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Unlvenldade Cat61lca de
Golãs
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Direção Ce ntral da UCG
Dom Antón io Ribe iro de Oliveira
P~sidente da Sociedade Goiana de Cultura
Pe. José Pereir• de Maria
Chanceler da UCG
Clélia Brandio Alvarcnga Craveiro
Magnifica Reitora
Anlonio Cappi
Vice-Reitor para Assuntos AcaMmiros
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Vice-Reitor para Assuntos Administrativos
Anderson Liim da Silvei ra
Vice-Reitor para Assuntos Comunitários e Eáudanlis
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Rod olfo Pctre ll i
Vice-Reitor de Pós-G raduaçio e Pesquisa
Lac y Guaracialla Machado
Chefe de Gabinete do Reilor
Maria Tercsinha Martins do Nascimento ,
Coordenadora Geral da Editora UCG
Luiz Carlos Silva
Assessor Editorial
Conselho Editorial
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Maria Tercsinha Martins do Nascimento
Sttntilria Executiva
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Alhcrto Vilela Chacr
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Sarah Talcb Rassi
Rq>rcscntante do C CH
Natalina Emíd io Ro.~ a
Designada pel11 VPG
José Mendonça Tclc:s
Lac rtc Araújo Pereira
Jézus Marco de Ataídcs
Convidados
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
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O POVO INVISIVEL:
a história dos avá-canoeiros
nos séculos e
C0111i.ssão Ttcnka
1
Elisabete Sara da Silva
Pttperaçio de Originais
Maria da Glória Dias Corrêa
Solange Moreira Corrêa
!
ReYisio
Biblioteca Central da UCG
Normalizaçio
Júnio Elder da Co~1a
Composição
Laenc Araújo Pereira
Produção de A ne G rálica e C11pa
Waher Sanches
Fotos
Eliana Maria Granado
Foto da Capa
Daura Rios Pc.droso Hamú
Confecçio de Mapas
Impresso no Brasil
1994
. ~
Suma110
APRESENTAÇÃO 07
,
PREFACIO 09
INTRODUÇÃO 11
, , ,
PANORAMA HISTORICO DEGOIAS INDIGENA:
1722/1889 15
Os Grupos Indígenas de Goiás 18
Os Primeiros Grupos Indígenas Extintos: os goiás e os
crixás 18
O Grupo Caiapó 19
O Grupo
,
Acuém 21
Os Indios
,
Acroás e Xacriabás 21
Os Indios Xavantes e Xerentes 22
O Grupo
,
Carajá 26
Os Indios Tapirapés 27
O Grupo Timbira 28
Outros Grupos Indígenas 29
/
Notas 30
Mapas 31
, ,
A FALSA ORIGEMMESTIÇADOSINDIOSAVA-
CANOEIROS 35
A Bandeira de Bartolomeu Bueno da Silva: tradições
escritas e orais 38
A Procedência dos Carijós 39
As Evidências que Refutam a Teoria da Origem Cafusa
dos Avá-Canoeiros 40
Características Físicas dos Avá-Canoeiros Atuais 41
Banditismo: a teoria preconceituosa 42
... e a Teoria Cafusa ainda Permanece 43
Avá-Canoeiros: denominação e autodenominação 46
Considerações Gerais 48
Notas 49
A HISTÓRIA DA DOMINAÇÃO 51
Século XVIII: o confronto 53
Século XIX: a resistência 55
Notas 62
OESPAÇODOSAVÁ-CANOEIROS 65
Um Grupo Tupi no Universo Jê 68
Reinventando o Próprio Espaço 71
Notas 83 •
Mapas 86
CONSIDERAÇÕES FINAIS 93
ANEXOS 99
BIBLIOGRAFIA 121
6
1 '.).
Apresentação
7I
•
Nesse cenário, vislumbram-se novas posturas que FURNAS acredita, aind~ que é através do respeito
consideram o homem, em quaisquerde suas dimensões ou à sua história que as nações se firmam perante a humani-
realidades sócio-culturais,
,
como beneficiários das mu- dade e o julgamento das futuras gerações.
danças econômicas. E nesse contexto que a questão indí-
gena está inserida
A saga do povo avá-canoeiro, como consta no
trabalho da professora Dulce Madalena Rios Pedroso,
relata uma sucessão de massacres por 200 anos. As
ameaças são diversas, principalmente por parte da expan-
são das fronteiras, das atividades de mineração e, posteri-
ormente, agropastoris.
A viabilização da UHE Serra da Mesa implica na
implantação de ações que contribuem para reverter esse
quadro, pela soma de esforços de FURNAS, empreen-
dedora, e da Funai, órgão oficial na condução da política
indigenista, principalmente na demarcação do tenitório tradi-
cional dos avá-canoeiros, que se constitui na premissa básica
para sua autonomia enquanto grupo étnico diferenciado.
A dissertação de Mestrado da professor~ aprovada
pela Universidade Federal de Goiás, demonstra que a
resistência a todo tipo de submissão é característica do
grupo avá-canoeiro e pennitiu que seu potencial humano
fosse recriado, conduzindo-o até esse momento.
A publicação representa o resgate de parte da
n1emória do povo avá-canoeiro, durante os séculos XVIII
e XIX, demonstrando justamente essa resistência obstina-
da, que fez o grupo reivindicar ao longo dos séculos o
direito de ser diferente: o direito de ser e perpetuar-se avá-
.
canoeiro.
FURNAS aceitou co-editar o trabalho da professo-
ra Dulce Madalena Rios Pedroso junto à Universidade
Católica de Goiás, com o intuito de divulgar uma nova
visão histórica, distinta das tradicionais que o colonizador
imprimiu, buscando uma reflexão mais profunda dessa
sociedade que, direta ou indiretamente, influi nos proces-
sos decisórios do modelo de desenvolvimento a ser ado-
tado no país, viável na sua diversidade étnica.
8
Prefácio
'
10
Introdução
•
•
•
•
reunir, em 1753, seiscentos índios na aldeia São José. Esta riormente ocupado por fazendas de gado e por outros
primeira povoação foi aniquilada por um contágio epidê- gruposindígenas,comoosxavantes,xerenteseavá-cmoeiros.
mico logo no primeiro ano. Os índios retomaram, então, De acordo com autores da antiga historiografia
para os matos e, algum tempo depois, voltaram a se goiana, havia em Goiás grupos indígenas menores que
ananchar próximo a Wenceslau Gomes. Em 1775, dom poderiam ser vinculados aos acuéns. Os índios conheci-
Marcos edificou o aldeamento São José do Duro, locali- dos por acroá-mirins, que habitavam o sertão do Duro,
zado a duas léguas de São Francisco Xavier e a duzentas constituíam um subgrupo acroá que migrou para a região
léguas de Vila Boa. Os acroás sublevaram-se, desertando do rio Araguaia, sendo assimilado, segundoCunhaMattos,
em 1759 e reiniciando as incursões pelas povoações do pelos xavantes e xerentes. Nimuendajú considera os índi-
norte. Como missão indígena, esse aldeamento subsistiu os gueguês também como um subgrupo acroá Tais índios
até a década de 1850, quando ainda restavam alguns hostilizavam as povoações do Tocantins, por volta de
descendentes dos acroás e xacriabás miscigenados com a 17 50, e o governo da capitania de Goiás tentou aldeá-los
população local, transformando-se depois em povoado, sem nenhum sucesso.
hoje cidade de Dianópolis. ,
A redução dos acroás se deu novamente com a Os Indios Xavantes e Xerentes
construção do aldeamento São José de Mossâmedes, em
1775,localizadopróximoàcapital,quecongregava,além É difícil no momento estabelecer os critérios que os
dos acroás, outros grupos indígenas. colonii.adores utilizaram para distinguir os índios xavantes
Embora os acroás e xacriabás já não existissem dos xerentes. Na verdade, os documentos históricos revelam
mais em Goiás no século XIX, há notícias deles vivendo na que os costumes eidiomasdeam~os grupos diferem muito
Bahia. Spix e Martius viajaram pela região ocidental pouco. Além disso, viviam num mesmo território, porém em
deste estado, entre os anos de 1817 e 1820, e registraram aldeias separadas. N"unuendajú pondera que a história dos
a existência de um grande número de xacriabás habitando xavantesedosxerentesdeveserconsideradajuntamente,pois
regiões não povoadas entre as nascentes do rio Gurguéia a língua e os costumes são essencialmente os mesmos,
e do rio Grande, afluente do rio São Francisco. Referem- distinguindcrse apenas em termos políticos e espaciais.
se ainda aos acroás, em territórios mais ocidentais do As primeiras notícias sobre os xavantes estão liga-
sertão baiano, levando vida nômade. Uma correspondên- das a conflitos com o colonizador e datam de me.ados do
cia do capuchinho frei Cassimiro de Militelo informa que, século XVIll, quando hostilizavam os povoados de Crixás,
em 1872, havia índios vivendo ainda autônomos no alto São Miguel das Thesouras, Pilar e Amaro Leite, impedin-
rio Preto, na região vizinha à fronteira de Goiás, os quais, do o trabalho dos mineiros na extração aurlfera. Diante dos
através dealguns poucos vocábulos, indicavam ser xacriabás. obstáculos à empresa colonial, o governador da capitania
Segundo as fontes compulsadas, nada se sabe quanto de Goiás, João Manoel de Mello, mandou organizar
ao que ocorreu com os acroás da Bahia Porém, existem bandeiras para atacarem os índios em suas aldeias e
atualmente índios xacriabás ao norte de Minas
,
Gerais, sob procurarem lavras auríferas.
os cuidados da Fundação Nacional do Indio. No governo de José de Almeida Vasconcelos, os
Com a dizimação dos grupos acroá e xacriabá em habitantes de Pilar organizaram uma bandeira para reali-
Goiás, deixou-se um vasto território vazio que foi poste- zar a prospecção aurífera nas redondezas do arraial do
22
Pontal e, segundo os expedicionários, os xav~tes impe- A documentação histórica permite localizar algu-
diram a extração do metal. As hostilidades estendiam-se mas aldeias xavantes. O conde de São Miguel, em 1756,
aos julgados de Pilar, Traíras, São Félix e Natividade, de referiu-se a uma aldeia a vinte e quatro léguas do aldea-
tal maneira que o govemadorpediu autorização a Portugal mento do Duro. Pohl, em 1819, informa a existência de
para fazer guerra ofensiva aos índios. mais três na margem esquerda do Tocantins: uma delas,
Em 1784, no governo do capitão-general Tristão da denominada Baliza, distando três léguas do rio, abaixo da
Cunha Menezes, iniciaram-se os acordos de paz entre o barra do rio do Sono, e as outras duas, mais para o interior,
colonizador e os xavantes do sertão de Amaro Leite. Em sendo a terceira próxima dos rios que correm para o
1788, a aldeia Pedro III do Carretão' recebeu estes índios Araguaia. Na região do Araguaia, há notícias de uma
e os da região do Pontal. aldeia na foz do rio Thesouras, em 183 2, e outra abaixo da
A partir do século XIX, aparece nas fontes históri- povoação de Salinas, em 1838. O capitão Thomás de
cas a denominação xerente como grupo intimamente Souza Villa Real, explorando o território xavante, encon-
aparentado com os xavantes. Estudiosos desse grupo trou uma aldeia no sertão, entre os rios Araguaia e Tocan-
sugerem que os xavantes aldeados no Carretão fugiram tins, outra, a mais de quarenta léguas a sudoeste de
em virtude de epidemias e maus tratos, retomando, então, Carolina e próxima ao extinto presídiodeSantaMaria, e mais
aos seus territórios tradicionais de ocupação, sendo que uma uma, a seis ou sete léguas acima As hordas xavantes que
parcela pequena pennaneceu no aldeamento. Ao retomarem migraram para regiões da margem ocidental do Araguaia
a seus territórios da margem direita do Tocantins, pas- estabeleceram-se em vários locais: havia uma aldeia cinco
saram a ser denominados xerentes. Porém, devem-se léguas acima das minas dos araés e outra, a dezesseis
considerar dois pontos: provavelmente, nem todos os léguas do rio das Mortes.
xavantes do norte foram aldeados no Carretão e, nas Os xerentes habitavam principalmente os territóri-
fontes históricas, menciona-se bastante xavantes e xerentes os da margem direita do rio Tocantins. Ao norte, viviam
habitando as mesmas regiões, o que leva a crer que havia nos territórios banhados pelo rio Manoel Alves Grande e,
confusão acerca de ambas as denominações entre os antigos. mais ao sul, ocupavam as terras que margeiam os rios do
Segundo as fontes históricas, os índios xavantes Sono e Balsas. Há ainda notícias dos xerentes vivendo nas
habitavam um território que compreendia regiões do alto proximidades de Lageado, no rio Tocantins, bem como no
e médio rio Tocantins e médio e baixo rio Araguaia. sertão do Duro, nas proximidades dos distritos de Nativi-
Tinham suas aldeias distribuídas nas duas margens do dade, Porto Imperial e da serra Geral. As referências
Tocantins, desde Porto Imperial até vinte léguas depois de históricas sobre os xerentes em terras entre os rios Ara-
Carolina, e a leste, de Porto Imperial estendendo-se até a guaia e Tocantins são pequenas, uma vez que o domínio
serra Geral, limites das províncias de Goiás e Maranhão. deles alcançava as terras do Maranhão, na região de Carolina
Ocupavam ainda as te~ situadas entre os rios Tocantins e até Pastos Bons. Pohl, referindo-se aos grupos indígenas
Araguaia Na baciado rio Araguaia,haviaaldeias na região do habitantes da região do rio Araguaia, enumera os xerentes,
rio Thesouras, nos distritos de Crixás e Pilar e na margem entre outros, como vivendo em te~ banhadas pelo braço
direita do Araguaia E, a partir de meados do século XIX, menor deste rio. O presidente da província, Luiz Gonzaga de
passaram a construir suas aldeias em terrenos banhados pelos Camargo Aeury, informa em 1837 que eles viviam em três
rios Cristalino, Mortes e na margem esquerda do Araguaia. grandes aldeias entre os rios Araguaia e Tocantins.
23
J
A primeira metade do século XIX foi marcada por si os custos das expedições. Assim, os ataques indígenas
intensas guerras, no norte de Goiás, entre os índios e as a povoados e estabelecimentos rurais eram seguidos de
frentes agropastoris que invadiam seus territórios. Os expedições de represália. Pohl infonna que, durante sua
xerentes atacavam nos distritos de Arraias e São Domin- visita ao arraial de Almas, em 1819, os moradores prepa-
gos. E os xavantes retomaram suas incursões para a região ravam uma bandeira contra os xerentes. Nesta situação, a
do rio Thesouras, Santa Rita, Pilar, Crixãs e Salinas. Além ideologia governam.ental dividia-se em duas tendências:
dessas áreas, eles hostilizavam também os estabelecimen- de um lado, havia o colonizador que lutava pela sobrevi-
tos rurais nos distritos de Carolina, Porto Imperial, Pontal, vência e, de outro, os índios que deveriam ser civiliz.ados
Carmo, Natividade e Almas. e integrados à sociedade nacional como povoadores e
O governo de Goiás, visando a conter esses ata- mão-de-obra disponível.
ques, foi levado a tomar diferentes medidas. Um dos O governo provincial, visando a tomar uma atitude
maiores interesses governamentais na ocasião era estabe- mais efetivaquanto à questão inàígena, elaborou alei provin-
lecer a paz com os índios. No .governo de Fernando cial n. 25,de31m/1835,sobafonnade "Instruções" de02/
Delgado Freire de Castilho (1809-1820), os xerentes que 05/l836, tendo sido enviadas cópias para os arraiais.do norte,
habitavam o sertão do Duro procuraram a paz. Foram com prdens para serem executadas. Esw "Instruções" eram
presenteados.e retomaram a seus territórios. Em 1824, o medidas dirigidas. para se realizar a pacificação dos
governador das armas da província de Goiás, general grupos xerehte, xavante e avá-canoeiro. O objetivo era
Raymundo José da Cunha Mattos, mandou construir com organizar bandeiras _para explorarem os territórios dos
seus próprios recursos a aldeia Graciosa, para os xerentes índiosechamá-losàpazpormeiodepresentesedebons
que vieram a Porto Imperial pedir aldeamento. No início, tratos.
eram cento e sete pessoas, porém reuniram-se até oitocen- Durante quase toda a década de 1830, foram envi-
tos índios. Tempos depois, a aldeia foi atacada em peáodos adas bandeiras de pacificação aos territórios xavante e
diferentes pelos inhajurupés, noroquagêsexavantes, durando xerente, sem obterem o sucesso almejado. Estas expedi-
pouco tempo e sendo abandonada por seus moradores. ções eram organizadas com o apoio dos povoados mais
A política indigenista da década de 1830 foi dirigi- atingidos pelas hostilidades indígenas, fornecendo recru-
da com o fim de dar continuidade ao plano de paz com os tas e víveres, cabendo ao governo distribuir munição e
ínôios. O governo provincial, seguindo as determinaçqes armamentos aos expedicionários, além da contratação de
imperiais, recomendava insistente1nente aos povos para homens experientes para comporem a bandeira. Reco-
oferecerem um tratamento mais humano aos .indígenas. mendava-se também a integração de índios jápacificados.
Alertava ainda para os colonos evitarem a força das armas, Na expedição enviada aos xerentes e xavantes, foram
permitindo-a apenas como último recurso. Os colonos, solicitados alguns apinajés da missão de Boa Vista e
porém, nem sempre observavam estas determinações. índios da missão do Duro. Estas bandeiras de pacificação
Assim que os ataques indígenas ocorriam, comunicavam visavam a celebrar a paz com os índios ou expulsá-los
o acontecimento às autoridades mais próximas, solicitan- definitivamentedeseus territórios paraas regi~ maisennas
do providências. Como estas demoravam ou nunca vi- e longínquas.2
nham, os colonos utilizavam os próprios métodos e recur- Além das bandeiras, o governo colocou destaca-
sos para conter as hostilidades dos índios, cotizando entre mentos volantes para patrulhar locais mais freqüentados
24
pelos índios. Esta medida surgiu entre as décadas de 1840 Araguaia. As referências históricas indicando o cruza-
e 1870. Para obstarem as incursões dos xavantes, foram mento desses índios para o outro lado do rio Araguaia
enviados destacamentos a Salinas, Duro, aldeamento de datam do fmal da década de 1840.
São Joaquim do Jamimbu e freguesia de Santa Rita. Aparentemente, os xavantes habitantes da margem
Quanto aos xerentes, solicitaram a colocação de um ocidental do rio Araguaia movimentavam-se também em
destacamento na antiga aldeia Graciosa. sua margem oriental. Segundo o presidente da província
A criação de aldeamentos para a catequese e civi- , Gama Cerqueira, as aldeias da margem esquerda ficavam
• lização indígenas também constituiu uma das medidas próximas à foz do rio do Peixe e, através desse rio, os
governamentais. Para isso, surge o Regimento das Mis- índios tomavam o curso do rio Thesouras, que é seu
sões (1845), que contou com a participação de religiosos afluente, e penetravam no centro do território de Santa
da ordem dos capuchinhos para dirigirem alguns aldea- Rita. Os xavantes do riodas Mortes vinham ao aldeamento
mentos no Brasil. Em Goiás, o aldeamento São Joaquim de São Joaquim do Jamimbu para atacar seus parentes lá
do Jamimbu, fundado em 1845 no território de Salinas, fixados ou, simplesmente, para buscar presentes, ferra-
acima da confluência dos rios Crixás-Açu e Araguaia, mentas de metal.
congregou índios xavantes, carajás, xerentes e avá-canoeiros O governo imperial, por sua vez, ordenou a criação
'
e subsistiu até 1864, quando Couto de Magalhães o transferiu de um aldeamento nas cabeceiras do rio Thesouras, para
para outro local, levando a denominação de São José do tentar o contato com os xavantes que se movimentavam
Araguaia- atual cidaie de São José dos Bandeirantes. naquela região. Contudo, isso não foi possível, por não
Em 1848, foi construído o aldeamento Pedro Afon- existir nenhum religioso que quisesse se encarregar desta
so, na margem direita do rio Tocantins, acima da confluên- missão. Desse modo, eles só foram contatados em seu
cia do rio do Sono, para a habitação de índios craós e último reduto de resistência-o rio das Mortes-na década
, de
xerentes além de alguns xavantes que vieram pedir paz, 1940,pelaequipedesertanistasdoServiçodeProteçã>aolndio.
conservando-se como missão e catequese para indígenas O grupo xavante em questão é constantemente
durante o restante do século XIX. A aldeiaTereza Cristina, apontado nas fontes históricas como sendo bem nume-
levantadaem 1851 nasmargensdoribeirãodasPiabanhas, roso. O conde de São Miguel, em 1756, referiu-se a
afluente da margem direita do rio Tocantins, congregou quarenta mil em toda capitania. Em 1788, foram reuni-
índios xavantes e xerentes, entre outros, sobrevivendo até dos no aldeamento Pedro III de Carretão dois mil e
o final do século passado. Tais aldeamentos tomaram-se duzentos índios. Já a aldeia São Joaquim de Jamimbu
mais tarde núcleos populacionais. Os colonos iam-se não teve mais que duas centenas de indígenas, constan-
aproximando, obrigando os índios a se retirarem dali. do entre eles os xavantes. A aldeia Tereza Cristina, por
As medidas adotadas pelo governo com o objetivo sua vez, congregou o número máximo de três mil
de estabelecer a paz entre índios e colonos levaram grande índios, entre xavantes, xerentes, craós e guajajaras.
parte dos indígenas a aceitarem o contato com o coloniza- Silva e Souza e Cunha Mattos informam que os xavantes
dor, diminuindo, desse modo, os conflitos. Contudo, na eram muito numerosos. Em 1859, o presidente da
segunda metade do século XIX havia hordas xavantes província registra em relatório que tais índios habita-
movimentando-se nos distritos de Porto Imperial e Caro- vam populosas aldeias na margem esquerda do rio
lina e em terrenos das margens direita e esquerda do Araguaia.
25
O alferes José Pinto da Fonse.ca disse ser a nação
O Grupo Carajá carajá a mais numerosa do Araguaia, com seis aldeias,
Os grupos indígenas denom inaâos carajás, carajaís, sendo que a principal, denominadà São :Redro pelos ex-
javaés e xambioás são povos intimamente aparentados, pedicionários, possuía seiscentos guerreiros. Ele informou
compartilhando a mesma língua, a cultura e vivendo em ainda a presença dosjavaés, com três aldeW, e dos carajaís.
tenitórios próximos ao longo do ri·o Araguaia. São classi- O governador, entusiasmado com o sucesso da
ficados como pertencentes ao tronco lingüístico macro-jê, expedição, enviou no ano seguinte uma comitiva de 135
constituindo a família carajá. Provavelmente tais grupos, pessoas para fundar o presídio São Pedro do Sul e o
hámuitosséculos,adaptaram-seaolongodorioAraguaia. aldeamento Nova Beira, com intenção de acolher índios
Habitavam desde a região de Salinas, acima da barra do rio carajás e javaés. Este aldeamento, entretanto, teve curta
Crixás, até quase a junção do Araguaia com o Tocantins, duração, pois o governador que sucedeu José de Almeida
ocupando as margens esquerda e direita, principalmente. Vasconcelos, o capitão-general Luiz da Cunha Meneses,
Há notícias de carajás no Araguaia que remontam transferiu os oitocentos índios carajás e javaés para São
desde as primeiras décadas do século xvm. o sertanista José de Mossâmedes. Esta medida provocou o declínio do
Antônio Pires de Campos, por exemplo, fez guerra e aprisio- aldeamento e a extinção do presídio São Pedro do Sul,
nou índios carajás da ilha do Bananal. Contudo, deve-se retardando, assim, a colonização da região do Araguaia;
considerar que eles tiveram seus primeiros contatos com o No século XIX, o governo colonial procurou incen-
colonizador no século xvn, quando os bandeirantes utiliza- tivar a ocupação das margens dos rios Araguaia e Tocan-
ram o rio Araguaiacomo rota de penetração do B~ilCentral. tins. Para isso, concedia vantagens àqueles que se dispu-
No final do século XVill, no governo do capitão- sessem a habitar suas margens, principalmente as do
general José de Almeida Vasconcelos, expediram-sequa- Araguaia, que se encontravam sem nenhuma povoação.
tro bandeiras que tinham o objetivo de tentar novas Visando também apoiara navegação peloAraguaia, o gover-
descobertas auríferas, baseadas nos antigos roteiros, e no da capitania manda fundar o presídio Santa~ locali-
estabelecer contatos com índios que porventura encon- z.aâonas proximidàdesdacachoeiradomesmonome.Noano
trassem. Partiu do arraial de Traíras uma bandeira, em seguint~, os carajás, temendo serem escravizados, f0tmam
direção ao Araguaia, em busca das minas de ouro Cios uma coligação, unindo-se aos xavantes, xerentes e carajaís,
Martírios. A e~pedição, entretanto, encontrou apenas índios, destruindo o presídio e expulsando, assim, os colonii.adores.
carajás e javaés, na ponta meridional da ilha do Bananal. Os carajás habitavam ambas as margens do rio
Na capitania de Goiás a produção aurífera já se Araguaia, desde a foz do rio Crixás até a boca ou furo,
encontrava em franca decadência desde a década de 1770. abaixo da ilha do Bananal. Já os índios javaés viviam na
€ om o fracasso das bandeiras enviadas, tomou-se neces- ilha do Bananal e possuíam suas aldeias no braço ociden-
sário incentivar novas alternativas econômicas. Em 1775, tal do furo do Bananal. lfá referências dos índios carajaís
José de Almeida Vasconcelos mandou uma nova expedição ·habitando a ponta meridional da grande ilha, nas proximi-
para a ilha do Bananal, chefiada pelo alferes José Pinto da dades da povoação de Salinas e a margem esquerda de
Fonseca, colocando em prática as recomendações de Portugal Araguaia e fteqüentando o local do presídio de Santa
relativas à pacificação e redução dos indígenas. Esta expedi- Maria. Os xambioás, por sua vez, foram encontrados na
ção preparava ainda o futuro da navegação pelo rio Araguaia região da cachoeira Santa Maria e mais abaixo.
26
As fontes históricas indicam locais de aldeias dos Coudreau, que viajou através do rio Araguaia em
índios, e Cunha Mattos, em 1824, refere-se a três aldeias 1897, observou O estado de miséria e mendicância em que
carajás na região do presídio Santa Maria, ocupando se encontravam os carajás nas povoações ribeirinhas. Esse
ambas as margens do rio Araguaia. Já o presidente da grupo, há séculos, ocupa esta região. Provavelmente, eles
província informa, em relatório de 1855, que nas margens desenvolveram um inooode vida adaptado ao rio desde os
do Araguaia existiam mais de catorze aldeias, sendo sete tempos pré-históricos. 3
aos carajás, quatro dos xambioás e as demais dos carajaís. "
Em relatório de 1879, o engenheiro Joaquim Rodrigues de Os Indios Tapirapés
Moraes Jardim enumera dezoito aldeias carajás no braço
Os tapirapés pertencem à família lingüística tupi-
esquerdo da ilha do Bananal até o presídio Santa Maria. guarani, de língua tapirapés. Este grupo indígena é lin-
H~ além disso, informes de uma aldeia carajaí na foz do
güisticamente bem próximo aos avá-canoeiros, dentre
rio das Mortes.
outros deste mesmo tronco lingüístico habitantes da re-
Ao longo do século XIX, a ocupação colonizadora gião da bacia do baixo Tocantins. Possivelmente, os
vai expandindo seus domínios em virtude dos programas tapirapés vieram do norte subindo o rio Tocantins~ dirigin-
governamentais para navegação e colonização da região do-se daí para a região do Araguaia.
do Araguaia Foram fundados presídios e colônias milita- Os índios tapirapés foram conhecidos pelo colonWi-
res, além de aldeamentos para civilização e catequese dor desde as primeiras décadas do século XYDI. Por volta de
indígenas. Aos poucos, os carajás aceitaram p contato e se 1742, o sertanista João de Godói Pinto da Silveira, em busca
estabeleceram em povoações colonizadoras, como os de ouro na região do Araguaia, realizou um assalto às aldeias
aldeamentos de Salinas e São Joaquim do Jamimbu, tendo tapirapés, apreendendo cem índios, os quais morreram à
sido utilizados como mão-de-obra para a navegação. míngua em Vila Boa Já a expedição do alferes José Pinto da
Na década de 1860, a pecuária expandia-se na Fonseca, tealizada em 1775 para a conquista dos carajás da
região do Araguaia. Foi implantada a navegação a vapor ilha do Bananal, obteve notícias, através destes, da existência
e efetivou-se a reconstrução do presídio Santa Maria, de tapira:pés na remão do Araguaia As informações dispení-
fundado pela primeira vez em 1812, em território tradiei- veis, datadas do sé:culo passado, também indicam a presença
onal de ocupação carajá que sofria, então, constantes destes índios na região, com aldeias no rio Tapirapés.
ataques de hordas carajá e carajaí. A ocupação coloniza- Baltlus informa que, antes do século -:XVill, os
dorajá estava consolidada. Contudo, nas décadas de 1860 índios tapirapés moravam mais ao norte e mais próximo
e 1870, havia hordas carajá, javaé e carajaí ainda autôno- ao tio Araguaia, mas sempre a o·este deste rio. Eventuàl-
mas. mente, eles freqüentavam a ilha do Bananal.4 Lipkind,
Os carajás faziam guerra com seus vizinhos, já que inclusive, descobriu junto aos índios javaés que estes e
isto era parte de sua vida cultural. Há relatos que revelam alguns tapitapés viv'eram juntos na ilha, no final do século
conflitos constantes dos carajás com os xavantes, caiapós XIX. Ostapirapéseoscarajás tiveram também um estreito
do norte, gradaús e avá-canoeiros. Os carajás, em contato relacionamente. Segundo Baldus, muitos elementos da
com o colonizador, eram requisitados para comporem cultura tapirapés são provenientes do contato com índios
bandeiras de pacificação dos índies xavantes, na região de do grupo carajá, e qu~ estes raptaram mulheres tapirapé~
Salinas, e dos avá-canoeiros, na região do Araguaia em suas aldeias.
27
I
Enfim, o grupo indígena em questão estabeleceu- Tocantins, e faziam guerra aos navegantes. Logo no início
se há muitas décadas ao longo do rio Tapirapés. E seus do século XIX, foram aldeados próximo a Boa Vista,
remanescentes ainda habitam a mesma região. juntamente com alguns índios craós e afotogés, sob a
direção de um leigo, mas se rebelaram, fugindo para as
O Grupo Timbira matas. A rebelião, porém, foi controlada, e eles retomaram
ao aldeamento. Esses índios foram utilizados para compo-
Os grupos timbiras entraram em contato com o rem forças ao lado do colonizador como, por exemplo, na
colonizador no norte de Goiás no início do século XIX, em luta em favor da independência do Brasil, em que duzen-
vütude da navegação do Tocantins e da ocupação agro- tos ecinqüentaguerreiros foram requisitados. Além disso,
pastoril daquela região. participavam de bandeiras de pacificação dos índios
Tais grupos eram habitantes primitivos das campi- xavantes, xerentes e avá-canoeiros. Os apinajés eram
nas do sul do Maranhão e estavam sendo empurrados para numerosos. Silva e Souza informa, em 1812, que possu-
o território goiano, devido aos criadores de gado que se íam cinco aldeias junto à cachoeira de Santo Antônio.
apossavam de suas terras.5 Cunha Mattos refere-se a duas ao norte de Carolina e uma
Os timbiras compõem-se de sociedades que com- próxima ao rio Araguaia Tais índios faziam guerra com
partilham cultura e língua e possuem territórios contíguos. os xavantes, xerentes, carajás e, provavelmente, com os
São divididos modernamente em timbiras ocidentais e caiapós do norte, habitantes das terras do Pará.
orientais - os ocidentais habitando as terras a oeste do rio Os índios otogés e afotogés eram grupos menores,
Tocantins, e os orientais, as terras a leste deste mesmo rio. provavelmente mais aparentados com os apinajés, em
Sãoclassificados lingüisticamentecomofiliadosàfamília virtude da proximidade territorial. Os otogés habitavam
jê e língua timbira e atualmente habitam o território dos junto à cachoeira das Três Barras. Os afotogés, por sua vez,
estados do Tocantins, Maranhão e Pará. viviam na banda oriental do rio Tocantins e foram aldeados
Darcy Ribeiro informa que os timbiras constituíam em Boa Vista, juntamente com os apinajés e craós. A
originalmente quinze tribos, contudo não as relaciona. Os catequesenoaldeamentodeBoa Vista foiestabelecidaem
grupos históricos encontrados nas fontes consultadas 1841, por missionários, e situava-se na extremidade da
foram apinajés, afotogés,6 con·etis (cortis,coritis ou corités), península, entre os rios Araguaia e Tocantins.
otogés, porecramecrãs, macamecrãs, temem bus e caraós. Quanto aos corretis, foram aldeados juntamente
Pohl nomeia os jês-camecrãs, capatagês, curicamecrãs e com os apinajés, em Boa Vista, e habitavam próximo ao
caturecatagês como sendo grupos habitantes da margem baixo rio Araguaia
oriental do rio Tocantins, e que poderiam fazer parte do Já os índios porecramecrãs viviam numa aldeia a seis
grupo timbiras. Já Curt Nimuendajú aponta os grupos léguas abaixo da povoação de Pedro de Alcântara, na margem
norocoajés (ou niuruguajés) e inhajuruprés (ou orajoumo- direita do Tocantins, juntamente com um sertanejo que era
prés) como provavelmente sendo deste mesmo grupo. muito respeitado por eles. &te homem informou a Pohl que
Os índios apinajés foram os primeiros dentre os os índios viviam, anteriormente, a cerca de dez léguas ao sul
timbiras7 a entrarem em contato com o colonizador. Porém, foram empurrados para o norte em virtude dachegada
Habitavam a região da cachoeira de Santo Antônio, Boa dos criadores de gado. Os porecramecrãs tinham divergências
Vista e ao norte de Carolina, entre os rios Araguaia e com seus parentes, os índios macromecrãs.
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Ásia Central, Setentrional e Oriental e da Indonésia. Os atacavam e atemorizavam os moradores das fazendas e
avá-canoeiros possllem características biológicas es- povoados, destruindo o que podiam. CunhaMattos fala na
sencialmente mongolóides. Os olhos são mongólicos, destruição deu m grande número de fazendas de criação de
os cabelos são lisos e grossos. Os lábios são um pouco gado nos distritos de Amaro Leite e Descoberto. O terror
grossos, mas não tanto quanto os da raça negróide, o que espalhado pelos índios em vários arraiais do norte gerou
constitui uma variante de grupos biológicos realmen.te grande ódio e medo na população.
distintiva. A pele dos índios americanos, inclusivea dos Cunha Mattos, intrigado com as .informações a
avá-canoeiros, é mais escura do que a da maior parte dos respeito das hostilidades cometidas pelos avá-canoeiros e
europeus, mas não tanto quanto a dos povos de áreas também suspeitando que pertenciam ao grupo xavante,9
"
tropicais da Africa. Segundo Beals e Hoijer, os índios pesquisou entre a população do arraial de São Félix a
americanos apresentam uma grande freqüência do gru- veracidade da descendência mestiça destes índios, escre-
po sangüíneo ''Oº e uma pequena porcentagem de ''A", vendo:
sendo raros ou ausentes os tipos "B e AB ". O tipo
11 11
cípio de Cavalcante, .usava-se ora a designação "cano- extintos, estão os antigos pacajás, os tapirauas, os cupe-
eiro••, ora ''avá-canoeiro" . .Por sua vez, na imprensa rop, os anambés e os tacuniapés. Dos atuais, relaciona os.
nacional e na goianiense dessa época, já se usava o arauetés, os assurinis do Tocantins, os suruís do Tocantins
nome avá-canoeiro, sendo este um tenno consagrado e os paracanãs. Os uaiãpis eram provenientes do médio
há pelo menos 20 anos. curso do rio Xingu e posteriormente migraram mais para
o norte, cruzando o rio Amazonas. O autor acredita na
Considerações Gerais possibilidade de haver uma origem comum entre os tupi-
guaranis do intertlúvio Xingu/focantins eos tupi-guaranis.
Já vimos anterionnenteque as diferenças lingüísti- da margem direita do Tocantins, representados pelos
cas apresentadas entre índios avá-canoeiros e carijós e os grupos amanaiés, turivaras, urubus-caapor, guajás e gua-
caracteres físicos observados entre seus remanescentes jajaras. Os tupi-guaranis da margem direita seriam prove-
são evidências suficientes para refutar a suposição de que nientes da região Xinguffocantins e que, por algum
os avá--canoeiros sejam descendentes de índios carijós motivo, migraram para o outTo lado do rio. Além do mais,
miscigenados com neg.ros fugido~. Os avá-canoeiros têm os grupos tupi-guaranis da região Norte não foram e riem
características culturais próprias e já estavam estabeleci- são apenas os aqui mencionados. Esta é um·a discussão
dos às margens do rio Maranhãolfocantins ede alguns de bastànte interessante; contudo, Viveiros de Castro alerta
seus afluentes antes da penetração colonizadora do século que '·' a origem histórica de todo esse conjunto de tribos
XVlli. Possivelmente, esses índios são provenientes de tu pi-guaranis do Pará/Maranhão (...)é de difícil precisão",
regiões do baixo rio Tocantins. Esta hipótese fundamenta- arriscando-se inclusive a especular sobre uma origem
se nas suas semelhanças lingüísticas com grupos indíge- "protoparaense'! no interflúvio Xingu/focantins.33
nas também estabelecidos nessas terras, tais como os Daí surge-a questão: porqueequandosedeu a cisão
assurinis do Tocantins, suruís do Tocantins, paracanãs,
1
deste grande grupo tu pi-guarani? O autor apresenta duas
guajajaras e tembés. Tudo indica que os avá-canoeiros hipóteses para explicar este processo de segmentação. A
subiram o Tocantins e instalaram-se nas margens e ilhas do primeira, citando Làraia, é a de que a cisão poderia ser
altocursodesterioedealgunsdeseusafluentes principais. Os resultante de violentos conflitos dentro da própria socie-
grupos jês dominavam toda a região goiana (incluindo o atual dade. A outra pussibilidade seria responsabilizar os movi-
estado do Tocantins), mas não fixavam suas aldeias próxi- mentos migratórios ligados à invasãoeuropéia, no sentido
mo às margens dos gran.des cursos d'água, exceto os carajás, norte-sul, com profundas modificações no espaço dos
que são macro-jês e vivem ao longo do rio Araguaia tupi-guaranis da região Xingu/foc;mtins~ Estes movi-
Eduardo Viveiros de Castro faz interessantes con- mentos, abordados por Viveiros de Castro, foram dois. O
siderações a respeito dos grupos indígenas da família tupi- primeiro (o que nos interessa neste momento) deu-se nas
guarani habitantes do norte do Brasil. Em seu trabalho décadas iniciais do século XVJI, com as reduções dos missi-
Araweté: os deuses canibais, o autor informa que a região onários jesuítas, seguidos pelas expedições militares, resul-
entre o baixo curso dos rios Xingue Tocantins foi habitada tando nos aldeamentos mistos com imposiçãodalíngua geral.
por vários grupos pertencentes à família tupi-guarani, No século XIX, ocorreu o segundo movimento, com a fuga
desde pelo menos o século XVII. O autor enumera vários dos aldeamentos e a dispersão desses índios e daqueles que
grupos extintos e atuais.ocupantes desta região. Dentre os gennaneciam autônomos para longe dos rios.
48
Quanto aos avá-canoeiros, é difícil, dispondo das parakanã oje; (b) PTG jatxy 'lua', tem~ zahy, asurini do Tocantins txahya,
parakanã txaya, tapirapés txãhy; PTG otsó 'ele vai', tembé ohó, asurini do
infonnações obtidas até o momento, supor se sua disper- Tocantins óha; (c) PTG opwerab 'ele se recupera', tem~ okweraw; (d) PTG
são ocorreu antes ou durante o século XVII. Contudo, a alc;e pják 'euo vejo', tembé aetsák, '.jac.ft',asurini do Tocantins ~g; (e)PTG
hipótese que se tem é a de que a fixação desse grupo é jakaré jacaré', tembé zakaré, asurini do Tocantim txakare, tapirapés txãkir'L
7
Idem. p. 37.
anterior ao século XVII, tendo em vista que a ocupação do
Escreve Rodrigues, subconjunto 1, características mais gerais em relação ao
referido grupo num extenso território ao longo do rio prototupi-guarani: "a) Perda das consoantes finais; b)Conservaçãodotxou
Maranhão/focantins já se encontrara bem definida no sua mudança em ts ou s; c) Mudança de ts em h ou zero; d) Mudança de pw
século XVIII, quando se deu o início da colonização do em kw ou k; e) Mudança de pj em tx ou x."
11 BEALS. R. Y. & HOIJER, H. lntroduccion a la antropologia. Madrid:
Brasil Central. Aguilar, 1972. p. 168.
Entretanto, tais questões poderão ser melhor escla- 9 0FÍCIO n. 15 do brigadeiro R. J. da Cunha Mattosao ministro João Vieira
recidas quando dispusennos de estudos mais aprofunda- de Carvalho em 25.10.1823. (Pacote IG l 217. Arquivo Nacional do Rio
de Janeiro)
dos da etnolingüística dos tupi-guaranis e da etnografia 1°CUNHA MATIOS, R. J. da. Chorographia histórica da província de Goiaz.
dos remanescente dos avá-canoeiros, assim como de Revista do Instituto Histórico e Geogr,fico Brasileiro. Rio de
pesquisas arqueológicas nas aldeias de avá-canoeiros dos Janeiro: IHGB, t. 37/38, p. 72, 1874. Nota de roda~ n. 103.
11
séculos XVIII, XIX e XX, das quais se conhece a locali- AMERICANO DO BRASIL, A. Pela história de Goiás. Goiânia: Ed.
UFG, 1980. p. 154. (Col. Documentos Goianos, 6)
zação. 12
SUBSÍDIOS para a históriadacapitaniadeGoyaz( 1756-1806). Revistado
Instituto Histórico e Geográr1eo Brasileiro. Rio de Janeiro: IHGB. t.
84, p. 79.
13
BAIOCCHI, M. de N. Kalunga Ciência Hoje. Rio de Janeiro: SBPC, v.
Notas 13, n. 5, p. 19, ago., 1991.
1 COUTO MAGALHÃES, J. V. do. Viagem ao Araguaia. 5. Ed. São Paulo: Estas comunidades são descendentes dos escravos que fugiram para o
. Ed. Nacional, 1938. p. 113. (Coleção Brasiliana, v. 28) interior de Goiás, durante a exploração das minas de ouro, e se fixaram no
2 FERREIRA, M. R. O mistério do ouro dos martírios. São Paulo: Biblos, vão de Moleque, vão de Almas, contenda Kalunga e Ribeirão dos Bois, nos
1960. p. 61. municípios de Cavalcante, Monte Alegre e Terezinha de Goiás.
3 Ver: 1
• O decadente arraial de São Félix teve seus estabelecimentos destruídos e
LEITE, S. História da CompanhiadeJesusno Brasil. Lisboa: Portugália, despovoados pelos avá-canoeiros. Os informes apontam o final do ~c.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1938. t. 1, p. 321 -322. Refere-se XVI li como início dos ataques ao arraial e às fazendas deste distrito até por
a Nóbrega utilizando a denominação negros para os índios. volta de 1851, quando não há mais referencias a este arraial nos documentos
MONTEIRO,J. M. A escravidão indígena e o problema da identidade étnica compulsados. No entanto, em Ata de Reunião da Câmara Municipal de
em São Paulo colonial. Revista Ciências Sociais Hoje. São Paulo: Cavalcante fala-se da antiga povoação da freguesia de S. Félix, em virtude
Vértice/Rev. dos Tribunais, p. 237-238, 1990. das eleições, até 1878. Estas atas encontram-se na casa paroquial de
•BALDUS, H. Tapirapés, tribo tupi no Brasil Central. São Paulo: Ed. Cavalcante.
15
Nacional/Ed. USP, 1970. p. 70. (Col. Brasil iana - Série Grande Formato, lnformação de dona Te reza Vieira Cavalcante, natural de Peixe-TO, que
17) ouvia histórias do falecido Graciano Aires da Silva, morador da cidade
sRODRIGUES, A. O. Relações internas na família lingüística tupi-guarani. de Paranã e profundo conhecedor da história de São Félix. Entrevista fev.
Revista de Antropologia. São Paulo: USP, Separata dos v. 27128 de 1989.
16
1984/1985. p. 48. Informação do advogado Eujácio Jorge Cheio, natural de Cavalcante.
6
Idem. Ibidem. p. 39-40. Entrevista dez. 1989.
17
No subconjunto IV, Rodrigues descreve as características mais gerais em OFÍCIO do governador das armas R. J. da Cunha Mattos ao comte. geral do
relação ao proto tupi-guarani, "(a) conservação das consoantes finais, com distrito de São Félix em 12.01.1 824. ln: 1823-1829: correspondência
ou se m modificações; (b) fusão de txe ts,ambas mudadas em h; (c) mudança do governador das Armas com os Comandantes dos Distritos.
de pw em kw; (d) mudança de pj em tx ou ts; (e) mudança de j em tx, ts e/ Arquivo Histórico Estadual de Goiânia.
111
ou z. Ex.: (a) PTG okér 'ele dorme', tembé okér, asurini do Tocantins óken, MATUTINA MEY APONTENSE, n. 475 de 25.09.1833.
49
111
RELATÓRIO que à Assembléia Legislativa de Goyaz apresentou na sessão
ordinária de l de maio de 1849 o Exmo. Vice-Presidente da mesma
província. Antônio de Pádua Fleury. Goyaz: na typographia, 1849.
211 Em Niquelândia. no Centro Cultural Antônio Ermírio de Moraes. há fotos
50
•
A Hi~tória da Dominação
/
1
/
-
Na história das relações interétnicas dos avá-cano-
eiros e dos colonizadores, observa-se uma semelhança
bastante significativa entre esta, e a dos demais grupos
indígenas de Goiás e do Brasil. E a história da dominação
marcada pela violência e pelo esbulho dos territórios
tribais de várias sociedades indígenas.
A violência e a terra são temas atuais na nossa
'
sociedade. No entanto, é uma realidade tão antiga quanto
a chegada dos europeus na América há quinhentos anos.
Os portugueses e seus descendentes no Brasil sustentaram
ideologicamente essa usurpação, levando à destruição
física e cultural dos povos autóctones, por se acreditarem
superiores do ponto de vista sócio-econômico e tecnológico.
tenitórios tribais. Nesse século, considerava-se como tenitó- A política índigenista do Estado assumiu novas
rio avá-canoeiro o sertão de Amaro Leite, 1 ilhas do Tocantins características nacapitaniadeGoiásno govemodeJoséde
e terras da margem direita de rio Maranhãoffocantins, perten- Ahneida Vasconcelos ( 1772-1778), quando houve um
centes aos julgados de São Félix, Traíras e São João da Palma. novo vigor na política pombalina. O governador e seus
O ouro explorado no norte da capitania não era sucessores empenharam-se na redução dos indígenas em
muito abundante.; os veios logo se exauriram. Em 1754, aldean1entos. A decadência da produção aurífera e a
por exemplo, sua produção não ultrapassava a metade da ausência de novas minas para explorar levaram os
produção aurífera do sul. Desse modo, a população foi governantes a procurarem outras alte111ativa5 econômicas
forçada a partir para novas alternativas económicas. As con10 a produção agropastoril e o c0n1ércio por meio da
terras férteis que margeiam o rio Maranhãoffocantins utilização das vias fluviais. A integração do indígena à
foram, então, ocupadas pela modesta economiaagropastoril. soci,edade, como povoador, era, portanto, necessária den-
Ao mesmo tempo, em locais mais afastados dos centros tro dos novos planos governa1nentais - ao tirarem o índio
mineradores, fazendas de criação iam-se estabelecendo. de seu rnei0 natural, impediarn-no de viver segundo seus
Essas frentes pioneiras assentaram-se nos terrenos costumes e tradições, confinando-o em aldeias oficiais
de exploração dos índios avá-canoeiros, que impuseram que o obrigavarn a seguir os moldes da cultura de seus
resistência à invasão por meio da guerra, atacando e conquistadores. Aldearos índios também significava o térmi-
destruindo os estabelecimentos rurais que se instalavam no das hostilidades entre eles eoscolonos, areduçãodas terras
em seus territórios. Em 1760, já haviam destruído fazen- indígenas e sua liberação para a ocupação em fazendas. A
das de gado fixadas nas regiões dos rios Santa Tereza, ernpresa colonial visava ainda a atingir os rios Araguaia e
Cana Brava e Almas, no sertão de Amar0 Leite. Tocantins, por onde escoaria a produção em direção ao Pará
A expansão agropastoril em Goiás intensificou-se Contudo, era preciso a integração dosíndios dessas regiões
a partir da década de l 780, quando o ouro ~ornou-seu ma e1n aldeamentos oficiais, pois só a5sim seria possível a
produção secundária. Segundo Gilka Salles, as fazendas navegação por esses rios, além de se oferecer amparo às
de gado, no ano de 1796, somavam 40 l propriedades nos embarcações com alimentos, combustível e mão-de-obra.
julgados do norte e 121 nosdosul. Aos poucos,aatividade Nas duas últimas décadas do século XVIII, os
agropastoril cresce em importância na economia goiana, conflitos entre os avá-canoeiros e os cot-onos fixados nas
e será nos territórios de várias sociedades indígenas que se terras que 1nargeian1 o rio Maranhãoffocantins, nos julga:.
veri fiGará sua expansão, desalojando, assim, seus hab itan- dos de São Félix e Pahna, intensificaram-se. O governador
tes milenares. A decadência das minas provocou o despo- Luiz da Cunha Menezes, acreditando que estes índios só
voamento de vários núcleos populacionais que possuíam poderiarn ser aldeados con1 a efetivação da navegação
sustentação na atividade mineradora. Esses povoados pelo Tocantins, articulou gestões juntoaPortugal para que
'encontravam-se, gerahnente, isolados uns dos outros, e fosse cassada a proibição do uso das vias fluviais.
seus habitantes, dispersos na vida rural, tornavam-se Logo após a liberação dessas vias, o governo me-
frágeis e expostos às represálias indígenas. O arraial de tropolitano solicitou das capitanias de Goiás e Pará provi-
Barra do Palma, por exemplo, foi completamente destruí- dências para se efetivar a navegação, visando a estabelecer
do por volta de l 780 pelos avá-canoeiros, sendo edificada o con1ércio entre as duas capitanias e viabilizando, desse
anos mais tarde, no local, a vila de São João da Paln1a. modo, novas alternativaseconô1nicas. O governadorTris-
'54
tão da Cunha Menezes ( l 783-1799), preferindo a navega- A empresa colonial dessaépoca,noquediz respeito
ção pelo rio Tocantins, por supor ser mais curta e pela à navegação, enfrentava várias dificuldades, entre elas a
presença de povoações ao longo do rio, enviou, em 1798, ausência de núcleos populacionais próximos às margens
uma expedição ao Pará, levando recrutas (Portugal ternia dos rios, principalmente do Araguaia, e o grande número
uma invasão francesa no norte) e mercadorias. Uma da<> de grupos indígenas hostis que habitavam suas margens.
intenções do governador era conquistar a paz com os avá- Visando solucionar esses entraves, a Carta Régia de 05/
canoeiros. Para tanto, incorporou à expedição o sargento 09/18 11 recomendava a construção de presídios militares
José Luiz cornandando vários soldados. A bandeira, ao longo dos rios Araguaia e Tocantins, bem como fazer
chegando ao arraial do Pontal, encontrou-se ._com o guerra ofensiva contra os indígenas que se opusessem à
tenente de dragões Miguel deArrudaeSáque,en1 nome navegação e à fixação de estabelecimentos rurais, permi-
do capitão-general Tristão da Cunha Menezes, determi- tindo, ainda, escravizá-los.
nou aos juízes dos povoados do norte que mandassen1 As conseqüências dessa Carta Régia sobre os índi-
os moradores aprontarem mantimentos para os recrutas os resultaram na criação do presídio Paranatinga,3 situado
que se dirigiam ao Pará, como também para os índios na confluência dos rio Paranã e Tocantins - local estraté-
avá-canoeiros, unia vez que se pretendia estabelecer a gico dentro do território tribal dos avá-canoeiros-, com o
paz.2 Contudo, as tensões interétnicas geradas anterior- objetivo de amparar a navegação e proteger os estabeleci-
mente levaram os índios a não aceitarem as propostas de rnentos rurais fixados na região do rio Maranhão/focan-
paz do colonizador. Como conseqüência, ocorreu um tins, no julgado de Vila da Palma. A força armada foi,
grande massacre na aldeia das ilhas do Tropeço. Tal era o assim, um recurso constantemente utilizado pela empresa
, ímpeto que mesmo os queconseguiram evadir-sedo cerco colonial para subjugar e extinguir os povos indígenas.
foram perseguidos por ordem docomandanteda bandeira. A guerra ofensiva perpetrada contra os avá-canoei-
Os autores clássicos da historiografia goiana atribuem a ros durou até por volta da década de 1860, quando a
esse massacre a responsabilidade pelo desencadeamento população indígena já se encontrava bastante reduzida. As
de seguidas represálias dos índios ao colonizador. bandeiras enviadas contra os índios foram constantes
nesse periodo. Ern 1819, Pohl infonna que durante sua
O Século XIX: a resistência estadia no arraial de São Félix preparava-se uma bandeira
de represália contra os índios. Essa expedição encontrou
Os conflitos iniciados a partir da segunda n1etade uma aldeia indígena habitada às margens do rio das
do século XVIII, entre os avá-canoeiros e a<; frentes Almas, reduzindo-a a cinzas.
pioneiras, intensificararn-sedurante a primeira metade do Na década de 1820, os índios desencadearam um
sécu lo XIX, em virtude da expansão da econom ia movimento de desobstrução de seu território, atacando e
agropastoril. Tal expansão se deu em territórios indígenas destruindo fazendas e ameaçando povoações que já se
ainda inexplorados, tomando novo impulso por meio dos encontravam nu1n estado de extrema pobreza. Os locais
incentivos fiscais concedidos com vistas ao incremento da mais ameaçados foram o sertão de Amaro Leite e os
navegação pelos rios Tocantins e Araguaia Nesse sentido, a distritos dos julgados de Palma, São Félix e Traíras,
Carta Régia de 07/O l/1806 concedeu vantagens àqueles que povoados e estabelecimentos rurais próximos das mar-
se dispusessem a povoar os sertões incultos da capitania. gens do rio Maranhãoffocantins.
55
As bandeiras enviadas contra os índios, por sua vez, aos expedicionários; ·os governantes recomendavam à
podem ser consideradas de dois tipos: uma menor, puni- população aumentarem a produção de alimentos, tendo
tiva, que congregava até 40 pessoas retiradas das próprias em vista o abastecimento da bandeira; pediam-se víveres
milícias que por vezes existiam na região bem como por para dois meses de campanha - farinha de mandioca,
alguns recrutas e voluntários. Estas expedições recebiam milho, carne de sol, toucinho, feijão, fumo e outros. Deste
munição do governo provincial e eram organizadas rapida- modo, era necessário mais de um ano para organizar uma
mente, partindo ao encalço dos índios logo após seus ataques. bandeira de tal monta A ocasião mais propícia para a
O outro tipo denominava-se bandeira de pacifica- partida dessas expedições era a época da seca, no período
ção, pois era esta a intenção do governo ao organizá-la. A de abril a setembro, sendo que os comandantes preferiam
em presa particular participava com voluntários e alimen- o mês de junho. Os estrategistas recomendavam que os
tação para a temporada de campanha eao governo provin- expedicionários saíssem de vários locais diferentes para
cial cabia o fornecimento de munição, armamentos, or- exploraro tenitórioindígena, pois geralmentenãoseconhecia
dens para o recrutamento de homens e a contratação de a localização das aldeias. O objetivo destas bandeiras era
sertanistase milicianos, pessoas experientes, acostumad~ no claro, segundo as orientações governamentais: convidar
trato com indígenas, para comandaras bandeiras. Aforça que os índios a viverem em paz e amizade com a "gente civiliza-
compunha a expedição era retirada dos povoados mais da", tratando-os amigavelmente e oferecendo-lhes presen-
atingidos pelas incursões dos índios, solicitando aos vb- tes. A paz e a amizade propostas pelo colonizador conti-
luntários que se alistassem junto ao juiz de paz. Eram nham explícita a sujeição dos índios, que deveriam jurar
utilizados, também, soldados das milícias, índios prove- fidelidade ao imperador e prometer que suas terras pode-
nientes de aldeias oficiais, algumas mulheres e, como riam ser ocupadas pelas frentes pioneiras e pelos colonos.
intérpretes, reféns obtidos em guerras anteriores. O núme- Entretanto, se os índios não aceitassem as propostas, a
ro de componentes que participavam dessas expedições ordem seria expulsá-los para locais mais ermos além do
variava segundo as intenções dos organizadores. Cunha Araguaia e, se necessário fosse, extingui-los:'
Mattos, governador das armas em Goiás, numa das ban- A conquista dos territórios indígenas foi realizada
deiras que preparava visando chamar à paz os avá- com violência e intolerância. Supunha o colonizador que
canoeiros, em 1823, e querendo demonstrar uma força os índios assemelhavam-se a animais e estariam benefici-
superior a dos índios, pretendia levantar um contingente ando-se ao deixar seus "bárbaros costumes", aceitando as
de 400 homens. Porém, ao organizar outras, referia-se a benesses do convívio com a sociedade civilizada
280, 200 e até mesmo 100 pessoas. Não era simples As bandeiras organizadas nos anos de 1823 e 1824
levantar, naquele tempo, um grande número de combatentes, (sempre para sair no ano seguinte) foram consideradas
com uma população tão reduzidacomoestavaada província pelo governador das armas como campanhas de guerra.
A organização de uma bandeira desse porte deman- Os soldados milicianos que não comparecessem ao cha-
dava tempo. Havia troca de correspondências entre o mado ou se portassem com covardia seriam submetidos a
presidente da província, o governador das armas, os juízes julgamentos militares. A preocupação de Cunha Mattos
de paz dos locais atingidos, os sertanistas e comandantes, com respeito à garantia do contingente da bandeira residia
visando a realizar consultas e preparativos: os habitantes nas esperadas deserções dos soldados e dos voluntários.
dos distritos hostilizados pelos índios forneciam víveres Os avá-canoeiros eram considerados ferozes, bárbaros e
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,,
destemidos. A .população do norte tinha verdadeiro pavor de 1823 não saiu por falta de munição; a de 1824, em
dos índios. Em expedições anteriores à de Cunha Mattos, virtude da portaria imperial proibindo a guerra contra os
já existia esse medo. Após ter presenciado os preparativos inimigos internos; a de 1825, devido às providências
de uma expedição em São Félix, Pohl, dirigindo-se a Porto demoradas, à troca de chefias e à aproximação da él?QCa
Imperial, P.assou por fazendas entre São Félix e Palma das chuvas; a de 1826 não relata os motivos do malogro.
transformadas em verdadeiros desertos, pois os homensf Sobre a bandeira organizada em 1827, não há notícias de
temerosos do enfrentamento com os índios, fugiam da sua efetivação.
convocação. A bandeira a que Pohl se refere, antes de A guerra ofensiva contra os índios não se
atacar a àldeia do rio das Almas, passou por vários resumia apenas no envio de ba.ndeiras. Paralelamente,
percalços em virtude desse temor. havia os destacamentos incumbidos de guarnecer presídi-
A poütica indigenista repressiva do peáodo de dom os militares, arraiais e locais onde os índios costumavam
João VI, pennitindo guerras ofensivas e a escravização dos aparecer. Os destacamentos faziam rondas periõdicas,
índios, continu0u até o final do governo de dom Pedro 1. O buscando cobrir, na medida do possível, estas áreas. Na
primeiro imperadorbrasileiro legislou sobre a questão indíge- década de 1820, havia destacamentos nos presídios Para-
na por avisos e recomendações aos governos provinciaís. natinga e São Félix, com a finalidade de proteger os
As bandeiras punitivas, organizadas nas três pri- estabelecimentos rurais e os povoados mais próximos.
meiras décadas do século XIX, compartilhavam do espí- Apesar destàs medidas repressivas, os índios.não se inti-
rito repressor da política indigenista de dom João VI, midaram nem recuaram. Ao contrário, suas represálias
motivadas pelo interesse da expansão colonizadora e eram constantes, havendo um estado quase que perma-
visando à ocupação das terras indígenas. Os avisos e nente de guerra.
recomendações imperiais, porém, eram ambíguos a res- Na década seguinte, surgem modificações legisla-
peito dos índios hostis. Geralmente, os governadores das tivas na política indigenista do estado. A lei imperiàl de 27/
armas e os presidentes de província expunham em ofício 1O/1831 revogou ,
as Cartas Régias de 1808 e restituiu o
ao imperador a situação de conflito .existente entre índios Estatuto dos Orfãos - os índios foram libertados da
e colonos, solícitando orientações quanto a providências servidão, e os juízes de paz ficaram sendo seus tutores.
a tomar. Por exemplo, em ofício datado de ;20/10/1823,5 o Apesar de a lei de 1831 proibir: as guerras ofensivas, ela
imperadorpermiteaorganizaçãodebandeiras paraexpul- pennitiu, por outro lado, umajustadefesa, que basicamen-
saros índiosderegiõesjácolonizadas; diasdepois,expede te significava a mesma coisa, pois bandeiras eram organi-
uma portaria datada de 25/l 0/1823 proibindo o governa- zadas e enviadas em represália contra os índios. Até
dor das annas de organizar um contingente contra os mesmo as recomendações e atitudes governamentais a
índios, considerados inimigos internos.6 Contudo, as ban- respeito dos índios eram conflitantes e divergentes. A
deiras eram organizadas, pois a legislação permitia a incoerência é observada, por exemplo, quando, em aviso
guerra defensiva. Assim, os governantes aguardavam as da Secretaria d'Estado e Negócios do Império, datado de
incursões dos índios para em seguida enviaras represálias. 24/09/1832,7 recomendava-se prudência e boas maneiras
Na verdade, as expedições organizadas anualmen- para aliciar os índios ao convívio com o civilizado. Permi-
te contra os avá-canoeiros entre 1823 e 1827 não foram tia-se umadefesajusta, pois ao governo interessava acabar
efetivadas~ Os motivos foram os mais diversos: a bandeira com as hostilidades indígenas, as mortes e os prejuízos. O
57
/
conselho advertia ainda que se evitasse o ataque às aldeias. alcançou seus objetivos, lamenta o presidente da provín-
No mesmo ano, a Comissão para Assuntos Indígenas da cia Além de dispendiosa, os recrutas, por temor aos
provínciàdeliberaquesefaçaguerrareativaeofensivaaos índios, dispersaram-se ao avistarem suas trilhas.
avá-canoeiros, uma vez que nenhuma medida até o mo- A política indigenista repressora contra os avá-
mento fora eficaz para pôr fim às hostilidades indígenas.8 canoeiros continuou na década de 1840, apesar do decreto
Alguns governantes observaram que o uso da violência n. 426 de 24/06/1845. Este decreto,' também conhecido
contra os índios fazia com que eles revidassem os ataques, por Regimento das Missões, fora elaborado pelo governo
piorando a situação. Contudo, a tática utilizada era ainda imperial, e aprovava um conjunto de normas sobre , a
a sujeição pela força armada, que muitos acreditavam ser política indigenista, criando as Diretorias Gerais dos Indi-
o único meio de subjugar os índios. os em cada província, as quais, por sua vez, fundavam
Na década de 1830, o governo provincial organi- diretorias parciais para cada aldeia ou grupo de aldeias. O
zou apenas uma grande bandeira contra os avá-canoeiros. Regimento das Missões favorece a catequese, proíbe a
Porém, outras menores foram montadas. Os destacamen- servidão dos índios e os maus tratos, além de obrigá-los ao
tos volantes também foram utilizados com freqüência serviço militar, porém sem coação. Mas essa tolerância
neste período, patrulhando os locais mais freqüentados para com os indígenas era muito limitada no que diz
pelos índios, como
,
os distritos de São José do Tocantins, respeito aos índios hostis. O governo provincial acreditava
Traíras, Cocai, Agua Quente, Amaro Leite, Descoberto da que,juntoàatuaçãodacatequese,deveriaestarafrnçaarmada
PierladeeSão Félix. Havia ainda os destacamentos colocados · Assim, nunca houve um trabalho contínuo, visan-
nos presídios militares de Paranatinga, São Félix9 e Xambá do ao convívio com os avá-canoeiros, em que o coloniza-
A lei imperial de 12/08/1834 (ato adicional}, deter- dor procurasse o contato pacientemente. Um modo mais
minando às assembléias legislativas provinciais e a seus humano e tolerante de se tentar a aproximação pacífica
governos o cuidado com a civilização e catequese indíge- com os indígenas resistentes foi limitado, e o colonizador
na, teve repercussões na província de Goiás. Em conseqü- partia logo para a violência, fazendo com que o contato
ência desse ato, a assembléia legislativa apresenta a reso- pacífico se tornasse impossível. Acreditava o colonizador
lução n. 25 de 31/07 /1835, determinando a realização de que a repressão violenta seria suficiente para dominar os
uma grande bandeira, com o objetivo de pacificar os índios; por isso, as bandeiras punitivas e os destacamentos
índios do norte da província (avá-canoeiros, xavantes e volantes continuavam a ser amplamente utilizados contra
xerentes) que ainda impunham resistência à colonização. os avá-canoeiros.
O governo desejava resolver de uma vez por todas a Ainda com espírito repressor, porém desejoso de
questão indígena nesta região, que constituía obstáculo resolver o problema dos avá-canoeiros, o presidente José
para a empresa colonizadora, já que os índios, além de Rodrigues Jardim, em 1841, manda restabelecer o quartel
impedirem a fixação de colonos em detenninadas regiões, do Xambá e, além de providenciar um destacamento
causavam prejuízos, arrasando os estabelecimentos rurais miliciano, convida missionários a promoverem a atração
existentes. Em 1836, o governo expediu uma bandeira e a catequese indígena Ao que parece, não vieram missioná-
paraexploraro território dos avá-canoeiros, visando chamá- rios para o quartel, ficando a cargo dos soldados a tentativa
los à paz ou mesmo expulsá-los das terras em que habita- de contato pelos meios usuais da época, isto é, com
vam para locais longínquos. Contudo, a expedição não violência.
58
Também sob inspiração do Regimento das Mis- como a formação de aldeamentos oficiais e a construção
sões, o presidente da província Joaquim Ignácio Ramalho de presídios militares, através do aviso de 29'/(Jl/1849 do
( 1845-1848) condenava as providências tomadas até en- Ministério da Guerra, Gomo objetivodeciviliz.aros índios
tão contra os índios, como as bandeiras e os destacamen- e proporcionar meios para se realizar a navegação. Os
tos, tão dispendiosos e sem resultados satisfatórios, agra- esforços governamentais concentrados no incremento da
vando a situação. O presidente não atribuía a ferocidade navegação pelo Araguaia não foram suficientes para
dos índios à sua índole, acreditando ser conseqüência do estabelecer continuamente o transporte fluvial. Já a nave...
tratàmento cruel usado pelas expedições para chamá-los gação pelo rio Tocantins, err1bora pequena, era contínua
à paz. Eledefendiaum sistemadecatequese mais conveniente Tal fato motivou o governo provincial a estabelecer três
e humano. A estratégia de ação de Ramalho recomendava a presídios na região com a dupla finalidade de melhorar a
colocação de dois destacamentos noeentrodas habitações dos navegação e promover a catequese e/ou defesa dos PQVO-
índios para "aliciá-los", oferecendo presentes com o obje- ados e estabelecimentos rurais da região contra a resistên-
tivo de se alcançar uma convivência social e religiosa. cia dos avá-canoeiros. Desse mOdo, entre 1854 e 1855,
Sugeria ainda que se criassem entre os indígenas algumas fundaram-se os presídios de Santo Antônio, Santa Cruz'º
necessidades que só poderiam ser satisfeitas pelo conví- e Santa Bárbara. 11
vio com a sociedade nacional. Os presídios militares estabelecidos na região to-
A presença de governantes mais esclarecidos, vis- cantínea, juntamente com as bandeiras punitivas e os
lumbrando uma política indigenista mais humana e eficaz, destacamentos volantes, foram responsáveis pela disper-
não,contribuiu, infelizmente, para mudar a políticaagres- são e quase extinção da sociedade dos avá-canoeiros a
si va e violenta contra os avá-canoeiros. Em 1849, o partir da déc~da de 1860. A investida violenta contra esses
presidente da provjncia ordenou que o destacamento do índios dispersou-os por áreas situadas a nordeste, sudeste
quartel do Xambá atacasse os índios que hostilizavam os e sudoeste de seus territórios tribais. Os avá-canoeiros
distritos de São José e Traíras e os expulsassem para o apareciam nos distritos de Pontal, Porto Imperial e Almas,
centro das matas. Faralelamente a esta atitude, o impera- territórios até pouco tempo ocupados pelos xavantes e
dor autorizou o aumento da força dos destacamentos xerentes . A sudeste, os 'índios atingiram terras além do
estabelecidos na região dos rios Tocantins e Araguaia para município de Cavalcante, na chapada dos Veadeiros e
resolver de uma vez por todas o problema dos índios vertentes do rio Maranhão, ãlcançando regiões limítrofes
hostis. Tal atitude decorria da presença dos avá-canoeiros, ao município de Santa Luzia A oeste e a sudoeste, na bacia
xavantes e xerentes, ainda autônomos, movimentando-se do Araguaia, •
movimentavam-se na região do rio Crixás-
•
nas bacias-desses rios. Apesar de o Regimento das Mis- Açu, até sua foz, e em terras ao norte do presídio Leopol-
sões recomendar bom tratamento aos índios, a política dina até o de.Monte Alegre. Eventualmente, atravessavam
indigenistà continuava violenta contra os grupos resisten- o rio Araguaia para terras do Mato Grosso. A sudoeste,
tes ao contato. alcançavam o sertão do Thesouras e imediações da fregue-
Na década de 1840, principalmente a partir de sia de Santa Rita, onde ainda circulavam hordas xavantes
1846, a ação indigenista governamental dirigiu-se para a autônomas. A dispersão dos avá-canoeiros em grupos
região do rio Araguaia, em decorrência da expansão da menores, movimentando-se num vasto território, reflete a
colonização. Tomaram-se providências significativas, resistência desses índios para se manterem autônomos. A
59
ocupação colonizadora em seus territórios tribais estava os perplexos. O que residia na cultura indígena que os fazia
praticamente consolidada, ape~ar do movimento de resis- agir desta maneira? Além das observações usuais dos
tência contra a invasão desencadeada por eles por meio colonos sobre os avá-canoeiros - taxavam-nos de
das incursões e destruições dos estabelecimentos rurais indômitos, selvagens, ferozes, bárbaros e cruéis-, esses
fixados em seus territórios. índios eram vistos também como detentores de grande
Todavia, a pacificação dos avá-canoeiros consti- inteligência e valentia
tuía ponto de honra para alguns governantes. Estabelecer Na década de 1860, Couto de Magalhães, então
o contato pacífico não era uma questão simples nem fácil presidente de província, deu um novo impulso à nave-
de se resolver. Uns eram favoráveis à adoção de medidas gação do Araguaia. Assim, a expansão colonizadora
drásticas contra os índios, outros acreditavam que tais voltou-se novamente para esta região, com incentivo ao
medidas só contribuiriam para agravar a situação, deixan- povoamento de suas margens e à criação de novas
do-os mais irritados e avessos ao contato. Alguns propu- colônias militares. Neste período, a documentação his-
nham um bom tratamento e presentes para conquistá-los. tórica a respeito dos avá-canoeiros é reduzida. Entretan-
O estado quase que pennanente de guerra em que viviam to, evidencia-se a continuidade dos conflitos. Os índios
os índios, constantemente perseguidos e acuados, moti- atacavam viandantes e roceiros mais desavisados nos
vou o desenvolvimento de mecanismos de fuga, dificul- locais ainda ermos em Palma, São José do Tocantins,
tando assim o contato, com o observam alguns presidentes Cavalcante e Pilar, nos inexplorados sertões do Araguaia
de província. O presidente Gama Cerqueira reclamou, em e nas circunjacências dos presídios do Tocantins. Nesta
1859, que os índios são velozes, desaparecendo como por mesma década, o presidente da província manda reunir
encanto dentro das matas. Em 1852, o presidente Silva forças em represália às incursões desses índios.
Gomes anunciou um prêmio para quem conseguisse A resistência indígena à expansão colonizadora
apanhar um avá-canoeiro para brindá-lo e mostrar as gerava ódio e temor nas frentes agropastoris, que recla-
intenções pacíficas a fim de chamá-lo à civilização. mavam do governo providências eficazes contra os
Nunca se conseguiu, nos séculos XVIII e XIX, índios que se opunham à colonização. As atitudes
efetivar o contato pacífico com nenhum grupo avá-cano- governamentais eram muitas vezes contraditórias, pois
eiro. A presença, porém, de duas índias é registrada no não seguiam as orientações da legislação indígena do
aldeamento São Joaquim de Jamimbu em 1858. Couto de estado, quando esta era favorável aos indígenas. O
Magalhães infonna, em 1863, a existência de dois casais clamor das populações sempre tinha um peso maior.
avá-canoeiros, um na freguesia de Entre-Rios e outro na Havia presidentes de província, juízes de paz, entre
•
aldeia Estiva. Com certeza, esses poucos representantes outras autoridades governamentais, contrários à reali-
desta nação escaparam de algum massacre realizado em zação de guerras ofensivas. Entretanto, faziam "vista
seus acampamentos, sendo levados para as missões mais grossa" em virtude das constantes solicitações das
próximas. Não era fácil pegar um avá-canoeiro despreve- representações dos povoados do norte, atingidos pelas
nido. Couto de Magalhães relatou surpresa ao tomar incursões dos índios. A falta de recursos financeiros e
conhecimento de que estes índios, quando presos, prefe- de pessoal capacitado era um obstáculo a mais no
riam a morte do que pennanecerem prisioneiros. Esta sentido de se tomar medidas eficazes e humanas. Agin-
atitude, incomum aos olhos dos colonizadores, deixava- do dessa maneira, as próprias autoridades acabavam
60
sendo cúmplices da política repressiva dirigida aos em seus locais de movimentação, assustando fazendeiros e
índios, mesmo quando contrárias a ela. viajantes. Pouquíssimas são as notícias de ataques a fazendas.
Nas décadas de 1820, 1830 e 1840, anos de con- Desse momento em diante, os índios mudaram de atitude.
tínuas repressões contra os avá-canoeiros, a literatura Como protesto pela ocupação de suas terras, já que não mais
disponível apresentava um discurso violento e repressor possuíam meios de sustentar uma guena, faziam travessuras
contra os grupos indígenas que se mantinham resisten- nos locais por onde se movimentavam.
tes ao contato. E isso sem contar os meios violentos de O final do século XIX marca o término da tradição
se tentar a pacificação, pois as autoridades claramente indigenista na província de Goiás. Praticamente todos os
recomendavam, caso os índios não aceitassem as pro- grupos indígenas haviam sido contatados ou dizimados,
postas de paz, afugentá-los para locais ainda restando apenas grupos reduzidíssimos de caiapós, xa-
inexplorados e, conforme a resistência, até mesmo vantes e avá-canoeiros aindaautônomos. Os aldeamentos
exterminá-los. A sociedade nacional encontrava-se oficiais foram extintos em 1879, por seus habitantes
culturalmente vinculada à sociedade euro péia, com par- terem-se dispersado ou miscigenado com a população,
tilhando filosoficamente do Evolucionismo, cuja no- passando a constituírem núcleos populacionais. A partir
ção de progresso entre os estágios culturais é funda- do ano em que foi oficializada a extinção dos aldeamentos,
' mental. Nessa pirâmide, a sociedade européia encontra- os relatórios de presidentes de província não se referem a
va-se no ápice, e os grupos indígenas na fase mais aldeias, mas sim a catequese e a missões religiosas que se
inferior ou primitiva. Segundo ainda, este pensamento, preocupavam principalmente com a educação de crianças
os índios tinham uma trajetória a seguir rumo ao pro- indígenas. Estas missões estabeleceram-se às margens do
gresso, representado pelos colonizadores descendentes Araguaia e do Tocantins. O Estado brasileiro não mais se
da cultura européia Nessa perspectiva, a cultura indí- ocupava com os indígenas.
gena era destituída de qualquer significado, o sentimen- Para a população goiana do século XX, o passado
to etnocêntrico do colonizador era extremamente forte, indígena é apenas uma lembrança longínqua A conquista
acreditava-se que os índios deveriam integrar-se à soci- já há muito fora definitivamente consolidada, restando na
edade nacional para o seu próprio bem, já que só teriam memória do sertanejo histórias espetaculares sobre indí-
a ganhar com a adoção de hábitos e costumes que os genas e estereótipos cultivados ao longo de dois séculos de
livrariam da "penúria" da vida errante que levavam. conflitos entre índios e pioneiros. Estas pessoas, porém,
Subjacente a essa ideologia de superioridade, residia a pouco sabem das diferenças existentes entre os grupos
necessidade de se transformar índios em povoadores indígenas, denominando-os genericamente de tapuios. 12
para o país e mão-de-obra para o incremento da econo- Assim, a memória sobre os avá-canoeiros diluiu-se no
mia agropastoril. Enfim, a "civilização" dos índios decorrer do século XX. A existência desses misteri.osos
levaria à franquia de suas terras. índios foi ignorada pelo Estado brasileiro enquanto órgão
A partir da década de 1870, observa-se que os tutor, 13 bem como por etnólogos da época, 14 até que um
\
embates haviam praticamente terminado. Os avá-canoei- pequeno grupo foi contatado no início da década de 1970.
ros encontravam-se em número bastante reduzido, conseqü- Este contato abriu um leque de possibilidades de investi-
ência de aproximadamente um século de intensa guerra Os gação, tendo em vista o resgate da história dos avá-
•
poucos indivíduos que restaram desses conflitos apareciam canoe1ros.
61
I
geral do distrito de São Félix em 12.01 .1824. op. cit. goianos e tocantinenses, mostram que estas populações não se referem
6
OFÍCIO do governador das armas, R. J. da Cunha Manos, ao limo. Sr. João especificamente a um ou outro grupo indígena. Ao fator de índios, denomi-
Gomes da Silveira e Mendonça, em 23.03.1824. n. 48, Pacote IGl-217. na-os genericamente tapuios. Mesmo nos municípios onde os avá-canoeiros
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. ainda se movimentam, nenhum dos moradores entrevistados sabia que se
7
MATlITINA MEYAPONTENSE, n. 389 de 29.11.1832. tratava dos avá-canoeiros. Diziam apenas que eram índios.
13
' Ibidem. n. 375 de 10.10.1839 e n. 475 de 25.09. 1833 e AMERICANO DO Denúncias de pessoas do interior de Goiás ao Serviço de Proteção ao Índio.
BRASIL. A. op. cil p. 104. Ver:
9
Presídio São Félix, criado no governo dom Manuel lgnácio de Sampaio para RELATÓRJOdoServiçodeProteção aosfndiosdoestadodeGoyazrelativo
obstar as incursões dos índios avá-canoeiros e amparar a navegação pelo ao ano de 1929. Brasília: Ministério da Agricultura, Indústriae comércio.
Maranhão. Situava-se no julgado de São Félix, nas margens do Maranhão, V. J.
62
Ver:
Perseguição aos índios canoeiros, filme n. 341. Setor de Documeutação do
Museu do fndio, Rio de Janeiro. Esta denúncia foi a respeito do massacre
realizado pelos proprie~ios da fazenda Veríssimo e companheiros, na
aldeia dos avá-canoeiros próxima à atual cidade de Formoso. Apesar das
denúncias, as autoridades nada fizeram com os criminosos. O fazendeiro
Geraldo Borges (73 anos, residente cm Uruaçu-GO; entrevista feita em fcv .
1989) informa que no início da década de 1960 (não se recordava o ano) ele
e outros fazendeiros do então município de Uruaçu estiveram com o
governador Mauro Borges, solicitando providências a respeito de índios da
região do nascente povoado de Campinaçu que viviam hostilizando os
lavradores que estavam fixando suas posses no local conhecido por Mata do
Café. Segundo o informante, o governador chamou um funcionário do
Serviço de Proteção ao Índio, vindo uma mulher (cujo nome o sr. Geraldo
não se recordava), garantindo que naquela região não havia índios. O sr.
Geraldo, indignado com a atitude da representante do Serviço de Proteção
ao fndio (ele mesmo, meses antes, vira un• índio nas proximidades do rio
Carneiro), solicitou desta funcionária uma declaração dizendo não haver
índios na região indicada. Tal pedido, porém, não foi atendido. O assunto
encerrou-se por aí mesmo, sem nenhum interesse do órgão tutor em
' averiguar as informações obtidas através dos fazendeiros. Meses depois, um
grupo de lavradores de Campinaçu se rewtiu e destruiu a aldeia dos avá-
canoeiros situada às margens do rio Carneiro, na Mata do Café. Observa-se,
no caso específico dos avá-canoeiros bem como em outros acontecimentos
no B~il contemporâneo, que o próprio órgão tutor, seja ele Serviço de
Proteção ao fndio ou Funai, tomou-se conivente com os crimes perpetrados
contra os indígenasem virtude da inoperância, negligência e falta de preparo
de muitos de seus servidores. Tais atitudes são reflexos da política indige-
nista vigente no Estado brasileiro.
1
• "Recentemente alguns etnógrafos afirmam a não-existência dessa tribo
'
'
-
O Espaço dos Avá-Canoeiros
-
•
Neste estudo, em busca da elaboração de parte da
etno-história dos avá-canoeiros, deparamo-nos com vári-
as questões a respeito deste grupo. Contudo, tais questões
esbarram na possibilidade de serem ou não analisadas.
Isto porque as fontes históricas nem sempre permitem
investigações mais aprofundadas de determinadas questões.
Talfatoocorreuquandodatentativadereconstituiçãodaetno-
história desse povo. Na documentação disponível, não havia
suficientes informações de cunho etnográfico. No entanto,
procuramos, neste momento de reflexão sobre a sociedade
dos avá-canoeiros, analisar duas questões principais.
A primeira constitui uma indagação mais geral e
implica conhecimentos que ultrapassam as fontes históri-
cas. Roque de Barros Laraia, estudioso dos grupos tupi,
indagacomoseexplicariaoestabelecimentodeumgrupo
tupi, no caso específico os avá-canoeiros, numa região
circundada por grupos indígenas filiados à língua jê.
O segundo ponto a ser abordado centra-se princi-
palmente na questão do território avá-canoeiro no decor-
67
rer dQS dois primeiros séculos de colonização deGoiás, em almente os grandes cui:sos d'água, podem ser observados
que se analisa a adaptação e a exploração dos recursos para historicament~. A utilização do rio Araguaia por vários
sobrevivência, a guerra entre eles e os colonizadores, as grupos indígenas vizinhos da região ilustra esse fato.
migra~ões advindas das perseguições e, por fim, a resis- As margens do rio Araguaia foram ocupadas e
tência indígena ao cantata. exploradas pelo grupo carajá (considere-se os carajás,
javaés e xambioás) num extenso tenitório em compri-
Um Grupo Tupi no Universo Jê mento, desde acima do rio Crixás-Açu no médio Ara-
guaia, até a região de Xambioá, além da ilha do Bananal.
Os avá-canoeiros estabeleceram-se em terras deno- Servia-se, esse grupo, de canoas, e sua dieta alimentar
minadas geopolíticamente de Goiás (incluindo o estado voltava-se basicamente para os recursos provenientes do
do Tocantins) antes da chegada do colonizador. Segundo. rio. A mitologia carajá é riquíssima, figurando nela abun-
Laraia, os povos falantes da língua tu pi preferem locais dantes elementos da fauna aquática do Araguaia. Eventu-
cuja vegetação é de florestas, 1 onde podem exercer a almente, esse rio era freqüentado também por outros
agricultura, fonte maior de sua dieta alimentar. Os avá- grupos indígenas. Cunha Mattos, em 1824, informa que os
canoeiros não fugiram a esta regra. Subindo o rio Tocan- garaús-uassus, os guaná-ussus e os corités, entre outros
tins, fixaram-se em ilhas e nas matas de galeria que habitantes das terras do Cuiabá e das cabeceiras do rio
margeiam esse rio e alguns de seus principais afluentes. Xingu, freqüentavam o Araguaia em suas andanças e
Utilizavam canoas, pois os rios constituíam vias de acesso pescarias. Os índios gradaús, porexemplo, que possuíam suas
que ofereciam uma grande mobilidade espacial. aldeias, em te~do Pará, atrês dias de distânciado Araguaia,
Quando os avá-canoeiros radicaram-se, em época ex pioravam-no, atemorizando os carajás. A ilha do Bana-
remota, na região tocantínea, possivelmente conquista- nal era visitada por outros grupos autônomos como os
ram regiões dominad~s por povos indígenas jês. Essas xavantes, os xerentes, os poxotis, os tapirapés e os avá-
regiões poderiam ser exploradas por um ou mais grupos, canoeiros, uma vez que as sociedades indígenas possuem
havendo, desse modo, sobreposição de tenitórios extensos. grande mobilidade espacial. Essa mobilidade deve-se à
Sabe-seque os grupos indígenasjês,comoos tupis, busca de recursos alimentares - após a plantação da roça
têm preferência por determinados habitats. Quanto aos jês da comunidade, dispersam-se em grupos menores, reali-
goianos, como os caiapós do sul e acuêns históricos, zando coletas sazonais de frutos e empreendendo caçadas
ocupavam áreas de cerrado, construíam grandes aldeias, e pescarias. Muitas vezes afastam-se bastante. de suas
utilizavam as matas ciliares para o cultivo e exploravam aldeias e, nestas andanças, podem atingir grandes cursos
frutos sazonais da região, bem como a caça e a pesca nos d'água.
pequenos cursos d'água Tais sociedadesjês construíam O que se pretende, ao fazer a explanação territorial de
1
suas áldeias mais afastadas dos grandes cursos d água; detenninados grupos jês e a sobreposição de seus territórios
contudo, poderiam atingi-los em suas andanças pratican- extensos, é compreender como os avá-canoeiros ftxaram-se
do a caça e a pesca em terras circundadas por povos culturalmente distintos. A
Assim, o fenômeno de haver a sobreposição de reflexão que se faz é que os jês goianos, adaptados ao cerrado
tenitórios entre dois ou mais grupos e,a preferência dos jês e tendo suas aldeias radicadas em intertlúvios, deixavam as
em se estabelecerem em interllúvios, frequentando eventu- áreas de mata de galeria que margeiam o rio Tocantins mais
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livres. Assim, os avá-canoeiros subiram o rio Tocantins, longo de rios, dificultando o acesso de seus inimigos. Para
estabelecendo-se ao longo de seu curso, pois essas áreas eram delimitar o tenitório avá-canoeiro, considere-se aquele
menos densamente ocupadas. Possivelmente, os avá-canoei- território identificado anterionnente, onde ocorreram con-
ros lutaram pela conquista desse tenitório. flitos pela posse.
Dessafonna, pode-seafinnarqueogrupoavá-canoeiro Os avá-canoeiros não aparecem na história do
é intruso numa região eminentemente jê. Observa-se, arque- colonizador com o advento da exploração aurífera como,
ologicamente, que os sítios de horticultores pré-históricos da por exemplo, os grupos goiás, crixá, caiapó do sul, xavante,
tradição tu piguarani p~em repetireste mesmo padrão- são acroá, xacribá e gueguê. Eles surgem quando a decadência
relativamente poucos e dispersos em Goiás, levando-se em das minas de ouro levou a população a se dedicar grada-
consideração que nem todo o estado foi pesquisado. Os sítios tivamente à vida rural, estabelecendo-se, para isso, em
localizados nas bacias do Araguaia e do Paranaíba apresen- tenitório indígena, fonnando fazendas de gado e lavouras
tam, em alguns casos, uma forte aculturação por parte de de subsistência
horticultores da tradição aratu e uru, o que parece indicar que As primeiras notícias sobre os avá-canoeiros loca-
a tupiguarani era intrusa numa área densamente ocupada por lizam-nos em meados do século XVIIl nos rios Santa
grupos horticultores diferentes. Já os sítios estabelecidos na Tereza, Canabrava e, principalmente, no rio das Almas.
vertente do rio Paranã são dois: um deles é um cemitério, com Durante o governo de Luiz da Cunha Menezes (1778-
vários sepultamentos, e o outro constituía uma aldeia típica, 1783), havia notícias desse grupo em ilhas do rio Mara-
sem, no entanto, oferecer mai~ considerações, dado que nhãolfocantins - conhecidas como ilhas do Tropeço e
esta região foi pouco estudada.2 do Canoeiro - bem como em suas margens, mais preci-
A arqueóloga Innhild Wüst infonna que, nos sítios samente em terras que compreendiam os julgados de
da tradição tu piguarani, no Mato Grosso, especificamente Ralma e São Félix.
na área bororo, onde pesquisou, oconia este padrão intru- Os colonizadores depararam com os avá-canoeiros
so de ocupação em áreas e até mesmo em aldeias de grupos habitando as margens de grandes cursos d'água, ocupando
horticultores distintos. as matas de galeria As referências históricas apontam a
Aparentemente, ocorreu o mesmo padrão de assen- preferência dos avá-canoeiros pela floresta. Pohl infonna
tamento intruso de horticultores pré-históricos da tradição que tais índios "vivem nas matas próximas dos rios
cerâmica tupiguarani e de um grupo histórico tupi como Maranhão, Paranã, Manuel Alves e da Barra do Palma "3
os avá-canoeiros. No entanto, são evidências que mere- Por outro lado, em relatórios de presidentes da província
cem estudos mais aprofundados para que tais correlações de Goiás, lê-se: "Os índios (canoeiros) demoram-se nas
possam ser feitas com maior segurança matas das margens do rio Maranhão... "" e "Os vastos
Em meados do século XVIII, o colonizador encon- sertões de Amaro Leite, ricos em pastagens e em terrenos
trou os índios avá-canoeiros habitando regiões de mata auríferos, fertilíssimos para todo o gênero de cultura."5 E
nas margens e ilhas do rio Tocantins, bem como em alguns acrescenta que tais terras acham-se despovoadas em vir-
de seus afluentes. Canoeiros por excelência, poderiam tude das hostilidades desses índios.
deslocar-se facilmente pelo rio, fugindo de seus inimigos, Os avá-canoeiros eram agricultores. No entanto, há
que não dispunham de canoas. Além disso, buscavam apenas duas indicações sobre o tipo de planta cultivada
refúgios naturais para habitarem - regiões acidentadas ao por eles. Pohl informa que os expedicionários de uma
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/
bandeira punitiva, enviada em 1819, encontraram numa relação ao jenipapo, porexem plo, pode-se consideraruma
aldeia uma grande roça de milho de quatro alqueires. Já referência ao seu uso o fato de os avá-canoeiros serem
Couto de Magalhães revela que, num dos confrontos entre ·d~oominados "cara-preta" em algumas regiões dos esta-
a milícia e os índios, os soldados observaram que os índios dos de Goiás e Tocantins no sécuto XX. Tudo indica que
traziam consigo bolsas de couro cheias de milho. os índios pintavam-se com este fruto para obterem uma
Analisemos, aqui, os dados fornecidos por Pohl, coloração negra, e os sertanejos identificavam-nos desse
em que os expedici0nários da bandeira observaram que a modo.
roça de milho dos índios tinha o tamanho de quatro Já o uso do fumo faz parte da vidam4gico-religiosa
alqueires. O alqueire português (certamente era esta me- dos tupis e de outros indígenas não filiados lfngüistica-
dida usada na época) equívale a 13,5 litros; como um litro mente a este grupo. A indicação de que os avá<anoeiros
em área vale605 m2, 13,5 litros serão 13,5 x õ05 =33.396 cultivavam o fumo deve-se ao fato de seus remanescentes
m2, ou seja, um quadrado de 182 x 182 metros. Portanto, ainda o utilizarem nos rituais de pajelança.
umaáreade 182x 182metras,plantadademilho,erauma Segundo Roque de Barros Laraia, a época da lida
grande roça; talvez o milho constituísse o cultígeno mais com o plantio vai de maio a setembro, quande se dá a
importante para o grupo em sua dieta alimentar. derrubada das grandes árvores, a queimada, o preparo do
Apesar de não terem sido encontradas indicações a solo e o plantio propriamente dito, após o que os índios
respeito de outras plantas cultivadas por esses indígehas, dispersam-se em pequenos grupos familiares, enquanto
acredita-se que possuíam outras culturas além do milho: esperam pela maturação da roça, empreendendo em suas
Roque de Barros Laraia, em sua coletânea sintetizadora andanças a coleta, a pesca, a caça, a visita a outras aldeias
sobre os grupos tupis atuais, enumera várias plantas e também, quando é o caso, as expedições guerreiras
cultivadas por eles como variedades de mandioca, batata- contra seus inimigos. Esta parece ter sido sempre uma
doce, cará, amendoim, banana, milho, pimenta, ?
fumo, regra geral para os grupos indígenas brasileiros que prati-
urucu, jeni papo, algodão, cabaça e outros. E bem possível cam a agricultura. O costume de haveradispetsãoem grupos
que os avá-canoeiros conhecessem esses produtos e até menores após o plantio visava a suprir as necessidades
outros mais, pois praticamente todos os grupos indígenas alimentares, o que não era possível com a sedentari7.3Ção
brasileiros pré-históricos, históricos e atuai~ eram agricul- peIJ1lanente de todos na aldeia. No caso específico dos avá-
tores, sendo as culturas variadas e difundidas amplamen- canoeiros, tal procedimento pode ser comprovado, pois a
te. Acrescenta-se a este fato o de que os remanescentes bandeira punitiva enviada em 1819 contra esses índios
avá-canoeiros têm nomes para estas plantas. encontrou na aldeia, no mês de setembro, uma roça de
As plantas não comestíveis citadas possuem usos milho recém-plantada e, segundo Pohl, o massacre que a
diversos. O algodão é utilizado para confecção de redes, bandeira realizou não atingiu grande número de indígenas,
tipóias, cordinhas para adornos e para o arco, entre outros uma vez que a maioria encontrava-se ausente em c.açadas.
empregos. As cabaças servem como recipientes e para a A região ao longo de grandes cursos d'água, onde
fabricação de artefatos. O urucu e o jenipa1>0, por sua vez, os avá-canoeiros fixaram-se, oferecia grande diversidade
são as bases das pinturas corporais e p0ssuem funções de recursos para sua sobrevivência. Em primeiro lugar,
mágico-religiosas. Apesar da carência de fontes históricas poderiam retirar da pesca sua maior fonte de proteínas -
a respeito, infere-se que utilizavam essas plantas. Em os rios Maranhãoffocantins, Santa Tereza, Canabrava,
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Almas, Paranã, Palma, Tocantinzinho, entre outros, eram Ao nos referirmos a aldeias, é pertinente falarmos
bastante piscosos. Por seu turno, a mata oferecia a caça, os em cerâmica, já que, segundo Laraia, é ela uma das
frutos, a madeira para a confecção de canoas e casas, além características mais marcantes dos povos tupis. Tal autor
de solos férteis para a prática da agricultura. Hipotetica- informa que vários grupos filiados a essa família lingüís-
mente, os índios poderiam também utilizar os recursos tica ainda praticam ou praticavam antes do contato a
alimentares provenientes do cerrado e dos campos que confecção da cerâmica. Embora as fontes históricas dos
circundavam as matas de galeria O cerrado oferecia caça e séculos XVIII e XIX não façam referências à utilização da
frutos em abundância e o campo, aves de grande porte e cerâmica pelos avá-canoeiros, pesquisas etno-históricas
cervídeos em quantidade. deste século apontam o fabrico deste utensílio por esses
As referências sobre a cultura material dos avá- índios. O local de uma antiga aldeia massacrada em 1927
canoeiros são extremamente escassas. No entanto, as foi visitado por uma equipe de pesquisadores da UCG, em
poucas indicações que existem permitem fazer algumas 1985, constatando-se a presença de abundantes fragmen-
considerações acerca da constituição de suas aldeias, que tos de cerâmica aflorando na superfície.
parecem não fugir ao padrão tupi: eram casas grandes, A penetração colonizadora nos tenitórios de ocu-
feitas de paus e palhas de palmeira, onde habitava, em pação dos avá-canoeiros modificará gradativamente o
geral, uma família extensa. Recorramos às fontes que modo de vida dos índios. Os conflitos entre eles e os
possuem tal indicação: "estendido as suas incursões (dos colonos tomaram-se mais freqüentes a partir da década de
avá-canoeiros) em grandes malocas até lugares muito 1780. Os estabelecimentos rurais implantados nos distritos de
remotos dos seus acampamentos"6, "entre Amaro Leite e Palma, São Félix, Canno e Chapada- pov~ões auríferas
o presídio Santo Antônio foi vista uma numerosa maloca''.7 fundadas na margem direita do rio Maranhão - encontra-
Existem também depoimentos orais. Um dos participan- vam-se freqüentemente hostilizadas pelos índios, possi-
tes de um massacre realizado a uma aldeia avá-canoeiro velmente em virtude dos alongamentos dos colonos em
por volta de 1927, no município de Amaro Leite, contou busca de terrenos férteis para agricultura e pastagens para
a um fazendeiro: "Organizou-se um grupo armado de o gado. A navegação pelo rio Tocantins também ressentia-
carabinas e espingardas, e foram à aldeia, que consistia em se da ameaça indígena neste período. Somente no século
uma só casa grande de palha "8 O termo maloca, em prega- XIX o tenitório avá-canoeiro delineia-se mais claramente
do nas fontes antigas, é usado para designar casa grande de em virtude do aumento do volume de informações acerca
índios ou simplesmente aldeia indígena. dos locais de movimentação dos índios.
Quanto ao número de casas, não há referências a
respeito. Contudo, há indicações da existência de mais de Reinventando o Próprio Espaço
uma Pohl conta que, em um ataque a certa aldeia avá-
canoeiro, em 1819, os colonos incendiaram as"cabanas de Os avá-canoeiros ocupavam ambas as margens do
palmeiras". E' sobre outro ataque, nas cabeceiras do rio rio Tocantins/Maranhão antes do início da colonização de
Thesouras, tem-se: "travando combate, ... as cabanas e Goiás. Porém, com o advento da mineração, há indicações
objetos dos selvagens foram queimados. "9 Cabana é outro de que eles abandonaram algumas áreas da margem
termo que significa habitação rustica ou precária, não direita do referido rio~ possivelmente por não possuírem
tendo, desse modo, a conotação de ser pequena ou grande. terrenos de boa qualidade. Entretanto, em relação às áreas
71
férteis deste lado do rio, as evidências históricas mostram Pohl identifica, em 1819, o território avá-canoeiro
que os índios lutaram ferrenhamente para conservá-las, como compreendendo ambas as margens do rio Mara-
como, por exemplo, a áreadoºrio Paranatinga. E quando nhão. Na margem esquerda, o território abrangia desde o
os avá-canoeiros perceberam as ameaças de invasão da rio, estendendo-se até a região dos distritos de Amaro
parte mais fértil de seu território (terrenos da margem Leite e Descoberto da Piedade. Este autor informa, repe-
esquerda do rio Maranhão}, não encontraram outra saída tindo Silva e Souza, que as aldeias dos índios localizavam-
a não ser defendê-lo por meio da contenda. Durante toda se nas matas próximas aos rios Maranhão, Paranã, Barra
primeira metade do século XIX as tentativas de coloniza- do Palma e Manoel Alves. Contudo, ele identifica preci-
ção dessas terras, também denominadas de sertão de samente uma aldeia nas margens do rio das Almas, a qual
Amaro Leite, foram dificultadas pelos índios. foi destruída por uma bandeira que queria pôr fim à
Tal disputa encontra-se identificada em documen- resistência indígena contra a conquista de suas terras. Segun-
to histórico, quando o presidente da província de Goiás, do informações de uma índia presa neste massacre12, conta-
Cruz Machado, discorrendo sobre a criação de colônias vam-se ainda mais três aldeias nessa região. O rio das Almas
militares no sertão de Amaro Leite, diz: parece ter sido densamente povoado por esses índios.
Em 1824, Cunha Mattos registra a presença dos
A região escolhida para edificação dos presídios é de
avá-canoeiros numa vasta região de ambas as margens do
clima ameno, abundantes matas férteis, ecam pos para
rio Maranhãoffocantins. Segundo esse autor, os índios
criação de gado. E pela uberoade é que as tribos
habitavam as fragosas montanhas à esquerda do Maranhão,
indígenas, que facilmente abandonaram os terrenos
as ilhas deste rio, as vizinhanças da fazenda Coniola, Amaro
situados na margem direita do Maranhão, não tão
Leite e Descoberto da Piedade. Ele informa ainda que todo
férteis, e em muitas partes estéreis, persistiram em
o território entre os rios Preto, Santa Tereza e margem
ocupá-la e neste empenho foram crescendo em
esquerda do Tocantins estava povoado por esses índios.
ferocidade, e por isso tem sido em todos os tempos
Quanto às aldeias, Cunha Mattos as localiza nos rios das
e ainda é infestada pelos Canoeiros. 'º
Almas, Canabrava e nas proximidades da vila da Palma.
Passemos a identificar mais detalhadamente o ter- Ele também relata que tais indígenas movimentavam-se
ritório de ocupação dos avá-canoeiros bem como luta pela na margem di1eita do Maranhão, na estrada que passa pelo
manutenção desse território. rioPretoemdireçãoaoan·aialdeSãoFélix,deste seguindo
No século XIX, o documento mais antigo pelo arraial da Chapada até a vila da Palma, perturbando
compulsado, datado de 1807, 11 aponta a presença dos avá- os viajantes.
canoeiros bem ao norte, impedindo a navegação pelo rio Considerando as informações obtidas até o mo-
Tocantins, a partir do arraial do Pontal, na direção de quem mento, observamos que o território de movimentação dos
sobe o rio. avá-canoeiros se delineia numa grande extensão ao longo
Silva e Souza informa, em 1812, que esses índios do rio Maranhãoffocantins. Temos, então, ao norte, toda
eram extremamente aguerridos e navegavam pelos rios a região que vai da foz dos rios Santa Tereza, Almas e
Paranã, Barra do Palma, Tocantins e Manoel Alves come- Paranatinga; a leste, na margem direita, os índios não
tendo estragos nos estabelecimentos rurais edificados ao adentraram muito para o interior, permanecendo em regiões
longo desses rios. não muito distantes do rio Maranhão; a oeste, dominavam
72
toda a região a partir do rio Maranhãoffocantins, esten- regiões mais centrais, onde localizavam-se as aldeias-ou
dendo-se até as terras banhadas pelos rios Santa Tereza e estavam sendo empurrados para novos locais em virtude
Canabrava, que possuem um longo percurso; ao sul, a das perseguições do colonizador. Deve~seconsiderarque
movimentação dos índios foi registrada nas proximidades · a região de Crixás e Pilar constituíam antigos territórios de
do rio Maranhão, nos distritos de Traíras e Amaro Leite. grupos acuêns, os quais foram em partealdeados no final
Percebe-se que os terrenos da margem esquerda do Tocan- do século XVIII, sendo que estas regiões encontravam-$e,
ti ns/Maranhão estavam mais densamente ocupados pelos possivelmente, menos povoadas na época Todavia, hor-
índios do que os da direita, principalmente a região entre das xavantes autônomas movimentavam-se nessas vastas
os rios Maranhão/focantins e Santa Tereza~ terras, mas, à primeira vista, não parece ter sido evitado o
Já na década de 1830, o território avá-canoeiro foi ingresso gradativo dos avá-canoeiros.
delimitado em documento do governo próvincial, que o Os relatos sobre os ·avá-canoeiros, nas primeiras
situou na região que compreendia as povoações de Amaro décadas do século XIX, também vincl)lam-se às disputas
Leite, Traíras, São José do Tocantins, S.ão Félix e Palma. 13 entre índios e não índios pela posse da terra. A edificação
As aldeiac; localizavam-se dos presídios militares de Paranatinga e São Félix, às
margens do rio Maranhão , com vistas a proteger locais
ao nascentedeAmarol.eiteeDescoberto,ao poente de assolados pelos indígenas, não foi suficiente para detê-los
Traíras, São José e São Félix, sul de Palma e Porto na defesa de seus territórios tribais. Possivelmente, evita-
Imperial e norte de Água Quente, compreendendo seu vam os locais patrulhados, mas às vezes enfrentavam o
território aprox.imadamente vinte léguas de nas- pequeno, número de praças que compunha a força dos
cente a poente e trinta léguas de sul a norte. 14 presídios, que, nessa época, era eomposta de um quartel
Contudo, no final desta década, aparecem a5 pri- com uma força, com o objetivo de amparar e promover a
meiras evidências de indígenas em outras áreas. Conflitos navegação e deter as incursões indígenas que impedissem
entre índios e colonos foram registrados ao norte, nas a fixação dos colonos. Esses fortins não funcionavam
imediações da vila da Palma e da povoação do Espírito continuamente; encontmvam-se ora abandonados ora em
Santo do Peixe; a leste, na margem direita do Maranhão, funcionamento.
nos distritos de São Félix, Carmo e Chapada; a sudoeste, A força destinada a compor o presídio era de um
nos distritos de @avalcante,, São José do Tocantins e cabo e de 8 a 16 praças. Em várias ocasiões, as autoridades
Traíras e, finalmente, a oeste, na margem esquerda, nos governamentais reclamavam da insubordinação e da co-
distritos de Descoberto da Piedade e Amaro Leite; à vardia dos praças. Certa vez, os avá-canoeiros apareceram
sudoeste,
,,
na região de Crixás, e, ao sul, nos distritos de defronte ao presídio de São Félix, porém do outro lado do
Pilar, Agua Quente e Cocai. rio. Os homens que compunham a força do presídio,
. Ao se obterem informações sobre os locais de temerosos, pois os índios encontravam-se em maior nú-
movimentação dos índios, observa-se que estes atacavam mero, fugiram para o arraial do Canno. Noutra ocasião, o
regiões periféricas a seus territórios tribais. A hipótese que destacamento de seis praças que fazia ronda nas margens
se lança é que ou esses índios estiveram reprimindo os do rio Maranhão foi atacado de surpresa e morto pelos
ai ongamentos dos colonos em seus territórios -e com isto índios. Apenas uma índia avá-canoeir,0, de nome Maria,
atingiram outras áreas, como se estivessem protegendo as acompanhante da ronda como intérprete assalariada e
73
,
I
casada com um índio do Pará, que compunha a força do desejavam causar em seus inimigos. O jornal Matutino
destacamento, salvou-se mergulhando no rio. Meyapontense infonna: "Os canooiros cometeram bar-
Os conflitos entre esses índios e os colonos toma- baridades horrorosas nos corpos dos que assassina-
ram grandes proporções durante toda a primeira metade ram, segundo os juízes de paz de São José e Amaro
do século XIX. Nessa guerra, os contendores lutavam Leite." 16
'
como podiam, visando a alcançar vitórias nas disputas. A primeira vista, podem-se levantar dúvidas a
Tudo indica que o objetivo dos indígenas era intimidar os respeito da veracidade dessas informações. O colonizador
colonos, com o fim de mantê-los fora de seus territórios tinha medo dos indígenas e preconceito contra eles, po-
tribais. Observa-se na documentação histórica que o nú- dendo assim, exagerar e até mesmo inventar fatos. TOda-
mero de mortes provocadas pelos avá-canoeiros era bem via, infonnações da atualidade sobre frentes de atração,
pequeno. Muitas vezes os ataques às fazendas não faziam organizadas por órgãos tutores dos indígenas, vêm confir-
vítimas, apenas feridos; porém, causavam sérios prejuízos. mar os relatos contidos nas fontes históricas.
A seguir, são enumeradas algumas atitudes belieo- Outros gruQOS indígenas contatados no século
sas utílizadas pelos índios, tendo em vista afastar os XX tiveram essa mesma atitude de mutilar seus inimi-
inimigos de seu território: gos servindo-se dos facões oferecidos pelas pr.óprias
os índios atacavam com alaridos, mostrando-se furiosos frentes de contato. Revelações pessoais do sertanista
e, a julgar pelas altas vozes e brados, davam a impressão Sydney Possuelo, que participou de várias dessas fren-
de haver grande número de combatentes; 15 tes organizadas pelo Serviço de Proteção ao fndio-SPI
. Alencastre e Silva e Souza infonnam que mulheres e - e pela Funai, informam que os índios uaimiri-atroaris,
cães participavam das batalhas,. e parece que tal fato num .ataque à frente de atração instalada no estado do
causou horror entre os colonizadores. No entanto, é Amazonas, por volta de 1973, esquartejaram eom facão
relativamente comum a participação de mulheres nos um dos funcionários do órgão. Esse mesmo sertanista
combates, colocando-se atrás dos homens para lhes ainda nos contou que tal fato também ocorreu na frente
passarem as flechas. A presença de cães, por sua vez, foi de atração dos índios araras do Pará no início da década
observada pelos expedicionários da bandeira enviada às de 1980.
ilhas do Tropeço para realizar a conquista dos índios. Os Convém mencionar aqui alguns aparatos de guerra
indígenas, em geral, gostam de cães, utilizando-os em utilizados pelGs índios. As armas usadas por eles eram o
caçadas e conservando-os sempre famintos, e assim arco, a flecha e as lanças. As referências infonnam ainda
mais bravos; queaspontasdasflechasedaslançaseramdentadas.Silva
os colonizadores observaram que os índios atacavam de e Souza escreve que tais índios "usam, além de arco e
surpresa e logo depois fugiam, embrenhando-se nos flecha, lanças de mais de vinte palmos, dentadas nas
mat-0s. Essa foi uma tática freqüente, possivelmente extremidades." 17 Já Pohl infonna que eles
porque os colonos eram em maiornúmero, sendo neces- possuem grande destreza no uso de suas annas,
sário observar com cuidado e executar os ataques com usam lanças de mais de três metros de comprimen-
rapidez para que tivessem êxito; to, providas de ponta muito aguda, com farpas. As
. algumas vezes os índios mutilavam os corpos de suas suas flechas também possuem essas farpas, que
vítimas; essa atitude poderia fazer parte do terror que têm o inconveniente de não poderem ser retiradas
74
das pessoas por elas atingidas sem alargar a ferida se no caso de haver algum ataque. Todavia, não se sabe se
e tomá-la mais perigosa. 18 a buzina tinha outras utilidades e nem de que material era
A presença do colonizador nos territórios indíge- confeccionada
nas acabou por levar os avá-canoeiros a entrarem em Essas estratégias de guerra utilizadas pelos avá-
contato com o ferro, passando a utilizá-lo nas pontas de canoeiros provocavam grande pavor entre colonos e habi-
tantes dos povoados mais hostilizados, impedindo, desse
algumas de suas flechas. Certamente os índios observa-
modo, o rápido avanço da colonização sobre suas terras.
ram os benefícios advindos da utilização desse metal, pois
Contudo, observa-se um certo exagero nas fontes históri-
consistia num material mais duro e cortante do que aque-
cas, que atribuem aos índios a responsabilidade pordes-
les encontrados na natureza. O ferro, entretanto, era rou-
truições devastadoras. Cunha Mattos infonna que
bado, como atestam as fentes históricas:
os enormes estragos feitos pelos canoeiros estão
a patrulha enviada pelo subdelegado da freguesia acometendo, nos distritos de Amaro Leite e Desco-
de Pilar apanhou algumas setas que os canoeiros berto e nos rios e estradas de Pilar para Porto Real,
lançaram na sua fuga ao aproximar-se do rio Ara- estragos tão fatais que os mesmos distritos e as ricas
guaia. Algumas tinham aguçadas chopas de ferro, margens do Maranhão acham-se quase desertos e
produto de seus latrocínios. 19 os moradores que têm escapado à morte abando-
E ainda: "roubam tudo quanto é ferro ... "20• Essas nam aceleradamente suas fazendas e habitações, de
flechas com pontas de ferro mantiveram-se como herança maneira que os lugares em que há poucos anos
a seus remanescentes. Os grupos contatados em 1973 e existiam acima de 400 propriedades e muitos milha-
1983, o primeiro no Araguaia e o segundo no Tocantins, res de escravos, estão ocupados pelo bárbaro cano-
portavam armas com pontas de ferro. eiro que em número de mil arcos infestam e asso-
Couto de Magalhães diz que, além do arco e da lam, queimam e matam terrenos, fazendas, casas e
flecha, os índios serviam-se de porretes: habitantes a quem reduziram e continuam a reduzir
à última desgraça. 22
tiram-no do cerne de madeiras de lei, atam-no com
uma corda e manejam-no de modo que sua pancada, Durante algumas décadas, os índios obstaram a
senãoésempremortal,servepelomenosparaderrubar ocupação de novas áreas dentro de seus territórios tribais,
a vítima e dar-lhe ocasião de matá-la mais comoda- a1 ém de terem contribuído para o despovoamento de terras
mente. O porrete é curto, de três palmos, e o cabo é do que estavam sob o domínio do branco. Entretanto, há um
tamanho de quatro polegadas; a ponta é mais larga do grande exagero nessas informações quando se referem ao
que o resto e termina em fonna de azagaya21 estado de opulência da região. Na capitania de Goiás, nos
momentos de maior exploração aurífera, o número de
Ainda segundo Couto de Magalhães, este porrete, sendo escravos não ultrapassou a cifra dos vinte mil,23 e Cunha
lançado, consegue derrubar o inimigo a 60 passos de Mattos refere-se a milhares de escravos. Por outro lado, o
distância. número de 400 propriedades na região destruída pelos índios
A buzina era outro aparato utilizado na guerra entre é igualmente falso, pois, servindo-se de estatísticas de 1828
avá-canoeiros e colonizadores. Quando os colonos ouvi- (quatro anos após Cunha Mattos ter escrito este documento),
am a buzina dos índios, ficavam alannados e preparavam- os sítios de lavouras dos Julgados de São João da Palma e de
75
/
Traíras somam 330e 106 fazendas de gado. Dessafonna, não bandeira contra tais índios, foram solicitados quarenta
haveria po~ibilidade de os índios terem destruído quase o recrutas desse arraial paracomporaexpedição; entretanto,
total de estabelecimentos rurais dessas localidades. por temor, apenas cinco homens se apresentaram.
Deixando-se de lado certos exageros contidos nas Outra evidência do receio ao enfrentamentocom os
fontes históricas, os índios de fato causavam sérios preju- índios está no relatório apresentado pelo presidente da
ízos às fazendas instaladas em seus territórios. E pode-se província, Luiz Gonzaga de Camargo Fleury, escrevendo
dizer que o medo que os colonos sentiam das hostilidades sobre o fracasso da bandeira enviada para-estabelecer a paz
indígenas contribuiu para 0 qespovoamento de áreas com os avá-canoeiros, em 1836:
ameaçadas pelos avá-canoeiros, sendo que os conflitos
E" doloroso porém declarar-vos, Senhores, que uma
tomavam grandes proporções na medida que os núcleos
força de 181 homens nenhum bem produzisse, e
populacionais eram pequenos e despovoados em virtude
parece que a covardia de seus comandantes, ou
da decadência da produção aurífera e da dispersão da
talvez sua imperícia fez que nem ao menos se
população na vida rural. Além do que, as fazenda.5 ~ os
encontrassem com o canoeiro, de quem confessam
sítios de lavouras eram distantes uns dos outros, fieando
terem visto a trilha; absolutamente ignorantes do
estes locais, de certo modo, isolados.
que deviam fazer, se não são verdadeiramente patifes,
Os colonos tinham verdadeiro pavor dos índios, eles empregaram todo o tempo em giros sempre
cultiV,ado através de décadas de lutas e enfrentamento vizinhos a Amaro Leite, Descoberto, ou São Félix,
entre ambos. O medo que a população branca nutria pelos consumindo assim os mantimentos até ~ue a fome
avá-canoeiros pode ser ilustrado no ofício do comandante causasse as deserçõés, e por último tiveram melho-
da milícia -de São José do Tocantins ao presidente da res desculpas com a entrada do inverno, é fama que
província, Luiz Gonzaga de Camargo Aeury, infonnan- a pesca e caça ocupou exclusivamente os cuidados
do-o sobre o ataque que esses índios fizeram no sítio dos comandantes, e que o de São Félix recolhera-se
denominado Lavra, distante três léguas do rio Maranhão com grande courama, e charqueada do gado brabo,
e a onze léguas de Traíras: que abunda n'aquele fertilíssimo território, em cuja
onoe assaltando o maldito inimigo aos morado- caçada empregava animais, e praça.26
res que se achavam trabalhando nas rocinhas que As atitudes indígenas, descritas nos documentos
estão ao pé da vivencla flecharam dois e mataram históricos como cruéis e selvagens, eram justificadas por
outro, e com o ataque uma das mulheres que se Pohl, homem crítico e instruído. O naturalista austríaco
achava doente de cama com os alaridos do gentio observou que no centro da discórdia entre índios e colonos
e gritos de gente que retiravam sempre pelejando residia a questão da exploração da terra e da utilização de
espirou - tal foi o horror que concebeu a miserá- mão-de-obra nativa. Ele demonstrou com bastante propri-
vel - oe repente.24 edade a visão que os colonos tinham dos índios:
Pohl também observou o medo que a população do Com olhos cúpidos, encaram esses colonos as
norte sentia dos avá-canoeiros. Segundo esse autor, os posses dos índios em geral, e de sua apropriação
índios eram "muito temidos pela sua selvageria e cruelda- esperam abundantes riquezas. Ouvem-se constan-
de. "25 Em São Félix, na ocasião em que se organizava uma temente reclamações de que os índios, que já foram
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empurrados da maior parte do Brasil, possuem as do imposto do dízimo todos aqueles que se estabeleces-
melhores terras e devem ser aniquilados e que o Rei sem no distrito de Amaro Leite. Mas esse incentivo fiscal
deveria enviar auxílio para a exterminação desses em nada contribuiu para o povoamento da região.
bichos (é este o nome qoe dão aos pobres índios).
Esta lei objetivava o povoamento nestedistrito, que
Que eles eram uma praga para a humanidade e que
possui férteis terrenos bons para criar e minas de
r só com seu extermínio total poderia o Rei satisfazer metais preciosos; mas em razãodacrueleconstante
e enriquecer os seus súditos. Escutam-se tais opini- agressão que sofrem seus habitantes do índio Cano-
ões em todo o norte de Goiás mesmo entre sacerdo- eiro, e por isso tem decrescido em uma progressão
tes ilustrados.:21
espantosa tanto que se acha quase abandonado.
Pohl ainda justifica a atitude belicosa dos índios A'.chava a Assembléia Provincial que a isenção do
contra os colonos: dízimo, por 10 anos seria um poderoso incentivo,
porém não obteYe nenhum resultado e as coisas
Não é de se admirar, portanto, que os pobres
ficaram no mesmo estado. Por isto julgou-se por
selvagens tomem igualmente providências para a
extinguir o privilégio. As razões de a Assembléia
sua segurança e que pretendam aniquilar os seus
Legislativa Provincial extinguir a lei é que não
adversários ou, pelo menos, conservá-los ame-
consta que fosse residir e estabelecer-se no distrito
drontados e assustados. Esse é o caso especial men-
de Amaro Le-ite um só indivíduo. Espera-se que
te dos Canoeiros, limitado a leste e a oeste pelos
cessem as causas que impedem o aumento da
colonosqueàsvezesdãovazãoaoseuódioeinvejados
população devido ãs providências que deverão ser
índios e até tentam escravizá-los. Não fossem tão ~
tomadas pelo governo lmperial.30
cruéis em suas ações os Canoeiros, não perdoando ..
qualquer cristão, há muito tempo estariam extenni- Vejamos o que as fontes históricas infonnam a
nados, desalojados ou escravizados.28 respeito da população avá-canoeiro, no período de tempo
até agora estudado.
O objetivo dos avá-canoeiros, como o próprio Pohl
reconhece, era manter o colonizador afastado de suas A população do grupo avá-:canoeiro é um dos
terras. E, para isso, lutaram obstinadamente, sem recua- aspectos mais difíceis de serem análisados em virtude da
rem, providenciando para que essa luta tivesse êxito tanto em carência de dados históricos á respeito, principalmente pelo
nível de combate quanto de efeitos psicológicos no inimigo. fatodequenenhumadesuas aldeias foi reduzidaaaldeamento
oficial. As fontes históricos não indicam e número de
Com os constantes ataques e assassínios feitos indivíduos, ora se referindo a muitos índios, ora a poucos.
pelos Canoeiros, tem aterrado a população.do inte- Contudo, sabe-seque as aldeias dos povos tupis não são muito
rior e obrigado muitos lavradores a abandonarem numerosas se comparadas com as populosas aldeias dos
as suas terras, procurando abrigo no centro das grupos jês. Essa ausência de informações numéricas e a
povoações, em grave perda da indústria do país e àa escassez de notícias a esse respeito dificultam até mesmo
riqueza nacional.29 sugerir hipoteticamente alguma estimativa populacional.
A questão do povoamento do sertão de Amaro No final do século XVIII, quando expedicionários
Leite era tão grave que a lei n. 11, de 05109/1838, isentou atacaram uma aldeia estabelecida nas ilhas do Tropeço, as
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fontes referem-se a um grande choque entre índios e linguagem muito violenta e intolerante ao se falar sobre os
brancos, e a expedição "fez grande mortandade. "31 Se grupos indígenas autônomos que evitavam o contato
foram muitos os mortos é porque certamente a aldeia era pacífico com o colonizador. Na década de 1840 particular-
numerosa, pois há informes de que muitos fugiram e que mente, a documentação histórica revela a existência de
o comandante da bandeira saiu em seu encalço. Pohl três presídios militares ao longo do rio Maranhão/focan-
informa que "eles formam uma das tribos mais numero- tins - Paranatinga, São Félix e Xambá Contam-se ainda
sas. "32 Já na aldeia destruída em 1819 não houve muitas os destacamentos volantes, colocados nos locais onde os
mortes, pois a maioria da população estava ausente. índios apareciam com freqüência, além de inúmeras ban-
Cunha Mattos, em 1824, fala em números da popu- deiras punitivas enviadas contra eles. Conflitos entre avá-
lação avá-canoeiro, porém é incoerente em suas estimati- canoeiros e colonos foram registrados nos distritos de Palma,
vas. Num ataque dos índios ao julgado de Traíras, disse Peixe, Amaro Leite, Crixás, Pilar, Água Quente, na estrada de
que havia 1.000 arcos, isto é, 1.000 guerreiros. Em outra Pilar para Traíras, em Traíras e em várias localidades do
referência, fala em 300 guerreiros, considerando tal tribo distritodeSãoJosédoTocantins- naestradaqueligaestavila
pequena. Relata ainda que os avá-canoeiros têm aumen- a Cavalcante, na altura do cruzamento dos rios Bagagem e
tado a população. Analisemos os números apresentados Tocantinzinho, bem como São Félix.
por este militar: se o grupo é composto de 1.000 guerrei- Na década de 1850, delineia-se claramente o fenô-
ros, multiplicando-se por 4 - considerando mulheres, meno da grande dispersão dos avá-canoeiros, abrangendo
crianças e homens velhos-daria uma população de 4.000 um vasto território.
,
Em 1850, os índios apareciam nas
pessoas. Se considerarmos 300 guerreiros, usando o mes- imediações de Agua Quente, Thesouras, Amaro Leite, São
mo raciocínio, teríamos aproximadamente 1.200 indivíduos. Félix, Chapada, Peixe, Pontal e Almas. Observa-se, por-
&te contingente estaria distribuído em quantas aldeias? tanto, que os índios atingiram regiões meridionais de seu
Os informes contidos no jornal Matutina Meya- território, como Thesouras, e setentrionais, como Almas
pontense também apresentam dados populacionais diver- e Pontal. Segundo infonnações datadas de 1851, tais
gentes. Segundo essa fonte, datada de 1832, concluiu-se, indígenas circulavam também, com freqüência, no distri-
em reunião do conselho do governo, que tais índios eram to de Cavalcante e na chapada dos Veadeiros - antigo
em pequeno número, sem dizer a quantidade. No ano nome de Alto Paraíso. Em 1852, aparecem importunando
seguinte, esse mesmo conselho infonna que os índios têm os xavantes aldeados em São Joaquim do Jamimbu e
aumentado a população e que, num ataque a Amaro Leite, atemorizando os moradores do distrito de São Félix.
segundo informações que os conselheiros crêem verídi- No ano seguinte, a presença dos avá-canoeiros é
cas, contaram 400 combatentes. Neste caso, é um exagero registrada em várias localidades: nas terras entre os rios
atribuir tamanho contingente de guerreiros, pois, nessa Araguaia e Tocantins; nas vertentes do rio Maranhão, nos
ocasião, Amaro Leite era um arraial bastante decadente e limites entre Traíras e Santa Luzia (o rio Maranhão defme os
esse número de guerreiros seria mais que suficiente para limites), e em terras além da chapada dos Veadeiros. Os
destruí-lo por completo. destacamentos implantados no rio Maranhão e na passagem
As décadas de 1840 e 1850, por sua vez, foram o do rio Tocantinzinho (na estrada que liga Cavalcante a São
período de maior repressão contra a resistência dos avá- José do Tocantins) provavelmente empurraram os índios em
canoeiros. Na documentação histórica, observa-se uma direção às cabeceiras destes rios, de onde atingiram a chapada
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dos Veadeiros. Quanto ao aparecimento dos avá~anoeiros apareceram nos distritos de Pilar e Eorto Imperial. Já em
em te~ liniftrofes de Santa Luzia, é bem pro\'ável que eles 1859, movimentavam-se em Porto Imperial, na freguesia
tenham subido o rio Maranhão ou o rio Bagagem para de Santa Rita, no distrito de Cavalcante (na região do rio
alcançar tal região. .&tas dispersões ocorreram, pqssivelmen- Maranhão) e em várias localidades do município de São
te, em virtude das perseguições dos destacamentos dos quar- José ôo Tocantins.
téis de Pilar e de Xambá, estabeleciôos nas margens do rio A divisão dos avá-canoeiros em grupos menores,
Bagagem, que patrulhavam a região do rio Maranhão. de grande mobilidade esgacial, permitia que esses índios
No ano de 1854, a presença dos índios é registrada se movimentassem por uma imensa área que abrangia
nos distritos de Pilar, Água Quente, Traíras, Santa Euzia seus territórios tradicionais e também regiões fora deles.
- na região tocantínea -, no aldeamento São Joaquim do Essas regiões constituíam territórios de grupos acuéns,
Jamimbu e a dez léguas de Leopoldina - na bacia do rio mas encontravain-se habitados apenas por hordas, pois a
Araguaia. Neste mesmo ano, o presidente da província de maioria dos índios já havia sido desalojada dali. Assim,
Goiás, Antônio da Cruz Machado, infonnou em relatório toda essa área ficava de certo modo disponível para os
que os avá-canoeiros habitavam os terrenos despovoados diminutos grupos autônomos, como os xavantes e os avá..
entre Pilar e outros municípios mais ao norte e que tais canoeiros, b,em como para a colonização. A fuga dos
índios tinham seus arranchamentos nas matas às margens índios para outras áreas e, conseqüentemente, o choqu.e
do rio Maranhão, até a confluência com o rio das Almas. com os colonos apontam para o fato de que a esta altura a
Os conflitos entre índios e colonizadores vinham até aqui província de Goiás já se encontrava colonizada
impedindo o pc>voamento maciço das férteis terras da
V:erifica-se que as terras para onde os índios migra-
margem esquerda do rio Maranhão.
ram eram regiões de mata que margeavam cursos d'água,
Os relatos do ano de 1855 apontam os avá-
ambiente ao qual estavam adaptados. Grupos de avá-
canoeir:os como habitantes da margem direita do rio
canoeiros subiram os rios Santa Tereza e Canabrava e,
Crixá-Mirim. Os terrenos a oeste de Crixás, banhados
possivelmente,apartirdaí,alcançaramregiõesdabaciado
pelos rios do Peixe, Thesouras, Crixá-Açu e Crixá-
Araguaia. Há notícias de que os índios movimentavam-se
Mirim eram habitados pelos avá-canoeiros e xavantes.
na margem direita do rio Crixá-Mirim, no rio do Peixe e
Ainda no mesmo ano, há notícias de três aldeias de avá-
no Thesouras-todos reputados como piscosos-, além de
canoeiros na bacia do rio Tocantins. Uma delas locali-
percorrerem as margens do Araguaia e a ilha do Bananal.
zava-se no córrego Alg0doeiros, entre o arraial de
A fertilidade e a abundância de rocursos naturais da região
Amaro Leite e o presídio Santo Antônio; outra,. na são descritas por Pohl:
localidade deneminada Barro Alto (terras situadas nas
margens do rio Canabrava); e ainda outra na margem As comarcas de Palma e de Porto Imperial compre-
direita do rio Canabrava, a aproximadamente 12 a 14 endem terrenos que ficam além do Tocantins, na
léguas acima de sua barra €om o rio Maranhão. Os margem ocidental, e terminam no rio Araguaia,
antigos supunham que era desta aldeia que os índios porém todas estas terras cobertas dos mais nutriti-
partiam para hostilizar os moradores da região. vos parados, de florestas muito espessas, de minas
Em 1857, há notícias de movimentação dos avá- de fino ouro estão abandonadas por causado receio
canoeiros na freguesia de $anta Rita. No ano seguinte, que há dos indígenas Canoeiros. 33
79
/
Grupos de avá-canoeiros ainda subiram os rios encontrava-se sensivelmente reduzida, principalmente devi-
Maranhã0, Bagagem e Tocantinzinho, ocupando as regi- do aos massacres e às perseguições por ela sofrida
ões de mata de galeria aó longo de suas margens. No rio A redução da população indígena provocou certa-
Bagagem, há notícias dos índios no local denominado mente modificações profundas na sociedade dos avá-
Boca da Mata. E subindo mais ainda este rio, próximo às canoeiros, com relação à organização do trabalho, regras
suas nascentes, instalaram-se na região denominada Aca- de matrimônio, relações de parentesco e outros. Porém,
ba Vida. Os rios Maranhão, Bagagem e Tocantinzinho são temas apenas para se especular, pois é impossível, no
têm um longo percurso, mas nem todo ele constituía-sede moment0, conhecer as reais transfonnações que ocorre-
terrenos férteis. No entanto, os índios buscavam as terras ram.Infere-se que as regras de matrimônio e as relações"de
produtivas, onde podiam explorar a mata para a agricultu- parentesco tenham-se transformado a partir do contato
ra, e, possivelmente, os recursos do cerrado, como a caça com um pequeno grupo na região do rio Araguaia, ·em
e frutos em abundância, além dos peixes. Os avá-canoei- 1973. Nesse grupo, a índia chamada Tatia, com mais de40
ros, ao subirem estes rios, entraram em contato com terras anos, informa que se casou com seu pai biológico, e dessa
que hoje compreendem o Distrito Federal e vizinhanças e, união nasceu uma filha, falecida antes do contato. O índio
provavelmente, atingiram, no século XX, a região de Tutau é pai biológico de dois filhos e uma filha, porém
Unaí, que se localiza ao norte do estado de Minas Gerais, estes tinham mães diferentes; contou-nos que seu filho
próximo a Brasília. ... Putikao e sua filha Kawkâma não são irmãos. Esse
A popu laçãodeavá-canoeiros, a partir da década de exemplo ilustra a indicação' de que houve sensíveis
18,40, foi-se reduzindo ano após ano, em virtude de transformações no relacionamento entre os indivíduos
massacres e perseguições perpetrados contra esse povo. O dessa sociedade para que sua sobrevivência física fosse
presidente da província, Joaquim Ignácio de Ramalho, garantida.
informa, em 1847, que "a nação cano<1ira não é bem As guerras entre os avá-canoeiros e os colonizado-
conhecida, apenas sabe-se que não é muito numerosa. "34 res trouxeram como conseqiiências, além da redução da
Em relatório oficial, o presidente da província, Silva população indígena, sua dispersão num vasto território,
Gomes, estima, em 1851, que a população dos avá- sua fragmentação em pequenos grupos e e nomadismo
•
canoeiros era pouco numerosa. Já o presidente da provín- advindo do aumento da capacidade de mobilidade espa-
cia, Francisco Mariani, em 185 3, diz que de maneira geral cial desses grupos menores. Tais transfonnações parecem ,
os índios eram poucos e espalhavam o terror por onde ter sido possíveis graças ao fato de a estrutura social dos
passavam. Ainda em relatório, o presidente Antônio ,da grupos tupis ser mais flexível, permitindo mudanças
Cruz Machado informa, em 1855, que foram vistas duas radicais na vida social de seus indivíduos. Essa flexibili-
aldeias numerosas: uma no alto curso do rio Santa Tereza dade social contribuiu para a sobrevivência do grupo, a
eoutranorioOmabravaEm 1857,hánotíeiasdeumcombate despeito de outras sociedades indígenas extintas como,
travado entre os índios e uma bandeira, nas cabeceiras do rio por exemplo, os goiás, crixás, acroás e outros.
Thesouras, G}Uando "foram mortos grande número. "35 Desse A divisão dos avá-canoeiros em grupos menores
modo, não havia dados quantitâtivos da população indígena, permitia uma movimentação mais segura e menos em-
apenas notícias vagas que diziam serem os índios ora nume- baraçosa do que se o grupo fosse mais numeroso. Além
rosos orapoucos. Possivelmentea populaçãodeavá-canoeiros disso, os recursos alimentàres, como a caça, a coleta de
80
frutos e a pesca, poderiam suprir satisfatoriamente um evidenciava-se no constante estado de guerra, que os
número menor de pessoas. As raças seriam menores e mantinha pennanentemente mobilizados. A respeito das
passariam mais despercebjdas aos olhos dos fazendei- atitudes belícosas dos índios, temos: "Canoeiros -Nação
ros. E os índios, movimentando-se em pequenos gru- crudelíssima, belicosa., e que não sabe fugir, resistindo nos
pos, tomariam mais difícil o encontro ocasional com os seus combates até morrer. "41 Pohl infonna que os avá-
colonos, e estes, assim, não notariam seus vestígios. canoeiros eram cruéis, belicosos, implacáveis, obstinados
Afinal, eles estavam em fuga e, para sua própria segu- na realização de seus intentos, justificando esta atitude dos
rança, não deveriam ser notados. índios ao afinnar que, se eles não fossem assim, há muito
A documentação histórica assim se refere à mobi· teriam sido escravizados e suas terras confiscadas.
lidade espacial a que foram impostos: os avá--canoeiros Os avá-canoeiros eram considerados pelos coloni-
são "errantes pelas margens do rio Tocantins."36 "Há zadores como detentores de caráter indômito e ferocidade
aldeias do indomável Canoeiro, que são nômades, disse- congênita; eram impetuosos, selvagens, ferozes e consi-
minados pelas margens cio Ataguaiae Tocantins. º 37 "Sabeis derados valentes, e os índios mais inteligentes e sagazes
que a tribo feroz dos Caneeiros é nômade e muito dividi- não admitiam diálogo nem por intérp,retes nem por meio
da "38 Dessa fonna, a mobilidade espacial mais intensa a de outros índios; combatiam sem recuar, não danêlo trégua
que os índios foram levados também provocou profundas ao inimigo;' eram, enfim, inimigos irreconciliáveis dos
alterações em seu modo de vida. Eles teriam de reduzir os cristãos. Todos estes adjetivos retirados das fontes são
bens materiais que possuíam, pois teriam de transportá-los indicativos para dizer que os índios não queriam nenhum
em suas constantes movimentações. Isso também influenciou tipo de contato com o nãcríndio eque o convívio pacífico
na capacidade de reprodução física da própria sociedade - era impossível, nos moldes pretendidos pelo colonizador.
fontes históricas e entrevistas com regionais referem-se a A que se deve uma resistência tão obstinada dos
raptos de crianças não-índias pelos avá-canoeiros, talvez com avá-canoeiros? Aparentemente, os índios pareciam estar
vistas à recomposição de sua sociedade.39 A mobilidade conscientes quanto à negação da sujeição a uma outra socie-
contínua possivelmente im~diu, tâlnbém, em detennina- dade. Entretanto, tudo indica que os avá-canoeiros possuíam
do momento, o plantio de roças e a construção de aldeias, mecanismos de controle social com o objetivo de manter
levando-os a erguerem apenas acampamentos provisórios o COQJO social coeso, pois estavam em permanente estado
- "Não consta que tenham (os avá-canoeiros) aldeamento de guerra, ou .de fuga, quando lutar não fosse mais possí-
fixo. "40 Contudo, os índios voltaram a plantar e construir vel. Os mecanismos de controle social evidenciavam-se
suas grandes casas, confonne indicam as pesquisas reáli- através da bravura, da valentia, da obstinação e do fato de
zadas na atualidade. não recuarem durante as lutas. Numa primeira análise
A resistência da sociedade dos avá-canoeiros em se pode ser que estes mecanismos estejam vinculados à
manter autônoma só foi possível graças às mudanças perda da própria vida do indivíduo-vida física e espiritual
ocorridas no aparato sócio-cultural imposto pelas conse- -, dado que os grupos indígenas possuem uma religiosi-
qüências advindas dos conflitos entre índios e colonizado- dade por demais acentuada Para tais sociedades, há uma
res. Um traço cultural bem marcante entre os av,á-canoei- íntimaligaçãoentreorealeosobrenatural,eaparticipação
ros era sua belicosidade, nunca aceitando serem subjuga- dos espíritos pode ser decisiva nes acontecimentos.42 De
dos pelo colonizador. Essaresistência indígena ao contato outro modo, como os _avá-canoeiros iriam explicar a si
81
mesmos o período tão difícil pelo qual estavam passando Na década de 1860, o sertão de Amaro Leite encontrava~
e que,seria preciso resistir com vistas a dias melhores? se receptivo ao poYoamento, pois os avá-canoeiros já
Um pequeno grupo contatado em 1983, nas mar- eram em menor número e encontravam-se dispersos, não
gens do rio Maranhão, possui uma vida religiosa inten- mais se constituindo um entrave ao colonizador. ·
sa, utilizando o fumo e o maracá em seus rituais de Absolutamente impossibilitados de lutar, uma vez
pajelança. Eles necessitaram da religião para continuar que o número de colonos crescem bastante e se espalhara
vivendo. A perda da vida física relacionada a controle por todo o território goiano, os índios passaram a fugir e
social baseia-se no relato de Couto de Magalhães, que a migrar para se manterem autônomos. Eles fugiam para
informa que os guerreiros, quando feitos prisioneiros, locais mais desertos e até mesmo inóspitos, buscando
preferiam a morte a serem levados. Segundo este autor, áreas livres da ocupação do colonizador.
militares de conceito profissional reportaram-lhe que, Na mesma década, a presença dos avá-canoeiros é
num dos numerosos combates travados entre os avá- assinalada nos municípios de Pilar, São José do Tocantins
canoeiros eos soldados, alguns guerreiros saíram muito e Cavalcante, em ambas margens do rio Tocantins, desde
feridos e presos, e os militares quiseram levá-los consi- Palma até Porto Imperial, bem como nos.então desertos
go. Porém, os índios negaram-se a acompanhá-los, sertões do Araguaia, na região do ·rio Crixás-Açu e em
pedindo para serem mortos, pois se o chefe os desco- terras entre Leopoldina e o presídio Monte Alegre.
brisse vi vos, logo os mataria. Assim, os militares aca- Os índios, em suas movimentações, quando se
baram por satisfazer a vontade dos índios. Tal relato é encontravam com fazendeiros, estabeleciam o conflito,
verdadeiramente muito estranho, não pela comunica- como demonstra o relato a seguir.
ção havida entre pessoas de línguas diferentes, mas sim
pela própria opção de morte dos índios. A este fato No ano passado, deram dois casos de acometi-
acrescenta-se que, no aldeamento oficial de São Joa- mentos contra pessoas isoladas e em lugares
quim do Jamimbu, havia, em 1862, duas índias avá- ermos. Estas agressões são difíceis de evitar em
canoeiro já adaptadas ao convívio com o colonizaàor. diversas regiões desta província. Os municípios
Essas índias vi viam em constantes sobressaltos, temen- de Pilar, São José, Cavalcante, Palma e Porto
do serem mortas por seus parentes, poisos avá-canoeiros lm perial são freqüentemente visitados pelos Canoei-
ros e Xavantes que vagueiam pelos seus vastos e
eventualmente apareciam no aldeamento para roubar
desertos sertões.43
ferramentas e estragar as roças dos índios xavantes. Os
informes de Couto de Magalhães devem ser encarados Nesses raros casos de ataques, a tática de luta: era a mesma
com muito rigor e cuidado, pois podem ser verdadeiros - não recuavam, atacavam depois de muita observação e
ou estarem alterados pela ideologia etnocêntrica da espalhavam o medo entre os colonos, como mostra Couto
época. Contudo, há indícios~ na documentação históri- de Magalhães: "Combatem sem recuar, não d'ão trégua ao
ca, que fazem suspeitar de rígidas sanções àqueles que inimigo. "44 "O Canoeiro é o mais valente, sagaz e previ-
infringissem as leis dos costumes e as tradições cultu- dente. Quando bate, a destruição é certa, ~lhem a ocasião
rais da sociedade dos avá-canoeiros. O·portuna, custe isto muitos meses de espionagem."45
Nas quatro últimas décadas do século XIX, os Noutras ocasiões, os índios simplesmente surgiam
relatos sobre os avá-canoeiros diminuem sensivelmente. em detenninados locais, como no porto da passagem do
82
rio Tocantinzinho e nas estradas, assustando os viajantes. encontro as portas das casas de fonna que desabam
Tais aparecimentos súbitos eram suficientes para os f a- sobre as pessoas que de manha- vem abn- . 1as.48
zendeiros se sentirem apavorados, sem que nos documen- Essa prática de fazer "travessuras" ou "malinezas", no
tos transparecessem verdadeiramente atitudes hostis por dizer dos sertanejos goianos do século XX, foi e ainda é
parte dos indígenas. utilizada pelos avá-canoeiros autônomos.
Nas três últimas décadas do século XIX, os
poucos documentos históricos que se teferem aos avá-
Assim, os índios acabaram por recuar, pois -
. nao
estavam mais aptos a continuarem os conflitos, encon-
canoeiros registram sua presença no sertão de Amaro
trando-se em número reduzidíssimo, como atesta, em
Leite, nos municípios de Pilar, São José do Tocantins,
1881, o presidente da província, Aristides Spíndola,
Cavalcante e na região do rio Crixás-Açu. Esses docu-
informando "estar quase extinta a tribo (dos Canoeiros)
mentos infonnam também que os índios não mais
pelos ataques que, em represália, sofreram dos cris-
atacavam fazendas; a guerra já estav.a perdida e eles
tão. "49 Dentro de seus territórios de movimentação e de
apenas fugiam, evitando o contato. Entretanto, os avá-
outros para onde migraram, eles permaneceram autô-
canoeiros pareciam supor que sua presença em dete,nni-
nomos e menos belicosos. Era necessário recompor a
nados locais gerava pânico entre fazendeiros e viajantes
sociedade; não havia meios para lutarem contra o inva-
e, talvez para mantê-los receosos, deixavam-se serem
sor que a essa altura já havia consolidado a ocupação.
vistos, sem, no entanto, hostilizá-los. Tal fato pode ser
Contudo, o norte da província não fora completamente
observado neste registro: "O município de Pilar expõe
ocupado por fazendas. Ainda havia terras, principal-
finalmente o pavor que os índios Canoeiros têm espa-
mente aquelas entre serras de difícil acesso e que,
lhado por todo município, se bem que não mostre um só
permanecendo inexplorad.as, constituíam locais de re-
fato positivo como prova disto."46 Outro documento,
ftígio para os índios.
uma solicitação da Câmara Municipal de São José do
Tocantins para a construção de dois presídios neste Em tais locais, os avá-canoeiros puderam se
município, o que traria benefícios para o comércio, diz reorganizar enquanto sociedade, reconstruindo suas
que estes presídios serão "como um poderoso obstáculo aldeias, plantando suas roças e aumentando a popula-
para os transeuntes que temem as fustigações dos selva- ção. Não ganharam a guerra, porém foram vitoriosos
gens, os quais constantemente vi vem ameaçando atacar enquanto sociedade que não se submeteu ao domínio de
os viajantes ...•47 outra. Entretanto, no século XX, o que vem ocorrendo
Como se pode notar, os combates Jª - ex1st1am
." nao .. é uma repetição dos séculos anteriores. Os índios en-
mais, persistindo porém, um medo terrível dos índios, frentam as últimas frentes colonizadoras; os conflitos
cultivado durante décadas de conflitos. Esses índios, sem ocorrem e novamente os índígenas são desalojados das
meios para sustentarem umacontenda, como último protes- melhores terras, migrando para locais inóspitos, serra-
to faziam travessu™ pelas fazendas por onde passavam: nos e alagados, onde a agricultura toma-se impraticá-
vel. Mais uma vez os avá-canoeiros tiveram que se
Em toda a circunvizinhança eles (os avá-canoeiro) adaptar ao novo modo de vida para sobreviver de modo
têm aprontado. Se divertem em depenar galinhas e autônomo. Dessa forma, observa-se que a res1stenc1a
. ,... .
'
outras aves, durante a noite amarram porcos e desses índios é uma característica que persiste até os
bezerros. Amontoam trecos de pau e pedras de dias atuais, em que se contam ainda grupos de famíl~3
13
autônomas movimentando-se e evitando o contato com RESOLUÇÃO n. 25, de 31.07 .1835. Leys Goyanas. t. 1. Arquivo Histórico
Estadual de Goiânia.
o branco. 14
MA TUTINA MEYAPONTENSE, n. 475, de 25.09.1833.
15
Esta atitude, belicosa dos avá-canoeiros é característica também do grupo
indígena uru-eu-wau-wau, contatado em 1981. Dois índios desse grupo
atacaram, em 1988, um colono que vivia no limite da reserva indígena. O
Notas
colono fieou apenas ferido e relatou para o chefe do posto indígena Cajueiro
1
Utiliza-se aqui o mesmo .e ntendimento que Laraia tem do termo floresta.: que os índios eram múitos, em vista da gritaria que faziam.
16
"Entende-se como floresta qualquer tipo de cobertura vegetal. Assim. esta MATUTINA MEYAPONTENSE. n. 454, de 13.07.1833.
17
categoria deve ser considerada mais do ponto de vista simbólico do que SILVA E SOUZA, L. A. da. Memórías do descobrimento e cousas mais
ecológico. pois localizados em diferentes partes do territ6rio~ na verdade notáveis da província de Goiás. ln: TELES, J. M. Vida e obra de Silva
habitam diversos Opos de florestas". e Souza. Goiânia: Oriente, 1984. p. 127.
18
LARAIA. R. de B. Tu pi: índios do Brasil atual. São Paulo: FFLCH/USP. POHL, J. E. op. cit. p. 214.
19
1986. p. 42. RELATÓRIO Antônio Cândido da Cruz Machado 185'5. op. cit. p. 27.
2 20
SCHMITz. P. 1. & BARBOSA, A. S. Horticultores pré-históricos-do COUTO DE M.A GALHÃES, J. V. do. Viagem ao Araguaia. 5. ed. São
estado de Goiás.. São Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesquisas, Paulo: Nacional, 1938. p. 109. (Col. B-rasiliana, 28)
21
1985. p. 16-18. Idem. p. 109
3 POHL, J. E. Viagem ao interior do Brasil. Belo Horizonte ~ ltatiaia; São 22
0FÍCIO do governador das armas R. J. da Cunha Mattos ao ministro do
Paulo: Ed. USP, 1976. p. 213. Império João Vieira de Carvalho, de 25. I 0.1823. n. 15. Pacote IG 1-217.
'RELATÓRIO que à Assembléia Legislativa Provincial de Goyaz apresen- Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
tou na sessão ordinária de O1.09.1854 o presidente da província Antônio 23
SALLES, G. V. F. Economia e escravidão em Goiás colonial. Goiânia:
Cândido da Cruz Machado. Goyaz: Typographia Goyazense,. l SS4. p. UFG, 1983. p. 321-323. (Col. Teses Universitárias, 28).
28. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. 24
BORGES, H. C. O pacificador do norte. Goiânia:CERNE, 1984.p.131.
s RELATÓRIO que à Ass.e mbléia Legislativa de Goyaz apresentou na sessão 25
POHL, J. E. op. cit. p.. 211.
. ,
ordinária de O1.05. 1851 o Exmo. presidente da mesma ·província, Dr. 26 UNIVERSIDADE CATOLICA DE GOIAS. Centro de Cultura Goiana.
Antônio Joaquim da Silva Gomes. Goyaz: Typographia Provincial, Relatórios de governos da província de Goiás de 1835-1843 (relatórios
1851. p. 14. Arquivo Nacional Cio Rio de Janeiro. políticos, administrativos, econômicos, .sociais etc). ln: Memórias
6
CARTA do brigadeiro R. J. da Cunha Mattos ao capitão-mor Joaquim Goianas, 3. Goiânia: UCG, 1986.
27
Pereira de Lemos, da Vila da Palma, em 27 .03.1824. ln: 1823-1829: POHL, J. E. op. cit. p. 213.
correspondência do governador das ârmas com os comandantes 28
Idem. p. 213.
dos Distritos. Arquivo Histórico Estadual de Goiânia. 29
RELATÓRIO que à Assembléia Legislativa de Goyaz apresentou na sessão
7
RELATÓRIO que à Assembié ia Legislativa provincial de Goyaz apresen- ordinária de O1.05.1847 o Ex mo. presidente da mesma província Dr.
tou na sessão ordinária de 1855 oExmo. presidente da província Aritônio Joaquim lgnácio Ramalho. Goyaz: Typographia Provincial, 1847. p. 7.
Cândido da Cruz Machado. Goyaz: Typographia Goyazense, 1855. p. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
28. Arquivo Nacional do Rio.de Janeiro. :1<>0FÍCIOdopresidentedaprovínciaJoaquimlgnáciodeRamalhoaominis1rodos
8 CORDE1RO. A. Carta ao leitor. O Popular. Goiânia, 23.11.1990. p. 02.
, Negócios do Império, 1847, n. 20. ln: 1845-1848: correspondência da
9
OEICIO do presidente da província ao delegado da freguesia de Santa Rita. Presidência ao Ministério dos Negócios do Império. p. 59-60..
Gazeta Official de Goyaz. a. 1, n. 37. de 16.10.1858. Arquivo Histórico 31 ALENCASTRE, J. P. M. Anais da província de Goiás - 1868. Brasília:
Tocantins de04.06.1879.CentroCulturalAncônioE.deMoraes,Niquelândia-
GO.
411
ARQUIVO Histórico Estadual de Goiânia. Correio Official n. 360 de
11.10. 187 1.
49
RELATÓRIO apresentado pelo llmo. e Exmo. sr. Dr. Aristides de Souza
Spíndola, ex-presidente da província no acto de passar a adminstração ao
Exmo. s r. Vice-Presidente Dr. Theodoro Rodrigues Moraes em
27.12. 1881. Thypographiada Tribuna Livre. p. 19. Arquivo Nacional do
Rio de Janeiro.
85
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Considerações Finais
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Anexos
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Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
101
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Indios avá-canoeiros do Tocantins, tradicionais habitantes da serra da Mesa, às margens do rio Maranhão.
102
Tuia, a única mulher do grupo do
Tocantins em condições de procriar.
103
Thrumak, primeira criança nascida após o contato - grupo do Tocantins.
104
Putdjawa, segunda criança nascida após o contato - grupo do Tocantins.
105
Cachimbo de argila e taboc~ com nítida influência neobrasileira, usado pelos avá-canoeiros, principalmente nos
rituais de pajelança
106
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107
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108
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
109
Lança e flecha com pontas de metal
1{k11~ e flecha de ponta ijbuda para o
abate de aves - grupo do Araguaia.
110
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111
Tutau, sua filha Kawkâma e seus netos, mestiços comjavaé.
112
Cesta de palha de buriti usada para o transporte de alimentos e utensílios - grupo do Tocantins.
11 3
Maracá, instrumento utilizado pelos avá-canoeiros em rituais mágico-religiosos.
114
Nakwatxa - grupo do Tocantins.
115
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11 6
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117
Thrumak e Putdjawa - grupo do Tocantins.
11 8
Relação de Povoações Mencionadas neste Livro e sua
Co1·1 espondência Atual
. Curralinho - Itaberaí
. Anicuns -Anicuns
. Barra - Buenolândia (vila pertencente ao município de Ooiú)
. Santa Rita - extinto
. Ouro Fino - extinto
. Ferreiro - extinto
. Vila Boa - cidade de Goiás
. Rio Claro ou Pilões - lporá
. Meia Ponte - Pirenópolis
. Córrego de Jaraguá - Jaraguá
. Corumbá - Corumbá
. Santa Cruz - Santa Cruz
. Bonfim - Silvânia
. Catalão - Catalão
. Santa Luzia - Luziânia
. Pilar - Pilar
. Crixás - Crixás
. São Miguel de Tesouras - extinto
. Traíras - Tupiraçabaou Traíras (vila pertencente ao município de Niquelân-
dia)
119
. São Jcm do Tocantins - Niqucllndia
. Água Quente - Água Quente (povoado pertencente ao município de Nique-
lândia)
. Cocai - Cocai (povoado pertencente ao município de Niquelândia)
. Chapada dos Veadeiros - Veadeiros - Alto Paraíso de Goiás
. Amaro Leite - Amaro Leite (povoado pertencente ao município de Mara
Rosa)
. Descoberto da Piedade - Porangatu
. Santa Rita - extinto
. Cachoeira - extinto
. Moquém - Muquém (povoado pertencente ao município de Niquellndia)
. Cavalcante - Cavalcante
. São Félix - extinto
. Carmo - extinto
. Chapada - extinto
. Barra do Palma - São João da Palma - Paranã
. Flores - Flores
. Arraias - Arraias
. São Domingos - São Domingos
. Morro do Chapéu - Monte Alegre
. Conceição - Conceição
. Natividade - Natividade
. Príncipe - Príncipe (vila pertencente ao município de Natividade)
. Chapada - Chapada (vila pertencente ao município de Natividade)
. Espírito Santo do Peixe - Peixe
. São Miguel e Almas - Almas
. Porto Real - Porto Imperial - Porto Nacional
. Carmo - Monte do Carmo
. Pontal - extinto
. Santa Maria da Taguatinga - Taguatinga
. Entre-Rios - lpameri
120
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