ. in A.H.M., 366-367; A. A. Sarmento,
A Madeira e as praças de África. Lisboa, 1932, 46-47.
153
20
As facilidades concedidas pela coroa portuguesa ao comércio com as praças marroquinas
e do golfo da Guiné conduziram à intensificação do comércio madeirense no litoral
africano (49); tomava-se necessária a abertura do comércio naquele golfo da Guiné como
forma da Madeira adquirir a mão-de-obra escrava necessária à laboração do açúcar.
Saliente-se que na segunda metade do século XVI a crise açucareira é atribuída pelos
madeirenses à falta de escravos africanos, pelo que em 1562 a coroa autoriza os produtores
de açúcar a enviarem, por prazo de dois anos, duas embarcações para os adquirir à Guiné e
Cabo Verde (50). Cinco anos volvidos nova autorização faculta a aquisição de escravos,
anualmente, em Cabo Verde ou outras partes (51).
Em resumo, o comércio madeirense na costa ocidental africana desenrolava-se em mais
de uma frente: praças marroquinas, Cabo Verde e Golfo da Guiné. Para a primeira a ilha
fornecia vinho, vinagre, trigo a troco de gado vacum e miúdo (52); na segunda e na terceira
trocava o vinho por couros finos, peixe salgado,chacina e escravos (53). O açoriano
alheara-se, quase por completo, do comércio com o litoral africano, pois o seu distan-
ciamento em relação a esta área, e a sua forma de exploração económica, não o favo-
reciam (54); os contactos e a permuta, que se restringiam à costa marroquina, estabeleceram-
-se por imposição régia, tendo como finalidade o abastecimento em cereal das praças
portuguesas (55); tal comércio ter-se-ia iniciado no terceiro quartel do século XV, altura em
que a Madeira se achava impossibilitada de o fazer, não obstante a referência do primeiro
envio de cereal surgir em 1516(56); a rota de abastecimentos orientava-se na direcção das
praças do sul (Azamor, Mazagão, Santa Cruz, Safim). A partir do século XVI a coroa
coloca nela o seu empenho, definindo-a como prioritária no escoamento do cereal açoriano;
a sua arrecadação e envio fazia-se por meio de regimento real, entregue aos contratadores de
Lisboa que tinham nas praças de Angra e Ponta Delgada os seus representantes (57). Deste
modo esta rota, para além de ser imposta pela coroa, tinha o seu ponto de origem em Lisboa
e nos Açores apenas a escala de carga, (nos portos de Ponta Delgada e Angra); por vezes o
porto dó Funchal servia-lhe de escala de apoio ou de redistribuição do cereal para as praças
marroquinas.
O comércio canário na costa africana era muito activo, actuando os vizinhos deste
arquipélago, quer na Berberia, quer na Guiné e em Cabo Verde; na primeira área todo o
movimento comercial girava em tomo da Torre de Santa Cruz de Mar Pequena, tendo como
(49) lbidem, fls. 274-274 v.", já cotado; idem, DA., cxa. II, 189, 1 de Agosto de 1561, carta de
D. Catarina autorizando o envio por dois anos de duas embarcações a Safim e Cabo Gué a comerciar; Ibidem,
cxa. II, 181, 6 de Novembro de 1567, sobre o mesmo do anterior.
(50) Robert Ricard, «Les places luso-marocaines et les iles ... ", in Anais da Academia Portuguesa de
História, rn, Lisboa, 1949, 402-410.
(51) A.R.M., D.A., cxa. II, 193, Lisboa, 16 e 30 de Outubro de 1562, autorização para o resgate de
escravos na Guiné e Cabo Verde por dois anos.
(51) A. A. Sarmento, ob. cit.. 47. Em ·1551 Jerónimo Fernandes de Lisboa importou trinta mil chacinas de
Cabo Verde (A.R.M., C.M.F., n.? 1309, fls. 102 v:", 23 de Janeiro) e em 1596 João Gonçalves vendeu trezentas
chacinas de Cabo Verde a reis o arratel (Idem. n. o 1312, fi. 34, 27 de Abril).
(53) Idem, C.M.F., registo geral, t. III, fls. 137 v.o-138, Lisboa, 15 de Setembro de 1567, licença para o
resgate de escravos em Cabo Verde por cinco anos. Veja-se A. A. Sarmento, Os escravos na Madeira, Funchal,
1938; Frédéric Mauro Le Portugal et I'Atlantique au Xlll» siécle ... 185; Vitorino Magalhães Godinho, Os
descobrimentos e a economia mundial, vol. IV, 171.
(54) Gaspar Frutuoso (ob. cit., L.? Ill , 1971, 178) refere que em 1572 apartou à ilha de Santa Maria um
patacho de Arguim com cação.
(55) Helder de Sousa Lima, Os Açores e a economia atlântica . . ., 173-178; Alberto Vieira, «A questão
cerealífera nos Açores nos séculos XV-XVI. .. ", 16-167, 174-176, 179; Maria Augusta Limá Cruz, ,,0 trigo
acoriano em Marrocos (século XV!)", in Os Açores e o Atlântico (Séculos XIV-XVI!), Angra do Heroísmo, 1984,
625-648.
(56) Alberto Vieira, ibidem, 164-167, 174-176, 198-199.
(57) Ibidem, 164-167.
154
objectivo fundamental o comércio de escravos negros (58). A intervenção canária assumia o
triplo aspecto de comércio. assalto e resgate (59).
O tráfico com as praças portuguesas baseava-se no abastecimento de cereais sendo o
arquipélago utilizado apenas como escala para as embarcações que partiam de Lisboa ou
Sevilha (60).
Segundo Teixeira da Mota «as Canárias constituíam o principal foco das navegações
clandestinas dos castelhanos para a Guiné», envolvendo nesse tráfico ilegal pilotos portu-
gueses ao serviço dos mercadores castelhanos ou nacionais (61). O principal móbil dessa rota
era o comércio de escravos, que se intensifica a partir de meados do século XVI. O porto de
Las Palmas surge nesse contexto não só como importante mercado de comércio de escravos
com a Europa, mas também como centro de despacho de escravos para as Índias ou de
expedições a Cabo Verde e à Guiné, com a finalidade de transportar escravos ao litoral
americano (62).
Este comércio organizado a partir das Canárias ou de Cádiz, era de um modo geral
ilegal, sendo feito à margem da casa de Guiné. Perante isso o monarca português reclama
em 1516, junto da coroa castelhana, contra os assaltos canários em Arxiel e Guiné, ao
mesmo tempo que, em 1549, envia Aires Cardoso a residir nas Canárias com a dupla
finalidade de adquirir vinho para as armadas da India e «de vigiar e olhar os que daly armao
muytas pesoas para a Mina e Costa da Guiné e levam mercadorias defesas com que
tratam» (63).
O comércio canário-americano no .século XVI aparece como uma grande esperança
de fonte de riqueza para a população peninsular avizinhada no arquipélago (64). A
implementação desta rota de comércio transatlântico resulta de uma multiplicidade de
factores que a favoreceram e intensificaram; ao factor geográfico alia-se oeconórnico e
o político, pois a manutenção da rota não resulta exclusivamente da posição do arqui-
pélago no traçado das linhas marítimas que ligam Sevilha à América, mas também
porque uma série de condicionantes favorece esses laços; nela, são de realçar a disponibi-
lidade de recursos humanos, técnicos, materiais e a relativa liberdade comercial até
1564(65).
A criação da Casa de la Contractacián em Sevilha (15'03) veio dificultar o comércio
das Canárias, fazendo-o depender de um regime de licenças anuais. Todavia os canários
escapavam-se com facilidade ao olhar atento do juíz oficial, pelo que a coroa, penalizada
(58) Pierre Chaunu, Séville et l'Atlantique, t. VIII, vol, I, 351-353; A. Rumeu de Armas, «La Torre de
Santa Cruz de Mar Pequena, em segunda fundación», inA.E.A .. n.? 1 1955,397-477; Idem, Espana em el Africa
Atlantica, 2 vols., 1956-1957, 530-533, 556; Idem, Piraterias y ataques navales contra las islas Canarias, vol, I,
Madrid, 1947,348; Idem, Las Viajes de John Hawkins a América (1562.]565). Sevilha, 1947, 80-86.
(59) Gaspar Frutuoso (ob. cit., L. ° I, 82) alude que o comércio com a Berberia fazia-se a partir de
Fuerteventura. Veja-se Eduardo Aznar Vallejo, oh. cit., 338; Avelino Teixeira da Mota, «Viagens das Canárias à
Guiné no século XVI.. .», in III C.H.C.A .. vol. II, 223.
(60) Maria Augusta Lima Cruz, art, ctt., 639-645; Manuel Henrique Corte Real, A feitoria portuguesa na
Andaluzia (/500-1522), Lisboa, 1967.
(61) Oh. cit., 231-233.
(62) Manuel Lobo Cabrera, La esclavitud en las Canarias orientales en el siglo XVI, Las Palmas, 1980;
Idem, «Relaciones entre Gran Canaria y Índias ... ", 132-133; Francisco Morales Padrón, «Fondos canários en el
Archivo de Índias» in A.E.A., n.? 24-25; 464, 523.
(63) Archivo General de Simancas, Registo General deI Sello, 27 de Agosto de 1516; A.N.T.T., Colecção
de S. Vicente, livro 5, fls, 366-367 v:", cito por A. Teixeira da Mota, art. cit., 225.
(64) Sobre o comércio com a América vejam-se os estudos de Francisco Morales Padrón, José Peraza de
Ayala, António Rumeu de Armas, Augustin Guimera Ravina e Manuel Lobo Cabrera, na Bibliografia.
(65) A. Guimera Ravina, «Canárias en la carrera de Índias (1564-1778)", in Historia General de las islas
Canarlas, IV, 170; Idem, "La financiación dei comercio de Garachico con las islas (1566-1612).. in II C.H.C.A ..
vol, 1,261-282; Francisco Morales Padrón, «Las relacíonescanario-arnericenas-. in Historia General delas islas
canarias, m, 322-323.
155
nos seus interesses e monopólio, procurou coibir os insulares dessa prática, criando, a partir
de 1564, juízes de registo para ilhas, nomeadamente em La Palma, Tenerife e Gran
Canaria (66). Esta necessidade de regulamentação rigorosa do trato comercial resultava do
intenso contrabando feito a partir das ilhas, por castelhanos e portugueses aí residentes ou
estantes.
O principal móbil de tal comércio era, sem dúvida, o vinho canário, as manufac-
turas europeias e os escravos; estes eram transaccionados por portugueses e caste-
lhanos, num circuito de triangulação que envolvia as Canárias, Cabo Verde e o litoral
americano (67).
Para a Madeira e os Açores o destino e mercado americano surgia de modo muito
diferente; não há referência a um comércio assíduo com ele; os vizinhos de ambos os
arquipélagos situam-se numa posição excêntrica e só muito mais tarde se aperceberam das
possibilidades da troca nesses domínios; de facto apenas a partir de finais do século XVI
açorianos e madeirenses penetrarão em força com o seu vinho no mercado americano; até
lá restava-lhes aguardar a chegada das naus da Índia e Índias e aspirar por um lucro fácil
com o contrabando (68); mas os monarcas peninsulares fizeram gorar essas aspirações por
meio de um apertado sistema de vigilância às naus das rotas, a partir das ilhas das Flores
e Corvo.
O porto do Funchal, não obstante a sua posição marginal em relação ao traçado das
rotas de retorno, manteve uma acção importante nesse comércio ilegal. Em 1520 o monarca
português recomendava à Fazenda Real na ilha o maior cuidado no envio ao reino de
mercadoria da nau de D. Diogo de Lima, que aportara ao Funchal com mercadorias da
Índia (69); e em 1581, Filipe I de Portugal solicitava o maior zelo e ligeireza na descarga de
uma nau que aí chegara com ouro, prata e mercadorias das Índias COlo
Em face destas eventualidades, Filipe I proibiu terminantemente qualquer aportagem e
descarga das naus oriundas das Índias no porto do Funchal, mandando proceder contra os
transgressores; segundo diz, era usual «alguns navios, caravelas cabreas, urcas e patachos
derrotados e em outra maneira, de alguns puertos e partes de las Índias deI Mar Oceano com
oro, plata, mercadorias y todas cosas contra las ordenanças de la dita casa de la contratación
da ciudad de Sevilha" (71).
As ligações entre a Madeira e o litoral americano incentivaram-se, após a quebra de
produção açucareira, com o crescimento do comércio do vinho madeirense; um e outro
produto estão, de resto, ligados. A falta de açúcar no mercado madeirense e a sua incessante
procura levou os mercadores, ligados ao seu tráfico nesta praça, a especular com o açúcar
brasileiro, fazendo-o passar como da Madeira; em 1596, por exemplo, João Gomes de
Castro, fidalgo, e António Francisco, mercador, fretam um navio para transportar do Brasil
quinhentas arrobas de açúcar a fim de ser baldeado numa nau francesa de Gran Canaria com
destino a Sevilha ou San Lúcar(72).
(66) Idem, Canárias y América . . ., 37-38; A. Cioranescu, ob. cit.. II, 42-43.
(67) Manuel Lobo Cabrera, «Gran Cariaria y Índias ... », 130-131; A. Cioranescu, ob. cit., 59; Francisco
Morales Padrón, «Canárias en los cronistas de Índias», in A.E.A., n.? lO, 1964, 222-225.
(68) Eufemio Lorenzo Sanz, ob. cit., voI. II, 27; Artur Teodoro de Matos, Os Açores e a carreira das Índias
no século XVI, Lisboa, 1983 (sep.); Helder de Sousa Lima, ob. cit., 241,264 Antonia Heredia Herrera, Catálogo
de las consultas dei Consejo de Indias, vol I, 169. Em 1578 o provedor das armadas mandara proceder contra a
nau de Pantaleão Saavedra Domingos (B.P.A.P.D., Fundo Ernesto do Canto, «Extractos de Documentos
Michaelenses-, vol. VIII, n.? 219, 19 de Junho de 1578).
(69) A.N.T.T., c.e., II-89-137, 26 de Abril de 1520.
('0) A.R.M., D.A., cxa. II, 215, Sintra, 3 de Outubro de 1581; V. Fernandes Asis, Epistolario de Filipe
Ill, Madrid, 1943, p. 223, n.? 1114, Lisboa, 13 de Janeiro de 1582.
(71) Idem, C.M.F., registo geral, t. I, fi. 216, referenciado por Joel Serrão, "Holandeses e ingleses em
portos de Portugal no domínio filipino » , in D.A.H.M., n.? 3, 1950. 9-13.
('2) José Gonçalves Salvador, Cristãos novos e o comércio no Atlântico meridional, S. Paulo, 1978,
253-257.
156
Conhecido esse comércio fraudulento o monarca exarou a sua proibição em 1591 (73).
No entanto os mercadores naturais ou estantes na ilha teimavam em manter esse comércio
especulativo com o açúcar brasileiro, pelo que os vereadores e procurador do concelho
reclamam junto da coroa, referindo o prejuízo causado por essa prática aos lavradores de
açúcar e à Fazenda Real (4); em resposta, Filipe I dá força à provisão de 1591, ordenando
«que nenhum navjo que vier asuquares ou quoaisquer outras fazemdas das partes do
Brazil. .. não possa descarregar em outro allgum senão nos portos deste rejno omde
presentarão certidam dos portos domde partirem ... não possam yr descarregar aos portos
da dita ilha da Madeira ... » (5).
(3) A.R.M., C.M.F.,.registo geral, t. III, fi. 44 v.", carta régia sobre a descarga de açucar do Brasil.
(4) A.R.M., D.A., cxa, IV, 504, vereação de 17 de Outubro de 1596.
(5) Ibldem, t. III, fls. 12 v.o-14 v:", Lisboa, 3 de Dezembro de 1598, petição da camara do Funchal sobre o
açúcar do B rasi!.
157
PÀ<ilNA r~ BI!ANCO
CONCLUSÃO
PÀ<ilNA r~ BI!ANCO
Nesta análise comparativa dos três arquipélagos atlânticos (Canárias, Madeira e
Açores) evidenciamos a similitude do processo de desenvolvimento sócio-económico,
diferenciado apenas nas assimetrias naturais e na diversa política das coroas peninsulares.
Tal circunstancialismo salientou-se como um mecanismo propiciador de uma constante
aproximação destas dezoito ilhas, sendo concordante com o epíteto comum de Mediterrâneo
Atlântico. criado e consagrado pela historiografia ocidental.
Este Novo Mundo insular, colocado às portas do Atlântico Sul, não foi apenas ponto de
lançamento para a afirmação da hegemonia peninsular no Atlântico. Mais do que isso,
evidencia-se nestes dois séculos como uma área adequada às necessidades e solicitações da
nova economia de mercado. As palpitações do ilhéu surgem nesse rumo, que traçou uma
selecção criteriosa dos produtos e técnicas. As coroas e as gentes peninsulares intervêm
constantemente neste mercado, que criaram e lançaram nas praças europeias.
À permanente e sempre actuante comunidade peninsular associam-se desde o início os
elementos mais proeminentes do tráfico internacional nórdico e mediterrânico. Na Madeira
e nas Canárias as colónias italiana e flamenga, esquecem os conflitos religiosos e unem-se
em prol de uma causa comum: o comércio. Italianos e flamengos aparecem nesses
arquipélagos atraídos pelo comércio do açúcar, tal como os ingleses aparecem nos Açores
impelidos pelo trato do pastel.
As rotas de ligação do mundo insular às suas origens europeias foram, sem dúvida, as
mais importantes do comércio externo das ilhas nos séculos XV e XVI. A sua manutenção e
intensificação resultaram da existência de produtos e mercados adequados às trocas europeias.
Ao europeu as ilhas surgem, como um novo mercado capaz de suprir as suas necessidades
ou solicitações e, ao mesmo tempo, de consumir os seus artefactos. A situação salienta-se
pela troca desigual, em muito favorável ao europeu, e pela excessiva dependência do
mercado insular ao Velho Mundo.
O desmesurado peso da acção europeia, africana e americana condicionou uma
acentuada desvalorização das não menos importantes formas de contacto e comércio no
mercado insular. As trocas e relaçõesinter-insulares, porque fora desse âmbito tradic~onal ou
pela sua propalada pouca importância, não mereciam aí qualquer referência de relevo. No
entanto, como tivemos oportunidade de afirmar, essas conexões insulares marcaram profun-
damente a vivência da sociedade e da economia insulares. A vizinhança, as facilidades,
aliadas à complementaridade e similar nível ,de desenvolvimento do processo sócio-econó-
mico dos três arquipélagos, sedimentaram uma rede de inter-relações; nela a Madeira,
mercê da sua posição charneira entre os dois arquipélagos do extremo ocidental e oriental,
deteve uma acção importantíssima, sendo um elo significativo para a manutenção desses
contactos.
161
21
o Novo Mundo atlântico dominado pelo litoral americano, surge para os insulares mais
como o sonho do que como uma realidade; ou, se quisermos: uma esperança, cuja
concretização é travada pela hegemonia e monopólio das principais praças peninsulares. E a
sua realização, quando surge, não é uniforme nos três arquipélagos, antes se afirma de
modo desigual, de acordo com o posicionamento de cada grupo de ilhas no traçado das rotas
transatlânticas.
Alguns dos objectivos, inicialmente definidos, não puderam ter neste livro desen-
volvimento, em consequência da falta de documentação disponível para o período em
estudo. Assim, por exemplo, a análise do comércio inter-insular, que pela pouca informação
existente já se mostra como importante na economia insular, não mereceu o ambicionado
desenvolvimento por falta de seriações exaustivas de documentação nos três arquipélagos.
Por outro lado essas lacunas impossibilitaram-nos de proceder a uma indagação alargada da
componente social; apenas nos foi possível fazer uma quantificação aproximada dos
principais grupos de agentes e das comunidades locais ou forasteiras que os formam.
Esperamos que as maiores disponibilidades documentais do século XVII nos permitam, num
futuro muito próximo, colmatar essas lacunas e aprofundar os domínios aqui abordados.
162
ANEXO
QUADROS
ABREVIATURAS E SIGLAS
164
QUADRO N.o I
MERCADORES NA MADEIRA SÉCULOS xv A XVI
165
Mercador Data Proveniência Morada Observações
166
Mercador Data Pruvenlêncta Morada Observações
167
Mercador Data Provenjêncla Morada Observações
168
Mercador Data Prnveniêncía Morada Observações
169
22
Mercador Data Proveniência Morada Observações
170
Mercador Data Provenlêncta Morada Observações
171
Mercador Data Proveniência Morada Observações
-------
Simão Lopes 1589 S. Miguel Funchal Est.
Tomás Lopes 1559-1571 Machico Funchal R. se' Maria
Tomé Lopes 1566-1569 Funchal
Francisco Loureiro 1554 Funchal
Fernão Lourenço 1526-1568(+) Funchal
Francisco Lourenço 1530 Funchal
Gomes Lourenço 151I Funchal R. Direita, Vereador
João Lourenço 1486- 1558 Funchal Homem Bom, proprietário
Pedre Lourenço 1461-1513 Funchal Homem Bom
Alvaro de luco 1517 Ribeira Brava E,1.
Âlvaro Luis 1486-1536 Funchal
Anríque Luís 1538 Faial (Açores) Funchal
António Luís 1534-1541 Funchal
Custódio Luis 1561-1579 Funchal
Diogo Luís 1517-1590 Funchal Juiz de alfândega
Fernam Luís 1469 Funchal
Francisco Luis 1563-1575 Funchal
João Luís 1485-1553 Funchal R. Direita, Homem Bom, Vereador,
proprietário, estimador
Pedro Luís 1482-1583 Funchal
Diogo de Lymosora 1541 Funchal
Simão de Liscano 1557 Funchal
Diogo Rabello Machado 1595 Funchal
Francisco Machado 1565-1583(+) Guimarães Funchal
Paulo Machado 1597 Funchal
Fernão Magalhães 1583 Funchal
Francisco Reis Magalhães 1596 Funchal
Gastão dc Magalhães 1535 Funchal
Pedro Marim Magalhães 1590 Funchal
João Gonçalves Melacarne Séc. XVI Flandres Funchal
Domingos de Maia 1597 Funchal
Maxirnilano Mais 1593 Flandres Funchal
Antônio Dias Malheiro 1531 Funchal
Matias Manardi 1517-1520 Funchal Provedor e feitor J.F. Affaitati
Gaspar Manuel 1597 Funchal
Cosmo Maguel 1596 Funchal
Diogo de Marchena 1523-1581(+) Lisboa Funchal
Gonçalo de Marchena 1534-1536 Calheta-R. a Brava Esl.
Bartolomeu Marchioni 1498-1508 Florença Funchal
Pedro Gonçalves Marino 1588-1595 Funchal
João Baptista de Marim 1535 Génova Santa Cruz Est.
Tobias de Marim 1535 Génova Funchal
Pedro de Mame 1524-1530 Romano Funchal
Martim Manei 1589 Funchal
Martim Francês 1530 França Funchal
Martinho 1509 Flandres Calheta Est.
Afonso martins 1509-1554 Funchal
ÁI varo Martins 1494-1596 Funchal Proprietário
Antõnlo Martins 1536-1570 Funchal
Bastião Marfins 1558 Funchal
Diogo Martins 1494- 1574 Funchal Vendedor açúcar, proprietário
Fernão Martins 1472-1563 Funchal
Francisco Martins 1509-1596 Funchal
Gaspar Martins 1550-1552 Funchal
Gomes Martins 1489·1494 Funchal Homem Bom, proprietário
João Martins 1485-1538( +) Funchal Proprietário, escrivão
João Martins 1509 Castela Calheta E,1.
João Martins -1539(+) Funchal R. Poço Novo
João Martins -1575 Funchal
Jorge Martins 1554.1581(+) Funchal
Manuel Martins 1550-1542 Funchal
Pedro Martins 1559-1572 S. Miguel R. João Gago
Salvador Martins 1558 Funchal
Valéria Máximo 1524 Funchal
Bemardim de Medina 1530 Bengalia Funchal
Diogo de Medina 1523 Funchal
Francisco de Medina 1591 Funchal Ponte do Cidrão
Álvaro Meireles 1530-1534 Funchal
Jorge de Meireles 1530 Funchal
lama de Melgar 1509·1513 Calheta Est.
António Mendes 1511-1582(+) Funchal R. Mercadores
António Mendes t576-1594(+) Lisboa Funchal Proprietário
Bastião Mendes 1560 Funchal
Cristóvão Mendes 1566-1571 Funchal
Diogo Mendes Parede 1580-1594 Sevilha Funchal Est.
Estevão Mendes 1552-1580( +) Funchal R. Poço Novo
Fernão Mendes 1536-1560 Funchal
Francisco Mendes 1539-1560 Funchal R. Direita
Gaspar Mendes 1552 Funchal
Gonçalo Mendes 1560- Funchal
João Mendes 1494-1576 Funchal Homem Bom. proprietário, recebedor,
almcxarife
lorge Mendes 1538-1562( +) Funchal
Luís Mendes 1494-1568( +) Funchal Homem Bom, Poço Novo
Manuel Mendes 1536-1546 Funchal
Rui Mendes Tacon 1486-1530 Funchal Homem Bom, proprietário
Luís de Mercado 1593 Funchal
Pedro de Meza 1596 Funchal
172
Mercador Data Proventêncía Monda Observações
173
Mercador Data Proveniênda Morada Observações
174
Mercador Data Proveniência Morada Observações
175
Mercador Data Proveniência Morada Observações
Fonte: A.R.M., Paroquiais-Sé, 1539-1600; A.N.T.T., N.A., n.? 744-745, 747, 724, 902, 589; A.R.M.,
Misericórdia do Funchal, n.? 684,710-711; A.R.M., C.M.F., vereações de 1473-1600; A.R.M., L.o de
Notas de Ião Tavira, 1592; A.R.M., I.R.C., 1.0 do Tombo; Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, 1.0 II,
Ponta Delgada, 1968; Fernando Jasmins Pereira, O açúcar madeirense . . . , Lisboa, 1969; Virginia Rau e
Jorge Macedo, '0 açúcar da Madeira . . . , Funchal, 1962; M. do Rosário, Genoveses na História de
Portugal, 1977; A.H.M., vols. XV-XVII_
176
QUADRO N.o 2
MERCADORES NOS AÇORES SÉCULO XVI
177
23
Mercador Data Proveniência Morado Observações
Fonte: Gaspar Frutuoso, ob. cit., 1.0, II, III e IV (2 vols.); A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, ms. 141-1-6,
141-6-13, 141-7-17, 141-6-11, 144-6-13, 144-7-17; B.P.A.P.O., Fundo Ernesto do Canto; ms, 20, 52,
56, 107; A.C.M.R.G., /.0 I de acordãos; Arquivo dos Açores, 15 vols.; Maria Olimpia de Rocha Gil, O
arquipélago dos Açores no século XVI! . . ., Castelo Branco, 1979.
178
QUADRO N.o 3
MERCADORES NAS CANÁRIAS SÉCULO XVI
179
Mercador Data Proveniincia Morada Observeçôes
180
Mercador Dala Proveniência Morada Observações
181
Mercador Data Provenlêncja Morada Observações
-----_._------
Nicolás Jans 1550-1559 Flandres Gran Canária est., v..o
Guisbec Jaquelot 1509 Tenerifc
Juan Jaques 1525-1565 Flandres La Palma v.o, esr. em Tenerife
Fernandi Jayan 1511 La Gemera V."
Alonso Jerez 1508 Tenerife V.O
R. de Jerez 1552 Gran Canária
Diego de Jerez 1550-1552 Gran Canada est.
Francisco de Jerez 1527 Castela Gran Cariaria
Juan de Jerez 1510-1521 Tenerífe est.
Rodrigo de Jerez 150g-1511 Tenerife V."
Fernando li menez 1524 Sevilha Gran Canária V."
Marcos Jimenez 1525 Flandres Oran Canária est.
Gaspar Jarbe 1520-1563 Sevilha Gran Canada est.
Luis Jorba 1520-1525 Tenerife
Amón Jóvem 1510-1531 Catalunha Tenerife V."
Jaime Jovem 1500-1524 Tenerife V."
Juan de Juambruz 1510-1511 Flandres Tenerife est,
Mateo Juan de Carbon 1507-1509 Tenerifc V_"
Bernardino Justiniano 1520-1525 Génova Tenerife V."
Tomás Justiniano 1504-1525 Génova Tenerife est.. -»
Luís de luva 1520 Tenerife V."
Diego Labrador 1516 Gran Canária
Martin de Lanaja 1507 Tenerife
Juan de L1antadillo 1522-1525 Burgos Tenerife
Pedro de L1antadillo 1522-1525 Burgos Tenerife
Gonzalo de Lara -1558 Castela Gran Canaria
Aguslin Leardo 1510-1511 Génova Tenerlfe est.
Pedro Juan Leardo 1516-1555 Génova Tenerife est., v."
Tomás Leardo 153g Génova Gran Canaria est.
Segundo Labrôn 1531 Castela Oran Canária est.
Garcia de Leôn 1511 Tenerífe est.
Juan de Léon 1510 Tenerife v.o
Marcos de Lé-on 1574-1592 Castela Gran Canaria V."
Juan de Lope 1521 Tenerífe v»
Francisco Lerca 1558 Génova Gran Canaria
Jeronimo Leres 1550 Gênova Grao Cariaria esr.
Jácome Lercaro Génova Gran Canaria V."
Juan de Llerena 1521 Tenerife C:5t., v.o
Juan de Lygrave 1597 Gran Canaria V."
Jâcome Liberal 1572 Génova Gran Canaria
Francisco Lices 1550 Flandres Gran Canaria V."
Afonso Lôpez 1550-1552 Gren Canaria V."
Diego Lépez de Portíllo 1531 Castela Gran Cariaria est.
Francisco Lôpez 1508-1522 Castela Tenerife v»
Juan Lõpez Portugal Tenerife
Juan López de I. Fuente 1510 Tenerife
Oehoa López Gran Cariaria V."
Pedro Lopez 1520-J599 Cádiz Tenerife V.o
Pedro Losada 1520·J521 Tenerife V."
Fernando de Lugo 1502-1527(+) Castela Tenerife v.", alguacil e alcalde mayor
Francisco de Lugo 1508 Gran Canaria ese.
Esteban Lois 1522-1525 Tenerife
Andrés de Luna 1511 Tenerife
Iuanoto Luna 1509 Tenerife
Pero de Luna 1510 Tenerife
Juan Lutiano 1546 Castela Gran Canaria est,
Jeronimo Macia 1535 Génova Gran Canária est.
David Mallllete 1520-1526 Flandr es Gran Canaria
Cornielles Manasc 1568-1578 Flandres Gran Cariaria esl. . v.o
Francisco Mauríque 1556-1557 Castela Gran Cariaria
Juan Marcel 1522-1525 Gran Canaria v»
Juan de Marchena 1531 Castela Gran Canerla est,
Niculoso a Marin J529 Génova Gran Cunaria
Diego de la Marina J522-1525 Gran Canária V."
Jaime Marsanz 1531 Catalunha Oran Canaria est.
Diego Manin 1520 Tenerife cst.
Francisco Martin 1521 Tenerife V.I)
Pero Martin 1507 Tenerife
Andrés Martin Barbadllho 1520 Tenerife
Juan Martin de Casrilleja 1507-1525 Sevilha Tenerife est.
Alonso Martinez 1575-1582 Sevilha Gran Canária V."
Francisco Martinez 1531 Castela Grau Canaria est,
Alouso Mérquez 1576 Gran Canária V.O
Francisco de la Mata séc. XVI Gran Canária v»
Gaspar Mateo 1523 Catalunha Gran Canaria est,
Antonio de Mayuello 1530-1532 Gênova Gran Canária v.c, regedor Cabildo
Jerónimo Mayuello -1558 Génova Gran Canaria V."
Lázaro de Mayuello 1550-1552 Génova Gran Cena-la V."
Pedro de Mena 1508 Oran Caneria v.v. est. Tenerlfe
Antonio de Medina 1550 Gran Cenarte
Bartolorné de Medina 15J6-1520 Castela Gran Canaria est., v.O
Bautista de Medina Gran Canária est.
Juen de Medina 1569 Oran Canada V.O
Juan Méndez 1520 Tenerlfe cst.
ESleban Mobtón 1507-1511 Génova Tcnerife est.. v.O
Pedro de Mérida 1522-1530 Castela Grau Canaria est.
B.nolomé de Milan 1507-1511 Génova Tenerife est.
Alon.o de Miranda 1522-1525 Castela Tenerife
Francisco Mirôn 1508-1510 Tenerife es!.
182
Mercador Data Proveniência Morada O~rvações
183
Mercador Data Proveniência Morada Observações
184
Mercador Data Proveniêocia Morada O_.1lÇÔ<lI
Fonte: Os dados foram elaborados a partir da informação dada nos protocolos já publicados e dos estudos de
Manuel Lobo Cabrera, Manuela Marrero Rodrigues, C. Camacho y Pérez Galdón, E. Otta, A. Cioranescu,
Maria Luís FabreIles; veja-se a BIBLIOGRAFIA.
185
QUADRO N.o 4
MERCADORES NACIONAIS E O COMÉRCIO DE AÇÚCAR NA MADEIRA
1500-1540
Décadas
Mercador Total
1501-1510 1511-1526 1521-1530 1531·1540
186
Décadas
Mercador Tolal
1501·1510 1511·1520 1521·1530 1531·1540
------------------_._--
João Ferreira 26 ]f) 55
António de Freitas 66 66
Gonçalo Gil 23,5 23,S
João de Góis 36 36
Álvaro Gomes 52,5 52,S
António Gomes 80 80
Gonçalo Gomes 62 63
Pedro Gomes 225 230
Afonso Gonçalves 40 40
Álvaro Gonçalves 102 12 114
André Gonçalves 6 49 55
Antônio Gonçalves 52 13 66
Baltasar Gonçal ves I I
Bartolomeu Gonçalves 329,5 329,5
Diogo Gonçalves 76,S 10 77,S
Domingos Gonçalves 136,5 136,5
Bsrevüo Gonçalves 7 7
Fernão Gonçalves 67 30 97
Francisco Gonçalves 100,5 II 111,5
Gonçalo Gonçalves 49 50
Graviel Gonçalves 18 239 257
João Gonçalves 299.5 84 43 632 1058,5
Jorge Gonçalves 21 167 8 196
Murtim Gonçalves 38 144 I 183
Pedro Gonçalves 81 14,5 5,5 101
Rui Gonçalves 60 60
Sebastião Gonçalves 164,5 37 202,5
Vicente Gonçalves 1 I
Francisco Guerreiro 50 50
João Jácorne 93,5 93,5
Pedro Jorge 24 24
António Lopes 126 126
Álvaro Lopes 5,5 18 23,5
Baltasar Lopes 4 4
Crlstôvão Lopes 123,5 123,5
Diogo Lopes 4,5 4,5
Fernão Lopes 5 5
Gravlel Lopes 660 660
Gonçalo Lopes 30 30
João Lopes 9,5 40 49,5
Pero Lopes 3 3
Sebastião Lopes 79 79
Simão Lopes 12 12
Fernão Lourenço 20 20
Francisco Lourenço 145 145
João Lourenço 159,5 159,5
Álvaro Luís 5 5
António Luís 295 295
Diogo Luís 4 5 9
João Luís 25,S 28,S
Afonso Martins 8
António Martins 15 96 III
Francisco Martins 2 2
João Martins 88 32,5 123,5
Fernão Mendes 31 31
Luís Mendes 17 17
Manuel Mendes 144 144
Rui Mendes 41,5 41,5
António Moniz 66 66
Gonçalo Fernandes Neto 181 181
António Nunes 74 74
Jorge Nunes 20 20
Simão Nunes 85 85
Marcos de Oliva 2
Luis Paes 55 55
Amónio Pereira 847 847
Gonçalo Perelro 412 412
Afonso Pinto 15 15
Afonso Pires 5 I 6
Álvaro Pires 16 13 29
António Pires 6 I 7
Domingos Pires 24 24
Geraldo Pires 8 8
Gonçalo Pires 168 87 0,5 0,5
João Pires 117,5 122 111 350,5
João Pires D'Angra 388 388
Luís Pires 11 11
Manuel Pires 657 6S1
Rui Pires 14 40 54
Simão Pires 22 22
Diogo Rebelo 30 170 2 202
Pedro da Rocha 27 27
Afonso Rodrigues 15,5 15,5
Ambrósio Rodrigues 1,5 1,5
Bartolomeu Rodrigues a 8
Diogo Rodrigues 154 3,5 157,5
187
Déeadas
Mercador Total
1501·1510 1511·1520 1511·1530 1531·1540
188
QUADRO N.o 5
OS MERCADORES ESTRANGEIROS E O COMÉRCIO DO AÇÚCAR NA MADEIRA
1500-1540
Décad..
Mercador TotAl
1501-1510 1511·1520 15Z1-153O 1531-1540
189
Décadas
Mercador --"-----_._---------------- Total
1501-1510 1511-1520 1521-1530 1531·1540
190
QUADRO N.o 6
AGENTES DE TRANSPORTES MARíTIMOS NA MADEIRA
Calofate
Morinhelro
Homem do mar
191
Homem do mar Data Proveniência Morada Observações
Piloto
Mestre navio
Fonte: A.R.M., Paroquiais-Sé, 1539-1600; A.R.M., Misericórdia do Funchal, n.? 710, 689; A.R.M., l.R.C.;
A.R.M., C.M.F., n.? 699, 700, 868.
192
QUADRO N.o 7
MAREANTES NA MADEIRA SÉCULO XVI
193
25
Mareante DalJl Proveníêncla Morada Observações
194
Mareante Data Proveniência Morads. Obse rvações
195
QUADRO N.O 8
MESTRE DE NAVIO NAS CANÁRIAS
SÉCULO XVI
196
Metitre de navio Data Provenlêncla Morada ObRrnÇÕ<ll
Fonte: F. Clavijo Hernandez, oh. cit.; Manuela Marrero Rodriguez e E. Gonzalez Yannes, oh. cit.; M. Isidra
Coelho, oh. cit.; A. Cioranescu, oh. cit.; Manuela Lobo Cabrera, Indices y Extractos . . .; Idem, La
esc/avitud en las Canarias orientales . . .
197
QUADRO N.O 9
ALMOCREVES NAS CANÁRIAS
SÉCULO XVI
Fonte: Manuel Lobo Cabrera, lndices y extractos ... ; Idem, Protocolos del escribano Alonso Gutiérrez; F.C.
Hernandez, ob. cit.; M. Isidra Coelho, ob. cit.; Manuela Marrem Rodriguez e E. Gonzalez Yannes, ob.
cito
198
QUADRO N.o 10
ALMOCREVES NA MADEIRA
SÉCULO XVI
199
Almocreve Data Proveniência Morada Observações
Fonte: A.R.M., Paroquiais-Sé, 1539-1600; Idem, Misericórdia do Funchal, n.? 710-711,684; A.N.T.T., N.A.,
n.? 744-745, 902; A.R.M., C.M.F., n.? 1297, 700; Idem, l.R.C.; Idem, L,0 de notas de loão Tavira,
1597.
200
QUADRO N.o 11
VENDEIROS NA MADEIRA
SÉCULO XVI
Fonte: A.R.M., C.M.F., n.? 1298-1299, 1301; Idem, Misericórdia do Funchal, n.? 684, 710-719; Idem, J.R.C.,
Tombo; Idem, Paroquiais-Sé.
201
QUADRO N.O 12
OBRIGAÇÕES EM TRIGO DOS AÇORES
1509-1519
202
Devedor Credor Dala
Trigo Açúcar Uinheiro
(moios) (arrobas) Ireals!
- - - - - - - - - - - - - - - c c _
Fonte: A.N.T.T., C.C., I1-21 a 27,5,99,30 e 31, 33, 104,35 a 38, 41 a 43,185,50,56,60,63,70,88,143.
20, 83, 79, 46.
203
QUADRO N.o 13
MERCADORES E SEUS AGENTES/PROCURADORES
João Francisco Affaitati -1539 Gabriel Affaitati, Luca António, Cristóvão Bocollo, CapeIla de Capellaoi, João Dias, João Gonçal-
ves, Matia Manardi, Maffei Rogell, Lucas Giraldi
Diogo Afonso de Aguiar 1504 Bano Brocone
Pedro Afonso de Aguiar 1530 Capella de Capellani
Pedro de AyaIla 1528 João Valdavesso
1529 João Rodrigues Castelhano, Simão Fernandes, João do Vale
João Vaz de Almada 1506 Feducho Lamaroto
Janim Bicudo 1520 Matia Manardi
Jorge Lopes Bixorda 1525-1526 João Rodrigues Castelhano
Rui de Castanheda 1505 Janim Bicudo
Francisco Castanho 1504 Quirio Catanho
Claaes 1507-1510 Jorge Erndorfor, António Leonardo
João Coquet 1530 Charles Corroa
Charles Correa \526 João Pardo. João Valdavesso, João Rodrigues Castelhano
Cristóvão Godinho 1506 Lucano GriIlo
Rui Gil 1506 Lucano GriIlo
B. Marchioni 1507-1513 Feducho Lamoroto, Benoco Amador
Tohias de Marim 1535 João Gonçalves, João Rodrigues
Bemardim de Medeiros 1530 João Rodrigues Castelhano
Pera de Mimença 1524 João Mendes, João Rodrigues Castelhano
1526 João de Valdevesso
\528 João de Escalante
B. MoreIli 1508 Feducho Lamaroto e Benoco Amador
1509 Benoco Amador
1509-15\0 Cristóvão Bocollo, B. Marchionnl, António Leonardo, João Augusta
Leonardo Nardl 1504-1505 Feducho Lamarota
João Odom 1527 António Boto
Garcia Pimentel 1509 Estevão Bogno, Gabriel Affaitati, Jorge Lomelim
Álvaro Pimentel Benoco Amatori
João Álvares Pereira \506 Feducho Lamaroto
Jerónimo Semigi 1506 Bona Brocone, Benoco Arnatori
Welsers 1507-1510 JoãoAugusta, Bona Brocone, JorgeErndorfor, Jácome Holzbock, Leo Rovensperger e HansSchonid
204
QUADRO N.o 14
PROCURADORES E AGENTES·PRAÇA DO FUNCHAL
1500·1537
205
QUADRO N.o 15
FRETAMENTO DE EMBARCAÇÕES NAS CANÁRIAS
SÉCULO XVI
206
Data Percurso Custo Mercadoria
Fonte: Emma Gonzalez Yanes, Protocolos dei escribano Hernan Guerra, La Laguna, 1958; Manuela Marrero
Rodriguez, Protocolo dei escribano Juan Raiz de Berlanga, Tenerife, 1977; Manuel Lobo, Protocolos de
Alonso Gutiérrez, Tenerife, 1979; Fernando Calvijo Hemandez, Protocolos de Hernan Guerra, Tenerife,
1980; Idem, «Los documentos de fletamentos ... ", in IV Coloquio de História Canario Americana, I,
56-75; A.H.P.L.P., Protocolos de Cristobal de San Clemente, n.? 733-741.
207
QUADRO N.o 16
FRETAMENTO DE NAVIOS NA MADEIRA
SÉCULO XVI
Fonte: A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, ms. de 148-6-287; Idem, N.A., n.? 903B; Idem, Corpo Cronológico II,
7, 16; 66-66; 13-89; 89-137; 157-68; 256-80; 18-151; 19-36; 31-130.
208
FONTES E BIBLIOGRAFIA
PÀ<ilNA r~ BI!ANCO
I - FONTES MANUSCRITAS
Corpo Cronológico
Núcleo Antigo
Entrada e saída da alfandega do Funchal, dízima das mercadorias, 1523;
Livro de contas da alfandega do Funchal de 1505-1506;
Livro da Alfândega de Santa Cruz, 1524;
Livro da despesa do açúcar, ano de 1522-1523, Santa Cruz;
211
Livro dos Direitos do açúcar de Machico do ano de 1530;
Livro dos Direitos do açúcar da Ribeira Brava de 1517;
Livro dos Direitos do açúcar da Ribeira Brava de 1536;
Livro dos quartos da comarca da Calheta, ano de 1509;
Livro dos Quartos do Funchal, 1504-1505;
Livro dos quartos do Funchal, Machico, Ribeira Brava, Calheta, 1509-1511;
Livro dos quintos do açúcar, ano de 1537, da comarca da Ponta de Sol;
Livro dos quintos do assúcar da Alfândega da Cakheta, ano de 1534;
Livro dos quintos do Funchal, 1509;
Livro da receita e despesa 'de João Tavares, recebedor da ilha de S. Miguel, anno de 1526;
Livro de Registo de Leis e Regimentos, 1516-1520;
Livro da sayda dos asuquares de varias pessoas da Alfandega de Ponta de Sol; anno de 1526;
Misericórdia do Funchal
Agustin Mil/ares
Anales de las Islas Canárias;
Coleción de documentos para la história de las Islas Canárias;
Extractos e apuntes,y copias dei Archivo de la inquisición de Canárias;
Indice geral de todas las personas que han sido quemadas acconciliadas penitenciadas absultas y suspensas sim
causas por el tribunal de la Inquisicion de las islas canarias / ... l, 1875.
212
II - FONTES IMPRESSAS
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Estudos Canários, 198!.
BLAKE, John Williams, Europeans in West Africa, 14)U-14OU, '1. vols., Londres, 1~42.
BONNET, Buenaventura, «Descripción de las Canarias en el ano 1526 hecha por Thomas Nichols, factor inglês»,
in Revista de História, V, 1932-1939.
CIORANESCU, A. «Documentos dei Archivo Notarial de Sevilha referentes a Canárias», in Revista de História
Canaria, XII, 1955.
THOMAS NICHOLS. Mercader de azúcar hispanista y herege. Con la edición v tradución de sudescripción de las
islas Afortunadas, La Laguna de Tenerife, 1980.
CLAVIJO HERNANDEZ, Fernando, Protocolos de Hernán Guerra (1510-151/), Santa Cruz de Tenerife, 1980.
COELLO GOMEZ, Maria Isidra e Margarita Rodrigues Gonzalez e Avelino Parrila Lopez, Protocolos de Alonso
Gutierrez (/522-/525), Santa Cruz de Tenerife, 1980.
COSTA, José Pereira, «Notas sobre o Hospital e a Misêricórdiado Funchal», in Arquivo Histórico da Madeira,
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Coimbra, 26 (1978).
e Maria Clara de Sá Cruz Costa, «Arquivo da Misericórdia da Calheta» in Arquivo Histórico da
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Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livros de Reis III E VI, Lisboa, 1959-1962.
FERNANDEZ ASIS, V., Epistolario de Filipe II sobre assuntos de mar, Madrid, Editora Nacional, 1943.
FREIRE, Anselmo Braamcamp, «Cartas de Quitação dei Rei D. Manuel» in Archivo Histórico Portuguêz; vol. I a
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FRUTUOSO, Gaspar, Saudades da Terra, l. 0s I a IV e VI, Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada,
1966, 1963, 1979, 1977, 1981, 1963.
GONZALEZ Y ANEZ, Emma e Manuela Marrero Rodrigues, Protocolos dei escribano Herman Guerra, La
Laguna, 1508-1510, La Laguna, 1958.
HEREDIA HERRERA, Antónia, Catálogo de las consultas dei consejo de Índias, 2 vols, Madrid, Direcciôn
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LAS CASAS, Bartolomé de, História de las Índias, 3 tomos, México, 1981. Edição de Agustin Millares CarIo e
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LEITE, Jerónimo Dias, Descobrimento da ilha da Madeira e discurso da vida e feitos das capitães da dita ilha.
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LINSCHOOT, João Hugo de, «História de navegação do holandês João Hugo Linschoot às índias Ocidentais»,
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221
PÀ<ilNA r~ BI!ANCO
ÍNDICES
PÀ<ilNA r~ BI!ANCO
ÍNDICE DOS MAPAS E GRÁFICOS
Vias de comunicação e portos na Madeira, Século XVI . 43
Vias de comunicação de S. Miguel . 45
Rotas e portos de comércio nas Canárias e Açores . 48-49
Sociedades Comerciais no Funchal, Século XVI . 61
Agentes de Transporte e comércio . 65
Agentes de transporte, século XV e XVI . 67
Almocreves na Madeira, século XVI . 69
Marinheiros e barqueiros na Madeira, século XVI . 71
Mercadores no mundo insular ' . 75
Mercadores, áreas de proveniência . 77
Mercadores do reino na Madeira, séculos XV e XVI . 88
Mercadores espanhóis nas Canárias, século XVI . 89
Mercadores nos Açores, século XVI . 92
Mercadores no Mundo Insular, séculos XV e XVI . 93
Vinhas e latadas na Madeira, século XVI . 94
Produção de açúcar na Madeira . 106-107-113
Comércio de açúcar da Madeira, 1490-1550 . 131
Rotas e principais mercados do comércio de açúcar da Madeira . 133
225
ÍNDICE DOS QUADROS
Transporte do açúcar da Calheta para o Funchal . 44
Cabrestantes do porto do Funchal . 46
Preço das embarcações, século XVI . 52
Preço do frete nas Canárias . 53
Preço do transporte do Inquisidor em 1591 . 53
Preço do frete na Madeira . 54
O acúcar mercadoria de troca na Madeira, 1508-1509 . 56
Pagamentos em açúcar na madeira, 1509-1537 . 57
Obrigações de pagamento do trigo dos Açores . 58
Sociedades comerciais no Funchal século XVI . 60
Sociedades para o comércio do açúcar . 62
Sociedades para o arrendamento dos direitos : . 62
Almocreves na Madeira ' . 68
Agentes de transporte marítimo nas ilhas . 70
Agentes de transporte marítimo na Madeira . 70
Lojas de comércio no Funchal . 76
Mercadores nas ilhas . 76
Mercadores nas ilhas . 76
Mercadores estantes e vizinhos . 78
Mercadores estrangeiros . 79
Mercadores estrangeiros na Madeira . 80
Venda do açúcar dos direitos na Madeira, 1502-1534 . 82
Arrendamento dos direitos reais na Madeira . 83
Mercadores do reino na Madeira, séculos XV e XVI . 88
Mercadores espanhóis nas Canárias, século XVI . 89
Mercadores na Madeira . 91
Açoreanos e canários na Madeira, século XVI . 99
Dízimos nas Canárias . 102
Dízimos eclesiásticos em 1585 . 105
Relação consumo-produção de cereais nas Canárias no século XVI . 108
Comércio de cereais em Tenerife no século XVI . 126
Comércio de cevada em Tenerife no século XVI . 127
Registo de trigo entrado no porto do Funchal, século XVI . 128
Escápulas de açúcar na Madeira em 1498 . 130
Comércio do açúcar na Madeira em 1498 . 130
Comércio do açúcar na Madeira 1490-1550 . 132
Exportação de açúcar na Madeira, 1500-1540 . 134
Compra de açúcar na Madeira, 1500-1540 . 135
Exportação de açúcar para Viana do Castelo . 132
Os mercadores e o comércio do açúcar . 135
Principais mercadores estrangeiros . 135
Preço do açúcar no mercado europeu . 136
Destino dos navios normandos, 1530-1540 . 137
Navios portugueses com açúcar para Antuérpia 1536-1550 . 137
Comércio de Cereal das Ilhas . 143
Preço de venda ao público do vinho da Madeira . 143
226
ANEXOS
QUADROS
227
ÍNDICE GERAL
ABREVIATURAS 5
INTRODUÇÃO 7-9
I PARTE
II PARTE
O COMÉRCIO INTER-INSULAR
1. FACTORES . 27-157
1.1 Regulamentação das actividades económicas . 27-40
1.2 Técnicas . 41-63
1.3 Agentes . 64-95
1.4 Emigração inter-ínsular '" . 96-100
1.5 Os produtos . 101-118
2. COMÉRCIO . 119-158
2.1 Mercados e produtos insulares . 120-137
2.2. Comércio de cabotagem . 138-140
2.3. Comércio Inter-insular '" . 141-146
2.4. Comércio atlântico-europeu . 147-158
CONCLUSÃO 159-161
ÍNDICES . 223
Indíces dos mapas e gráficos . 225
Índice dos quadros . 226
IMPRENSA DE COIMBRA, LIMITADA
Largo de S. Salvador, 1-3 - Coimbra