Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
www.etnolinguistica.org
•
..
CARLOS DRU~10ND
•
,
"'
'
SÃO PAULO - 1946
•
•
ç
•
•
'
•
..•
Separata do Boletim LVIII da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo,
(N.o 10 de Etnografia e Língua Tupi-Guarani).
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
CARLOS DRUMOND l
• '
NOTAS SôBRE OS TROCANOS
•
••
'
•
,
•
•
•
•
O ,lfuseu de EtMgraf1'a de nossa Faculdade,
embora modesto e ainda na fase de organi.zaçiio,
possue alg1t1nas peças de grande valor etnográfico.
Dentre el,as destacam-se dois excelentes exemplares
de troeanos, provenientes ambos da Amazônia.
As notas que constit1tem o presente Boletim, da
l,avra de nosso Assistente, Lic. Carlos Drumond,
procuram apenas da-r aos estudiosos os elementos
indispensáveis a um estudo mais amplo sôbre essas
peças que; parece-nos, se tornani cada vez mais
raras nos gr'llpos ameríndios do B1·a.sil.
• PL!NIO AYROSA .
•
..
•
•
•
•
•
•
INTRODUÇÃO
-8-
# .
•
•
•
(*) Stephen Chauvet - Musique Negre - Société d'Editions Géogra-
phiques, Maritimes et Coloniales, Paris, 1929; pp. 12/13.
•
•
•
•
- 10 - •
Denominação. •
De acôrdo com o grupo em que é usado, o instrumento em
,estudo recebe denominação diversa. Na Amazônia, entre os que •
falam o nheêngatíi é denominado trocano ou toroca;na (9); no grupo
. dos Tucanos seu nome é toaquê; pelos Jívaros é denominado
" t'ltnduli; ma-nguar6 pelos Boros; huarê pelos Uitotos ; tintiU entre
os Maiorunas; komogbita pelos Minuanes; aróxe entre os Ocainas
~e teponastU no Mé.xico.
-11-
Distribuição geográfica.
Os trocanos estão difundidos por uma vasta área da região
.amazônica, desde as margens do Orenoco, onde Gumilla os encon-
• trou entre os índios Caverres, até os Andes (usados pelos Jívaros),
passando pelos rios Uaupês, Caiarí, Japurá, Içá, Tiquiê, etc. como
.elemento integrante do acervo cultural dos Tarianas, Tucanos,
Macunas, Opaínas, Jucunas, Matapis, Boros, Uitotos, Ocainas,
Andoques, Miranhas, Omáguas, Cocamas, Guapunavis, etc. Fóra
desta área vamos encontrá-los na região do Xingú, entre os Auetôs,
·Camaiurás e Bacairis, e no Maranhão entre os Amanajês ou Ara-
randeuaras. Quanto ao teponastli, seu emprego não se limitava ao
México, pois foi encontrado também nas Grandes-Antilhas e na
América Central, usado pelos Miztecas, Máias, Zapotecas, Aztecas,
Quichés e Cal chiques ( 11).
No Brasil, a distribuição dêste instrumento dá lugar a uma
-eonstatação interessante; êle faz parte dos objetos que são próprios
a região norte do Amazonas e cuja ocorrência ao sul dêste rio só
pode ser explicada por empréstimos, resultantes de contátos cul-
turais, ou en1 consequência de movimentos migratórios.
Forma.
Os trocanos são, .de maneira geral, instrumentos monóxilos e de
1
- 13 '--
Quer tenham tal ou qual forma, são sempre mon6xilos e por vezes
de representação antropo ou zoomorfa.
Da mesma maneira que os tambores dos Borós, Uitotos, Ando-
ques, Jívaros, etc. os africanos apresentam um prolongamento hori-
zontal em cada extremidade e alguns são providos de quatro pés.
Nos prolongamentos é que são esculpidas as pernas (caudas em
·Certos casos) e cabeças (de homem ou de animal) .
Na Oceânia (Novas Hébridas, Nova Guiné, etc.), os tambores
são também de forma cilíndrica e têm a extremidade superior geral-
.mente adornada com cabeça humana (V. fig. n. 0 6). Outros
.representam mescla de faces humanas e faces estilisadas de animais.
D3mensões.
As dimensões dos trocanos são bastante variáveis. Koch-
Griinberg (14) dá para o trocano dos índios T11canos lm81 de
,comprimento e 2m15 de circunferência. Segundo Farabee ( 15) as
dimensões dos tambores dos Uitotos oscilam entre lm65 a 2m00 de
comprimento, e 2m00 mais ou menos de circunferência. O trocano
descrito por Gumilla mediria mais de 2m40 pois êste autor afirma
que o comprimento era de "3 varas" mais ou menos.
Max Schmidt (16) encontrou entre os Auetôs um trocano de
6m00 de comprimento, constituindo ao que parece, caso excepcionaJ
na América; pelo menos é o que se depreende das obras consulta-
das, onde o comprimento dos tambores descritos não ultrapassa
3m00.
Os teponastlis mexicanos, muito bem estudados por d 'Harcourt
(17 ); são tambores de porte bem menor, oscilando o seu compri-
mento entre Om35 e Om50cms.
•
( 14)Koch-Grünberg - Ob. cit.
(15) William Curtis Farabee - lndian Tribes of Ea8tern Perú __. ln
Paper of the Peahody Museum of American Archaeology and
• Ethnology, Harvard University, Volume X, Cambridge, Massachu-
setts, U. S. A., 1922. ~ste autor dá as medidas em pés; 5 ou 6
pés de comprimento e 2 pés de diametro.
(16) Max Schmidt - Estudos de Etnologia Braaileira - Tradução
direta do alemão, de Catharina Baratz Cannabrava, Col. Brasi-
liana, Série 5.ª (grande formato), vol. 2, Cia. Editora Nacional,
São Paulo, 1942; p. 66.
·(17) R. et M. d'Harcourt - La Musique des Incas et ses survivances
- P aris, 1922.
•
I
-14-
Aberturas.
•
Os trocanos comportam aberturas na parte superior em nú-
mero e formas variáveis. As aberturas se comunicam entre si, por
estreita fenda, que em alguns é reta e em outros curva. Parece-
nos, segundo as obras consultadas, que o número das aberturas
nunca ~ superior a quatro. Freqüentemente apresentam duas ou
quatro, e muito raramente três.
A fenda dos tundulis dos Jívaros algumas vezes termina por
aberturas circulares, retangulares ou losângicas. Nos tundulis
de aberturas circulares e retangulares a fenda é reta, e n-0s-
de aberturas losângicas é reta entre os orifícios extremos, e
curva entre os dois do centro (entre o 2.0 e 3.0 orifícios)
(V. fig. n.0 1). Os manguarês dos Boros e os huarês dos Uitotos,
apresentam aberturas que se assemelham à uma estrela de quatro
braços, ligadas entre si por longa fenda reta (V. fig. n .0 4). As
aberturas do trocano descrito por Gumilla são em forma de S ou
de meia-lua, como se vê na fig. n.0 7. O pequeno teponastli, à
maneira de lábios separados por larga fenda, opõem duas linguetas
recortadas no sentido da altura do cilindro. As fendas retangu-
lares dos teponastlis dão a impressão de um grande H deitado (V.
fig. n. 0 8).
Quaisquer que sejam as formas dos tambores africanos e oceâ- •
nicos, êles também possuem, na parte superior, uma fenda longitu-
.. dinal, cuja largura oscila entre Om03 e Qm05. Em determinado~ ·
exemplares, a fenda apresenta em cada extremidade aberturas qua-
•
•
dradas de Om06 mais ou menos (19).
'
'
•
.. - 15 ._
• \
•
-16 -
- 17 ._
'
..
-18 -
Ornamentação.
Os trocanos dos Tucanos jamais apresentam formas antropo·
ou zoomorfas, nem são esculpidos. Alguns apenas são parcial-
mente r ecobertos com pintu ras r epresentando motivos ornamen-
tais diver sos. O t ambor que K arl von den Steinen encontr ou fóra
da " casa das flautas" dos Bacairis, era pintado irr egularmente
com f iguras humanas e figur as representando · á coluna vertebral
de peixes.
Os motivos ornamentais dos trocanos do Rio Negr o são pin--
tados em côres amarela e branca sôbre f un do vermelho-escuro. A
tinta usada na ornamentação é preparada com leite de sorva (26)
(denominado eetátnimi, em· tucano e cumã no nheêngatú), e terra.
amarela; para a tinta vermelha misturam o leite com carajurÍt
(27) . Torna-se necessário salientar que nem todos os tambores
da Amazônia são ornamentados. A maioria é desprovida de todo
e qualquer ornamento. Os teponastlis, ao contrário, eram, em- •
sua maioria, inteiramente cobertos de esculturas talhadas na pró-
)
•
- 19 \o-
1
/ -20- 1 '
•
\ - 21 1.-.
-22-
Baquetas.
Para tocar o troca.no os aborígenes do Brasil servem-se de
duas baquetas de madeira (geralmente de pau-brasil), cuja cabeça
está coberta por goma elástica (borracha), e envolvida por corda
de fibra ou de couro de anta, em forma de cruz. Estas baquetas
· em tucano são denominadas toaq_uê-paacá; os Minuanes as denomi-
nam kõmo e as que serviam aos teponastlis tinham o nome de
olmai,tl.
O processo de confecção das baquetas é o mesmo empregado
no preparo das conhecidas "peles" de borracha, isto é, após a
madeira estar cortada e trabalhada, o leite é gotejado sôbre a
extremidade e endurecido ao sol ou à fumaça. O trabalho dura
aproximadamente oito dias.
Entre os Capanauas, parece que excepcionalmente, a forma
düere da dos outros grupos amazônicos, pois elas têm as duas
extremidades cobertas de borracha (36).
•
. ' .
·- - 23 1.-
Fina.lida.de do trocano.
Os trocanos geralmente são utilizados para a transmissão de
noticias, e nas festas para acompanhar as danças. Os aborígenes
da Amazônia desenvolveram uma linguagem de tambor, que se não
atingiu o grau da creada pelos africanos, todavja parece-nos não
ser muito pobre, embora Koch-Grünberg afirme que na região do
Caiari-Uaupês não há ou, talvez, não haja mais essa linguagem,
"onde os torocanas servem, sómente, para dar sinais, como instru-
mento de alarme e perigo de guerra, e para convocar os vizinhos
a grandes festins". O certo é que, para dar sinais, ou para con-
• vidar os vjzinhos à uma grande festa, foi creada uma verdadeira
linguagem tamborilada, que embora seja baseada num c6digo de
sinais muito primitivo, como o diz Stradel1i, é suficiente para as
'
- 28 -
- 29 ._
SUMMARY
•
•
Tkis paper con,fains Mtes 01& tke signal drums of tke Amazon
·regio11, generally known as trocanos or torocanas. Otker designatiOf&B
Jwwever occur, such as toaquê, tunduli, manguarê, tintili, kõmõgbua,
..etc. Two specimens, origitnating from the TucfltnQ lndi<11111,
(Rio Negro) and actuaUy bel<Ynging t.o the ethnographic collecftota
of tke University of S . Paitlo, a,re especially referred to b1J tlt•
author. The forms of the instrument, in America, vary from simpl6
kollowed trunks, such ~ f ownd by Karl von den Steinen Qlm()'n{J
the Bac.airis, to complex antropomorphic (Boros, Uitotos, Andoques)
anã zoomorphic sculptures ( Mexica;n teponastlis and tundulis 4mO'n(/
the Jivaros). It i,s generall;y used for signalUng anà accomp<my~
dances during tnõaJ, festiviti.es. Sometimes the drums are related
to reUgiom beUefs. Accorditng to Mr. Drumond, the occurrence of
.simüar drums in the P.olynesian area and in A/rica m<111 suggesl
...cownections between these three contitnents.
•
...
•
..
.• ..
Fig. 1 - T1ind.1tli dos Jfvaros (Apud Stirling). Fig. 2 - Tambor antropo1norfo Fig. 3 - Tambor antropomorfo
[ho1nem) (r1p11d T essn1ann) . [mulh er] (Apud Tess1nann).
•
•
•
Fig. 6 - 1 - Tambor-arvore
(Xovas-IIt>hri<la5:). 2 - Tam-
Fig. 6 - Tan-:ibor zoomorfo f antilope bor ela região elo Camerum.
estilisadoJ (A1n1d Chauvet) . (AJ)lld Schaeffner) .
•
e e)
,
'
Fig. 7 - A - Tambor da região do Orenoco Fig. 8 - Teponastlis in exicanos (A1ntd d'I-larcourt).
(A1ntd Gumilla) - B - Trocano do Rio Xcgro
(Apu<l Koch-Grünberg) . .-\mbos r e produzidos da
obra de Roth.
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
A B
. ... ..
I
1 1
'
1
1
1
1 1
1
'º
r- \ t
'º
1"" 1 (..,.,\
• oO
ºV\ 1 1 1
.,- --,":.. - :J .
,-1·- 11 "" r- - -
1
'
\1 1
1
r ' 1 -
,'
1
\' i' 1 1 1
,'i' ,1
1 1 t
1 t 1 1
r 1 o'
'
l
"J"'I
~,'
\.-_
, t l-_,
o,
1
1
1
\
o-,
- 1 1 1
l
~ 1 1
l,_ - J -l- t
,
º' 1
~
i,
li ' 1 1 •t 1
~
1
•
1. -t-' 1
1 1 i
1 1 1 1
1 '
1
1 1
1
11. •1
1 1 1 1 1'
1 1 ---- \- - ' ' ' -r r -
~ ,.- - ...
1 1
1 l 1 1
1 \ ',. ,. ""-. 1 1 ,_;- ; 1 1 ;
' ~~ ! ;; 1.~ o , l z~ ' 14 1 ;~ 1 ~ o. 'i
~ 1 f ~ .__..,.,. , 1 __ ,
,
1 ....
1 ', - r l
I 1 ' 1
1 --- - --,, J ,,.. il
,~
,.--~... " "' '
1
~
r
1 , ,. -- . . ...
'
r
,, o,Z~
,;
l /
~
.---''"l'f,-~> 0 2. 't S I
\ )~
1 ,'
!<
\
-
1 ? 0, 2$'
>'
~,
,( I ;~
: ''
I
\ ' • /
'' ' ,,.
,.
, ' ' .. - _.,,,. ,.~
,, --.. - -"'
Fig. 11 - Dimensões das baquetas per tencentes Fig. 1 2 - Dimensões das baquetas per ten centes
ao trocano n .o 2. 045. ao trocanQI n.0 1 .710.
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
--------;_-
C
~~;= - Q~ - ;-~---- ·-- - e:; - :Ace
·--------------~
.. ----- -
·
----- -· - · ___} ;
] - r ::;;eg- , ..... e sz s
•
J
0)3
- - - - - Q7i i - - - - .
""
1
o"' .,
- - ..0;).-9_ - - - - - • ~'S. - - - - •
___ ,. _ .. 0,."
,,e_l . ___ _
- Q;_?.,J.-_ - - - - -
(- -
0~03
Fig. 17 - A - Dimensões do trocano n. 0 2.045 - B - Dimensões do trocano n.º 1.710.
' .
'
1
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
•
•
.,.
I
; .
•
.. •
' •
• •
"
•
••
'
•
•
..
'
•
•
#
11npresso tLa
l!J. G. ".R~v·ista
São Paulo