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DE DIVULGA<;AO SCIENTIFICA
LFREDO BRANDAO
Diíligida pelo PROF. DR. ARTHUR RAMO S
•
...
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•
. ,
!A Escripia Prehistoricci
. . .
••
do Brasil •
VALOR
OESTE LIVRO
J
As inscri~óes rupestres no
Brasil nao teem despertado, como •
deviam, a attenc;áo pos estudiosos •
da nossa archeologia.
E' a este capitulo deficiente,
bordado ainda de incertezas, de
duvidas, campo aberto ás mais
extravagantes hypotheses, que o •
Dr. Alfredo Brandáo se lanc;a
com denodo, como velho conhe-
cedor do assumpto.
O Autor de «A Escripta prc-
historica do Brasil» é um sabio •
alagoano já conhecido dos meios
archeologioos e ethnograiphicos ·" .._
nor varios trabalhos e pesquisas .....
de valor, publicados ein monogra-
phias que infelizmente nao tive-
ram ainda a divulgac;ao que me-
recem.
Aventurando-se em terrenos tao A Escrípta Prehís-
movedic;os, e.orno o da nossa es-
cripta prehistorica, o Autor exa-
mina as varias theorias que pro-
torí ·,c a do B ras í l
cnraram interpreta-las, ex.pondo-
nos por fim a sua propria doutri-
na e J>ropondo urna especie de
chave gerat para a sua decifaac;ao.
O seu livro será urna op,por-
tunidadte .para um amplo d~ate
sobre o ·thema, onde a pesquisa,
puramente scientifica, muitas
vezes nao .se pode separar de um
certo contingente de f antasia.
Todo um mundo perdido para ..
sempre, todo um passado mys-
terioso do hornero que povoou as
terras da America, muito antes
da sua descober•ta, é evocado
nessas paginas eruditas e curiosas.
«A escripta prehistorica do
Brasil» vae, por isso, interessar
nao só os ethnographos e ar- '
cheologos como todos aquelles que
desejam penetrar no passado lon-
ginquo do homem prehistorico do
Brasil. "
EDl<;ÁO DA
Civillza~ao Brasileira·S. A... Editora
Rio de Janeiro
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
ALFREDO BRANDÁO
DO MES~1.0 AU'rOR
Livros: '
• ,
TABAGISMO - Bahia, 1902 (esgotado).
. VIQOSA DE ALAGOAS ~ (Notas historicas, geographicas
e archeologicas) - Recife, 1914 (esgotado) .
NOITE'S DO PARAGUAY - Narrativa do tempo da guerra ·
·A Es.crípta Prehís~ , •
•
r-.
•
DEDICATORIA
..
Almerinda .
Seja o teu nome querido a· primeira palavra que
appare<;a no prime.iro livro que publico depois da tua
i
morte .
•
Hoje é apenas a ·tua doce lembran90-- que ainda faz .
vibrar a minha alma, que me estimula como nos días
f elizes de outróra, quando a trua vida alegrava o meu
.
viver.
'
Partiste para esse A.lém mysterioso e insondavel. ..
Hoje vives numa outra esphera de luz, vendo outros sóes, '
outr<f-S aiirora~, mas eu éomprehendo q1.te me contemplas, ·
que estás jun·to a mim e se nao te posso ver, se náo te .
posso ouvir e tocar, é apenas pela deficiencia material
dos meus mi.seraveis sentidos.
E:vpandem-se, ainda, em flores e perfumes os prados;
povóani-se de estrellas as noites; o luar é brando e meigo,
sussurram as brisas nas verdes frondes, e as tardes, sob
a vermelkidao dos poentes, derramam <1 mesma poesia
·- ,.. - , ...
•
'
de outróra, rn1as, flo1·es, pe1·¡.1¿·mes, estrellas, luares e a tua alma de santa paira pelas 1·egióes do céo, nos in-
poentes já .nao me trazem as doces impressóes dos dias ter1nundos ent1·e as estrellas brilhantes, no azitl, no es-
passados, porque eras tu, objecto querido dos meus so- pago, no seió immenso de Deus.
nhos, quem fazúls corn que eit visse a alegre natitreza Este livro, cujas primeira folhas foram organiza-
através o prisrn.a encantador das ülusóes. das ao teit lado, cujas 'ltltimas pagi,nas f oram escripta.~
Mira-se a flor nas "aguas que se vao" ~ as aguas· no isolamento, na solidáo e na dor de tua ausencia, eu
guardam da flor a fugitiva imagem. E correni as ag1ias te offere~o, dedico e consagro.
por grotas e valles e rolam e despenham-se ·em saltos e
qu_édas e se engrossam e se espalham em torrente caudal. Maceió, 1939~
I
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•
Á memoria do
/
/
• /1 l~
Ao meu irmáo
'
Ao meu filho
'
Milton GuiTnaráes Brandáo.
Aos sobrinhos:
'
Octavio Brandáo.
\
Dr. Théo Brandáo.
Eloy Brandáo Sá.
José Aloysio Villela.
Sincera amisa.de
de
ALFREDO BRANDÁO.
•
<' '6~
I
...
EXPLICAQAO PRELIMINAR
.,,
fios da meada, . e desses tíos, ainda tenues, já podemos Reconhecemos que a nossai obra tem muitas !acunas
prever a · importancia· que o conhecimento perfeito do 1nuitos defeitos, mas !acunas e defeitos sera:o corrigido~
assumpto poderá trazer ao éstudo da evolu<;ao humana. pelos que vierem depois de nós. O principal fim que
almejamos é apenas chamar a atten~ao dos estudiosos
Adeantamos, logo . de come<;o, que os povos ante- para o vastissimo problema da prehistoria brasileira.
diluvianos possuiam urna sciencia -- a magia - e que
Resta-nos declarar que alguns excerptos da presen-
essa sciencia ainda se encontra intacta, em seus caracte-
te obra já f or~m por nós publicados na imprensa ala-
res primitivos, em rochedos do Brasil. É provavel que goana e no Diar·io de Pernarnbuco.
a escripta prehistorica guarde em si muitas no<;oes das
grandes verdades que o homem histor.ico em sua curio- ALFREDO BRANDAO
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I •
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CAPITULO I
2- &, PUBUTOECA
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Na face mais alta dessa cova, da banda do poente, 1675 missionou entre as tribus Kariris da Parahyba e
· "estavam cincoenta móssas todas conjunctas, que toma- do rio Sao Francisco, encontrou no sertao, gravada numa
V8<m principio de baiXo para cima de um tamanho que pedra, uma bella cruz sobre ·urna penha em fórma de
semelhava no modo com que. estavam arrumadas o em que globo.
se pinta por meio de retabulos o· rosario de Nossa O mais importante grupo de inscrip~oes que pos-
Senhora ... " suimos, é o do autor das "Lamenta~óes Brasileiras", o
O autor estende-se na descrip~ao dos signos, nos padre Correia Telles de Menezes, "o ca~ador de thesou-
quaes julga· ver urna cruz, e "caveiras de defunto", ros ", como o denominou Alfredo de Carvalho. Levado
desenhos de rosas e molduras. pela sede de ouro, einprehendeu longas viagens pelo in-
A descrip~ao é acompanhada de urna copia dos ca- terior do Cear4, Rio Grande do Norte, Parahyba, Per-
racteres, copia _,. que reproduzimos neste nosso _trabalho. nambuco e Alagoas, tendo encontrado numerosas ins-
(Ver estampa numero VII). crip<;óes que copiou e descreveu, estendendo-se em deta-
Parece que o copista se limitou, apenas, a transcre- lhes geographicos da regiao e citando, ao mesmo tempo,
ver alguns especimens dos caracteres. Estes, como os monumentos prehistoricos encontrados. T!istao de
quer que seja, sao de muito valor, e conforme veremos Araripe publicou minuciosa noticia sobre essas inscri-
mais adeante, sao identicos aos de outras inscrip~óes. pc;oes. (3)
Pela descrip~ao da cóva, ou monumento de pedras, ve- Outras inscrip<}óes que muita luz terao de prestar
se perfeitamente que se trata de um. dolmen. · ao estudo da escripta prehistorica, sao as que foram
O padre Simáo de V asconcellos fala em pegadas encntradas numa cidade abandonada- no interior da
-- humanas e signaes encontrados em 't'ochedos de Sao Bahia. (4)
Vicerite, Cabo Frio e Bahi&. (1) Um simples cotejo dessas inscrip<}óes com outras de
Elias Herckman, hollandez, que por ordem de seu diversos pontos do Brasil, mostra a senielhan_~a de mui-
governo percorreu a capitania da Parahyba, em 1641, tos caracteres. .
diz tambero· ter visto inscrip~~es' em rochedo~, mas nao No volume pr.imeiro da "Revista do Instituto His-
as copiou nem descreveu. (2) torico do Brasil", se fez menc;ao de lithoglyphos. Cons-
Martins de Nantes, um padre cathechista, que em
(3) Ver Tristao de Araripe, Cidades Petrifica.das, pa-
gina 213 do -,•olume L da Revista do Instituto Historico do
( 1) Padre Simio de Vasconcellos, Chronicas da Com- Brasil. Esse autor acha muita semelhan~a das inscrip~0es ·
pankia de J esus. No capitulo X trataremos das pegadas
de S. Thomé.
(2) Ver Barleus, Rervm per Octennivm in Brasüia.
... -
do padre Telles com os desenhos da lou~ de Marajó.
( 4) Adeante teremos de voltar sobre essa cidade aban-
donada. ·
•
'
~ando que no alto da Gavea, no Rio de Janeiro, existiam Ero princ1p10 do seculo passado, o sabio bavaro,
letreiros phenicios, o Instituto nomeou urna commissáo Carlos Frederico Von !\fartius, descobriu diversos litho-
composta de alguns de seus membros para os exallli- glyphos na serra do Anastacio, na Bahia, lithoglyphos
narem.
.. que elle comparou a caracteres punicos e siberianos e
Essa commissao, desempenhando-se do encargo, ti- que nós achamos muito semelhante á escripta oghamica,
rou uma copia dos caracteres e apresentou um relatorio,
. .
Mais ou menos por esse tempo, falam em inscr1-
no qual, nem affirmava nem negava se os riscos de pe- . pc;oes ero rochedos o inglez Henri Ko~ter e o padre
dra tinham sido feítos pela mao do homem ou se nao _t\yres do Casal .
passavam de méro resultado das intemperies - do vento Sao importantes as monographias dos sabios ame~·
e d.a cliuva. ricanos Hartt e Branne~, monographias que foram tra. .
Na estampa numero .VIII; damos alguns desses ca- duzidas e. publicadas com as respectivas copias de ins-
racteres. Sao grosseiros, mal feitos ; nao sabemos se esta crip~Óes pelo dr. Regueira Costa. (6) ,
circumstancia é devida aos possiveis autores· ou aos co-
Ero sua obra - Prehistoria Sul Americana - appa-
piadores do Instituto.
recida no Recife em 1910, o illustre engenheiro Alfredo
Como quer que seja, julgamos entrever, tambem,
de Carvalho, trata de inscripc;ües
. em rochedos, nao so-
alguma· semelhan<;a com outros caracteres do Brasil pre- .
mente do Brasil mas de toda America do Sul. Esse ta-
historico. Afastamos a idé.a de serem sulcos devidos á
lentoso escriptor pernambucano faz um apanhado de
?-C<;ao da agua das chuvas porque· nj:'sse caso taes sulcos
quasi todos os trabalhos publicados a respeito até o seu
deveriam se prolongar de cima para baix~, em grande *
tempo e, assim, pode-se ter no~óes das descobertas de
' exteñsáo, e nao apresentariám as partes inferiores arre-
W allace, Istradeli, Coudreau, Browan, Lindistone; Bur-;
dondadas. (5)
ton, .Castelneau, Stein, Ehrenreich, e. sobretudo de
( 5) A proposito da inscrip~io ou pseudo inscrip~io da . Koch-Gruenberg, cujas idéas abra<;a, sobre as origens dos'
Gavea lembramos que as antiguidades prehistoricas do Rio ,. lithoglyphos. ·
de J aneiro nao· se acham sufficientemente estudadas. Perto
. da esta~ao de Madureira, bem como no ·caminho de Jacaré- Em 1910, descobrimos e estudamos inscrip<;oes em
paguá, existem muitas pedras que parecem monumentos me-
galithicos. Lembramos, ainda, que no alto do rochedo que rochedos de Vi<;osa, no Estado de Alagoas, e apresenta-
fica perto da lagoa de Freitas, nas proximidades do J ardim mos uma detalha.da memoria ao Instituto Archeologico
Bótanico, existem m~itos riscos que podem, é verdade, ser
scissuras e veios naturaes da ·pedra ou effeitos de dilata~áo
ou desagrega~ao, mas que tambem podem ser signos. Nas
mesmas condi~óes se acha a cruz de Copacabana, a qual se (6) As inscrip~óes de Hartt ficam á margem do Ama....
encontra num rochedo desse elegante bairro. zonas e as de Branner em Alagoas e Pernambuco.
A ESCRIPTA PREHISTORICA DO BRASIL 23
t
'
ALFREDO BRAND.lo A EscRIPTA PREHISTORICA Do BRASIL 25
em Matto Grosso, ( 8) Sebastiao de V asconcellos, em Esse trabalho contem photographias das pedras com
Pernambuco, Domingos J aguaribe, em Sao Paulo. os respectivos letreiros, o.s quaes nos parecem pertencer
O engenheiro geologo Luciano de Moraes, inspector a remotissima antiguidade. (9)
de obras contra as secas, publicou um excellente traba- Ultimamente tem apparecido em revistas e jornaes
lho em 1924. noticias de novas descobertas de lithoglyphos. Gustavo
Barroso descreve-o no Ceará, na sua recente obra
(8) Sobre inscrip~óes em Matto Grosso, vamos citar na "Aquero da Atlantida".
presente nota o que tambero verificamos: em 1903, por occa-. O engenheiro Flot e o natur.a lista portuguez Miguel
siio da questao do Acre, achavamo-no~ incorporados ás
for~as que, na previsio de guerra coma Bolivia, aguardavam dos Anjos, tratam do mesmo assumpto em cavernas da
ordens em Corumbá. N esse mesmo tempo f omos encarrega- Bahia e de Minas. (10)
dos do servi~o sanitário da segunda sec~ao da commissio
Rondon, que se encontrava nos. pantanaes do rio Paraguay· Conforme um telegramma publicado em Fevereiro
activando a liga~ao das linhas telegraphicas de Corumbá de 1929, no "Estado de Sao Paulo", o general Rondon,
com o Rio de J aneiro. Em um dos ultimos dias de Dezem-
bro, atravessando a serra de Pyraputanga, descansamos al- que se. achaya entao. em commi8sao do governo nos li- ._
guns instantes na Fazenda Sao Domingos. Conversando mites do Bras~l com as Guyanas, encontrou· inscrip~oes
sobre as curiosidades da regiáo e admirando os cabe~os da
serra, constituidos de ferro e manganez1 lembrando zimborios muito identicas ás de Marajó.
de velhas cathedraes, fomos informados pelo fazendeiro que • O archeologo Silva Ramos, em 1930, publicou um
nas immedia~oes existía urna pedra de letreiros e que mezes
atraz um estrangeiro a tinha visitado e copiado as inscri- trabalho monumental sobre as tradi~oes da America,
p~óes. Pelo adeantadó da hora, foi-nos impossivel tambem
vi:;itar a tal curiosidade, porém alguns días mais tarde,
achando-se a Commissio em trabalhos no planalto de Urucum, nao nos entregavamos a taes estudos. Achamos que esses
urnas, tres léguas aquem da Fazenda S. Domingos, ouvimos letreiros eram os mesmos de que nos havia f alado -0 fazen-
de um soldado encarregado do transporte d'agua, que perto deiros de Sao Domingos e deviam ser, tambem, os copiados
da f onte, no meio . da· matta, existia urna lagea com muitos p-or Vojtech Frie, cujo trabalho é citado na mencionada
letreiros. Dirigimo-nos para o ponto· indicado e vimos urna obra de Alfredo de Carval'fio.
especie de tanque natural ou pequena lagoa. Em urna das '( 9) Luciano Jacqués de Moraes, 1nscrip<;oes Rupestre8
bordas desse po~o, sobre urna lagea friavel e granulosa, gréz do Brasil. Rio de Janeiro, 1924. As inscr'ip~óes sáo do Rio
ou arenito, rocha em f orma~o ou decomposi~ao, viam-se Grande do Norte e da Parahyba.
pegadas de homens adultos e de crian~as, pegadas de cies, ( 10) O naturalista. Miguel dos Anjos, fez interessantes
de cabras e de aves. - revela~óes, em J aneiro de _1933, ao jornal do Rio "A Noite ",
Um soldado mattogrossense chamou-nos a atten~áo para sobre a existencia das inscrip~óes acima. mencionadas. Refe-
uns vestigios que, segundo elle, eram rasto.s de on~a. Havia re-se aos trabalhos sobre o mesmo assumpto do dr. Flot, en-
na parte inclinada muitos outros riscos e diversos signaes genheiro f rancez que ha muitos annos reside na Bahia. Se-
cujas formas nao se nos gravaram na mente, ou ás quaes gundo a noticia, os dois recolheram mais de tres mil ins-
nao prestamos a devida. atten~o, visto como, nesse tempo, crip~óes.
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26 ALFREDO BRANDÁO
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de· tanga ás indias marajoenses, identicas, nos f ins, á Sobre os do primeiro grupo, diremos que um o~har
f olha de vide que cobriu ~ partes pudendas de Eva, experimentado distingue perfeitamente os riscos naturaes
depois do peccado. dos que sao feitos pela mao do homem. Aquelles se-
Teremos adeante de nos estender sobre o babal e guem sempre a direc<}ao dos pontos mais frageis da pe-
sobre os caracteres e symbolos de~ louc}a a qual, se- dra, e os ultimos revelam, a cada passo, o caracter in-
gundo o nosso modo de pensar, estará reservado no es- tencional. Além disso, as inscrip~oes nem sempre sao
tudo da escripta prehistorica do Brasil um papel tao gravadas ; ás vezes apparecem algumas pintadas a tinta
importante como o dos tijolos ·de Babylonia no estudo vermelha.
da escripta cuneiforme. Entre os do segundo grupo, , destacam-se Koch-
Como, se ve, a literatura sobre inscrip<}óes ero ro- Gruenberg e Alfredo de Carvalho. O autor allemao acha
chedos e caracteres da lou<}a, já vae se tornando rouito que os lithoglyphos sao obras dos indios, que foram fei-
vasta e urna descrip~ao succinta de todos os trabalhos tos por méro desporte em horas de lazer ; "sao sempre
apparecidos requer alguns voluroes. ociosos e grosseiros primordios de uma arte primitiva.. "
Alfredo de Carvalho, adepto convencido de Koch-
Gruenberg, accrescenta que o homem primitivo, como as
nossas crian~as de boj~, tinham urna tendencia innata
Conjecturas e explicae}oes mais ou m~nos aventuro- para ·garatujar. Portanto, o que se julga uma escripta
sas tero apparecido sobre a origem e sobre os autores nao é mais do que o resultado de um pueril passa-tempo.
das inscrip<;óes prehistoricas do Brasil . ~1uito embora a admira~ao e grande acatamento que
Os explicadores podem ser divididos em quatro gru- tributamos aos· nomes desses dois !!Utores, seja-nos per-
pos: l.º - os que enc~ram os signos como simples ris- mittido discordar da ,maioria de seus argumentos.
cos ou sulcos naturaes dos rochedos ; 2. º .- os que pen- Attendendo-se . ao facto do grande e afanoso traba-
sara que os lithoglyphos sao obra dos aborigenes e nao lho que a execu<}ao das gravuras deveria exigir, pelo
po8suem a menor significa~áo ou importancia; 3.º - os attrito lento da pedra sobre_a pedra, ha de convir-se
que vendo nos signos urna verdadeira escripta, acha~ que tal desporte nada tinha de recreativo.
que os autores foram navegantes aqui aportados em· épo- Sem um fim determinado, sem um fim religioso, ou
cas prehistoricas; ·4.0 - os que relacionaro as inscrip- sem ser dominado pela idéa de querer chamar a atten~ao
~oes á existencia de urna civiliza<}iio brasileira indígena dos homens de sua época ou das gera~óes futuras,
e antiquissima. para um facto, um objecto, um phenomeno cuja lem-
'
30 ALFREDO BRANDAO A EsoRIPTA PitEBISTORICA DO .BRASIL 31
bran~a podesse despertar jubilo, pesar ou temor, o pre- A este grupo · liga.ro-se tambero aquelles que pen-
historico nao iria passar horas, dias, semanas, mezes e sam nao passarem as inscrip~oes de sulc'os de afia~io
talvez annos, gravando em rochedos esse acervo de sig- das armas de pedra dos indígenas. (13)
naes espalhados pelo Brasil, cuja abundancia é de causar Admittindo-se esta ultima idéa, estaría cortado o nó
pasmo. gordio da questao e dariamos por terminada a con-
Ainda outro facto : como se pode explicar appa- t roversia.
recerem
, essas gravuras, muitas vezes em pontos elevados, Se os caracteres lapidares nao tem importancia, se
no alto de rochedos, á beira de rios, demandando o uso 1!ªº sao mais do que os vestigios de amola~ao, para que
de escadas ou andaimes, o· estacionamento de pirogas ou' nos amolarmos com semelhante assumpto? No emtanto, ·
embarca~oes nessas parageris, um summo trabalho, ein- ternos poderosas razoes para continuar a martelal-o.
fim, quando se· tratando de um passa-tempo, a lei do Os do terceiro grupo, affirmavam que, trazidos pe-
menor esfor~o, tao innata na especie humana, te ria na- las correntes marítimas, vieram ás nossas plagas, em re-
turalmente de dirigir taes esportea para pontos que nao motas éras, povos de na~oes civilizadas, taes como pheni-
exigissem tao grande trabalho? cios, judeus, troyanos, . etc.
A crian~a tem, realmente, uma propensao para o Sao sobretudo os primeiros os mais i~digitados como
garatujamento, mas nao será isso um principio de here- os autores das inscrip~5es e tal idéa se apoia em factos
ditariedade ligado ao facto de seus ~ncestraes escreve- que, realmente, á primeira vista, parecem justificar a
re~' vinda dos phenicios ao Brasil. (14) ,, ~
Note-se que esses signos apparecem, ora em ·pontos Aliás, essa presump~ao vem de longe.
proximos uns dos outros, ora em regioes as mais afasta- O padre Simao de Vasconcellos, (15) baseandó-se
das da terra, affectando uma identidade perfeita, dan- numa passagem de Diodoro, já dizia que os primeiros
do a idéa de que sao uns a reproduc~ao dos outros, pa-
recendo que representam factos semelhantes, que c,onsti- (13) Quem tal affirma, que as inscrip~fies nio passam
de sulcos de afia~~o, .ou, nio viu esses sulcos ou se os viu pro-
. tuem a expressio de povos que se entendiam, se com- c~rou re~olver o problema sem se dar ao trabalho de racio-
prehendiam e trocavam suas impressoes. cinar, po1s .do contrario chegaria á conclusio que 0 agu~a
me!lto de. um. ~achado de pedra, em lugar de um sulco es-
Se tudo ~o nao passa de coincidencia, for~oso é re- treito, de1xar1a como vestigio urna superficie mais ou menos
extensa, deprimida e lisa. . ·
conhecer que se trata de uma coincidencia ~uito forte,
litho (}4)h Silva Ra~os, ~em sua <?bra já citada, acha que os
muito f 00-a do commum, e facto assim de tal ordem, é h . g YP os do Brasil sao de or1gem phenieia ou.' grego-ar-
sempre velario da verdade, ou antes, uma verdade em- c a1co, e nestas condi~oes procura interpretal-os
pan hia de J eBUB.
~15) Padre Simio de Vasconcellos, Chronica 8 da Com-
0
' .
·-
UEl - ~/\I
•
de Ophir, em busca de ouro, paus preciosos, simios e
cousas semelhantes, e tem para si que essa regiao de
Ophir é a da America, especialmente o Perú, o Mexico
w
e o Brasil".
Modernamente, Onffroy de Thoron, fez reviver
'
essas idéas. Apoiando-se tambem em Diodoro e·nas nar-
¡O i, [QJ rativas de Platao sobr e o. continente Atlantida, procura
demonstrar que a America já era conhecida dos an· -
tigos, que fora colonizada pelos phenicios e que mais
tarde os navios de Salomao tinham vindo ao Brasil bus-
• • i @H. v¡¡¡¡ (16) Dizia Diodoro q\le "os phenicios africanos em tem-
po antiquissimo, sahindo a navegar fóra das Columnas de
Hercules e correndo a costa de Afr~ca, foram levados do
impeto dos ventos a urna terra nunca ·vista de notavel gran-
Especimens de caracteres do padre Telles de Menezes, deza no meio do oceano que defronte da Africa corria á parte
encontrados nos sertóes do nordeste. (F.'xtr. da Revista do poente; e essa terra amenissima, f ertilissima, cheia de bos-
ques, ríos, etc. nenhuma outra podía ser senáo a America ".
Instituto Historico do Brasil)
( 17) Onoffroy de Thoron, Voyage des vaiBseaux de
Salomon au fleuve des Amazones.
3 - &, PltlBUTOIUci .
, .
38 A LF REDo B 1R A N D A o
J
- 40 ALFREDO BRANDAO A EscRIPTA PREHISTORICA DO BRASIL 41
Por sua vez, Meyer levanta a hypothese de que a · civiliza~ao indígena e um intercambio activo entre a
es~ripta phenicia é derivada da ''hieroglyphica hitita, Grecia, o Egypto, @:'> Syria e outras regioes, muito antes
que ainda nao se acha decifrada e que, segundo suppoe dos phenicios terem navegado no Mediterraneo e pas·
Sayce, vem da syllabica chipriota. (21) sado as Columnas de Hercules. (22)
Vamos ver, agora, a grande tendencia que se es- Verificou-se, depois, que inscrip~oes e c~racteres
tabeleceu entre os sabios para se procurarem noutros pon- prehistoricos identicos aos de Evans eram encontrados
tos as origens alphabeticas e como, nessa corrente de em diversos pontos da Europa, da Asia e da Africa. (23)
idéas, encontramos o élo que prende as inscrip~óes do No proprio Egypto, Flinders Petri, Amilinau, De·
Brasil prehistorico ás inscrip~oes tambero prehistoricas morgan e outros, descobriram uma escripta anterior á
do velho mundo . hieroglyphica e da qua! esta deveria ter se derivado e
Evans, fazendo escava~oes no sul da ilha de Créta, que pertencia a uma civilizac;ao minoana cretense.
encontrou restos ou vestigios dos primitivos habitantes O mesmo fundo de parentesco apresentam as ins-
ante-helenicos, os eteos-crétes. crip~oes dos vasos de Villa Nova, perto de Bolonha, as
Entre esses restos, figuravam vasos e outros obje- da gruta de Mas d 'Azil, na base dos Pirineus, as dos
ctos com inscripe}oes. Nas ruinas do palacio real de dolmens e de outros monumentos megalithicos de Fran-
Cnossa, viu tambero inscf'ip~oes e desenhos feitos a tin- ~a e sobretudo as inscrip~óes ~os antigos sumeres da Me-
ta, em · diversas paredes. Essas inscripgoes eram ~i sopotamia. (24)
ctoricas e lineares. Da descoberta e do estudo que del-
las fez, tirou a conclusao de ter havido em Creta urna (22) Clodd, obra já citada.
(23) Rovinelli, Storia della scrittura. _ Ver tambero a
respeito: Sir Evans, Données archeologiques nouvelles dam
Em 1875, monsenhor Beauchamp, percorrendo os sitios le Sudoeste et dans le berceau égeen. Memoria publicada no
onde se suppunha ter sido Babylonia, chamou a atten~ao dos numero 1 - 8 de Setembro de 1917 na "Revue Scientifique".
eruditos para caracteres desconhecidos gravados em tijolos Consultar ainda Glotz: Civilisation Egeenne - Paris, 1923.
encontrados nas ruinas . · (24) Umai ligeira descrip~ao e copia . dos caracteres de
Botta~ entre 18.;13 e 1845, deseobriu o local verdadeiro Villa Nova e de Mas d' Azil, encontr~m.:.se na pequena e in-
onde se tinha elevacfo Babylonia. Publicou trabalhos sobre teressante obra acima citada, de Rov!nelli, e na memoria- do
a decifra~ao da escripta. O inglez Rawlinson, achou, em professor Giuseppi Sergi, publicada na Scienz'a, per tutti de
184$, a chave da escripta cuneiforme, por intermedio de l.º de Janeiro de 1914. Sobre monumentos megalithicos
urna inscrip~ao de trilingue de Dario, enco·ntrada alguns annos de Fran~a, consulte-se o grande trabalho de Bertrand -
antes, na rocha de Behistan. (Ver sobre o assumpto a obra La R eligion des Gaulois. Ainda sobre as origens da escripta
de Clodd e o trabalho do dr. Hommel sobre Babylonia, tra- e sobre lithoglyphos da Fran~a, deve-se Ier um artigo de
balho que faz parte da Historia Universal de Onken. Courty em La R evue, de l.º de Setembro de 1912. Pode-se ~
(21) As opinioes de Mayer e Sayce sao citadas no mes- verificar a semelhan~a dos caracteres prehistoricos da Euro-
mo trabalho de Hommel. ~ pa com os sumerianos, no referido trabalho do dr. Hommel.
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42 ALFREDO BRANDÁO
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existencia de
ESTA~íPA .. V
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pre-christao,
~ria vindo da 8ros ·11 f'""- (ar 11c:-f" t~ ( a.,.ecrerts 5 j f 1' O j df' S i ~T\osda ~¡~"º'di
h iat"o r 1co St\bt ~ Y'I O S 111t Pilr.t'I \ i e os (r t f a t <lffi ns E'ttur ia 2Y~ro
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h1sforiro · sabtanos 9a itliícos e eta Et rur•i\ I\\~ pto pri : m nanos
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A EsoRIPTA PREHISTORIOA DO BRASIL 47
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Agora vamos ver que esses caracter~s prehistoricos
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do velho mundo, por sua vez, tambem se filiavam aos
goes
caracteres das duas Americas : sao encontrados espe-
que E
cimens identicos ou muito analogos, nos Estados Uni-
Iberi
dos, nas ruinas do Mexico e nas ruinas incaicas do
don
Perú e da Bolivia, nas ruinas de Catamarca na Re-
dos l
publica Argentina, e sobretudo e especialmente na lou-
ga de Marajó e nos r-iscos dos rochedos do Brasil.
a SUI .. Tudo quanto dizemos pode ser verificado no qua-
form
dro das analogías de inscripc;oes, quadro que estam-
phen
pamos no presente trabalho e que ,.foi organizado por
que
nós. (25)
expl!
Portanto, as iD.S&ripgoes prehistoricas da Gallia ...
( comprehendendo as inscripc;oes dos dolmens e das gru- '
tas de Fran~a), as inscrip~oes de Etruria, de Creta, e
mais . do que todas, as inscripc;oes sabeanas do marquez
de Vogué, (26) formam o élo, que de um lado se pren-
de aos signos e alphabetos antigos, taes como o. phenieio,.
o grego primitivo e o hebreu archaico, e de outro lado '
se filiam aos caracteres americanos e especialmente aos
caracteres do Brasil.
'·
Thet n
das nas ruinas dessa cida de. Representam urna escripta ~ ~ l, ioCa ""m f)i.J "\. l Yod
' .,
mais ou menos identica ao systema hebraico quadrado. Tra- >t >I Kappa ~q~ 1 (a ph
ta tambem de textos nabatheanos, os quaes constituem um J14 lambda L ~ ~
}
ºAy. . . . . . . . .. _
50 ALFREDO BRANDAO A EscRIPTA P&EHISTORICA DO BRASIL 51
Caracteres etruscos: identicos, 11; semelharites, 19. dificados, á medida que os alphabeticos iam se consti-
Caracteres prehistoricos do Egypto : identicos, 10 ; tuindo com o evolver dos ,annos.
semelhantes, 6. Devido a causas que explicaremos mais adeante, em
Caracteres berberes : identicos, 8 ; semelhantes, 3. algumas regioes esses signos ficaram estacionarios e nao
Caracteres alphabeticos gregos: identicos, 14; se- foram continuados pelos povos que succederam e que
melhantes, 3. retrogradaram, tal como aconteceu entre outros aos do
Brasil, nao passando os signos de caracteres mnemonicos,
Caracteres alphabeticos phenicios: identicos, 10;
ideographicos ou, quando muito, esbo~ando-se a phase
semelhantes, 9.
phonetica. No velho continente, muitos evoluiram e che-
Caracteres alphabeticos hebraicos : identicos, 6. garam a representar sons, syllabas, e letras. Formaram
'
sem~lhantes, 9.
pois, repetimos, os diversos alphabetos dos diversos pai-
Caracteres sumer1anos: identicos, 12; semelhan- zes, alphabetos que se desenvolveram e se tornaram in-
tes, 6. dependentes, modificando-se e transformando-se á me-
Caracteres alphabeticos ibericos : identicos, 16, se- dida que se affastavam do tronco commum, conservando
melhantes, 9. .todos entre si, até os nossos días, alguns trac;os de paren-
E ncontram-se, ainda, caracteres identicos e-a'nalogos, tesco ou mesmo caracteres intactos.
em menor proporc;ao, é verdade, nos alphabeticos punico, Portanto, fica justificada a nossa these de que os
grego-cadmeu, jonico, eolo-dorico, arameu, samaritano,
signos prehistoricos do Brasil sao os restos de uma es-
sidonio, sinaitico e até na escripta ogkamica da Irlanda •
cripta antiquissima e universal, mae de todos os sys-
e nas runas da Escandinavia.
ternas act,ualmente existentes.
Conclue-se de tudo isso que havia, primitivamente,
urna . escripta prehistorica que se estendia da America As origens dessa escripta perdei'n,-se nas trevas da
á Europa, norte da Africa ~· confins da Asia ; escripta prehistoria, acham-se· no mundo anterior aos cataclys.
representada pelo signario a que nos referimos aciina, mas cosmicos, nas_civilizac;oes desapparecidas: no mundo
o qual nao se limitava somente ás nac;oes do Mediter- mythico e lendario dos deuses e dos tempos epicos, dos
raneo, mas abrangia todo o mundo antigo. Conclue-se, heróes ; nas éras fabulosas dos genios, das fadas, e dos
mais, sem grande esforc;o de imagina~ao, que todos os dragoes. E nisso repousa a affirmativa de escriptores
signos que acabamos de representar, eram elementos do antigos, "que a escripta era obra dos deuses, os quaes
signario, elementos que foram sendo selecionados e mo- a haviam ensinado aos homens ". E de facto, nos pro-
52 ALFREDO BRAND.A.o A EscRIPTA PREHISTORICA DO BRASIL 53
prios vocabulos hieroglypho e hieratico, se encontra a Será portanto, neste ultimo caso, um rnéro auxilia-
significac;ao de caracteres de divindade. dor da memoria, apenas um signo evocador desse facto,
Nas lendas da Babylonia, .foi Oanes - um deus dessa narrativa, dessa historia conhecida em todos os
sabido das aguas do Eufrates, qu-e instruiu a humanidade · seus detalhes, e transmittida de gerac;ao em gera<;ao.
a escrever. Depois, é preciso attender-se ao longo periodo de
A Biblia, ao nos falar pela primeira vez em carac- seculos decorridos entre os tempos prehistoricos e os
teres escriptos, relata o facto de J ehovah, entre as sar- tempos actuaes.
gas ardentes · do Sinai, gravar coro o dedo nas duas ta- Tudo muda, tudo se transforma com o perpassar
boas de pedra que entregou a J\!Ioysés, os dez mandamen- das éras.
tos da sua divina lei. Tal sig'nO que nao tenha evoluido graphicamente,
Ainda hoje, os descendentes dos nossos indígenas, que tenha estacionado em sua f6rma, terá no entanto,
quando se lhes pergunta quem foram os autores dos ao escopro dos annos, variado em sua significa~ao, de
letreiros e dos signos encontrados em rochedos, respon- época em época, de paiz em paiz e até de tribu em tribu.
dem, com uin temor supersticioso, que foram os seus Como quer que seja, a noc;ao da analogía, e por con-
deuses, que foram seres antiquissirnos, beneficos ou ma- seguinte a no~ao de urna origem commum, já é u_m a
leficos, todos divinos, que habitaram ou passaram pelas ponta que apprehendemos da meada. Será o nosso pri-
suas terras em urna época muito remota. meiro e um dos melhores guias nas veredas cheias de
encruzilhadas por onde vamos nos embrenhar.
Deante dessas identidade e analogía, parece que a in-
terpretac;ao da nossa escripta prehistorica se torna mui-
to facil. Effectivamente, se um dado signo do Brasil
é igual a um outro do velho continente e se esse outro
é por sua vez igual a urna letra de qualquer alp habeto
antigo, historico, segue-se que este ultimo servirá de
chave.
Na realidade, porém, o facto nao é tao simples como
se poderia suppor. O signo que boje representa um
som, urna letra, pode ter representado nas idades pri-
mevas da humanidade, urna syllaba, urna palavra, uma
idéa, urna narrativa, urna historia.
4 - I!, PRtl:ISTOillQl
A E soRIPTA PREHISTORIOA Do BRASIL 55
,
56 ALFREDO B&ANDÁO A EscRIPTA PREHISTORICA no BRASIL 57
dade de memorias e artigos tambem sobre o mesmo Clito. A ilha era cercada de muralhas, as quaes cin-
assumpto. (29). giam tres circuitos - a muralha exterior era revestida
A narrativa de Platao, a mais antiga de todas, de bronze e as do interior de estanho. Dentro viam-se
serviu de base a descrip<;oes posteriores e abriu as por- templos e palacios decorados de ouro e prata. O
tas á phantasia e a proveitosas investiga<;oes scienti- palacio real ficava no meio da cidadela, no ponto onde
ficas. tinha sido a residencia de Neptuno. Nessa habita~ao,
Esse autor, em seus Dialogos Socraticos, conta que as paredes eram rev~stidas de oricalca - um metal pre-
Critias relatou a Socrates o que o legislador Solon ouv:ira historico da cor resplandecente do fogo. Em torno a
dos sacerdotes egypcios da cidade Sais. cidade, havia urna planicie cheia de pomares e pontilha-
Segundo o relato, teria existido, além das Colum- da de burgos ricos e povoados. Havi'a mais na ilha por-
nas de Hercules (estreito de Gibraltar), urna grande tos, canaes, rios, pontes, lagos, prados e campos culti-
ilha, maior do que a Asia e a Lybia ( Africa) reunidas. vados. Nas floresta~ se encontravam .madeiras precio-
Dessa ilha se podia passar a outras e dessas ultimas sas e animaes selvagens de varias especies. Sob o ponto
ao continente, que ficava em frente ao oceano verda- de vista politico, o paiz era dividido em cant5es governa-
deiro. dos por chefes, os quaes, com os magistrados, destribuiam
"Nessa Atlantida reinava príncipes de urna for<;a justic;a, de accordo com as leis que se achavam gravadas
formidavel que estendiam o seu poder pelas outras ilhas · pelos antigos chefes atlantas numa columna de oricfJlca,
e pela maior parte do continente". erigida no meio da ilha.
Em seguida, Platao faz a descrip<;ao da ilha e dis- Os atlantas foram bons e sinceros durante muitos
corre sobre os costumes dos atlantes, os quaes descen- seculos - eram moderados, prudentes, adoravam os deu-
diam do rei Atlas, filho de deus Neptuno e da mortal ses de seus paes, estimavam a virtude e nao conheciam
a avareza nem o orgulho. Mas, como correr dos annos,
ticos aos nossos aeroplanos, que estabeleciam a communi- perverteram-se, corromperam os seus . costumes, torna-
cacao entre os pontos os mais ·afastados. O conhecimento ran1-se ambiciosos e levaram a guerra aos outros povos'
que Scott tem desse facto lhe vem por meio da revela9áo, e
se nao nos abalancamos a discutil-o, preferimos nao invocal-o. seus vizinhos, chegando até a invadir a Grecia e o Egy-
(29) Entre as memorias de valor, convem citar a de pto. Deante disso, a Divindade resolveu punil-os.
Eneas Martins Filho, O Lendario Imperio Aniericano dos reis
de 1srael, publicada na revista "Sul America ", de Abril de "Entáo, após um terrivel tremor de terra junto a um
1932. Eneas Ma1·tins, em seu trabalho cita as memorias de
D. Maria Ribeiro de Almeida e de D. Basto Cordeiro. diluvio provocado por urna chuva torrencial de um dia
58 ALFREDO BRANDAO A ESCRIPTA PREHISTORICA DO BRASIL 59
e urna noite, a terra se abriu e a ~.\tlantida desappareceu theosophistas, descrevem o continente se estendendo,
num vasto abysmo". como urna ponte, em toda a largura do Atlantico. (32).
Sobre a veracidade desses factos, citamos aqui as • Sobre as causas do desapparecimento da Atlantida,
palavras que Platao attribue a Socrates, ao ter Critias fervilham as hypotheses : a mythologia já as explicava
terminado a historia do continente lendario : "É impor- pela fabula de Phácton, o filho de Apollo, que, querendo
~ante que se olhe o que acabas de dizer nao como u1na guiar o carro do pae, desgovernou-se e rolando das al-
fabula inventada por nós, mas, como urna historia ver- turas provocou um abalo e um incendio na terra.
d~deira ". (30) Adhemar e outros nos :falam de cataclysmas perio-
Escriptores mais ou menos phantasiosos, tem colJo- dicos que se succedem de dez em dez mil annos e que· se
cado a Atlantida em diversas partes do globo : uns a acham ligados ao phenomeno da precessao do equinoc-
situaram no Mediterraneo, outros no oceanno Indico, uns cio e á obliquidade da eclyptica.
terceiros a imaginavam 110 deserto de Gobi e mais ou- No que diz a respeito á época desses cataclysmas, .
tros no norte da Africa. A maioria, porém, é a daquel- ha ainda urna grande descordancia : Platáp marcava
les que pensam, como o proprio nome indica, ter :i oito mil annos e modernamente os theosophistas assigna-
Atlantida existido no oceano Atlantico, aliás como já o lam para o primeiro as cifras formidaveis de novecentos
havia dito Platao. mil anos e para o ultimo, que subverteu o resto da Atlan-
tida, oitenta mil annos. Deste amontoados de idéas e
Ainda aqui, uns dizem que o mar de sarga~os é o
de factos conclue-se, porém, que a Atlantida existiu.
ponto exacto onde ella se erguía, (31) outros acham que
Provam.na, tambem, as outras recita~oes e lendas
foi na zona oceanica, onde se encontram as ilhas do
antigas. Referem-se a cataclysmas e convulsoes da terra
Cabo Verde, as Canarias e os A~ores ; ainda outros a
quasi todos os povos : na Grecia as lendas conservavam
situam na propria America, e mais outros, como os
a lembran~a do diluvio de Deucaliáo ; a Biblia se occupa
do diluvio do tempo de Noé e na Samosthracia a tradi-
(30) Quem desejar conhecer a narrativa de Platao, pode ~áo re.cordava um transbordamento dos mares que teria
encontral-a na obra de Gattefosse - La verité sur l' A tlantide.
O autor <leste trabalho transcreve a traducáo do abbade Ja- devastado c.idaá.es e campos. Na America, diversas. tri-
bilois, que elle acha urna das melhores. Na parte da loca· bus guardam reminiscencias desse cataclysma e os in-
lizacao, prefere, no entanto, a traducao de Negri.
(31) A parte do Atlantico deñominada mar de sarga~os, dios do Brasil, .do tempo da descoberta, falavam de um
contem tamanha quantidade dessas plantas marinhas, que diluvio que cobrira _d 'agua toda a terra, tendo apenas
chega difficultar a navegacáo. Os aviadores notaram, re-
centemente, que essa regiao é sujeita a cyclones e temporaes,
nas camadas atmosphericas. · (32) Ver l'Atlantide, de Scott-Elliot.
'
A EscRIPTA PREHISTORICA no BRASIL 61
g T 'ff <fP
Mais alto do que as lendas e comprovando estas,
falam em favor da Atlantida os estudos de oceanogra-
phia - as sondagens feítas no Atlantico -pela fragata
•
2Y J, (j ))o Chiallenger e outras, os estudos da geología, da botanica,
da zoologia, e da anthropologia.
A configura~ao accidentada do fundo do oceano e
os especimens de diverdas rochas' ahí encontradas, reve-
V )( ) l!' ~
de 8 de norte a sul pelo meio do Atlantico, mais ou
menos a igual distancia do velho e do novo conti-
nente. (33)
•
Essa rugosidade parece ter sido a cicatriz de urna Sabe-se que na Europa, no periodo que os geologos
grande f enda, de urna grande fractura da crosta ter- denominam glacial, todo o norte f oi transformado n 'urna
restre. Como urna bola de argila humida que exposta enorme geleira, tendo havido· a emigra<lao de povos e
ao sol reseca e se racha em diversas partes da superfi- animaes, parecendo mesmo que dentro desse periodo
cie, assim o nosso globo terrestre, pelo resfriamento, f
houve urna época em que as condi<;oes climaticas se tor-
através das idades, vae se fendendo aqui e ali, produ- naram incompativeis com a vida. (35)
zindo-se enormes sulcos que os geologos francezes deno- O deserto de Sabara, conforme a opiniáo de muitos
minam plissements. Sao essas fendas, essas fracturas geologos, era um grande mar que se communicava com
que produzem os cataclysmas cosmicos (34) e que em 0 Mediterraneo, e segundo outros, era um grande lago,
diversas épocas da terra lhe -tem alterado a conforma- 0 lago Tritao, do qual Herodoto ainda nos fala, se bem
~ªº; aqui cavando mares onde eram terras, ali fazendo que, em seu tempo, já reduzido a infima~ . dimen-
surgir terras onde eram mares; mais adeante transfor- soes. ( 36) Bem pode ser que o mar se tivesse trans-
mando montanhas em valles e valles em serranias. formado em lago e o .lago, desapparecendo, deixasse em
Todas essas vicissitudes que tem pesado sobre o nos- seu logar o areal.
so planeta, fragmentando-lhe a crosta, podem tambem
Alguns autores, baseando-se na similitude dos nomes
ter afastado continentes e ter interposto entre elles
e na similitude climatica do Estado do Ceará no Brasil,
oceanos e centenas de leguas, podem ter approximado
com o deserto do Sabara, na Africa, já levantaram a
regioes que dantes se achavam .afastadas, modificando
idéa de urna liga<}ao immediata, em tempos prehistoricos,
climas, transformando a temperatura· de zonas torridas
desses pontos tao distantemente afastados agora. Real-
em zonas frígidas, transformando mares eD?- areas, ter-
mente, a semelhan<}a dos vocabulos, na graphia e na pro-
ras aridas em terras ferteis, banhados e pantanos em
. nuncia, é notoria, e quanto ás condi<;oes physicas, pela
planicies e planaltos seccos.
natureza silicosa do terreno e pela secura do meio am-
biente e consequente rari~ade das ~huvas - as catingas
vigilancia dos sentenciados e tao falso f oi o ponto de vista
sobre o qual encararam o objectivo dessas investiga~óes, que,
infelizmente, f oi retirada a licen~a para isso concedida".
( 34) A explica~ao se torna muito facil, muito racional: (35) N essa época, as regióes do norte, vizinhas do
se urna dessas fendas se produz no fundo do mar, as aguas polo, gozavam de um clin1a deliciosa e os mythos e as lendas
chegando ao contacto da massa ignea transformam-se em va- antigas localizavam ali os ·"Campos E1iseos" - lugar da
pores, decompoem-se em gazes, augmentam de volume, aug- f elicidade.
mentam de tensáo interna e dahi a explosáo, a dilata~áo da (36) Herodoto - Historia, livro IV. Ver tambem La
f enda, o afastamento dos bordos, com fracasso e com des- Mer lnterieure du Sahara, La Revue Scientifique, 28 de Ou-
trui~ao das partes circumvizinhas. · tubro de 1876.
•
64 ALFREDO BRANDÁO A E scRIPTA PREHISTORICA Do BRASIL 65
do nosso Estado nortista offerecem alguns pontos de Em uma primeira prova, basta lan~ar-se um rapido
commum com o deserto africano. ( 37) volver de olhos sobre um planispherio terrestre para se
Esses factos vem robustecer a idéa dos que pensa1n notar que pela conforma~ao das costas atlanticas brasi-
ter a terra, primitivamente, formado um só bloco, um leira e africana, ha muita. probabilidade nas affirmativas
só corpo homogeneo, inteiro, fraccionando-se após urna acima enunciadas.
serie de cataclysmas que se estendeu por um periodo de Parece, realmente, que a parte brasileira compre-
milhares de annos. ( 38) hendida entre o delta do Parnahyba até a entrada d:l.
A frente da theoria que a terra formava um bloco babia de Todos os Santos, no Estado da Babia, esteve
cerca,do pelo mar, se acha o sabio austriaco W egener. encaixada na grande curva africana do golpho da Guiné,
De accordo com a opiniao desse autor, no periodo pre- tendo a pós urna raptura, um afastamento de perto de
cambriano os continentes actuaes formavam um só con- 50 graus e ao mesmo te1npo um outro afastamento de 4
tinente - o Pangeas - que foi pouco a pouco se divi- a 5 graus no sentido norte sul. ·
dindo. No principio da edade cretacea, a parte occiden- Esta theoria pode ser considerada urna heresia scien~
tal do Pangeas separou-se da parte oriental, e fluctuan- tifica, mas apenas na hypothese de negar-se a outra
do pelo mar e afastando-se cada vez mais para o grande theoria, a dos cataclysmas cosmicos. Acceitan-
occidente, foi formar a Anierica. .(39) do-se esta poden1os argumentar : se as f or~as da natureza
.Assim, o novo continente .faria parte integrante do podém subverter em dias, horas ou minutos, um conti-
antigo e as duas Americas estariam unidas á Europa e nente do tamanho da Asia e da Europa juntos, porque
a Africa. (40) essas mesmas for~as nao seriam capazes de fende1 a
crosta terestre do norte a sul e afastar os bordos llln
(37) A palavra se1·táo, com que se designa mais vulgar- do outro centenas de leguas T
mente a zona de catinga, é urna corruptela do vocabulo de- Mas vamos pedir á propria geologia a apoio para
serta.o.
as idéas que perfilhamos.
(38) A idéa da homogeneidade da terra já era pro-
fessada pelos antigos babylonios. Estes tra~aram em argilla, Segundo Henri Guéde (41), na éra primitiva houve
um mappa mundi, no qual a terra affectava a forma de um a formagao do continente paleartico, que se estendia
disco cercado pelo mar. Esta nota encontramos no artigo
Babylonia, da Enciclopedia Espasa, cujo artigo diz achar-se da America á Asia e do qual sao restos hoje a Laponia~
o tal disco, actualmente no Museu Britanico. · - a Finlandia, o Spitzberg e ir.ais outras terras.
(39) Wegener, Die Entstehung der Kontinente und
Ozeane. Africano-Brasileiro. Segundo o mappa deses autort o norte
(40) O autor Montressus (citado pelo dr. Jaguaribe, d.a America estaria ligado á ºluropa e o sul á Africa.
em sua obra Brasil A ntigo), f ala na existencia do continente ( 41) Henri Guéde - Les Cont-inente disparus.
66 ALFREDO BRANDAO A EscRIPTA PREHISTORICA DO BRASIL 67
Esse continente era limitado ao sul por urna cadeia se achava submersa. A leste do Caspio, existía a
de montanhas denominada pelos geologos cadeia huro- grande ilha de Turan, formada pelo Turquestao, o
niana. Pamir e as regioes dos Kerghisses. O fim da éra se-
cundaria é assignalado por uma invasao marinha : os
No comec;o desse periodo, o Brasil se achava sub-
mares das regioes equatoriaes se dirigem para os polos
merso por um oceano que cobria a Africa e a Oceanía;
e cavam o Atlantico por um enlarguecimento do mediter-
no fim produziram-se novos vlissements e appareceran1
raneo estendido entre o continente austral e as terras
novas terras ao sul desse continente paleartico. Na
boreaes.
Europa essas terras descem até as ribas actuaes do Me-
O mar, agora, cobre grande parte da Europa, inclu-
diterraneo e se une1n á Siberia e formam um continente
~ive a Franc;a, a Hespanha e a Europa. Na America,
unico - a Eurasia. • cobre os Estados Unidos e a America Meridional. Du·
No hemispherio autral, um continente apparece de
~
rante a éra terciaria o aspecto da superficie da terra
Leste a oeste, desde a costa oriental da America do Sul, se encaminhava para o estado actual. Em um priméiro
até a Nova Zelandia, comprehendendo o Brasil, o sul da- esfor~o, os continentes procuram adquirir as dimensoes
,
Africa, a India e a Australia. Esse continente era se- e os relevos que apresentam hoje. A Europa torna-se
parado do continente norte por um vasto mar mediter- terra firme : a época miocena é caracterizada pela f or.
raneo - o mediterraneo triasico - o qual vindo do mac;ao de novas terras indo de Marrocos á Indo-China
Pacifico cobria a China, o Hymalaia, o Ural, a Russia, e fechando a communicac;áo entre o Atlantico e o Medí·
os Alpes Meridionaes, o norte da Africa e ia, a oeste, terraneo. Em seguida a esse esforc;o produzem-se afun-
separar as duas Americas. damentos que cavam fossas no Mediterraneo, abrindo
No periodo jurasico, ainda na época secundaria, os ao norte e ao sul o Atlantico.
continentes mais importantes concentravam-se no he- Do acima exposto conclue-se que primitivamente exis-
.mispherio austral. A Europa formava um archipelago tiam dois continentes : o do norte e o do sul, separados
, banhado pelo mediterraneo triasico. Continúa a existir pelo mediterraneo triasico e que haveria terras de,,_,per-
no hemispherio sul um continente brasilo-ethiopico, que meio ligando a 1\merica do Norte á Europa e a do Sul
se estendia pela America Meridional, o Atlantico austral á Africa, terras essas que formavam a Atlantida do
e a maior parte da Africa e da Arabia. Entre esses Norte e a Atlantida do Sul e que, desapparecendo, teriam
continentes, o Mediterraneo triasico (do qual o actual dado lugar á fóssa do Atlantico.
fazia parte) separava as terras arcticas das terras aus- Segundo Guéde e os geologos do seu grupo, as
tares e banhava o archipelago europeu. A Asia Menor forc;as cosmicas que provocaram os cataclysmas, teriam
.
68 ALFREDO BRANDÁO A E SCRIPTA PREHTSTORICA DO BRASIL 69
provocado afundamentos e emersóes. Outros, porém, ou aberr~ao scientifica, os germens isolados foram co-
como Laparent e Negri (42) nos falam em movimen- lhidos ern seáras cultivadas por homens de valor.
tos lateraes da crosta terrestre e, apegando-nos a estas Tal systhematiza~ao dá ganho de causa ao facto de
ultimas idéas, achamos urna explica~ao para o problema alguns raros autores, baseados no relevo da terra, terem
do afastarnento das duas partes resultantes da fractura pensado que esta forrnou um bloco unico.
do continente afro-americano. Por sua vez, a idéa da uniao immediata da America
Houve, portanto, urna ruptura de norte a sul da ao velho continente explica a approxima~ao da familia
crosta terrestre - essa ruptura partiu ao rneio o rnedi- humana, approximagáo que, nessas idades primevas,
terraneo triasico, e absorveu-lh~ grande parte das aguas dadas as condi~oes precarias de transportes marítimos
as quaes se precipitando nos abysmos cavados e che- ou terrestres, se torna.ria impossiyel, quer a extensao
gando em contacto da materia ignea central, transfor- que medeia entre os dois continentes fosse preenchida,
maram-se em massas enormes de vapores que, cada vez como hoje é, pelas aguas do Atlantico, quer neJla existisse
se dilatando rnai~ pelo calor, afastaram as duas Americas o problematico continente d~sapparecido. Reconsti-
da Europa e da Afriea, determinando ao mesmo tempo tuindo o mundo antigo, reconstitui~do somente a parte
no primeiro desses continentes urna impulsáo de norte que nos interessa, em seus trac;os geraes, teremos a seguin-
a sul, de modo que a America Meridional ficou mai~ te synthese geographica: a porºªº mais saliente do nor-
alguns graus ao sul do velho continente e deste separado deste brasileiro se acha encravada na parte reintrante
por toda a largura do Atlantico. A regiao onde possi- da Africa, na vasta curva do golpho da Guiné.
velmente medravarn as civiliza~óes da Atlantida, deveria O actual deserto de Sabara é um vasto mar urna
.
continua~ao do Mediterraneo, extendendo-se ao Sul
'
ficar no meio do continente Afro-Brasilico, mais ou me-
nos na linha .de fractura do globo, de modo que a maior mais ou menos até o Congo, cobrindo todo o Sudan. A
parte desappareceu por occasiao do cataclysma. . oeste, esse mar penetra nas terras do Brasil formando.
Este nosso modo de encarar a questao é todo pro- golphos, bahías e pequenos mares interiores que se pro-
prio, baseando-nos, no entanto, nas idéas de Montreus longam pelo cora<_;ao do nosso paiz, nos lugares onde hoje
e nas de outros autores que acima citamos; é urna adap- s~ estendem as zonas da catinga. Esses pequenos me·
5 - E. PllEll ISTORICA
,.
70 ALFREDO BRANDÁO A EscRIPTA PREHISTORICA Do BRASIL 71
tando-se até o Pacifico, nao havendo ainda surgido as rucando a leste com o Atlantico por um apertado
Cordilheiras dos Andes. canal". (43)
As Guyanas, a Venezuela, a Colombia, o Equador Os sertóes do nordeste, occupados pelos prolonga-
e urna parte do territorio brasileiro, ao norte do rio .. mentos do mediterraneo, eram tambero ricos em ilhas
Amazonas formariam urna grande ilha, visto como um
' . - 0 municipio de Cimbres, no interior de Pernambuco,
outro ramo do mediterraneo triasico, prolongando-se pelo Sant 'Anna do I panema e Vi~osa, em Alagoas, deveriam
actual das Antilhas, cobria o isthmo de Panamá, tambem ter sido terras emersas do mediterraneo triasico,
communicava-se tambera com o Pacifico e separava as onde floresceram civilizaQóes, como justificam os restos
duas Americas. ]Jsse ntar recortava-se pelo ·i nterior 'ainda hoje encontrados de esta~oes prehistoricas.
da Venezuela cobrindo as vastas planicies dos lhanos Nas mesmas condi~óes se encontram todos os outros
ou paramos dessa naQiio. pontos do Brasil onde sao. encontrados vestigios identicos.
· O mar que cobria a bacia do 1\..mazonas era ponti-
O continente brasileiro avanc;aria no continente
lhado de ilhas, das quaes, urna das mais importantes,
africano até mais ou menos o 10° meridiano. Mas para
comprehendia a actual ilha de Marajó, que nesse tempo
o oriente, o mar sahariano se estenderia até o mar Ver-
devia se estender para leste.
• melho e ao sul cobria a Arabia Petrea, communicando-se
Hartt e Orville Derby affirmavam que o valle do
amplamente com o oceano Indico, recortando ·pontos
Amazonas, ao principio, appareceu como um largo canal
taes como o Egypto, parte da Nubia e parte da Arabia,
entre duas ilhas ou grupo de ilhas, das quaes urna cons-
isolando ilhas que ainda boje sao representadas por
tituia a base, o nucleo do planalto brasileiro e a outra,
oasis, em alguns dos quaes se encontram restos de esta-
ao norte, o planalto da Guyana. Estas ilhas appare-
~óes prehistoricas, como as regióes onde Pierre Benoit
ceram no principio da idade siluriana ou pouco antes
\
colloca a sua Atlantida.
della. Os Andes surgiram depois dessa idade e trans-
f ormaram o canal (cujas duas extremidades, a do Pacifi- . Para o norte' o mar sahariano cobrindo parte dos
¡
por monumentos taes como as pyramides do Egypto, as Em nosso paiz, como vamos ver, quer no litoral, ,
torres rotundicas de Babylonia, os teocális do Mexico e quer no centro, norte e no sul, existem muitas ruinas
da .America Central e as ckulpas do Perú. de monumentos megalithicos - monumentos cyclopicos
como os da Grecia antiga, monumentos de pedra bruta
como os da Gallia. Fomos nós que primeiramente, no
Vi~osa de Alagoas, apparecido no Recife em 1914, cl:ia-
Todo um mundo desconhecido repousa no sub-solo mamos a attengao para a semelhan~a dos nossos monu-
da historia. O que nos ficou occulto na prehistoria, o mentos prehistoricos de pedras brutas com os monumen-
que ficou para traz, constitue um outro mundo de civili- tos megalithicos da Gallia.
.za~oes estranhas completamente difkrente das civili- Mais tarde, o illustre academico Gustavo Barroso,
za~óes hodiernas. , num artigo publicado na "Illustragao Brasileira", nota
Fica-nos nesse passado um mundo de deuses, anjos, a mesma semelhan~a.
demonios, espiritos das trevas, genios, elfos, fadas, gi- Os dolmens, os menhirs e. os oromlecks, sao muito
gantes, gnomos, magicos, encantadores, bruxos e feiti- parecidos aos de Fran~a.
ceiros.
Em o nordeste brasileiro, encontram-se montoes de
.A historia quando come~a a considerar os imperios
pedras affectando a fórma dos tumulos gaulezes de
antigos, taes como o Egypto, Babylonia, Ninive e a
Maue-Lud e Mane-er-Hoeck.
Persia, já os encontra como povos civilizados - com
Ent re outros locaes,ricos em destro~os de monumen-
·instituigoes sociaes, politicas e religiosas. Donde vie-
tos megalithicos, convem citar Q municipio de. Cimbres
ram essas civiliza~óes? . Quem as fundou? Quantos
( 45) em Per~ambuco, que parece ter sido um grande
seculos haviam decorrido desde a sua origem até o mo-
centro prehistorico - alli se encontram· vestigios de ra-
mento em que apparecem na historia.? .A nossa sciencia
~as antigas : tuneis em pedras,, pedras que .soam e que
ainda nao responden a todas estas perguntas, mas -se
parecem esculpidas, letreiros em rochedos, ossos
concebe, se adivinha que todas sao restos de civiliz~~óes .
etc. (46)
diversas desapparecidas, as quaes dormem sob as capas
da terra como os nossos mortos dormem sob o solo do
cemiterio e como nós a:o lado delles dormiremos tambero ( 45) Note-se de passagem a semelhan~a do nome Cim-
bre8 com os Simbrio8 e Sicambros - povos antigos da Europa.
um dia. Sebastiáo Galvio, no entanto, acha que o vocabulo é de ort-
gem e significa - lugar de ensino.
(46) Sebastiio Galváo, Diccionario Geographico Per-
ncimbucano.
78 ALFREDO BRANDAO A EscRIPTA PREHISTORICA Do BRASIL 79
Vestigios identicos se acham tambem em Alagoa de cinco da Revista do Instituto Geographico Pernambu-
B~ixo, perto de Cimbres, em Aguas Bellas, e diversos cano, fala-nos em dolmens encontrados no Ceará, no Rio
:::
outros pontos citados por Sebastiao Galvao. Grande do Norte, na Parahyba e em Sao Paulo.
Estas zonas do sertáo pernambucano, ligam-se ás Em 1910, descobrimos dois dolmens em Vic;osa de
estac;;oes prehistoricas do Estado de Alagoas - Sant' Alagoas. Daremos urna descrip~ao desses monumentos
Anna do Ipanema, onde Branner encontrou as inscrip- no appendice desta obra.
c;;oes a que já nos referimos; Vic;osa, cujas antiguida- Os menhirs sao um pouco mais raros, porem Henri
des - inscrip~oes, dolmens, cromlecks, céreas de pedras Coudreau diz tel-os encontrado á margem do rio
e restos de. fortificac;oes - foram divulgadas por nós Xingú. (48) ,
em diversos trabalhos.
Da segunda civilizac;áo, encontram-se tambem mui-
Bezerra de Menezes, em seu primoroso livro "Notas tos vestigios. Os mais estudados sao os da ilha de Ma-
de Viagens pelo interior do Ceará" nos descreve restos rajo, no Pará. Nao se trata, aqui, de monumentos mas
de construcc;oes cyclopicas, as quaes constÍtuem outros
de restos de ceramica.
' tantos indicios de civilizac;;oes. Merece especial menQao
Os theosophistas nos falam na celebre "Cidade das
a curiosidade denominada "Casa de pedras" situada no
Portas de Ouro", capital da Atlantida, a qual, segundo
logarejo Olhos d 'Agua dos Picos.
os seus mappas, nao ficaria muíto distante do ponto em
Coniorme a citada memoria de Tristáo de Araripe
que se acha Marajó. Scott-Elliot, em sua "Histoire de
- Cidades Petrificada..s - o viajante Jacome Avelino
l 'Atlantide", (obra traduzida do inglez para o francez)
descobriu uma cidade petrificada no interior do Piauhy
I ' faz a descrip~ao da "Cidade das Portas de Ouro".
toda formada de monumentos megalithicos, dando o as-
Deve ser a mesma cidade de que se occupa Platáo, pois
pecto de muralhas, torres e casas. ( 47)
os detalhes sao mais ou menos identicos - as habita~oes
o· dr. Regueira Costa, fqi o primeiro escriptor que ' cercadas de bosques e o palacio do rei no alto da collina ;
se occupou dos dolmens no Brasil. O illustrado archeo- templos, aqueductos, muralhas, cingindo . circuitos, la~
logo, em um artigo publicado no numero quarenta e
gos, portos, · etc.·
Essa. "Cidade das Portas de · Ouro" tem probali-
. ( 47) A.o lermos a descrip~ao das cidades petrifica'das,
f1cou-nos a 1mpressáo que tal curiosidade é natural devida dades de haver existido. Talvez a ella se ligue a lenda
a uro~ conforma~ao especial do terreno, como a curiosidade brasileira do "El-dorado" que · hal:Utava a cidade de
de Villa Velha, no Estado do Paraná. O olhar adestrado
de u~ geologo ou paleontologista poderá, porém, resolver a
questao. (48) Henri Coudrau, Voyage au Xingú.
' .
-+-<
¡
(/)
di /
i
.
Muito curiosa tambero é 'a noticia de urna povoa-
~ao abandonada no interior da Bahia. (50)
~ · +-<J O roteiro dessas ·ruinas foi encontrado na Biblio-
theca Nacional do Rio de Janeiro e se acha publicado
~· e
<A
o ~ no volume 1.0 da citada "Revista do Instituto Histo-
rico".
~
~ A . noticia é minuciosa - assignala a regiáo per-
corrida e faz a descrip~ao de ruas, pra~as e estatuas,
...
tt')
X: ~E
~
dando a conhecer ªº mesmo tempo uma copia de ins-
crip~5es dos monumentos
Num relatorio apresentado ao Instj.tuto, em 1841,
• o conego Benigno de Carvalho declara que, de accordo
com o roteiro, percorreu a zona indicada e se bem que margem do rio, no meio da floresta. Nao nos f oi possi-
nao encontrasse a tal cidade ou povoa~ao, colheu, po- vel visitar tudo isso.
rém, informa~oes que habilitavam a affirmar que ella Nas mesmas condi~oes de X erez, se acharo as ruinas
ficava na serra do Sincorá. de outras cidades citadas por Sebastiao Paraná, em sua
Duvidas foram mais tarde suscitadas s·obre a exis- " Chorographia do Estado do Paraná". Umas ficam
tencia de~a.s ruinas, mas em 1907, Lindolpho Rocha no interior e outras junto aos saltos do Iguassú.
trouxe novas luzes á questáo. Numa conferencia reali- Servimos tambem na Colonia Militar do Iguassú, e
zada no Instituto Historico da Babia, sob o titulo - u1n dia, em visita ás cachoeiras, exploramos as mattas da
"Zona desconhecida no interior da Bahía" - dizque un.1 visinhanQa, em procura das ruinas. As nossas investi-
cac_;ador, perdendo-se numa floresta nas immedia~oes do gaQoes, porém, f oram infructiferas.
. 1
Rio de Contas, teria visto urna "tapéra sem gente". Muitos restos antigos deyem ainda se encontrar por
Declara o mesmo ca~ador que havia "veados brancos" todo o Brasil, perdidos no meio das mattas e das catin-
nessa regiao. O facto do roteiro da povoa<;áo abando- gas, nos pntanaes dos rio~, ou estao soterrados pelas
nada falar em veados brancos, levou Lindolpho Rocha alluvióes dos mares de outrora.
a conjecturar que a tal "tapera sem gente" fosse a mes- A geología nos prova que urna grande parte do
ma de que trata o documento. Essa idéa tornou-se-lhe Brasil foi coberta pelo mar.
ainda mais plausivel depois que· teve· a certeza da exis- Os sertoes do norte demonstram ainda, na constitui-
tencia de veados brancos na zona de Gongugy, pois teve ~ao arenosa e salina dos seus terrenos, a inunda~ao ocea-
occasiáo de ver a pelle de um desses animaes que esteve nica em tempos longinquos. Comprehende-se que o ro-
em exposi~ao na capital' da Babia. lar das aguas durante milhares de annos, for~osamente,
O dr. Joao Severiano, no livro "Viagem ao redor teria de cobrir os vestigios da arte hu;mana.
do Brasil", faz allusao ás ruinas de urna cidade - Xerez As correntes dos rios actuaes, a chuva e mesmo a
- perto do rio Aquidauana, no Estado de Matto Grosso. acgao dos ventos, vao dia a dia nos expondo á mostra
Diz que essa cidade fora construida por castelhanos a.ven- restos de ruinas .
tureiros. O dr. Severiano fala por informa<;óes. Nao O futuro se encarregará de provar a verdade do que
se tratará de ruinas prehistoricas f . dizemos sobre antigas civiliza~oes.
Quando servimos na Commissao Rondon, em Matto Ficam assim resolvidos . muitos problemas, taes como
Grosso, estivemos em Aquidauana e ouvimos referencias os que dizem respeito ás emigra~oes dos povos, ao con-
a essa antiguidade e mais a um cáes que existiría á tacto e ás communica~oes entre os dois continentes, ao
.. I
84 ALFREDO BRANDÁO
A EscRIPTA PREHISTORIOA no BRASIL 85
intercambio de idéas; e ficam sobretudo resolvidas as Urna das principaes causas do progresso e do desen-
questoes sobre os autores das inscripc;oes dos rochedos volvimento humanos é a troca de idéas, é o contacto dos
e dos ceramios do Brasil. homens entre si. Urna idéa géra outra idéa, um pensa-
Taes autores nao foram os indios do tempo da des- mento géra outro pensamento e· dessas idéas, desses pen-
coberta, nao foram phenicios, judeus ou troyanos. ( 51) samentos transmittidos de individuo a individuo pela
Foram naturaes do paiz, representantes de duas civili- palavra oral ou escripta, surge o :-progresso. ,
zac;oes remotissimas - a civilizac;ao megalithica e a ci- Da uniao nasce a f 01·c:a.
viliza9ao contemporanea da Atlantida é a esta integra-
., Foi Martius o primeiro, ou um dos primeiros, que
lizada. Foram ellas as geradoras, as antepassadas de ·
levantou a these da degrada~Ỽ dos nossos aborigenes:
todas as outras civilizac;óes, do mundo. O Egypto, Ba-
"Os indigenas brasileiros, affirma o eminente ethnologo
bylonia, a Assyria, a l\!Iedia, a Persia, a Phenicia, o reino
e distincto botanico, nao sao urna rac;a que comeQa, mas .
de Israel, a Grecia, a Etruria, a Iberia, a Gallia, fin al·
urna rac;a que acaba." ( 52)
mente todas as nac;oes do mundo antigo, eram filhas
. ' - desse mundo prehistorico e mysterioso que floresceu no E de facto. '
o nosso indigena nao é ·o representante
continente brasilafrico, nesse Pangeas, na feliz denomi- do hornero primitivo, do ser na infancia da vida, tal
nac;áo de "\Vegener : ' qual teria sahido das maos do Creador, mas constitue
o typo residuo de urna ancianidade longinqua - o ser
Com a acc;ao dos cataclysmas, parece que as regioes vergado ao peso hereditario de estigmas de centenas de
da Asia e da Europa resentirall.1-se menos do que as da rac;as já vividas, já desapparecidas, no abysmo profundo
America e da Africa, dahi a continua~ao da civilizac;ao
~das idades.
Atlantida nas primeiras · regioes.
A grande catastrophe que segregou a parte brasileira
Em nosso paiz, a ·populac;ao que sobreviv:eu á segun- da America do resto do n1undo, impressionou de tal modo
da catastrophe foi relativamente pequena; ficando iso- os poucos representantes da especie que aquí sobrevive-
lada .. do resto do mundo; estacionou e tendeu a degra- ram, imprimiu-lhes no systema nervoso uma tal sensa~ao,
dar-se. que tarou a especie em. grande numero de gerac;oes.
O meio cosmico resentira-se enormemente: houve
(61) Ficamos agora apparelhado~ para j1;1lgar quio ine- mudan~as de climas : - zonas temperadas tornaram-se
xequivel é a idea de serem os phen1c1os e 3udeus autores
das inscrip~óes. Se estas fossem apenas no litoral .poder- -
se-ia ainda pensar, mas sáo espalhadas em todo o Brasil, pro- (52) Carlos F. P. Von Martius, Die Vergangen.heit
vando assim que sio obras de nativos. und Zukunft der amerikani8cken Memckkeit.
equatoriaes, terras ferteis tornaram-se aridas. O es- Os costumes e a religiáo, soffrendo tambem trans-
coamento das aguas dos 1nares formou vastos pantanos, f orma~oes, degeneraram, corromperam-se, e a narrati-
as alluvioes crearam no litoral grandes extensoes de va dos factos passou pa~a o dominio das lendas vagas,
brejos e terras alagadas. (53) esparsas, apparentemente sem connexáo.
O clima quente e muito humido tornou-se malsao, Tal f oi a sorte do nosso prehistorico : a principio
doentio, e assim, reunindo-se todas estas causas - mo- estacionou e depois, retrogradando, degradou-se, dege-
lestias endemicas e epidemicas, impropriedades mesolo- nerou tanto que estava prestes a desapparecer quando
gicas, calor e grande tensao atmospherica de vapor houve o aconteciniento da descoberta da America, ou
d'agua, e ainda mais, a falta de conforto, a vastidao diríamos mais acertadamente, o reapparecimento do
das terras apaúladas, a solidao das mattas e das restin- continente, que de novo só tinha o nome.
gas, o deserto das planuras, a extensao das catingas, o
isolamento, tudo creou no descendente do atlante aban-
donado ao fur9r dos elementos e aos rigores do clima, o
typo do nosso indígena - o homem selvagem como a
propria natureza que o cercava, triste, melancolico, des-
confiado, ignorante e desanimado.
O afastamento da civiliza~ao foi pouco a pouco apa-
gando no homem prehistorico do Brasil as no~oes das
grandes verdades, os conhecimentos foram decrescendo.
As familias, as tribus, afastadas entre si, por centenas
de leguas, por montanhas e cordilheires inaccesiveis,
por lagos enormes e ríos caudalosos, tiveram novos dia-
lectos: estabeleceu-se a confusao das ·linguas e a es-
cripta, modificando-se, alterando-se, acabou por des-
apparecer.
mas diversas escriptas que se dífferenciam, graphica e dras - seixos rolados a principio, pedras talhadas e po-
signativamente, no tempo e na distancia, guardando to- lidas mais tarde.
das, porém, um fundo commum de origem. Os hespanhoes do tempo de Cortez, ainda encontra-
Entretanto, é f or~oso confessarmos que o systema ram no Mexic~ um systema de escripta calculiforme,
que mais predominou f oi o systema pl.4imitivo - o usado pelas antigas civiliza~oes. Constava de agregados
mnemomco.
. de pequenos sei.xos mais ou menos quadrados e de cantos
Para -melhor comprehensao do nosso trabalho, va- arredondados. ( 55 )
mos nos estender um pouco sobre a mnemonica e ver as No Brasil, com em todas as partes do mundo, en-
rela~oes que ella apresentava com a divindade e com a contram-se, a cada passo, pedras especiaes a que o vulgo
magia, estudando ao mesmo tempo, embora muito pér- chama coriscos. (56) Esses coriscos ou pedras ~ahidas
functoriamente, as suas origens e o seu desenvolvimento do céo, como é cren~a do povo, s~o pelos scientistas con-
no espirito humano através o perpassar das éras. siderados instrumentos do homem primitivo. Realmen-
te, alguns dos coriscos sao ou serviram de machados, de
A mnemonica pode ser objectiva e graphica.
facas, de raspadores, de pontas de lan~a e de flechas-; ou-
É objectiva quando o despertar da memoria é feito tros, porém, eram objectos sagrados, symbolos, fetiches,
por um objecto tangivel. Vamos exemplificar : um amuletos r epresentando a divindade e como taes passa-
camponez indo á cidade é incumbido de fazer urna certa ra.m depois a signos.
compra; nao confiando em sua- memoria, ou tendo . re-
ceio de se esquecer, dá um nó na ponta do len<;o ou
( 55) Harcourt, L'A merique avant Colombe.
prende urna fita na cadeia do relogio. Ao utilizar-se do
( 56) E'm o norte do paiz existe a Jenda de que o coris-
len~o ou ao procurar ver as horas,. o nó do primeiro ou co ou raio é uma lasca de pedra incendiada que rola das nu-
a fita do segundo lhe desperta a idéa adormecida de que vens por occasiáo das tempestades. Ao cahir, penetra na
terra numa profundidade de duas bra~as e depois vae pouco
tinha de fazer uma compra. (54) a pouco aflorando á superficie, de modo que no fim de cinco
annos fica a descoberto, sobre p solo.
O procésso mnemonico objectivo precedeu a es.c ripta Outra lenda a respeito da pedra de corisco é que ella se
propriamente dita. Os objectos empregados f oram pe- move, se · desloca, parecendo ficar dotada de vida.
, Sobre a origem da primeira lenda, vamos aqui registrar
urna observa~áo nossa: em Dezembro. de. 1907, viajavamos
(6.4 ) No conhecido conto popular Joáo mais Maria, te- nos Campos Geraes de Palma, em demanda da Colonia Mili-
mos um caso de mnemonica: J oáo para náo se perder na tar do Chapecó do Xanxere, na regiáo entáo litigiosa do
floresta, vae collocando, espa~damente, no estreito carreiro, Paraná e Santa Catharina. A tarde estava abafada e gr-0s-
pequenos seixos que lhe indicaráo a regressar o verdadeiro sas nuvens presagiavam tempestade. De repente, com um
caminho entre outros carreiros. grande clarao, ou..vimos um forte estampido e enorme galho
\
'
92 ALFREDO BRANDÁO A ESORIPTA PREHISTORICA. DO . BRASIL 93
Essa especia de escripta, essa mnemonica por meio . Ainda como auxiliares da memoria podem ser con-
de seixos. evolue entre os primitivos. A principio sim- siderados muitos monumentos megalithicos - os menkirs,
ples pedras roladas pela ac~ao natural das aguas dos os obeliscos e as pyramides. Mas essas amplia~oes dos
rios e das ribeiras, sao mais tarde trabalhadas pelos ho- amuletos, se podemos nos exprimir assim, foram perden-
mens - pedras talhadas e pedras polidas. do o seu caracter de ·elementos mnemotechnicos, para fi-
Desses elementos mnemotechnicos, aqui no Brasil, carem adstrictos ao seu papel de imagens da divindade.
ternos duas especies que classificamos em dois grupos A mnemonica: objectiva atravessa o periodo prehis-
correspo'ndentes a dois cyclos : o cyclo de ita, a pedra torico, parallelamente com o systema escripto graphieo,
bruta, e o cyclo rnuyrakyta ou da pedra polida. entra no periodo historico e chega até nós.
Como exemplo da mnemonica proto-historica, ternos
Teremos de voltar sobre os mu,yrakytas e coriscos ·e o systema calculifor'lne, a que já nos referimos, e ·os
estudál-os sobre um novo conceito, como elementos da quipos do Perú. Esses quipos tam.bem ainda foram en-
escripta mnemonica. contrados pelos hespanhoes conquistadores do imperio
de urna imbuia que um pouco além se erguia no ponto mais A designa~áo corisco, mostra que as lendas vieram da
elevado da cochilla, ruia por terra sob a ac~áo do raio. Logo Europa por intermedio dos portuguezes, pois corisco, confor-
depois desabou o temporal. Terminada a furia dos ele- me a etymologia, é palavra derivada do latim. . .
mentos, nós e mais dois officiaes, companheiros de viagen:i, Por outro lado, porém, encontra-se no nosso dialecto in-
fomos examinar a arvore e verificamos que o phenomeno digena dos Kariris o vocabulo ero designado pedra, vocabulo
meteorologico tinha deixado de alto a baixo, no tronco, o que muito se assemelha a keranio, grego, que tambero s!gnifi-
vestigio de sua passagem numa fita zigzagante e carbonisada. ca pedra do raio, cahida do céo.
Lascara alguns ramos e fiz.e ra um ligeiro orificio. A terra Parece-nos, portanto, que em tudo isso ha a liga~áo
dos bordos e do interior desse · orificio havia sido fundida prehistorica de que tanto ternos f alado. Mesmo nesses tem-
pelo calor da faisca electrica, apresentando um aspecto vi- pos ante-diluvianos, j.á havia a cren~a de que os keranios ou
treo, crystalizado e quebradi~o. Acreditamos que a lenda astropelekias vinham do céo. Mais tarde essas idéas se ge-
de ser o machado de pedra o substractum, o esqueleto do i'aio, neralizaram por todo o mundo historico. Os celtas e gaule-
repousa na presenca desses crystaes. zes acreditavam em tal e tanto assim que entre elles os ma-
Sobre a segunda lenda, achamos que poderá haver algo chados de pedra denominavam-se celticos. ·
de verdade na hyp'Othese das p~dras dos machados serem Entre os germanicos, elles eram denominados douner-
pyrites de ferro, oxydo de ferro n:iaglietico. Nesse caso nao keile e para os escandinavos representavam o martelo de
se daria o facto dos machados se moverem, mas carregando- Thor ou cravos cabidos do carro aereo de W otan e das
se da electricidade do meio ambiente poderiam manifestar W alkirias. O facto das pedras cahidas do céo, f oi mais tar-
phenomenos de atrac~ao, repulsáo, choque de animaes e des- de comprovado, mas nao quanto a sua procedencia do raio,
prendimento de chispas ou fagulhas. Os fios de arame dis- mas dos bolides. Pode muito bem ser que o hornero prehis-
tendidos ao ar livre, accumulam electricidade por occasiáo torico já tivesse observado o caso das pedras nos bolides e
dos temporaes, e como já observamos, dao choques nas pes- ligasse o phenomeno ao raio, pois ambos tra~am no céo fitas
soas que os tocam . de fogo.
94 ALFREDO BRANDÁO
..
96 ALFREDO BRANDÁO
A EscRIPTA PREHISTORIOA Do BRASIL 97
de preces ou sauda9oes religiosas resadas num certo · ..
ten1po ou numa ceremonia. cripta mnemonica e a pictorica ou figurada; achamos
" que se identificam ou que uma
mesmo que ellas quasi
A cruz nos cemiterios é ainda um exemplo da mne-
monica objectiva dos tempos actuaes. É tambem um é o complemento da outra.
signal mnemonico nas igrejas e á margem dos caminhos. O ca~ador ou o lenhador para se orientar na flo-
No frontespicio da igreja lembra que tal construc~ao é resta, faz entalhas nas arvores. A entalha representa
a casa de Deus, que o filho de Deus morreu numa cruz um signo mnemonico, graphico e, ve-se, muito melhor
et~. No cemiterio assignala um tumulo, recorda que no do que os seixos derramados pelo caminho.
ponto onde ella se acha repousa um corpo que perten- Constituiram-se, assim, processos escriptos de au-
ceu a um ser vivo, que com muitas probabilidades era xiliar a memoria. A graphia passou a ser copia dos
christao. É urna explica~ao que a cruz suggere a quem objectos mnemotechnicos. É por isso que vemos, pin-
nao conhecia o morto. Agora se alguem o conhecia, a tados ou graphados nas superficies de rochedos, coris-
simples indica~ao do tumulo fará lembrar a esse a~guem
cos, muyrakytas e simples pedras roladas.
factos que poderiam estar apagados na _memoria: por
exemplo - ó morto era· branco, casado, mo~o, nego- Mais urna vez declaramos que a, mnemonica nao re-
ciante, etc. Se o signo apparecer á margem de urna es- presenta uma verdadeira escripta, nao conta uma his-
trada deserta, indica que alli f oi assassinado um chris- toria, nao relata um facto, mas desperta na memoria os
tao - homem, mulher ou crian9a. Si alguem conhec~ detalhes ahi adormecidos dessa historia ou desse facto.
o facto, todas as minudencias do crime lhe .vem á me~ É um systema imperfeito porque baseando-se ou
.
mor1a. referindo-se a um acto já sabido segue-se que, faltando
O systema mnemonico, graphico, parece ser poste- a ·pessoa ou pessoas que delle tiveram conhecimento, pas-
rior ao objectivo, parece ser desse uma modüic~ao, sava a perder toda significa~ao.
urna evolu~ao. Diz um autor que é das necessidades humanas que
Na verdade o primeiro systema tornava-se muito surge a evolu~ao.
confuso pelo seu arranjo technico e, ainda máis, acon- Para remediar a imperfei~ao, o prehistorico usou o
tecendo desfazer-se esse arranjo, tornava-se incompre- · desenho do objecto ou a representa~ao figurada, a úna-
hensivel. gem do ser, a representa~ao do facto ou da scena cuja
A pintura ou a gravura, pelo contrario, fixava-o lembran~a desejava guardar. É a escripta pictorica a
para todo sempre. D 'ahi a estreita liga~áo entre a es- que já nos referimos. Aquj comeQa a verdadeira es-
cripta.
. '
Os signos desenhados ou pintados falam á vista, já as palavras hieroglypkos (escripta sagrada) e hierogram- ..
nao se limitam a despertar na mente uma historia ahi mas (letras sagradas).
gravada, mas desenrolam ao olhar a mesma historia. A escripta dos riscos de pedra é, como veremos no
Para nos tornarmos mais claros, .diremos que a es· estudo da interpreta~~º' composta de signos que repre-
cripta pictorica f oi para o hornero prehistorico o que a sentam divindades, em regra geral divindades da luz ou
scena muda, no cinema, foi para n6s. Independente outras que a ellas se relacionam.
dos esclarecimentos escriptos na tela, podíamos ter co· Dos nossos estudos da prehistoria, chegamos á con-
·nhecimento de um facto a que nao haviamos assistido, clusao que a luz foi a divindade primitiva e universal.
pelo simples desenrolar da fita. O fogo e a pedra (esta ultima porque dava ori-
Notamos na escripta prehistorica brasileira, e aliás gem á fagulha e portanto a.o fogo) foram outras tan-
na de todo munde ante-diluviano, uma particularidade tas divindades.
que até aqui, segundo julgamos, ainda nio foi divul- Depois da luz, do fogo e da pedra é que surgem ou-
gada e que vem dar razao ao que dissemos acima - tras divindades relacionadas com estas - os meteóros
que ella nao se acha subordinada a nenhum systema celestes : o raio, o relampago, o trovao, a chuva; final- ·
considerado isoladamente, porque nelll:L se contem todos mente vem o sol, a lua e as estrellas.
os systemas. A particularidade é que um mesmo signo Os n0ssos signos primitivos, que sao os mesmos dos ·
pictographico pode; ao mesmo tempo, ser mnemonico, tempos ante-diluvianos de toda a terra, com ligeiras
ideQgraphico ou symbolico. modifica~oes, representam pois, na maioria, divindades
Para exemplificar vamos lembrar um signo já ci· acima referidas e como taes passaram a glyphos mne-
tado - a estrella ; é um signo ideographico porqúe com monicos que se modificaram com o correr dos annos.
.elle era representada a idéa do céo, é symbolico porque Os magos eram os transmissores das leis divinas,
a pintura nao representa o céo, mas uma cousa que cujo conhecimento era dado ao povo por meio de ca-
nelle apparece, é mnemonico porque a figura estrella racteres que representavam imagens das divindades e
pode acordar na memoria todo um thema, toda ilma isto, ou para infundir mais respeito, ou porque se tra·
narrativa já sabida que se relaciona com o céo. tando de preceitos divinos, mistér se fazia que por si-
A escripta mnemonica é sagrada. Liga-se por um gnos representando deuses ou attributos de deuses fos-
lado á divindade e por outro á magia. sem manifestos.
Já vimos que na tradi~ao de quasi todos os povos A magia desempenhou um importante papel na
a escripta foi ensinada aos homens pelos deuses, d 'ahi origem da escripta. A magia, segundo pensava o pre-
A EscRIPTA PREHISTORICA oo BRASIL 101
100 .Ai.FREDO BRANDAO '
· historico, era a sciencia dos deuses e tinha sido por estes de embuste, mentiras, intrugices e praticas charlata-
--
ensinada aos homens. J... 58) nescas.
Apesar de Plinio e Diodoro della se terem occupa- A Igreja, pelo seu lado, desde as epocas medievaes,
do, apesar de muitas obras antigas, taes como a Biblia, considerou a magia arte diabolica.
-'
os Védas e a Odysséa a ella se referirem, o que das scien- Mal vista pela sciencia e condemnada pela Igreja,
cias magicas nos chegou, através a poeira dos annos, a magia degenerou e tornou-se, realmente, o apanagio
foram reminiscencias vagas, tradi~oes, lendas, recita~oes dos embusteiros.
mais ou menos deturpadas, supersti~óes. ( 59) E foi assim desprezada, talvez, urna das maiores
As sciencias positivas, em suas invest'iga~oes sobre f ontes de ensinamento sobre as or1gens e modo de ser
a intellectualidade e conhecimentos do ho1ne1n do passa- das civiliza<]oes prehistoricas.
do, pararam nos humbraes da historia. Para além, no . Deprehende-se, no entanto, que nesses tempos as
que dizia respeito ao desenvolvimento das idéas, nada bases da sciencia moderna já estavam organizadas - . ...
mais havia a aprehender. A especie estava na infancia a alchimia que gerou a chimica, a astrología que gerou
e portanto, rudimentares deveriam ser os seus conheci- a astronomia e o empirismo chaótico do abrakadabra
mentos, e assim sua sciencia - a magia - nao passava donde veio a medicina. Todas essas idéas se ligavam
a conhecimentos mais geraes, mais antigos - a magia
(58)Taylor affirma que a magia representa as primei- - a qual foi a mae das sciencias hodiernas.
ras manüesta~oes da sciencia e diz mais que a escripta dos
magos acadianos de Babylonia, era urna especie de adivinha- A Biblia nos dá a entender que a magia reinava
~áo. Citando Tacito, relata que as primeiras escriptas fora~ ainda no Egypto no tempo dos israelitas, pois Moysés,
feitas em rochedos. (Edward B. Taylor - Anthropologur,
- obra traduzida do inglez para o castelhano - Madrid, Aarao e os encantadores de Pharaó tranformavam varas
1888). . em cobras. ( 60)
( 59) "Diz Plinio que. todos os pov~s, mesmo o~ mais
N
1 - E. PREHISTOlllCA
102 AL F REDO BRANDÁO A E scRIPTA PREHISTORICA Do BRASIL 103
Na construcc;ao das pyra.mides, parece ter havido restos, muitas ruinas pelo solo de Fran~a, ruinas de que
processos magicos. Nao se pode comprehender como, como já vimos, fomos nós os primeiros a notar a seme-
sem o auxilio dos apparelhos modernos de engenharia, lhanQa flagrante com os restos dos monumentos .grossei-
conseguia-se elevar a tao grandes alturas os blocos enor- ros encontrados em nosso paiz.
mes de pedra de que sao formados esses monumentos. . ..
O abbade 1\ioreux nos fala na revela~ao, mas os theo-
sophistas explicam o facto pela applica<;ao de f or~as que Fazendo-se estudo sobre as religioes dos indigenas
nos sao hoje desconhecidas e que entao eram familiares brasileiros, nao só os do tempo da descoberta, mas tam-
aos iniciados. bem os . dos tempos actuaes, ,que se eneontram no seio
· Segundo Ifomero, Apollo ajudou a construir as das mattas em estado de selvageria, notam-se muitas re-
enormes muralhas de Illion. miniscencias das praticas .de magia da antiguidade.
De tudo isso se conclue que os prehistoricos joga- Leri, ( 61) um francez histo~iographo do Brasil,
- vam com f or9as mysteriosas, que os homens primitivos que chegou ao Rio de J aneiro em 1557, no tempo em
tiveram conhecimento dessas energias. que as tabas dos tupinambás cobriam a zona boje abran-
O predominio das sciencias magicas nos tempos an- gida pela Capital Federal, nos conta que esses indios
tigos, está hoje cada vez mais demonstrado com a de- acreditavam na immortalidade da alma, em seres su-
cifra~ao dos textos ·cuneiformes dos tijolos encontrados periores, taes como Tupan - que fazia ribonibar o
nas escava~oes das ruinas da Babylonia. trovao - e Kaegerro ou Anhangá, deus malefico que
Os atlantes, ainda conforme a opiniáo dos theoso- os perseguia na espessura das mattas, ora sob . a forma
phistas, praticavan1 a magia branca e a negra, tendo de quadrupede ora de ave ora de qualquer outra
.
figura.
esta ultima forma sido levada á Atlantida pelos turania- H Esses indios tinham co1no sacerdotes os carahybas,
nos, que em taes praticas usavam de energías colhidas que se jactavam de communicar-se com. os espiritos, de
nos raios obscuros da lua. vencer os inimigos e fazer crescerem e engrossarem as
Esses turanianos :foram na Gallia os fundadores da raizes e os fructos. 1-teuniam-se de quando em vez pata
civiliza~ao megalithica, e dessa ainda existem muitos
t
celebrarem r1itos que constavam de · dansas rythmicas
e de cantos harmoniosos e longos. Formavam diversas
vos e tornou-se em serpente. E Pharaó tambem chamou os rodas e n_o meio de cada urna ficavam os carahybas ri-
sabios e encantadores do Egypto e esses magos fizeram tam-
bem o mesmo. Porque cada um transformava varas em ser-
pentes, mas a serpente de Aarao tragou as serpentes delles ". (61) Jean de Leri, Histor ia de uma vi.agem ao Bra/JÜ.
( Exodo, 4 e 7) . Trad.
A EscRIPTA PREHISTORICA oo BRASIL 105'
104 ALFREDO BRANDÁO
Tambem a respeito da mythologia dos indios e de ter ras dos tapuias, no interior dos sertoes da Parahyba,
seus mar.aoás, escreve o Padre Simao de Vasconcellos : falando de urna especie de demonio dos indios denomi-
"Tem grande canalha de feiticeiros, agoureiros e nado H oucha, assim se exprime : "Quando este persona-
bruxos. Aquelles a que chamam pagés ou carahybas, ge1n mysterioso chegava ás tabas, todas as luzes se apa-
com falsas apparencias os enganam e os embruxam a gaYam. Havia fumiga~oes de peti¿n e o demonio sendo
cada passo. Os Tapuias, neste particular, sao os peores consultado sobre o resultado da guerra em que elles se
porque além de nao conhecerem a Deus, creem invizi- iao empenhar, respondia e <lava conselhos. Durante o
velmente o diabo em fórmas ridiculas de mosquitos, sa- dia, H oucha era transportado numa caba~a conduzida
pos, ratos e outros animaes despresiveis. Os feiticeiros, por inulheres, velhas e mo~as, ornamentadas de grinal-
agoureiros e curadores sao entre elles os ·mais estimados ; das feitas de flores e folhas de favas e feijao. Prece-
a estes dao · toda a veneragao." . dia essa procissao urna guarda de dez jovens indios co-
Em seguida o Padre Simao descreve o maracá e ber tos de folhagem. Os feiticeiros ingeriam urna bebi-
cita um caso de videncia de um carahyba amigo de uns da feita de semente de corpamba ( ?) dissolvida n'agua e
portuguezes que faziam guerra a outras tribus inimigas
se punham¡ a correr e a urrar como enraivecidos. A'
no interior do sertao : "o tal carahyba fixou duas for-
noite todas as luzes er am apagadas e na cabana prepa- ·
quilhas no chao, a ellas amarrou uma clava enfeitada
r avam un1 leito de folhas, perto do qual queimavam
de diversas pennas e depois andou-lhe em torno dan~an . ' res-
do e gesticulando num cerimonial extranho, soprando- folhas de fu1no. Sendo entao interrogado Houcha
lhe e dizendo-lhe phrases. pondia em vozes de diversas entona9oes ás perguntas
Logo depois desse ceremonial, a clava desprendeu-se que lhe eram feitas". (65)
dos la~os e foi levada pelos ares até desapparecer no ho- De tudo isto nós tiramos urna conclusao : os indios
rizonte, voltando depois pelo mesmo caminho, á vista de do Brasil guardam ainda reminiscencia de praticas ma-
todos, visando collocar-se entre as forquilhas, notando: gicas antigas. E' bem possivel que o sagrado · ma.racá
·se que estava cheia t-de sangue. 'fudo isto foi pelo fei- f osse a principio um simples instrumento destinado
ticeiro explicado como bom agoiro e os portuguezes .tra-
vando combate venceram realmente os inimigos". (64)
Ou~amos agora um facto identico 9.ue nos relata (65) Narrativa de viajem de Rouloux Baro, interprete
e em ba·ixador da Companhia das Indias Occidentaes da parte ·
Roulox Baro, um hollandez que em 1647 viajou pelas dos illustrissimos S enkores das Provincias Unidas do paiz
(64) Padre Simio de Vasconcellos - Ckronica da Com,- dos Tapuios na Terra firme do B'rasil. Trad. de Rouloux
píLnkia de Jesus do Estado do Brasil - Livro II - 18 Baro por Mario Barreto. Bol. do E'. M. do Exercito - 1923.
..
..
• 1
a produzir um som monotono, proprio para agir sobre o nheiros, a que davam o nome de maricás, nome, como
systema nervoso. se ve, muito semelhante a mMacá. ( 67)
A natureza magi~a e symbolica do maracá é indi- .Acreditamos que o maracá já desappareceu em o
cada ainda pela fórma do instrumento e pela signifi- nordeste brasileiro.
cagao do proprio vocabulo. •
A dan~a do Toré, a qual assistimos outrora, entre
Como vimos, os maracás eram feitos de caba~os ou os caboclos que desciam do sertáo, lembrava no ryth~o
coités, fructos estes que affectam urna fórma mais ou e na attitude a dan~a religiosa dos tupinambás, de que
menos conica - a fórma sagrada entre os antigos ado- nos fala Leri; nada tinha de cerimonial religioso, era
radores do fogo, porque lembrava o proprio fogo, a uma diversao ligada a recorda~oes guerreiras. Acom-
pyra, a chamma. pa~hava-a, em vez de niaracá, a musica de pifanos e
Conforme o dr. Theodoro Sampaio, o vocabulo ma- trombetas, feitas estas ultimas de palha tenra e enro~
racá, na lingua tupy, significa.ria cabeQa de fic~áo. (66) lada de palmeira pind6.
A intrepretac;ao desse nosso illustre ethnologo é O vocabulo Toré, dá a entender, no entanto, que
baseada na descripgao do Padre Simao de Vasconcellos, primitivamente, a dan~a foi religiosa. Martius diz que
segundo a qual cab~a do maracá representava urna Toré significa folha de palmeira. .Achamos que elle deu
cab~~a com os orificios dos olhos, das narinas e d~ bocea.
essa significa~o devido ao facto observado da circuns-
A . julgar-se pela etymologia que Martius dá á pa- tancia acima r~latada. Toré, como teremos de ver, é
lavra maracaimbira - o bruxo, o feiticeiro - compre- vocabulo l~gado á divindade.
hende-se perfeitamente que o instrumento em questao
estava ligado/ a praticas de magia. .
Por outro lado, parece que o vocabulo passou quasi
intacto das religioes primitivas do velho mundo para Houve, pois, uma época em que a magia dominava
ás nossas terras. a sociedade humana.
Lefevre, em sua importante obra La religion, tra- Essa magia, em comego, ligava-se á religiao e a
tando das festas dos turanianos, diz que os sacerdotes, todas as outras institni~oes sociaes. O maglco era o
durante as cerimonias, agitavam ramos verdes de pi- ,
( 67) Sobre a magia e o maracá dos indios do Brasil,
(66) Theodoro Sampaio O Tupi na Geographia publicamos um artigo no "Diario de Pernambuco", de 7 de
Nacional. Abril de 1935.
110 ALFREDO BRANDÁO A EscRIPTA PREHISTORICA no BRASIL 111
sacerdote, o chefe civil, o chefe militar, o conselheiro, O homem das épocas anteriores aos cataclysmas,
o medico. (68) deveria possuir propr:iedades psychicas um pouco dif-
Conhecia o passado, doutrinava sobre o presente ferentes das do homem actual.
e vaticinava o ·futuro. (69) Assim, parece que certos phenomenos que hoje se
O magico era tirado do meio dos homens que se manüestam no hornero da actualidade, apenas em con-
destacavam da massa commum pela sua intelligencia, di~oes especiaes, eram communs e naturaes no homem
., pela · maior observaQao dos factos e pelo conhecimento de entao.
profundo das f or~as naturaes. Entre esses phenomenos convem citar. a vista e a
Diversas, entao, eram as condigoes do meio, ou con- audi~ao á distancia, o refor90 da memoria - lembran9a
" di95es mesologicas, nessas éras longinquas da idade da nítida dos factos do passado - a videncia: ou o dom de
terra. conhecer o futuro e a transmissao do pensamento ou a,
Em periodo de tranforma9oes physicas, o nosso pla· telepathia.
neta agoniado por successivos cataclysmas, as profundi- ·O homem de boje, em estado de hypnotismo ou
dades do ventre á mostra, de quando em vez, a crosta somnambulismo, em estado morbido tal como a hysteria,
solida a dissolver-se na magma em ebuligao e a magma pode adquirir essas f or~as.
em ebuli9ao a resfriar-se no meio atmospherico, nessa Parece que taes estados, que se acham latentes e
troca de temperaturas entre o meio interno e o meio disseminados por todo o organismo, sao ~ restos de for~a
externo, é natural que outras fóssem as condil;oes do de um passado remoto, f orgas que vem se enfraquecendo
meio physico e por conseguinte outras as condi~óes do através das geragoes.
méio biologico. A memoria do homem primitivo devia ser prodi-
:rviultipla.s e diversas deveriam ser a energías de en- giosa. As condigoes de vibratilidade de seu cerebro eram
tao: energías de calor, luminosidade, electricidade, vi- auxiliadas pelas COD:digoes de vibratilidade do meio am-
bra~óes e irradia~oes diversas para o lado physico ; ene;r- biente.
glas organizadoras e psychicas para o· lado humano. Como ainda boje, um objecto, uma simples letra
inicial de um nome, o som de urna musica, um perfume,
(68) Note-se a semelhan~a entre os vocabulos magico, podem acordar em nosso imo a. lembt:anga de un;.1.a pessoa
, rnagé e pagé ou payé. . .
( 69) Em sua brilhante obra - l! Ne gro Brasileiro :-• querida, a lembran~a de um facto passado, de urna s~e
o scientista Arthur Ramos, trata adm1ravelmente da magia, na, de urna historia, assim tambem, nesses tempos remo-
encarando o assumpto sob um novo conceito, de acordo com
as theorias de Freud. tos a vista de um signo, de um objecto symbolico, des~
' .
..
'
112 ALFREDO BRAND.A.o
A EscRIPTA PREHISTORICA oo BRASIL 113
pertava no homem prehistorico a recordaºao de urna
Nestas condiºoes, uro simples signo nao basta para
scena de que elle f ora comparsa, testemunha, ou della
despertar a lembranºa do facto.
tivera conhecimento. Entra entao em scena a mnemot.ecbnica - os meios
Segue-se, portanto, que, em principio, uro simples artificiaes de acordarem, de avivarem a memoria, pro-
signo era sufficiente para desenrolar deante delle todo cessos magicos consistindo em passes, fixa~ao do olhar,
um thema, todo um facto, toda uma narrativa. musica monotona e ainda mais o uso de plantas ener·
Explica-se, assim, _achar-se em rochedos, ás vezes, vantes, em fumiga~oes e beberagens.
um unico signal graphico. Nao ha, neste caso, como Como se sabe, ainda hoje esses processos, e mui
se poderia suppor, uma pobreza historica, noticiosa ou especialmente a fixa~ao do olhar, sao usados para pro-
descriptiva. Tal signo pode equivaler a uma pagina, duzir o estado ·somnambulico ou hypnotico e o estado de
a um livro, a uma bibliotheca. O signo, ahi, nao é mais extase, assim, manifestando-se a fadiga nervosa, o in-
do que um simples signa! mnemonico, um evocador dos dividuo adquire as faculdades acin1a citadas de visao e
factos. audi~áo á distancia. Nao insistiremos na descripgao
Logo que as condi~oes physicas do globo terraqueo desses processos e no mechanismo de sua ac<;ao, suffi-
f oram se modificando, tambem, se foram modificando cientemente conhecidos de quem tenba estudado um
as energ~as psychicas do homem. pouco de hypnotismo.
•
Com a diminui~ao das vibratilidades do meio ex- Dos vegetaes antigamente empregados, de muitos
terior, extinguiram-se as faculdades cerebraes da visao perdemos a nogao, porém alguns sao ainda conhecidos.
e da audiQao á distancia, no tempo e no espaºº' e a me- Destes ultiinos citaremos a nicotina tabacum, isto é, o
moria do homem diminuiu. (70) ,petun, o tabaco ou fuinQ, actualmente ainda usado pelo
1
'
A E SORIPTA PREHISTORICA DO BRASIL 115
nma dessas syllabas que elle designava o phenomeno na Itú - a luz, o deus da luz - fez resplandecer a face
linguagem falada, do mesmo modo que na linguagem de Mú, o abysmo - e assim gerou-se odia.
escripta. o figurava no zig-zag do raio ou do relampago. Como, porém, Mú, depois de doze tempos (que ou-
Das origens onomatopaicas, pode-se chegar aos va- tros chamaro horas) chorasse com saudades de Nut, sua
lores e determinac;ao dos elementos de vocabulos pri- esposa, Itú - a luz - chamou sua mae do mundo dos
mitivos, principalmente de vocabulos dos nossos indí- espiritos, e para nao perturbar o idyllio de seu pae, co-
genas, e esses elementos cotejados com os signos, orien- briu-se com um manto negro e ador1neceu por doze tem-
tam o estudo da interpretac;ao. pos.
Outro grande auxilio vamos encontrar nos mythos E assim gerou-se a. noite. ·
e nas lendas, porque nos mythos· e rías lendas ha sempre Mas, o manto de ltú tinha bordados e rendas e pelos
um ponto de verdade do qual elles emanam ou no qual orificios dos bordados e pelos rasgoes das rendas ap-
elles se apoiam. pareceram pedac;ós do corpo 1uminoso do deus. E assim
Os nossos indios, apesar de nao passarem de seres geraram-se a lua, as estrellas e os cometas.
degradados, conservam ainda algumas noc;oes, muito va- E no seu sonho Ilú se mexia. E é por isso que a-s
gas é verdade, de relatos que se Jigam aos outros povos estrellas correm.
que subiram na escala da civilisa~ao.
Desas lendas e mythos, terem<>s de nos occupar á LEN DA SOBRE A ORIGE'M DA CHUVA
•
medida •
que f ormos estudando os signos. •
Por emquanto limitamo-nos a contar (procurando o. mar - batido pelos tufóes, chorava e
Mi¿ra -
dar uma certa fórma) o que ouvimos em diversas tribus dava mugidos em todas as longas horas do día, e pela I
seroi-selvagens, coro as quaes estivemos em contacto em noite a dentro crescia o seu soffrer.
nossas viagens pelo interior do Brasil. E o urrar, o gemer, os lamentos, os bramidos do
desgragado, corriam pela terra ero fóra, e as cavernas
LENDA SOBRE A ORIGEM DO MUNDO da praia e as grutas das serras ecoavam em doloridos
a1s.
Antes de Itú - o deus da luz - só existía Mú -- Aos ouvidos de Ilú - o bom deus da luz - che-
o espac;o, o abysmo - casado coro. a deusa N ut - a gran- garam os arruidos daquella dor tamanha, e llú teve
de escuridao. pena e afastou os tufoes de 'JJ!úra - o mar - . E entao
Uma vez, porém, Nid pariu Itú e ao parir o deus, M úra - o mar - dormiu tranquillo, sob o céo azul e
morreu do parto luminoso.
1 - & . PREHISTORICA
... .
' "
Na doce calma do dia, Bitá - a terra - enviou a Quero beijar-te e abrac;;ar-te, Manat. És linda,
Múra - o mar - a deusa Tsi - a brisa acalentadora. assim rociada pelas gottas de M 'lÍ - o espac;;o -. Va-
E ordenou ás palmeiras e aos canic;;os da patria que ro- mos, dá-me tres beijos e um abrac;;o.
c;;assam os seus dedos de palmas e folhas por sobre a face - Longe, maldito, longe de mim, espirito da des-
de Múra - o mar. E mandou que as flores o ungis- truic;;áo e da morte, fóge, sorne-te no seio trevoso da noite.
sem com o seu perfume. Porém, Ráo - o trovao - o deus malfasejo dos
M úra - o mar - calmo, sorriu a Bitá - a terra temporaes, avanc;;ou para Manat, e roncando, ecoando,
- e disse : turbilhonando: ra, ro, rao, ªº - abrac;;ou-a e beijou-a
- Em essencia, encerro em mim a minha filha tres vezes .
.Manat - a chuva. E farei que ella suba a llú - o Entao desencadeiaram-se os ventos e os tufoes, a-
bom deus da luz -- que depois volte ao seio de minha briram-se os r elampagos e Manat, ac;;oitada, empurrada,
irn1a Bitá, a terra. esmurrada, cahiu em f ortes cachoes, inundando e devas-
E entao á noite, o vapor d 'agua comec;;ou a se elevar tanda a terra.
do mar e chegando ao cé·o, deante de Ilú, transformou- .
se num tecido de nuvens e depois desmanchou-se n 'agua,
e outra vez, quando o dia amanheceu, M anat, a chuva,
banhava docemente Bitá, a terra. Ve-se, pois, que os indios do Brasil co.nservam ainda
algutTias reminiscenc!as das idéas cosmogonicas dos seus
LENDA SOBRE A ORIGEM DO TEMPORAL antepassados, idéas que eram geraes em todo o mundo
prehistorico, e que de certo modo se relaccionam, como ve-
M:anat - a chuva - a filha da mao direita de Ilú remos mais adeante, com .os signos que representam a
- o bom deus da luz - olhou para baixo, 4e lá de sua luz, o espa~o, o trovao, o mar e a chuya.
mansao das nuvens. Depois disse :
I
(
A E scRIPTA PREHISTORICA DO BRASIL 121
120 ALFREDO BRANDAO
os rochedos onde se encontram inscrip~oes. Ha ainda
comprehendida nesse espa~o (signos de Pisces, Taurus, a designa($ao popular de signo Saimáo ou signo de Sa-·
Seorpio, etc. representados respectivamente p~las fi" Zornao, do qual nos occuparemos adeante.
guras de dois peixes, de um touro e do escorpia-0), e Fica, portanto, explicada a accep<$ao em que em-
ainda por extensao sina, dita, sorte, destino. Isso nao pregamos a palavra signo, isto é, º· signal, o caracter, a
passa de urna particularizac;;ao porque na realidade, co- figura representando um objecto ou cousa.
mo o indica a origem latina, a verdadeira accep<;ao da
palavra, tomada num sentido geral, é a que nos refiri-
mos acima. Na lingua franceza, o vocabulo signe tem
essa mesma significa~ao; nas mesmas condic;;oes ·se acharo Para simplificar o estudo, vamos dispor os signos
os vocabulos italiano segne, o inglez sign e o allemao em grupos, de acórdo nao só coro o que elles represen-
zeichen. No castelhano, a palavra se escreve como no tam, mas ainda sob o ponto de vista das rela~oes que
portguez - signo - . affectam com as duas ordens de civiliza<$Ües a que nos
O dicionario de medicina e pharmacia de Littré, de- referimos.
fine a palvra em questao como figura ou caracter, diffe- Assim fazemos a seguinte divisao:
rente das letras e das abrevia~oes e servindo para de- .. Primeiro grupo - Signos divinos .
signar certos objectos ou a preencher phrases que se Segundo grupo Signos magicos.
repetem muitas vezes em urna descrip<$ao. Littré nos Tetceiro grupo Signos de animaes e vegetaes.
fala em signos botanicos, zoologicos e chimicos. E ' sa- Quarto grupo Signos anthropomorphos.
bido que a chimica em suas ori~ens pertencia ás scien-
Quinto grupo - Signos de objectos e cousas.
cias occultas, dahi os seus sectarios empregarem sym-
bolos para representarem certos· corpos. Em: lingua- Sexto grupo - Signos agglomerados.
gem paleographica ha o termo sigla, particularizado Setimo grupo - Signos desportivos.
aos caracteres iniciaes ou abreviados. Pertencem, por- Oitavo grupo - Signos decorativos.·
tanto, á categoria do grupo de signos que denominamos Os dois ultimos grupos nao fazem parte do nosso ·
agglomerados. Em nosso ·modo de ver, a palavra signo programma, portanto delles nao occuparemos, fazendo-
tem urna origem prehistorica - deriva-se do zig, ono- lhes apenas ligeiras referencias.
matopaica do som ou ruido produzido no espa~o pela É for~oso reconhecer que KÓch-Gruenberg e Alfre-
estrella cadente ou bolide, som que tambero deu origem do de Carvalho, em parte tinham razaQ: existem, real-
á. letra grega sigma. O povo chama pedras de signaes '
'
- '
. '
•
. A EsoRIPTA PREHISTORICA no BRASIL 125
124 ALFREDO BRANDAO
Todos estes signos, como se ve, representam a cruz. prehistorico synthetizava, encarnava, integralizava, essa
Ha delles no Brasil prehistorico uma grande variedade divindade no phenomeno mais admiravel da natureza,
graphica, com o mesmo valor significativo ou com signi - no phenomeno physico a que, realmente, ainda boje, a
fica<;áo differente, mas sempre relacionada ao mesmo sciencia attribue a origem· da vida - o phenomeno da
objectivo. luz.
Os · jesuitas e missionarios cathechistas, ficaram sur- A divindade suprema, a luz, por sua vez era figu-
prehendidos ao enc~ntrar o ·signa! da cruz gravado nos l'ada na cruz; esta seria o espirito, a forma transcen-
rochedos do Brasil e portanto já conhecido em no.ssa dental d 'aquella.
\
terra muitos annos antes da chegada dos portuguezes. Newton, Huygens, Descartes e mais os sabios e
Deste facto tiraram a conclusao que a religiao de physicos modernos que estudaram o phenomeno luz e
Christo havia sido propagada no Brasil, provavelment~ lhe determinara.m o espectro, mal sabiam que o homem
por Sao Thomé, visto como os indios falavam de um len- prehistorico já havia lhe procurado a · forma e a tinha
dario Sumé que havia ensinado muita cousa aos seus pictogravado no signa! ·da cruz.
antepassados. Um simples facto provará o que adeantamos: se
A cruz é o mais importante dos signos divinos. A olharmos, coro as palpebras semi-cerradas, um fóco lu-
cruz é entre os prehistoricos a im.agem da divindade minoso, veremos que esse fóco representa um todo cons-
suprema - Deus. tituido por quatro feixes de luz: -· um superior, outro in-
É a imagem, a representa~ao do creador do céo e da ferior e dois iateraes, formando esse conjunto urna per-
terra, adorada por todos QS povos primitivos,· pelas ra.- f eita cruz.
~as ante~diluvianas de todo o mundo. Desse facto o prehistorico deve ter concluido que
Christo redimindo a humanidade, morre pendente a cruz era o siibstractum, a essencia, o espirito da luz.
de urna cruz, e assim, tacitamente, talvez por um mys- Est~ seria pois a manifesta<;ao da divindade, uma f 6r-
terioso designio, restabeleceu o culto, ·a adora<;ao do signo ma sob a qual a mesma se mostrava.
santo entre os sectarios de sua consoladora doutrina. Por outro lado, ~ cruz, de quando ~m quando, se
acha ligada a phenomenos luminosos celestes.
Em nossas zonas tropicaes, principalmente nas ho- .
ras da tarde, quando o sól se inclina para o occidente,
Para explicarmos como a cruz é a i~agem da divi!J.- os raios desse astro, reflectindo-se nas nuvens, affectam,
dade, vamos primeiro procurar demonstrar que o homem ás vezes, a forma de um grande cruzeiro.
•
126 ALFREDO BRA N DÁO A EsoRIPTA PREHISTORIOA, Do BRASIL 127
Fitando-se o céo estrellado nas noites de estio, as sentante do verdadeiro Deus universal que os nossos
constella~oes, os grupos de estrellas, sao vistos, em regra a.ntepassados do Brasil adoravam, os fil~os da infeliz
geral, dispostos em fórma de cruz. Atlantida, que foi adorado pelos povos do antigo con-
Historiadores antigos nos falam de cruzes appare- tinente.
cidas no céo em rastilhos luminosos. É assim o milagte "O homem é o animal religioso", disseram, mas
do In hoc signo vinces - a cr~z de fogo que Constantino todas as religioes, todos os cultos, mesmo os mais estra-
viu no céo, na vespera da batalha decisiva a travar-se nhos e os mais diversos, sao todos f órma de adora9ao ªº
coro as f or~as de Maxencio, ás portas de Roma. " Deus padre todo poderoso creador do céo e da terra",
Principalmente nos mezes de Agosto e Novembro, o deus unico, que foi, que era figurado na luz.
o phenomeno luminoso das estrellas cadentes e dos boli- Procurando estudar qual o som, qual a palavra
des, muitas vezes, se entrecorta, tra~ando · cruzes na com que o prehistorico designava a cruz, chegamos á
abobada celeste. conclusao que no principio era Tizil, ou Tzil.
Diversos chronistas, e entre esses Plinio, o antigo, O que affirmamos nao é uma phantasia de nosso
citam o apparecimento, em differentes épocas, de meteó- espirito, é urna deducºªº de factos que se prendero ao
ros, durante a producºªº dos quaes viam-se cr1izes na estudo da linguistica e da mythologia.
terra sobre as pessoas e sobre os animaes. (72)
Tizil, é um vocabulo onomatopaico, é o ruido da
A' vista destas eonsidera~oes, parece-nos
,
ficar de-
estrella cadente ou do bolide ao atravessar as camadas
monstrada a causa do hornero prehistorico representar
athmosphericas. E'' o que se poderia chamar o som da luz.
a luz na cruz.
E ' a voz da divindade em ·estado de calma, assim como ·o
É por isso que se encontra a cada passo, gravada ·
estampido do trovao é a voz da divindade em. estado de
ou pintada nos rochedos do Brasil ou desenhada nos
_ irrita~ao.
productos ceramicos de Marajó.
Esse ruido do bolide, que é acompanhado de um
É ella o signo primitivo que deu origem a todos os
outros signos, é ella a imagem da divindade, que en.- rastilho luminoso, vae de um simples ciciar até o estam-
pido. No primeiro caso, é semelhanté ao ruido do dia-
cerra em si todas as outras divindades. . . É a repre-
mante sobre o vidro. Nao se trata de um som. da luz, é de-
vido ao deslocamento do ar pelo meteórolitho. Pode-se
(72) Dalett - Étude historique et critique sur les
étoiles filantes - La Revue Scientifique, 30 de J ulho de 1881. ainda comparar ao som da zorra ou piorra e é semelhan-
Nesse interessante trabalho, o autor expoe as theorias expli- . te tambem ao ruido do fio do bonde electrico, quando
cativas sobre as estrellas cadentes e trata de visoes e pheno-
menos celestes assignalados por escriptores antigos. se dá a descarga e o vehiculo se poe · em movimento:
•
I
128 ALFREDO BRANDÁO
A ESCRIPTA PREHISTORICA DO BRASIL 129
É um tizil ou dzil prolongado, podendo ainda se esten-
der tzil, thrili e até dzul, trul e tilú. Tzil contrahe-se com o som m.ú (signo que represen-
Ao homem prehistorico nao passou despercebido esse ta o espago) e forma o vocabulo tit que reunido a pan,
ruido do bolide e como o phenomeno se acompanhava de onomatopaica do 'trovao, forma a divindade brasiliea
luz, esta teve a designa~ao onomatopaica. Tiipan (entre os prehistoricos Tuplan ), que traduzida •
Portanto, tizil ou tzil foi a primeira denomina~ao ao pé da letra significa luz e estampido no espago. E
da luz e sendo a luz figurada na cruz, segue-se que tizi1 como luz é a representaQao de Deus? ve-se porque Tupan
ou dzil foi tambem a primeira denomina~ao da cruz e é o deus do raio, do trovao e dos temporaes.
como por sua vez a cruz era a representa<¿ao da divin-
As vezes, de Tizil, nota-se apenas a contrac~ao tl que
dade suprema, segue-se que o no1ne de Deus entre ~s
figura entao como raiz em muitas palavras originarias
homens prehistoricos,. era T·izil. (73)
talvez da Atlantida e dos povos que lhe continuararrt
Por outro lado, verifica-se que a raíz tz ou ts faz
a civilizagao, taes como os aztecas do Mexico e os tol-
parte de vocabulos que significam deus, luz, estrella, tecas .
sol, cruz, fogo, dia e claridade em muitos dialectos ame•
ricanos e especialmente brasilicos, e ainda mais, essa A raíz tl apparece nos vocabulos Atlantida, Atlas
mesma raiz, em natureza ou modificada, se encontra em e Quatze~oatl, no1ne de um deus da. mythologia mexi-
vocabulos do velho continente, vocabulos que possuem cana .
mais ou menos a mesma significa~ao. Em primeiro lu- Tzil decompóe-se mais tarde em ti e zil, transforma-
gar convem citar a palavra hebraica Tzedek, estrella. se em Té, que no velho mundo é mudado em Téo~ Deus.
O signo phenicio identico ao que hoje denomin,a-se Dzi, que é a mesma onomatopaica Tzil, altera-se em
cruz papal, tinha o som ts. Dzeus, que dá origem a Zeus, o Jupiter grego, o qual dá
origem á palavra deus. ,
(73) Deus, no dialecto canamaré é, gamatscky, em
culjno é dz, em ca'rajá é tschucurumach, em .zapára é puetzo; O elemento Te se encontra -tambem na Escandina-
diabo em carapana é sitzama; luz em cauxana é cabuchiazi, via, onde se ve Thor que, como Téo, como Zeus., co~o
en1 tapuyo é zugwa e iichotzo; estrella em macusi é tschloco,
em· canamiri é tschy-tchy, em manate é iptze, em culino é Tupan, é divindade do raio e· dos temporaes.
wizi, em uainamá é hupuitschi, em miranha é ickotzo; cruz Tambem derivados do mesmo vocabulo, embora já
em macusi é utschi, em canamiry é eschüi, em culino é
witas, chi, em manaté cotzatzo, em tapuyo tschahi; fogo em muito modificados, sao os nomes grego-latinos, Jupiter
canamiri, é tschu, em eaninana é tisianá, em banina ,é tdje, e Yupiter, nomes que na Italia antiga serviram para
em cocamo é tseeke; sol em cocamo é tshi, etc.
Co~ultar a respeito o vocabul~rio indig-ena. de Martiui;. designar o deus tonitroante do raio, o fulminador dos
homens.
' ,
Pelo menos, nesses vocabulos, notam-se as raizes iu Diz o marquez de Vougué que toda divindade semi-
e té, sendo a primeira uma contrac~ao d.e ilú. Ainda de· tica se desdobra. Aliás esse facto é peculiar aos povos
rivada de ti, é a divindade brasilica Jacy ou Yacy, a lua da antiguidade. O Egypto apresenta nos seus deuses
- a senhora da luz - ; aquí, como se ve, o ti f oi trans- o typo desses desdobramentos, os quaes se notam num
formado em cy. grau muito accentuado e1n nossa divindade Tzil.
A partícula zil contrae-se ainda com o signo mú, , Este encerra em si o bem e o mal. Quando repre-
formando ilú, designando ainda a luz, ou um simples senta a luz benefica do sol que enche de ouro os cam-
feixe de luz. Ilú apparece na Gallia prehistorica sob .a pos e faz amarellecerem os fructos; ou a luz doce do
,forma da divindade Lú. Simpli~ica-se ero Il e géra na luar que transforma em espelho a superficie lisa dos
Chaldéa e em Israel os vocabulos El, Elle e Eloim, nomes lagos, Tzil é Ilú, figurado num simples feixe . de luz.
da divindade suprema. Como al, apparece ero Ninive • Quando Tzil irritado faz ribombar o trovao, em. es-
no idolo Baal. Em Babylonia nota-se .el em Bello e tampidos que ecoam com fragor da serra á montanha,
Babel; el apparece ainda entre as divindades sabeanas. da montanha á planicie e da planicie ao fundo das ra-
De relance anotamos a igualdade de nomes entre as di- vinas, das grotas e das cavernas; quando com o seu
vindades brasilicas e a desse mysterioso povo sabeano pulso de fogo ergue as co"rtinas de nuvens e mostra o
que deve ter sido um dos intermediarios entre as citi- clarao avermelhado dos relampagos; quando, destrui-
liza~oes prehistoricas do occidente e do oriente. dor, risca no espa~o o sulco zig-zagante do raio que ful-
O elemento il, que apparece no velho continente mina os homens, os animaes e as arvores ; quando faz
designando divindades da luz, encontra-se tambe~ no encapellar o oceano em ondas furibundas e enchendo
BTasil prehistorico na propria palavra Brasil. a noite com o larnentár profundo das vagas e dos abys-
mos desel?-cadeia o furacao e solta os ventos doidejan-
De tudo isso que acabamos de expor se comprehen-
tes, entao Tzil é Tupan. É ainda Mú quando se mos-
·de o papel fundamental de Tzil o-q. Dzil. O facto dos
tra sob a foTma dagua, ~m mares, rios e lagos ou sob a
desdobramentos e modifica~oes na palavra, no vocabulo,
fórma da chuva - a agua do céo.
é correlativo nao somente ao po~er funccional da divin-
dade e ao proprio desdobramento da mesma em multi- Os missionarios e primeiros chronistas de nossa terra
na crenga e no temor das theorias christas, vendo em
'
plas pessoas, mas ainda ao desdobramento do signo que
a representa em outros signos que significam outros deu- tudo que dizia respeito á religiao dos indios obras ou
ses, que afinal se fundem no primitivo deus. cousas de Satanaz, quasi que nao se occuparam dos deu-
,.
ses brasilicos, ou apenas falaram de léve, ás pressas, com A cruz deu origem a outros signos que se transfor-
receio, como quem nao deseja se aventurar por um mau n1ar am em lettra.s, taes como T e, X.
caminho ou abordar sacrilego assumpto.
Os escriptores qu~ se succederam, limitarani-se a
repetir o pouco que o? j esuitas haviam colhido, e com
as idéas entao dominantes, que os nossos ~borig·enes
eram homens primitivos que tinham parado na primeira
etapa da civiliza~ao, ou antes hómens que nao possuiam
um passado. historico, descuidaram-se de fazer um es.tu- N~ 7 N! 8
do philosophico e critico sobre a sua r eligiao, de modo
q~e quasi nada nos ficou ,da mythologia brasileira.
Incluimos estes quatro signos, representando angu-
los, numa só significa~ao.
Sao figuras do feixe de luz e portanto· representam
·cruz, dissemos, é a imagem da luz, e a luz é
.A a.
a di vindade .
essencia da divindade. Acabamos de ver que a cruz é a principal divindade
e que contem em si todas as divindades da 'luz, divin-
Logo podemos estabelecer a seguinte fórmula:
dades boas, como · a luz do sol ou outros astros e dívin-
Divindade = Luz. Luz = Cruz. dades do mal como o raio e o trovao.
. Os signaes acima, representam a divindade do bem,
O 'valor graphico ,.da cr~z, na escripta prehist~rica,
a parte boa de Tizil. .A.qui chamam-se simplesmente Ilú.
era puramente mnemonico. Fitando esse signo, toda urna
. ' . ~s angulos sao mais abertos, mais ou menos longos.
serie de factos era . invocada, desenvolvida no espirito
do homem ante-diluviano. A idéa de Tizi1 arrastava ao ~s r a1os ou podem partir do f óco representado pelo ver-
mysticismo. Todo um thema divino desdobrava-se no tice .ºu podem, como nos sig~os numeros 7 e 8, um raio
espirito; depois passava-se para outro thema humano partir doutro raio luminoso .
'
ou entao descia-se a cousas. E assim se explica como .Como se verifica em o quadro das analogías, os pre-
urna simples cruz gravada num rochedo podia encerrar sentes signos encontram identicos ou semelhantes em
em si toda urna historia. todas as outras regioes, incluindo a da Grecia e da Phe-
' - l. Pft&HISTORICA
134 ALFREDO B&ANDÁO A EscRIPTA PREH1sTo.a1cA Do BRASIL - 135
n1c1a, onde formam caracteres alphabeticos e por con- acceitar-se o signo prehistorico em questao como o ante-
seguinte representam sons de letras. passado do nosso actual L.
Nes8a ordem de idéas, constata-se que os nossos si- Diremos logo de com~ que, de nossos estudos a res-
gnos correspondem, graphicamente, á iod do phenicio e peito, concluimos que elle corresponde phoneticamente ao
do hebraico primitivo, pois· a semelhanc:;a é flagrante. som ilan, som que se decompoe em il e an. Il é uma sim-
Em seu valor mnemonico, elles desenvoiviam un1 plifica~ao de ilú, luz, e an ou pan é a onomatopaica do
thema de luz, creac;ao do mundo, Deus de bondade, bon- trováo. Graphicamente, o signo é a imagem ou a picto-
dade das cr.e aturas e por generaliza~ao - bom tempo, gravura do relampago ou do raio. Literalmente seria
boas colheitas, felicidades. luz do trovao. Como luz e trovao eram divindades, esse
signo serviu para desigual-as.
Foi Tuplan entre os atlantes, foi Tupan entre os
nossos aborígenes, foi Il e Elle entre os hebraicos e pal-
myrianos. Na escripta deste ultimo povo o signo ainda
conserva a significa~ao de Deus.
/
É um. signo muito primitivo no Brasil. Como tere-
mos de ver, elle, representando T'l'1pan, modifica-se, agglo~
mera-se com o correr dos tempos. Nós o encontramos
isolado num rochedo nas cabeceiras do Riacho Branco,
N~ 9 em Vic;osa, Alagoas. A pparece nas inscrip~óes do Pa-
dTe Telles, nas de Marajó e outras. É signo mnemonico,
ideographico e representa tambem som, como· nas pala-
O nosso L latino corresponde ao lambda grego mo- vras Babal e Brasil.
derno, este corresponde ao lambda do grego archaico o No seu valor ideographico, tem a significa~ao de
' .
qual é ig"Q.al: sob o ponto de -yis_ta graphico, ao lamed Deus e divindades da luz, do relainpago e do trováo.
phenicio. Sendo a imagem do raio, representando o sulco luminoso
Os dois ultimos signos sao muito identicos ao nosso
I deste ao cortar as nuvens, é por excellencia o seu signi-
signo prehistorico que encima o presente paragrapho, o ficado. Por extensao significa ainda senhor, for<;a, po-
qual tem ainda similares no lamed do hebraico e do pal- derio. No valor mnemonico lembra casos de fulmin~iio,
myriano, pelo que achamos nio haver repugnancia em tempestades, trovoadas, morte, desgra~a, amea~a, etc.
136 ALFREDO BRANDÁÓ A ESCRIPTA PREHISTORICA DO BRASIL 137
Confunde-se, ás vezes, na graphia, na . phonetica e na forºa vital, ao principio que produz e entretem a
significa~ao com o signo mbú, cobra. Relaciona-se com vida. (74)
o signo zig, do qual nao é mais do que urna modifica~ao. Dá tambem, como ilan e como mbú, uma idéa de
Combina-se com outros signos para formar agglomera- poderio e grandeza. Lembra o deus fulminador, o
dos, mudando ás vezes de significa~ao. demonio, a forºa destruidora. Sob o ponto de vista
Como vimos no come<¿o deste paragrapho, elle evo- mnemonico, recorda ou desenvolve themas de destrui-
lue até a nossa lettra L. <_;ao, vendavaes, temporaes, · etc.
Este signo evoluiu de mnemonico e ideographico a
phonetico.
Apparece no systema arameu formando o zain,
. ,. apparece no iberico formando o dz. O som z ou dz vem
da onamatopéa dzil.
O signo n. 10 foi o antepassado da nossa letra Z. ( 74) N áo sabemos se a swastika, ou cruz gammé dos
f rancezes, (a ultima denomina~áo é devida ao facto della
Affecta estreitas rela~oes com o ilan de que acaba- possuir algo, na forma, da lettra gamma, grega) se acha na
mos de nos occupar. Rigorosamente é o mesmo signo, escripta prehistorica do Brasil. Náo a vimos nos desenhos
da lou~a de Marajó, onde se encontram· os mais variados
ligeiramente modificado e em posi~ao differente. É caracteres. O sabio Alexandre Bertrand, num extenso ca-
tambem a figura do raio ou relampago. pitulo de sua já citada obra, diz que a swastika representa
a roda do carro do sol e que se acha ligada a tradi~oes gaule-
Passou intacto da prehistoria aos nossos dias, com a zas e de outras partes do mundo sobre o culto do sol. "Em
pontos os mais· distantes e os mais diversos do mundo conhe-
mesma graphia e quasi com o mesmo som. Deriva-se cido dos antigos, na Asia Menor, na Grecia e· nas Ilhas
de tizil e assim significa tambero luz, mas luz de trovao, Hellenicas, em Chipre, em Rhodes, na Gallia, em Inglaterra,
portanto dá a mesma idéa de ilan. na Irlanda, no valle do Danubio, no Caucaso, na Ei;candinavia,
na India e até no Thibet, encontramos ainda esse signal
Como a luz do relampago oti do raio, é rapida, mo- gozando ou tendo gozado um papel symbolico importante" •
vel, instantanea, elle tem tambem um valor ideographico . ~as gravuras da mesma obra, se deprehende que elle já
ex1stia em Troy.a . Discordando das idéas de ser imagem do
de f or~a e movimento. carro do sol, aceitamos no entanto, as que o consideram
Agglomerando-se forma no yelho continente a swas- ligado ao culto do fogo e das divindades da luz. Nas figu-
ras humanas de Bertrand, ve-se a swastika no ponto occupado
tika (n. 10 A) e a idéa de for~a, neste caso, estende-se á pelo cora~o, indicando assim a for~ motora da vida.
.
138 ALFREDO BRANDÁO A ESCRIPTA PREmsTORICA DO BRASIL 139
' .
..
140 ALFREDO BRA NDAO A EscRIPTA PREHISTORICA Do BRASIL · 141
do imageus da divindade: urna columna seria o me- mos sentir a analogia existente, no aspecto geral doa
nhit·, a pedra bruta, o cháos, o deus rlesconhecido; duas riscos de pedra da Vi~osa e a escripta oghamica. (76)
columnas lembrariam um templo. Como nesta, a disposi~ao dos riscos, a rela9ao de· uns com
/
Acceitando algumas idéas desse engenhoso autor, no outros, o parallelismo ou a maior ou menor inclina~ao!
que diz respeito a outros signos, as regeitamos no caso a colloca9ao acima ou abaixo de um tra~o principal, o
em questao, achando-as ainda mais abstractas quando cruzamento e a maneira desse cruza.mento, podem expri-
elle affirma que um tra~o é um signo igual á nossa letra
N, e dois tra~os, outro signo, igual á letra ~. (76) O alphabeto oghamico ou das pedras de ogkam,
O menhir, como teremos de demonstrar, é realmen- . segundo uns, deriva-se de Ogmios, deus da mythologia celtica,
o q11al teria ensinado aos homens a arte de escrever. Na ses-
te a imagem da divindade, mas nada tem de commum sao realizada no dia 3 de J unho de 1872, no Instituto Anthro-
com o risco de pedra. Este, a uosso ver seria a iina- pologico da Gra-Bretanha, Holder deu noticias dessas ins-
crip~oes que se encontram principalmente na Escocia e na
gem, a gravura do obelisco, o qual, por sua vez é a re- Irlanda. · Era a escripta nacional dos gaulezes. E formada
presenta~ao do raio de luz. de tra~os perpendiculares e obliquos collocados acima ou
abaixo de urna linha ou cruzando-a. Tal systema de escri-
Os riscos de pedra constituiram um dos systemas pta perdurou na Inglate1·ra e na Bretanha, até o V ou VI
seculo depois de Christo. O valor das letras já está expli-
graphicos mais antigos; succederam ao cyclo mnemonico cado. Tem-se encontrado inuitas lapides de tumulos com
calculiforme do muyrakyta. (75) · caracteres latinos e oghamicos. O alphabeto oghamico consta
de vinte signos divididos em quatro grupos. como se ve na
Primitivamente o seu valor significativo seria iden- seguinte gravura:
tico aos dos signos 5, 6, 7 e 8 e nestas condi9óes seriam
tam~em os avoengos do nosso I latino. b ·l " ~
Parece que mesmo nos tempos prehistoricos elle deu 1111111111 llllf ·k d t e q
' origem a um outro syst~ma de escripta: o oghamico. de
fundo commum, mas já tendendo a s~ diferen~ar. A O V e U
..
Em urna nossa men1oria apresentada aó Instituto ' n1u 1111 11111 '
Archeologico e Geographico Alagoano, em 1910, já fize- No que diz l'espeito á forma, pensaram que os caracteres
se originavam de ramos dispostos de distinctas maneiras.
Sobre o alphato oghamico, podem-se consultar el}tre outras
(75) Um systema mais ou menos identico ao dos riscos obras as seguihtes: - Enciclopedia Espassa, artigo ogkam;
de pedra ainda existe hoje entre os nossos homens do campo Arbois de J oinville - L'alpkabet irlandez primitif et le dieu
- é o systema de entalhes nos troncos de arvores para indi- Ogmios (1881); Fergusson - Ogkam inscriptions in Irland
carem a direc~ao nas florestas. - Edinburg, 1887. .
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142 ALFREDO BRANDAO A EscRIPTA PREHISTORICA Do BRASIL 143
mir varias idéas, varios themas que o estudo minuciosC\ Remont.am a uma alta antigmdade e. apparecem
da mnemonica poderá um dia resolver. ora apenas esbo~ados os seus contornos, ora cavados na
Os lithoglyphos copiados por Martius na serra do superficie dos rochedos.Neste ultimo caso, a escavac;áo
Anastacio, na Babia, m.ostram um grau de parentesco varia de tres centimetros de profundidade a uma ligeira
notavel com os caracteres oghamicos. depressao, sendo porém, escavac;ao e depressao, lisas,
Lembramos que na escripta nábatheana, os trac;os dando ao tacto uma sensa~áo de maciez. Vimos estes
serviam para designar numeros. signos á margem do Riachao e em rochedos do leito do
Urna conclusao que tiramos do estudo acurado de· Parahyba, em Vi~osa de Alagoas. .
algumas figuras prehistoricas, é que os riscos ou tragos
Joáo Severiano descreve signos mais ou menos iden-
tinham um valor ideographico de gra~as ou favores.
ticos no Rio :Madeira. Sao depressoes ovaes, ellypticas
Realmente, sendo signos figurativos, sendo imagem do
ou periformes. Todos sao semelhantes aos caracteres
raio de luz, e por sua vez este representando urna grac;a
da Gavea, no Rio de Janeiro. Apparecem iguaes ou
da divindade ao homem, comprehende-se a logica do que
modificados nas inscripc;óes do Padre Telles e na lou9a
adeantamos. Por extensao significam, tambero, louvores.
de Maraj6. F6ra do Brasil, sáo encontrados entre os
Deduz-se esta ultima interpreta~ao do seguinte facto: o
signos sabeanos e nos monument<>S megalithicos de
homem prehistorico recebia a luz como um dom da di-
Fran~.
vindade e para se tornar grato á mesma, bajulava-a,
Representam figuras de pedras roladas e polidas
accendendo fogos e fogueiras de sacrificios, isto é, retri-
pela ac~o das aguas.
buindo-lhe a luz astral, que recebiam, com a luz de que
É possivel que, · primitivamente, taes pedras tives-
dispunham. Portanto, accender o fogo do holocausto
sem servido de symbolos e de elementos da escripta cal-
era. louvar a divindade. D 'abi a extensio do signo.
culiforme mnemonica, symbolos que eram imagens da
divindade e que depois foram gravados.
O culto da pedra era .generalizac!o em todo o mun-
do. anti-diluviano.
·· ...:: No bello comec;o do capitulo sobre a litholatria, em
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144 ALFREDO BRANDÁO A EscRIP TA PREHISTORIC.A oo BRASIL 145
lia ou na Grecia como no Mexico, entre os Assyrios e ca, a fagulha, o f ogo, a luz, portanto a pedra era a ha-
os Gaulezes como nos gelos da Siberia, na J udéa tanto bita<_;ao, a morada, a geradora, a mae de Tizil, o deus
como na Oceania ou na Africa, em todas as regióes da supremo, a principal divindade que em si encerra as
terra e desde a mais alta antiguidade, o mundo mineral outras di_vindades, o principio da vida, a alma do mundo.
tem sido misturado a todas as creni;as e a todas as litur- •
O proprio vocabulo brasilico ita já dá a entender
gias. Elle tem f ornecido ornamentos e amuletos ao
0 seu principio divino. Ita, é uma palavra da lingua
homem quaternario, armas aos demonios do raio, mora-
geral com a qual os indios designavam a pedra, segun-
das e fórmas aos espiritos e aos deuses, emblemas aos
do pensamos, porém, é apenas a termina~ao do vocabulo
sexos e aos astros, balisas á memoria. A maior parte
beita, o. qual dá urna idéa mais compieta da signifi-
dos grupos humanos, em datas desconhecidas e diversas,
ca<;ao.
atravessaram um periodo em que o culto das pedras -
Beita, rigorosamente falando, é casa, residencia da
seixos rolados, montanhas, rochedos, cavernas, vulcoes,
luz e do fogo. Tal palavra deeompoe-se em be e ita:
metaes - tem por assim dizer occupado o primeiro
bé é um som onomatopaico - é o ruido da pedra que
lugar."
se choca de encontro a outra pedra, é por assim dizer
Mas o illustre escriptor francez nao nos dá u:n:ia a voz da pedra se nomeando. A termina<;ao ita, por sua
explicac;ao complexa, acceitavel, sobre a causa, sobre o vez, ·decompoe-se em i, que é urna articula<;ao e urna abre-
porque da litholatria. Attribue ess~ facto á seduc<;ao viatura de il' luz, e ta (que formou o tatá, fogo dos nos-
.
da f.6rma e da cor, ao · medo e ao mysterio que certos sos indigenas) que nao é m~is do que outro som onoma-
rochedos podem inspirar pelo sen aspecto ou collocac;ao, topaico - o ruido, o estalido, o crepitar da chamma.
ao temor que a pedra produzia, ·visto ser entao o elemen-
Em synthese : a pedra foi · divinizada porque con-
to primordial _de instrumentos de morte, taes como a
tinha em si luz e f ogo, porque era considerada a máe,
acha e a ponta de flecha . .
a geradora das principaes divindades.. (77)
Lembra ainda o facto dos meteoritos, das pedras ca-
bidas do céo. Este ultin10 argumento é muito razoavel : ( 77) Os nossos primeiros ~hron~stas do .Brasil ~izem
se pedras vinham do céo, logo deveriam possuir alguma que os indios produziam f ogo pelo atrito de do1s pedac1nhos
de pau - um despontado, de madeira dura, o outro fragil,
,· cousa de natureza divina. Tal argumento porém nao é leve bem seco; fazendo voltear a ponta do primeiro sobre
o principal . o ~~gundo, rapidamente, o pau seco acabava incendiando-se.
Esse modo, real, náo ha duvida, muito commum entre alguns
A nosso ver, a causa da diviniza<;ao da pedra pode poYos primitivos, nao era, no entanto, usado pelas na~oes
ser encontrada no seguinte facto: da pedra sahe a fais- brasilicas. E'stas tinham o fogo ferindo urna pedra sobre
outra, modo que nos parece mais primitivo. Ainda hoje, nas
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•
146 A L F RED o B-R A N D Á o A EscRIPTA PREHISTORIOA no BRASIL 147
Foram preferidas para a diviniza~ao as pedras que deusa do fogo entre os latinos, Hephaisto e Prometheus,
tinham as fórmas ellypsoide, ovoide e amygdaloide, por- deuses ou semi-deuses do fogo ou ligados ao fogo.
que estes solidos geometricos affectam mais ou menos Na diviniza<;ao da pedra, como já fizemos sentir,
o aspectos da lingua de f ogo, da chama. temos a considerar dois cyclos correspondentes a duas
Pedras nessas condi~oes sao ·muito disseminadas por épocas : o cyclo de beita ou ita, isto é, o cyclo da pedra
toda parte - nos rios, nos mares, sao pedras roladas naturalmente polida pela ac<;ao das aguas e o cyclo
pela ac~ao das aguas. Nos campos tambero se encon- rnuy1·akyt~, ou da pedra polida pela ac~ao do hom~m.
tram essas fórmas amygdaloides de diversos tamanhos Estes dois cyclos parecem ter obedecido a un1a ordem
muito lisas, muito polidas; parece que sao os taes blocos chronologica, mas nao nos sen,do possivel em nossa ex-
erradios, transportados á distancia pelas aguas diluvia- posigao. seguir essa ordem, visto como a explica~ao de
nas de. éras geologicas primitivas. (78) um signo depende da interpreta~ao de outro (isto 1:1a
maioria dos casos), resolvemos entao seguir a subordi-
iNota-se agora que as raizes it e bé, no vocabulo
na~áo, nao despresando, porém, no texto ou em notas,
brasilico rita ou beita, sao encontradas em muitos voca-
os detalhes concernentes á antiguidade, aos cyclos, etc.
bulos do velho mundo, significando ora p'edra, ora f ogo,
ora divindades do fogo : no Grego tem-se lithos, pedra; Os signos beite ou ita, graphados como ellypses ou
no hebraico e no phenicio betkylo ou bithylo; no latim fórmas ov~es, nao passaram n~ Brasil prehistorico de
pelrum, pedra; no sumeriano ot, pedra; no babylonico signos mnemonicos ou ideographicos. Em co~pensa<;ao
bitú~ casa, terra e portanto pedra, e ainda ternos Vesta, . deram orig~em a muitos derivados graphicos os quaes,
por sua vez, transformaram-se em letras alphabeticas,
mattas e sertOes, os descendentes dos indios usam o binga, como teremos de ver em outros paragraphos.
a pederneira e o fuzil. Este é urna lamina de a~o e o binga Esses signos desenvolvem themas de crea:<;ao, ·pro-
é urna ponta de chifre de boi cheia de algodáo. ·
duc~ao, gera~ao, maternidade, origem da, divindade,
(78) Estas considera~oes que fizemos acima, nos vem
trazer tambem muita luz sobre o papel de alguns monumen- origem da luz, do fogo, do calor e do homem. Adivinha-
tos prehistoricos q~e se encontram por todo o mundo. Que- se nelles um thema geral cosmogonico. Os signos de
remos falar dos dolmens e dos menhirs, os quaes, conforme
se pode verificar, sáo construidos muitas vezes de pedras beita, como. se verá mai& tarde, ligam-se ou identificam-
amygdaloides. Em diversos dolmens de Fran~, as mezas se com o signo do ovo gerador, com o germen de mbú,
sao formadas por bellos monolithos que representam peras_ a grand.e serpente do espa<;o.
de pedra. A mesma particularidade ... observamos nos dois
dolmens que tivemos occasiio de ver em Vi~osa, no Estado
de Alagoas. Os alinhamentos dos menhirs de Carnach na
Bretanha, sáo tambero de pedras amygdaloides.
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10 - lt, PlllllBll1'0alCA
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150 ALFREDO BRANDÁO A EscRIPTA PREHISTORICA no BRASIL 151
Era portanto urna das fornias ou imagens da di- Aos primeiros chronistas de nossa terra, chamou logo
vindade suprema. Representavam-na, ora sob a forma a atten~ao o facto dos indios usarem esse adorno no
de amuleto talhado em pedra verde, ora gravado ou pin~ labio inferior. (80)
tado nos rochedos e na lou~a de Marajó. Como amule- Pero Vaz de Caminha., escriváo da armada de Pe-
to, passou mais tarde a elemento da escripta calcitlifor- dro Alvares Cabral, foi o primeiro a mencional-o, na
me, e nossos indios o designavam com o nome de .tembe- celebre carta enviada a el-rei D. Manoel.
tá ou muyrakyta.
Mais tarde, occupararn-se delle os historiadores Da-
Se bem que a ultima palavra pode ser tomada num miao de Goes, Gandavo, Leri, ·I ves d 'Evreux, o Padre
sentido geral, significando todos os amuletos de pedras Simao de Vasconcellos e outros.
polidas pela mao do homem, principalmente pedras ver-
des, ha urna distin~'<;ao a fazer entre tembetá e muyra- '
.f}amma e portanto á inflammacao. Ita, lembra lithos, pedra
kyta. O primeiro era urna imagem modüicada de Tizil em grego.
e o segundo a imagem de uma divindade feminina, da Diversos lithos, conforme os hymnos orphicos, eram em-
pregados como amuletos curativos: o crystal, que produzia
qual teremos de nos occupar adeante. a flamma, curava as dores dos ríns, a galalite, semelhante
A palavra tembetá, primitivamente, talvez fosse ao leíte, augmentava este nas máes, a ostrite, manchada
como a pelle das cobras, era remedio contr~ veneno destas.
temubeitá (te - deus, mú - o abysmo do espa~o ou do
(80) Os indios do Brasil usavam o tembetá, em regra
mar, beita - pedra; portanto a tradu~áo literal será - geral, enfiado no beico inferior. Os portuguezes ao verem
deus do mar feito de pedra). tal anomalia, julgaram que os indios · eram a mais baixa
expressáo da intellectualidade. Os europeus acharam que
Como já dissemos~ o tembetá era um amuleto feito usar um botoque no labio era o cumulo da estupidez. Os
missionarios e os jesuitas nao se deram ªº trabalho de in-
de pedra verde ou nephrite. (79) vestigar o porque daquillo que julg.avam aberra~áo. Limi-
taram-se apenas a registrar o facto com despreso. No
entanto, um inquerito philosophico descubriría no temb.e tá
(79) Porque os geologos dio o nome de nephrite á nao um esquesito objecto de esquesito adorno, mas um objecto
jadeite? A palavra nephrite, em linguagem medica, signi· 'religioso, um amuleto divino ao qual, pela sua hierarchia,
fica inflamma~o dos rins. Vem do grego ne.phri8, rim e ite, pela sua importancia, míster se fazia alojal-o na parte mais
inflamma~o. Á primeira vista a rela~ao entre nephrite nobre do corpo, nos labios. É nos labios que se dá a con-
molestia e nephrite pedra, parece muito distanciada. Mas, sagracao do beijo - urna das expressoes de amor, amisade
j á náo falando no caso de quererem achar urna possivel ou profundo respeito. O noivo beija a noiva, a . máe beija
semelhan~a entre a pedra em questáo e os calculos vesicaes a fronte da filha, o cenobita e o crente beijam os pés cha-
e i·enaes, já nio falando' no emprego que os antigos davam gados da santa imagem de J esus, a crian~ leva aos labios
ás pedras verdes - remedio contra as molestias dos rins, tudo o que lhe agrada; o indio enfiava no bei~o o symbolo
nota-se o parentesco entre ite, inflamma~áo, e ita, pedra do seu Deus. N áo fazia mais do que realizar um sentimento
Ita, termina~io de beita, era luz e fogo. O fogo liga-se A innato na especie humana.
. '
si9ao da divindade-symbolica para divindade anthropo- ser a mesma Tanit dos carthaginezes, a mesma Éa dos
morphica. (82) acadianos.
No velho mundo, o amuleto desappa-rece e apenas. Estes dois ultimos nomes parecem derivados. de vo·
se eneontra o signal graphico. Vemol-o na antiga Ba- cabulos brasilicos : Tanit lembra a divindade Tupan e
bylonia (entre os sumeres), no povo sabeano, entre os quanto a Éa julgamos ser a mesma Iá, a nossa divindade
monumentos megalithicos de Fran<}a, na Etruria, em das aguas, Y ara, de que nos_occupamos ha pouco.
Creta, na Grecia antiga e sobretudo na Phenicia. ( 83)
· Seja porém Astartéa, Istar, Géa, Tanit, Éa, I~, Yara,
Neste ultimo paiz, o signo se mostra em tudo que tero
J acy, o certo é que o amuleto e depois o ·signo, no Bra·
rela~B;o coro o culto de Astartéa ·- nas pilastras, nos
. sil e no velho mundo, serviram para desigJ~ar urna divin.
monumentos e nos templos consagrados á deusa.
dade feminina e poderosa - a esposa, a mulher do deus
Ainda na Phenicia, é commum nas galéras e embar-
principal que, de accordo com as idéas do tempo podia
ca<;oes, o que parece demonstrar que a deusa represen-
se fundir no mesn10 deus, formando . urna só pessoa.
tada pelo seu sy~bolo, era a deusa dos abysmos e do mar,
Por outro lado, · verifica.se na tábua da theoria de
a protectora dos navegantes. Astartéa pareée a fusij,o
Rouge (ver Clodd, obra já citad~, pg. 141) que o nosso
das divindades babylonicas Istar, densa d<?s abys:nios, e
signo 23 tem o mesmo valor da cruz anular a qual, n:o
Géa ou Ge,. a deusa da terra o~ ~ propria terra ; deve
grego arcbaico representa 'a letra théta? isto é o. tk latino.
No italiano antigo a cruz an-ular tambero figura o tk. ,
(82) Uma das provas de que os desenhos da lou~a de
Marajó nao sao tra~s vagos, sem significa~áo, .é o facto 'das Ppde parecer um pouco mais dífficil a transforma.
figuras anthropomorphicas serem sempre . formada~ (pe~o 1 gao de muyrakyta em tkéta, entretanto attendendo-se ás
menos em súas part~s cessenciaes) por ·signos que, ·cons}- "
c.onsidera~oes que vamos fazer julgamos que as co.mpli-
deramos representa~áo da divindade. Acreditamos serrqos nos ·
os primeiros · a ·m~cioJ?-ar este fa:tó i~tenc.iolial d.os nossos : cagoes desapar~cerao. Urna das f~r.inas de beita ou ita
·primitivos. Em taes figuras s.e ve o signo T . servindo para era tambem ·a circular, lelllbrando a p~dra ~olada. A
~ormar . a sáliencia . nazal e as li~h~s ·superciliares; . a crui
col1ocada na fronte ou no lugar do cora~áo e o ma1s como figura de ita pérfurada no centro, isto é, o circulo co:n-
dissemos ,acim.a~ · Notaremos de relance que a ' m-esma sin- centrico, portantQ o muyrak)rta, dá a idéa de feminili-
gularidade de se fazer ·repre_sentar em figuras ou imagens ,
por meio de symbolos sagrados, se observa entre os des~ dade .e ainda a -de copula, e f-µ~ao com outro elemento.
nhos representativos de homens e mulheres, .de Babylon1~ 'Dá a idéa da ac~ao, da for~a do elemento masculino so-
e da , Phenicia.
(83) O signo é muito commum tambem nas ruina~ das bre o feminino. É a divindade te que actua sobre a di-
antigas civiliza9oes do Mexieo. O amuleto de pedra verde vindade muyrakyta, aqui tomada no sentido de ita, que
se encontrou na e.statua de Qualtzacuolt, tudo parecendo mos-
trar que amuleto e signo vem das civiliza~óes da Atlantida. como vimos, deu origem a eta. Portanto o signo é um
158 ALFREDO BRANDÁO A EscRIPTA PREHISTORICA DO BRASIL 159
agglomerado de dois elementos que se contraem ou se Nota-se aqui a relac;8.o intima entre a graphia e a
fundem. Pronunciados juntamente formam teta cuja phonologia, entre a figura e a designac;ao vocal : T é
expressao graphica é a expressao de fusáo. mais 1ta, ou Éta, igual a Theta.
Veremos adeante que essas fusoes de symbolos de di- Deveriamos estudar estes signos entre os agglome-
vindades e de signos sáo muito communs na prehistoria rados, porque de facto elles sao agglomerados, mas por
b'rasilica. amor ao methodo resolvemos tratar delles agora.
Conclusáo : o signo 23 foi a principio amuleto, re- O signo n. 0 25, é urna modificagáo graphica do n. 0
presentando uma divindade feminina; de amuleto pas- 24, e o n.0 26 é um theta duplo.
sou mais tarde a signo graphico e nestas condigóes evo- Já se ve que no velho continente, o 24·e o 25 evolui-
luiu no velho mundo até se tornar letra alphabetica - ram até representarem letras. O n.0 26 dá a idéa de
a letra theta, grega, que deu .origem ao nosso th. geminagáo. O thema é mais ou menos identico ao· dos
Sob o ponto de vista mnemonico, o muyrakyta de- signos anteriores, accrescentando ainda a idéa de plu-
senvolvía um thema de divindade feminina das aguas, ralidade.
de poderío, de terra, de luar, de adorac;ao, de agua, de
No Brasil prehistorico, conservaram todos os seus
chuva e protecc;ao. valores mnemonico e ideographico. Entretanto, em al-
gumas inscripgoes já mostram uma tendencia geral para
'
o phonetismo. O thema geral é o dos signos de ita.
J
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160 ALFREDO BRANDAO
.A. EscRIP~A PREHISTORICA no BRASIL 161
Esta no~ao se verifica a cada pass~ no estudo dos
O n.º 28 é tambem a imagem de ita. '\ E' a pedra
signos. .A.liás nao é sóniente nesse estudo que se teni
virgem que ainda nao foi fecundada. O 29, o 30 e o
not;ao deste conceito.
31, representam ita já fecundada e ao mesmo tempo sao
Em a narrativa biblica, o homem ' feito do. limo da
figuras elucidativas das pedras e dos cortes do terreno
terra é animado pelo .sopro de Deus, e na mythologia '
mostrando as diversas camadas e os veios.
·grega ha o caso de U ranus, ou antes o céo, a feéundar
O signo 31, na antiga Babylonia, significava terra
a terra, e ainda mais a lenda de Prometheu a ro-u,bar aos
e por extensao casa ou habita~ao (nesta ultima accep-
de uses o f ogo sagrado para dar for~a á argilla humáua.
c;ao tinha a designa~ao de bit'lÍ).
Portanto, esse mytho, que veio do mundo ante-di-
Parece que este signo, evoluindo, deu origem a
luviano, teve muito valor no mundo prehistorico e nao
· u1na das formas da lettra gam1na - a qual d:erivou-se
é de admirar que por detráz delle se occulte a verdade~· ·
de Gé, terra em grego, vocabulo, que,. por sua vez vem
nao só sobre a · origem do hornero como a da divindade·
da divind,ade babylonica Éa - a senhora da tet·ra e das
em ,geral. '.
aguas.
O signo acima é a expressao da fecundaQao, é a pie~
Gé é urna transforma<lao phonetica de bé (p~4ra
tographia dessa copula de urna energía divina e d~ pe-
e terra). Gé unida a I á f or.m a Géa ou Éa' o ' deus ou
dra. Parece que esta, sob a acc;ao fecundante, pass~va,. '
N!JO •
.-
Na paleographia grega, este signo se encontra si- A letra M tinha no grego o soro mú, e esse mesmo
gnificando a letra P. son1, entre os assyrios, era um syllabico. para designar
a agua. (84)
Que representará o· Pit Achamos que é a picto-
A idéa d 'agua entre os babylonios se divisa perfei-
graphia de urna habita~ao vazia, vazia de um corpo
tamente no signo que o designa: (n. 34-A) - o qual
material, mas habitado por um espirito. Essa idéa nos
Iembra o phenomeno da agua frisada pelo vento ou as
veiu de Vougüé, ao lermos a explica~ao que elle dá de
rugosidades que s-e observam na superficie de urna pe-
um certo monumento funerario identico.
quena corrente.
Ligando-se á. casa, residencia, liga-se á pedra. Este ultimo signo, por sua vez, lembra o signo do
Notamos que Pi lembra a palavra psychico, {!Ue si- 1nu grego, cuja expressiio graphica é quasi igual ao
gnifica alma. Nao é de admirar pois que o signo acima nosso M de imprensa.
tenha tal significa~ao. Por outro lado, o tridente (n. 33), o sceptro de
Neptuno, o deus grego do mar, é igual, na fórma, ao
nosso signo e delle parece derivar-se a letra grega.
Na propria palavra Neptuno, ve-se, embora alte-
rada, a raiz mú.
Entre os egypcios, a palavra mú ou nun significa-
va o abysmo. (35) Num ou nú é o mesm,'o que mú por-
que primitivamente · a letTa n ~zia parte ·integrante
·Nº JJ Nº J4 Nº 34 A de m ou existia em essencia no soro mú (isto é deduc-
O numero 34 é o mesmo 33, invertido. c.;ao nossa) .
A palavra abysmo, por suá vez, está ligada em sua
Para interpretal-os applicamós o nosso processo:
significa~ao a agua, profundidade, extensao, espac;o e
procuramos nos alphabetos historicos mais antigos os
vacuo. ./
signos que a elles mais se assemelham ·e os encontra- Como exp~icar esta relac;ao Y l\iuito simplesmente :
mos no phenicio e no hebraico primitivos, nos que de· o homem ante-diluviano tinha idéas adeantadas sobre
signam a letra M.
Isto já nos serve de primeiro guia. (84) Ver Bosan - Assyriologia - Milano, 1918, editor
Hoepli.
Ainda as razoes que vamos invocar muito esclare- ( 85) Primitivamente mú ou nú foi a divindade do mar
cem o ensaio de interpr,eta~áo. e dos abysmos.
A EscRIPTÁ PREHISTORICA DO BRASIL 165
164 ALFREDO BRANDÁO
meteorologia - para elle, agua, nuvem, relampago, raio, A lingua dos indigenas nao se havia modificado des-
espac;o, mar e céo tudo era manif esta~áo de um só ser de os tempos mais remotos da prehistoria até a descoberta
potente e universal. da America. O som mú designava agua e mar. Confor-
Do mar elevava-se o vapor d'agua, o vapor d'agua, me nota Ladislau Netto, mar, agua e rio eram denomina-
nas alturas, formava nuvens e estas produziam o re- dos pará, Porém pará já era urna corruptela de mará.
lampago, o trovao, o raio e a chuva, isto é, a agua que Quando os descobridores do Amazonas perguntaram
voltava para os rios e para o mar. Dessa. correlac;ao aos indios como se chamava o río, elles responderam que
de phenomenos, surgiu a correla<¿ao graphica e pho- o nome era Maranan. Ladislau Netto acha que elles de-
netica. viam ter dito Paranan e que os europeus entenderam Ma-
O som mú é onomatopaico da chuva. Prestando-se . ranan porque a pronuncia indigeria do m tinha algo de p·
atten~ao, no silencio da noite, ao ruido da chuva, á qué-
O que se deduz porém, o que parece mais racional é
da d 'agua sobre as arvores ou sobre o solo, e ao ruido que a designa~ao de agua, mar e rio' fosse mesmo Mará
.
da enxurrada, o som __que mais f ere o ouvido é o soro mú : e nao Pará. A termina~ao an - céo, deus, trovao - pos-
_é um mú prolongado - múú, úú. Portanto, o prehis- posta a mará, daria a significa~ao de agua do céo, río do
torico empregou a onomatopaica mú para designac;ao céo, allusao ao facto dorio ser form~do de chuva, portan-
da chuva. Depois este nome extendeu-se á agua em to d 'agua vinda do céo.
geral, aos abysmos, ao espru;o, ao mar e ás caudaes. Theodoro Sampaio, explicando o vocabulo Maraj6.
Na lingua dos indios do Brasil, entre outras pala- ~iz significar bra~o do mar. Ve-se, portanto, que primi~
vras contendo o soro mú e cuja significac;ao se acha re- t1vamente, entre os nossos indígenas, existiu o vocabulo
l~cionada coro a agua, lembramo-nos das seguintes :
mará,- o qual era quasi igual ao vocabulo europeu mar, no
caramurú, m.ururú, m:ussú, muréa ou moreia, motipiting,
latim mare, devendo todos se derivar do· termo ante-dilu-
etc. viano mura,. que nao é mais do_que urna · combina<;ao das.
A primeira palavra está ligada ao facto lendario de divindades mú e ra - mú, a agua, o espa<;o, ·e rá, o raio,
Diogo _Alves. Caram'u,rú, ,por alguns chronistas, ~oi tra- ~ .. por extensao a f or~a. ~
duzido por dragao do mar, e por outros "homem do fogo 1
Ainda entre os nossos indígenas, o rnú, perdendo o m,
vindo do mar." transforma-se mais tarde em ú.Esta termina<;ao dá parti-
O termo mururú, ainda hoje usado, significa ficar ·de
cularmente a idéa d'agua e especialmente a idéa de rio
molho, demorar dentro d 'agua; mussú é urna especie de '
como por exemplo, - Mundahú, rio dos mundéos · Paiehú
moreia a qual é urna especie de peixe em fórma de cobra. • ' J '
r10 do pagé ,; Anhangabaú., rio do feiticeiro, etc.
O vocabulo motipiting significa turvar a agua.
11 - &, Pll&IUSTOSIC-\
·,
..¡
l.
Sobejas sao as provas de que o prefixo 1nú e suas céo e o espaºo das aguas ou o mar. No sentido de espa-
alteraºoes ma, me, mi, m.o, indicavam agua. Baptista <_;o liga-se á extensao e á noite; no sentido d'agua liga-se
Gaetano, prefaciando a grammatica da lingua kariri, de a mar, á$ grandes e ás pequenas caudaes e ao~ lagos
Mamiani, estende-se sobre as diversas expressoes da pa- e lagoas. Unido ao signo 1·á ou ró, traz a idea de tem-
lavra agua nos dialectos indigenas; entre outros cita: pestades e furacoes ; lembra talvez os cataclysmas cos-
mugnon, mugnan, rnagnan. micos. U ~ido ao signo an, lembra phenomenos celestes.
Nós encontramos ainda na lingua geral: Massa- Posteriormente, quando as divindades se anthropo-
giteira, pantano; Maf;ayó ou Maceió, restingas alagadas. morphizaram, os signos em questao .figuram a mao.
A raiz ú, dando a idéa d'agua, apparece na Europa: Entre os aztecas, havia urna divindade chamada
' 1
entre outros, nos vocabulos hydro (hydru), pluvia, chu- "mao aben~oada" que prodigalizava chuva. Era repre-
va e no proprio vocabulo agua, no latim aqua. Na Assy- sentada, ora pelos signos acima, ora por urna mao huma-
rio, zunnú significava chuva, isto é, agua do céo, e apsú na. Entre os Kariris, ha o vocabulo mu9ambera, sig-
traduzia-se por oceano, profundidade. ( 86) nificando máo ou dedos de folhas. Em muitos monigo-
Precisamos ainda lembrar que, no hebraico, a letra tes do Brasil prehistorico, as maos tem apenas tres dedos.
M tem os sons de m1í, ma, me, mi e mo, derivando-se Deste facto, Hartt concluiu que os indios só sabiam con-
estes sons de espaºo . tar até tres. A explicaºªº porém, mais racional, é que
Concluindo : os signos 33 e -34 sao figurativos da agua elles empregavarn o signo divino para significar a mao.
-e da chuva. Primitivamente tinham a denominagao ono-_
matopaica de mú e foram os. antepassados da letra m ..
No Brasil prehistorico, o seu valor foi puramente
mnemonico e ideographico - serviram para desenvolver
themas marítimos, themas de enchentes, rios, aguaceiros,
chuvas diluviaes. Lembrava o espaºo - q espa~o do N~37 N ~ l8
, Sao todos variantes graphicas de mú, achando-se po-
(86) Vimos que a palavra mar, no latim mare, deriva-
se do vocabulo prehistorico mura, que nao é mais do que a rém, aqui, particularizados. Assim é que os numeros 35
combinacao de dois sons correspondendo a dois signos - mú e 36 representarn especialmente a chuva, da qual sao a
e rá. No assyrio vemos a termina~ao su, mar, que provavel-
mente foi a origem remota de sea, mar em inglez ;see, mar figura ou a imagem pictorica.
em allemao, oceano, grande mar, em portuguez. E tal vez O signo 37 é a figura da concavidade do espa~o ou
mesmo que as palavras Sakara, Ceará, e Ridigem - mara,
lembrando mar, a elle se liguem. do céo, é o abysmo do espa~o, assim como o 38 é o abysmo
•
168 ALFREDO BRANDAO A EscRIPTA PREHISTORICA Do BRASIL 169
das aguas do oceano. Por uma associa~ao de idéas o 37 mais ou menos a f órma do f ogo, isto é a fórma de
lembra ainda a noite. O 38, recordando um vaso, traz chamma, era de preferencia escolhida pelo primitivo
a idéa d 'agua e cousas liquidas. para symbolizar a divindade.
D 'ahí a di vinizac,;ao da fórma triangular. ( 87)
E' claro que tendo de nos occupar das imagen,s
pictoricas das pedras triangulares, comecemos por
falar do seu papel symbolieo nas edades prehistoricaá.
Emquanto as pedras que affectam as fórmas de
. '
ellypsoide e ovoide sao communs, como pedras roladas
Como estes signos se relacionam uns coro os outros
(87) Tratando da constitui~ao dos quatro elementos,
resolvemos estudal-os conjunctamente. Platáo assim se exprime: "Estes quatro corpos (fogo, agua,
Os dois primeiros representam signos graphicos e terra, ar) nascem dos triangulos - retangulos, isoceles e
escalenos. Sáo estes triangulos a origem das moleculas de
amuletos de pedra, imagens de divindades; neste ultimo todos os corpos. Quanto ao principio desses triangulos, só
) caso nao sao mais do que · modalidades de ita. Tem a Deus que está acima de nós, e entre os homens aquelles que
sao os amigos de Deus, o conhecem. A molecula do genero
forma de triangulos ou de pyramides, sendo uma in- terra tem a f órma oe cubo porque dos quatro corpos ella
vertida. é a mais movel (cada face de um cubo é formada de dois
triangulos retangulos isoceles) . A molecula do genero f ogo
A chamma, a lingua de fogo, pode nao somente affe- é a mais movel, a mais leve dos quatro elementos, teria a
ctar a fórma ovoide, a fórma de pera, a fórma de.ellypse, forma do menor e do mais agudo · de todos os solidos, que se
pode constituir com um triangulo por consequencia a de py-
mas ainda a f órma pyramidal. Isto pode-se verificar ramide triangular. A molecula do genero agua e a do genero
queimando ao abrigo do vento urna folha de papel. ar teriam a f órma, a primeira de um octaedro, a segunda do
icosaedro (todos esses dois, solidos geometricos regulares)
O proprio nome pyramide já indica sua origem. gosando de propriedades intermediarias". ·
Pyramide vem de pyra e pyra é f ogueira, é f ogo. Ver o trabalho de M: Rochas - La Pkysique et la Meca-
nique <;hez les grecs. - Revue Scientifique - 1.0 semestre
A fórma geometrica plana 'correspondente á pyra- de 18·82, Paris.
mide é o triangulo, do mesmo modo que o derivado Estas idéas de Platáo, parece que era111 hauridas em co-
geometrico solido do triangulo é a pyramide. ' nhecimentos geraes mais antigos; tem qualquer cousa de eso-
terico ou das sciencias magicas e mostram u:nia ponta do
Dá-se aqui o mesmo facto que já estudamos para o modo como comprehendiam as cousas do mundo. Tudo o que
ovoide ·e para a ellypse : o' homem prehistorico imagi- nos revela, mesmo escassamente, o modo de sentir e agir da
humanidade antiga, nos serve de auxilio para aprehender o
nava a divindade suprema na luz; a luz vinha do fogo fio da meada de sua escripta. As palavras de Platáo nos
e o f ogo vinha de pedra. Toda a pedra que affectava fazem ver a importancia que se dava á f órma triangular -
f órma divina.
'·
e polidas pela ac~ao das aguas das correntes maritimas Vimos que a lingua de fogo, a chamma, ás vezes
e dos rios, a f órma triangular plana e a f órma pyra- tem a fórma de triangulo e d 'ahi este ficou sendo a
midal sao raras, visto como a ac~ao das ondas tende imagem, a representa~ao graphica do fogo e, conforme
sempre a desfazer as arestas angulosas e transformal-as pensamos, teve tal symbolo a denomina~ao de Ta, pala.
em partes redondas. vl'a que é urna onomatopaica do crepitar da chamma e
Eis porque emquanto os amuletos de pedras de donde se deriva o Tatá, fogo dos nossos indígenas. '
fórmas arredondadas sao de origem natural, na maio- Como porém de imagem .do fogo passou tambem o
\
ria dos casos escolhidos entre as pedras roladas, os de signo triangulo a ser imagem do raio?
f órma triangular sao preparados pelos homens. ( 88) Simplesmente P.o r uma associaºªº de idéas - o
De symbolos divinos passaram a elementos da es- n~·ehistorico havia notado que o fogo do céo - o raio,
cripta calculiforme e depois a signos graphicos. Como o relampago - era identico ao fogo da terra, d 'ahi a
symbolos, variam de tamanho, desde a acha até o monu- lembran~a de represental-o tambem pelo triangulo e
mento pyramidal. dar-lhe a denominaºªº onomatopaica de ra, a qual nao
O segredo das pyramides do Egypto - monu- é mais do que urna modificaºªº da voz do trováo - ao, <
c;óes da povoac;ao da Bahia e mesmo em outras mais A divindade do trovao era a mesma do raio e do
antigas, como as do Padre Telles, o Rá já apparece relampago. O ruido do phenomeno deu a designa~ao
como elemento syllabico phonetico. onomatopaica.
Rá, no Brasil prehistorico, foi urna divindade de
A mesma particularidade Sl~ ve no . agglomerado
morte e destruic;ao. O triangulo foi a imagem da
que designa a palavra Bras·il.
morte: mesmo significando Tá, era um genio de des-
No sentido mnemonico, despertam á lembranc;a da . truic;ao. Os signos 41 e 42, a nosso ver representaram
divindade irritada, a lembran~a de justi~a divina, da tambem ·Tivpan, o deus dos temporaes, muito identico
colera celeste contra os homens, contra as cousas, con- ao Thór, escandinavo, ao Zeus grego, ao Jehováh bibli-
tra o mundo - fulmina~oes, .temporaes, furacoes, co e ao J upiter latino~ A ponta de setta, formada em
cataclysmas, terremotos. , triangulo, representa um signal de morte - é a mio
A nosso ver, os riscos de pedra compostos de linhas vingativa do deus, é a máo maldita, assim como o signo
simples quebradas e cruzadas, formando triangulos os da chuva representa a mao aben9oada; é o raio ful-
mais variados, sao agglomerados, sao id~pgraphias e minante, a arma toda poderosa do deus. Na louc:;a de
pictographias mnemonicas, lembrando os cataclysmas, Marafó, o triangulo apparece, ora servindo de peanha
os phenomenos terriveis diluviaes, qu·e durante um á cruz, ora emanando da extremidade de um bra~o
grande periodo de annos, e talvez de seculos, abalaram desta.
o mundo e muito especialmente o nosso paiz; taes ris- No velho continente, o triangulo evoluiu de signo
,
cos lembram as forc;as da natureza desencadead~ divino a signo mnemonico e ideographico e chegou até
soltas - as terras se abatendo sobre as aguas, as aguas caracter phonetico, letra. Deu mais origem a armas
rolando em cachoes sobre os abysmos, dos abysmos ir- de morte - ao machado, a pontas (Je setta e de lanc;a
rompendo o fogo que se continuava com o fogo cahido· e ao labryl ou dupla acha. O labryl ou bipenna, ou la-
do céo. Ao ribombar dos trovoes no espac;o, respon- branda, era o Rá, duplo, ta.l como se acha desenhado no
diam o éco e o atroar da terra que se desmoronava. signo 41. Figura aqui o fogo da terra e o· fogo. <lo
Tremendo espectaculo ! E tudo era obra da di- céo, formando os dois juntos urna . divindade terrivel.
vindade irritada, era obra desse deus fulminante, cuja Em Creta, symbolizava a divindade da destrui~ao.
voz, accesa em ira, pairava tronando sobre as cabe~as -Era feita de bronze e algumas vezes de ouro. O tem-
dos miseros humanos: - rá, ró, ra, rao, ·ao ! ... plo que guardava o labryl, templo cheio de meandros,
era chamado laby1'intho; ahi se encontrava tambem o
Minotauro - o touro divino.
''
O Rá, symbolo do raio, representa tambero a divin- bolo de Tupan, o deus .d as tormentas, e dos temporaes,
dade do sol, no Egypto. lembramos que a dupla acha representa dois triangulos
A acha dupla, segundo pensamos, deu origem á unidos pelos vertices. Portanto é Tá, o fogo da terra -e
letra A. (90) Rá, o· fogo do céo, duas divindades fundidas numa só.
Baseamos a nossa opiniao na similitude graphi- Phoneticamente, com urna simples mudan9a de vo-
ca em diversos paizes . gaes, formariam muitos· nomes e entre esses Turan que
Todas as formas do A guardam ainda algo da du- muito se parece com Tupan e Toré, vocabulo tupi que jul-
pla acha. Nao sao mais do que modifica~oes das picto- gamos ser urna divindade indigena. ( 91).
gravuras desse symbolo. No dialecto dos chavantes, conforme Martius, o tro-
..Pelo lado phonetico, ve-se que o· A fazia parte in- vao é.turunan, no machacali é tatinan, na macuni é teo·
tegrante do Rá onomatopaico, do qual destacou-se for- ptatinan e em botocudo é tarú. Ha muitas desigl1a~oes
mando a vogal. identicas que vem cada vez mais demonstrar a identifi-
Insistindo ainda sobre o facto de serem os· triangulos ca~ao de Tupan com o trovao, a deste com Rá, que, como
no Brasil o symbolo de urna divindade terrivel - o deus já demonstramos é figurado no triangulo.
da morte, da destrui~ao e da vingan~a, de serem os A acha encabada, que é mais ou menos o nosso signo
symbolos do fogo, do raio e do trovao, de serem o sym- 42 f ormou na Grecia o rho.
O signo t~·iangulo simples conserva-se ainda hoje na
(90) Sobre a origem graphica da letra A, estamos,
letra grega delta. No hebraico a letra D (daleth), sig-
pois, em desacordo com as idéas correntes dos autores moder- nifica porta e no grego o D equivale a mao. Neste ulti-
nos e antigos. "No hebraico, diz a Enciclopedia Espasa lll¡o, a origem do significado vem do hieroglypho egypcio
(vol. pag. 20), a palavra eleph é symbolo do boi, donde
deriva, segundo parece, o signo oPiginal ideographico, tosca- rnao que era <:> desenho dessa parte do corpo.
mente representativo da cabe~ desse ruminante. Em phe- Como já vimos, de accordo com as idéas dominantes
nicio apparece inclinada e na ·moderna escripta está inver-
tida. Os pés da lettra assignalam os chifres, o travessio nos tempos prehistoricos, o raio era a inao da divindade
prolongado marca as orelhas e o vertice forma a queixada. e, sendo a letra ·d.elta um triangulo,. é mais logico · de·
Em. syrio, além d~sta significacio tem a de elephante, o
que parece explicar a etymologia grega elephas. Plutarco
affirma que entre os egypcios representava a lbiJJ (ave sa- (91) Martius e Th. Sampaio dizem que toré significa
grada do Egypto), pela analogia com a f órma triangular flauta. A palavra qesigna tambem urna danca indigena.
da lettra A com o voo ou transmigracao das ditas aves". Achamos que a significa~io de flauta e dan~a é já abastar-
A essa semelhanca com a ave ou voo da ave, foi devida, tal- dada. Pelas duas raizes to e ré ve-se que o vocabulo pertence
vez, a idéa de Rouge, fazel-a originar-se da aguia. Nos a seres ou objectos divinos e isso em toda a prehistoria
hieroglyphos egypcios, realmente, o som A é represent~do por mundial, como por exempl!) em Thór, Turan, Tarantan (deus
urna aguia. do trovio na Gallia), Tarat, Totem, etc.
.,
.,
176 ALFREDO BRANDAO A EscRIPTA PREmsTORICA no BRASIL '177
rivar directamente sua fórma dos signos ante-diluvianos Achamos que elle é a fusáo de Tá e Rá, e tein a mes-
do que do hieroglypho egypcio. Assim, este originou-se ma significa~ao da dupla acha. Ficou sempre adstric-
das referidas idéas, mas já numa época em que a divin- to ao seu papel symbolico de amuleto graphico . .
dade se achava anthropomorphizada, pois a image~ pic- O numero 44 existe no Brasil prehistorico. É uma
torica em vez de ser a do triangulo é a da máo. Quanto modifica~ao
, do signo anterior, mas representa, especial-
ªº que diz respeito ªº som da letra, ve-se perfeitamente mente, os dois abysmos o ·do espa~o ou do céo e o
que elle vem do delta grego. O nosso D de imprensa nao das aguas ou da terra. É o symbolo do mundo ou do
.
universo.
é mais do que um triangulo, do qual um angulo f oi arre-
dondado.
Nº45 - . .
espac;o de um mez, isto é, o espac;o de tempo decorrido "Vi claramente visto o vivo lume
entre duas luas novas. Que a gente maritima tem por santo."
No Brasil, existem lenda.S sobre tochas ou globos ou qual, segundo uns, quando apparece durante as tempes-
bolas de fogo que apparecem nos ares. Nas regióes do tades significa bonanc;a, e segundo outros, traz sempre
norte, dizem ser almas penadas de individuos que em , infelicidade áquelles que o veem, d 'ahi a designac;ao da
vida tiveram amores illicitos - sao principalmente as palavra caipora para os individuos mal succedidos em
almas dos compadres e das comadres que no mundo se
.
seus negocios.
haviam juntado carnalmente. Já dissemos que em todas as lendas populares, em
Essas tochas ambulantes, que augmentam e dimi- todos os mythos, ha sempre um fundo de verdade, urna
nuem de intensidade, ás vezes lutam corpo a corpo, verdade mutilada, deformada.
' ' ' '
marram-se atracam-se, vendo-se sahirem chispas, fagu- ' Veremos que as nossas lendas brasilicas de caiporas,
' ' '
lhas, e ouvindo-se o ruido do choque. curi¿pyras e do fógo corredor, ligam-se por u111 la'.do á
Todas essas cousas horripilantes sao narradas de 1 '
12 - &, PUHlSTOaJC.l
. ,1·
~·
I
Gattefosse e Benoit, dizem que Ati{ene antes de ser pelos ramos lateraes, desenhou urna testa e f ormou um
~
da Grecia já era deusa da Atlantida,,: novo signo que passando á Grecia deu origam á deusa
l
da sabedoria sabida da cabe9a de Jupiter. Accrescen-
E nós dizemos : já era tambeníi deusa no Brasil
tando-se os dois círculos concentricos nos respectivos
prehisto~ico, e o que é mais import,&nte, o signo nos en-
lugares dos olhos, teve-se a A.thene de cara de coruja,
sina alguma cousa sobre as lendaf;:) de Minerva, a deusa
pela semelhan9a da cara da densa com ~ de~a ave. (96)
da sabedoria, ter sabido da cahe9a de Jupit~r e a de
Esta ultima fórma já apparece, mais ou menos al-
Athene ter o rosto de coruja..•
1 terada nas figuras da lou9a de Marajó.
Vejamos : o signo em qJestao nao é. mais do que
· urna modifica~ao graphica de¿ tembetá. Ora, o tembet4, '
foi amuleto, visto como .f.,ll'~ urna modifica~ao da ·cruz;
foi signo mnemonico opjectivo e foi· signo graphico. Em
qualquer urna de~a.~ representa~oes, era a imagem de
Téos, imagem <J_Ué a principio nao era anthropomorpha.
Mais ,t,a1•ae, o ante-diluviano, tanto no velho conti-
nente c<iiíÍlo no Brasil, deu para figurar o homem com
!· ~ignc- , divinos. ,.
. E ' o periodo de anthropomorpqiza~ao. Isto se ve
em Babylonia e na antiga civiliza~ao marajoense. Nos
desenhos de figuras humanas, o nariz e as arcadas su-
perciliares apparecem formados pelo tembetá; os .olhos I
•
No_caso de que agora tratamos, os ramos 'do . t.em-
..
' betá, encurvados, formando os supercilios, limitam a
parte inferior da fronte, por traz da qual se aloja a
sabedoria, a intelligencia, o pensamento, a imaginac;áo, ( 96) André Lefevre, em sua já citada obra - La
a memoria. Religion - diz que A thené era representada com cara de
coruja porque esta ave era o symbolo · da sciencia. Nós
O escriba primitivo anthropomorphizando o tembetá, achamos que a coruj a era o symbolo da sciencia porque se
tra~ou-lhe urna outra curva acima da curva formada parecia com A tkené.
A EscRIPTA PREHISTORICA DO BRASIL 187
'
fital-os, do seio das nuvens, do azul do céo, do alto dos é muito provavel que se originasse dos taes animaes pre-
rochedos, do meio da f olhagem, do fundo das 8.guas. historicos, e a petrifica~ao nao seria mais do que uma
Era para elles o olhar de Anhangá. ac~áo inhibitoria, paralysante ou m~smo mortal. ( 97)
E' bem possivel que este signo f&se a imagem dos O proprio olhar de certos homens, isto é por demais
olhos de algum animal prehistorico, os quaes olhos teriam, conhecido, tem uma ac~ao magnetica, prompta, sugges-
ou por sua disposi~ao ou por reflectirem poderosamen- tiva ou hypnotica, e esta ac~ao, nos tempos modernos,
te a luz, uma ac~ao· hypnotica o-µ inhibitoria sobre as constitue um grande ramo de estudos scientificos, quer
pessoas ou outros animaes em que se fixavam. sob o ponto de vista therapeutico, -que sob.. o medico-
Os olhos dos felinos, e especialmente os do gato, legal. (98)
da· on~á e do tigre, brilham na escuridao como duas Ha certos desenhos da imagem de Christo que dao
tochas. Nos abysmos do oceano, onde a luz do dia pe- uma sensa9ao allucinatoria passageira, visual, ·a quem
netra e onde portanto existe profunda noite, os olhos os fixa, pois os olhos da imagem parecem se mover.
dos monstros marinhos tem laivos de luz phosphores- Este facto pode ligar-se ou ao cansa~o, á fadiga do nervo
cente. optico, pelo esfor~o da fixa~áo, ou achar-se relaciona-
A for~a do olhar, ainda hoje, se manifesta em al- do á circumstancia de certos pontos da imagem irem
guns animaes. Sabe-se que o olhar fixo da cobra ou corresponder á parte insensivel da retina, conhecida pelo
do sapo atrahe a avesinha. A aranha, parecendo re- · nome de punctum cec.um.
pousar em sua teia, atrahe tambem' para os filamentos
desta, com o olhar~ os insectos que se acham á distancia.
(97) Contam:se casos de homens que morreram pela
A influencia dos olhos de certos animaes se exerce ac~áo do olhar de certos animaes. Taes casos, devem se
reíerir a syncopes cardiacas causadas pelo susto. Os ro-
até sobre o proprio homem. Sentimos um certo1 mau mancistas exploram o facto. É bem conhecido o conto de
estar ªº
fitarmos o olhar do mocho, da cobra ou de . Conan Doyle, ·no qual um sujeito morre ao ser fixado por
urna grande aranha.
amphibios, peixes e saurios.
(98) Como muitos outros phenomenos do organismo,
Nao é mesmo de admirar que entre os animaes gi- ainda mal estudados, ou mal interpretados, a ac~~o magne-
gantescos da éra jurasica, existissem animaes de olhar tica do o.lhar humano deve ter sua origem no grupo de ener-
gías do sub-consciente. O povo, desde épocas remotas, já
eminentemente magnetico. havi.a notado a influencia do que chamam o mau olhado. O
A mythologia grega nos conta que o olhar de Me- homem de olhar magnetico tem o dom de dominar e corrom·
, per 'mulheres fracas, de levar ao crime outros homens e ter
dusa, uma das Gorcondas, possuia a :faculdade de tran- influencia malefica sobre as molestias e mui principalmente
f ormar em pedras os homens que a fitavam. Tal lenda, sobre as lesoe$ c'utaneas. Tal influencia se estende sobre os
animaes, sobre as plantas e até sobre os objectos inanimados.
190 ALFREDO BRANDAO A EscRIPTA PREHISTORICA DO BRASIL 191
De tudo isso, concluimos que o signo prehistorico Pr~posto a fins mais ou menos analogos aos do signo
acima desenhado, nao era mais do que méro instru- anterior.
mento usado pelos magicos para desenvolver o extase Este, porém, dá á pessoa que o fixa urna percep~ao
e provocar no individuo faculdades sub-conscientes de inversa da obtida pelo outro.
videncia, televisao, etc. E' talvez a imagem da contradic<;ao, ou entao traz
Tal signo, aqui no Brasil, é mui especialmente en- ao espirito esta idéa. Note-se que é formado por dois
contrado nos restos de ceramica de Marajó, -ao lado de caracóes - um que se enrola para o lado esquerdo e ou-
outros signaes magicos, e em objectos, taes como a tanga tro para o lado direito. Comprehende-se que ·a fixa<1ao de
ou babal. tal signo pode dar ao mesmo tempo dua~ percep<;óes e por-
Como se pode verificar em nosso quadro das analo- tanto estabelecer a confusao. Diremos que o cáracter I I
gias, elle era frequente, em natureza ou modificado, no acima, além do papel de instrumento mnemotechnico,
Egypto antigo, em Creta e na Gallia. Parece que nos tem tambem um valor mnemonico e ideographico, e
dois primeiros paizes representava a imagem do escara- neste ultimo sentido, lembra themas ou scenarios onde
béo sagrado. Alexandre Bertrand ·diz ser elle, na Gal- dominam a anarchia e as revolu~óes, o principio do mal
lia, urna f órma da swastika ou cruz gammada, e ter e a desordem. Lembra o estado revolto das aguas pela
portanto uma significa~ao · solar. Do que acabamos de acgao do tufao, e recorda o proprio tufao, o temporal~
expor, ve-se que somos contrarios a esta opiniáo. o mar tempestuoso, o phenomeno das trombas, o pé de
O signo em questao nao evoluiu sob o ponto de vento ou ventania e por extensao o principio, o genio
vista da escripta. Apparece mais tarde na architectu- do , mal e o proprio mal.
ra romana, na architectura christa e profana da media- O homem prehistorico fazia do vento uma divin-
edade e até na dos nossos dias, porém apenas como dade. Os chaldeus, que continuaram as tradi9óes dos
motivo decorativo. acadianos, possuiam. em s:ua mythologia diversos genios
que presidiam ao tufao e aos ventos do deserto, do mar
e dos abysmos, notando-se entre muitos Bin - o senhor
das telnpestades, do turbilhao e da inundagao. .
Os caledonios e os antigos · gaulezes tinham creado
os genios alpestres das florestas, e . o espirito dos ven-
davaes.
Os nossos indígenas acreditavam que pelas noites
de temporal, espiritos m.aus andavam pelas mattas a
Nº 51
•
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192 AL F RE no B R A No¡ o ·
A EscRIPTA PREHISTORICA Do BRASIL 193
retorcer as arvores. O ranger dos galbos roncando uns
- sobre os outros, era a voz desses espiritos. grego. Os judeus tinham os seus anjos que ainda boje,
Ainda boje, é urna cren~a entre os matutos do nas crenC}as christis, representam auxiliares ou emissa-
norte que o redemunho (corruptela de redemoinho ou rios de Deus. Derivada do grego anima - espirito ou
rodomoinho ) ,nao é mais do que o diabo. principio que dá vida aos seres, · possuimos em nosso
As vezes, por um bello dia de sol, na occasiao das vocabulario nao somente a palavra alma, mais ainda o
mudan~as de tempo~ o phenomeno do rodomoinho appare- verbo animar.
ce nos campos com um aspecto verdadeiramente phantas- Os genios do bem e do mal, entre os poyos primi-
tico : surge no horizonte, muito ao longe, urna massa tivos, eram partes ou modifica~oes º:U aspectos da di-
enorme, affectándo a f órma ~e um cone invertido, de vindade suprema. A mesma raiz an se encontra eJll
um gigantesco funil. As arvores, até entao paralysa- 1.1upan.
das, ~ome~am a se mover, -e quando o rodomoinho avan- · O signo de que nos estamos oceupando, -apparece
<;a, assoviando, gemendo, turbilhonando em seu vasto ligeiramente modificado na Gallia (veja-se o quadro
bojo, poeira, folhas e galhos de arvores, retorcendo estas, comparativo) e nas inscripC}oes cretense~ e afins. A.
á$ vezes arrancando-as pelas raizes, destelhando casas, Bertrand, diz ser uma representac;ao das rodas do sol
derrubando cabanas, agitando as aguas dos rios dos e estar ligado ao culto desse astro. Aliás, o mencio-
. ' nado autor relaciona quasi todos os signos megalithicos
lagos e das represas, entáo o rodomoinbo é bem a ima-
gem, a incarna~ao do genio do mal, deixando após si ao culto do sol - é a sioastika, é o tricecle, é o signo
o arrasamento, a morte, a desola~ao. a
de Salomao, cruz, a roda, etc.
O genio do mal nos tempos prehistoricos do Brasil Evans diz que elle, em Creta, significava o Peak
era designado vocalmente pelo som ang - som este qu~ - la~o, cordao, dric;a. O vocabulo inglez peak, por
na mesma accep~ao ainda se encontra na palavra anhwn,,. extensao., tambem significa figura ignobil, cara de doen-
gá dos n0$sos indigenas do tempo da descoberta. te (ver a gravura de Clodd, na já citada obra, pag. 176).
. '.A raiz de tal palavra . ~ení f4 d~s civiliza~oes do " Apparece representando os escarabéos egyp2io$ da
velho mundo, ou mesmo do mundo prehistorico, porque, XII dynastia e nos primitivos sellos cretenses. ,,
como já 'fizemos sentir, an é a oñomatopaica do trovao e Ladislau Netto (99) apresenta um signo mais ou
menos identico e náo sabemos em que se baseou para
pertence a vocabulos representando divindades, cousas
divinas ou espirituaes. N ú ou Anú, entre os egypcios, affirmar, embora dubiamente, que elle representa o
é o deus dos abysmos. Aná é um deus principal entre
os acadianos e antigos · babylonios. Uranus é um deus (99) Ladislau Netto. Archivos do Museu Nacional,
Vol. VI, pg. 462 .
•
194 ALFREDO BRANDÁO A E scRIPTA PREHISTORICA no BRASIL 195
symbolo da paz ou da allianc;a. E' urna interpreta<;iio metros de diametro. Branner assignala-o por mais de
'
perfeitamente antagonica á nossa. urna vez - ora em trac;os simples, ora pontilhado, ora
Na architectura christa, elle apparece nos motivos em cadeia.
de decora~oes das velhas cathedraes e nos frontoes e Achamos dois valores no signo circular - um valor
frontespicios dos templos. n1nemonico e symbolico e um valor puramente magico.
A supervivencia desse signa! magico e pagao, em Considerado sob este ultimo aspecto, era urna sim-
obras e assumptos da nossa religiao, pode ter duas ex- ples arma defensiva, um escudo de que se serviam os
plica<;oes - ou elle representa trophéo de victoria, ou magicos para evitar ac~ao malefica dos seres ou das
'
é porque, primitivamente, foi considerado sym)>olo de forgas evocadas ou desenvolvidas pelas ·suas praticas
divmdades subalternas - de anjos bop.s ( cherubins, ~e mnemotechnicas.
raphins) ou de anjos maus (demonios, diabos). Os tratados sobre a magia falam do poder do
;Na architectura profana dos tempos hodiernos, elle circulo.
é muito commum. E' frequente nos desenhos da lou<;a Maxwel dá urna explica~ao vaga; apoiando-se no
de Marajó - em urnas f~nerarias, em alguidares, dis- magico Agrippa, diz que as "figuras geometricas sao
cos, etc. regidas por numeros; o circulo representa a unidade
e a unidade representa o infinito. A. circumferencia
é urna linha que nao tem fim e portanto é a imagem
do infinito. "(Maxwel - La Magie - Paris, 1922).
Nao nos satisfaz tal explica~ao e de conjectura em
conjectura, chegamos a urna conclusao toda nossa : acha-
mos que o poder do circulo repousa ·nos seguintes factos
- primeiro : a curva da circumferencia tem urna ac~ao
inhibitoria ou alheiatoria sobre as pessoas dadas a ex-
tase ou mesmo sobre as simplesm,ente sensitivas, ou ainda
J á nos occupamos do circulo concentrico e 'agora de systema nervoso impressionavel. ( 100)
vamos tratar do circulo simples. E' commum na pin-
tura da lou9a de Marajó e apparece entre os lithogly- (100) um facto muito commum aos sonhadores e aos
É
phos do nordeste. Nós o encontramos n 'um lageado á poetas se isolarem do mundo e das cousas presentes ao ·con-
margem do Riacháo, no municipio de Vi~osa, em .Ala- ' tE;mplarem, por urna bella tarde de veráo, as curvas lon-
g1nquas do horizonte esbrazeadas pelos ultimos claróes do
goas, tra~ado em grande dimensio, talvez uns quatr-0 sol posto.
196. A L F RE o o B R A N n ¡ o·· A E s eRIP TA PREHISTORICA oo BRASIL 197·
Um effeito inhibitorio, quasi completo, se produz E ' baseado nestas collSideraºoes que damos ao cir-
em certos animaes e principalmente em certas aves. ( 101) culo simples, tao frequente entre os signos prehistori-
Outro facto em que se apoia o poder do circulo ma- cos do Brasil e de outras r egioes, um valor de instru-
gico é, a nosso ver, na rela~ao que o circulo simples mento mnemotechnico magico. E' ainda a explica~ao
affecta com o circulo concentrico. que achamos para os cromlecks, monumentos prehisto- I
•
Este, como já vimos, é a imagem ou a representa- ricos feítos de pedras brutas, dispostas em círculos.
~ªº graphica da divindade feminina; o magico, sentin- O signo circular simples, o concentrico e a ellypse,
do-se protegido por ella, torna-se forte e apto para parecem, como imagens. pictoricas dos olhos, ter dado
enfrentar as ,energías maleficas, visiveis e invisiveis origem ao omicron e ao ain dos alphabetos grego, pheni-
(neste ultimo caso significand9 as energías desconhe- cio, judaico primitivo, e portanto á nossa letra O.
cidas).
Conio se ve, tudo se reduz, em ultima analyse, a
phenomenos de ordem puramente psychicos, a um pre-
dominio . do sub-conciente sobre o consciente. O magico,
amparado pelo circulo, .sente-se capaz de todas as ener-
gías. Em sua imagina~ao allucinada, elle ve sahirem
chammas dos contornos da circumferencia.
O circulo torna-se entao urna barreira intransponi- Nº53 NºSS
vel que o defende das agressoes éxteriores. ( 102)
Sao variantes do 50 e do 51. Representam tambero
(101) Urna e:x:periencia muito simples, que pope, .s er instrumentos da mnemotechnica. Apparecem nos roche-
verificada ·por qualquer pessoa, é a segminte: descreva-se no dos da Amazonia e dos paizes circumvizinhos, tra~ados
solo, a carváo, urna circumferencia e colloque-se ne centro
um perú; a ave ao fixar o circulo, fica, a principio., como a tinta. Tambem pintados, apparecem na longa de Ma-
.,
que aterrorizada, depois torna-se immovel, bestificada e r aJo.
alheiada durante um grande lapso de tempo. A explicacio
é facil: a curva da circumferencia teve urna influencia inhi-
bitoria sobre o systenia nervoso 'do perú é o mecanismo dessa da altura. Tal animal, segundo a engenhosa hypothese do
inhibicio é o mesmo á que já nos referíamos, a respeito do grande physico allemao, se f os se encerrado dentro de um
processo de fixacio do olhar. cir~ul?, nao encontraría em sua imaginacio, por mais que
· (102) Helmholtz, querendo demonstrar a possibilidade de rac1oc1nasse, um meio de sahida, visto nao possuir a no~ao
urna quarta dimensio geometrica, figura a existencia de um da altura. Julgar-se-ia completamente fechado, isolado.
animal pensante ·que possuisse somente as dimensóes da .linha Com o magico no centro de urna circumferencia, dar-se-ia
recta - isto é, o comprimento e a largura, sendo destituido um phenomento mais ou menos identico.
J3 - &. P81HIS'l'ORICA
-·
'
198 ALFREDO . BRANDA ·O
N~ 57
Deveriamos · ter estudado estas figuras na ordem
dos signos divinos mas, como affectam a forma animal,
resolvemos incluil-os, bem como os seus variantes, neste
terceiro grupo.
A figura da cobra é muito commum entre os riscos
de pedra do Brasil. Nas inscrip<;oes de Branner, ella
apparece sob differ entes aspectos e pósi~oes. Na copia
da Pedra Lavrada, feita pelo engenheiro Retumba, ve-
se a cobra no espa~o, deixando cahir da bocea ovos sobre
a terra.
/
Segundo Stradelli, as linhas sinuosas, como que col- hidas do espa~o, cujo assumpto já tratamos um pouco
leantes, que elle viu gravadas num rochedo em Uaupés, atraz.
seriam figuras de serpentes e elle achou que signifi- Pelas raizes de vocabulos, nota-se ainda a mesma
cariam - "lugar pouco seguro onde devia ser collo- idéa de phenomenos celestes em tribus talvez mais an-
cada urna sentinela". tigas do que os tupys, taes como· os coroados, os uina-
.. Esta interpreta~áo escandalizou Koch-Gruenberg, mas, os jumans, os passés e os tapuias, onde a palavra
que diz
.
pertencer ella "ao numero
'
das mais ternera- serpente é designada, respectivamente, por schunmum,
rias hypotheses, jamais formuladas por um investiga- tschiema, ipgzi, ebautsckú, gkitanca, mahatzo. (104)
dor". (103) Aquí poré~, mu e be ou bu sao substituidos ou se
Ladislau Netto, que encontrou estes signos em vasos acham misturados ás raizes que tem os valores onoma-
e urnas funerarias· _dé Marajó, pensa que elles podem topaicos do phenomeno luminoso, isto é : sha, ca ou 9a,
corresponder ao symbolo Quatzal-coatl dos mexicanos e chi, ts, tsi~ tzo, zi, valores esses que sao os mesmos do ,
ao Uroens egypcio. Ma~ nao dá uma explica<.}áo sa- continente, figurando tambem taes raizes em vocabulos
tisfactoria. como nas proprias palavras cobra (no latim coluber)
A serpente, a nosso ver, liga-se
•
a phenomenos ce- e em serpente (no latim serpens).
l~tes e luminosos. - Na mythologia, nas lendas e nas narrativas da Eu-
No silencio ·da noite, uma estrella cadente atraves- ropa e da Asia, a serpente desempenha um papel impor-
sando o céo, lembra uma grande cobra luminosa. O tante: na Biblia ella instiga Eva a comer o fructo
sulco do relampago ou do raio tambem recorda a ser- prohibido da arvore da sciencia do bem e do mal. Com-
pente. prehende-se que essa narrativa se relaciona com o acto
Cobra em nossos dialectos indígenas, principalmen- da fecundac;io e conseguintemente da gerac;áo, e tanto
te tupy, é mbó, mboya, primitivamente mbú. Este ul- assim que as idéas christás a ligam ao peccado original.
timo vocabulo decompoe-se em mú: - espa~o, céo, e bi . O signo cobra, que o medico ainda hoje usa no anel,
•
ou be - pedra; literalmente a traduc~ao seria pedra · refere-se á lenda de Esculapio, o . deus grego da medi-
,dó espa<)O. . cina: Plutáo, rei do Averno, queixou-se a Jupiter que
Ve-se logo desta etymologia que a figura, em prin- Esculapio, curando os homens, despovoava a regiao das
cipio, referia-se a um phenomeno celeste, a pedras ca- frevas. Jupiter para castigar Esculapio, deportou-o
para a constellac;áo da Serpentaria. Observe-se que a
'
( 103) Cita~ao de A. de Carvalho, na Prehistoria Sul
Americana.. (104) Ver a respeito o Glossa-rW de Martius.
202 ALI''REDO BRANDAO A ESORIPTA PREHISTORICA DO BR.ASIL 203
palavra Esculapio conserva as raizes i e 'l~. Par~ce que está em desacordo com o Genesis, quando diz que o
essa lenda tero o seu fundo de verdade na possibilidade Senhor fez o homem do limo da terra e animou-o com
de processos curativos antigos por meio de energias elec- o seu sopro divino; notamos tambero que algnns scien-
tricas, ou outras, colhidas no meio atmospherico. tistas modernos explicam a vida, em nosso planeta, pela
Os gaulezes adoravam a figura de urna cobra nos ac~ao de germens vindos de outros astros.
ares, deixando cahir uro ovo da bocea. Como vimos,
t.al figura se encontra' tambero entre os riscos de pedra
do Brasil, na inscrip~ao da Pedra Lavrada, de Retumba. Mnemonicamente, pois, o signo cobra, lembra deus
Ha ainda o mytho egypcio de K nef: o deus Amon- creador, crea98.o e for~a; e o valor ideographico é o de
Rá creou a deusa N eith e fecundando-a produziu K nef, poderío e grandeza, refere-se a mando, dominio ; iigni-
poder creador que deixo.u cahir da bocea um ovo, isto fica chefe, rei, governador, potentado, donde, entre os
é, a materia do universo que encerra o agerite divino, nossos indígenas, a palavra mbur1¿bichá, chefe, em que
a intelligencia ordenadqra. se divisa claramente o vocabulo mbú.
Ternos tambero entre os indios do Brasil a lenda da Este signo evoluiu no velho mundo : é o sigma do
colwa grande e da fuha da cobra grande que geraram grego, é o skin hebraico, é o S iberico, é o nosso S latino,
a escuridáo. Ha mais a do bo~tatá - cobra de f ogo, , guardando todos alguma cousa da figura da s·erpente.
e ainda boje, nas zonas do nordeste, existem muitas nar-
rativas de cobras de ouro, encantadas, que moram em •
locas de pedras que soam.
A conclusáo de tudo isso é que o signo mundial da
eobra era mbú - a grande serpente do espa~o, e, como
acima dissemos, é .a figura do sulco luminoso .do raio
'
ou da estrella cadente, ou ainda de outra energia atmos-
pherica hoje desconhecida, a · qual, por sua vez prendia-
se a uma no~áo ou a urna lenda de fecunda~áo. Nº!11
60 .
Que haverá de ver~de nessa lenda Y Prende-se
ella ás sciencias magicas 1 Prende-se a alguma no~áo Sáo todos variantes do signo serpente ou cobra,
real que se desconhece sobre as origens da vida f No- portanto, a elles se applica o que acabamos de dizer a
tamos de passagem que a idéa de uma energía do espa- respeito dos numeros 56 e 57. O 58, nas inscrip~oes
90 actuando sobre a terra e f azendo surgir a vida, ni.o prehistoricas da povoa~ao abandonada da Babia, para-
204 ALFREDO BRANDÁO A E scRIPTA PREHISTORI CA oo BRASIL 205
hJº 62. . ,
K,
N°68 Nº 70 •
vegetaes, é mais variavel. Com effeito, ~eduz·!I~ da philo-
sophia de Anaxagoras, que vegetaes e an1maes tiveram um
principio commum.
(106) O que dissemos acima sobre a signüica~áo gene-
rica do termo karahyba, é opiniio de Barbosa Rodrigues.
Em sua importante obra - O Muyrakytá - o nosso illustre
ethnologo e distincto botanico, affirma com muita razáo
(105) Parece que a ultima hypothese, a de urna lenda "que o nome karahyba, hoje corrompido no Amazonas, é
ou n~io antiga de urna origem commum dos animaes e dos karina que no sul fazem kariba, isto é, o superior, o senhor,
208 ALFREDO BRANDAO A ESCRIPTA PREHISTORICA DO BRASIL 209
Nas inscrip<;oes cuneiformes da Persia antiga, um de-se que os sons em questao designavam individuos tal-
signo designava Dario pelo Achemenida, isto é, um rei vez em significa~ao generica, ou eram elementos de vozes
dessa familia. designando o hornero e por extensao o chefe, o rei, o go-
Na prehistorica brasileira, houve tempo em q~e o vernador e ainda mais os dominios do mesmo, o lugar,
signo K designava o homem em geral. Na época da des- a regiáo.
coberta, os indios chamavam os europeus carahybas, istc;> Conclue-se ainda que esses sons eram graphicamen-
é, homens valentes. . te representados pelo J(, pois este signo é a figura do
No mesmo tempo existiam tribus chamadas Kara- homem visto de perfil. Os signos 68, 69 e 70, como
hybas ou Cariba's, das quaes ainda existem nos sertóes se comprehende logo á primeira vista, sao monigotes
do norte os des.cendentes, ~om o nome de J{aribas ou representando tambem o homem.
Kariris ou Cari.ris. Apenas ternos a notar, no 70, os_tre's riscos que in-
,As raizes ka, ke, ki, ko, ku, (107) sao elementos de . dicam os dedos das maos.
palavras que designam o homem ; parecem reportar-se Isto da mao ser desenhada apen8:S com tres dedos,
a remotissima antiguidade. · repete-se fartamente nas . figuras humanas.
Nas civiliza~oes antigas do velho continente, appa- Hartt querando explicar esta anomalia, tirou a con-
recem povos coro a denomina~ao de Cananeus, Coseus clusao que os indios só sabiam cop.tar até. o numero 3.
ou Cushitas, Cabilas, Carios, etc., onde se veem tambero Nós achamos que o caso se acha relacionado ao
as raizes ka, ko e kit. Ora, os povos antigos tiram sem~ facto que já mencionamos - ao dos homens primitivos
pre o nome dos seus patriarchas, P.~~t~nto comprehen- representarem a sua figura por m~jo de signos divinos.
Aqui o signo é mu, formando o brago e a mao com os
o valente, o estrangeiro notavel, por consequencia o branca dedos.
porque é o dominador, o escravisador do indio". Diz ainda
o mesmo autor "que os Karas, que deram origem ao nome . Um O'Utro exempl9 de anthropomorphizagao de sig-
karahyba, eram de origem asiatica \ e que se intitulavam nos divinos, temos no numero 71. E' um agglomerado
filkos do sol e da serpente. Kara, Kari ou Kará é o chefe
sl;lpremo e magestativo, o sabio. Corresponde ao ,Augustua esbogando urna face humana. .
dos latinos, e nas ra~as indigenas peruanas ainda hoje quan- Os signos 72 e 73 prendero-se tambem ao periodo
do se referem aos seus reis antigos, é sempre coni o 'trata-
mento Kari que equivale ao que se dá as pessoas reaes --:. o anthropomorpho : sao urna figura de pé e urna pegada.
de sua magestade. É assim que com sublime respeito quando
querem falar dos incas antigos dizem: K<1/ri, Inca, Manco,
Capaco; Kari, Inca,, Ataulpa". nos. Além das já citadas acima, mencionamos: Kariboca
(107) Encontramos essas raizes, entrando na estructura (que deu origem ao vocabulo caboclo), Katapai, Kará, Kanan,
de palavras desi~ando o homem, em 24 dialectos america- · Kecka ou Checka, Kotopai, Cuciman, etc.
210 ALFREDO BRANDÁO A EscRIPTA PREHISTORICA Do BRASIL 211
•
J á os jesuitas, nos primordios da historia do Brasil, chedo onde se acham taes signos - · talvez um antigo ,
attribuiram o signo 73 ao apostolo Sao Thomé. Era dolmen; tem a forma mais ou menos de um casco de
o molde do pé do santo, deixado sobre a rocha. tartaruga.
Que tal signo, muita vezes, é urna pegada antiga, Conforme se pode verificar na estampa VIII, na
do tempo em que a rocha que a apresenta se achava em pedra da Gavea, no Rio de Janeiro, ha signos identicos
forma~iio, nao se pode contestar, mas, que na maioria a botas.
dos casos - e principalmente quando elle se acha junto Achamos que esses signos brasileiros, como os seus
de signos differentes - é artificial,. é um elemento de congeneres da Mesopotamia, podem tambem significar o
escripta, nao resta a menor duvida. acto da marcha e assim leml;>rarem a passagem de expe-
Nas inscrip~óes megalithicas da Bretanha, elle é digóes.
muito commum, em rochedos perto de f ontes que passam ' Para terminar as inscripC}oes anthropomorphicas,
por milagrosas, e a crendice popular diz ser a impressaó convem ainda citar a existencia de desenhos phallicos
do pé de Nossa Senhora. (como se encontram nos letreiros da Parahyba e nos
Consta-nos que uma lenda id~ntica existe na Bahía, do Padre Telles) e a de desenhos da parte sexual fe-
a proposito de urnas pegadas que se veem num lageado minina. (108) '
perto do Santuario de No8Sa Senhora das Candeias. ,
Os signos pé e marca de pé, sao encontrados na (108) A proposito dessas ultimas gravuras, que dizem
escripta sumeriana dos antigos babylonicos e tinham, ser em grande numero num rochedo junto á cachoeira .de
Itaparica, no río Sao Francisco, no Estado de Pernambuco,
ambos o valor syllabico de ka e kri, significando cami- um velho caboclo, originario das tribus semi-selvagens do
nhar, andar. sertao, contou-nos, em sua algaravia, a seguinte lenda que
reproduzimos por nossas palavras:" Foi isto ha muito tempo.
O sumeriano querendo dizer que um hornero entrou As mocas Kariris fugiam cheias de medo, perseguidas de
numa casa~ desenhava a figura de um homem, a cie um perto pelos portuguezes. Ao chegarem á cachoeira, pararam
irresolutas. Que fazer? Nao podiam atravessar o rio.
pé e a de urna casa. ' Demor!lr seria cahir nas maos dos in~migos impiedosos. J á
Nós encontramos num rochedo da Bica da Pedra, se ouv1a, perto, os estampidos dos tiros e o ladrido dos caes.
Em baixo, ao pé da cachoeira, as aguas rugiam tumultuosas. '
sitio que fica á margem do canal grande das lagoas, As indias, nuas e bellas, abracaram~se e come~ram a chorar.
perto de Maceió, pégadas humanas - urnas de quasi Entao viram que do fundo do abysmo surgia alguma cousa
- era a principio urna especie de massa vaporosa que tomou
meio metro de extensao e outras pequenas, indubita.- logo a fórma de um velho colossal de cabelleira longa e
velmente de cr1an~as. Pareceram-nos artificiaes. O ro- branca e que chorava tambem. As mo~s Kariris reco-
nheceram nelle o mysterioso genio das aguas, o qual lhes
falou assim: - minhas lindas e desgra~adas filhas, já pas-
..
...
.'
214 A Ese&IPTA PREHISTORICA DO BRASIL 215 .
ALFREDO BRANDÁO
Um facto que observamos na escripta prehistorica, A nosso ver, o systema agglomerado da graphia,
é que os signos, tambem muitas vezes, se .apresentam sob alliado ao systema agglutinado das palavras, constituiu
essa forma agglutinativa ou agglomerada. o facto fundamental da transforma<¿ao da escripta ideo- '
graphica na escripta phonetica. Esta nao foi creada
Ébem possivel que o systema agglutinativo fosse o
artificialmente pelo homem, ao contrario, desenvolveu-
da linguagem primitiva universal.
se por si, naturalmente, lentamente. Muitas palavr~
A graphia, portanto, ·segue passo a passo a lingua : primitivas nao sao mais do que a reuniao de sons ono-
palavra falada agglutinada, palavra escripta agglomerada. matopaicos (110), do mesmo modo que a graphia dessas
Tal systema apparece no homem primitivo pela lei palavras representa, e~ ultima analyse, a figura de
do menor esforc;o. objectos ou seres productores dos referidos sons.
A um signo juntam-se-lhe um ou mais tra<;;os, junta- Para exemplificar tomemos a palavra Brasil. Como
se-lhe outro signo, invertem-se as partes, prolongam-se já vimos, esse vocabulo é de origem prehistorica. Pri-
ou diminuem-se os elementos constitutivos, entrela<¿am- mitivamente era representado pelo signo 79_, um agglo-
se esses elementos, encurvando-os aqui, tornando-os re- merado que pode ser decomposto nos seguintes signos
ctos ali, bipartindo-os, deslocando-os, e tem-se assim no- primitivos - (ns. 16, 39, 10) - portanto, beita, ra e
vos signos, exprimindo novas idéas e muitas vezes com ilan ou zilan, cujos respectivos sons somados dao mais ou
a conserva<.;áo da idéa inicial. menos o nome .do nosso paiz.· Realmente, contraindo-se
A no~ao dos agglomerados, noc;iio que somos os pri- beitar com ra (fazendo-se eliminac;ao de eita), tem-se bra,
meiros a dar conheciinento, vem facilitar, sobremodo, a e se a esta .syllaba -juntar-se zilan,, tem-se o nome br·-
tradu~ao. A 's vezes depara-se com signos tao compli- zilan, donde s~ derivou Brasil.
cados que, á primeira vista, parece urna cousa impossi- Ve-se que já nesses tempos prehistoricos hav:ia ten-
vel decifral-os. Com um pouco de attenc;;ao, com urna dencia para a transforma~ao .da escripta ideogra~hica
analyse minuciosa, notar-se-á que elles sao compostos de em phonetica. O agglomerado 79 é urna ideographia
outros signos já nossos conhecidos, em muitos casos com que significa ·terra do senhor da liiz, ou terra da luz,
anteposi~óes ou posposic;oes de elementos, e nao raras terra do raio, ou simplesmente terra da divindade ou
vezes com elementos de uns servindo de elementos de terra de Deus. Tal ideographia, por sua vez, já reco-
outros.
Esta noc;ao, segundo julgamos, virá abrir novos ho- (110) Essas palavras foram modificadas por meio de
rizontes a novos conhecimentos. contra~oes, elisóes, anteposi~oes, posposi~oes, etc.
, ,
1
'
•
.,
>
'
218 A L F RE Do B R A 'N D Á o A ESORIPTA PREHISTORICA DO BRASIL 2i9
Um outro exemplo de agglomera~ao ternos no signo tanga. Este nome f oi da.do pelo mesmo sabio, pois lhe ·
80, da povoa~ao a~andonada da Babia, o qual, como ve- parecen, bem como a outros archeologos, que o papel do
remos mais adeante, decompóe-se em diversos signos. tal objecto era o da folha de vinha com que se cobriu
A dupla acha, o signo sairnao e outros já estudados. Eva, depois do peccado.
siio exemplos flagrantes de agglomerados. Militam em favor dos que dao tal explicae}áo, os
'
factos da tanga affectar mais ou menos a forma pubia-
na e ter tres orificios, um em cada extremi:dade superior
_ e urn na parte inferior, orificios que seriam destinados
Para terminar o estudo dos agglomerados, vamos a dar passagem aos fios que teriam de o prender ao
agora nos occupar do Ba.bal, o tal objecto mysterioso a corpo.
que já nos referimos, encontrado nos ceramicos de Ma- Procurando tambero investigar o papel desse obje-
raj6. (111) cto, chegamos a uma conclusao differente.
É um objecto feíto de barro cozido, affectando mais
Em nosso modo de ver, aqui nao se trata de urna
ou menos a f órma de um triangulo, do qual os vertices 1
tanga, de urna pe9a de ve~tuario ou de um objecto de
dos angulos sao arredondados.
adorno, mas antes de uni amuleto sagrado ou magico, de
. Na parte anterior, se encontram, pintados, estranhos
uma especie de pequenino templo onde a divindade se
desenhos em caracteres vermelhos sobre um fundo bran- _
achava encerrada, se achava de um modo invisivel, tendo
co. A fórma e as dimensóes do tal objecto sao mais ou
poréin a imagem pintada sob a fórma de cruz ou sob
menos as mesmas em todos os especimens, mas os dese-
11.hos variam na disposi~ao ger~l, repetindo, é verdade, urna rnodifica~ao desta.
as linbas, os tra~os e os signaes. Ve-se, portanto, que a tanga é uma evoluQáo de ita.
A 'estampa: n. 0 XI dá i~éa do Babal. O aspecto differen(}ou-se um pouco, mas a idéa de que
Hartt notou que esses desenhos f oram recortados de a divindade nella reside, é ainda a idéa capital. · -
um desenho maior, de modo. ª' cobrir a superficie da Apenas nao tem mais o significado de mae, porém o
de casa, kabitayao, rnorada, residencia.
(111) Trataram minuciosamente da tanga ou Babal o
sabio americano Hartt e os nossos illustres compatriotas dr. Sob este ponto de vista, achamos muito mais ade-
Penna e dr. Ladislau Netto. Consultem-se a respeito os volu- . quado o nome Babal, com que é designado o objecto pe-
mes 1 e IV dos Archivos do Museu Nacional <U:> Rio de Janeiro.
Tratam tambem da tanga o dr. J oáo Severino, em sua los indios da regiao. Foi este vocabulo que nos levou á
obra Viagem ao Redor do BrMÜ, Angione Costa e D. Heloisa pista do verdadeiro papel da chamada tanga.
Torres.
. '
Babal (segundo nossa supposi~ao), é palavra pre- Bé, foi, pois, um outro som com que se designou a
historica, cujo significado é identico ao vocabulo hebrai- pedra. Bé, como Ita, passou a ser a casa da luz e do
co Bethel - casa do Senhor. fogo, a casa do Senhor. .,;
As raizes de Babal pertencem (como aliás todas as Essas duas raizes no velho continente se combinam
raizes do nosso vocabulario indigena) á lingua primiti- para fazer o Bitú ou Biti - casa - dos babylonicos-
va universal - a lingua mae que .se falava na Atlantida, semitas (ver Oken vol. I, pg. 367).
no Brasil prehistorico e nos paizes entao existentes no Por sua vez, o vocabulo Betkel ou Betel que, como
dissemos, em hebraico tem a significa~ao ·de casa de
velho continente.
Deus, parece urna modifica~ao de Bitú.
Decompoe-se o vocabulario B.abal em duas partes ; As idéas das pedras serem moradas dos deuses, pa-
bab e al. Bab, nas linguas orientaes, significa porta, rece que se estenderam d~s épocas ante-diluvianas ás
casa, sabedoria, confusao, o que nao se comprehende etc. épocas historicas. "No te_mplo dos Paphos, a divindade
Parece-nos que destes significados, o primitivo é o era um marco de pedra de base redonda e conica, á ma-
que designa casa, residencia. Babel, por exemplo, sig~i- · neira de um méta", diz Tacito. ·
ficou em come~o Casa de El) casa do Senhor. Posterior- Os pheni~ios da Syria., os cananeus ou philisteus, os
mente, devido á lenda da confusao das linguas e da phenicios de Carthago e os judeus (112) tambero pro-
fessavam as mesmas idéas.
dispersao dos povos, é que passou, por ·extensao, a repre-
Portanto, Babal significa a casa do Senhor da Luz,
sentar tambem confusao, como ainda é . hoje corrente,
a casa de Deus, a residencia da divindade. (113) E',
mesmo entre nós, dizer-se a seguinte phrase: - "isto e
uma Babel" - referindo-nos a urna cousa que se nao (112) Refere a Biblia que Jacob e!ll viagem para a casa
do tio Libao,-viu. a noite chegar em pleno campo. Tomando
comprehende, a urna reuniao em. que todos falam e nin:- entáo uma das pedras d'aquelle lugar, fez cabeceira; deitando-
guem se entende, a urna reuniao de pessoas de linguas se, adorrneceu e . em sonhos viu urna escada que se estendia
da terra ao céo e pela qual os anjos desciam e subiam, achan-
differentes, etc. do-se o Senhor no alto dessa escada. Ao acordar, Jacob ex- ,
clamou: "Este nao é outro lugar senáo a Casa de Deus e
Procurando tan1bem interpretar a origem da raiz est~ é a porta dos céos. Entao levantoÜ-se J acob pela ma-
Bab achamos que ella primitivamente foi Be. n ha, ~e madrugada, e tomou a pedra que tinha posto por
cabece1ra e a poz por colµmna, e derramou azeite em cima
Este ultimo som, ·como já vimos, nao é mais do que della. E chamou o nome d'aquelle lugar Betk-el: o nome
porém d'aquella cidade -dantes era Luz · (Genesis XXVIII -
a onomatopaica da pedra, é o ruido da pedra que se 17 - 18 - 19).
( 113) Babal tern pois urna significa~o muito identica
choca de encontro á outra pedra. á do vocabulo Brasü.
/
I
'
222 ALFREDO B&ANDAO
tender para a humanizagao : o anthropomorphismo co- a escripta affecta a fórma do sulco deixado na terra pelo
me<}a a se esbo<}ar. arado arrastado pelo boi. Ve-se ainda o systema dos
•
caracteres isolados e disseminados sem ordem, parecen-
(114) A fórma mais ou menos conica de Babal tornou· do ser obra de differentes autores, feíta em differentes
se a f órma sagrada dos antepassados dos indios brasilicos é ,
dos proprios indios. O maracá, instrumento sagrado de que epocas. .
já nos occupamos, teve provavelmente sua origem no BabaL
Como este, era a habita~ao do deus e tinha a mesma f6rma Esse ultimo modo é especial e caracteristico do sys~
conica. · M uitas urnas funerarias encontradas em Marajó tema mnemonico e assim, cada signo, como simples des-
tinham a fórma do Maracá e do Babal. Tem a mesma ori-
gem o culto das montanhas e dos cabe~os conicos de serra pertador da memoria, pode-se encontrar ao lado de ou-
e a idéa dos nossos. indios, das Montanhaa Azuee. tros . signos sem ter com elles a menor connexao.
224 ALFREDO BRANDÁO
A EscRIPTA PREHISTORICA no BRASIL 225
É o que se nota, por exemplo, nas inscrip~óes da merianos, em idades remotissimas, usavam o systema iso-
Pedra Lavrada, de Retumba. .Aqui, um signo ou um lado, depois adoptaram o systema linear, lido de baixo ·.,
grupo de signos, parece relembrar factos independentes para cima; depois, horizonta.lizando essas linhas, deram
um dos outros. a direc~ao da esquerda para a direita, systema este que
Portanto, neste caso, nao se trata de urna verdadei- entre os semiticos, e notavelmente entre os líeb~eus,
ra inscrip<.;ao no sentido rigoroso da palavra; seria an- transformou-se em da direita p_a ra a esquerda, direc~ao
tes um registro de nogóes· e narrativas, parecendo que que os gregos, logo seguidos pelos latinos, voltaram a
esses caracteres tem urna origem variavel no tempo e que transformar da esquerda para a direita.
f oram obra nao de um só individuo, mas de muitos e em Este ultimo genero tambem se encontra entre os
épocas diversas. prehistoricos brasileiros. As inscripgoes da cidade
O systema boustrophedon encontra-se nas inscrip,. abandonada da Bahia já tem essa direcgao.
~oes. do Padre Correia Telles e nas dos rochedos de Vi-
c;osa, ao lado do typo isolado. DECIFRAQAO DE .ALGUM.AS INSCRIPQoES
Nota-se nessas inscripgóe~ que ~ vezes ellas come-
gam da direita para a esquérda, depois sobem e dirigem- A interpreta~ao que aqui vamos dar é imperfeita,
se da esquerda para a direita. Outras come~am de cima somos os primeiros a reconhecer. O nosso trabalho nao
para baixo, dao· urna volta ou uma curva e descem. Em passa de um simples tactear, onde aliás, até hoje, tudo
a.lguns casos, descrevem verdadeiras espiraes. A direc- ainda é escuro.
gao dos caracteres pode ser perfeitame~te orientada Como quer que seja, todas essas novas canceiras po-
quando nellas figuram seres animados ou entao settas derao projectar alguma¡ restea de luz a futuros interpre-
e pontas de lan~a. · tadores.
Quando apparecem . seres animados, em regra geral,
sao de perfil.
DECIFRAQAO DAS INSCRIPQoES DA POVO.AQAO "
Muitas das inscrip<;oes do Padre Telles offerecem
.ABANDONAD.A DA BAHIA
urna grande semelhan<;a com as dos ridjins da Syria, co-.
piadas pelo marques de Vougue.
• Come~aremos por essas inscrip~oes que nos parece-
Aliás, todos esses. diversos typos de direc~ao sao ram menos difficeis, visto constarem dos tres systemas:
peculiares a quasi todas as escriptlts primitivas. Os su- o mnemonico, o ideographico e o phonetico.
•
..
15 - &, PllElllHGalCA
230 ALFREDO BRANDÁO .A E s CRIPT.A. PREHISTORICA Do BRASIL 231
do espafio) se1ihor todo poderoso, concedei á grande hoje desconhecida. .Aqui personifica, symbolicamente,
( ou extensiva) t erra d e il ( isto é, o Brasil), gra9as e o deus creador.
favores. N. 0 2 - Figuras de ita, representando- ovos gerado-
res, sementes do espac;o, germens fecundadores.
INSCRIPQOES D.A PEDR.A LAVRADA (Parahyba) N. 0 3 - É a imagem de ita fecundada, a pedra gra-
vida, a pedra contendo a fagulha, o f ogo, ou contendo os
Estas inscripc;oes, colhidas pelo engenheiro Re- germens da vida. A pedra fecundada, aqui, figura a
tumba, nao sao verdadeiramente inscrip~oes, no sen- terra, o sólo.
tido rigoroso da palavra. Como já fizemos sentir, sio N.0 4 - É um esbo~o de homem ou de planta.
signos mnemonicos isola~os, nao tendo connexio uns
Portanto pode-se ~raduzir:
com os outros ( isto na maioria dos casos) formando
. themas e assumptos distinctos. O Senhor Deus Mbú, o grande Creador, semeou os
gerrnens, f ecundou a terra e fez surgilr o f ogo~ e f ez sur-
Parecem ter sido gravadas em diversas épocas por
-gír o homem ( ou a planta).
individuos differentes. De qualquer modo, porém, ape-
sar da difficuldade da interpreta~áo, pelo facto do sen- Sendo esta inscrip~ao de nat ureza mnemonica, é
'-
tido ser muito vago, a.divinha-se que tudo se prende á claro que s6 pode ser traduzida pelo sentido e assim
prescinde-se da lingua em que foi redigida.
cosmogonia - recita~oes das origens do mundo, das ori-
gens dos seres e das cousas) a l;llll semeame~to de ger- A recita~ao de origens, como já fizemos ver, é repe-
mens por for~as e energías cosmicas do espac;o, p:rinci.; tida de diversos modos. A energia creadora, ora é re~
palmente· por mbú, rá, ílan, etc. presentada pelo arco- flechando a pedra, ora parece ema-
nada da cruz, ora é symbolizada .pelos signos il, i"tan,
Desse acervo de signos, destacamos os seguintes que
mú e mbú.
nos parecem ter um sentido mais claro: (Ver estam-
Na Pedra Lavrada, vem-se as figuras dos ovos ou
pa X). .
germens espalhados por toda a pedra, e por todos os
De accordo com o que já e:i:pusemos, estes signos lados surgem esbo~os de homens e plantas. Destas ulti-
tem os seguintes valores: mas, algumas parecem cahir directamente dos ovos.
232 ALFREDO BRANDAO A EscRIPTA. PREHISTORICA. ·DO BRASIL 233
•
b) Segunda pedra.
DECIFRAQAO DE INSCRIPQoES DE VIQOS.t\.
(Alagoas) N.0 1 - Figura do raio de luz, representando a
divindade.
Os caracteres da estampa primeira sao especimens
N.0 2 - Signo representando uma casa, vasia, ha-
colhidos em diversas pedras_, portanto nao formam urna
bitada porém por um espirito.
inscrip~ao seguida. Sao méros signos isolados, cuja in-
terpretac;ao já demos nos capitulos anteriores. Ns. 3-4 - Tra~os significando louvores, gra~as.
Os da segunda estampa sao ideogrammas, ou por
outra, sao inscrip~oes ideographicas e assim vamos pro- A traduc;áo é a seguinte :
curar decifral-as : Isto aquí é a residenci<L ( ou templo) de Deus. Mui-
a) Primeira pedra.
tas gra~as e louvores a Deus.
Nota: A pedra, com a inscrip~a? acima, ficava em
N. 0 1 - É a figura da divindade, é um esbo~o da frente a um dolmen e a um monumento prehistorico que
dupla acha, é talvez a imagem de Tupan, dava á idéa de um baluarte. Trataremos de tudo no
o Deus dos tempo;raes.
appendice.
N. 0 2 - Signo representando for~a; poderio, poder.
N. 0 3 - Agglomerado figurando a luz e a dupla
acha, a vida e a morte.
N.0 4 - Signo agglomerado representando dois
zigs, portanto significando raios, tempo-
raes, trovoes.
N. 0 5 - Dois tra~os, significando gra~as, louvores.
1 APPENDICE
I '
'
\
•
(
A PREHISTORIA DE ALAGOAS·
•
"·
238 ALFREDO BRANDÁO A EscRIPTA PREHISTORICA no BRASIL 239
so relatorio apresentado ao Instituto Archeologico e Geo- Conforme tivemos noticia, entre 1866 e 1870, foi
graphico Alagoano, em 2 de Dezembro ·de 1874, pode-se encontrado um craneo petrificado nas immediac;óes da
dizer, iniciou o estudo da prehistoria de Alagoas. <1> Cachoeira de Paulo A:ffonso. Os jornaes, que na época
N esse relatorio elle se occupou das descobertas ar- se publicavam em Maceió, deram conhecimento deste
cheologicas feitas pelo professor Nicodemos J obim na facto, accrescentando que o craneo tinha sido achado
Cha de Cajazeira, na fazenda Taquara, no municipio de no interior de uma pedra partida em consequencia . de
Anadia. um raio.
Ao lado de diversos outros objectos, aos quaes tere- Informaram-nos, ainda, que tal preciosidade archeo-
mos ainda de nos reportar, no correr do presente tra- , logica :fora enviada para o Musen Nacional do Rio de
balho, encontraram um craneo e fragmentos de duas .Janeiro.
ossadas, urna de crianc;a e outra de adulto. Nos numeros l.• e 6.0 dos Archivos do Museu Nacio-
Esses restos humanos achavam-se dentro de gran- nal, vem publicados trabalhos dos drs. Lacerda Filho e
des vas0s de barro, cobertos, cada um, com uma tampa Rodrigues Peixoto, sobre a anthropologia brasileira, nos
tambero de barro em f6rma de tina. ·quaes ha um estudo minucioso dos craneos existentes
Os ossos longos dos membros inferiores do adulto, no Museu.
estavam partidos, e os do craneo se apresentavam delga- Dé craneos petrificados, elles apenas descrevem o
dos, havendo ainda a notar que a abobada frontal era que foi encontrado pelo sabio dinamarquez, dr. Lund,
deprimida. _ nas cavernas do arraial Lagoa Santa, no Estado de Mi-
O dr. Dias Cabral, foi da opiniao que taes despo- nas Geraes. ·
jos deveriam pertencer aos indios. Para justificar este . É claro que se existisse no Museu um outro craneo
seu modo de pensar, elle citou, nao somente o fac~o do em condi~oes identicas, elles teriam feito referencias.
achado archeologico ter sido num lugar onde ainda se Como quer que seja, esta circumstancia nao implica
1
encontravam os restos de uma estacada (o que denotava falsidade na informa~ao, podendo perfeitamente acon-
a existencia de antiga ocara), -mas ainda a circumstan- tecer que o referido craneo tivesse um .outro destino. O
cia de se h~ver retirado da escavac;ao um pequeno ma- facto delle ter sido encontrado no interior de um roche-
chado de .ferro, já muito oxydado, o qual deveria ter do, p~rece, á primeira vista, um pouco inverosimil, mas
pertencido aos conquistadores. si considerarmos que esse rochedo podía ser formado de
Se porém os ~espojos humanos .da Cha da Cajazeira concrec;óes de camadas alluvionicas, tuc\o fica explicado.
sao de origem relativamente recente, outros, parecem ter De resto, casos semelhantes foram constatados por
uma mui longa ancia!lldade. Withnay, na California.
,
Soubemos tambero que no municipio de Santa Luzia Fosseis identicos sao tambero encontrados em· todas
do Norte existía, em densa floresta, uma gruta com as zonas do nordeste do Brasil, devastadas pelas seccas.
grande quantidade de corpos humanos resequidos, quasi O que empresta a esses factos um grande interesse
petrificados. para · o estudo da prehistoria, é o encontrarem-se de
O mesmo se dá noutra gruta do municipio de Porto permeio com os ossos, objectos :fabricados pelo hornero.
de Pedras. Nas escava~oes da Lagoa da Lage, Branner desen-
Além de ossadas humanas, encontram-se ainda no terrou urna grosseira máo de pilao, de um bello granito
Estado de Alagoas, na zona do sertao, ossadas de ani- da, vizinhan~a, tendo cerca .de 18 centímetros de compri-
maes gigantescos, pertencentes a especies completament~ men to para nove ou dez de diametro.
,desapparecidas. Achados mais ou menos identicos, appareceram em
O sabio geologo americano John Branner, numa ex- Maceió. No relatorio sobre os trabalhos apresentados
cellente memoria publicada em The American ,J our.naZ ao Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, em
of Science, de fevereiro de 1902, trata detalhadamente 1882, o dr. Dias Cabral fala em ossos fosseis de um ani-
desses f osseis. mal gigantesco encontrados quando eram f eitas escava-
Merecem especial destaque os que foram enc?ntra- ºoes no predio numero 35 (numera~ao antiga) da rua
dos na fazenda Lagoa da Lage, perto de Aguas Bellas, do Commercio.
e os do povoado Meirús (Campo Al~gre), tres leguas No mesmo rela.torio, consta que quando se abria um
a nordeste de Páo de Assucar . poQo na rua da Boa-Vista, rua contingua á do Com~
Em muitas rochas dessas regioes, veem-se grandes mercio, :foi encontrada umá machadinha de diorito.
depress5es cheias de uma camada de terra, de pouco (116)
.tnais de um metro de espessura. Sendo assim, a existencia do homem em Alagoas,
Os fazendeiros aproveitam essas depressoes· para de- deve remontar ha milhares de annos, visto como os mas-
•
posito d'agua. As ossadas fosseis foram post~ a des- todontes sao animaes que viveram na superficie do globo _
coberto, justameniíe quando se faziam desobstruc~oes em no come~o *> periodo quaternario.
alguns desses tanques naturaes. Nos municip~os de Sao Miguel e Vi~osa, foram des-
J ulga Branner que taes ossadas pertenceram a mas- cobertos vestigios de outros animaes de ra<;as tambem já
todontes - grandes mamiferos dos tempos primitivos
- os quaes, sem duvida, pereceram nesses tanques em (116) Vol. 11 da Revista do Instituto Archeologico e
lutas titanicas quando procuravam se ~esa~terar. Geographico Alagoano .
•
242 ALFREDO BRANDÁO A EscRIPTA PREHISTORICA DO BRASIL 243
desapparecidas. Queremos referir-nos ás escava~oes em Como quer que seja, o homem dos sambaquis dei-
forma de galerias, attribuidas pelos ca~adores a um ani- xou nelles muitos signaes da sua passagem - desde os
mal de enormes propor~oes - "o tatú-ass1í, o qual deve seus esqueletos até os talismans dos seus cultos ; desde as
ter sido identico ao Glyptodonte", cuja carapaga, en- suas armas até os seus adornos.
contrada na Republica Argentina e em diversos pon- Em Alagoas, existem muitos sambaquis, os quaes
tos do Brasil, pode abrigar um boi. ainda nao foram estudados, sendo poré~ barbaramente
As galerias attribuidas ao "tatú-assú, devem ser destruidos para a fabrica~áo de cal.
examinadas, porque é_ bem provavel que ahi ainda pos- Em o numero 1 do volume III da Revista do I nsti-
sam existir armas e utensilio~ do hornero primitivo. tuto Archeologico e Geographico .Alagoano, tratando do
municipio de Coruripe, o dr. Francisco Izidoro assim se
. ¡
exprime : "Ha, a meia legua da séde da cidade e a urna
II do Pontal, um enorme sambaqui come~ado agora a explo-
rar, para o fabrico de cal, o quaí denota ·a existencia de
SAMBAQUIS um cemiterio ou de urna aldeia de tribu de indios.
Allí, tem se encontrado iga~abas com ossos petrifi-
Tambero denominados ostreiras e sernambys. Sao cados, machados, arma de guerra, piloos e outros arte-
muito semelhatnes aos kjokhenmoddimgs das costas da factos de pedra mui rusticos que pelo seu estado deno-
Dinamarca. tam urna origem remota".
Representados por montoes de conchas, cascas de os- Um mo~o, empregado viajante do commercio de
tras, sernambys, sururús, e diversos crustaceos, encon- Maceió, declarou-nos ter visto em Coruripe diversos sam-
tram-se em muitos pontos do littoral do Brasil e nao baquis. (117) Falou-nos tambem numa especie de
raramente em sitios distantes da costa. aterro que alli existía num pantano e que passava por
ser obra de hollandezes.
Os archeologos ainda nao estao de accordo sobre a
Informaram-nos que um pouco adeante do Porto do
sua origem. U ns dizem que sao restos de cozinha d~
Francez e tambero na praia ao .norte de Maceió, veem-se
homem primitivo, out.ros os julgam ·monumentos prehis~
muitas ostreiras. Vale a pena serem examinadas.
toricos, talvez monumentos funerarios, e ainda outros
pensam que os sambaquis sao devidos a causas pura-
mente naturaes - ao acumulo de conchas na praia, acu· (117) O illustrado dr. Castro Azevedo, muito recen-
temente, nos fez referencias a sambaquis em Coruripe os
mulo produzido pelo refluxo da maré. quaes ficam situados ha tres leguas da costa. '
244 ALFREDO BRANDAO
A ESCRIPTA PREHISTORICA DO BRASIL 245
perior é um pouco aspera. Pela sua bella cor verde e N.0 6 - Machado de pedra cinzenta com 13 centi-
pelo cuidado do polimento, parece ter pertencido a chefe metros de circumferencia e 9 de extensao. O gume
de tribu. Foi encontrado no municipio de Anadia. acha-se gasto, sem duvida pelo uso. A extremidade op-
posta apresenta um vinco bem pronunciado, mostrando
N. 0 2 - Machado de pedra verde-claro (nephrite
o vestigio do encabamento. Foi encontrado no munici-
ou jadeite Y), com 10 centimetros de extensao e 11 1/2
pio de Anadia.
de circumferencia. A ·contextura desta pedra é menos
N.0 7 - Machadinbo de \pedra granitoide, solida,
dura do que a da precedente e o trabalho do polimento
com 10 centímetros de circumferencia e 6 e 1/2 de com-
nao é tao esmerado. Este instrumento foi encontrado
primento.
no municipio de Paulo Affonso.
O gume acha-se um pouco estragado. Parece ter
N. 0 3 - Machado .de pedra ligeiramente avermelha- servido de raspador. Foi encontrado no municipio de
do que, pela sqa estructura, parece pertencer á classe dos Alagoas.
fibrolithos. Tem 14 centiµ1etros de ·extensao e 14 de N. º 8 - Grande machado de pedra polida, que pa-
~
circumferencia. Apresen~a a fo~ma de um cylindro rece diorito. Pesa mil grammas, tendo l8 centímetros
achatado no sentido do comprimento. A extremidade de extensao e 19 de circumferencia. o todo aff ecta
inferior, polida em bisel, constitue um gume cortante. urna forma achatada. Apresenta duas faces quasi pla-
A extremidade superior parece ter sido simplesmente nas e dois bordos ligeirainente convexos. O gume, que
talhada. deveria ser muito cortante, acha-se gasto pelo uso. Este
Foi enco:qtrado no municipio de Paulo Affonso. instrumento parece ter sido utilizado para cortar arvo'"
res e é bem provavel que fosse manuseado sem encaba-
N. 0 4 -- Pequeno machado de pedra escura que
mento. Foi encontrado no municipio de Anadia.
parece diorito. Tem 7 centímetros de extensao e 13 de '
. circumferencia. É ligeiramente puriforme e parece ter N.º 9 - Machado de granito com· 14.centimetros de
sido usado como percutidor. Foi encontrado no muni- circumferencia e 12 de comprimento. Como o prece-
cipio de Anadia. dente, apresenta uma f.orma achatada, porém o trabalho
do polimento é menos esmerado. Foi encontrado no
N.0 5 - Pequenino machado de pedra granitoide,
municipio de Anadia.
com 5 centímetros de extensao e l.0 de circum.ferencia.
O gume é polido obliquamente. Parece que era empre- · N.0 10 - Machado de granito, rico em mica. Pa-
gado pelo homem primitivo como raspador. Foi encon- rece pertencer a urna industria mais primitiva, ao pe-
trado no municipio de Anadia. - riodo da transi~ao entre a idade paleolithica e a neoli-
•
A EsoRIPTA PREIDSTORICA Do BRASIL 249
248 ALFREDO BRANDAO
thica. A pedra apresenta vestigios de ter sido talhada veria ser usada pendente, ou do labio inferior ou do
e polida grosseiramente, sendo a sua superficie bastan- lobulo da orelha.
te aspera. Apresenta os caracteres do typo coup de
poing, de ~iortillet. Foi encontrado em Anadia. N.0 17 - Fragmento de tembetá da mesma pedra
verde, mostrando ser mais volumoso que o precedente.
N.0 11 - Machadó de pedra grosseiramente polida..
Ambos foram encontrados, ao lado de ossos humanos,
Tem 12 centimetros de. extensao e 15 de circumferencia.
dentro de' urna igac;aba, no municipio de Anadia.
Como o precedente, parece pertencer ao typo c0iup de 1
' <
250 • ALFREDO B ºRANDAO A EsoR.rPTA PREHISTORIOA oo BRASIL 251
A verdade, porém, é que ainda nao se poude expli- É um problema que ainda nao f oi resolvido e éuja
car ao certo, a origem dessas pequeninas joias, on an- solu~ao virá talvez, trazer alguma luz sobre o passado
tes amuletos, visto como eram levados com respeito su- do homem americano.
persticioso. Parece, no entanto, que os abo:1igenes os Co.mo se verá no nosso livro sobre a Vi~osa, nesse
tinham herdado dos seus antepassados e que ás pedras municipio já se tem encontrado amuletos de pedra verde.
verdes se ligam antigos mythos .do velho continente.
IV
Sabe-se, realmente, pelas narrativas de Plinio,
, o ve-
lho, que antigamente a jadeite e a nephrite {pedras MONUMENTOS MEGALITHICOS
de que sao feitos os muyrakytás) eram usadas para curar
todas as molestias .e especialmente as dores dos rins. Em Alagoas nao sao raros os pontos onde se veem
1
A questao das pedras verdes tem suscitado seria essas testemunhas irrefragaveis da existencia do homem
t .
'
em idades antiquissimas. Sao dolmens, cromlecks, me-
controv:ersia entre os ethnologos.
nkirs, pedras de equilibrio (loghans) pedras de trempe,
O immortal naturalista Alexandre de Humboldt, re-
p_edras de sino e muitos outros monumentos de pedra
gistava o facto de nao existirem essas pedras na Ame-
rica, fazendo parte de montanhas ou de serras, e que, no bruta ou ligeiramente talhada.
enta;nto, eram encontrados a · cada passo objectos dellas O dolmen é formado por urna lagea disposta horizon-
~ '
fabricados. tal e obliquamente sobre uma ou mais pedras verticaes.
'
O que se colheu dos indios, sobre a origem dos Uns parecem ter servido de tumulos e outros de altares.
tembetás, f oram apenas explica~óes absurdas : a pedra Em nosso livro V~osa de Alagoas, referimo-nos a dois
verde existiría sob a forma de barro maleavel, no fundo dolmens que tivemos occasiao de ver - um no engenho
de um certo lago, nas cabeceiras do río J amundá. •
Matta Verde e outro na· fazenda Veados. (119)
Logo depois de se preparar o ªID:uleto, o barro fi- Vamos transcrever o que dissemos a respeit.o :
caria endurecido, tomando a · comistencia da pedra. ·
"Um verdadeiro dolmen, encontrei no engenho
O nosso sabio Barbosa Rodrigues, baseando-se nou- Matta Verde, numa grota dominada pelo alto da Boa
tro sabio, o allem~o Fischer, attribue ás pedras verdes
uma origem asiatica, porém Sylvio Roméro, por seu lado,
apoiado-se na opiniao do dr, Meyer, contesta este modo (119) Alfredo Brandáo - Vi~osa de Alagóas -
(Notas historicas, geographicas e archeologicas) - Recife,
de ver. 1914.
,
252 ALFR E DO BRA N DAO A EscRIPTA PREHISTORIOA DO BRASIL 253
Vista. Consta de uma pedra plana superposta sobre entre si e mui intimamente unidas. Apresentava tres
tres pedras brutas. O que torna esse dolmen curioso, faces: urna anterior e duas lateraes. O fundo encos- •
nao é somente o facto de se achar no meio do leito de tava no morro. A face anterior poderia ter uns oito
um regato (nao tendo, portanto, servido de tumulo), metros de comprimento para uns seis de altura. Nao
mas, a anormalidade da disposi~ao da pedra que serve . havia signa! de portas. . Nos dois lados dessa constru-
de meza, a qual, em vez de estar a chato, se encontra de c~ao cyclopica, viam-se os vestigios de urna especie de
lado, sobre ·as outras. . Numa das extremidades veem-se cerca ou fortificagao, fe ita de pedras brutas dispos~ás '
alguns riscos dispostos em angulos." perpendicularmente no chao, prolongando-se em gran-
de distancia. No espa~o limitado pela cerca, do lado
"No sitio Sapucaia, no engenho Bom Jesus, existe
direito, notei um grupo de pedras que parecia um
um pequeno monumento prehistorico que, segundo a
descripgao que fizer am, parece ser um cronileck - tra- dolmen, e perto deste urna pequena lagea coberta de
riscos dos quaes tirei urna copia. Tambem tirei urna
ta-se de um circulo formado de pedras brutas implan-
grosseira planta de todo o monument~. Quando o
tadas verticalmente no solo."
desfruiram, encontrarami' diversos amuletos de pedra
"O monumento prehistorico de Vigosa, o mais im- verde talvez nephrite ou jadeite."
portante que cheguei a ver, já nao . existe, pois foi
Ao lado dos dolmens, se encontram com frequencia
demolido mui recentemente, quando se construia cr
os cromlecks ou círculos de pedras brutas. Especial-
prolongamento da via-ferrea que se destina a Palmeira
' mente no serta.o, é preciso distinguil-os dos curraes de
dos Indios.
•' pedra, · que pertencem a época actual.
"Essa recordagao do homem primitivo, a que me Muitas vezes representam verdadeiras trincheira;a
referi ligeiramente na memoria, por simples informa- do- homem p~hnitÍvo.
.
~oes, e que ficava no sitio Veados, foi por mim visitada
posteriormente, em principios de 1911, antes de ~erem ·
. Soubemos que acima de Sant' Anna do Ipanema,
no lugar chamado Olhos d 'agua do Frade, na margem
oome~ado o servi~o de demoligao. Dava a idéa de ,um~
velha ' fortaleza, lembrandoªº mesmo tempo um ciesses
turnuli gaulezes, tao magistralmente descriptos pelo
do caminho, existe uma especie de b'aluarte de pedras
soltas, parecend~ com um cromleck ..
\ Nunca tivemos occasiao de ver menkirs em Ala-
sabio Alexandre Bertrand. Era formada · de gran:de8
goas, mas pelas descrip~ao que nos fizeram de certas
pedras ou lageas, regularmente talhadas, superpostas
pedras, suspeitamos que elles existem no centro do
Estado. Alguns monolithos da esta~áo da Pedra me-
254 ALF R E Do B R A N . DA o A EscRIPTA PREHISTORICA oo BRASIL 255
recem estudo. Nas mesmas condic;óes se acha um outro collocar sobre ella urn caldeirao de ferro, no qual
monolitho· da fazenda Navio, no municipio de Agua preparava um'a sopa de enxofre. •
Branca. O nome da fazenda origina-s~ da forma da Na esta~ao prehistorica da fazenda Veados, se-
pedra. gundo · asseveram os moradores da visinhanc;a, appare-
As t1·ernpes, formadas por tres grandes pedras dis- ciam visagens, ao meio dia e á meia noite.
postas em angulos equilateros, sao frequentes ~ ca- Um alrnocreve relatou-nos que passando ahi urna
tingas de Alagoas e Pernambuco. Interrogue-se qual- vez, vira no alto do serrote urn cabrito luminoso.
quer sertanejo que elle dará indicac;oes dessas curio-
sidades.
As pedras de equilibrio parecem, com~ os menkirs, V
assignalar algum feíto. .
AS CHAS DE CACOS E ÓS RESTOS DE CERAMICA
Urnas das mais importantes de que tivernos scien-
cia, é a do Serrote do Thirnoteo, distante duás leguas Vamos comec;ar o presente paragrapho citando
ll.a cidade de Paulo Affonso..
alguns to.picos da nossa memoria - V estigios de Ra<;as
Tal monumento consta de tres pedras arredonda- prelastoric'as na Vigosa - apresentada ao Instituto
das, collocadas urna sobre a outra - a da base é rnuito .A.rcheologico e. Geographico Alagoano, na sessao de 12
volumosa, a do meio tem um diametro menor e a do Julho de 1910. (120)
vertice é a de proporc;ao mais rednzida. ·"No engenho Paredóes, de propriedade do coronel
Cita-se o caso de urna pedra de sino, perto de José Aprigio Villela, existem diversas chas onde a
Aguas Bellas, que quando era vibrada se ouvia na qnantidade de ca~ é tao grande que, quando ahi
distancia de urna legua. Ha com certeza muito exag- fazem ro~ados, difficulta a lavragem do solo.
, gero neste relato. Ti~mo& occasiao de observar pe- Nas primeiras derrubadas, os restos de lou~a foram
dras sonoras, no municipio de Vi~osa, mas as vibra~óes encontrados em grandes fragmentos, achando-s~ tarnbem
sao ouvidas apenas ha poucos passos. ás vezes, enterrados em pouca profundida'de1 vasos em
forma de grandes potes de boc~a larga e de paredes bas-
Os ingenuos filhos da matta e do sertao inventam
lendas muito interessantes sobre essas curiosidades: de ( 120) A memoria foi publicada no Jornal de Alagoas,
em suas edi~oes de 26, 27, 28, de Julho de 1910 e no numero
urna grande trempe existente para os lados do rio Sao 4 da Rev'ista do Instituto Archeolog'Íco e Geographi,co Ala-
Francisco, contava-se que o diabo, todas as noites, ia goano, de Dezembro de 1913, tendo sido mais tarde incluida
no livro Vifosa de Alagoas.
256 ALFREDO BRANDÁO
A EscRIPT4 PREHISTORICA no BRASIL 257
tante espessas. Esses vasos, segundo me inf-0rmaram,
.. apenas continham urna pequena quantidade de terra. simples reflexao sobre o papel e fins do mound, demo- •
Em taes locaes, tambem foram encontrados cachim- veu-me a primeira idéa. Com effeito, taes monumen-
bos de barro, de formas esquisit.as e descommunaes. tos, oomo os teocalis dos aztecas e as chulpas das mar-
Todas essas preciosidades, sendo estragadas pelos gens do Titicaca e do Umaio, no Perú, eran;i construidos
r0<}ados que todos os annos se repetem nos mesmos ter- nao· somente para servir de templos e tumulos, mas tam-'
renos (porque a experiencia demonstrou que as chas de bero de pontos estr ategicos de .observa~ao e defesa.
oacos sao extraordinariamente ferteis)' tendem a desap- Ora, num terreno extremamente accidentado como
pareoer em um futuro mais ou menos ,proximo, desap- o da: Vi~osa, onde os valles estreitos serpenteiam como
parecendo da nossa prehistoria. profundos f óssos num labyrintho de montes e colinas,
Deilando para posteriores observa~oes as chas do · n.ao seria razoavel admittir que as ra~as antigas se des-
C~ngote, do Urubú e da Boa Vista, ·muito ricas em des- setn. ao trabalho de construir novos montes, quando qual-
tro~<;>s antigos, encaminhei-me para a .que é especialmen- quer chapada poderia offerecer todas 3fi condic;oes de
. te conhecida pelo nome de Cha de Cacos. . seguranc;ta e defesa.
O monte, cuja chapada tem tal designac;tao, fica á Logo em meio da subida, come<;aram a apparecer
margem directa do Riachao, regato um pouco volumoso os fragmentos de louc;ta, em quantidade crescente á me-
nas esta~oes invernosas, o qual, banhando o municipio dida que eu galgava o cume. Ahi entao, através do
pelos lados do nordeste, vae lan~ar-se no Parahybinha. algodoal que o cobria, os cacos appareciam aos montoes, ..
Esse monte tem mais ou menos a forma de um cone de ~odo que se poderia julgar que tinham sido accumu-
truncado, sendo de facil accesso pelo lado do poente. lados por muitas gerac;toes.
Ao contornal-o, em um estreito valle entre a sua base e o Os fragmentos eram grossos, de tres a quatro cen-
Riachao, fui impressionado nao só pela sua conforma- .timetros de espessura, a presentando alguns o abahula-
~ªº especial, como taníbem pelo facto de encontrar-se mento peculiar ás parte de grandes vasos, pelo que i¡pa-
elle ligado por urna ponta de terreno, que1 me parecen ~inei tratar-se de r~stos de iga~a~as. ·
um aterro, a um otitro monte qu~ nao ·pude explorar, Toda louc;ta representava o producto de urna cera-
visto achar-sé coberto de capoeiroes. mica rudimentar, nao se notando o menor adorno que
A principio pensei que estava deante de um . desses · revelasse gosto esthetico. Era mal cozida, pois a parte
mounds contruidos pelo homem primiti~o, e que sáo tao voltada para cima achava-se gasta, manifestando a acc;tao
communs no Arkansas, no Ohio e no Miss~ipi, mas a dissolvente das aguas da chuva. Alero disto se que-
brava com facilidade e tinha urna éor negra de fumac;ta.
,
confec~ao,
(
-A materia prima empregada na era urna Esse objecto pertence ao tempo actual ou ao pre-
argilla grosseira e mal trabalhada, pois a superficie de historicof
sec~ao de um fragmento, apresentava-se aspera e pon- A materia prima de que é confeccionado e a f órma,
tilhada de pequeninos graos de seixo branco. Em al- poderiaqt fazer pensar num trabalho da nossa época,
guns pedac;os, mais raros é verdade, notei que a parte mas ha nelle uns riscos que lembram signos antigos.
concava era coberta de um verniz acinzentado, sem du- N<> que diz resp~ito á mat,e ria prima, lembramos
vida destinado 'a tornar a louºa impermeavel. que, distante urnas 3 ou 4 leguas da Chá-Preta, ex~ste,
Um facto essencial despertou-me a attenºªº: todos no sitio Lunga, urna grande mina de marmore.
os destro~os que ~i se achavam eram apenas os restos Fizeram-nos referencias a outras chiis de cacos em
de utensilios domesticos, nada havendo que podesse re- Atalaia, Capella, Paulo Affonso e Palmeira dos Indios.
velar, pelo menos no exame superficial que fiz, ruinas Neste ultimo municipió descobriram, ha poucos annos,
de construcºóes. ' ' · um cemiterio de aborígenes : f oram desenterrados iga-
A' primeira vista, julguei ser 'o povo que ahi tinha ºabas contendo esqueletos humanos, collares de ossos e
vivido pertencente a ra~as nomadas que habitavam em machados de pedras em forma de crescente (amuletos
tendas, ou entao representantes dos aborígenes que po- do culto de J acy, a-lua).
voavam o territori9 de Alagoas na época do descobri- Os restos de ceramica encontrados em .Alagoas, ao
• mento do Brasil, os quaes, como é sabido, construiam as ~ontrario dos monumentos megalithioos, parecem per-
suas habita~oes de ramos e folhas de arvores, que desap- a
tencer ra~as que viveram num tenwo mais ou menos
pareciam com o tempo, sem deixar vestigios."' recente; n.o entanto, pensamos que se forem feítas esca-
No municipio de Vi~osa? ainda se encontram diver- vagoes, seráo encontrados vestigios d 'urna civiliz~~ao
sas· chas de cacos, taes como as de Gereba, Mar Verme- ' .mais adeantada..-
,
·lho e. Cha-Preta.
O d~. Brandao Villela, enviou~nos ha pouco t~mpo VI
urna interessante curiosidade encontrada nessa ultima INSCRIPQoES EM ROCHE'DOS
localidade : trata-se de um objecto de uns 20 centinie-
tros de comprimento, affectan~o ·a forma de uma coro- Já em 1869, o inglez Richard Burton <lava noticia
nha de espingarda. E' de marmore branco e compacto. de inscrip~óes no Baixo Sao Francisco. No sitio Ita-
o polimento é tao esmerado que se diria ser f eito em cutiara, elle viu um talhado de arenito de cuja superfi-
urna officina moderna. · cie se projectava uni rochedo horizontal, em forma de
J
•
'• • 261
l. 260 ALFREDO BRANDÁO
A Eso&IP'.rA PREHISTORICA oo BRASIL
tram lithoglyphos na cachoeira da serra Dois Irmaos, illna esta~ao prehistorica em Sáo Luiz do Quitunde, pu-
no engenho Barro·Branco, no engenho Minas, no leito blicamos na Gazeta de Alagoas, em sua edi~áo de 24 de
do rio Parahyba (perto da ci_dade) 'e no engenho Di- Dezembro de 1~34.
.
moeiro.
A
'
..
Octavió Brandáo, declarou·-nos ter visto riscos de • ¡>, l,
A PEDRA DA MOCA
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varzea e perdendo-se entre collinas coroadas de mattas _percilios, figurando a divindade feminina e ainda mais
e capoeiróes. a pictura do raio e a de mbú, a grande serpente do
. Além fecha o horizonte a serra do Feijó com os sens espa~o.
,•
penhascos abruptos. N~o pudemos examinar a parte posterior do roche-
.A. pedra da Mo~, como é vulgarmente ~onhecida do, visto achar-se coberta de espesso mattagal.
a tal curiosidade prehistorica, acha-se pertó cf~ casa do
~
O Brasil, de norte a sul, apresenta uma quantidade Sobre a pedra serrada, o que podemos por em.quan-
prodigiosa dessas curiosidades. Para explical-as, uma to adeantar, é que ella deve ter servido de balisa e que, •
corrente de archeologos pensa que tudo é obra dos phe- talvez, na phantasia dos montanhezes sobre a existen-
.nicios, os quaes, muitos annos antes da descoberta da cia de thesouros, baja algum fundo de verdade. Nao
America, andaram a visitar as nossas plagas, erigindo thesouroa encantados, mas reaes, representados pela exis-
monumentos e gravando inscripc;óes em rochedos. tencia de minerios na regiio.
J á nos manifestamos contra essas idéas, em diver- Isso nao passa de runa conjectura nossa, conjectu-
sas publicac;óes, e u:r! dos principaes argumentos que ra. a que chegamos
. depois de termos !ido uma noticia
invocp.mos, se acha justa~e~te no facto de taes monu- , de que os hollandezes, durante a sua estadia no Brasil,
mento~ e inscrip~óes nao se' encontrarem somente no lito- tiveram conhecimento da existencia de minas de ouro e·
ral, mas tambem em pontos os mais centraes e recondi- prata, em uma serra que ficava oito leguas a oeste de
tos do nosso paiz. ·Paripueiras.
Tudo dá a entender que esses monumentos myste-. Essas minas, se ~xistem, podem muito bem ter sido
riosos sao devidos a um povo que aqui existiu por e~ploradas pelos atlantes, visto como os metaes pre~
muitos annos, que desenvolveu uma civilizac;ao compati- ciosos, taes como o ouro, a prata e ainda o orioolque,
vel com a sua época, e que essa civilizac;ao s6 poderia eram delles conhecidos."
ser a dos atlantes, pois cada vez Ínais os estudos d8
A nossa terra guarda, pois, em seu seio e· em sua
geología, da oceanographia e da . anthropologia vem de-
superficie, a, historia do homem que a habitou em eras
monstrar que o tao falado continente Atlantida nao -foi
longinquas. O que se torna preciso agora é recolher, sem
uma creaQio phantasiosa da Platao e dos sacerdotes ·de
cessar, os documentos esparsos dessa historia, afim de
Sais. ~
serem apagados os pontos de interroga~ao que enchem
Explica-se, assim, a iIIJ.agem da moc;a gravada n~m
as suas pagina&. ,
rochedo de nosso Estado - era a figura de uma deusa
dos atlantes. Dizemos deusa porque se acha cercada de .
signos symbolizando divindades ou attributQs de divin•
dades.
Seria Athene f Affirmam Perone e Pierre Benoit
que essa deusa antea de ser adorada na Grecia, já era
adorada entre os atlantes, os quaes, de re$to, eram ante-
passados dos gregoa.
\ .
• •
DEDICATORIA • . • 6
. EXPLICAQA.O PRELIMINAR 18
I - lnscripcoes em rochedos do Brasil. Noticia
· sobre a descoberta dessás . inscripcóes e
localidades onde as mesmas se encontram.
Inscripcoes e desenhos da louca de Marajó.
Conjecturas sobre as origens e sobre os
autores dessas inscripcoes. Discussoes suscita-
das. ldéas sobre a existencia, nos tempos
prehistoricos, de ·urna lingua e de urna es-
cripta universaes . 17
11 -- Analogia entre os caracteres prehistoricos
do Brasil e a escripta de diversos povos an-
tigos. Consideracóes sobre a historia do al-
phabeto. Inscripcoes prehistoricas e histo-
ricas do velho mundo. O signario das nacoes
do Mediterraneo no quinto millenio pre-
christao. Ligacáo do sigruvrio com os cara-
cteres prehistoricos do Brasil - •. • i 86 ·
111 - O contacto do Brasi prehistorico com o velho
mundo. A Atlantida e os catacly:smas cos-
micos. Narrativa de Platáo. ldéas de ou-
tros autores sobre a Atl~ntida e o diluvio.
Possibilidade de uma outra conformacáo da
.terra antes dos cataclysmas. Ponto de vista
do autor sobre o local da Atlantida. Confor-
macao geographica do Brasil antigo. Consi-
deracoes sobre urna ligacáo immediata do con-
tinente americano com o velho continente . 54
IV - Vestigios de civiliza coes primitivas do Brasil.
Civilizacáo megalithica. Dolmens, menhirs,
cromlecks, inonumentos cyclopicos. Semelhan-
268 ALFREDO BRANDÁO A E scRIPTA PREHISTORICA no B·RAs IL 269
,·
VIII - lnterpretacao de signos do segundo grupo.
Signos magicos. Signos representando instru-
mentos de mnemotechnica. O olhar de Anban-
gá. Signo da ventania e da inundacao. O
circulo magico
\
• .9 .'f '1
• •
Est.
I - Caracteres do Riacháo · . 22
lI ....._ Caracteres do Engenho Veados. 27
III r-:- Caracteres do Padre Telles . .
, , r , .32
IV - Caracteres da louca de Marajló . 39
V - Quadro Comparat ivo . 43
V~A - Cont. do Quadro . 45
VI ,_ Alguns alphabetos antigos . 49
VII I ' - Inscripcoes da serra Capaoba 60
VIII .- Caracteres da Gavea . 72
I:X: - Inscripcoes da povoacao abando- ·
r,.ada ·Q.o interior da Bahía 80
X - Inscripcoes da Pedra Lavrada 95
XI - Babal. • 217
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