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:4,· ... ·~ P·ERSPECTIVA


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gravou -se no movimento do teatro bras,il~iro com


insigne sbakespeariana de nossacuitura dr-a-
PL''""'''•-'l~"'M"a, destemida, que ja!llais pactuqu com correntes, ideo-
c.íi'i"l;; Al;\'i;,~;;Mi'ri.iíiitt"'"'mm de sua própria opção. Entretanto, seria parcial e
sep temário, de suas buscas e de seu pensame11t0. a
a presente viagem pelos Caminhos do. Teatro Oci"
aos palcos do nós~o século, demonstrará in-
Barbara Heliodora esteoutodo o seu longo e
..: na arena teórica, opinativa e avaliativa - em
<'>·~>i<:1:rwirr•" e dramatúrg~cos do maior e melhor qui-
~dJdslltU~liÓ'~~1'é'í\i~t,Órtão só uma rica contribuição à nossa bibliografia tea-
vv>u.,..av, como um testemunho que fala da qualidade de
sente-se realmente privilegiada por ter tido a
_,~.,_,,-,._ geç~gclef:).uScJ:eve~lo em seu catálogo, no qual, como se sabe, o teatro
de honra. J. GU1NSBURG

Triunfo IEco:w.\TE
I
COLEÇÃO PERSPECTIVAS

Eleonora Duse: Vida e Arte


Pessoa e Personagenr: O Ronwrresco dos Anos de 1920
C iovanni Pontiero
aos Anos de 1950
Linguagem e Vida
Michel Zéraffa
Antonin Artaud
Vsévolod Meierhold
Aventuras de uma Língua Errante
J. Guinsburg Gérard Abensour
Afrografias da Memória Oniska: Poética do Xamanísmo na Amazônia
Leda Maria Martins Pedro de Niemeyer Cesarino
Mikhail Bakhtin Sri Aurobíndo ou a Aventura da Consciência
Katerina Clark e Michael Holquist Satprem
Ninguém se Livra de Seus Fantasmas Testemunhas do Futuro: Filosofia e j\r[essianismo
Nydia Lícia Pierre Bouretz
O Cotidiano de uma Lenda O Redemunlw do Horror
Cristiane Layher Takeda Luiz Costa !.i ma
A Filosofia do judaísmo Eis Antonín Artaud
Julius Guttman Florencc de l\lêrcdicu
O Islã Clássico: Itinerários de uma Cultura Arcrróis: A Arte ele Covemor
Rosalie Helen'1 de Souza Pereira Rosalie Helena de: Souza Pereira
Todos os Corpos de Pasolini Sábato Magaldi e as Heresia:-; elo 'f'c:atm
Luiz Nazario tv1aria de Fátima ela Síh~r -\ssunç8o
Fios Soltos: A Arte de Hélio Oitícica Diderot
Paula Braga (org.)
Arthur M. Wílsorr
História dos Judeus em Portugal
A Alemanha Nazista e os Judeus. Volume 1:
Meyer Kayserling
Os Anos da Perseguição. 1933-1939
Os Alquimistas Judeus: Um Livro de História e Fontes
Saul FriecJ\ijnclcr
Raphael Patai
A Alemanha Nazista e os Judeus, \·'iJlurne 2:
Memórias e Cinzas: Vozes do Silêncio
Edelyn Schweidson Os Anos de Extennínio. 1939-1945
Giacometti, Alberto e Diego: A História Oculta Saul FrícciLindcr
Clauck Delm· Norberto Bobhio: Ti·ajetririd e Ohm
_,,./:\!· (\!~.,· (f:>:.·.f('~r,.~ti~J~·· C:el"' r "d·,_·r
e dos Judeu:-; 1\e(ugiaclos do Nazif(!scismo (1933·1LJ415) (;unzinhos ciu leu!ru ~;uuculdt
l\hrria l .ui7.a Tucci Carneiro Barhara Hei ínclor,r
COLEÇÃO PERSPECTIVAS
dirigida por J. Guinsburg
Barbara Heliodora

Caminhos

..
~
wo•

PA'fROCÍNIO:
do Teatro Ocidental

lncepa ~Propex·· tD Triunfo I"o"""

APOIO:

rne!CL.nnee "'·""
MÀOOJii"lAS E êNG!lNI-WI.IAFWU.IMOC!fW>

REALIZAÇÃO:

SOlAR DO RQSÁRIO

Ministério
da. Cultura

Coordenação do projeto (Lei 1\ouanet): Regina de Barros Correia Casillo,


Lucia Casillo Malucelli e Liana de Camargo Leão

Supervisão editorial:). Guinsburg


.Revisão dos originais: Claudia Braga
Preíxnação de texto: Maria Cristina Daniels
Revisão: Márcia Abreu
~\IJl
~ ~
Iconografia: Helen _Marcia Potter Pessoa
Capa e pro;eto gráfico: Sergio Kon PERSPECTIVA
Produção: Ricardo W. Neves, Sergio Kon, Raquel Fernandes Abranches,
Luiz Henrique Soares, Elen Durando e Mariana Munhoz ~I\\~

••
Sumário ••
••
••
CIP-BrasiL Catalogação na Publicação
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ Apresentação, 15 ••
I. O Começo do Caminho ••
Heliodora, Barbara
Caminhos do teatro ocidental I Barbara Heliodora. -
ed.- São Paulo :Perspectiva, 2013.
1.
19 O Pré-Teatro ••
4.24 p. : 7 i!. ; 23 em.

Inclui bibliografia
(Perspectivas) 21

23
Grécia: Surgimento e Consolidação da Civilização Grega

O Nascimento do Teatro ••
ISBN 978-8<;-273-0990-5

1 'Teatro- História e crític~1. !. Título. Ir. Série.


27

z8
As Artes

A Arquitetura dos 'Teatros


••
CDD: 792
CDU: 792
)1 Os Recursos de Cenografia e Encenação
••
••
3) Os Festivais c Concursos
o8/who13 o8/who13 )5 O Elenco e os Recursos Cênicos

37

41
A Dramaturgia e a Estrutura do Texto

A Poética de Aristóteles: O Nascimento do T'eatro e ••


••
Conceitos Sobre a Tragédia

47 A Tragédia e Seus Três Grandes Autores

Direitos reservados em língua portuguesa à


EDITORA PERSPECTIVA S.A.
Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3025
SOLAR DO ROS,\RiO
R. Duque de Caxia:-, +
57
s8
A Tragédia Depois da Grécia
As Origens da Comédia ••
01401-ooo São Paulo SP Brasil
'I :::~leE1x: ( n) 3sss-8s88
www.editora perspectiva .co! n. b 1
2013
80510-200 Curitiba PR Br;Jsil
Te!efax: (41) )22S-(>:~z
www.solardorosario. COill. b 1
S<J A Comédia: Estrutm<l elo Texto c Versificação

Aristóbnes, a Comédia Antiga c a Decadência Ateniense


•• •
••
66 A Comédia Nova
I I. O Teatro em Roma III. Idade Média

71 Formação da Civilização Romana 101 O Mundo Medieval e o Renascimento do Teatro

73 A Cultura Romana lll O Teatro Medieval Italiano

74 As Primeiras Manifestações Cênicas 112 O Teatro Medieval Espanhol

77 O Teatro Romano e os Estilos Literários O Teatro Medieval Alemão


8o Os Primeiros Autores Romanos O Teatro Medieval Francês
Os Grandes Autores 121 O Teatro Medieval Inglês
A Realização dos Espetáculos 128 Enfim

89 Os Recursos Cênicos
A Comédia Romana IV. O Renascimento na Itália
92 Sêneca, a Tragédia, e Sua Influência Sobre
o Teatro da Renascença
O Renascimento na Europa e a Sociedade Italiana
A Decadência do Teatro e o Seu Desaparecimento
1 34 A Arte Renascentista e o Teatro Italiano

139 A Commedia dell'Arte


••
••
••
••
••
v. O Século de Ouro Espanhol VII. O Teatro na França: O Absolutismo
••
149 A Unificação da Península Ibérica e a Formação do Império
Espanhol
201

203
Da Idade Média à Renascença: Transformações

As Teorias e Convenções
••
151

154
O Surgimento do Teatro Renascentista Espanhol

Os Primeiros Autores
207 Os Primeiros Autores e Obras
••
156
160
Lope de Vega
Os Últimos Grandes Autores do Século ele Ouro
209

213
Corneille e a Polêmica do Cid

Racine: O Triunfo da Tragédia "Acadêmica" ••


2l6 Moliere: O Espírito Cômico da Renascença Francesa
••
••
VI. Teatro Inglês: Tudor e Stuart
VIII. O Século XVIII e a Ascenção da Burguesia

167
170
O Contexto Pré-Elisabetano
O Teatro Elisabetano
227 O Contexto I-Hstórico Francês
••
••
229 O Teatro Francês elo Século XVII! e a Superação
195 A Revolução Republicana e a Restauração Monárquica do Neoclassicisrno

O Teatro Italiano do Século xvm

••
232

236 O Teatro e as Revoluções Burguesas na Europa

239 O Teatro Alemão do Século xvm

••
•• •

IX. O Teatro no Século XIX XL Américas
245 Surgimento do Romantismo na Alemanha: O "Pré-Século XIX"

252 O Romantismo na França 325 América elo Norte

255 A Transição Para o Realismo 349 América Central

258 O Realismo 354 América do Sul

263 A Dramaturgia

XII. O Teatro no Brasil


x. O Teatro no Século xx
281 O Contexto Histórico 369 O Contexto elo Descobrimento c o 'lcalro de "Evangelização"

282 As Inovações Introduzidas na [nterpretação 171 Esparsas Tcntati\'aS Antes do Surgin ICiltO clu. rcatro no Brasil
e na Drame~tmgia: O Naturalismo
~74 A Consciéncié, ele Naç:1o e o N:m:illlenlo elo Teatro
289 A Evolução das Transformações Mundiais Brasileiro

290 Um Realismo Imaginativo 381 O Século XIX: Perseverança 11a Descontinuidade

292 O Agit-Prop 391 Século xx: Dmmaturgia e Vida 'Jeatral ,\té os Anos ele 1940

293 O Expressionismo 400 Os Comediantes: o Fenômeno Nelson Rodrigues e o


Estabelecimento do Teatro Moclemo
297 Transformações do Espaço Cênico
406 O Século xx se Acaba: Perspectivas Para o Próximo Milênio
299 Novamente a Dramaturgia

304 Bertolt Brecht e o Teatro Épico


Bibliografia, 419
)lO A J\1aturid:Jdc (Ll For:JJ:.J Li\rc

••
Apresentação ••
••
••
A INTENÇÃO DESTE LIVRO é a de apresentar aos que pensam seguir
uma carreira ligada ao teatro, assim como aos espectadores curio-
••
sos a respeito de uma arte ,que apreciam, um panorama geral do
caminho percorrido pelo teatro no Ocidente, desde seu início, em ••
Atenas, até a segunda metade do século XX. Ouanto ao novo século,
não creio haver ainda o mínimo daquela objetividade necessária para
qualquer comentário válido e que só o tempo dá.
••
De todas as artes, a dramática é a única dedicada exclusivamente
a comportamentos humanos e creio que, por isso mesmo, ao refletir ••
os hábitos e costumes do momento no qual ele é criado, o teatro nos
dá um retrato fiel do trajeto do mundo ocidental desde que ele nas-
ceu. Procurei seguir as linhas mestras do contínuo desenvolvimento
••
do teatro ao longo do qual dramaturgia e palco se têm desafiado e
alimentado mutuamente, sempre refletindo - voluntária ou invo- ••
luntariamente- o ambiente em que ele é criado, já que ele é, corno
diz Hamlet, um espelho da natureza.
O teatro, ou seja, o conjunto de texto e encenação, é uma arte
••
fugidia, pois, infelizmente, deixa de ser teatro mesmo quando é fiel-
mente documentado, ou quando é adaptado para o cinema ou a tele- ••
visão. Por isso mesmo, a história do teatro é mais a história do texto
dramático do que do espetáculo, urna riqueza infelizmente perdida
graças à sua própria essência. Isso não impede que seja necessário
••
ter sempre em mente que as linguagens que o compõem são várias
e que, em todos os grandes momentos de sua história, o teatro viveu ••
um equilíbrio delas todas, sem que texto ou encenação fossem domi-
nantes no espetáculo. Se na complexa arte elo teatro elo passado só
nos restam os textos e comentários ele críticos ou espectadores, não ••
podemos nos esquecer que os bons autores sempre trazem em suas
••

obras informações e sugestões a respeito do que seria sua vida cênica
e que é bom ter isso em mente quando se lê uma peça teatraL
Este livro é realmente apenas uma introdução; cada um dos perío-
dos que o formam mereceria, só ele, vários volumes, quando se pre-
tender fazer um retrato fiel e integral; mas espero que o leitor, com as
informações dadas, possa ler peças c;om mais prazer por conhecer um
pouco mais as condições que levaram àquela dramaturgia específica.
É com prazer que expresso aqui a minha profunda gratidão a
Regina de Barros Correia Casíllo e Lucia Casillo Malucelli, gran-
I.
des guias das várias e notáveis atividades do Solar do Rosário; seu
estímulo, sua perseverança e paciência são em grande parte respon-
sáveis pela realização deste v~lho sonho de falar da história do teatro
a um público mais amplo. Quero agradecer também à dra. Liana
de Camargo Leão pelas muitas conversas que deixavam mais claro o O Corneço do Caminho
caminho a ser tomado e à dra. Claudia Mariza Braga pela organiza-
ção, preparação das notas e cuidadosa revisão dos originais deste livro.
Tenho consciência da omissão de muitos autores de obras significa-
tivas, mas tive de optar pelos mais representativos dos caminhos que
o teatro percorreu para expressar as transformações por que passou
o mundo ocidental nesses 25 séculos. E sinto muito se deixei de atri-
buir, no texto ou na bibliografia, alguma fonte ou obra citada; com
tantos anos de leitura e também de ensino de história do teatro, já
não posso saber o que teria, lá longe, provocado o início de alguma
linha de pensamento. A todos eles, no entanto, sou igualmente grata.

••
••
••
••
O Pré-Teatro ••
A DRAMATIZAÇÃO COMO VEÍCULO de imitação muito provavelmente
••
já existia desde a Pré-história, em forma de dança ou canto, com
o objetivo de evocar a chuva, a caça ou outras atividades básicas. ••
Tais dramatizações, porém, não conduzem ao nascimento do teatro,
mas, sim, ao de rituais que aos poucos foram adquirindo uma forma
específica, cujo rigor de execução e repetição viria a ser tido como
••
crucial para que o ritual alcançasse seu efeito.
Com o tempo, os grupos humanos foram crescendo e, aos poucos, ••
transformaram-se em unidades sociais mais complexas, com o enri-
quecimento de linguagens verbais que lentamente vieram a se tornar
ferramentas aptas à expressão de pensamentos abstratos. Da mesma
••
forma, evoluíram os processos de imitação, que viriam a incluir cultos
que buscavam a proteção do herói ou aplacar o mal trazido por inimi- ••
••
gos, bem como o culto de forças maiores, a princípio de árvores ou ani-
mais, mas também eventualmente transformados em adoração a deuses
invisíveis que seriam a verdadeira força por trás da vida neste mundo.
Antes da existência de uma escrita para acompanhar essa evolu-
ção, é inútil tentar imaginar detalhes de tais cultos. Porém, o pro- ••

cesso, ao longo dos séculos, adquiriu características que se tornariam
sementes de vários aspectos do teatro. Em primeiro lugar, o uso de
máscaras e vestimentas que recobrissem todo o corpo daquele que,
no ritual, iria apresentar-se como deus ou herói, por exemplo, a fim ••
de evitar sua identificação como integrante do grupo. Aos poucos
apareceu também uma açãn, que explicitava o culto, depois um
diálogo e, como último elemento, alguma forma de ambientação.
••
••
Um simples culto agrícola com origem na importância do trans- Grécia:
bordo periódico do rio Nilo, por exemplo, sofreu progressivos aprimo- Surgimento e Consolidação
ramentos e alterações que culminaram na Paixão de Osíris encenada
da Civilização Grega
em Abydos, no Egito, no ano de z.6oo a.C., em solene ritual que
durava cerca de duas semanas. Todos os elementos que viriam pos-
teriormente a for.nar o drama e o teatro propriamente ditos já .esta-
o FENÔMENO DA CULTURA grega, grande matriz ele toda a cultur::J oci-
vam presentes na Paixão de Osíris, que é apenas um ritual religioso,
dental, não se deu ao acaso nem por milagre. Entre 3000 e 2000 a.C.,
destinado à reafirmação de crenças oficiais.
ocorreu o florescimento do império egeu, que abraçava as civiliza-
Tais ritos "pré-teatrais" refletiam um mundo que só admitia uma
ções minoana e rnicena. A arte era requintada, o governo centra-
forma de olhar, a subordinada ao pensamento religioso dominante
lizado, chefiado por reis ou imperadores. Na fase minoana foram
tanto no governo quanto na estrutura social. Esses aparecerarn igual-
construídos na capital Cnossos, em Creta, palácios de arquitetura
mente em várias outras culturas que floresceram em torno da parte
bastante complexa, incluindo banheiros e depósitos subterrâneos
leste do Mediterrâneo, todos ~les igualmente dramatizados e cenica-
suficientes para dar origem à lenda do Minotauro. Foi uma cultura
mente ricos, em sociedades também subordinadas a estruturas reli-
em cuja evolução chegou a existir uma linguagem escrita, infeliz-
giDsas. Em todas elas surgiram "paixões" dos seus deuses dominantes,
mente não decifrada até hoje. Na religião, a deusa principal era
como as de Tamuz e Adônis, por exemplo. Todas as "paixões" tinham
mulher e os rituais bastante elaborados.
a mesma estrutura temática, composta por nascimento, vida, sofri-
Ao mesmo tempo, na península helênica, apareceu a cultura domi-
mento, morte, pranto e ressurreição, pois, para o ser humano, viela
nada por Micenas que, stipostamente, corresponde à mítica Idade
e morte são sempre o mais fascinante dos mistérios.
20
Heroica da Grécia, também já com escrita, esta, porém, parcialmente
O teatro, no entanto, não é consequência direta de nenhuma 21
decifrada. Por volta do ano zooo a.C., tribos bárbaras indo-europeias
dessas manifestações religiosas. São várias e insatisfatórias as teorias
vindas da Europa central, às margens do Danúbio, corneçararn a des-
sobre o aparecimento da arte teatral no final do século VI a.C. ern
cer para a península helênica. A primeira tribo foi a dos agueus, che-
Atenas. Para o nascimento do teatro pesa sem dúvida a inf1uênc1a
gada por volta de 2000 a.C., mas a partir de 1.500 a.C. é que a migraçJo
dos ditirambos, cantos líricos para glorificação de Dionísio; mas <ité
~e tornou regular. Em 1200 a.C. as migrações estavam complet31s e
mesmo a consagrada versão que atribui o nascimento ela tragédia a
todas as tribos relevantes j~í estavam estabelecidas na península. E ela
Téspis - que segundo Aristóteles inventou um prólogo e urna fala
integração de todas essas tribos que se formaram os "helenos".
fixa- apenas por ter ele assumido o papel de Dionísio e dito "eu fiz"
Os invasores eram pastores que viviam nos vales e trouxeram o
em lugar de "ele fez" é posta em dúvida hoje em dia.
cavalo para a península. Dos vales eles olhavam as cidades fortificadas
dos egeus, nos topos das colinas, até alcançarem a força para subi-las
e destruírem por completo as antigas cidadelas. O domínio aqueu
não durou mais que um século. Outros grupos foram para o centro
da Grécia e os dóricos liquidaram os aqueus por volta de 1.150 a.C.
Para uma civilização chegar a ter urna arte que a expresse é pre-
ciso que haja alguma medida de lazer, que vem ele conquistas e
desenvolvimento do comércio. Para atingir esse estágio é necessário
não haver mais movimentos migratórios ou conflitos raciais graves

••
e os gregos passaram por todas essas fases. A cultura que começou
em Creta já havia atingido alto nível quando chegaram os aqueus, e
exclusivamente pela força que se mantinham. Para se justificar,
o tirano defendia, ou dizia defender, interesses de camada mais
••
depois os dóricos e os jônicos. Cada civilização superava e destruía
a anterior. Esta, por sua vez, sempre deixava para os novos algu-
ampla da sociedade do que o seu antecessor e, a fim de obter o
apoio da população, buscava legitimar sua tomada elo poder com ••
••
mas contribuições. Os indo-europeus invasores, por exemplo, eram cortes pomposas e grande estímulo aos festejos e às artes. Na Ática,
an.alfabetos, e quando os gregos aprenderam a escrever, por volta de eles se justificaram especialmente por meio da arquitetura, dei-
1000 a.C., tiveram de recorrer ao alfabeto fenício, com raros traços xando como legado grandes monumentos.
de remanescentes cretenses.
Herdando algo de tudo o que houvera antes, foi essa nova civiliza- ••
ção "grega" que determinou a divisão permanente entre "oriente" e
"ocidente", que data do estabelecimento, na península helênica, de
uma nova organização polítiq, cuja característica básica e essencial O Nascimento do Teatro ••
é a separação entre o Estado e a religião, diversa, portanto, de todas
as culturas anteriores.
SENDO A RELIGIÃO DO Olimpo mais fechada e sagrada, instrumento
••
A alteração da posição religiosa foi determinante para o teatro. Os
indo-europeus invasores trouxeram seus deuses um tanto primitivos,
juntaram-nos aos locais, a alguns antecedentes minoanos, e assim
da velha aristocracia, e muitos os membros dessa classe sacerdotes
Pisístrator, o primeiro tirano de Atenas, no poder de 546 até sua mort~ ••
aparecem os deuses do Olimpo. Não se tratou, portanto, ele uma reli-
gião revelada, o que os deixava vulneráveis. Esses deuses não eram
em 527, P,romoveu o culto a Dionísio, um deus mais popular, origi-
nário da Asia Menor. Como uma das grandes teorias sobre a origem
da tragédia dá especial ênfase aos ditirambos, de início grandes odes 23
••
••
22
nem misteriosos nem tão poderosos quanto os do Oriente, apenas
uma espécie de seres humanos exagerados, que viviam exacerbações a Dionísio, podemos perceber o quanto é importante para o teatro
das mais corriqueiras intrigas humanas. Privados de uma divindade tal alteração político-religiosa.
consagradora, eles não podiam ser o aval de monarcas absolutos e
pertencentes a uma classe sacerdotal poderosa, como acontecera nas
culturas que antecederam a grega.
A própria arte do período aristocrático, em harmonia com seus
princípios, fora mais rígida e idealizada, via ele regra, mais dedicada
à religião ou ao culto aos mortos. Com os tiranos, a arte começou a
••
Com a chegada dos invasores indo-europeus, desaparecem os reis
tribais e é criada uma aristocracia da terra. Essa aristocracia passou
ser um.fim em si mesma, cada vez mais um instrumento para servir
à vida quotidiana ela população e voltada para valores estéticos. A par- ••
depois a ser de berço, estabelecendo uma oligarquia, provável origem
da exclusividade ela cidadania ateniense, que até a Idade de Ouro
dependia ele ascendência ateniense por parte de pai e mãe.
tir de então, ficou aberto o campo para o que, mais do que qualquer
outra coisa, definiu a diferença entre os gregos e as civilizações que
os precederam e que permite o nascimento do teatro.
o
..c
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'ê ••
Após o estágio aristocrático há uma fase intermediária, decisiva
para o nascimento ela democracia e do teatro: o período dos "tira-
Outra influência considerável para a nova arte foi o festival da
Panateneia, durante o qual eram recitados os poemas homéricos, de
"'
()
o
-o
o
(.)o
••
nos". Tirano é o termo aplicado a reis não hereditários, por con-
quisb, não necessariamente tirânicos, no sentido com que hoje
compreendemos o termo. Alguns foram altamente competentes
onde saem as personagens que formam a maioria dos protagonistas
das tragédias, cujos textos ainda conhecemos hoje. É assim que,
s"'o
()
o ••
e sua predominância por cerca de dois séculos prova que não era
Governante ateniense que, além de reformas sociais ele porte, traz para a cidade
as competições teatrais chamadas "Grandes Dionísias".
...;

••

na Ática, aparece o conceito da democracia, o qual depende dessa de Sólon mesmo que não de imediato, mas como semente da demo-
2,

liberdade de pensamento. Somente nesse contexto é que nasce a cracia que viria a florescer depois do período dos tiranos, que começa
formação ateniense. com Pisístrato. Com Sólon aparece um novo conceito de leis e jus-
Sobre o surgimento da arte cênica todos falam em Grécia, mas tiça social e tudo ficou radicalmente alterado a partir de então. Só
o teatro aparece exclusivamente em Atenas nas últimas décadas do com a liberdade, que come'ça a preponderar a partir desse momento,
século VI a.C. Nenhuma das versões sobre o advento do teatro, na é possível o advento do teatro, que tem de apresentar pontos de vista
verdade, é conclusiva ou informa qual o momento exato em que se diversos ou contrários para que tenha lugar a ação dramática, na qual
deu o fenômeno da arte dramática. Embora os antigos rituais não o conflito de ideias e convicções é crucial.
sejam a fonte direta do advento da tragédia, sua encenação forneceu Segundo alguns autores, Téspis, criador elo primeiro ator, não teria
elementos que puderam ser aproveitados e adaptados para a apresen- condições de ser responsável pelo drama; mas ao se interessar rrão
tação da nova arte; mas o que aconteceu em Atenas é que alguém pelos momentos de glória, e sim pelos de derrota e morte elos heróis,
teve urna ideia absolutamente nova: usar todos os elementos usados seu sofrimento e aprendizado pela dor, ele pôde conceber o trágico.
nos rituais- ator (oficiante), máscara, ação, diálogo- não para rea- Em suas obras, portanto, das quais só se conhece alguns títulos, o
firmar uma crença ou comemorar algum feito mas, sim, dizer algo protagorrista já teria passado pelo processo trágico c o narra. Com a
novo ou dar nova interpretação a algo já conhecido. criação do segundo ator, Ésquilo seria, então, o verdadeiro criador
É nesse momento que nascem o drama e sua forma interpreta- do drama, que exige ação e conflito.
tiva, o teatro. É isso que faz do teatro uma arte, pois ele deve apre- Não é possível, portanto, apontar um momento específico para o
sentar uma história que se conta para transmitir uma determinada nascimento do teatro, mas não há dúvida ele que a primeira obra dra-
icleia nova ou reafirmada a respeito de comportamentos humarros. mática documentada é Os Persas, de É,squilo, o que o confirma defi-
Sendo uma obra de arte, o teatro (novamente, texto mais espetá- nitivamente como o primeiro autor dessa nova arte que enti'ío nascia.
culo) deve expressar uma ideia ou visão maior, mais arnpla, do que Indicativo de o teatro ter florescido na Grécia durante o período da
a ação que apresenta. A mais tradicional teoria a respeito do ~lp~ne­ democracia (5o8 a 405 a.C.), por exemplo, é o fato de que, para a apre-
cimento do teatro tem Téspis corno figura cel1tral, porqm:, como sentação de Os Persas, o choregus- produtor indicado pelo E:staclo- ter
já dito, na Poética, Aristóteles se refere a ele como respomávcl pelo sido ninguérn menos que Périclesl. Trata-se, além elo mais, ela única
estabelecimento de "um coro e uma fala fixa". No entanto, Aris- obra que nos restou escrita a respeito ele um acontecimento recente e
tóteles escreve pouco mais de cem anos após a vitória ele '1espis sua grande novidade é que a peça não apenas narra a derrota de Dario,
em 534 a.C., no primeiro concurso trágico, e ele realmente não mas, também, empresta a esse acontecimento um novo significado,
oferece, e parece não ter tido, maiores informações sobre como e com Xerxes a condenar o filho por haver agido contra a natureza ao
quarrdo nasceu o drama. querer que seu império cruzasse os limites do continente asiático.
A par de outras teorias sobre o nascimento do teatro, pode-se suge- Introclutor do segundo ator na forma clramcitica, Ésquilo prova
rir como propiciador desse memorável acontecimento o processo em Os Persas que desde o início a forma dramática apresenta duas
político e social da Grécia, mais particularmente de Atenas, justa-
mente por não ser o governo ali entregue a uma casta sacerdotal.
2 EsLJdisla s;rego, cnmíclcrado llrl\ elos m;1is imporl;rnlcs !e~;íshdorcs ;rtcnicnses.
No universo criado por esse novo conceito de organização soci,d e Írrlpi~llltutl itnporL111tcs refonncL'l suci~1ls C!ll .\.lctl~l:-., :.C'IJd(J por J;,'>IJ tido t_·unu) Ulll

política aparecem duas coisas diversas graças à liberdade ele pensa- elos fundadores d;r democracia grega.
1'-42') a.C.) Estadista c estratego grego, urn dos principais líderes ele :'\tcne~s no
mento: a filosofia e o teatro. O grande divisor de águas foi o governo séc11lo \'a.C.

r
••
posições diversas para a construção da ação. Só por meio da confron-
tação de personagens, com níveis de informação e pontos de vista
Os z6 séculos que nos separam da pequena coleção de peças que
representa para nós, hoje em dia, o que foi o teatro grego criaram
••
diversos, cada um falando como sua própria pessoa, é possível reali-
zar a tarefa de apresentar a mudança da situação inicial, no começo
uma quase barreira de excessiva reverência, que atrapalha a aprecia-
ção de uma obra tnnto quanto o faria a total irreverência. ••
da obra dramática, para a situação posterior diferente, em seu final,
sem o uso da narrativa. Xerxes pode não ser mais do que a semente
ainda não fertilizada de um herói trágico, mas a obra Os Persas já '
••
toma o caminho que desde então tem trilhado o teatro no Ocidente:
o de refletir o universo no qual ele é criado e, portanto, ser na ver-
As Artes ••
dade um documentário ímpar da trajetória que até aqui percorreu
a sociedade ocidental.
Ouando nasce a tragédia, o clima político em que vieram a flores-
A ÁTICA FORA RELATIVAMENTE pobre nas artes plásticas até o século ••
cer as cidades-estado não tem semelhança com o dos poemas homé-
ricos. Essas grandes narrativas épicas referem-se ao que podemos
VI a.C. No momento em que a tragédia começava a se apresentar
como uma arte já desenvolvida, a arquitehira grega, que viera ele iní-
cios muito modestos, chegava então à reconstrução do Partenon na
••
••,.
chamar de Idade Heroica, período de formação daquele conjunto
forma que hoje o conhecemos, embora em ruínas. l'v1as nem mesmo
que viria a ser a Grécia. Quando chegamos à imagem da Grécia de
os grandes templos dessa época eram arquitetonicamente complexos.
Péricles, do século v a. C., do Partenon que conhecemos, os ímpe-
Ao contrário, eram apenas uma elaboração progressiva e perfeita da
tos da Idade Heroica já tinham sido substituídos por ideais de certo
forma mais simples que se possa conceber para uma casa: quatro pare-
modo aristocráticos, porém elaborados justamente quando a aristo-
cracia já não era mais a força dominante.
Ocorre que as manifestações artísticas correspondem às transfor-
des e um telhado de duas águas, com um triângulo de sustentação na
frente e um no fundo. Com essa forma básica se faz uma choupana
27
••
mações políticas. Assim, tudo começa com a narrativa épica, que
supostamente não é criativa, mas apenas relata fatos ocorridos, ou
de pau a pique c sapê e com essa forma se chega ao Partenon.
A arquitetura de Creta foi mais sofisticada - com escada curva e
dupla em C nossos- e sua n1onumentalidade, que desapareceu com
••
seja, os poemas homéricos falam da Idade Heroica- a Guerra ele
Troia teria acontecido no século XII a.C.- e datam elo final século IX
ou início do século VIII a.C. O século VII a.C., por sun vez, vê apare-
aquela civilização, só voltou à plenitude no século v a.C., quando
Fídias tornou-se o responsável pela reconstrução do Partenon em ••
cer a poesia lírica, da aristocracia e do lazer, em que o poeta fala de
si, não da comunidade, e no século VI a.C. aparece a prosa político
mármore, onde antes houvera um outro, ele barro e madeira. A esta-
tuária de grandes dimensões ainda pode ser vista hoje, mas ela pin-
tura grega só resta a forma, altamente especializada, elas notáveis
·s •
o
..c:

••
de Sólon. Só na segunda metade do século VI a.C. é que aparecem c
ânforas em cerâmica, com as cores limitadas à da terra avermelhada
as primeiras manifestações trágicas, mas o teatro trágico, tal como o ü"'
e ao preto, com raros toques brancos, porém nada nos permite qual- o
conhecemos, só aparece no século v a.C. com Ésquilo, Sófocles e

••
'V
quer visão do que teria sido a pintura mural. A música e a dança, o
Eurípedes, nos estágios preparatórios e iniciais da democracia. Só a '-"'
Q)
parte da vida quotidiana e elo ritual, terão presença marcante na E
intensa crítica da comédia de Aristófanes e a prosa filosófica é que irão o
forma dramática. O conjunto artístico de Atenas no século v a.C. é ü
corresponder à plena maturidade ela democracia, no século IV a.C.
Enfim, o aspecto mais difícil elo teatro grego é justcunente cheuar-
. l b
mos a ace1t<'í- o pura e simplesmente pelo que ele é: teatro excelente.
impressionante, c é ucssc período ele esplendor artístico, liberdade
de pensamento e equilíbrio político que floresce o teatro grego.
o
....; ••
••
r

A Arquitetura dos Teatros quando tivessem de subir aos céus ou mostrar os deuses. Não sabe-
mos quando o coro começou a entrar pelo parados ou pelas portas
da skene. ·
DA ARQUITETURA TEATRAL NÃO se conhece nada em relação aos está- Ao tempo do memorável nascimento da forma dramática da tragé-
gios iniciais da arte no século v a.C. e, a fim de investigar as possibi- dia, com Esquilo, Sófocles e Eurípedes, a forma do teatro grego, tal
.lidades do processo do desenvolvimento da dramaturgia e da forma como o conhecemos em Epidauro, por exemplo, não existia senão
do teatro em si, temos de levar em conta o fat~ de o teatro como arte em seus primeiríssimos estágios, pois a própria construção do novo
ter aparecido no período dos tiranos, quando da separação entre o Partenon, de mármore, só teve lugar quase cinquenta anos depois de
Estado e a religião - e a consequente liberdade para a especulação Ésquilo ter sua primeira peça premiada no concurso trágico.
filosófica, sem a qual não nasceria a tragédia. O cenário de As Suplicantes exige apenas a presença do altar,
As origens comunitárias dos mitos, portanto, assim como as reu-
niões dos cidadãos, a céu aberto, para a discussão de assuntos rele-
vantes para a comunidade, devem ter tido influência na relação entre
I que era parte essencial das cerimônias religiosas. Por esse motivo, a
peça foi, por muito tempo, erroneamente julgada como a primeira
obra de Sófocles.
palco e plateia. A seriedade de tais discussões e a provável disposição

I
dos cidadãos em semicírculo estão no cerne da criação da forma do
teatro, enquanto, por outro lado, a origem religiosa do drama fica
marcada pela presença de um altar no centro da orchestra, onde
atuava o coro. i
z8
· O mais provável é que, a princípio, tenham sido escolhidos locais
planos, cercados por encostas semicirculares, nas quais o público se I
(

sentava onde quisesse ou pudesse. Não são conhecidos, a não ser


por hipótese, os estágios que separam o primeiro surgimento de um
lugar onde se apresentassem as tragédias gregas c}aquela que viria a
ser a sua forma consagrada. Podemos sugerir um local onde pudes-
sem aparecer a arena central circular e a plateia.
Não sabemos se as áreas dos espetáculos eram elaboradas junto a
algum pequeno templo onde os atores pudessem se preparar, com
figurinos e máscaras, e de onde podiam entrar e sair de cena. Tam-
pouco sabemos quando a skene passou a ser construída só para a reali-
zação de espetáculos, formulada para parecer a frente de um edifício Esquema do teatro grego.
imponente e significativo, contando primeiramente com uma porta
central e, posteriormente, na plenitude de sua utilização, com três A ilustração aqui apresentada é uma forma por assim dizer "ideal"
portas, nem quando, à frente dela, foi estabelecido o proskeníon, o de teatro, em sua maturidade, já definido e consagrado, tendo por
proscênio, que é onde tinha lugar a ação, ou seja, o palco. Por trás base o Teatro de Dionísio, em Atenas, e o famoso Teatro de Epidauro,
da skene, ficavam, então, camarins e material de cena, como pro- em cuja plateia pode sentar-se um público de cerca de dezessete mil
vavelmente uma escada que pudesse levar os atores ao theologeíon, pessoas. O provável é que teatros com essas características só tenham

••
vindo a existir, na melhor das hipóteses, no final do século v a.C.,
ou muito mais provavelmente no século IV a.C., depois da constru-
ou logeion, e era nessa plataforma que se passava a ação dramática
propriamente dita, pois era onde os atores se apresentavam. Se os
••
ção do Partenon.
Nessa forma definitiva do teatro, o espectador entrava pelo paro-
dos, que seria também a entrada para o coro. Atingindo o interior do
atores em raras ocasiões desciam à orchestra, o coro jamais tinha
acesso ao proskenion, nem mesmo o corifeu, que podia em certas ••
••
ocasiões dialogar com os atores. A princípio, o proskenion não ficava
theatron ou koílon, ele subia pelas escadas, klímakes, para a arqui- mais do que um degrau acima da orchestra, mas com o desenvolvi-
bancada, chamada kerkis. Para procurar seu lugar, ou para conversar mento da forma dramática, essa altura aumentou· até atingir cerca
com conhecidos, ele caminhava pelo diazoma, uma passagem larga
que cortava toda a plateia a meia altura, separando-a em dois níveis
independentes. No melhor lugar do teatro, ao centro do nível térreo
de 1,20 metros. A cada extremo do proskeníon havia uma pequena
área chamada paraskenion, que se projetava mais à frente, para a ••
••
orchestra, e era usada em diálogos que se passavam em locais espe-
da arquibancada, ficava o trono do sacerdote de Dionísio, que presi- cíficos e isolados. '
dia o espetáculo, já que todas as apresentações teatrais mantinham, Esse conjunto cênico foi por muito tempo de madeira, portanto pas-
ao menos pró-forma, certo aspecto religioso.
O palco tinha diante de si uma grande área circular, plana, cha-
mada orchestra, originalmente o lugar onde se dançava. No centro
sível de várias mudanças. À medida que a estrutura da skene ia ficando
mais sólida, foi possível usar a sua cobertura para o theologeíon. Lem- ••
••
bramos que estamos falando de um teatro ideal e que todo esse con-
da orchestra ficava um altar, muitas vezes parte integrante da ação. junto de estruturas sofreu várias alterações ao longo dos anos, sendo a
Todas as evoluções e danças do coro, que entrava e saia pelo paro- arquitetura teatral grega, na realidade, flexível e experimental.
dos, eram apresentadas na orchestra. Em algumas ocasiões os atores
atuavam na orchestra, no intervalo entre dois episódios, como, por ••
exemplo, na Medeia.
Atrás da orchestra, ao fundo, ficava a skene, o edifício-cenário ini- ••
cialmente feito de madeira. Quando o teatro passou a ser aceito como
parte integrante das atividades cívicas, por volta do século v a.C., a
s/;:ene começou a ser feita de pedra. A skene não mudava nunca e
Os Recursos de Cenografia
e Encenação ••
na maioria das peças ela representava a fachada de uma casa, de
um palácio ou de um templo. Na skene existiam normalmente três APESAR DE SER FALSA a ídeia neoclássica de que na tragédia grega seria
••
portas que serviam para entrada e saída dos atores, sendo a central
usada pelo protagonista, a da esquerda pelo antagonista ou outra
personagem importante e a terceira para personagens menores. As
totalmente rígido o respeito às unidades de tempo, local e tom (ou
decoro), as mudanças de local eram raras. No entanto, havia soluções ••
••
técnicas suficientes para as alterações que eram eventualmente feitas.
saídas ou entradas de cena por vãos laterais no palco, os parodoi, aos Vários recursos foram usados em épocas diferentes para indicar o
poucos adquiriram significado específico: a da esquerda servia para contexto que a skene devia representar. A princípio, ao que parece,
ligação com lugares distantes, campo ou porto, e a da direita para
locais próximos, como o foro ou outros pontos da cidade onde se
passav<t a aç8o.
foram usados painéis pintados, encostados na parede da estrutura.
Mais tarde, apareceram os periaktoí, uma espécie de prismas rota-
tivos, verticais, que provavelmente ficavam juntos às extremidades
••
N<i frculc de toda a skene havia uma plataforrna, que variava de 1,5
a 2 metros de largura, o proskenion (de onde vem o nosso proscénio)
laterais ela skene. Cada uma das três faces rotativas dos periaktoí era
coberta com uma pintura diferente para indicar mudança ele local,
••
••
f
í

apresentando elementos que se relacionavam com o cenário fixo. Atualmente, o termo deus ex machína é bastante pejorativo, mas,
Com poucas mudanças de local, soluções como essa eram satisfa- ao que parece, as plateias gregas aceitavam melhor o recurso, já que
tórias. Nas ruínas de alguns teatros é possível encontrar as bases de não se tinha qualquer tradição de realismo. O teatro grego era todo
pedra em que são cavadas as reentrâncias circulares onde era fixada construído sobre convenções, e tudo era tido corno parte elo ritual ine-
uma haste esculpida na base inferior do periacto. rente à própria arte. Mesmo assim, até mesmo os gregos reclamavam às
O teatro ao ar livre, com a skene ao fundo, impunha sérias restri- vezes do uso recorrente danuele artifício. Na peça A Paz, Aristófanes,
ções ao autor dramático em sua escolha de cenas que pudessem ser que sempre gostou de criticar Eurípides utilizando-se elo riso, fez uma
convincentemente passadas na frente de casa, do palácio ou templo. caricatura desse autor, famoso pelo uso reiterado da makvnê.
As cenas de interior eram impossíveis de ser representadas. Porém, É interessante o que tem acontecido na crítica da ob;a ele Eurípi-
principalmente a partir da segunda metade do século v a.C., apa- des em relação ao uso do deus ex machína. Se durante muitos anos
receu uma série de expedientes técnicos, mecânicos, destinados a ele foi acusado de construção desleixada ou incompetente em fun-
solucionar problemas cênicos. ção do uso da máquina para parte de seus finais, certa escola de pen-
O mais pitoresco entre eles· foi um recurso inventado para tornar samento mais recente argumenta que o autor tinha uma intenção
possível mostrar ao público algo que acontecera dentro do edifício crítica. Ao recorrer à máquina, a intenção de Eurípecles seria a de
que a skene representava. Tal artefato era chamado ekkyklema, a res- fazer seu público se indagar· quantas vezes, na experiência humana,
peito do qual não se sabe muita coisa, mas que, ao que parece, seria um deus teria aparecido para resolver seus problemas.
uma plataforma praticável, com rodas, empurrada do "interior" da
casa para fora, através de uma das portas, para apresentar uma cena
lá vivida. Trata-se de uma convenção teatral como qualquer outra e
ali podiam ser mostrados quadros posados representando, por exem-
plo, Agamêmnon assassinado por Clitemnestra. Os autores que mais Os Festivais e Concursos
utilizaram esse recurso foram Eurípides e Aristófanes, mas o ekkyk-
lema já havia sido usado antes deles.
Outro recurso muitas vezes utilizado pelos gregos é tão específico- NA ÁTICA, os ESPE'I'ÁCULOS teatrais eram realizados em ocasiões reli-
e tão útil - que deu origem a um termo crítico usado para indicar giosas. Tinham lugar em Atenas dois grandes eventos religiosos: a
erro de construção dramática (ou literária, de modo geral). Trata-se Dionísia Urbana, em març·o ou abril, onde, inicialmente, os cem-
da makynê, consagrada por seu nome em latim na expressão deus ex cursos eram compostos apenas por tragédias; e o festival ela Leneia
mczclúna, o deus saído da máquina. A "máquina" era usada quando um (ou festival da Vindima), em janeiro ou fever..:iro, quando se apre-
autor, incapaz de encontrar uma solução satisfatória para o seu emedo, sentavam as comédias. A Dionísia Urbana foi criada por Pisístrato,
fazia descer do alto um deus que, no final da peça, solucionasse o pro- por volta ele 537 a.C., e nel~1 foi apresentada a primeira tragédia, de
blema de forma razoavelmente satisfatória para autor e público. Como Téspis. As comédias só foram aceitas nesse festival, juntamente à tra-
os deuses sempre apareceram do alto, os da tragédia eram baixados do gédia, cinquenta anos mais tarde.
theologeion, do alto da skene, pela "máquina", uma espécie de guin- Até o início da Guerra do Peloponeso (431 a 404 a.C.), a Dioní-
daste ou sistema de roldanas. Até hoje, quando surge uma person;1gem sia Urbana clura\·a seis dias. O primeiro era tomado pelas gr;mcles
que aparece arbitrariamente no final e resolve algum problema de procissões e ccrilllônias religiosas da abertura. O segundo dia era
outro modo insolúvel, essa é chamado de deus ex machina. reservado para o concurso de clitirambos - cornplexas odes corais

••
originariamente compostas para glorificar Dionísio, vindo a falar, protagonista. O autor era o diretor do espetáculo e também encar-
regado de compor a música para as danças do coro.
••
posteriormente, de vários deuses e heróis. O concurso de ditiram-
bos era disputado por dez conjuntos de cem integrantes cada. Em
seguida, no terceiro dia, havia o concurso das comédias, com obras
A princípio, os atores eram ele livre escolha dos autores; porém, com
a consciência de que a boa atuação tem grande peso na qualidade do ••
de cinco autores. E, finalmente, os três últimos dias eram ocupados
pelos três poetas trágicos já escolhidos anteriormente, sendo que
espetáculo, a distribuição dos elencos também passou a ser por sor-
teio, evitando que determinado autor ficasse sempre beneficiado pela
colabôração de certos atores.
••
••
cada um apresentava um grupo de quatro peças: três tragédias e
uma sátira. As três peças trágicas podiam formar uma trilogia sobre A plateia ficava repleta durante os festivais e o público, parece,
o mesmo assunto ou serem independentes uma da outra. Já a sátira assistia aos espetáculos com grande entusiasmo e alegria, disposto a
era uma peça baseada em material mitológico e potencialmente trá-
gico, mas tratado de modo caricato e grotesco; era na verdade uma
farsa, apresentando os deuses em situações caricatas ou ridículas.
expressar tanto o agrado quanto o desagrado de forma insofismável.
Assim, havia palmas, gritos, vaias ou batidas com os pés nos bancos.
Os maus atores não ficavam livres de frutas e legumes arremessados
••
Com o agravamento da intermitente Guerra do Peloponeso, o festi-
val foi reduzido para cinco dias: os autores cômicos foram reduzidos
por um público insatisfeito, sendo usadas até mesmo pedras em casos
extremos. No princípio do século v a.C., a entrada nos espetáculos ••
de cinco para três e apresentavam suas obras em três dias, depois da
tetralogia dos trágicos.
Os três concursos da Dionísia Urbana não aconteciam na hora da
era franca, passando mais tarde a custar dois óbolos, reembolsáveis
pelo governo a quem pudesse provar não ter o dinheiro necessário
para gastar em tais eventos.
••
apresentação. Os poetas, cujas obras seriam encenadas no festival,
eram escolhidos com seis meses de antecedência, no início do ano
35 •

34 oficial, ou seja, por volta de julho ou agosto, para o festival em março
ou abril do ano seguinte, quando então eram atribuídos os prêmios.
Ao que parece, autores novos seriam obrigados a apresentar o texto O Elenco ••
integral ele sua obra, enquanto os consagrados podiam mostrar ape-
nas roteiros ela ação. Três autores tinham a honra de ser os escolhi-
e os Recursos Cênicos
••
dos para montagem no festival, sendo definidos então o primeiro,
segundo e terceiro lugares.
Quem arcava com os maiores custos ela produção era o choregus,
AS TRAGÉDIAS GREGAS EIV\tvi obras ele arte ele grande complexidade em
que entravam vários elementos: ritmo na palavra e na ação, música, ••
sempre um cidadão abastado para quem era uma honra financiar a
montagem de uma tetralogia, na verdade uma de suas obrigações
dança e cor. A música elo teatro grego era mais melódica do que har-
mônica, mas a atuação do coro parece ter sido mais entoada do que
cantada. Os movimentos na tragédia eram de nobreza quase estatuá-
••
cívicas. Como a generosidade desse, digamos, produtor pesava no
resultado elo espetáculo, a escolha era feita por sorteio para evitar
favoritismos. Ficava a cargo do governo o pagamento do coro e dos
ria e de extrema estilização. As dimensões do teatro, assim como a
distância que os atores, os verdadeiros intérpretes da trama, ficavam o
O>
••
••
v
atores regulamentares: três, a partir de Sófocles, para a tragédia, cinco da plateia, tornava impraticável qualquer estilo de interpretação que E
o
recorresse a expressões L1ciais. A orchestra do Teatro ele Dionísio, em u
para a cmnédia. o

••
No corne<,;·o, os autores foram scus próprios atores, mas Sófocles, Atenas, por exemplo, tinha vinte metros de diâmetro e o ator, para
talvez por ter a voz fraca, começou a usar um ator também para seu ser visto, era aumentado de várias maneiras.


Como nenhuma expressão facial pudesse ser vista à distância que palco e a plateia. Como uma espécie de amostragem do público em
separava os atores do público, desde logo apareceu o uso das másca- geral, as interferências do coro muitas vezes são um guia para a rea-
ras, que eram talhadas a fim de expressar a característica principal ção do primeiro diante da ação.
da personagem. Para fins dramáticos o ator podia trocar a máscara A comédia, por seu lado, teve sempre cinco atores, ao menos a
durante o espetáculo; Édipo, por exemplo, sai de cena assim que partir do momento em que ela foi aceita como parte dos grandes
tem consciência de seu pa.rricídio e volta com outra máscara, que o festivais. Se na tragédia a qualidade e a importâ:1cia dos protagonis-
apresentava como já tendo arrancado os próprios olhos. As másca- tas exigiam todos os recursos que aumentavam o tamanho do ator,
ras, além de estabelecer a individualidade e o traço dominante de a comédia se dedicava a ações que poderiam acontecer e até mesrno
cada personagem, aumentavam a altura do ator por meio do onkos, aconteciam ao homem comum e, por isso mesmo, os atores usavam
volume que lhe era acrescentado ao alto da cabeça e servia para sandálias rasas, sem salto, e possivelmente usavam apenas a meia
dar a impressão de aumentar ainda mais o tamanho da figura vista máscara, que cobria olhos e nariz, com características de caricatura.
em cena. Além disso, por dentro, parece que eram feitas de modo a
ampliar o volume da voz, o que era conveniente, embora a acústica
desses teatros a céu aberto fosse perfeita.
Os cothurnos eram as botas trágicas, com solas que chegavam a
vinte centímetros de altura, dando maior estatura ao ator trágico, tor- A Dramaturgia
nando sua figura mais impressionante. As túnicas longas com mangas
e a Estrutura do Texto.
fartas aumentavam-lhes o volume, e a cintura era rnarcada segundo
as novas proporções.
Quanto ao número ele atores, confiarnos que Tespis criou o pri-
COM os DADOS ACIMA estamos cercando o teatro grego para podermos
meiro ator, Ésquilo o segundo e Sófoc1es o terceiro, mas devemos
chegar ao que realmente importa, ou seja, a forma dramática grega
lembrar que isso não significa ser necessariamente o mesmo número que ainda hoje cem he cem os por intermédio da leitura. Comecemos
ele personagens: a vestimenta trágica, que cobria todo o corpo do ator,
com dados básicos a respeito da forma da tragédia grega e alguma coisa
e a máscara, que identificava a personagem, podiam ser mudados,
a respeito de sua natureza, sendo crucial lembrar que, na Grécia ch1s-
como j<oí vimos, pela simples saída e nova entrada em cena. sica, a consciência ela importância ela forma era muito grande. A arte é
Não se pode, de modo algum, esquecer a importância das mudan- artificial, ela difere ela natureza porque é criada pelo homem para ser
ças no número ele atores para o jogo cênico. Graças a elas foram diversa da natureza, ou melhor dizendo, admitindo claramente que o
multiplicadas as possibilidades de ação e diálogo. Com três atores a que o homem faz não pode ser igual ao produto da natureza.
ação não precisa ser interrompida quando um deles sai de cena, o
A dramaturgia grega reflete em sua forma literária e física todas as
que resulta em nova dinâmica sem contar com as ironias e ambi- limitações das condições oferecidas pela arquitetura cênica ele que
guiclades que podem nascer d~ cenas paralelas ou contrastantes. É
já falamos. Por outro lado, houve uma conquista bastante rápida de
preciso também lembrar que, em alguns casos excepcionais, há peças uma maestria supremél. Na medida em que os poetas aprenderam
de Eurípides que parecem exigir quatro atores. Acrescente-se aos ato- a tornar o diálogo o verdadeiro veículo dramático, apto a conter em
res, responsáveis pelo desenvolvimento ela ac,·ão, <1 presença elo coro: a si a ação e sua crític:1. <ls odes corais que scpar;l\ arn os episódios d<t
princípio, parte interessada na ação; mais tmcle, apenas obsen·adora ação foram sendo transformadas em reflexões sobre o tema ern pauta,
elos acontecimentos, mas sempre fazendo <~ intermediação entre o porém, deixando a ação falar por si.

••
A forma que se fixou começa com um prólogo, dito por uma única Podemos dizer que o vivenciado pelos protagonistas da ação como ••
••
personagem, que pode ou não ser a protagonista, ou por um pequeno experiência pessoal é, após cada episódio, ampliado pelo coro, pro-
diálogo, onde fica exposto o tema geral, a situação dramática básica posto em um plano de exposição e comentário por meio de recursos
da obra, informando, de algum modo, os antecedentes que levaram mais formais e convencionados do que os usados pelos que interpre-
ao conflito que move a ação. Em algumas das tragédias de Eurípides,
ele tem quase a função de um programa no teatro moderno, desses
tam o desenvolvimento da ação. O coro dá forma à emoção sentida
pelos protagonistas; a ação é ampliada no sentido de ser intensifi-
cada não como emoção, mas como experiência estética. Isso não
••
que preparam o público para a obra a ser apresentada. ·
Depois do prólogo vem o parados, cantado, que consta da entrada
e primeira apresentação do coro. Os membros do coro, que eram, via
quer dizer que se atenue a força da ação, mas que a observação e o
comentário lhe dão sentido, com o coro, portanto, atuando como ••
de regra, quinze, entram para a orchestra. O ritmo de seus movimentos
ficava no mais estrito acordo com a gravidade e significação dos versos
que cantavarn. Durante o decorrer do século v a.C., a importância
intermediário entre quem está no palco e quem está na plateia.
O coro, portanto, é de início composto por algum grupo social
que se apresenta como um comentador interessado na ação dramá-
••
do coro decresce, e muito. No princípio ele era inteiramente ligado
à ação, como em As Suplicantes, de Ésquílo. Nas últimas peças de
tica. Em outros casos ele ilustra a opinião pública - às vezes serve
de guia para o que deveria ser a reação da plateía real diante do que ••
Eurípides, porém, as odes se tomam apenas interlúdios líricos, embora
ainda fiéis ao clima e ao tema, porém, às vezes até sem qualquer liga-
ção com a ação dramática, servindo apenas para separar os episódios.
se passa na ação. Mas, enquanto foi funcional, o coro sempre serviu
para ajudar o autor a esclarecer o significado universal do que vemos
no palco. Em Ésquilo e Sófocles, em particular, o coro é mais usado
••
Dados os hábitos atuais a que nos acostumou o realismo, o uso
do coro se apresenta como o maior obst;kulo para as montagens
nessa última forma e por isso mesmo os coros de suas obras reúnem
suas concepções fundamentais filosóficas e dramáticas. ••
••
contemporâneas ele tragédias gregas. Ouase sempre este fica redu- Depois do parados, o coro fica em cena até o final da tragédia. O coro 39
zido, ou meio escondido, supostamente por ser o seu uso estranho tinha quinze integrantes, podia às vezes ser dividido em dois, e tinha
ao público moderno; mas, na verdade, os bons espetáculos em que um líder, o corifeu, que podia falar individualmente, transformando-se
o coro é usado como uma presença forte têm sido altamente satisfa-
tórios. Acontece que os gregos, iniciadores da arte dramática, acei-
quase em mais um ator, podendo talvez até subir ao proskenion. Hoje
em clia, o proscênio é a pequena área do palco que fica na frente ela ••
••
tavam as convenções que nela foram estabelecidas com a mesma cortina, mas na Grécia o termo tinha o significado literal de "na frente
naturalidade com que nós aceitamos as convenções de outras artes. da cena" e era o que nós chamaríamos de palco ou espaço cênico.
É necessário compreender qual era, realmente, a função elo coro. Após o parados começa o primeiro episódio, isto é, a ação clram<1-
De modo geral, podemos dizer que ele expressava a posição da comu-
nidade diante dos acontecimentos nos quais estão empenhados os
tica propriamente dita, muito menos artificial em sua atuação do que
o coro, atento à criação plausível das personagens, e atuando no
o
...c
c ••
••
protagonistas. Essa posição é, via de regra, uma posição comprome- proskenion. O episódio coaesponde a um ato ou cena de uma
tida, como no caso do Édipo Rei, de Sófocles, em que o interesse do peça moderna. O episódio faz a ação caminhar por meio de diá-
o""
o
coro pela progressiva descoberta do passado de Édipo não resulta ele logo- também como no teatro moderno-, com a única diferença "o
<.Jo

••
v
qualquer mórbida curiosidade em conhecer detalhes escandalosos pelo número de atores., que não permite mais de três personagens E
de sua vida íntim;1, mas, sim, da necessidade real cLi popuLJç'ão ern em cena ao mes1no tempo. J
c

••
clescobnr quem fo1 o assassino de Laio, a conclic;Jo illlpo:>Lt pelo orá- Vem a seguir, um stasinwn, ou seja, uma interrupção ela ação,
culo para que acabe a peste que assola Tebas. quando se dá nova intervenção elo coro. A partir daí sucedem-se


(
!

os episódios e as intervenções corais, sendo a ação, de modo geral, A Poética de Aristóteles:


desenvolvida em cinco episódios. Quando acaba a ação vem uma
O Nascimento do Teatro
ode final, o êxodo, com o coro cantando e saindo pelos parodoi. Essa
estrutura de episódios viria a motivar, mais tarde, a exigência ele cinco
e Conceitos Sobre a Tragédia
atos na forma da tragédia neoclássica no século XVII.
Em alguns casos, o stasimon é substituído por um conzmus, uma
QUAIS ERAM VALORES INTRÍNSECOS da tragédia? A'> primeiras infor-
passagem lírica na qual um ou mais atores permanecem em cena
mações diretas que ternos sobre suas possíveis origens, características
depois do episódio c se juntam ao coro para um comentário ou
fundamentais e conceitos nos chegam por Aristóteles, que escreveu
lamento. Tanto um quanto o outro têm metrificações complicadís-
mais ele um século após o período áureo de Ésquilo, Sófocles e Eurí-
simas, mas os episódios eram normalmente escritos em versos de três
pides. Não existe, no entanto, nada mais confuso e duvidoso do que
pés iâmbicos, ou seja, ~1ma sequência de três sílabas breves segui-
o nascimento da tragédia, como já vimos, mas parece correto partir
das por sílabas longas. E preciso não esquecer nunca que o rrtmo -
da valorização do indivíduo no processo social que levou à demo-
no movimento, na palavra, mi música e na dança - tinha enorme
cracia grega e da separação entre Estado e religião como elementos
importância no espetáculo, tanto para o clima emocional e para a
determinantes para o aparecimento da arte dramática.
imponência quanto para o significado.
Só com o que Sólon procurou, como político, fazer- e que só os
O desenvolvimento elo enredo é atingido pelo diálogo que expressa
filósofos faziam -, ou seja, olhar o homem em relação ao mundo
posições opostas ou conflitantes e adquiriu certas características ele
em que vive, buscando o equilíbrio que almejamos até hoje entre o
ação, sendo talvez as mais interessantes e significativas elo ponto
respeito ao indivíduo e o deste à estrutura social e política em que
de vista dram::'ítico e teatral o reconhecimento e a perifJécia. O pri-
está inserido, pode existir o clima trágico.
meiro, como indica o nome, se dá quando uma personagem desco- .fl
Não há possibilidade de conflito onde só há um ator e por isso
bre a verdadeira identidade ele outra, e a segunda é mais provocante,
mesmo Téspis - que segundo Aristóteles criou um Prólogo e uma
pois acontece quando determinada sequência de aconlecirncntos ou
grande fala formal - teria concebido o clima trágico, enquallto a tra-
raciocínios levam a um resultado totalmente inesperado, como no
gédia como forma dramática só nasce realrncnte a partir elo momento
caso de Édipo, que tem a certeza de que os depoimentos de Tirésias
em que Ésquilo introduz o segundo ator, cabendo a Sófocles criar o
ou do pastor irão inocentá-lo, mas eles comprovarn as ac\lsações elo
terceiro. Conforme já exposto, isso não quer dizer dois ou três perso-
oráculo e ele Creonte. Aristóteles fala ele tragédias simples, que têm
nagens, já que cada ator, usando m<íscara e coberto com figurino ade-
um enredo único que evolui sempre como o previsto, e ele c:ornpos-
quado, pode interpretar mais ele um papel.
tas, nas quais o enredo é rico em peripécias, o que verdadeiramente
Essa nova visão da origem da tragédia tem a vantagem de ficar em
torna a ação muito mais apta a prender a atenção do público, sendo
harmonia com o fato de os protagonistas e as situações elas tragédias
a origem do decantado suspense consagrado pelo cinema.
que conhecemos não serem deuses e de não aparecerem nelas ações
cuja essência seja um problema religioso. Isso não impede que se
reconheça a contribuição elos antigos rituais religiosos para a forma
cênica da tragédia. Vamos ver um possível caminho .
.\ristótelcs fab ela importância da irnitaçJo na viela do ser humano. o
Por outro lado, a mitologia parece ser a tentativa de se explicar determi-
nados aspectos do universo sem o devido conhecimento científico. A

••
mitologia recorre à imaginação, e a imitação é essencial para a forma- a obra de arte: o artista dá uma forma sua a uma impressão que lhe ••
ção de rituais; a repetição acaba fazendo aparecer uma forma, depois
a determinação de um local e definição de trajes e objetos a serem
veio do exterior. Segundo Aristóteles, a poesia é mais filosófica e de
maior significação do que a história, porque as asserções poéticas são
ele natureza universal e as históricas são de natureza particular. A obra
••
••
usados na execução. Tudo isso é relevante para o estabelecimento do
ritual, mas também para a definição da nova arte, o teatro, que com de arte, portanto, expressa mais do que literalmente apresenta.
o tempo veio a ter o próprio ritual, o espetáculo. Determinante foi o Aristóteles classifica a .maneira pela qual os seis elementos con-
fato de alguém ter tido a ideia de usar a ação, os figurinos, a criação da
personagem e o diálogo não para repetir algo a ser preservado, mas para
apresentar algo novo ou uma nova visão do já conhecido. Nessa nova
tribuem para o processo mim ético criador: a dicção e o canto ou
melopeia são os meios empregados para imitar; o espetáculo é a
maneira de imitar; o enredo, as personagens e o pensamento são o
••
arte é preciso que se preste atenção até o fim da representação, pois só
então se saberá o que é esse novo que o autor quer dizer com sua ação.
objeto da imitação. Ele considera o enredo- isto é, a ação- o mais
importante dos seis; e a personagem, o segundo. O pensamento é a ••
••
O que é dramático? Não é o espetacular ou o sensacional, mas o reunião do que seriam os dotes naturais da personagem, enquanto o
que tem um potencial de mLidança. Toda obra dramática começa caráter é formado pelos conhecimentos e valores adquiridos, produ-
com uma situação instável e acaba quando aquela crise específica tos de educação e condicionamento.
foi resolvida. A solução oferecida não pretende fixar todo um futuro;
ela apenas se apresenta como final do problema específico tratado
naquele momento. O que importa, afinal, não é saber exatamente
É com base nesses seis pontos que Aristóteles chega à sua famosa
definição: ••
quern conseguiu criar a nova arte, mas o fato ele ela ter sido criada,
com características que, como nas outras artes, se fixaram definiti-
A tragédia é uma imitação de uma ação que é séria, completa e ele
certa magnitude. Em linguagem, ela é embelezada como os vários ••
vamente, embora sempre passíveis de alterações.
O principal documento que nos chegou da Antiguidade sobre a tragé-
dia é a Poética de Aristóteles, sendo interessante lembrar que nada levava
tipos ele ornamento artístico, cada tipo sendo encontrado em sua
parte específica ela obra; ela tem forma de ação, não ele narração;
e alcança, por meio cb piedade e elo temor, a purgação desses sen-
43

••
a crer que o cientista Aristóteles se interessasse pela tragédia. 1~: possível
que Aristóteles só tenha escrito essa obra para contestar o que diz Platão
timentos e outro,,•,;cniclhantcs:l
••
sobre o poeta em sua República: alega o filósofo que, ao se emocionar
com alguma obra poética, por vezes até o pranto, o cidadão cstJYa sendo
enfraquecido, enquanto Aristóteles apresenta a teoria da catarse, que
A síntese dessa definiç;1o é memorável: a elevação, a seriedade e a
poesia da tragédia são definidas, bem como sua forma e estilo apropria-
dos (tom e estilo do diálogo), mas, acima ele tudo, em poucas palavras,
••
beneficia o indivíduo ao oferecer-lhe ocasião para liberar sentimentos
que, quando são eternamente reprimidos, tornam-se perniciosos.
ele define o que considera a funç~to fundamental da tragédia, ou seja,
a catarse. Deixando de lé!clo todas as infindáveis polêmicas sobre o
o
...c:
·e
c ••
Segundo Aristóteles, a tragédia tem seis elementos b<'ísicos na sua
forma: Enredo (Ação), Personagem, Dicção, Pensarnento, Espetáculo
e Música (ou Canto); apresentando mais, como ideia global para a
sentido exato da palavra, podemos aceitar pura e simplesmente a ideia
de que a tragédia, por sua própria natureza, envolve o espectador e ü
o
t1l

"t:l ••
••
o
V>
-t Poética, Parte !V. Traduç:!o nossa da rersJo em língua inglesa ele Gerald Else v
,...
forma, o conceito ela imitação. Com essa ideia, Aristóteles não quer t::
par;J a Universidade ele 1\·[ichigan. 'lb:lo ela versão utilizada: "Tragedy. then, is an o
dizer que essa arte copie a vida, mas, sim, que a tragédia busca a recria- imitation of an adiou lli,ll ;, ,,,riom. cnll!plcte, clllcl o f a certc1in magnitude; i11
:._)
o
ção ele determinados acontecimentos e empresta a eles, pur sua forma,
••
language embellishcclwith each kí11cl of artistic ornament, the severa] kincls being
found in separa te parts o f thc play; in the form of action, noto f narrati,·e; through
novas proporções e significação. É por esse processo que o artista cria pity anel fear effecting thc prope1 purgation of these emotions".



depura-o de sentimentos como a piedade (que o espectador sente pelo uma ordem moral no universo, mas aceita também que exista, den-
sofrimento do protagonista trágico), o temor (que sente por saber que tro dessa ordem, um elemento ele acaso, de sorte, que, dependendo
o mesmo poderia acontecer a ele próprio) e outros semelhantes. Ela da força que poss2 ter, é incluído no que nós chamamos de destino
requer, portanto, uma reação emocional específica. ou fado. Para Aristóteles, enfim, a twgédia é séria c elevada; provoca
Outro conceito básico definido por Aristóteles é o elo herói trágico, determinadas emoções, considera o homem, suas circunstâncias e
protagonista ele uma ação durante a qual há uma mudança na sorte, seu destino, e coloca esse homem cl<:ntro de uma orclent geral, não
fortuna, destino e vida dessa personagem. Ela não pode ser um indi- dentro de um caos.
víduo completamente virtuoso que passe da fortuna para o infortú- O que é então a tragédia? Ela não é pura e simplesmente terrí-
nio, porque, nesse caso, a mudança provocaria o ódio do espectador, vel, o que só provocaria repulsa ou desgosto, muito ernbora o horror
ofendendo a ideia de justiça que este tem. Também não pode ser um tenha seu lugar na tragédia. Ela não é meramente patética ou piegas
homem realmente rnau que passe da miséria para 2 felicidade, o que nem provoca apenas uma pieclaclc condescendente, pois esse tipo de
seria um ultraje aos valores humanos, ao sentido moral elo especta- sentimento pode levar ao desprezo. Ao contrário, ela parece sempre
dor, e por certo não despert~ria nenhum sentimento trágico. Tam- estar um pouco acima de nós e só provocar piedade por rneio da
pouco pode ser um homem mau, passando ela felicidade à miséria, identificação. A forma dramática que trabalha apenas para provocar
porque, moralmente, o público poderia sair satisfeito, ao menos em medo, susto, pavor, é o melodrama.
seu conceito de justiça. A verdadeira tragédia afirma, em primeiro lugar, a dignieladc e os
É levando em conta tudo isso que Aristóteles encontrJ sua defini- valores fundamentais ela humanidade e, por isso 1nesmo, ela trata
ção do herói trágico, que passa da felicidade à infelicidade: os homem em suas circunstâncias várias: a felicidade, a miséria
e tudo que estas envolvem. A tragédia pressupõe que, em meio a
44 Urn homem de grande renome e prosperidade. 111as não um
toda a sua complexidade, o hon1em tem urna vontade próprid e
homem total ou primordialmente virtuoso c justo. CIIJd desgraça
que, ele algum modo, ele é livre p<H<l escolher o seu caminho. fr: é·
(ou passagem da felicidade à infelicidade), no cnlanlu, ,tdvétn não
por essa mesma liberdade ele escolha c por seus atos que o homem
de ;dgum \'Ício ou depravação, mas, sim. de tnc erro ele julga-
revela seu caráter. Nâo h~i tragédid, <lfinal, em que não hdjét 110
tncnto ou fr~tqucza.;
herói algum traço dessa qualiclade ele livre arbítrio. O horncm qtJe
nâo é dono ele seu destino, que não passa de un1 títere, não pode
Há vários pontos a scrern notados na concepcJto ;nislotélica ela
provocar na plateia o tipo de emoção que u1na tragédia requer. No
tragédia. Em primeiro lugar, existe a icleia ele que a trag(clia trata ele
entanto, a tragédia também p2rece pressupor sempre a existência
seres humanos e que ela se concentra na história ele un1 homem,
de algum poder ou força acima dos humanos, alguma espécie da
que é o herói tré'ígico. O filósofo diferencia, além do rnais, vários
"ordem moral" ele que fala A.C. Braclley6 em sua mcmor,'Ível an;'í-
estados ou graus de felicicl:Jde e miséria, e é irnplícito o ~eu repúdio
lise elas tragédias ele Shakespeare.
ao que é chamado por vezes de justiça poética, isto é, o que faz os
Estabelecidas essas premissas, podemos dizer então que a tragédia
bons serem felizes c os maus sofrerem. Ele pressupõe a existência ele
é sernprc orientada, em sua es~éncia, para os problemas mais fuu-
d~lmenlais dos valores da viela humeiln I<Ll enfrenta abertarnentc ;J
Poética, Parte :\til. Traclu~·Jo nossa ci<l vers5o em líllf;ilé.i de C:cr:dd [Le ll"r;1
a Unin.:r:;idordc de:\ TCxto ela \·crs:-io ut-ili.l.atb: ;111 t!~;._·t.__.:·.
wil! be neither pitíful nor terrible. Thcre remains, then. the cli<.tL.ICtcr lwl\\ecn 6 !\ndre11 Ceci! Bradlcy (I8)Hl)3)). Poeta e critico literário, professor na
these two extremes- that of a man who is not enrinenth· goocl ;rnd just. 1d 11hosc Universidade ele Oxforcl. 1\ obra crn rc.ferc'lrcia in li lula-se ShalwspeareaJI
misfortunc is brought about not by vice or depravity. but b,· sonw crwr nr fr<tilty.·· e teve sua primeira publicação em 190+

••
existência do mal no mundo e da miséria na vida do homem, uma estamos vendo um tipo de jogo no qual são imitadas ações humanas, ••
vida que acaba fatalmente com o mistério da morte. Na tragédia
grega a presença do mal é bastante explícita e ela é dedicada a dis-
cussões amplas e profundas de valores fundamentais e universais.
lembrando-nos permanentemente que a arte é artificial, que o que
estamos vendo foi criado, adquiriu uma forma graças à qual o con-
teúdo passou a ser transmitido de modo mais forte e amplo.
••
Em toda tragédia verdadeira há uma confrontação entre o bem e o
mal, como também uma.busca pelas maneiras por rneio das quais o
Assim co~no a própria tragédia vai tendo sua forma definida, é
na obra de Esquilo que toma forma o protagonista trágico. Mesmo ••
••
mal pode ser enfrentado no mundo; e mais significativa ela se torna quando apresenta a dor e o desperdício do processo durante o qual,
quando transcende a questão específica e alcança amplitude que a como diz Aristóteles, o protagonista trágico passa da felicidade à infe-
supera. E, muito embora ela termine sempre em miséria e muitas licidade, a personagem, mesmo derrotada, faz valer sua dignidade
vezes em morte, a tragédia, porque afirma que o homem tem valor,
jamais termina de forma deprimente ou acaba em clima de derrota.
Muito pelo contrário, quase podemos dizer que haja um renasci-
e seus valores.
Nas definições que estabeleceu Aristóteles encontramos todas as ••
••
características fundamentais da tragédia: a ação, a catarse e o herói
mento de valores morais e espirituais quando atingimos o final da trágico responsável por sua própria queda. E nas obras de Ésquilo,
tragédia. A tragédia grega, por tudo isso, pode ser um<l forma de teatro Sófocles e Eurípides que sobreviveram até nós é que podemos acom-
um pouco diferente da nossa, mas não há dúvida de que, se aquele
que for ler as tragédias estiver informado a respeito elas diferenças,
ficará em condições de aceitá-la e compreendê-la, sem lutar contra
panhar o desenvolvimento e o esplendor da tragédia grega. O melhor
caminho, é claro, é ler as peças às quais ainda temos acesso, mas aqui
oferecemos uma pequena apresentação que talvez possa ajudar na
••
sua forma ou concepção geral.
Apenas três autores gregos sobreviveram até o nosso tempo e assim
mesmo só parcialmente: É:squilo, Sófocles e Eurípides. De tudo o
leitura, seja porque a dramaturgia é bastante diferente das de hoje,
seja também porque tudo se passa em um universo anterior ao cris-
tianismo, o qual marca tão profundamente a cultura ocidental. 47.
••
••
que criaram ao longo ele um período ele oitenta anos, restam sete
obras de Ésquilo, sete de Sófocles e dezenove de Eurípides (a quem
se atribui oitenta e dois títulos); mas esse pouco que resta basta para
mostrar três autores completamente diferentes, cada um com um
ponto de vista exclusivamente seu, e cada um representando um
estágio diferente ela tragédia e sua forma.
A Tragédia
e Seus Três Grandes Autores
••
Aristóteles, que nasceu vinte anos após a morte ele Sófocles e Eurí-
pides, em 406 a.C., informa, em sua Poética, que tirou sua definição ••
da forma trágica elo contato com as peças dos três grandes criadores Ésquílo
••
do drama. Como tanto o épico quanto o ditirambo eram narrativas,
é natural que na nova forma, em que cada personagem fala em sua
própria pessoa e age a fim ele fazer se desenvolver o enredo, foi neces-
sário que aparecesse um novo tipo de intérprete, o ator. Infelizmente
ÉSQUILO NASCEU, PROVAVEU11ENTE EM 525 a.C., de uma família da
antiga nobreza em Atenas. Isso é boa parte do que se sabe a respeito
de sua vida, sobre a qual só há vagos traços biográficos encontrados
~.
E.
o

'-'"'

em português não temos, como em outras línguas, um<I única palavra


tanto para "agir" como para "jogar" ou "brincar", atividades ambas,
é claro, nas quais o indivíduo "age", mas que preserve a ideia ele que
nos manuscritos de su:1s peças, ou supostos dados muitos dos quais
consisyndo em lendas. Uma dessas lendas diz que Dionísio apare-
ceu a Esquilo quando este era criança e ordenou que ele escrevesse
'~
o
••
••
tragédias. Outra, tirada um pouco de algumas ideias presentes em a trilogia da Oréstia, onde ele já usa o terceiro ator, que havia sido
sua obra, afirma que ele pertencia a uma estranha irmandade reli- introduzido por Sófocles, de acordo com Aristóteles.
giosa, filosófica e científica dos seguidores de Pitágoras; outra ainda As mais impressionantes características de Ésquilo são o teor de seu
diz que ele foi morto por uma águia que, confundindo sua careca pensamento e a elevação de seu estilo. A linguagem por vezes chega
com uma pedra, deixou cair em cima dela uma tartaruga no intuito ao bombástico, de tão imponente, o que Aristófanes ironizou em As
de partir o casco. O episódio seria a confirmação da profecia de Rãs. A profundidade e a intensidade poéticas de Ésquilo são resultado
que Ésquilo seria morto por um golpe vindo do céu. Mais signifi- da ampla visão do mundo que ele tentava expressar. É preciso não
cativo é sabermos que ganhou o primeiro prêmio nada menos que esquecer que a Grécia nunca teve uma religião revelada ou codifi-
onze vezes. cada, e nada em Ésquilo é centrado em qualquer problema religioso.
Ésquilo competiu pela primeira vez em 499 a.C. e obteve sua pri- Ele escreve sobre as experiências humanas, porém sempre soube da
meira vitória em 484- Teve sempre grande sucesso com suas obras importância dos deuses e da mitologia, o que repercute em sua obra,
dramáticas, mas na Grécia de seu tempo ele era famoso por várias não havendo dúvida de que ele refletia sobre os valores últimos do
outras coisas: lutou tanto em Maratona quanto em Salamina, o que homem. Suas personagens são projetadas para um nível universal, no
indica que ele viveu no centro das atividades políticas e sociais que, qual muitas vezes a presença dos valores religiosos e mitológicos é sen-
com incrível rapidez, levaram ao período áureo de Atenas. tida. Um dos coros de As Eumênides é uma memorável expressão de
Durante muito tempo, pensou-se que a obra mais antiga de Ésquilo seu conceito de divindade, das maiores de toda a literatura ocidental.
seria As Suplicantes porque nela o coro é o protagonista, e, então, Conforme dito anteriormente, apenas sete peças de Ésquilo che-
os defensores dos dítirambos como origem direta da tragédia encon- garam aos dias de hoje. Em Os Persas, a primeira, as personagens
travam aí um forte argumento a seu favor. No entanto, documentos principais falam em monólogos e não se confrontam, a peça tem a
mais recentemente revelados provam que a mais antiga é Os Persas, originalidade de ser a única obra grega clássica conhecida que trata 49
o que é interessante porque o tema liga Ésquilo a seu passado guer- de acontecimentos contemporâneos do autor. Apesar da falta de uma
reiro, e nela domina a forma de quase um ator único, com uma série ação mais expressiva, o Fantasma de Dario aponta a derrota de Xerxes
ele monólogos fortes, portanto mais perto elo que seria o conceito como uma eonsequência da hybris, identificada como sua presunção
original do trágico concebido por Téspis. em tentar ultrapassar a separação natural dos continentes, o que o
Consta que ele teria escrito ao todo noventa peças- a respeito das torna um claro rascunho do que viria a ser o herói trágico, que cai
quais se tem notícia de algumas, só pelo título, algumas, por peque- não por vício, mas por erro de julgamento.
nos fragmentos, e nas sete peças que restam até hoje dá para ver o O próximo texto conhecido é o Sete Contra Tebas (476 a.C.), que
quanto ele evoluiu na forma de arte que ele mesmo forjou pratica- seria a última unidade de uma trilogia que começava com "Laios"
mente sozinho. É atribuída a ele toda uma série de inovações, tais e "Édipo", e trata da maldição de Édipo contra os filhos Etéocles e
como o uso de figurinos, a integração da dança no espetáculo e a Polinices, que se matam rputuamente disputando o trono de Tebas.
criação de recursos mecânicos; e não há dúvida quanto a ser ele o Como todas as peças conhecidas de Ésquilo são parte ele trilogias,
introdutor do segundo ator, fortalecendo o uso do diálogo e dimi- não se sabe se esse aspecto seria obrigatório para a inscrição nos con-
nuindo a importância elo coro que, aliás, teve por ele dcfi_niclo o cursos trágicos ou se era a amplitude cósmica da visão do poeta que
seu número de quinze integrantes. Ao usar o segundo ator, Esquilo o levava a optar por essa forma.
criou o conflito dramático. Já na obra Sete Contra Tebas aparece pela As Suplicantes, que seria talvez a primeira peça de UI:pa trilogia o
primeira vez o herói trágico. A última vitória de Ésquilo veio com completada por Os Egípcios e As Filhas de Danaus, era tida como a

••
primeira obra de Ésquilo, porque a história das cínquenta filhas de do Tártaro junto às ninfas oceânicas que lhe são fiéis, provocando ••
Danaus, obrigadas a aceitar seus cinquenta primos como maridos,
oferece ao coro a oportunidade de ser, na realidade, o protagonista;
no entanto, a peça só foi apresentada por volta de 463 a.C. A lenda
grande abalo na natureza.
Em todo o conjunto se manifesta a religiosidade de Ésquilo, com
o cumprimento das vontades dos deuses e uma inabalável confiança
••
conta que Danaus finge aceitar a proposta do irmão, mas aconselha
as filhas a matarem os cinquenta maridos na noite de núpcias. Todas
neles. O fato de, para cada três tragédias, ele ter escrito uma sátira,
farsa na. qual os deuses apareciam em situações grotescas ou ridícu- ••
cumprem o que o pai manda, menos Hipermnestra, que poupa Lin-
ceu; este, por sua vez, mais tarde vinga os irmãos. Hipermnestra,
julgada, é defendida por Afrodite com ênfase no poder do amor. A
las, não depõe contra a religiosidade de Ésquilo; apenas deixa claro
que a relação com os deuses do Olimpo admitia tais gracejos, em
intrigas que teriam grande semelhança com as humanas.
••
ação se passa em Argos, onde as cinquenta suplicantes vão pedir a
proteção do rei Pelasgo, e um de seus aspectos interessantes é o de o
As últimas três tragédias compõem a única trilogia completa, a
Oréstía, que sobreviveu dessa época: Agamêmnon, As Coéforas e A.s ••
••
altar que existia no teatro ser usado na ação, pois é junto a este que Eumênídes. A religião grega aceitava maldições e predestinações
elas buscam proteção. · decididas por deuses, assim como as consequências de determinadas
Em Prometeu Acorrentado (460-459? a.C.), hoje nem sempre aceita ações, como foi o caso de Édipo. A trilogia de Ésquilo fala da mal-
como de sua autoria - que seria parte de uma trilogia inicü:cla por
O Portador do Fogo e concluída com Prometeu Libertado-, Esquilo
dição dos Átriclas, linhagem realmente maldita, pois desde Tântalo
havia pecados a serem expiados pela geração seguinte. Em "Tiestes" ••
••
transforma a lenda de Prometeu em um grande conflito entre a força só conhecida na versão de Sêneca, Atreus mata os filhos ele Tiestes,
bruta e a razão, com o coro tendo atuação destacada. A ação ela peça seu irmão, e os serve em pedaços, fritos, ao pai dos meninos. Não é
é simples: começa com Prometeu sendo acorrentado a uma rocha possível esquecer, então, que Agamêmnon e Menelau são filhos de
por Hefesto sob as ordens elas personificações da Força e do Poder,
servos de Zeus. O coro das ninfas oceânicas entra e Prometeu lhe
conta que graças a seus conselhos Zeus pudera derrotar os titãs, mas
Atreus e que Egisto é o filho sobrevivente de Tiestes.
Na trilogia, já é muito grande o arnaclurecimento da dramaturgia
ele Ésquilo, e a ação mostra que ele adotou imediatamente o terceiro
)!

••
que agora, querendo Zeus ampliar seu poder, destruindo a humani-
d ade '! ele
. }
Prometeu- ' a salvara trazendo-lhe o dom elo fogo. Oceanus
ator, criado por Sófocles. Na primeira peça, Agamêmnon volta triun-
fante ela guerra trazendo como prêrnio Cassanclra. Ambos são assassi- ••
chega para aconselhar Prometeu a submeter-se ainda mais a Zeus,
mas ele recusa tais conselhos. Após uma breve ode coral, Prometeu
conta os serviços que prestou à humanidade, pelos quais foi inten-
nados por Clitemnestra e E:gisto, seu amante, tendo por justificativa
o fato de Agamêmnon ter sacrificado a filha Ifigênía para ter ventos
favoráveis no embarque para Troia. Na segunda peça, Orestes, esti-
••
samente torturado, quando chega lo. Zeus imediatamente se apai-
xona por ela e Hera, com ciúmes, transforma lo em uma bezerra
mulado por Electra, sua irmã, mata a mãe e o amante para vingar o
pai. Na terceira, na qual ficam mais destacados os valores religiosos
o
..c
c
·e
••
para sempre perseguida por uma mosca varejeira. Eterna nômade,
lo chega onde está Prometeu, a quem conta sua história, e ele lhe
garante que em breve ela ficará livre graças a uma mágica de Zeus,
elo autor, Orestes, enlouquecido de culpa, é destinado por Apolo a
caminhar sem rumo, mas, segundo o deus, eventualmente destinado
a chegar a Atenas. Em um dos poucos casos ele mudança de local
u"'
o
"V
o
••
••
U'

que dependerá de Hércules, descendente de Io. Só Prorneteu pode em uma tragédia, a cena mLtda para Atenas, onde, perseguido pelas ~o
salvar Zeus de um casamento desastrado, e o coro canta os problemas furiosas en•nies (eríní::Js) Orestes vai ser julgado pela morte ela mãe. :._)
o
que nascem quando os rnortaís se envolvem com os deuses. Como
Prometeu se recusa a revelar seu segredo, é atirado às profundezas
Atena determina que ele seja julgado por seus pares, ou seja, por
atenienses, em um tribunal reunido no Areópago. Apolo justifica
••

Orestes e Atena persuade as Fúrias a, dali em diante, m~rarem em respeito vem do fato de ele ter sido alvo favorito dos poetas cômi-
Atenas e serem suas protetoras e mantenedoras da paz. E significa- cos, sobretudo de Aristófanes. A const;:mte preocupação de Eurípides
tiva a referência ao tribunal do Areópago, destinado a julgamento de com os aspectos plásticos do uso do coro deu origem a uma corrente
crimes de sangue, o que constitui um gesto de Ésquilo em homena- crítica que acha que ele estudou pintura; enquanto a severidade
gem à velha nobreza à qual pertencia, que havia perdido muitos de com que condena certos comportamentos femininos criou o rnito
seus poderes, mas ficara responsável por julgar os crimes de morte. de alguma experiência pessoal dolorosa ou um totalmente apócrifo
casamento infeliz.
Eurípides apresentou nos concursos trágicos um total de 88 peças.
Eurípides Seu espírito pouco ortodoxo e extremamente renovador, porém,
não alcançou o aplauso imediato do público, pois ao que consta só
Eurípides nasceu em 485 ou 484 a.C., era cerca de onze anos mais ganhou quatro primeiros prêmios. À medida que ele foi escrevendo
moço que Sófocles, porém morreu algumas semanas antes deste. suas obras, estas foram ficando cada vez mais céticas, e as dúvidas, as
Eurípedes nasceu cerca de quinze anos depois de F~squilo começar incertezas, aumentaram com o decorrer da Guerra do Peloponeso e
a competir. o início ela decadência de Atenas. Logo depois de sua morte, Eurí-
Restam de Eurípides dezenove peças, mas boa parte pouco acessí- pides, que foi tão pouco aceito em viela, passou a ser o mais popular
vel a qualquer reação mais intensa do público de hoje. No entanto, dos três grandes trágicos gregos. Tal popularidade continuou grande
obras como Medeia, As Troíanas ou As Bacantes continuam a exercer a partir do século IV a.C.,'o que explica ser tão maior o número ele
imenso fascínio sobre as plateias modernas. ~ peças suas preservadas. Ele não brilhou particularmente pela car-
A obra de Eurípedes é, de certa maneira, oposta à de Esquilo. Do pintaria teatral, mas seu gênio se revelava na profuncliclaclc de sua
ponto ele vista da estrutura dramática, Eurípides é, sem dúvida, mais observação dos problemas da hum;:midadc, na sua capacidade para
moderno, pois é em sua obra que o coro passa a não ter relação direta criar emoção autêntica, na sua aptidão para perceber o potencial dra-
com a ação, o que não o impediu de escrever, para suas tragédias, mático de cada cena individual c na sua competência para renovar,
algumas das mais belas c líricas odes corais. E ele cria novos gêneros, por meio de novas técnicas clramMicas, o velho maleriallencLírio jj
afastados tanto da tragédia quanto da sátira tradicionais elos concur- explorado por seus antecessores corn talento excepcional, como o
sos. Helena, por exemplo, é quase uma comédia de costumes, tendo provam 1\ifedeia, As Troíanas etc.
como base um mito paralelo, no qual só uma espécie ele fantasma ela Com urna grande intuição do dramático, ele se libertou elo exces-
famosa troiana foge com Paris, sendo que a verdadeira passa toda a sivo peso da tradição, reduziu a importância elo coro no desenvolvi-
Guerra de Traia refugiada no Egito. A aversão de Eurípides à guerra mento da ação, que fica ainda mais restrita aos atores. Seu tom não
torna sua visão acerca dos heróis guerreíros muito diferente ela visão tem o que tantas vezes é visto como religiosidade em Ésquilo, mas,
de Ésquilo e Sófocles, ambos pelo menos ocasionalmente militares. em grande parte de sua obra, a existência e a influência elos deuses
A maior variedade de temas conduz a novas formas ele dramaturgia fica claramente admitida. cJ
e, embora boa parte ele sua obra não nos atinja justamente por ser Bem pouco religioso, Eurípides foi, dos três grandes trágicos, u
muito ligada a seu tempo, seu clamor contra os malec; ela guerra ern ·· que tTlais utilizou o recurso elo deus ex machina, que lhe permitia
peças como 1\s Troicuws continua ap<1ixonante ;Jté hoje. cbr tratamento irônico 3 suposta interferência dos deuses nas a ti\ icb-
Como no caso de l~squilo, traços biográficos de Eurípedes foram cles humanas. Em várias ocasiões ele apresenta tramas que não têm c
encontrados em suas peças. Porém, parte do pouco que se sabe a seu finais satisfatórios, quando, então, ele faz baixar dos céus, por meio
-••
da famosa máquina, um deus apto a solucionar tudo com rapidez e porém mau general ... Escreveu cerca de 130 peças, das quais ape-
nas sete sobreviveram, com postura já de uma nova época. Sua
••
eficiência. Pelo uso frequente desse expediente, Eurípedes foi mui-
tas vezes acusado de construtor de enredos desleixado, porém ele
usou propositadamente a solução arbitrária, trazida pelos deuses, no
estreia como autor não tem data, mas obteve pela primeira vez o
primeiro prêmio no concurso trágico de 486 a.C., embora concor- ••
intuito de levar o público a pensar sobre o que via e ouvia. O uso do
deus ex.machina, no entanto, não chegaria a incomodar se, como
acontecia durante a ação da peça, o autor conseguisse retratar com
resse com Ésquilo.
Segundo grande nome da dnmaturgia grega, Sófocles é pór mui-
tos considerado o maior de todos, possivelmente por já usar uma
••
fidelidade os conflitos e angústias ele suas personagens e como esses
afetavam a trajetória ele suas vidas.
estrutura dramática mais acessível para nós, mas também por sua
visão ser mais humana e menos religiosa que a de Ésquilo. Em suas ••
Eurípides era tão penetrante na sua criação de situações dramá-
ticas que, muitas vezes, é dito que sem ele o teatro moderno não
existiria, sendo esse autor o elo yntre o que fora criado e o que have-
sete peças conhecidas, a perfeição da construção dramática é exem-
plar, sendo que em nenhuma outra atinge tão alto grau quanto no
Édipo Rei, onde é mestre também no uso da ironia dramática, resul-
••
ria ele vir mais tarde. Se, com o passar elo tempo, a forma dramática
começou cada vez mais a apresentar ações autoeviclentes, o que
tante das "peripécias" de que fala Aristóteles.
Especialmente em Édipo Rei e Antígona, Sófocles deixa transpare- ••
levava ao desaparecimento do coro, tal caminho foi de certo modo
apontado por Eurípides.
cer duas das maiores características de seu pensamento: primeiro, o
reconhecimento da dignidade, do mérito e do valor elo ser humano,
mesmo que este não possa vencer a morte; e, em segundo lugar, a
••
Só{ocles
crença em uma força misteriosa e poderosa por tr;;'ís de tudo o que
existe no universo e determina as leis eternas do mundo, que são ••
••
)4 sagradas, mesmo que sua essência seja incompreensível para a hum8- 55
De certa forma mais ou menos equidistante de Ésquilo e Eurípi- niclacle. Seu herói típico, portanto, é o homem digno, que escolhe
des, em um ponto ele perfeito equilíbrio entre a construção dra- o seu próprio destino, mas cuja viela está sob a influência elo céu e
mática impecável e a profundichlcle ele pensamento, está Sófocles,
a quem ninguém consegue definir em poucas palavras ou que até
das leis eternas. Nos contrastes e conflitos desse misterioso universo
é que Sófocles situa suas tragédias.
Talvez por ter voz fraca, Sófocles foi o primeiro autor a não atuar
••
••
mesmo escapa a qualquer definição. Muitos ficam apenas excla-
mando deslumbrados, a se repetir sobre a calma e a serenidade em suas próprias peças; mas como autor teve carreira muito longa
da obra de Sófocles, a quem, por isso mesmo, resolvem atribuir e ele grande sucesso. São conhecidas, por títulos ou fragmentos, no
uma vida calma e serena. Essa teoria não é improvável, mas para
atingir o patamar ele justiça, clareza e pureza elo conceito de viela
percebido em suas obras, Sófocles deve ter tido uma vasta gama
peças suas. Consta que jamais ficou em terceiro lugar no concurso
trágico, tendo conquistado dezoito primeiros prêmios na Dionísia
Maior e vários outros da Leneia e concorrido ele muitas formas para
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2
••
de experiências. Nascido em 496 a.C., trinta anos mais moço que
Ésquilo, Sófocles viveu noventa anos; quando menino, liderou
a transformação do teatro. Foi o provável introdutor do uso ele cená-
rios pintados e criou o terceiro ator, sendo esta a mais notável ele
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a execução dos cânticos na procissão em honra ela vitória contra suas contribuições, que passou a permitir um jogo cênico muito
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os persas em Salarnina (4Ro a.C.). Como todo cidadão destacado mais rico, como é provado pelas possíbílídacles ele diálogo e ele cons-
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ele sua época, exerceu v<1rias funções públicas e, quando chegou trução de cenas com um, dois ou três atores, conforme o esquema
a estrategista dos exércitos atenienses, Péricles o disse born poeta. apresentado a seguir.
••

Ator Ator 1 Ator 2 Ator 1 dramática durante a duração do espetáculo, ignorando inclusive seu

Co L \I Corifeu
1\
Ator 2 Ator 3
prévio conhecimento dos fatos.
Em momento algum Sófocles põe em dúvida a validade da mal-
dição imposta pelos deuses a Édipo (ou, antes, a Laio, seu pai), mas

\I Corifeu
tudo o que _acontece tem, a todos os momentos, motivação e opção
humanas: Edipo, na peça, parece ter matado o pai·por ter herdado
dele o temperamento emocional; Laio o atacou e ele imediatamente
revidou. Mais notável ainda é o que o poeta faz com Jocasta: quando
Com entradas, saídas, cenas paralelas ou conflitantes, e a exis- reconhece a verdade antes de Édipo, graças à narrativa do pastor, ela
tência de falas ditas na presença ou ausência desta ou daquela per- imediatamente tenta dissuadir o filho de descobrir a verdade, aten-
sonagem, Sófocles permite uma dramaturgia muito mais ágil e dendo a um instinto maternal.
dramaticamente eficiente. Outro aspecto significativo das obras de Unindo em sua obra, de certo modo, a profunda percepção elos pro-
Sófocles é seu tratamento do cÓro, pois procurou sempre estabelecer blemas humano~, de Eurípides, e a grande visão do significado divino
ligações entre este e a ação dramática principal. No entanto, o coro elo universo, de Esquilo, Sófocles é- na opinião ele boa parte daqueles
aos poucos foi deixando de ter relevância para o desenvolvimento que mais entendem do assunto - o mais completo dos autores trági-
da trama, embora continuasse a fazer belíssimos comentários sobre cos gregos. Seu valor foi mais do que reconhecido por seus contem-
seu tema. porâneos, o que é provado pelo fato de ele haver tido nada menos elo
A maior atração que as peças de Sófocles apresentam é, na ver- que vinte vitórias nos concursos trágicos. Se Ésquilo foi o criador da
dade, sua opção pela ênfase na responsabilidade individual. Isso tragédia grega, Sófocles foi a expressão ele sua plena forma, enquanto
acontece na ação da quase totalidade de suas obras, todas ligadas Eurípides é o prenúncio elas mudanças futuras. Cada um a seu modo
aos temas ela morte e elo sofrimento humanos. Talvez por ser menos é um mestre, e nada lhes faz justiça senão conhecer suas obras.
religioso, Sófocles consegue criar a ilusão do novo a ser descoberto,
em temas não só conhecidos como já bastante fixados pela tradição.
Das sete peças que ainda temos, três (Ajax, As Traquínías e Fílo-
tectes) têm temas que nos são bem distantes, porém as outras quatro,
Electra e as chamadas peças tebanas (Édipo Rei, Édipo em Colono e A Tragédia Depois da Grécia
Antígona) já se apresentam como preciosos textos dramáticos, aptos
a captar o interesse de plateias modernas. Não foi à toa que Aristóte-
les já apontava Édipo Rei como exemplo máximo da forma trágica. UM ASPECTO PRECISA SER ressaltado a respeito da tragédia grega em
Com uma história àquele tempo mais do que conhecida, Sófocles comparação com outra forma que viria a existir mais tarde, a futura
consegue emprestar à ação uma perfeita ilusão de contemporanei- tragédia da pós-Renascença, que formam juntos o mais precioso con-
dade e, pelo uso da peripécia, quando Édipo espera ser inocentado junto da história do teatro ocidental: segundo lemos em Aristóteles,
da morte de Laio, primeiro pela ilusão de não ter estado em Tebas na o herói trágico passa "ela felicidade à infelicidade", ou seja, a morte
ocasião, depois no encontro com Tirésias e, finalmente, quando vêm não é exigência na forma grega. Nem mesmo Édipo, o arquétipo
as revelações do pastor, cria o que veio mais tarde a ser chamado de do herói trágico, morre no Édipo Rei; enquanto, na tragédia ela pós-
"privação da descrença", que leva o espectador a acreditar na ação -Renascença, a morte será indispensável.
-••
Mais recente ainda é outra exigência do mundo moderno, a da comédia só foi aceita nos festejos da Dionísia Urbana cerca de cin-
quenta anos depois da tragédia, muito embora na obra de Aristófanes
••
originalidade. Para os gregos, os temas para a tragédia eram circuns-
critos às lendas e a episódios históricos; a originalidade ficava para a
visão que o autor tinha do tema, como pode ser notado pela leitura
ainda esteja presente o clima de total irreverência que caracteriza a
comédia antiga. ••
de As Coé{oras de Ésquilo e as duas Electras, de Sófocles e Eurípi-
des. O trio mostra o amadurecimento da forma dramática de Ésquilo
para Sófocles e Eurípedes, pois é composto por três versões da última
Se a tragédia expressa um quadro elo pensamento grego, a comé-
dia - e em particular a comédia antiga - é o produto artístico mais
ligado ao dia a dia da política ateniense.
•••
etapa da maldição dos Átridas, com as três peças tratando elo mesmo
acontecimento: a vingança de Electra e Orestes contra Clitemnestra
e Egisto, os assassinos de seu pai, Agamêmnon. As três são, porém, ••
obras completamente distintas entre si, cada uma refletindo o pen-
samento de sua época sobre a interferência (ou não) dos deuses nas
atividades humanas, com a n1orte ritualística na primeira, aceita
A Comédia: Estrutura do Texto e Versificação
••
como um dever na segunda e executada com relutância na terceira.
A COMÉDIA GREGA QUE conhecemos era apresentada no mesmo tipo
de teatro que a tragédia, porém, há toda uma série de aspectos muito
••
diversos daquele gênero chamado mais nobre. Com um coro pro-
vável de 24 componentes - que era dividido em dois para apoiar o ••
s8
As Origens da Comédía conflito entre dois pontos de vista, o que compunha o conflito da
primeira parte da peça-, a comédia chega a ter, por exemplo, dezoito
personagens nos Acámios e 22 em Os Pássaros, contando com quatro
59
••
A COMÉDIA GREGA É: dividida em três períodos diversos: antiga. média
e nova. A primeira é característica do século v a.C.; a segunda dura
atores e um "extra" com participação limitada e ocasional.
Formalmente a comécli; é muito mais complexa do que a tragédia ••
até mais ou menos 340 e1.C.; c a terceira teve seu período jurco cru
torno de 300 a.C., mas continua a existir até o início da era cristã;
suas origens são ainda mc1Ís misteriosas elo que as da tragédia, jci que
por estar condicionada a toda uma série ele regras que, aliás, nem
mesmo Aristófanes segue sempre à risca. Como no concurso trágico,
quando a comédia passou a ser apresentada no festival da Dionísia
••
foi perdida a parte da Poética, ele Aristóteles, que dela trata. O escrito
a respeito tem base, principalmente, em certos aspectos da comédia
Urbana, os atores e o coro eram pagos pelo Estado, cabendo ao cho-
regus, sempre um cidadão abastado, contratar os atores.
o
••
••
que parecem particularmente arcaicos, sugerindo traços de algum A comédia, ao contrário ela tragédia, não deve provocar qualquer ..c

reação emocional no público, exigindo distanciamento e objetivi- .êc:


ritual primitivo e complexo que, em teoria, seria fácil de reconstituir.
dade a fim ele que o público possa julgar o gue vê, principalmente u"'
Na prática, tal reconstituição é muito difícil, quando não impossível. o
Jogos e rituais de fertilidade e formas de um canto popular bas-
tante erótico e obsceno parecem ser componentes fundamentais,
na comédia antiga, cujo enredo trata, de modo geral, de uma socie-
dade em que aparece urna ideia nova ou revolucionária, que entra
em conflito com o stotus quo. Na forma mai~ antiga, da qual não
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••
mas o fclto é que mesmo as primeiras obras de Aristófanes j{! pos-
suem enredo, e todo o de:;cnvolvimento elo genero é car<tclcrll,<ldu
pela crescente ingerência da estrutura ela tragédia. Seja como for, a
restél!ll C.\ciuplos, a açc!o era limitada estritamente ao conflito entre
as duas icleias, o agon, e a proclamação do vencedor. Por influência
o
••
••
da forma trágica, que continha, nos termos de Aristóteles, uma his- na qual o Corífeu anunciava ele maneira formal quem tinha sido o
tória com princípio, meio e fim, a comédia grega passou a ter uma vencedor. A sequência, em última análise, é simples: o prólogo diz
segunda parte, na qual ficavam ilustrados os efeitos dessa vitória (sem- qual é o conflito, esse é apresentado e no final uma das partes con-
pre da ideia nova, é claro). flitantes ganha.
A encenação da comédia no final do século v e início do século Quando a primeira parte termina, os atores saem de cena com o
IV a.C. é semelhante à ela tragédia; era apresentad~ em festivais de Corifeu ordenando que os atores se retirem a fim de preparar algu-
Dionísio, financiada do mesmo modo, com a mesma e intensa riva- mas cenas que ilustrem as consequências da vitória ela nova icleia_
lidade entre os autores, apresentada para o mesmo tipo de plateia, O Corifeu lhes deseja sucesso em suas tarefas em um breve trecho
no mesmo teatro, mas com quatro atores e um coro maior. Na estru- chamado kommatíon.
tura do texto também havia algumas semelhanças, como o prólogo, A seguir começa uma passagem, quase sempre ele cem versos,
sendo o parodos e os episódios constituídos por uma série de cenas que interrompe a ação dramática e não tem nada a ver com o que
curtas, separadas por interlúdios corais. No século v a.C., o prólogo acontece antes ou depois. O trecho indica passagem de tempo e é o
das peças era composto com certo descaso e a comédia não tinha aspecto mais inesperado e pitoresco da comédia grega. Nesse tipo de
maior preocupação com a forma dramática. intennezzo, independentemente da ação dramática, aparecem tam-
É nos interlúdios corais que a comédia apresenta suas característi- bém versos líricos. Sua parte principal é dedicada a violentos ataques
cas mais vivas: enquanto na tragédia os interlúdios se haviam fixado a poetas, governantes, poderosos e mais quem o autor quisesse, em
na forma do stasímon, na comédia eles tomavam formas várias, a mais termos bem pouco poéticos e nada cerimoniosos. É: muito provável
importante das quais sendo a parabasís- que significa literalmente que, em tempos remotos, nada acontecesse depois disso.
a vinda para a frente. Assim que os atores, após a primeira parte, deixam o palco (o
Go A comédia elo século v é dividida em duas partes, muito bem defi- proskenion), o coro vira-se para a plateia e anuncia, em poucas pala-
nidas e geralmente do mesmo tamanho. Na primeira parte é esta- vras, a parabasis. Esse anúncio serve para cobrir a saída dos atores c
belecido um conflito causado pelo aparecimento ele uma ideia que as evoluções iniciais do coro, que vai "chegar para a frente". Quando
vai contra algum hábito ou convicção consagrada no grupo social. já estão todos em seus lugares, o Corifeu dirige-se diretamente à pia-
Ficam determinados, assim, em grupos opostos, os defemorc~ ela teia, falando corno se fosse o autor da comédia, e recita um trecho
ideia nova e os defensores do status quo. Fica estabelecido que o chamado ele mwfJesto, porque é escrito nessa métrica em que cada
conflito será resolvido pelo debate, agon, que, normalmente, começa unidade tem duas sílabas breves e urna longa. O assunto dessa fase
com uma ode, cantada pelo conjunto do coro, por vezes interrom- inicial varia muito mas, de modo geral, contém violentas críticas a
pida por comentários de um ou outro dos partidos oponentes, com políticos e poderosos, ou, em alguns casos, uma apologia do poeta c
todo mundo interferindo e dando palpites que podem ser grosseiros sua obra. O anapesto é declamado em ritmo cada vez mais rápido,
ou até mesmo obscenos. Para as cenas do conflito, o coro é dividido e termina com vc1rios versos, recitados a toda velocidade e ele um
em dois. Terminada a ode, o Corifeu ordena, em dois versos cha- fôlego só, chamado pnígos ou engasgue.
mados katakeleusmos, que um dos oponentes defenda seu ponto ele A seguir vem uma mudança ele tom completa e surpreendente: após
vista. O primeiro a falar é sempre o derrotado e, depois ele ele apre- um rnomento de silêncio, o primeiro semicoro canta uma ode, um tre-
sentar sua posição por Ineio ele uma complexa argumentação. seu cho breve, lírico e de métrica sirnples, de tema quase sempre religioso,
oponente fala, com uma exata repetição da forma. Nas comédias tom quase sernpre sério ou até mesmo tristonho. Encravados assim, no
mais antigas, no final do agon aparecia o sphragis, breve passagem meio ele V<írias comédias, estão alguns elos mais belos trechos ele poesia

••
lírica da Grécia clássica. A mudança de tom é bastante violenta para
o leitor de hoje e sugere grande maleabilidade de reação nas plateias
Aristófanes, a Comédia Antiga
e a Decadência Ateniense
••
gregas. Logo a seguir vem outro choque: as últimas palavras da ode são
sempre absolutamente incongruentes com seu espírito e servem para ••
iniciar a próxima etapa da parabasis, que é a eppírheme, uma espécie
de recitativo do Corifeu do primeiro semicoro, em geral, com dezes-
seis versos em troqueus (uma sílaba longa, uma curta), e acima de h1do
o ÚNICO REPRESENTANTE QUE nos restou das comédias antiga e média
é Aristófanes (445-45o?-38o? a.C.), que viveu durante a Çuerra do
Peloponeso (431-404), a qual viria a ser um de seus temas princi-
••
ela não é lírica. Seu conteúdo é semelhante ao dos anapestos, porém
sem as referências literárias e sugerindo que a voz não seja mais a do
pais, como o governo dos demagogos, que precedeu a instauração ela
democracia ateniense. O r.ótulo de demagogo nem sempre foi rebar- ••
autor, mas apenas a do próprio Corifeu.
Mal acaba a eppirheme, troca-se de emoções mais um<1 vez, pois
aparece então uma antiode, cantada pelo segundo semicoro, nova-
bativo. Significando "líder do povo", a princípio se referia a homem
que chegaram ao poder por alta capacidade, pois até mesmo Péri-
cles foi um deles, mas eventualmente o termo se degradou quando
••
mente lírica, concluída pela atl.tíeppírheme, novamente cômica, reci-
tada pelo Corifeu do segundo semicoro. Assim que este termina sua
incapazes carismáticos conseguiam conquistá-lo.
Das onze comédias de Aristófanes que conhecemos, nada menos ••
••
fala, os atores voltam ao palco e tem início a segunda parte da comé- do que três- e das mais célebres- tratam da Guerra do Peloponeso: a
dia. Não está apresentada aqui toda a complexidade da parabasís, primeira, Os Acámíos, de 425 a.C., além de ser uma hilariante denún-
mas como o aspecto dramático é o que mais nos importa, passamos cia ao partido militarista, também aproveita para lançar farpas na dire-
agora para segunda parte da comédia.
É sempre a ideia nova que sai vitoriosa, e depois da paraba~ís, já
na segunda parte da peça, são apresentados pequenos episódio~ sobre
ção de Eurípides, a quem o conservador Aristófanes criticava por não
representar mais o que ele considerava os verdadeiros valores gregos.
63
••
a I!Ova situação, expressando as consequências dessa vitória. A parte
esses, h<i dois episódios que parecem ser remanescentes das origens
Nessa primeira cornêdia contra a guerra, o autor aparenta ter a espe-
rança de que o conflito não seja prolongado e, em 421 a.C., quando
escreve A. Pa.z, parece que houve, realmente, certa esperança de acordo.
••
111~1is antigas da comédia: o kommos, que é a festa da comunidade, c
o gamos, que é a união dos sexos. É possível que nas etapas formati,as
ela comédia, esses dois tenham sido os únicos acontecimentos depois
A ideia de os deuses do Olimpo não serem encontr:1clos em seus paU-
cios pelo pobre ateniense que os vai procurar porque nJo suport<1vam ••
••
mais o barulho ela guerra entre os homens é tão bem achada quanto a
do ag(Jn, mas, por influência da tragédia, os episódios que ilustram de ele, finalmente, ser informado de que a paz está ali mesmo na terra,
as consequências passaram a ser apresentados. apenas enterrada debaixo de um monte de pedras, e que para que ela
Com a progressiva integração da comédia na forma dramática,
os elementos ligados aos antigos rituais de procriação foram sendo
esquecidos, e os episódios adquirindo maior desenvolvimento dra-
renasça basta que os homens se unam para desenterrá-la.
O mais famoso terço da trilogia, no entanto, é Lísístrata, escrita
~

o •
;:

••
quando Aristófanes est;,1 totalmente desencantado com o governo e
mático, aspecto decisivo para a aceitação da comédia nos festivais. parte para a fantasiosa solução de uma greve de sexo por parte elas o
v
mulheres, que só eleve acabar quando os homens tiverem o bom senso o
;;;""
de voltar à paz. Aristófanes tinha motivos bastantes para queixar-se
da guerra, pois ~~ dcrrot<l já é prenúncio da clecaclênci:-t ateniense.
Além desse trw sobre a guerra, são famosas também As B.ãs e As
c:
:3
,--.
v ••
Nuvens, contra Sócrates e os sofistas, contrabalançacbs pelo encanto ....;

••

de As Aves, um quadro utópico de restabelecimento de tudo o que primeiras obras, era exatamente o que veio a ser característico da
houve de melhor na democracia grega. À medida que os anos de comédia antiga: arrasar com tudo e com todos à sua volta, em feno-
guerra se prolongavam, no entanto, havia cada vez menos espaço menal mistura de fantasia, crítica, espírito, caricatura, obscenidade,
para a desbocada irreverência política das primeiras comédias, e com paródia, invectiva e o mais requintado lirismo, e sempre alcançando
o tempo desaparece a parabasís. claramente seus objetivos.
Embora único representante da comédia antiga, todos os críticos Hoje em dia, as críticas de S!.las comédias, como vários de seus
da Antiguidade são unânimes em apontar Aristófanes como o maior excessos, seriam impossíveis, graças às leis sobre difamação, por exem-
de todos os poetas cômicos do século v a.C. Sua obra é um dos even- plo. Na Grécia, parece-nos que o autor atendia bem ao interesse do
tos mais surpreendentes que se possa imaginar, e nunca mais apa- público, pois quando Aristófanes incluiu Sócrates em sua comédia
receu outro autor que escrevesse como ele. A primeira reação que As Nuvens, o próprio Sócrates, na plateia, levantou-se durante o espe-
temos quando o lemos é a de dúvida de que as peças sejam mesmo táculo a fim de oferecer a todos a oportunidade de verificar a seme-
assim, e o que causa tal impressão é a incrível liberdade de palavra lhança da máscara no palco com seu original ...
e pensamento, aliada à considerável, mas saudável, obscenidade. As duas últimas comédias de Aristófanes, As Mulheres no Par-
Nada ficava a salvo da arrasadora crítica do poeta: nem pessoas, nem lamento e A Riqueza, marcam a transição para a comédia média,
instituições, nem ideias, nem deuses. Nada merecia de Aristófanes em que há uma série de modificações, tanto em forma quanto em
o menor respeito e, aparentemente, os gregos apreciavam tanto esse conteúdo. Na forma, o mais importante foi o progressivo desapare-
gênero de calúnias, invencionices e descomposturas que não faziam cimento da parabasís, possível consequência ele uma censura mais
sequer questão que fossem engraçadas. Por outro lado, sua obsceni- forte nas etapas finais ela Guerra do Peloponeso, o que destruiu a
dade é tão totalmente integrada na ação e no sentido da obra que separação rígida da comédia em duas partes, ao mesmo tempo que
não poderia sequer existir alguma coisa como uma versão atenuada ficou mais presente a preocupação com a ilusão dramática. As duas
dela e, se há passagens líricas lindíssimas, essas são apenas fragmen- peças - exemplos únicos desse período ela comédia grega e ainda
tos- corte-se a obscenidade e desaparece a comédia. Aristófanes tem políticas- criticam, respectivamente, o feminismo e o que seria uma
de ser aceito como escreve, com seu entusiasmo, sua alegria, pois de certa forma ele "comunismo", mas o tom é menos pessoal em seus
outro modo é melhor nem sequer tentar lê-lo. ataques, e não aparece mais aquela medida ele desatino que caracte-
Uma grande característica de Aristófanes é a facilidade com que rizou a comédia antiga. A preocupação tornava-se um pouco menos
escrevia- evidente não só na fluência de seus versos, como também política, um pouco mais social.
no descaso, ou deficiência, de sua construção dramática. Quase todas Averdade é que, na altura ela metade elo século IV a.C., na comé-
as suas comédias têm defeitos incríveis de construção: não há nelas dia nova, o elemento social é superficial o suficiente para fazer surgir
preocupação com unidade dramática, os enredos quase nunca são o que é, na verdade, uma çoméclia de costumes. É a comédia nova,
solucionados de forma satisfatória, sempre repletos de falhas chocan- porém, que se tornou o principal modelo através elos séculos. Da
tes. Suas comédias são obra de um homem magnificamente dotado, comédia antiga, indisciplinada, violentarnente crítica e abusada, só
apto a resolver qualquer problema de construção dramática, desde restou a obra de Aristófanes, que não só atacou o governo e a Guerra
que para isso tivesse inclinação ou paciência. Suas últimas obras têm do Peloponeso - com sua trilogia Os Acámios, A Paz e Lísístrata -
enredos mais coerentes e bem planejados, mas para as primeiras é como também não poupou Sócrates e Eurípides com sua persona-
preciso sempre lembrar que Aristófanes, pura e simplesmente, não líssima forma ele arte, onde a malícia, a grossura, o cômico e o lírico c
estava interessado em trabalhar seu material. O que ele fazia, nessas viviam em admirável coexistência.

••
A Comédia Nova
e~redo como nas personagens- trabalhado com tanto cuidado e pre-
CIS~o que dá uma ilusória impressão de facilidade e simplicidade. O
••
comédia nunca mais foi a mesma, e a
estilo de Menandro era perfeito para esse tipo de dramaturgia e ele
ficaria famoso- assim como, muitos séculos mais tarde, Oscar Wilde _ ••
••
DEPOIS DE ARISTÓFANES, A
pelo fato de, em suas obras, podermos encontrar grande número de
última fase do que nos restou do teatro grego, a comédia nova, tem máximas e epigramas, nunca muito profundos, mas expressados com
como 1ínico representante Menandro, apesar de serem conhecidos tal. elegância que se tornam inesquecíveis, até mesmo quando dizem
os nomes de outros autores. •
Menandro nasceu em Atenas, no ano de 342 a.C., e era sobrinho
de Aléxis, famoso autor da fase da comédia média Nascido, portanto,
cmsas que já foram ditas muitas vezes anteriormente.
O conteúdo das comédias novas é tão diverso do das antigas quanto ••
quase dois séculos depois de Ésquilo, Menandro era conhecido ape-
nas por referências elogiosas até o início do século XX, quando foram
a sua forma. Aristófanes tratava de questões políticas, enquanto o
campo da comédia nova é restrito aos costumes, com enredos extre-
mamente estereotipados. Praticamente todas as obras ele Menandro
••
encontrados, no Egito, papiros contendo um único texto inteiro,
Dyscolos (O Mal-Humorado), e fragmentos, maiores ou menores,
tratam de jovens de boa família apaixonados por escravas infelizes
que, no, ~m, sã~ sempre tão bem-nascidas quanto eles. A oposição ••
••
de dezoito outras peças. das fmmhas dos JOVem e as intrigas dos escravos- estes, sim, verdadei-
Bonito, rico, de boa família e com entusiasmo particular pelas
r~s- são sem~re importantíssimas para o enredo. Suas personagens
mulheres, Menandro teve grande sucesso em vida, mas foi completa-
tem base em hpos como o pai autoritário, os jovens apaixonados, as
mente esquecido no período que se sucedeu à sua morte. O desapa-
recimento de sua obra é chocante já que ele escreveu, ao que consta,
mais ele cem comédias, embora o fato de ter sido premiado apenas
donzelas inocentes, os cortesãos, os parasitas e, já com destaque, os
escravos espertos, que viriam a ser frequentes na comédia romana. Se
67
••
••
Aten_as já não era o centro político de antes, sua cultura ímpar ainda
66 oito vezes indique que sua produção não era toda ele alta qualidade.
contmuava a ser cultu:1da no período do helenismo. O que Menan-
Por outro lado, a partir do século IIl a.C., Menandro ficou cada vez
clro escreveu, enfim, toi a fonte de todas as comédias de costumes
mais popular, e mesmo com todos os seus textos perdidos, sua fam<-1
atravessou séculos. Só quando, na segunda metade do século XIX, gra-
ças à descoberta elos Papiros de Oxírrinco, cidade do Egito rom<tnO,
que têm ocupado lugar tão destacado no teatro ocidental.
A: .cornédias de costumes de l\1enandro retratavam, via de regra,
fam;has abas:adas e bem-comportadas, em intrigas complicadas,
••
é que foi constatada a qualidade de seus escritos.
Para quem lê Menanclro depois de Aristófanes, é quase impossível
porem prevJSIVeJs, fazendo uso de alguns recursos típicos das anti-
?as tragédias, como, por exemplo, a "cena de reconhecimento". O ••
acreditar que a comédia daquele tenha se originado ela obra deste, pois
os dois não poderiam ser mais diferentes. Não há, em Menanclro, a
explosão de alegria de viver e, ao mesmo tempo, a incrível capacidade
destruidora de crítico que existiam em Aristófanes; e, muito menos,
nnp?rtante em sua obra é a penetrante e delicada observação dos
sen~n-r;e.ntos e circunstânc~as que cercam os jovens apaixonados, suas
penpec1as, suas reações. E justamente por tomar um aspecto cada
o


ü"' •• •
vez mais humano que a comédia perde, desde aí, ao menos parte do o
não há nada ela despreocupação genial com a construção ele enredo c
••
'V
que devena ser sempre sua característica básica, ou seja, a falta total o
personélgcns. A característica de Menanclro é a perfeição ela forma, o Ü'
Q.}

de envolvimento emocional do espectador com os acontecimentos 8o


cuidado infinito com a elaboração da trama c seus protagonistas. Su;1s
no palco, o que permite o r;.;o crítíco. Essa foi a mais decisiva influên-

••
ü
comécli<lS, sempre foi afirmado, são construídas com habilidade fmp<lr, "
~
cia ela tragédia sobre a comédia, influência essa que destruiu tudo 0
c é com perfeita clareza que ele elabora as mais cowplicaclas trama~.
que a comédia chegara a ser nas mãos de Aristófanes.
'l'udo era trabalhado para encontrar a palavra exata, tudo - tanto no

• •
Do mesmo modo que Eurípides foi o último dos três grandes
trágicos e indicou o caminho futuro do teatro sério, também foi
Menandro, e não Aristófanes, quem indicou o caminho futuro para
a comédia. O distanciamento crítico é ocasionalmente buscado ao
longo dos séculos; mas, em essência, o mundo da comédia antiga
continua a ser a seara privativa 9e Aristófanes.

II.

O Teatro em Roma

68
w

••
••
••
••
Formação da Civilização Romana ••
E
/
INTERESSANTE OBSERVAR o que aconteceu em duas penínsulas ao
••
sul do continente europeu, projetadas para o mar Mediterrâneo.
Ambas foram inicialmente ocupadas por povos de etnias mediterrâ- ••
neas, ou seja, os cretenses na Grécia e os etruscos e latinos na penín-
sula itálica; em ambos os casos, a partir de certo momento, tiveram
lugar invasões vindas do norte de grupos indo-europeus originários
••
da bacia do Danúbio, com resultados completamente diferentes, seja
em temperamento dos povos, seja em tendências- econômicas, polí- ••
ticas e culturais. O poeta e romancista Edgar Allan Poe talvez tenha
concebido a mais concisa descrição dessa diferença quando escreve
a "beleza que foi a Grécia e a grandeza que foi Roma".
••
O ciclo ela civilização grega começou em torno ele woo a.C., teve
seu ápice por volta elo ano 500 a.C. e, para todos os efeitos, consi- ••
••
dera-se terminado na época do nascimento de Jesus. Por seu lado,
consta que Roma foi fundada em 735 a.C.; porém, uma reconhecí-
vel civilização romana teve seus primórdios apenas por \'olta do ano
500 a.C., alcançou seu apogeu justamente no início da era cristã e
pode ser dada como acabada por volta de sood.C. Na Itália, parti- ••
••
cularmente do centro para o norte, os indo-europeus encontraram
a antiga civilização etrusca, que já alcançara alto nível ele sofistica-
ção. Assim como na Grécia, os invasores ela região italiana também
foram pastores que perrncmeceram modestamente na planície até se
sentirem suficienlemciJ!(· fortes para atacarem a civiliz;1çJo anterior,
que foi, aliás, clestruícl;:l tot;:dmente. Resume-se nisso '' semelhança
••
entre os dois casos. T'uclo o tnais é diferente.
••

Não houve na civilização romana que se formava, a fartura ele permanente convite aos gregos que fazia o mar Egeu, para trocas e
filósofos refletindo sobre a natureza do Estado que Atenas teve. Os buscas com seus vizinhos. Tanto o isolamento quanto a desconfiança
gregos, porém, não conseguiam resolver muito bem seus problemas levavam os romanos para o c~minho da preparação militar, a princípio
administrativos de governo, enquanto os romanos pareciam nascer para a defesa e, mais adiante, para a conquista.
com capacidade administrativa, sem teorias por trás dela, e solucio- Ao longo de todo o período da primeira monarquia, as característi-
nando seus problemas todos na prática. A Grécia, 1mdo embora cas anteriorme:ntc relatadas levaram a uma sociedade bastante rígida
tendo toda ela a mesma língua e a mesma cultura, nunca chegou a e, desde então, os romanos teriam a gravitas, a seriedade tanto apa-
possuir um governo unificado ou unificador; enquanto a Itália, che- rente quanto essencial como sua principal preocupação. Além disso,
fiada por Roma, embora com três culturas diversas -latinos, etruscos a hierarquização e o respeito à nobreza subsistiriam até mesmo ao
e os gregos de sua parte sul, ou 1v1agna Grécia -, em relativamente advento da república, na qual os patrícios continuavam a ser supe-
pouco tempo ficou toda sob o mesmo governo, tudo administrado riores aos comuns, os plebeus, com diferença e separação mui lo bem
por um mesmo centro. . marcadas entre uns e outros.
Os latinos eram pouco imaginativos e menos íntelectmllizados. É verdade que a arqueologia tem efetivamente apontado para a
Seus deuses não eram antropomórficos como os deuses gregos, mas, possibilidade ela existência de Rômulo; porém, é bem pouco confiá-
sim, ligados a fenômenos da natureza. Dos etruscos, que os domina- vel que os conhecidos sete reis ele Roma tenham se sucedido com
ram por algum tempo, os latinos adotaram a crença na vida depois tamanha certeza dinástica. Outra tradição que se fixou foi a de que o
ela morte, abandonando a prática da cremação em favor do uso de segundo rei, Numa Pompílio, tenha sido o respons;;'ívcl pela ideia ele
túmulos, onde eram acumulados tesouros para a vida futura. Acaba- emprestar às leis origem divina, o que lhes daria maior autoridade. A
ram, no entanto, misturando tudo com a religião grega e sua mitolo- historiografia sempre falou dos últimos reis como tiranos e devassos,
72 gia. Embora os etruscos tivessem uma cultura muito superior, jamais mas, no século passado, apélreceu certa tendência para ver Tarquí-
conseguiram impor sua língua aos latinos, nem sequer ~lO tempo elos nio, o Soberbo, como criador de uma espécie ele mini-império no
reis etruscos, na primeira monarquia romana. Sob esse aspecto a Lácio, e respm1s<c1\·cl por algo CJUC seria mencionado como la grande
derrota etrusca foi completa: sua língua continua sem ser decifrada Roma dei Tarquini. Seja como for, as coisas foram piorando e é por
e seu alfabeto tampouco foi identificado até hoje, apesar de perió- volta do século v que veio a primeira grande conquístc1, a ela eleição
dicas tentativas. anual de dois cônsules, com a figura do rei tornando-se, aos poucos,
Os latinos fundaram Roma no local onde atualmente se encontra meramente decorativa.
por razões bastante prosaicas: era conveniente para o comércio, com
fácil acesso a regiões próximas, além de estar protegida pela sua locali-
zação em um vale cercado por sete colinas. A costa oeste ela península
itálica tem poucos portos naturais, e é possível que isso os tenha isolado
em certa medida ele povos mais distantes, bem como influenciado seu A Cultura Romana
temperamento. Assim sendo, ao contrário dos gregos, os latinos nâo
se voltaram para o mar, tendo se tornado agricultores e pastores. Seu
com(·rcio era feito hasicamcnte :-,(1 por tcrr;1, por rncio ele cstre~cL1.s '\s DESDE A FUND.'\(,>\o DE Roma em 735 a.C., até~~ derrota definitiva
famosas sete colinas podem bem ter sido responsáveis por seu isob- dos etruscos em 50C) a.C. e a primeira Guerra Púníca (265-241 a.C.), o o
mento e desconfiança de todo e qualquer estrangeiro, ao contr;1rio do dado mais estranho a ser notado a respeito de Roma é a quase ausência

••
total de manifestações artísticas ou literárias. Sendo produto, em tem-
pos remotos, de uma etnia do Mediterrâneo mesclada com outras,
de determinadas manifestações populares autenticamente itálicas.
Algumas dessas festividades que tinham características cênicas não
••
invasoras o resultado em Roma foi bem diverso do que floresceu na
penínsul~ helênica, pois não há traço de qualquer tendência artística
chegam a ser realmente identificadas por terem passado sem deixar
qualquer marca. Os romanos, ao que parece, gostavam só de ação e ••
acompanhando o desenvolvimento social e político.
Não existe, no ciclo romano, nada que equivalha aos poemas
homéricos do início da civilização grega. Se os poemas homéricos
mímica. Há notícia, na verdade, por exemplo, da apresentação, por
mímica, de uma disputa d c:: terras em um tribunal, mas não se sabe ••
••
realmente o que seria essa apresentação; é Cícero quem descreve
aparecem na Grécia no século VIII a.C., tratando de uma guerra que algumas frases criadas para ilustrar o argumento, que falavam de
teria tido lugar por volta de 1200 a.C., a Eneida de Virgílio, por outro pastores que fugiam para a terra em disputa, mas eram chamados de
lado, data do século r a.C., e elabora a lenda de Rômulo e Remo, de
quem existiriam vagos traços, e que dava conta da fuga de Eneias,
após a queda de Troia, com Anquises, seu pai, às costas.
volta pelo magistrado. No entanto, isso é tudo.
Em 494 a.C., um levante das plebes, o povo comum, marca o
advento real da república, que teve grandes problemas a princípio,
••
Em Roma a necessidade de' uma expressão artística parece não
ter sido realmente sentida. Ao longo dos primeiros séculos não há
mas foi o primeiro passo para uma organização social mais justa.
É durante o período da república que aparecem as únicas formas ••
••
desenvolvimento lógico, até que apareçam formas artísticas e lite- dramáticas mais ligadas ao povo e menos subordinadas a modelos
rárias válidas. Em uma Roma politicamente madura havia muito gregos: a pantomima, a sátira e a fábula atelana, bastante primárias,
tempo, a literatura já nasceu adulta assim como Palas Athena, que sendo a primeira mais influenciada pelos gregos do que a segunda
nasceu pronta e armada do cérebro de Júpiter. A literatura não evo-
luiu até aparecer o épico de Virgílio, sendo antes o resultado ele um
e marcadamente obscena. A pantomima era em tudo semelhante
à sua forma grega e, ele modo geral, apresentava duas personagens, ••
••
74 processo imitativo; porém, é preciso reconhecer que, com o tempo, com pouquíssimo diálogo, muita música e dança, criando situações 75
acabou adquirindo características realmente romanas. farsescas dependentes de gesto e movimento.
Uma forma nativa a respeito ela qual se tem um pouco mais ele
informação é a dos versos {e::;ceninos, que datam do século IV a.C.,
constituídos de desafios. Estes eram cantados na época elas colheitas ••
••
e tinham, portanto, fortes ligações com ritos de fertilidade. A colheita
As Primeiras Manifestações sempre foi motivo de comemoração para os agricultores de todo o
Cênicas mundo, e os fesceninos eram cantados no campo ou nas pequenas

A HISTÓRIA oo TEATRO romano é, em parte, a história da influência


aldeias. Muitas vezes, tratavam ele peças pregadas em alguém; em
muitas outras resvalavam para a total obscenidade. Os versos, assim,
eram acompanhados por pantomimas que apresentavam em detalhe "'
••
••
~

elo mundo grego em Roma, mas, antes disso, existiram no que viria õ
o que narravam, sempre combinados com música e dança. Tal forma ~

a ser a Itália várias formas elementares de atividades dramáticas. O não teve continuidade muito provavelmente por não conseguir a apro- Q)

historiador romano Tito Lívio elaborou um esquema hipotético sobre


a evolução do drama romano que adotaremos, basicamenle, a seguir
No campo do entretenimento e do teatro, IlU eillanto, o ~ilencio
vação das classes dominantes, que não admitiam as grosserias dos ver-
sos salpicando sua respeit:Jhilicbcle t:lo cledicaclamente culhv;1ch. bsn
não significa, porém, yue esses versos não tenham continuado a ser
E
râj
t-
o
•• •
dos primeiros tempos não foi absoluto, e é preciso marcar a presença apresentados por anos, ou até mesmo séculos, ao tempo das colheitas. ::::



No mesmo século, por volta de 364 a.C., houve uma epidemia de quarteto. A cena, geralmente, se passava no campo ou em alguma
peste, e por alguma razão apareceu a ideia de que uma dança etrusca pequena aldeia, e as situações eram todas de farsa, repletas de peças
chamada satura serviria para aplacar os deuses e, portanto, fazer pregadas e de obscenidades. Como os tipos eram fixos, os textos ten-
passar a fatal epidemia. A forma se tornou imediatamente popular diam a ter títulos corno "Pappus apaixonado" ou "Buccus esfaimado".
entre os jovens, que acrescentaram a ela gestos e diálogos, mesmo Virtualmente desaparecida, no século I a.C. a fábula atelana reapa-
que muito incipientes. Os atores, em etrusco, eram chamados ister, rece com textos escritos, príncípaimente por Pomponius e Nevius,
e teria sido essa a origem do termo histriones para os atores latinos. mas sem conseguir firmar-se e desaparecendo logo.
Havia uma considerável semelhança entre essa forma importada e Todos aqueles que pela primeira vez entram em contato com a
os versos fesceninos. Em pouco tempo a forma evoluiu, juntando fábula atelana têm exatamente a mesma reação, a de considerá-la
todos esses elementos, e transformou-se em uma espécie de musical como ancestral direta da Commedia dell'Arte. No entanto, e por
variado, sem qualquer tipo de enredo, que veio a ser também cha- mais que a ideia tenha sido pesquisacla, não existe sequer o mínimo
mado de satura, o que gera certa confusão. traço de informação que demonstre a sobrevivência da fábula ate-
A satura, no entanto, ficou sempre nas mãos dos amadores e não evo- lana durante os quinze séculos que separam até mesmo suas últimas
luiu para uma forma mais elaborada, embora haja notícia de algumas manifestações e o advento da comédia dos profissionais com perso-
delas terem sido apresentadas como exodía, ou seja, como saída, depois nagens fixas que floresceu na Renascença italiana. Não são poucos
da encenação de peças gregas traduzidas ou imitadas. A forma jamais os estudiosos que se dedicaram à busca dessa ligação, que parece
obteve a aprovação das classes dominantes e aos poucos foi sendo aban- tão óbvia, mas que na verdade não existe; no século 1 da era cristã a
donada; sem grandes méritos. Talvez sua precariedade justifique o fato fábula atelana desaparece completamente. Em falta de outra expli-
de ter sido tão facilmente repudiada quando apareceram peças com cação, as duas formas ficam atribuídas simplesmente a uma "elo-
enredo trazidas da Magna Grécia por Livius Andronicus, em 240 a.C. quência corporal" característica dos italianos. 77
A mais importante das manifestações dratmlticas nativas, no entanto, A pantomima latina, que também teve vida breve, não era muito
é a fábula atelana, um tipo de comédia com texto, que aparece do diferente da fábula atelana em conteúdo. No entanto, as persona-
século IV para o III a.C. entre os tosc:anos- na cidade de Atella, na gens não eram fixas e havia ainda muito mais música e dança. Essas
Campânia, região perto de N<1poles- e foi desde logo adotada pelos peças, a princípio eram uma espécie de monólogo e contavam ape-
latinos. Era urna manifestação campestre e preservou sempre as carac- nas com duas personagens, com caracterização muito superficial; o
terísticas de sua origem, falando de intrigas e boatos entre vizinhos e importante eram as situações farsescas, muito gesto e movimento.
coisas nesse gênero. Ela se manteve durante um período considerável,
sempre como tradição oral, via de regra, composta em cerca de trezen-
tos versos, tendo como sua grande característica as personagens fixas e
o uso de máscaras. Todas as suas personagens tinham caracterizações
físicas que se identificavam com sua funcionalidade na ação, ou seja, O Teatro Romano
com seu tipo de papel. As principais e consagradas foram: Maccus,
uma espécie de palhaço estúpido; Buc:cus, tipo extremamente vai-
eos Estilos Literários
doso c grallde comilão; Pappus, \llll Y<.:lll(l tolo, r;Jcilrnentc enganado;
e Dossenus, o corcunda intrigante, principal mola da ação. Cada DAS FORMAS NATIVAS, NEM mesmo a fábula atelana teve o apoio das o
fábula era um episódio, uma aventura ou intriga protagonizada pelo classes dominantes, e o que realmente podemos chamar de teatro

••
romano só nasceu no século n a.C. com a importação da dramatur-
gia grega, que era popular na Magna Grécia, a metade mais ao sul
Com as imitações, vários tipos ele fábulas apareceram: a fábula
crepidata era a imitação da tragédia grega cujo nome era clara refe- ••
da península itálica.
Nessa época, quando a república já tinha progredido bastante, e
a realização dos "jogos" se tornara importante não só para a come-
rência a um traje grego típico; a fábula paliata era termo aplicável
a qualquer peça passada na Grécia, onde era usado o pallium; se a
ação se passava em Roma, aparecia a fábula togata; e a mais romana
••
moração de vitórias como para a autopromoção de figuras polít:cas,
Lívio Andrônico', viajando com frequência para a Magna Grécia, e
das formas sérias aparece na fábula praetexta, que trata de aconteci-
mentos históricos. N·ão resta um único texto trágico latino dos sécu-
I!
••
conhecendo a pobreza cultural desses eventos romanos, decidiu apre-
sentar a Roma urna novidade. Foi em 240 a.C., corno parte dos Ludi
Romani, que ele resolveu mostrar aos romanos o que era teatro, tra-
los e r a.C. e, virtualmente, só os títulos levam a crer que Ácio, em
particular, tentou compor Jragédias sobre temas romanos.
A preferência dos autores pela paliata se explica por uma questão
••
duzindo e adaptando urna tragédia e uma comédia gregas. O sucesso
alcançado pelas peças vertidas para o latim foi grande, ficando des-
de censura: em qualquer ação passada em Roma não poderiam mos-
trar em cena, por exemplo, moças jovens, solteiras, de boa família. ••
••
lumbrado o público que jamais havia visto coisa semelhante. Isso faz com que muitas apareçam como supostas escravas que no
Ao sucesso inicial seguiràrn-se incontáveis traduções e, eventual- final se descobre terem sido sequestradas quando crianças e, sabia-
mente, algumas imitações, do próprio Livius, bem como de vários mente mantidas virgens nos bordéis, que muitas vezes habitavam,
outros que viram ali uma mina de ouro. De complexidade fora do
alcance elos amadores, essas novidades gregas foram apresentadas
ao público romano por atores profissionais, enquanto os amado-
a fim de poderem se casar com o herói no final da trama. Nenhum
cidadão ro~1a~o podia ser apresentado como marido traído, o que
afetana a dtgmdade dos maridos na plateia, e certamente não seria
••
res continuaram a usar as formas primitivas, de cantos e gracejos
improvisados.
p~ssível o :~curso de urn escravo mais esperto do que seu dono, situa-
çao que vma a fazer imenso sucesso tanto na Commedia dell'Arte 79
••
Em matéria de tragédia o modelo favorito foi Eurípides, provavel-
mente graças à importância dos aspectos psicológicos em sua obra.
Na comédia, já que nem mesmo na Grécia seriam agora admissíveis
como em Moliere, séculos mais tarde. A solução era a paliata, ou
seJa, tudo aquilo acontecia na Grécia, com gregos, ficando assim
salva a respeitabilidade romana. O que surpreende é que Plauto,
••
as peças de Aristófanes - que não se prestava à tradução, pois além
de personalíssimo em sua criatividade, era muito ligado a seu tempo
que :s~reveu entre 20) c Ifl4 a.C., tenha conseguido criar ótimas
comedias- passadas na Grécia, é claro, mas todas sobre a realidade ••
em Atenas, e ainda o tipo de crítica ao governo que ele fazia não se
harmonizava de todo com a têmpera rorna11a -, o que se estabeleceu
foi a comédia nova. Assim, é claro que, para a comédia, Menandro
romana- e realmente 'er romano em estilo.
Os cem anos passados entre 240 e 140 a.C. foram o período áureo
do.teatro romano. A princípio o resultado era excepcionalmente imi-
••
é que se tornou o principal modelo, embora, ele modo geral, outros
autores também fossem copiados, pois as comédias dos séculos rv e
tativo, porém, com o tempo, algumas obras alcançaram considerável
aut~nti~idacle r~mana; a esse período pertencem tanto Plauto quanto
T~rencw, ~~ dms gré~n?es nomes da comédia romana. Na opinião de
"'E ••
m a.C. eram universais, humanas e pediam pouquíssimas alterações

••
o
0::
para serem aceitas por plateias romanas. ~1cer~, LiviO Andromco não merecia uma segunda leitura, porém 8
v
mnguem lhe tira o mérito ele ter sido o iniciador de todo o movi- o
.c

Escravo grego libertado por um membro da família Livia, nascido em Tinentum.


na Magna Grécia, que com frequência transitava entre esta e Roma. e ganhava a
mento que representa o melhor do teatro romano. .v"'
t-<
o ••
vida ensinando grego e latim e traduzindo clássicos gregos. -
••

Os Primeiros Autores romana. Dele só são conhecidos quatrocentos versos, fragmentos
Romanos de vinte peças diferentes. Consta ter tido grande poder dramático e
estilo muito superior ao dos que vieram antes, sendo figura decisiva
no teatro romano. Usando metrificação grega, deu à tragédia romana
DOS PRIMEIROS AUTORES ROMANOS não existe nada a não ser referên- outro nível artístico e, como poeta épico, foi o real precursor ele Vir-
cia. Depois ele Lívio Andrônico~ o primeiro a se tornar conhecido foi gílio, influindo de fato no pensamento contemporânr:o ao adotar o
Cneo Névio, a respeito ele quem há poucas informaçôe~, mas que ponto ele vista crítico ele Eurípides, assim como seu profundo inte-
apareceu pela primeira vez no teatro em 235 a.C. Naevius também resse pela humanidade.
escreveu tragédia e comédia, além ele um poema épico sobre a Pri- Escreveu regularmente para o teatro até sua rnortc, e dele são
meira Guerra Púnica, na qual tomou parte, tendo por modelos Eurí- conhecidos três títulos que parecern ter sido da linha fábula paliata
pides, na tragédia, e Menandro, na comédia. São conhecidos títulos e nada menos de vinte títulos de tragédias, muitas delas traduções ele
de 34 comédias e sete tragédias suas, mas só sobreviveram fragmentos Eurípides que ele adaptava ao gosto romano, como vinham outros
de algumas obras, das quais duas seriam sobre temas romanos, uma fazendo desde a introdução do teatro grego em Roma.
sobre Rômulo, o primeiro rei de Roma, e outra sobre a derrota de Dois outros nomes são li~:,aclos à tragédia na Roma pré-cristã:
um exército gaulês por Marco Cláudio J:vlarcelo, para cujo funeral Marco Pacúvio (220-130 a.C.) e Lúcio Ácio (170-86 a.C.), os últimos
teria sido escrita. trágicos do século I a.C., ambos buscando uma prosódia romana
Parece que suas peças foram pouco originais. mas com certo como Ouinto Ênio, todos mais diretos e incisivos que os gregos:
encanto no modo ele dizer as coisas. Uma elas comédias de Névio, menos ricos em sutilezas c reflexões que eles.
O Vidente, se passa na Itália, tornando-o o criador da fábula togata, Desses dois autores só são conhecidos títulos e pequenos trechos
o tipo de comédia local, com personagens latinas c rctralattdo a vida que não permitem qualquer avaliação mais séria. Ambos almejaram
romana, que por isso mesmo usava a toga, a mais típica vestimenta estilo sonoro, recorreram mui to à retórica e foram mais conhecidos
romana, diferente, portanto, da fábula fJct!iuto. n<l qu<ll as persona- por outras atividades litercírias; sendo Acio muito respeitado ainda
gens continuavam sendo gregas. ao longo do século r c!. C., c entre seus escritos estar uma história
Naevíus criou também a f<'íbula praetextcl- o nonH:' \em do traje do teatro grego c romano. /\parentementc eram tidos ambos corno
bordado usado pelos magistrados romanos-, que teve enorme impor- superiores a Ennius em estilo e construção, mas este contimtava a
tância em Roma por sua identificação com a Inentalidade vigente c ser o maior por sua concepção trjgica.
consistia em uma espécie ele drama histórico, com tum ele oratória, O próprio fato ele não termos un1 único texto integral de qualquer
estilo retórico e sentimentos exaltados, o que faz dela o primeiro desses autores depõe sobre a pouca repercussão do trágico em Roma,
gênero dramático autenticamente romano. Dois títulos da praetexta onde as reflexões filosóficas sobre valores morais, viela e morte não
desse período são conhecidos, Romulus c Clostidiwn. Naevius mor- eram preocupações primordiais. nem mesmo durante a República.
reu no exílio, na África. O teatro nunca foi cultuado como urna arte mdior entre os roma-
O nome seguinte a ser lembrado é o ele:- Quinto f:nío 2~9- nos, que na verdade foram m criadores de determinados preconcei-
169 a.C.), poeta épico. dramaturgo e Séttirista. prcll<l\ellllctJtc u maior tos que continuam, iliFeli;.mcnte, a existir até hoje, graça'> am quais
dlllor lrcígicu que a R\llll~l rcpublic~m~t 1/.!'!. ,!Jn;Jd(l o fim- todos podem ou até dcvcrn gost<Jr ele arte, mas é preciso ter muito
cuidado com os arti~tas, settdo que no caso dos atores o problema é c
dador ela literatura romana. Do extremo sul da península, foi trazido
para Roma por Marco Pórcio Catão, o Velho, e recebeu cidadania mais grave, pois quem é capaz de fazer papel de ladrão mtassassino

••
na certa há de ter um temperamento que se identifica com a perso-
nagem, e não pode ter firmeza de caráter aquele que, com facilidade,
aplicou fortuna em comércio, perdeu tudo e voltou a Ro_ma, onde ••
••
escreveu peças enquanto trabalhava como moleiro. HoJe em d1a
se apresenta na pele de toda uma variedade de personalidades. julga-se que muitas dessas histórias são invenções, ma_s a ~1otável
carpintaria de suas obras sugere familiaridade com vános tipos de
farsa, que podem e devem indicar que Plauto teve ligações ínhmas
com o teatro, provavelmente como ator de algum grupo que amda
apresentava episódios ela fábula atelana.
••
Os Grandes Autores Plauto foi exclusivamente autor ela fábula paliata, com grande
número ele traduções ou adaptações de Menandro. Porém, sua obra ••
TUDO o QUE HOJE se conhece do teatro romano, na comédia, são as
obras de Plauto e de Terêncio. As Didascalíae, provavelmente com-
tem características próprias, ele sabia usar o latim com considerável
liberdade e seu hmnor com frequêncía fica bem longe ela delicadeza
de seu exemplo grego. Pbuto sem dúvida recorreu à forma da fxdiata
••
piladas no século I a.C., dão um relato ele montagens de peças dos
dois grandes autores, com detalhes tais como data da primeira apre-
sentação, em quais jogos elas foram encenadas, quais os magistrados
para escapar da ce1-1sura, fazendo acontecer oficialmente na ~récia
tramas que envolviam situações que ele queria criticar na soCiedade ••
responsáveis, quern organizou o espetáculo, quem fez a música etc.
Esses dados, no entanto, são muitas vezes contrariados por outros
romana. Ele viria a ser, na verdade, o grande modelo ocidental de
comédia, pois Menandro era desconhecido na Renascença e foi nas
obras de Plauto que Moliere encontrou a forma ideal para sua comédia
••
informantes. O notável Varro, escolhido por Júlio César para orga-
nizar a primeira biblioteca pública de Roma- projeto não realizado,
pois César foi logo assassinado -, chegou a relatar 21 títulos como
crítica. AAulularia é o rnolde não só ele O Avarento, do autor francês,
como também ele O Santo e a Porca, de Ariano Suassuna; enquanto ••
••
o Miles Gloriosus originou o memorável "soldado fanfarrão" da Com- 83
certamente obras de Plauto dentre as cerca de duzentas atribuídas
media dell'Arte e de inúmeras outras obras e os Merzaechmi formam a
a ele em diferentes momentos, e a autoria ele alguns outros títulos
trama da Comédia elos Erros, ele Shakespeare. Não é só com modelos

••
ainda é cliscu!icla até hoje.
diretos, como os citados, que Planto viria influenciar a tradição cômica
A comédia, talvez por não ir tão fundo em suas indagaçües sobre
elo Ocidente; seu modo ck: tr<J.tar a intriga c sua condução elo cômico
eomportarnentos lluinanos, mais ligada ao transitório elo que ao


na ação e no monólogo são igualmente importantes.
essencial, é que teve maior sucesso entre os romanos. No período
O sucessor de Pbuto na comédia foi Cecílio Estácio, urn escravo
entre os séculos I! e 1 cl.C. apareceram os três poetas que representam
o desenvolvimento da comédia romana: Plauto, Cecília e Terêncio,
todos eles dedic~dos à forma da fábula {Jalíata, ou seja, comédias
levado da Gália para Roma e subsequentemente libertado. De sua
obra, só nos restam cerca de trezentos versos em fragmentos esparsos ••
que se passavam em ambientes supostamente gregos. Plauto é o
mais famoso dos autores da época, e na Antiguidade chegaram a ser
e 42 títulos, quase todos idênticos aos de peças de Menandro. A_o que
parece, Cecílio era mais fiel ao modelo grego, embora, ocasiOnal-
mente, como Plauto, tomasse liberdades com os originais, arriscando-
2"'
o
ç,::
••
••
atribuídas a ele nada menos de cem comédias. Dessas, nos restam 8v
-se a introduzir diferenç·as bastante marcantes.
vinte completas e uma fragrnentária. ~
Tito M6cio Plauto (?-184 a.C.) nasceu em Sarcina, na Umbria, e
Em sua époc<i, Cecílio foi considerado superior tanto a Plauto -ª
.0

••
quanto a Tert'ncio. ;1p;trcntemer1te)JOr ser ele mais vigoroso que t-
c:..i::.klll incorll<ívci.s le!lclas a seu respeito. Trddicionalwcnte, acre- o
Terêncio e rnais regular que Plauto. E impossível avaliar seus méntos
dita-se que ganhou dinheiro como ator, resolveu abandonar o teatro,
reais devido à escassez elos fragmentos que hoje subsistiram.

••
~
Públio Terêncio Afro (194-158 a.C.) nasceu em Cartago, no norte sugere que o público estava querendo ver algo mais espontâneo e vivo,
ela África, e foi levado para Roma quando ainda era criança, como menos perfeito e delicado. Além disso, a crescente onda de naciona-
escravo, condição da qual foi mais tarde libertado. Amigo ele Públio lismo pode ter sido a responsável pela morte da palíata, já que depois
Cipião, fazendo parte de seu círculo altamente intelectual, 'Ierêncio de Terêncio os autores parecem ter se voltado todos para a fábula togato,
vivia entre os que se dedicavam ao enriquecimento e refinamento ou seja, a de ambientação romana: Titínio, Quinto e Afrânio- o mais
da língua latina. famoso- sãc• os nomes rnais conhecidos dessa época. Suas comédias
Sua obra foi escrita na década ele 160 a.C., e ele só criou sei~ peças, se passavam sempre no carnpo ou então em ambientes ele classe média
pois morreu muito jovem em uma viagem d Grécia. Nas Diclasco- ou baixa; as ele Afrânio foram se tornando cada vez mais desregradas c
liae, suas obras são identificadas conta informaç<1o elos jogos durante cultoras da risada fácil, acabando por se transtonnarem em um novo
os quais foram apresentadas: Andria, Hecyra (A Sogra), Eunuchus gênero, chamado fábula tabemária, justificado no próprio nome.
(O Eunuco) e Heautontimoroumenos (O Autoatormentaclor) apa-
recem em jogos megalenses, Phormio nos jogos romanos e AdelfJhí
(Os Aclelfos), peça encom.enclada pelos filhos elo morto, nos jogos
fúnebres de Lúcio Emílio Paulo. A não ser por i\ Sogra, que só foi
montada em uma terceira tentativa, tendo sido preterida em dois A Realização
jogos anteriores, Terêncio sempre teve enorme sucesso, sendo mais dos Espetáculos
apreciado pela elite do que Plauto.
Suas seis comédias, todas preservadas até hoje, s;'io calc<ciclas em
originais de Menandro e Apolodoro ele Caristo, e não encontr;mios o TLATRCJ EM ROI'vlA nãu recebia o mcsn1o respeito que na Cré'cia.
nelas a robustez e o entusiasmo do humor mais c:\<lgcraclo ou u tom Nesta, em algumas oc<Isiôc'i, éilorcs, por\ isitarern diferentes cicb-
rnais popular ela ohr;I de PLmto. Sua obra <lprescntd pLmo literário clcs, eram usados como crnhú,adores, enqu;mto em Roma a funç;'io
bastante superior c(: considerável a acuiclaclc que ele <IprcscnLI\";I de ator era menosprczad;I c os intérpretes ;1cabaran1 sendo cscLI\Oo
no tratamento de sitw1çôes e personagens. trcin<tdos para isso.
Terêncio tinha estilo mais contido e elegante, era Illciis fiel em suas Os teatros ern que fora!l1 aplTScJ!l:IcL!s as peças ele PLwto c Tc·rên-
traduções e adaptac;ões elas comédias gregas c, ao inlrodu~.ir partes cio eram bastante difcrciiics elos teatros gregos que ha\ iam existido
ele uma comédia de l\Ienandro em outra, tornou-se o criador do no século IV a.C. Por volL1 du sé·culo 11 a.C., os espetáculo\ teürais
enredo duplo, no qual duas tramas paralelas cra1n rcsoh icbs pu r um em Roma ermn encenados c1 11 p~II c os tcrn porá rios, em conc:.;ão colll
mesmo final, o que significou notável enriquecimento para <I forma os jogos romanos, os lucli. Havia v:1rios tipos de luclí. Além elos regu-
da comédia. Terêncio criava seus enredos e personagens de modo lares, previstos pelo governo, <1corllecianl também jogos eventuais,
bem mais despojado e realista do que Plauto, c durante séculos ele para celebrar vitórias militares, a consagrélção de ternplos religiosos
foi usado e citado como exemplo do latim literário. ou até mesmo o funeral de algum romano famoso.
Com Terêncio, ~~ Líhula jJoliata chega ao ~tUgc c :.10 Fi111 ele \II<l car- As ocasiões c a fornw elo teatro I~Imhérn foram bcn1 di\·ers;ts t.'l11
reira. Ainda existclll outros nomes, rnas são s(J IIOIIJcs. C) cks:Ip:Hcci- Roma, expressando <linhas cl posiç<ío ele sua cultwa crn rcla~;ão i1 ;Irtc.
llJCnto elo gl'ncr<l i.í rni :Itz" l!ll.'SillO :Itl·íhuíc.lo ;'t i' . \ T>; lJcpnisqiiCf,í\·io\ndrr'llllé'll' ·< IIICliC>S lS!r:Idli·
forma de Terêncio. No eut;mto, o bto ele ter ha\ido gwnclc liÚmero de 7.iclos ele textos montados na [\Llgna Crécir1, outros romanos passaran1
remontagens elas cornédias ele Plauto logo depois da mortl' de 'l(Têncio e~ fazer o rnesmo, Inas a falta ele texto:; trágicos deixa clara a preferência

. .i

~
pelo entretenimento da comédia. Além disso, os espetáculos teatrais
não tinham permissão para serem apresentados senão nos dias de ludí.
ao tempo do final da república, 77 no início do século I a.C. e nada
menos que 177 no decadente século rv d.C., o que deixa transparecer ••
Os jogos oficiais eram de dois tipos: os ludí círcensi -nos quais os
eventos eram de corridas de bigas (carros puxados por dois cavalos)
o quanto essas ocasiões serviam na realidade para a política de "pão
e circo", cada vez mais adotada pelos imperadores para, graças ao ••
••
entretenimento, manter o controle do poder em suas mãos.
ou quadrigas (puxados por quatro cavalos), lutas entre homens e lutas
Os romanos, portanto, tinham mais ocasiões de ir ao teatro do
contra animais - e os ludi scaenici, sendo estes, cênicos de fato, os
que os gregos, desse modo, as plateias foram crescendo. No entanto:
jogos teatrais. Assim sendo, os espetáculos eram apresentados apenas
naqueles que erarn definidos como ludi scaenicí, sendo considera-
dos t3o parte religiosa do acontecimento quanto os sacrifícios e as
ainda não havia teatros permanentes em Roma no século II a.C. Para
cada celebração dos jogos eram erigidos palcos temporários, derru-
bados tão logo eram concluídos os jogos. Plauto e Terêncio tinham
••
procissões, realizados não só em relação a deuses como também a
vitórias e outros acontecimentos cívicos. Vários dias eram dedicados
aos ludi scaenicí durante os dois festivais de Júpiter: os ludi ronwní,
suas obras encenadas em uma plataforma de madeira construída
especialmente para cada apresentação; o teatro grego de pedra con- ••
jogos romanos, dedicados aos de classe mais alta, em setembro, e os
ludi fJlebeií, voltados para o povo, em novembro. Além disso, tam-
tinuava desconhecido no mundo romano. Até o século XIX julgavà-se
que não havia lugares para ninguém se sentar nos teatros romanos,
mas hoje já se acredita que existissem assentos de madeira.
••
bém apresentavam-se peças regularmente nos lvdí apollinarí e nos
ludi megalenses. O número de dias de ludi scaenici começou sendo
cinco por ano, aumentando na era ele Augusto e, por volta do século
Os tablados em que os romanos atuavam eram compridos e estrei-
tos, com pouca profundidade. Normalmente, representavam uma ••
II a.C., quando viveu Plauto, já havia crescido ainda mais, chegando
a quarenta, o que atesta a popularidade da comédia romana.
rua. A skene (scaerw), também ele madeira, simulava duas ou três
casas ao longo da rua, com portas dando para esta. A única exceção
conhecida a esse esquema é e•11 A Corda, de Plauto, cujo cenário é 8; ••
••
Nos festivais religiosos, um aspecto muito interessante das apresen-
tações teatrais era o hábito elas instaurationes, ou repetição de jogos. un: trecho de costa marítima com uma casa humilde e um templo.
Só havia rcpeti<.;ão elo luclus nos casos em que houvesse algurn pro- A~ vezes havia uma pequena rua ou travessa, o arzgiportwn, perpen-

blerna com a lT<dização da parte religiosa, como a leitura das entra-


nhas de aves ou animais por sacerdotes, os quais ;:d1rmavam que com
isso poclia111 prever o futuro. A frequência das instauraiiones- mais
dicular à rua principal, muito conveniente quando uma personagcn1
tinha ele escutar uma eom·crsa entre outras duas. Essa era também
uma entrada extra, além elas duas, à esquerda e à direita da rua prin- ••
ou menos 2/3 dos jogos eran1 repetidos- deixa certas dúvidas quanto
às razões puramente religiosas elas coisas e à lisura das repetições,
principalmente porque os jogos pareciam se repetir quase sempre
cipal, sendo iclenti fica ela êl da esquerda como dando para o porto ou
terras distantes e a ela direita levando ao foro ou ao campo próximo à
cidade. Ao que parece, o angifJortum só levava ao próprio local ela ação.
•• •
Portanto, é no tratamento elo local onde eram apresentadas as

••
em casos de a peça apresentada ser bem recebida. Houve um caso
de um mesmo ludus plebeii ser repetido sete vezes, e é estranho que peças que se manifesta mais claramente a diferença da posição ele
a incompetência elos sacerdotes se tenha manifestado justamente na gregos e romanos em relação ao teatro. Na Grécia, eram áreas
ocasi8o em que foi apresentado o Miles Gloriosus (O Soldado Fan-
farrão), um elos rnaiores sucessos ele Plauto.
Fimhora ,1 lr;tclicJio clm ludi scaeníci date de
ligadas a templos, e não passou muito tempo antes que teatros
começassem a aparecer. J~í ern Roma, por razões nem sempre com-
prcensí\·cis, o teatro p<nccia cllllcaçaclor e os espetáculos apresen-
••
••
<1.(: .. con1pmtos
por mímica, rn(tsica de flautas e dança, podernos duvidar dt· sua tados durante os jogm rccurri<ll11 a palcos improvisados, que eram
natureza rcalriiCIJtc religiosa quando descobrimos que eles eram 57 destruídos tão logo acabcl\ aní LJS ocasiões festivas.

••
imperial e à dec~dência do império, com suas altas estruturas para
susten_tar as arqmbancadas e, suas elaboradas {rons scenecae, que na
rnawna elas vezes ostentam portas e ruas que não podem ser usadas e
apenas duas entradas já descritas, urna ele cada lado do estreito palco
que atravessa todo o espaço elo cemírio. Plauto e Terêncio continua-
ram a ser montados por muito tempo; autores menores e esquecidos
amcla escreveram comédias que cada vez rnais decaíam para as obs-
cemclades ela fábula tabemâria.

Os Recursos Cênicos

POUCO SE CONHECE A respeito ela maneira ele vestir dos atores de


P:auto e Tcrêncio. As peças pouco informam, e o que sabemos pro-
vem de Ilustrações de manuscritos de peças de Terêncio que datam
EsqHema do primeiro teatro romano permanente. ele um século depois ele sua morte. As informações são bastante
confusas, embora seja legítimo acreditar que basicamente os atores
O primeiro teatro permanente ele Roma, na verdade, só foi edifi-
vestiam-se à moda grega. O fJcdlium era o traje exterior normal na
cado por um projeto de Pompeu, no ano ele 55 a.C., pouco mais de
fxzliatcl, passada na Grécia, c usado por hontens e velhos em cima
cem anos após o Aorescintento dos dois grandes autores ele comédia:
de urna túnica justa e ele mangas compridas, o chiton. O fxdlium
Plauto, do final do século II a.C., e Terêncio, do início do século
elos velhos era branco, o elos jovens vcnnelho escuro ou púrpura. Os
r a.C. A plateia inclinada do teatro foi construída na encosta ele uma
escravos só usavam túnicas c seu {Jal!ium -amarrado para não atra-
colina, tendo sido afirmado que a arquibancada era, na verdade, uma
palhar- acabou sendo reduzido a um lenço preso ao pescoço que,
escadaria que conduzia a um templo dedicado a Vênus Vitoriosa,
nos manuscritos dos textos ele Tcrêncio, vernos que é seguro corn a
localizado ao alto ela colina. mão esquerda. Papéis femininos erarn interpretados por homens com
Na dramaturgia romana o coro já havia desaparecido, e d forma
túnicas ele mangas compridas e longos vestidos porcima. Os jovem
do teatro apresenta várias diferenças em relação ao grego: a antiga
portavam cabeleiras pretas; os velhos, brancas e os escravos, quase
orchestra circular, onde atuava o coro, foi cortada pelo meio, ficando sempre, vermelhas.
a parte reta voltada para o palco e a curva formando a plateia. O
Não héí certeza quanto ao uso de máscaras ao tempo de Terêncio.
cenário continuava a apresentar a frente de um edifício, porém suas
Elas facilitariam a multiplicidade ele papéis para cada ator e torna-
portas deixaram de ser praticáveis. A ação se passava em uma estreita
riam mais convincentes enredos como os dos gêmeos de Menaechmi
faixa à frente do cenário, que só tinha dois acessos, uma porta em
e também as confusões entre os pares ele Sósias e Anfitriües na comé-
cada extremidade desse nom "proscénio", a não ser nos casos raros dia ele Plauto. As referências ao uso ele m;ísc;!ras no katro rom~nlo,
ela existência elo angipurtunz. porém, são confusas e ambíguas. Tradicionalmente, alguns docu-
Hoje em dia, ainda podemos encontrar dezenas ele teatros roma- mentos sugerem que elas tenham sido empregadas nas traduções elas ::
nos, alguns em muito bom estado, mas que pertencem todos 8 Roma
••
comédias gregas, não em Plauto e Terêncio, tendo ainda sido usadas
novamente pouco depois da morte desse último. Contudo, hoje em
uma personagem despontava em um extremo, outra podia dizer "Lá
vem Fulano, com quem eu preciso falar". E constantemente alguma ••
dia, já existe maior convicção no sentido de que as máscaras foram
importadas com a dramaturgia grega e usadas sempre, desde então.
personagem diz "A porta está rangendo, é porque Fulano vai entrar".
Já houve um estudioso do teatro romano que afirmou ter sido a porta
uma das principais personagens de Plauto, tantas vezes ela é men-
••
••
Assim corno na Grécia, a ausência de mudança de cenário per-
sistiu e a ação em sua. maior parte era contínua. Não havia divisão cionada em seus textos. Mas Terêncio e Menandro lançavam mão
em atos, mas às vezes um tocador de flauta marcava uma transição do mesmo recurso, e o objetivo era a clareza.
ou passagem de tempo. O coro já praticamente desaparecera em
lVIenandro e é desconhecido na comédia romana, na qual talvez
Um método bastante utilizado para se manter a história inteli-
gível para o público era fazer com que um escravo, correndo pelo
palco para se desincumbir de alguma missão para o amo, parasse
••
••
ainda haja um vago vestígio ele sua presença na canção dos pesca-
dores em A Corda, de Plauto. e explicasse cuidadosamente a razão da correria, quem procurava,
A música e o canto na comédia romana não compõem interlúdios, por qual razão etc. Outro recurso adotado era fazer com que uma
como na Grécia, mas fazem parte integrante da ação, com sua impor-
tância cada vez maior e os ritmos progressivamente mais complexos. A
música servia, portanto, para a classificação cronológica das comédias
personagem, com a maior facilidade, tivesse um vasto solilóquio no
qual planejava coisas incríveis, mesmo que houvesse várias outras
personagens em cena- o que não importava, pois a convenção tea-
••
romanas, e na tragédia ela era usada como componente elos diálogos. É
possível que isso tenha sido resultado da mistura das tradições nativas
tral era de que as outras não ouviram o que disse a primeira em soliló-
quio- sendo esse aparte perfeitamente válido, contanto que o público ••
••
com a ideia de que haveria canto nas formas helênicas. tomasse conhecimento do plano.
O traço fundamental ela comédia romana é ser uma comédia ele
tipos e situações definidas, e a verdade é que ela viria a influenciar
séculos de teatro. Apesar de a forma dramática ter decaído tremen-
damente no período do Imp~rio em favor do espetáculo de massa ••
••
A Comédia 1\omana Illeramente visual, as comédias ele Plauto e 1erêncio foram lidas e estu-
dadas até a queda elo ln1pério e o desaparecimento elo teatro romano.
Depois de cinco séculos ele completo silêncio teatral, a famosa
A corvtlÜ)IA ROMANA TE!\! uma característica muito intcrcss;mle em
sua estrutura, que é a grande preocupação dos autores em manterem
Freira Hros\vitha escreveu, no século x, comédias cristãs, piedo-
sas, imitando as comédia:; de Tb·encío, apenas adicionando uma
\ isão moralizante. Toda a comédia da Renascença viria também a se
••
••
muito nítidas as razões para entradas e saídas das personagens durante
as cenas. Naquele tempo não havia prograrna dos espetáculos como basear em Plauto e Terêncio, que influenciaram Maquiavel, Aretino
há hoje, as m:c'iscaras não permitiam que se individualizasse os atores e Ariosto, da mesma maneira que Moliere, Ben Jonson e mesmo, em
e não podemos nos esquecer da tremenda confusão- aparente- elos
enredos. Os romanos, ao que parece, achavam que a plateia pode-
ria ficar sem entender o que se passava, se não fosse pelo fato ele
menor grau, Shakespearc.
Q)

o
••
todas as personage11S, ao saírem ele cena, faLirem L10Itclc i;m1 c por
que iam, c quando nJitavam dizerem de onde viiJiwm t' por que ••
tinham ido c voltado. Como o palco era rnuíto comprido, quando :::

••

Sêneca, a Tragédia, e Sua Com a morte de Burro, em 62, o poder de Sêneca ficou abalado,
e sentindo sua situação como perigosa propôs aposentar-se e entre-
Influência Sobre o Teatro da Renascença
gar todo o seu tesouro a Nero. Na ocasião, nenhuma das duas coisas
foi aceita. Depois da morte de Agripina e do repúdio ele Octávia,
NO SÉCULO I DA era cristã, inesperadamente, a forma ela tragédia foi primeira mulher de Nero, no entanto, Sêneca viu que não mais
retomada por Lucius Annaeus Sêneca, qm~ viria a ter tanta influência poderia influenciar realmente o imperador e afastou-se elo governo,
sobre o teatro renascentista quanto Plauto e Terêncio. Nascido em retirando-se ela viela pública. Passou muito tempo fora ele Roma,
Córdoba, na Espanha, por volta ele 4 a.C., Sêneca foi, no entanto, viajando e estudando filosofia. Escreveu vários tratados importan-
criado em Roma desde cedo. Era filho ele um erudito professor te~. O horror a vários gestos de Nero o afastavam ele tudo. Em 65,
de retórica- autor das Controversiae, coletânea redigida para e minar fOI acusado- falsamente - ele tomar parte na conspiração ele Piso,
retórica-, e tudo indica que tenha tido educação esmerada. Ao que tramando contra a vida de Nero e, com grande estoicismo, suicidou-
consta, começou desde cedo a estudar gramática e retórica, treinado -se por ordem imperial.
por vários mestres. Sêneca teve por algum tempo uma brilhante A ética foi sempre o principal interesse de Sêneca, e suas convic-
carreira como advogado, durante a qual ganhou muito dinheiro. ções eram mais espirituais e humanistas do que a dos estoicos primi-
Porém, foi logo atraído para o estudo ela filosofia, em particular do tivos. Alguns cristãos do tempo do Império Romano, inclusive, viam
estoicismo, que seria a visão determinante de sua vida. nele algumas qualidades ele santo. Porém, sua vida foi de grandes
Como acontecia a muitos romanos que ele algum modo participa- contradições. Sua posição na corte tornava quase impossível manter
vam ela viela pública, Sêneca ganhou e perdeu os favores elos pode- seus princípios, e a grande fortuna que em pouco tempo reuniu ecm-
rosos, sendo exilado mais ele uma vez. Na juventude passou algum trastava diretamente com seus ensinamentos filosóficos. Ccmtudo,
<)2
v
tempo no Egito, com os tios, mas a partir ele cl.C. morou em Roma, conforme dito, enfrentou a rnorte com verdadeira serenidade estoica, 93

onde chegou a ser nmneado quaestor por Calígula. Dizem que, pos- ~toda a sua obra ele tratados filosóficos o coloca entre os principais
teriormente, sua eloquência provocou a ira elo mesmo Calígula, que hlósofos estoicos de Roma.
só não mandou que o matassem porque corria o boato de que Sêneca As obras em prosa de Sêneea são muitas e variad<Js, priiicipztl-
estaria doente, podendo morrer a qualquer hora. Em 41 d.C., o novo mente sobre filosofia e, em especial no campo desta, sobre o estoi-
imperador, Cláudio, exilou Sêneca para a Córsega por influência ele cismo. Seus trabalhos poéticos são constituídos principalmente por
Messalina, por uma acusação de adultério com Júlia, irrni:í d<.:: Calíguh suas obras dramáticas. Si:io conhecidos dez textos, sendo nove as
Em 49, no entanto, ele retornou a Roma graças à interferência ele Agri- obras incontestavelmente atrihuíclas a Sêneca: Hercules Furens Troa-
pina, a Jovem, que o fez tutor de seu filho Nero, então com doze anos, des, Phoeníssiae (inacabada), Medea, Phaedra, OedifJus, Tfty~sles c
e tornou-se membro da guarda pretória, corn Afrânio Burro, também I-Iercules Octaeus, essa última hoje em dia considerada obra de um
tutor elo jovem Nero. Ambos foram conselheiros durante os oi lo anos imitador. Uma décima peça, Octavia - uma fábula praetexta, isto
elo início bom do governo ele Nero, sendo atribuída a eles a conside- é, uma peça histórica -, outrora tida corno de autoria sencquiana,
rável calma elos primeiros cinco anos do seu reinado. Como senador, é provavelmente de outro autor, pois não só Sêneca aparece como
trabalhou em favor de boas relações entre o jO\'Cill César c o senado, personagem, como também a obra inclui detalhes que ele ni:ío pode-
c foi cônsul. Preferia para suas atividades ser o :nni~rl dn príncipe. c o ria ter conhecido. As outras nove lr<~géclias incontesL1veis lra 1'" 11 de
aconselhava no bom caminho. Em sua obra De Clemeniia incluiu as temas gregos e, com lllll<I ,·lllice~ exceção, abordam <I~SLIIIIm ;tillc-s
ideias que procurava incutir em seu antigo aluno. levantados por Ésquilo, Sófoclcs e Eurípides. Dessas nove tragédias,
..
••
a que maior influência teve no século XVI foi Tíestes, sentida tanto
em Thomas Kyd quanto em Shakespeare, por exemplo.
romano a tomar maiores liberdades com os originais gregos. Sob cer-
tos aspectos, as modificações introduzidas por Sêneca têm enorme
••
O mais estranho problema a respeito das peças de Sêneca é o obje-
tivo para o qual teriam sido escritas, pois muito embora se saibCJ que
havia espetáculos teatrais ao tempo de Nero, não há o menor indício
mérito. A coordenação dos enredos, o sacrifício de várias personagens
em favor do herói trágico e a existência de grande preocupação com
uma suficiente motivação psicológica para a ação foram os principais
•••
ou sugestão de que qualquer de suas peças jamais tenha sido apre- cuidados de Sêneca que, assim como Eurípides, examinava seus pro-
sentada em um palco durante sua vida. Já foi sugerido que a própria
forma da dramaturgia de Sêneca torna impossível admitir-se sequer a
possibilidade dessas tragédias serem representadas. Apesar elo grande
blemas em termos humanos e terrenos, tomando c·aminhos mais aces-
síveis e teatrais elo que a profundidade filosófica e religiosa de Ésquilo. ••
••
Foi sua grande atração pelo tea'cral que o levou ao espetacular do sobre-
número de teatros que eram encontrados em todas as colônias uo uatural: fantasmas, aparições etc., que acabavam por produzir horror
período do Império, o último nome que temos de lembrar na dra- puro, além de grandes cenas sanguinolentas que concluíam sequên-
maturgia romana teve suas obras, na melhor das hipóteses, apenas
lidas em voz alta para pequenos grupos de amigos.
Um dos argumentos mais fortes para a convicção de que as peç:as
cias lógicas. Em décadas mais recentes, tem havido certa reavaliaç:ão
das tragédias senequianas, sendo constatada uma maior independên- ••
••
cia elos modelos gregos, principalmente Eurípides, o qual Sêneca não
não foram montadas na época é a falta de motivação ou justificativas copiaria simplesmente, mas, sim, tomaria antes como exemplo geral.
para entradas e saídas de personagens, bem corno a total despreo- Em estrutura, sua obra é surpreendentemente uniforme: monó-
cupação do autor em apresentar suas personagens quando entram
pela primeira vez em cena. Na dramaturgia de Plauto c Terêncio.
por exemplo, todos explicam ele onde estão vindo e para onde vão,
logos e diálogos com trímetros iâmbicos -que correspondem a seis
sílabas-, separados por trechos líricos corais. Como geralmente h~í
quatro desses interlúdios corais, a peça fica dividida no que viriam
••
além ele serem cuidadosamente identificados. Há tambérn, nas peças
de Sêneca, longos períodos descritivos, abundância ele trechos retó-
a ser os clássicos cinco atos que o teatro ela Renascença iria adotar
com tanto rigor. O coro não tem ligação com a ação, mas indica <l
9S
••
ricos, falta ele clareza 11<1 estruturação das personagens c cerws elo
mais inacreditável horror, como a morte dos filhos de J\í[edcia em
cetw ou as referências aos restos estraçalhados c visíveis de I lipólito
atitude do autor com relação a Medeia, sendo boa pmte ela caractc-
rizaçJo dessa personagem camada pela antipatia de Sêncca por essa
mulher, o que influencia. ;linda, a posluw adotada pelo autor para
••
ou dos filhos de Tiestes. No entanto, não se pode dizer que as peç·as
senequianas fossem escritas somente com o objetivo de serem lidas.
construir seu Jasão
Sêneca é inferior aos três trágicos gregos c trata não ele temas uni- ••
••
O que parece particularmente não dramático às plateias de hoje- versais, mas, sim, ele paixões humanas. Seu estilo jamais alcança os
por exemplo, a retórica e as cenas apavorantes - talvez não afetasse olímpicos pontos culminantes dos gregos. Ele é pesado, sentencioso
elo mesmo modo as plateias do século r da era cristã. Já existe hoje e por demais retórico. Suas frases filosóficas às vezes são ele !1léÍ qua-
quem admita que, tendo ou não sido montado na época, a intenção
de Sêneca foi a de escrever para o palco.
lidade, mas o que interessava a ele era o aspecto psicológico de suas
personagens, além de tentar dar aos conflitos uma projeção universal.
õ
0::: ••
••
Corno as tragédias da era republicana, Sêneca copiou, de preferên- A ação ele suas tragédias é violenta, provoca o terror e a piedade, Q)

cia, Eurípides, cujo profundo conhecimento da natureza humana tor- porém não deixa ele afirm;n que a \'Ícla do homem tem dignidade ~

o;
!1a\'d sua obr<l a mais <lcc~sívcl elo grupo trágico grego. Porém, Sêneca ,C!
c sentido. O sobre-hu!llanu tem seu papel na obra de Sênec;!; 110
tt<-tu <tdota\·a u~ curcdus gregos IW íntegra. Ele curl;tl<l, <lllittctt
••
~

'-'
cnl<tnto, ainda mais elo qttc 1100 grcgus, o elemento de rcspoma-
explicava, jogava com \·alores dramáticos e, provavelmente. foi o bilidacle pela ação - o linc arbítrio - é importante, e os heróis ;:::

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senequianos encaram suas responsabilidades e triunfam sobre suas ocasiões, por exemplo, a aproveitar condenados para que estes repre-
derrotas para enfrentar a morte com serenidade. A defesa implícita sentassem personagens que eram efetivamente mortas em cena. Esse
de Sêneca dos valores estoicos sugere que ao menos alguns de seus período de decadência corresponde muito exatamente à ascensão do
heróis se aprimorassem intelectual e moralmente pelo sofrimento. cristianismo, que impunha rígidos limites de comportamento a seus
Por ironia, foram justamente as "fraquezas" de Sêneca- sua insis- adeptos. Tanto a decadência moral do Império como o progressivo
tência no horror, na sanguinolência e nos crimes violentos, seu est:ilo avanço da Igreja Catéilica foram em grande parte responsáveis pela
grandiloquente, sua preocupação com as ações de grandes feitos - morte do drama. E, por volta da queda de Roma, no século VI d.C,
que fizeram dele, e não dos gregos, o modelo para a tragédia renas- nenhum cristão podia frequentar espetáculos, além de que os atores,
centista. Maior glória não poderia ter ninguém do que ser a semente bem como suas famílias, foram excomungados.
do teatro trágico na Inglaterra. A mais conhecida e famosa elas tragé- O que restava de um teatro romano decadente desapareceu com
dias de Sêneca, Thyestes, é certamente a inspiração de Shakespcare a queda do Império Romano, no século vr, devida ao rnau governo
para o banquete de carne humana em Titus Andronicus. e às invasões bárbaras. A última referência a urn espetáculo teatral é
A influência de Sêneca pesou no processo ela evolução do teatro ele 533d.C. Depois disso, foram séculos ele silencio, a não ser pelos
elisabetano, e a forma mais típica desse período, a tragédia ele vin- menestréis ambulantes, os acrobatas e os músicos-poetas. Fica real-
gança- da qual são exemplos A Tragédia Espanhola, de Thornas Kyd, mente concluído o ciclo do teatro da Antiguidade, e passar-se-iam
Titus Andronicus e Hamlet, de Shakespeare, e ainda The Duchess of vários séculos até que ele pudesse renascer.
Malfi, de John Webster -, é diretamente devida a esse tr<ígico romano O teatro no Ocidente, após seu ciclo romano, desapareceu não só
que provavelmente jamais viu suas peças encenadas em um teatro. pela inquietação das migraç·ões, como também pelo longo período
necessário para o surgimento das novas línguas europcias. Estas
nasceram quando a superioridade cultural remanescente do antigo 97
Império Romano e elo latin1 levaram às misturas com as culturas
invasoras, das quais costumam resultar novas línguas. Ressurgiria,
A Decadência do Teatro assim, o processo iniciado anteriormente pchl forma épica na Cré:-
e o Seu Desaparecimento cia, marcada por Homero, mas agora recorncçanclo COJTJ as modestas
"canções ele gesta" na Fr<lnça, seguidas pelo tom lírico elos trovadores.
Haverá um longo silêncio antes de um pré-teatro começar a apare-
ENQUANTO Sl1NECA1 PROVAVELMENTE, ERA lido em urn limitado cír- cer na Europa ocidental. Assim, só no século x é que o teatro, pelas
culo de amigos, o espetáculo visual e vazio ela pantomima tornava mãos da própria Igreja Católica, que ajudara a derrotá-lo, renasceria
conta elo Império Romano. Teatros apareceram por todo lado, mas para não mais parar.
o drama estava morto.
O drama enquanto forma de expressão não foi, em Roma, parte de
uma tendência para as artes como existira anteriormente na cultura E
v
grega. Sempre houve, entre os romanos, pouco respeito para com 2
~
atores, e a dcc,1dência moral dos últimos séculos dn Império leva-
ram o teatro a níveis realmente lament<c'íveis. N<.io se trata apenas de ':J
devassidão, mas os desmandos, ao que parece, chegar~n11 em algumas ::::

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III. ••
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Idade Média
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O Mundo Medieval
e o Renascimento do Teatro

P ARA ENTRAR NO TEATRO medieval é preciso de algum modo atra-


vessar - e na medida do possível explicar - o longo silêncio de
quase dez séculos que se sucedeu a Sêneca. O estranho processo do
teatro romano e sua decadê"ncia no período do Império não é, a olhos
teatrais, inexplicável: se foi a liberdade de pensamento que permitiu
o aparecimento do teatro na Grécia, não é de espantar que acres-
cente asseveração do forte governo central do Império Romano não
!OI
fosse particularmente propícia a uma boa dramaturgia. Pão e circo
eram mais a linha romana: muito espetáculo e pouco pensamento
eram o ideal de quem não queria que fossem feitas muitas perguntas.
O importante era a imagem de Roma, de uma Roma grandiosa, com
procissões cívicas, arcos do triunfo, sinais exteriores de poder e glória.
Mas Roma foi se tornando parasita de um Império imenso, e as
riquezas e o poder acabaram por corrompê-la, por torná-la decadente,
bem distante da austera Roma republicana. No fim, todo aquele
esplendor terminou por revelar-se incapaz de manter longe os inimi-
gos, embora Adriano tivesse tentado delimitar o Império. Constan-
tino abriu mão do mito sobre Roma e se tornou independente dela,
levando a capital para Constantinopla e reconhecendo, assim, que as
bases econômicas do Império estavam no Oriente. A~ lut;s internas
haviam enfraquecido o esquema e colaboravam com as invasões dos
héhbaros que vinham elo norte. !vias. sem dúvida, as grandes migra<,;·õcs
étnicas - aquilo que conhecemos como invasões bárbaras - foram o
mais importante elemento para o desaparecimento do teatro. Esses
...
••
bárbaros eram uma raça mais alta e mais loura do que as etnias medi-
terrâneas responsáveis por gregos e romanos, mas ~1ão tinha~1 mutto a
contribuir, a não ser por seu sangue novo: não haviam atmgtdo se~uer
sentiram a necessidade de solidificá-los e santificá-los, de passar da
revolução à institucionalização, foi segundo Roma que moldaram
••
0 estágio da agricultura fixa; eram nômades, caçadores e ~u.erre.lfos.
Suas mitologias eram pobres e suas línguas, de vocabulano amda
sua força política e sua estrutura administrativa e legal, buscando na
Igreja um aval espiritual. Foram adotados o código romano, revisto ••
inapto para a criatividade, a imaginação e o abstra~o. .
Se 0 teatro normalmente é tardio em qualquer literatura nac10nal,
é porque, entre outras coisas, ele espera por uma linguagen~ Aexível
por Justiniano, a administração e a religião romanas. A Igreja foi a
grande força moral e material da época, e a sagração pelo papa, como
imperador, um instrumento político que interessou até mesmo a
••
e expressiva, como também por um público com cond1çoes /para
pensar em lazer, bem-estar e outros tantos confortos comumtanos.
Carlos Magno, perfeitamente capaz de galgar sozinho todas as posi-
ções até o título. ••
••
Na Igreja, foi mantido vivo o conhecimento da Antiguidade clás-
Nos séculos das migrações bárbaras, o único problema com o qual
sica. Dentro dela, o único lugar onde se podia receber educação.
as pessoas deveriam se ocupar era o da sobrevivência .•
Carlos Magno, excepcional sob todos os aspectos, soube reunir à
Se a queda de Roma data de 476d.C. e a morte de Carlo.s Magno,
de 814d.C., sen1 talvez possível dizer que foi entre esses ?Ois aconte-
cimentos que a Europa teve o mais negro período daquilo que cha-
sua volta grandes estudiosos da época e, sob orientação de Alcuínio,
organizou uma escola no palácio para a educação das crianças ela
casa real e da nobreza, ordenando mais tarde que uma escola fosse
••
mamos Idade Média. Mas se, no obscurantismo e na matança desses
séculos de migração, procurarmos bem, veremos que no Ocidente
houve a preservação de um determinado clima cultural, embora mul-
estabelecida junto a cada diocese elo reino, para que nelas fossem
educados os filhos dos livres e dos servos. ••
tas vezes secreto, entre grossas paredes de mosteiros construídos em
pontos remotos, onde os conquistadores não tinham lempo ou ii~te­
l\1as o mundo greco-romano realmente dcabara, e sua cultura fora
interrompida. O fenômenc cultural medieval não é uma continua-
ção, mas, sim, um recome~:o. Ao 11m ele quatro 'Ju cinco séculos,
••
••
103
resse de ir. Os exen1plos máximos ele arte, entretanto, são de mflucn-
quando as várias tribos já estavam em boa parte enraizadas, quando
cia oriental, como podemos ver nos famosos mosaicos de Ravcna. de
élS sementes elas novas línguas já estavam lançadas e começavam a
onde era difundida a arte bizantina que florescia em Constantinopla.
As tribos bárbaras foram se distribuindo pela Europa ocidental e
definindo, aos poucos, o panorarna étnico e político que o configur<l-
germinar, começamos a encontrc1r uma repctir,:;'ío dos processos ele
desenvolvirnento ela ;ute e ela literatura, semelhante ao iniciado na
Grécia dezesseis séculos antes. Assim como acontecera com os poe-
••
ria quase até as recentes alterações do século xx: godos na Esr:anha;
francos na Gália; anglos, saxões e jutos na Inglaterra; borgunchos
junto ao Ródano; e lombarclos no norte da Itália. Sendo muito pri-
rnas homéricos na Grécia, tudo recomeçou na Europa, a partir elo
ano 6oocl.C., com narrativas éfJicas: as sagas nórdicas da Edda; as ••
mitivos, esses povos, mesmo conquistadores, fatalmente termmaram
por assimilar características ela civilização romana-: rnuito mais evo-
Canções de Gesta, na França, elas quais resultará mais tarde a Chczn-
son de Roland, inspirada em Carlos Magno; o Beowulf, na Inglaterra;
e as Ccmções dos Nibelungos, no que tantos séculos mais tarde seria
••
••
luída elo que a deles-, ou sendo efetivamente assnmlados por ela.
a Alemanha. 1oclas elas falam objetivamente de feitos heroicos, ele
E nada em Roma foi tão bem preservado quanto a Igreja Católica,
que adotara para sua administração interna exatamente a Cl~Iri~l. a conquistas e de guerras, de ficleliclacle c traição, e todas são ricas .~

••
~
estrutura administrativa do Império Romano. de mitologia. São todas produtos ele experiências do grupo, falando de 2.
tCilldS CUI!llllÚLírios. v
O prestígio da Igreja Católica foi se firmando e amplictml11 c -g
L•;ra lógico que a jJocsia lrr/i:u fos~e <1 scgullcla a aparecer e que o teatro ,/

••
vez mais, e quando as tribos bárbaras formaram seus novos reinos c
só viesse a se manifestar ntais tarde. como aconteceu na Grécia. Porém. -


agora, o processo natural vai ser em parte alterado pel3 influência vida e que, ao menos em raras ocasiões, consegue incluir em seus
da Igreja Católica. A forma dramática não é mais uma forma a ser tratados morais pequenas cenas farsescas razoáveis. Mas o teatro não
descoberta e concebida, em um mundo no qual ela jamais tivesse nasceu daí, embora fosse nascer da Igreja.
existido. Pelo contrário: usando os tesouros guardados nas bibliotecas O domínio avassalaclor da Igreja durante a Idade Média corno
dos mosteiros para servir ao frenético e incontrolável didatismo força espiritual, fazia dela também uma grande força temporal, c o
medieval, a Igreja resolveu usar o teatro - ou, melhor dizendo, Íl1trícaclo sistema feudal tornava extremamente difusa a distribuicão
a dramatização - para ensinar História Sagrada às suas m·elhas elo poder. A Igreja tirava dos senhores feudais, ostensivamente ~m
analfabetas. O processo essencial não se altera, pois as primeiras benefício da população mais humilde, uma boa parcela de autori-
dramatizações são instrumentos da Igreja enquanto o teatro como dade, graças à constante instrução religiosa yue tinha por objeto um
teatro só vai tomar vida própria depois do florescimento da poesia domínio sempre crescente ele indivíduos, grupos e instituições. Por
lírica, no século XVI. volta do século x, nem o sistema feudai permitia a formação de popu-
A Igreja se preocupava, fundamentalmente, com a propagação lações em grandes unidades políticas, nem havia, por isso mesmo,
ela fé e com os ensinamentos morais condizentes com seus dogmas. condições socioculturais que permitissem a existência de uma arte
A arte cristã medieval é anônima, ao contrário dos estágios mais comunitária como é o teatro.
evoluídos da arte grega e romana. Não interessava a arte como arte, Tampouco as vcírias línguas em formação tinham condições de
interessava servir a Deus, à fé, ao dogma. A Igreja, é claro, j<i desen- unir tal público ou de expressar o necessário para atraí-lo. Foi a
volvera seu ritual próprio, sen1 o qual teria sido difícil, quando não grande comunidade cultural cristã, constituída no século x por pra-
impossível, formar um grupo definido de seguidores; e esse ritual ticamente toda a Europa ocidental, que proporcionou, por meio do
continha inúmeros elementos proto ou paradramáticos, inclusive a latim- a única língua comum a massas consideráveis, na realidade a
104
própria missa. língua franca daquela época-, o aparecimento das primeiras formas 10)

O teatro do mundo greco-romano, em função de stw decadência teatrais no novo mundo ocidental, inicic1IIdo uma linha ele atividade
e obscenidade no período imperial de Roma, foi proscrito pelos pr'i- dramática e teatral que não mais seria quebrada, perdurando até hoje.
meiros cristãos e acabou por desaparecer completamente.() sentido No mosteiro ele São Caleno, Jl<l Suíça, entre os séculos rx ex, apa-
do jogo cênico fora preservado apenas pelos jograis, pelos acrolxJtas c rece o primeiro documento que mostra exatamente como JJa:íccu o·
malabaristas de feira, pelas mais primitivas formas ele pantomima. Os teatro pela segunda \"CZ no Ocidente. No ofício da manhã ele Páscoa,
povos invasores não haviam trazido consigo nenhurna contribuição, foi introduzido um pequeno lrofxJ em torno do tema ela ressurrei<.;ão.
a não ser pelos primários ritos pagãos ele fertilidade, que ainda hoje Precisamente o que acontecia era o seguinte: o coro era dividido em
deixam vestígios no folclore europeu, mas que pouquíssimo contri- dois grupos, ele um lado ficava o grupo ele monges que representaria
buíram para a evolução do teatro. os anjos que guardavam o santo sepulcro, e elo outro o que repre-
O drama clássico de texto havia sido completamente esquecido sentaria as três Marias. Em pouco tempo, a apresentação tomaria
fora dos mosteiros e não foi deles que o teatro veio a renascer, embora forma mais teatral. O tropa saiu do Introito ela missa onde apareceu
no século X a monja Hroswitha, abadessa do cmwcnto beneditino de c foi transferido para logo antes elo Te Dewn, com um monge reprc-
Ganclersheim, escrevesse uma sé:rie de peças em prosa. lnspi racb rw \Ciltando o anjo vestido de branco c com ;1sas, juntamente aos que
forma de 'lcrêttcio, cujo c.,tilu acht~ir;na, 111<lo cuj;l c.l iPiltlé'·w·i;J rcprc;cnL11·;~m as três i\'Lirí~1s. dis[nc:~Jclm p~n<~ que nilo pudessem ser
pagã ela temia, Hroswith<l fica longe de ser compar<Í1 cl <I "lCrcncio. rcconhecidm. O primeiro diálogo, do qual nasce o teatro moclemo,
ma:> é preciso fazer justic;a e admitir que por \'ezes seu diüloso toma é: c-:tr<wrclinariamentc simples:
...
••
ANJOS: A quem buscais no sepulcro, ó seguidores do Cristo? começou a fazer a mesma coisa com a época do Natal e, aos poucos, ••
••
MARIAS: Jesus de Nazaré crucificado, ó seguidores do Céu. toda a Bíblia acabou por ser dramatizada. Nesse tempo todo, é claro,
ANJOS: Não está aqui; ressurgiu, segundo predisse. essas manifestações eram apresentadas exclusivamente por membros
Ide, anunciai que ele ressurgiu dos mortos.' da própria Igreja, razão pela qual era preservado integralmente nos

Não é um comeco muito elaborado, mas estava feita a transição


tantos séculos ante; realizacia nos rituais: o oficiante passou a falar
espetáculos um tom sacro.
Mas os episódios se multiplicavam, e já no sfculo XII começa a
haver a transformação fundamental que faria a lição dramática se
••
na própria pessoa, em lugar ele apenas contar histórias. Reparemos
que há um diálogo entre personagens ligado a uma ação.
transformar efetivamente em teatro. Nessa altura, já surgiam textos
que emprestavam unidade orgânica a episódios inicialmente apresen- ••
Na parte visual elo espetáculo, houve igual contribuição, também
com origem nos ofícios da Semana Santa, e disso temos um precioso
documento elo século x, da Abadia de Durharn, na Inglaterra. Trata-
tados de forma isolada, corno, por exemplo, o episódio dos Pastores, o
do Nascimento de Jesus e o dos Reis Magos. Mais importante ainda
é o fato de o texto do século XII mostrar claramente que o elemento
••
-se de uma descrição da apresentação visual da morte e ressurreição
ele Cristo, em duas partes, a primeira chamada Depositio Crucís c a
teatral havia se introduzido nessas pequenas lições religiosas. Um
exernplo interessantíssimo é o encontrado em um documento da ••
segunda Elevatío Crucís. Não se pode conceber míse-en-scene mais
requintada. Dentro ela Abadia, junto ao altar-mor, era erigido um
sepulcro e, com elaboraclíssimos detalhes, retirava-se de uma cruz a
Abadia de Saint-Benoit-sur-Loire. Na pequena peça, se assim a pode-
mos chamar, um elemento puramente teatral, sem função bíblica,
aparece quando Herodes, ao tomar conhecimento da profecia do
••
irnagern de Cristo crucificado que era então colocada dentro elo dito
sepulcro. Na manhã ele Páscod, depois de ser discretamente remo-
nascimento ele Cristo ern Belém, tem um grande acesso de raiva.
Diz a rubrica, especificamente: "E então deixem que Herodes, tendo ••
••
vida a imagem elo sepulcro, os monges, com igual ou maior pompa, visto a profecia, tenha urn acesso ele fúria e atire ao chão o livro das 107

mostravam apenas os panos ela mortalha, representando a re~surrei­ profecias; c deixem que se.u filho, ouvindo o tumulto, avance para
ção, indicando que Cristo não mais estava lá. acalmar o pai e, junto dele, o saúde."
() primeiro episódio a ser dramatizado, então, foi o cb Paixão de
Cristo, valendo a pena lembrar que, com isso, a Igreja repetiu, a par-
Essa fase totalmente religiosa do nascimento do teatro não era
privilégio ele nenhum país. As prirneiras dramatizações foram sem- ••
••
tir elo século IX a mesma origem para a atividade teatr<ll que ha\·i,lm pre ern latim, sempre com o mesmo intuito didéitico. Mas o próprio
visto o Egito com a paixão ele Osíris; a Babilônia, com ;1 paix;!o de hábito da apresentaçilo trazia em si a semente do enriquecimento,
T<mmz; e a Grécia, com a paixiio ele Adônis. Do mesmo modo que da evolução e ele uma inevit8vel secubrização. Lembremo-nos elo
nessas outras formas mais antigas, não podemos dizer que o que h~1via
aqui fosse teatro, tendo em vista que tudo era estritamente controlado
pelos objetivos didáticos da Igreja. Mas o fato é que esse !lovo método
exemplo ela pintura: os mesmos episódios que seriam agora drama-
tizados já eram tradicionalmente apresentados na pintura, desde os
mais priüútivos artistas anônimos, e continuariam a ter a mesma
••
para divulgação elos mistérios da fé foi muito bem recebido, umd vez
que pouco tempo depois elo aparecimento elos trapos da Paixão j;í se
popularidade e uma surpreendente variedade na repetição até a fase
dos grandes nomes renascentistas. Uma pintura didática antecedeu '8'"' ••
••
'-ç:;

o esplendor renascentista elo mesmo modo que as lições dramáti- 2


'J'radur.;:iu !lOS\~l- \Jn \'<''.!·'! 1: ~}1!('1!1 q11;wrili-.; in 'ep1llchrn. 11 ca~. sem o saber, abriram caminho par:t o grande teatro europeu ela "'
-::;
Christicolae? I RtcS!'ON~IO: .. )<.,lllll i\,;1zarcmun crucifi\Uill, o cuclicole~c·1.'·' ,U.I. Renascença. Se, com as dramatizações diclJtícas, a IgreJa, uma força
Non cst hic; surrexí>t, sicut prclccbcrclt. Ite. nunti;lte quia surre:-ci de sepukl1ro'".
iYísilalio sefJu{chrí, tlrcnll<l lii•"llt;ico. C:ópi:l de mmuscrito anônimo elo se\ 1:!" \! extrateatral, fez a forma dramática anteceder o estágio da poesia - ••

lírica, a transformação do tropa em teatro é lenta e o teatro como tal A mulher no teatro romano, como já vimos, ou era a matron~1
só aparece após alguns séculos. de dotes domésticos ou era a cortesã que proporcionava alegrias
Não se pode comentar a evolução do drama medieval sem lembrar meramente sensuais. Na Idade Média, igualmente, o casamento era
a importância do século XII na cultura da Europa ocidental, decisiva assunto sério, sobre o qual a mulher não podia ter nenhuma opini8o
sob muitos aspectos: marca o aparecimento das universidades como pessoal. No final do século XI e início do XII, apareceu repentina-
fulcro de vida e pensamento; a ele Paris foi fundada entre n5o e 1170 e mente o frauendienst> ,Ja região do que seria hoje a Alernanha c,
a de Oxford pouco depois. Claro que já existia Bologna desde o século principalmente, surgiu no sul da França a poesia trovadoresca que
IX, mas no século XII o interesse pelo estudo se configura ele forma a cultuava a mulher e culminou com a elaboração das complexas regrao
não mais parar ele crescer. Na Universidade de Paris, a esse tempo, do amor cortês, cujos quesitos básicos eram a Humildade, a Cortesia,
Abelardo estabelece uma grande e fundamental transformação no o Adultério, a Religião e até mesmo o tribunal do Amor. Ninguén1 até
pensamento quando- ao invés da posição conservadora medieval de hoje conseguiu explicar inteiramente essa repentina mudança. Talvez
Santo Anselmo de que a fé em Deus traz a compreensão do mundo tenha acontecido porque os casamentos eram feitos por interesses ela
por Ele criado -declara que, para crer, é preciso compreender. Na estrutura feudal, e o amor buscasse justificativa na romantização do
Inglaterra, há o famoso - ou notório - conflito entre Henry II e Tho- adultério; talvez pela ausência prolongada dos senhores feudais devido
mas Becket, cuja essência reside na tomada de um caminho secular às Cruzadas, quando as mulheres ficavam sós em castelos, onde eram
para a condução dos negócios do reino, na incansável campanha do a única fonte de cortesia e civilização; além de serem hierarquica-
rei para estabelecer uma lei do reino para assuntos civis em contrapo- mente superiores aos seus possíveis amantes. O amante é sem-
sição ao canônico para questões religiosas. E é preciso não esquecer as pre o vassalo, o servo, o prisioneiro, disposto a cumprir o mínimo
cruzadas, que abrem vias ele comércio e levam milhares a ter contato capricho da amada, sempre impiedosa. Em meio 3 tais mudanças
corn mundos muito diversos elos rígidos limites do feudalismo cristão. começa a desaparecer o anonimato elo serviço ele Deus. Chréticn ele
Na literatura cortês, que aparece no século XII, temos um fiel Tr9yes, que escreveu suas obras de amor e aventura na corte de J\!Iarie
reflexo das imensas transformações sociais que se deram àquele de Champagne, é poeta de corte, requintado c inovador.
tempo. Repentinamente cri<1-SC o mito elo respeito, do culto~~ mulher, J<1 Í<l!Tl rnuito longe as grandes n1igraçõcs étnicas e, ainda sclll
ele sua romantização no amor. Nesse contexto, segundo as reflexões o reaparecimento ela cu! tura clé1ssica, que só viria um pouco nw is
de Clive Lewis, mesmo que se possa criticar alguns exageros de com- tarde, uma nova civílizaç·ão se formara e tudo era inHuenciado pela
portamento e estilo dos trovadores, certamente alguns dos elemen- complicada rede ele COI11JACHnissos individuais que em lugar de lei
tos mais revoluciom1rios e importantes da poesia por eles produzida oferecia a proteção elo senhor a seu vassalo.
transformaram a literatura curopeia nos próximos oitocentos anos. Apesar de tentativas como a de Carlos Magno, a massa elo povo
Além disso, as mudanças provocadas por sua poesia não deixaram era pobre e analfabeta, dependendo para a sua sobrevivência de
nem um canto de nossa vida quotidiana, imaginação ou ética into- toda uma gama ele superiores bier<'írquicm; c a Igreja santificava
cados, erguendo barreiras intransponíveis entre o mundo ocidental essa organização, pois ao alto da escala feudal secular estava o rei, c
moderno e o passado clássico c o Oriente contemporâneo. Ainda o rei, representante ele Deus no poder temporal, era vassalo da Igreja.
segundo Lewis, comparada <I css<l revolução, a RcnascCllÇd nJo pass~l Para poder afirmar que recebia o seu poder ele Deus, ele tinha ele se
de- uru ligeiro lrctllor ru .'>tqlct-fkic (Li likr<llur~l.
Frauendienst (ou Vrowedicnst). em lraduç<'lo livre. serviço de mulher. Nome
dado a urn tipo de composiçJo criado Jl"r lilrich von Liechlenstein (?-12751. 'I""
mistm;l\a c:1dência. melodi;l c rim;J. n;l qriCII '"" cav:lleiro cant;wa por su;1 rbm;~
C f. C.S. Le11 is. T/w Allegun o( L.o1·e
,.
••
submeter ao poder espiritual. A posse de terra era fundamental para
essa estrutura, e a Igreja contribuía para o imobilismo social sacra-
protagonista dessa literatura foi a raposa, que fez a sua aparição no
Roman de Renard e surgiu em vários países e línguas. Usando esper- ••
mentando a hierarquia e condenando qualquer tentativa de o servo
se libertar da terra.
teza para vencer o leão, que é mais forte, a raposa tem óbyias rela-
ções com Schweik4, bem como com Chicó e João Grilo, elo Auto da
Compadecida, de Ariano Suassuna.
••
••
Porém, por volta do século XII, já apareciam alguns abalos, algu-
mas modificações na estrutura religiosa, política e econômica, com O I~ascente teatro medieval teria de fazer sua opção e esta não foi
suas consequências sociais. Foi nos grandes centros comerciais que pela literatura cortês, mas, sim, pelo popular. Como instrumento de
haviam crescido em torno de alguns portos-chave que o conceito
do pecado do lucro teve seu primeiro grande abalo. Veneza ao sul
e a Liga Hanseática ao norte tornaram-se forças consideráveis que
instrução da Igreja Católica. muito embora fosse a princípio uma forma
imposta, vinda de cima para baixo, ele se dirigia sempre à massa do
povo. Não era na capela do castelo, mas na da vila, do burgo, da even-
••
fugiam do esquema medievaL Aos poucos foram também apare-
cendo em encruzilhadas, em pontos propícios para os encontros, as
tual cidade, que ele mais brilhava e era aceito. No século xn já havia
consciência dos aspectos limitadores do uso do latim nessas dramatiza- ••
feiras e as barganhas, os núcleos que viriam a ser os burgos. Nessas
pequenas concentrações, onde a vassalagem ante um indivíduo desa-
parecera, o esquema feudal se fazia sentir na hierarquia do sistema
ções e, com isso, após mais ou menos dois séculos de desenvolvimento
iniciou-se uma nova etapa, com a tradução dos textos dramáticos par~
as várias e nascentes línguas nacionais da Europa ocidental.
••
de aprendizado, do treinamento e exercício dos vários ofícios, pela
organização das corporações, confrarias e guíldas.
A partir desse momento, as lições passaram a ser efetivamente
n:ais compreensíveis, porém, também, a partir de então, a Igreja ••
A dicotomia entre a nobreza dominante, com seus requintes de
amor cortês, e a vida bem pouco privilegiada da grande massa do
povo fica muito bem expressa nos dois caminhos predominantes da
VIU começar o inexorável caminho da perda de seu instrumento, já
que do momento em que as dramatizações começaram a ser ouvidas
no vernáculo, elas também iniciaram a sua transformação em teatro 111
••
literatura que começou a se firmar a partir do século xn. Por um lado,
a poesia lírica e a nova forma do romance, no qual os temas da cava-
mesmo, em ocasiões a serem apreciadas não só por seus ensinamen-
tos religiosos, mas pelo prazer do espetáculo. ••
••
laria são entrelaçados com os do amor. Nesses últimos está o mundo Esse caminho para a secularização era inevitável, porém não pode-
de galantes aventuras, de torneios, de encontros com feiticeiros, bru- mos esquecer que só a Igreja, naquela época, poderia ter dado início
xos e dragões, nele estão as memoráveis ressonâncias religiosas que a esse renascimento elo teatro, já que só ela dispunha ele bases sufi-
se configuram explicitamente em um sem-número de versões elo
ciclo do Santo Graal. Essa literatura é tão afastada das tradições da
cientemente amplas para essa forma de arte.
••
••
literatura clássica quanto as catedrais góticas dos templos gregos. E
constitui, sem dúvida, o retrato de algo completamente novo, nas- O Teatro Medieval Italiano
cido da mescla étnica e cultural desde as invasões.
Por outro lado, as formas populares nascem do quotidiano, do
bom senso, um pouco da zombaria dos rituais aristocráticos. Entre
elas destacam-se os "bestiários", paródias elos romances ele cavalaria
UMA VEZ INICIADO, o movimento tomou impulso próprio e seu desen-
volvimento difere em gênero e número de país para país. Na Itália-
«!
:.a
'<1.1
;:;;!
••
colll protagonistas animais, no~ qu:.1is ;ts solnçõcs são sempre rnais
prosaicas do que heroicas e nas quais podemos ver que não é tão
onde estava a própria sede ela maior força espiritual e mesmo política <1.1
--;::;

2"' ••
••
4 :ersonagem criada pelo autor tcheco Jarosla\' Hasek, em lt)2t, que satiriza a
recente quanto se possa imaginar o conceito de anti-herói. O grande Inc:lmJo de j01·cns inexperientes na Primeira Guerra i\Iundial. -


da Idade Média, e onde, ao mesmo tempo, as formas dialetais de estruturada, que não oferecia as mesmas possibilidades de progressiva
cada região eram zelosamente cultivadas, como em alguns casos até cristianização permitidas pelos primitivos cultos bárbaros.
hoje, faltando, portanto, o indispensável instrumento de expressão O mais antigo fragmento de teatro espanhol, 147linhas do Auto de
comum a plateias realmente amplas - o tom estritamente religioso los Reyes, data do século XII, muito embora o manuscrito em si possa
foi preservado talvez mais tempo do que em outros países. ser um tanto mais tardio. Não existe muita documentação direta a
O teatro italiano começa a se distinguir das outras formas euro- respeito da atividade teatral, porém, a indireta mostra que ela era
peias no século XIII com o aparecimento dos laudí, com os quais grande e profundamente religiosa. No entanto, é importante notar
os flagellanti cantavam, em forma de coral, em louvor deste ou que, a par das obras religiosas, apareceram muito cedo na Espanha
daquele santo. Chegaram a formar quase que um calendário sacro, formas dramáticas seculares, burlescas e grosseiras, chamadas fuegos
seguindo as festas da Igreja durante o ano todo, com objetivos de escárnio, suficientemente difundidas em meados do século xm,
sempre religiosos, nunca artísticos. Só no século xv é que, par- tanto que, em 1263, Alfonso x promulgou que
ticularmente em Florença, aparece uma forma nova, a das sacre
rappresentazíoní, que se preocupam mais com o lado espetacular, o clero não deve to~ar parte nos iuegos de escárnio e, se outros o fize-
muito embora se mantendo bastante religiosas em espírito. Nesses rem, o clero não deve assistir aos mesmos. E nem devem tais coisas
espetáculos foram usados os cenários múltiplos, que dominaram ser realizadas dentro de igrejas. Porém há temas que o clero poderá
as formas medievais mais desenvolvidas no. continente europeu, representar, tais como o nascimento de Nosso Senhor e como o anjo
particularmente bem exemplificados na França, como veremos. apareceu aos pastores e lhes disse que Cristo tinha nascido, porém
Mesmo nas sacre rappresentazioni aparecem detalhes realistas e a isso deve ser feito com decência e grande devoção e não em vilare-
exploração de situações cômicas, o que demonstra que, mesmo à jos ou locais inadequados, com o objetivo de ganhar dinheiro [ ... ]
112 sombra do Vaticano, a tendência para o espetáculo secular se asse-
verava. Porém, o verdadeiro teatro italiano viria de outra linha que Esse documento é precioso pela quantidade ele informações que
só iria florescer no século XVI. fornece ao proibir isto ou aquilo. A não menos importante das infor-
mações que temos é a de um início de aparecimento ele atores ambu-
lantes, que buscavam ganhar dinheiro com seus espetáculos, indo ele
vila em vila: já não falamos de clérigos na igreja, mas, sim, de atores
na praça, e a importância elo ator ambulante vai ser muito grande
O Teatro Medieval Espanhol no florescimento do teatro espanhol.
A festa de Corpus Christi, instituída no final do século XIII, tornou-
-se desde logo a época mais ligada à apresentação de peças com temas
JÁ NA ESPANHA, o desenvolvimento é também em uma linha extrema- bíblicos, elo Gênesís ao Juízo Final, comuns a todo o Ocidente, mas
mente religiosa, mas por razões bastante diversas. Invadida a Penín- vão aparecer também as primeiras sementes dos autos sacramentales,
sula Ibérica pelos mulçumanos no século VIII, os reinos cristãos do elaborados em tomo ela eucaristia. Uma forma desenvolvida especi-
norte transformaram-se em baluartes de uma "guerra santa". A luta ficamente na Espanha foi a loa, uma espécie ele desfile com quadros
pela reconquista, que duraria sete séculos, fortaleceu a fé catúl ic1. \ivos. principalmente sobre vielas de santos. Eram verdadeiros festivais
já que os invasores, ao contrário dos gados chegados alguns séculos de peças religiosas e, aos poucos, as municipalidades foram tomando a
antes, traziam consigo uma outra cultura complexa e uma religião si a rcsponsahilidacle de sua representação, que se tornou cada vez mais

••
elaborada. Seja corno for, o espetáculo, até mesmo o religioso, saiu da
Igreja e foi para a praça. Os últimos estágios do desenvolvimento dos
grande cidade que viesse a se identificar com uma espécie de foco
da definição cultural de UIJ1 povo.
••
autos sacramentales os ligam diretamente ao teatro renascentista espa-
nhol. Aqui só é necessário que fique assinalada a tremenda populari-
O esfacelamento político vai afetar a Alemanha de várias formas
e ainda por muitos séculos. As formas populares, sem grandes carac- ••
•••
dade que teve na Espanha, desde a Idade Média, o espetáculo teatral. terísticas de arte, seriam o único desenvolvimento possível para uma
área sem unidade de língua, em fenômeno de algum modo seme-
lhante ao da Itália. As formas dramáticas não conseguiam evoluir,

O Teatro Medieval Alemão


nem a religiosa, nem a secular e, por volta do século xv, estavam
reduzidas a meros espetáculos visuais, quando vão ser revividas em ••
••
seus aspectos didáticos pelos prenúncios da Reforma, pelas críticas
a Roma, entrando pelo período da Reforma adentro, mas nunca
chegando a amadurecer como o teatro medieval francês ou inglês.

••
JÁ A ALEMANHA, GEOGRAFICA e temperamentalmente mais distante
de Roma, teve desenvolvimento bem diverso. Não há dúvida ele que
também lá tenham sido inseridos no ofício religioso os mesmos tra-
pos que originaram o drama mais ao sul ou que também lá tenha
havido um desenvolvimento da forma religiosa em linhas semelh:om- O Teatro Medieval Francês ••
tes às elos outros países do Ocidente. Porém, tudo indica que os ritos
pagãos nativos tenham tido muito maior importância na formação do
teatro, não só secular como também religioso. Isso explicaria o pecu- O DESENVOLVIMENTO DO DRAMA na França é fascinante e nele pode- 115
••
liar aparecimento, na dramaturgia alemã ela época, de elementos gro-
tescos c cômicos em obras religiosas. Assim, a FastnaclztssfJiel', que
tem como sctt mais noUível aprimorador- já no século XVI- Hans
mos acompanhar com a maior clareza todo o processo desde o
nascimento do drama litúrgico, até as transformações que levam ••
Sachs, o famoso J\!leístersinger', revela-se não apenas um mutante suí
generis elo teatro religioso como também apresenta elementos nati-
à completa secuLniz:1çJo. A evolução elas dramatizações bíblicas é
ilustrada pclascquêllcia da dramaturgia francesa, enquanto a forma
ele apresentação, isto é, o espetáculo, segue quase que idealmente
••
vos não cristianizados. E realmente é na Alemanha onde mais cedo
se afirma uma tradição ele farsas populares, muito embora por outro
lado ela custe muito a adquirir forma mais aprimorada e caracterís-
o caminho ela transformação da lição religiosa em teatro. Os textos
em latim introduzidos pela Igreja estão, sem dúvida, na origem da ••
••
farta manifestação de teatro religioso na França, mas é preciso notar
ticas mais definidas, talvez em função elo fato ele a Alemanha não que desde muito cedo, isto é, do século XII, aparecem dramatizações
contar nem co1n a mais remota unidade política, nem ostentar uma religiosas em vernáculo, como atestam suas versões diversas sobre

!·:111 por!<Jguês, '"iogo chr terça-feira gorda". !)C<,:« escrita originarialllcnlc P"f<l u
a história ele Daniel, uma encontrada em Beauvais c a outra, obra
do errante Hilarius que, parece, escreveu também uma peça sobre ..a"

••
•••
Lázaro e uml\lílagre de São Nicolau. :2:
Carn;ll;li. p;rs"' a ser depois nwrrtad" crn qu;1lquer época elo ano. ()

(, ··\J<. .. trc-CI!Jt(lr·<O. o n·;.;pons;í,·el !'''Lt<; t:Hi!d:t--; ele llll.l.'lic;t c poesi~l A princípio, o espetáculo era realizado dentro cl<t própria igreja: o
tlil :\lcJtl<!l!rw ctttre u~ .s<.\.:ulo.., .'\1\ c xu, du:, (.jlldL'> u JlldL.., cnuhccido

sepulcro era engído )UJltu ao <lllar, c nu caso ela cru;, se dav<J o mesmo.
c' o talentoso s;qxüeiro l-lans S<~citS (149-l-lS7Ú). que inspirou a \Vagner a ópera(),
,\ lntrcx-C:onlures de Nurcmbcu,;. O inferno, quando era necessário apresentá-lo, situ;Jva-sc o mais longe -
••
possível do altar. Ao chegarmos no século XIII, o desenvolvimento chamado Le Mystere d'Adam) deve ter sido composto entre 1140 c
total das potencialidades da forma litúrgica já havia sido alcançado: 1175. Esse Jogo se mostra inteiramente teatral na ação e nas perso-
a partir da influência de elementos seculares e de jogos dramáticos nagens, assim como no diálogo, em cuja composição não deixa de
folclóricos, toma-se inevitável a saída dos espetáculos da igreja para o existir algum mérito literário, sendo o texto escrito em octossílabos
adro; e com a secularização ainda maior, do adro para a praça. de rima parelha, isto é, versos rimados ele dois em dois. Métrica e
O problema do espaço era dado como motivo fundamental da rimél, no entanto, são V3riadas segundo o se.1tido.c o tom de dife-
mudança; porém, com o tamanho, mudavam também a temática rentes situações. O diálogo, de certa vivacidade, é bem usado p3ra
e o tratamento, e tudo conduzia o teatro para fora ela igreja. Mas a a caracterização das personagens, que recebem razmível tratamento
forma do espetáculo dentro ela nave condicionou permanentemente psicológico, e o autor consegue estabelecer um clima ele tocante
a apresentação do teatro medieval francês; assim como na nave vários comp3ixão pelo sofrimento do homem depois ela queda de Adão.
locais iam sendo determinados para a apresentação dos vários episó- Como no documento que contém o SfJons<.ts, o que contém Le fcu
dios. O espaço cênico francês medieval é o cenário múltiplo, cons- d'Adam se compõe ele três episódios, porém, neste caso, uuificados
truído em uma praça, composto por várias unidades, cada uma um pelo tema: a queda elo homem é mostrada no primeiro "jogo'', em
cenário independente, chamadas mansões, uma para cada episódio. torno ele Adão; Caim c Abel protagonizam o segundo, que exempli-
O normal seria haver no centro da praça uma área lívre, onde a pla- fica a primeira consequêncía da queda; e, finalmente, temos ainda
teia ficava de pé, e para a qual parte da ação ligada às mansões podia uma vez a Ordo Prophetannn, que traz, com as profecias, a esperança
extrapolar. da redenção da queda com a vinda de Cristo.
Esses espetáculos formam a chamada fase semilitúrgica, pois não Uma vez fora da igreja, a atividade teatral na França vai para as
fazi3m mais p3rte da liturgia e jé'í contavam com bom número ele mãos de irmandades leigas, mas de natureza religiosa, e com isso o
u6 elementos profanos. Outros textos não litúrgicos, mas de natureza drama foi passando rnais rapidamente por uma série de transforma- 11-;-'

essencialmente religiosa, como a vida dos santos, e princíp<llmente ções. O cenário múltiplo se desenvolveu até apresentar, no final do
toda a coleção de Miracles de Notre Dame, via de regra, eram apre- século XV e no xvr, deze1ps ele mansões, principahncnte IW aprc-
sentados em um palco erigido junto à parede da igreja. Na Franç<l, seilt;.lç:âo das grandes fJCLixc!es, cuja montagem lcvéJV;t cli<Is c, c1n <to
como em outros p3íses, é o uso elo vernáculo que facilita a cTentual menos um caso, um mês, lembrando que em ncnltum lugar essa
passagem do religioso para o leigo. forma dramática se desenvolveu tanto quanto ua rrança.
O mais antigo texto do que veio a ser o teatro frand:s data ele uoo, Tóclas essas formas ficaram cada vez mais populares, e o <1pareci-
levando o título de Sponsus (Esposo ou Noivo). Quase lllctade elos rnento ele unt fant<.'ístico conjunto de rccmsos técnicos- alçapões,
versos é em francês e a peça trat3 da parábola das virgens sábias e das guindastes, uma infinita variedade de usos elo fógo, material de cena
virgens tolas. O Sponsus foi encontrado em um precioso manuscrito imenso em quantidade e variedade- é indício certo cless3 populari-
onde estão também uma variante de nosso conhecido trofJO ele Pás- dade: o investimento compensava porque as peças seriam montadas
coa e uma apresentação da Ordo Prophetarum, o desfile dos profetas sempre que possível e os efeitos especiais para infernos c demônios
que anunciam, um a um, a vinda de Cristo, tema que tinha grande tinham impacto igual ou superior ao ele terremotos, \·t.dcões, incên-
popularidade no teatro medieval. dios, tubarões c catástrofes simiLJres aprcscntc1do, ne~s telas de cinema
.\inda elo século\][ hcí \1111 Ollfrcl [c\lo, lll~lÍS 111C!\lOrCÍ'<CJ C lr>clr' ele hoje, cmn tocbs ;1~ \·~11lt~tgcns C]tlc o rc;tl c prc·c.c1llc o :tq111 v
em francês, a não ser pelas notch·eis c realistas rubricas em latim. agora- leva sobre o enlatado, além daquela outra, mais que consi-
De autor normando ou anglo-normando, Le Jeu cl'Adcm1 (por\ czcs derável, de ~cn ir a um público de Íltgêmi~l c profunch fé. =

••
Contudo, mesmo o drama religioso, uma vez fora da igreja e em
mãos de leigos- fossem estes profissionais das várias corporações de
••
ofício, fossem das confrarias especialmente criadas para a apresen-
tação desse drama sacro- seria influenciado pela ingerência ela viela ••
local, como também pela descoberta do cômico e elo grosseiro -
quando não do obsceno - que co:neçava a brotar por interferência
elo comentário do quotidiano e das tradições folclóricas. Por volta do
••
século XIII, já aparece um Jeu de Saint Nícolas, de Jean Bode!- veja-
mos a mudança, autor identificado -, que tem cenas da vida diária ••
••
incorporadas à obra originalmente litúrgica. Mas antes de nos vol-
tarmos para o rico e promissor teatro cômico, elevemos olhar ainda
um pouco o desenvolvimento elo teatro religioso, que se manteve
como tal, apesar das influências estranhas. A forma suprema desse
teatro não seria o jeu nem o miracle, mas, sim, a elas grandes "pai-
xões'', escritas a partir elo século XIV e com pleno florescimento no
••
século xv. Para a sua apresentação, determinadas irmandades tinham
privilégios reais, constituindo uma verdadeira companhia de atores. ••
La Confrérie de la Passion, de Paris, teve o monopólio para apresen-
tações teatrais na capital francesa desde 1402 até 1548, por exemplo.
A maior fonte de conhecimento elo teatro medieval em língua Esquema do {J11lco da Paixao medieval. ••
francesa é a pesquisa realizada e publicada pelo notável medievalista
francês, Custave Cohen, da Universidade de Estrasburgo, que leva o
Voltamos a lembrar que no esquema medieval o teatro ligou-se às
••
título Le Livre de conclvíte de régisseur et le compte des défJenses pour
le M)'stêre de la Passíon, que contém os mais completos e surpreen-
dentes dados a respeito ela paixão apresentada em Mons, em 1501. A
tradições popularc~ c nJu :ts corteses, servindo, por isso mesmo, como
documentação desrnistificaclora da época. Já no século XIII, o teatro ••
riqueza desse tipo de montagem pode ser constatada- assim como
sua complexidade- pela famosa gravura que mostra o cenário rnúl-
cômico começou a se al1rmar na França como gênero independente,
nascido elos interrnédim profanos ou bufos que aliviavam os gran-
des dramas sacros. Esse teatro rnais cômico evoluiu inHuenciado, ao
••
tiplo da Paixão de Valeneiennes, bem como pela miniatura de Fou-
quet da apresentação- de apavorante realismo- do martírio de Santa
Apolônia, cmn o régísseur manobrando os participantes com seu
menos um pouco, por vagas lembranças de formas cômicas antigas,
por alguns elementos elo Folclore tradicional e, principalmente, pelos ••
bastão, muito à maneira de un1 regente ele orquestra de hoje em dia.
A tradição de uma dramaturgia medieval séria na França foi inte-
monólogos dos jongleurs, chamados díts. O primeiro autor cômico é
Aclam ele la Hallc, ele Arras, e duas obras dele têm seus textos preser-
vados: Le feu de la f(:uíllée eLe Jeu de Ro!Jin et Marion. A primeira é
••
••
gralmelltc destruída pela Renascenç:a, mas o país conheceu também
nutr<I l~ll"lll:l ele teatro scmilit1'trgico. <l Jnorulúlode. A única linha a mais antiga obra proE11U cb dramaturgia francesa realista e satírica:
medieval do teatro francês que ; Renascen~:a não destruiu foi a ela a segunda é du cklil 11cru pastoral, antcpas~adu de~ cullléclíe-
comédia, c esta é da maior significação. -hallet que tanta voga\ irá a ter ao tempo de Moliêre.
••

A secularização do teatro foi ininterrupta. Os clérigos com ordens o verbo patheliner (embromar ou enganar), o que depõe muito a favor
menores, que compunham boa parte da massa estudantil, formavam ela grande popularidade da obra. O advogado Pathelin e o alfaiate
suas sociétés joyeuses e em suas brincadeiras dramáticas ou semidra- Guillaume disputam o título de enganador e enganado, um juiz dis-
máticas observavam a decadência do teatro religioso e de seu con- traído e confuso dá uma sentença errada e Pathelin termina enganado
teúdo, abrindo novos caminhos em suas críticas. Os estudantes de pelo pastor que o defendia no tribunal e que, embora de início pareça
direito fvrmaram um grupo amador chamado Les Clerçs ele la Baso- um tolo completo, passa a perna em Pathelin no final. O diálogo alegre
che e, ao tempo de Carlos VI, foi formada uma sociedade estudantil e a situação na qual os espertos caem vítimas de suas próprias esper-
chamada Les Enfants sans Souci. tezas são os aspectos principais dessa dramaturgia viva, brilhante, que
Todos esses eram amadores e formam uma linha independente orientará a comédia francesa por muitos séculos.
da dos menestréis profissionais como Adam de la Halle. Apareceram
também, por essa época, as sociedades literárias chamadas puys, que
apresentavam moralidades sérias e ponderosas e, ao mesmo tempo,
uma forma de drama satírico chamada sottie, que nasce como paró-
dia dos dramas religiosos. O mais famoso autor de sotties foi Pierre O Teatro Medieval Inglês
Gringore, já no século XVI, chamado de mere-sotte, bobo-chefe, dos
Enfants sans Souci. Em 1511, ele escreveu Le Jeu de prínce des sots,
talvez uma fusão de moralidade com sottíe pura. A EVOLUÇÃO DO DRAMA foi vm pouco diversa na In~laterra e é pre-
A partir do século xv, a comédia alcançou sua plenitude, com uma ciso conhecer as consequências dessa diversidade. E necessário vol-
infinita variedade de formas: sotties, monologues, semwns joyeux e, tar alguns séculos para retomar o problema no momento em que,
o sobretudo, farces. Em uma época em que a Igreja tinha tamanha também na Inglaterra, começa o uso do vernáculo na apresentação 121

importância e era tão ligada à aristocracia, não é muito de espantar o dos pequenos dramas religiosos. Também na Inglaterra aparecem
aparecimento dos sennons joyeux, paródias da oratória sacra nas quais primeiro os mysteries, que tratam de matéria bíblica, depois os mira-
dificilmente se pode esperar que seja refletido o ponto ele vista da elite. eles, que contam a vida e os milagres dos vários santos, ampliando a
Mas a farsa -que vem de farei r, rechear, por ser introduzida no meio matéria dramática. E o aparecimento do míracle é fundamental no
ele obras sérias- foi a forma que efetivamente triunfou, entrou pela desenvolvimento ela forma, porque a viela do santo não precisaVa ser
Renascença, vindo a servir Moliere. A princípio ela parodiava dramas seguida com a fidelidade exigida pela Bíblia, e um milagre a mais
sérios, depois tomou viela independente. Era mais propriedade elas que fosse inventado só poderia contribuir para a maior glória elo
populações livres dos burgos que elos castelos feudais. santo em questão.
Nesse sentido, o século XV produziu efetivamente uma verdadeira Também na Inglaterra, o Corpus Christí era a grande ocasião tea-
obra-prima, a Farsa de Mestre Pathelín. Seu objetivo é fazer rir ao tral do ano, mas os milagres eram apresentados no dia do santo. Em
mesmo tempo denunciando fraquezas humanas, e ainda hoje alcança pouco tempo, a fórmula ela vida ele santo foi secularizada, provo-
seu intento, como o provam as várias montagens que têm tido no Bra- cando o aparecimento ele pequenas peças sobre aventuras e feitos de
sil, depois que Maria Clara Machado a apresentou aos brasileiros nos heróis que mataYam dragões em lugar ele fazer milagres.· Como na
pri111ciros anos de O 1:1blaclo. Nem autor nem dat<l são conhecidos Fr<mça. a tramiç:io cb igreja para a praç·a, do s:Jcrq p:1r<1 o proL111n.
com precisão. O nome de Guillaume Alexis é o mais provável e a está ligada ao uso do vernáculo, mas problemas da própria língua
data tem de ser anterior a 1469, quando já aparece na língua francesa inglesa tornaram um pouco mais tardia essa transição. O problema
-
••
da língua na Inglaterra é interessante e serve para traçar a formação
da unidade política do país.
raros, na Inglaterra, os cenários múltiplos. O sistema rnais adotado
na Grã-Bretanha foi o elos pageants, palcos sobre rodas, levados de
••
Nas migrações germânicas, os primitivos bretões haviam sido COITl-
plemente dominados por anglos e saxões como elemento racial prin-
um ponto para outro da cidade para a apresentação dos espetácu-
los, como carros alegóricos ou alegorias dos nossos carnavais. Em ••
••
cipal, sendo a língua usada, o anglo-saxônico, muito mais distante do lugar das monumentais paixões francesas, são os ciclos conjuntos de
inglês atual que o latim do português atual, por exemplo. A radical pequenas peças independentes, que cobriam os principais episódios
mudança da língua começa com o primeiro período de influência da Bíblia, desde o Cênesis até o Juízo Final. Quando o teatni saiu da
latina, que teve lugar em 54 a.C., quando da conquista da ilha, ini-
ciada por Júlio César e fixada por Cláudio, e tem como segundo
igreja e, depois, das mãos elo clero, ele passou, na Inglaterra, para as
mãos elas corporações de ofício, as guildas, e cada pequena peça era
apresentada por uma corporação diferente, havendo grande rivali-
••
••
período, o ela cristianização por Agostinho, no século VII. Mas foi a
conquista normancla, iniciada com a vitória de Guilherme, o Con- dade para saber quem apresentaria melhor a sua.
quistador, em Hastings, no ano ele w66, que mudou inteiramente Inúmeras cidades tinham ciclos inteiros de peças. Muitos desapa-
o destino ela língua ela Inglaterra, ele toda a sua cultura, na verdade.
De 1066 até 1280, o francês da Normandia foi a língua oficial da
Inglaterra, seja na corte, seja na administração pública. O povo, natu-
receram totalmente; ele vários, há exemplo esparsos, e quatro foram
preservados até hoje: \Vakefield, com 32 peças; York, com 48; Ches-
ter, com 25; e, com 40 peças, o discutido N. Towne, às vezes cha-
••
ralmente, retinha sua própria língua, até mesmo como protesto, mas
duzentos anos são duzentos anos, e quando o dialeto ela Inglaterra
mado ele Ludus Coventrize, que não se sabe a qual cidade pertencia.
O esquema da apresentação é que é interessante, seja por mostrar ••
centro-oriental se definiu como o predominante- o que mostra que
Londres teve a mesma função e importância que Paris na cultura
de seu povo- esse chamado Middle Englísh, ou inglês médio (ou
o imenso público que esse teatro tinha, seja por ilustrar talvez o
fato de não existirem nas cidades inglesas praças tão monumen-
tais quanto as que abrigavam as paixões no continente europeu, 12)
••
medieval), já era uma outra língua- razoavelmente acessível, hoje
em dia, a qualquer pessoa que conheça inglês moderno, desde que
com seus cenários múltiplos. Os carros apresentavam suas peças na
sequência bíblica normal, mas no ciclo ele N. Towne ficou preser- ••
seja iniciada em suas características básicas. Claro que há trechos
obscuros c difíceis, mas o panorama é realmente outro. O vocabu-
Lírio !Mino comtitui, desde então, mais de 50% do total da língua.
vado um texto, por assirn dizer, ele "propaganda", Bcmns (banhos),
que anunciava cletalhadarnentc as quarenta peças a serclll apresen-
tadas c terminava dizendo "venham no próximo domingo a partir
••
Já no século XIII, quando essa linguagem nova era urn instrumento
hastank rude ele expressão, o teatro a escolhera para si, porque só
ele seis horas ela manhã".
O horário de teatro, portanto, era um pouco diverso do de hoje. As ••
••
com ela alcam,·aria o público que instintivamente buscava. No século seis horas, o primeiro carro apresentava a primeira peça, em frente à
XIV, já se fazia teatro semilitúrgico com enorme sucesso em toda a principal igreja da cidade. A seguir, o segundo vinha para esse mesmo
Inglaterra, c não podemos nos esquecer de que, nessa época, já estava local, enquanto o primeiro passava a representar sua peça em frente
escrevendo, em inglês, Ceoffrey Chaucer, o decantado pai ela litera-
tura inglesa, poeta ele extraordinário requinte c vigor, a um só tempo
à prefeitura, e assim iam todos eles se sucedendo, nos v;írios locais
programados, para que toda a l)Opulação pudesse vê-los. Nem sempre
era possível apresentar tudo no mesmo dia, mas nunca ~e chegou a
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~
••
poeta ele corte e poeta popular.
Ji: 110 sr:'('lll(l '(IV que v;1mos cneo11trar o descmuhilllcnlo llldÍS
inlcrcssantc do teatro rncdíeval inglês, com o dparecimento dos eha-
é1lcançar; n:t Inglatcrr:t, :.ts três Otl quatro sem,mas ele cspd{!culo cbs
nuiorcs pa1xóc~ Ú<!Ilu:,<h :~utorc:s <.ll1ÔilÍIIlO\.ljlli..' l.·:oc1n l<illl p~1ra
v
v
v"'
••
ITwclos ciclos d:1'i vári:1s cidades. Ao conlr;irio d;l Fr<nH;<l, foram bem a glória de Deus e o divertimento elo público, usavam agora rima, por -
••

influência francesa, mas não abandonavam inteiramente a aliteração mulher contra o marido. Os dois discutem até pegarem-se aos tapas,
que caracterizava a poesia anglo-saxônica. e Noé não consegue sequer entrar no assunto do dilúvio. Quando
Seria de imaginar gue não houvesse espaço nos pageants para ela sai, temos outro aspecto fundamental para a formação do tea-
muito espetáculo, contudo, as montagens eram surpreendentes. Hà tro renascentista inglês: a aceitação total da convençüo teatral. Noé
listas e listas de material de cena preservadas até hoje, onde se lê, resolve construir a arca. Começa a medir, planejar e em cerca de
por exemplo, um par de luvas para Deus, quatro pares de asas para 25 versos a arca está pronta. Ele se afasta um pouco dela e comenta
os anjos, uma libra de cânhamo para remendar a cabeça dos anjos, que saiu melhor do que esperava:· "Pelo que agrade~:o a quem tudo
uma peruca branca e um rabo de cânhamo para a serpente, uma fez do nada", diz. Essa ideia de criar imagens visuais por rneio de
costela vermelha para a criação de Eva e uma tocha para incendiar poesia será fundamental para o teatro elisabetano. Novo episódio
o mundo. O inferno, como sempre, era a boca de um dragão, sem- cômico aparece depois da primeira entrada da família na arca, pois
pre praticável. madame Noé torna a sair e declara que nada a fará viajar dentro
A montagem, por vezes, fazia uso das atividades da corporação, daquela porcaria. Só quando a água sobe muito é que ela diz "I sit
pois podemos notar certa justiça poética na distribuição dos episó- not dry"7 e resolve embarcar.
dios. Assim, os ourives apresentavam o episódio dos Reis Magos, por Nada parece ter assustado os autores, diretores e atores da época,
causa dos presentes que traziam; os fabricantes de barcos apresenta- todos eles amadores e sem pretensão a tais títulos: podendo confiar
vam o Dilúvio- talvez no intuito de fazer crer ao público que seus na colaboração imaginativa do público, apresentavam qualquer coisa
produtos eram tão resistentes quanto a arca de Noé. no palco; o que não ficava concreta e visualmente presente era criado
Ligações pitorescas eram as gue faziam os açougueiros apresen- por palavras e imaginação e passava a ser totalrnente aceito. IVlclhor
tarem o episódio da Flagelação de Cristo, ou os padeiros encena- relacionamento entre palco c plateia é impossível ele desejar.
12)
rem o Juízo Final- porque as chamas do inferno vinham de fornos Houve, também, evoluçâo pelo patético, por meio elo profunda-
semelhantes aos que estavam habituados a manobrar. E havia grande mente emocionante, como se pode ver no Sacrifício de [saac, ele um
preocupação com a boa representação. Desde a primeira metade elo ciclo perdido. O desenvolvimento psicológico é primoroso. Aos pou-
século XIV, hei documentos reclamando contra a má representação de cos Isaac vai descobrindo que é ele que deve ser sacrificado pelo pai
peças sacras, e de 1520 há um que atesta a aplicação ele urna multa e é ele quem dá coragem a este para fazer o que deve. Só pede que
de dois xelins à corporação de pintores "porque sua peça Three Kings seja morto ele um só golpe para não sofrer rnu i to. Recomenda cmn
o{Culleys foi mal e confusamente representada, em desrespeito a toda palavras tocantes que o pai não diga à mãe que o matou: "Diga-lhe
a comunidade e na presença ele muitos forasteiros''. Não era só o zelo que fui morar em outra cidade." E o mais irretocavelmentc bem
religioso que estava em jogo, mas também, ao que parece, o turismo ... observado é o acesso de medo que o menino tem depois ele ser salvo
Esses espetáculos, por várias razões, constituem um núcleo per- pelo anjo, quando não há mais perigo.
feito elo teatro inglês da Renascença. Desde cedo começaram a ser Foi o elemento humano e quotidiano que manteve cada vez mais
explorados determinados episódios para efeitos cômicos, perfeita- vivo o teatro religioso na Inglaterra e o fez contribuir para etapas sub-
mente realistas, como no caso elo Noé, de '0/akdielcl. elo século XIV. sequentes do desenvolvimento ela arte cênica inglesa. l'v'Ias foi uma
A peç:a começa em tom elevado, com Deus expondo seus propósitos torma totalmente desaparecida, a das Patemo.<;/er Ploys, que apresen-
ele pmíficar a humanidade. mas t:1o logo l!cm ''1í ck ccJJ<l. o ,mtor tava conflitos entre us pecados capilais c as \'Írhtclcs lcolngaio pela
come~·a a trabalhar material original: entra a mulher ele Noé. este per-
gunta como ela vai e a resposta é um elos mais chíssícos queixurncs de

••
posse da alma do homem, a mais significativa para o aparecimento
da moralidade, que junta exatamente essas duas ideias.
mas não é uno. Na primeira parte, as várias tentativas ele Todomunclo
para encontrar um companheiro em sua viagem para a morte entre ••
••
E mesmo sendo essa a última das formas medievais de teatro sério, aqueles com quem gozou a viela resultam muitas vezes cômicas, mas
também ela sofre certa influência popular. O desenvolvimento dra- é o tom solene e religioso que impera no final da obra.
mático das moralidades é importante porque não há história a dra- Só faltava, para completar o quadro, a elaboração ela forma cômica
matizar, é preciso inventar enredos para ilustrar o conflito em pauta,
que tem por objetivo a salvação da alma elo espectador. O m:iverso
do palco, portanto, não fica isolado: ele tem consciência ela presenç:a
ao nível ela observação e crítica ele costumes. E aparece, no crepús-
culo da Idade Média e alvorecer ela Renascença, para contrabalançar ••
do público e por vezes se dirige a ele, já que a moralidade é feita
para educá-lo. São obras eminentemente didáticas, c urna das mais
a solenidade elas moralidades, o interlude, que equivale à farsa fran-
cesa, ou melhor, a v;1rías das formas cômicas francesas. Em alguns
casos, falta a essas obras uma situação dramMica dinâmica. São cliá-
••
antigas, The Castle o{Perseverance, foi preservada em manuscrito no
qual há um dispositivo cênico, circular, fixo e com cenários múlti-
plos. O objetivo didático é o cerne dessa forma dramática, e podemos
logos nos quais os autores já têm maior consciência de capricho
no que é dito, maior preocupação com brincadeiras verbais, o que ••
ver traços das etapas ele desenvolvimento quando encontramos, já no
final de um "Noé" do século XIV, um doutor que enunciava a lição
demonstra que, no final do século xv, o teatro inglês estava pronto
para mais uma transição.
Com os interlúdios desaparece a grande tradição medieval elo
••
moral a ser tirada ela peça pelo público, aspecto típico da moralidade.
De forma geral, as moralidades são obras pesadas e enfadonhas
e sua grande exceção na dramaturgia inglesa é Everymcm (Tóclo-
anonimato. John Heyvvood é o primeiro nome de autor dramático
conhecido na língua inglesa. Escreveu o "Novo e Muito Alegre Inter- ••
••
lúdio" chamado A Peça dos Quatro PP- um Palmer, ou peregrino,
mundo), versão de um original holandês refletindo toda a grande um Pardoner (vendedor de relíquias c indulgências), um Potycary,
comunidade cristã ela Europa ocidental. A peça trata ela salvação de boticário, e um Pecldler, ou mascate. Os quatro discutem sobre sua 127

Tbdomundo, ou seja, de cada um elos espectadores. O que a distingue


ele suas companheiras ele gênero é a caracterização das figuras alegó-
ricas que conseguem- ao menos algumas delas- transformarem-se
contribuição para a salvação elas almas: o Peregrino diz que faz muito,
orando de santuário em santu:círio; o Parcloner diz que faz mais, ven- ••
••
dendo relíquias, tais como urna pena do Espírito Santo, um pouco
em personagens com vichl, bem além ele sua condição funcional. É: elo vinho do casamento ele Adão e Eva e o sacro-ilíaco de Pentecos-
só na moralidade que a alegoria- tão característica ela poesia medie-
tes; o boticário acha que é quem ajuda mais porque serr1 seus remé-
val- entra no teatro. C.S. Lewis diz que a alegoria é a "subjetividade
ele uma época objetiva", e, realrnente, em Todomundo, o método é
usado para a introspecção, modo de pensamento bem diverso da
dios ninguém morre e, portanto, não pode ir para o céu. Optam por
resolver a questão com um concurso de mentiras, no qual o Pedcller
é o juiz. Ganha o Peregrino, que diz que em todas as suas viagens
••
têmpera essencialmente objetiva, épica, dos mistérios e milagres.
De certa forma, em Todomundo, o teatro medieval parece bus-
car- ainda se In conhecer as formas dramáticas da Antiguidade- um
jamais viu urna mulher de mau humor ou impaciente. J<'í em outro
interlúdio, uma comédia chamada John Jolwn, o Marido, T)'h, sua ••
protagonista, quase que diríamos um "herói trágico". O problem;1 ela
rcsponsabiliclaclc elo homem por seus atos é, bem entemlido, proposto
t\1ulher, eSir Johan, o Padre, faz-se em termos cômicos um violento
ataque aos padres, que nem sempre se lembravam ele seus votos de
casticlacle, além de pecarem ele várias outras formas.
. :::
"V
>C)

:?.
••
em termo' ela s;lh;I<;Jo cb alm;l em um uni\·erso católico, mas o con-
cc:ilu, a~siut liiC.>íiiU, .'>C ~qno:-;ima, ele certo modu, [lic\H.ll

ele Aristóteles na definiç:ão do herói. O torn ela moralidacfe é sério,


C)
-c

••
-
••

Enfim

O TEATRO, PORTANTO, QUE fora recriado pela Igreja, começava agora,


já no momento da Reforma, a ser instrumento de crítica contra essa
mesma igreja, fechando-se um cido no qual um instrumento didá-
tico passou a memorável forma de arte popular, abrindo caminhos
para o teatro da Renascença, após transformações indispensáveis para
que ele se adaptasse a uma nova sociedade, ao mundo das descober-
l IV.
tas, tanto geográficas quanto científicas, a um mundo que passaria a
existir para maior glória do homem.

O Renascimento na Itália

128

••
••
••
••
O Renascimento na Europa
e a Sociedade Italiana
••
••
S E A ASCENSÃO DAS monarquias nacionais em muitas regiões na
Europa viria a ser testemunho ele um elos mais férteis momentos
••
do teatro ocidental, na Itália o fracionamento medieval perdurou
ainda por muito tempo- em contraste com o que acontecia em outros
1;aíses -, fixando-se na forma de pequenos principados, ducados ou ••
repúblicas. Muitos desses redutos tiveram períodos ele excepcional
esplendor, porém sempre ciosos ela preservação de suas características
particulares, o que impedia a unificação do país. Para o teatro, a falta 131 • •
de unificação política foi menos danosa elo que a falta ele unificação
da língua, tendo havido na Itália um continuado uso de dialetos que ••
impedia a comunicaçi'ío entre os habitantes ele uma regii'ío com os
ele outra. Durante o período ela Renascença, portanto, não se pode
falar de Itália ou ele italiano. Em meio à fraqueza (ou isolamento)
••
desses governos monárquicos ou republicanos, a Igreja Católica foi a
grande força unificadora ela península, e é nela que nasce um teatro. ••
••
Assim, a alteração elo panorama feudal ocorreu aos poucos devido
ao crescimento da população e consequente aparecimento de cen-
tros ele comércio, independentes ele senhores feudais, que formavam
comunidades ele homem livres que, para suas atividades profissio-
nais e comerciais, precisavam ele governos e legislações estciveis, não
dependentes de interesses particulares.
••
O teatro que \·émlos c'nco;Jtrar agora pertence JO final do sét_:ulo
xv c, principalmente, 'lo século XVI c início elo XVII. 1t a esse teatro ••
que muitas \'ezes IlOS reportamos ao falar ele Renascença, mas, na
••

verdade, ele corresponde ao pleno florescimento de movimentos A valorização dos clássicos na Renascença é que propiciou o advento
com início no século xu, ou mesmo antes disso, no recinto de inú- do humanismo e o renovado estudo da Bíblia, motivado por uma preo-
meros mosteiros, onde estava preservado muito do conhecimento da cupação com certa indulgência nos costumes, acabou motivando a
Antiguidade clássica. Lembremos também que, como dito anterior- Reforma, com o protestantismo se apresentando de determinado modo
mente, a monja Hroswitha, já no século x, escreveu suas comédias como um movimento de igrejas nacionais. Algumas vezes os valores
cristãs à maneira de Terêncio, e que as universidades, co•11 base em pagãos e crist~os se uniam, e em muitas outras entravam em conflito;
centros muito mais antigos de estudo, floresceram no século XIII, via de regra, os humanistas do norte da Europa- como, por exemplo,
sem esquecermos de Giotto e Dante, ambos também do século XIII. Erasmo de Roterdã, Thomas More, na Inglaterra, e Montaigne, na
A imagem mais comum da Renascença se relaciona às transforma- França - estudavam ambas as fontes e sonhavam com a restauração
ções cruciais que se deram a partir do século XIV e se firmam no xv; na Europa de uma cultura universal, com base em reformas morais e
são mudanças de natureza política e econômica. Falando da redesco- moderadas. Já os humanistas italianos se interessavam principalmente
berta dos clássicos da Grécia e de Roma, estamos falando da queda pela liberação individual elos grilhões do escolasticismo e do monas-
de Constantinopla, com o fim do Império Romano do Oriente e a ticismo. Os do norte tiveram seu principal apoio na nova classe bur-
migração de uma série de estudiosos gregos, carregados de manus- guesa; os do sul o tiveram ele cortesãos e patrícios, que adornavam as
critos, de lá para vários pontos da Itália. Ao falar da ampliação de cortes com uma aristocracia brilhante, ou de papas que se tornavam
horizontes, de mais conhecimento, nos referimos aos contatos alcan- cada vez mais mundanos. O sul resultou cada vez mais nacionalista e
çados pela expansão do comércio, do fim das ordens de cavalaria, da individualista; o norte, cada vez mais protestante.
descoberta da pólvora, do declínio do uso do latim, da expansão das De modo geral, os do su·l estavam todos cansados das lutas e rivali-
línguas nacionais; e nos referimos ao declínio da preponderância espi- dades feudais e ansiavam por uma monarquia forte e centralizadora.
ritual da Igreja quando falamos da ascendência do poder civil. Enfim, Das tentativas que fizeram esses homens de adaptar o pensamento
a Renascença se constitui, em grande parte, da constatação elo triunfo clássico às condições contemporâneas nasceu algo completamente
elos interesses e classes urbanos e comerciais sobre a economia agrí- diferente elo que houvera antes. Dante Alighieri foi o primeiro a
cola do regime feudal e da consolidação desse triunfo em termo~ de expressar tal sentimento em SU<Í De monarchia, que falava ela espe-
instituições nacionais. rança ele uma monarquia central e universal na Itália e na Europa
Os grandes responsáveis por boa parte dessas mudanças foram, no com base na ideia ela ressurreição ele um César romano, monarquia
sul ela Europa, os comerciantes de Veneza e, no norte, os da Liga essa que seria o complemento temporal ela Igreja Católica.
Hanseática, que ignoraram o dogma religioso de que ganhar dinheiro Mas quando estudamos a obra de Maquiavel, seja em O Prín-
era pecado e favoreceram o crescimento das cidades com suas semen- cipe, seja nos Discursos sobre Lívio, vemos que a esperança era a
tes de industrialização. O ímpeto do comércio- graças aos caminhos de um príncipe popular que comandasse um exército de cidadãos.
para o Oriente abertos pelas Cruzadas - levou ao aparecimento de Maquiavelusou as experiências do passado para examinar a situação "'c
2
uma nova classe de cidadãos livres da subordinação feudal, e de uma e afirmou que, a não ser pelo poder do papa- que é sobrenatural e, c
v
economia baseada em dinheiro, não mais em terras. Com o tempo, portanto, de um tipo inatingível para os príncipes seculares-, todo 2
nasce um novo patriciado, de ricos comerciantes que, para consagrar poder repousa não em um direito divino, mas, sim, na guerra e na
seu novo status. imitava em seus hâhitos c coslimJcs a vida castelã promoç·ão dos inkrc,sc'; o povn em face das intrigas c cnnspirw;õcs
da nobreza feudal. Tudo isso leva, aos poucos, à mudança de uma
c
de nobres rivais e farnintos ele poder. Com essa visão, ele escreveu
óptica divina para uma humana. um manual para os príllcipcs inteligentes. Esse ideal de um príncipe
"11111'

••
popular que se coloca acima dos inimigos feudais e estrangeiros, por
meio da força de seu próprio povo, tornou-se tema favorito na lite-
qualidades, de que falaremos adiante, tinha texto muito limitado,
baseado não na riqueza cênica, mas, sim, no ator. ••
ratura ela Renascença.
Ainda na Itália, mais um autor, Baldasscre Castiglione, escreveu
Vejamos primeiro o teatro elas cortes, cuja contribuição no campo
elo espetáculo é imensa e determinante para a arte cênica em todo o
mundo ocidental. A mais antiga manifestação da transição do medie-
••
••
outro manual muito importante: Il cortegíano, que definia o ideal do
cortesão renascentista em termos elas inúmeras cortes da Itália onde, val para o renascentista é interessante: as sacre rappresentazioni- que
apesar de Dante, elas foram a razão p.ela qual não se afirmou, na como em todas as outras culturas europeias da época contavam a
época, a unidade nacional. Naquelas várias cortes, viviam cortesãos,
antigos cavaleiros para os quais a espada não tinha mais tanto uso a
não ser como símbolo, pois quem lutava agora eram os exércitos de
história da Bíblia e dos santos- continuavam a ser apresentadas pela
Itália, com cenários múltiplos. Em 1471, no entanto, foi escrita, em
latim, uma obra que tinha a mesma forma daquelas, mas na qual a
••
mercenários liderados pelos condottíerí. O ideal do cortesão era viver
entre os grandes, cercado de beleza, com príncipes e nobres cultos,
vida elo santo foi substituída por personagens da mitologia clássica,
La favola di Orfeo, produzida com incrível esplendor na corte de ••
com os quais mantivesse requintadas conversas a respeito de feitos do
passado. O número de grandes pintores, escultores e arquitetos que
viveram nessas cortes- assim como o número de poetas que nelas
Ercole d'Este, o duque ele Ferrara.
Da mesma época outros elementos da transição são importantes,
como as grandes paradas cívicas, herdadas dos "triunfos" dos antigos
••
escreveu -atesta que a dedicação de príncipes e cortesãos às artes e
ao refinamento produziu resultados consideráveis. O culto à erudi-
vencedores ao tempo do Império Romano. Eram acontecimentos
com os quais os governantes brindavam seus súditos no intuito ele ••
ção levou, porém, às Academias e à elevação elo latim conw única
língua admissível para grandes obras- embora o tosca no, futuro ita-
liano, tivesse servido para a obra de Dante-, sendo possível que esse
adquirir popularidade, ou com que conquistadores buscavam impres-
sionar os conquistados. Não eram desfiles militares, e apresentavam
carros alegóricos, às vezes com quadros vivos. Frequentemente, tais 1)5
••
repúdio ao vernáculo local componha uma elas explicações para a
ausência de uma grande e farta dramaturgia na época.
desfiles terminavam com comemorações realizadas dentro elos palá-
cios, elas quais se originam, então, as apresentações que viriam a ser ••
''teatro". A pompa ele tais festejos pode ser calculada, por exemplo, pela
apresentação ele um episódio mitológico intitulado Jl fJczradiso, para
o qual Leonardo da Vinci criou os cenários, em que um deles consis-
••
A Arte Renascentista
tia em uma montanha que se abria em duas partes a fim ele mostrar
um magnífico céu estrelado; dificilmente atores profissionais teriam
dinheiro para contratar tal cenógrafo ou construir tais cenários.
••
e o Teatro Italiano
Mas onde começaram os teatros? Dizem alguns, por exemplo,
que Alberti construiu no Vaticano um theatrum em 1452. Não há
:E
~

~ ••
••
.8
o QlJE ACONTECEU ENTÃO ao teatro italiano? Temos de examiná-lo provas, no entanto, que no ::aso tenha havido apenas alguma espé- Q)

segundo aspectos inteiramente diversos, correspondentes a modos de cie de exposição. Outros acreditam que, em 1486, Ercole d'Este fez c
·~
com que seu arquiteto lhe construísse um teatro "segundo Vitrúvio";

••
vida opostos: nas cortes apareceu um teatro a princípio imitativo elo
5"'
rnnuno c J-c~trito :1 pcq11C110S grupos. cll·pois um k;tltu ",)ele espe- :c'llljUJnlo :1incla outros afinttdlll cptc u prilltc:Íro teatro foi collSlruído ;L

táculo, no qual o texto não tinha a menor import:íilU~t; j<i lJdS pra- p:Hct .\rim tu em1532; c: ja, por stt;I \a, o c:<mlca!Riario C: Iom a do pu r
ças, surgiu um teatro popular que, apesar de toclas ;Ls su;rs Ítlt'Imcras ter siclo o primeiro <1 usar ccn;írio:; piiltaclos, entre 1484 e 1486. Ness<l >
••

última década, a Academia romana começou a montar as tragédias
de Sêneca e, mais importante, em 1493 foi publicado em italiano o
De archítectura, de Vitrúvio, cujo segundo capítulo dava vagas infor-
mações a respeito do teatro da Antiguidade.
Baldassere Peruzzi, no início do século XVI, começou a usar a pers-
pectiva na certa pintada, e seu discípulo, Sebastiano Serlio, elabo-
rou, segundo sua interpretação pessoal de Vitrúvio, os três cenários
permanentes para tragédia, comédia e pastoral. Inúmera~ versões e
interpretações se seguiram, mas o ponto culminante de todas essas
experiências foi a construção, de 1580 a 1584, do 'Teatro Ol ímpíco,
em Vicenza, idealizado e iniciado por Palladio, porém terminado por
Scamozzi depois ela morte daquele arquiteto, construção que ainda
existe. Abrigando ainda hoje festivais ele teatro nos verões italianos, o
Olímpico é uma pequena joia, bela miniatura de um teatro romano,
com arquibancada em curva e cena fixa de perspectiva falsa, tudo de
madeira, porém pintado para parecer mármore. Esquema do palco italiano.
Não seria essa a forma do teatro que viria a predominar no futuro,
mesmo que Scamozzi tenha feito uma outra tentativa, já corn algu-
mas alterações, em Sabionetta, a que chamou de "Teatro all'Antica". elo palco e serve para ocultar, assim, as máquinas usadas no espetá-
Então, é só em 1616 que finalmente aparece o Teatro Farncse, em culo. Igualmente espetaculares são os figurinos da época, como os
Parma, com palco italiano, proscénio e cortina, em essência o rncsrno também desenhados por Leonardo ela Vinci para Il {Jaradiso. Desses
que ainda hoje prevalece nos teatros do Ocidente. teatros e espetáculos tão ricos do ponto de vista visual, com dança c
ITlúsica, não nasce o teatro ele comédia, mas, sim, a ópera italiana.
O desenvolvimento nas artes plásticas, principaln1cntc <~pintura Desse modo, se houve falta ele autores, o teatro ern si e aceno-
em perspectiv<l, influenciou, e muito, a evoht<;·Jo de diversos recursos grafia tiveram desenvolvimento crucial na It;.llia dessa época. Um
da cenografia, tantos que não é possível detalhá-los. Elll seu manejo acontecimento importante Foi a descoberta elo De arclzitecturcz, ele
técnico, a mais surpreendente, e imporbmtíssima, contribuiÇ'ãO é a Vitrúvio, que contink1 dc:;criçücs elos teatros grego c romano. N<to
dos conjuntos ele cordas usados nos velames das nam, responsáveis havia, no entanto, ilustrações, o que levou Sebastiano Serlio, o mais
pelo desenvolvimento do comércio tanto quanto pelas descobertas importante cenógrafo e arquiteto teatral da época, a criar os três
de novos mundos. Em 1638 é publicada a notáYel Pratica di fabricar telões fixos dos quais jéi falamos. Entre eles, a pastoral era um gêucro
scene e machine ne' teatri, de Nicola Sabattini (1574-1640). que for- desconhecido para os cLbsicos, rnas na realidade nascido da poesia
nece preciosas infonmH~·ões a respeito elas artes elo teatro. de Virgílio, sendo L'cuninto. ele 'J(;rquato Tasso (1544-95), a primeira
Eventualmente, as n1éiquinas para efeitos cênicos cr~m1 L1is c tantas c talvez a melhor das ohras nesse gênero dificilmente definido. Na
que Cirw:nn1i lht!i,t:J \lcntli niclll o :I!'C'() rJ,, JH·nsc' 1irJ. o q!i:d. de linha elo ;11110r sillccrn 'i'- irlo r.·111 11111 :1111hicntc campestre. fi (!C!S/(Jr
acordo com o que muitos acreditam, nasceu para enwlclur~lr a cena, fido (O Pastor Fiel), ele Címanni Battista Guarini (153X-1612), é tal-
mas, na vercbck, é sempre mais baixo elo que as imL11<1ÇÕcs na caixa vez a mais significati\<1 c inlluentc.
.._ .

••
Apesar dos pesares, também houve teatro de texto nessas cortes
renascentistas. O culto ao passado levou, infelizmente, à composição
atingir uma de suas características mais extraordinárias: uma incontes-
tável individualização de personagens, que ele compunha, sem dúvida,
••
ele um grande número de peças em latim, todas esquecidas nos dias de
hoje. Foram poucos os autores que optaram pelo vernáculo, mas esses
como tipos representativos da sociedade de seu tempo.
O número de obras no gênero é reduzido, e não podemos, de ••
••
são os escritores cujas obras sobreviveram, havendo em particular três forma alguma, esquecer a contribuição da commedia erudita romana
nomes notáveis: Ariosto, Aretino e Maquiavel. Na verdade, todos os para essa dramaturgia italiana que nasceu da descoberta- ou redes-
três são bem mais famosos por seus escritos em outros campos. mas, coberta- de Plauto' e Terêncio, dando ao teatro da época todo o seu
mesmo assim, deram ao teatro parte brilhante de seus grandes talentos.
As obras que esses autores nos deixaram dão uma ideia do que pode-
ria ter sido a dramaturgia italiana sem os vários empecilhos culturais
conceito de forrna c construção; sendo até mesmo responsável por
determinadas imitações elo teatro italiano daquele período, restrito,
por vezes, a tipos, na tradição elos tipos da comédia romana.
••
que a afetavam na época, na estrutura social ou na linguagem. Ao tea-
tro universal, no entanto, foi legada ao menos uma grande comédia, ••
A. Mandrágora, de Maquiavel, que retrata com humor e impiedade
a corrupção da época, pois não seria o desencantado Maquiavel que
haveria de optar por qualquer visão romântica de seu mundo, e ele A Commedía dell'Arte
••
observa muito bem os hábitos, as atitudes e as fraquezas dos homens.
Ariosto, em sua comédia Scolastica, denuncia a corrupção na ••
Igreja ao criar a figura de um frade que julga não haver pecado tão
grave no mundo que não possa ser solucionado por uma "esmola",
dada a ele, naturalmente. Já Pietro Aretino é por si um fenômeno
AS OBRAS ft\ MENCIONADAS são, sem dúvida, uma espécie de ressurrei-
ção do modelo clássico da comédia romana. Porém, outra forma do
teatro italiano renascentista, ele que ainda temos de falar, é, por sua 1 39
••
dos desmandos daquela época: aventureiro, chantagista e assassino,
por pouco deixou de ser cardeal, e escreveu em sua comédia La corti-
giana um retrato muito menos idealizado elo que fez Castigliollc em
vez, uma espécie de ressurreição ela fábula atelana, com seus tipos
fixos e sua ênfase na expressão corporal. Incontáveis autores eruditos
já pesquisaram até a exaustão a possível influência da fábula atelana
••
seu Il cortigicmo. Em uma elas primeiras comédias redlisL!s do te:Itro
ocidental, Aretino apresenta um provinciano rico que quer passar a
sobre a Com media dell'Arle; contudo, por rnais que se tenha tentado,
nunca se descobriu um único documento que mostrasse qualquer ••
frequentar a corte e é levado- por um explorador que lhe garante
que ir;;'í instruí-lo em todos os h;;'íbitos da nobreza- a um bordel.
Maquiavel foi um dos primeiros autores a retratar no palco a recém-
elemento ele ligação, por menor que fosse, entre essas duas formas,
nem mesmo entre as últimas manifestações da fábula atelana, no
século r a.C., e o advento ela Commedia dell'A.rte, no século xv da
••
-enriquecida classe média, que se tornou crescente na Itália antes do
que em outros países na Europa. Denunciando tolos e canalhas com
era cristã. Diante desse quadro, todos acabam por reconhecer que
o talento para a mímica e a improvisação são latentes no povo ita-
.:3
~
~
••
••
igual veemência, ele cornpôs uma obra de imensa solidez ele crítica liano, ou que uma "eloquência corporal" é parte essencial dele, com .2
v
social, além disso, A. Mandrágora é talvez, de comédias escritas por a fagulha elo talento repentista sempre presente. Mesmo diante elos s
-~
nomes famosos na literatura universal, uma elas únicas que não tcrn fatos, no entanto, permanece sc1nprc viva a impressão, como dito
suas origens e1n alguma co1né'dia ronurw. Foi o talc11to d,· \ L1qi1Í~i1d
que lhe pcrrnitiu a lllll só tempo escdpar elas exigênci<l~ ÍIIIÍLill\<I~ do
~mtcrionncntc, de que{' impossÍ\cl que n<1o haja rebção entre essds
du;~s furiJl<IS teatrais l;-tu pat-L'CilLio, c u pru!Jlema continua, assiu1,
~"'
••
culto ao passado, próprio de uma certa fase ela Renascc11ç·a, c talllhém sem solução. >
••

A ideia sobre a Commedia dell'Arte (a comédia dos profissionais), um dos centros básicos da Commedia dell'Arte. Na segunda metade
que se pode ter por meio das coleções de roteiros existentes, sugere do século, Zanni já era o nome genérico para o ator que se apresen-
tendências contraditórias. Parece não restar dúvida de que essa forma tava nesse gênero de teatro.
teatral representa uma mescla das duas principais manifestações do Segundo a preciosa documentação da comédia veneziana feita por
instinto dramático italiano durante a Renascença, isto é, entre a Martin Sanudo, desde 1503 até 1533, ainda não eram, a esse tempo,
comédia clássica- tal como ela veio a se apresentar depois de modi- os profissionais que dominavam o teatro e, sim, três amadores talen-
ficada pelas Academias, a chamada commedia erudita - e o talento tosíssimos, que trabalhavam tanto como atores quanto como autores.
cômico nativo, que não tinha forma permanente, mas que nasceu O primeiro, Franccsci ele Nobili da Luca, obviamente dedicou-se pri-
elo espírito espontâneo do povo italiano, das imitações ou paródias mordialmente à comédia erudita, pois passou a ser chamado Cherca,
que muitas vezes se manifestavam nas peças rústicas de determinada nome característico da obra ele Terêncio. Porém, sua facilidade para
região. Em sua variedade durante o século XVI é que se tem de loca- dialetos c sua verve o teriam levado a desenvolver certos tipos de corni··
lizar os antecedentes do que em 1568 já era chamado na Bavária de cidade que se identificariam mais tarde com a Commedía dell'Arte.
comédia italiana, e que na Itália era conhecido cmno commedia O segundo, Angelo Bcolco, é figura exponencial da história do
all'ímproviso, a soggeto, dell'arte ou de zanní. Graças a seu reduzido teatro italiano. Filho natural ele um médico, sempre gostou ela viela
diálogo, ela tinha imensa capacidade de se transportar ele um local no campo, onde foi criado, e passou grande parte de sua vida adulta
a outro, sendo recebida na Espanha, na Bav<1ria, na Inglaterra e na como administrador das propriedades ele Alvise Cornaro. No solar
Rússia, e chegando virtualmente a naturalizar-se na França. onde a família Cornaro morava, em Pádua, havia um teatro, de
Na Itália, cada companhia ia de cidade em cidade, colhendo pedra, com cenário fixo reproduzindo a cena romana, e no inverno
material novo à medida que o velho se desgastava, hospedando-se Beolco organizava espetáculos para seren1 ali apresentados. Rcuni~l­
aqui e ali, sem ter morada fixa. Suas principais características são a -se ali uma sociedade requintada e instruída, no meio da qual nâo
exploração ela linguagem corporal tanto para caracterização quanto eram esquecidos nem os negócios, ncrn a política. Bcolco era muito
para ação, o parco diálogo, o uso esporádico de dialetos regionais, a culto e , embora tenha escrito bons textos ele linhas cLíssícas, dedicou~
improvisação, a acrobacia e as personagens fixas, algumas ela~ quais -se acirna ele tudo ao uso do \·crnáculo regional para retratcn, corn
sempre usando máscaras. Os roteiros, scenaríí ou cmwvacci, sugerem perfeito realismo, a simplicidade dos mais básicos sentimentos. Soli-
que a ambientação, a intriga e o aspecto funcional das personagens darizava-se com o camponês, cuja ingenuidade era explorada tanto
vêm da comédia latina, da pastoral italiana e da tragicomédia espa- na paz como na guerra, mas que sobrevivia na última graças aos Irui:;
nhola. Esse último elemento deve ser notado por causa da irnportân- incríveis recursos alimentados pelo medo.
cia do domínio espanhol na Sicília durante o século XVI. A força, o encanto e a poesia ela obra de Beolco fez com que ele
A primeira metade desse século é de formação dessa notável forma e seu grupo de amadores fossem chamados a se apresentar em dife-
de comédia, c cada urn pode escolher esta ou aqueh1 cidade para rentes cortes, e ele acabou sendo conhecido como Ruzzantc, porque
tentar determinar o ponto de origem. Discussões- quando não bri- tomou particularmente para si a interpretação de um modesto cam-
gas- sobre o assunto têm sido frequentes, mas os nome~ ele Cherca, ponês que transformava por si só seus resmungos- usados a fim de
Calmo e Ruzz.antc parecem ligar a Veneza um período excepcional ganhar tempo para dar uma resposta- em obras de arte. Ruzzank, o
ele gosto popu h r pelo crdrctcninlcrlto te alTa 1. '!;1m hr'·rrr rl f1lo :rs rcqmrn,~:in. cr~1 um c~llll]lillllo\ rt'J,tico, ele lnnnor nJ;rtrciro e lirl~ll~l­
máscaras mais consagradas serem Pantalonc, um magnífico vene- gem libérrima, e Bcolco dava a ele uma espécie de pesada dignidade
ziano, e Zanni, um bcrgamasco, indicam Veneza como elO menos ~mimal, mesmo quando cc)mico 011 p<ltétíco, com motivações sempre

••
válidas o suficiente para conquistar a simpatia da plateia. Seu modo
de elaborar alguma situação longamente leva muitos a vê-lo como
corporais, típicos elos zamú, os empregados que faziam caminhar a
ação, servindo-os assim como os conceitos serviam às máscaras dos
••
uma das fontes da Commedía dell'Arte, muito embora esta não tenha
as características literárias desse notável ator e autor.
O terceiro nome dessa fase das origens da comédia dos profissio-
dois velhos. Uma explicação do termo lazzo é a de que seriam esses
os laços que amarravam os vários episódios previstos no roteiro. ••
••
Era justamente nesses lazzí - momento em que Arlequim ou
nais é Andrea Calmo que, embora um tanto semelhante a Beolco algum outro servo interrompia a cena com movimentos ou conver-
como autor, diferenêia-se dele por ter enveredado por um tipo ele sas alheios ao assunto ela peça, mas para retornar a ela depois de sua
atividade já declaradamente profissional, dedicando-se inteiramente
ao teatro. A personagem que Calmo consagrou é a de um velho que,
calcado no senex da comédia romana, já começava a adquirir as
apresentação- que os consagrados intérpretes de Zanni tinham mais
oportunidades de exibir seu talento pessoaL
São conhecidos dezenas de roteiros da Commedia dell'Arte, porém
•• •
características venezianas que consagrariam Pantalone. Frequente- desses laços só se conhece por descrição o exemplo de Arlequim
mente ele é um velho apaixonado, que faz os mais ridículos papéis,
apresentando-se corno rival do próprio filho, por exemplo. Ele sem-
comendo cerejas c apanhando moscas, uns poucos mencionados por
Ferrucci, e quarenta e um descritos sumariamente em uma coletâ- ••
nea. O resto é mistério, pois as sugestões para os lazzi que aparecem

••
pre acaba sendo dolorosamente lembrado ele que não lhe cabe mais
o tipo de comportamento que está tendo. nos scenarií ou roteiros eram feitas apenas para os atores que os rea-
O quadro geral acerca das origens da Commedía dell'Arte vai se for- lizavam, e bastava apenas o nome pelo qual era conhecido determi-
mando, mas nem mesmo se reuníssemos esses três autores teríamos
'
pronta a nova forma. Foi apenas na segunda metade elo século xvr
que aconteceu aquilo que viria a ser determinante em sua forrnação
nado lazzo para que o ator se localizasse. Como todas as companhias
apresentavam as mesmas personagens, esses chístes ou brincadeiras ••
••
em momentos especiais eram a propriedade do ator que os criava e,
definitiva: a formação das companhias profissionais. por isso mesmo, não eram divulgados. 143

Quando se fala da improvisação como característica dessa "comédia Eram as personagens cômicas que usavam a meia máscara que as
elos profissionais", isso não significa ele modo algum que os integr;:m-
tes desses grupos ele atores esperassem por inspiração morncntfínea
para desenvolver suas tram:c1s. Em primeiro lugar, as centenas de
marcava de fonna permanente. As personagens- e máscaras- mais
conhecidas dessa riquíssima forma elo teatro se agrupam em pais e
velhos, empregados, jovens geralrnente apaixonados (chamados amo-
••
roteiros ainda existentes mostram que a estrutura básica ele ucla h is-
tória era sempre conhecida. Além disso, é preciso lembrar que, a
rosi ou imwmorati) e tipos locais ele menor importância. Só os jovens
rornânticos não usavam máscaras. A não ser pelo respeito a certos ••
partir de certo momento, passou a haver grande influência do teatro
espanhol, resultando em enredos muito complicados, impossíveis
de alguém inventar na hora.
traços básicos, as máscaras podiam ter variantes segundo as caracterís-
ticas ou preferências elos atores que, não podemos nos esquecer, uma
vez que se integravam em uma certa companhia, faziam a mesma ~
"' ••
O que acontece na verdade é que, com a apresentação frequente,
os atores profissionais acabaram por incorporar toda urna riqueZél ele
personagem ao longo de toda a sua carreira.
As máscaras não tentam jamais exibir qualquer tipo de individua-
.8
~
c::
v
••
••
recursos que podiam aproveitar nesta ou naquela situação. Assim lização, pois depenclern, ao coiÜré'írio, ela identificação imediata ele 2
-~
sendo, havia falas especiais para determinado momento entre duas cletermirwclo tipo. A fixidez de expressão :;imbolizet urna limitação 2
v
personagens, que poclcricllll ocorrer Cl!l roteiros diferente,. T~tis t,ILt'; pre1 ictmcntc ;reei L! c rcprcscnLt, pur a\~itn dizer, todo um grupo ele .;o:::

proJJlas, ou conceitos, eram ele 1\mtalonc c elo Dottore. I< it;n·J;t u~


fazzi, que ilustravam c ligavam as situações, podendo ser orais otJ
irrdi1i"duo~ dulddus de certas car<~cteristtca:; ou até rnesmo defeitos,
bem como a icleia que geralmente se tem deles: o Pantalone abstrato =: ••
••
I

é um composto de todos os Pantalones, e cada um deles é uma mani- Em suas longas falações, Pantalone só é superado por uma segunda
festação do potencial comum a todos. Seu comportamento em uma máscara importante, o "dottore". Doutor em leis, ele é genovês. Está
peça será guia para seu comportamento em outra e, aos poucos, seus sempre todo de preto, usa um chapéu enorme, é exuberante de gestos
hábitos e defeitos serão identificados. É do conjunto de cerca de e farto de palavras geralmente inúteis, sempre a exibir uma suposta
seiscentos "cenários" ainda existentes que os estudiosos deduziram sapiência, cheia de erros ou fora de moda. Na realidade, ele é uma
as definições das máscaras. caricatura de sábio, e em tom de grande sabedoria tira conclt'.>Ões
Entre os velhos, o mais consagrado e onipresente é Pantalone. da seguinte profundidade: "Não se pode dizer de um navio em alto
O nome veio a ser típico desse "magnífico" veneziano, cujo nome mar que ele esteja no porto" ou "Não se pode dizer de quem está
completo é Messer Pantalone de'Bisognosi, o senhor Pantalone dos dormindo que esteja acordado". É dado também a inventar etimo-
Necessitados, pois lhe faltam condições físicas, tranquilidade domés- logias impossíveis para certas palavras e, ao repeti-las, torna comple-
tica e autoridade. De todos os amos de zannis, Pantalone é o único tamente deformadas as frases de outros. Sua função mais importante
cujo nome atravessou sem esmorecimento os dois séculos que durou nos roteiros é a de segundo pai, ou a de rival de Pantalone quando
a comédia italiana dos profissionais. Graziano é outro velho muito metido a conquistador, e parece ter certa ligação com o pedante da
comum, que nunca entende ou guarda o nome daquele primeiro, comédia erudita.
chamando-o de Piantlon, Piantalimon, Petulo, Pultrunzon, Pianza- Os namorados ou amantes são geralmente filhos de Pantalone ou
melon, e muitas outras formas. O senex da comedia romana, o Pappus do Dottore. Não usam máscaras e têm características bem singelas.
da fábula atelana e os reverendos Signiors da comédia erudita são Não sendo nunca caricaturas, seu comportamento era determinado
seus parentes e antepassados, sem dúvida. pelas situações em que se encontravam nas intrigas amorosas, mas
Esses velhos eram, via de regra, o pai, a vítima dos truques de seus ficava inteiramente a cargo de suas personalidades conseguirem mar-
144 filhos, e condenado a papéis não muito interessantes, se não fosse a car presença nos palcos.
insistência dos atores a quem caberia a função de torná-los melhores; Talvez a máscara mais famosa e variada seja a do zanni, o empre-
pelo esforço deles, viraram um papel de composição e aos poucos foram gado que liga a tradição do escravo na comédia latina ao consagrado
surgindo para essas personagens outras atividades que não a ele pai. papel do carregador na comédia veneziana. O nome "Zanni" tem
Pantalone aparece como um velho magro e metediço, sua más- etimologia debatida, porém a mais aceita e lógica é a ele que venha
cara tem um nariz acentuado, usa chinelos largos que lhe dão um do popular nome Giovanni (João), que passaria daí para Gianní c
andar esquisito, e com uma das mãos segura para trás a capa. A não finalmente para Zanni. Ele pode ser esperto, bobo, inteligente, burro,
ser pela capa longa e por um bonezinho no alto da cabeça, sempre ou uma mistura ele tudo isso. De seu passado na comédia erudita, ele
pretos, ele é todo vermelho. Em seu cinto há uma faca, para ele vin- tira sua função de armador de intrigas, enquanto dos andrajos ele seu
gar-se, um lenço, para as cenas de reconhecimento e, muitas vezes, antepassado bergamasco, o carregador, ele herda urna de suas formas,
uma bolsa na qual ele retém todo o dinheiro que pode. As vezes usa com roupa colorida de losangos, estilização dos antigos remendos,
óculos, sacode muito um dedo, o que o identificava como veneziano usada quando ele se chama Arlequim.
mesmo antes de falar em dialeto. Quando é casado está sempre a Zanni é nome genérico, mas também, às vezes, nome próprio,
correr atrás de alguma cortesã, pois a mulher o atormenta e domina; e muitos deles adquiriram forma específica, segundo o talento e a
quando viúvo, queixa-se cLt solicli'ío e se mete a conquisbtdnr. Sonha im·crlti\·icbclc dos vários atores que !"ornar;Jm famosa a sua cncmn;Iç:ío .-.
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com cargos importantes e é avarento; é falador e carente, sendo particular do tipo. É muito comum o aparecimento de dois zannis
explorado e enganado pelo .zanni que ele tenta explorar. em urna mesma comédia, yuanclo então se contrastam, explorando
...
••
caminhos diversos, um esperto e outro bobo, podendo o público aca-
bar surpreendido ao ver o bobo passar a perna no esperto, e assim por
••
diante. Eles são geralmente confidentes dos filhos e tramam contra os
pais destes, mas, na verdade, estão sempre mais de olho em seus pró- ••
prios interesses, lembrando com isso os parasitas da comédia latina.
Os zannis são, de modo geral, simpáticos, mas mentem, inven-
tam, improvisam, deixam tontos os outros, sempre tentando tirar ••
alguma vantagem para eles mesmos. Ocasionalmente se tornam mais
cruéis e sombrios e em tais casos muitas vezes se chamam Brighella.
V. ••
••
Quando é Pulcinella, possui nariz adunco, chapéu de dois bicos
e roupa branca, vindo provavelmente da comédia clássica. Não é
possível dar conta da incontável e fantástica estirpe dos zanni, que
com seus lazzi, eram muitas vezes a alma da Commedia dell'Arte.
Em algumas ocasiões eles eram acompanhados por alguma sen'etta,
podendo haver, no caso, um romance paralelo entre os innamorati
O Século de Ouro Espanhol ••
e o casal de servos.
Entre outras influências vindas do rico teatro que já vigorava na ••
Espanha, vale a pena lembrar o destino que teve, na comédia elos pro-
fissionais, a personagem romana de Miles Gloriosus, o soldado fanfar-
rão. A revolta dos italianos contra seus dominadores espanhóis, aliada
••
aos conhecidos exageros da hispaniclad, levou o papel do militar da
comédia latina a aparecer muitas vezes como um capitão espanhol, ••
de nome Capitano Spavento. Os exageros das aventuras guerreiras ou
amorosas do capitão eram acompanhados pelos exageros verbais que
os italianos viam nos espanhóis, com resultados, via de regra, ótimos
••
como criação de tipo. Ao contrário dos velhos, dos namorados e
dos servos, o capitão entra sempre sozinho na intriga. Essas intri- ••
gas variavam da farsa à tragicomédia. Um mesmo tema podia ser
tratado de mil maneiras distintas, e os lazzi enriqueciam ainda mais
essas possíveis variações.
••
E assim, entre as maravilhas técnicas elos teatros ele corte e os
••
magníficos atores da Commeclía dell'Arte, pode até ser que <1 Itália
não tenha produzido na Renascença uma grande dramaturgia, rnas
poucos países ou épocas tcrJo contribuído tanto para o
••
lltCIIlo das tradiçôes teatrais do Ocidente.
••
••
A Unificação da Península
Ibérica e a Formação do Império Espanhol

O PROCESSO ESPANHOL DA Idade Média para a Renascença é vir-


tualmente o oposto do italiano. Estando os espanhóis confron-
tados com a forte presença islâmica desde o século VIII, a reconquista
ela península para o cristianismo não só ofereceu aos vários senho-
res feudais um ideal unificador, como também emprestou prestígio
e força excepcionais à Igreja Católica, ficando esses dois aspectos
devidamente expressados pelo fato ele Fernando e Isabel virem a ser
conhecidos como os "Reis Católicos". Foram, é claro, muito diversas
as situações criadas pelas invasões elos bárbaros ao tempo do Impé-
rio Romano, ele um lado, e a invasão islâmica na península ibéric1,
ele outro, pois o baixo nível cultural e o primitivismo religioso dos
povos bárbaros os tornou facilmente assimiláveis nas regiões invd-
clidas, enquanto os árabes trouxeram consigo uma cultura bastante
sólida, um considerável nível ele conhecimento científico e uma
religião estruturada e firmemente estabelecida.
Os primórdios do verdadeiro florescimento do teatro espanhol -
que haveria de explorar a riqueza e variedade nascidas desse clima
político tão diferente - apareceram em data bem próxima daquela
que marca a expulsão final dos mouros, em 1492, com a queda de
Granada. A essa altura, já havia séculos que núcleos cristãos manti-
nh:m1 sua existência polítice1 na penínsnla c lutavam contra os inva-
·'nrc- u <JllC f"i gcr~l!Jcln :1 11I1it1c,lc,:ío ele tod,1 <1 pojmlJ~·:io cL1 f;:~p";dJ:l
por meio de uma consciêncie1 nacional, indispensável ao apareci-
lllClllo de urn:1 dramaturgia característica.
••
É preciso levar em conta, no entanto, o fato de que, ao contrário No entanto, o seu magistral florescimento cultural e artístico haveria
ainda ele durar por mais cínquenta anos.
••
••
do primitivismo dos godos - que haviam descido para o sul a partir
do século v e já estavam totalmente assimilados na cultura da penín-
sula - os invasores islâmicos trouxeram consigo um vasto acervo de
arte e ciência. Sendo assim, os conflitos religiosos e ideológicos foram
mpito fortes, mas a verdade é que, em largas áreas de atividade, havia
muito o que aprender com os árabes, especialmente em matemática O Surgimento do 'Teatro
••
c astronomia. Essas ciências foram significativas para a navegação,
com consequências por demais conhecidas para os dois grandes paí-
Renascentista Espanhol
••
ses descobridores do século XVI, Espanha e Portugal.
Foi com a unificação de interesses nacionais que a Espanha viu
florescer suas artes, sua literatura e seu teatro, e foi das lutas contra
O TEATRO MEDIEVAL TIVERA grande popularidade na Espanha e ali,
como em outros centros, a têmpera natural do povo pelo espetáculo
••
os mouros que nasceu essa unificação. É na Espanha que se pode
notar com maior clareza o processo de transformação do sistema
visual c pelo diálogo vivo, nem sempre respeitoso, já havia enrique-
cido o próprio teatro religioso. Um certo ar de festa emprestara ao tea- ••
••
feudal para o da monarquia nacional, com características impres- tro um caráter realmente popular, favorecendo sua grande expansão.
cindíveis, tais como o crescimento de urna população livre. Em Em suas manifestações renascentistas, o teatro espanhol difere do ele
troca de sua participação na luta contra o inimigo comum, houve outros países por influência ele circunstâncias estritamente relaciona-
sucessivas libertações dos camponeses, até então servos cb terra,
sendo esses novos homens livres súditos elo rei e não mais servos
das à sua formação: a guerra santa, que consistia na luta para a expul-
são dos mouros, ligara a monarquia espanhola de modo permanente ••
••
151
ele senhores individuais, e a emissão de cartas patentes criava cida- à Igreja Católica, tornando a preponderância ela Igreja em monumen-
des com considerável autonomia administrativa. Serão frequentes tal força política e rnoral, o que acabou por delimitar estreitamente
na dramaturgia elo período, chamado Século de Ouro Espanhol, a temática de seu teatro. Seria talvez possível aos autores da época
obrds refletindo esse novo relacionamento entre o cicladào e o rei,
resultado do apoio elo povo, tanto urbano quanto rural, à monarquia
que finalmente se estruturou com o casamento dos "Reis Católicos",
retratar com objetivíclaclc ideias novas e desvios de comportamento
condenados pela própria Igreja, mas o Santo Ofício- mais conhecido ••
••
como Inquisição- não admitiria as especulações filosóficas gregas ou
Fernando e Isabel. a liberdade ele pensamento elas culturas protestantes.
Formaram-se governos municipais e provinciais, e em 1492 o povo É ao fantástico florescimento cultural e artístico alcançado pelos o
estava unido, forte, com o mesmo sentido de orgulho pela conquista
ela nova posição e a mesma necessidade ele afirmação que teriam os
ingleses uns poucos anos adiante. A Espanha se afirmou como nação
espanhóis entre l))O e 1650 que se dá o nome ele Século ele Ouro,
embora desde o início elo século XVII já tivesse início a decadência
política da Espanha. O ímpeto criativo das décadas centrais desse
-;:
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:::
••
e se tornou imediatamente um grande poder imperial. As descober-
tas e o ouro vindo das colônias enriqueciam a metrópole, mas ao
período fez COJ!l que as artes continuassem a produzir obras da mais
alta qualidade, embora em muitos casos estivesse apenas sendo pre-
8v
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••
mesmo tempo a corrompiam. No final elo século XVI, já começava a
se lmtt;tr cbro o dt'clínio político. co11J ;J derrotçt para e1 IngLtlcrrêt de~
chamada Invencível Armada, em 15SH, e a derrota nos Países Baixos,
servada, tanto pela curte quanto pelos seus cidadJos livres, a forma
do que:- ;tilk' f(,r r 1ilo ck feitos e ellJo(;fw<; <lltlf'nlicos
Os espanhóis. com as novas condições políticas e sociais, pareciam
v;
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em JGQ(), anunciando o fim ele grande período elo império espanhol. ter temper~nnen!o ~trtístico suficiente para tr<msformar as limitações >
••

impostas pela religião em desafios para realizações teatrais de pri-
meira ordem. Além disso, por determinação da Igreja houve sérias
proibições aos aspectos pagãos da recuperação ou renascimento do
passado clássico, o que acabou por poupar a Espanha do período
imitativo ao qual a Itália esteve temporariamente subordinada e que
influenciaria de forma definitiva o teatro francês. O teatro espanhol
voltou-se abertamente para a vida quotidiana do presente, o que
provocou o aparecimento de um novo gênero resultante da ânsia do
povo pelo romance, pela comédia, pelo drama poético e pelas cenas
heroicas inspiradas na recente luta contra os mouros.
O termo comédia era usado para todos os gêneros em que veio a
se apresentar a nova dramaturgia espanhola, não existindo para esses
autores a clássica divisão entre a tragédia e a comédia propriamente
dita. Portanto, no teatro renascentista espanhol, tudo que não fosse
auto sacramental era considerado comédia. Essa dramaturgia apren-
deu a ter forma com os romanos, mas logo reduziu seus cinco atos
a quatro e, a seguir, a três, e abriu mão das regras tiradas de Aristóte- Esquema do teatro-corra[.
les e Horácio, mesclando tudo com o humor nativo ' suas tradicões ·' ~
populares e tramas tiradas de seus tradicionais "cantares", ele histórias
1)2
alegres, tristes, simples e complicadas. as mensagens declamadas pelo "Doutor" no final elas obras. A Celes-
A curiosidade pela vida contemporânea, pelo grotesco de alguns tina é um mundo, com personagens ele todas as classes sociais. A
tipos populares, pela ideia ele ver no palco a própria efervescência elo aventura, a intriga, a forte influência do tom dos antigos e abusados
dia a dia fez nascer, ainda nos últimos anos do século xv, a primeira fuegos de escámío dão-lhe viela c autenticidctcle. O público parece
grande obra dramática ela Espanha, embora ela mais se assemelhe a estar menos interessado na salvação ela alrna e rnais 110 gozo da vida.
um vasto romance dialogado do que a teatro propriamente, mas que Na Espanha, o teatro medieval era apresent1do en1 palcos sobre
já estaria consagrada em toda a Europa em meados elo século XVI. rodas, compondo uma espécie ele procissão ilustrada por "quadros
Trata-se de La Tragicomeclia ele Calíxto y Melibea, mais conhecida vivos", formato semelhante ao hoje utilizado no Brasil nos dcsfíles
como La Celestina -nome da alcoviteira que é a verdadeira mola ele escolas ele samba. Mas a popularidade elos espetáculos os levou
da ação de seus 21 atos-, cuja autoria é discutida até hoje. Já está aí a procurar uma casa sua, e eles acabaram por se instalar nos pátios
caracterizado o teatro renascentista, que deixou de ser uma lição ele no fundo elos terrenos de grandes edificações, os chamados corra-
moral dirigida especificamente à salvação da alma do público espec- les, principalmente das irmandades onde haviam sido normalmente
tador para criar um universo peculiar à obra, delimitado pela ação no apresentadas as dramatizações religios~1s.
palco. Seu mais importante aspecto. no entanto, é o da retraUt<;:ão ele Quando as companhias teatrais passaram a usar esses espaços, a
JK'I"S\JIWgC!lS <!S Jll<llS \~Iriacb-;, CICb Ull1~l fil~IIIC]O ele <!UJrd(! CIJII: '·I
rcnd;t i;: p:u-;; nhr;1s ele cnicbcle: porh:;, :1 tm m;!l. lenn1
características individuais. As lições, se as houvesse agow, teriam ele os espct<cículus para corrales ele tavcmas, onde os ocupantes bziam
ser deduzidas pelo público elo total da obra apresentada, acabdJidu-c;c rn:1is elo que erigir um palco, husc;mclo oferecer mais conforto am

••
espectadores, que assim eram atraídos em maior número. Entre os
mais famosos e bem-sucedidos estavam o Corral del Príncipe e o
século XVI, sendo ainda muito forte em sua dramaturgia a influência
das formas medievais.
••
Corra} de la Pacheca (oficialmente Corral de Isabel Pacheco), esse
último tinha um pequeno telhado cobrindo os lados e a área do palco
Escrevendo tanto em português quanto em espanhol, Vicente
experimentou vários gêneros, e muitas de suas peças mereceriam
montagens ainda hoje, embora poucas sejam- e raramente o são-
••
••
com um toldo protegendo o público. Na prática, o toldo só protegia
do sol, pois quando chovia as representações eram interrompidas. ainda encenadas. Dentre outras, devemos lembrar Auto da Sibila
Como requinte máximo, em alguns corrales aparecerarn, acima das Casandra, A Farsa de Ines Pereira, Auto da Lusitânia (onde encon-
arquibancadas, aposentos, uma espécie de camarote para os privile-
giados, além de pequenos recintos fechados e cobertos, a cazuela,
especiais para as mulheres. Não havia cenários, e a liberdade para
tramos o famoso di;cÍ]ogo entre Todomundo e Ninguém), Auto da Fé,
Don Duardos, Auto da Mofina Mendes e a famosa trilogia A Barca do
Inferno, A Barca do Purgatório e A Barca da Glória. Infelizmente, ao
••
mudança de ambiente era total, dependendo apenas do que era dito
a respeito; já a separação das cenas era indicada apenas pelas saídas
contrário do que aconteceu na Espanha, Gil Vicente não teve quem
continuasse seu trabalho em PortugaL ••
que deixavam o palco vazio. Do mesmo período é Bartolomé de Torres Naharro (148s?-152o?),
que viveu alguns anos na Itália e trouxe maior influência ainda ela
tragicomédia italiana, a qual tinha enredos muito elaborados. Ele
••
é, na verdade, o primeiro autor dramático espanhol, pois sua obra
é mais válida, em termos de teatro, do que a de Encina. Embora ••
Os Primeiros Autores

AS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES DE intenção 'dramática e teatral, ainda


influenciado pela forma italiana, Torres Naharro, mais tarde, tendo
já voltado à Espanha e apresentando-se mais amadurecido, se voltou
para a realidade que o cercava, abrindo caminho para a comedia.
O primeiro autor, no entanto, a atingir um espectro mais amplo
1 55
•• •
sob influência do teatro medieval, forarn as églogas, de Juan de!
Encina (1468?-1530?), que consistiam em pequenas tentativas de dra-
rnatização pastoril, apresentadas em dias de festa até mesmo pelo
de público foi Lope de Ruecla. Com ele nasceu uma fabulosa estirpe
de "atores-autores-empresários", responsáveis pelo teatro que viria a ••
••
atrair todas as classes sociais, grande glória da dramaturgia c do tea-
próprio Encina, que mais tarde criou textos mais complexos graças tro espanhóis, Tendo visto uma companhia de Comrneclia dell'Arte
ao que aprendera durante uma longa estada que tivera na It<ília. itinerante, ele foi o criador elo fJaso, o equivalente espanhol elo lazzo

••
Não podenws esquecer que da mesma época é Gil Vicente, o italiano. Consta que o entusiasmo elo grande Cervantes pelo teatro
Jnemorcível autor português cuja primeira obra, o Auto da \ 1isita- o
veio do fato ele haver ele assistido, aos catorze anos, a um espetáculo ..c
;:::
ç:ão, foi apresentada na corte na época do Natal em 1502. Pouco ou da companhia de Ruecla. "'e--
nada se sabe a respeito da vida desse notável poeta, sendo mais ou
menos consagrada sua identificação com o talentoso ourives autor de
Depois que Lope de Rueda fixou a forma dramática espanhola,
apareceram inúmera5 companhias teatrais ambulantes, que podiam
w

ou
2
::;:;
••
••
belo ostensório visto no Museu das Janelas Verdes, em Lisboa, mas variar entre a ele um ator com seu acervo de truques pessoais até os 'V

a dutenticiclade e sobrevida ele sua obra é garantida pelo fato ele logo 2::;:;
grandes grupos, aptos a montar não só as comédias, que eram as ()

c!cpoio de sua morte, em 1)36, seu filho Luís ter feito publicar um nuis poptibrcs. U>! 110 l<tmhé'In os breves cntrel/le,::es.q\le eram apre-
'V


':./';

l()ltiíll\.' cottll'lldo quarctlt<l c trb peça~ Slids. Cil Vicente fui u llléll.\
sentados cutrc dui.\ alo) da cumédia, ou até mcsmu aulos, e assnn
prolífico autor teatral da península ibérica na primeira metade elo podiam atrair um \ctslo e variado público. Em 1603, Agustin Rojas ;>

••

publica uma deliciosa descrição dos vários tipos de companhia, que foi ele quem firmou definitivamente a forma dos três atos - intriga,
conforme o número de atores que reunia eram chamadas bululu,
fiaque, gangarilla, cambaleo, gamacha, bojíganga etc.; uma grande
companhia levava consigo um repertório de "cínquenta comédias,
mais de 3.500 quilos de bagagem, dezesseis pessoas para represen-
tar, trinta para comer e uma para receber o dinheiro na entrada (e
II crise e solução - para essê teatro que viria a alcançar tão imensa
popularidade. A comedia em si necessita de esclarecimentos. São
tantas as que foram escritas e tamanha a liberdade de criação, que
hoje em dia elas são divididas em mais de cinquenta tipos, de acordo
com as personagens e os temas de cada uma. O termo "de capa e
só Deus sabe o quanto ela rouba)". espada" para os dias de hoje significa filmes de pirata, mas nà época
A farta e excepcional dramaturgia do Século de Ouro é um per-
feito espelho da Espanha em seus momentos de glória, pois em toda
ela fica explícita a importância da Igreja e a devoção da quase tota- I se referia às comedias escritas sobre a vida urbana e aqueles que,
agora sendo cidadãos súditos do rei, tinham direito de portar armas,
vestir-se melhor e, portanto, portavam capa e espada.
lidade do povo, assim como o júbilo deste pela liberdade alcançada
com o fim do feudalismo, muitas e muitas vezes expressadas por uma I Lope de Vega nasceu de pais pobres em Madri, tendo se reve-
lado mais do que talentoso desde a infância. Consta que aos cinco
ligação direta de dedicação e afeto para com o rei.
Um dos primeiro autores do período áureo da comedia espanhola I anos lia espanhol e latim, compondo versos antes de saber escrever.
Nada se sabe do início de sua educação, mas parece que começou
foi Miguel de Cervantes (1547-1616), muito mais famoso por ser o seus estudos com os jesuítas, cedo, durante um período, serviu na
autor de Don Quixote, mas que escreveu vários entremezes, comedias
e a única tragédia da época, El Cerco de Numancia. Não era para o
teatro, no entanto, o talento de Cervantes, e depois de uma série de
I
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casa do bispo de Ávila e aos dezesseis anos estava na Universidade
de Alcalá de Henares. Em 1583, mal concluídos seus estudos, apai-
xonou-se pela primeira vez e tomou parte em uma excursão contra
fracassos ele abandonou definitivamente o teatro, para encontrar a os portugueses na Ilha Terceira. Voltou depois para Madri e, ainda
glória compondo o D. Quixote. muito jovem, começou a escrever para o teatro. Conseguiu desde
cedo vender peças para o empresário Jerónimo Velásquez e, passado
pouco tempo dessa associação, seduziu-lhe a filha casada, em um dos
muitos escândalos amorosos que marcaram sua vida. Para a amada,
Lope escreveu vários poemas apaixonados. O romance, no entanto,
Lope de Vega só durou cinco anos.
A separação ocasionou novo e, dessa vez, estrondoso escândalo,
que resultou em uma estada na cadeia e, posteriormente, um exí-
COM IMENSO TALENTO ESPECIFICAMENTE teatral, ficou muito mais lio de Madri por dois anos. Ignorando a pena de exílio, com o que
famoso por suas peças do que pelos inúmeros poemas que escreveu arriscava a vida, Lope voltou a Madri ao fim de três meses, agora
Felix Lope de Vega Carpio (1562-1635), ou simplesmente Lope de para fugir com Isabel de Urbina, filha de um cortesão, com quem
Vega, cuja vida e obra justificam plenamente o fato de Cervantes o se casou. O casal foi para Lisboa bem a tempo de Lope se enga-
ter chamado de "o monstro da Natureza". Lope é, sem sombra de jar na Invencível Armada, que Felipe 11 estava mandando contra a
dúvida, o autor que melhor representa, com suas obras, as energias, Inglaterra, e felizmente ele ficou entre aqueles que saíram incólu-
as realizações e até mesmo as limitações ela Espanha na época de mes dessa grande aventura naval. Durante os seis meses que a nave
seu apogeu político e artístico. A comedia já estava começando a ser levou para circundar as Ilhas Britânicas e voltar, ele aproveitou para
escrita quando Lope de Vega iniciou sua carreira de autor teatral, mas escrever muito, inclusive um logo poema épico.

••
Após sua volta, o casal se estabeleceu em Valência, onde a vida
teatral era bem mais intensa do que em Madri. Depois de algum
ele deixar o quarto todo manchado ele sangue e, muito enfraque-
cido, morreu em 1635. ••
tempo de sofrimentos e ciúmes, a jovem Isabel morreu em 1595, e
Lope logo se apaixonou por uma atriz, Micaela de Luxón, talvez a
única mulher que possa ser chamada de grande amor de sua vida,
Diante dessa vida, é realmente espantoso que tenha escrito, de
acordo com fontes várias, entre um mínimo de setecentas e um
máximo de 1.200 ou 1.500 peças, conforme as várias catalogações.
••
que lhe deu quatro filhos e muita inspiração. Lope foi bastante fiel
a Micaela, no sentido de que ela, uma espécie de amante número
Dessas sobrevivem mais de quinhentas, sendo mais de trezentas ple-
úamente autenticadas corno obras desse único e prolixo autor. Lope ••
••
um, manteve sempre sua posição junto a ele, mesmo enquanto este de Vega escreveu peças dos mais variados gêneros e temas. A veloci-
cortejava e conquistava um elevado número de outras senhoras. Não dade com que compunha não permitia que toda a sua obra tivesse a

I
havia dúvidas quanto ao tipo de relacionamento a ser mantido com mesma qualidade, mas seu talento era tão grande que, mesmo sem
Micaela, no entanto, já que, em 1598, Lope casou-se pela segunda
vez, agora com a filha de um rico negociante de carnes, Juana. Entre
1599 e 1602 ele parece ter dividido com muita arte o seu tempo, já que
se aprofundar muito na caracterização de suas personagens, encanta
pela ação, pela poesia, pela humanidade dos quadros que pintava ••
tinha uma mulher e um editor em Madri, e Micaela e dois filhos em
Sevilha. Da esposa, Lope teve dois filhos, sendo que em 1605 Juana
com palavras.
São tantas e de tantos gêneros as peças de Lope que se torna difí-
cil selecionar o que pode ser mais representativo de sua obra. No
••
e Micaela deram à luz quase que ao mesmo tempo.
No início do século XVII, Lope já era um autor teatral mais que
consagrado, e no ano de 1603, em um apêndice à comédia Un Pere-
entanto, do que ele escreve'J nos gêneros capa y espada e comedias
villanescas, entre as primeiras se destacam La Noche Toledana, El ••
grino en Su Patria, ele relacionou os títulos ele 230 peças suas, a
maioria elas quais já havia sido montada. Porém, isso não lhe trouxe
Acero de Madrid, La Dama Boba e El Perro de! Hortelano; porém,
os títulos mais conhecidos aparecem entre as segundas, voltadas para
a afirmação da dignidade de representantes do povo que se revolta- 1 59
••
dinheiro- inclusive porque sua mulher tinha saúde muito delicada-
nem garantias como autor, pois sua popularidade levava outros a apre-
sentar peças com o nome dele, criando toda espécie de problema.
vam contra a tirania ele senhores feudais, apelando para a autoridade
maior do rei. Dentre e~sas peças, podemos ressaltar suas maiores
e mais significativas obras dramáticas, incluindo-se Peribm1ez y El
••
Sua vida de paixão pelo teatro e pe.las mulheres não se abatia
com o tempo. Em 1613, surpreendendo mais uma vez, depois da
Comendador de Ocarú'L. El iVJ avo
,
r Alcalda el Rev' e a mais que cansa-
grada Fuenteovejww, todas elas expressões preciosas como um retrato ••
••
morte da mulher, Lope reuniu, para morar com ele em uma casa, das transformações socie~is e políticas por que passara a Espanha.
todos os seus vários filhos, e voltou-s-e para a Igreja, tomando ordens Autor de tantas obras que ignoravam, em sua grande maioria,
menores. Isso não o impediu, no entanto, de continuar a escrever õ
as tradicionais unidades de tempo, local e decoro, Lope de Yega -§
peças ou de ter aventuras amorosas. Seu último , e lonao
foi com Dona Marta de Nevares, casada, a quem chamava Ama-
b '

rilis Santoyo, mãe de sua última filha, Antonia Clara, nascida em


romance foi convidado, em IÓm), a falar sobre sua arte diante dos acadêmi-
cos de Madri, a quem ele se dirigiu como "nobres espíritos, flor da
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o
"'s;-.
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••
1617 e batizada como filha do marido de Marta, mas que passou a
maior parte ele sua infância com Lope. Com a morte ele Amarilís,
Espanha", ocasião em que discorreu sobre El Nuevo Arte de Hacer
Comedias en Estas Tiempós. Bom conhecedor dos clássicos, Lope
apresentou a comédia corno o que atrai o público e, por isso mesmo,
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8
cega e louca, Clll 1632 e, no ano seguinte, él ele um filho, ao que se rende dinheiro, alegando ter c:-.:perimentado alguns fracassos quando
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~cguiu u r<1plu d<t Cílha Antunia por um corlc:;~'íu, Lopc se ~.u!tuu


cada vez mais para a religião, segundo consta, flagclando-~c a ponto
escreveu respcil;mdu d\ rcgrcts lJUC l<lo bem conhece. Com espírito,
dando sobejas provas ele sua erudição, ele demonstrou, em meio a
o
> ••
••
supostas críticas, como as comédias devem ser construídas, a fim de as peças com protagonistas que sabem como agir para conquistar de
atrair o público, estabelecendo-se com cuidado suas ações e persona- vez os homens que amam. Mas, em particular, Tirso tem a honra
gens, prendendo apenas cada ato a um período de 24 horas, criando de haver criado a figura de O. Juan em sua comedia El Bttrlador
com imaginação e palavras os locais para onde a lógica da ação o de Sevilla y el Convidado de Piedra, cuja capacidade para enganar
exige, e deixando ao tema unificador- do qual podem fazer parte epi- mulheres já foi explorada por tantos outros autores.
sódios tristes ou alegres, como a vida real os mescla- a importância Acima de Tirso de Molina só ficam dois autores daquela brilhante
antes dada à obrigação de se separar rigidamente comédia e tragédia. época na Espanha: Lope de Vega, do qual já falamos, c Pedro Calderón
Essa brilhante apologia de uma arte nova é momento magnífico da de La Barca (16oo-1681), que brilhou na fase final elo poder e esplendor
definição da estética renascentista-barroca. de sua pátria, e compensa em requinte de forma e estilo a sua menor
espontaneidade de força e alegria em relação a Lope. Nascido ele famí-
lia da pequena fidalguia, estudou com os jesuítas e, a seguir, nas uni-
versidades de i\.lcalá de Henarcs e de Sala manca, onde se doutorou em
lei canônica. Apesar disso, ele se recusou a abraçar o sacerdócio, corno
Os Últimos Grandes Autores parece ter sido o desejo de seu pai, e optou por se dedicar à poesia e ao
do Século de Ouro teatro, sempre mantendo a postura de pobre, porém fidalgo.
Como a maioria dos bem-nascidos ela época, Calclerón teve seu
período militar, tendo servido em Flandres mas, ao voltar a Madri,
SÃO MUITOS os AUTORES que, durante o Século de Ouro escreveram dedicou-se inteiramente ao teatro. Não tardou a ficar famoso, cóm
para o teatro, mas dentre os talentos que se destacaram., ainda na forma uma de suas primeiras peças, El PríncifJe Constante, sobre Ferdinando,
ela "comédia ele capa e espada", devemos salientar Tirso de Molina o príncipe português, último sobrevivente, que preferiu morrer a entre-
(1s8o-1648). Nada se conhece sobre sua infância, mas como entrou gar Ceuta aos mouros. A produção de novas peças ele todos os gêneros
para a Ordem elos Merceclários em 16oo, é possível que tenha sido foi constante e desde logo começam a aparecer os autos sacramentales,
educado em escola mantida por esses religiosos. É sabido que passou peças que focavam principalmente a eucaristia.
certo tempo nas Índias Ocidentais e depois ele alguns anos foi para Quando Calclerón 1iveuna corte e escreveu suas peças, as condi-
Madri; tendo sido proibido de continuar a escrever peças ele teatro, foi ções políticas e sociais na Espanha erarn bem diversas elas do tempo
mandado para o isolamento de Trujillo. Voltou depois, no entanto, a de Lope ele Vega. Derrotada clcfinitiYamente nos Países Baixos, a
Toledo e Madri mas, após publicar quatro volumes ele peças em 1636, Espanh:c1 ainda podia gozar de suas glórias do passado recente, mas
foi novamente proibido e afastado, dessa vez para Sorin, onde se tor- vivia sustentada pela riqueza elas colônias. Na corte, o protocolo, a
nou prior em 1645, vindo a morrer três anos mais tarde. importância de cada detalhe ela forma, passou a ser o mais significa-
Essa vida dupla ele teatro e religião rendeu a Tirso urna obra bem tivo, e o teatro refletiu tais mudanças. Se Calclerón começou escre- 2
menor em número, porém quase tão boa em qualidade quanto a de vendo para os corrales, assim que foi construído o teatro no palácio c
0
Lope de Vega, tendo Tirso escrito por volta de quatrocentas peças, elo Retiro, foi para o palco italiano e sua cenografia que Calclerón, '"":)

elas quais restam hoje cerca de oitenta. o cortes~o, passou a escre\'er com mais frectuência, muito embora u
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Ele tinha grande talento para armar tramas, princípalmcnte em s11;1 popularidade n~o seja cliscuticla. Nessas encenações na corte. é v:

torno de mulheres de personalidade marcante, como acontece em preciso notar, passou a ser usada rcgularmeute a cenografia italiana
Don Gil de las Calzas Verdes e em El Vergonzoso en Palácio, ambas de telas pintadas em perspectivCI c outros recursos técnicos.

••
Assim como todos os seus contemporâneos, Calderón escreveu um
sem-número de comedias sobre amor, infidelidade, adultério e honra,
os enganos e as hipoerisi3.s da sociedade e da corte, o que pesa para
o fato de ele não ter conquistado a popularidade com que talvez ••
temas suficientemente populares para que exista, efetivamente, o
gênero chamado comedia de pundonor, do "ponto de honra", que
sonhara. No entanto, Alarcón é autor de pelo menos uma comedía
de grande qualidade, La Verdad Sospechosa, na qual o mentiroso
acaba punido por ninguém acreditar nele na única oportunidade
••
••
motivava toda espécie de duelo e vingança. El Medico de Su Honra
e E/ Pintor de Su Oehonra são brilhantes exemplos dos exageros que importante em que diz a verdade. É com base nessa comedia que
eram típicos dos hábitos ela época, mas em pelo menos uma obra Corneille viria a escrever Le Menteur, tendo ela sido t;:mbém fonte
Calclerón alcançou a qualidade ela comedia víllanesca de Lopc: crn
El Alcaide de Zalamea, na qual o apelo direto do homern elo campo
ao rei aparece preservado, mesmo em urna época ern que a corte j<í
ele outras comédias sobre o tema.
Enfim, a Espanha nunca deixou de produzir autores teatrais ou de
ter uma boa atividade teatral, mas nada mais se igualou a essa incrí-
••
se havia afastado urn pouco daquela intimidade inicial.
Calderón nos deixou mais de cem comedias e cerca de setenta
vel onda de talentos que tornaram o teatro um dos mais brilhantes
aspectos elo Século ele Ouro espanhol. ••
autos sacramentales, rnorrendo enquanto trabalhava em dois desses
últimos. Bo<l parte ele sua fama se fez justamente da beleza e inspi-
ração que aparecem em sua obra de natureza religiosa. A obra-prima
••
ele Caldcrón, no entanto, vem de um gênero raro ela dramaturgia
daquele tempo, a comédia filosófica, e é a belíssima La Vida és Suei'io, ••
na qual predestinação e livre arbítrio, natureza e c:ultma, sJo discu-
tidos na história do príllcipe criado em catiw~iro porque o pai soube
por lllll \·idc:nte que o filho o mataria e este, sem receber qualquer
16-; ••
tipo de educaç-ão farníli<lr ou social, comporta-se como uma fera
qu<t!l(lo comc~uc fugir ele sua prisão. Dominado. o perpkxu prÍIJ- ••
••
cipc lei II de voltat· p<lLl a rude cela onde crescera se1n saber se o que
1 ivcu é lcrdé!clc. ,. lctido ele aprender que C:· prccisu k·r cr:iclaclo ao

L!!:cr op<J'c~ ele c:oinportamc:nto, dado o imprevi:;Í\ t·l (Ll realidade,


porque :1 1 icLI C· sottlio. c os sonhos, sonhos sãu.
Vale <l pc11~1 JJicnc:ionar um último dra1naturgo, Juan Ruí:;, Abrcón
y iVlellcloza conhecido apenas como Ala rcóu por ser o
c
~
••
••
(1 sgo-lfn,y ), c
""0..
primeiro autor nascido na A.mérica a tentar fazer carreira na Europa. ç_g
Nascido no México, prejudicado por defeito físico, ele estudou direito 2
c
e se estabeleceu em IVlaclri como advogado, sendo autor de apenas 24
peças, que ele publicou entre 1628 e 16)4, mas que llél realidade escre-
veu até 1Ô25, cpl;lllclo obteve urn posto no governo Cin dcpar!<tmento
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\ oll~1clo p:tr:I ;t:; \"llltJ!lids, c ~tb;mclonoil o k;Itm p:tr:I ;rq.,·r, "'
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\LtilU!I -"·-·UI.,!!! 1', U•,· .\<,"li.'> CUI!ll'Ill[lOI~lii\'U~ l_ iliiill'· i"'' iliil

l0111 ktsLIIIlc mor;IlisLI l!d lllaioria de sua' ollr<I';, IIcts q1ldÍo; c<nidt:!l<t >

••

VI.

Teatro Inglês: rfudor e Stuart


••
••
••
••
O Contexto Pré-Elisabetano ••
O T:AT~O LITÚRGICO ~FFGOU cedo à Inglaterra, e a /clocumenta- ••
çao das Regulans Concordzà prova que desde o seCL!lo X essas
encenações ela Bíblia, em latirn, foram muito bem recebidas por
aquele público que mal começava a passar pelas mudanças radicais
••
da língua, em especial pela influência do francês que chegou com a
Conquista Normanda, em 1066. Depois das dramatizações bíblicas ••
c de viela elos santos, iniciadas no século XIII, e mais tarde com as
Moralidades que apresenlavalll grandes conflitos entre o bem c o
nu!-. e da opção ele alguns integrantes das várias guildas pelo te~ttro 167 •

cotno ati\·idaclc principal, apareceu naturalmente a necessidade de
JW\OS tc:-.:tos. Ao tempo em que, passando do religioso para o leigo, o

!c~tlro ia .~e dc:;cmolvct!clo, Uinesmo cstavu acontecendo ccm1 ~1 lín-


••
}_.;lld ÍIIglcsa, sendo surprecmlcntc a riqucz~1 tanto ele textos quanto de
cspdjculos :1 partir elo século xrv, que chegou a produzir, n;) pocsi:1, ••
en1 su;Js últinws décmLJs, um Gcoffrey Chaucer.
Se a batalha de Bosworth Ficld, em 148s, marca o advento
cl<I diiwstía Tuclor, l)OO é'a data oficial do nascimento elo inglês
••
llloderno, crucial para o Horcscimento do teatro. Henrique vrr
cnJctcriza bem o fim do mundo feudal, unificando o poder n~ts
••
JlL'íos ela coroa, enfraquecendo a nobreza, que j;,-1 estava debilitacb
com a Guerra elas Rosas, e criando toda uma rede de funcion:'írios
cb admitlistra~;~u \indo., do:: "c:olllllllS" c que eram fiéis ao rei, rnas
••
,_ i':', 111 hem 1Hcp~tr;Hiu:; pch
i::~· i!li//(i( !!\)(){,\' cttu.
oferecida pc1r um '.<111
que os fizer~! p1ogrcdtr ••
••

Via de regra, o clima social e político era positivo, com razo~'ível ele enobrecimento, que poderia acontecer como prêmio- ou paga-
liberdade de pensamento, pois se, por um lado, o país ainda era ele algum feito mais notável, fez com que os que tinham blis sonhos
católico, por outro, o protestantismo já tinha grande penetração. procurassem aprimorar seu modo ele vida, melhoraoclo seus hábitos
Essa liberdade é crucial para o teatro, em que a presença ele pontos ele vestir e morar, c também seus níveis ele educação e cultura. Na
de vista diversos é a chave para a estrutura de boas tramas. segunda rnetade do século, a lí11gua inglesa moderna já estav:1 sufi-
Não se pode dizer 'JUC Henrique vn, o primeiro rei Tudor- que ao. cientemente estabelecida para produzir bons poetas c, também, para
se casar com a filha de Eduardo IV, rei York, criou a ros<l 'l'ucloL ele que os ingleses não pudessem mais se satisfazer com a ingenuidade
pétalas brancas c vermelhas-, tenha tido maior interesse em ati\ ida- ela ação ou m \·crsos de pé quebrado do teatro dos <Jntigos amadores.
eles artísticas ou culturais. Ele foi um bom administrador p<Ira a coroa, O quadro soei a 1 ;1 ser refletido sofrera transformações cruciais, c n
porém jamais participou de atividades artísticas ou as estimulou, como teatro inglês cumpriu excmplannentc sua função de documentário
viriam a fazer seu filho Henrique VIII e sua neta Elisabete l. de sua época.
Grandes e marcantes transformações se tornaram mais evidentes O teatro medieval já havia alcançado imensa popularidade, de
a partir da segunda metade da década de 1530, quando o segundo modo que as formas romanas ficaram, a princípio, somente dentro
Tuclor, Henrique VIII, para se divorciar, separou a igreja inglesa ela ele ele escolas e universidades. A Renascença, na verdade, custa ache-
Roma. As diferenças teológicas eram poucas, mas se, no Parlamento, gar 8 Inglaterra, entre outras razões, pela violenta aversão a tudo que
a Câmara dos Comuns já contava com um considerável número de vinha da Itália, que marcou as primeiras décadas depois da mudança
Jcrotestantes, a Câmara elos Lordes era totalmente católica c, para religiosa da Inglaterra, o que a levou a ficar, ao menos em teoria,
hns de equilíbrio político, Henrique VIH enobreceu um bom número ;dinhacb com a Reforma Protestante. As primeiras obras inglesas a
de burgueses ricos. Estes compravan1 propriedades. antig~1s abadias c refletir a influência rornana aparecer;ml nas escolas, cn1 que o latim
mosteiros confiscados ela Igreja Católica para serem suas principçlis era a base pma todo saber reconhecido como tal. Na primeira metade
residências, o que f1Zia com que o título ele nobre recérn-<ldquiriclo do século XVI aparece F. al(Jh Hoister Doister, ele Nicholas Uchll -
parecesse menos novo, graças 8 sua sede medieval. O qu<mto o pai prO\d\clmente escrita entre 1534 c 1552, quando ele era professor.
foi avarento, o filho gastou em guerras, em torneios, em c 0 p;1r<I ser montada pelos altmos de JíJon ou \Vestminster. Lngo depoi,
novo Henrique consiclcrma positivo que o povo visse seu rei lonl<~nclo él[)élrCCC c;{{lll/llCr Curtcm's Needle (A Agulha da Avó Gurtcm), talvc/.
parte ern desfiles cornemorativos, ou em festas. que tcHil<l\ <llll mais ele \Vil i id m Ste\-cmon, que, tuesniO i 111 i ta nclo <l forma romana, (·
alegre a nação. hasL!nlc inglesa, contamlu a história ele unta agulhe! perdida, muilo
Muito significativa clincla para o teatro, na \·crclade. foi ;l lihercLtdc procuracb c dolorosamente encontrada quando uma elas pcrsonagcliS
surgida com a nova religião hcnriquina- que veio a ter o nome de se senta. [\las as plateias para ambas as comédias eram muito restritas.
anglicana- elo ponto ele vista ela reflexão sobre a condicc1o lnim;ma. F:m 1562 se dá um acontecimento bem mais significativo quando
Se na Espanha o peso do dogma católico impediu o :J]Xt;ecimcnto cb dois homens importantes - pro\'avclmcnte advogados -, Thontas
tragédia, na Inglaterra, o abandono do monopólio ela intcrprclação Norton c Thomas Sackville, escrevem a tragédia Gorboduc, clamoro-
elos evangelhos pela Igreja Católica possibilitou uma lõlst:1 <tmpli,l- sameni"e inspirada em Sên2Ccl, para ser apresentada pelos estudantes
ção elos horizontes permitidos aos poetas em suas it ele Direito diante ela rainha Elisabete. Como em todas as tragé:clias cb
vichl e morte, hcn1 c 111::!. \i1rÍ,~\1icl:vlc. L11nhérn <lqui toclas é!S se p:1ssam for;l de ccn;L e
O fato é que os gestos do.\ dois f-lenrique~ abrír;tm CdiiiÍiliHJs p;n;t no pclko tcmm apenas os diálogos que a.\ t·dlete1u; mas é nessa ti<l-
urna maior c mais saml:J\cl mobilidade socícll, pois e~ poosihilicbdc géclu em \ crsos que pela prirncira vc;. é· us;1clo pano teatro o famoso
-••
pentâmetro iâmbico, isto é, cinco unidades de íambo, composto por
uma sílaba breve e uma longa ou, no inglês, geralmente sem rírna,
que exigiam certa intimidade, ou onde morriam personagens que,
protegidas pela cortina, podiam sair de cena sem serem vistas, como ••
••
que viria a ser o verso típico da dramaturgia elísabetana. Esse vers?
Julieta em sua falsa morte. Corresponcle~d? a um segundo ~nclar cl~
corresponde, na métrica da língua portuguesa, a um decassílabo. E
plateia, aparece, também no corpo elo predw, o palco svpenor, onde
forçoso reconhecer que tampouco o Gorboduc, apesar de ter ser sido
podiam ser apresentadas cenas que devessem se passar em pontos
rnuito elogiado na época, alcançou popularidade.
altos, como muralhas ou torres, ou -no caso ele autores de menor
categoria - cenas de tom elevado ... ' .. ••
O 'Teatro Elisabetano
Se 0 fato de o péltio cen,ral ser a céu aberto facthtava o uso de
todas as áreas cênicas, o teatro ficava sujeito ao mau tempo e ao fno
do inverno. Afora a área ocupada pela complexa estrutura do palco,
••
as paredes eram tomadas por dois andares_ ele arquib,ancaclas - com
duas filas apenas-, nos quais a grande ma10na do pub!tco ficava ele ••
O Palco Elisabetano pé, no pátio em torno do palco, onde as entradas eram mars baratas.
Mesmo com as diferenças nos preços das entradas, o teatro ehsabe-
tano é em si a prova ele urna sociedade com razoável diálogo entre
••
PARA SE TRANSFORMAR NO que veio a ser na última década elo século,
o teatro precisava também, no entanto, de ter sua própria casa, onde
pudesse apresentar espdcículos regularmente, e emu:;;6, )ames Bur-
seus v;.'irios níveis.
Passados mais de quatro séculos, é fácil dizer que o que o teatro ••
b~Jge, antigo carpinteiro agora voltado para o teatro, cum:luiu que
Londres jcí poderia abrigar uma atividade teatral pcnnanclJtc. 'lendo
por inspiração a tradiç·ão dos palcos, carros encostados ~'ts p;nedes
precisava naquele rnomento era ele uma casa sua; as datas do clcsen-
vokimento ela dramaturgia, porérn, provam que Burbage se cJrr!scou
muito. The Theatre, sern nome específico, já que não havia outro,
foi ele fato construído onze anos antes elo aparecimento elas primei-
171

•• •
elos pC!tios internos das hospedarias, Burbage crio11 o palco clísabc-
tano, diferente de tudo o que o teatro conheceu a~~totcs ou dqJOis dele
como espaço ccnico, um edifício quadrado, em t(Htto de tllll pcítio.
ras peças ~1ceitas hoje em di~1 corno as que abrir~1rn definití\·amcntc
o teatro elisabetano: '[(unbur!oine (Eunerlão), ele Christopher l\br-
lnwe, c The Sj;onish Tragc:d,· Tragéckt l·~sp~mhob), ele 'flwnLl:;
••
tcllClo en1 urn dos lados a única entrada para o ptiblico c t!d parcele
oposta o palco.
A estrutura do teatro clisélbetano é excepcionall!lclltc prupícia il
Kvcl, ambas de 1)8;.
-No rncsmo ano em que Coi ecmstruíclo o Thecrtre, Richarcl Enr;lrll, ••
relação entre palco c pbteia: com uma grande jrca pmjd;tcLl p:l!a
o centro do pátio- que serC! charnacb de fxdco exterior ou a\ cntal -,
rne.'itrc elos Meninos cb c~1pcla Real, fez com que parte elo anttgo
mosteiro elos clmninieanos, os Blackfriars, abocanhado por Ilemiqm·
VIII, fosse adaptado como um teatro. Não se pode esperar que meni-
~

'./)

'-'
••
••
ele funciona corno uma arena de três lados, o que é uma vcmt<I- '-
nos sejam realmente bons atores, lll~ls esses eram treinados para falar
()

gcm por não deixar os atores de costas para urna parte do público v

c cantar muito bem. Sendo assin1, for;1m criados para eles textos nos ~
en1 mornentos cruciais. Esse palco era herdeiro direto cbs cctrroçds
medievais. mas cotn o prédio todo dedicado a ser lcllro. :1 c:dmtura
;w fundo dele passou e~ abrigar t1ma outr;J Ctrca ele
; i: ·!r:: i· ,· , _ , ·p~1 r
, !-)
1. llllllflr do
._; l _;( _,, ~ (,.
quais a poesia e é1 sonoridade ermn fatores básicos. ?abemos qt:e a
po[)llLuicLde elos teatros · por IlJCninos cantores lo1 constcler~1vcl
i!Wll [C I. pu\;:: JK\_:i f {umfef, CSCrlta Clll <lillC!
••

.. ; .'-'

essa ;írca cltantClcla ele /Jcdco interior. Ali eram aprc:,ut "-- d l'IC\ LOlliU gLiliUCs ;_ illllt-,>t•- COiiCUrfclltCS d1l k,>l<<~

••
CCl\dS
pt-ofissiorul de atores adultos. pois gozc1varn então ele nova onda :--


entanto, essa convenção determina uma considerável limitação de
papéis femininos nos textos produzidos nessa época, de modo geral,
reduzidos a moças muito jovens- Julieta tem catorze anos--, a papéis
cômicos- como 3 Ama de Julictél -, a mulheres idosas e, bem mais
raras, mulheres de personalidade muito forte, como Lacly Macbc:th.
O fato de urna fatia consiclcriivel cb população estar, na época,
em condições de frequentar o te~1tro é atestado não só peb consta-
tação ele que. ao chegar elo final elo século XVl, Londres já coi!Iava
com mais de quinze teatro.'>. entre os construídos especialmente com
esse fim e os adaptados ele pátios ele tavernas, mas também, c
vez até ainda mais, peLts dimcmoes elos rnelhorcs deles. Dentre m
mais famosos cstJo o Fortu11C e o famoso Clobe da cornpanhia dos
Lorcl Chamberlain's 1\!len --penei cl qual Shakespeare viria a escrever
a maior parte de sua obra--, inaugurado em 1599, corn mna mon-
tagem de Júlio César, e que podia abrigar nada menos elo que dois
mil espectadores.

172
/\ Dramaturgia e os Grcmdes ;\utores
]'":'"'
. )

Esquema do palco elisabetano.


J'dais irnporLmte pdra ~~ memorc'ívcl clr;nnaturgia do período clis:t-
betano do que o aparccilllcnlo elos meninos cantores, no eul;mto, é
o advento dos ch<ml:tdo:; unircr.c;ih· wils, um grupo que, oriumlo de:
ele populariclaclc. Vale aqui lernbrar que, coiiiO IU IIIgi;Ilctr;I Incdie- modesta cla:;:;c Illédia, m;ts fcHIII;Ido 11~1s universidades, dc1c ler lido
val o teatro que ~aiu elas igrejas foi parar n;L\ 111;1os cLis- ele conlato com as traclicÍ<IIl;Jis f()rJJJCIS 111cclicvais na infânci:1, e 1ein d
ofício, quando <I atividade teatral apareceu cun1o Ld. o~ lc:;tus cutt- conliccer bem m autores LiliiiOo 11:1 tl!Ú\er~iclade. O grupo l'ld
tinuaram a ser ÍIIterprctados só por homem, COIIln dCOIIkccr;I ciiitcs liidclo por Joliil L.vk !Zohnl Crc.Tnc, Ccorgc Pcelc, Thom<Is N
nos mosteiros e, a seguir, nos espetáculos elas guildas. John Loclge, Christopher \brl01H' c 'flwm<JS Kyd- esse último era
Escrita então para um palco neutro e vazio, impiraclo Ius carroças uma exceção no grupo por n:Jo ha\·er frequentado uma universidade,
medievais, e para atores masculinos, seguimlo um;I longa tradição 1nas tendo cursado, em todo o c~Isu, o famoso l\1crchant 'T~tilor's
de cerca de três séculos, a dramaturgia elisabetcma, assim como seu SchooL Esses foram, realmente, os criadores do teatro elisabct:mo,
teatro e seus intérpretes, tinha suas bases em com'CIH.,'i'ícs. ?1 lti7. elo produzindo mna comidcr;íw·l \:IriccLiclc de gêneros, corno ;1 cornédi:1
dia- já que o palco era <1 céu aberto- o p1'II!Iico tinh;I acreditar rOJn{íntica, a tragécli:l dor:J(·stic :1. ,: pl'c;:t c-rôriic;t, ;I tr;Jgé'clia ele ·::I IH} I C'
que era noite. nl! (f! I<' 11111 ,rtnr ins-~1[·, pndi, '"r·,,,. ,i .. ,: !f:,J; !ll') ·~ 1, ; r: • r 1 ~. r 11 í r i l
1! , 1 1, i

ou um príncipe diiJ~nnarquês, aceitar que UI II jOI('JJI iJJJherhc fí~.cssc () scgr~do dt:ssc~ unircrsit\' II'Ít-; foi ler criado llill<l JJO\'d clr:llll;l-
papéis femininm cr~I apcn;Js mais uma coJJ\CJ 'cJllre (llltr~Js. No lurgia, 1~a qu;il csLl\Cllll prc·:;clilc-; Lirilc' clcrm·ntos do tc;Jtro pop 1Ibr

••
medieval quanto elo teatro romano. Do primeiro eles usaram a ação
em cena, com o público podendo ver, graças às convenções dramá-
que passageiro, e assim conquista a admiração e a lealdade do jovem
casal. Já a segunda, Endymion, por outro lado, é muito fantasiosa; ••
ticas e teatrais, duelos, mortes, aventuras, correrias, amor, batalhas,
solenidades cívicas e religiosas. Assim também aconteceu com a
mobilidade ela ação em local e tempo; as personagens estavam onde
ela se passa em um banco lunar, e sem dúvida abriu o caminho para
Sonho de uma Noite de Verão, ele Shakespcare.
Acalentando sempre o sonho de vir a ser Master o f Revels, o res-
••
diziam que estavam, e se mudavam ele casa, ele cidade ou ele pclÍS,
tudo acontecendo no tempo necessário, C!Tl dias, llH::se~ ou anos. Do
ponsável por todas as atividades comemorativas e festivas do reino,
Lyly escreveu um sem-número de poemas laudatórios. Sem janwis ••
teatro romano eles hrarcmt um arco ele a~·ão maior elo que élCJUClc elos

••
atingir seu ideal, ele foi praticamente esquecido a partir de l)()O,
pequenos episódios ntcdievais: em cinco atos não só uma podia embora só viesse a morrer en1 1606.
ser elaborada en1 motivação, crise e solução, mas também as perso- George Peele (l))Ô-1596) era filho de um funcion<írio elo Christ':,
nagens podiam ser mais individualizadas, o que resulta na criação ele
grandes papéis protagonistas. Também elos romanos eles buscaram
Hospital e lá foi educado até ir para Oxford, de onde saiu bacharel
e mestre (1579). Fez teatro amador na universidade, e che- ••
a preoc~1pação com a qualidade do diálogo, agora escrito por quem
conhecra a lrtcratura ch1ssiea e sabia ela força ela palavra bem usada.
O catalisaclor da união dos dois filões foi a poesia, pois a nova dra-
gando a Londres foi a tal ponto farrista e gastador que as autoridades
elo hospital ordcnararn que seu pai o pusesse para fora de casa. Tvias
começou a ter fama de poeta brilhante e excepcionalmente espiri-
••
maturgia apareceu quando os ingleses já estavam escrevendo poesia
ele grande categoria.
Todos os unil'ersity wíts nasceram antes de Shake:;pc,ttT. ~~té- 1ucs 1110
tuoso, chegando a escrever um livro chamado The Merry Conceits
o( George Peele (Os Alegres Conceitos ele George Peele), que só foi
publicado dez anos após a sua morte. 'Tendo sido sempre considerado
••
fvlarlowe, mais velho por apenas dois meses. Daquele grupo, o mais
velho foi John Lyly (1534-16o6) um clm mais prolíficos de lodos os
baderneiro, mulherengo c vigarista, Pccle, scrn dúvida, tinha talento,
mas desperdiçou-o com sua viela desregrada. Em The Amúgnment 175 ••
autores in~leses, tendo obtidoos graus ele Bachclor ofAtl\. Clll l)TJ,
c i'vlaster of Arts, em 1575, cn1 Oxford, e juntou aind<t ;1 is>rJ u litulo ele
l'v'laster of i\rts, em C;nn bridge. no a110 ele 1579. A p 11 hl
o( Pari,~ (O Julgamento ele Paris) apresentou mais um debate do que
uma aç;io dramática, crmtçnclo, porém, algurnas canções realmente
li nelas. Duas ele suas peças são mais significativas, um<I delas, Thc: Olcl
••
••
110 ; 1110

anterior ele seu rolllancc Clll prosa EufJhues, or thc ..\nui1n 1n· \\'it. \Vi1'es 'fálc: (corrcsponde a Contos cL1 Carochinh~1), obra realmclilc
seguido logo por EufJhues· ond Eiis Englond deixou-o lllUÍ(rJ r:tlll()S(i original, por um lado, parodia o:; novos gêneros dramáticos, rnas, por
c.omo o criador do eufJhemism, que é o gflngorismo i ~ 11 ; 1 pro'<t
nca, elaborada, busc;n·a n1o~trar tudo o que a língua ingle~~~ n;1 dsOrd
capaz de produzir. L.vly cocreveu poesia também, c nu firLil cln~ ,111 os
outro, é ele encllltaclor lirismo nos trechos que lrat:un ele un1 velho
casal ele contadores de histórias. Outro imenso sucesso foi [Vlvcedorus,
que tem tudo par:1 agr~1clar o grande público: roru<lllCC, príncipe disfar-
~ ••
ele 1580 ele produziu para o teatro, sendo lembradas dele dttds cunH~­
dias sobre o amor. i\ primciw foi ,."._[exander, Campospc: aud Dioge-
\'ado, prineesd pr01netida a noivo errado, covardia, bruxos, ambiente
campestre, e no fi.m tudo dando certo. Sendo elo gênero pastoral, essa
(/]
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nes, Importante porque trata de um tema muito earu :1 S!t;d.;cspea;-c.

••
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grande variedade de acontecimentos foi sucesso ao longo ele quase
o da necesstclacle de o governante saber controlar a si mcs 1110 ~1 fim um s(:culo, tendo sido montada dezessete vezes até 1668.
ele poder governar bem. Alcx<Indrc encomenda ao pilrlrH c~llllj)élS]K' Rohcrt Creenc (1558··1592), a llgura Jne~is pitoresca ele todo o grupo.
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um oulru título de meslre. em Oxford. em ts88. tduito ele sua vid,J (· >

••

conhecido graças aos inúmeros panfletos que escrever I, tendo viajado tragédia de vingança que muitos consideram Kyd como o autor da
muito pela Espanha e a Itália, e ficado fascinado pela corrupção que peça desaparecida Ur-Hamlet. . . . .
havia nessa última. Casou-se com uma moça de boa família, mas Kvd, apesar ele discretíssimo c conservador, dJv!dla a moracha com
logo abandonou a ela e à filha quando foi para Londres, cujo sub- J\!lar.lovve, foi preso e torturado, o que o levou a confirmar as denún-
mundo passou a frequentar, e onde então foi viver corn a ianã do cias de impiedade e possível traição contra Marlowe, com clocurnen-
mais fam.oso criminoso de Londres. Foi um escritor prodigioso, pro- tacão encontrada na casa onde moravam. Tudo isso o deixou arrasado
duzindo incontáveis panfletos ern prosa sobre o amor, no estilo gon- e ~le morreu menos ele um ano depois desses acontccirncntos.
górico de Lyly; igualmente farta foi sua procluç:ão de poesia lírica e, Christopher Nlarlowe (1)64-159)), dois tnescs mais velho elo que
frequentemente, após meses de viela devassa, escrevia tratados morais Shakespeare, com uma breve carreira de seis anos e nún1ero recluziclo
e panfletos de arrependimento, para logo depois voltar à mesma vida ele peças é, depois ele Shakespeare, o mais farnoso dos elisabctanos
anterior. Segundo consta, Greene morreu, em I)C)2, depois de se far- Poeta fantástico, marcou com o poder ele seus versos sonoros ritma-
tar com arenque defumado e vinho elo Reno, qtLmdo, na miséria, dos, ricos ele imagens - a famosa rnighty line - o primeiro grande
vivia de favor. Em seus últimos dias, Greene escreveu uma carta de triunfo da dramaturgia elisabetana.
arrependimento à mulher que abandonara, assim como o famoso Filho de urn sapateiro, nascido em Canterbury, Marlowe foi bri-
ataque a atores e a Shakespeare, o primeiro documento existente a lhante desde cedo, tendo patrocínio desde o gramnwr sclwol que
respeito da carreira ele Wílliam Shakespeare. Seu período criativo cursou na terra natal. A seguir recebeu uma irnportante bolsa par~1
é curto, mas com George a Greene, Friar Bacon and Fríur Bwzgay a Universidade de Cambridge, onde se esperava que fosse preparado
(Frade Bacon e Frade Bungay) e Tíago IV ele é sem dúvida o cria- par<~ urna carreira na igreja, mas bem ceCio ficou claro que sue1s ambi-
dor da comédia romântica. Seus enredos são, de modo geral, muito ções estavam em outros campos.
complicados, Ill<lS são sempre teatrais, c Greenc cons<:·guc a todos os Né1 universidade, t\1arlo,,·e já era aplaudido por sua poesia c tr;tdn-
de poetas romanos como Lucano e, principahnente, Virgílio;
momentos segurar a linha mestra da trama princip:il.
c, ao que parece, ainda em Camhriclge. ele teve sua prirneiw C\j)C-
Thormts l<ycl (15)8-1594) nasceu em L.onclrcs, lillw ele ttltl cc;criba, c
riéncia com() rnunclo da npioil~tgcm ÍIW,lcsa, conw agente de Fr;.IJI-
frequentou o t\lcrclwnt'l:rilors School, quando o tlll'Jllor{!q·J i'.icllcHcl
lVIulcaster er<J u diretor. Dc\eria, p<trccc, ~egrrir cl c;JJrciu do pai. cis \V~1lsingl~<mL uma elas nwi' 1111porL111les fígtnas da scgurcliH.;a 110
U\)\('rl10 ele I•Jisabctc!. !\S r de i\ilarlowt' CO!J1 (! cspionagcii1
porém comeguitl enlr;tr p;rr;J o círculo ela rica c cuiL1 C(JtJclcss;J de r-;' ' --
;];]()são clocumentztcbs. rnas SélO prováveis, ciilrc outros moli1us. por
Pembrokc, itllcrcs;ada em clc~cmoh·er a tragédia lilcLíri~t ele ltlolclcs
Thomas, irmão ele \Valsinghan1. ter sido seu patrono durante algum
senequianos. i\ prímeir:1 lcntahva de Knl foi uma tr;rclt e CJcbpLl-
tempo. Siio grandes as suspeiL1s <I respeito dei razào para ele ler sido
ção ela Comélie de Rohert Carnicr, uma elas prirnciras C\pcriencías
morto ainda jovem, ostensivamente por uma briga em torno ela corüa
francesas com a tragédia clássica, mas foi com The Sponish Tragedv
em uma taverna em Dcpforcl. Cresccnt as dúvidas quanto à aceita<.;;lo
(i\ Tragédia Espanhola) que ele ficou famoso. It 1 irtualnJclllc j~mt~
desse motivo tão fútil para o seu assassinato quando se sabe que. n~t
corno Tamburlaine, de iVlarlowe, que estreia essa trCigédíCI scnequíana
ocasião da briga, todos os presentes c envolvidos lr;tbalhavam p:tra
e violenta. A Tragédia Estxmhola é muito teatraL modelo do gênero
=
em que seria escrito o llctmlet: hú nela um LmtclSllt<l pc:diJl~lo ~·in­ \Valsingharn.
() qtw se sabe cnm culc'l<l c:· l[lll' C:hristnphcr 1\Ltrlowc- 11 n
g<mc;:1. incJtiÍ Jw,Íi l.Jil!IC\lld rcaJc· ;tp;m·tJt(. "i'' i 1!!! rkt dcl!-
lílulu de tlacharcl elllt);'4''.'llt priJIJln",,·,, 111,1, qu~..· \;,Jti,c !ti\li\,, ,. ·
tro da cotw.:dí<t, CUIII u.'> ;tlÍttgido~ l)(:lm ass;r-;sittctlu:, Íttll.t;tt, tn;~tamlu
[~meia. por parte da lJni\crsic!;Jdc ele Cttmbridge, crn lhe co1 to
os culpados clur;tJtlc cl cspeLículo. fi: por ter escrito C's:; primcir:1
..
••
de Master of Arts, por um lado porque correu o boato de que ele se foi estrondoso: o público ficou fascinado pela beleza de seus versos,
e aplaudiu igualmente uma segunda parte de Tc~mburlaine.
••
••
tornara católico e, por outro, em função de suas frequentes e longas
élusências da universidade, tendo o título, afinal, sido concedido em A peça que ele havia escrito após Tambw:l~me the Great,_ e da
1587, graças a uma ordem direta da corte. Em Oxford, ele estudou qual só resta um texto muito incompleto, f01 I he Massacre of Pc~ns
muito, principalmente teologia e filosofia, tendo adquirido tarnbém
noções de direito e medicina, além de haver aprendido o francês.
Nada se sabe de como o jovem e talentoso poeta veio a seus pn-
(0 .Niassacre de Paris), que trata do massacre dos protestantes, p~rem
sem fazer realmente uma defesa deles, recaindo rr1a1s sobre a lmha
da chronicle f)lay: e recebida sem entusia~mo pelos ingleses. .
••
llleiros contatos com o teatro, mas é possível que, antes ele sua mcmo-
r<ível estreia com os profissionais, talvez enquanto ainda estava na
A obra seguinte ele l'Vlarlmve, Eclwmcl H, que tuta elo~ capnchos,
da derrota e elo eventnal assassinato do rei homossexual, e escnta em ••
universidade, Marlovve tenha escrito, em colaboração com 'T'homas
Nashe, para os Meninos da Capela Real, Dido, Queen of Carthage
(Dido, Rainha ele Cartago), e também, talvez, um planu para o que
estilo mais sirnples, e revela certa preocupação com a forma clram:ci-
tica, porém sem deixar de reafirmar que a_grande forç.a de ~larlowe
é a poética. Ele elabora bem a patética hgura do rer, pore1~1 nem
••
viria a ser o memorável Tamburlcúne.
Diferentemente de Shakespcare, Christophcr Marlowe não foi
uma só elas personagens que o cercam, se1am el_as suas favontas ou
suas inimigas, tem verdadeira força dramática. E possível notar sua ••
jamais um real talento dramático; a estrutura de 'f(mzburlaine é linear
c repetitiva, com praticamente toda a ação tendo lugar fora de cena,
como na dramaturgia greco-romana. A peça é ainda muito presa ;i
tentativa consciente ele estruturar melhor a trama, quando ele, ao
tentar fazer do rei uma fi.gura tr,1gic:a, apresenta-o, primeiro, mais em
reL1cão a seu amante Caveston, depois, ern conHito com a rainha
••
primitiva forma cb chronícle play. que apenas dramdtiz;JI.~I e~ bio-
grafia, sem usar a \'ida c a carreira do biografado pdra compor uma
Isab~lla c [VIortiincr, o ;nnanté dela, outro representante ela sede ele
poder. O incontest:ível é r1ue JVlmlowe, mesmo s_em o talento dra-
179
••
••
fábula, expressando uma visão autoral a ser transrnilicla ao público. mMic:o adequado para realiz<n seu intento, tenta lormar um quadro
lVIas a poesia era extraordin;:íria, c o público, até então habituado él n 1ais objetinJ da relação elo governante com seu universo, e com 1sso
obras rncdíocrcs e pouco sonoras, inevitavelmente ficJV<·l dcsltlll1- abre o carninho p~uét, pouco depois, Shakcspearc vir a criar a hístory
brado com o que ouvia. Em uma época de descoherLIS cJJl talltos
c;nnpos, .1\hrlowe encantava o cspect;Jdor não sr'> CO!Il d ~OJlllridadc
dos versos, mas tarnbérn desafiando sua irnaginação con1
pluy, qne rt<lscc
i\Iarlm1 c 1·nltou.
cLl hiogr<ifi.ca chronicle fllcti'.

buscam clifcrcntcs Funn~ls ele poder:() Judeu ele i\Jalia, representando


.
logo dcpoi:;, él cu l tu~tt hgu ras IIW!llll neiltats, que ••
••
corno
'"[(> ricle in triumph throngh Pcrscpolis''; ninguém, é c:le~m, saberia 0 poder du dinheiro. foi l1él époc<J cbcb como tragédi<t, porént seu pro-
onde é Persépolis, rnas a própria )ünoric!acle do nome lc1 Jl ~l todos a tagonista é· ele t;tl rnoclo hediondo que, no século XX, a pcc;a fOI rnon-

••
llllaginarcm locais disLmtes e plenos ele belezas c tni~lério.o. tacla corno comé·dia de humor negro, pois ninguém consegue levar a "::;
:/)

v
lVlarlowe estreou no teatro profissional em um momento no qual sério os incontáveis assassinatos do vilão ou os excessos retóricos elos o
este ainda lutava por se firmar, com Tamburlaine thc Crcat n:nner- cristãos, incompetentes governantes. Ncl\arncnte a estrutura é frágil, ""
Líu, o Crandc), em 1s8;, ao que parece pelas mãos da co1np;lllhia dos
I.ord Aclmiral's Men, com Edwarcl Allcyn, noh1vel ator que 1 i na a ser
com a aç?Io restrita <1 episódios virtualmente isolados, como uma espe-
cic de amostras;em da maldade elo judeu Barrabás, porém sem maior ••
o protagonista ide<tl elas pcç~1s de IVIarlowc. Todus us prolagouistas
s~n expressivos clél própri~t pr:T'iOIICllid~lck elo <nllor. tr
,,
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:;~_L.J ~·uin \.n L) lq_;z_,_·, Ui..: ~ litd()
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l:lirt~._j ,.",_; lj(Jl
complexid~Jcle .dramcític1 c, ao que parece. lcrminadCJ ~ts pressas.
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j'ic·l:i ('(liiliCCÍlllCiil.u, pt'l,1

ci(:m:Ia c, depois, pcb lll:Igia, c é\ 1illtnt~i da:; P''\~i:; lk ;\Jarlowe. i~:''C!


••
••
L),)l)

ÍIIWgens tiradas da Antiguidade chíssicct ou da mito] . () .SlJCCsS() é a mdis IJJ~Jclura c. tahez, sua obra 11\êJÍs eficiente elo ponto ele Vlsla :_..


sendo rejeitado tudo o que não fazia, sem podermos esquecer qnc
dramático. São dessa peça final os versos mais lembrados de toda
a sua obra dramática, que aparecem na visão yue I'~Hlsto tem de a Inglaterra já tinha uns três séculos de atividad~ teatral c01:tí~ma.
Helena de Troia: "Was this the face that launchecl a thousancl ships/
O catalisador que permitiu a esse grupo realizar a transtçao elas
antíaas formas ingênuas para o grande florescimento do teatro elisa-
Anel burn'd the topless towers of Ilium?"' o
betano foi a poesia, cuja sonoridade era importante o bastante para
Nos dias de hoje Marlowe é muito lido e pouco monL1do. o que que o espectador clisabel.ano fosse ao teatro ouvir, mais elo que ver,
uma peça. O teatro inglês dessa época, assim como o espanhol elo
atesta sua qualidade poética e a maior fragilidade de seu talento
dramático. mesmo período, merece realmente ser c:hanL1do de teatro popular,
A vida particular do poeta, que nunca foi discreta, contribuiu sem j~ que ele atraía todas as classes sociais elo mesmo modo, refl~tindo
um bom momento da viela social e política ela Inglaterra. E sem
dúvida para sua fama, ou pelo menos notoriedade, j<í que, em diferen-
dúvida revclador o fato de que o ano em que provavelmente \:Villiam
tes ocasiões, foi acusado ele ser ateu, blasfemo, subversivo ott homosse-
Shakcspeare chegou a Londre~ ter sido o mesmo em que a Inglaterra
xual. Ele era considerado perigoso para a ordem pública c, em 1)8c;,
derrotou a Armada que Felipe ri da Espanha- em parte como braço
passou treze dias na prisão, acusado por assassinato, acus;tc,·ão da qual
armado do Vaticano- enviou com o intuito de destronar Elisabete r
conseguiu escapar, apesar de ficar provada a sua presença no local c
c que até mesmo pela vitória sobre a Espanha ia conseguindo içar
momento do crime. Na prisão, ele conheceu um famoso fals<írio, e
depois de sair declarou acreditar que qualquer um devia poder impri- seu país ao nível de potência ele primeira linha.
Ttrnclo conhecimento déi força cênica elo pas~ado mcdicv;ll e cb
mir sua própria moeda. Em 1<;92 foi emitida uma ordem superior para
criati\·idacJc cbquelc período ele transic;Zío, pode-se constatar, sem
que ele mantivesse um comportamento pacífico e, finaliiicnlc, doze
qualquer dificuldade, que \,Villiam Shakcspcare foi sem dúvida um
dias antes de morrer, o conselho privado emitiu uma ordt'lll de prisão
18o gênio c, pur isso mesmo, pôde ele~\ ar :1 nhcís at(r então inirnagin:í-
contra l'viarlowe, sendo o escritor acusado de livre-pcns;Jdor, blasfemo
e ateu. N8o era a primeir;l \'C!. que <1S acusações de atcímw é!p:m::Tiam
~ eis :Is drias form:1s iniciadas por seus prccmsores, mas que ele não
(' foull;! <Jlgmna :1nômalo. Muito pelo contréírio, Shakespcarc (~
c, infelizmente, urn tal Baines. mau caráter conheci elo, te.\ktilllttiiou
: 1 cri:-Ltli;:ac;ão ele um ]HOc,·sso pcrfciLlJIICillc recc)Jihceívd: as uln:I~
que Tvlarlowe atinnar;I que ''Cristo era um bc1sLml1) c :,tLl Jll~lc
de seus conlunpor;'\neos poclelllllJO ser tão ho:~s quanto :1s dele, IlLJ:;
nesta", que as "irm:ts d;l S<11naria eram prostitutas, c que· Cmto ;1s
Lcmto ele quanto os outro'; cscre\ em no 1tJeSlllO uni\'C:rso c com Form:1
conhecia de forma deso1IesL1", além ele dizer que '·todo.' os que n8o
e conteúdo semelhantes Muitas obras clisabcLI!LlS ele boa ou óliut:l
gostam de tabaco c ele mcninm são tolos". ['v'Jarlo\\'e Foi poupado de
qualicbclc. infcli;.mcnttr clcaballl sendo iguuraclas simplcsmculc gr<~­
ter ele enfrentar esse iulg~IIllento sendo ass~1ssínado antes.
cas ao fato de seus autores terem escrito na mesma época em que
Todo o grupo dos wzÍn:rsity wits escreveu com totallibcrcbcle para
buscar os mais diversos caminhos. Formados em uni,·er~idacles, por :m1 talento excepcional m deixa na sombra.
alguma razão as teorias de Aristóteles e Horácio não cncot1traram
rcplicadores ingleses; conhecedores da dramaturgia romana, sentiam
que as formas latinas nZío alcançav;1m o públiZo, rcconllcCt'rHlo ~~ O .\tnr c os ComfJonhías
força elo teatro popuhr lllcditTal. Já que nJo olwdcci<llll <I qtdqr1cr nu 'f'cillm Ffiçu!Jetono
. regra, Cr;! j1Crli1ÍtÍdCJ (' irlri!·;Jr!rl ÍJicln f) (i! lj?;:l 'I r· "r!:·
t<ssc período de descohcrtél c cxpcrimcttt:lc;<"to foi :tcompanhado pcio
c:~ 111 i 1 d)() pcrcurrido pelos JIIÍJnicos. ~tcr(lh~!l:t~, irtúsic(IS, chntc.;'HIJIO',,

••
vagabundos e atores amadores, que viviam errantes, buscando ganhar
um mínimo para sua subsistência com apresentações improvisadas,
ínterim algum ponto importante da peça devesse ser valorizado" 2 •
Tendo Kemp saído da companhia, o novo cômico contratado foi ••
até o estabelecimento do profissionalismo no teatro. A Idade Média
era compulsivamente catalogadora, mas não existia, em sua vasta lista
de atividades, o ofício ele ator. Os atores eram tidos como "homens
Robert Armin, de arte bem mais sofisticada, para quem Shakespeare
pôde escrever, por exemplo, o Touchstone ele Como Quiserem e,
principalmente, o Bobo ele Rei Lear.
••
sem_ m_estre", jsto é, não pertencentes a nenhuma elas guílclas elas
quais t~n~1am ele ~om_ar parte os que se propunham a exercer qual-
Os Burbage eram, além de majoritários da coinpanhia que ence-
aava as peças, também donos elo teatro em que trabalhavam. Esse ••
quer oficiO. Os pnmerros grupos ele atores que conseguiram alcancar
alguma organização e permanência, a fim ele se livrarem elo perigo ,ele
serem presos por não terem "mestre", recorreram, ainda na segunda
fora construído em um terreno arrendado por 21 anos, em um con-
trato segundo o qual, não havendo renovação, o que fora construído
no terreno ficaria com o dono do que fosse construído nele, e com
••
meta~e do s~culo xv, à busca de nobres que se tornassem seus patro-
nos. E esse Sistema ele patrocínios que explica o fato de todas as com-
o sucesso que os teatros estavam fazendo, não interessava a Gilbert
Alleyn, o dono elo terreno, a renovação. Por outro lado, os purita- ••
••
panhias profissionais elo tempo ele Shakespeare serem chamadas ele nos, que já eram uma força considerável no quadro sociopolítico,
"os homens do lorde ... ". acusavam o Theatre- embora ele estivesse cuidadosamente fora elos
Uma companhia como a elos Lorcl Chamberlain's Men, à qual limites elo município - ele ser uma fonte ele corrupção da moral da
Shakespeare pertenceu na maior parte ele sua carreira, tinha urna
organização certa: o grupo controlador era formado por cotistas, e
esse_ grupo contratava o núcleo b<ísico ele atores permanentes. Para
cidade, de propagar obsceniclacles, e assim por diante. Vendo que
tudo estava ficando muito .':!ifícil, Cuthbert, que passou a adminis- ••
••
trar o teatro com a morte do pai, aproveitou uma viagem ele Alleyn
as dtferentes montagens seriam contratados atores eventuais e, como para mandar um tnestre de obras desmanchar o Theatre. Ele já havia
t82
não havia atri_zes no teatr_o elisabetano, a companhia teria sempre encontrado um terreno também fora das muralhas da cidade, ao sul !83
alguns aprendizes, que fanam os papéis femininos antes ele mudarem
a voz. Foi como cotista da companhia que Shakespeare entrou para 0
gn~po elos Homcn~ do Lorde Camcrlcngo, na qual eram majoriLírios
elo Tâmisa, e o material elo Theatre serviu para a construção de um
novo teatro, o Glóbc.
O Globc era bem mais elaborado e confortável elo que o Theatre e,
••
os tntegrantes ela família Rurbagc. O pai, }ames, tinha construído 0
primeiro teatro ela ciclaclc, e os dois filhos, Cuthbcrt e Richarcl, eram
por precisar de dinheiro para a sua construção, os Burbage criaram
uma nova sociedade, ele dez cotas, oferecendo cinco delas a atores ••
<ttorcs, \·indo esse tíltinto ;t ser o m;tior de sua época.
C: míclco básico elos atores er<t basL111te est<ivel, porém tamhém
ha~'Ia mudanças significativas, como por exemplo o caso do cômico
integrantes ela companhia, sendo Shakespeare um deles. Com isso,
Shakespeare tornou-se o único indivíduo, entre as VéhÍas centenas que
labutaram no teatro elisabetano, a participar dele em todas as cate-
,....
.a
••
\Vtll K_emp, que esteve n_a companhia elos Burbage ele 1594 até 1599 .
F.l~ossn·~·l que tenh:1 hanclo algum problema sério dentro da compa-
gorias possíveis: ator, autor, cotista ela companhia e cotista do teatro.
É preciso alertar os que só ouvem o nome de Shakespeare em
(/)

'V
v
c;
E-"'
••
nlua, pms quando Shakespearc estava escrevendo Hamlet em 16oo
ele incluiu, nos conselhos que o príncipe dá aos atores, ~ 1 ma clarc~
~e:~lama7ão ele autor contr~I possíveis c;tcos feitos por atores cômicos:
relação àquele período, para o fato ele que nele se produziram cen-
tenas de peças. A frequência aos teatros era grande, mas o público
sempre queria \·er peças novas, como se observa no "Diário" de Phi-
,..,;.;
'M
c: ••
! , d<J!ICI('S que fitZCIII p;lJK'h dé' hr>l>r>, Jl;lr> c/igaltlli1;1ÍS clr> (I> I<'",,,,,
l~Jl csc:rilu para eles; pois hâ, c11trc o~ que querem rir a lilll de Ltzcr
líp HcJISl()''.'.'. '·!!''-: ::st<Í J)rcsetTaclo no Dulwich Collcge em Londres. Ê
,.,
.:.,.;.

••
••
rtr, l<tmhém certo tipo ele n(scios c;.;pcctaclores, conqu,tnlo nesse· :;:
":\lo 111, (:..,,w :. \\'. ~hakc>pc·art:, Tragédias e ComMia> Snm!Jrias.


Hens1owe administrava teatros e encomendava peças a vários autores, É muitas vezes repetido que pouco se sabe a respeito da vida ele
não hesitando em juntar até cinco ou seis autores para uma peça ser
William Shakespeare, mas por certo se sabe mais a respeito dele
escrita rapidamente; seu diário anota com detalhe as peças montadas
do que a respeito de qualquer outro escritor da época. Em novem-
pelos Lord Admiral's Men (infelizmente os Chamberlain's Men não
bro ele 1582, aos dezoito anos, o jovem Wílliam casou-se com Anna
tiveram um equivalente a esse cuidadoso arquivista) e é umas das
Hathaway, com vinte e seis anos, de abastada família da aldeia
mais ricas fontes das atividades teatrais da época. Seu genro Edward
ele Shotterv, y;zinha a Stratforcl. Em maio do ano seguint~~' nas-
Alleyn, um dos dois maiores atores da época (o outro sendo Richard
ceu Susam;a, e dois anos mais tarde nasceram os gêmeos Juclith e
Burbage), interessou-se pelas atividades do sogro, tornou-se seu sócio,
Hamnet. O menino morreu aos onze anos, as duas filhas casaram
enriqueceu na administração de teatros e ainda mais quando ele e
e tiveram filhos, sendo que com os netos acabou a descendência
o sogro foram nomeados Masters o f the Royal C ame of Bears, Bulls
direta de Shakespeare.
and Mastiff Dogs, um cruel passatempo no qual homens lutavam
Não se sabe exatamente quando ele resolveu deixar a família em
com esses animais presos por correntes. Alleyn, aposentado, comprou
casa e ir para Londres, o que deve ter acontecido por volta de 1588,
uma antiga propriedade e fundou o College ofGod's Gift, para cuja
já que, em 1592, Robert Greene, um elos uníversity wits, na miséria e
biblioteca deixou todos os seus papéis.
esquecido pelo teatro, escreveu um panfleto intitulado A Groatsworth
o{Wít Bought wíth a Míllíon o{Sufferíng (Um Vintém de Sabedo-
ria Comprado com um Milhão ele Sofrimentos) em que alerta seus
Wílliam Shakespeare
colegas autores contra os atores, que se embelezam com as plumas
que eles criam e depois se esquecem deles, sem reconhecer o quanto
William Shakespeare (1564-1tn6) nasceu em Stratford-upon-Avon, pos-
lhes devem. Em particular, Greene ataca Shakespeare, dizendo que
sivelmente no dia 23 de abril, sendo batizado no dia 26. Com as fre-
não podem esperar nada desses
quentes epidemias da peste, as crianças deviam ser batizadas dentro ele
uma semana ou até o primeiro domingo depois ele seu nascimento, c
Bonecos (quero dizer) que falaratn coiii nossas bocas, essas caric<I-
como Shakespeare morreu no dia 23 ele abril ele 1616, o dia 2) acabou
turas que se enfeitaram com nossas cores 1· ... [. Mas não confiem
aceito para o nascimento. Ele eleve ter aprendido as primeiras letras
neles, pois há um corvo arrivista, cinbelez.ado com nossas plunws.
em um dos vários petty schools, cujo nome vem ele uma corruptela
que com seu Coraçdo de Tigre elll·olto IW f;e/e de um Ator supõe
inglesa do francês fJetit, por ser uma escola limitada à alfabetização,
ser tiio apto a produzir versos brancos bontbásticos assim co1 no o
entrando depois para o grammar school, no qual além ele ter de \"Ír-
melhor de \'Ocês: e sendo um absolttlo jo/w11.nes /cJcto/wn C. CJII
tualmente decorar toda a Granzmatica Latina de William Lilv teve
' •'' seu próprio conceito, o único Sacode-cenas do país.
contato não só com Plauto e Terêncio, como talvez tenha até tomado
parte na montagem ele alguma obra ele um dos dois, frequentes nas
1t obvio que o termo "Sacode-cenas" brinca com o nome Shakes-
escolas. E, sem dúvida, ali conheceu Ovídio, o poeta cLíssico que
peare (literalmente, "Sacode-lança"), porénJ mais direto ainda é o
ele mais cita em sua obra. A universidade ainda era frequentada por
fato de ele usar uma fala de Henrique vr. sobre l'vbrgaret: "coração de·
uma porcentagem muito pequena elos ingleses daquele tempo. m;,1s
tigre em oito em uma pele ele mulher"'. IJecluz-se chtf que, em 1)9_2-·
o excelente currículo do !~I"UiliiiWr schonf parece ler siclo \tillr:ic·!ilc· :<'~·~l-:"...:'·1··· \'i ::; •··:1'1\''' F;l/'·' 1 1(1() lY\'-'l''!l! · .IJ(·r·~:'-.;r\. ~V\1<-' .·~~·n1 l\l.ir·· 11:1 1 )

para tomar Shakcspcare aplo a aprofundar seus <.:onhecinicnto:; por ha\"C:ria morim para um t<ll ataque. pelo qual. aliâs. o editor pediu
sua própria conta, fazendo. como Górki, da viela a sua unin:rsidade. dc'icttlp<~s dois dnos mais tarde.

••
A essa altura Shakespeare, ao que parece, j:oí havia escrito uma série
ele p~ças en2 tantos gêneros diferen_tes que ternos a impressão de que
fora mtençao sua aprender a dommar todas as formas que estavam
J'vlercador de Veneza e enveredou por urn lirismo brilhante em Sonho
de uma Noite de Verao, concluindo o período com uma de suas mais ••
••
populares obras-primas, Fonzeu e Julieta, sua única tragédia lírica.
sendo usadas. D_at~m de seus primeiros anos, digamos de aprendi- Esse lirismo ainda transborda para o início da próxima fase de sua
zado,~
uma comedza romana A Comédíc1 dop Erro·.s; mna come'd'za carreira, em que volta seu olhar para as relações do homem com a
:o.mantzca: ~s Dozs Cavalheiros de Verona; uma tragédia senequíana,
• • , ,, .J

[ zto Andronzc~;. quatro peças-crônica que ele acaba transformando


en1 peça hz~t.orzca, os três Henrique \'I c jél uma obra nlemorável,
sociedade e o Estado no qual vive. Ao tratar ele um delicado tema,
0 da abdicação forçada de um rei inglês, Ricardo !I, o caminho ele ••

Shakespeare para escapar ela censura foi usar um tom lírico e uma
Rtcardo llJ. ~alvez seJa também desse período inicial Rei João, em grande solidariedade para com o lado humano do rei, enquanto seu
~u~· e!e c~mtmua ,~ buscar ~~ per:,:a histórica, única forma cnada por
Shc~k:speare, I~ascida das vanas obras biográficas escritas !1<! década
antcnor ' 1 de. E possível que, ao chegar a Londres, ele tenha ido tra-
Í)rinw usurpador, Hemv Bolingbroke, é apresentado corno agindo
sempre corretamcn te, elo ponto de vista elo governo e da política, ••
balhar.na COinpanhia elos Homens de Lorde Pembrokc, como ator
C vendJcJo Sll3S pCÇ3S - CjliC {J',S'S.,\", 1 ··
. · · • n"
' . J ] J
'nl1 cl ser propncc dC C C\C USl\'él ela
<1
'
mas sempre mais frio elo ponto de vista humano. Tanto Ricardo u
quanto as duas peças que se seguem, as duas partes de Henrique IV,
falarn sobre a relaç<1o cntw o poderoso e o poder, e como aquele é
••
con:panh1a -pelas seis libras que eram praxe.
Em 1 5'9 2 uma forte epidemia de peste fechou todos os teatros
~Igun~as,comp_anhias ~esaparecemm, outras se fundiram para excur~
afetado por este. Nessas últimas, Shakespeare mostra o rei usurpaclor
integralmente dedicado às suas responsabilidades, mas amargurado ••
J86
s~onar ptlo J~éliS, mas Shakespe<nc ficou crn Londres c apn 11 eiloti
t~nlpo _P~Ha ~mtar seu nome ;·?mo p~da. Escreveu dois poemas de
!c II~:i:s~las~1~os e um tanto crobcos, \ienus mzd Adonis e The H.ajJe o{
0
por- depois de destituir o primo por sua futilidade irresponsável- ver
fJal. seu Filho tr~:~is vclhu, herdeiro ela coroa, viver entre companhei-
ros não só LnrisLb lllas até ladrões, como o velho e gorducho Sir John
••
dedicando am hm ao c.onclc ele Sou thampton, !11!1 i to con h c-
LllctCC(;'
Ciclo co,IIIO patrono cbs élrlcs. E possível CJL!C tenha sido n dinhuro
que _o Coi1de lhe deu em rc:compema 0 he~sta 11 tc par:.1 CJUC __ qu:n!do
Falstaff, sendo este um;! brilhante e viva reencarnaç:ão ela corrupta
Figura de Boas Cmnpanhias, nas velhas Moralidades. Falstaff- que
,rfínna !la peça: "bt 11Jo sou só espirituoso, eu sou a razão por que
!87

•• •
haja espírito 11us ()l!ITI>S homens"- é personagem tão brilhante que
(~S tc,Jtios lor~llll reabertos c se rcorg:miz:Ir:IIII as CO!lljl:Ird!i:t\
ci!li:lSs<.· de souo na Lord Ch:nnbcrlaiii·s i\lc 1t.

o lorde c:amerlengo, patrono ela COinpanhia, er;.l Ccorcre


não Ldtanl os que :-.c: re\·oltcm quando o recém-coroado Hal, agora
Henrique\, afasta-o de sua companhia. ••
••
l'CI
Natr,1diçüo historiugrMi.ca inglesa, Henrique\' sempre foi o grande
l,ordc_ Jluitsdon, pr~mo ela rainha pelo lado ele sua m;k, An~ Bolcn:I: rei-cavaleiro, e CI pcc,Ct I lenríque v é épica, com os cinco coros que ante-
t jldld l':i.\(' urllj)O Shtl·cs·j)""l!'(• ,... I IJ· l . ~

. . . ::.~ . , ' . "' . . I d ld IOU c:-.:c USI\·amentc IJelo resto cedem os cinco <Itus, Jl!ntamente com um epílogo, forrnando a narra- "':::;
ch I' ssa
· · e~c 1USJVIC
· · 1a c1e é C<L'iO

••
C"IITC!l"l Uí
< ' .. ' · •• único no teatro elisabctano. c tiva que emoldura a pouca ação composta por episódios que ilustram as
se ela ;~~esta a confiança que a família Burbage tinha no t;dcnto do
v
v:o1rias qualid~lth·\ de um rei previstas em uma obra de imenso sucesso o
'V
autor. I•, espantoso que a obra ele Shakcspearc nJo parcca ter sofrido :::;

••
na época, O(thc Inslitulion cmd Firste Beginning o{Christian Prince's,
Iwcla ~orser escnta para um míclco de elenco perm,m~ntc. v;
(·l.,J
de Cheliclonius, traduzida para o inglês por Chillester, em 1)71. Se nas bb
Apos :IqticL1 pnmcira fase, Shakcspc:lrc l'lltra ;wor;! CIIIWII<I c
quatro peças hist(JriGb d(J ÍI1ício ela carreira o ÍJICompetcntc: governo
i!() 1:1~

••
Clll qw· \ti:.! pnípri:l \'is;I() c seu pr!')iltÍn '" .;. E
!-fcn w ,.r. iz·l;lltdo ao pior dos reis, RicC~rdo llf, é1S boas _0
l'o I; I_,.:. •;•.,:;;,·,i "·· ·••.uicu;<J;.';,iíl ,.,.,,. ,.,, r r

l'\C'I.cl l'II coméchas muito lK·m-succclida.'i. co 111 () A :\[egem Dunzuc!u c ()

••
mostram que o h ui n leva ao melhor elos reis. Ilemique v. ;;:


todos os protagonistas shakespeareanos o espectador encontra um
Aos trinta e cinco anos, tendo atingido seu pleno amadurecimento
irmão humano, e suas obras são enriquecidas principalmente com
como homem e como artista, Shakespeare entrou na fase de ouro de
imagens buscadas no dia a dia do homem comum, o que aproxima
sua carreira, enveredando pelo caminho da tragédia, a mais difícil de
todas as formas dramáticas. Em 1599, no mesmo ano de Henrique 1; a ação daqueles que a assistem.
Shakespeare escreve Júlío César, a mais abertamente política de suas
Em Otelo, assim como em Hamlet, o mal é representado por um
antagonista forte, e lago talvez seja a melhor exemplificação de que o
peças, pois não sendo o protagonista nem inglês, nem cristão e nem
rei ungido, o autor se sentiu muito mais livre para fazer sua ti·ama girar
mal, tal corno Shakespeare o vi\ é estéril, enquanto o bem é fértil, o
mal é egoísta, enquanto o bem é generoso, o mal é r~tvorável à morte,
em torno de posturas ideológicas que levam ao extremo elo assdssinato
Brutus não chega realmente a ser um herói trágico, mas alguns enquanto o bem é favorúvel à viela. É possível que tenha sido por ter
aspectos dele serviram bem a Shakespeare quando ele criou o prota- de apresentar Otelo vítima ele urn sentimento um tanto mesquinho,
como é o ciúme, que Shakespeare fez desse protagonista, entre todos
gonista de sua primeira tragédia verdadeira, Hamlet. Tcnnanclo uma
trama típica de tragédia de vingança, que nasceu por volta do século os seus heróis trágicos, o mais nobre ele aspecto e comportamento.
VI, nas lendas das Eddas islandesas, depois apareceu em Sczxo Cram-
Se lago acusa Desdêmona, a mulher de Otelo, de ser adúltera, ele
maticus, do século XII (publicado no xv), a seguir nas Flistoires Tra- só esperava, com sua falta ele preocupação corn valores morais, que
gíques de B_elleforest e finalmente foi traduzida para o inglês por o mouro lhe ficasse muito grato e por isso mesrno lhe desse o posto
Wilham Pamter, em sua coletânea The Palace o{ Pleasure, temos a de lugar-tenente com que ele tanto sonhava. O fato de Otelo ter
uma reação de dimensões ínimagináveis para lago e resolver matar
história de um menino que tem o pai assassinado por urn tio e se faz
de bobo para poder crescer e se vingar. Em Shakespcarc. o ~mtigo
a mulher, não faz a menor diferença para lago, já que conquista, do
meruno /\mloeth agora é o príncipe Hamlet, que está na universi- mesmo rnodo, o cargo ele Cássio. J.)q
100 Otelo é muitas vezes considerada a mais bem construída de todas
dade de Wittenberg, e a preocupação com a tarefa da vingan~·a é
as peças de Shakespeare. De fato, sua ação dramática se desenvolve
transformada em uma pungente reflexão sobre a conclicão hurnana.
implacavelmente, e vemos, ele forma sucessiva, Otelo ser implacável
Toda a experiência adquirida nos dez ou doze anos c.tn que\ inl1a
para com Cjssio porque acredita, sem qualquer iuvestigaçâo, no qtte
escrevendo para o teatro permite que a primeira tragédia ele Slukcs-
o "honesto lar;o"' lhe dissera; <l seguir com Desdê:moJLI c, fin~tlrnen
peare seja uma obra-prima; as relações interpcssoais cbs priineJr<Js
consigo mesmo, pois quando Otelo se mata c:;t8, na verdade, dando
peças, as do hmnem com o Estado, elas peças histórie<Js, agora scnein
forma tnais <l uma execução do que a um suicídio, j8 que não pode
para a criação ele uma trágica ;1ção em que toda uma \·is5;l de \·;dores
haver perdâo para o que ele acaba de descobrir ter feito.
fundamentais, de vida e morte, seja vivida por personagens ricas. tri-
Em [\ilacbeth, pela primeira vez, vemos o mal instalado no próprio
dimensionais, com um protagonista que, embora excq~cionalmcntc
protagonista, que fica cindido em si mesrno quando, no encontro que
dotado e multifacetado, em momento algum deixa de ser a imagem
ten< com as três "irmãs estranhas'', as bruxas, estas lhe dizen1 que ser<Í
de um ser hurnano perfeitamente aceihível como tal. Hamlct ( scn1
rei. Isso deixa su<l ambição sem controle. Antes desse evento, ele é
dúvida uma personagem fascinante, e mais ainda por n;'io ser um
tido como exemplar, seja como rnilitar, seja como súdito, seja ainda
incomparável paradigma de \"Írtucles.
Em todo o período trágico, Shakcspeare continua ;1 n:J 111 ina r :1 como ,tfctuoso primo do rei.
F.ll! ("éld:! 1!!!1.! J:IS t ias Sl r:'liC!Jii!LI C:cl!lliiilws
presença elo mal n;1 vicb do ]JillllCillc· como ele r1 t'l ·•1i., c_;, \ i , .
dll'Crl'lih_ ..'>, ;~·,tu~i Ui!l lk.'!\::.1 tJ ljlH_· lllt:i!Hll tJU,'~:<i \. \j)l"J...',).';,tr ~:i C.):)CilCld UJ
iu\\;,.: tcl.raluu Ítl:i"í.)i,-.; !iJ(.il\jr\._·_, i..fl.i-.· {l ,.-lUa c t.l:-iU!t II!!d,SC'IL., tli
açJo clrc~Jn<iticl c que Iiiclhor cornuiliCJliC sei I pc1IS~II11Cnto clumin~mtc
dominantemente da mitolol,':i~J cl:í:;~ic;l, elo céu c ZL1s cst

••
ao espectador. Se, em Hamlet, os famosos monólogos ressaltam o iso-
lamento do príncipe na corte que agora gira em torno de seu tio, e se,
<"lste ·amos 1 A caminho da morte"'. O q. ue ele deseja - clei-
carga S, r" 1
xar as resp Onsabl
l · ·1 ~ ·
.lidades da coroa mas ficar com toe os os pnv1 egtos ••
••
' . ,
em Otelo, a ausência de qualquer trama paralela deixa mais forte o con- dela_ é impossível, pois, desde os idos dos H~ennque _vi, Sha~esp~are
flito entre Otelo e lago, em Macbeth. com o mal se manifestando no mostra que tudo vai mal se o poder não esta_ nas rnaos do htulai do

••
overno. O que a tragédia apresenta é o cammho que Lcar percorre
próprio protagonista, o poeta ressalta a intensidade da trama, criando
para ele um alter ego, Lady Macbeth. Esta, apoiando o marido, insiste ;té que se cumpra, literalmente, o que ele afirma deseJar. A c:uel·
que matar é algo fácil de ser executado c, como o marido, acaba iso- dacle e as humilbaçües a que Lcar e Glouccster são_ submetidos,'
lada pelo mal e enlouquece só por ver o rei assassinado. Ter perdido
a alma por nada é o que a consciênci3 diz a Macbeth, que -como
assim como a morte ele Cordélia, tornam a peça a ma1s dolo~osa de
todas, porém mesmo ,1qui a obra não resulta deprunente, hc~mdo ••
••
todos os protagonistas trágicos ele Shclkespeare, é illfluenciaclo pelo reafirmada, 110 fínal, ,1 dignidade humana, com a clma resoluçao de
estoicismo ele Sêneca- aprende com o seu sofrimento e morre dono levar a \·ida avante. por difícil que seja. _ ~
de urna visão mais equilibrada ela vida e da morte. Rei Lem c l'vlocbeth datam ambas, no que scp possl\'Cl ~abcr,
l~ei Lem é ele todas as tragédias a ele alcance mais amplo, e por isso
mesmo considerada durante anos, ou melhor, séculos, impossível ele
de 16o6 e até 16oí:> Shakcspêarc continuará em seu período tragKo,
que inclui ainda Antônio e Cle~fJatra, Coriolano c Timc~.o de A:e-
nas, sendo as duas primeiras notave1s, mas um tanto ofuscacL1~ pelo
••
sn rnontacla, embora considerada obra-prima ela humanidade, com-
parável à Capela Sistina, de T'v'Iichelangelo, ou à Nona Sinfonia, ele
Beethoven. Essa visão estreita se inicia, é claro, no neoclassicismo,
sucesso elas "quatro grandes" anteriores, e a últnna, ;nteress:mt,e, mas
inacabada. Nas últimas décadas, no entanto, A11tonzo e CleofJctlra, ••
!<)O
com seus limites determinados pelas dimensões e condições técnicas
do p<dco italiano, para o qual Shakespeare não escreveu, assim corno
assim como Cori()lono, li\cram seus méritos reconhecidos e mere-
ceram frequentes JIWtlLli-;C!IS nos países de língua ingles<l, tellclo
Coriolano sido motllada ctll São Paulo, com Paulo i\utratt corno
l.l)l ••
••
pelo desrespeito às unidades ele tempo, lugar e tom. A montagem ele
Peter Brook, em meados elo século XX, acabou com esse infeliz mito. protagonista c Hcnnctte· l\lorinee1u no papel de su;l m;k, Volun~nt~L
t' ;t ohr<1 lelll sido desde então moiÜ<lcla com regularidade. . E.m sua fase final Sh:Jl.:e'SjX'MC escreveu quatro peçz1s_ que ho]t s,H)
classificada~ cm 110 wu 1unu!s. que aprescntarn de \'ári<ts iorl1las a1c1e::1
No 1\ci Leor, uma pequena parccld elo mal está presente no pro·
laE;(IJIÍst;t, q\lc o rcconhcct· quando afirma ser '·ruore sinncd agaíml
iktll ~;iJtJiin~( (mais vítÍllld de pecadores elo que pecador, m;;\ nJo
con 1u 1n de Ulll c:ut 1llt!i' qm· poclcria ser tr<iglcO, m:1s dCth;l tcnclo
um final collcil i;ti 1 m o. prrl\ oclclo pelos Filho~ dos prot:1gontsL1s elo
••
Sl'l\l pu;éidU). l::stC SC apreSeit[a (éllllhélll rora dele, lle1S duas filhas
lJI;lÍo \c!has do rei c em seus 111aridos. como também 110 filho ilc-
conflito. f,',stcs Lllc·n 1, (\í,~; 1111 m, o que Romeu c Jul ide! lcnt<t ralll mas
não conseguiralll com seu c;tsamento. Péricles. Cvmheline, Conto de
.•
••
gítinw ele Clrmccstcr. O recurso particubr da peça é o uso de um
enredo paralelo graças ao qual Shakespeare tira da trama principal
qualquer idcia de ser ela caso particularmente raro: Cloucester, tanto
fnvemo c A. Tenz;;e.-;luélc :,;lU m romances; as duas pumelrds ll!Ultu
experirnentais e com estrutura não muito satisfatória, mas a tercena
já cheia ele encanto:; c <1 última da mais alta quahdack. Dessas qua-
":/;

~
u
3 ••
••
:_.,

qtiailto Lear, não sabe distinguir o bom Filho elo mau, caindo os dois tro só C 1·mbeline élimb ttão foi rnontada no Brastl. r
''-'
Dificuldacks com os c\ircitm de publicação fiz.cram com que A r:n
no ~:ngoclo ela aparência e da bajulação.
Tempestade, <tt'tltillU pc·r,,d que Sl1akespe<HC cscrc\Ctl ~o:~.i11lto, ~lp<~-
r: preciso insistir: por mais ampla que: possa ser, a trama ele I\ei
I A.:or 11;\o deixa um só nwmento ele ses.;uir ;t história elo rei que, em
. li
·''1111-...1"111
'--''' l,·.
.
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1
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~-,,!li
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-· ,:1,-. 1· é'c]·1, ..-1J'
\ll!!ll~._,l('
'
\( ·'
'"'1'111)\r_'Lls. o
·-' 'f
-
'-

••
clus, 1 l !<-'i.\;11\do-us parct os jm·etls de llldls Furç;Is, i Em.Ju;mto nós, sem
.\lll \. ( >11:1 I
>

••

argumentado que o enredo ?a segunda seria o mais perfeit.o enrcd?
famoso First f<blio, de 1623. Juntando isso com uma história de apa-
cômico jamais concebido. O autor, enteado de um pedreno e tret-
rência muito leve, levou gerações de crianças do mundo anglo-saxão
nado para esse ofício, recebeu uma bolsa para estudar na Westmins-
a ter com A Tempestade seu primeiro contato com Shakespeare, o
ter School, e apesar de não ter frequentado qualquer umvemdacle
que acabou relegando a peça à categoria de quase conto ele fadas.
tornou-se o grande árbitro literário da corte de !ames 1, e tendo rece-
Na realidade, todo o pensamento ele Shakespearc sobre a natureza
bido títulos de Master of Arts tanto ele Oxfo:d quanto de Cambriclge.
humana, sua organização social e sua governança estão presentes
nessa peça, em cujo final Próspero, p~na voltar a governar lVIilJo,
1~ preciso não esquecer que, em 1607,, morreu Ebabcte l, que
tanto orgulho tinha de ser pure English, c quctn a sucedeu no trono
antes de embarcar para o ducado de onde fora expulso pelo irmJo
foi o filho de l\1ary Stuart e Henry Stuart (lorde Darnley), por CUFI
doze anos antes, abandona a mágica, tendo comprcencliclo que para
morte Mary havia ~ido forçada a fugir da Escócia, buscando proteçJo
o bom governo é preciso que governante e governados operem em
com a prin~a Elisabete, que se recusou a recebê-la eJJquanto pesasse
um_ mesmo plano, que não pode ser a mágica. f: uma bela despedida.
E mteressante lembrar que Shakespeare, que ganhou bastante sobre ela a acusação do assassinato elo marido.
Juntando a isso a participaçJo incansável da rainha escocesa em
dinheiro com o teatro, a não ser por uma única exce<,:ão, uma casa em
todo tipo ele conspiração que pudesse lhe dar a coroa inglc;a, l\!Lm
Londres cuja utilidade ninguém conseguiu estabelecer, fo: todos os
ficou presa, a princípio em um grande palácio, cercado de vastas
seus investimentos em Stratford, sua cidade natal, que \·isitou regular-
áreas onde podia cavalgar c se distrair, mas foi deslocada para um
mente durante toda a sua carreira em Londres. e onde voltou a \"Ívcr
palácio bem menor, com restrições cada n:·z lll<liores, diante de
quando se aposentou do teatro em 1611. Nach1 tanto quanto essa total
sua incapacidade de Ficar longe dos golpes políticos. Burghley, o
mtegraçJo com a \·ida teatral e a ele sua cidade natal garante t;}o hclll
principal conselheiro de Elisabete, assim como drios elementos
que sejam tolas c fantasiosas todas as teorias que não- querem que "o
importantes ele seu gcl\'emo, insistia para que ela Jll<llHlassc cxecn-
lw_mcm de Stratford" seja o autor de sua obra, tendo sido ~tlgericla:,,
tar Man·, mas a rainha hesitou por longo tcntpo; llilo que Elisabete
ate agora, pouco mais de cinquenL1 candidaturas inúteis.
não soL;besse do perigo que Mary rcprcscuLI\a p;na ela, mas por
medo ele abrir com isso o precedente ele se cxcTtlLH um~t clbu,;<t
coroada, o que também seria perigoso par;t eb. No cnl<lJllo, :w
Outros Autores
fim de clczcnu\C Cl!lOo. <I r:ünhe~ assinou a ordun Jc· cxec11<.;:ío, m:1s
e o IZei1wdo de Tíago r
depois condenou o sccrcl<írio que euc:amitdwu c·ss:l ordem aos que
espcra\alll por ela kt\iJ anos O filho ele l\Lln, 'l inlcrcss:ldo
A genialidade ele Shakc.,peare le\·a infelizlllentc i1 qu:1:oc loL1l ll:IIC>-
em herdar a coroa inglesa, fez um protesto fomwL lll:IS JiàO tomou CJ;
réínci<J elo público em geral a respeito de \-Jrios outros autores qttc
nenhuma atitude mais forte ou indignada em rcb<,·Zio à morte da
escreveram até os puritanos de Olivcr Cromwell acabarem com a
mãe, e assumiu o trono ela Inglaterra quamlc 1 Elisabete 1 f<~lcccu.
monarquia c com os teatros na Inglaterra. tendo a ckstruiç:ío elo.'>
Quando elo advento dos Stuarts, corn Tiago I, u clima político,
tGJtros ocorrido em 1642. J\ifas é preciso lembrar, por exemplo. Bcn
soc:1l c cultur~d ela lnghtcrw mudou. O nm·o rei 11<'10 tinha o inte-
Jonson (1572-16~7), o único autor inglês ela época a cscrc\cr segundo
resse dt· F.lisahctc em fan\ co111 que o povo :-;c -;ct1ti~sc pr(,xinlll <lO
as normas elo classicismo. N8o h<í cl~'lvicb ele que s11a t"lllic;1 tcl;l:ltt\ct ;r,·. 1':),_·.(11 1 ! "<·r q 1; 11 ,, ,,(J\~1<..:.! ;I ,,-\., . : í-J·, ·!\ ;\.J(l:J(\i.·:-1.

tr:ígict. Scicmus, é um 1. :n:l.'' ntlc'Jtn~ r!tt:h ,t' ,, "'"


!i<JI 1\CSS<!S cÍrU\IlSlilllCld~ que jo\111 i<\ctc\iCIII~(>\;-IÍ>2')) CllliOll j)élld
1it:L,. i ,\Lt"\ ,\íun ill l[l.'; 1/unwur \(:<Jdd Ullt Í..Allll Scullttllllill c I
:1 coJl1j)<llll!;,;l r.h ( :h.unhcrL1in's i'vlcn. qw· coltl 'lt;wo r;t!ll "sC'r
A.fclze111ist (() Alquimisb!) s:io ele grande qu:tliclacle. ij rcmh ,j,l,,
-
••
The King's Men; ele colaborou com Shakespeare em Henrique vm A Revolução Republicana ••
e Two Noble Kínsmen (Dois Parentes Nobres), tornando-se o autor
principal da companhia depois que o Bardo se aposentou. Fletcher
é um caso raro ern seu tempo, o único poeta que se dedicou apenas
e a Restauração l\1onárquica
••
ao teatro. Corn Francis Beaumont ele colaborou em três imensos
sucessos, Phílaster (16n), The Maíd's Tragedy (A Tragédia ela Don-
0 PARTIDO oos PURITANOS, chefiado por Olíver Crornwcll, domi-
nou o po.,1's. a p·'1 rt ·1r ele · · ' de 164o · Com um regime supostamente
. cerc-1
rcpublican~J. instaurou :1 Comrnonwealth, que derrubou duas gran-
••
••
zela, de 1610) e A King and no Kíng (Um Rei e Não Rei, ele 1U11), o
bastante para que durante séculos ficasse a irnprcssilo ele qtte Bc~nt­ des tradições inglesas: a nwnarquia e o teatro. A partn c.le 1642 ~oram
mont e Fletcher formassem uma dupla permanente. fechados todos os · ou dezessete teatros que hav1a entao em
Thonta' l\llidcllcton (158o-1627) c John Webster (1s8o-1634l s~o
outros nomes que se firmaram em um novo nÍ\·cl de clramatur~ia. a
qual enveredou por delicadas comédias sobre os <l!Tlore::; ele jc;ver1s
Londres. l\1ais grave ainda, os prédios foram todos destruídos, dando
realmente fim ,ao mais hrilhaute período de teatro- isto é, drama-
turgia mais montJgem -que o Ocidente havia tido. , .
••
bcrn-nascidos, ou que- quando esses autores ainda tentavam se~uir
a linha ele Shakespeare- produziu dramalhões que muitas vezes tê'm
No entanto, com o tempo, a Commonwealth puntana c o propno
Crormvell perrnitiram, durante a república, que pc<,:as did:tticas ou de
moral elevada fossem montadas em escolas ou em cas<lS parttcul~res,
••
versos bonitos, mas aos quais falta a solidez dos temas e problemas
elaborados pela maior figura já produzida pelo teatro inglês.
Durante o reinado elos primeiros dois Stuarts, ficaran1 1nuito em
para públicos selecionados. Em seus últimos anos, a situaçilo hcou
um pouco mais flexível, c Vhlliam Davenant (que se gabava de ser
••
mocl~1 pc<,;as passadas entre jovens ele alta categoria soci<.d c, princi-
palmente as mm:ques, entretenimentos que tiver:tm suas origens n<ts
f1lho ilegítimo de Shakt:~pcarc) conseguiu permissão para mcn_1~ar
em um "teatro público'', um tanto improvisado, duas óperas: .I he
of- R!wdes (O Cerco de Rodes) e The Cruelty of the SfJanícmls
195 ••
••
ICJ4 antigas cerimônias de recepção de \'isitantcs in1portante~, a:; quais Sieoe
,_ b

cxigí<llll lr;tjcs formais c cumprimentos elaborados. J:í no final do rei- in Peru (A Crueldade dos Espanhóis no Peru). Mas somente com a
nado ele I'Jisabctc I tais ocasiões haviaitl se transformado t'lll prctn- rcsL1uração da mon<HCJlli<l, crn 166o, quando os Stuarts voltaram ao
tm para <tprcsenLtçôcs de canto c danç;t cntrcmclildo m discursos,
que <~os poucos se tornaran1 L1bs ele l!lll pcquciW ,. te\ e c:;pcl<ícuio.
tremo com Carlos ll, é qllC foi possível tornar a extstn um~l alt\ld<~clc
tc:1tral re~ubr p~1r:1 tllll ptíhlico pagante. Quando cltcgc:u ~1o hn1
aquela clitaclura cin;.cnta do puritanismo, c a monarquia toi resLni-
••
••
!\ graii<t fr:lllccs:·l para máscara- musque -- foi provavclnlc:Idt· UllJCl
opç8o de Bcn Jonson para os entretenimentns elaborado~ pelo arqui- r<tch na IngLlterr:t, n:to reshl\';t 1n<1ÍS qualquer lembrança cb prcctosét
teto e artista plástico lnigo Joncs que, de ~llélS viagens pela Franç·a forma dos destruídos palcos clisabctanos; a corte cst1vera ex1lacla em ~
c pela lLílid, trouxera os cenários c as nüíquinas para criar todas as
transformaçôes c efeitos visuais que lá aprendera a apreciar.
países do continente, c quando os teatros obtiveram pennissão para
existir novamente, foram teatros e palcm italianos que passar<ml a
VJ
'-'
...,s ••
••
Na corte dos Stuarts, as masques encontraram ambiente ainda mais ser. desde então, construídos na Inglaterra. Só no século XX se viu a ~
propício a esse tipo de espetáculo, c <.1 cobboração de Bcn )onson t' rcdesc:ohcrta ela antiga Forma, o que provocou a construçilo ele vários ~

~'"'
l11igo Joncs durou ele 1605 até 1634- Dant;a, músicL figurinos esplcn- teatros com palcos inspirados nela.
dorosm c versos superficiais c elegantes cr<llll m elementos que luhi-
l;t\:1111" !!llll)(lo <.i(l.s ccn:írios em p:·rsp··:·ti· ,,] :1,
Se no século XVli fr~illCés u nome que aind:' hoje nl<lÍ.S repercute
·"

••
••
j' !_)cii'.:i ~lgt d \..·.);,~.._, '·j'~"- j'-' !Ld(.l d ii!c{i,:-.
>
pelos t<..·\tt 1s !r8gicos ou históricos que a Rai 11 h:1 Vir~nn tmto apreci<lr;L


continente europeu- apareceram salas com palco italiano, quando 0 casamento com um rico comérciante é que lhe deu entrada na
o rei autorizou a construção de teatros e a apresentação de espe- corte, mas ficou logo viúva. Sua personalidade levou o rei Carlos H
táculos. Carlos II concedeu o privilégio da montagem de peças a a enviá-la à Holanda em uma missão de espionagem. Consciente da
William Davenant (16o6-1668) e Thomas Killigre\v (1612-168)), que força do preconceito, Behn publicou um grande número de obras
se preocupavam quase exclusivamente com o público da corte. As anonimamente, mas seu talento acabou reconhecido até mesmo pelo
tentativas ele tragédia, no entanto, não for<Hll bem-sucedidas, e só respeitadíssimo Dryden. Ela é autora de uma série ele coméc~ias ricas
John Dryden (r6v-1700) pode ser len;braclo, mesmo assim com sérias ele intrigas e aventuras, das quais a melhor é T'he Rover (O b.rranie),
restrições. Ele tentou criar uma nova forma, a trogédicL heroica, tendo montada na década de 1970 pela Royal Shakespeare Company com
escrito o estudo An Essay o{ Dramatic Poesy (Ensaio sobre a Poesia um elenco chefiado por Jercrny Irons. Aphra Bchn foi enterrada na
Dramática), no qual procurou estabelecer as diferenças entre a tragé- catedral de V/estminster, onde diz seu epitáfio: "Jaz aqui a prova ele
dia francesa e a inglesa. Embora seja autor ele cerca de trinta peças, que o espírito não consegue mmca ser defesa suficiente contra a
hoje só é lembrada All for Love (Tudo por Amor), onde Drydcn quis n1ortaliclade"+.
mostrar o que Shakespeare poderia ter feito se respeitasse as regras É possível que houvesse, nos primórdios da comédia da Restau-
ditadas pelo classicisn1o. A pe(,>J contén1 alguns belos versos, mas ;1Jo ração, uma intenção de crítica ou pelo menos de ironia cru relação
é bom teatro e por isso não é montada. aos hábitos do momento, mas o que ficou realmente como caracte-
Quase duas décadas sem teatro e com farto proselitismo puri- rísticas do gênero foram a imoralidade mais ou menos generalizada,
tano acabaram com o antigo público ávido ele novidades e aventu- as conquistas fáceis c os adultérios, tudo isso envolto em diálogos
ras, c a forma que rnais reHetia aquela nova corte <degre c um tanto excepcionalrnente brilhantes e sofisticados. George Ethe~-~ge (~6)6-
irresponsável foi a que veio a se tornar um gênero em si, tal a sua 16q2) foi o iniciador elo novo gênero, que começa com I he Cmnl-
especificidade, a comédia da l\estauraçc!o, toda cb construída sobre cal Revenge (A Vingança Cômica), na qualrnanipula quatro tramas
comprometedoras intrigas anJoros;ls, tllll bcm1 retrato da dúbia moc1- diferentes, e leonina com Thc !\-1cm ofTvlode (0 Homem cL1 Mocb),
lidade daquela sociedade que parecia estar sentprc buscando o pra;;;er em que apresenta, com clu~ls tr:nnc1s, o conflito entre ;1 St'Itsualidadc
como se estivesse vivendo o seu ,-dtiiiW dia. Se os Stuarls i<i não cr;nn e o l'erdadciro amor.
ingleses antes da ConlmOm\c;dtlt. llliill() lllt:'IHJS <J 11 c.kpoi\ do Ornais iuterc~s;mk ('que us mais conltccidu:; IJOiilCS ele aut:nes
exílio n3 França. Em torno dele:, 1 i1 i<1 UI\W corte tolal!llentc desse tipo de cotlll'cli;t cscrcvern auos mais tarde e, por isso, para taLn
ciada cLt viela elo país, e a c!r<11Tlalnrçi~l que ~di aparccCIJ cr:1 tota!Itlcll!C do gênero é ítnpossílcln:íu Ltlar de escritores que pci-lcnccm, n;1 vcr-
destituída ele qualquer funclmnei11o po1mlar. cbcle ;10 século \Vfll. 'T"uclo cmncç:1, m;lis ou rncnos, com \\111 autor
Não foi encontrado, desde logo. algum gênero dramático que sem ~rancle imporlâilcia, Collcv Cibbcr (1671-1757), tambélll ator c
ficasse em sintonia com o clima de um poder que se queri<~ abso- administrador ele teatros, que foi o criador elo estilo ele personagem
luto, mas se sentia inseguro, enlrcçanclo-se a excessos c clcsrcgr:1- {ofJ- um homem de sOé;iedacle tolo, elegante, F1'ltil c intrigante-
rnentos. Houve, a princípio, certas tcntati1as ele rcviH:r a comécli;1 de que oferece a qualquer ;llor grallcles oportuniclaclcs p:Jra hnlk~r, c se
Ben Jonson, sem qualquer succs:.;o, c até mesmo a de imitar J\Iolierc tornou indispensável nas intrigas e imor:1!idadcs típlCélS do gencro,
mas, sem a clara visão moral desse autor francl's, i! fon11a n;]o funcio- como a s1.1:1 cmnz0c1i:J 'f Lusl Shifí (;\ Ultinu fvlucbnc,-:1 J. ComCJ
i)
'i'

\H.LtU-IlJt')l)), a prÍillell"<l C~CfiiUU, .illi<JI,l \Cdlral pruho:iiOil<!J. L.Lt


'l'rJdli(,'<.Hl 1Hh'.;l \..:(, \Hl:,~!r!:d '!·krc lics <l
-1
cre;;ceu rus Índias Ocidentais, c »<li ptÍIIJcir(l rotll<lllCc I:<Ji Orn!JIInh> li H Hl.li i~\ ..

••
uma grande cena de arrependimento no último ato. Logo depois
apareceu The Relapse (O Relapso), de sir John Vanbrugh (1664-1726),
••
provando que o arrependimento final não era permanente. Essas
duas peças foram publicamente denunciadas por sua imoralidade e ••
obscenidade; mas o clima geral não melhorou, como fica provado
com as peças de William Congreve (1670-1729) e, principalmente,
Rícharcl Brinsley Sherídan (1751-1816), o qual voltou <lO genero após
••
várias décadas e tem seu primeiro sucesso com a peça Tlze P..ivals (Os
Rivais), na qual aparece a notável figura de mrs. i\!Ialaprop, que erra VII.
••
todas as palavras difíceis que quer empregar para ser elegante. Brins-
ley fechou o ciclo das "comédias da Restauração" com a brilhante
The School for Scandal (A Escola de Escândalo), montada em 2011,
••
no Rio de Janeiro, com adaptação e direção de Miguel Falabella.
As sucessivas crises políticas durante o reinado de Tiago II, o
O Teatro na França: O Absolutismo ••
ültimo rei católico da Inglaterra, deixaram as últimas décadas do
século XVII incapazes de produzir obras mais significativas nas artes,
e o teatro terminou o século rico em espetáculos, porém pobre em
••
dramaturgia.
••
••
••
••
••
••
••
••

'
t-

Da Idade Média à Renascença:


Transformações

A TRANSFORMAÇÃO no TEATRO medieval para o renascentista foi


~mito diferente na França, onde não houve a afirmação do povo
pela luta contra os mouros como ocorreu na Espanha, nem a tradição
parlamentar da Inglaterra. Na França, desde o início do século XVI, a
estrutura medieval foi perdendo força, mas uma série de reis fracos e
conflitos religiosos atrasou a real unificação política do país. A rnonar-
quia nacional só se consolidou quando, em 1593, foi coroado como
~01
Henrique IV, da França, o protestante Henrique de Navarra, após uma
ardilosa conversão ao catolicismo, j;'í que "Paris bem vale uma missa".
Apoiado por seu grande ministro Duque ele Sully, o próprio rei estimu-
lou o comércio e a i11dtístria. Infelizmente, Henrique rv foi assassinado
em 1610, e a regência ele stw viúva, Maric ele Méclicis, perturbou bas-
tante a paz e a prosperidade que vinham sendo construídas.
Só quando Armaml-Jean Ou Plessis- o cardeal Richelicu- assu-
miu o controle do gm-ci'l'tO elo jovem Luís XIII, com nove anos ao
herdar o trono, a França reencontrou a estabilidade necessé'íria para
retomar a prosperidade que, a partir de então, não deixou ele aumen-
tar até o final elo st'Cldo. O cardeal cortou o poder ela nobreza, insti-
tuindo um sistema de "intendentes", todos funcionários oriundos da
burguesiJ, beneficiaclos pela boa educação que recebiam nos mui-
tos colégios que enL'ío tloresciam. e todos, é claro, Fiéis ao cardeal, a
, ''I :.1•_".; ,.. · ..-,,., J<n; 11:1 ,~pnc;l dl' I.11Í\ \'111 1.· !l.ivlwlicu
que foram plantadas as sementes do mais esplellclorusu período das
artes na fraiiÇa.

••
No reinado seguinte, durante a menoridade de Luís XIV, foi
ele outro cardeal, Mazarin (na verdade Giulio l\ilazarino), apoiar e
usar o absolutismo. Conseguindo derrotar o movirnento ele revolta
<1 vez casamentos "para redourar o brasão" entre um nobre empobrecido
e a filha ele um burguês rico, graças ao qual, diziam, o nobre ficava
rico e él noiva passava a ter antepassados ...
• ••
da nobreza, conhecido por Fronde, ele acabou com a últiaw tcnra- Até a sociedade chegar ~to nível atingido ao tempo ele Luís XIV
tiva, antes ela Revolução Francesa, de se pôr em qucstJo a monarquia
::1bsoluta. Luís xrv exemplificou a teoria e y prMica da JIIOI1<lrqui~;
{ 16-,8-nF·) 1 foram imensas as etapas a serem galga elas. Principalmente
'. ) I ),

11 o teatro que, desde seu aparecimento na Grécia, é por excelência


••
absoluta. Quando assumiu o controle do governo. procurou deter-
minar pessoalmente toda a política govt:rn<micnt<d , .. cttl que~tôc:;
domésticas, teve em Colbert um grande ministro. CcrtanJCtJte o novo
uma forma de arte tarcli~1 en1 relação às demais, já que necessita, por
princípio, que a língua usada já esteja suficientemente evoluída e ••
••
estruturada para ser apta a expressar bem um grande leque de erno-
rei foi um importante patrono das artes. Se Richclieu c Mazarin exi- côes. As artes sempre precisarn ele certa tranquiliclacle no contexto
giam total obediência ela nobreza ao rei, Luís xrv, por sua vez, recu- ;ociopolítico, e mais ainda o teatro, para poder exercer plenamente
sou-se a dar a ela qualquer importância polítícél, porém mantendo
os. nobres sempre sob seu controle, conferindo a eles Jlnportdncia
mthtar e, acima de tudo, decorativa. Sem dtl\·icb, a nobreza maiJ-
sua função de analisar comportamentos humanos.
Durante todo o século até a maturidade de Luís XIV, as artes foram
negligenciadas pelos que estavam no poder, e as últimas farsas críticas
••
teve inúmeros privilégios e isenções, c pennancccu sendo a fonte
na qual o rei escolhia nomes para postos diplontáticos, militares e
que tanto brilho deram ao teatro medieval, foram as ele Pierre Grin-
goire (1475?-1538), cuja Farce de díre et écrire (Farsa de Dizer e Escre- ••
••
eclesiásticos; acima de tudo, no entanto. ele atrab os nobres JXlr;1 su;1 ~~er) ainda honra o gênero. mas só com o teatro de bonecos, na Pont
corte, onde a preocupaç·Jo com o sucesso social us Lvi;l c:-;quecer, Ncuf Brioché tentou alguma sátira durante o reinado ele Henrique !V.
ou lamentar menos, o poder político perdido.
Er~quanto isso, os a1~1adorcs, que vinhan1 preservando nas feiras
••
;?.02
Em todos os níveis havia rnarcada separaçJo entre os elementos da ;1s antigas formas medievais e populares, foram tendo menos espaço
estrutura social ela França: a nobreza ficava cli1 iclid;l c1 i!rc ;1 rica, que c perdendo qualidade, enquanto o futuro da literatura c do teatro
po~ha sustentar os luxos ela vida na corte, c a rmal, do:-; nohrcs que mal
VII'Jam ele .,ua~ terras, mas nJo admitiam, por lraclic:{lu. procur;lr ocupaçJo
lucra!Jv;J,coJn hem poucas compensaçôcs pm seus stlpo.c;[IJS pri1 ilécr 1os.
_ A I,grcJ<t era cliviclicb elo rnesmo modo: os .\l:~uJtclos cJtl ll'I-cc~ros
na França começava a ser traçado pelas mãos de um grupo restrito
tvlesmo ~1ssim, na segunda metade elo século XVI, ainda houve um
período clt· libcrtbdc cri:IÇ<lO, enquanto o teatro popt ,
••
h lhos ele llnbrcs cnlT<II;llll para a Igrej;~, omk alct!Jt.,;l\ ;1t 11 us lllelJ 10 _
res postos, CllCjlWllto os padres que vinham elo 'f(:rcciro l<st; 1c!o' eram
desprezado pelos uobrcs. L1zia cada vez rnais concessões :i parcela
mais ignorante do povo, sobrevivendo com as antigas Llrsas c. de ••
encarregados das paróquias maís pobres e ele quase todas as atividades
essencialmente religiosas.
E assim Lnnhém 110 Terceiro Estado. compustu pch hur~.;uesía c
IlO\'O, espetáculos ele Commeclio deli'Artc.

••
pelo povo, sotnanclo dezoito e meio elos dczcJ!O\C Jlliiltôc~ fr;mceses
daép:)C:d. Nele a !nrrguesia- os grandes comerciantes, o.c; profissio- As Teorias e Cmwençües
••
nais hhcr<!Lc; c o:; luncion<irios ela adminís!rdc;;Jo pt'thlic:l- na rica e
••
. \:) L.:L,\.;)SLS :\LL\;) l'í..)i\. li;~ !(iU',,! ~·tt\.ia \C/, l!tdi~\ .),_i!L'lll:.._

;!Ltstacbs elos setores pilpubrcs _gr;Jc.:as ao humanismo, importado -> ••


••
Com 0 tempo, somou-se a isso a ideia de que não e~a permítid~ o
pe!~s franceses quando das guerras com a Itália. Influenciado por
uso de palavras tomadas de línguas estrangeiras, arca1srnos, 1argoes
teoncos renascentistas como Scaliger e Castelvetro, no mesmo ano
rofissionais, palavras derivadas ou compostas. Dessa forma, aca-
em ~ue foi proibido o teatro religioso, Thomas Sebillet (1512-1590)
bava-se por criar uma prisão dentro da qual teriam os csCl:ltorcs de
pubhca sua Art poétíque, um prenúncio das radicais muclancas na lín-
trabalhar, devendo sempre, em primeiro lugar, obedecer as regras,
gua e literatura francesas responsáveis pelo repúdio ao teat;o medie-
em benefício das quais ftcava limitado até mesmo o recurso à ima-
val e o eventual advento elas formas do ncoclassicismo.
oinação. Em especial no teatro, o cerco era feito, alérn da: regras
O .arauto elas rÚonnas, Pierre de Ronsarcl (l)::q.-1)8)), destinado~~
literárias que Aristóteles delineou na Poétiuz, pela ;\rte P(~etzca, de
carrclfa diplomática, teve educação c~rncracla c 1 iajou nmilo ~~fim de
Horácio, na qual e~sas regras aparecem como dogma Ird1c\lVcl. Sob
aprimorar sua cultura. Ficando repentinamente ~urdo, ele se 1·ottou
essas influências, foi possível que, em 1674, o teatro francês ne~clás­
para os estudos, especialmente de grego e latim, sob a orienta<,;Jo de
sico fosse definido em dois 1·ersos, corretamente alexanclnnos: Que
Jean Durat (1508-1588). Em 1549, Ronsarcl, autor ele trma agradável e
um lugar e um dia, um só fato tratado I M::mtenha, até o fim, o seu
~eve poesia, passou a reunir em torno ele si um grupo ele jovens com
mteresses semelhantes aos seus, sempre sob a orientação elo mesmo paIco ocupa do ''"-. . . . c- •

Ficou estabelecido que o poeta não tmha chreltos, e a razao tmlw


mestre. Sendo sete, os jovens passaram <1 ser conhecidos como a
de ser seu guia. As regras eram tidas como qualidades em si mesmas,
Pléiade, a constelação, e dentre eles é preciso destacar Joachim Du
os poetas eram feitos, nâo nascidos. Ornais importante era obedecer
Bellay (1525-1560) e Etienne Joclelle (1532-1573). O primeiro publicou,
às normas, que vieram a se tornar mais importantes par;l a obra ele
em 1549, um ano depois do tratado ele Sebillct, sua nnt;:ível DéfcrzsP
um poeta do que su<J ill1aginaç:io. Esses grupm intdcclu<US tntp~t­
et illustralion de la lmzgue françuise, que clefcllC!e o frances como
seram tais restriçõe:; que só no llna1 elo século é que o teatro frc~Jtccs
língua lilcr<1ria, e Jodellc foi o autor ela prirncir<l tragédia ncoclássica,
começa a voltar 8 \ich Ohr<IS como as tragédias de Jodc1lc fora~n
Cleof)(Itre c:aptive (Cleópatra Cati\·;t ), ~em trwtorcs mé·ritos, e uma
escritas p<na un1 grupo muito restrito, c a maior p<trtc da popnL1ç:to
comédia, Eugene, com a qual g<Ibav;t-sc ele de tinalmcuk repucbr
ainda preferia rir corn ;ts Lns:ts sÍllí;ebmentc montadas por grupos
as forrnas Illeclicvais. Embora form;dmcilk rJLtis cLíssico, Elicnnc
~l!llbulantes. Estes\ i:-;il<I\:~111 Cjll<lSC todo o p<iÍS, ltt<ts por certo cr:tlll
Joclcllc deve llll!Íto ;ts Farsas meclit'\·<tis c o Jllclhnt ch stJél comédia, cttt
vistos Lnnbém c111 l\1ri:-; 11<t~ drus grandes feir~1s que linl1:1111 l1 r 11:.1
termos do futmo elo teatro francês, cst;i 11;1 di1 crlida crítica a drios
primavera e no outoilO, atr;ri!ldo um público imenso.
aspectos da \·ida contemporànea de sc11 p<tís
Se ;1 dramaturgi<tlt'lc ck se disciplinar c scí coar dentro
Quem afetou ele fi ni tivamen te to ela a 1ilera tu w frct!lcesa - c seu
elo ncoc1assicisnw, t;1mhé'm o espetáculo sofreu a ÍJJtlni':Jici;t chs
teatro, já que os dramaturgos ta mbé111 ti 11 h;rlll ele obedecer :Js llOI·a:;
transformações ;utístic;ts c sociais que caracterizam o século XVI liCJ
regras - foi François de Malherbe ( 15 5 s-tGz8 l, que:~, forma elo em
Franca. Ainda ocorriatn, na prin1eira parte do século, montagens cb:-;
Direito, fez carreira na corte, escre1·cnclo poemas Lwcbtórios hoje
grandes fJCúx6es na:; pr;tc;d:>, unclc crmn conslruích1:-; as v:1rias nwnsõcs,
esquecidos. A~sim como Du Bellav, ele !;ImhC·IlJ clcfcllCli<l ;r língu;I -ou seja,
· cenauos
"· ·I!IC1·11 ·1 · ·· · --~ 1· · ·--lr ]llC o 1)0\'0 ·sccrttW
1c ll~l!S p,tr,t CdC ,1 ep1soc I I, c ::> .
franccs<l, [)()félll agora não mais qualcpinlíii2;U~r fr;tttces;l, poi.'> e~Lt­
~~pé; porém, em meio ;Is lutas entre católicos c protcsUJilcs. as /Jcll-
belecia 1;íria~ exiJSências, corno a que ocluí;t tocl;ts ;Js form;ts que
xôes foram pcrclcnclo frn<,;l. c· é· por isso C[lle foi Ulil<l dCis !rtit;IIHLlcks
não o rrancês ela llc-c.lc-France- owk r1c;ll<llll L11Ito ;1 corlt' qu;mtn
;l \ f 11 i'·<' r\ i ( P:u· i : :l h · . !, , 1, ~ ~_c u 1,,:,,: , "()\t.l'll llll \ictl, qu ("'lllll! l{)ll~. ltll .\t'lt\ Ll1l :t~._'"tJ!J~j:ll
J'radtH./IU lHbS<L\(!
!·r<tltcc:-.a- ;,:-.:-.tltl culuu ;r que esl~rbciccr.: ;1 !1!11 c\ctf:;CI"ddct dos 2 tlté'.lt~· rctnp\i'. lltlilr;HJ. 1.'.\r/ i'oCttrjUC, C:,iJi\O ~· I"CI'0'
I"Ticnltc jll<qu·:, le~ t"11>
cL1ssicos cL1 i\lltiguidacle ou clm iLdi<ltlr" ,,.lll'>f"'-'"ti:-.1:!' ..

' ••
religiosas, a Confrérie de La Passion, que pela primeira vez apresen-
tou espetáculos em recintos fechados.
A Confrérie de La Passion, responsável pelas grandes pazxôes
Os Primeiros Autores
e Obras
••
medievais, foi obrigada a mudar de rumo com a proibição das mon-
tagens religiosas em 1518, e obteve da coroa, em 1548, o rnonopólío
É CLARO QUE AS restritivas regras que vieram a dominar toda a lite-
••
para a realização de espetáculos teatrais em Paris. Um antigo palácio
do duque da Borgonha estava abandonado, assim, a confraria refor-
mou e passou a ocupar o teatro do Hôtel ele Bourgogne. A exclusivi-
ratura francesa só podcrian1 ser aplicadas a nm<l arte voltada pa~a
um grupo restrito. ~~ exdblln~nte o que aconteceu no teatro frances ••
dade da Confrérie não chegou a significar que não se fizesse teatro
em Paris em outros locais; mas os grupos que se c:mclidatassem à octt-
dessa época em que 0 conceito ele mon;uqUJa nacwnal, quefora
socialmente inclusivo <llé certo ponlo na Espanha e amcb ma1s na
Inglaterra, se tornou na França cada vez mais al~solutista e centra-
••
pação do Hôtel ele Bourgogne, em dias nos quais a cornpanhia resi-
dente não se apresentasse, teriam ele pagar uma taxa. Pior, essa taxa
se estendia tambérn aos que levavam suas peças em palcos improvi-
lizador. Ao longo elo século XVI, letras e artes reahrmaram ele form<l
cada vez mais forte o clima do absolutismo, talvez mesmo porque ••
sados nas feiras.
Nesse novo teatro - onde foi instalado um palco crn nível mais
0 estabelecimento da monarquia nacional tivesse sido alcançado ao

preço de tantas lutas domésticas.. . .


Uma nobreza privilegiada contmuava a explorar unplacdve~mente
. ,. . , , ••
alto do que o da plateia- o aspecto mais pitoresco foi o respeito atcí-
vico pela antiga forma ele encenação das paixões: em um espaço
exíguo, o fundo elo palco era coberto por um grande tel:io em que
suas grandes propriedades, sem mostrar qualquer preocupaçao com
aquela grande massa que sobrevivia apenas com o pouco que poclw ••
20Ô
apareciam pintadas evocações ele locais variados. Ess<t ideia serviria
também ele apoio :'ts peças de Alexandre Hardy, ell! que ;1 ação não
raro se passava em vários locais.
hrar, para comer, do que cttlli\·av;l para os donos da terra, c os nlOn~r­
cas que ocuparam o trono <lO longo desse século conturbado nao
tinham, eles mesmos, maior interesse na cultura ou nas artes.
207 ••
A adoçé1o pelo neoclassícismo francês elos três princípios de uni-
dade de aç;lo, tempo e espaço, atribuídos~~ tmdíc,:;lo ;~rislolélica- ou
Até os primeiros anos elo século XVIJ, no entanto, ainda foi possível
0 aparecimento de un1 escritor teatral em no Alexandre Hardy ( 1)7)- ••
••
1(1)2), de quem se tem JS primciL!S notícias em 1Ôn,quando tu;h;I
seja, um dia. um lugar, mn único tom-, acabou fú;.cJJdo clcsaparcccr
esse estranho vestígio ela Idade Ivléclia, c todo o teatro francés ern seu emprego fixo como autur Il<l c:o!up;lllhia VcJ_llcran lc Conte, ~1u; thc
cíurco período no século XVII é apresentado corr1 o palco neutro, corn compra\'<1 as peça;; por uttLJ tlínharia e o llnpcclw de publica-las.
pano de fundo c rompimentos laterais, geralmente prelos. I~ preciso
aclmtbr que tal cotivcnç::ío era também muito cotJvcnienlc para o
c sJo compreensíveis L111ro su~1 rcvolt<l como suas mmtas tental·r-
V<L; ele escapar dessa espécie ele pris:'ío intelectual.)<~ em/ 162s, ele
-
;J
o
·~
••
novo teatro profissional, tanto elo ponto de vista econômico quanto
do de mobilidade: sem cenários ou quaisquer outros elementos de
construção ele cena, os atores podiam apresentar-se tanto nos salões
conseguiu, por urn curto pcríocl~), escrever para os Corn,echcns dt~
Roi, ele Bellerose, pcm;m estes foram aglutmados p~r valleran lt.
Conte, c novamente Ibrdv ficou impedido de publicar. O resul-
<
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s~
••
••
2
dos grandes paLiei os particulares, quanto em teatros. t;1clo elo egoísmo elo cmprc:;<írio foi que, apesar ele ter ele escnto, ao J.,

que parece, cerca ele seisce1lt<ts pc<;as, só sobrevtver<m: 34 das obr;Js ""
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dr, 11 n:íticas ele Harcly. entre c mcloclrarnas. Cranclemcnle

, 111 u;':>
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a currc:spuiJdu.
r:];r;l_ c.:.;sc é· o ÚiÚCO dr;.1n ~:t.l
,,pzx:.t, <~ lil.K'rcladc ljlle tiveLtlll o:; copc:-
iH
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••
;,lJ,jj, cl() Século ele Ouro c!),, iw:lc-;cs clisabetanos. ""'
••

Indiferente às notórias regras neoclássicas, Hardy usou, ern suas Corneille e a Polêmica
obras, tanto a mitologia e os temas clássicos quanto o seu mundo doCíd
contemporâneo. Se não se iguala aos maiores, ele tinha sem dúvida
um considerável talento dramático e teatral, trazendo para o palco
a ação viva, com grande habilidade para fazer caminhar a trama. A PRIMEIRA FIGURA !MPORI',\NTE do novo teatro francê.'i foi Piem: Cor-
Ele pode ter sido oficialmente ignorado mas suas tragédies irregu- ne~lle (16o6-1684), um grande talento que muito sofreu por cama cbs
lieres, irregulares por não obedecerem às regras, tinham uma \·ida exigências das regras que condicionavam o teatro. Nascido em Rouen,
cênica ausente da disciplina das tragédias de Jodelle. ,\facilidade elo te\'e educação primorosa, cstudou Direito c, uma vez formado, come-
sucesso, a constante pressão pela composição de novas peç<Js e o fato cou a exercer a prot1ss<io. Dois incidentes mudaram seu destino, sendo
incontestável de não ter sido bom poeta trabalharam contra Hardy, ~primeiro uma peça ele Alexandre Hardy a que assistiu c que o deixou
que não conseguiu o apoio da corte, e acabou seus dias escrevendo entusiasmado; a seguir. meio por brincadeira, escreveu sua JmillCl_ra
dezenas de peças sem mérito para os teatros das feiras. É~ possí\ c! peça, 1v1élite, para uma festa ele amigos. O segundo incidente ioi
que o destino do teatro francês tivesse sido outro, se Alexandre Harcly que, por acaso, a companhia ele Le Noir c Nlondory estava excur-
houvesse tido a qualidade de um Lope ou de um Shakespeare mas, sionando, parou em Rouen, (juando foi rnontado o espetc'ículo, e com-
mesmo ignorado pela corte, ele foi exemplo para novos autores, que prou a peça para seu repertório. A peça alcançou tanto êxito em outros
aprenderam com ele a escrever cenas de ação em lugar das imita- pontos ela excursão, que a apresentaram em Paris.
ções de Sêneca, que apenas debatiam o que acontecia fora do palco. Cnrneille experimentou compor, a seguir, uma tragicomédia, qm:
Uma figura que excmplifica bem o processo elo aballclono da ohra foi um fracasso, depois da qti;tl \em uma série de cpwtro comédi~1s,
barroca ele Hardy até o classicismo característico do absolutismo frall- todas c las monta elas pc L1 companhia ele Mondory. O sucesso le\'<Jtl 20\)
cês é Jean Mairct (1604-1686), que começou a cctrreir;l csc:revcnclo Corneillc para Paris, onde cl~." escreveu, em lÓji, sua primcir~1 trag(:-
de forma "irregular", isto é, com total liberdade par;! ;1 criação, c clia, Méclécl. que ni"ío (: g•<tllclc coisa c, logo a seguir, \lll\<.1 colllt'dLJ
alcançando certo sucesso. Em 162C), no entanto, ele escreveu unlél <ti lamente tccltr<tL /,'1//usiun c;u!IZÍC(Ue !,\Ilusão CCm1ica i, um lc-Jn
tragicomédia pastoral, Silvem ire, em que j;í rcspu L1 cu id;·Jdosa mcnle magistraL illHm·JJCI:tdn 1wL1 Conune<lio dell':\rte, IlldS. incoJllp:lr<l·
as novas regras, acompanhando-a de lllll prcLício ddcmlenclo a 1clcia 1clmcntc mais elef.;<lllle e SlltiL que com imensa habdidadc l.'tdat,;J
de que ess;Js regras passassem a ser respeiL1cLL\ por locla c qualquer duas tr,mus :\ ess'J·~dtur:J de é: c!J:I!nadu pelo cardc1l RiciH:licu p:1m
obra teatral. Em t6)-j., ele lançou SotJhonisbc, <I prirucira lrc1gécb i11 tcgrar um grupo de CJI1Cll :ltJlorcs, para escrever peças sobre idci:1s
neochíssica, \ercladeiro modelo de obecliêllci~l :1s tnlicLrdcs ele local, , uu aprilllur:H r1 q11<.' de c.,crt:l ia, grupo esse du quctl f<tzlJ p:ute
tempo e gêHero. Tendo alcançado bastante sucesso, a t1·agédia pesou também Jean Mairct. Corucillc cometeu o graudc c illlprudcnte des-
muito na aceitação geral ela virtual camis<l de força imposLJ ao teatro. lize de discordar elo c;Hclc;ll sobre o desenvolvimento de uma lrama,
Foi muito az<tr, portanto, que esse sucesso se lct1ha chclo clois arws tendo não só sido afasLlclo elo ;:;mpu conto, na verdade, ohrig;tdo d
antes ela cstrcia ele L.e Cid, ele Corncille. 1oltar para Rouen. . .
Foi enquanto esta1:.1 ctll s1t:t tc:rr:l natal que ComCJllc cscrcl·cll SLLI
oln:t rnais célclm·, :1 lll<lf:ll 1 [,c Cid, nmíto íntlllclláicb pchs lr;l-
- [• . ',:, 11 !; ·.i'
. ·~

seus modelos ~spanhr'Jis, L;ire~ L'lll torno da honra e do amor. Para ,.i11g:n =
,, q:\1 10 pe1i ctll tlllU di,!HILI · IHJlli'L (J jmcu1 Rudtiguc tlt;ilct (J i 1:ll
-••
de sua amaJa Chimene e, quando está sendo procurado para pagar o fortemente aplaudido. Seguiram-se Cinna, Políeucte e La 1\1ort de
Pompée (A Morte de Pompeu), podendo ser Corneille, então, consa-
••
••
que ela denuncia ao rei como crime, chega a notícia de que os mou-
ros estão ameaçando a cidade. São de tal monta os atos ele heroísmo grado como autor trágico. A disciplina foi compensada com sua eleição
ele Rodrigue que os próprios mouros lhe concedem o título de Cid. para a Academia Francesa. Corneille só viria a se deixar levar por seu
Diante desses fatos, o rei julga não poder mais punir Roclrigue com a
morte, perdoa-o e dá a Chimenc um ano para se refazer ela morte elo
pai e, depois, casar-se con1 o herói. A estreia de O Cid 110 Thé5trc clu
entusiasmo pela dramaturgia espanhola mais uma vez, na comédia
Le Menteur (O Mentiroso), inspirada em La Verd(l(l Sospechosa V\
Verdade Suspeito~él), ele Abrcón Foi longa a carreira de Corncille:
••
Marais, no início ele 1637, foi triunfal, c tudo inclict\·a õcr esse o illí-
cio de urn renascimento da liberdade formal no teatro fr,mcês. mas
porém, <1pós anos de sucesso, ele foi se desgastando, suas peças p~~s:a­
ram a atrair menos o público. Quando, em 1670, ele apresentou I ztc ••
o sucesso provocou ciúmes em outros autores. O principal crítico ela
obra ele Corneillc foi justamente Mairct, o defensor da~ regras, que
prolongoti por tempo consiclcré'ível a "querela elo Cicl". Pesem também,
et Bérénice, foi 1nenos por falta de qualidade do que pelo resultado de
uma teia de intrigas que a obra foi tot<"dmcnte ofuscada pela Bérénice
ele Racine. /\s intrigas eram comuns na busca de sucesso; consta que
••
e muito, o clescntcnclinleilto com Richelieu, que n;l.o só se recusou a
apoiar Corneillc como, ao submeter a questão à Academia h·anccsel,
Racinc conseguiu ser inform<Jdo sobre o tema ela nova peça que Cor-
neillc estava preparando, escreveu a sua própria c a fez estrear un 1e1 ••
••
clava clara indicação ele que essa devia condenar a obra. semana depois da peça daquele autor, cujo sucesso começara trinta
O parecer ela Academia é a confirmação de que as regras tinharn de anos antes, ao tempo em que Racine nascia. Já tendo tido um outro fra-
ser respeitadas, c aponta todos os "erros" ele Corneillc na composição casso pouco antes, Corneille se afastou do teatro, e após um período de
de sua obra. RcvcbllClo nJo han::r qualquer ccmfi;liie,;a na imaginação
ela plateia, a Actdcmia Francesa condena o fato de él <l<.;Jo, 110 Cid,
silêncio ainda escreveu duas peças, porém estas também fracassar~tm
c ele morreu triste c ressentido por ter sido abandonado pelo público.
A beleza e a fcm,:a poética ele Le Cid nunca mais foram igualadas,
:n
••
••
210
mudar de local mais ele \1111<1 vez, e deixar o público, 11a opinião dos
<Icaclêmicos, sem saber "onde esta\·;/'. Foi conclen:1clo, com l10rror, o e só podemos lamentar que Comeil1c n<'lo tenha podido continuar
comportamento de Chimc·Ilc.lid~t como impudic1 por receber Roclri- a escrever com a liberdade c a imaginação dessa sua obra-prirrlé1.
guc (mesmo que ccrinl<Jilios;tltlCJitc) ctl! seus apusc·Iilo>. c >ctl cmu-
purtamcillo Ltcl:<tdo ele c·sc;lllclaloso ..\costum;td() .1 tr;l::_;écli;ts (mele
,\maior parte das pcç;1s ele Corneille JGÍ foi esquecida, mas con1 a:;
poucas cscriL1s entre lÔ)(J e 1640 ele l1lctrcou definitivamente sua
presença nd dramaturgia mundial. É~ comum a afirmação de que
••
••
tudo acontecia for;I do p<lko c em cetta era apcn;t<; l'CJ!l.ll'Jtlado, foi
ltlll choque para n pt'dllico cfcti\amente ,·er o pai ele P.odrigl!c 1c\ar Comeille criou homens como ele acreditava que deveriam ser. ,.,
:J
uma bofetada do pai ele Chimenc. Pior elo que tudo, 11<1 pu:J, o rei é enquanto Racinc viu os homens como eles si'ío. Racine ficou m:1ís
contra os duelos e sua autoríclacle não é apresentada com u puder total
que de\'cria ter, permitindo-se o autor, além do mais, incluir na obra
a frase "Por grandes que os reis sejam, são só o que somos">. Conside-
famoso, mas o ímpeto da ação de I ,c Cid possui uma força teatral
que não teve iguais em seu tempo.
A opção pelas regras liter<'írias, depois deLe Cid, passou a ser obri-
<
v
••
rando prudcntcJnt·nlc o que tais comentários poderiam ClliS<H ,·1 'iUé1
carreira de dramaturgo, Corncille se recolheu em Rouc11
gatória no panorama tcatrcll. O que o autor tinha de obedecer pode
ser assim resumido: 8
2
••
Quatro anos lll<tÍS t;trclc, Cumeillc \·olta do teatro C'Jlii :.l!ll<!
rli1./ ''.'. j'' J .. ::,;; ':.;; ·,;;,: ''
:::1 1
:í._ '_I". ·,,·1 ;;)]
drinos- de do1.c \ílaiJé!) -, l·un1 puuct~ pcrsollagcm em cena. :)cu
"'
••
'i'r~Jduc,..;;ltl
"~-~~~q~~·· ··!
ll!J\\;l :-\n rn 11,1!
1
"l)ot!r ~r;nHJ..,
:'i./. \ltJ :. c>it.!
qtlC 'IOicnt
r~
k-:. r,Ji·,, :),, :,r111i · 'itH-' !!IIIJ'>
nbic!ÍI·n <:' n de ''msiTllÍ!' ICi() t' f'liSÍll<lf de forll1<l deJeibí\'CT' j)OI
-
••

úb1ico composto pela corte e pela nobreza- c minimarncntc pelo
quatro meios diversos: o uso de sentenças; a retratação ingênua dos
vícios e das virtudes, o que faz com que estas sejam arnadas, e do que
~ecluzido número de burgueses bem-sucedidos e ricos- foi Jean Racinc
( 16
resulta o interesse psicológico da tragédia; o "feliz sucesso'' d8 virtude, 39-1699), poeta incomparável, a quem nenhuma daquelas incon
que convida à sua imitação por interesse; e a purga(;·i'ío das paixões, táveis regras jamais pareceu incomodar; muito pelo contrário, elas o
que Aristóteles chamava catarse. motivavam ou desafiavam, e dentro delas ele criou toda a sua obra.
O terna eleve ser ilustre, extraordinário: as personagens. reis c prínci-
pes, o que resulta na dignidade trágica, na nobreza dos sentimentos e
na ausência ele preocupações quotidianas, o que permite que fiquem em
jogo grandes interesses, c que a decisão de um homem jogue a sorte ele
um império, proporcionando a ressonância, a amplificação da emo- Racine: O Triunfo
ção. O amor é assunto insuficiente: é preciso alguma grande paixão / 1·1a "A. caclenuca
da '1~ragec ~ . "
"mais nobre e máscula", tal como a ambição ou a fome ele vingança.
O assunto deveria ser tomado da história ou da L'ibula, pois a dis-
tância dá prestígio ao~ fatos. A história permite a apresentação ele ~ASCIDO EM LA FERTÚ-MILON, Rac:ine estudou rt<lS Pctites F:colcs j;m-
ações extraordinárias, e garante uma certa verossirnilhança. Nada de senistas de Port Roya1, onde <~prendeu grego c latim, passando depois
detalhes, que podem ser alterados para que fiquem bem-adaptados para o Collegc cl'Harcourt, em Paris, sendo seu plano entrar par~1 ;1
ao efeito geral, que é o principal. O tema dcYc fornecer 1nna ação igreja. Completados os estudos, tentou alcançar, por intermédio de
completa c e~cabacb, uma situação na qual o herói entra e SélÍ. I:i: ~~m tio, algunl posto religioso. rnas não conseguiu. Voltou-se enlJo
necessária urna certa arnplitude, mas também c:onccnlraci'ío c inten- para uma vida ele grancln prazeres mundanos, c dedicou-se a llllU
212
sificação. Nada de dramas latentes; tudo tem clt' ser cLnc,J e preciso. carreira literária. Ele jCt ha\ ia escrito dlguns verso.<; religiosos qu;mclo
A açâo tetll de ser uma e simples, sendo proibidos os enredos cstucbva ern Port Roval, c <Jgor,J, sonh,mdo com a curte, conJeÇo\\"
múltiplm. A intriga eleve permitir a inclusão ele um pottcos fatos escrc' c r' crsos laudatórios c1 pmsívcis p<ltrono,.
destinados ;1 pôr i'1 tm)lél a virtude do herói em .'i\ld'i e, fora Em Paris, RacÍile p<lC'SOtl <1 CrequcnLlr círculos ]iter:trio~, tornando-se
isso, se concentrar na an;'ílisc psicológica. '\~~~:;<lo dn c ser limitada :Jinigo de La FonLIÍnc c, u que t' !llais significativo, Lunbém amigo ele
a uma crise: dcH' começar o rnais tarde possível, clcsclc que fiquem
\[olicrc. 'T'uclo em sua \icL1 imlic;l qtJC l\acinc acreditava realn1c11tc
estabelecicbs <ls prcmiss<lS do conflito, c acab<tr o mais Lre1 c pussí1·cl
que o poeta era feito, n~io nasuclo. c que ;1 Jnclhur poesia scrÍ<l<l c~uiLl
de acordo corno que jü era, ul!:lo, <tprmaclo pela '\caclernia Franccs:J.
depois elo :tcoritccilnclllo cmcial. E tudo se p:ts:;<~ em JH>IlClS horas.
Intrigante, earreirista, é poosível até mesmo c1ue se diga rnau caráter,
Os dois princípios que regem a ação são a verossitnílkmca c a neces-
R;tcine foi realmente mau colega tanto em relação a Molierc quanto
sidade. Esses dois valores sâo conflitantes; a \'Crossinlilhanç:l é a obriga-
:.t Corncillc. /\.lternando entre o dcslulllbrarnento pela corte c a :wstc·-
ção de se criar fatos nos quais o público possa acreditar, c <l necessidade
é aquilo que o poeta tem de fazer para alcançar sett ()bjdivo na com-
ricbcle jansenista a que foi acostumado e1n seus anos de fonnac.;:Jo. St'LÍ

posição ela obra. O equilíbrio entre os dois é o gr<mclc problema. possí,cl, t;.th·cz, concluir que !<,:1cirw foi um pum:o rLutufo.
\I i< I
l"ni :.1 con1panhia rl() 'lrni·<o '\lnlii.:rc que montou. Clll
' :,I ! ·I, ·.· , t .i ',. ', ,-,i,.,, ; . : ·\ ' j .J . 1

J<:r<l t ~;, !:l('t<J dct;dh 1 •.i ;,i,: ' i I,


( )s lnll<1os [nimigos). Ufll ~tJCcsso r:tz.o:'l\'ICJ justificou que<~ cotnp,l-
loc<tl, lclli[JU c Uccuru, c o próximo autor a <ticdll\'<tr" f<tlll;t tlél época
'
::,:i:llliUlJlassc:,u;Jsc·;,;ul '·t'',,:.',,
., ,, '- L.:
, , .\!c.'.''fl,'Clr" Cmncl, IHJ l';d.tí·,
elo absolutismu fLllll'2·-;. cscrc1 endo · !,_.'':!r:::: l'l"i\·ilc::~i<tdo

••
Royal. A peça fez bastante sucesso e imediatamente, Racine, pri- Doze anos depois de abandonar o teatro, Racine escreveu mais
duas obras, ambas bem diversas daqueles intensos quadros de paixão
••
vando o amigo do sucesso, passou-a para as mãos dos concorrentes
de Moliere no Hôtel de Bourgogne, que eram mais conhecidos como
trágicos. Outras evidências de sua ambição e falta de escrúpulos apa-
que foram característicos de suas tragédias. A última amante e, na
verdade, após alguns anos, efetivamente mulher de Luís XIV, embora ••
recem quando ele escreveu um ataque inteiramente pessoal a Pierre
Nicole, antigo professor em Port Royal, simplesrnente porque esse
este jamais proclamasse o fato ou desse a ela a condição ele rainha,
wme. ele Maintenon havia mudado radicalmente a corte francesa;
sob sua inâuência tudo rl.cou mais sério, mais tristonho, mais devoto.
••
••
havia escrito urn ensaio em que denunciava os autores lcatwis; ou
quando fez sua amante elo momento, mlle. du Pare, brilhante atriz, []a criaw, ern St. c:yr, Ul11 colégio paw filha:; de nobres empobre-
abandonar a cornpanhia ele Moliere para ter um papel import,mte cidos, e foi para cs~as jovens que pediu a Racine que escrevesse urn
em sua tragédia seguinte, l\mlromaque (:\nclrômC~ca), que foi um
grande sucesso em 1667.
texto teatrCJ\, 1nas piedoso. Em 1609 foi montada Esther. O estrondoso
sucesso alcançado pelo espetcículo, ao qual assistiram membros da
corte, foi o sufícícnk para que <cl piedosa patronesse ela escola consi-
••

Começou a essa altura o período áureo da produç:;1o teatral de
Racine, iniciado corn a cornédia Les Plaideurs (Os Litigantes), de derasse o resultado rnuito mundano, exigindo que a peça escrita dois
1668, inspirada em As Vespas, de Aristófanes, seguida por Briton-
nícus (1668), Béréníce (167o), Bajazet (1672) e Mithrídate (1673,
anos depois, Atlwlíe, fosse apresentada no estrito recinto da escola,
sem a admissão de qualquer público, por mais nobre e importante
que fosse, a fim ele preservar com rigor a natureza religiosa e pura
••
quando foi eleito para a Academia Francesa), e ainda lfJhigénie en
Aulide (1674) e Phedre (Feclra, 1677). Se Racine havia agido rnal
para corn Corneille quando este estreou Bérénice, justamente na
da apresentaçJo. Naturahnentc, mais tarde, Racine tomou as pro-
vidências para que wa~ duas obras dramc\ticas de le.mas bíblicos se ••
2'-j
cstreia de Feclra, sem sombra de dúvida sua obra-prima, Racine
pagou o mal que fizerc\ a seus colegas. Tendo seu corllportamento
lhe gerado uma série de inimigos, c sendo as iJtlríg<IS nHwda cor-
tornassem conhecidas c fossem publicachs. Dado o altíssimo nível
da poesi<t c a l1;mncmia da aç·ão, :;cria uma perda grave o desapareci-
mento dessas chléb inesperadas peç·as sobre temas bíblicos.
21)
••
rente na corte, como n<l\ artes, consta, ent1o, que um grupo des-
ses inimigos resolveu \·ingar-se de Racíne, de forllla crn;lumlcntc:
])epois de aLtslaclo elo teatro, !Z<Icinc, aos poucos, retornou à reli-
gi:\o ele sem pri1nciros :mos, reconciliou-se com Port Royal, e seus ••
compraram todas as entradas para a noite de cstrcn de t~'eclro. c
cleixararn o teatro inteiramente vazio. E assim, como Raeille havi;l
feito a Corneille, outr:1 manobr<l contra ele fez com que l'rciclon
(dtirwJs dias se p:IS~:tram clll c:lim:l de extrema religiosicbcle. Sublinre
poda, cada obr;t sua é um triunfo elos prir1cípios determinados pelo
icisJJto. Ohcclcccndo ele à risca tocLls as regras que acaso
g
!/)
••
estreasse ao mesmo ternpo que Fedra sua tragédi;t Phêclre ct 1--iip-
polyte, e esta fosse, ele comum acordo, consideracb rnuito Stiperior
\ icssem aínch1 lhe serem impostas, ele <tS lr<mscendeu, e suas peças
demonstram o que um\ crcladeiro talento pode criar, mesmo quando
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••
à obra de Racine, o que é inteiramente falso.
O fracasso inicial de Feclra marcou Racine <1 tal p011lo que ele
nunca mais escreveu p<tra o teatro, elo qual se afasto11. sendo pos-
cerceado por regras que parecem aptas a podar qualquer criatividade.
Essa limítac,·iio do talento n::ío aconteceu no caso de Racine. Ele
usdva ~1s trh unicL1des 1xna concentrar <1 C~lcru:,::io da obra em uma
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(.)"

2
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••
tcrionnente llOmcado historiógrafo da corte, posto que ele ocupo11
por longos anos. Sempre: pronto a busc<tr apoio c p~tl roC:ÍI\1() 11<1 cmk,
única aç<lo, p~n~1 ;1 qual poucas personagens, em um único local e
lllélt1lnHlo cu1 tucl():; o~ !llOiiiCIItm o tom CJclequ<tdo ao tema tratado,
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lJ lilll!ll!! \Cill ;.1 ~CI ll\ll Jl'!CldliC CC\[0 l\l(Tl[O, C j)dY,il\1 lc\,ll' UUEl ()iJr<l -- IIIC,,Ill\1 que ~cn1 dÇ:,!o prujJrl,l\!tCtlll' dtLt ilU palco e só clcba- ::
viela discreta, sempre <1 ~u1 ic-o do rei. C'il '-"'""·' -- :111\IJliu·minJ\:1 t:]n loo:~n ii1dl:llll sido apresenléiCLIS ;.·~

••
suas consequências. Esse passou a ser o modelo perfeito a ser imitado o rapaz mudou seu nome, quando se juntou a um grupo de amigos
por todos os que sonhavam escrever tragédias, com a rigidez formal para formar uma companhia chamada L:Illustre Théâtre. O grupo,
acabando por ter consequências negativas, por meio da rnultiplicação do qual fazia parte Madeleine Béjart, era ambicioso, e quis desde logo
de maus poetas, persuadidos que respeitar as regras seria o suficiente tentar fazer carreira nos palcos parisienses. Incapazes de concorrer
para que se tornassem grandes autores. com os profissionais estabelecidos no I-lote! de Bourgogne, ao fim
ele dois anos estavam falidos c, apesar ele o pai ter ajudado corn as
dívidas, Moliere ficou por un1 breve período preso por elas.
Sem se deixar abater pelo fracasso inicial, lVloliere e alguns JllC1ll-
bros do grupo conseguiran1 ser aceitos corno atores na companhia ele
Moliere: O Espírito Cômico Charles Dufresne. Esta era, segundo a nomenclatura teatral brasi-
da Renascença Francesa leira, mambembe, e com ela eles passaram quase catorze anos, tuclo
esse ternpo transcorrido em excursões, principalmente pelo sul ela
França. Ao longo desse período, i\1olíere não só aprimorou c refinou
A ESSA ALTURA, QUANDO todos se preocupavam com :1 nobreza ela seu trabalho de ator, como eventuCJ]mente tornou-se h;Sbil c1bcça
tragédia clássica, aconteceu no teatro um fenômeno inesperado. De da companhia. O acontecimento mais importante desse período,
1658 a 1673, o teatro de Paris foi dominado, e ficou devidamente des- no entanto, foi o da inici;Íç:ão ele Moliere corno autor, precipitada,
lumbrado, por um verdadeiro gênio cômico, que difere ele Comeille muito prm·avelmente, pela sirnples necessidade de novos textos P''ra
e Racine não só pela têmpera de sua obra, mas tambén1, e principdl- o repertório, sendo o seu talento desde logo reconhecido. i\s priJJlCÍ-
mente, porque realizon o mais extraordinário dos feitos l~ mn caso ras peças ele Moliere, todas das curtas, tiveram corno base intrig<~s clcl
21~
único, no qual chega a ser atingido un1 estilo obediente. sob quase Commeclia clell'Arte, o que não é ele surpreender, já que consta qtlc
todos os aspectos, ~is exigências ela corte, sc1n J<1111:lis cleixar de ser :vlol icrc fizer<t un1 <lprendiz.aclo ele ;ilor com 'T'iberio Fiorcll i, c!u-
um teatro c1uc husc:ava c alcançava urn público tllltÍlo 1nais dlllplo lll<tclo Scaramouche, scgu!ldo a pcr.-,oJtagcrn que ele crÍ<H<l par;1 <illi<Ir
que o dela. coJllO .::wwi na conlpanhi<l dos CumédieJlS [laliens du Roi. l k:-;s;~
Apesar elo que cscrc1·cram Corneille t' Racine, o 11uiur !I01lll' r'plCd J·cstalll L'(;uwrdi 1Cl .\lônitol, Le Déj;it anwureux (0 DcsiK'Íio
grande c generoso período do teatro francês, o nuirn clcl::·s toclns, que \nwtoso), Lei /Clfousie de Borhnuíllci (() Cit'1me ele Barhouillct) e
~ó obedeci<~ ~ts rcgr<lS em seus termos, rccorrenclo a pcquL'Ilas brechas Le ,\lédecin volant \O i\léclico Vobnlc), todas escritas entre 1 -) c·
que clcscobri~J. aqui e ;di, p<na poder escapulir- ao Jlll'Jlo.-.; momen- J(l~-. v todas chs j;i re\ claclcJr<lS elo gé:·nio, do humor c d<l C<tpacicLlck
taneamente- ele sua ditadura, opta pela comédia, que 11Jo devia ser crftica elo autor. São todas, sem clú\·ichl, apenas divertidas c Iigciras,
tão rígida c, felizmente, tendo o apoio quase infalín'l elo rei, ousou mas eleve ser notado, acima de tudo, que nesse pequeno conjunto
ao máximo, sendo repreendido e proibido ocasiona IJ1lc'lltc. já encontramos vários do:; !CllldS que truis tarde serão tratadm por
Jean-Baptiste Poquelin, mundialmente conhecido con1o 1\Iolicre \·Ioliere com outra profundicbclc, como o ciúme, a facilicbdc de·
(1622-1673), n;lsceu cn1 Paris, filho ele um respciLJcb t;J]K'ccíro elo cm;~mu do::; tolos. a incompctê11CÍ:l elos médicos.
rei. Sonhando o p;ti c111 1·cr o filho hcrcbr su;1 illlj1nrl:iitk pr 11:.1 Os ~111us ev·t1rsJo ;tcmlt1llL!r:llli :\lolih·c a alcam;ar um pt'1hltcr'
(·n1tc_ <...:c'n~ i!' i·: '·'t;il-r 1 .'i· ,!-:: ,,'.. !; :· !·,. "'

após ter cmnpld<Jclo su<l ótima educação. resokcu dcclíc!r" 1 ícb ;w it;di<JJJ<Js. 011 pcc;as ele tntrÍi.;<l csp;mlwhs. o que lhe foi ofcrcccmlr,
I.
tc~ltro, rcctJs;JJ ,).__ •l li
-•
contínuo aprimoramento, a certa altura o grupo j<1 havia conquis- Quando Moliêre já estava tendo um sucesso bastante sustentado,
••
tado, primeiro, o patrocínio do Duque d'Épergon e, a seguir, o elo
irmão elo rei, o Príncipe de Conti. Quando, em 165;, a companhia
0 Petít-Bourbon foi demolido, e a companhia de Moliêre foi devi-
damente instalada, nos melhores dias ela semana, é claro, no Palais ••
resolveu se arriscar em Paris, foi esse último quem conseguiu para
o grupo a oportunidade de aparecer diante elo rei. A esrreia se deu
com um espetáculo composto pela tragédia Nicomede, ele Corneille,
Royal, que fora todo reformado. Em 1661, Molíere faz sua única
tei;tativa de escrever obra mais séria, que ele chama de "comécli:1
heroica", Don Carcie de Nawnre um retumbante fracasso, rapi-
••
c a farSél Le Docteur cmwureux (O Médico Apaixonado), elo próprio
fvlolii::rc. O rei se divertiu tanto com cssi! última que imediatamente
damente tirado de cena e csqucciclo, substituído a toda pressa por
L'Écofe de:; nwris (T~~~cola ele J\1aridos), que teve grande sucesso. ••
pnl\'iclenciou para que lVloliêrc e sua companhia passasselll a ocupar
o Petit-Bourbon, nos dias mais fmcos da semana, em altern~=lncia com
Scaramouche. Foi ali, portanto, que Moliêre alcan~·ou seus primeiros
Nessa comédia, como em L'l~:cole des femmes (Escola ele Mulheres),
lVIolicre se mostra claramente oposto ao tratamento que era dado às
mulheres e aos casamentos de homens já maduros com moças que,
••
grandes sucessos em PJris, com Les Précíeuses ridicules (As Preciosas
Ridículas), em 1659, eLe Cocu imaginaire (O Cornuclo Imaginário),
de acordo com a natureza, se apaixonam por jovens, mas sempre
com todas as suas ideias expressas em termos dramáticos. ••
em 166o, a primeira expondo ao ridículo as jovens burguesas que
queriam imitar os (também tolos) requintes da nobreza e a segunda
denunciando os casamentos disparatados que conduziam a quase
É: preciso lembrar que Moliere vivia em um mundo que se pro-
punha especificamente a viver uma vida falsa, antinatural, na qual
uma "preciosa" não podia falar ele modo normal, já que as autori-
••
inevitáveis adultérios.
Não fora!11 pouco~ os condicionaluentos a que foi ~ulnnetido
fVIolii:·re. c que Aeta\'alll t·anto stw lt·m:Hica quanto sua forma. Por
dades literárias decretavam que ela não deveria ser compreendida
pelo povo, e onde o ljllt:: levava o nome de "amor" tinha ele passar ••
••
por etapas pree:;tabclccidas: corueç~anclo como um prazer desinteres-
cn1tro lado, dada a sua COIIlttrbacLI c sofrida viela emociorwl, é forcoso sado, ele tinha ele pass;:1r ao respeito, depois à assiduidade e, a seguir, 21<)

'>cntir o mais proftll!clo rc:->pcito c <Iclmiraçào pela perfeita smtellL;c;i'ío à inclinação, para ~10 fim poder passar pela cidade ela ternura c pelo
ele lllllé! exemplar posi<.;~lo ele a111or e contpreens;:1o pelo ser hunJaJIO,
l:lllto elo lwtllCIIl i\lolii:-rc Cjll<lllto do ~11ilor até o fim de ~cu:; clías. Fsst:
<!p;~íxonaclo amor por :;cu~ scmclh:mtcs é o que mais lramp,necc por
mar elos perigos <llé chegar :J sua coroa(;ão. Nesse mundo, é claro,
n?1o podia Liltar lll<ltt·ri;l-prima pe~r~1 a comédia cLíssica que, por defi- ••
••
nição, clen' pllilÍr t) erro pelo r1so.
lJICÍo de seu riso intcligclltc e rcspon.'<Í\·cl, que é crítico scí qu:tmlo l~1lento ele primeirís~ima água, Moliêre ;llirmou que seu intento
dirigido ao excesso, <lO clcsrncdiclo, ,to conclen;{n:l, porque contr~1 era "pintar os IL:íhítos, !lão ;ts pessoas", c n3o faltou a seu mundo :;:;
<1 natureza. Amar n;1o é ser picg:1s, n:!o é ignorar clcFcitos: anur é

lu~ar pelo respeito ao ser humano quando ele é dig11o, é fni-lo com
a lt'lria dos deuses quando ele é indigno. No emar~lllhaclo ele regrCJs,
matéria par:1 o Sl'll riso crítico. Nada descreve tão hem o que Moliêre
fez com su:1 obra quanto a definição ela comédia, feita por George
l'v1ereclíth 1 em seu Essa v on Comedy: o
;::;

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rcgld:tlliCiltos, clispositi\f>s, cxigi''IICÍ;ls. clctcrmin<lÇ(lé'S, prcccHtlTÍto'
c sandices gem:r;1lizacbs que dotllillil\~1111 n estr;mllo lllLIJJdo dos clotl-
lo~, preciosos e cloulrin:írios diversos que prolifcr:Jv;Jm lld corte de
O futuro elo humcm na terra não o atra:, c sim sw1 honestidade ••
f ,ui.\ XI\, jj é surpt-ccmlntk que um <tutor de lc;ttJc, CO!Jscgtti::\c : 1o
I!;l condnt;J do presente: e sempre que os homens se tornam dcs-
l::edidm, inr·hados, afehJclos, prctemiosm, !Jol!lb:íshcos, hipócri-
,·;;~~-ll!i\'1\ clt.' (/~
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de [!l'lbdlllC!lll!, cjlk· ·,1\<-'ill
~ilé· hoje, como fc~: ~Ioliê·r,·, C· ~ÍiiipksiJlctllc cst;lrrcn·rllll. ~ l'oc-L1 ,. rr>IILI'Ir ;,1;1 hrit:irnco 1l•'i:K-HJC<OI. ( l t:mJI" cit;)(l" I'.' li I >11:1 primei r~!
>
I J l t ~)i I:.._ J ·-,.i\ 1

• •
enganando a si mesmos, ou sendo tolamente enganado pelos percuciência, de solidariedade humana, de riqueza de possibilidades
outros, entregues a idolatrias, perdendo-se em vaidades, congre- que existe em cada uma delas.
gando-se em absurdos, planejando de forma míope, conspirando Os riscos e tropeços da vida de ator devem ter pesado bastante
ele forma clemente; sempre que entram em conflito com sua con- no horror que Moliere sempre nutriu por todos aqueles que, não
dição e violam as leis, não escritas mas perceptíveis, que os ligam tendo valor, aproveitavam-se de meios menores, bajulação, tráfico de
em relações respeitosas uns com os outros; sempre que ofendem influência, suborno etc., para fazerem carreira. O ator: o homem ele
a razão e a justiça; sempre que falseiam a humildade, que ficam teatro, deve ter valor por si; seu trabalho é testado diante elo público
minados pelo convencimento individual ou de grupo, um Espí- a cada apresentação; ninguém o fará por ele, e a cada espetáculo
rito, que paira no alto, assumirá semblante sensatamente maligno toda uma carreira é posta em jogo, sem nunca ficar invulneréivel,
e lançará sobre eles uma luz oblíqua, seguida ele ondas de riso. É por sólida e definida que tenha conseguido ser. Para sobreviver, tanto
o Espírito Cômico.;
como autor quanto como ator, Moliere teve de agradar; mas não agra-
dar bajulando, com subserviência: agradar por meio de seu trabalho,
As condições descritas por Meredith estavam presentes, em grande sua arte; e exatamente como consequência da crítica feita com suas
parte ao menos, na corte de Luís XIV; e a partir de 1658, quando comédias, ele foi sempre çensurado com muito mais severidade elo
Moliere voltou para Paris, até 1673, quando morreu, aquele mundo que aqueles que representam na vida real. Seja como for, não pode
brilhante de privilégios, exageros e desmando, mas- é forçoso admi- ser posto em dúvida o fato de os que progridem sem mérito terem
tir- também centro de considerável atividade intelectual, teve a sido um dos objetos prediletos ela crítica molieresca.
incrível sorte de possuir Moliere como sua encarnação particular do Em todos os momentos é preciso que se diga, a maior preocupação
Espírito Cômico. A corte do Rei Sol não poderia ter feito por menos. ele Moliere sen1pre foi escrever bom teatro, pois tudo o que criou é
220
Se afirmarmos que não é difícil definir a temática principal da exemplo vivo ela célebre frase com que ele definiu sua posição em La ::J
obra de Moliere estaremos, a um só tempo, dizendo a verdade e fal- Critique de l'école des f'emmes (A Crítica da Escola de Mulheres): "A
seando-a totalmente. Senão, vejamos: em toda a sua carreira, Moliere grande regra ele todas as regras é a ele agradar". Para formar alguma
só fala de uns poucos temas, como o repúdio à falsidaclc e à hipo- icleia ele sua obra, tem ele ser levada em conta sua vivência ele ator, os
crisia, o repúdio ao desrespeito pelo ser humano e ao antinatural, a anos de excursão, a tarimba adquirida no uso dos talentos específicos
defesa elo bom senso. li: só isso. Basta que não se pense ttas irnemas ele seus atores para distribuição ele papéis que, com grande frequêtl-
complexidades contidas nessas frases, no que elas falseiam em sua cia, cle\'C:m ler sido feitas a curtíssimo prazo, mas também tudo o qttc
supersimplificação, no mundo ele implicações, ele preocupações, ele ele aprendeu a respeito de fazer arte e bilheteria ao mesmo tempo.
Das peças que Moliere escreveu enquanto excursionava, só duas
5 Tradução nossa. No original: "Men's future upon earth does no! attract ít; theír
honesty and shapelíness in thc present does; and whenever ti-te\' wax out of ficaram no repertório em Paris: O Ciúme de Barbouillet e O Médico
J~roportíon, m·erhlo"'n. affected, pretentious. bombastícal, lllp;>crílícal. ped:mlic, Volante, fato significativo por dois aspectos diversos, mas relevante~.
tantastícalk delicate: wltenc,·er it sees them self-clec:eívecl or ltnod"·inked.
given to fllll riot in idolatries, clrifting in to vanitíes, congregatíng in <thsurclities.
O primeiro é que elas já mostram ternas favoritos na obra ele Molierc,
planníng short-síghtedk. plottíng demcntecllv; 1\'henevcr the,· :u:e :ti ,·arianc·c "·i ih que reaparecem periodicamente, passando por tratamentos suces~i­
their professíons. and viola te tlic,: 11111\'ritten b.ut perceptihle 1;1\\'s hiiidi11~ thc•nt in ,·os c ,·ariaclos; o segundo é o mais fascina11tc, por ser o que lir,;<t a
considcr:ItÍolt '"I<' lt> :lllr>i·hn: 1\'IIVIIC\'Cf Htc'\ ,.ffcnd snt111d r•·., . ,,, ::1:r Í!hlir ··: .,,.
f: " ..;{ ' i fl !1 ! li !l ; 1; I ' : l J. ' • ' · ·, ' • •; t , ; ' ~ ; · · ; l " • 11•
o · .,; · ·:':,, !,: tnr:11:1 clr:llll:ilic:<t ,·,f.~,, :lprn!"uii(Lttill'tllr> lcln:Hícr; \l:;i\
o\·c:rl~t.:óld \\'lil Ítt~;k l!lll!t;JIIcl; iiJ;.di~IJ a11d l'asl a11 obliq11c lí~l11 uiJ litclll. followcd cspccihcantclltc, () Ciúllle ele JJor/Juuilíel jÜ traz uo título um de
by vollc,·s llt sih-e1Y i:lltt:hk'r. That is thc Comi c Spirit". l•>.sm· "" ( :ni!Icd,·. =
p. s:--s~ · sctt' km:1s f:tH>ritos. o ciútilt'. scntimctliP CIO qual Moliere emprcst:t
-
••
conotações particularmente abjetas, pois para ele o ciúme é sem-
pre encarado como falta ele respeito il pessoa amada, na rnelhor elas
É na maturidade que Moliere escreveu suas obras mais notá-
veis, nas quais ele foi além da comédia de costumes para chegar ••
hipóteses, uma prova ele amor que torna a viela ínsuport;h·cl. Com
ele, aparece o tema do cocu (corno), talvez o mais tradicional dos
temas cômicos elo Ocidente.
ao nível ela comédia ele caráter, bem mais difíciL Pertencem a esse
alto nível de qualidade suas obras principais, em que nos legou
uma coleção ele pcrson<lgens nohíveis. Aos 32 anos ele escreveu
••
Depois do Barbouillet inicial, ele 1558, Molicrc \oltou ao ciúme
em uma comédia já bem mais estruturada, Le Muriage f(ncé (()Casa-
Don Juan, a primeira a lhe trazer problemas graves, pois houve
na corte quem quisesse usar a peça para fazer crer que o ÍG1pio
••
••
mento Forçado), ele ró64, para finalmente tratá-lo na mais sombri<J c era o próprio l'dolicre. Este refutou as acusações dizendo que era
dolorosa das suas obras sobre esse tema, o George.s Dcmdin, ele r668_ entre os prÍ\ilcgíaclos, 11ão nele, que achariam o grande pecador,
Outros temas básicos passariam por esse mesmo tipo ele tratamento considerando ele que Don Juan pecara não só contra Deus mas,
que vai se tornando mais profundo com o avançar dos anos. Em O
Casamento l'(;rçado, em que Moliere junta o ciúme ao casamento
também, contra suas criaturas, i~1lhando com os deveres e respon-
sabilicbdes que seus pridégios exigiam. Graças à inFluência elo rei, ••
••
antinatural, isto é, entre uma jovem e um velho, o novo protago- a peça chegou a ser apresentada, mas teve logo de sair elo repertó-
nista, Sganarelle, pressente, até mesmo antes do casamento, que rio. Ouatro anos mais tarde, Moliere escreveu o que talvez seja sua
esse não pode dar certo, mas sua tolice o leva a insistir e, é claro, a verd;deira obra-prima, Lc Miscznthrope (O Misantropo), na qual o
pagar por ela. No Georges Dczndin, o ciúme é ligado ;1 outro tipo de
casamento malfadado: a noiva não só é muito mais n10ç:a elo que o
riso condena até mesmo quem é inflexível demais para o convívio
humano, crianclo em A.lcestc uma personagem not<cíveL Em 1668 ••
••
I1oi1 u, lllas este é um burguês rico e ela filha de fidalgos pobres que aparece unJa ele sue~s obras mais famosas, L'l\vare (()Avarento), na
litna!mente estão 1·endendo a filha para poder gozar elo di1thciru elo qual mostra c~cmplarmente o quanto o vício ele um indivíduo pode
2Z2
gemo, a quem e!es criticam c humilham, por pior que seja o eOJnpor- prejudicar toda um~1 família, j;J que, para a personagem Arpagão, o on
--)

téllncnto ela filha, porque são "nobres" e, portanto, automaticamente


superiores a ele. NJo é~~ toa, ali;1s, que Moliere dá ao pai da t10i1·a o
noiile ele Sotenvillc (o tolo na cidade).
dinheiro é muito mais importante elo que os fílhus, aproveitando-
-se o ;wtur p;tr<~ cri~1r t~Jmbém uma ele suas \'8rias empregadas que ••
••
pr~IticnJtCJ1k contrnbm <I família e clizen1 as verdades que nem
O J\,Iédico Volonte traL1 ele outro tema seminal, o desprezo ott u se111prc os outros 10111 e(>r~1gem para dizer.
(">dio que Moliere nutria pelos múlicos, que nunct soubcra111 lin;í- Segue-se_ c:111 1(J(lq, '] ~~ rtufre (T~trtufo), que nova mente trcmxe pro-
-lo da tuberculose que o matou. !)essa semente aincLt s;Iiri;nn <L'>
óli111as L'Amour méclecin (0 Amor l'vlédico), Le !Vlédccin mah;ré fui
I() i\lédico ú [<(;rça) e, llit<t!mente, em 1Ô73, Le J'vlalac!e inwginoire (0
blcm;ls p~1r:t .\ lcdil:·rt. F1 que demmciél\a a hiponisi;t religiosa, sendo
ele 1 iolcnLtlllCI de ;JLJcHio pelo partido elos beatos, que sem clú,·ida - ••
eram bem rdr~lt;Jdos tlél figura do próprio ·r;ntufo. deliciosamente

••
..D
Doellle lmaginário); na primei r<!, uma falsa doença, pard n itar um <
completada pcb tolice de Ôrgonte, pronto a acreditar nas aparências, c
c;IS~lillento lldO desejado, é curada pelo namorado cLI jo1 em, que
resultando c;sc <1L1q11c Clll nova proibição A pró~im<l vítima do hom
~e f111ge ele médico e, cu111 ll1Cia dú7.Í<I ele palavras em Llt1m, cnJt-
1CIICC!11 o tolo pai; a segullda, mostra Sganarelle busc;mdo os mais
lrJtiCtl,'> recursos para ,·in:'l o papel do mé:clico por Cjlll'lll tinhe~ siclf)
:;cnso crílíco foi c~~lLllitcnte l ,c Bo11rgeois gentilhommc (0 Burguês
FiclalgoJ. ohr;~ 11~1 q11al él pcrsonagt'm criad,1 por i'violicTe foi denun-
ci~tcLt por tJ:Ir; \<: ,_,l!lljHHLtr dt· ~JCorclo com o CjllC era, o que p;:lrcl o
-
-
••
h>ilLiclll; Clll/li~Jll[O ;t I'J)Ii1>::1 ;!l;1• -)i:·,,( !''('_'id'" ' i ( ' ! ( ' " .
! < ' \ I ~ ' ')
• ~), 1 , • , , • ·~ , c 1 , . , ) .~ l 1 , {1 1, t1; i 1 z; :. .·
li t t ( l i t 1 1~ t ~.._ 1 ; , l ri , i J 1- tctllliJeitt lic\ 1,1 i ~<iii>C; I
j •, L I l : ,, ~ ~ l ~. :: ...: l ;·

lllCSlllO l[lW CUllllS~(J


I , i :i i I • () l) t.l r~~ l l c,\
lt:11lla hc:tclu
C•

••
••
jctr tllll diploma.
ric(). c n n_·\1d! :dí1 ~~· llllL' d~1~ 111~1Ís dcliclt>:~~l\ coltlcdi~!s elo ~tutor. =


A última obra de Moliere foi O Doente Imaginário, onde ::llém
da incompetência médica é tratado também o segundo casa1nento,
impensado, com uma jovem que só sonha com o dinheiro da viuvez,
além do desrespeito do pai para com a filha, o qual deseja que ela se
case com um médico só para tê-lo de graça à sua disposição sempre
que precisar. O casamento disparatado também está presente nessa
última obra, na qual Moliere parece querer reunir todos os princi-
pais temas de sua obra.
Acusado de írnpio e de ateu, tudo indica que Molicrc rcnha sido VIII.
sempre um bom cristão, até mesmo frequentando a igreja c cum-
prindo pelo menos a comunhão anual ela P:oiscoa. Pois esse suposto
mau cristão, com a tuberculose já muito agravada, recebeu do médico
a recomendação ele não representar na noite ele um dia em que pas-
sou particularmente mal; mas para Moliere isso seria impossível, prin-
O Século XVIII
cipalmente por saber que o dinheiro recebido pelo espetáculo era e a Ascensão da Burguesia
fundamental para os atores ela companhia, os quais sustentavam suas
famílias. Assim, ele subiu ao palco para interpretar O Doente Imagi-
nário, teve uma hemoptisc em cena, não pôde tcrmiiiar u c:speLículo,
<:: morreu algumas horas depois.
22-f
Foi essa a última vez em que Luís XIV interferiu em f:wor daquele
talentoso autor e ator que fora seu preferido desde Sll~l chcg,Ida a
Paris, tantos anos antes. Quémdo quiseram negar a [Vloliérc enterro
em campo santo, o rei conseguiu contrariar a ordell!. i\bts t:;rdt'. o
rei foi informado ele que !\·Iolii:~re fora e!lterraclo cun1u cnsl;1o, ciii
segredo e sem pompa, nJo se sabe ollcle.
••
••
••
••
O Contexto Histórico
Francês
••
O
••
s ÚLTIMOS ANOS século XVII na França produziram um clima
DO
bem diverso elo esplendor que geralmente é associado ao rei-
nado de Luís XIV. A influência no governo exercida por mme. de
••
Maintenon, primeiro amante e, depois, mulher do rei- porém nunca
proclamada rainha -, foi marcada por extrema religiosidade, com a ••
condenação de entretenimentos festivos, principalmente quando se
pudesse entrever neles qualquer mínimo traço de imoralidade. A corte
deixou ele ser o centro de atração para escritores ou artistas, come- 227 • •
çando então a aparecer a moda dos salons das casas ele senhoras que
se destacavam na sociedade, onde havia estímulo tanto para a criah- ••
••
\Ídacle quanto para~~ formaçJo ele grupos artísticos, cada um deles se
~ILltmwme~mdo o nnis dotado c talentoso, superior a todos os outrm.
O teatro nJo tem grande destaque nesse período, que vê grandes
c r8pidas muclallCC<Js soci;1is c políticas c, na primeira parte do século
xvm, a contribui~·ão m:1is significativa é a de Voltairc -mais famoso ••
••
por seus escritos 11ão te;Itrais -,cujas peças foram esquecidas. Elas
tiveram, porém, grande importância para as transfonnações do espe-
táculo, sendo Voltaire um pioneiro na busca elo uso ele figurinos
adequados ií époc<~ e :1s couclições ela peça apresentada. De igual
importância é a expuls;\o do palco elos espectadores importantes, ••
••
hcíbíto que \·ink1 ele longe. Tir:mclo proveito, para Lmto, do t;mwrdw
(~:1

ll\"lU~H.!l'~, \~ni.dtJ · lj~~~ 'i'-.l·:;·i..) '-l drtc que ele t~liiliJ ~lpiCCic.t\·d~ n1a:-!

!cn: como :1spc:ct,, ;;uc.:'::~eJ iK'JTlLJncccr fiel aos klll:Is c :1 form:·I do


••

classicismo, continuando preso ao exemplo de Racine. Passando por O Teatro Francês do Século XVIII
um exílio de dois anos na Inglaterra, leu Shakespeare no original e e a Superação do Neoclassicismo
foi um dos primeiros a divulgar suas obras na França.
Todo o século XVIII e o início do xrx oferecem uma grande varie-
dade de movimentos, sejam políticos, sejam teatrais. O espetáculo O TEAf
c RO TINHA DE refletir, como sempre, o mundo em que era
· f · .
teatral desse período, no que diz respeito à interpretação, passou por ·t e ,1 ])urguesia era a força c1ue cada vez rna1s se azra senti r.
escn o, c · . Cl
toda uma série de alterações significativas' e, como tocLt fase de muita Nesse quadro surgiu a figura de Pierre-Claudc Nrvellc de La 1aus- j

transformação, a dramaturgia ficou relegada a urn plano inferior, pois sée (!6 92 _1754 ), que parece tc:r tido uma vida particularmente elevas~~:
as mudanças constantes não permitiam a cristalização de movimen- em seus primeiros anos, mas que, ao se voltar para o teatro, tornou:se
tos definidos que produzissen1 obras exponenciais. Por outro lado, eocurJado com a respeitabilidade da burgucs1a c pleno de mten-
apareceu uma vasta coleção de talentos menores. todos eles ligados às cães eclificantes. La Chausséc foi o criac1or d. a come'd ze
pr · [an~oyan te ,
várias etapas dessa monumental transição, na qual foram marcantes ,; comédia lacrimejante, um estilo que evidencia forte mfluenua ela
a ascensão ela burguesia, as transformações das monarquias absolutas forma ele exploração emocional presente nos romances, que fiz:r~m
em monarquias constitucionais e os movimentos ele independência. sua primeira aparição no complexo século ~Vlll. Nessas com:dws,
Mal apareceram as monarquias nacionais da Europa e já começa- 0 riso fácil era a todo rn.omento interromp1do pela exploraçao de
vam a surgir os indícios de sua destruição, ao menos nos termos em cenas de cortar 0 coração, principalmente as ele sofrimento na~ rela-
que elas foram criadas. Derrubadas as forças do papado c elo feuda- côes conjugais, para depois chegar a um fmal feliz, com o objetivo
lismo, pelo protestantismo e pelo comércio, o aumcrltu elas popu- ;110 ralizante das boas intenções acabando por mostrar uma grande
lações e o crescimento de centros urbanos marcararn a dscensão da disparidade entre a superficialidade dos acontecimentos c os exces-
burguesia, que no final elo século viria a destruir o absolutismo que sos emOC!0!1alS. .
antes ajudara a criar. c Cl1 <allsse
~ o en tan t o, La
N •
, e teve o. mérito de
·
levar para
.
a• cena aml)len-
. •

As transformações se deram não só por fatores ccoiiÔIIIÍcos hCtsicos, tes burgueses, 0 que 0 torna significativo para 'r eontriburção que Dcrus
mas também ajudadas pelo poder das icleias. Vinham elo s(·culo XV!f os Diclerot (1713 _17 84 )- rnais famoso por se11 preponderante papelncl
pensamentos do Iluminismo, que solapavam as base~ teóricas do abso- monumental Enc)'clofJédie --viria a fazer elO teatro. De nnensa unpor-
lutismo e floresceriam no século xvm. Os filósofos elo incli,·idualismo, tància foi a postura teórica de Didcrot, cujo ponto cei;tral fo~ o aban-
da luta contra o obscurantismo, produziram frutos de conscientização dono ele todo 0 aparato artificial da clrarnaturgw neoclass1ca~ 1or o~1tro
da burguesia que a levariam a buscar um poder político correspon- lado, as obras apelativas de complicadas intrig;Js também nao atratam
dente à sua nova importância econômica. Ern 177Ô, a indcpendêu- esse excepcional talento da época, e ele passou a defender uma dra-
cia das, colônias inglesas que passaram a formar os Estados Unidos da maturgia intermediária, que fosse rica ele ação, mas qt~~ tr;~t~~se m~l:
América foi uma clara configuração das teorias que correspondiam, em a fundo ele temas tirados à reahclade do mundo em que se vivia. A esse
essência, a seus anseios de liberdade. A Declaração ele Independência, gênero Diderot chamou de geme sérieux~ . . , ~:

assim como a Constituição elos Estados Unidos são plenas elos ensina- () mérito de Diderot foi o de aproveitar o toque de realismo ele
mentos europeus que, exporta elos para as Américas como colonialismo La Chaussée com mais seriedade. Sem ser lllll grande talento dra-
cultural, trabalharam con!rél o colonialismo político \:; rnc:-,mas ideias m5tico. ele abriu 0 e:cnninho ele \Olta pcH<l obras sobre a vrcla real, no
levaralll ~~ Dcclctr<H,;üu do~ Direi tu~ do HoiJJCill d<I Í\c1 ollJ(,<io i,'r;rncesa, lugar de intricras ele deuses e heróis grcgm que ocupavama cena na
c à Inconfidência Mineira, que se seguiu a ela. dccaclêncía d~J neoclassicismo. Diclerot comprcencha bem que tars
-•
intrigas pouco ou nada tinham a dizer ao novo público, que j:J fer-
obras dramáticas foram (Jarades, formas simples,. populares nos tea- ••
••
via ele indignação por ter de arcar com os tributos que financiavam
tros elas feiras. Suas (xnades, porém, foram escntas para amadores
entretenimentos para aqueles que, por sua vez, não pagavam impos-
do círculo ela corte. Em 1767, Beamnarchais conseguiu montar em
tos, mas tinham todos os privilégios.
Paris Eugénie, inspirada na história da sedução de sua p:óp~ia i.rm8
Duas peças de Diclerot exemplificam o gênero que ele acreditava
ser o mais indicado para seu tempo, Le Fils naturel (O Filho Natu-
ral) eLe Pere de famille (O l'ai ele Família), hoje e~quccidas. Como
por um nobre. A peça teve sucesso, e levou Beaumarcha1~ a msh~t.m
0 pagamento de direitos autorais pelo ~rodutor do espetando .. Sua ••
dramaturgo, ele tem, na verdade, bem pouca importância, mas é o
autor do nohlvel ensaio Paradoxe sur le comédien (O Paradoxo elo
peça seguinte, Les Deux amis (Os Dots Amigos), de 1770, fm um
quase fracasso. _
Bcaumarchais documentem bem a ascensao da burguesia, apoll-
. . ••
Ator), publicado postumamente, em 1830, a primeira obra significa-
tiva a tratar do equilíbrio entre as emoções c seu controle c d~m1ínio
na arte ela interpretação.
tando com objetividade os abusos ela aristocracia e a luta dos que
trabalhavam e pagavam impostos por seus direitos na estrutura ••
Na mesma época, aparece ainda outro defensor ela estética "moderna",
em contraste com a antiga, que cultuava o classicis!llo. Formado em
social e política. Suas mais farnosas comédias têm fundamentos
sólidos ele observa<,;Jo da sociedade ele seu ternpo. Foram três anos
de luta até a montagem deLe Barbier ele Sevílle (O Barbeiro de
••
Direito e frequentador assíduo dos salões literários, foi só depois de já
ser conhecido como articulista que Pierre Carlet ele Chamblain de
Marivaux (1688-1763) se voltou para o teatro, lançando em 1720 três
Sevilha), com o autor reduzindo seus cinco atos para quatro, e
tendo de defender seu texto contra os que perceberam a crítica ••
peças, sendo duas comédias para a Comédie ltalicnnc c um;1 tragé-
dia para a Coméclic fi'rançaise. O sucesso foi apena~ razo;'ível, n~as
social implícita no Barbeiro. Bcaumarchais procurara evitar tais
~lLiqucs fazendo a aç:ão se passar na F.spanha, sugerindo que lá, não
n;l F'rcnH,;a, um barbeiro podia ser o orientador ele um conde, capaz
••
o bastante para que, até 1736, ele escrevesse rnais oito comédias, a
lllaior parte para os italianos. As mais f;nnosas s:io Le ]eu de f'amouret
du hasard (()Jogo elo i\rnor c do Acaso) c La Dou h/c inconstunce (A
ele iuvcntM soluções para seus problemas amorosos e de enganar
:;cidioi-cs supost·ame1Jte rcspcit~ivcis.
2.)1

••
Dupla lnconsUhlcia). Distantes tanto das apchti\;Is l'\llll('di;Js bcri-
IIJOgC:ncas qu:IIJIO du IllOr;diz:mte dr:Illl<I séricJ, ;~s lr.illl:ls iVL!ri-
vaux s8o sobre jovens <ipaixcmaclos, as dores, os llJÍstl·rios c :dc~ri;Is da
Bc:Jtllll<Irckiis obvi;mwntc conhecia bcl!l a Commedia dell'Arte, c
,,. Lícil \('I" !Zosill~l c o c()il(k de ,\]m;WÍ\'<1 CO!l10 os amorosi, enquanto
Be~rll Icilu L.' Do11 B<Isílio s;!o nh\·i~llllt'lltc Pcmtalonc e o Dottore, c
••
descoberta ele si mcs1110, c os encantos elo amur. tudo l'IJI \llll e~tilo
leve c sofisticado, verlxdrncute é'ígiL mas quase sciilprc lerJclo ;dguma
pcrtcJJce clar<tll!l'J!!e ;I estirpe dos :z.anni, que sempre foram
tn:Ii<> cspntos do que ~cllS p;1lri">cs.
NJo c- t<.io t(Jrte a crítica cn1 O Barheiru de Sevilha, com Almaviva
••
••
~

verdade eruociunal como subtexto. Seu cspíritu e estilo são ~te tal o
r-;::i
<tprcscntadu como apaixonado hcmcsto, que efetivamente casa coiil J'
c::
modo pessoais que deram à língua tfancesa o termo 11/(frivaudage 1J
a ap<Lixcmdcb ingênua; e se Fígaro é esperto c se diverte em enganar ~

••
para o tipo ele brincadeira verbal na qual ele brilha. Infelizmente, o --(
os ljl!C merecem ser enganados, suas convic<,;ões e seu bom senso s8o
gosto ela época pendia para o sentimentaloicle c :VLnivaux abando- 'v"'
p;trtc ela imagern honrada que cnt<.io se queria transmitir ela trabalha-
nou o teatro, dedicando-se exclusivamente a uma bcm-suecclida viela -
>
dora burguesia que lutava por um lugar ao sol. A solidez elas persona-

••
X
litcdria. Ele só viri;J d ser rcclcscobcrto IiO final do s(uJio XIX, sendo o
freqtieillt'Incnlc !llorii:Idn Do:· toclo r1 sc'udo \'
~;cm (:: V(~riFicJcla qu~mclo vemo:; que Fígaro, o Conde c Rosina- jcí
- 1 p!.J( 1_ r:·r·-!111 '· '· ,,1, l·'·''·r·,1
~ 't~ crJ'tJ.C'.:.·t
- l.lltll.lrí
"'
•()
:/:;

••
-~~--:~~~L i\! oi•l' i ;iJ';; Ul!,·._i~~ pn i'Li ',),_i,; ,ji,-~-~iil•dl7
~ll l'l'~i \., i\_)i._'~iUd U~:..· I ,Li L'()l,"~. ch:· i'I_.~di
Bc:~mmarciJais (J7)2-l(<J9), CIIJ~!' primt:iras
· f\i(l.1·Ul'l \ 1 ;C
!).Í..t, _,
Pierrc-Angustin c:anlll ele
\! ,ouct Jornada ou O Cas~Hncilto de F'í;:;aro). ApLmdidíssimo lW >

••
estreia, com a nova peça, Beaumarchais percebia, bem mais clara-
entre outros tantos, foi chamado Il Gran Stragone, o grande mágico,
mente do que a entusiasmada e aristocrática plateia, que a Revolução
Francesa estava para estourar. e 0 teatro em que se apresentava era conhecido como !Jc~ Salle aux
Machines. Parte dessa imcnse1 variedade ele recurso~ cemcos apare-
Apesar de seu entusiasmo pelos sentimentos ela Revolução de
ceu 110 já citado livro qne Nicola Sabbattini (1574-1654) publicou,
1789, Beaumarchais em breve passou a ficar cada vez mais assus-
em 1638, Pratica di fabricw' scene e nwchinc ncí'teatri, obra not<ível
tado. Sua riqueza fez o simpatizante elas novas icleias parar por um
de imensa repercussilo. ,
breve período na cadeia. Livre, fugiu para a Holanda. deixando para
No século XVI!l, a infltiêiicia do classicismo ainda é bastante sen-
trás a família, que foi presa. Em 1796 Beaumarchai~ \"Oltou ;'1 França,
tida, e a Itália foi a fonte c.lc tudo o que, 110 pcn<;amcnto ou nas artes,
mas, sem conseguir recuperar os bens que a Revolução lhe tomara,
\·eio a acontecer com o renascimento- ou a redescoberta- tanto das
morreu pobre, em Paris, em mdio de 1799, quase junto com o fim
do século, cujas características ele tão bem expressou. obras ele arte ela Antiguidade, qual1to dos dois teóricos, Aristóteles e
Horácio, à cuja sombn floresceu o novo pensamellto estético, que
não sofreu com a falta ela unificaçilo ela língua. Na dramaturgia, apa-
rece só um autor, e esse se entrega com empenho tardio à tragédia
clássica. Vittorio Alfieri (1749-18o3), poeta e dramaturgo, nasceu ele
O Teatro Italiano família nobre, e abandonou a carreira militar pela ele escritor. Autor
do Século XVIII de farta obra, ele escreveu para o teatro dezenove tragédias, das qua1s
sô são lembradas CleófJatra (1775) e Orestes (1778). A indiscutível
qualidade literária ela obra de Ali1eri não f01 sut'ic_icntc para ~om·
2)2
pensar sua falta de talento dramático, e <I lllSistênCJa nos prH~Clpto~
COM o PROGRESSO NOS transportes e comunicações. os IlO\ os mm i-
clássicos colaboram para deixar suas pc<,·;1s pnvacbs de v1cla ccmct.
rnentos dramáticos não ficam mais restritos a um único país. pois as
Na comédia, por outro lado, aparecem dois autores que, com
transformações sociais e políticas se faziam sentir em todos os ponto:;
visões opost<Is sobre o l[Ue se poderia ainda fa;~.cr colll a Ccmuneclio
da Europa ocidental. Na It8lia, onde não hom·era unificK;1o Ulll
dell'/\rte, emiquccer;Jm c muito os p;dco'i itali~rllOS. c em pztrtJCuLtr
extraordinário desenvolvimento cultural c artí~tico \in lia kllllo ];Jcr<lr
I . A , I "' ' os ele Veneza. O Jn;tis ltllportantc é Cado Culdoni \l]O]-l]C)O), \llll
1av1a tres secu os, nas unidades políticas que rivaliz;I\";IIll qrJaiilo ao
veneziano que, dcstiuaclo a uma carreira de ackog:Jclo, dcdJCOli~sc
número de cientistas e ztrtistas que cada gon:rnantc rcuJJÍa c1u sue1
com paixilo ao teatro c à literatura. 'Tcmlo sido destruída sua pwne1u
corte. A falta de unifica<,·ão da língua e os constante:; conl1ilo~ entre
obra clram;1tic<~, uma tragédia musicada intituldcla Anwlasunla, rccu-
os v;hios principados e repúblicas pesaram contra a dramaturgia, mas
saclCJ pelo teatro de Milão. Colcloni teve m;Ii, sorte com uma tragi-
houve grandes progressos nas linguagens do espetüculo. .
comédia, Belisario, para um teatro em Veneza. Passou adramaturgo
A cenografia teve desenvolvimento notável. Se Gim~IIIIlÍ Battista
residente da companhia, escrevendo comédias, interlúdiOs e roteJros
Aleotti (1546-1636), no Teatro Farnese, foi o criador elo te18o sobre
para atores que improvisavam~~ moda da Commeclia ciell'Arte. As~)J­
trilhos, que permitia mudanças de cemírio r;ipidCJs e cficicntco. Cia-
rando atingir níveis mais nobres, escrC\"Ctilibrctos par;l a ofxw sena,
como Torelli (16o8-167B), em Veneza. clesenvolveJJ um '>istcm;J ck
c chegou~~ dirclor da mais importante c1s~1 ele ópera ele Veneza. a
rodas engrenadas qr1e podi;JJil IT<Ií'.er 1nm·inwn , 'P'.-1, '" ,;",. (~;'!! ( ;;ll'.. , 111 i ( 'risns[rlJl!Cl. ''hch di~so li1é' 1 lllttdo chnhc1rt1 (',
Dura11te seus anos em Pa rt.<>, '1 urcJ l1, que criou cspeLíu do" l'(, 111 c fei- por isso. muclou-se par<l Pisa, onde exerceu~~ ildvoctcia e de onde só
tos magníficos, com p<hsaros \O;mclo c barcos que C'rti/<il<llll
e\cre\cu p~n~1 o lc;Itro pequcnds obras cllCOJllClHLlcl:is.
••
. Em 1743, a_ pedido do ator Antonio Sacchí, que ainda usava impro-
VIsos, Gol dom trabalhou um antigo roteiro, Arlecchíno, servitore di due
padroni (Arlequim, Servidor de Dois Amos), com parte: do diálogo
maior realismo que o consagrou, datando dessa época, entre. outras,
as memoráveis La vílleggiatura (As Férias) eLe baruf{e Chzozzotte ••
escnto e parte deixada só como roteiro. Só em 1753 finalmente Gol-
doni escre~eu a peça inteira, na forma como ela é conhecida até hoje.
(A..s Brigas dos Ghiogias). . . . . .
Com uma carreira bem-sucechda de n1a1s de vmle anos, _o sucess~J
e as reformas de Goldoni lhe haviam angariado vários críticos e m1~
,.
••
Golclom voltou ao teatro pela mão ele Girolamo Medebach, que
o levou para ser o dramaturgo residente da companhi;1 no teatro
Sant'Angelo, em Veneza. Ali ele ficou de 1748 a 17)2, onde, sozinho,
·
m1gos. Píetro Chiari,
· . também dramaturgo, manteve com d Goldom·
debates e conflitos d•:: tal violência e clesbocamento que .etern~ma- ••
Implantou toda uma notcivel refonnulação do teatro italiano. Traba-
lhando roteiros de irnproviso, Goldoni, aos poucos, foi limpando os
ram 0 aparecimento ela censura em Vene~~L Mas. fm out~o :1val, Carlo
Gozzi, quem provocou a mudança de Coldom para I ans em 1762.
Convencido ele que Luís xv era um grande patrono das artes, ?ol-
••
••
velhos textos guardados por atores ou companhias que, com o ternpo,
doni pensou ter na França nova fase de su~e~so; mas ~s COisas cnaose
tmham ?cado cada vez mais grosseiros e obscenos, para compensar a
falta de una?mação para improvisos novos e interessantes. Depois ele deram bem assim, embora o autor tenha la hcaclo, ate ~ fim da. VIela.
quase dOis seCLdos ele constantes apresentações, a tónnula da Comme-
dia dell'Arte estava desgastada e, aos poucos, Coldoni foi substituindo
Na França, Golcloni criou várias peças para a Comedi e Itahenne
e, ocasionalmente, mandava textos para a Itália. CH,mbé.m nesse país,
ele escreveu um de seus mais famosos textos, ll ventaglzo (O Legue).
••
••
as personagens de máscara por outras que, de forma bast·ante realista
evocavam figuras e hábitos da Veneza da época. Sem 0 sucesso com que sonhara, Coldoni aceitou ser o preceptor de
italiano ela filha mais velha do rei, mas a modesta pensão real que
Goldoni é o mais expressivo representante da <IScc 11 s;Io clJ bur-
g~I~sia na Itália, criador ele uma comédia ern prosd brilhante, sendo
vanas de suas ob.ras montadas até hoje. Dessa époc1 cle~tam, entre
outras, as notéivcr;; La vedova sca/tra (A Vith'a i\sliicios~J). f uemeli
is~o lhe deu, a Revolução lhe tirou, e ele tnorreu na pobreza. ,
O outro autor italiano importante foi c~nlo Gozzi (172o-18o6). De
empobrecida família aristocrática, Cozzi se opunha racl~c~lmente a 2 35
••
venezímú (Os Gên1cos Venezianos) e La !ocandicro (i\J ,·:n dol~w. na 1 1
traduç;'ío brasileira). Seu empenho na lC!l(J\'éH,)o clu lc;ilr<J roi llliiito
c~nhcado, o que sô serviu p<~ra dcs:tlií-lo a t'.'dÍH'\'OS :lÍIJcLJ lll<~Íorcs.
Coldoni, proclamando-se defensor elas mais puras trad1çoes Jtalra-
nas. Seu teatro defendia o Lmtasioso em contraste com o realismo ••
••
ele seu rival, condenando que fossem vistos no palco representantes
I ara a temr)or·~<l-t de 17~0 7~ ( ' · l ·l · · · da burgue.sid c até mcsrno ele cL1s~cs m;Jis baixas, pois para ele tu~o
. · ' ' . > -1 1 )I, Al c 0!1! é!llllllCIOU que escreveria
d~:r.es~seis cornédias, todas com dí;ílogo integral, !lrOillc.,sa que ele devia s~~r requintado. Se Colcloní escrevia textos para a ~)reservaçao
rwo so cumpnu COI!lo mcluiu, entre elas, I! teatro co1niw. IIm debate
dramatizado entre "torcs c tlln chefe de con1 par1h Íéi, undc ficam
ch comédia elos profissionais, Gozzi recorria à nqueza visual que os
artistas italianos da cenografia haviam criado. Seu sucesso, embora v"'o
!:."'j
••
••
enunciados os princípios que orientavam a reforma a que Colcloni menos duradouro do que o ele seu rival, foi imenso c imediato, explo- ~
ã)
se propusera. rando o gosto elo público pelo espetacular, misturando o mundo das
<"
NJo foi sô essa a Mivídadc clrarmítíca de Goldoni. A. partir ele , 74 s máscaras consagradas com um clima ele conto ele fadas, fascmantc
"'v
ele passou a escrever para a nova forma ela opera bu/Ta, par; 1 a qual
0
compositorBaldasscre Caluppí lllUSÍcou ll:Hh I!Il'llfl\ que villtc
para os olhos. . ~ . .
T'rabalhanclo somente para o teatro veneziano, Cozz1 cnou, en1
p;utlcular par; 1 a companhia de Antonio Sacci, as fantasias que ele
.
~
o ••
••
:3
ldnctos seus. }cí 11:1 cléc;IcL! ele 1:-c;o. Colc!oni se ·di· ., , ::r•J.: 11
! 11 r) r·r 1 r' í l f ·lt;,. 1 , i, !
' lil:_ l \ ·: l
11 \(.:'! cl.'' cl ;!ÍlltLl lt·JIJhracLis. embora gr·;,ç;I~ 'l
"
'V
:r.

para a ubservaç·::1o dos costumes ~le se~J teu;p(~. /;,,~c 111 dr 1 ,~. 11 ;;~;~.';: li <lj.HU\CI\dlllClllU [)Ui \!i'tl!Ué> cllllc,l;h:_J' 1/il~l"é ire ..
(();\mor elas '!'rês Ln;mjas). de Prokohc\·, c lurandot, de PuccmL >

••

Embora apresentando uma visão pessoal e preconceituosa dos acon-
A revolução que se faziz: prever na França, já tinha tid~ lugar na
tecimentos, as Memorie inutile, de Carlo Gozzi, são preciosa fonte
Inglaterra, embora con1 menor violência, e o.teatro mgles reflettu
de informações sobre o teatro veneziano no século XVIII.
bem as mudanças que houve desde a morte de Elisabete I e o advento
dos Stuarts. Conflitos entre a coroa e o Parlamento, e a crescente
força dos protestantes puritanos marcaram o reinado de Tia~o I e
acabaram por determinar a execução de Carlos l e a rnstauraçao da
O 'Teatro e as Revoluções Commonvvealth, sob o comando ele Oliver Crornwell. Além elas ccm-
Burguesas na Europa vicções puritanas, os anos dessa época foranJ de tal modo tomado:;
por conflitos armados que nenhuma elas artes teve qualquer oportu-
nidade de expressão. .
Apesar da interrupção puritana, a tradição teatral era mUlto forte
O Novo TEATRO DE prosa apresentou, ao longo ele todo o século
na Inglaterra e, no século xvm, o teatro inglês, que alcançara urn
XVIII, na Europa ocidental, a decadência da nobreza, c a ascemão
alto nível ele interpretação, viu a publicação, em 1719, do pr~metro
da burgue~ia e das icleias libertárias. Na França, em rncio a toda uma
periódico sobre as artes céuicas, The Theatre, criado por si r f< ranus
carga de sentimentalismo, duas peças pelo menos marcarn o início
Steele, um modesto dramaturgo. Os teatros se multtpltcavam com
de conflitos que culminariam na Revolução, ambas, no entanto, de
uma coleção ele atores notáveis que dominavam todo gênero de mter-
autores medíocres: Florent Doncourt escreveu uma comédia de cos-
pretação, tendo a tragédia consagrad~ nomes como Sara Siddons,
tumes, Le Chevalier à la mode (()Cavaleiro na i\loda), dramatízando
Thomas Betterton c David Carrick- tavontos do publtco ele ehte -,
. o conflito entre a nobreza falida e o sucesso do dinheiro; e Renê' L,e
esse últin10 ator responsável por grandes progressos na interpreta-
Sage, que, com Turcaret (J7o8). fez contribuição bern mais impor-
cão. Quando todos os atores ainda estavam presos J gesticulação c
tante, atacando com violência o domínio ela sociedade pelo di 11 hciro.
~os tons declamatórim ela tragédia neoclássica, c~lrrick carninlwu
O ganancioso e desonesto protagonista da nO\<l pec,;d, Turcard, 0
no sentido ele maior naturalidade, relativo rcalislllo e cuidado par;!
financista- como eram chan1ados <Jquc!c, primeiros espccialisL1s de
transmitir o conteúdo elo texto.
uma sociedade de dinheiro-, clcpoi:; de o-ubir na \icld espoliando \lllla
Nesse sentido, o principal legado do perludu da 1estauração
vítima após a outra, acaba sendo cspoli<tclo por seu próprio cnqm:-
monarquia inglesa, em t66o, com Carlos II, é a cll<tn~acb restorahon
gaclo. O sucesso e o escâncblo fcmmt igualmente grandes, L111to que
comedy, da qual jú falamos, uma form~1 que se dchnc por tram~1s
ele teve ele abandonar o ThéJtre l"'ran<,:ais'. Sua j)()Siç~1o o for~ot <l 1 complicé!das, que a um tempo apresentarn c cntJc:arn a clcvass!cbo
e~crcver para os teatros ele feira e suas variantes, para os quais produ-
do universo da corte, c:oru diálogos requintados e hnlhantes, mu1tas
ziu dezenas, senão centenas de textos, nos quais ficou fixada a viela ela
vezes obscenos, mas quase sempre de grande mérito literário.
burguesia, com suas qualiclaclcs e defeitos. Le Sagc observava bem a
Vale lembrar que no, século xvm, o teatro inglês percorreu um
s~a época, e foi dito que sua obra era voltada para "os burgueses que
caminho confuso. principalmente na dramaturgia. A partir c~o final
naosonham senão com imitar os vícios elos nobres, ao que ele opc'íc
elo século XVI! aparecem vários autores, pois unJa crescente atlv1dadc
as vtrtudes familiares, a cligniclaclc c <1 hnne~lidaclc"
teatral ilegal, isto é, de teatro de prosa de s~1hor pupuLn, contJmlav~l
:1 f1nrcc;ccr, n!)ir·; 1 ri·m o' inlt:rt'sses elos crf!Wc'SSJ!lll<HIOS elos clo11
lc;Jtro furH_Lldu p(1r dc-crl·h1 rt·;d, t...'lll •."\JIIiJvudu ,\lu;d 11 tcntc c 11111 u (_ :PJ!l(:di:··
i'r;mç;risc. Trata-se do r'rnico lc;~lro c'Lrt:d ,lo I'"Í'. inlcir<HIIL.lllc p;rlrucrrr:tclo únicos teatros ;tuluri;.~tdm, o Co\·e1ll Cardc11 cu I hury Lanc. Ncs-
f_~CJ\'Crno ~r;;mcês.
ses dois teatros "o f-1CIJ1s... , cran1 mon t J.Cj os c;'' - ' ('• ÍlllÍt;lc,·(les da
11· · .,·r·rl'

••
~ragédi~ francesa, mas nos outros, de pequenos palcos, em espaços
O Teatro Alemão
••
Improvisados, foram montados dezenas de dramas ao gosto da con-
servadora nov;1 burguesia. O teatro tinha tradição tão forte que não
do Século XVIII
••
havia uma repressão verdadeira às atividades das várias companhias
que não buscavam a plateia da corte, mas a da crescente burguesia.
ATÉ MESMO NA ALEMANHA politicamente desunida, a as~.ensão da
burguesia foi determin3rlte para transformaçõ~s no teatro. lalve.z por
não ter um grande centro catalisador, como foram Pans e L~onclre~,
••
••
Eram vários os caminhos para escapar às limitações do privilégio dos
dms teatros autonzados, e um deles era o de apresentar CSJY~táculos
ou a Sorhonne c Oxforcl, o fato é que o teatro na Alemanha nao ~mha
passado pelas rnesmas etapas de clcsenv~lvi~nent~ qu~ o, fr~1~ces~ ~ c~
que não podiam ser categorizados como "drama··, o que cstirnu-
loubastante o teatro musicado. Foi notável, por exemplo, o sucesso
ele The Beggar's OfJercz (A Ópera do Mendigo), ele Jol1ll Cay (168s-
1732), que é a hase da Dreígroschenoper (Ópera dos Três Vinténs) que
inglês. Até o século XV\1 prabca1~1cnte so e_rclm frecy.l~ntcs ~speL~c u
los da antiga forma popular do l'astachtsp7el, comedtas regwnats ou ••
tanto suc~esso dana a Bertolt Brecht no século xx. A crítica implícita
n~quela opera, no entanto, foi percebida pelas autoridades, que proi-
lmam a montagem ele sua continuação, intitulada Polly, e as libcrcla-
imitações da Commeclía clell'Arte.
Na primeira parte do século xvm foi encontrada uma melanc.,.ohca
solução para a ausência de boa dramaturgia alemã na m:portaç:w de
~ .

tragédias francesas, que a essa altura já eram de má qualidade. Segm-


• ••
••
?es tomadas por vários desses espetáculos musicais provocaram uma
ram-se piores imitações escritas por alemães, e a única_ es~erança
mterferência forte da censura.
ela época veio do espetáculo, quando se consagrou a atnz Carolrnc
O sentimentalismo moralizante do "drama sério", no entanto,
Neuber, que tinha sua prói)ria companhia e, além de_ apresentar um
repertório ele nw ior qualidade, literaln~ente consegtll_u _com ~uc, fos-
era o que nwis atraía as plateias da burguesia, chocadas com a imo-
2 39.
ralidade das coinédias que tanto agradavam à corte. Justo nesse
período, na Inglaterra, Henry Fielding virtualmente criou o romance
moderno, em obws que ele descreveu como "épicos cômicos en1
sem expulsos do palco uns poucos prohss\Oll<liS que vtvwm de peiSo-
nagens caricatas, qu~tse circenses, apelando para o ptOr elas plateta:,, ••
com oracejos grosseiros e obscenos. . .

••
1
Fi~nr~ mcn.10 r;Jve1 ~~partir cb segunda metade elo século fot Col-

.
prosa", dos quais T(mz fones, de 1749, é o mais célebre. Das dezenas
ele dram<rs sérios cscrilm ao longo elo século, só vale a pc11a mcncio-
tho\d F.phraim Lcssing, que expressou na Alem~mha o correspoit-
n:tr <t peça ele George Lillo (1Ôl)j-173SJ), The London iVIcrcfwnt (O
clcntc ;10 iluminismo francês c procurou o palco como o melhor
Comerciante ele Londres), de 1741. O texto condenavam aprendizes
veículo p~na a dívulgaç·:ío de suas ideias. 1mortali1.ado con1o crí:icu
~

'"..
~
que gastavam seu tempo livre com bebidas, jogatinas c mulheres, c
c reformador do teatro. Lcssing teve sonhos de ser uma espec1c ,_,.
acabavam morrendo !L1 miséria, e louvava os méritos elo trabalho e
de "Moliere alemão" e, para conhecer bem o teatro, tornou-se, e~ vv •
da ccm1omia, aconselhando todos e cada um a ficar satisfeitos com
princípio, ator. Suas primeiras obras foram c01m'dias de crítica aos < •
sua situação_ rnodesta no mundo. Consta que, durante anos, os gran-
hábitos ela época, porém sem llue produzisse nada de muito mar-
"
des comerctantes londrinos financiavam uma montagem am 1;d ch1 ;:
cante. Sua vida pe 3soal não foi Lícil, c ele viveu em várias cortes
peça, a que todos os aprendizes do comércio podiam assistir de graça X
:) •
diferentes, sempre almejando segurança e sucesso. Sn:l obra críttca
\ :;em dúvich, 0 que ma i~ consagrou Lessillg, cujo prm1e1ro twba- .<;c.; •
1
\1 ,, ;.,,,,

hurf!O r 1
,,,,. ,, , :cr: 1 )i!
ru~ts toram os
.. ,;, ,,! CL I iu1itc., Pililur•;
anos que passou e1n Hal:l-
. colll o 'E:atro Nacional que ali fora criado. que
> • •

••
intelectualizacla, mais lírica, indisciplinada e apaixonada que outros
resultaram na coletânea intitulada Dramaturgia de Hamburgo, sua
alemães- de uma nova geração- em breve levariam ao palco. Mas
obra mais famosa.
sem dúvida, ao contestar a dramaturgia que imitava o neoclassi-
Em 1755, Lessing escreveu sua primeira peça significativa, Miss
Sara Sampson, um "drama sério" que beira a tragédia, ainda no terna cismo francês e apresentar, com imenso entusiasmo, a dramaturgia
da sedução da jovem apaixonada, embora agora o próprio sedutor já de Shakespeare aos alemães, Lessing foi o responsável pela completa
tenha deixado de ser nobre. Mesmo datada e com sérios defeitos, a transformação do teatro em um intervalo de tempo surpreel}clente-
peça é bem superior ao que escreveram Diderot, na Franc,:a, e Lillo, mente curto.
Faltou a Lessing real talento dramático, c Nathan der Weise, embora
na Inglaterra, em matéria de drama burguês. Foi em 1767 que Les-
sing escreveu Mínna von Bamhelm ou Das Soldatengliick (Minna aplaudida quando publicada em 1778, não teve grande sucesso quando
von Barnhelm ou A Sorte do Soldado), que seria a melhor comédia montada em Weirnar, em 1783, pouco depois ela morte do autor, nem
do teatro alemão por muitos c muitos anos. A trama é um divertido e é a obra-prima ela dramaturgia alemã que seu autor sonhara que fosse.
irônico comentário a respeito de códigos de honra e culto de virtudes Esse conturbado século, com suas imensas transformações polí-
em moela na Alemanha naquele momento: e a determinada e rica ticas e sociais, estabeleceu mudanças duradouras e, no final desse
Minna passa por várias aventuras para conseguir se casar com o·major período, ainda na Alemanha, apareceria um novo movimento drarm'í-
que, dispensado do exército, vê seus bens retidos por uma investiga- tíco que, esse sim, seria um claro resultado ela Revolução Francesa
ção. Ele e seu esperto e sensato criado, Just, vivem em triste pobreza e da ascensão da burguesia, o romantismo.
e, apaixonado, o major não se casa porque sua honra não permite
que, pohrc, tenha uma mulher rica, resolvendo-se o problema com
é! determinação de Minna. Nessa peça, Lessing apresenta persona-
gens bastante vivas, principalmente os criados, bem mais humanos
que seus complicados amos. Emilia Galotti, outra tentativa trágica,
data ele 1772 e transpõe para a 1\lemanha do século XVIII uma his-
tória que ele encontrou em 'fito Lívio, transbordante ele intrigas c
jlélÍ.\C>cs, que acaba com Calotti, o pai. matando Emília para que
nJo J visse caindo nas mãos elo príncipe conquistador.
Lessing se preocupou com questões religiosas por toda a vida, c sua
obra mais famosa, Nathan der \Veise (Natlwn, o Sábio), é um apaixo-
nado apelo em favor ela tolerância religiosa, com uma ação que tem
lugar no tempo das Cruzadas, pondo em jogo cristãos, judeus e islâ-
micos. O sábio Nathan, em busca ele paz e equilíbrio, conta a história
dos três anéis, graças aos qué!is cada uma elas três religiões acredita ser
a única. Na peça, os cristãos, representados por um templário e um
patriarca inescrupuloso, não se saem muito bem diante da sabeclorid
e integridade do islâmico Saladi!lo c elo caloroso e brilhante Natildl1.
Os ideais que LessÍ11g e.\prcssou em suas críticas, o equilíbrio e
o comedimento ele seu racionalismo, ficarn longe da forma menos
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IX. ••
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O Teatro no Século XIX
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Surgimento do Romantísmo
na Alemanha: O "Pré-Século xrx"

N ÃO SE PODE TER u.ma ieleia elos motivos elas g. rand.es transforma-.


ções pelas quais vinha passando e ainda passaria o teatro sern
uma referência à Revolução Francesa, em 1789, o grande divisor
ele águas, um elos acontecimentos cruciais da história do Ocidente.
A Revoluç:ão Francesa destruiu e reconstruiu ~ls instituiçoes fran-
cesas, as distinçêles de classe, as ideias políticas, morais c artísticas.
Ela também espalhou as mesmas influências de destrui<,:ão e recons-
trução através de toda a l~uropa e, para além do mar, p~na os impé-
rios coloniais. Em pouco mais de duas décadas, desde o início cb
Revolução flrancesd <lté a queda de Napoleão, entre argumentação
e sanguinolêncÍ<l, a cstrulur:1 social europeia se transformou, porém
não tanto quanto a Rc\oh1<,·ão poderia prever, pois, en1 todo o caso,
a habilidade políticd de [Vlctternich --cuja atuação foi determinante
no Congresso de Viena- ainda preservou uma posição forte para as
classes mais ~1ltas.
Ao mesmo tempo, o teatro passava por vários estágios inovadores.
No que diz respeito à sala de espetáculos, podernos comprovar o fato
de a burguesia- nova classe em ascensão- ter buscado gozar dos pri-
vilégios da nobreza: com o advento do novo público, o ela burguesia
abastada. a relação entre palco c plateia continuou a rnesma, ruas
aumentaram as dimcnsi'lcs clcls salas ele espcUculos. que pé!s~cH;Hn a
;1c!mitir tt!ll;l11rl\;J phtci:L m:1is numerosa.
O romantismo foi o movimento representativo dessa nova época
e, nmito crnbora todos pensem nele ern termos de uma espécie de
••
vida boêmia em Paris, a verdade é que ele tem suas raízes na Alema-
nha, nas últimas décadas elo século XVIII. A influência ele Gotthold
que faz a apologia do cavaleiro livre, corajoso, heroico, defensor dos
injustiçados, que morre por seu amor e sua causa. , ••
Ephraim Lessing para o romantismo foi imensa, a partir do movi-
mento Sturm und Drang, elo qual foi o principal teórico. Esse rótulo
~devido~ peça de Friedrich Ma~imilian von Klinger (1752-1831),
;\ obra de Schiller divide-se em duas épocas. E.m 1781, quando
ainda era cirurgião do regimento, em Stuttgart, ele publicou sua
primeira obra dranLítica, Die Reubcr (Os Salteadores), que te\:e boa
••
Sturm und Drang (Tempestade e Irnpeto), de 1776, um desatinado
drama sobre a inimizade e eventual reconciliacão ele duas farnílias
Os sentimentos, e não a razão, dominam tudo,' e I<linger provocot;
repercussão, tendo sido !llontacla no ano seguinte em Mannheun. O
arancle ~ucesso ela pe<,:<l irritou o duque Karl Eugen, diretor ela aca- ••
o aparecimento ele dezenas de peças ele p3Íxão e heroísmo. Poste-
riormente, essa dramaturgia incluiria apaixonados conflitos rnorais,
demia militar cmdc Schillcr servia, que proibiu seu rcvolucionürío
oficial de exercer qualquer atividade literária. Ele não obedeceu e
continuou a escrever, mas Fiesco, a segunda peça ele Schiller, fracas-
••
mas o importante era contestar o domínio da razão, marca elo Ilumi-
nismo, valorizando a natureza, o gênio e os sentimentos.
As últimas décadas do século XVIII foram de imensas transforma-
sou em Mannheim. F,m 1884, Kabczle und Liebe (C<lbala e Amor),
uma tragédia burguesa sohre as barreiras de classe como obstcícul:) ••
ções na Alemélnha, com o aparccirncnto de uma série de autores e
teóricos. August Schlegel (1767-1845) não só publicou um notável
para o amor verdadeiro, alcançou imenso sucesso e consagrou defi-
nitivamente o jovelll Se h i !ler. A. primeira etapa teatral- da qual Dze
Reuber e Kabale u ncl [ ,íebe são as obras mais famosas- foi concluída
••
.
panorarna do drama no Ocidente, intitulado Pulestras sobre a Arte
Dramática e a Literatura, como também foi responsável pela tradu-
y~o de dezessete peças de Shakespearc. obra completada por Ludwig
em 1787 com Don Carlos, tarnbém um elogio ao herói individual
que se revolta contra um poder absolutista, uma peçarnais longa e ••

pesada do que as primcir<JS.
f Ieck (1773-1853). Com seu irm;!o, Schlegel traduziu também Eurí-
Nesse mesmo :1110. Schiller foí a Weimar e, apesar ela ausência de
pides, Dante Alighieri e Calderón de la B;trca. junto a Klincrcr autor
I -. o , Coethe, ficou cncéllltaclo com ;1 atividade intelectual e cultural ela 2 47.

••
c o Stunn und Drang, eles abriram as portas para o romantisrno, que
cidade, resoh·cndn nntdar-sc para Lí, onde se casou. Em \Veímar,
o gr:111de Lcssing já prenunciara.
tendo Schillcr CoJilllTÍclo c:oethc em sdcrubro de o contato
_ Outro grande nome elo período é l'ricdrich Scl1iller 117)9- 1 ).
entre cks foi.''-' t<rr!LIIIzÍ•' c:1d<1 \·cz rnais frequente c tiill~l gr;mclc ami-
hlho de UI\1 tnilitar prussiano, fcli:1. Clll stld Ítlr;ltlci:l, m:ts cujo hri-
lho, logo aos sete anos, o levou :1 ser transferid() para tilll<l escoLl
que preparava meninos hem-dotado:; p<~r;J :1 carreir;l cclcsiüslicl,"
:t.aclc os utiÍit .. \k .1 tillli k de Scltillcr, emr8os, esses dois poetas maio-
res da :\lcm<lltlt:! ii!IC!t<llll iclcias e se inAucnciM<Illl mutuan1cntc. ••
t'ínica ticla como admissível para ftlhos ele burgueses, tjll<tllclo tcdcn-
tosos. Contando treze anos, ele foi aLtstaclo da Lmília, ::;clccionaclo
., <lllth. Scl:i1lcr ;Jhalldcmou o teatro c dedicou-se intensa-
Por aluuns
mente :lo estudo cLt 11· · c. cmn o apoio ele Cocthe. foi nomeado
professor de IJisl/>ri<~ da l inivcrsidade de Jena. Professor apaixonado e
••
para frequentar o Karlschule, em Stuttgart, uma academia militar de
elite. Lá ele se formou, com brilho, no-novo departamento de medi-
ema, e se envolveu na viela cultural cb cidade. Afulldaclo tallto em
apaixonante, Scltillcr tomou-se um ídolo dos jovens universitários. P'oi
o íntimo conhccinlellio ela história que propiciou a volt1 ele Schiller
X
xo
::l
••
••
v
ao teatro com a trilog1~1 \Vallcnstein: O AcamfJarnento de \Vallenstein, '<l.J
{/)
literatura quanto em medicina, conheceu as obms ele Shakespearc
Os Píccolominis c:\ ~\Iurte de VVallenstein, esta ainda ocasionalmente g
c se mtegr,ou HO movimento Stunn une! Drang. O que fez com ljtle o
montacL1 c1n paJu,c, .!lclll!Ic~. ,\trilogia foi cscriLt entre 1

••
1' J"H'l1 1 f'ncclr!clJ se vo!Ltssc p01r·:1 o !1::1IT·J f11Í :1 ,J!nd ch c 1799 e
111 ()cid ui'
r,;
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;,~''\DrC:<-.;~l, 11.:·,· >::.:.-!tillcr o t·c~ltrn.
Uc..iuildlill \\uíigang \011 \.;Ot..:tilc \l(.jl)-1 CO/;: nml3er/!()l!llf!,C11
Abai!ciuJJ.dll\lcl '·' '.iL,"l i i'.> rc·\\JiuciulLirtu c <1\ltodc::o\rutl\\i do' hcroi:;
mitclereisener f-Imzd (Cotz vem Bcrlichi1 cntJJ i\Lio Fc 1-rc11_

••
11 ;1 ele
ele sua primcir11 . <..:cililln sentiu-se, na 110\A cLtpa, <Jtraíclo pela ~


literários e filosóficos, que fervilhavam com icleias revolucionárias.
forma grega clássica e começou a buscar um herói que aprendesse
com o sofrimento, que alcançasse a regeneração moral assumindo sua
Já escrevendo com brilho nessa época, Goethe atillgiu seu apogeu
quando, aos 23 anos, criou, em prosa, a já mencionada Côtz von
culpa, sofrendo com ela e finalmente se aprimorando moral c emocio~
nalmente. As duas peças que escreveu a seguir são exemplos de suas
Berlichingen (1773), peça que não só faria desabrochar o talento dra-
mático de Schiller, como daria o impulso definitivo ao rnoviJrtCJlto
teorias sobre a forma e os objetivos do teatro. Em Mmy Stuart, apesar
elas licenças que o autor tomou com os fatos históricos, a protagonista Sturm und Drang, ,
!VIuclanclo-sc para Frankfurt, onde foi exercer a profissilo, Coethc
é obrigada a assumir sua culpa pela morte ele Darnlcv para pass~1r pelo
progresso de expiação e regeneração ao enfrentar o processo que leva teve seu primeiro grande caso ele d!TlOr c escreveu seu primeiro e rn<Jis
que famoso romance, Díe Leiden des jungcn Wertlwr<; (O Sofrí1ncuto
J sua rnorte por ordem de Elisabete r. Já em Die frmg(rau von Orlecms
(A Donzeld de Orleans), Schiller tomou liberdades ainda maiores corn do Jovem Vv'erthcr), ele 1774- Logo a seguir escreveu mc1is duas
a história, e leva Joana d'Arc a cometer alguns atos condenáveis dn!es em prosa, Clavígo (1774) e Stellcz (1775); mais imporL111tc ainda, ele
ele morrer heroicamente em batalha, expiando seus pecados. começou a escrever o Ur-f''aust ( 1774), primeira \'crsi1o de :ma obra-
Em suas duas últimas obras, Schiller continuou experimentando -prima, e iniciou Egmont.
O ano ele 1775 é crucial na carreird de Goethc, pois visiton \Vei-
modelos que tentavam conciliar a forma clássica com os arroubos
românticos. Em Die Braut von Messina (A NoÍ\'a de Messina) atin- mar pela primeira vez c conheceu o Duque de Saxc-Wcirnar, a quem
giu extremos de romantismo -com dois irmãos apaixonados pela ficaria ligado para o resto de sua vida. O poda não só passou a residi r
18, como também participou intcnsarnentc da 1·icb polític:1, cu1tm:Jl
mesma rnulher que, a seguir, descobrem ser sua innã- mas usa coros
como na tragédia grega. Jé1 \Vilhelnz Tefl (Guilherme Tt·liJ comagrou e científica elo ducado. Suas atividades levaram \VcimM :1 se lom:.tr
todos os preceitos românticos do herói que vi1e em estreita uni;.Jo um elos maiores centros culturais de toda a l,',uropa. O j0\'t:J1l duque
com ê1 nature;;:a e não é corrmnpido peb cultma urkma. Esse texto nutria grande admir~tç-ilo por Coethc c exploro11, p:H;l o h c m ck sc11
é complexo, tcrn duas tramas diferentes, unificadas ;nbitr;uíamcnlc. ducado, seu talento. Lv.cmlo-o responsável por ím'nm'r<1s :tiÍ\ ícbdcs do
governo. De Diretor do Departarncnto ela CtlCJTI, Codl1c n:p:ltJcliu
no finaL pela Figura ele Cuilhennc 'lcll. c lllllÍto r;tr;lmcntc alguém
tcnt<1 rnon!cí-lo hoje em dia. seu intere~sc para os e<!llljXls d<J agricultura, lJortiudltJr:1 c IJJÍI
todos eles altamente rele1:111lcs para o clcsenvohimc11lo d() dm,:1cb
Quanto ~1 uutra grande figura do romauti:mtu alcru:Jo, tanto a 1 icL1
Na verdade, as tarcL1s 110 governo for<ll1l Lt11t:1s qtlc por :dgru11
quanto~~ carreira de Johann \Volfgang \'011 Cocthc s;1o rnais longas c
ternpo Goethe ftcuu :1fastaclo elas atividades cultm:1Í.'i, d:1:. qt1<tis co11JL'-
ntais amphs que as ele Schiller. Nascido un 174l), ele só morreu c1n
\'Oll a sentir Falt:1 F,ul 1779· ele exibe grandes 111\lCbllÇ':!s c111 stu
1M)2, depois de uma vida cuja excclKiO!J;11icbdc é inclic:1cl<1 pelo bto
\'Ís8o do teatro. cscrc\ endo lfJiúgenic aufl(wri\ ( Lfigt~IÚ<1 de 'l :H1-
ele, aos oito anos, ele já falar e escrever em grego. latim. alernão, ita-
ris), inspirada 11a obra de Furípides c buscando um<l forma clás,-,ica.
liano e francês, tendo rnais tarde ainda aprendido ídichc e hchraico
em versos, com uso coros. Quando a pcÇ<1 foi l1Hll1L1(Li, em 1779,
Educado a princípio pelo próprio pai, entrou. :1os dezesseis dnos, p:1ra
o papel de Orestes foi feito por ele próprio que tinha \Ís:Jo bastante
a Universidade ele Leipzig para estudar Direito, mas acabou dando
pessoal sobre :1 intcrprdé1c;8o c imtituiu, no teatro ele \Vc·ÍJJJ:tr, no1os
preferênci;1 8 Medicina e à Botânica. Uma vida soci:tl intensa, com
critérios ele coJnnlÍJ11Cllhl c' que 1icr:ltll :1 iid1:1C'Jl' i~1r \;\rios
alguma devassidão, abalou-lhe d saúde c ele tc1 c pas;;;n 11111 longo
rnllrns fc;lfTO'.: ;_1j~_'l)J:] )11) () tfhJln il"· .. ·:~li'! !"f'·] i
período de rccupera<,'~O em C<lS<t.
Depois ele \Íé1f;t'11s i1 ltcília. Cocthc clabcHOI1 Ulll<l JlU):I l-tlusoli:1
Tramfcrido para a Universidade de I ::-;tr;!:dmrgo. Codhe acabou
teatral, que lncscLt\ :1 clclllCI1tos cLíssicos colll (Jtt!r<lS, p:1~~os, c,
se formando em Direito e lcí alcanc,ou gr:111clc ~11ccsso nos círculos
..
••
vendo-se distante do que pareciam ser as tendências artísticas do
momento, pediu ao duque para libert~í-lo de seus muitos deveres
onde viveria como marido e mulher com sua meia-irmã Ulrike, mas
0 plano não deu certo. Nada, porém, desapontou tanto Kleist quanto
••
administrativos a fim de poJer dedicar-se novamente à literatura e
ü ciência. Em 1781 ele começou a escrever Torquato Tasso, já com
o clima do romantismo que estava por vir. Na segunda metade elos
0 recebimento um tanto frio que teve por parte ele Goethe, quando
lhe apresentou suas peças, "com o coração ele joelhos", em suas pala-
vras. Após um período em Konigsberg, na administração das terras da
••
anos de 1780, Goethe voltou-se novamente para a literatura, viajou
e·publicou urna alentada biografia de \Ninckelmann, famoso pro-
fessor c erudito alemão.
coroa, durante o qual ele estudou muito, Kleist resolveu demitir-se e
tentou ele novo viver de seus escritos. Foi preso em Berlim pelos fran- ••
Em 1791 Goethe foi nomeado diretor elo novo Hoftheater, o Teatro
da Corte ele Weimar, posto que ocuparia por 26 anos. Ao longo desse
ceses e, quando libertado ao fim de alguns meses, foi para Dresden;
ali conheceu Ludwig Tieck, um elos poucos intelectuais a apreciar
devidamente o talento de Kleist enquanto viveu.
••
longo período, no Hoftheater foram montados cerca ele seiscentos
cspetlculos, com uns poucos textos do próprio Coetllt:, outros ele
Um novo golpe foi o fracasso de sua comédia Oer zerbroch.ene Kn~g
(A Bilha Partida), em vVtjmar, pelo qual culpou Coethe, que divi- ••
••
Schiller e vários ele autores alemães contemporâneos, mas também clira a peça em três atos e a apresentara depois de uma longa ópera.
de Shakespeare, Racine e Calclcrón de la Barca. A invasão da ,-\lemaiJha por Napoleão aumentou os sentimentos
Sentindo o peso ela idade e também que suas ideias ficavam cada ele Kleist contra a França, e como sua peça histórica Die Hennannss-
vez rnais afastadas das ela sociedade ele vVeimar, que ele agora achava
dccadellte, Coethe demitiu-se do Hoftheater para dedicar-se à ciên-
ci~l c;, :nte, vindo a publicar v8rias obras científicas significativas,
chlacht (A Batalha de Arminius) continha referências a um lev:mte
contra Napoleão, ele nüo conseguiu que a peça fosse montada. Em ••
'',IclusJvc uma Teoria da Cor. Foi tambl;lll durante esse tempo que
( ,odhc escreveu a se~unda e monumciltal parte do Fausto, obra que,
1810, Klcist aillcla ten.: o impuho e a força suficienlcs para escrever
o apaixonado Prinz l'riedrích von I-lomburg (Príncipe Friedrich de
Homburgo), e após novas tentativas de cri:n periódicos liler8rios c 2)1.
••
Cill SIJ:I lot:ll!clacle, só foi publicad;I após su:1 morte. Após uma notável
1·ic/;J de rc:di;.a~·úcs nus mais variados eampm ela :1tividade huma 11 a
Joli:Iilll \Yolfgan<; 1011 Cocthc IIJorrcii, 11<1 \\'cirn:1r que L1llto bcnc~
montar Séws peças, Klci~l acabou seus dias em Berlim. Ern grande
pobreza, sun co1 I ir qtil' o rei lhe concedesse li! li posto no Exér-

cito, é'lll seus CdtillHIS IIICSl'S de \·ida Klcist cht:gou ~~ pJssar Fome.
••
llcioJJ Ullil 'iC!IS Jill'Iitiplos talcJdos, :10s 0:; :tiiU.'i.
,\ Alc!Jl<lid~CI
:~o
:JÍJlch I C\ e um terceiro ~r<~ndc
tc:Jiro: Heinrich 1011 klcisr (J~-:'7-l·'lui N;hcido t'll'
IIOJllt' e1 ofncccr ;1
Acabou L1zCI1do til li p~Kiri st1icicb com Hemiette Vogcl, uma lilulher
casacLI, que cst<J\<1 coJJI c1necr c, no dia 21 de noven1hro de 1K11. ele ••
lilcr:Jillr:J c
F'rankfurl, educado por seu pai, <pie morreu ;PI;mdo ele linha 011 zc:
diHIS, ilcuu sua educação, a seguir, e1 cargo ele Sanmel C;Itcl. ;\o~
:1 matcn1 :1 tiros c clepr1is sç suicidou.

Desses três, KlcLst' \ uo <1 ser o mais montado no século XX. i\ cli\·er- ••
••
tícla Der :zerhruchene t.:.rug, crítica ela mesquinhez da burguesia de
ljlll!lZc :mos, Kleist entrou para a Cuarda de Potsclam, tcnclo luL1do
aldeia, é frequentcn1e1Ite~ encenada, enquanto Prinz Friedrich von
>':
:;::;
contra os franceses, depois sen·iclo crn PotscLnn. NJo ll 1e ~1 gr: 1 cLmdo o
IIomburg foi um:1 d:1s m:tis mcmor8veis montagens cb carreira elo :3
a discJplma Intlitar, foi para a Univcrsíclaclc ele Frankfmt c se entre-

••
(.J

Théàtre Notionu{ JYofJll[uíre, na França, nas cléc1clas ele 1950 c H)ÓO, '"
'J)
gou COlll tal empenho aos estudos que teve uma espécie ele colapso com Cérarcl Ph i I ippe como protagonísl:-1. g
11cnosu c det:.;ou a universidade em 1ooo. o

••
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2
1
'' " i''·" "'""·' UJJiC'.'> C, d U:rlu IIIUill(:ill[), jl<n lil[lllc..'IICLl do j)CiJ:;iJ-

IIICil[O ck IZoussC<lll, lcntott um:1 C\isil-Jici<l \olLicLI p<tr:1 , 1 r 1att!IT/.;I. ::':

••

O Romantismo na França desde a Idade Média, com o que autores e püblico pocleriarn sentir
mais identidade do que con1 Grécia e Roma.
Igualmente significativo, o autor propôe o abandono da separaçJo
ENQUANTO A ALEMANHA PRODUZIA, nas duas décadas do entorno ela entre o trágico e o cômico, como já visto nas obras de Shakespcare
passagem do século XVIII para o XIX, esse brilhante c polivalente e do Século de Ouro espanhol. Hugo insistia na coexistência elo
grupo ele autores, a França, durante o rnesmo período, foi silenciada suhlime corn o grotesco, assim como na rnescla de classes sociais,
por sucessivas crises políticas, sociais c militares que se seguiram ~ a fim de o teatro. poder retratar o mundo 21 sua e ;1prescnLí-lo :1
Revolução e às incessantes guerras napoleônicas. 1;: só :1 pMtir de uma plateia que, :Jg(ml, era, ela mesma, composta por espccl
rneaclos ela década de 182o, corn uma monarquia inccrl<~, nu:; co 11 s- res de v;1rias classes sociais. i\ :H,:ão podia cobrir períodos de clias ou
titucional, gue a França gozou de um equilíbrio razo:ivcl em que semanas ou meses, c cada ato se passar em local c morncnto diversos
houve, embora precária, a tranquiliclade necessária para que <ts artes Abandonadas as unidades de local e tempo, c l!lÍstmados os gêneros,
pudessem florescer.
a obra devia ser unificada por seu tema, pela aç·ão. A condução cl:1
Na primeira década elo século, a prosadora 1\ilaclame de Stael', ação pelo autor a levaria a se tornar a cxpres~Jo da iclcia, do conceito
culturalmente enriquecida por longos períodos de exílio, descobriu que o impulsionara <I escrevê-la.
o romantismo e, ao escrever De l'Allemagne, apresentou aos france- Devia ser abandonado, afirmava Victor Ilugo, aquele ambiente
ses a obra de Lessing, Coethe e SchilJer. Depois disso, na França, 0 neutro e impessoal da tragédia neochíssica. Era preciso que os cspeUÍ·
romantismo se consolidou e tomou forma definitiva, dominando a cuJos tivessem cor locaL o que levou o teatro romântico a ser n1ontado
poesia e o teatro até cerca de lb)O. Nessa aparente calma, na qual :1 com cenografia de graudc realismo para cri:~ r o ambiente onde pudes-
classe média finalmente se sentia ~l vontade, jci conH:'c;m·:t, contudo, sem ser plausivelrncntc apresentados os hábitos, os costumes, os gestos
<1_ tomar corpo uma inquietação ela população prolct:Jríd, o que lc\, 1- e o linguajar da época c elo local onde se pass<lfia :1 aç:1o. 'fuclo isso, é
na o rcaltsmo para o palco.
claro, dentro cLts co!Jvençôes teatrais r!cccssárias, cotno estruturac,:Jo
No teatro francês, o romzmtislllo fez su:1 etltrada com Fleuri 111 ela aç;3o c linglt;lgcm ddcquacb Jo tom geral do cspcLíu do, e também
el cour U·Ienrique ll! c Sua Corte), de Alex<mdrc lJul!l<IS
Sei :1m cli<ílogo incli\ iclu;tliz~tclo e tnna expressão eoqlor;d que corrcspon-
(1802-18;o), montada peh Coméclie l''rançaise, em .\ t:,,é 11 - <10 c;u,ítcr. h:tbitus c pcnsdnlellto das pcrsoJLtgctJs
cia elo movimento, porém, foi clef1nicb por Victor I-Iugo (I ::;J Seguindo css;t linh;t de pensamento, pouco dcpoi~ do sucesso ÍIIÍ-
no Prefácio de sua peça Cromwellque, escrita em iam:tis fui cial de T!cnr/ nr ct w1 cour. cn1 1829, Dum;ts fJere esuTvcu Antmn',
n;ontacla. Defendendo o ahanclono elas famosas regras clJssic1s. cp 1c ume~ tragé'clia rom;1nlic:a burguesa, tendendo p:nd o mcloclr:llJ\a. com
\'oltane hav1a tornado a valorizar, Hugo propôs que a itnitat:<1o dos incon lá~·cís com pl icaçõcs ele an1or, trai<.;ão, ilcgi li 111 idade, de se 1iletl-
clássicos- com uso de heróis c deuses da Antiguidade- fosse aban- dimentos c um suicídio heroico no final. Já se abria o caminho p<na
clonacb, c que o assunto da nova drarnaturgia clc\·ia ser busc;tdo ~~~~ os e:-c:cesso:; do melodrama, e o autor alcançou tnn enorme sucesso ao
história moderna do país Ollde fosse escrita de qualqt1cr outro. :\!Jc;u criar, em lb)2, Lcl 'Four ele Neslc (/\ 'Trme de Ncslc), que clesande1 gra-
prMica, esse conceito de ''histcíria moderna" passou a incluir tudo, cas ao clim:l ele ambientes soturnos, calaho\IC;os, arr;~sLH de corrclltcs,
J~ntasmas, adultérios ~onhados c COIICt"Clií'.ado:;. ambição,
\·:" ·.1 t·itímcs <' !Jtdo nnuis que j,í cslé1\'l le\·;ttH.Io n !Oil1:1Ili!Silto p;trd o c\a-
--· --• . - ' I '

'-'""lic'Cicb COIIIU ~hdciillc de.· St::é··i cx·rllur;: c cll"IISI;> ~~r....-ro qu,_ ti \i"-·...;t!lill·i~l '---·1:t j_)11Uc·u l;:_·t11pu .. ·~. j ":·..
E1\·orjn~l aos idc;!i;> rc\·fducirm<íri(l\. i'Pi \C~uicLl!T!Cnk
;tpó~ a Rc\·nlJH,:~!o. Jll~ls o.\ L'II\(Jhiit1elllos políticos ele Du1rws <Jcth:tLlJ\l por lcv;1-lo élO
-
••
exílio. Lá, ele se dedicou à poesia e à literatura, sendo desse período
Os Três Mosqueteiros, seu maior e mais duradouro sucesso.
Quanto ao gestor intelectual do romantismo na França, Victor Hugo
seguintes ele publicou não só dois de seus l,eves e div:_rtidos
vérbios", Fantasio e On ne badíne p~s ~ve~ l am_our (Nao se B~t~ca
"pro-
••
tinha apenas dezesseis anos quando, ainda na escola, escreveu sua
primeira peça, Inês de Castro, em 1818. A obra é destituída de méri-
com 0 Amor), mas também sua ma1s s1gmficatJva obra dramah~a,
Lorenzaccio. Uma vida de inquietações, conflitos, má saúde e bebida
levaram Musset à morte aos 47 anos.
••
tos em si, mas já situa a ação em um ambiente histórico e é plena de
detalhes sombrios e ameaçadores, que seriam comuns no romantismo.
Do início de sua criação adulta, Cromwell, escrita em 1826, era muito
Malgrado as tentativas anteriores, talvez a mais pura obra dram~­
tica romântica francesa, contradizendo a norma ele o teatro refletu ••
complicada c longa para poder ser montada; mas, em 1830, ele criou
I-femani, que ficou célebre principalmente pela "batalha" entre os
0 universo no qual ele é escrito, aparece com mais de meio século
ele atraso. Corresponelendo exatamente a todos os quesitos propostos
em 1830 por Victor Hugo, Edmond Rostand (1868-1918) contestava
••
defensores do romantismo e do classicismo em sua noite de estreia.
O movimento romântico dominou as duas décadas seguintes, mas
as peças de Victor Hugo eram por demais exageradas para continua-
vigorosamente o realismo de seu tempo e, em um esforço por fazer
reviver o verso na dramaturgia francesa, escreveu Les Romanesques ••
rem a ser apreciadas depois elo momento ele glória elo romantismo.
I-fenzaní eLe Roi s'amuse, foram transformadas em libretos para óperas
de Vercli - tendo a segunda sido usada para a criação elo Rígoletto -,
(Os Romanescos), ele 1894, que teve um extraordinário sucesso no
~ff-Broadway ela Nova York moderna. Outra de suas obras, Cyrano de
Bergerac (1897), um paradigma do romantismo, continua a aparecer
periodicamente nos palcos de vários países. •• •
e o Théâtre National Populaire de Jean Villar montou, na década de
1950, sua Maríe Tudor, de 1833. Ainda em 1838, ele escreveu Ruy Blas,
passada na Espanha e influenciada pela dramaturgia espanhola. Mas
a fanta verdadeira ele Hugo vem ele seus romances, escritos em seus
?55
••

longos anos de exílio na ilha de Guernescy, no Canal da Mancha.
Depois elo colapso do Segundo lmpirio, Victor Hugo voltou a
Paris, I~Ji eleito para a Assembleia Nacional e te\<:~ importante car-
A Transição Para o Realismo
••
reira como senador. Ao morrer, em 1kfls. le\·c lwi1ras ele Estado, c o
funeral J~>i seguido por centenas de milhares de admiradores, tanto
elo escritor quanto elo homem público.
o TEATRO j:\ Al'lU::st:::'"L\\'.·\, a partir ela década de 18)0, mudanças
devidas não só às alterações na estrutura política e social, como tam- ••
i\iluito mais lembrado como autor teatral dessa época, durante o
século XIX, foi o poeta Alfrecl de Mus.set (18w-ú)57). O retumbante
bém às novidades técnicas que afetavam a encenação. A impressão
ele espaço no palco foi criada, a princípio, pelos cen<1rios pintados,
assimétricos e oblíquos, da família Bibiena, nos séculos XVII e XVIII,
••
fracasso de sua primeira peça montada, La Nuít vénitíenne (A Noite
Veneziana) o fez resolver nunca mais escrever para o teatro, passando
a cscrcn:r peças só para seren1 lidas, como Andrea de! Sarto e Les
na Itália. A luz podia ser alterada em intensidade ou cor por transpa-
rências, e éhvores c colunas eram colocadas no centro da cena ocul- ••
cafHÍces de Marianne (Os Caprichos ele J\!Iarianne). Urn dramático
c ÍIISLín.d caso ele amor com George Sand', iniciado em 1833, parece
ter sido Í11spiraclor de nov;1s im·c11tins. pni<> llrh dqis 011 tr<~s :.1!\rJ~,
tando velas acesas atr~ís eleJas. Em 1835, no entanto, o uso elo gás para
iluminação transformou radicalmente o uso do palco.
O palco todo podia a~ora ficar igualmente iluminado. Com o uso c~e
••
1\vrrdúi!Íillll <ldot<Jdo pel:1 cscritor;J :\lll<itlditw .\murc: I ,c:ci!c DupilllrSu-!-1'>-(ll.
""' ra;.ão das diliculdadcs de pliblie;r~·;ill p,1r:r ,h 1111dh"r'·' "" ,··pnc:r.
!r0s grandes arco:'. pr1r <:.'':11111!{)- un1logo atrás da rih;JltJ, mn :1 tll~'JO
uu camilltiu c Ultl pru\1::1:' au iUttUu do palco, arcos esses períuraclus ••
a distâncias regulares. for111ando dezenas de bicos ele g<'ís -, podia-se

••

deixar todo o espaço cênico iluminado, se assim t(Jsse com·eniente, que aprenderam com ele a manipulação de tramas complicadas.
ou iluminar mais ou menos este ou aquele ponto, j<í que o gá~ era Seus dois mais notáveis seguidores já representam uma outra fase,
facilmente controlado. A importância ela mudança na iluminação do com vaudevilles --pequenas comédias com elementos ele rnúsica --,
palco pode ser imaginada, em seu valor mais óbvio, pelo fato ele que, comédias e farsas; são eles: Eugênc Labiche (1815-1888) c Ceorgcs
pela primeira vez, foi possível usar móveis no palco, com os cenários Fevcleau (lS62-1921).
passando a apresentar mais especificamente o local ela ~1çJo. 'l;nnhém Ó prolífico Labichc, filho de abastada família ela classe média,
os figurinos tiveram, com isso, ele ser alterados conforme o uni\·crso da estudou em ótimos colégios e se fonnou em Direito, cmbor~r jam<JÍS
obra encenada; e a possibilidade elos atores poderem se mo\ i men tdr viesse a exercer <l profissão. Desde jovem tinha ele <l <lrnhi(,·i'io de
livremente por todo o espaço ilurninado afetou, é cbro, a Ílltcrprc- pertencer à viela liter;iria ela Franç:a, mas tc\·<.: un1 início de cctrrcira
tação. Os antigos telões pintados em perspectiva foram, a princípio, lento e medíocre. Foi só em 1844 que resolveu se dedicar ao teatro,
substituídos por telões que ilustrassem a parede do fundo elo ambiente escrevendo desde logo textos divertidos c bem armados. Declicacla ú
ela ação, mas realismo e técnica foram se desenvolvendo juntos. rctrataçJo elos pecadilhos da burguesia, o segredo clcl drarllaturgí;t ele
A dramaturgia dessa época passou, por isso mesmo, a ser escrita Labic:he é o ele fazer com que urna ele suas personagem seja dona ele
com maior dose ele realismo. f\1as nos anos centrais elo século XJX, o uma informação que não eleva ser revelada às outras. Seus protago-
resultado desse aparente realismo é a píece-bien-faite, a "peç~1 hen1- nistas s{ío quase todos homens, pois na sociedade do Segundo Impé-
-feita", por ser altamente manipulada, com intrigas cLtboraclas que rio eles tinham bem mais liberdade e mobilidade que as rnulhercs,
continham, no ponto central da ação, a scene à f(âre, a "cena obrisra- as quais, mesmo assim, Lunbém conseguiam acert<H as contas corn
tórÍél,, ele confrontação entre protagonista c arttctgonisl<L ichl ;!c os maridos mulherengos. Autor de cerca ele 170 pt:Ç<lS, boa parte em
mna solução altamente rnanipulacla, qttc prcmiavél os bons c ccHHlc- colaboração com ,,}rios outros autores, entre <lS rn~1is falllosas csti:ío
nava os maus, e deixava toda a plateiJ satisfeita por se sentir rclr~llacla Le VoW!f;C de JVI. Perric1wn Viagem de IV!. Pcrrichon), /,e Verre
na posiç:ão moralizantc do final. 1\lcxamlre Dttll1~1s flls (lh24-1GlJ)), d'eou 'Ol; Les et lcs uwscs (O Copo cl'A.gua otr Os I< feitos cts
o filho ilegítimo do autor romântico, <~hriu o C<Hllinll<l clcssc L;C'lll'rn Causas) c Adriellll(' Lecmn'WLII', essa últim<l 1!111 sr<lll(k ''c;l\;do de
quando escre\·eu La Dome cwx cdnlélicls C\ D:ttll~l C;nnili<L'> i batalha" de S<H<lh !3crnharc.lt, que o hnha como seu ;wtm Lt\ mito.
obra inspirada en1 seu rornatrcc cum i\ Li r ic Dr1plcssis ~. t. lll<tÍ.'> ;lttHir i\ dran~<tturgÍ<l tl;tscicb cb mcc1nica cL1 tr<tlllél ;dcltlc:ou se:; pu11lo
com Le Demi-monde (A F;dsa Socicdaclc) c La Question cf t 1\ mais alto com <I ohrd ck Ccorgcs Fcvcle<Hl, que elo tL'iO ele ciliTd-
Questão elo Dinheiro). clas, saídas c clcscllContros o \CÍculo ideal par;l 'ua:; cutnê·dias :,olm: d
Entretanto, o maior representante desse psemlorrcalislllf\ é 1-:m~i'IH' rnécli;l ;1h;rsl;Jcb do final elo s(-culo XIX. '\ssidtl;llllcttlc iliOttl;tdo
Scribc (1791-ÚS6I), autor, sozinho ort Clll coLtboraç~iu, ele lll:JÍ.s ele ao longo de todo o século xx, Feycleau é lllll dos gr,,mk:-: represcnt<-m- :,..-:

quatrocentas peças. Consta que ele procura\·a nos jornais quais eram tes ela coméclid no teatro ocidental. Suas tramas sJo milimctricarnenk /

os assuntos em vog<-l no momento e. c1n grande 1-elocidade, proclrl- armadas c, par~I qrtc poss;mt ser devidamente monLrcbs, é preciso ohc-
z:ia mais urna peça a respeito, com personagellS superficialmente clecer fielmente às marcas que ele determina cn1 sue~' rul)ric:as, puis
caracterizadas, diálogo divertido c muitas vezes irônico, e comtru- ele calculava o tempo Jwccssc'írio para que o cli/dogo c ;J físíct se
r,;üo exemplarmente armada, do ponto de 1ista tllccJnico. N~'ío h;í integrassem. l''eclc:tll cscrcv·u ~9 comédias e, :10 crmlr:írio
\ .,·'
\1·'!1'
i:fê'ncro que Scribc n:lo tcnl1;1 l'\pc·ri"' .. " , ,,,, k:.tir•> r· . "· .,,,
,,;,;,,._,, t>,tid upcr<h c t.:riand() d opcr;t-ll,tic, qrt,· II,HJ c.\J·;lid ;de clll,·l,,.
Seu prÍ!llciro succ,',(i io1 llfifieurpourdamcs (.\lf;tÍ<ilc· i'<iU Scidt()re~si,
O srtcc,so de Scribc foi in1cmo. kildcJ itdlucm·i<tclo oulrr1s ;tultlt·,.,_ de , , <!lll' ck ·c11 cpur1do ;1ÍncL1 vsi:l\J ]11" IIICI" r1 T\'IC,<J
-
••
militar; mas seu primeiro grande triunfo chegou com Monsieurchasse!
(O Marido Vai à Caça!), de 1892, que teve mais de mil récitas em sua
por que passara a Grã-Bretanha desde o início do século, e se tornou
mais específica quando empregada por Arnold Toynbee (1852-1883)
••
primeira temporada, e que faria grande sucesso no Brasil quando mon-
tada em 1971, com Fernanda Montenegro, Sérgio Britto, Ítalo Rossi,
em uma obra que falava dessas transformações desde o século xvrrr.
Ela marca a progressiva tninsferência ela população elo campo para ••
••
Jacqueline Laurence e direção de Amir Haddad. a cidade e, principalmente, o advento do trabalho fabril, simboli-
Em seus primeiros dez anos de carreira, em cujas peças as prota- zado, ele certa forma, pelo uso elo carvão como fonte ele energia. O
gonistas são mulheres respeitáveis da classe média, sempre à beira gás começou a iluminar as cidades, e tanto as máquinas·industriais
de uma aventura extraconjugal mas não chegando a concretizá-la,
Feydeau ainda escreveu sucessos como Le Dindon (O Peru), La Puce
à l'oreílle (Com a Pulga atrás da Orelha)- grande sucesso no Brasil,
quanto as locomotivas passaram a funcionar a vapor, provocando
alterações na fabricação e na distribuição de produtos e trazendo,
naturalmente, mudanças na estrutura social.
••
primeiro com Maria Della Costa e depois com Fernanda Montene-
gro -, Un Fi! à la patte (Preso pela Pata) e L'Hôtel du Líbre Echange
O teatro acompanhou todas essas mudanças, seja no tema, seja
nos recursos para a encenação, bem como na dramaturgia. O uso do ••
(Hotel Paradiso). Em 1899, ele começou uma nova série, na qual as
protagonistas são cocottes espertas que se fazem de tolas e frágeis a fim
de depenar homens ricos e realmente tolos. A esse período pertence
verso e as falas literariamente elaboradas foram por centenas de anos
. bem-aceitos, enquanto o teatro tratava ele reis ou heróis, pois, ele um
lado, a forma satisfazia aquela parte do público que vivia em ambien-
••
La Dame de chez Maxim (A Dama do Maxim), sucesso com o qual
entre nós brilharia Tônia Carrero. Em sua última fase, na qual se
tes privilegiados e gostava ele vê-los assim representados e, ele outro,
toda aquela parcela que não tinha acesso a esses ambientes podia, ••
destaca On fmrge hébé (Purgando o Bebê), Feyclcau retratou homens
fracos c covardes sendo dominados por mulheres megeras. A crítica
aos costumes ela época é brilhante, e o seu humor é tão notável que
caso assistisse a um desses cspetcículos, acreditar que naquele mumlo
especial todos poderiam faJar assim. Porém, a partir do romantismo,
quando as personagens passaram a ser menos inatingíveis, o verso 2 59
••
não nos surpreende que tenha sido dito, sobre a rnontagem inicial
de ClwnzfJígnol 111algré luí (Champignol, a Despeito de Si Mesmo),
em 1f)y~. que ns t'!ltimas cenas haviarn sido representadas em mímica,
virtualmente clesapmeceu c até mesmo as formas literárias foram
se modificando. O rcalislllo surgiu para atender a todo um llovo ••
já que o riso estrondoso do público não clm·a trégttas.
público que jcinão era restrito~~ alta burguesia e, quando comcç<~r~llli
<I aparecer pe~·as a respeito de trabalhadores ou até !Hesmo de indi-
gentes- como acontece elll Na Dne (A Ralé) de l'Vláximo Córki -,
••
a linguagem teve ele se <ldequar ao tema, por mais que o <Hltor lhe
desse a forma necessária para estruturar sua trama.
Essas transformações não se deram todas ao mesmo tempo, e •• •
O Realismo muito menos de um dia para o outro. Se, com o gás, toda a área
:.<:
x
elo palco passou a ser usada, foi necess<'Írio bastante tempo até que
a parede do fundo, pinléida, fosse finalmente substituída pelo que,
o
:i
,_,
•v
C/)
••
••
A l'lM DJ:: I'ODJ·:R continuar exercendo sua função de espelho da natu- o
no Brasil, foi chamado ele "cenário de gabinete", isto é, um cená- <=::

reza- con1o diz Shakespeare, em Hcnnlet-, o teatro foi sendo levado rio que tinha três paredes coustruíclas, onde todas podiam ter por- _g
a gr~IIides tr:ltlsfontl:l<;f,cs, jê1 desde él segtln<:h lltctadc: elo século XIX. ,,~,, c j:.tnchs pr;,!ir::Í'·'' ;, ''·..,· ""(·,·,, ~:1do, o rcalísrnn c(•nir~·:l ''"'1hz:·"' :.::"'

1k~7. por Louis-Augmtc Blanqui, para clcscr<:~ver as transformações


'·'-''l: ~cu~ C:\i,:C~.'>\1:,,

em meados elo século


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qm' tcnta\'am reproduzir, com exatidão,
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utgíatcrr<~.
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••
ambientes de outras épocas. Tais cenários podiam ser impressionan- meiningens, em 1888, ficando profundamente impressionado pelo
tes, mas os intervalos entre os atos se tornavam infindáveis, e ainda clima ele equipe da encenação. Ele sentiu igualmente o impacto elos
podiam acontecer desmandos, como o da montagem de O Mercador romances de Emile Zola (1840-1C)02), em particular com L'Assommoir
de Veneza, de Shakespeare, que apresentava, primeiro, todas as cenas (publicado no Brasil como A Taberna), bem como elo que este dissera
passadas no Rialto e, após um intervalo de mais de uma hora, todas em O Naturalismo no Teatro.
as cenas com Pórcia em Belmonte, sem qualquer preocupação com Antoine comecou como ator amador, no Cercle Gaulois, c a expe-
a perda do sentido da obra. Com o tempo, é claro, a cenografia rea- riência o levou a ,convidar algtu.Js amigos para buscar um repertório
lista encontrou seu caminho e serviu muito bem ao teatro, mesmo de peças ele autores novos, longe das comédias de boulevard, dos
depois do aparecimento do realismo seletivo, das deformações expres- melodramas e, principalmente, das "peças-benfeitas" que encatlla-
sionistas, do despojamento épico, dos sonhadores ambientes do sim- vam a burguesia. Ao contrário do que muitas vezes é dito, Antoine
bolismo, ou do espaço vazio do clássico e do experimental. não se dedicou apenas a autores novos e realistas; uma interpretação
Para os novos tempos cênicos era necessária também uma nova mais interiorizada, mais contida, mais semelhante à viela real era
interpretação. Um momento inovador foi o que teve lugar no pequeno aplicável a todos os gêneros teatrais, mas sua fama nunca deixou ele
teatro ela corte do duque de Saxe-Meíningen. O duque Georg II, com estar ligada ao fato ele não ter hesitado em pendurar uma enorme e
sua mulher, Ellen Franz, atriz, e o diretor Ludwig Cronegk ficaram sangrenta perna ele boi no palco para sua montagem de L'Assommoir.
famosos na Alemanha a partir de sua montagem de Júlio César, ele Um tipo de dramaturgia que apareceu graças à nova interpretação
Shakespeare, sendo depois aclamados por toda a Europa. Financiando ele Antoine foi a chamada ele tranche de vie, pedaço ele vida, que não
ele mesmo todas as montagens ele seu teatro, o duque fazia questão tinha tramas complicadas, mas fasciúava por captar quadros da viela de
de cenários e figurinos exatos para o ambiente e a época elo texto, e pessoas dos mais diferentes níveis sociais e econômicos, o que levava o
usou sua experiência militar para planejar cenas de multidão: para público do teatro a ampliar sua visão dos comportamentos humanos.
os figurantes não ficarem parados sem saber o que t~1zer, ele os distri- Foi por influência ele F,!llilc Zola que o naturalismo- onde são funda-
buía en1 pequenos grupos, cada um co111 urn líder, que estimulava as mentais os aspectos científicos ele hereditariedade c meio ambiente-
reações adequadas. Os meiningens. como. eram chamados, viaj<tram se afirmou. T'rahalhando cotn a perspectiva de Zola, Antoi11e rcforl1loll
por \·:trios países, e muito embora ainda houvesse ttm longo caminho tanto a interpretação qua1lt<'J o repertório, e ficou fanwso por ter apre-
a ser trilhado para que a interpretação realista se tornasse rotineira. C:· sentado, pela primeira ,·ez na história elo teatro, um ator falando de
preciso lembrar que tanto Antoine quanto Ott-o Brahm e Stanís!J,·ski, costas para a plateia, o que se justificava porque a "quarta parcele",
os grandes criadores da interpretação realista. viram seus espetáculos. a "parede" invisÍ\'el que separa palco e plateia, supostament-e leva-
Uma primeira tentativa de realismo cênico, ainda fora de hora, foi ria os atores a se comportarem como pessoas que vivessem naquele
realizada na Inglaterra por T.W. Robertson (1829-1871), ator, autor e espaço elo palco, sem consciência da presença elo público. Mais un1
produtor sem maiores méritos, que montou sua peça Society (Socie- elemento pesou para a fixa(;ão do realismo, a eletriciclaclc que, pou-
dade), em 1865, com extremos detalhes de realismo e que porme- cos anos depois, substituiu o g<ls nos teatros, oferecendo possibilidade~;
norizou ainda mais em seu maior sucesso, Caste (Casta), em 1867. ainda mais amplas, além ele causar menos incêndios.
As críticas não o receberam muito bem, mas o público ficou t~lsci­ Dentre os que frcqun1l:.tr<tlll o Théâtrc Librc de i\n!oinc cstive-
. ·.. ~
tl~tdo pelo qu(· \·eio a ser ch<llll<Vlr> '.k ··t(·:ttm de .\ÍC<Ir<t c pires". '\ ,·,nn Ottn nr:illl!l '.!IW i;:)t•!;,) J):JI·:; ! cri:t<.:0() do Frl·Íc· !\id:!:'· ·'[:·;:Ir(\
Llllcrprcl<t~úu realista, porém, sei se <tltritlou r..:,titttcttlc com o trai)<J- Li\TC) na Alcutdttlia, hl'lll U>tllo Ncmirovitcll-Dantchcllko c Stanis-
Iho ele AllClré Antoine (18s8-1943J. qttc ,tssistira a um cspetcículo dos L.Í\·ski, os fttnchclnrc:~ dn ·I(:;Jtro ele .\rtc ele i\:loscou, onde o 1í.ltimn
-
••
teve a oportunidade de desenvolver o seu famoso método de inter-
pretação, crucial para a encenação dos textos realistas, em especial
peça denunciava as péssimas condições em que tinham de viver os
que eram explorados pelos donos desses imóveis. Os conservadores o ••
os de Tchékhov.
Nessa corrente, um fenômeno interessante é o do teatro inglês
que, na segunda metade do século XIX, não aderiu ao drama realista,
acusaram de explorador ele escândalos, porém muitos outros aplau-
diram esse teatro que prestava um serviço à sociedade. ••
•••
mas ~esenvolveu excepcionalmente o espetáculo, tanto em técnica
quanto em interpretação e, sem produzir qualquer éiramaturgo mais
significativo, teve uma vida teatral intensa, marcada pela relevância
de atores e espetáculos. Nas últimas décadas do século, graças a toda A Dramaturgia
uma geração de bons editores e críticos da obra ele Shakespeare, teve
lugar, por exemplo, uma progressiva restauração de seus textos, que ••
vinham sendo podados e deformados desde a época da Restauração.
Em meio a um mar de comédias sem maior mérito e extravagan-
zas, apareceram produtores de visão, como Samuel Phelps - que
AFORA AS IGNORADAS INCURSÕES pelo realismo de Tom Robertson
(1829-1871), na Inglaterra, foi por influência elo trabalho ele Antoine
que o realismo e o naturalismo se firmaram em todo o Ocidente.
••
montou quase todas as peças de Shakespeare em seu teatro de tra-
dição comercial -, ou o notável ator Henry lrving, que teve longa e
Foi para o Freie Bühne que Gerhart Hauptmann (1862-1946) fez sua
numerosa obra, que começou com Vor Sonnenau{gang (Antes do ••
triunfal carreira, sendo responsável pela descoberta ele Ellen Terry,
com quem contracenou durante duas décadas. Brilhante ator shakes-
peareano, Irving não hesitava, entretanto, em montar textos medío-
Sol Aparecer), de 1889 e atingiu o ápice com o notável Díe Weber
(Os Tecelões), de 1893, sobre a desesperada revolta dos tecelões que
perdem seu ganha-pão com o advento elos teares mecânicos. Haupt- ••
cres que lhe oferecessem a oportunidade para mais um sucesso pessoal
como intérprete; a ele se deve, aliás, a ideia ele serem apagadas as
luzes na plateia durante o espetáculo.
mann não limitou seu teatro naturalista ao drama sério; no mesmo
ano em que retratou a dor dos tecelões, ele escreveu Der Bíberpelz
(O Casaco de Castor), unw penetrante sátira à presunção e pompo-
263

•• •
Bem no fim do século XIX, no entanto, apareceu George Bernarcl sidade de funcionários públicos de cidades pequenas.
Shaw, que condenava Irving por não estirnular novos autores. Shaw,
irlandês, erudito crítico de música e teatro, articulista brilhante c
Foi na Escandinávia, no entanto, que o realismo apareceu de
forma definitiva. O caso ele Hcnrik Ibsen (1828-1906) é anômalo, na ••
polêmico, socialista integrante do movimento fabianista, empenhou
suas peças sempre a serviço ele icleias, e publicou, em t88t, The Quin-
tessence o{ lbsenism (A Quintessência do Ibsenismo), reclamando
medida em que sua carreira de autor cobre um período de cinquenta
anos. Ele nasceu na pequena cidade ele Skien, na Noruega, filho ele
um rico comerciante que bebeu até falir e deixou a família não só
••
contra a fria acolhida que Ibsen tivera na Inglaterra até então. Auto-
didata, Shaw- de cuja obra falaremos mais adiante, posto que foi
em extrema pobreza como também objeto do desprezo por parte ela
mesquinha sociedade pequeno-burguesa locaL Ele estudou no pior
?:S
X
.-S;:l ••
••
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no século xx que ele mais produziu- aprendeu música com a mãe, colégio ela cidade e aos quinze anos foi feito aprendiz de um farma- 'V
(/.)

que o sustentou em seus primeiros anos em Londres quando ele pas- cêutico, sem completar os estudos necessários para que pudesse rea- o
c:
sava todo o seu tempo lendo. O primeiro emprego ele Shaw foi em lizar o sonho de ser médico. Fora do colégio, ele estudava sem parar, e
uma firma qtte alugava apartamentos ou quarto.-; baratos. mas quase
inabitáveis, c:-.:pcriêm:ia que lhe deu o tenta de st1a pri111eira peça,
sacrificando o almoço em favor de aulas do latim indispensável para
a admiss<io e!ll quak1ucr ut ti' crsidadc. Apesar de todo o seu csfon,:o,
~'"
C)
••
••
Widower's Houses (Casas ele Viúvos), de 188:;. tvlontacla em 1892, a Ibsen não conseguiu entrar para a Universidade ele Cristiania- hoje ?:j

41
Oslo-, mas passou a frequentar as aulas como om·intc e se revelou da injustiça sociaL respondendo ele que apeuas observava a huma-
tão brilhante que conseguiu uma espécie de diploma. nidade que o cercava. Surpreendentemente, Ibsen afinnava que,
Ibsen havia escrito em 1849 sua primeira JW\:a. CatilincJ, publicacL1 para o realismo, era fiel e agradecido aluno de Eugene Scrihc (1791-
sem repercussão. No mesmo ano \'Íu rnontacb ~ua segunda peça, 1861), o mestre da "peça-benfeita". A grande diferença entre esses dois
Kjaemf)eholíen (O Carrinho do Guerreiro), con1 algun1 sucesso, c mestres de todas as técnicas da dramaturgia é que o segundo é ruu~1
resolveu tornar-se exclusiv;!rnente e::;critor. F.n1 18)1. conseguiu :-;cr máquina ele boas bilheterias e o primeiro, um dos mair·rcs nomes ch
nomeado, como poeta, do novo 'Icatro N;1cicmal ele Bergen. mas história elo teatro, porque Scribc usava a carpintaria teatral para armar
a vida ccmtinuou difícil, seja pela preuricdadc elo mundo teatral situações e manipular soluções t~1cilmcnte accilá\eis c apbudidas
norueguês, seja pela estreiteza dos prcccmceito:; de seus cornpatrio- pelo público, enquanto Ibsen usava o mesmo clornínio paLl condu-
tas. Quando finalmente conseguiu uma bolsa ele estudos, partiu para zir toda a ação às suas reêtÍs consequências. Ele faz ele cada pcç:a niio
Roma, onde ficou até 1884, mudando-se depois para '1 :\lemanha. O só uma exemplar experiência estética como também amplia nos:;o
exílio de Ibsen durou mais ele trinta anm, com periódicas visitas ao conhecimento c nossa compreensão do cornportamento humélno.
país natal, onde constatava não ter mudado a sociedade que o rejei- Em todos os textos ele Ibsen vemos expostos os males ela hipocrisia,
tava e ele abominava. que caracterizou a sociedade ele seu tempo, e como essa hipocrisia
Nos primeiros quinze anos ele sua Glrrcira, Ibsen escreveu, em domina o universo das cidades pequenas, onde todos vivem preocu-
versos, peças de fundo histórico c comédias que tentavam dar forma pados com a opinião alheia.
nova a folguedos tr;1dicionais noruegueses. Rc,ulLllll cks:;c período Sua primeira peç·a rc;d' Somfi.mdets slotter (()s Pilares cb Socie-
duas obras rnomtrnentais. Bral7C!, de tK6). (o clr;ttlLl de um indivíduo dade), de dc1c ter sido um choque para o pt'thlico da
cujo excessivo idealismo acaba destruindo;\ outros c dele mesmo; vindo logo depois do nl0ll1llllcnta I Keiser og Calí laecr (César c C,ll i-
ao morrer, soterrado por uma a\·aLmchc. ele btH,;a \!111 hrctclo ele leu), que investig<ll<l ,.,~dores mtlllclanos c religiosos.,'\ nm·;J [lCCJI C1h
angústia a Deus, e uma voz lhe responde "F.k n Detts elo ;tmor··. ela rcsponsabilicle~clc imhidu;d c social elo homem c, cOliJO todas
A ohra deu Lnna a Ibsen, mas n;io tl111cirlli;l )1(1 p;\lcrl. r·.lll J8(J-:;, l'lc: as que se scguiranL aprc'clll<l un1 problcnu entre inclivíd<tos, CJIIC
escreveu Pecr C\'77/, uma elas ohr<h-[ll'ilt:;i' d() lc·.ilr\1 tlllil l'tsal. qtte remete a uma · sobre os valores impostos pch sociccLidc '..'
trata ela hist(Jria ele un1 homem sc:111 iclc;tls. -,,·:tl crJ que \·~.11 sobre a prcíprid lctlicLtdc De loclas as pcc;<Ls ele filscll Swuju11
vivendo ~em pensar no amanhã ou tus crJII.\Cl[llt·IIl'i~~> elo l[llc Cv .. \ clets ... é, em todo o ctso. e~ ele fin;Jim;~is otirnist<L
ação tcut lugar em \CÍrios pontos elo tiHlndo c. ~l[llÍ\ lllliÍl~L' ~llentu­ Se a primeira foi Ull1 cltuqttc, ~~segunda, l<:t cluld:ehjcuz (C;1s;1 de
L.IS, Pccr c:vlil resolve: \'Oltcn p~n:~ Cél\él, lllllk é'k C'lll'(llltrél \Cll lln,d Boneca), de foi tllll esc :m cLil o. tendo sido proibi cL1 l' ..;(! c h c-
inesperado: o Derreteclor ele Botões u enctnl11·a. e\plic1 que ele nJu ganclo aos palcos" lllllilo uislo ..'\peça é uma notável denúncia elo
é suficientemente mau para merecer o illferlltJ: ck é ;I[K'nas :;cmc- que era a condiç·iio ela lmtlher na Noruega cbqucla época c tra(,:a ~~
lhante d 11111 hotiio que sai com dcft·ito d<t Lílnicd ,.. pmldlllo, :;cJ trajetória de Nora, ;J "hom·c;1'' <[Ul' passou das mãos do p~ti p~1rct ;I' do
derretido. Salvo pela constância elo <lmnr de <I qucrn ,dJ;m- marido, mostrando StLl tr;rmfonrwçâo desde <1 ignorante sujci<.;;\u ar:
clonou. nos hra~·os cleb ele cncontr~1. fin;dinc!ltt. <.!LI r;~:.<ío ele 1 i1cr. pomposo c ditatorial 'l(m;lld. sc11 marido, 'lté s1w cor;ljos;l clccis~íu
dcixií-lo para ir cksc<1hrir 'II!CI11 c!;!(· rc;dmcntc c o qu ,~' 1c
1 ~~ :. : : ~ . f \ 1 ,. i ,I ', •1\ (·r 111 \11 1

o poeta do.s ;11nhicntcs fecklclos -_por !ll!ltln tr_·:npo ;1c: ohr:l' pabes, tornando lhsc11 l!llllldiC~Irllelltc famoso, c { cotll lrc·qtJ(·ncÍ;I
::wnracLr dl( (h ,:. !.

••
Três anos mais tarde, Ibsen voltou sua atenção para a hipocrisia ela
classe média abastada em relação ao sexo, com a dolorosa e trágica
apresentavam Racine ou seus imitadores. O resultado foi um desas-
tre, um fracasso criticado com tal violência que Tchékhov resolveu
••
Gengangere (Espectros) e pareceu, mais do que nunca, o apologista
das reformas sociais quando, em 1883, escreveu En Folkefiende (Um
abandonar o teatro sério e ficar só no campo de suas comédias ele
sucesso. Quando Nemirovítch Dantchenko e Stanislávski resolveram ••
Inimigo do Povo). Ele chamou de comédia essa trama que põe em
jogo um indivíduo íntegro, corajoso e responsável, que enfrenta a
pressão da sociedade de uma estação de águas que não acredita em
fundar o Teatro de Arte ele Moscou (TAM), tiveram de lutar muito e
explicar em detalhe para Tchékhov s1.;1a nova visão do texto e como
este deveria ser interpretado para arrancar dele a permissão para uma
••
abrir mão de qualquer de seus confortos em E-1vor do bem comum,
nem rnesmo sabendo que pode estar pondo vidas em risco. Entre
1885 e 1889, Ibsen escreveu Rosmersholm e Fruen jl-a haven (A Dama
nova montagem de A Gaivota. A nova encenação foi um sucesso tão
grande que uma gaivota passou a ser o símbolo do TAM. ••
••
Vale lembrar gue, na infância ele Tchékhov, a falência elo negó-
elo Mar), ambas realistas, mas com tendências ao simbolismo que cio de seu pai levou a família a se mudar para Moscou, deixando-o,
marca as obras dos últimos anos do autor. aos dez anos ele idade, em 'f'aganrog, sua cidade natal, onde sozi-
Em 1891 aparece, entretanto, a memorável Hedda Gabler, que
denuncia a criminosa inutilidade de uma suposta classe superior. Sua
última grande protagonista, ao contrário da Nora de Casa de Boneca,
nho devia dar um jeito de se sustentar a firn de terminar os três anos
que faltavam ele seus estudos ele segundo grau. O menino deu aulas
particulares, fez bicos aqui e ali, c aprendeu, mais que tudo, ,que o
••
representa o que há de retrógrado e condenável na vida dessa mulher
que se casa com um homem modesto, a quem domina e despreza,
trabalho era o caminho para a sobrevivência e a esperança. E bem
possível que venha dessa época o horror que Tchékhov nutre, em ••
2ÔÔ
destruindo várias vidas, moral ou literalmente, por tédio e por não
poder suportar o sucesso dos outros. A presença constante de duas
pistolas que haviam sido de seu pai tem função simbólica, mas H.edcla
toda a sua obra, pela preguiçosa inércia elo povo russo e, mais horror
ainda, por aqueles que, tendo tido o privilégio da educação, se tor-
nam apenas falsos eruditos, que falam e bebem vodca, porém jamais 267
••
não age porque elas existem, apenas faz uso delas.
As últíinas peças de Ibsen, Bygmester Solness (Solncs~. o Constru-
tomam uma só atitude cohcreta que possa, senão sanar, ao menos
atenuar os problemas ela Rússia. ••
tor), Lille ITyoll(O Pequeno Eyolf), folm Gabriel Borlmwn e Naar
vi dode vaagner (Quando Nós os Mortos Despertamw~) se voltan1
para culpas nascidas ele ideais e amores perdidos, con1 um realismo
O autoengano, a hipocrisi:ct, a ilusão, a incapacidade para tomar
consciência da verdade sobre si rncsmo e dos rnales que vinham
tradicionalmente corrompendo o país, formam a essência da obra
••
atenuado por sírnbolos e ilusões. São todas interessantes e de alta
qualidade, mas não gozam da fama das peças anteriores.
ele Tchékhov, contestaclor elo dran1alhão, que a França tanto usava
em seu teatro, por entender que ele apenas servia para uma espécie ••
A ligação da interpretação com a nova dramaturgi:1 do realismo
fica exemplificada em um episódio acontecido com a primeira peça
ele catarse menor, quando todos na plateia iriam chorar um pouco,
sentir pena ele si mesmos e deixar tudo como estava, sem levantar
um dedo.
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••
importante do russo Anton Pavlovitch Tchékhov (186o-1904), que
escreveu na virada elo século XIX para o XX: o Te:alro i\lcxanclrinskv,
ele S. Pctersburgo, montou sua primeira grande pc(;;1, C!wvka (Í\
Desde a infância, Tchékhov divertira a família e os amigos com
histórias que contava e, mais tarde, escrevia; e quando, aos dezenove
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anos, chegou a Moscou, seu irmão o estimulou a tentar vender seus
Gaivota). em Ollf11hro de 1896. Nen1 o clirctor IIC'Ill 1>s ;!1-nrTs gost;J- conios. ;\ p<Jrtir de 188o. com a primcir<J puhlícação de urn conto seu
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vam da contenção e sutileza ela dramaturgia de Tchékhov, e a peça em urn jomal humorístico, Tchékhov começou então uma atividade
foi interpretada com o exagerado e declamatório ntilo~com que que sustentaria a ele e il família durante anos, corn pequenas crônicas ~
••

e histórias cômicas, enquanto estudava medicina. Em 1882 ele publi- chamava de "Hamlets moscovitas", a todos os que falavam muito e
cou seu primeiro conto sério, e sua farta produção, que lhe parecia não faziam o menor esforço para alterar a situação do país.
ser apenas uma fonte de renda, proporcionou-lhe uma grata surpresa Retomando a medicina, Tchékhov se dedicou a tratar os campone-
quando, ao visitar São Petersburgo, em 1885, descobriu que não só ses dos arredores de Moscou vitimados por uma epidemia de cólera e
era popular como também já era bastante respeitado como escritor. trabalhou exaustivamente até a tuberculose obrigá-lo a mudar-se para
Não pode ser vista como exagerada a importânciJ de ressaltarmos Yalta, no sul ela Rússia, de clima mais quente. Foi quando escreveu
o fato de Tchékhov ter sido médico, pois sem dúvida o exercício ela sua primeira peça em quatro atos, a já mencionada A Gaivota, c nada
medicina foi influência crucial para seu modo ele ver as pessoas. Da poderia ilustrar tão bem o advento do realismo no teatro quanto o já
mesma forma, sua maneira de exercer a medicina reflete a vasta relatado desastre em São Petersburgo.
dimensão de sua solidariedade humana, dado altamente relevante Para aliviar sua tristeza, e acompanhando A.S. Suvorin, editor de
para o melhor teatro que Tchékhov escreveu. Em 1884, justo quando um importante jornal e grande estimulaclor de sua carreira literária.
recebia seu diploma de médico, soube que tinha contraído tubercu- Tchékhov partiu para a França a fim de observar de perto o famoso
lose, frequente em sua família e, na época, tida como incurável. Apto caso Dreyfus. A amizade dos dois ficou grandemente abalada na oca-
a clinicar, o novo médico não teve falta de clientela, porém, toda ela sião em que Tchékhov apoiou a posição radical de Émile Zola, e
tão pobre que era indispensável que continuasse a escrever, produ- quando ele voltou para a Rússia, mudou-se definitivamente para Yalta.
zindo centenas de crônicas e contos para jornais. A grande coleção No ano seguinte ao fracasso, 1897, Vladimir Nemirovitch-Dan-
de personagens que Tchékhov exibe em sua obra dramática sem c:henko (1858-1943) e Konstantin Stanislávski (1863-1938) fundaram
dúvida se beneficiou da coluna jornalística "Fragmentos da Vida ele o Teatro de Arte de Moscou (TAM); a primeira produção foi urna
Moscou" marcada por sua penetrante observação ela cidade e seus peça histórica ele Aleksei Konst~mtinovich T'olst6i (1817-1875), Tsar
habitantes menos privilegiados. Fyodor Joannovitch, na qual era nítida a influência ela companhia ele
Aos dezoito anos Tchékhov só havia escrito uma peça ele teatro, Pla- Saxe-t,/leiningen na busca ele um maior realismo cênico; rnas foi só
tonov, que prenunciava, mesmo que ainda precariamente, as obras- no ano seguinte, 1898, que o grupo realmente marcou seu apareci-
-primas de seus últimos anos. A partir ele r885 Tchékhm começa a mento, justamente mo11hmclo /\ Gczíro/(J. O que convencera o autor
escrever uma série ele pequenas peças em um ato. iis quais chamava fora a garantia que a peça seria encenada segundo uma nova visão ele
ele "brincadeiras", ou "piadas", como Meclved (0 Ur~o), Precllpzheníye interpretação, mais realisl;l e contida. Disse certa vez Michel Saint-
(O Pedido de Casamento), Yubiley (A Festa ele Anivcrs~írio) e O vrecle -Denis (1897-1971) que "estilo é fazer o que o texto pede", c acontece
tabaka (Os ]\ilales elo T1bac:o), todas ela~ satiri;.,allClo a burguesia, rnui- que o texto de A GoivotcJ peclía exatamente a visão concebida por
tas delas ainda hoje montadas nos mais variados pontos do mundo. Stanislávski, ou seja, o comedimento, a motivação precisa, o gesto
Cansado e desiludido com a vida em Moscou, Tchékhov fez uma justo e plausível.
viagem no mínimo assustadora: de carruagem ele atraw:ssou a Sibé- O realismo de Tchékhov não tem nada a ver com a construção ela
ria para uma visita de inspeção elas colônias penais da ilha Sakhalin; fJiece-bien-faite ele Sc:ribc. ou com os extremos adotados por Antoine,
seu relatório foi suficiente para provocar uma grande reforma do mas durante um bom tempo foi moela afirmar que as obras de 'T'c:hékhov
sistema prisional russo. Voltando a Moscou, rccomcc;ou a cscre\·cr, não tinham ação. Porém, é só cornparar, em qualquer de suas peças, ;1
mas agoLl cn1 tom sé:rio c ~1gressi\·o. A vtrlú de'·. ni:lrr_ lomntl tll11~l situacão inicial com;\ sih 11Il:.l1jXlr:1 constatar :ts muc1:m\as lu\i-
forma muito clara o horror que Tchékhov manteria p<na sempre ern das e,o que as provocou. A qualidade elas peças de Tchékhov vcm de
relação à inércia russa, aos integrantes da intc!fii_I,r.:llt::icJ inútiL que ele sua capacidade par:1 \"cr su;.Ls pc'rsonagcns em estreita rcl:H.;ão com a
••
cultura que as formou e o mundo em que vivem; pode não haver gran-
des cenas de confronto, ou crises que abalem a plateia, mas são todas
A moça, fortuita amante ele Trigorin, de quem tem um filho - que
morre- e além de tudo é por ele abandonada, ainda assim é o único
••
ricas em desgastes do quotidiano que determinam mudanças inevitá-
veis e implacáveis. Ação não é necessariamente agitação, c boa parte
raio ele esperança que resta na peça, porque trabalha, lutando por
retomar sua carreira de atriz. ••
da crítica que esse extraordinário autor faz aos russos de seu tempo é
justamente a inércia, a incapacirl.ade para sair da estagnação em que
viviam, sendo por isso mesmo arrastados pelas correntes de 1nudanças
Em Dyadya Vanya (Tio Vânia), ele 1899, a denúncia de Tchékhov
é mais clara. Vânia e a sobrinha vivem sem prazer ou lazer, traba-
lhando sem cessar as terras que a moça herdou da mãe, irmã ele
••
conjunturais. Nem por isso suas personagens são apenas vítimas: elas
têm opções, mas optam pela omissão, que as destrói.
Vânia. Eles remetem integralmente os magros lucros ao viúvo e pai
da moça, Serebryakov, a quem teriam a obrigação de sustentar por ••
••
Os últimos quatro anos da vida de Tchékhov, em que ele esteve ser um intelectual. Este se casou novamente, com Yelena, e a ação
ligado ao TAM, foram os mais felizes e realizados ele sua vida, e a transcorre quando o casal vem passar o verão na propriedade rural.
Arkadina da versão bem-sucedida ele A Gaivota foi interpretada por A velha mãe ele Vânia é deslumbrada admiradora dos escritos ele
Olga Knipper, com quem ele se casou. O importante nas peças mon-
tadas nesses quatro anos é a compaixão de Tchékhov tanto pelos
que sofrem quanto pelos que erram, todos vistos como produtos ela
Serebryakov que, ao longo dos anos, Vânia constatou não ser mais
do que um egoísta e medíocre compilador de ídeias alheias. Acome-
tido de louca paixão por Yelena, Vânia deixa finalmente explodir sua
••
cultura em que viviam. Importante também é seu completo aban-
dono da ideia de que drama e comédia possam ser coisas separa-
revolta contra a sacrificada vida em favor desse "Hamlet moscovita",
que agora pensa em vender a propriedade, julgando que se aplicar o ••
das e estanques, já que na vida eles são tantas vezes rnesclaelos. E
sua experiência como médico parece ter sido crucial: o médico por
certo não pode odiar um paciente só porque este sofre de alguma
dinheiro terá uma renda Il1aior.
A explosão de Vânia contra a complacência ele Serebyakov, que
na verdade iria roubar da própria filha seu único meio de subsistên- 271.

moléstia fatal. O calor humano que Tchékhov dedica tarnbém aos
privilegiados decadentes não significa que ele não deixe claro seus
cia, impede a venda, mas não a volta à rotina anterior, sem sequer
;t ilusão de fazê-lo por uma boa causa. O pouco valor dado ao tr8- ••
erros e a inevitável derrocada que os espera, ou quais sejam os que
gozam de sua maior solidariedade e quais os condenados por suas
cnminosas omissões.
balho é ilustrado também pelo médico Astrov, que se mudou para
o campo por idealisrno, e sente o quanto está sendo contaminado
pela mediocridade e pela inércia ela comunidade que ele sonhara
••
A Gaivota se passa na propriedade de campo de Sorin, irmão ele
Arkadína, atriz famosa, que aí vem passar férias com seu amante,
redimir. A apaixonada denúncia ele Tchékhov contra o desperdício
e a corrupção é a essência do torn irônico de Tio Vânia. ••
••
Trigorin. Este encarna um dos tipos mais condenáveis am olhos de Com o começo elo século xx, em 1901, Tchékhov escreve nova
X
·rchékhov, o pseuclointelectual, o escritor que degrada a arte por obra-prima: Tri Sestri (A~ Três Irmãs). Filhas de um militar, Masha, xo
dinheiro ou sucesso pessoal. A peça fala de VéÜÍas vielas frustradas, Olga e Irina moram em uma cidadezinha do interior para a qual o ;3


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vítimas desses dois superficiais exploradores; ele Konstantin, filho ele pai fora destacado. Lá ele morreu e desde então, há onze anos, elas '<l.l
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Arkadina, que sonha ser escritor, c Nina, a namorada dele, que se falam incessantemente em voltar para Moscou. O problema delas é c
apaixona pela aura de glória de Trigorin. Arkaclina destrói, com um exatamente este: elas falam mas não fazem, porque na realidade não E -~
riso cruel o espctúclilo sit11bolista que o filho !llOIÜ<l Cill Sll<t l10nra. I1<Í llcrn razões. ncrn condicJíc.s p<rra a sonhada ida. ,.....
e o vaidoso Trigorin explora a ingênua vulnerabilidade de Nina, U efeito elo contraste entre os sonhos e a inércia das irmãs é cortante;

abrindo o caminho para o suicídio do rapaz e a degr<tcla<;·ão de Nina. o casame11to do único e fraco irmão com uma pequeno-burguesa ::S


••
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local, grossa e ambiciosa, é o que Tchékhov usa como instrumento pelo estudante Trofimov, um idealista ainda não totalmente liberto
crítico. A cunhada arrivista, egoísta e desagradável, por sua mera dos antigos defeitos russos. É dele a fala mais significativa ela peça,
capacidade de agir acaba dominando a família, literalmente conquis- quando responde a Anya, que falava ela beleza daquele jardim:
tando para ela o marido inútil e o filho, todo o espaço físico da casa,
pois de nada valem a cultura e o refinamento das irmãs, incapazes de A Rússia inteira é o nosso jardim. A terra é grande e bela - e h3
enfrent~r a realidade. Masha, casada com um medíocre que, quando lugares lindos em toda ela. Pense nisso, Anya: seu avô, seu bisavô
adolescente, ela pensou ser brilhante, tem um caso com o coronel e todos os seus antepassados eram donos de escravos -donos ele
Vershinin, marido de uma semi-inválida, ambos queixosos mas sem seres vivos- e de cada cereja de cada cerejeira, em cada folha,
coragem para chegar a mudar de vida; Olga chega diariamente em em cada tronco, criaturas humanas estão olhando para você. Ser;'í
casa com a dor ele cabeça que lhe causa seu mesquinho emprego que não ouve suas vozes? É tão terrível! Seu cereja] é uma coisa
nos correios; Irina, a mais moça, hesita entre dois admiradores, mas aterradora e quando, no crepúsculo ou à noite, se anda por ele, as
acaba optando por Tusenbach, "apesar de feio". Tchékhov apresenta cascas dos troncos brilham, tênues, na escuridão, e cada cerejeira
o trabalho como a única esperança para uma verdadeira mudança na parece estar sonhando com os séculos que se passaram, torturadas
vida; e a jovem Irina fica inspirada pelas ideias de Tusenbach, que por visões dantescas. É verdade! Estamos atrasados no tempo pelo
resolveu deixar o exército para buscar um trabalho mais produtivo. menos duzentos anos, na verdade ainda não produzimos nada, não
Antes que eles possam partir, Tusenbach é morto em um estúpido temos sequer um ponto de vista definido em relação ao passado,
duelo provocado pelo outro, boçal admirador de Irina, e a peça ter- não fazemos nada a não ser teorizar ou nos queixarmos de que est~l­
mina quando se ouve, ao longe, a banda da tropa ele Vershinin que mos deprimidos, ou bebemos vodca. É óbvio que para comcçJr a
parte, e as três irmãs, sentadas, têm na música um último e pequeno viver no presente vamos precisar, primeiro, expiar nosso passado
momento ele alegria. e romper com ele; c só podemos expiá-lo pelo sofriinento e por
Em 1903 'T'chékhov, já corroído pela tuberculose, escreve Vislmyouvy um trabalho extraordinário e incessante. Compreenda isso,
sad (O Jardim elas Cerejeiras). Liubov Anclreíevna Ranevskaia e seu
irmão Caev estão h1liclos, à beira ele perder sua propriedade. Por uns Pode ser que Anya venha a compreender, mas Liuhov e C<lev nJo
restos de hereditária fidelidade à família da qual seu pai foi sen·o, têm qualquer condição parei mudar. ()cereja! é vendido a Lupakhi n
Iermolai Lopakhin, um comerciante bem-sucecliclo, sugere que a no leilão, e Liubov, com o que resta depois das dívidas pagas, volta
solução para o problema seja derrubar o vasto cereja!- estando per- para o amante, em Paris.
dida a receita da geleia de cerejas que sustentava a família-- e lotear Em um esforço supremo, e contra a opinião do médico, Tchékhm
o terreno para quem quisesse construir casas de veraneio. Mas o foi assistir aos ensaios finais de O Jardim das Cerejeiras, agrava11clo
cerejal, para Liubov, é a lembrança ele sua infância, de toda a sua muito seu estado de saúde. Tão logo terminou a primeira temporada
vida hoje perdida, e ela o preserva como símbolo elos velhos hábitos da peça, Olga Knipper levou o marido para uma estação ele águas na
e privilégios, que não pode mais sustentar. Gaev é um inútil total, Alemanha com a esperança ele que ele se recuperasse; mas Tchékhov
c
cuja única ideia é pedir dinheiro a uma distante pJrente rica, que morreu ainda em Badenweiler. Dotado, rnais elo que qualquer outro
não poderia ser contatada antes de a propriedade ir a leilão público. autor d~ seu tempo, ele ~oliclarieclade humana, de amor ao outro. de
prcocup<lC,<1o p<Hcl com():; (!IW :;nfn·Jil. (Llí lt'11l su;l cortljl<lÍ\:Í<l por
Tchékhm ;l(jl!Í le1 ;1 o probknu pclr<l <1 JHW<l é~c· V;trÍ;l. ;1 fi]h;l

adotiva, vê com horror o desperdício que, apesar de tudo, continua


a reinar 11<1 casa, enquanto Anva, <1 filha mais nwç·;1, é' inAuenciacLl :\. Tchékhov, O farcfinJ âus ( :crqcirao, .\tu ti, Ccll:l 11naL
r
I

••
todas as suas personagens, até mesmo as condenáveis ou condenadas.
Nas mãos de Tchékhov o teatro cumpre como nunca sua função de
O casamento dos pais- ele, um pequeno fidalgo com pruridos de
aristocrata, ela, uma antiga empregada doméstica -foi uma estranha
••
documentário do mundo em que é escrito, e é por conseguir captar
com profundidade a verdade ignorada pelos socialmente cegos que
matriz que marca inúmeras obras, dos mais variados temas, com terrí-
vel guerra elos sexos, onde transparece a busca de Strindberg pelo que ••
••
ele continua, e continuará sempre, a dialogar com novas plateias. seria a mulher ideal ou aceitável, ao mesmo tempo amante, amiga e
De importância quase igual a esses dois fundadores elo realismo- empregada doméstica. Em suas mais de sessenta peças aparecem três
Ibsen e Tchékhov -, vem ela Suécia s~u contemporJneo August linhas principais: as da época elo autor; as de temas históricos suecos;
Strindberg (1849-1912). Personalidade radicalmente oposta tanto à
elo norueguês quanto à do russo, inquieto, emocionalmente vulne-
e as mais imaginativas, que deixam para trás o realismo, e podem.
elas mesmas, ser divididas entre as ele fantasia e as ele peregrinação.
As últimas, nas quais o protagonista passa por grande crise espiritual,
••
••
rável, de formação um tanto caótica, ele tentou ser ator, estudou
escultura e, por ser pintor, fez arriscados experimentos na cenogra- anteveem o expressionismo.
fia. Sua ligação com o teatro foi intensa, mas instável, com períodos Do primeiro grupo destacam-se Fadren, Den Starhere (A Mais
dedicados exclusivamente à sua vasta atividade literária. Indignado
com os preconceitos e a hipocrisia da sociedade em que vivia, desde
sua primeira peça- Master Olof (Mestre Olof), escrita aos z:; anos-
Forte), as duas partes ele Doclsclansen (A Dança da Morte) e, a mais
frequentemente montada, Frohen Julie (Senhorita Júlia), onde pesam
as lembranças familiares elo' autor. O grupo sobre a história da Suécia
••
Strindberg chocou a todos pela violência com que desmistificava len-
das e heróis que a tradição acalentava. Além do mais, essa primeira
é desconhecido fora elo país, e revela tanto o ressentimento contra
erros e pecados de reis e heróis quanto o real amor à sua terra e suas ••
obra foi escrita em prosa, inadmissível para quem quisesse ser levado
a sério. Ironicamente, o sucesso de seu romance satírico Rôcla rummet
(0 Quarto Vermelho), que denunciava com violência ainda maior
mais autênticas tradições. Igualmente locais são as peças ele temas
folclóricos.
Foi a partir de suJ "crise ele inferno" que Strinclberg se voltou mais 2 75
••
a vida política, cultural e religiosa ela Suécia, fez dele l1gm~1 conhe-
cida, embora controvertida, e propiciou a montagem da peç;a antes
para a religião, não para urna determinada forma ou igreja, mas para
uma espécie de purificadora aceitação dos mistérios do destino ela ••
recusada.
Strinclberg foi muito influenciado por Zola; mas em sua segunda
peça, J:i'adren (O Pai), ele agregou à precisão elo detalhe físico, de
humanidade. Dessa fase, Till Danwscus (A Caminho de Damasco)
e Ett DrômsfJel (A Peça elo Sonho) pertencem aos últimos anos ele
Strinclberg e aos primeiros do novo século./\ Camínlw de Damasco,
••
ambiente c personagem, uma dimensão psicológica que emprestava
à ação maior clramatíciclade, impacto e significação do que a mera
em três partes, fala ela longa jornada elo Estranho, em seu tortuoso
caminho em busca da salvação. A obra é monumerltal e mais conhe- ••
lrarzche de vie. A peça tem base na sua própria viela, sempre difícil,
que constantemente deixava Strínclberg em terrível depressão. Entre
1894 e 1896 ele passou por longos episódios ele desatinado sofrimento,
cida por leitura que por encenação, mas é, sem dúvida, uma notável
expressão da dolorosa peregrinação de Strindberg por sua aciden-
tada viela até a morte, por câncer no estômago. em 1912. A Peça do
:::;..:
o ••
••
(.)
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aos quais Strinclberg chamou sua "crise de inferno", que terminou Sonho fala ela experiência ela filha elo deus lnclra, na Terra, que. não :f)

com um período ele internação. Era pela literatura que Strindberg encontrando em lugar nenhum o mínimo consolo para a dor de ser -

••
conseguia ressurgir desses terríveis sofrimentos, c a Yashcl8o ele sua humana, abandona a forma terrena concluindo que a 'rerra merece
"'
. :J

obra completa se torna IJJ~lÍ:-> espantosa por ter sido rcali;;;tcLl c:In l:1is piedade.,\ importunei<~ de Strim1berg p<Ir~l o dcscmolvimcnto de =-
cncunstàncias. todo o teatro ocidental é reveladora elo quanto ele foi um desbra\ a-
dor ele novos e significativos caminhos.
~

••

Outro forte ponto de ligação entre o mundo que acabava e o que preocupado com os mais fracos, condenando, assim como Tchékhov,
com tanta dificuldade nascia é Máximo Górki (1868-1936), o primeiro o intelectualismo inerte da intelligentzia. A grande ironia de sua vida
grande autor soviético, que nasceu na mais extrema pobreza, em uma foi o fato de ter concebido o que chamava de "realismo socialista"
família grosseira e ignorante, perdeu o pai aos cinco anos e a mãe aos como uma forma de investigar os problemas que o preocupavam -
dez, quando o avô o botou para fora de casa para ir ganhar a vida. nascida do intenso desejo de ver uma nova dramaturgia russa que
Aprendendo a ler com o cozinh~iro de um navio a vapor do Volga, falasse dos problemas do momento - e ver a expressão trans'ormada
ele conquistou cada centímetro de sua educação, e suas andanças posteriormente na vasta dramaturgia de melancólica mediocridade,
pela Rússi8. o levaram a conhecer profundamente o segmento mais cada vez mais controlada e manipulada que, por idcia de Stálin, deve-
pobre e mais sofrido de seu país. Górki lia vorazmente. tornou-se rÍd sempre impingir imagens positivas da vida na União Soviética- na
notável escritor ele crônicas e romances e dedicou boa parte de seu qual o partido era o responsável pela felicidade- para cantar as glórias
talento ao teatro, usando todos os gêneros com o objetivo ele informar da felicíssima viela a ser levada por um jm·em casal porque este recebe
e desafiar o público, sempre com o objetivo de divulgar o marxismo. um trator do governo, ou coisa semelhante.
Máximo Górki esteve envolvido no levante de 1905, o que o con- Górki chegou a se tornar presidente do sindicato dos autores, ma~
duziu à prisão. Porém foi logo solto, partindo imediatamente para sua posição sempre foi um pouco instável no partido por defen-
um autoexílio que durou seis anos, passados viajando por vários pon- der uma postura humanista que o levava a salvar peças da censura,
tos dos Estados Unidos, onde expressava suas ideias apesar ele causar mas que eram ideologicamente condenáveis. Assim, há duas teo-
grande escândalo na imprensa. Em 1913 ele voltou à Rússia, mas per- rias a respeito ele sua morte, a 18 de junho de 1936. A primeira reza
deu sua popularidade porque estavam em moda experiências simbo- que ele morreu ele morte natural, consequ(;ncia de urna tubercu-
listas e expressionistas. A insistência de (;:órki em expor sua pmi<,'JO lose, a outra é a de que durante os grandes expurgos ele 1936-1938,
ideológica irritava os marxistas ortodoxos, que condenavam su;l indis- sua morte fora ordenada por Stálin, por supostamente participar de
ciplina política, mas seu prestígio internacional o torna\ ;1 importante um~1 conspiração trotskista. Yagocla, chefe ele polícia nesse período,
para o partido. Depois ela Revolu~·ão ele 1917 ele <lpoiou I ,éJlÍll, c tor- "confessou'' que havia rnanclado matar Córki, mas o fato não foi
nou-se figura de proa do llU\O Sindicato elos Escritores. Su;L<; pe(,'dS, comprovado. ;\ riqueza ele solidariecl:lclc hulllana de Córki sem-
em geral, pecam pela cnE1se clidátic;l, 1rus Na Dnc (A Rak:l agradou pre o tomou um corpo estranho 110 partido. l·~screvcnclo no início
tanto ao novo governo quanto ao Teatro ele Arte de 1\·1oscou, por con- do século XX, 1\!L'íximo Górki como dramaturgo é, entretanto, mais
ter um bom número ele papéis de import:lncia mais ou 111enos igual. ligado ao mundo de Strindberg c Tchékhm· do que ao das experi-
Em contraste com o estilo sutil c delicado ele Tc:hékhov, o de Córki mentaçôes do !10\'0 século.
é mais duro e incisivo, e os primeiros habitantes ele seus universos dra-
máticos, os de Na Dne, deixam claro que são níveis sociais diferentes
que ele retrata. A solidariedade humana ele Máximo Górki, no entanto,
o levou sempre a introduzir em suas obras algum elemento de espe-
rança, mesmo que ilusória, e ele chegou mesmo a criticar Tchékhm
por falta ele compaixão par<l com algumas ele suas personagc11S. ' [;llllo
em Meshchane (Os Peqm'lHls-Bmgm'sesi. Dachnilá (Os V(-r;llli'I;Js!
e Vassa Zheleznova (Os Filhos do Sol) quanto em outras obras menos
conhecidas, Górki mantém com firmeza sua identidade de humanista
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X.
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O Teatro no Século xx
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O Contexto Histórico

T OMANDO o TEATRO COMO um documentário ela história do mundo


ocidental, podemos aprender muito a respeito de seus usos e cos-
tumes, de seus códigos morais e culturais, e assim por diante, com os
dramaturgos de várias épocas. Nenhuma nova forma de teatro aparece
sem afirmar que as que lhe são anteriores não mais satisfazem por não
mais corresponclerem à sociedade que as produz. Tais mudanças não
são realizadas do dia para a noite, e para falar sobre o teatro no século
xx é preciso analisar o último quartel do século XIX c as mudanças
sociais e econômicas que a revolução industrial provocou. O rom.an-
tismo j<í estava totalmente degradado c.· reduzido a lacrimejantes
dramalhões sobre amores contrariados, castelos sombrios, fanh1smas,
ruídos ele correntes arrastadas e coise~s do gênero.
A viela vinha mudando com o início elo processo t~lirril, com a ascen-
são ele uma burguesia enriquecida pelas novas atividades comerciais e
o aparecimento de um proletariado que aos poucos ia ficando mais
informado e organizado. Isso sem contar o cientificismo nascido con1
os progressos equivalentes no mundo ela ciência, que afetavam dire-
tamente tanto a qualidade quanto a expectativa de vida.
f~ preciso aqui parar e fazer uma ressalva: o realismo fói criado
par8 representar o novo mundo da revolução industrial, mas não para
"copi:í-lo"; por mais que a C:'L'ritur:t tcalr;tl lenha mudado, o rc,lli.mw.
em úlhma an8lise, é sintplc~mcutc um estilo, como qttctlquer outro
qt1c o tcnh:1 émtececliclo O tc:tlro é· mn:1 fornw ele arte, e o qm: é :lprc-
se!ltado 110 palco é "~t imagem de" um problema ou situação. 'Emto
quanto em qualquer outro estilo, pare1 escrever urna peça realista o
r
••
autor tem de selecionar e organizar seu material para formar o enredo,
e todos nós sabemos que a vida não se apresenta em cenas ou atos:
refletindo todas essas transformações, é a figura de André Antoine
(1858-1943), o funcionário da companhia de gás de Paris que setor- ••
toda a matéria irrelevante que interfere no nosso quotidiano real tem
de ser cirurgicamente retirada, para que a peça faça sentido e tenha a
duração adequada; mas recriar com maior precisão o clima ela vida real
nou o verdadeiro líder das mudanças ele dramaturgia e encenação.
Começando a atuar em um grupo amador, Antoine convenceu
alguns companheiros a fazer novas experiências, adotando para o
••
não torna a tarefa menos difícil. Infelizmente, essa ilusão da realidade
exterior tem permitido que incontáveis incompetentes se acreditem
novo empreendimento o nome ele Théâtre Libre. O primeiro espe-
tácul~ do grupo foi uma adaptação ele Jacques Damour, um conto de ••
••
capazes de escrever para o teatro, poder criar um simulacro do rea- Jfmile Zola, conhecido ele Antoine. Até mesmo Antoine c seus ami-
lismo de Ibsen, enquanto é menos provável que alguém tenha a ilusão gos ficaram surpreendidos corn o sucesso que fizeram, e nada pode-
ele poder criar os alexandrinos rimados de Moliere ou Racine, ou os ria comprovar de modo tão.,patente a necessidade do aparecimento
decassílabos, mesmo sem rima, de Shakespeare. O que caracteriza o
bom realismo é a capacidade do criador para manipular palavras de tal
modo que elas venham a compor uma imagem plausível da realidade,
de uma nova forrna para o te1tro. Continuando suas atividades, eles
profissionalizaram-se em r887 c passaram a apresentar um repertório ••
com urna forma significativa e uma econornia própria que a tornem
instrumento de transmissão da obra ao público
inovador, voltado para a realidade de seu tempo e, principalmente,
para a crítica elas irresponscíveis comédias ele intriga ele alcova, que
eram as favoritas da burguesia da época.
••
A dramaturgia, por vezes chamada literatura dramática. é uma
forma muito difícil, pois um texto teatral é como uma pé1gina de
música, apenas sen1 o código específico como acontece com as notas.
Hoje em dia todo rnundo pensa ern Antoine como exclusivo
expoente ele um realismo irnbatível -com o famoso quarto ele boi ••
Como na música, o autor tern de ter consciência ele que está escre-
vendo algo que nJo apenas será lido, mas só deverá f1car completo
pingando sangue -, mas seu repertório incluiu autores clássicos e
estrangeiros c, aos mais variados gêneros, ele trouxe, com sucesso,
sua nova visão ela liBgu;lgcm cênica, que abandonava as tonalidades 283 ••
com sua interpretação, em um palco, por um grupo de atores que
usam as v<Írias linguagens cênicas. A interpretaç<lo costuma mudar,
tanto quanto a dramaturgia, buscando refletir a sociecbclc que reflete,
opcrfsticas e os gestos n~tgcraclos consagrados pela Comédie Fra n-
çaise e dominantes em todos os tcüros franceses de então. Em lugar
de declamar pan1 o pt'1hlico, :\11toinc fazia questão que seus atores se
••
c noséculo XX foi abandonada a maior parte das COIJI"CIH~·õcs que
agrZ~clavam as plateias do século xrx.
comprometessem ~l]lCIH'> cum a realidade do palco, rclacionanclo-sc
uns com os outros eOJJio fazemos na viela real, criando com isso a ••
Lnnosa ideia ela ''qticHta p;Hccle" invisível e que às vezes ele tornava
real em ensaios, a firn ele que os atores encontrassem o clima certo.
O tom -embora permanecesse consciente das exigências que o palco
••
As Inovações Introduzidas
na Interpretação e na Dramaturgia:
fazia mesmo no caso elo realismo- tentava imitar a forma elo quoti-
diano e, pela primeira vc;. n<l história, atores disserem! falas de costas
X
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••
••
()

para a plateia, dirigindo-se a outros que estivessem mais para o fundo \Q)
VJ
O Naturalismo do palco, o que foi um choqtle consider:c1vel. o

]~~ preciso não esquecer (jl\C o trabalho realizado por Antoine n;l.o E

l':SS,\S INÚl\!EK·\S E 1\ADICAIS nmclanças ll<lO dCOIÜl:CCill Clll lllll dia,


foi o resultado ele qt~;tlqun Jncocup;tç:ão en1 chocar ou com supo~­
tas originaliclaclcs supcrlict;JÍ~ que não servem para escla~eeer ou
~
"'
"'"'
~··
••
e unJ ponto de partida conveniente para o estudo elo teatro, que \aÍ par<1 fortalecer ~1 comp1-cc·m<1.o elo texto; foi uma consciência real X

••

da necessidade de um novo teatro para expressar um novo modo de ele Alekseev, Já com 22 anos fundou a Sociedade de Arte e Litera-
viver. Pensemos um pouco no significado do movimento art nouveau. tura de Moscou, na qual desempenhou vários papéis c, sendo muito
Ele não é um capricho, uma arbitrariedade, mas, sim, a comciên- exigente, começou a constatar as graves limitações da interpretação
cia de que havia toda uma nova classe de pessoas que desejava viver russa, que imitava a declamação francesa, decorada e mais preocu-
bem e com elegância, mas que não se tratava mais daquele número pada com a sonoridade elo que corn o conteúdo da fala. Stanishh·ski
restrito que podia pensar em termos de InéÍrmore e ouro: a elegância notava em seu próprio tr<:balho o resultado desses problemas e foi, com
com vidro e ferro era acessível, podia ser desfrutada por um grupo isso, alterando sua linha de interpretação. Ele observou com paixão
muito mais amplo, como acontecia, em números, entre ~.l nohrez'1 o trabalho de dois grandes intérpretes, os quais use)]] como modelo ·-
ele dois séculos antes e a burguesia emergente. Do mesmo modo, a Fyoclor Chaliapin e Tomrnaso Salvini -, c acabou voltando-se para
nova concepção ele Antoine para o teatro era voltada para o mundo uma aparente naturalidade que nascia ela maior preocupação com
ele um novo público, já crítico dos excessos burgueses e que nntria a natureza dos textos ele novos autores que refletiam as inquieta<;õcs
novas ideias. Para a nova interpretação que então smgia linha ele e mudanças de seu tempo.
haver novos autores, porque era para essa nova visão do mundo que A primeira direção de Stanislávski foi de urna adaptação ele Os
as mudanças cênicas estavam sendo feitas. Frutos do Esclczrecímento, ele Tólstói, e seu trabalho pareceu promis-
O trabalho de Antoine teve imensa repercussão, e precisamo~ aqui sor a um dramaturgo e professor chamado Vladimir Nemirovich-
lembrar alguns nomes que o .fóram aplaudir na França e tiveram suas -Dantchenko (1858-1943). Uma famosa conversa de quase 24 horas
carreiras profundamente influenciadas por ele. Quelll refleliu mais ocorrida em 1897 levou os dois a constatarem qr1c tinham ideias
clircLnnente essa inf!uênci;;1 de Antoine foi Otto Bralllll. que 1·ultou muito semelhantes a respeito elo que precisavd ser feito no teatro, c
para a Alemanha e fundou o Freie Bühne, seu próprio ··teatro l11rc". foi assim que nasceu o conjunto mais imporLmte do f-inal do século
com os mesmos objetivos de crítica e reilOV<H;ão c com a aprc~t:IJ­ XIX e início elo XX: o Teatro de Arte ele fvloscou. i\ prcocupaç·ão elos

-
t:H,:ãu de textos de autores rtO\'OS. Ouern também\ isilou ..
o T!JCt!rc
Libre foi o Duque ele Saxe-JV!cillingen, que já vinha cri~11tclD ·'u1 pró-
seus fundadores era com a concep<;ão ele cspeUículos simples, chtros,
inteligentes c sem gritarias ou exageros, preocupac,:ão essa que levou
prio redimensionamento da interpretaçi"ío. Casado com 11111~1 ~li ri:;: c StanisLívski ü criaç·ào de sc11 chantado ltléiodo, que de relutor1 Jlltliio
proprietário de um teatro, o DIICJUC ele Saxc-fvleiningc11 i!cot1 1·~1tt1mo em publicar. pois cunsidcr<JI<l que todalllterpreld~;<lo dc1c c~LH su11·
por montar grandes espetáculos, nos quais cenas ele muliidZil> c1am prc cYoluindo, segundo <1S neccssicLtdes elo teatro.
cuidadosamente planejadas para imitar o que se \'é' n<J 1·ícb rc;J] em .\ inquicta<,;ào do 1101 o século j:t :,c t11C1l11fcsl~!la com nlllita fon;:r
tais ocasiões: ele dividia os extras em grupos ele três a c i llCn, cr 1111 11111 11e1 Rí1ssia, c além de Tchékh01, Ili:Jis L11110SO com() rol11c111CÍsta,
encarregado de conduzir u comportamento de sua pcque11~1 equipe !'vlcíximo Córkí, c1ue fez uma grande umtríbuiçJo ao realismo tea-
'fadas essas <llterações nas 1inguagens cênic<lS foram dctcnn i nan- tral, também foi levado à cena pelo TAM.
tes para quem talvez. tenha .'>ido o mais famoso elos visiL1nin do Bem contempor{inca desses reprcst'l1Ltl1tcs russos clu realisll10 é
uma figura que pouco cscre\~eu para o le;dro, I11é1S cuja presença no '"'
v:
T'héâtrc Libre: Stanis!Jvski, o grande teórico do k<cltro tnodcmu.
StanisL'ivski, pseudônimo adotado de Konstantin Scrscc1 itch .\lck-
p;.moramé1 literário é: fund<m1cnt1l: I;~milc 7,o\a ( 1840-H)02). nrMívcl
\(:'C\ ( 1863-193i:>), filho de país riem c de Iller!laliclaclc dr<::'J'ICL1. cccl1> escritor nc1t11lcllisla. 1:: prcci:;o 111~1is Ullld 1·c;. klldnar que é
cotncçou a frequentar balé, te~1tr() c cípcr;J, c dcabou L11.Cildl' d,J lc;t-
lt()S~1 ;r iclcu de qttt· o 11alur<Jlis111o <:· 11111 rc;l11s11m 111,1is ci;í-
lci; ele tu~cc do cicnti±1cisnw, 110 1"111<d do século XIX, e Clll lug-<-tl
' : ,1 \tU 1 i(b. \ <1li1 idade de ;!lur ,.11111U.;uu uu C.\lS(I !llCS111U. lJi.<,tllliCi
ele apendS querer representar c\c forlll<l lll<!ÍS pJamívcl CJ quotidianO,
fazia comédias e operetas com um r;rupo que se cham;11 d O C íru do
-
••
o naturalismo tem como aspecto primordial a ingerência, tanto da
hereditariedade quanto dos condicionamentos sociais e psicológicos
no universo a ser retratado. .
Sardou, autor preferido de Sara h Bernhardt -, Shaw acusava Sardou
de ter feito de Napoleão, na mais que exitosa Madame Sans-Gêne, ••
••
apenas mais um dos maridos ciumentos das peças comerciais, mesmo
A primeira tentativa teatral de Zola, Madeleine, foi escrita em 1865, que "falando bonapartês". .
mas só conseguiu ser montada pelo Théâtre Libre, de Antoine, em A pouca frequência das peças de Shaw nos palcos contemporâ-
1889. Antes disso, Zola a transformou em um bem-sucedido romance.
Não·podemos nos esquecer de que ele foi crítico teatral e que, por-
tanto, teve muitas oportunidades de observar as transformações que
neos demonstra o quanto ele foi um autor de seu tempo: depois de
Wídower's Houses (Casas de Viúvos), sua primeira peça, na qual
acusa a exploração pelos ric~s ele núcleos habitacionais mais pareci-
••
ocorriam nos textos e encenações da época, tendo publicado dois
volumes, Nos auteurs dramatíques eLe Naturalisme au théâtre, antes
dos com as nossas antigas cabeças-de-porco, ele escreve Mrs. Warren's
Professíon (A Profissão ela Sra. Warren), na qual a protagonista, que ••
••
de escrever sua única peça muito bem-sucedida, Thérese H.aquin, na fez carreira como prostituta, é agora dona de uma cadeia de bordéis.
qual a dita Thérese é casada com o semi-inválido Camille. Sendo Condenada pela filha, que ela pôde educar até se formar na univer-
ela saudável e jovem, se apaixona pelo maior amigo do marido, Lau- sidade, a sra. Warren defende-se acusando a sociedade que, diz ela,
rent, e os dois armam o plano de matar Camílle, o que conseguem,
fazendo parecer um acidente. Quando os assassinos se casam, a culpa
premia o vício e oprime a virtude, e considera imoral seu bordel,
mas recebe nos melhores círculos os fabricantes de armas. Vivie, a ••
impede a consumação do casamento. Ela é altamente explorada e
os dois acabam confessando o que fizeram a mme. Raquin, mãe de
Camille. Esta chega a pensar em delatar o casal, mas percebe que a
filha da sra. Warren que, graças ao lucros auferidos pela mãe com
sua cadeia de prostíbulos, estudou e se tornou o que Shaw chama de
new woman- acaba repudiando os confortos do dinheiro malganho,
••
ú)6
culpa em si os cond~na. Os dois se envenenam na frente ela implacá-
vel mme. Raquin. E claro que não deixa de ser um dramalhão, mas
o estilo de Zola traz uma força de realidade aos acontecimentos, e a
resolvida a se entregar a uma carreira como matemática.
Só o brilho do diálogo salva as peças de Shaw do puro clidatismo, 287 ••
obra teve uma longa vida no palco. Essa foi a época elo crescimento
dos impérios; as mudanças passam a se dar com maior rapidez, o
sendo ele incapaz ele escrever sem algum alvo em mente. Em A
Doctor's Dilemma (O Dilema ele um Médico) denuncia a incompe-
tência consagrada que, segundo ele, ainda vigorava como ao médico
••
culto à <:iência é em grande parte responsável pelo aparecimento ele
uma obra naturalista como a ele Zola, que denunciava os hábitos e
vícios da burguesia.
ele Moliere ' escondendo a. íonorância
b
com latim. Em Cândida, Shaw
mostra a vulnerabilidade elo verdadeiro poeta, que é esquecido ou ••
••
repudiado pela sociedade, enquanto a oca oratória do pregador ele
Enquanto isso, na Inglaterra, apareciam também nm·as formas de boa aparência faz sucesso e em Major Barbara, Shaw atacou a pie-
dramaturgia: a crítica à sociedade vitoriana feita por Oscar Wilcle dade que substituíra a luta contra a pobreza, dizendo ser esta o único
(1854-1900) não passa ele uma brincadeira divertida de quem, na ver-
dade, dependia daquela mesma sociedade; mas um outro irlandês
já r~enc.:ionaclo anteriormente, George Berna rei Shaw (1856-1950 ):
verdadeiro pecado.
Às vezes, como em Homem e Super-homem, Shaw exagera, pre-
X
X
2;::;
(.)
••
tendendo abranger o universo em seu teatro; mas em Pygmalion

••
•V
(/)
apaixonado pela obra elo norueguês Henrik Ibsen, em seu caminho (Pigmaleão)- a base ele My l:'àír Lady, o paradigma dos musicais- g
no teatro rejeita tudo o que não era comprometido com questões ele denuncia lindamente a distinção ele classes por meio do modo _g
sociais ou morais. Dedicado a um teatro ele ide ias, e condenando vee-
Jll<:JltciJJelltl· ;J ÍJilrÍ~d r;ícil du dramalhão-beilfcilo- (jlll' ele chamou
de Sardoodledoom, o mundo elas obras do bem-sucedido Victorien
de falar: Elisa Doolíttle começa como uma vendedora ele flores em
Cun:·Jlt Garden, falando coJJJo tlllla r.:oclmey, e é <:onverlícla em inú-
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til moça de sociedade quando aprende a falar the kíng's English. O


espírito de Pigmaleão é expressado por Higgins quando este argu- farsas, que hoje gozam de maior respeito do que seu período sério.
menta que, se não trata uma vendedora de flores como duquesa, Trelawney of the 'Wells' (Trelawney da 'Wells') e The Second Mrs. Tan-
trata uma duquesa exatamente como trata uma vendedora de flores, queray (A Segunda Sra. 'Hmqueray) são ambas admiravelmente traba-
e que assim deveria acontecer com todos. lhadas, e ele alcançou grande sucesso pelo brilho de sua forma, que
Nada ilustra tão bem a mudança dos tempos, refletida em uma havia emprestado às peças um prestígio imerecido. Bom artesão, ele
mudança de visão e estilo como duas obras sobre Joana d'Arc. Nada entretanto não abre novos caminhos, antes conSrma e aprova todos os
contrasta mais com õs delírios românticos de Schiller em Das hábitos e preconceitos da mais conservadora sociedade de seu tempo.
Madchen von Orleans quanto a sensata Santa Joana de Shavv que,
segundo ele, foi condenada por viver à frente de seu tempo: ainda na
feudal Idade Média, de nobres independentes, Joana fala de um país,
a França, e, em uma época de intenso catolicismo, Joana se julga com
direito de se comunicar diretamente com Deus, sem a interrnediação A Evolução
dos padres, como um pouco mais tarde fariam os protestantes. Os das Transformações Mundiais
textos de Shaw ficaram um pouco intelectualizaclos demais para o
teatro moderno, mas o valor de Santa Joana, por exemplo, é incon-
testável, e a maior parte de suas peças proporciona ótima leitura. TODAS ESSAS MUDANÇAS CORRESPONDEM a um período que vai desde
Todas essas mudanças ocorridas no teatro- sobretudo as ele ence- as raízes dessas mesmas transformações, ainda no século XIX, até, no
nação, originadas nos meados elo século xrx por Saxe-I'vleiningen caso ele Bernarcl Shaw, meados elo século XX. Mas o realismo tem de
e fixadas por Antoine e por todos os "teatros livres'' que aparece- ser considerado, realmente, como a imagem das mudanças econô-
?.88 ram depois do seu, são o produto da Revolução Fabril das últimas micas e sociais advindas ela Revolução Jnclustrial, e com o período do
décadas do século XIX. As mudanças sociais provocadas pelos novos capitalisrno chamado "selvagem". O enriquecirnento da burguesia
métodos ele produção em massa lograram a criação ele uma clas~e ampliou o número de frequentaclores elo teatro, mas também afetou
operária que aos poucos vinha conquistando senão um lugar cornplc- a matéria-prima e a forma da dramaturgia: se a Revolução Francesa
tamente ao sol, pelo menos j<'í atingindo uma nesga de luz. A carreir~1 fez os autores esquecerem a Antiguidade clássica e os deuses pagãos.
ele Shaw durou mais de cinquenta anos e alcançou também outras em prol elas culturas nacionais e da história mais recente, trocando o
crises e rupturas da sociedade. alexandrino por versos menos rígidos e, a seguir, pela própria prosa,
De todas as formas de literatura clmmática, a que com rnaiur faci- o quadro nas últimas décadas do século xrx se alterou novarnentc de
lidade pode ser reduzida a uma fórrnula é justamente o rcalimw, c forma radical e exigiu que o palco falasse ele problemas gerados pela
qualquer frequentador ele teatro sabe a dimensão do manancial de economia, das novas alterações na estratificação social e da ciência.
peças ruins que vêm sendo escritas desde que esse modelo se tor- As forças dominantes desse período são também as da expansão elo
nou popular. Ironicamente, a fónnula serve, também, para escritores imperialismo e, a partir da primeira década do século xx, o panorama
sérios, mas destituídos de um grande talento; um exemplo disso é um mundial ficou cada vez mais sombrio. A Primeir<l Cr<mcle Guerra,
contemporâneo de Shaw, o inglês Arthur vVing Pinero (1K55-1934) como foi charnaclo o cont1ito que abalou a Europa entre 1914 e 1919,
De família abastada, Pinero estudou direito, rTJas após vender a pri- foi 0 resultado ele nov;1s pressões e neccssichc\cs, e isso iri~1 provoc<n
Itteira peça entrou para o tcdlru, a princípio como atur, o que li te deu 0 aparecilllentu de um novo teatro que rclldisse os novos sentimen-

um bom domínio elos segredos da estrutura dramática. Ele c5creveu tos e as nov;ts condições.
••
Um Realismo Imaginativo Pirandello escreveu nada menos que 44 peças, se incluímos a inaca-
bada Os Gigantes da Montanha. Algumas são merecidamente famo- ••
ANTES DE FALAR DAS novas alterações, no entanto, temos de fazer
sas e motivo de várias montagens, sendo Seis Personagens à Procuro
de um Autor a principal des~as. Nela, um grupo formado pelo Pai, a
Mãe, a Enteada, o lVIenino e a l'v1enina, todos sem nome- vejam aí a
••
••
um largo parênteses para ir até a Itália e falar de um outro autor que
muito inovou no teatro, Luigi Pirandello, que nasceu em Agrigento, influência elo expressionismo -, vern pedir a um grupo de atores que
em 186;, mas cuja vasta produção teatral pertence ao século xx. A estcí ensaiando uma peç·a, que comiga uma solução para eles, que são
luta de Pirandello com a realidade de seu tempo era diversa ela elos
alemães; a farsa, ele aprendeu com a Commediu dell'Artc, e <l drama-
parte de uma obra inacabada, interrompida quando o conflito entre
eles estava em seu ponto mais agudo. Raramente foi tão bem-tratada a
questão ela criação e vida de personagens e atores, pois esses, em lugar
••
••
turgia séria, em parte com o realismo de Antoine. A maioria de suas
peças tem algo de misterioso, e seus retratos das incoerências criadas de serem fixos, são intérpretes de um sem-número ele papéis, para os
pela hipocrisia por vezes beiram o absurdo. O elemento fundamental quais precisam recriar suas personalidades constantemente.
de sua visão é o ódio à falsidade. Ele investiga sem parar o mistério
da personalidade humana, e observa que o homem se cria constan-
temente na busca elo melhor comportamento, a melhor composição
Assim É: se Lhe Pmece enfrenta com grande lucidez a ilusão, o
autoengano, o engano dos outros e a realidade, enquanto em outra
grande obra ele Pirandello, Henrique IV, o protagonista acaba tendo
••
de caráter, para poder se sair bem na sociedade em que vive.
A sociedade - observava Pirandello - por seu lado, também se
ele assumir sua máscara de louco para o resto da vida, já que se não for
louco ser<i preso como assassino. Na comovente Vestir os Nus, uma ••
altera, a fim ele encontrar o melhor arranjo para que o~ homens

••
jo\'cm, antes de se suicidar, inventa toda uma história falsa, que quer
possam viver em grupo; e os caminhos lxoisicos que ~~ sociedade usar como uma espécie de \'estido novo, que lhe empreste alguma
c!lcon!ra são a religião, a lei e a moralidade. Esses trb elcmcnlos, dignidade, pelo menos !la morte. Menos conhecida é a Pensaci, Gía- 291

no ~ntanto, aos poucos s~ fossilizam e passam a agir como camisas


ele força, tornando-se instrumentos da destruição elo homem que
quer e\·oluir. Pirandello é fascinado pela capacidade de autoengano
comiHo (Imagine Só, Ciacomino), em que um velho se casa com
uma jovem para obrigar o gO\ cmo a pagar pensão por muito tempo.
_c\ llloça tem um amante, Ciacomino, de quem está grávida ao casar-
••
ele cada um ele nós, e nos mostra assumindo m:c1scaras de co!l~por­
tamento social ao preço da repressão ele nossos sentimentos mais
-se, c o n~lho concorda em lllanter o triângulo amoroso. Pressionado
por mua irmã carola e pela igreja, Ciacomino está a ponto ele aca- ••
verdadeiros.
Outro conflito que Pirandello trata com fascínio é aquele entre
a arte e a viela: por fixar personagens para todo o sempre, julga ele,
bar com o caso e se casar para ler a rcspeitabiliclacle sonhada por sua
família, mas o ,·eJho o chama ele volta para a amante dizendo: "Mas
pense só, C ia comino, se\ ocê fizer isso vai deixar ao desamparo uma
••
nenhum retrato é fiel, porque o retratado ou a retratada i~1 continuou
em seu processo de encontrar novas máscaras para novos condicio-
moç·a com a reputação liquidada e sem pai seu filho ilegítimo"'. O
bom senso domina os preconceitos e ele volta para a amante.
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Foi a grande ~lceitação de Piranclello tanto na América do Norte
••
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namentos. Muitas vezes, Pirandello é acusado ele ser exccssi\·amcnte '/)

cerebral, mas toda a sua infância e adolescência passadas no campo, quanto na do Sul o que ajudou a firmar a fama desse mais que 2
11~1 Sicília, propiciaram a ele observar a fúria ela emoç·Jo cspontJnea
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c <1 força cerceador;l d<l organização social em cidades pequenas c


<ddc.ias que prc:-;cl'\dill, pm liluito llldtS tempo que as gr~lli(k:, udCides,
r ,I\ rc
lJ)jHliil• 1 1n,:rcl1•,
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qucst:1 cJc':lturil!J ÍnlJOccntc!'" [ ,,


donn~t. Lt rcn 1!!,1
i1u d'una pou.:r;J
Pirallde/lo Pcnsaci (;idcomino.
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tradições, na verdade, j<í superadas.
1
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_\to 111. Ccnr1lirul.


talentoso italiano, o qual fez o teatro investigar o submundo das con-
O Expressionismo
venções sociais e das ambições pessoais, com urna dramaturgia de
extraordinária competência e uma linguagem maravilhosa.

É PRECISO ESCLARECER AS condições e os antecedentes dramáticos


que motivaram e permitiram o aparecimento do expressionismo,
essencialmente alemão. Ao tempo da ascensão da burguesia, como
desde sempre, aparece na Alemanha toda uma série ele grandes
O Agit-Prop
nomes em várias artes, o que faz com que se deixe ele levar em conta
a ausência de um centro cultural nacional catalisaclor, ao contrá-
rio do havido na França, por exemplo, que teve Paris como ponto
MAS FOI NA ALEMANHA que se deu o principal desenvolvimento das
focal. É possível que em nenhum outro país europeu a corrupção
décadas centrais do século xx, sendo preciso paw isso, antes de tudo,
pelo dinheiro e os excessos da burguesia abastada do século XIX se
falar elo diretor Erwin Piscator (1893-1966), a maior influência no apare-
tenham mostrado tão fortes em seu crasso materialismo quanto na
cimento do teatro político ou didático, exímio criador do agít-(Jrof)- a
Alemanha; e no último quartel do século, o realismo no teatro se
arte da agitação e da propaganda-, uma colagem ele notícias e tre-
apresentava ali como subserviente servidor dos interesses d~ .grupo
chos de discursos, cartas e declarações, que logo chamou a atenção.
dominante, devotado ao dinheiro e à aparência de respeitabilidade.
Ele foi trabalhar no Volksbiihne, mas acabou saindo c fundou o Pís-
O movimento romântico não teve forças para dominar o ambiente,
cator-bíihne, que se opunha ao primeiro. Em 1927 ele fez sua histó-
nem é o romantismo que precisamos examinar como ponto de par-
rica direção de Hopla, Wir Leben! (Ora Viva, Estamos Vivos!), onde
tida para o expressionismo. Dois autores em particul~r, no fina! elo
apareceu boa parte da parafernália do teatro político: o cencirio tinha
século XIX, escreveram obras que entraram pelo cammho da satira
quatro andares, com projeçãode filmes, textos escritos ele. Há uma
social: Frank Wedekind (1864-1C)18) e Carl Sternheim (1878-1942). O
foto histórica, na qual um perfil é projetado ocupando toda ;J tela que
primeiro escreveu urna série de peças hoje esquecidas, exceto duas,
forma o fundo elos quatro andares. No mesmo ano aillC!a aparece ''o"
que periodicamente ,1incla são rnontaclasc que vmam a JrdlucnCiéH
exemplo elos exemplos elo teatro agit-prop, P. asjJulin. Piscltcn tinha
o futuro do teatro: FruhlinY,s Envachen (O Despertar ela Pnm;1vcra)
um imenso domínio sobre toda espécie de tecnologia, cênica ou não,
e Erdgeist (O Espírito ela cl~~rra); Sternheim, por outro lado, embora
e o novo espetáculo se passava dentro de um hemisfério, a J!lctacle ele
tenha sido muito significativo no início do expressionismo, com mna
uma imensa bola, que representava tanto o globo terrestre C[UéH1to o
trilogia crítica sobre a hipocri~ia e a ambição ela burguesia, hoje scí é
domínio da máquina: havia filmes, slides, fotografias, com un1a série
lembrado pela primeira elas tri':s peças, Die Hose (As Calças).
ele datas e frases informativas, cujo objetivo era sitlwr o espectador
As duas peças mais conhecidas ele Weclekind, de uma dramZ~tur­
objetivamente em relação ao que era apresentado.
gia forte e criativa, tem cunho muito pessoal e marcam o mteressc
~lo autor: O Des{Jertar da Primavera trata diretamente de sexo na
puberdade, enquanto em O EsfJírito da Terra o sexo é encarado corno
elemento libertador, sendo ambas as posições usadas em contr<JposJ-
ç~!o à hipocrisia da última clécc1Cla elos <cinos de 18oo. O aspecto mais
importante de() Despertar da Prinwvera como elemeuto comlJlulJ~u
elo expressionismo é fonnal: consiste no abandono da argunlclltaçdo
••
e do discurso lógico no diálogo em favor de uma expressividade alta-
mente teatral, ou seja, os adolescentes, cuja tragédia a peça relata,
ponto, fazem parte do próprio establishment, condenando-o, sem
chegar a pô-lo realmente em dúvida. Só o expressionismo, com novas ••
••
falam em uma linguagem poética, intensificada, cuja própria forma
formas para novos conteúdos, representa realmente, no teatro, as
traduz sua angústia, enquanto os professores e adultos em geral - os
transformações por que passava a sociedade.
opressores - têm uma linguagem paupérrima, sem qualquer ima-

••
O expressionismo não foi o primeiro a contestar os valores daquele
ginação, que os reduz a um estado de quase imbecilidade. Impor-
decantado fm de síecle, mas foi o mais radical, construído sobre pre-
tante em O Espírito da Terra, e representando a vitalidade do instinto
missas re~olucionárias. O realismo fora a expressão elo càpitalismo e
sexual, temos a protagonista Lulu, símbolo da mulher, que Wedekind
sempre defendeu contra os preconceitos da sociedade pequeno-bur-
guesa, mesmo que ela possa acabar na prostituição, como na peça Die
do imperialismo; a sociedade produzida por eles já havia sido con-
testada de várias formas, como no neorromantismo e no simbolismo,
ambos um tanto escapistas, e pelo impressionismo. Este, mai.s notá-
••
Buchse der Pandora (A Caixa de Pandora), continuação de O Espí-
rito da Terra. As tomadas de posição de Wedekind e a postura crítica
de Sternheim, que se afirmam contra a sociedade em que os autores
vel por seu fantástico florescimento na pintura e artes plásticas em
geral, porém igualmente partindo do pressuposto de um mundo ••
viviam, expressam boa parte das forças que levaram ao aparecimento
do expressionismo.
material; de bom gosto, sem dúvida, mas com uma visão na qual a
matéria é básica, pois é ela que causa a "impressão" a ser transfor-
mada em obra de arte.
••
August Strindberg, do qual já falamos brevemente, em sua monu-
mental trilogia A Caminho de Damasco, usa uma série de recursos
que serão típicos do novo gênero, tais como a redução elas perso-
O expressionismo é muito mais radical e revolucionário: o pres-
suposto desse movimento que floresceu na materialista Alemanha ••
<)-i
nagens a meros tipos, tão sem individualidade que não têm nome,
sendo chamados de: o mendigo, o estranho, o juiz etc. Além disso,
do kaiser Guilherme II, tacanhamente nacionalista, destituída ele
metas culturais, tinha como premissa básica a prevalência do espírito
sobre a matéria. Foi um movimento contestatório, que se afirmava ~95
••
••
em lugar do desenvolvimento lógico e discursivo das ações dramá-
por meio da negação das próprias bases do mundo no qual aparecia.
ticas que pode, no realismo de Ibsen, por exemplo, formar todo um
Sob esse aspecto, o expressionismo, cujos primórdios já aparecem
ato, Strindberg cria uma série de cenas independentes que se suce-
em 1910, pode e deve ser considerado como profundamente revolu-
dem velozmente e correspondem à progressão real do estado de
espírito do protagonista. Este, por sua vez, pode ser- e é muitas elas
vezes- identificado com o autor.
cionário, embora só em sua segunda fase, iniciada por volta de 1916,
é que comecem a aparecer suas manifestações ideológicas mais con- ••
Daí a algum tempo já apareceriam peças nas quais todos as per-
sonagens secundárias apresentavam-se apenas como projeções da
cretas, em termos de refonnulação social.
De início tratou-se de um repúdio puro e simples - porém total - ••
••
dos valores que imperavam até então. Nessa omissão de uma ideologia
personalidade e da problemática dos protagonistas, estes, sim, inves-
política programática, o expressionismo tem uma correspondência ba~­ >::
>::
tigados e retratados com grande acuidade, mesmo que sempre o
tante exata com os primórdios do movimento hippie nos EUA, que pn-
expressados em termos exagerados ou distorcidos. A mistura dessas ,..,::::'-'
influências é importante, pois foi por meio de alterações formais, de
carélter radical, que os expressionistas puderam chegar a configurar
mou pela contestação, por parte dos jovens, de todos os valores da goc~l
society de seus pais. A semelhança aparece também no fato de o movi-
mento não ser privativo de qualquer arte específica, correspondendo
C/)

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seu repúdio aos valores da sociedade dominante.
\Vedd~ind c: Slcrnltcittl criticam as estrutura~ ele sett lcllq)(), t11a.s
usam-nas para a construção de suas obras. Suas críticas, at-é certo
a uma insatisfação generalizada, que antecede outros movirnentos j{J
politicamente mais definidos, c sú tomaram corpo, em ambos os c~tsos,
.v
:-
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••
diante ele uma crise político-militar anteriormente apenas prenuncwda. :-",

••

Os principais núcleos motivadores do expressionismo alemão Barlach, por sua vez, em 1912 escreveu a estranha Der Tote Tag
tomam forma na Primeira Grande Guerra (1914-1919) e na revolu- (O Dia Morto), passada em um sombrio castelo onde tudo é cinza,
ção de 1918•. A hipocrisia que o movimento contesta desde 1910 é a e onde mãe e filho vivem em luta, em um crepúsculo perene, cer-
aparente satisfação e tranquilidade da Alemanha do início do século cados por figuras e símbolo~, com o filho finalmente reconhecendo
que encobria as insatisfações geradas por seu materialismo. Os artis- que sua eterna busca pelo pai é, na verdade, sua busca de Deus. O
tas- cuja sensibilidade fazia deles os melhores termômetros de sua ponto característico de Barlac;,h - aliás, fundamental para o expres-
épo~a- intuíram os horrores da guerra, enquanto o grupo dominante sionismo - é a ideia da transformação, do vir-a-ser, da escalada para
a~mava, c~m complacência, os sonhos imperiais de um kaiser que um plano espiritual mais alto e da capacidade do homem influenciar,
amda funciOnava na base do direito divino dos reis. por meio da força espiritúal, o mundo em que vive. A crise espiritual
. A p_oesia lírica já vinha expressando o repúdio ao excessivo peso do purificadora é essencial na maioria das peças expressionistas.
dmhe1ro, bem como a preocupação com valores espirituais, refletindo
a inquietação e a efervescência de um grupo a princípio pequeno,
mas que eventualmente se tornaria muito grande - o dos desconten-
tes. Em 1912, apareceram as primeiras peças teatrais expressionistas e
uma delas, Krieg (Guerra), de Carl Hauptmann (1862-1946), prevê c;m Transformações do Espaço Cênico
acuidade impressionante a hecatombe que viria a acontecer em 1914-
1919. Até antes disso, o pintor Oskar Kokoschka (1886-198o) e o escultor
Erns~ Barlach (_1870-1938) também haviam começado a escrever peças TODA ESSA VISÃO PRECISOU, para florescer, de uma nova percepção do
perfeitamente mtegradas ao movimento expressionista. espetáculo. Deformações cênicas, violentos jogos de luz explorando
Kokoschka não teve no teatro a importância que exerceu na pin- o conflito claro-escuro, seres e objetos, tornados símbolos ou metáfo- 2 97

tura mas, em 1907, ele escreveu Sphinx tmd Strohmann (A Esfinge ras dos processos de transformaçãc), passaram a habitar os palcos, bem
e o Homem de Palha), CJUe mais tarde- em 1917- foi transformada opostos à precisão detalhada ela cenografia realista, que começou a
em Job (Jó), onde a mulher é apontada como a fonte ele todos os aparecer com o advento da iluminação a gás em 1835 e que tomou
males; e a extravagante Mordere, Hoffnung der Frauen (Assassino, a forma definitiva com os chamados "teatros livres", que abrigavam o
Esperança das Mulheres), sobre a batalha dos sexos, provavelmente realismo quando este era a novidade.
a primeira peça realmente expressionista; enquanto em Der Bren- No início do século, dois nomes são fundamentais na área ela
nende Dombusch (A Sarça Ardente), de 1911, surge a história ele um cenografia. O primeiro, Corclon Craig (1872-1966), chocou os ingle-
casal- apenas o homem e a mulher-, com um coro anônimo, em ses com cenários de linhas simples, o oposto elos enfeites vitorianos.
uma série de cenas que os mostram passando por toda uma grada- Apesar de suas icleias serem excepcionais, nem tudo funcionava por
ção ele emoções extrem·as, que os purificam, a caminho ele um nível ser tecnicamente impossível com os recursos da época. Seus dese-
mais alto de existência. nhos, no entanto, sempre expressam a preocupação com o espaço
livre para o ator e com uma visão grandiosa da cena. Craig trabalhava
também com luz e foi o primeiro a experimentar a iluminação com
Designa-se pelo nome de Revolução Alemã <1 série dl' aconlccilllcnlos que· se
p;o?uziu II<ICJIIl'le país Clltrl' I<JIB C 1()19 C que. depoj, d:1 ;i!Jdic;H;;i" d<> Íillj"ll·r:~d"r fontes rnóveis. Depois ela Primeira Guerra Mundial, ele se dedicou
(,llllhenne_ 11 c de um grande período de turbulências e inc:t·rtezas provocadas mais à gravura e à ilustração, mas suas ideias aiuda tiveram grallclc
pelos conA1tos e1~tre socJats-d~mocratas e comunistas. c:onduzir;lln i1 instauração.
em 1919. da Repnbl!ca de \Vennar. influência no teatro.
..
••
Igualmente importante foi o segundo, o suíço Adolphe Appia
(1862-1928), que investigou com particular empenho o uso ele áreas Novamente a Dramaturgia ••
contrastantes de luz e sombra para conseguir efeitos clramMicos ele
grande impacto. Tinha muito mais base técnica do que Craig, e era
menos sonhador e mais profissional. Juntos, eles alteraram ele forma
A MUDANÇA PROPOSTA PELO expressionismo, no entanto, é radical: ••
definitiva a cenografia teatral. Appia publicou dois livros; o segundo,
A Música e a Encenação (1892), mesmo que redigido com ;Ú·omplexa
na tem;Hica, na dramaturgia, na encenação e na interpretação. Em
sua primeira fase, houve textos criados ~ repres~ntados por alemães
nas próprias trincheiras onde estavam lutando. Era fun~lamental ;Ier-
••
••
erudição alemã, é rico em ilustrações que deixam clara a sua visão,
xar bem claro seu repúdio ao realismo alemão e exrblf caractensh-
que inclui a icleia de que um dos aspectos mais importantes da luz
é sua capacidade para criar sombras. cas específicas. Fica estabelecida uma temática fundarr~entalrnente
Essa digressão sobre a cenografia renovadora de Craig e Appia
tem como objetivo deixar claro que o expressionismo não foi o único
movimento renovador ela época; a renovação cênica não é o grande
subjetiva, por meio da qual são explorados e enaltectdos valores
espirituais em detrimento dos materiais; é rejeitada a personagem
condicionada por ambiente ou hereditariedade; o diálogo lógico e
••
objetivo elo expressionismo, muito embora ela precisasse acontecer
para corresponder às exigências do que havia no texto. O cinema
discursivo é substituído por outro, fracionado e primordialmente poé-
tico, no qual os expletivos- pequenas frases exclamatórias, refletind~J ••
••
a essência emocional e espiritual do protagonista- têm cada vez mars
expressionista alemão nos dá uma boa ideia do que aconteceu então.
l\1as na França, por exemplo, nessa mesma época aparece o trabalho valor. Sendo fundamentais a liberdade e o não conformismo, no
de Jacques Copeau (1879-1949) no teatro Vieux Colornbicr, fundado diálogo não se buscou qualquer tipo ele fórmula, e cada autor t~n.ha
em 1913, com um cenário fixo simplificado, um caminho completa-
mente diferente, mas que também se afasta elo realismo e busca uma
seu idioma pessoal. Com as cenas curtas, desaparecem os ce1.1anos
realistas e surgem campos neutros, rampas, degraus, eventuais ele-
mentos inclispens;.íveis à apresentação do significado da obra, com a 2 99
••
linguagem teatral mais imaginativa. Alterações na dramaturgiaforam
muitas, e as pesquisas da cenografia foram exigidas por todas elas.
luz determinada pelas emoções e pelo tom.
Assim se caracteriza o primeiro expressionisrno, seguindo os acon- ••
tecimentos ela Primeira Guerra Mundial, que não acabou em pou-
cas semanas como haviam previsto tanto alemães quanto ingleses.
Na arrancada inicial da guerra, campanhas patrióticas haviam con-
••
seguido envolver a rnaior parte ela população, impressionada .c01~1 a
certa afluência elo país, e persuadida ele que a Alemanha ha.vra .srclo ••
arrastada a uma guerra que não desejava, mas ela qual sama vJt~no~a,
j;;í que os longos preparativos militaristas levavam a essa conv1cçao.
Porém, a partir de 1916, com a certeza da vitória já :un. tanto aba-
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lada, o clima patriótico começou a desmoronar, e as releias daquele ''-'


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grupo contestatório, antes reduzido c comllatido, alcançaram maJOr
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popularidade e mais voz. .
_'\, I1Hmtc1 ~cns cxprcssionist;ls passar<m1 <1 ser lll<-llS frequentes e
bem-suceclicfas c o expressionismo começou e1 se transformar. Ern
"'<.;,
::) ••
~ua segunda fase, o subjetivisrno espiritual foi élOS poucos substituído ><

••

por ideias que agora não só condenavam o sistema vigente, mas tam- A nova fase elo expressionismo, ele preocupação política, afetada
bém começavam a propor uma nova ordem social, obviamente por pela guerra, aparece pela pi;meira vez em Der Sohn (O Filho), de
influência de movimentos de esquerda e sob o estímulo da Revolução \Valter Hasenclever. A partir daí, a guerra e, naturalmente, a derrota
Russa de outubro de 1917. Tudo culminou na revolução comunista da Alemanha serão o núcleo principal, e o conflito entre filho prota-
alemã de 1918, cujo fracasso determinou o declínio do expressio- gonista e pai antagonista muda ela busca da renovação espiritual para
nismo, que estaria totalmente,esgotado por volta ele 1923 ou, no a ela renovacão social. O tema central é agora uma oatalha entre o
máximo, 1924. homem de ~ma nova visão social e o defensor elo militarismo, ou elo
Os autores dessa segunda fase são variados; Franz \Verfel (1890- estado tal como era constituído até então e uma nova estrutura. A
1945) foi influenciado por sua rica experiência religiosa, rnas não mudança ela situação da Alemanha é crucial: a partir ele 1916 cmnc-
ocupa lugar tão expressivo nessa transição quanto Reinhard Sorge çaram a aparecer peças antiguerra, muitas delas escritas nos próprios
(1892-1916), Paul Kornfelcl (1889-1942) ou Walther Hasenclever (1890- campos ele batalha. .
1940). A única obra famosa ele Sorge, que morreu aos 24 anos, é Der A quebra das convenções realistas acabou levando a desrnechdas
Bettler (O Mendigo), de 1912. O protagonista, chamado apenas de "O impossíveis de serem montadas, como Die letzten Tage der Menscheit
Poeta", vive em conflito com os valores de seu pai, que o autor cria de (Os Últimos Dias da Humanidade), ele Karl Kraus (1884-1936), que
forma original: o Pai, um engenheiro bem-sucedido, é chamado de exige dez dias para ser encenada, com centenas ele personagens sem
louco porque confia que na ciência e na tecnologia esté1 o caminho nome, identificadas por tipo ou função, além de praticantente todas
para o futuro. Tal caminho, o filho odeia. A luta do filho na busca as personalidades irnportantes da guerra de 1914- Construída com
de sua regeneração moral e espiritual é apresentada em um;l série recortes ele jornal ao lado da ficção, seu objetivo er<1 mostrar como
de cenas contrastantes em cafés, em prostíbulos, que são os lugares a guerra corrompe indivíduos e sociedades; c Kraus termina a pc~:a
em que ele acredita achar <l pureza, No final, o pai, aceitando que é sem qualquer vislumbre de c11ninho ou esperança.
louco, pede ao filho que o mate, a fim ele se livrar ele um<~ existência Na nova fase revolucion~1ria, como ern qualquer período ren.o-
inútil. O filho o mata, sem qualquer sentirncnto ele culpa, porque vaclor, há um grande número ele autores ele uma peça só ou, no
estaria com isso apenas obedecendo à natureza. A pc~·a é um tanto rncíximo, duas. A guerra e a revolução alemã de 1918 são o grande
ingênua e primária de forma, mas o jovem autor estava desbréll·<mclo núcleo motor ele todo o movimento. Nesse sentido, Seeschlacht (BaLt-
um território novo no teatro. lha Nava1), de Reinhard Cocring (1887-1936), passa-se em um navio
O conflito ele gerações é tratado por Paul Kornfeld c:1n Die Ver- de guerra, na batalha da Jutlânclia. Sete marinheiros sem n<~mc têm
{ührung (A Sedução), de 1913, com personagens secundári<t~ com um diálogo áspero e fracionado, ocasion,dmente cxplosrvo. !•alam ela
nomes apenas funcionais e uma linguagem imaginativa e poética, viela, discutem a justificativa, ou não, do conflito, até que um deles
fracionada, que se apresenta jc'í mais desenvolvida. Bitterlicl1, o pro- levanta a possibilidade ela desobediência, já que a guerra é uma tra-
tagonista, tem repugnância pelos valores à su<-1 volta, rnat<1 um des- créclia revoltante. Quando está acabando seu raciocínio, começa a
conhecido - que lhe parece um exemplo ele tudo o que odeia -, batalha; um a um eles são mortos, e o último, o da icleia ele deso-
e vai para a cadeia. Ali, guarclcls e representantes de todo o poder bediência, morre dizendo que, n~1 hora cLt batalha, atirar nos outros
constituído- tão importantes no expressionismo tardio c no tei!ro parecera a opção mais tuci1 .
político- fazem sua prime1r<t <lpariç·~o, clefonn;1clos pcb Clric:ltltr:t .\p~nccc 11~1 época \1111 f:;LliiCic !ll'mwro sobre o lJrnncJ:J
A peça é alucinatória, t~mt<L>nwgórica, e concebida para cxprc~sar a bom em si, rnas corrompido pela e::;trutura social ern que se mseJ~c:
,\ grande maioria, escrita porque u tema em si era tão atraente, tm
repulsa do artista pelos valores burgueses.
-
••
de obras medíocres ou simplesmente ruins. Em seus últimos anos
e~tretanto, já. existindo um equilíbrio instável, é que o expressio~
Lado do Outro), que tem três enredos: em cada um deles, uma pes-
soa sabe de algo que salvará alguém em um dos outros, mas a indife- ••
m~mo produzm seus três maiores autores: Georg Kaiser (1878-1945),
Fntz von Unruh (1885-1970) e Ernst Toller (1893-1939).
;.'~ruh, de famíl~a nobre prussiana, entrou muito jovem para 0
rença dos homens uns pelos outros, mesmo próximos, faz com que
ninguém se dê ao trabalho de revelar o que sabe; e Díe Burger von
Calais (Os Burgueses de Calais), calcada em famosa história medie-
••
e.':.erc~to, como previsto, mas sua sensibilidade pessoal, aliada à expe-
nencia da guerra, fez com que, já em 1914, ele tivesse graves dúvidas
val que afirma que qualquer humilhação que salve vidas humanas é
melhor do que qualquer heroísmo 1i1ilitar. ••
sobre a situação da Alemanha. Em 1917 ele escreveu E in Geschlecht
(Uma R~ça), que o colocou na vanguarda do expressionismo, unindo
a nova Visão política ao individualismo subjetivo dos primeiros anos.
O "novo homem" é o tema principal ela trilogia Gas, que fala
da regeneração do indivíduo, denunciando a industrialização. Na
primeira peça da trilogia, o filho elo patrão bilionário passa pela
••
Na peça: uma mãe está enterrando o filho favorito, morto na guerra.
Seus dms outros filhos chegam, presos por insubordinação: 0 mais
famosa crise transformadora e, quando a fábrica explode, opta por
não reconstruí-la, a fim de que todos vivam uma vida mais pura; mas ••
velho se revoltou por razões pessoais; e acreditando na liberdade sem
lim!t~s, após tentar. o incesto com a irmã, se mata. O mais moço é
politicamente engaJado. Quando vêm os soldados para levar o corpo
um engenheiro fala das vantagens da industrialização e tudo volta a
ser como antes. O filho acaba morto por uma pedrada, e a esperança
é que o novo homem traga grandes transformações sociais. Na última
••
do morto, a mãe, espiritualmente transformada, passa a defender
um novo mundo, contra o obscurantismo, a guerra etc. Morta pelos
peça da trilogia a industrialização chega às suas últimas consequên-
cias, fabricando armas e munição. ••
soldados, sua mensagem é tomada pelo filho mais moço, que leva
os soldados a se rebelarem. Um dos comandantes do destacamento
adere ao novo ideal a fim ele preservar entre eles a lei e a ordem e o
Ernst Toller é o mais político dos expressionistas. Ele entrou para
o exército com 21 anos, e essa experiência o transformaria completa-
mente. Ligou-se à extrema esquerda e, eiJ: 1917 e 1918, quando estava 3°3
••
outro arranca ele si todos os símbolos de autoridade, que abanclona
ao solo para que ali envelheçam.
. Georg ~aiser é o mais famoso representante da escola expressio-
na prisão, escreveu Die Wandlung (A Transformação), em que, com
breves cenas, mostra a transformação de um patriota em um revolu- ••
msta alema. No novo formato elo statíonen drama, onde cada cena é
uma "estação" no caminho elo protagonista, ele escreveu Von l\llor-
cionário: o jovem Friedrich, em conflito com a família, sente alívio
em partir para a guerra; daí por diante a ação é apresentada em dois
planos: o ela realidade e o do sonho. Neste último, Friedrich vê um ••
gen bis Mittemacht (Da Manhã Até a Meia-Noite), que segue 0 dia
d~ un: homem que, em um repente, rouba uma grande quantia ele
clmheiTo_: Em breves cenas ele vê todos os aspectos da podridão e da
carro de trem carregando soldados feridos, ele mesmo sendo um
deles e, como em todas as visões ele sonho, logo a seguir ocorre uma ••
••
cena da realidade, na qual se cumpre o que ele viu.
corr~p~ao, ma~ o que realmente o choca é perceber que a mesma Toller criou outras obras importantes, sendo suficiente apenas ><
X

m~lhdao que VIbra e grita com uma corrida ele bicicleta fica cabis- mencionar que, já em 1927, ele escreveu a peça chamada Hopla, ...s::l

••
bai:a e !1:uda com. a simples presença de alguns membros da realeza. Wír Leben! (algo como Ora Viva, Estamos Vivos!), cuja maior impor- ,.,u
Cll

Apos vanos desati~os, descobre que o dinheiro não compra nada tância foi ter sido encenada por Erwin Piscator, o criador do teatro o
<:::

~.u~ Vê~ lha a r.ena e JOga fora o que sobra, do alto de um palanque do político, tão determinante para a obra de Brecht. _g
l~.xcTc1to ela Salvação. Vendo a mull'íclão hrigCJr pelo dinheiro. ele se
Inata, balbuciando algo que dá a impressão de que está dizendo Ecce
,...
r
"'
._,
••
l·Iomo. Outras peças suas importantes são: Neben Eínander (Um ao :><.

••
I
confusas em seus objetivos, mas com a passagem do tempo sua posição
Bertolt Brecht e o Teatro Épico vai se alterando. Em 1927 ele se divorciou e imediatamente se casou
com Helene Weigel, uma cmnunista convicta, daí em diante a mais
significativa intérprete ele Brecht. /\década se encerr<JL; com um~ ~~s
O JOVEM AUTOR BERTOLT Brecht (1898-1956) trabalhou tanto na pro-
suas obra:; mais conhecidas: Die DreigrochenofJer (A Opera dos f res
dução de Rasputin quanto nas Aventuras do Bom Soldado Schweik e
as ,ideia_s do diretor Piscator foram determinantes para seu futuro, q~e
Vinténs), de 1928, com memorável música de Kurt Weill (1900-1950).
Em 1930 'ocorreu uma nmdança radical do processo criativo ele
ate entao fora o de um boêmio aventureiro. Eugen Berthold Friedrich
Brecht com sua conversJo ao comunismo. A esse momento perten-
Brecht nasceu em Augsburg, e, tendo estudado medicina. serviu na
cem as Lehrstücke (peças didáticas), comprometidas com a ideologia
Primeira Grande Guerra como enfermeiro em um hospital militar. A
apaixonadamente adotada. Dessas, todas de 1930, a maioria é muito
grafi~ B.ertolt foi um ato de rebeldia contra um nome burguês. Em eta-
fraca; mas algumas são realmente interessantes: Der Jasager ~Aquele
pas d1stmtas, ele escreveu mais de quarenta peças, de formas variadas.
Oue Diz Sim), Der Neinsager (Aquele Que Diz Não) e D1e Mass-
Em 1920, Brecht começou a produzir mais regularmente, sendo
nom~ado dramaturgo do München Kammerspiele (Teatro/Ópera de nahme (As Medidas Tomadas).
No início dos anos de 1930, é importante chamar a atenção para
Mu~tq~e); a~s poucos, se tornou mais conhecido e, em 1922, recebeu
duas inesperadas fontes de inspiração na obra de Brecht: ~udyarcl
o Premio Kle1st por Trommeln in der Nacht (Tambores na Noite). Em
Kipling (1865-1936) com smp histórias de aventura no Impeno Bn-
1 924, Brecht começa sua importante carreira de diretor, montando o seu
tânico - inspiração ela qual Um I-lomem é um Homem é exemplo
Leben des Eduards des Zweiten von England (A Vida de Eduardo IJ ela
clássico _e os Estados Unidos da ;\ménca, por seu crescunento
Inglaterra), ~daptado de Christophcr Marlowe, e, pouco depois, muda-
industrial e também seus gângsters e seus esportes, inspiradores da
-se para Berhm, onde logo se torna membro ativíssirno ela vida cultural.
"ópera épica", Aufstieg uncl Fali der Staclt Mahagonny (Ascensão e
_ Suas peças escritas no final da década ele 1910 e início da ele 1920
Oueda ela Cidade Mahagonnv), de 1928-H)29, que cstrew em ll))O.
sao, em grande medida, expressões de desencanto ou conteslacJo
Nesta, um bando ele laclrôcs, fugindo da polícia, resolve criar unu
g;~eraliza;l~. A primeira delas, Baal, de 1918-1919, é uma espécie, de cidad~ onde poderão roubar todos os que se avcnturamna histórica
cmJca parodia da romantização da vida de artista. Baal é um rnulhc-
busca do ouro, rnas não têm sucesso porque os novos ncos elo ouro
rengo bêbado que destrói todos os que passam por sua vida: e acaba acham a cidade chata. Na véspera de lll\1 furacão, Paul Ackennann,
matando seu melhor amigo e morrendo sozinho em um~1 cabana
0 chefe, imcnta o que considera ser a fórmula ideal para a fdicicladc:
r::1 floresta, onde se escondia ela polícia. Díe Kleinbiirgerlwchzeit (()
não ha\·crc'ílimites, leis ou proibições na cidade. Mahagonny se trans-
Casa:nento elo Pequeno-Burguês), ele 1919, e Im Díckicht der Stddte forma, então, em um reino de devassidi:io, porém Ackerm;;m~l _ioga
(Na S.elva elas C:iclades), de 1921-1923, parecem ser investigaç:ões sobre tanto que perde todo o seu dinheiro. Incapaz de ~ag~~r suas cllVIdas,
confl1tos gratmtos, sem motivo ou sentido. Já Tambores nci Noite. ele é condenado z1 morte, pois não ter dmheno e enrne. A ctdaclc
( e~treia em 1922), tem muito elo cínico desapontamento ele HofJla' acaba se incendiando, e seus habitantes dcixan1 bun claro que for-
\Vtr Leben!, cl~ Toller. Na peça de Brecht, o soldado chega em casa c mam uma sociedade completarncnte escravizada ao acúmulo ele
encontra a nmva Já grávida e pronta para casar com outro. Uma série bens materiais. A ação é bast<1J1te dinâmica; a magistral música é de
ele atribulações leva.m o soldado a ter ele fazer uma opçi'io. e ele pre- Kurt \Vci1L c rH.:asionalmcntc a pce,;<l corüinll<l <1 ser mrmtacLl.
fere casar com a noiva de segunda mão elo que voltar para a gm:rre~ Destino di\·crso tem a obra provavcilllclltC escrita entre 1929-19V,
i\ cleb\.lchada \ crsJo do l':cluurrlo u, de J\larlowc, de Il)2)-llJ2+ Die Heilige {o!wnncl der Schlachthôfe (i\ Sanb1 jo,ma dos Matadouros\,
e Mmm zst fVIann (Um Homem é um Homem). de 19Lf.-H.)2), s:io
-•
••
hoje totalmente esquecida. Segundo Martin Esslín, o texto não pode
funcionar fora da Alemanha por ser escrito em versos que parodiam
realmente criminosos, ou seja, os banqueiros. Em 1935 sua cidadania
alemã foi formalmente caçada. ••
os excessos dos mais extremados momentos românticos de Schiller:
o desencontro de forma e conteúdo é perdido em tradução. A trama,
passada em Chicago, envolve dois reis da carne enlatada, que lutam
Tanto Brecht quanto Kurt Weill fianlmente foram para os Estados
Unidos, e seus destinos lá ilustram o que seria um problema funda-
mental para o escritor. O compositor Weill e~1 pouco tempo est~va
••
para dominar o mercado. A jovem Joana Dark- do Exército da Salva-
ção, que fascinava Brecht- tenta fazer com que um deles, Pierpoint
totalmente integrado no shmv business amencano, compondu para
vários musicais como Lody in the Dark e Kníckerbocker Holzday, e
ninguém se lembra que a Deccmber Song fo.i composta p~r un~ ale-
••
!Vlauler, trate melhor seus operários e evite o desemprego. Ele fica
comovido, mas continua em seu caminho; compra outras f<ibricas e
acaba se expandindo demais os negócios e falindo. Rivais de Mauler
mão quase que recém-chegado. Atores e ch~etores alem~es, como
Peter Lorre e Billy Wilder adaptaram.-se e hzeram carrena; mas o
••
querem que Joana, com seu prestígio, invente um projeto que distraia
os clcsernpregaclos, mas ela se recusa c acaba expulsa dos Black Straw
que acontece a um autor que aos quarenta anos tern de mudar de
cultura, de país e ele língua, principalmente ao se est.abelece~ em um
país em que suas convicções políticas não são bem-vmdas? Amda p~r
••
••
1·-lats. Ela chega a pensar em ser comunista mas, ao ver que estes nào
hesitam em mar a violência, desiste e não entrega uma carta crucial · B cht em Hollv\lí.·ood recusava-se a aprender a falar mgles,
cuna, re , , ' · d
para dar o início a uma greve geral. Os líderes trabalhistas são presos, vivendo exclusivamente na seleta colônia de alemães expatna os
e Mauler consegue reabrir sua fábrica. Totalmente desiludida, Joan
acaba morrendo de pneumonia. Em seus últimos instantes, repudia
que tanto fizeram pelo cinema americano. Seu ~nic~ trabalho que
chegou às telas foi o roteiro de Hcmgmen also Dw (Carrascos Tam- ••
••
Deus e afirma que no sistema vigente ele exploração só a força pode bém Morrem), filmado por Fritz Lang em 1943. /.
trazer mudanças. Suas palavras de convicção radical acabam enco- É estranho mas é justamente durante os anos de ex1ho que Bertolt
Brecht atingi~ seu pleno apogeu como autor. Até 1945~ é bom lembrar,
3°7
bertas por um coro formado pelos donos das fábricas, os criadores
de gado c os Black Straw Hats. Com suas complicações, a peça per-
manece uma obra meramente didática.
O processo pessoal de Brecht é muito signiticJtivo para seu trabalho:
a não ser na Suíç<:l, todos os palcos para a língua alema estavam fecha-
dos para Brccht. E um autor de teatro escreve para ser mont<c1do,/parh-
cularmente un; autor que foi um dos maiores diretores do seu seculo.
••
c~:;e período em que o autor, formalmente ou n8o, envolveu-se com
o comunismo, corresponcle exatamente ao da ascens8o do nazismo, o
· fl uenct<
,S.o l) a tn - · 1 ele p 1·sc··ti)J"
, <' .. , dcJ te·1tro
c . chinês · teatro mecheval e de
• , do

Shakespeare, Brecht criou um estilo n:uito pessoal c~c encenação, CUJO


.
••
que tornou cada vez mais difícil a montagem de suas peças. No dia 2~
de fevereiro de 1933 Brecht e sua família fugiram da Alemanha. Foram
primeiro para Paris, onde se deu a montagem de Díe siehen Toclsiin"
aspecto mais famoso até o hoje é o v-effeht, abrevJaçao de verfren.mdun-
gseffeld, ou seja, o efeito de distanciamento, ou estranhamento, respon-
s<:'ível por infinitas divergências quanto ao que Brecht quena t:ealmente
••
den der Kleinbúrger (Os Sete Pecados Mortais do Pequeno-Burguês),
a última colaboração entre Brecht e Kurt \Veill, e a seguir ele se ins-
dizer com isso. :tvluito relevante foi ele ter dito que quem V<H ao teatro
eleve assistir à peça com o rnesmo interesse objetivo que aquele que V<:1l
assistir a uma luta, ou qualquer ~vento esportivo. Seu grande argumento
X
X

:::0
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••
talou na Dinamarca. Apesar de respeitado e admirado, poucos paí~es

••
'JJ
o
na l•~uropa tinham interesse em montar suas peç:as. Nada expressa l:ío seria 0 de que a aceitação do envolvimento emocional :lo espectador :::

bcrn a mudança ele postura política ele Brecht qu<mto a publicaç;;'\o, nd com 0 que acontece 110 pcllco, que ele considera caractenshco do teatro
E
_l)
Hohmh. em H))4, de l)er Dreigmschemouzon I() Romance elo.-;
\'il:l(::,, :j:ll . .tlkr:llldu o 11:1al cld IÍ[X'ld, 1~11. \L1c ll1c k11ifc c o ci\L'íc·
;\ristotélico, 11:!() llllp'lr\;1 ;1 ]' implfciL1 noll·J\To t,hchh,·rl
O v-effel:t, segundo Brecht, daria~~ encenação c 8 mterpretaç~~o
_ ,~
..._;

••
••
/;
de políci;l se <lliarcm c se tornarem o que ent8o Brecht \Ía como os urna objetivicbclc cill rdaçâo ao que é apresentado que conduzma
a plateia à reflexão e ao aprendizado da postura política que o texto Nos anos de exílio, foram raras as montagens de peças de Brecht;
quer expressar. Ele fez uma catalogação das diferenças entre o teatro mas teve lugar na Califórnia, por iniciativa do ator Char1es Lau-
dramático e o épico, embora, na prática, nem mesmo nas peças de ghton, uma primeira montagem de Galileu, que não chegou a ser
Brecht seja fácil constatar essas diferenças:
um sucesso. Esse só viria depois da guerra e do embaraçoso espetá-
DRAMÁTICO
culo do interrogatório de Brecht na Comissão de Atividades Antia-
mericanas, no qual ele confundiu todo mundo, fingindo que não
O palco "encarna" os acontecimentos.
entendia as perguntas ou dando respostas propositadamente confusas
Envolve a plateía na ação, usando sua atividade.
e voltando para a Europa logo depois. Sua obra só foi re<Ilmente apre-
Ajuda-a a sentir.
sentada ao mundo no final dos anos de 1940, com a inauguração elo
Comunica experiências.
teatro do Berliner Ensemble, na Berlim oriental, para onde Brecht
A plateia é projetada para dentro de um evento.
se mudou depois de obter cidadania austríaca, a fim de poder entrar
A sugestão é usada.
e sair do país quando quisesse, e ele ter deixado os direitos sobre sua
As sensações são preservadas.
obra nas mãos de uma editóra na Alemanha ocidental.
A personagem é uma quantidade conhecida.
Ao lado de sua nova concepção de dramaturgia, Brecht via também
O homem é imutável.
um palco diferente; se o arco do proscénio emoldurava uma cena de
Não revela o que motiva a ação.
ilusório realismo, a nova dramaturgia queria que o público tivesse plena
Os eventos se dão em linha reta.
consciência ele que estava presenciando urn espetáculo. Abolindo o arco
A natureza não muda
do proscénio, Brecht deixava toda a frente elo palco aberta, ele modo a
O mundo é como é.
permitir que a plateia visse o urclimento e os refletores, que só us~vam
ÉPICO luz branca. Com isso, ele acreditava alertar o espectador para a ob)et!Vl-
Relata o evento. dacle desejada. E para chamar ainda mais a atenção para a artificialidade
f'az a pJateia observar, pr0\'0C8 sua atividade. do teatro, criou a meia cortina, cujo varal ficava a tneia altura do palco
Leva o espectador a tomar decisões. e deixava sempre à vista a parte superior elos bastidores.
Comunica insights. A partir ela década de 1930, Bcrtolt Brecht havia escrito uma sérit;
A plateia é confrontada com um evento. de peç8s significativas, entre elas: Die tvlutter (A fv18c), baseada no
A argumentação é usada. romance de Máximo Gorki; Oie Gewehre der Frcw Carrar (Os Fuzis
A pia teia é impelida para novos níveis ele percepção. da Senhora Carrar) e Das Verhôr eles Lukullus (0 Julgamento de
A personagem é submetida à investigação. Luculus), esta montada em 1951. Em 1938-39 veio a primeira de suas
O homem pode mudar e fazer muclanç·as. quatro obras mais famosas, Leben des Galilei (Galileu), sua inccm-
Deixa claras as motivações. testável obra-prima, c nos anos seguintes temos Der auf7wltsmne
Os eventos se movem em curvas irregulares. Aufstieg eles Artu.rí Ui (A Resistível Ascensão de Arturo Ui), Mutter
c
A natureza muda. Couraoe und ihre Kincler (i\ Mãe Coragem c Seus Filhos), Der gute
O mundo é aquilo 110 que ele csU se transformando.'
Mensch mn Sezucm (A Ahna Boa de Setsuan! c Der 1wu1wsische Kei-
der!.:reÍ\ !O Círculo ele Ci; C<1Jlcctsi:IJII)i
A importância de Brccht para o teatro nciclcntal na scguncld
13. Brecht. Estudos Sobre o Teatro. p. ,r, metade elo século xx é imcma. Su~t obra tcc'Jriut, profundamente
-
••
?ermânica, é menos difundida, muito embora seu teatro épico e a
propicia uma tensa situação dramática, para a qual não há saída. ••
••
T'v1uito presas a seu conteúdo político, mas interessantes, são Les
mterpretaçã? voltada para ele, que Brecht elaborou, sejam larga- Mouches (As Moscas), uma versão moderna de Electra, referente ao
mente debatidos. A presença de Brecht como diretor foi decisiva para domínio nazista da Franca e Les Maíns sales (As Mãos Sujas), que
, '
a repercussão que tiveram os espetáculos do Berliner Ensemble no
Theater am Schiffbauerdamm enquanto ele foi vivo; com seu desa-
parecimento o grupo perdeu boa parte de seu prestígio, poi' nem
analisa crises internas entre comunistas por causa de mudanças em
posições ídeológi~as. Kean é uma adaptação ó peça de Alexandre ••
••
Dumas, que teve sucesso graças à atuação de Gérarcl Phílíppe no
mesmo seus seguidores e discípulos imediatos conseguiram repetir papel-título, mas suas outras obras dramáticas são pesadas e hoje
a quahdade de suas históricas encenações.
completamente esquecidas.
Brecht não é montado hoje com a frequência de outros ternpos,
pots a era do teatro do discurso ideológico passou com a aversão à
guerra e a angustiante busca da paz; mas a qualidade de sua obra,
Camus, grande colaborador ele Sartre em atividades undergrounds
durante a ocupação nazista, tem seus melhores momentos de teatro
com Le Malentendv (O Mal-Entendido), onde o filho desconhecido
••
em seus melhores exemplos, é incontestável e continua apreciada. volta ao lar, transformado em hospedaria pela mãe e pela irmã que,
sôfregas pelo dinheiro com que poderiam comprar um sítio, o matam ••
e atiram seu corpo no rio, eLes Justes (Os Justos), que levanta a ques-
tão do sentimento humano, quando um revolucionário não cumpre
sua tarefa de assassinar o grão-duque com uma bornba porque perto
••
A Maturidade da Forma Livre
deste aparece uma crim1ça.
O que marcou realmente a n1.udança do teatro para reHetir os
)ll
••
LOG~) QUE TERMINOU A Segunda Guerra Mundial, em 1945, houve
na hança e na Inglaterra urna imediata volta ao teatro de seis anos
novos tempos, no enLlnto, em 1953, foi quando, ao sucesso de Lc1
Cantatrice clwuve (\ c~mtora Careca), de Eugene Ionesco (1909-
1994), que estava em cena em um teatrinho ele 55 lugares desde 1950,
••
antes, no tom da chamada "alta comédia''. Essa posição, no entanto,
n;]o .servia mais para a realidade social e econômica que o teatro teria
ele refletir. Na França, temos duas etapas diferentes para a trans-
juntou-se o ele Eu Attenclunt Goclot (Esperando Codot) de Sarnuel
Beckett (190Ô-1l)8l)l, a 111kls raclícalrnente no\·as em termos ele drama- ••
formação: Jean-PaL:l Sartre (1905-1980) e Albert Camus (It)l)-19ÓO),
pensadores ongma1s dos novos tempos, deram parte de seu tempo
turgia, ambas abandonando o desenvolvimento da coerência psicoló-
gica, da trama bem-armada- de começo, meio e fim - pma facilitar
o aplauso do espccL1dor
••
ao teat:o~ mas nem o primeiro, criador elo conceito de absurdo para
a concltç<~o do l.w:nem contemporâneo, nem o segundo, figura mes-
tra do extstenctaltst~1o, buscou formas novas no teatro. Mesmo que
A peça de lonesco, franco-romeno residente ern Paris, a quem
é atribuído o aparecimento do "teatro do absurdo", foi inspirada,
X
X
o ••
••
segundo afirmou, !lOS insensatos livros do tipo "inglês sem mestre'', :3
u
escrevendo no mtmto de apresentar novas icleias, ambos usardm a "l)

em que o objetiw> é ensinar pala\'ras e não transmitir uma ideia. (/)

clramat~ngia trad!ci_onal de seus anos formativos, antes da guerrJ. o


::::
Ionesco cricJ!l o al11Cinatório diálogo de A Cantora Careca, na


De Sartre o muco texto realmente bem-sucedido (· Jiuis elos _g
re<1lidade um preciso retrato de umd existênciJ sem sentido, uma co
(Entre Quatro P~1recles), onde, no inferno, C;1rcin, Stclla e Inês se r·"'
ferina críticcl ~lií llll\itdo ,;h.'mrdo de que Ltlara Camm. O ~\tccs;;o de ~

\'CC'l11 condenados a, por serem quem <lo, torlt!r~Jrcm-se urL' aos I


~

uulr(''· .\ quc~l<:io da dura liberdade do homem <::m um mundo scu 1


Deus, que o obriga a reconhecer a respon~abilidacle por seus atos,
lonesco, nos primeiros JilOS Jc sua carreira, foi enorme c é então que
ele escre\·e sua' melhoJT\ obras, como La Leç:on (!\ Lic:::io) c a notável
X

••

Les Chaises (As Cadeiras). Essa última, que classificou como "farsa Dominante na obra dramática ele Beckett é o conflito básico entre
trágica", fala de um casal morador de uma ilha, que enche, longa e a aceitação da morte inevitável e um indestrutível instinto ele sobre-
dolorosamente, seu salão de cadeiras para os ouvintes invisíveis do vivência, com a "ação dramática" cada vez mais longe das estruturas
Orador, qu.e vai fazer um grande pronunciamento sobre a condição tradicionais. Tempo, espaço e decoro, dos quais Aristóteles falou e
humana. Após levar o Orador ao lugar de onde deve falar, o casal se Horácio insistiu, são cada vez mais irrelevantes para Beckett, porém
suicida pulando de uma janela para o mar; e quando a grande fala em suas primeiras e mais longas obras ainda há resquícios de locali-
começa, constatamos que o Orador é mudo, só abre e mexe a boca zação de personagens, para dentro dos quais cada vez mais é trans-
como se estivesse falando, e sua mensagem fica reduzida a palavras ferida a essência da obra.
sem nexo que ele escreve em um quadro negro. Beckett havia escrito uma única peça, Eleutheria, em 1946, jamais
lonesco ainda escreveu por vários anos, mas sem o mesmo sucesso, montada ou publicada, e já era figura firmada no panorama literário
a partir do momento em que virtualmente retoma uma dramaturgia quando, com quase cinquerita anos, escreveu seu primeiro grande
tradicional como em Rhinoceros (O Rinoceronte), entre outras. O sucesso dramático, Esperando Godot, de 1953. Em uma estrada
sucesso de suas peças iniciais e a influência de sua dramaturgia, no deserta dois vagabundos, Vladimir e Estragon, estão à espera de uma
entanto, não podem ser negados, pois são um marco nítido na his- misteriosa personagem, Godot ~com provável referência a God:
tória das transformações do teatro. Deus em inglês -, e o diálogo com o qual preenchem a espera e
De carreira bem mais longa e bem-sucedida, nome maior da a essência da peça. Os dois são um pouco díferent:s Ul~. do outr~:
segunda metade do século xx, é Samuel Beckett (1906-1989), irlan- Vladimir é mais extrovertido e prático, Estragon mais poebco e mais
dês que viveu a maior parte da vida na França, inclusive durante toda dependente. O primeiro ato é todo gasto em variante~ do mesmo
a Segunda Guerra Mundial. Nessa época, ele primeiro trabalhou tema, o da espera, e no final chega um menino para av1~a; que o s~.
ll
com o movimento da resistência em Paris, porém, sendo muito pro- Godot não pôde vir naquele dia, mas que com certeza vtra aman~a.
curado pelos nazistas, acabou se escondendo no sul da França. Com No segundo ato, os dois vagabundos continuam e.spe~ando, mas tem
frequência ele escrevia seus originais em francês, por considerar que a visita de uma nova dupla, Lucky e Pozza, o pnmetro, o senhor, o
ao expressar-se em uma língua adquirida podia alcançar uma disci- segundo. o escra\·o. um totalmente dependente elo outro, tão com-
plina e um despojamento que a tàcilidade da língua natal não per- plementares e tão perdidos .quanto a primeira dupla. A certa alt~1ra,
mitia. Rotineiramente as obras escritas em francês eram traduzidas Vladimir e Estragon resolvem ir embora, chegam mesmo a dtzer
para o inglês, e as em inglês para o francês, sempre por ele mesmo. "Então, vamos", mas permanecem no mesmo lugar, sempre espe-
Apontado por Martin Esslin como nome principal do teatro elo rando por Goclot, que há de solucionar todos os seus problem.as e
absurdo, Beckett discordava dessa catalogação (de "absurdo"), e suas dar sentido às suas vidas. A peça acaba quando novamente a vmda
X
X
obras dramáticas podem ser ricas de humor, mas não com a facili- de Godot é anunciada para o dia seguinte. . . . o
dade com que o usava Eugene Ionesco. Muito provocadora é a afir- Endgame (Fim ele Partida), de 1957, mostra um quadro ma1.s lnm- ;::;
tado, se possível, que o de Esperando Godot. Hamm, o dommante '"'
v:.
mação enfática feita por Beckett em relação à quantidade e variedade
das críticas sobre seu trabalho: "minha obra é uma questão de sons senhor ou pai, não pode andar, enquanto Clov, o acom~anhante, ou
fundamentais emitidos o mais plenamente possível"4. escrcn·o, ou filho, não pode sentar, e temos ainda os pats de Hamm,
N<Igg c :--\clL '-i1tc 1i101'<1111 c1n duas htas de li\rJ. O local oncl~ tudo
4 Tradução nossa. No original: ·'tvlon celt\TC est f;~ i te de sons fonclamcntaux [ ... ] se passa tem (h ws pequenas janelas bem no alto da parede, dtficul-
émis aussi completement que possihle'·. l.ettre ;·, Alan Schneider sur Finde fMrtie. tando a tarcb de Clov. que faz imenso esforço para descrever o
décernbre 1957.
-
T
••
dese~to em meio do qual eles estão. Clov empurra Hamm em uma
aproximar para beij;1-la ou para alcançar o revólver que ficou na
areia, entre outros objetos caídos da bolsa.
••
cad~Ira de rod~s, e os dois discutem a finitude do homem, a degra-
daçao do am.biente à sua volta, a decadência física dos homens, o
A progressiva concisão e o crescente despojamento já fizeram a
obra dramática de Beckett ser chamada de minimalísta, e na verdade ••
••
an:or e o sofnmento, enquanto os pais falam sobre o acidente que os ele produziu uma série de pequenas obras-primas como Acte Sans
detxo~I s:I~ pernas, e Nagg promete ameixas a Neli para que escute Paroles (Ato Sem Palavras), Come and Co (O Balanço) ou Not I (Eu
sua h1stona sobre ym homem que busca abrigo para seu filho em Não), entre muitas, que compõem um dos conjuntos de obra mais
Llm rnundo totalmen.te destruído. A certa altura, Clov resolve partir,
faz grandes preparativos para a viagem, mas a peça acaba com ele
parado no lugar de sempre e Hamrn, com o rosto coberto por um
significativos do século xx, expressando exemplarmente a abrangên-
cia das transformações por que passou o teatro do período. O cami- ••
••
nho de Beckett continuou sendo sempre o de buscar novos modos
lenço ensanguentado, quieto em sua cadeira. de se expressar sobre o mundo absurdo e desamparado, e não o de
A próxima peça significativa é Krapp's Last Tape (A Última Cra- criar arbitrariamente novas formas de dramaturgia. Em Beckett. cada
vação de Krapp ), de 1959, na qual um velho ouve a gravação de
acontecimentos passados a respeito dos quais ele tem certas dúvidas
e q~1e. o emocionam intensamente, sendo a passagem do tempo ~
conteúdo, cada ideia exige a forma que eventualmente lhe é dada,
e suas dezenas de peças curtas, da mais <1lta qualidade, apresentam ••
••
sempre novos caminhos para a comunicação.
mais Impactante emoção. Em 1961, Beckett escreve Oh, les heaux Um breve período do teatro ele linhas tradicionais no pós-Segunda
Jours/Happy J?ays (Dias Felizes), em que a luta de Winnie para Guerra também teve lugar na Inglaterra, no qual foram inúmeros os
fazer valer a Viela a despeito de toda e qué1lquer circunstância tem
~ua expressão lllais precisa em uma ininterrupta rotina de ativicla-
Jc;s. Presa em um monte de areia até a cintura, no primeiro ato,
sucessos de Terencc Rattig<-m \,1911-1977), que incluiu dran1as como
The vVinslow Boy (O Menino Vlinslow), vítima ele falsa acusação
no colégio interno, The 13rowning Version (A Versão de Browning),
315 ••
Y\:mnic elabora .todo um ritual para preencl1er o tempo que passa_
ou para dar setlticlo a ele. Uma campainha marca a hora ele acordar
~ ele dormir, c ela começa o dia com uma ora(,~Jo, depois se ocupa
comovente história ele um professor dedicado, rnas impopular, c
comédias agridoces como Separate Tables (Mesas Separadas), dois ••
mtensamcnte Cill se maquilar ou fazer um C!Iidclcloso levantamento
de tudo O c!ue IClll em SU<l bolsa, e COil\Crsar com vVilJie, imóvel
atos passados entre os hóspedes ele um medíocre hotel halneário.
Porém n8o foi com ele que o teatro encarou a difícil realidade de
••
••
pobreza e racionamento na vicb real.
ali perto. ELt rclcrnbra o passado, conta histórias, tenta se lem- Embora mais poeta que dramaturgo, 'T.S. Eliot (JK8o-1y65), um
br<H ele poesi<JS que decorou outrora, tudo para comeguir arrancar
americano naturali7.ado inglês e convertido ao anglicanismo, lan-
çou, nessa mesma é~pocc1, um movimento de teatro poético, no qual
algum<l rc<Jção dele que, em seu btn<lCO, nJu nwstra .in!crcssc em
.se comunicar corn ela. A dupla alcança um anae ele di\·ertimento
quando brincd com um trocadilho em torno cla"'\dei<J ele ''furnlig"-
se destaca, como a mais consagrada, a peça Murcler in the Cathe-
clral (Assassinato na C~Iteclrcd), que trata do assassinato de Thomas
><
><
o ••
••
- " N .
çao · J o scgullC!o ato, \Vinnic est<Í enterrada <Ilé o pescoço. NJu
a '.)
•Q)

Beckett, no próprio altar cL1 catedral ele Canterburv, por quatro cava- (/)
a
poclencloni<IIs executar sua rotina mccJ.nici, clc1 dcpcucle apenas
lheiros que acreclita\am ser esse o desejo do rei Henrique tl. Apare-
ele suas lcmhrai>.'ls, agora bem mai~ confu.\as. c elas hislóri<l~ que ~
t:uta JII\<:Ill,ar. l udo 1sso ela conta'' \Villic cp1c, sem ela saber,
l!Jlil<l.'><IJci() dv SII<J loc;l. Em dcteniiÍII;l(i() li)(lJl]l'J!ir), r.·k :rJ\1;1 (' \'.!Í
cem na igreja Quatro Tcnt<Jdorcs, que buscarn pcrsu;Idir Bcckctt a
sm1 pmiçiiu rcli~iu:-;~!. ~ICTÍLJJlr,h os termm elo rc'Í. 'T'holll:LS resiste <lOS
prêmios que de~ oferccctll de ]Hdzcres JllllllcL!tiU~, pmkr <.: prc:-dt"-
~
::::: ••
se arraslaudo CJ!l dire<,:Jo a ela, que por i:mJ começa ,1 cmtarol<n.
l'vlas a pcc:1
, <tc;dJa sem Cjt!C
· • fie] li C ch
c 1 .]] 1·(. c·s·t
"'' \ \ ' 1
·(l· ·"· •. <'1 qliCITilC 1O v:
gio, porém ek cede :t tcnl<H,·;1o da glória do martírio. F.m Ulll grande
;~

••

momento, Beckett faz seu belo sermão da Páscoa; terminado o ser-
mão, os Quatro Cavalheiros o matam e, a seguir, dirigem-se à pia-
teia para tentar justificar seu ato em termos modernos. Eliot ainda
escreveu The Cocktaíl Pari)• (O Coquetel), The Confidentíal Clerk
(O Secretário Confidencial) e The Elder Statesman (O Velho Esta-
dista), todas complexas e plenas de problemas intelectuais, morais e
até mesmo religiosos, que as tornam um tanto difíceis. Delas todas,
só a primeira ainda é apresentada.
No mesmo caminho do teatro poético, porém em tom m<Jis leve,
apareceu Christopher Fry (1907-2005). Muito religioso (era quaker,
um estranho no ninho inglês), começou escrevendo peças para gru-
pos amadores ele várias igrejas e para o colégio onde era professor,
rnas devagar começou a ser conhecido e a ter encomendas. Uma
de suas peças mais alegres é A Phoenix To o Frequent (()ma Fénix
Esquema do teatro de arena.
~lu i to Frequente), uma divertida versão da história da madona de
Efeso; mas sua peça mais famosa e bem-sucedida é The Ladv Is not
{or Buming (À Luz de uma Fogueira). Sucesso em Londres 'e Nova
mais despojada e imaginativa, mesmo que para o p~1lco italiano, com
York quando foi escrita em 1948, e incluída entre as melhores cem
o desaparecimento da cortina servindo para n3o deixar o público
peças elo século xx, foi montada no National Theatre em 2001. Frv
esquecer que está em um teatro, onde é apresentada uma obra de
<c~inda escreveu várias outras peças e fez brilhantes traduções de peça's
ficção. l-lc'í a possibilidade também elo uso elo palco vazio, tornado
trancesas, mas saiu ele moela, e o trabalho ele seus últimos anos foi
um campo neutro que, na verdade, é uma volta às origens.
com roteiros para o cinema. Os tempos estavam mudados, o teatro
Todas essas mudanças foram resultado do Inundo ern que se estava
poético, ele momento, calado.
vivendo depois do final da guerra em 1945 Na Inglaterra, o grande
. A. necessíclacle sentida de uma mudança na dramaturgia aparece
introdutor ele um novo teatro foi George Devine (1910-1966), ator e
rgualrnente nas lmguagens cênicas, sendo muitos textos novos -
diretor com carrein1 sólida. Convencido ele que o teatro não pode-
e ~também muitos dos tradicionais- apresentados enJ um espaço
ria refletir a nova. dura e pobre realidade inglesa sen1 autores novos,
cemco que buscava um contato mais íntimo con1 o público, o teatro
em 1956 fundou a English Stage Company, dedicada à encenação
ele arena. A proximidade física e a ausência de marcos de afastamento
de autores contemporâneos. A princípio ficou muito preocupado
tais como o arco do proscénio, ou mesmo o poço ele orquestra exis-
porque não estavam aparecendo candidatos bons, voltados para o
tente em muitos teatros, fizeram com que a arena fosse logo aceita
momento. Quando já estava quase desiludido, Devine leu uma peça,
e largamente usada, exigindo uma nova postura tanto da direção
recusada por todos os produtores do West End, na qual viu o teatro
quanto elos atores, agora vistos muito de perto, muito mais vulner3-
da nova realidade inglesa. Apesar ele algumas críticas negativas, Lool<
veis 8 reação elo público. A forma do palco, portanto, continuou a
Bad: in ;\nger (Geração crn Revolta), ele Jolm Oshornc (I<)29-19lJ4L
;KOnlp<mhar ;1s mudanças na sociedade c 110 k<tlro que d cxprcss;l\;L
explodiu u;lliu utlld !HJI!lb<t JHJ palco do RU\ai Cuurl, ',' ,dlcr()tl deFi-
.\ ;:reild, 11u cntanlu, curttimJd sctnprc d ~c1 uma altcrnati\-;t, c tão ><
nitivamente a dramaturgia inglesa nwclerna.
importante quanto ela foi o acl\·ento ele uma cenografia não realista,
11!1111'

••
Osborne começou como ator em uma companhia modesta que
excursionava pela Inglaterra. Por isso, foi corn uma dramaturgia per-
feitamente tradicional gue ele, consagrado após essa primeira peça
Suas primeiras peças, The Room (A Sala) e The Bírthday Party (A
Festa de Aniversário), foram condenadas como obscuras, e a segunda ••
montada, fez seu implacável retrato de jovens que, como ele mesmo,
agora tinham, por um lado, amplo acesso ao ensino superior graças
fracassou em sua primeira montagem londrina, de 1958; malgrado
duas críticas publicadas na imprensa, nas q~aís era reconheCido,
desde logo, o talento dramático do autor. Pmter nunca_ procurou
••
à criação de várias novas universidades, mas, por outro, se viam sem
horizontes, em um país empobrecido e de.,iludido. Jimmy Porter, o
protagonista, jorra uma torrente de invectivas contra o mundo no
maiores originalidades formais ele estrutura na dramatt:rgr~, mas su~
linguagem e suas famosas pausas tornam seu teatro um obviO proclut ••
qual se vê forçado a uma humilhante pobreza material e espiritual,
revoltado contra as condições de uma Inglaterra sem império.
elas inquietações das últimas décadas c~o século_ XX. ,
Em A hesta de Aniversário, fica multo bem-Ilustrada a tcle1a qu:
dominou todas as primcÍr8s obras dramáticas ele Pinter, que ~a
_

••
••
A seguir, Osborne escreveu The Entertaíner (O Entretenedor),
especificamente para Laurence Olivier, que teve uma atuação memo- foram chamadas de "peças ele ameaça", segundo uma cleclaraçao
rável como Archie Rice, o patético cômico de musíc-hall, um8 forma dele de que duas pessoas podem sentir-se seguras dentro ele qua-
de teatro de revista, cuja decadência o autor usa como imagem ela
queda do próprio Império Britânico. Autor ainda de algumas outras
peças interessantes, sempre marcadas pela forç8 d8 revolta ou ela
tro paredes, mas se há uma porta, nunca se sabe q~al pengo pode
entrar. Nessa peça, Meg e Petey, um casal de meta-Idade, possUI
uma pensão à beira-mar. Têm um único hós~ecle, Stanley, de ~m,s
••
indignação, depois da prematura morte de Devine em 1966, Osborne
perdeu seu caminho c sua criatividade.
trinta anos, desocupado, desleixado e pregmçoso, que Meg tia:a
com carinho ora materno, ora sensual, e que não reage s,equer as ••
Também descoberto no Royal Court foi Arnold vVeskcr, nascido
ern 1932, mais claramente engajado em uma ideologia ele esquerda
elo que Osborne, c que teve grande sucesso com sua trilogia Chic/,en
provocações sexuais clcl vizinha Lulu. Nesse mundo_ letargico, o
anúncio ela chegada ele dois hóspedes, Golclberg e McCam_1, as~usta
Stanley que, aliás, tinl1a o l_1:ibito ele assust;,~r Meg c01;; misteno~~~;~ 319 ••
SoufJ with Bar!ey (Sopa de Galinha Com Cevada), Roots (I\aízes) c
I'm Talláng ahou t /erusalelll (Estou Falando ele Jerus;Jlém J. que se pas-
ameacas. A dupla chega ahrmanclo que veio por ter uma taJefd
a cun~prir e começ~1 lc;go ~1 <tlélcar Stanlev, inclusive com um cha-
bólico interrogatório scu1 lll'\O que le1·a o rapaz a um ~c~sso de
••
sam no mundo em que ele cresceu, ele proleléírios judc:ns comunistas.
vVcskcr fez grande SIJCCSSO também com a peça Kitchen (Cozinha),
inspirada 110s :lllos em que ele trabalhou como pasteleiro IId cozinha
desespero que 0 Lv. agredir Colclberg. Para ac~llma: os cllllln:Js, a
ingênua l\rleg sugere que Façam uma festa de amversano para Stan- ••
ele um grande hotel londrino. Depois desses suce~sos iniciais e ele se
desapontar com o COillUIÚsmo, VVcsker escreveu ;I inda toda tll11CI série
le\·, que nega ser essa d cLILL
-Na ridíeuLI fesL-l 0 clima 1<1Í esquentando e, quando as luzes se
apagam, Stanley tent~1 estrangular Meg e estuprar Lul~1, senclo_clmm~
. . .
••
de peças, mas nenhuma com a força ou o interesse ela explos;}o Íllicial.
Um começo mais difícil, porém uma carreira mais signi!-lcativa
e duradoura, teve Harolcl Pinter (1930-2oo8), filho ele judeus portu-
melo por Goldberg. Na manh;1 seguinte, C?olclberg explica que S~a~le~
teve um problema carclbco e que ele propno e McCann o le\arao d
><
><
c
:J
••
••
(.)

gue~es que alteraram pc:Jra uma forma mais inglc:;a :;eu nome Pinto. um hospital, apesar de St;mk'). <!parecer bem_-vestido e barbeado, C(~n­ 'Ü
C/)
o
Em lugar ele uma uJliler.siclacle, Pinter entrou para a Rm;J] ,'\caclcrm tuclo incapaz ele Ltlar. Colclberg e Mccann chzem a ele, em l~m_dueto c;

of Dramatic Arts, lll<Js <Ihanclonou o curso peb metade.; I'ÍilClo Jli;Ii-~ que relembra o intcrrug;!tôr[o do primeiro ato, tudo o que tarac~ ~)c~J
tarde a COillpkl;í-lrl 11:1 ( l!ral Schonl nf
trabalhar hasta !I te c1 nno ator.
"',r, ' ! !',,:':L!., ; 1 . coisas ~e 111 Ill'\CI ,-1, qii<!i, ~,:,._, 1Td'2;C apenas con1 gn111hJdo,:,, l c tu
, 11 mLt tent1 Illlpcdir Cjlll' :-)Liiliu SCJ<I k\ado par;! \1111 granc!c C<lllo
}~

I •
prelo que os espera, 111a:; ( fr<Jc<l e IIJo consegue. f\ peça acaba com ><

••

T

Acusado de gratuita ambiguidade, Pinter afirmou que só escrevia o


Petey enganando Meg, dizendo que Stanley ainda está dormindo, para
que a vida à sua volta lhe dizia. Seu estilo é muito individual e, se ele
poupá-la da verdade.
parece ter sido muito influenciado, no in~cio da carreira, por Samuel
O primeiro sucesso de Pinter veio em 1960, com The Caretaker
Beckett, fica bem claro que en.controu caminho próprio quando já
(O Zelador), na qual um vagabundo, salvo de uma briga pelo quase
se fala, na Inglaterra, de um estilo "pinteresque". Depois de prêmios
débil mental Aston, se vê hospedado no depósito de jornais antigos
recebidos, entre outros, na Alemanha e na França, e doutoramentos
e ferro-velho em que Aston mora com o irmão Mick, esperto e pro-
em nada menos que dezoito universidades, Harold Pinter recebeu o
vavelmente vigarista. O vagabundo, querendo ter onde morar, tenta
agradar separadamente os dois irmãos, e os dois, cada um por si, lhe Prêmio Nobel de Literatura em 2005.
oferecem o emprego de zelador. Há, em surdina, uma violenta luta
pelo poder, mas o vagabundo não percebe que Mick na verdade é
muito ligado ao irmão, de quem cuida desde que este passou por uma
lobotomia frontal, e acaba expulso pelos irmãos. A força da lingua-
geii_l é extraordinária graças à permanente sugestão de um significado
maiOr em tudo que é dito.
Pinter escreveu uma série de peças em um ato, muitas para o
rádio, e tem grande impacto em 1965 com The Homecomíng (A Volta
ao Lar), em que um filho, que se doutorou e ensina filosofia em uma
universidade americana, volta à Inglaterra para visitar a família em
um bairro pobre e corrupto de Londres. Ele traz consigo a mulher,
também londrina e "modelo de corpo", como ela se define, antes do
casamento, e o texto dá a impressão de que esse filho só voltou por
ter a ilusão de possuir agora estrutura para enfrentar a família, princi-
palmente o pai. Na casa onde moram o pai, um filho cafetão e outro
muito burro e candidato· a lutador de boxe, não vivia uma mulher
desde a morte da mãe. Agora, a recém-chegada também "volta ao
lar", pois resolve- apesar de ter três filhos na América- deixar o
marido partir e ficar ela na casa como prostituta, mãe e cozinheira.
Ao longo da carreira, Pinter criou vários roteiros de alta categoria
para o cinema; porém, em 1975, ele escreveu outra peça memorável,
No Man's Lcmd (Terra de Ninguém). Esta é a mais noté'ível ele suas
chamadas "peças de memória", na qual as situações vividas remetem
para lembranças, sempre muito imprecisas, de fatos passados, que
poclern ou não ter tido lugar, e que põem em dúvida a verdadeira
identidade das p<:>rsonagens que. quase sempre. estão mentindo.,,
fim ele transmitir aos outros o que gostariam que eles pensassem a
seu respeito.
_.

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XI. ••
••
Américas
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América do Norte

O INÍCIO DO TEATRO nos EUA é interessante porque, na colônia


inglesa, a ocupação dos novos territórios foi centrada, de iní-
cio, em torno do que veio a ser o estado da Virgínia, e se espalhou
pelas boas terras do sul. Ali floresceu a agropecuária de alguns lati-
fundiários escravocratas, para lá foram enviados também os mesmos
degradados de que fala a colonização brasileira, e os que ali enrique-
ciam sonhavam reproduzir na colônia a vida inglesa, com os mesmos
requintes e passatempos. No final no século XVII, em grande contraste
com as amenidades do sul, estabeleceu-se na parte da colônia ainda 325
vazia, justamente a das áreas mais frias, um novo e diferente viés,
resultado do autoexílio dos puritanos, após a restauração da monar-
quia inglesa em 166o e, com ela, da religião anglicana. Esses novos
habitantes se instalaram na faixa do nordeste americano até hoje
chamada de Nova Inglaterra. Para eles, o trabalho e uma rígida vida
dominada pela religião eram tudo, e õ teatro, como praticamente
qualquer outra forma de diversão, era pecado abomim1vel. Na costa
oeste, que só mais tarde viria a ser americana, apareceu, com os espa-
nhóis, um tipo de teatro religioso (o mesmo que Anchieta utilizou no
Brasil), mas que também não foi determinante para o aparecimento
de uma atividade teatral regular.
O que torna o clima cultural da colônia no hemisfério norte real-
mente diferente do ele toda a América Latina, mesmo para o seg-
mento menos instruído c mais aventureiro, é a farta herança de
dramaturgia e atividade teatral recebida da Inglaterra. Data já do
século XVII o primeiro texto dramático americano (isto é, escrito por
•t
4
um habitante da colônia, na colônia) de que se tem notícia. De toda
forma, sempre apareceu alguma atividade teatral entre os colonizado-
A atividade profissional já estava ele tal modo difundida na virada G
do século XIX para o xx, que o esperto Charles Frohman orgamzou o
res e, mais tarde, foram bem-vindos os imigrantes de outras culturas, 4
que chamou de Sindicdto, na realidade urna firma de gerenci<1mento
também ricas em tradições teatrais.
teatral: a organização controlava salas ele espetáculo, atores e orgam-
41
Depois da independência dos Estados Unidos da América (1776) é
zava pautas, determinando o fim das vclh<1s companhias perman_en- 41
que, aos poucos, começam a despontar personagens americanas nos
tes. Em 1896, a firma já controbva trinta te<1tros importantes e muitos 41
textos teatrais. O prin1eiro dos quais foi o "ianque", personagem uni
outros menores e, em 1903, de costa a costa, direta Du indiretamente,
tanto rude, desastrada, sentimental, pão-dura, grande contadora de
controlavd setenta teatros e ainda determinava a pauta de um tot<d
t
"causos", ele fala regional, sempre patriota e com aquela esperteza
de cerca de setecentas casas. O Sindicato sempre foi acusado de ter t
característica de memoráveis personagens simplórias, como Schweik
ou João Grilo. Esse tipo teve uma grande consagração até o século
xx, sendo o torn dominante da carreira do ator \Vill Rogers, sucesso
a bilheteria como sua maior preocupação, dando preferência ao riso
fácil e à apelação, e o gosto duvidoso de Frohman favoreceu o apa-
recimento de uma outra organização, a elos irmãos Schubert, firma
••
no palco e no cinema, que brilhava pelo tom crítico, cuja assinaturd
que existe até hoje, também gerenciadora c produtora, porém mais
t
era a frase "Eu só sei o que leio nos jornais". O ianque teve incon- t
••
preocup<1da com a qualidade elo que era apresentado em suas salas.
táveis encarnaçôes, sendo ótimo veículo para comediantes, que o
Para gar<1ntir sucesso, os Schubert importavam para Nova York o que
explor<1vam ern monólogos e peças.
ele melhor havia em Londres, ou pelo menos o que alcançara mawr
Um pouco mais tarde, começa a aparecer no palco o mito do sel-
vagem nobre, mas o grande <lcontecimento foi, em 1825, o <ltor T.D.
Rice começar a imitar o jeito c as piadas de um velho negro, que cos-
tumava ficar na rua perto elo teatro onde ele atuava. Dessa imitação
sucesso, juntando o lucro ao prestígio.
Nos primeiros anos do novo século, como aconteceu na Europa,
no teatro americano- também com o objetivo de enfrentar o mfluxo

I
é que nasceu o minstrel slww, que pensam alguns ser uma tradição
ele montagens inglesas- começaram a aparecer grupos amadores on 32 7
I
semiprofission<1is interessados em apresentar repertórios ele maior
negra, mas sempre r(1i obra ele brancos com a cara pintada ele preto. I
A cara pintada chegou aos palcos e ao cincrna no séctdo xx com Al
Jolson, aliâs intérprete do primeiro filme falado.
categoria artística e em estimular uma clramdturgia americana. En~
H)04, levantou-se e1 icleia ele um "National Art Thedtre for Amenca
c alguns anos depois tentou-se novamente, agora com a direção cl e
••
O teatro cresceu ele tal modo no século XIX que nem a Guerra
Civil norte versus sul conseguiu interrompê-lo inteiramente, e jj
havia pelo nH.::nos uma grande família teatral, a dos Booth, n<t qual
Winthrop Ames. Seu primeiro cspctc'iculo foi Antônio e Cleópatra, de
Shakcspcarc, com os j(! consagrados Julia IVIarlowe c E.FJ. Sothern. ••
somente Junius Brutus, o pai, era inglês. Os trcs filhos foramuoLÍ\<..:is:
r•:clwin foi o mais famoso elos irmãos atores, Juuius Brulus ]r. tam-
O Ne\v Theatre, onde ~e apresentavam, tinha péssima actíshca, e
como o resto elo elenco era bastante clespreparado a ideia fracassou.
A insatisfacão co111 a mú qualidade aumentou muito na segunda
••
••
bém muito bem-sucedido, enquanto o insté'ível John vVilkcs acabou
década do sé:ulo, principalmente pela comparação com companhias
famoso por assassin~Jr Abraham Lincoln.
estrangeiras que visitaram o pab: o Abbey Theatre, ela Irlanda, apre-
O tedtro já era parte consagrada d<1 viela americana c, com tanta

••
sentou-se em 1911, a companhia de Max Reinhardt, em 1912. Houve
paixão que, ai11da no final elo século, em Philadelphia, dni.s Lm10.sos ~

toda uma temporada com a eomp<mhia inglesa de Cranville Barker


;Jtorcs ingleses csi:J\"dtl1 lllOIJLmclo l\!lacheth ao mesmo tempo, c ;1 ln!a
'que lll;tis tarde se cstJlJekTcrÍ;J rws Estados tinidos), em llJl'i, c <I ·ª
'~
cr1 ! rc os ;t( l Jll!. ;j(_,. :;'·•. · 11!11 ~· lllllro par:tcckrlJII!J~Ir
l qtldi' ,, llll'lito1
,

••

CUlll[Jdllhia elo\ iell\ c:uloitil)ll'C ele )acques Copeau, aprc:;eJltou-
chegou a p011trl de gcr~1r um conflito no qualmorrerJm dol'.c pcsso;Js.
-'iC cm 1917. T(;das cs~éls dcixdv;ml hem claro que o teatro poclw ser ;..-::

••
não só um entretenimento barato mas também, e mais ainda. uma de alto nível artístico, o Theatre Cuild, que ainda continua em ativi-
gratificante e enriquecedora experiência artística. . dade e que se tornou importante por trazer para a Broaclway textos que
Nesse movimento, grupos amadores começaram a aparecer em os velhos produtores não consideravam indicados para o teatro comer-
toda parte, inspirados pelo Chicago Little Theatre, criado em 1912. cial. Em 1919 é criada a Act(,.'rs Equity, agora um verdadeiro sindicato
Em 1914 aparecem os Washington Square Players, que montam de atores, depois de uma greve que parou os teatros (os técnicos de
Ibsen, Tchékhov e Shaw, além de autores americanos e, finalmente, bastidores já se haviam sinclicalizaclo desde 1891). Foram acertada: as
em 1916, nasce a memorável companhia dos Provincetovvn Plavers, condições elo contrato teatwl mínimo, com melhores salários e melho-
que monta Bound East for Cardíff (Rumo Leste, Para Cardiff), ~~ pri- res condições tanto nos ensaios quanto no espetélculo.
meira peça de Eugene O'Neíll (1888-1953) a ser encenada. O prolí- Os musicais, que mais ou menos por esse tempo começaram é!
fico O'Neill tem de ser enfrentado em separado: ele foi reverenciado alcançar popularidade, ser3o vistos e111 separado, e por isso vamos ver o
como autor de primeiríssima linha durante décadas; e embora hoje destino do teatro de comédia, ou falado, ou teatw straigh ou legílimafe.
em dia haja maior consciência de suas limitações, n3o se pode pôr ern Na década de 1920, os famosos roaring twentíes foram a consequência
dúvida sua importância. delirante do fim da Primeira Crancle Guerra e de dinheiro fácil, tão
O'Neill teve vida dolorosa e caótica, começando por ficar, aos fácil que acabaria provocando a lei seca, o império dos gângsters, e a
doze anos, morando em Nova York (com a mãe viciada em morfina). quebra geral de 1929. Durante essa década, o fator mais significativo
Seus estudos foram desorganizados, mas era leitor voraz e talvez por para o desenvolvimento do teatro americano foi a torrente ele estre1as
isso tenha escrito em incontáveis estilos e sobre muitos temas. O sucessivas ele peças do acima mencionado O'Neill. _.
autoengano, a ilusão e o desastre que disso resultava para a viela, no Evoluíram dramaturgia c interpretação; logo ern 1920 t01 mon-
entanto, é que parecem formar o núcleo ele sua criatividade, desde tado o histórico Ricardo m, de John Barrymorc, que dois anos depois
seu primeiro sucesso, Beyond the Horizon (Para Além do Horizonte). alcancou maior sucesso ainda com seu Hmnlet que, depois de ap1au-
Levado por seu irmão mais velho, O'Ncill teve uma juventude ele cliclo ~m New York, foi fazer sucesso em Londres. Vale lembrar que,
desmandos, com bebedeiras apoteóticas e gr~mcle Frequênci;~ a bor- assim como até a clécacb ele H)jO, os atore~ brasileiros, a fim de screJJJ
déis; e parece ter p<lssaclo a vida com·enciclo de que lucléts <l'i prosti- tomados a sério, fala\all1 cou1 um leve sotaque português, todos os
tutas têm coração ele ouro, como em A.na Christie. atores americanos, até o início da década ele 1940, usavam algo pare-
É impossível fazer um panorama realmente satisfatório ela car- ciclo com o inglês ela lnglaterra para montar peças ele maior categoria
reira de O'Neill, que atravessou décadas: ele usou o e\:prcssionismo, e serem aceitos como intérpretes de primeira linha.
as máscaras, experimentou técnicas como as ele Stronge Jnter{ude Outro grande estímulo 8s encenações de maior qualidade fui a visita
(Estranho Interlúdio), mas há toda a série ele peças em ~1ue O'Neill elo Teatro de Arte ele Moscou em 1923, pois mesmo em russo o lrabalho
explora suas próprias e variadas experiências. Essas pec,.~as são as mais da equipe foi suficientemente forte para deixar a marca do ~nétoclo ele
espontâneas e satisfatórias, que resultam, j<1 no fim cLt \·icLt, em sua Stanislávski em todo o clesem·olvimento subsequente ela mterpreLt-
verdadeira obra-prima. Long Days' Joumev into Night (Jornada de ção americana. Dois de seus elementos, o diretor Bolcslá~ski e a atri1.
um Longo Dia Noite Adentro) faz um doloroso retrato ela \·ida cn1 tvlaria Ouspenskava permaneceram no país, fazendo carrena no teatro
família, em um verão em Croton, no estado ele Connecticul, qtt;mclo e 110 cinema. A eles se jnnlott Lnnhém J\llichael Tchéklw\·. sohrml1n
:>U!Or. Cl\IC atur>\1 C C i >';jJI ! r·o111 i~r;mdc S11CC'SSO.
a mãe \'Olt~l e~o \Ício cb droga.
l':m lCjl<), cicme11los doe;. \Vashingtou Squarc PLl\ t·rs. que hclvia Pouco ~lepois foi fundado o i\merican Repcrtory Theatrc, que
falido, fundam a primeira comp<mhia profissioml clcdic](Lt 'ltlll1 tc~1tro ctpresentou Shakespe~nc, T\:.-;cll. Tchékhov e até mesmo o Crru1w ele
..
t
4
Bergerac, de Rostand, entre outras obras de natureza não comercial. escreve What Príce Glory? (O Preço da Glória) que o notável crítico 4
A atriz Eva Le Galienne organizou sua própria companhia, o Civic George Jean Nathan considerava a melhor de todas as peças escri-
Repertory Theatre, com atores experientes, estreando com As Três 4
tas sobre a Guerra de 1914. No mesmo ano O'Neill escreve Desire
Innãs e, contra todas as previsões, e um incrível desinteresse da crí- under the Elms (Desejo), e ainda um outro autor aparece também
t
tica, manteve o grupo intacto por seis anos e 34 produções. para retratar a vida americana, Sidney Howarcl que, em 1?24, escrev.e 41
De maior sucesso e duração é o Theatre Guild que, com elenco
chefiado pelo famoso casal Alfred Lunt e Lynn Fontanne, não só foi
They Knew What They Wanted (Eles Sabiam o Qve Quenam) e mars
adiante The Silver Cord (O Cordão de Prata), ambas de grande sucesso. ••
••
o grande promotor das obras de Shaw nos EUA, como também res- Um aspecto que evidencia o diálogo mais íntimo com a cultura
ponsável pela descoberta de The Addíng Machíne (A Máquina de americana é o fato de essas peças começarem a ser transpostas para
Somar), uma farsa experimental expressionista, de Elmer Rice, que
o cinema.
conta a história de um antigo "guarda-livros" - como era chamado
então o contador- que fica revoltado ao se ver substituído pela
máquina de somar. Rice foi mais tarde consagrado por sua super-
É significativo falar sobre o clima em tomo da época do crash ele
1929 e a crise que a ele se sucedeu; a Revolução Russa e a insatisfação ••
-realista Street Scene (Cena de Rua), que vê as condições de vida da
pobreza como uma espécie de prisão. George Kelly alcança reco-
com a "guerra que acabaria com todas as guerras", como se dizia a
respeito da de 1914-19, tinham provocado um~ onda ~e preocupaç.ão
com problemas sociais e políticos. Quando a 1sso se Jtmtaram a cnse
••
nhecimento em 1925 com Craíg's Wífe (A Mulher de Craig), vence-
dora do Prêmio Pulitzer, uma crítica já muito americana à mulher
que cultua as aparências e o dinheiro em prejuízo de qualquer sen-
de 1929, a ascensão de Mussolini na Itália ainda nos anos de_1920 e a
de Hitler na Alemanha no início dos anos de 1930, estava cnado um ••
.)0
timento de solidariedade humana.
Por essa época começa a aparecer um tipo de comédia americana
clima de inquietação que afetou profundamente o teatro nos EUA.
Dentre suas importantes datas, os anos de 1920 viram o apare-
cimento do Harlem Renaissance, que montou peças de negros e/ 33 1 ••
mais refinada elo que as que antes exploravam o ianque e outros tipos
regionais. O mesmo Kelly faz um retrato crítico, mas amoroso, elos
ricos ele Nova York em Holiday (Férias). Sua carreira se prolongou
ou por negros, tais como o famoso Green Pastures (As Pastagens
Verdes) de Marc Connelv, uma visão onírica de Deus, do céu e ela ••
••
vida no 'paraíso por uma c.omuníclade negra paupérrima. O Senhor,
por muitos anos c, em 1939, ele escreve sua comédia mais famosa,
"De Lawcl", grafia de The Lorcl que o autor encontrou para sugerir
The Philadelphia Story (A História de Filadélfia), que Katheríne
o sotaque dos negros do sul, aparece de sobrecasaca, como usaria o

••
Hepburn fez no palco e teve suficiente visão para comprar pessoal-
pregador das igrejas que frequentavam. A peça mostra que a visão q~1e
mente os direitos para o cinema, onde atuou com Cary Crant e )ames
aquele grupo tem elo paraíso é a ela vida quotidiana que conhecia,
Stewart, dois dos maiores astros da época.
apenas um tanto mais confortável; a humilde dimensão elos sonhos
Foi ainda nos anos de 1920 que começou outra carreira, ainda mais
bem-sucedida, a de George Kaufman, que via de regra optava por
de luxo daquela comunidade fica expressa na ideia ele que De Lnvcl
fuma um "ten cent cigar", ou seja, um charuto de dez centavos, ••
••
escrever em parceria com outros autores e criou uma série enorme ele
muito caro para eles. O mesmo grupo apresentou depois o Emperor
sucessos; Talvez o mais lembrado desses seja You Can't Take It wíth
fones (O Imperador Jones), ele Eugene O'Neill, interpretado pelo
You (Do Mundo Nada se Leva), de 1928, que se tornou também um memorável ator e cantor Paul Robeson. "'
"'
.~
cl<íssico do cinema, com direç;Jo elo notável Frank Capra.
O teatro mai:; :;ério também progrediu durante esses louco.s anos;
em 1924 Maxwell Anclerson, em parceria com Laurence Stalling,
Den1To elo <:'sqnemél do \\"mk Progress Aclministration, o esqucnw
de Franklin D. Roosevelt, eleito em 1932, para reerguer a viela t·co-
.
,~

< ••
nômica elo país, em crise desde 1929, foi criado o Federal Theatre ~

••

1

Project, que promoveu espetáculos de clássicos, bons autores euro- tão chocante para a época que, indo para Hollywood, onde adqt~i­
peus modernos e novos autores americanos. Estes eram compro- riu o título These Three, a acusação passou a ser apenas de seduçao
metidos com problemas sociais, e levaram o FTP a criar o Living por uma do noivo da outra. Em 1937, Hellman escreve The Little
Newspaper (Jornal Vivo), uma forma de agít-prop em que as notí- Foxes (A Malvada), que pr'evisivelmente, para quem se declarava
cias recentes eram debatidas no palco. A popularidade e a liberdade radicalmente de esquerda, denunciava os piores aspectos ela ganân-
do FTP foram sempre combatidas pelos republicanos no Congrc::so, cia do capitalismo. Lilian Hellrnan, principalmente graças às suas
que acabaram conseguindo fazer passar uma lei acabando com suas primeiras peças, foi chamada a "Ibsen" ou a "Strindberg" dos EUA.
atividades em 1939. Sua carreira foi longa, fez traduções como a do Canto da Cotovia, de
A dramaturgia que começa com a crise se manifesta também .A.nouilh, foi responsável pelo delicioso roteiro de Candide, adaptado
como um repúdio ao número excessivo de peças inglesas importa- de Voltaire e musicado por Leonarcl Bernstein, e assinou incontáveis
das, como ao de peças americanas que acabavam parecendo apenas roteiros cinematográficos. Nos anos ele 1950, com o inefável senador
peças inglesas escritas nos EUA. O movimento mais significativo foi o I'v'IcCarthv na Comissão de Atividades Antiamcrícanas, Hel1man foi
imediata~1ente inserida na notória lista negra que tirou o emprego
do chamado Group Theatre, fundado em 1931 por Harold Clurman,
Lee Strasberg e Cheryl Crawford, cuja base foi não só o engajamento de atores, autores e diretores.
Logo depois, e nada engajada em questões políticas, uma outra
com a temática social como também um conhecimento mais pro-
fundo da própria arte dramática, a respeito da qual até então pouco autora, Clare Booth Luce, faz urn retrato divertido, mas venenoso,
da sociedade em que penetravam os novos ricos, nos EUA, chamada
havia sido publicado. O grande exemplo para o grupo era o do Teatro
de Arte de Moscou e o tipo de interpretação criado por Stanisléívski, e ele café society, em The \Vomen (As Mulheres), que Dulcina montou
ele se tornou muito exigente na formação de atores e revelou muitos no Rio de Janeiro com grande sucesso.
No final da década dos anos ele lC)30 c principalmente IlOS anos
atores e autores. O principal entre esses últimos foi Clifforcl Odets,
de 1940 , o teatro americ,mo produz Ulllél safra riquíssima ele Ciulorcs.
que teve seu primeiro grande sucesso com Awake ancl Sing, i/\ Vida
Muito conhecida 110 Brasil c marcamlo o início d'O rL1blado é Our
Impressa em Dólares); retratou a luta elos mm·imcntos sindicais em
Tmvn (Nossa Cidade), ele Thornlo11 Vv'ílclcr, muitas n?cs considcréld'l
Vlaiting for Lefty (Esperando Por Lefty) e os cstragm c<Im<~c!os pela
a peç~ mais lida e mais montacb ele todaa clrawaturgia americana.
ambição em Golden Boy (O Menino ele Ouro), em que o protago-
Usando recursos antirrealistas, poucos elementos concretos c bas-
nista, por cujo talento a família se sacrit1cou, troca o violino pelo
tante sugestão mímica, \Vildcr conta uma história simples da ~ida
boxe, por este trazer dinheiro e sucesso tão fáceis quanto destruidores.
em uma cidade pequena, por 111CiO de urn elenco que cobre v;1nos
Se a década de 1920 acabou com o crash de 1929, a dos anos de
tipos de atividade e modos de vida. No início dos anos de 1940 /ele
1930 acaba com o início da guerra na Europa, em 1939. Os ameri-
escreve The Skin of Our Teeth (Por um Triz), uma deliciosa lmtona
canos só participariam dela a partir de 1941, com o ataque japonês a
ela humanidade em três atos, o primeiro se passando na Idade do
Pearl J-!arbour, mas aos poucos ela foi se fazendo presente em suas
Gelo, o segundo durante o Dilúvio e o terceiro na guerra.
vielas. E nos anos ele 1930 que o teatro começa a ser rcalmciltc ame-
A principal figura a aparecer, nos 1940, é Arthur I'v'ldler (191 s-
ricano. Em 1934 desponta no horizonte uma importante cbtm<Jturga,
2oos )_ l)rilh<m te seguidor ck Ib~c1 1, com um sólido real ísmo nnulo
Lilian 1-lellman, que fascinou e chocou o público nm;I-ior(jl!Íllo com
·1 \ ] c1 · 'l'1·1i·· 11in ·1k
h(_'1l) ~-' ;_t ;nr~l(_ n p:lr:1 \c·~]] 1" ·.. l'rc '111:1:~ :; \ '·' .l
The Children's Uour (Calúui;1). a história de 11111;1 111C11itL' nd r •• '

~olucões suas mas, antes, desafios ü platcia. Miller estreu cn1 1944
que destrói a carreira c até mesmo a vida particular de dtws professo-
collJ,lllll retumlxtiltt 'lhe: :\lcw V/ho Hucl :\11 t!?c: [,uc/; tO
ras, fazendo correr um boato de lesbianismo no colégHl O !CIIla crél
'111

4
4
Homem Que Tinha Toda a Sorte), que fala de um jovem neurótico denunciar o macarthismo de forma absolutamente objetiva. Com 4
que, obcecado pelo fracasso de outros, se fixa na ideia de que alguma base em fatos acontecidos entre os puritanos fundadores da Nova 4
desgraça está por atingir seu sucesso nos negócios e no casamento. É Inglaterra, Miller defende a liberdade de pensamento e denuncia o
em 1947 que Miller alcança pela primeira vez algum sucesso com Ali culto da aparência e da hipocrisia, com uma trama que é tão mais
4
My Sons (Eram Todos Meus Filhos), que trata de responsabilidade universal por ser absolutamente contida em si mesma, e se trans- 4
e culpa: o jovem Chris quase enlouquece, duran!e a guerra, quando forma em uma história exemplar justamente por ser exclusivamente 4
descobre que seu pai, para aumentar sua margem de lucro, fabrica uma obra de arte, e não um veículo de fórmulas moralizantes. A
histeria anticomunista usada para os pouco informados deixarem ele
4
com equipamento defeituoso aviões para a Força Aérea. Responsável
pela morte de 21 pilotos, ele ainda tenta botar a culpa no sócio. O identificar as verdadeiras causas de problemas na vida americana é 4
desespero de Chris atinge o auge ao saber que seu irmão, piloto, foi magistralmente retratada pelas adolescentes que se dizem tomadas 4
dado como desaparecido em ação; ele se suicida, tentando expiar o
crime do pai, e este acaba se matando também.
pelo diabo para que todos se esqueçam de sua verdadeira transgressão
do ritual puritano, as danças na floresta, ao luar, com leves toques •«
A consagração de Miller vem em 1949, com sua, hoje clássica,
Death of a Salesman (A Morte de um Caixeiro-Viajante). Willv Loh-
man, que passou a vida acreditando no mito americano de .que o
vendedor tem sucesso quando consegue que todo mundo goste dele,
sensuais de vodu jamaicano. O resultante sacrifício de bons cidadãos
mostra os tentáculos da mentira abraçando toda a aldeia, cobrindo
mentira com mentira. A importância, o alcance e a qualidade de The
Crucíble são atestados pelo número de vezes que o texto é montado
••
t
cria seus dois filhos no culto da popularidade, mas Happv é um
"boa-vida" que não faz nada, e o musculoso Biff não conseg~1e ficar
empregado. Willy, a ponto de começar novo tour de vendas, está
nos mais variados cantos do mundo.
O período dourado da carreira de Miller ainda produziria amemo-
rável A View from the Bridge (O Panorama Visto da Ponte), que
••
exausto, mas não quer enfrentar o fato de que outros vendedores, mereceu no Brasil uma histórica montagem pelo TBC. Miller usa 335 t
com novas visões ele vendas, já o deixaram para trás. Quando Biff e
Happy têm mais um sonho impossível, Willy tenta pedir um adian-
aqui sua forma mais flexível de realismo, misturando a ordem ela
narrativa feita pelo advogado que acompanhou os acontecimentos
I •
••
tamento ao chefe da firma para financiar os filhos, mas descobre que e suas consequências. Eclclie Carbone, casado com Beatrice, criou a
está sendo despedido. O que seria um jantar ele congraçamento se sobrinha Catherine, agora com dezessete anos, e nutre por ela um
transforma num pesadelo ele conflito e Willy se lembra ele quando amor que nem ele mesmo reconhece como incestuoso. Quando
ele perdeu a confiança de Biff, que o encontrou com uma prosti-
tuta em um hotel, durante uma de suas viagens. Sem saída, \rVillv
se mata em um desastre de carro para a família pagar as dívidas co1~1
Beatrice abriga em sua casa dois primos sicilianos, imigrantes ile-
gais, enquanto eles esperam papéis falsos com que tentar ganhar a
viela nos EUA, Eddie fica desesperado de ciúmes quando Roclolpho
••
o dinheiro do seguro e recomeçar. Quando a dedicada Linda, que
sempre apoiou Willy, mesmo conhecendo seus erros e limitações,
e Catherine se apaixonam.
Sem querer admitir a verdade ele sua reação, Ecldie combate o ••
diz aos filhos que estão com a ficha limpa, Happy resolve ir para 0
oeste, trabalhar em uma fazenda, mas Biff opta por ficar em Nova
York e realizar o sonho ele Willv.
namoro, acusando o rapaz de ser homossexual e, não conseguindo
acabar com o romance, denuncia os dois jovens sicilianos ao Serviço
ele Imigração. A situação ele Rodolpho é salva por um casamento pre- "'
"'
.;:
••
Em 195:; Arthur Milkr prodt;z outra obra-printa. Ulll<l th, Jll<Jim(·s
peças de todo o século XX, 'lhe Crucible (As Feiticeiras de Salélll ). A
cipitado, mas o irmão. ]'vlarco. que s6 queria ganhm dinheiro para
em ia r~~ sua t~mülia na ltália, tem de partir. ludignado com a traição
'~
< ••
peça é extraorclin<'iria por v<'irios motivos, não o menor deles\ I i !ler ele Eddie, l'vlarco quer pedir-lhe satisfac;õcs. A sobrinha e o marido, x
••

temendo o pior, querem evitar o encontro dos dois e, no auge da mas sua carreira entra em dêclínio, e mesmo escrevendo sem parar,
crise, Beatrice explode e faz Eddie reconhecer seu real sentimento; ele nunca mais tem real sucesso.
a indignação e revolta de Eddie contra si mesmo são tais que ele Um aspecto elo teatro americano do século xx a ser notado é o
propositadamente sai para ser morto por Marco. da sua pura e simples quantidade. Herdeiros, como já dissemos, da
Essas peças são o melhor de Miller, que continuou a escrever tradição dramática e teatral ela Inglaterra, desde o século XVIII os
para o teatro, mas com menor frequência e sem nunca rnais voltar americanos escrevem para o teatro; no século XIX produzem ainda
ao nível dessa época. • mais e no século xx os autores são centenas: no cinema, no rádio
Tennessee Williams (1911-1983) também aparece nos anos de 1940. e na ~"'V, o mercado para a fonTJa dramática é imenso, e a facilidade
Como Miller, ele também começou a carreira com un1 fracasso mas, elo uso das formas realistas ajuda. Os autores de peças rotineiras para
em 1945, foi montado o seu primeiro sucesso, The Glass i\1enagerie a Broadwav são dezenas on centenas, e não se pode ignorar quan-
(traduzido no Brasil como Algemas de Cristal), que enveredava por tas são esc;itas sobre e para a realidade americana. Toda a mais que
um caminho que até então o teatro americano não trilhara: em um prolixa carreira de um autor como Neil Simon (1927-), cuja compe-
melancólico retrato da decadência do sul dos EUA, mesmo usando tência em técnica e humor é indiscutível, fala de americanos para
um tom lírico, o autor fala, com a maior franqueza, a respeito de americanos, e ele coleciona sucessos de bilheteria. A partir elos anos
sexo. Os disfarces sulistas em torno da repressão sexual, em conflito de 1960, infelizmente, o teatro da Broadway passa a ser um mundo de
com um mundo que abandonou as mesuras e as hipocrisias, aparece, negócios, e um alto percentual do que é ali apresentado se inclui na
ainda mais, na obra seguinte de Williams, a consagrada A Streetcar chamada dramaturgia para o tired busínessmcm.
Named Desire (Um Bonde Chamado Desejo), objeto de inúmeras Na verdade, parte da responsabilidade pela rnediocridadc do tea-
montagens no Brasil. Aí, como ao longo de toda a sua carreira, ele tro na Broadway recai sobre as exigências dos vários sindicatos, que
foi fiel ao mundo sufocado por problemas sexuais, pelas frustrações, determinaram a certo momento, por cxernplo, que A TemfJestcide,
repressões e homossexualismo, ostensivo ou não. de Shakespeare, teria de ser classificada como um musical porque
Ele mesmo, de quem o pai debochava chamando-o "Mi~s Nancv", as canções duravam mais de 4,5 minutos ou coisa elo gênero. Sendo
foi o conflituoso produto elo infeliz casamento ele uma pudica t1Ú1a musical, além elos executantes elo que é ouvido em cena, é obrigat<í-
de pastor protestante com um mulherengo incuré'ível. Assim, foi ria a contratação de uma segunda orquestra, míni rna, que fica sem
sempre, em última análise, o seu mundo individual que o inspi- fazer nada, mas cujos componentes podem ser charnados no caso de
rou. Entre outras, em 1948, ele escreveu Summer anel Smol:e (O urn músico ficar doente. Foi atingido ornais alto nível ele par<~noi<l
Anjo de Pedra) e em 1951, The H.ose Tattoo (A Rosa T~ltuacla) Cal quando o sindicato passou a querer que a tal orquestrinha fosse con-
on a Hot Tín Hoof (Cata crn Teto de Zín~o Quente) é ele, 1955; tratada mesmo quando a música fosse gravada. Disparates scrnelha n-
Orpheus Descendind (Orfeu Descendo) e Suddenly Last Summer tes de exigências sindicais é que tornam o custo de um espetáculo
na Broadwav ele tal monta que ou <l plateia está lotada todos os chcts
(De Repente no Verão Passado) ele 1958, c S1veet Bircl o{ 'louth (O
ou o espetá~ulo tem de ser suspenso (e é muito alto o percentual de
Doce Pássaro da Juventude), ele 1959· Ele abandona o Sul como
temática em 1961 com a pe~~a The Night o{the Igumw (A Noite da fracassos que terminam em três dias).
Foi graças a esse tipo de condições p;na e1 rnontagem qt~e apareceu
Iguana), que transcorre no México e, a seguir, em 196-:;. em Tlze
lllll I !OVO ciclo no tcltro ~lll!CTÍC:Illll. o dm cspcLículos ''off-Bro,tc\lld'
!'vlilh Traín Doesn't :-;to{! flere Annnore (0 TtTIII elo l .cilc '\';·líl
e "off off-Broadway''. No primeiro caso, o teatro pode até ser na pró-
ivlais Aqui), a ::Jçào transcorre na Itc'ília. Depois disso, \Villlaltls con-
pria Broadway, mas não pode ter mz1is ele 199 lug;nes; dentro
tinua até o fim voltado par<l o sexo como salv<ldor ou clc~tnJiclor,

'111111

I
limites os sindicatos abrem mão de uma série de exigências. Mas
todos os atores são equity, quer dizer, profissionais sindicalizados. Já
os espetáculos off off são em salinhas alternativas e têm elencos ao
Depois disso ele passa longos períodos sem escrever, mas alcan~a
considerável sucesso quando retoma com Three Tall \Vomen (Tres I •
menos parcialmente amadores ou quase.
A verdade é que ninguém pode montar peças experimentais
quando abrir a cortina custa muitos milhões de dólares, e talvez
Mulheres Altas), e sua carreira ainda continua. .
A ausência ele formas mais experimentais, no entanto, não 1mped~
que aconteçam na dramaturgia americana, e mesmo no que ch~ga a
••
Broadway, mudanças correspondentes ao quadro soe1al: a eufona elo I
••
seja essa a causa de um número menor de experimentos formais
no teatro americano. Mesmo assim, a Broadway continua a ser o final da Segunda Guerra Mundial vai aos poucos se desgastando, nos
lugar onde melhor se pode observar determinados fenômeno~ tea- anos de 1950 a guerra ela Coreia já dá uma freada no tom de festa, n1Js
trais, dividindo o panorama em três categorias bem definidas: no
teatro de comédia, o que domina é o repertório para o homem de
é a guerra do Vietnam que marca definitivamente a mudança ele tom,
0 clima desencantado e sombrio que se torna a marca regtstra~a ele
todos os melhores autores que vêm aparecendo nos Estados Umd~s.
••
••
negócios cansado, que contínua no mesmo tom não importa o que
aconteça; a par disso, um espaço cada vez maior é ocupado pelos David Rabe (194o-), por exemplo, escreveu sobre a. guerra: 1 he
musicais; enquanto uma parcela pequena, porém teimosa, aincb Basíc Trainíng o{ Pavlo Hummel (O Treinamento. Básico ele Pavlo

••
oferece textos de alta qualidade, esses sempre condicionados ou Hummel) mostra a violência que prepara o endurec1mento elos recru-
por uma consistente consagração do autor, elenco este lar, ou pelo tas, humilhados e torturado::: por sargentos s<'ídicos que aleg~m e~tar
caminho do sucesso fora da Broaclway. formando assim soldados prontos para a guerra e, a seguu, Stzcks
O "off-Broaclway" propiciou o aparecimento ele toda uma geração
ele novos autores, a partir, por exemplo, de Edwarcl Alhee (1928-).
anel Banes (Paus e Ossos), que começa com uma família recebendo
em casa, e tendo de assinar o devido recibo, um caixão com o filho
que morreu no Vietnã. O mais surpreendente e claro choqt~e dessa
••
Albee é um caso estranho: sua primeira peça The Zoo StOJ)' (A Histó-
ria elo Zoológico) não foi aceita por ninguém, nem off-Broadwa\·, c a
primeira montagem foi alemã. Só depois ela apareceu nos EU•\, fora
mudança é a montagem de Hair, de James Rado (1931-) e Cerome
Ragni (19 4 2-1991), que estreia off-Broadway em outubro ele 19?7 e na
)39
••
cLr Broadway, o mesmo acontecendo com The Amerícan Dreu111 I()
So11IJO i\mericano ), de 1<)61, que já chamou nm i ta aten<.;:ão e ganiHJU
Broadw;w em 19 68, acabando por L1zcr sucesso no mundo mtctro,
mas que .nos El!A tinha um significado e:;pccial, Í<Í que tudc~ gn<l\.1
em torno da queima do cartão de inscrição no serv1ço mtl1tar em
••
prêmios. Em 1962, com o prestígio elo que já tinha sido visto de
seu trabalho, Albee estreia na Broadway com sua obra-prima \V/w ·s
Afraid of\lirginia Woolf? (Ou em Tem J'vledo de Virgínia V/oo]f? )_ na
sinal ele protesto contra essa infeliz guerra. . .
i\'lais recentemente, o ganho como único obJetivo, com o sacufi-
_. ,
••
qual ele mostra um casamento só preservado pela constante ence-
nação de um ritual ele violência verbal, crise e reconciliação, e pelo
cio de todo e qualquer valor humano, também ~c tomou tema favo-
rito e aparece em peças como Other PeofJlc's Money ~O Dmhe1ro elos
Outros), ele Jerry Sterner (1938-2001), que também fm apresentada no
••
••
mito da existência de um filho. Corn excepcional justeza ele comtru-
<;,::io e diálogo a um tempo enxuto e brilhante, a peça foi un1 triunfo circuito off-Bro~1dway crn 1989. A peçcl mostra a indiferença com que
llnmdial no palco e na tela. companhias especiaÍizadas'compram f:tbricas que estão beirando a
t\ carreira ele i\lbee é muito desigual: logo depois ele Virgimo \\ (;u//
,_·lc C\CrCTCll Tinr ,\/ice í \ Pc'lfllCJI:t \ltc-c)_ tllll~l cstrd!ilt:t h_ t'!·rt" ,
~111tbul1~ta à qual nittguém consegue dar sentido, mas VIII ll)(J6 c'ie
falência e:\clusi\·amentc para clcsmonLí-Lls c vender separadamente
toclos os suts compnncntcs t' cquip;m1cnlo ..'icm levar em conta;ls
I . . , ,·1. l_'!i:~··r· J\ ~(!"l ;1l'~hfic~Jti,·(! ~;Jn os J.C\Cl-
'./";
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lonu a brilhar com A Delicale F3C!lancc (Um Equilíbrio Dclic;~dt': ni~tas. quc'c1ucrcm lucro, c 1~iio se pode brincar ou ser sentimental
com o dinl1ciro clm uutrm, r;tôo que cU lítul() ~~ ]K'<,:d.
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:;; ••
••
Não há limite para a forma ou para os temas desse novo teatro restou para quem quisesse entrar no ramo do entretenimento foi o da
americano, a não ser pelo fato de ele ter sempre alta qualidade em apresentação de espetáculos musicais, que obtiveram muita popula-
produção e interpretação, e mesmo assim cerca de 70% dos espetácu- ridade. Assim nasceram o nwsíc-hall inglês e o americano e, depois,
los que abrem na Broadway fecham em três dias. A linha de interpre- já no século XIX, quando desapareceu o privilégio para o teatro de
tação americana é menos sofisticada que a inglesa, e é bem verdade prosa, começaram a aparecer espetáculos nos quais as canções eram
que os ingleses têm mais preparo para peças de época ou obras de ligad;~s por um fio de enredo, mera desculpa para ligar os números.
estilo; mas em termos de realismo, é muito difícil bater os ameri- Confirmando o surrado e dúbio mito ele que há males que vêm
canos. Esse alto nível é conquistado ao custo de uma média altís- para o bem, em 1866, uma companhia francesa de balé, ao chegar
sima de desemprego de milhares de profissionais. Como disse Dustin a Nova York, constatou que o teatro em que ia se apresentar tinha
Hoffman ao ganhar um Oscar, há uma imensa dose de sorte, de sido destruído pelo fogo; um empresário esperto juntou as dançari-
oportunidade em obter um pequeno papel no qual o ator é notado, nas a um melodrama barato, The Black Crook (O Vigarista Preto),
por exemplo: ele dedicou o Oscar a todos os outros atores que ele que contava a história de um vigarista que fizera com o Diabo um
considerava terem tanto talento quanto ele, mas simplesmente não contrato que lhe entregaria uma alma por ano. Luzes, dançarinas de
tive,ram a sorte que abriria a porta do sucesso. collant, cenários espetaculares criaram não só um estouro de bilhe-
E preciso notar que há também um incontável número de autores teria como também outorgaram ao espetáculo o título de "primeiro
mas creio que há dois que merecem atenção. Sam Shepard (1943-) musical americano".
tem mesclado alta consagração crítica com ocasional insucesso na É preciso pensar também no sucesso das operetas na Europa e que
bilheteria. Intensamente crítico da cultura americana, já escreveu com frequência viajavam para os Estados Unidos, no original ou em
sobre todo o leque de temas favoritos: o oeste bravio, os conflitos fami- tradução: em 1906, a Viúva Alegre', traduzida, foi um sucesso estron-
34 1
liares, o sonho americano, a aparência e a superficialidade. Como doso. Durante a primeira metade do século, o music-hall, de atos
ator e roteirista cinematográfico, Shepard tem tido bastante sucesso, variados, com música e dança, e o que veio a ser chamado de revista
mas sua carreira de autor anda um tanto bissexta. (com espetáculos anuais referentes a acontecimentos do período)
A partir dos últimos anos do século passado se tem destacado ainda foram muito populares.
David Mamet (1947-), cuja crítica aos valores americanos é bem mais Parece ser inevitável a confusão que se dá quando um gênero
incisiva: um diálogo ágil, enxuto, preciso já marca o seu primeiro passa ele um país para outro; na França, sua mãe-pátria, o vaudevílle
grande sucesso, Sexual Perversity (Perversidade Sexual). Glengarry era uma farsa na qual eram introduzidos números musicais mais
Glen Ross, outro grande sucesso, revela um quadro assustador de ou menos irrelevantes, mas nos EUA o nome parece que começou
desonestidade e traição na busca de sucesso pelos corretores de imó- a ser usado para dar um ar um pouco menos grosseiro, ou mais ele-
veis de uma mesma firma. Mamet é implacável, e sua carreira está gante, a um tipo de ato-variado grosso e fácil; eles passaram a ser
em pleno desenvolvimento. Ambos os autores já entram pelo século apresentados em cafés-concerto dedicados a plateias masculinas e,
sabidamente, áreas favoritas de prostituição. Aos poucos, os espetá-
XXI fora do escopo aqui previsto.
O musical é uma das principais vertentes do teatro americano no culos foram se sofisticando, em forma e conteúdo, até se tornarem
século XX, e a principal contribuição anglo-americana para o teatro.
O teatro musicado n:m a ser produto de uma proihi\·Jo d() <;(·ctd<.l ><'.j , 1 í·i~ 11 i~i!. 1 Jh, lusf i~.,· \\'i /11 c. ( )i,~ ::. ·( :.; •.:: 11 l1t··, ;!lo~. dr • ;!ll'd·rí~ICO Fr;111~. I :c_! 1;ír.
com libreto de Victor Léon c L<:o Stein. () espct<kulo é um enorme tnunto desde
XVII: depois da Restauração da monarquia, em 166o, só dois teatros sw1 estreia. em \'iena. em ,a de dezembro ele t<JOS. e a obra é imediatamente
em Londres tiveram pcrmissão de montar peças. O caminho que representada em ontros países europeus c do <IHtmlo.
'11

~
4
o grande entretenimento da classe média americana: o pai adotivo
de Edward Albee, Reed Albee, por exemplo, era um dos principais
bem-sucedida. O engajamento social dos anos de 1930 chega ao musi- 4
cal com Johnny Johnson, de 1936, uma obra pacifista e expressionista ~
sócios de uma firma dona de uma cadeia de casas de vaudeville.
de Paul Green, com música do recém-imigrado Kurt Weill. Em 1938
Também não é possível esquecer que essa foi a fonte de formação, a
grande escola de incontáveis comediantes americanos como W.C.
Weíll escreve a música para Kníckerbocker Holíday, única aventura
musical de Maxwell Anclerson, da qual faz parte, composta pelo
•4
Fields, Eddie Cantor, George M. Cohan, Will Rogers, e que, com o
tempo e a respeitabilidade, essas casas abrigaram talentos como Alia
alemão, aquela mais americana de todas as canções americanas, 4
September Song. Em 1941, o mesmo \Veill compõe a música para ~
Nazimova e Ethel Barrymore, para não falar da vedete Líly Gantry.
Lady in the Dark (Uma Dama no Escuro), um musical psicanalí-
Nos anos de 1920 o musical estava fazendo grandes progressos
tico esplendoroso, com atuação de Gertrude Lawrence, no palco, e ~
em forma e conteúdo e, aos poucos, foram aparecendo aqueles nos
quais as músicas não só eram integradas na ação, mas usadas para
ele Ginger Rogers, no cinema (onde fez falta Danny Kaye, que no 4
fazer a ação caminhar, ou seja, usadas como elemento da estrutura
palco cantava o divertido número Tchaíkovsky). 4
Em 1943, Rogers e Hammcrstein fazem história com a estreia de
dramática. Na década de 1910, compositores como Rudolf Friml e
Oklahoma!, tida por muitos como o nascimento do que veio a ser
4
Sigmund Romberg foram responsáveis por famosos sucessos como
Rose Marie, The Vagabond Kíng (O Rei Vagabundo) e The Desert
chamado o musical americano. A história, cujo enredo foi tirado elo 4
Song (A Canção do Deserto), todas essas beirando a opereta; mas
romance de Lynn Riggs Green Grow the Lilacs (Os Lilases Crescem ~
Verdes), era situada no oeste e bastante elaborada, uma verdadeira fi
nos anos de 1930 a mudança já era completa. Nesse momento, entre
trama teatral. E não só a música era realmente parte orgânica da ação
outras coisas, aparece Jerome Kern (1885-1945) que, adaptando o
como, em lugar elo número arbitrário ele dança, aparece a coreogra- 4
romance de Eclna Ferber, cria Showboat, um clássico volta e meia
remontado, no qual já aparecem números que ficaram no repertório
fia de Agnes de Mille, que também integra um todo essencial para t
permanente do cancioneiro americano, como Old Man Ríver, Make
a plena realização do espetáculo. Oklahoma! bate todos os recordes 343 4
até então, com 2.248 récitas na Broadway e 1.500 em Londres. Em
Belíeve, Can't Help Loving 1/wt Man o{Mine e Why Do I Love You?
1949, a dupla apareceria com South Paci{lc, que estabeleceu novos
4
, ~:m 1924, o musical entra em cena com Lady Be Good (Senhora, t
••
recordes de permanência em cartaz.
Se)a Boa), dos irmãos Gershwin, estrelado pelos irmãos Freei e Adele
A essa altura já estava também consagrado o fantástico Cole Por-
Astaire. George (1898-1937) e Ira (1896-1983) Gershwin serão os res-
ponsáveis por letra e música de toda uma série ele grandes sucessos ter (1891-1964), que compôs sua primeira comédia musical em 1916,
em colaboração com diversos autores dos enredos. Com George Kau-
fman, por exemplo, eles fizeram, em 1931, O{Thee I Sing (Sobre Ti
Eu Canto), o primeiro musical a fazer crítica política, enquanto, em
mas é parte importante dos anos de 1930, 40 e 50, bastando citar,
entre seus sucessos, The Gay Dívorcee (A Alegre Divorciada), em
1932, Anythíng Coes (Vale lu elo), em 34, Kiss Me Kate (Beija-me, t •
Kate), em 1948 e, finalmente, Can-Can e Sílk Stockings (Meias de t
••
1935, aparece Porgy and Bess, mais que um simples musical, que hoje
em dia está incluído no repertório elo Metropolitan Opera, de Nova Seda), nos anos de 1950. De família rica, graduado em Yale, tendo
York, e ele várias outras casas de ópera. passado anos vivendo na Europa, Porter trouxe um requinte para as

••
suas letras que elevou o musical para outro nível cultural.
T111nbém na época, Richarcl Rogers (1902-1979) começa sua car- ~

reira estabelecendo então uma lllcmoréÍvcl colaboração com Lorcll/. Na década de 19Óo, o musical envereda por novos caminhos com ~
.~
a apéirÍ<;<io de Stcpltcn Sondhcim (lg~o-), cujo primeiro sucesso -~

••
l L1r!, 'lllc só termiua COIII a Illortc de:;lc Clll H)43, yuando 11<1sce
a nova parceria com Oscar Hammerstein (1895-1960), igualmente
conhecido é o elas letras de Westsicle Stor)' (,-\mor, Sublime Amor), --
com música ele Leonarcl Bernsteín e algun~a colaboração de Willíam ;,.:

••
para a prosperidade da colônia, com maior concentração na área de
o teatro canadense tem de incluir o teatro em inglês c o teatro em
Ontário. Não demorou muito para que os grupos amadores de lín-
francês, o que leva toda uma série de pequenos centros teatrais
gua inglesa se solidificassem, o que se toma evidente pelo fato de os
espalhados pelo imenso país a produzir autores voltados para seus
espetáculos, a princípio apresentados no salão da Assembly House,
temas locais particulares.
como era chamado o prédio em que se estabeleciam as adminis-
A'i mais antigas referências a teatro no Canadá estão nas narrativas
trações municipais, dentro de relativamente pouco tempo já terem
d? c:pitão. Edward Hayes sobre a viagem que fez em 1583 na expe-
teatros construídos para eles, sendo o primeiro teatro erguido pelos
dição de szr Humphrey Gilbert, na qual declara "era-nos fornecida
militares ingleses em Halifax, em 1789. Fiá documentação sobre ;1
música em boa variedade, sem serem omitidos os mais ínfimos dos
montagem de mais de cem peças teatrais em Ha.lifax nos último~
jogos como os dançarinos ele Morris, Hobby Horses\ e dancas de
maio, com as quais deleitamos o povo Selvagem"4. Os selvag,ens, é quinze anos do século.
Com a construção de teatros, começa a rotina de visitas de com-
claro, eram os nahvos daquela vasta área que é hoje o Canad8, cujos
panhias inglesas e americanas, e na primeira parte do século XIX os
ntos foram preservados por muito tempo e ocasionalmente elabora-
mais famosos nomes do teatro inglês, Edmuncl Kean, Charles Kem-
dos e executados por grupos de dançarinos usando figurinos e m<'ís-
ble e George l'v'IacReady, todos se apresentaram em excursões pelas
caras. Estas, de madeira talhada, por vezes eram grandes e a certo
principais cidades canadenses. Os grupos formados por militares,
mo:nent~ se abriam para revelar outra máscara, sendo o espetáculo
compostos sempre, ou quase sempre, por oficiais, dedicavam-se a
ennqueodo por monstros que voavam sobre o palco.
um repertório sofisticado para as plateias de classe mais alta, mas na
Com os colonos é que chegou o teatro europeu, com a "Nova
mesma época aparecem vários pequenos grupos profissionais, geral-
França" sendo estabelecida ainda no século XVII. Só no século xvm
mente formados em torno de um casal, que buscavam público mais
é que são encontrados os primeiros traços de teatro inglês. E as cons- 3+7
amplo; em geral, eles excursionavam por v8rio~ pontos do território
tantes guerras entre os dois países impediam um desenvolvimento
no verão, e no inverno se fixavam nas cidades que cresciam junto à
mais harmonioso, não sendo ele surpreender o fato de os prirneiros
região dos lagos, com o inverno impedindo qualquer possíhílidadc
espetáculos em inglês terem tido lugar em clest~1camento.s militares.
Em 176o, com a derrota da Nova França, o te<1tro feito pelos milita- de\ iagem.
As companhias profissionais que se fix~1van1 em um deterrninado
res e pelos grupos de gcntlemen mnateurs passou a ser aprcsc!ltaclo
teatro propiciavam o aparecimento ocasional de autores canadenses,
~ambém em Québec e Montreal, muito embora a população local
mas ;J verdade é que, desde a rnctacle do século, a vida teatral era
fosse quase que exclusivamente francófona.
basicamente sustentada por cornpanhias inglesas ou americanas, que
Outro conflito teve importância imensa para o desenvolvimento
traziam estrelas conhecidas e com isso garantiam grande sucesso. A
~o teatro de língua inglesa no Canadá; milhares de colonos angló-
vida teatral do Canadá crescia a olhos vistos, e por volta de 1879 já
hlos, após a independência dos Estados Unidos, em 1776, ansiosos
havia teatros com plateia ern torno ele dois míllugarcs em Toronto,
por continuarem fieis à coroa inglesa, mudaram-se para o norte,
1\1ontreal e I-blifax, onde eram frequentes os espetáculos tanto ele
não só aumentando a população como fazendo sólida contribuiç<1o
teatro quanto de ópera, enquanto a exploração de minas no oeste, que
octsionou a ckunada "corrida elo mu:o"', provocou o ~tparecimento de
ll111 tradicion;d folgm·do hrit;\rllco que k111 senwlhe~11\·;1 co1l1 oBlllllhi! 111<'\1 l',,j [<:~!ilo:; ,. CP!!!jJ<ll1hi~1~ JHofi~\ion;Jis Jlél cml;1 d() l\1cffico No Clil;i!ilo
'!'r;tduc/Jnll!l':'~'t_ ~11 nri~~it1:1l· .. \\:' \\·vn· !H(I\:idcd (I( ·.'(';'.! _,,.;
!li! I Í11 .· o clcsemohimento de talelltos locais CUJltinuou rcduz.iclu, principal-
OIIIÍtliug llit lcast lo1s, as r\lorri,-cl;rnn·r.~, llobbl'-llorscs. aml., . cu 11 cc1b i"
deliglrt ti ~e sa1agc people ! ... J .. l·:dllard HttiCS, ·Si r llunrphre1 \, lo
n1etllc pch LJCiliclaclc crescente dos meios de \r;tl!Sporte. Nas últim;ts
'\!cll"i'OriildLmd. c' !li C. F:liul 'u1c_; i. I .clllcl./rare/s. IJ· 202.

inevitável fuga de talentos para o sucesso nos Estados Unidos. E tam-
••
t
décadas do século XIX e até o início da Primeira Grande Guerra, em
1?14, o panorama foi alterado porque em lugar de companhias excur-
bém no Canadá francês a receita continua parecida com essa, mas t
importando companhias francesas e sem o tipo ele evasão de talentos
swnarem com vários espetáculos para fazer temporadas mais pro- I
longadas, apareceu a novidade ele uma companhia fazer uma única
grande montagem e visitar todo o país com ela, como acontece até
que se dá com os de língua inglesa.


I
hoje nas chamadas "companhias nacionais" que excursionam com
os grande sucessos da Broaclwav. ·
Dois elementos trabalharam' contra o desenvolvimento do teatro

I
canadense na primeira parte elo novo século: por um lado a Pri-
meira Grande Guerra impediu as constantes viagens de diversas
América Central
••
••
companhias, inglesas ou francesas, que mantinham alimentados os
O PROCESSO TEATRAL NA Arnérica Hispânica é a princípio muito
vários teatros, e, por outro, apareceu o cinema, que se espalhou com
semelhante ao do Brasil, com o teatro aparecendo no processo de
extraordinária rapidez e podia levar entretenimento a todo o território

••
catequese, principalmente nos pontos em que atuou a Companhia
habitado, sem o problema do transporte de atores e material cênico.
de Jesus, sem que isso venha a semear qualquer desenvolvimento
A partir daí torna-se mais marcante a partida de talentos canadenses
ulterior. Apesar de a Espanha ter uma tradição teatral considerável,
para carreiras no palco ou na tela americanos, enquanto pequenos
grupos profissionais lutavam bravamente, por um lado, para apre-
sentar um repertório mais sério, de textos de alta qualidade e, por
e o processo de colonização ter começado na segunda metade do
Século de Ouro, isso n8o foi realmente determinante para o teatro
no Novo Mundo. O principal é reconhecer que o teatro, depois ele
••
outro, para promover os raros autores canadenses.
O panorama permaneceu o mesmo até o final da Segunda Guerra
Nlundwl>, ~m 1945'. depois da qual houve um momento de grande
chegado da Europa, sofreu grandes alterações para poder fazer o
que é a obrigação de todo teatro, expressar a sociedade na qual ele é
349
••
e entuswstica rnovnnentação artística no país. Em 1931, o CanacLí
tornou-se politicamente (quase) independente, o que veio a estimuLtr
escrito. É verdade que, em um mundo globalizado, às vezes as dife-
renças culturais são esquecidas, mas no tempo das descobertas elas
realmente existiam, c o teatro teve efetivamente de se alterar a fim
••
o desenvolvimento de uma consciência nacional e, em 1951, reco-
nhecendo a necessidade de uma política cultural, uma Comissão
Real investigou o panorama das artes, o que resultou no Rcbt6rio
Massey, que reconhecia a importância elas <lrtes na vida do país e
ele encontrar as formas JJece,ssárias para que pudesse atender a esse
novo público.
De todos os países americanos de língua espanhola, o México •••
é o que tem atividade teatral mais numerosa e constante. Só no
que tsso ex1g1a que o governo federal fornecesse meios para o estí-
mulo necessário para seu desenvolvimento. Resultou daí a criação
elo Canada Council em 1957, seguido ela cria,,;ão de Arts Councils
!V1éxico é que o teatro catequético dos jesuítas não permaneceu um
fato isolado, pois a força ela cultura asteca, mesmo dominada pelos ••
regionais em várias províncias. Aos poucos, núcleos de teatro ele ;;dto
nível foram aparecendo em vários pontos, como também orcraniza-
espanhóis, era rica o bastante para que, pelo menos com música e
dança, os elementos natÍ\'OS se tenham mesclado aos trazidos pelos
conquistadores para qualquer criação teatral, mesmo que scrn alc~m­ 'J""
••
ções como a New Play Society, a primeira dedicada especil1u~nente

••
~

'U
çar incliviclualmenlt' um desenvolvimento mais si2;nificativo. Não ;:;
a :Hllores edn:1clcnses.
!lu:, esqucccildu l~l;, que o ;ndor C<llc.:quélico ittlpliLUll
j,lií lt'i tdgiGt
Dc,dL· CJlLlo, u progresso le<Jtral lcJJI .'iidu lnlto, puré~!ll ,ôltdu,
com certo equilíbrio entre os visitante~, novos autores c atores, c :1
destruição de uma cultura abundante e requílltacla. x
••

Por outro lado, a comunicação constante com a Espanha, onde o para que pudesse haver sempre uma comidcrável atividade cênica.
teatro estava em pleno esplendor, desde logo trouxe <JO Novo Mundo, Os conflitos políticos, ou a malfadada ocupação do trono mexicano
com regularidade, companhias teatrais. É ainda na segunda metade por Maximiliano e Carlota, só viriam a servir ao teatro como temas
do século xvr que aparece Fernán González de Eslava (ou padre Fer- já em meados do século xx. . . _1 .

nán, c. 1534-c. 1601), o primeiro autor teatral nascido nas Américas, Nem a tranquilidacle política e econôm1ca proclamada por Forfino
autor de colóquios, entremeses e loas, de estilo leve, efetivamente Diaz nos primeiros anos do novo século, nem a Revolução Mexi-
dedicados ao teatro, mesmu que ele manti\ esse em suas obras uma cana de 1910 tiveram consequências maiores para o teatro, que s~gllla
forte orientação religiosa. . dominado pela presença espanhola; mas quando, no final da clecada
O século xvrr oferece uma surpresa para a dramaturgia centro- ele 1920, terrnine~ram o período revolucionário e a Primeira Guerra
-americana, com o inesperado talento ela irmã Juana Inês de la Cruz Mundial uma nova onda de entusiasmo e procura por ternas nativos
' / 1
(1651-1695), autora de autos sacramentales como El Divino Narciso, teve lugar, e se manifestou principalmente en\L:m grande num~ro c e
mas também de comedias na linha de Lope e C,dclerón, corno Amor leves e divertidos sainetes c zarzuelas, com o I eatro ele! MurCielago
Es Más Labirinto (O Amor É um Labirinto Maior) ou Los Empe11os promovendo manifestações calcadas em formas indígenas de dança,
de uma Casa (As Obrigações ele uma Casa), o que sugere uma paró- canto e antigos rituais. _
dia do título usado por Calderón Los Empei'ios de um Acaso (As Obri- Um considerável progresso foi alcançado quando o cOnJLl!1to do
gações ele um Acaso). Durante todo o século XVIII, no entanto, não Grupo de los Siete Autores procurou abandonar eonvenç~es ar~b­
aparece ninguém na dramaturgia mexicana, embora as atividades quadas como apartes dirigidos ao público e, finalm~nte, f01 aceito,
teatrais continuassem fortes. como veículo válido para uma dramaturgia mais semi, o espanhol
Todo o início do século xrx, entre 1810 e 1i:;21, foi empenhado na tal como é falado no México. Com isso foi possível criar uma dra-
luta pela independência, sem deixar ambiente propício a manifes- maturgia mais autêntica, c o Padre Mercador (0 Pai Negociante), de
tações clrtísticas. Mas ainda na primeira metade do século o roman- Carlos Diaz Dufoo ( I0()l-H)4l), tornou-se él pmnc1r<1 peça ele autor
tismo europeu é refletido no México com uma III<Jtlifcstação cultural mexicano a rnerecer uma tcrnporacla de ccrn récitas.
i JJclcpendentc, o costumbrismo, umcl l iter<l tur<l típica ela Améric<I H i:;- Na segunda parte elo século, com os progressos no' meios de
pânicl em que alguns temas curopcm s:tn utili;:aclus col1l ]I{thito~, comunicacão de tod<l llaluru.a, o l'vléxico passou ;1 ter de enfrentar
costumes e figurinos de um universo c<Impestrc c com ctrMer Jiitida- uma nov 8 'onda de influência externa, agora dos grandes diretores
mcntc regional. Com características reais de rolllantísmo, aparece a c cenógrafos europeus como Gordon Craig, Rcinharclt, Piscator e
obra ele Fernando Calderón (1809-1845), que se' o!ta para ambientes Brecht, que le 1·aram a um considcr8vel apnmoramcnto nas encena-
medievais europeus e, mais interessante, lgne~cio Rodriguez Calvá!l ções e também estimubram a dramaturgia. A es_sa época pertence
(1816-1842), que em sua curtíssima vida se volta para os contos tradi- Xavier Villaurrutia (190)-1950), que se voltou prmcipalmente para
cionais e as lendas elo Novo Mundo, sendo a melhor obra de sua pro- problemas da classe média mexicana, escrevendo um con]tmto CUJO
missora, 1nas breve, carreira, l\1 ufíoz, Visita dor ele Mexi co, a prime ira título crera] era i\ulos Profanos.
peça histórica elas Américas. Há alguma dramaturgia mais realist8 no O ;rincipal nome na dramaturgia desse rrwmcrüo,_ no ent~mt~,
final no século, sem que apareça qualquer Figur<t tc<tlmcntc signifí- é Roclolfo Usigli (H)O)-HJ791. l<imbém poeta, ator c:· d1retor. 1",SCJJ··
cüÍI<L .\ 1crdaclc ('que a riqueza elo lc<t!ro c~p<llihol c um cunt;lto tor desde a épnC<l dc- H):>,O. Usigli foi estudar tws lr,-,tados l lmdos,
Jtlliil" <;tlJJíHI ctllrl· a dlltig;JcoU>JlÍ<I c \i<tditci td;it<Ltlll o dcst'IIIOl- agraciado com u!l1<t bok 1 c, elO v~oltar para o i\ló;ico, trad\JZI\1 c
\·imento de uma dramaturgia rncxicana, fomeccnclo material farto montou \-árias pc~:as cnncrícanas. F~ em 1943 que ele escreve Coremo
...

4
romantismo e, no século xx, maior desenvolvimento, com ênfase em t
de Sombra (Coroa de Sombra), que ele classificava como "anti-
-histórica", cuja ação se passa na mente ela enlouquecida impera-
triz Carlota. Com uma obra de pura ficção, o autor mostra Carlota
temas políticos e sociais.
Cuba é o único país que apresenta aspecto ligeiramente mais ativo •t
como ambiciosa e egoísta, enquanto Maximiliano é visto como real-
mente bem-intencionado e voltado para os interesses do México. No
momento ele sua execução, o infeliz imperador deseja que sua morte
desde antes da colonização espanhola, com os areytos, uma espécie
de dança-teatro que, deve-se deduzir, expressava a riqueza da cultura
e religião nativas de forma positiva, sendo, por isso mesmo, proibidos
pelos espanhóis. Alvo ele ocupação inglesa e imigração de refugiados
••
t
possa trazer algum benefício para o Estado. A obra-prime1 de Usigli é,
franceses nos primeiros séculos após a descoberta, Cuba tem uma
~ntretanto, El Gestículador (1938), complexa trama de um professor t
fracassado que, se aposentando cedo e se mudando para o campo, é
confundido com um herói da Revolução Mexicana. Graças ~1 isso,
ele faz uma bem-sucedida carreira política e, quando é amea~·ado
explosão ele construção de teatros no século xvm, mas virtualmente só
para a montagem de textos espanhóis. A mais interessante exceção é o
chamado pai do teatro cubano, Francisco Covarrubias (1775-1838), ator,
••
por um antigo inimigo de ter revelada a sua verdadeira ieleutidaele,
prefere ser assassinado. É quando Navarro, o mandante de sua morte,
autor e empresário, que ficou famoso com sua personagem "negrila",
em que se apresentava com o rosto pintado de preto, bem antes dos ••
se apresenta como seu sucessor, com boas possibilidades de se eleger.
Na segunda metade do século XX, a atividade teatral mexicana foi
bastante intensa, com um número crescente de mexicanos apare-
famosos mínstrel slzows americanos, de brancos pintados de negro.
Na virada para o século xx Cuba passou ao controle americano
por quatro anos, aos quais se sucederam vários governos corruptos
que resultaram no advento do ditador Fulgêncio Batista, que gover-
••
'•
cendo em montagens do Instituto Nacional de Belas Artes, que esti-
lllulava o aparecimento de novos autores, da linha costumbrista ou nou ele 1934 a H)59, c os esforços em favor elo teatro, nas primeiras
expressionista. A principal figura desse movimento foi Emílio Car- décadas, foram desfeitos pela progressiva decadência política, socia1
3s~
e moral elo país. t
••
vallido (1925-2008), que retrata a vida mexicana em H.osalba v los
Llaveros (Rosalba e os Llaveros), peça sobre o conflito entre uma A Revolução liderada por Fidel Castro trouxe um novo clima para
moça da cidade e seus parentes provincianos. Nesse mesmo período Cuba, e o teatro teve <tpoio do governo, assim como <L'i outras artes,
destacou-se Carlos Solórzano (1919-2011), um guatemalteco inlcc;r<Jdo muito embor~1 tudo sob rígido controle ideológico. O prillleiro <Jutor
na cultura mextcana que, uparte uma série ele peças curl:ts, im·~::;tig<I a se destacar foi .'\bclarclo E:storino (1925-), que tlcou conhecido pur I
problemas de ltbcrdade individual em pe~'~Js como E! Hechíccro (0
Feiticeiro, 1954) e Las i\II(mos ele Dios (As Mãos ele Deus, 1957).
sua primeira peça E/ Rol)() clel Cochino (O Roubo elo Porquinho), de
1961, sobre o clima ele lci!SãO que antecedeu a Revolução, seguido ••
N<l.s últimns décadas do século xx, <1 influência ele autores ameri-
canos, colllo Arthur Miller e Tennessee Williarns foi forte inspírac;]u
por Antón Arru\at (19~;-l, que em 1957 escreveu, 11;1 linha do te1tro
elo absurdo, El Coso se llll'estiga (O Caso Se Investiga), c foi cen-
surado sob alegação de espírito contrarrevolucion<irio, o mesmo se
••
••
pclra uma nova dramaturgia mais realista ou eng<;jada em proble1;1as
sociais c políticos, cada vez mais ligada à busca de uma realidade dando com Los Sietc contw Tebas (Os Sete Contre1 'fcbas, ele 1968).
nacional. Depois ele catorze anos impedido de public<H, Arrufat volta a escre-
O processo teatral em todos os outros países da América Central
é muito scn1clhante: textos religiosos encenados por ordens empc-
ver regularmente para o palco, mas sem maior sucesso a partir de
então. O único autor que te\ e repercussão intemacíondl foi José
'l'riana (19)1-). co111 ~~ pc(:a La Nochc ele los Asesinos Noite dos
~

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;;:
••
••
nhacbs 11a conversão das populações nativas élo cristianismo, domí-
JJÍii zL1 dr<~JIJ;ilur;;i~J csp<cml10Ll nas <JlÍI idade.'> tcalrais locC~is, ;JiguttJa i\s:;a:;sinos. ll)(l) l, ciJI qw.' lrb jo\TJlS crÍéllll c dcsclll\ll"ld ICilll drim
x
dranJ;tlurgí;:~ logo após a indcpendêncía, le1tto progresso a par-tir do papéis para si dtwmtc a noite em que planeja111 o assassi11<tto de seus

••
elo autor alemão juntaram-se vários movimentos jovens não só em
pais. A obra foi montada em vários países, porém Triana só voltou a
escrever para o teatro depois de 1980 e hoje em dia vive na Espanha, Bogotá como em outras cidades, marcado,s, via ele regra, 1:or ~o.rte
onde publicou notáveis livros de estudos sobre o teatro espanhol.
viés político c influenciados por Cuba. f;,xemplo desses e o leJ-
A maior parte da atividade teatral da Cuba revolucionária, no tro Experimental de Calí, ele Enrique Bue!laventtml, expoente d<l
entanto, tem sido a de incontáveis grupos de jovens, com orientação renovacão do teatro colombiano que, como autor e diretor, marcou
governamental, e voltados para a cor local e tradições populares, ricas presen~~ não sô em seu país como também em outros vizillhos ela
América de língu;t espanhoL!. A atividade teatr<ll colmnbJdll~l lctn
em canto e dança. O teatro adulto, inclusive grupos organizados eiii
sido mais contínua, porém não produziu <limla nenhti!Ila dr~unatllr-
fábricas, ficou sempre preso ao diclatismo ideológico, e embora haja
um grande número de autores, nenhum deles se destaca ou escreve gia realmente notável.
ele modo a poder ultrapassar suas fronteiras.
A instabilidade política, marcada por uma série de governos cor-
ruptos e ditadores, parece ser a explicação para o fato ele e1 Venezuela
ter demorado ainda um pouco mais do que outros países da Amé-
rica Latina a desenvolver um teatro nacional mais sólido. Passando
América do Sul pelo mesmo processo colonizador de seus irmãos de continente, não
aparece nada de válido sequer na segunda metade do_ séc~llo xrx. Na
primeira metade do século JXlssaclo houve um consJclcravel cresl'l-
NA AIVIÉRIC.\ DO SUL, O processo geral ele <lj)<llCcimento elo teatro é 11~t:nto no número de c:;pd<ículos e na qualidade de suas tnoJJtagcns,
semelhante, mas elll certos países houve maior c!cscnvolvill1ento, mas apenas em torno ele textos estrangeiros. Só na ckcacb de té))O
ali:Jclo, via ele regra, a maior atividade próprÍ<I elo pú-, em stJa evo- aparecem us primeiros Jti\orcs, que reRctern o sun,;irncnto de urna
luçJo polítiecl. Na Colôlllhia está doculllellLtda ct aprcse!ltação ele consciência ctdtur<Jl inckp('tlclcnlc. .
uma pequena comédia crítica, Lcwrea Critico, CJtJ 1stlo. ele Fem:mclo O primeiro nomt:· ~~ser Itot~1do é César l:Zengifo ( lé)t)-H)SoJ. qtte fez
Fernanclez de Valt:n;;:ucla, mas a par disso \(J dci.\<tCIJll marca cer- uma espécie ele re\·is~to ,Lt h I\lÓrÍél vcnt:7.\idana etn tti 11'1 :oéric ck trt-
tas comemor:1ç:õcs religiosas, sendo construído. em 1790, o Co!isco \ogJas sobre difcrctllcs C·p,Jccts, no:. cttlOS ele 1940 c 50. ~,las C· Jt<l dé-c1d<1
Rarnirez, onde eram montadas quase se1uprc ::ar::w:lct.s. rn<ls per- seguinte, depois ele se impurCJtl as inHuências elo tcalro do abs:trdo, d~1s
manecendo fraca a atividade teatral até o fin1 elo período colonial. ideias de Artaud c da dr<IJIJ<ÜU,gia de Brecht, que ap<lrcccmlrcs autores
Como de h<1bito, a independência traz um nwmento de entusiasmo, significativos chamados a "Santíssima Trindade", tsaac Cltacr(ll 1 ( Hf\0-
que provoca o ap<cuecirnento de algum autores, qtiasc todos costum- 2011), Rom<Ín Ch<llbawl ( lC))l-) e José Ignacio Cahrujas (I9)7-199Sl
brístas. De José Maria Semper (18z8-188SJ é a pc(;a Un i\lcalde a lu O primeiro é responsável por um gr;:mde número de peças, pc.:la ~un­
Antígua (Um Alcaide à Antiga), umd espécie de .::or.zuelo, voltacb dação da principal escola ele lc<tlro ela VenezueL1, por obras ltlcranas
para o típico conAito entre tradição e no\i(bdn CJII tiJJiél ;;ocieclacle ele ficção c ensaísticas, c cldlni<l a si mesmo como "judeu, lwnlossc-
que está passando por transformações significativas. xua1 e escritor": o segundo abandonou o teatro após intensa parttu-
O :;éculo XX ccmtinuou morno até o fítl:tl d:t Sei:',ttmla Cuerra pação no início elo nJO\ ittJCJilo rct1ovaclor para se \orttdr ~2;11r\t Jll<tior
[Vluncli;d, quando <l influência ele Brcchl C· \·id!i\;t\Lt 11m tnclos o~ do cinenw de su~t tcrr<l: 1 k·uTJrO. i!OL1vcl por sU<I crudJc;,Iu c: ,JttJJ10t,
nto\Íitll'Ii!"' ,k ,_.;q;rct·du que. 110 lJH!lttcJd(,,. '"''' ulliiltti;,d(l.'i pcb
atuou em todas a:; :ire<t~ d<t~ ~Jd<..'S ccnicas, lllclusivc CJltpcrtlt<IJldo-sc JU
União Soviética. 1\ um grande número ele J!Hnttélgcn' de lraclu~:ões divulgação da ópera por mci() ele UJil brilhante pwgr<llll<l radiofônico.


~
Em 1966, os três colaboraram em uma peça, "Triângulo". A partir ele
então tem sido bastante regular a produção teatral venezuelana, sem-
pre suborclinad~l às frequentes crises políticas que exercem a censura
para poder alcançar níveis internacionais, o que tampouco seria seu
interesse, dada a força com que se entrega à proposta ele estimular
transformações sociais dentro de seu país. Sua primeira peça, Los del
•-t
Quatro (1966) é, na verdade, longa demais para ter grande populari-
com maior ou menor empenho, e entre os autores que atuaram a partir
4
•t
da década de 1980 se destacam José Gabriel Nuftez, Rodolfo Santana dade, mas inclui todos os temas que são caros ao autor, e as muitas
c Mariela Romero. No entanto, a dramaturgia venezuelana continua peças que escreve a seguir têm grande força no sentido de estimular
restrita aos limites de seu próprio país. o seu público eleito a lutar contra a injustiça· a que por tanto tempo

Em matéria de teatro pré-colombiano, é no Peru que parece ter


havido mais atividade dramática, segundo comentários suficiente-
vinha sendo sujeitado. Julio Ramón Ribeiro (1929-1994) e Alonso Ale-
gria (1940-) são outros nomes destacados no teatro engajado do Peru.
Em 1975 o quéchua foi reconhecido como uma das línguas ofi-
••
mente antigos para merecerem confiança; mas mesmo assim não ciais do Peru, e o Teatro da \Jniversidade de San Marcos instituiu I
urn prêmio para peças escritas na língua; até o final elo século elas
re:;ta ncnhurn traço dessas possíveis obras. A ideia parece encon-
trar apoio no fato ele aparecerem manifestações cênicas ele provável ainda eram relativamente poucas, mas já começavam a ser presença
'•
origem inca no tradicional teatro religioso do período colonial de
catequese cristã. Isso não impede, no entanto, que o perfil do teatro
peruano seja perfeitamente semelhante ao elos outros países da Amé-
marcante no teatro peruano. Na realidade, são poucos os escritores
peruanos que se têm voltado para o teatro, porém Mario Vargas Llosa
(1936-), que tem vivido, em boa parte, longe de seu país, escreveu,
••
rica Latina, tanto pelo longo domínio da cultura espanhola quanto
pelos graves problemas sociais criados pelo abismo que separava urna
em 1981, La Sei'íoríta de 'Tacna (A Senhorita de Tacna) e, em 1983,
Kclthie )' el Hípoj)ôtamo (Kathie e o Hipopótamo), que são títulos ••
••
pequena elite de origem espanhola e uma vasta massa sempre ligada menores em seu conjunto di:: obra.
~57
às populações nativas. Como nos outros países, é em meados do
século xx que o teatro adquire mais força, primeiro na úea do espct'í- Em contraste com o Peru, a Bolívi<1 até o final do sc~culo não pare-
culo, mas a seguir no aparecimento ele uma dramaturgi<~ fortemente
ligada aos conll i tos sociais e ao protesto contra governo;; ditatoriais.
cia ter encontrado unt caminho para estabelecer SU<I iclcnticLJCle cul-
tural no teatro. Durante o período coloniaL o teatro religioso <ÜCsLl
él presença das culturas lEltil·<ls por apresentar peças por vezes trilín-
••
A partir cb cléclcla de 1970 aparece no Peru todo um grupo ele
:llllores com pouc1 ou nenhurna preocupação com técnica ele dra-
nwturgia ou estética, mas que cria o que veio a ser charnaclo "o novís-
gues, em espanhol, qu6chua e ;1ynur<1. Os colonizadores importa-
vam teatro espanhol. c <l independência, ern 1825, n~o interrompeu ••
simo teatro elo Peru", com incontáveis peças de forte cnnho social,
nas quais todos os temas e ações têm como base um único conflito,
esse domínio nem conseguiu estabelecer qualquer mínimo equilíbrio
social ou político. Alguns raros autores aparecem ainda no século XlX,
mas todos apenas escrevemlo uma dramaturgia artificial, copiada da
••
••
o de "nós", os proletários e camponeses, e "eles", os ricos capitalistas
que, na opinião desses novos autores, são continuamente responsá- espanhola. No início do século xx, começa a aparecer um<1 maior
veis pelo que chamam a morte do Peru, já que impedem, com sua atividade cênica, porém ainda sem buscar uma expressão realmente
postura, que a massa do povo escape do círculo vicioso ele pobreza,
virtual analfabetismo, desemprego, alcoolismo e explorac,:;1o sexual.
Desse; ;llltmc'. o 111;1is consagrado é Cregor Di:u. (JC)',~-2001) que,
nacional. O nome que ressalta no panorama da época é o ele Antonio
Diaz Villamil (18C)7-1948L que teve uma longa c bclll-sUccdicLl ccn-
rcira de escritor. \'ílLunil Fui o prinlt'Íro a escre1·er pet;ds 1olt;1cbs pare~
z
~

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'"-' ••
a partir cic 1C)Óh, con1 La Huelga (A Greve), é o maior !lOille desse tea-
tro que, inevitavelmente, é por demais local em seus temas e fonna
temas locai::; c, pcb prÍlllcltct H'l, adota <!linguagem popuLtr d<J Bolí-
via, em lugar ela insislem:ia Clll urna forma pura da língua espanhola.
~

X ••
••
A guerra do Chaco (1932-1935) resultou em maior afirmação de populares muitas vezes usadas para criticar os hábitos e costumes elo
identidade e a partir dos anos de 1950 começa a aparecer uma dra- momento, mas sem qualquer grande obra a ser produzida.
maturgia que, ao menos, se volta para fatos históricos ligados ao país. O século xx trouxe grandes mudanças e forte presença estrangeira
A instabilidade política, caracterizada por incansável sucessão ele dita- no desenvolvimento da economia do país, o que fez, por um lado,
duras e golpes, impediu, ao logo de todo o século, que houvesse um serem montados autores ingleses e franceses em tradução, e por
clima propício à preocupação artística, mas Raul Salmón (1926-1990), outro, eventualmente, aparererem peças sobre os problemas sociais
que veio ·a ser figura muito importante na vida cultural e política da do quadro econômico resultante.
Bolívia, escreve, em 1969, Tres Generales (Três Generais), uma inte- A grande mudança começa lentamente, com a criação elo Teatro
ressante reflexão sobre o peso do passado no presente político do país. Experimental ele la Universidacl ele Chile, dirigido por Pedro ele la
Salmón foi autor de várias peças, dedicou-se ao rádio, escrevendo Barra (1912-1976) desde sua fundação, em 1941, até 1958. Com o nome
radionovelas, e continuou atuando até o final do século. Apareceram mais tarde mudado para Instituto de Teatro de la Universidad ele
ainda alguns outros nomes, mas continua faltando melhor infraes- Chile (ITUCH), apareceram as influências de Piscator, tanto quanto
trutura para que o teatro boliviano alcance um plano mais sólido. de Antoine e Stanislávski, tendo a passagem de Louis Jouvet, com
sua companhia que buscava angariar fundos para o movimento ela
No Chile, os espanhóis encontraram índios nativos muito menos França Livre na Segunda Guerra Mundial, também colaborado para
evoluídos do que os do Peru e os do México, mas dispostos a enfren- o fortalecimento desse novo teatro chileno. A Universidade Católica
tar corajosamente a invasão espanhola e, se acabaram dominados, do Chile criou, em 1943, por sua vez, o TEUC, Teatro Experimental
sua bravura provocou o aparecimento de algumas peças ,-oltadas para de la Universidacl Católica, e esses dois núcleos, até mesmo por uma
os valentes araucos. De modo geral, no entanto, o processo teatral certa rivalidade, e~timularalll gr<mdemente o aprimoramento elo tea-
no Chile é semelhante ao ele seus irmãos, com a frequente presença tro no Chile. Como parte inesperada ela atividade dramatúrgica chi-
do teatro espanhol ao longo elos séculos de colonizaçJo, corn ligeiro lena, em 1966, Pablo Nerurl<l faz uma única experiência teatral, com
ímpeto nos anos que se seguiram à independência, em 1818. O pri- um intrigante texto intitulado Fulgor y ~1uerte de foaquin ~1[urieta
meiro teatro permanente aparece em 18zo e, nos primeiro:-; anos da (Esplendor e Morte ele )or~quiu l\1urieta), mas, fora isso, n8o aparece
nova era, Valpara[so tinha mais vida teatral que Santiago, mas Ber- nenhum autor mais deslac:1do.
nardo O'Higgim (1778-1842), o grande herói nacional, fez muito para O advento elo governo Allcndc estimulou as atividades do jovem
promover o teatro em sua terra. teatro chileno, pronJcando sua participação nos processos políticos
Teve também grande importância a presença de Anclres Bcllo I l78I- e sociais, e sua queda. em lC)T3, foi abalaclora. O período ela dit;J-
ú36)), um venezuelano que se radicou no Chile e veio ;1 ser r<::itor da dura Pinochet foi de rcpre~são e censura, que prejudicaram c muito
maior universidade do país, por ele criada e que hoje tem seu nome. o movimento que vinha se desenvolvendo no teatro c em outras
Grande humanista, Bello liderou urna esclarecida reforn1a da educa- artes, mas vários autores continuavam, mesmo que silenciados ofi-
ção e escreveu algumas peças nessa época, com estilo entre o neoclas- cialmente, a criar uma clram<Jturgia voltada para temas chilenos. A
sicismo e o romantismo. A segunda metade do sé C\ do XIX transcorreu partir de 1976, aos poucos, o teatro foi tomando um pouco mais ele
sem grandes novidades, mas com o início do aparecimento de obras coragem e encontrando brechas par<l apresentar tcxtm relevantes.
voltadas para temas locais, como Emesto (184::. I, ele Rafael ivlim ielle [\iJas o perigo não c;Ll\"d de iodo pa~sado e, em ll)]K, Lo Cruclo, lo
(18oo-li:l8; ), que teve sucesso. Um pouco adiante começam a apa- Cociclo v Lo Poclrido (0 Cru. o Cozido c o Podre), de De la Barr;L a
recer os costwnhristas, que produzem dúzias ele peç·as sobre figuras ser mm~tada pelo grupo cb ( lni,crsiclaclc Católic1, foi proibicb pch

••
censura na véspera da estreia, com a alegação de linguagem grosseira.
Durante esses anos de atividade virtualmente underground aparece-
aparece tanto em seu nome como no de seu mais famoso rio, As mais
antigas atividades teatrais não aparecem em Buenos Aires, que ainda 4 •
ram incontáveis criações coletivas, resultado de reuniões informais
de grupos que contestavam a ditadura. Até o final do século X'X, foi
aparecendo com maior regularidade, também, uma dramaturgia
era pequena e insignificante ao tempo da independência, em 1816; mas
há atividades dramáticas jesuíticas documentadas em Córdoba desde
1610 e, a seguir, dali sendo irradiadas para outras cidades.
••
mais tradicional, e com o fim da ditadura, na volta à democracia, a Documentos ele 1757 dão notícia da construção, em Buenos Aires, I
atividade teatral chilena vem se tomando caaa vez mais apta ;] pro-
duzir uma dramaturgia mais constante.
de uma casa de espetáculos para o teatro musical e, em 1783, é cons-
truído o Teatro de la Rancheria, em local que nunca mais deixou ele
ser ocupado por teatros. Antes de a casa inicial ser consumida por
I•
As atividades culturais do Uruguai são de tal modo entrosadas com um incêndio em 1792, ali foi apresentada Síripo (1789), tragédia de I
as da Argentina que é praticamente impossível falar de um teatro uru- um autor argentino, Manuel José ele Lavardén (1754-1801), ela qual I
guaio separado elo argentino. O primeiro fenômeno teatral mais mar- resta apenas um pequeno fragmento. Na realidade, largamente docu-
t
cante do país foi a carreira de José J. Podestá (1858-1937), criador em
cena da figura de Juan Moreira, imaginada pelo argentino Eduardo
Gutiérrez: um gaúcho romantizado, íntegro e perseguido pelas autori-
mentada é a apresentação de loas e outras formas de dramaturgia
espanhola ao longo de todo o século XVIII. É um pouco mais tardio
(1818) o sainete El Amor de la Estcmcíera (O Amor ela Estancieira),
••
dades, que foi contratado pelo North American Circus, da Argentina, e
cujo sucesso é bem uma expressão da mescla cultural dos dois países.
provavelmente a matriz de toda urna série de dramas em verso, pas-
sados entre gaúchos nos pampas. ••
Nas últimas décadas elo século XIX, o autor uruguaio mais impor-
tante, aliás, naquele momento, o mais importante de toda <1 América
do Sul, é Florencio Sauchez (1875-1910), autor ele toda uma série de
Na primeira metade elo século XlX aparece, logo em 1b17, a Socieclacl
de! Buen Custo clel 'leatro, cujo rneritório objetivo era o estímulo elo
desenvolvimento de uma dramaturgia e ele um teatro nacionais, mas 361 ••
peças de sucesso em todos os países hispânicos, mas trabalhando scrn-
pre na Argentina, onde suas obras tinham a possibilidade de scrcrn
bem montadas c apresentadas a um público numeroso. No século
que durou apenas dois ;mos, graç:as él grandes brigas internas em tomo
da questão ela censura. Mas a atividade teatral continuou a ser bastante ••
••
regular, com frequentes nlontlgens ele sainetes e peças, assin1 como o
xx o Uruguai segue o rnodelo teatral e clrarn<Hico de setts \·izinhos, aparecimento de novos autores, elos quais Jucm Cruz Vmela (1794-1839),
mas sempre em total sintonia com a Argentina, onde õnttorcs, dire- em seus tempos de estudante, compõe uma leve e agradável cornédia,
tores e atores vão rotineiramente buscar sucesso.

A Argentina tem o mais sólido panorama artístico, principalmente


A Río Revuelto Ganância de Pescadores, que ainda resiste até hoje. fVLtis
tarde ele tenta imitar a tragédianeoclássica francesa com Dido (1821), o ••

que ilustra o clima cultural elas classes média e alta da época.
ern música e teatro, de toda a América do Sul hispânica, tendo mais Durante o governo de Juan Manuel de Rosas (1829-1853) o tea-
tradição que o Brasil; a trajetória geral, porém, é em tudo c por tudo
semelhante à de todos os países do continente. MençJo é sempre
tro teve forte apoio e se desenvolveu bastante, com um considerá-
vel número de peças costurnbristas, seguindo o exemplo espanhol. ••
feita a supostas manifestações dramáticas ele índios nativos, porém
sem qualquer comprovação, e as primeiras manifcst1çôc.c; teatrais sJo
as religiosas, trazidas pelos missionários que, junto aos coluni:;.acJorcs,
Vários nomes se consagr:c~m na literatura e por vezes visitaram o tea-
tro, como é o caso ele B<ntolomé l\1itre (I8Zl-1906), sendo a obra de
Ju;m Bautista Albcrclí (Jgi I El Cig(mte AmafJolos, de 1041, ttm
~

·C:"'
'V
:::
••
impmcraiu a cultura espanhola como rnatriz ele tudo u dcscnn>lvi-
mento da Argentina, que, na realidade, jamais foi rica na prata que
único e divertido alo de S<itíra d J.Zosas e aos mitos do puder. Com
ccnniciclacle contagiantc, :1 pu;a provocou o aparecimento de toda
<
x ••
••
uma série de obras fazendo crítica por meio elo grotesco. A par desse escrevendo em todos os gêneros, c com farta participação elo que
sucesso, o governo de Rosas foi asperamente criticado e caricaturado veio a ser chamado de sainete críollo, no qual a forma popular espa-
por Pedro Echagüe (1821-1889) em Rosas. nhola era usada para tratar de temas populares locais. O que mais
Echagüe continuou sua carreira durante os governos de Milre diferencia o teatro argentino daquele do resto elo continente é o fato
e Sarmiento, período em que, aliás, poucos autores produziram, ele ali chegar, já na década de 1930, a influência elo teatro político e
pois essa foi uma época de transição para o advento do realismo. O socialmente engajado, a par elas formas 'nais fáceis que exploravam
período foi marcadÕ por frequentes visitas de companhias europeias, pequenas tramas de costumes. O resultado dessa mais intensa ativi-
e o século foi, de modo geral, propício à construção de novos tea- dade cênica era visto principalmente em Buenos Aires.
tros, como o Colón, para a ópera, e culminando com o Cervantes O movimento do chamado "teatro independente" deu novo impulso
para teatro. à cena e à dramaturgia argentinas. O primeiro grupo a aparecer, em
No final do século, vários grupos de atores, abandonando uma 1930, foi o Teatro de] Pueblo, de Leóniclas Barletta (1902-1975), cujo
Europa um pouco menos rica, buscaram abrigo nos palcos ele Bue- nome indica interessar-se na descoberta de um novo público. Ao
nos Aires; o caso mais significativo talvez seja o de Maria Guerrero, mesmo tempo, o grupo lutava por uma posição mais forte para o
que, após várias visitas, resolveu se estabelecer na capital argentina diretor enquanto introduzia em seus espetáculos novas formas ele pro-
em 1897. Como um ato de gratidão ao público portenho, que sempre dução e novas técnicas cênicas. Voltados para a vanguarda, todos os
tão bem a acolhera, e vendo que faltava à cidade uma grande casa novos grupos independentes que começaram a aparecer então eram
para o bom teatro de maior porte, Guerrero e seu marido compraram in f! uenciados pelo marxismo c trabalhavam sempre ternas sociais c
um grande terreno e se entregaram de corpo e alma à construção do políticos, Já em 1933 aparecia outro novo grupo, o ele Juan B. Justo,
Cervantes. Sem procurar apoio elo governo argentino, ela recorreu a e, em 1939, La Nláscara se apresentava com ideias idênticas às do
particulares, que fizeram grandes contribuiç:ões, c acabou buscando Teatro clel Pueblo.
o apoio elo rei ela Espailha, que enfrentou a questão COITJ seriedade Ao todo aparcccr~nn, n~1s décadas seguintes, ccrc1 ele cinquentõl
suficiente para determinar que iria ela Espanlw iodo o nwterial ele grupos indcpenclentcs, c em tJo grande número scri<t impossí1'cl que
acabamento. Telhas, ladrilho e mármores, entre outros, cran1 cm,ia- não houvessecomiclcr;:i\cl \aricclaclc ele ideias c e<Jnlinhos. l\Iuitos
dos em navios cargueiros que, por ordem ele :\lfcmso \:!!!, nJo podiam deles eram herdeiro,'> de grupos ;Hnadorcs ou flloclranuíticos que jc1
deixar portos espanhóis para a Argentina sem In ar algum material existiam desde a vir~1da do século XlX para o XX. F mcsrrw nesses
para o teatro. Não se trata mais, hoje em dia, elo mesmo prédio, mas grupos jO\'ens tl:ÍO Ldtou ;1 tncserH,:a ele autores c:;tr;mgcirm, agora os
até hoje, no mesmo local, hé'í um Teatro Ccn,mtcs. E (lu;mclo o pri- ligados a mmirnentos emopeus mais recentes. Durautc esse período
meiro ficou pronto, em 1921, Gucrrero o inaugurou corn La Dama destacou-se Roberto Arlt (H)00-1942) como ornais consistente elos
Boba, ele Lope ele Vega, em que desempenhava um dos grandes autores ele vanguarcb. Romancista ele vida relativamente breve, en1
papéis de sua carreira. cuja obra os limites entre realidade e irnaginação são imacliclos V<lrias
As primeiras décadas do século xx se passaram corn grande pre- vezes, ele escreveu oito peças, dentre as quais se destaca Saverio el
sença ele textos estrangeiros, o que habituou seu público a espetácu- Cruel (1936), uma interessante exploração de técnicas mcbüeatrai:-;
los ele boa qualidade profissional e a uma clramaturgicl!l1Clhor e mais que faz incursões cxpcrin1cntais pela ilw;ão c pela loucura
recente elo que a que aparecia não só c1n tocb ;1 \mérica ITispJnic1. F,m H) 49 ~!p;JJTf_T I' /l'uenle r,\ Ponte), ck C;n]os Crnmti;.;l (Jc):?.C- 1.
mas ta 111 bém no Brasil. Como procluç:io local. dcn tro do~ li mi tcs uniél obra signillcati1 ~~ suhrc a tcm:io entre as cbsscs sociais <ngcn-
ele urna dramaturgia sem maior qualidade. l10UH' clúzi<1s de autorc<; tinas, em parte cxplcn:wrlo s'ti:J própria históri;l, j~í qm: cpwmlo seu
..
G
I
pai abandonou sua mãe, ela e os dois filhos se viram desamparados dirigindo espetáculos importantes na Europa e no Brasil: Victor Gar- ••
••
e, de uma confortável classe média, passaram a ter ele buscar traba- cía e Jorge Lavelli.
lho, sendo ele e o irmão ainda muito jovens. Em 1958 é premiado Victor García (1934-1982) nasceu em família abastada, com gran-
por sua tragédia El Pan de la Lontra (0 Pão da Loucura) e se torna des propriedades no campo, e se recusou a continuar na tradição
importante figura do teatro realista. Ele passou algum tempo na familiar, voltando-se primeiro para a pintura e, logo a seguir, para
I
Venezuela, mas voltou para se tornar diretor e, mais tarde, professor
universitário, sendo demitido por Perón.
A partir ele 1950 houve considerável desenvolvimento no teatro
o teatro. Lutou até coqsegnir dinheiro para tomar o caminho da
Europa e, pouco depois ele chegar à França, em 1960, tornou-se o
responsável pelo espetáculo que estreou o Teatro do Louvre, Ubu roz,
•c
argentino e o nome de Osvaldo Dragún (1929-1999) se clesb1ca íá em
1957 com Historias Para Ser Contadas, composta por uma série de
ele Alfrecl Jarry (18;:;-1907), um bom indício do rumo de sua carreira.
A partir de então ele viveu na França, dirigindo também em Portu- ••
cenas breves que tratam da exploração e maus-tratos ao trabalhador
humilde e que alcançou repercussão fora da Argentina; reflete uma
clara influência de Brecht. Temas sociais e políticos têm dominado a
gal. Entre 1967 e 1974, Carcía, trazido por Ruth Escobar, realizou
vários espetáculos memoráveis no Brasil, sendo os dois principais O
Cemitério de Automóveis. com texto de Fernando Arrabal, em 1967, ••
dramaturgia argentina, mesmo através elos longos períodos ditatoriais,
quando a repressão parece ter estimulado um protesto, que, conforme
e O Balcão, de Jean Genct, em 196B, ambos momentos cruciais na
história do teatro brasileiro. García era o diretor preferido de Arra- ••
••
a censura, se manifesta mais ou menos aberto, ou subreptício. bal, que afirmava não ser Artaud, mas sim Victor García, o grande
Tanto Gorostiza quanto Dragún foram fundamentais para o apa- transformador do teatro moderno. Victor García morreu em Paris,
recimento de urn grupo de autores, diretores e atores que fundou o onck foi um dos rnaiorcs nomes em todo o processo da vanguarda
Teatro Abierto, que sonhava tirar o país do que pensavam sem parti-
cipantes ser uma estagnação corruptora. O projeto inicial foi de um
teatral que marcou os ano de 1960.
Jorge Lavelli, ndscido na Argentina, em 1932, e filho de imigrantes
italianos, mudou-se JXHd a França ainda jovem, onde se consagrou
365
••
••
conjunto ele vinte peças em um ato, montadas por v;ínos diretores,
apresentadas em sete dias e remontadas sen1anéllmenlc, ~1incb que como diretor. Tem trabalhado por toda a Europa, e clepo~s do teatro
o 'leatro Picaclcrn, que seria a sede permanente do grupo, tcnk1 se dedicou-se à direção ele ópcrc1 11~1 F'rança, na Itália e na Austria. No
incendiado Jnistcriosamente no final da primeira senl<lll<t. O traba-
lho, no entanto, não foi interrompido, e após apenas alguns dias o
projeto foi transferido para o 'featro T~1baris.
Brasil, realizou pelo menos um espetáculo que marcou época, A
GcLivota, ele Anton 'Tchékhov, tendo instalado tanto o espaço cênico
quanto a plateia no palco elo 'lbltro I'vlunicipal do Rio de Janeiro. Em
••
Apesar de uma atividade de surpreendente regularidade. di<~nte
elo abalaclor quadro político do país, a dramaturgia argentina, com
1977, Lavelli naturalizou-se kmcê's c, em sua nova pátria, cumpre
ainda o resto de sua not<ívcl carreira. ••
raras exceções, não tem conseguido ultrapassar suas próprias fron-
teiras, a não ser no caso elos outros países de língua esp;.mhoh, mas
mesmo assim não com muita frequência. Como em toda a América
••
Latina, também na Argentina não tem sido fcicil o estabelecimento
de uma identiclaclc cultural madura o bastante para produ/,Ír dra- '"'
C!

'1.1
••
maturgia de primcir;J qu;diclaclc. Isso não quer cb.cr que ,I ;dÍI icbclc
tealrai portcnha ll<lO seja considerável c, antes do i1n<d du ~c;cuio XX,
pelo menos dois diretores argentinos fariam carreira intcm<tc:ioruL
<
c,:; ••
••
XII.

O Teatro no Brasil
I
•t

41
I
I
I
O Contexto do Descobrimento
e o Teatro de "EvangeÍização"

I
I

O TEATRO REFLETE PARTICULARMENTE bem o desenvolvimento ••


político e social do Brasil. Vista pela coroa portuguesa apenas
como fonte de exploração dos vários tipos de riquezas naturais, não
cuidaram os colonizadores ele um desenvolvimento social ou cultural
••
da nova colônia. A concessão inicial de capitanias hereditárias fixou-
-se como tradição, com grandes latifúndios esparsamente habitados,
um sistema diametralmente oposto à atividade teatral, que depende
••
369 •

••
ela presença de um público. Por outro lado, Portugal não tinha uma
tradição ele dramaturgia ou de encenação que levasse os coloniza-
dores a sonhar com sua reproduç:ão nas novas terras conquistadas,
e foram os padres jesuítas, com seu furor catequético, que primeiro
trouxeram para o Brasil o tecttro, corno instrumento ele educação. A •••
••
figma jesuíta que nos importa. ao falar ele teatro, é a do padre José ele
Anchieta (1534-1597). Pertencendo sua mãe a uma família ele cristãos-
-novos, isto é, de judeus com·erticlos, ele foi mandado, aos catorze
anos, já que era talentoso e mostrava tendências religiosas, a estudar
<(111 Portugal, pois na Espanha, onde nascera, a Inquisição prova-
velmente o veria com desconfiança. Aos dezessete anos, Anchieta
••
entrou para a Companhia de Jesus, como irmão, e pouco depois foi
transferido para o Brasil. ••
O primeiro objetivo de Anchida era a cristianização das popu-
1,1c;fíes indígenas e, jl;H;t is,P. 11:1o ,,·) ctprencleu tupi, como redigiu :1
primeira gramática ele uma língua nativa brasileira. Cornunicador
••
habilíssimo, Anchieta usou o lc~1tro, forma clichítica apta a conquistar
••

corações e mentes, para disseminar o universo que sonhava criar. Na Festa de São Lourenço, além elos santos Sebastião c Lourenço, e
Sua obra teatral é variada, dado seu objetivo, e em nada se mostra de um anjo, temos um par de tamoios, Guaixará e Aimberê- óbvios
tão bom comunicador quanto no uso que fez das quatro línguas que inimigos que lutaram do lado dos franceses invasores- e ainda apare-
dominava - português, espanhol, latim e tupi - na elaboração de cem, além de deuses como Júpiter e Plutão, figuras históricas como
suas peças: para os índios, escreveu pequenos autos de ação objetiva os romanos Valeriano, César e Nero, e o grego Esculápio. 1~: pre-
e pensamento fácil, em tupi, usando com habilidade nomes usados ciso considerável ta!ento para reunir um elenco tão eclético, rna,'i
por tribos inimigas, para identificar diabos ou elementos do mal. Em Anchieta logrou organizar todos em um único conflito, o de serem
latim, ficavam as peças restritas a cerimônias e comemorações dos a favor ou contra a Igreja Católica, o que os catequizadores, ali<'ís,
próprios religiosos, ou para os alunos mais avançados dos colégios enfrentavam a todo momento não só na conquista elos índios, como
e dos seminários; para o comum dos gentios vinham os autos sacra- também na pouca religiosidade daqueles que da colônia só queriam
mentais, em português ou espanhol, nos quais não só a língua era tirar riquezas.
diferente mas, também, ele não hesitava em criar tramas complexas, Na Festa de Vitória é mais voltada para a situação política da colô-
de moralidades, plenas de personagens alegóricas, que pediam maior nia. Em grande parte em português, que aqui foi largamente US<1do
capacidade de compreensão. (embora haja partes em cCJstelhano), a peça reafirma a obediência
Já ordenado no Brasil, em 1635, Anchieta não fez mais do que ao rei, com sua consequente ordem no Estado. A obra dramática de
se integrar à tradição jesuíta de usar o teatro na educação, com seu Anchieta é essencialmente didática, e não há nela qualquer intenção
interesse nessa última evidenciado por ser ele um elos fundadores elo de estimular a presença das artes cênicas no Brasil; ele não fazia mais
Colégio de São Paulo, em 1555. Ao longo de sua longa carreira no do que usá-las como um recurso pedagógico. Em todo caso, embora
Brasil, Anchieta esteve sempre ligado às "escolas de ler e escrever" e o teatro fosse parte do ensino entre os jesuítas, depois que Anchict~1
aos colégios de humanidades que a ordem mantinha nos principais morreu, quase junto com seu século, não se tem notícia ele texto:;
centros de colonizaç:Jo. Vale notar que os doze fidalgos e membros da criados no c para o Brasil por um largo período.
corte, donatários iniciais elas capitanias hereditárias, recebiarn, a par
do ato de doação, um outro documento que explicava, em detalhes,
seus direitos e deveres c que, embora cuidassem esses de impostos e
de justiça, não há uma única palavra sobre educação. Conhecidos
educadores na Europa, os jesuítas é que se dedicaram á rnesma ati- Esparsas Tentativas Antes
vidade na colônia. A ordem j<'í possuía um repertório de dramatiza- do Surgimento do 'Teatro no Brasil
ções pronto que serviria em qualquer lugar para o ensino religioso,
a alfabetização e o que poderíamos chamar ensino social e moral. '
Em 1556, foi apresentada a primeira obra clramc'íticcl do padre QUASE EXATAMENTE lff\1 SlfCULO mais rnoço do que Anchieta, C nas-
Anchieta ele que se tem notícia, o Auto da Pregaçao Universal, elo ciclo em Salvador, na Bahie1, Manuel Botelho de Oliveira (1Ó36-1711)
c
qual sobrevivem apenas dois pequenos fragmentos, n:'ío sendo possí- foi o primeiro brasileiro a ter um livro publicado (Músico elo Pcmwso,
vel saber qual seria seu tema ou forma. A relação elas personagens elas Lisboa, 17os) e o primeiro~~ escrever pc\:as efclivamcntc concebi- .:L;

duas mor<llicbcle~ ch clécicb ele 1sko, que chitéllll ele (lll:llldn o :n!fnr como ohr;ls de li!cr;ti\Jr;I clr;mLíticl, ou scj;t, ao mc11n:; !r_'c>rÍc;l·

já tem mais intimidade com a forma dramática, e que ainda sobrevi- mente destinadas ao palco 'Tt-nclo estudado em Coirnbm <linda no
vem em forma mais cornpleta, atestam o nível cultural ele ,'\nchicLt. período em que Portugal cs!c\·c subordinado il coroa csp;mhola,

t
vivendo na riqueza que ainda restava do que viria a ser chamado de
Século de Ouro, não espanta que Botelho tenha escrito suas duas
peças conhecidas nos moldes que Lope de Vega havia consagrado,
inicial de atividades culturais que depois iria separar completamente
os dois valores, rebaixando o folguedo para a categoria de diversão
das camadas populares e restringindo para as "cortes" locais as imi-

t
das "comedias ele capa y espada", que falavam dos hábitos urbanos 4
elos cidadãos mais privilegiados.
Também não é estranho que o baiano tenha escrito em castell1Jno,
pois nasceu ainda sob o domínio da Espanha. Além do mais, foi graças
tações de teatro europeu. Considerando que o ensino universit<'írio
continuava proibido no Brasil, os brasileiros com condições para isso
iam estudar em Coimbra, o que os tornava, via ele regra, cabeças por-
tuguesas vivendo na colôniél. . .
••e
a essa união fortuita que entradas e bandeiras puderam pcnetr~lr e des-
A outra fonte é a história elas vilas, cuja população crescia e pecha
bravar as terras que deram a forma quase definitiva do Brasil, ig11oranclo I

divertimentos e lazer para os que se lembravam ou tinham informa-
a barreira virtual do meridiano que, segundo o Tratado de 'T(>rdesilhas,
ções das atividades culturais ela matriz, e existe farta documentação
separava o mundo em duas pmtes, uma para a Espanha e outra para Por-
sobre os cantos e cLmças dos folguedos populares, dos quais o Brasil I
••
tugal. Os próprios títulos de suas comédias- Hay Amigo para Amigo e
é particularmente rico. Há registro ele incontáveis montagens de
Amor, Engaí'íos y Celas (Amor, Enganos e Ciúmes)- mostram o quanto
autores, principalmente franceses, muitas vezes por companhias por-
o baiano estava integrado ao domínio cultural espanhol do mome1Jto,

••
tuguesas que começavam a visitar 8 colônia, sendo que vários. atores
sendo a primeira uma resposta à No Hay Amigo para Amigo, de Rojas
optaram por permanecer no BrasiL Sem dúvida esses não senam os
Zor·illa. Hay Amigo para Amigo fala de amor, amizade e abnega<;:ão,
melhores mas, sim, aqueles que viam as plateias deste lado do Atlân-
bem à moda ela época, e a segunda, com enredo ele intrigas muito com-
plicadas, é obviamente inspirada na frase "amor, enganos, v cclo.s" de
uma fala de La Dama Boba, peça de Lope de Vega. .
tico como mais f<keis de satisfazer. São documentadas montagens de
vários autores espanhóis, além de Molicre ser montado em Cuiabá
na década de 1770. O único outro autor cbssico francês nomeado é
••
Não foi Botelho, tampouco, portanto, o iniciador ele llllla
dade dramática regular no Brasil, e o século XVIII só viu, no Brasil,
um certo aumento no número ele espetáculos. A ausência ele a11tores
ativi-
Voltaire, cuja Zaira teve grande sucesso.
A baranclc e contagiantc
. novidade elo final elo século, no entanto.
)73
••
brasileiros é total, pois hoje j:cí n;1o é mais cultin1clo o mito de se corl-
siclerar Antônio José, o Judeu (1705-17~9), como brasileiro. apelld» por
ter ele nascido aqui. ViH~nclo em Portugal a partir elos elo: ~lllm, ele
foram as óperas ele Pietro Metastasio (1698-J;Sz), cujos libretos
haviam fascinado vários compositores. e que erJm ouvidas em toda
parte, na íntegra ou dpcnas nos trechos mais famosos. A atividade
••
é em tudo c por tudo um interessante autor europeu, perfeib1mcrJtc
integrado na cultura portuguesa, em cuja obra não aparece uma só
icleia ou palavra que se refira ao Brasil.
artística, portanto, csta\a crescendo pois, bem treinados ou não, os
músicos eram importantes em todas ~1s principais cidades da colô-
nia. O teatro, sabemos, é uma forma tardia em todas as culturas; ele
• ••
aparece quando corresponde ao anseio de uma sociedade, e embora
Duas fontes diversas nos informam a respeito do teatro por estas
bandas no século XVII!, a primeira delas são os viajantes e~trangciros
os Inconfidentes tenham produzido prosa e poesia, faltavam a eles
tanto o amadurecimento elos instrumentos indispensáveis à criação ••
••
que deixaram testemunho de espetéículos de 111éÍ qualidade, interpre-
ele uma boa dramaturgia quanto, até mesmo, que o sentimento liber-
tados em sua maioria por ''crioulos e mulatos" de origem humilde e
L'írio abrangesse um percentual bem maior da população. Não existia
nenhum preparo, sempre apresentando, muito mal, textos europetJs.

••
ainda uma sociedade brasilciw, c a imitaç<:io da Europa era ainda <l
C) tom desses viajantes C· ~clllprc de desprezo, mas rcgistr<IIII .r rc; 1-
<lmbic!o cultural coil1ll!lJ.
De. CLíuciJO i\lanod da Co~ta ( I72Y-I/''>";1), tradutor c imitadm de
ll!.;l<,::lu de: fulgucdu:, populcm:s, <I par das tristes imitaç<lcs dcJ lc:tlru
europeu. Essa mescb ele obras tão díspares corresponde <111111 llÍ\ cl
:\lcL1stasio, só restou um Pamaso Obsequioso, um texto nada teatral,

••

inundado de musas e deuses, escrito para saudar o Governador da
Dada a importância do teatro no romantismo europeu, não é de
capitania de Minas Gerais, c!. José Luís de Meneses, conde de Vala-
espantar que Araguaia tenha tomado esse caminho. Em sua peça
dares; se ele escreveu tragédias, como consta, são todas desconhecidas.
Antonio José ou O Poeta e a Inquisição (1838), o conflito aberto de
Igualmente desaparecida é a incursão pelo teatro feita por Alvarenga
emoções e ideias, assim como o herói nacional, estaria devidamente
Peixoto (1744-1793), Eneias no Lácio. Na ausência de uma tradição ele
representados. Sua obra gira em torno de um conflito religioso não
teatro, ambos estavam, em arte, muito mais ligados a Metastasio e ao
local, é ambientada em Portugal e tem como protagonista Antonio
quadro social e político em que engajaram suas vidas de cidadãos. Em
José, do qual já falamos. Assim, se Araguaia tinha razão, ao afirmar
matéria ele teatro, o século :\'VIII terminaria em silêncio.
no Prefácio do texto impresso, "Lembrarei sornente que esta é, se não
me engano, a primeira tragédia escrita por um Brasileiro", ele nâo
é exato na continuação de sua frase "e única de assunto nacional''.
A trama armada por Araguaia é bastante bem-elaborada, muito
A Consciência de Nação embora com momentos de exagero de palavra e situação; e é incom-
preensível, embora lamentável que, desde os tempos de Joâo Cae-
e o Nascimento do Teatro Brasileiro
tano, a peça nunca mais tenha sido montada. Ao íntegro e ingênuo
Antonio José, o autor contrapõe Frei Gil, monge corrupto e vd, que
denuncia o jovem judeu ao tribunal ela Inquisição, não por ser judeu
MUITAS E SIGNIFICATIVAS FORAM as mudanças que tiveram lugar no
ou constituir ameaça ao cristianismo, mas apenas para conquistar
Brasil a partir ele 18o8 com a elevação da colônia a "Reino Unido",
para si l\1ariana, a amada ele Antonio José. Com isso, ao menos,
quando ela vinda ela família real para o Brasil. Com a Aberturél elos
temos aqui a ligação de urna intriga pessoal, a do ciúme, conectada
Portos, novas possibilidades foram abertas para a educação, a indús-
a outra maior, a Inquisiçâo, o que é positivo para a estrutura ela açâo, 375
tria e o enriquecimento cultural. Tudo isso acabou criando o climd
com os Yalores conflitantes bem-estabelecidos nos dois níveis.
para a Independência; e foi sô depois desta, refletindo os primórdios
. Araguaia expressa, assim, a continuidade cultural inevitável, dada
ele uma tomada de consciência da nova identidade, que finalmente
d manutencão dinástica que atravessa o corte da independência.!\
nasceu o teatro brasileiro.
formação ele Araguaia era portuguesa c europeia, c ele refletiu a
Dois autores, que en1 conjunto expressam bem o Brasil ele cnt:.lo,
força da cultura recebida, mesmo em alguém que, como ele, sem
são os fundadores elo teatro nacional: o mais erudito elos dois é
clú\~icla era apaixonadamente brasileiro. Assim, Araguaia não se alcvc
Domingos José Gonçalves ele Magalhães, visconde ele Araguaia (18n-
a temas brasileiros; sua única pulra obra drarnática, Olgioto, em que
188z), nascido não mais em uma colônia, mas no Brasil, reino unido
0 heroísmo em nome da honra é o tema elo conflito, também se passct
a Portugal e Algarves. Formado em Medicina, não mais ern Portu-
na Europa, na Itália renascentista. Além disso, traduziu "Otelo'', niio
gal, mas na nova Escola Médico-Cirúrgica ela Corte, viajou para a
elo original, rnas na adaptação elo francês Ducís. . .
Europa no momento em que lá explodia o romantismo, e foi respon-
O outro autor é, esse sim, o grande fundador elo teatro brasdeno:
sável por sua introdução no Brasil. Quando voltou, foi professor de o
Luís Carlos l\.1artins Pena (J8rs-úl4l), também j6 nascido ciclaclão elo
filosofia no Colégio D. Pedro II, trabalhou no gO\·erno elo Maranh?lo
Brasil reino. Perdendo o JXIÍ aincb rncnino, foi encaminhado pelo tutor
c em Porto Alegre, mas sua principal carreira foi a cliplnlll:Í!ica. ll'mlo
p:1r:1 :1 Fscob ele Cmnércio. nus 1cntou t:nnhérr1 a \c~ldcmi:l ele
representado o Brasil !lo Reino das Duas Sicilias, na E~panha, na
Belas-Artes. Leitor voraz ele história, assim corno ele te~rtro, apren-
Rússia, nos Estados Unidos e no Vaticano, onde faleceu.
deu francês, inglês, italiano c cdcrn:.lo. Jiuncion{lrio p(iblic:o, corno
•t
a maioria da burguesia mais modesta sempre foi, serviu na corte, na
da corte imperial, pois, longe ele rapapés e cerimoniais, a população
••
se adaptava mais fácil e rapidamente às duras realidades do clima, ~
Secretaria de Negócios Estrangeiros, sendo depois mandado, como
adido de 1ª classe, para a Legação Brasileira em Londres. Lá traba-
lhou de fevereiro a outubro de 1848 mas, com o agravamento da
em trajes e hábitos. Martins Pena abandonou as falas longas e partiu
para um diálogo de frases cqrtas e vocabulário mais informal, perfei-
tamente adequado às condições sociais e econômicas dos ambien-
•t
tuberculose de que sofria, tentou voltar para o Brasil, falecendo, I
porém, em Lisboa, que seria a primeira etapa da viagem.
Foi durante um bom tempo um forte hábito no Brasil a acusa-
dora queixa de que não tivemos teatro pelo menos até meados do
tes nos quais tem lugar a a<:;'ói.o ele cada obra, condições que variam
não só entre si, como também entre personagens de cada peça em
particular.
A peça de estreia, O Juiz de Paz na 1\.oça, já revela um talento em

41
século xx, sempre com base na comparação com outros países, prin-
seus primeiros passo~, em \·ocabulário e form<1, tanto quanto no tema
I
cipalmente a França e a Inglaterra; mas se a função do teatro é a
I
••
de refletir a natureza, essa natureza é principalmente social, e seria que espontanean1ente lhe ocorria e viria a ser o principal da grande
impossível existir um teatro brasileiro nos moldes dos grandes cl~'ís­ maiorid de suas obras, o uni\·erso do Rio ele Janeiro nas décadas de
sicos europeus simplesmente porque não havia aqui uma sociedade 1830 e 1840. Escrita quando o autor tinha apenas dezoito anos, a
a ser refletida naqueles termos. Se podemos dizer que o teatro bra-
sileiro começa com Martins Pena, é porque, em suas comédias, ele
comédia deixa transparecer sua inexperiência no uso da forma dra-
mática, embora desde logo evidenciando sua grande capacidade para
criar personagens plausíveis, as mais diversas. Nessa obra inicial de
••
foi brasileiro, refletindo a modéstia e a fragilidade da vida cultural no
Rio de Janeiro entre quinze e vinte anos depois da Independência.
Voltando a atenção para os seus terríveis dramas, todos falsos por-
l\1artins Pena, urna trama é o universo onde mora Aninha, que quer
se casar com José, que, por ser solteiro, está na mira do serviço mili- ••
que ele não fala ali do que realmente conhece, teremos de voltar a
negar a existência de teatro no Brasil, isto é, do fracasso brasileiro
tar; a outra trama é um divertido retrato ela precariedade da Justiça
em suas instâncias mais primárias e despreparaclas. Para unir e resol-
ver as duas, o autor recorre a uma festa, lll11 tanto quanto arbitrária,
~77
••
••
em escrever e montar peças aptas a serem comparadas, em forma e
conteúdo, às procluzJdas pelas maduras culturas europeias da época. mas mesmo assim deixando forte impressão ela viela teatral contida
l·~x;mlÍll<mclo esses enganos (h carreird ele Martins PenCJ, entre Fer- no texto. l;~ importante, para isso, a preocupação que Martins Pem1
demonstra, desde es~a obra inicial, com o cenário e os figurinos.
nando ou O Cinto Acusador, D. Joao Lircz ou O H.epto, Itamindo ou
() Cu~rreíro TufJcl, D. Leonor Teles c Vitiza ou O Nero ele Espanho
fica di!ícil dizer qual o pior, mas fácil reconhecer que esse autoclicbta
na medida em que esses são parte integrante ela caracterização das
personagens.
••
tinha, na certa, mergulhado na leitura do teatro romântico europeu.
Depois de O Juiz de Paz na Roça (que estreia em 1838), sua primeira,
Depois dos anos dos dramalhões, Martins Pena, já com 27 anos,
retomou o caminho certo para seu talento. Em Os Dois ou O Inglês ••
••
ingênua e deliciosa comédia nascida da observação, o jovem Martins l'v1aquinistcl já aparece uma nova faceta do que é observado na vida
Pena deve ter sonhado em ver seus dramas representados por João carioca, e pela primeira vez é criticado o culto brasileiro a tudo o v,
2
Caetano, que preferia as tragédias; porém após esses cinco desastres- que é estrangeiro. O título, naturalmente, refere-se ao desembaraço CC

••
~

escritos entre 1838 e 1941-, ele definitivamente aceitou não ser esse o imperialista com que ingleses espertalhões abusam dos brasileiros,
c é preciso lernbrar que o termo "maquinista'' é usado no sentido ,.,
seu caminho, e que a comédia seria um veículo ótimo para expressar ~:;

de intrigélllk. ,mnaclor ele "maquitlac,·flcs"~ !Jl<ts o autor ataca l.éllll-


stLJ ;t!JWros;l c crílic~t \Ís<!o elo Br;tsil de então.
I•, ttupurlantc u fato de t\lartins Pena \·oltar seus olhos para ;1 tta:;-
ccntc classe média brasileira, c tlJO mais para o pretensioso círct1lo
bém, e com grande eficiência, o negreiro, cuja a ti\ idade lhe dcí o
nome.];~ smp~eendente <I habilidade com que l\;lartins Pena, em um Y. ••
••
bigodes, etc. Os meninos saltam de contentes ao redor do judas c
país sem qualquer tradição de dramaturgia, usa o recurso sutil de
fazem grande algazarra.'
denunciar o tráfico de escravos por meio de sua apologia, deixando
a personagem marcada como negativa, sem necessidade de qualquer
Sendo o Judas crucial na resolução da trama, a apresentação tem
esclarecimento.
Em um ambiente ingênuo como o que l\!lartins Pena retrata, é todo o cuidado necessário para a encenação correta ela peça. A ação
bem possível que tivesse sucesso um inglês que quer capital brasileiro se desenvolve toda em torno elo comportamento .das du<ls irmãs, c o
para criar uma indústria que, em seu início, transfomwrá ossos ele primo Faustino, com su::t escolha ele noiva, aprova a recatada, além ele
boi em açúcar e, a seguir, fabricará uma máquina que sozinhd, sem ser responsável pela denúncia ela corrupção que grassa no país, tema
necessidade de mão de obra ou qualquer outro auxílio, irá transfor- favorito de Martins Pena. Re~cre-sc à corrupção uma fala llotávcl de
mar um boi nos mais diversos produtos, tais como rosbife preparado, Chiquinha: "Quando meu pai trabalhava pelo ofício e tinha urn jornal
botas prontas, pentes etc. Gainer, o inglês, insiste que tudo o que faz certo, não podia viver; agora que não tem ofício nem jornal, vive sem
é com grande sacrifício pessoal e para único benefício elo Brasil ... necessidades. Bem diz o Capitão Arnbrósio que os ofícios sem nome
Felício, a quem é feita a proposta, com promessa de um lucro de cin- são os mais lucrativos." "Jornal", no caso, significa salário, mas o termo
quenta por cento, declara-se muito interessado mas, logo, em aparte, estranho não impede que o significado ela fala continue a ter forc;a.
mostra não ser tão ingênuo assim, quando diz: "Assim er~1s tu tolo ... " Não é possível comentar as 23 comédias de Martins Pena, e algu-
Quando, a seguir, Martins Pena escreve uma de suas obras mais n'1as delas, como As Desgraças de wna Criança e Quem Casa Ouer
famosas, Judas em Sábado de Aleluia, seu domínio da forma dramá- Casa têm sido montacl<1S eventualmente. O mesmo acontece com ~~
tica já era total, e a trama se desenvolve com total coerência. A p~;ça obra-prima elo autor, O Noviço, que denuncia não só o ganancioso
Ambrósio, que deseja encaminhar para a vida eclcsiüstica os lrê~
confirma sua fama ele leitor voraz, pois as diferenças de tempera-
mento de suas moças, uma discreta, a outra namoradeira, lembram filhos ela viúva Florência, com quelll se casa, a fim ele ficar com o
certas comédias ele Moliere, enquanto Shakespeare parece estar em dinheiro que eles teriam por herança, mas tambérn a Igreja, que com-
mente na carta de "um admirador", que em tom e estilo se assemelha pactua porque também lucra com o golpe. A construção dess<l comé-
dia é exemplar, e se antes ele já mostrara conhecer grandes <lutorcs
à que Hamlet enviou a Ofélia. Nesse Judas é também possível sen-
elo mundo moderno, o monólogo ele Ambrósio que inicia O Nol'iço
tir com clareza a preocupação do autor com a viela cênica elo texto,
é o perfeito equivalente elo jm'ílogo típico das comédias ele Pbulo.
como fica marcado na rubrica inicial da peça:
Cabe a Carlos, o revoltado !loviço do título, uma fala brilh<mtc, de
particular valor por não só faLu da situação imediata do jovem, lll<lS
Sala em casa de José Pimenta. Porta ao fundo, ;\ clireit;l, c J
por tratar também de um mal rnais amplo, que afeta o país. Qu;mdo
esquerda urna janela; além da porta da D. uma cômoda ele
Emília, sua 8mada, lembra que ao seguir carreiras que não querem,
randá, sobre a qual estará uma manga de vidro e dois castiçais ele
rnas lhes são impostas, os filhos-- di7.em- acabam acostunl<ldo:; ;I
casquinha. Cadeiras c mesa. Ao levantar elo pano. ;1 ce!la c;,lará
distribuída ela seguinte maneira: Chiquinha, senldda junto il elas pelo tempo, responde ele:
mesa, cosendo; Maricota à janela; e no fundo da saL!. :1 dircit<l
O tempo acoslt1111~1rl l~is aí porque \'CI110o entre nós tantos ;1bsurclos c·
da porta, um grupo ele quatro meninos e dois moletjucs aecdl<lln
disp~natcs Fsle \c111 iciln 1);11':1 '<lp:llc•!JO pr>is 1:i C"simLJr !liC'rlicllll
ele apronLtr lllll jJI(Lis. o qual estar<1 <lpoi<tdo :1 p:ncck. S(·r:1n 'l'll'
trajes casaca ele corte, de \'eludo, colete idem, botas ele HH>n l<H, ,\!. Pell'l. Juclos em Súbodo ele .-\lclui!l. -\to 1. C:c11:1 1. c111 D,acv DaiJFISC<'IIO lt<I'L; 1. /.

chapéu armado com penacho escarlate (tudo muito ma do 1. longos '((·otro ( :ornplcto de Martins P'"'"

••
Excelente médico! Aquele tem inclinação para cômico; pois não
interpretação de tragédias nem uma riqueza teatral que permitisse a
existência de opiniões mais a~xdizadas, a visão atual sobre o ator tem t

••
senhor, será político ... Ora, ainda isso, vá. Estoutro só tem Jeito
de levar em conta o que ele próprio pensava sobre o teatro e a inter-
para caiaclor ou borrador; nada, é serviço que não presta ... será
pretação e que encontramos nas Reflexões Drmnáticas e nas Lições
diplomata, que borra tudo o quanto faz. Aqueloutro cham:1-lhe toda
Dramáticas que escreveu. f: interessante, em particular, a visão crí-
a propensão para a laclroeira; manda o bom senso que se corrija o
tica que o próprio João Caetano tem de suas atuações na juventude, I
sujeitinho, mas isso nãn se faz: seja tesoureiro de repartição, fiscal,
e lá se vi'io os cofres da nação à garra ... l:'~stoutro tem uma gr:111cle
carga ele preguiça e indolência e só serviria para leigo ele comcnlD,
e como ele encarava com seriedade seu ofício ele ator; se suas lições
não são totalmente originais, elas pelo menos mostran1 que o autor ••
no entanto vemos o bom m:1ndrião empregado público. comemlo
com as mãos cruzadas sobre a pança o pingue ordenado ela naç:ão.
leu o que pôde a respeito, o que é um depoimento positivo sobre sua
postura em relaç<1o 8 sua arte. ••
Carlos ainda inclui em sua crítica o descaso com que são tratados
os artistas, notando que os escritores morrem de miséria no Brasil.
••
O Noviço é uma comédia de alta categoria em forma e conteúdo '
merecendo ainda mais montagens do que já teve até hoje.
)

O Século XIX:
Perseverança na Descontinuidade
••

Infelizmente Martins Pena foi um fenômeno isolado; é irônico
que, quando o Brasil teve seu primeiro bom autor para teatro, com
uma produção constante, infelizmente cedo ceifada pela tubercu-
lose, o primeiro grande ator brasileiro, João Caetano (18ob-186)), qui- INFELIZMENTl'.. ESSE FLORESCIMENTO DE texto e espetáculo, que se
seguiu logo 8 Independência, não teve continuidade. Porém, embora
)81 ••
sesse ser chamado ele o "'falma brasileiro" e por isso mesmo prcfcrÍél
atuar nas montagens que, ao que parece, eram péssimas "adapl<I-
(;õcs'' ele Shakespeare, elo francês. Nem por isso podemos desmerecer
n8o ficasse inst;J]acb uma atividade constante, em meados elo século
come(,:~Ir<lll1 a aparecer novos nomes a serem lembrados na dramatur- ••
Jo::ío C;H:~hmo, cuja preocupaç8o com o teatro brasileiro o levou. em
1~S~), a formar urna companhia de atores brc1sileiros, muito especi-
gi~l brasileira, nomes es;.;es, via ele regra, bem mais famosos por suas
obras liter,inas do que por 'iUas incursões pelo teatro. Em grande parte,
a maior infl.uênci<I é a do romantismo, mas em algumas dessas obras
••
••
ficamente 110 intuito de livrar !lossos palcos do que não hesitou em
chamar dependência de atores estrangeiros, ou seja, tendo como j~i aparecem indicac,:õcs de certa preocupação com ternas brasileiros.
estrangeiros os atores portugueses. Ele criou também um prêmio de O primeiro que merece atenção é Alvares ele Azevedo (1831-1852),
estímulo ao autor nacionaL
João Caetano foi unanimemente louvado ao longo de sua carreira,
o que não significa que ela toda Hão tenha sido ele lutas. Entre o eles-
cujo T\1acârío não chega bern a ser teatro, mas, segundo afirma o
próprio autor, é influenciado por vários autores que usaram a dra-
rnaturgia mais ampla e variacb do Século de Ouro espanhol e da ..,
••
••
0/0

::0
preparo cbs plateias para um teatro mais sério, o preconceito contr<l Inglaterra elisabetana.
s
os atores c a falta de estímtdo inteligente por parte elo gon:rno \ ÍH'U Seria possÍ\·el talvez ~1ceitar que, com a maior parte do texto vo1-

••
o primeiro grande ator brasileiro. l':lc atuou durante algmts anos rHl tacb p;na o sonho que tem lVIadrio, na taverrw aonde chega exausto. -
_.:..,

o j(l\l'lll ctttlr,· wcnrt·;: ;, 1-t>i"IIU cL-1 coJllC'ciÍ~l clcntro cb nnnéclia; lllel~


ic:llru ;l!tl~Iclor. t: l~.li 110 p;Jlco qtll' ele nprcfl(ktl c Clprimorotl \lt;l :r ri<·:
tudo indica que ele encarm·a o teatro cotll muita seriedade. e cpw li;~ falL1 econoJllÍcl dréllncític<! à indisciplinada amplitude de encon-
tudo o que encontwvd a respeito. Corno não havia concorrcttks rLl tros. que incLlÇ~llll sobre:' a vida, a morte, o amor c mais todas <~S
;;;:

••

inquietações que, ;;em dúvida, sentia o próprio autor. Mal saído de pela literatura dramática, que dessa vez é bem-sucedida e cumpre
sua adolescência, Alvares de Azevedo morre antes dos 21 anos e deixa bem seu destino no palco.
em Macário apenas a possibilidade de um talento dramático, para No Prólogo de Leonor de Mendonça há ecos de Aristóteles, quando
além do poético, que deixou confirmado. Gonçalves Dias afirma que não há vícios em seus protagonistas, mas
Dedicou-se um pouco mais ao teatro Gonçalves Dias ( 1823-1864), apenas defeitos, e também quando ele afirma ter como "fatalidade" a
obviamente por influência do sucesso de Victor H~tgo. Ainda estu- lógica implacável de causa e efeito, com cada personagem sendo ele
dante em Coimbra, escreveu dois dramalhões em que protagonista e fato responsável pelo que lhe acontece, sempre em função ele suas
antagonista são o bem e o mal em ação, de acordo com o que preten- próprias ações. Que tais ações sejam condicionadas pelas circuns-
dia ser o exemplo shakespeariano, que seguira o francês. () núrnero tâncias das convenções do momento é o que as torna plausíveis, e os
reduzido de personagens- cinco no primeiro, quatro no segundo - quadros sociais em que são situadas as personagens validam a ação
sugere mais o caminho neoclássico elo que o romântico, mas a varie- de cada uma. Formulando um quadro geral que inclui essas exigên-
dade de locais está mais de acordo com esse último. Nem Patkull, cias, Gonçalves Dias cria sua obra-prima dramática, a única ele suas
que se passa na Polônia, em 1707, nem Beatriz Cenci, que se passa na peças que se iguala ao nível de sua poesia.
Itália, em 1598, jamais chegaram ao palco e, além do despreparo na Surpreendentemente, quando Gonçalves Di~ts, coiTl Boabdil, vol-
forma dramática, é possível que sejam ambos prejudicados pela dis- tou ao teatro, quatro anos mais tarde, mais uma vez ele se direcionou
tância cronológica, geográfica e cultural que têm do autor, a par das para uma cultura estranha. Dessa vez, os ;árabes, que dominaram a
complicadas traições causadas por paixões contrariadas e casamentos Espanha, agora estariam a ponto de ser expulsos pelos cristãos; assim
que pais impõem às filhas. Beatriz Cenci, o melhor dos dois, esteve como em suas primeiras tentativas clramúticas, o resultado fica falso
a ponto de ser montado, mas a censura de então, com característica e pesado, com longas falas explanatórias, que nada têm de teatral.
miopia, proibiu, por alegados motivos morais, sua apresentação. Não Nessa época, quem mais se dedicou ao teatro foi Joaquim Manuel
seria nem a primeira, nem a última prova da lamentável intcrfcrêllcia de Macedo (182o-1882), interessante figur<l que estudou J\!Ieclicina no
ela censura no teatro, a arte que sempre lhe parece mais ameaçadora Rio ele Janeiro, mas foi profes,sor ele Geografia c História elo Brasil no
todas as vezes em que o teatro se aproxima mais desabricLnncrJtc Colégio Pedro n, deputado, membro elo Instituto Iiistórico e Ccogr;í-
daquilo que é sua função essencial, a ele ser o espelho da n<Jlurc!.~l, fico, da Sociedade i\uxiliadora ch lndústri<~ Nacional, do C:omcllw
e com isso observando e esclarecendo comportamentos l1ununos Diretor ela Instrução Pública e sócio elo Conservatório Drarnálicu clu
Poucos anos mais tarde, ao escrever Leonor ele IVIenclon~·a. Ccll J(, ;Jl- Rio ele Janeiro. Sendo bem homcn1 ele su:c1 época, l'vlaccclo se deixou
ves Dias mostra uma considcr<cível evolução no clornínio da c'truttllél tentar pelo drama, mas llClll O Cego, co1n o qual desaprova a tiwnie~
dramática, e a distància no tempo não pesa a alguém que tern intil1li- elos pais em relação aos casamento~ ele ~ua~ filhas, nem Cohé, que
clade com a cultura portuguesa. Mais integrado no romantismo. Con- condena a escravidão do índio, nem rnesmo L1•sbelc1, que na linha
ç:alves Dias abandonou a concentração elo classicismo em poucas da Dama elas Camélias trata ela expi,1ção ele uma seduzida, conse-
personagens e ampliou seu campo ele ação, o que lhe permitiu ligar guem em forma ou conteúdo alcançar um nÍ\'Cl aceité'ível de teatro.
os protagonistas do drama a seus universos ele origem, qtlC dekrmi- Nas comédias, no entanto, M~1c:edo tem muito 1nais sucesso, ;~o
narn serem como são cl. Jaime, Leonor e Alcofor<tclo. I~: pnlVéÍ\ cl éJ'IC seguir a trilha de Martins Pena, tem h> em O Primo da Calífômia, que
\Ctlha ela influência de Victor llitgo. alé'm elo lotll c cb c>;lrttlur 1 ck-mtl1cie~ C<llll 1~tmwr o cuho cbs wi,ts r'rltiW Clll O i\-!ococu do
pc<;a, a ideia de hm·er de escrrto um Prólogo, no qual aprcseuLt stta \ i;.wlw, cuja trama envolve um possí\ c! adultcrio, impedido qu<mdo
\is<1o e~tética e ética elo lema que escolheu para sua nm;l incltr.<lo 0 m;uiclo percebe que não poclc d<tr lllêlÍs ;ltc·nc::'\o a seus can<írios do
4

que à sua mulher. O ponto mais alto de sua dramaturgia denuncia o


quatro atos, montada em 1857, faz parte do empenho que o autor

4
culto ao que é estrangeiro, que Martins Pena já aproveitara tão bem
sempre teve na campanha pela abolição da escravatura que, nessa 4
em Os Dois ou O Inglês Maquinista. No centro da divertida crítica de
A Torre em Concurso (1863), estão dois brasileiros espertos e desem-
comédia, se apresenta de modo muito interessante: Pedro, o "mole-
que" escravo, provoca um desastre atrás de outro, produzindo toda
espécie de confusão, mas fica afinal concluído que ele não pode ser
••
pregados, que se apresentam como engenheiros ingleses em uma
cidadezinha, cujo prefeito impunha tal condição a quem quisesse
ser contratado para construir a torre da igreja. A incompetência elos
responsabilizado, porque é escravo, jci que nunca foi preparado para
raciocinar ou ter responsabilidade por nada. Assim send6, ele ''obe-
dece" de forma desastrada e, no final, é "condenado" à liberdade,
••
dois pseucloingleses e da polícia que os procura fazem parte do t1nal
sendo o termo usado justamente para ficar claro que essa última
t
feliz, no qual eles fogem justo quando chega a notícia da nomeação
elo jovem engenheiro brasileiro para comandar a construção da torre implica responsabilidade, o que por sua vez demanda compreensão t
e, naturalmente, casar-se com a eleita até então inatingível.
e raciocínio. A comédia não chega a ser realizada em um nível que t
favoreça sua montagem; a própria relevância ele seu tema empresta
A disputa, na comédia, é usada para denunciar tanto a corrupção t
quanto a ignorância dos políticos, além ele expor ao ridículo uma tia
quase velha ainda querendo namorar. Macedo é ainda autor ele outros
títulos de comédia, e elevemos lembrar que seus dramas, embora sem
ao texto um certo tom didcitico e moralizante que prejudica o todo,
mas não hei dúvida de que ela foi realmente significativa a seu tempo.
Mais agradável e divertida é Rio de Janeiro- Verso e Reverso, de 1857,
••
maior mérito, marcaram uma clara etapa de desenvolvimento ela dra- comédia em dois atos, na qual um paulista visita o Rio e, durante t
maturgia brasileira por ter o autor abandonado as apaixonadas ações de
'2poca :Io romantismo, passando a escrever sobre seu próprio tempo, o
quase todo o primeiro ato, só vê os defeitos e erros ela cidade. Apai-
xonado por uma carioca, o rapaz passa, no segundo ato, a reconhe-
cer todos os muitos cncautos que podem ser encontrados na corte.
••
que o tez o criador elos ''dramas de casaca", assim chamados por usa-
rem os tr<:tjes elo momento, l\!Iesmo que não seja muito bom teatro, é
positivo encontrar marcas ele viela hrasileir;1 em sua obra.
Escrita em versos, a comédia é leve e divertida, com bastante varie-
dade em suas personagens e um sabor local muito especial, que cer- ••
Temos <Jincla de lernbrar o talentoso cearense José de Alencar
( tihcpí:l77 J. Sem dúvida, o fato ele podermos encontrar em sua
ohra tuo forte dose ele brasilidacle se deve ao fato ele ele ter estudado
tamente revela a constante brasílidade do autor.
Data ainda dos primeiros anos voltados para o teatro, uma "ópera
cômica" intitulada A Noite de Sao Joao, para :.-1 qual :Elias Alvares
••
Direito. não em Coimbra, mas, sim, em São Paulo. Corn sólida car-
reira no scrviç·o público, ele é mais famoso como autor de roman-
Lobo compôs a música, e que foi apresentada no 'T'ettro Provisório
em dezembro ele 186o, quando José de Alencm já havia passado a ••
ces corno O Gwtrmú e Iracema, entre outros, mas é relevante notar
que dedicou ao menos uma parte de seu talento ao teatro. O fato é
i ntcrcssante porque várias de suas peças foram montadas durante sua
escrever seus dramas.
Em O Crédito busca-se um retrato ele um novo aspecto ela vida na
corte, sendo a trama elaborada em torno das mudanças econômicas,
••
\Ida, o que atesta ler ele sido um autor popular, ou de prestígio, lU
(·rxJcJ. Pénadoxalmente para os dias de hoje, porém, ao que parece,
no caso, o aparecimento ela ideia ele crédito, e sua influência sobre
a socíeclacle, não só pelo que ele pode ±~tcilitar em aparências, como ••
:JcctUvcl à época, Alencar foi também censor do Conservatório Dra-
llléÍlico Brasileiro que, ao mesmo tempo, estimulava o teatro c lhe
em questões éticas mais básicas. Negócios e namoros são igualmente
influenciados pelo crédito, c a no<,~ão de trrcsponsabiliclade alimen-
tcJcb pela igwn01lC·ia <!parece em termos cb prcciria formac,:ão
••
••
1:1 tllll:! rígich ccnsur;J moral.
da~ undhucs que, t'lilrc ()utrct:; cu1sas, IJ<lO lélll itki<t du tttlct!lto custa
,\_, citt:ts prliilClLis obras dramâl1c1s de Ju:;C:: de ,-\lcncar são, na \·cr-
o luxo que querem ostcntctr. ~~~ um típico drama ele casac<l, que tem
dadc, as lllclltores ele toda <l sua produção:() Demr!nio Familiar. cn1

••
como modelo os dramas igualmente moralizantes que apareciam setembro de 1875", mas dificilmente o texto resistiria a uma mon-
na França. tagem moderna.
A preocupação com valores morais domina a quase totalidade da Outro grande romancista que emprestou urn pouco de seu talento
obra teatral de Alencar daí por diante. As Asas de um Anjo é mais ao teatro foi Antônio ele Castro Alves (1847-1871), cuja ligação com
uma contribuição brasileira para a queda e redenção de uma ''darna o teatro deveu-se principalmente ao seu amor por Eugênia Câmara
das camélias". Aqui, e mais ainda em sua continuação, A Expiação, o (1837-1879), a atriz com quem.vivcu por alguns anos e para quem
tom moralizante, que torna a vida da redimida uma punição eterna, escreveu Gonzaga ou A Revoluçélo de Minas, Esta foi apresentada
prejudica tanto a obra pelo peso da lição moral quanto as persona- pela primeira vez no Teatro S. João, em Salvador, em 1867, com um
gens, que ficam totalmente reduzidas às suas funcionalidades na grupo de amadores e, depois, em 1868, jc'í como profissional, em São
trama. É pitoresco lembrar que a primeira foi montada, aparente- Paulo. Muito embora tenha escrito um "drama cômico" intitulado
mente com sucesso, no Gim1sio Dramático, mas não há traço de Urna Página de Escola r\ealista e um drama em três partes, das quais
montagem da segunda. só a primeira foi publicada, D. Jvan ou A Prole dos Saiumos, só sua
Entre essas últimas duas peças, em 186o, aparece 1\1ãe, essa nova- romântica obra sobre a Inconfidência Mineira é digna ele atenção.
mente sobre a escravatura, porém com ênfase no preconceito racial. Castro Alves faz seu protagonista Thomas A,ntônio Gonzaga, e ela-
A figura de Joana, a escrava negra que se sacrifica pelo filho, tem bora sua trama de modo a envolver tanto o tema da independência
comportamento bem pouco aceitável aos olhos de hoje, passados quanto o da abolição da escravatura, além de ressaltar as convicções
mais de 150 anos, pois seu objetivo, humilhada e se escondendo republicanas dos Inconfidentes. Essa única obra drarnática válida liga
até à morte, é fazer com que o filho, branco de aspecto, ignore sua Castro Alves ao romantismo passado, mais do que e~ o realisrno que já
ascendência negra ou, ao conhecê-la, continue a repudiar sua ori- era o tom dominante na incip:entc dramaturgia nacionaL
gem, graças à morte da mãe. Não deixa de ser positiva, é verdade, d Mais moderno que Castro Alves, porém rnais velho em idade
postura de José de Alencar contra a escravidão e o preconceito raCla 1. que o poeta, seu conternporâneo de atividade literária, Foi }oétquirn
n;1o sendo possível ignorar em que mundo ele csciT\'i:t, ela França Júnior (18)8-18l)O), brilhante jornalista que, como seus
A última peça de Alencar, O fesuíta, teve problemds c:on1 ~1 c-cJt- contcrnporâncos, fez carreira no scn,ic;o público Ao teatro ele deu
sura, mas é difícil encontrar no texto maior mérito elo que o ele djHC- considcr~hcl atenção, cscrc\(::'Jlclo ccrGt de quinze peç:as, com ~~ •
scntar seu protagonista como defensor ela independência do Br<Jsil característica de jamais cair na tentação ele cxperimcnte1r o drama,
ainda nos idos de 1759. O conflito elos jesuítas com o iVLuc1uês de e ficar sempre fiel à cornéclia de costumes. G: interessante ver como,
Pombal é apresentado como um ambicioso plano que teriam os a essa altura, j8 temos um autor ínteiranlcltle lig~1do a temáticas br,l-
primeiros de fazer do Brasil independente uma pátria para tod<lS as sileiras, seja na úrea dos relacionamentos pessoais, como em Direito
religiões, o que não é muito plausível partindo da Companhia ele Por Linhas 'Tortas, O Tipo Brasileiro ou Amor Com Amor se Paga, seja
Jesus. Além disso, há um excesso de longas falas sobre o que não nas críticas à política de seu tempo. como em Coiu o FVIinistério, Três
pôde ser transformado em ação. O Jesuíta foi motivo de grande Candidatos ou Como se Fazia wn Dc(Jutoclo SJo e~sas últirnas que
polêmica na época entre Alencar e Joaquim Nabuco, com o autor têm dado maior fama a França Júnior, e su~1 crítica à corrupção nas
se queixando amargamente do desinteresse do público por stJ<t eleiçôes c à ignnr;1ncia elo eleitorado é: prccis;! t:' bclll-conduzicla c'ln
ctprcsentação, que alic'ís ele rcconhccctl ler siclo ele mcí ljtLilichclc termos de con 1éckL
, ;;,i,, c;b;Jiad;t. ), C;dalltc de SuuDl ;il1ntld que "';q)csdr ck Uil1- .\ Liltillla oiJw ele Fr:cmç1 Júnior loi /\.s üuu/nrus, de 1ooy, na qual
dcn;Jclo pelo Conservatório DramMico, foi lc\aclo it cCll<l ;J H) de j;1 se pucle sentir que ele pertence ;1 tcmp()-; nwis nJoclernm, pois n

G

estrangeiros como Ibsen ou Strindberg, mas a culpa não era sua e,


•t
••
telefone, instalado no Rio de Janeiro pela primeira vez em 1883, é
usado como parte do desenvolvimento ela trama. Por outro lado, a sim, das deficiências elo nosso ensino público, e grande parte do ensino
posição do autor é rasgadamente conservadora, pois a comédia con- particular; e não nos esqueçamos ele que, até quase o fim do século
dena integralmente a ideia de a mulher estudar ou exercer cargos xx, era perfeitamente possível uma brasileira ou um brasileiro cursar
t
••
ou profissões, sem dúvida o pensamento dominante na sociedade todo o 1º e o zº graus sem jamais ouvir a palavra "teatro".
daquele tempo. Assim, a peça apresenta como ridículo a mulher Não seria possível, em tais condições, formar uma plateia para
estudar qualquer coisa além dCJqnilo que a preparava para· o conví,·io algo diferente do entretenimento que efetivamente vinha atraindo
social, pois seria monstruoso julgar que ela pudesse se realizar na' ida o público a partir ela década de 1890 e das primeiras décadas do
a não ser como mulher e mãe, já que o estudo a afastaria desse seu século XX: a revista, o esquete, a paródia, a féerie. A principal ori-
t
I
••
destino biológico. Podemos lamentar a estreiteza na visão de França gem do sucesso dessas formas foi a visita que aqui tivemos da com-
Júnior, mas ele refletia sem dúvida a sociedade em que vivia. panhia francesa Bataclan que, no início. dos anos ele 1920, veio
O Brasil andava inquieto; a Abolição da Escravatura, em 1888, e a ao Brasil, trazendo músicos e dançarinos competentes, figurinos e
Proclamação da República, em 1889, foram momentos cruciais para
a afirmação ele uma independência cultural negada em 1822 pelo
que foi, afinal, uma continuidade dinástica. Ela não se daria inte-
cenários espetaculares c até o uso do assim chamado "nu artístico",
deixando, com tudo isso, deslumbrada a plateia carioca e influen-
ciando a revista local, que começou a melhorar seu nível, e se pro-
••
gralmente então, e seria tolo negar que a seiva do passado português
não pesaria ainda por muito tempo no descm·olvimcnto cultuwl e
pôr a ser, em tudo, igual ao grupo francês. Mas, dessas companhias,
falaremos-mais adiante. ••
artí~tico do Brasil, e não pouco pelas liga<;ões desse com a eulturél
fraiic:e~a. Assim, se é certo que o teatro brasileiro nasceu pouco depois
da InclepcnclênciCJ, a Abolição da Escravatura e a Proclamação dei
O próprio Artur Azevedo, o maior defensor que o teatro brasi-
leiro já teve, escreveu em todos os gêneros para ganhar a viela, e é
um terrível engano querer acusé1-lo de fazer concessões ao público 389 ••
República marcam a ruptura econômica e política que trcmsformou
o país c, com ele, naturalmente, o teatro. Mas, mesmo que até então
menos exigente. O teatro existe em função elo público que a socie-
dade em que vive lhe oferece, e ele só teve fracassos nas poucas vezes ••
não tciiha sido elos mais ricos em dram<lturgia ou espetáculo, o tea-
tro brasileiro tem uma preciosa ponte ligando os séculos XIX c xx: o
fcrtilíssimo Artur Azevedo (1855-1908).
em que enveredou pelo caminho do teatro sério. Por outro lado,
Azevedo alcançou sempre imensos sucessos l[Uando escrevia obras
leves e divertidas, como com as divertidas paródias de operetas fran- ••
Naquele /in de siecle em que ele viveu, todos se queixavam de que
o teatro brasileiro estava em crise c decaíra, mas é preciso achui-
cesas, como I ,a Filie de Mme. Angot, que transformou em A Filha
de Maria Angu, ou ainda quando fez Abel, Helena, a paródia de Lcz ••
••
tir que, por mais que se procure, ninguém consegue encontrar, na Belle I-Iélêne, abrasileirando completamente o quadro ela ação e as
segunda metade elo século XIX, a "idade do ouro" teatral ou dramá- características das personagens.
tica, imaginada por ;:dguns. O problema parece ser sempre o me~mo: Enveredando por vários caminhos teatrais, escreveu comédias
§
surgem sempre manifestac,;õcs, de um pequeno e restrito grupo inte-
lectual c culto, a reclamar ela qualidade do teatro que era montado
perfeitamente semelhantes às francesas em estrutura e tratamento,
como A Joía, cuja trama, ali<"ís, nos informa o 4uanto os que tinham
cq
o
c
É
••
••
no pe~í~; mas o lcalro insistia- e ainda insiste- em fazer c:-.:atamenlc bastante dinheiro, na época, imitavam, na medida do possível, o
"'
o que sc1nprc fe1.. ou sej<L refletir com j)ITci<ln <1 ~ociecladc que (l estilo de \·id<t europeu, c111 c~pccial o parisicllsc; c 11a interessante ~

iH"cltL. l iil ,tJ[i,~ÍIIlU jJCfCClllU<Jl él<t puptda<,:Iu 11<-IU tJJIJid C!~ liJllll- cobertura da uda ctriuca que Llz uas Revistas do Anu, ljllC usam
lll<lS umdi<.;ões para apreciar o que, em su;J époc<l, escreviam autores incontáveis personagens mitológicas corno eficiente elemento ele ;;;

••

distanciamento cômico, fala com inteligência e espírito a respeito Século XX: Dramaturgia
do que acontecia na capitaL e Vida Teatral Até os Anos ele 1940
Entre suas mais brilhantes obras temos, deliciosas, inteiramente
brasileiras e repletas de música, as burletas. A Capital Federal, ainda
dos últimos anos do século XIX, explora com humor e carinho o velho NA PRIMEIRA DÉCADA DO século xx, apareceram vários autores procu-
tema da família do interior que se depara com os novos e assustadores rando escrever um teatro de conteúdo mais significa!ivo. Podemos
hábitos da capital. Já O Mambernbe, de 1904> retrata os percalços da destacar Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), autora de Herança, um
vida teatral no Brasil, pintando ao mesmo tempo um brilhante qua- significativo protesto contra a condição da mulher brasileira. Houve,
dro social do país da época, e aproveitando a natureza nômade elo também, Coelho Neto (1864-1934), cujo trabalho mais sério e de
grupo para retratar o inverso, ou seja, gente da capital se deparando melhor qualidade é Quebranto, em que volta ao terna do conflito
com os hábitos da vida modesta de outros pontos do país. entre a cidade e o interior- o que já atraíra Martins Pena anterior-
Essas burletas- assim como as várias de outros autores que tam- mente-, tendo sido, porém, mais bem-sucedido em divertidas comé-
bém tiveram sucesso naquela virada de século - dependiam, para dias, como O Patinho Torto, entre outras.
a sua montagem, de quanto poderia um empresário gastar em um O acontecimento mais importante dessa década, no entanto, foi
espetáculo pois, no caso das duas citadas, de Azevedo, tanto em uma resultado da incansável luta de Artur Azevedo em prol de mn teatro
quanto na outra, temos uma cenografia complexa e rica. No caso de verdadeiramente brasileiro. Para a Exposição Nacional de 1908, que
O Mambembe, são mais de dez cenários, entre cenas em ambientes comemorava os cem anos da.Abertura dos Portos, foi construído um
fechados e ao ar livre, como os fundos de um armazém onde se reú- imponente teatro temporário, dedicado à apresentação de peças de
nem, no início, os mambembes, o interior da casa do coronel -com autores nacionais, destruído pouco depois de terminado o evento,
suas inúmeras portas-, o trem que está para partir, ou ainda a festa 39 1
embora a temporada, ~ó de escritores nacionais, tenha sido efetiva-
do Divino. Tudo isso, ele incluiu em suas peças com tranquiliclacle, mente realizada com bastante sucesso. Con1o parte ele sua rnesma
sabendo que não estaria impedindo a encenação tão logo fossem cria- e incansé'ívellnta, Azevedo liderou a campanha pela construção elo
das. Grande defensor elo teatro brasileiro, é certo que Artur Azevedo Teatro Municipal elo Rio ele Janeiro. lnfelizme11tc, ele n~io viveu o
lastimaria saber que, 120 anos mais tarde, as condições elos teatros suficiente para testemunhar a inauguração do novo teatro- na ver-
brasileiros, ao menos no seu Rio ele Janeiro, fazem impossível que dade urna casa de ópera-, ocorrida em 1909, c que, longe de abrigar
suas burletas sejam montadas, pelo menos com a rique7.a devida um teatro brasileiro, se deu cum a apresentac,;ão ele un1a companhia
estrangeira, seguida por várias outras. Era a vitória elos que só pen-
savam em termos ele cultura europeia, ignorando completamente o
Brasil nos primeiros anos elo Teatro Municipal.
O quadro geral foi aos poucos modificado, n;Jo por \Ontade pró-
pria, mas a partir do início da chamada Primeira Grande Guerra,
que eclodiu em 1914. Devido ao conflito na Europ<l, acabaram-se
as visitas de companhias estrangeiras ao Br;Jsil, sendo a princípio
ÍmprovÍSJÔél\ ~Jl~',lllll:.l\ fils~LS COlllp:mhÍ:i.'; f1·:111( (",:1'. (!lJilflOSt;IS pnr
franceses ou pseudofranceses residentes 110 Rio ele J:meiro; mas era
incvitúvel que o produto n;1cional passasse :1 .';cr mais procm:1do c
..
4
4
amparado diante da impossibilidade das importações. A guerra, sob a subsistir exclusivamente corno escritor, deixa transparecer a clara 4
esse aspecto, atingiu os mais variados setores, impedindo ou dificul- influência ele Ibsen, quando escreve A Muralha, na qual a protago- 4
tando a importação de coisas tão simples quanto manteiga ou bis- nista é empurrada para os braços ele um conhecido rico, pelo próprio
4
coitos, a incipiente indústria local finalmente conseguindo vender
seus produtos, c os tecidos nacionais sendo admitidos até mesmo
para vestidos das elegantes ela época.
marido e a mãe deste, porque o tal amigo teria condições de impedir
a falência da família. A moça fica horrorizada e vai pedir conselhos
ao pai, que também lhe recomend~ seguir a intenção do marido.
••
Houve algumas reais tentativas de uma dramaturgia mais séria
nas primeiras décadas do século: o maior número de tentativas foi
Onde a influência de Ibsen se faz perceber é na resolução tomada
pela protagonista de deixar o marido para não agir contra seus prin- •
t
••
feito por Roberto Comes (1882-1922), que escreveu textos nevoen- cípios, e proclamar, quando a sogra lhe pergunta para onde vai, que
tos, quando não fantasmagóricos, que não conseguiram sobreviver. o trabalho será a solução de sua viela. Para o teatro brasileiro, isso
Sua peça mais conhecida é A Casa Fechada, que assume um tom é um passo à frente, embora a dramaturgia da peça seja um pouco
de mistério com pretensões a seriedade, mas que, no entanto, não
consegue sair do modesto melodrama e do retrato de tipos de uma
dura. Coelho Neto foi mais bem-sucedido em várias tentativas ele
comédia, como a já citada O Patinho Torto, do que em seus esforços •
cidadezinha pequena. Dessa época, uma peça que talvez fosse inte-
ressante alguém tentar remontar nos dias de hoje é Flores de Sombra,
que Cláudio de Souza (1876-1954) escreveu em 1916, falando ainda da
em favor de uma dramaturgia mais séria, mesmo quando temos de
reconhecer que seu melhor trabalho seja mesmo Quebranto.
A vontade de ser importante, no entanto, era por vezes tão exa-
I
411
"
pureza elo campo e da corrupção ela cidade, mas sendo o problema,
dessa vez, representado pela escolha entre duas moças, e não mais
pelo óbvio caipira em contraste com o citadino sofisticado, em um
gerada que há falta de objetividade nos mais que ambiciosos proje-
tos que apareciam, j;'í que o Rio de Janeiro nesse período era uma
cidade ele proporções modestas, com uma população despreparada,
••
agradável ambiente de gente despretensiosa, mas pensante. para querer ombrear com o teatro europeu. Em 1916, Comes Car- 393 t
João do Rio (Paulo Barreto, 1881-1921), por outro lado, tentou outra
forma ele ficar em dia com a Europa, enveredando pelo diálogo sofis-
ticado: é muito divertida a sua comédia Qve Pena Ser Só Ladrao,
dim (1865-1932) criou, no Rio ele Janeiro, o Teatro da Natureza, tendo
a atriz Itália Fausta ( 1879-19)1) como a estrela ela companhia. Foi ••
••
armado, no Campo ele SanLmél, um enorme anfiteatro ao ar livre,
um diêílogo entre o ladrão e a prostituta (em cujo quarto entrou por com setenta camaroks, mil lugares numerados, llldis mil cadeiras,
engano) no qual ele <lcaba com pena da moça, devolvendo o que e lugar para mil espect~!clores em pé. O repertório era formado por
r<Jllbou c aincL1 lhe dando de presente o resto ela "féria" do di<l, m;ls
cxpliumclo que não fica com ela porque "é casado e nunca dorme
fora ele casa". A obra mais famosa de João do Rio, no entanto, é A
textos corno ÉdifJo l\ei c i\ntígona, ele Sófocles, além de obras de
outros europeus famosos, clássicos c contemporâneos. Despertou ••
••
curiosidade e obteve mais sucesso do que seria ele esperar; porém,
Bela Madame Vargas, uma trama com pitadas de crítica social c devido ao gênero elo repertc'írio apresentado e às violentas chuvas ele
de humor, à maneira de Oscar Wilde. Essa peça mereceria uma verão típicas do Rio, durou pouco tempo.

••
~

encena<,:ão nos dias atuais, passados pouco mais ele cem anos ele sua Desistindo das altas ambiç0es do Teatro da Natureza, Itália Emsta "
~
criação. O teatro de então, não sabemos exatamente como, podia passou a ser a primeira figura de outra companhia organizada por g

••
apresentar montagens como essa, com v;hios cenários realistas e Comes Carclim e, e111 H)1"7. estreou com A FZé Misterioso, do francês Ê
~
ricos c111 clcLJillf.':;. i\lcx;mdre Bisson 1 <1i:21. melodr<Jma c1ue ~c trmloti ll ~r;mdc
Enquanto isso. Coelho Neto, que vinha c::.crcvcndo desde autc~ triunfo e o "c;l\alo de lléi!alh<t" da carreira ele ltCtlw l"austa. U dra-
cl~1 PrinJCir<~ Cr~llldc Guerra, tendo sido o prin1eiro que se avc11tnrou malhâo sernprc Clf;r<tclo!l ;1o pt'lhlico brasileiro. ;:::
••

Quem reparar nas datas tanto do Teatro da Natureza quanto de acontecimentos, tendo sempre casa cheia para apresentações cons-
Flores de Sombra, 1916, constatará que o teatro, como de costume, tantes de comédias. Nesse teatro, eram encenadas peças de Gastão
continuava a ser um reflexo da sociedade que o produzia, e que estava Tojeiro (1880-1965) e Armando Gonzaga (1889-1954), que foram auto-
pesando sobre a vida cultural do Rio de Janeiro, pois, como dissemos res incrivelmente férteis: escreveram, um e outro, dezenas de peças,
acima, a Primeira Guerra Mundial por cinco anos fechou a fonte a maioria delas não muito criativa, muitas vezes ''imitada" de obras
de espetáculos europeus. Mas, no entanto, a transformação teatral conhecidas, isto é, fazendo suas comédias de outros, um pouco alte-
não se deu assim tão depressa: os brasileiros só conseguiam ocupar radas, Mas não podemos nos esquecer do encanto de Onde Canta o
o Teatro Municipal por um dia em sua segunda temporada, c por Sabíá, de Tojeiro. Esse autor- assim como Artur Azevedo- escreveu
muito pouco mais ao longo dos primeiros dez anos de sua existência. paródias que agora abordavam o cinema: houve um filme chamado
Com o tempo, a inauguração do Municipal e o final da guerra, O Café do Felisberto, elo qual nasceu a paródia de Tojeiro intitulada
companhias inteiras de ópera também começaram a parar aqui O Felisberto do Café. A carreira dele foi suficientemente longa para
quando, durante o verão europeu, partiam para temporadas mais que a comédia que escreveu, ao tempo do cinema mudo, com o título
longas em Buenos Aires, bem mais europeizada do que o Rio ou São de As Fãs de Raoul Walsh, t;~nha sido ressuscitada duas décadas mais
Paulo e, nos anos de 1920, tudo o que havia de bom em matéria de tarde com o nome de As Fãs de Robert Taylor, o astro hollywoodiano
ópera visitou o Brasil. No centenário da Independência, por exem- no momento. Ainda temos A Pensão da Dona Estela, que fez grande
plo, \Veingartner, um dos maiores maestros da época, regeu aqui carreira; mas ninguém pode esperar grande qualidade literária ou
a tetralogia O Anel dos Nibelungos (Der Ring eles Níbelungen), de dramática ele peças intituladas Minha Sogra é ela Polícia ou A 1\ival
'Wagner. O tenor Enrico Caruso (1873-1921) apresentou-se no Brasil ele Sherloch Holmes ...
inúmeras vezes e, até o final do século XX, as temporadas ele ópera J<í Armando Gonzaga fez grande carreira de jornalista e escreveu
eram longas e variadas. copiosamente para o teatro. Criou farsas, burletas, comédias em urn
Uns poucos anos depois da inauguração elo Teatro Municipal do ou três atos, copiou c traduziu o teatro de bulevar e até mesmo clcís-
Rio, foi também construída em São Paulo uma casa para ópera, sicos franceses, desde 1912 até 1945, podendo ser destacadas, dentre
apenas um pouco menos imponente do que a carioca, e de início, suas dezenas de obras. Ministro elo SufJrenw, ele 1<.)21, c Cala a Boca,
no Municipal paulista só havia peças de teatro quando para lá iam Etelvina, ele 1925, o seu maior sucesso, O incontesLivcl é que, com
companhias do Rio de Janeiro. A falta, no entanto, era só de atividade sua obra, mantinha cheio o teatro.
profissional, pois já haviam aparecido em São Paulo, desde cedo, Em meados dos 1920 e principalmente nos H)'jO, aparece um novo
companhias filodramáticas de imigrantes italianos, que sentiam falta autor, Ocluvalclo Vianna (1892-1972), que escrevia comédia em um
da vida cultural de seu país de origem. Essas companhias faziam nível bem mais refinado. f~ um indício de que o ambiente cultural
teatro sério e moderno, apresentando os autores novos que estavam da cidade começava a melhorar, e o teatro de comédia podia agora
brilhando na Europa e, além disso, trouxeram consigo os prin1ciros ser escrito com diálogo mais elaborado, buscando mais a classe média
indícios de consciência política, o que resultou no aparecimento ele elo que a graça barata do popularesco, Dentre suas rnuitas peças, as
o
que mais marcaram época foram O Vendedor de llusões, Amor- com
alguns textos brasileiros com esse viés.
a qual se consagrou - c tvlanhãs de Sol. Amor, que estreou em São
"'
Enquanto isso, os brasileiros, de modo geral, cacb vez n1ai~ se
clltreg<n<Hn 8s vcírias forrnas nmsicachls: hmleLJs, p<trl'l- Paulo crn H):;), em lC))'-1 I~Ji a peç~1 que inaugmou n 'l'catro 1\ival
i'--iJo é pur ~ua UJlllplcxidadc técllica, t]UC c:.;igc lucais variados na
clias etc. Na década de 1920, o domínio da comédia c do musical
ação, no entanto, que a comédia dificilmente encontraria quem a
foi absoluto. O Teatro Trianon, no Rio, cr;1 o palco principal chls
ti

montasse hoje em dia; a trama do delirante ciúme de Lainha, que lamentável dado que, sem dúvida, Procópio Ferreira foi um ator de

4
calcula o tempo de cada atividade do marido, e telefona ao termo de incontestável talento.
4
cada uma delas a fim de o controlar, é bem armada e poderia ainda A outra figura notável a aparecer na companhia ele Leopoldo Fróes 4
ser divertida, mas há uma imensa quantidade de atividades paralelas foi Dulcina de Moraes (1908-1996), que havia dado os primeiros pas- fi
envolvendo religião e moralidade que deixam a obra datada e prolixa.
Mesmo assim, Oduvaldo Vianna não deixa de evidenciar que a dra-
maturgia local estava dando passos posi~ivos, mesmo que rnoclestos.
sos de sua carreira em burletas, mas que, na companhia de Fróes,
passou para o teatro de comédia, onde brilhou em uma gloriosa car-
reira de quase três décadas. Como só se fixou como primeira atriz
••
4
Nessas mesmas décadas ele 1920 e 1930, temos novamente atores cerca ele dez anos mais tarde, ela será comentada dentro de sua
que tiveram seus nomes consagrados, o que não ocorria desde os época de sucesso. t
tempos ele João Caetano, ainda da primeira metade do século XIX. O Não podemos nos esquecer de que foram contemporâneos des- I
primeiro dos novos astros foi Leopoldo Fróes (1882-1932), que estivera ses nomes artistas como Alda Garrido (1896-1970), Dercy Gonçalves
na Europa, onde vira bem-montadas peças de boulevard, e procurava (1905-2008) e Jayme Costa (1897-1967), todos com carreiras muitís-
t
papéis, estrangeiros ou nacionais, nos quais pudesse exibir sua boa simo bem-sucedidas, donos de públicos fidelíssimos. Para sentir o I
figura e elegância no trajar. Seguindo a fórmula tradicional, Fróes
tornou-se a primeira figura de uma companhia de teatro, e não há
quanto a influência francesa continuava forte, mesmo entre as mais
populares figuras elo teatro brasileiro, basta lembrar que, entre seus •
I
dúvida de que o banho de civilização que tivera em suas experiências
na Europa logrou boas consequências para o trabalho gue realizou
aqui no Brasil. Era a figura de Fróes, pessoalmente, que levava o
muitos sucessos, Alda Garrido talvez tenha alcançado o maior de
todos como Madame Sans-Gêne, a comédia ele Victorien Sardou
sobre a desabusada lavadeira de Napoleão, a qual fora, em Paris, um
••
público ao teatro, tanto ou mais que o seu repertório.
Foi na companhia de Fróes que apareceram duas figuras das mais
dos grandes sucessos da famosa atriz francesa Gabrielle Réjane. Já
Dercy Gonçalves sempre trilhou o caminho de textos que fossem veí- 397 ••
••
marcantes elo teatro brasileiro no século xx, A primeira foi Procópio culos para a consagração de seu estilo muito pessoal, c sobreviveu a
Ferreira (1898-1979), que também faria carreira aproveitando o seu todos eles, não só continuando no teatro como também, mais tarde,
físico, porém de forma diversa, mais própria para as comédias, tendo encontrando sucesso na tclcvi~ão. Jayme Costa era, a princípio, tão
mais tarde sido consagrado como o rnencligo ele Deus Lhe Pague e
como o ArpagJo de O Avarento, ao longo das décadas de ll))O e 1940.
adverso às mudanças quanto Procópio: é notório o episódio da carta-
-protesto dele a Paschoal Carlos Magno (1906-1980 ), na qual afirmava ••
••
O caso de Procópio Ferreira é muito intercss<wtc. Ele ainda atuava que Sérgio Cardoso (1925-1972) c seus companheiros não tinham o
quando começararn a acontecer, principalmente em grupos ama- direito de se proclamarern profissionais quando montaram o grupo
dores, as rnais significativas e inquietas iniciativas, que resultariam Teatro dos Doze; segundo Jayme Costa, para poderem merecer tal
no nascimento do moderno teatro brasileiro, como a preocupação
com melhor repertório e interpretação mais introvertida e moderna.
O ator, no entanto, nunca mostrou o menor interesse em participar
título, aqueles atores jovens teriam de passar por um longo período
ele aprendizado em companhias ele profissionais consagrados, único
caminho para uma cnrreira ele profissionaL
"'2
••
dessas mudanças, tendo continuado para sempre preso aos cacoetes
da época mais antiga e condenando-se, por i:;:;o rncsmo, a um final
As datas dos acontecimentos, por vezes, retratam berr1 a ironia
e os paradoxcJs da história elo nosso teatro: em 1922, jj terminada a
1=0

_g
C)
c
••
••
ele carreira melancólico, ern "praças" insigllificante.'i, do interior, "'v
Primeira Guerra iVluncli;Jl. te\ c lugar, em SJo Paulo, a Scrn,nw ele i-
;
n1lcl :_tind:l !L-Í ~_I~ i\-; t1-il :,:ht.:_gç1c!o ~-h IHJ\·j lt, -.-i/l--
1

nho, lotava qualquer casa em que se aprcscnt,Jssc. O fato é: tilo mús

••
nistas europeus. Somos informados sobre tudo o que cntâo mudou
"'


nas artes, principalmente nas artes plásticas, mas nunca uma palavra
sobre o teatro. A leitura correta desse fato é ter sido o teatro brasileiro Revista do Ano, que vinha desde Artlir Azevedo, passou à fórmula do
até então, de tal modo incipiente, que não havia postura crítica qu~ teatro com esquetes e cenas de canto e dança, agora com cenários
o pudesse acusar de acadêmico. Para não dizer que o teatro passou suntuosos, muito brilho, figurinos mais exíguos, porém mais capri-
inteiramente em branco, é preciso admitir que houve, na verdade, chados, e muita luz, para que tudo ficasse devidamente "feérico",
uma única tentativa de juntar o teatro a esse advento do modernismo. deslumbrante. Não custaram, na verdade, os brasileiros a aprender
A experiência foi um espetáculo de Renato Vianna (1B94-1953), no sua lição com o aparecimento da C~ia. Tró-ló-ló e logo depois a Ra-ta-
Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com música de Villa-Lobos, -plan, imitando não só a sonoridade do nome da companhia francesa
com o imponente título de A Última Encarnação de Fausto. A e::xpe- como também seu brilho e pouca roupa.
riência, um fracasso total, foi coroada por vaias estrondosas, c não No entanto, sempre aparecerarn aqueles que sonhavarr1 com algo
teve a menor significação. melhor e, em 1927, foi criado pelo casal Álvaro (1888-1964) e Eugênia
Seria uma injustiça, entretanto, não destacar, mesmo que bre- Moreyra (1898-1948) o grupr>) Teatro ele Brinquedo. Pretendiam criar
vemente, a figura de Renato Vianna, que teve uma vida inteira de "um teatro em que se pudesse brincar, mas também sonhar e pensar".
paixão pelo teatro. Foi um escritor frustrado, não tendo conseguido Todos os seus elementos eram extremamente ativos na vida intelec-
sucesso, nem mesmo dando a suas peças títulos escolhidos para cha- tual da cidade, e o grupo estreou com Adão, Eva e Outros Membros da
mar a atenção, como Sexo, ou Deus, ou Jesus Está Batendo à Nossa Família. Do próprio Alvaro Moreyra, a peça é interessante, de influên-
Porta, ou ainda O Homem Silencioso dos Olhos de Vidro. Como cia expressionista, enveredando tanto pela boemia quanto pelo sub-
autor faltou-lhe, na verdade, o talento necessário, mas poucas pes- mundo do Rio, ern um momento em que a moda era ... a cocaína. O
soas no Brasil trabalharam tanto para estimular o teatro. Em favor Teatro de Brinquedo foi apanhado absolutamente de surpresa; tiveram
dos autores nacionais, Vianna iniciou vários movimentos, os quais sucesso estrondoso c inesperado, mas ninguém havia pensado no que
tiveram também títulos estranhos: "A Batalha da Quimera", em 1922; faria depois, e após uma breve c acidentada vida, o grupo desapareceu.
a "Colmeia", em 1924; a "Caverna Mágica", em 1927; e o "Teatro de Na década ele 1930 v8rios momentos significativos aconteceram:
Arte'' em 1932. Em 1934, ele começou um "Teatro Escola''. Mas mais Dulcina de Moraes, já citada, que estava no grupo de Leopoldo
importante do que tudo isso, Renato Vianna criou a Escola de Arte Frôes, em Sâo P;JUlu. veio para o Rio de Janeiro, na companhia que
Dramática, em Porto Alegre, e no Rio ele Janeiro foi diretor da Escola formara com seus pais, os atores Atila (18B5-?) c Conchita ele Moraes
de Teatro Martins Pena, a mais antiga da cidade, fundada em 1908. (1B85-1962), c seu marido Odilon ele Azevedo (1904-1966), para mon-
Por outro lado, nesse mesmo ano ele 1922, chegou ao Rio de Janeiro tar a mais fanwsa das pe<;·as ele Oduvaldo Vianna, Amor, com a qu<ll
uma companhia francesa de teatro de revista, a já citada Bataclan, viria a ser consagrada. Apesar c.le o autor ter se desligado elo grupo
que pela primeira vez mostrou ao nosso público o que era uma fée- e voltado para São Paulo, o sucesso foi tamanho que o novo Teatro
rie, gênero teatral que fizera grande sucesso na França do século Rival, onde estrearam, pennaneccu ocupado pela companhia até o
XIX. f'v'luito brilho, muita luz, coreografias bem-trabalhadas e pouca
final da década. Em 1<)36, Dulcina e Odilon foram aos Estados Uni-
roupa transformaram a vida noturna da cidade. Na verdade, a tem- dos, e ao voltarern contiuuaram com seu teatro ele bulcvar, porém,
c
porada foi de tal modo lucrativa para a companhia francesa que, no com cuidado muito maior nas montagens. Dulcina realizou um c

ano seguinte, o grupo voltou, trazendo em seu elenco nada menos velho sonho quando, a par ele seu imenso sucesso, criou uma escola
p:na atores. :1 Fl ' Hr:lsilcira ele rlc-:ltro, que tii11CÍOllCJ11 no Rio
ljUC a cunsagrada J\iistinguclt \18;)-lC))ClJ \ Lti~ ~timla, os
ele Janeiro por muitos ;mos, sendo depois transferida para Brasília,
transfonnaram o nosso teatro musical que, abandonando a forma da
onde continua a c:-;istir. ~1gora com cursos em Ilí\·cl superior
..

~
A instauração da ditadura de Getúlio Vargas- o chamado Estado
Novo- veio em 1937, e com ela também a censura que no caso
afetou mais diretamente o teatro de revista. Como artifíci; contra 0 ~
"brasileiro", começando a querer firmar sua independência culturaL
Tendo alcançado um grande sucesso com a montagem de Desejo, de •
4

Eugene O'Neill, Os Comediantes se imortalizaram com a estreia de
censores, os artistas criaram o hábito de apresentarem, no "ensaio para Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues (1912-1980), no final de 1943,
a cens~ra".' um ~uadro,particularmente mais chocante, o qual servia o texto brasileiro que o diretor Ziembinski (1908-1978) indicou como t
como b01 de ptranha : a censura cortava os excessos astutam-:nte
cria~os pelos artistas e acabava deixando o que realmente 0 produtor
quena_apresentar. Outra forma de interferência governamental era o
de qualidade perfeitamente igual ao que de bom se fazia na Europa.
O sucesso se transfórmou en1 um divisor de águas. Os Comedian-
tes era formado por amadores, para quem o teatro era, na melhor
elas hipóteses, uma atividade paralela, e a maioria deles não tinha a

t
t
financiamento de quadros cômicos sobre Vargas que, ostensivamente
compostos por piadas a seu respeito, aumentavam sua popularidade.
O grande produtor ela época foi Walter Pinto (1913-1994).
menor intenção de fazer carreira no teatro; assim, os elementos que
descobriram ser o teatro realmente seu caminho, se profissionaliza-
t •
••
ram, e o grupo terminou por perder figuras importantes, e não teve
vida muito longa. Vindos desses vários grupos amadores, o teatro pas-
sou a ter uma nova geração ele atores voltados para textos e atuações
moldadas pelo que de bom havia na Europa e nos Estados Unidos.
I
Os Comediantes:
o Fenômeno Nelson Rodrigues
Com o sucesso de Vestido de Noiva, Nelson Rodrigues estava
lançado como astro de primeira grandeza no panorama do teatro
nacional. Ele j<i havia tido sua primeira peça montada, A f'v1ulher
•t
e o Estabelecimento do Teatro l\lloderno
Sem Pecado, que não alcançara, porém, o sucesso com que o autor
sonhava, mas viria depois a receber periódicas montagens com elen- 401
••
NA PARTE FINAL DA década de 1930, no entanto, muita coisa comeclv~l
a fervilhar. Em São Paulo, assim como no Rio, apareccrarn gn;pos
amadores qu~ lutavam por um teatro melhor e, no caso. o Rio, capi-
cos de alta categoria. Mas Vestido de Noiva era outra coisa. Houve, é
claro, muita gente que optou por se dizer chocada por Alaíde roman-
tizar demais a cocotte mmc. Clcss\·, mas a verdade é que o texto ele
••
tal federa,l, sa1u na frente. Em 1938, Paschoal C;ulos Magno, diplo-
mata recem-chcgado de uma temporada de dois anos na Incrlaterra
Rodrigues é notável, c teve a sorte ele cair nas mãos ele Zbignie\v
Ziembinski, o competente diretor e ator polonês que chegara ao Bra- ••
fundou o Teatro do Estudante do Brasil e, tendo visto por U~1 s bon~
••
sil pouco tempo antes, c insistiu para que o grupo montasse esse texto
brasileiro. O cenário ele Santd Rosa, que permitia que, com a colabo-
res~Jltados da direção, chamou Itália Fausta para ensaiar Romeu e
ração da luz, as mucLmças entre os planos da realidade, ela memória
fulzeta, apresentada com toda a pompa e circunstância no 'Ieatro
Municipal, com considerável repercussão.
. Mais :ignificativo ainda, foi a funda~~ão, en1 1939, nos primór-
e da fantasia ficassem perfeitamente identificados, apoiando o desen-
volvimento da ação foi outro elernento importante na montagem .
"'
ci5"'
••
••
Depois de seu estrondoso sucesso, Nelson Rodrigues se cala por
chos da Segunda Guerra Mundial, do grupo Os Comedi;mtes, for- o
um par de anos e, a seguir, escreve uma série ele peças geralmente c
mado por membros da sociedade carioca particularmente integrados
chamadas míticas- que prmoctram polêmicas por tratarem ele ternas Ê
na cultura francesa, nJ<ts L1mbém em dia com 0 qnc ele 11 ~clhor "'
!~;tvl;l l!IJ ic"cllrc' · c>tilrc>·, [I:IÍSL"'> [\rk, 1 · 1 t·c· [·>·· 1···..:> • . ..
- ' . . ' . .._ "-

toi a nova intcrrupçJo de visitas europeias devido ;l nov;t guerra,


' ( ! ~.l '!!· 1; ( \ 'll ),')
\ ' l '... (" ( .
. ' .• clcls.· ''c·.llc>.r.·:J
''"Cl!ls.·J·'lC"1.··,1 . ,. :·()r
' um;t c1a soc1cc
· ]acJe- tllas cn1c !lélCl
igu;dam <l\ duas prÍIIJl'lL!' Vlíl qucdldadc, possi\elmeutc pc;rque u
~ ~

••
••
cnüor não lhes fornece o ch;!o "ólido elo Rio de Janeiro, que ele tanto ~
Illa~ llldls detertlllllailtc foi o fato ele o país cslM se lon 1a 1J(.!o lll<IÍs


conhece, para a ação. Faltam a Álbum de Famílía, O Anjo Negro,
casa, e então foi trazido de Buenos Aires outro ita1íano, da maior
Senhora dos Afogados e Doroteía estruturas mais sólidas e, acima de
importância para o teatro brasileiro, Adolfo Celi (1922-1986). Com
tudo, um sentido dominante para a obra: mortes, incestos, anomalias
Celi como diretor artístico, o TBC teve sua idade de ouro, pois ele
sexuais são ~ist:ibuídas por ações que não chegam a deixar perceber
alternava, sabiamente, textos clássicos ou de modernos notáveis, com
com que obJetivo a obra teria sido escrita.
outros de certa categoria e muito bem encenados, porém mais acessí-
Com um monólogo- no qual Nelson usa o que parece ser restos
veis e destinados a equilibrar as finanças da companhia com grandes
de ideias concebidas para Vestido de Noiva e não usadas então-, A
sucessos de bilheteria.
Valsa 112 6, o dramaturgo começa a tomar o caminho de volta, e isso
O TBC arrebanhou talentos- como Sérgio Britto (1923-2on), Fer-
o leva ao áureo período das tragédias cariocas: Boca de Ouro A Fale-
nanda Montenegro, ainda intciando sua carreira (1930-), e Fernando
cida, e nova obra-prima, O Beijo no Asfalto. Em meio a ess~s obras
Torres (1927-2008), que haviam trabalhado antes com Maria Della
exemplares ele já havia escrito a fraca Os Sete Gatinhos, e depois
Costa - e abrigou um dos maiores mitos ele nosso teatro - Cacilda
d_ess~ con_iunto da fase áurea, começam a aparecer peças bem menos
Becker (1921-1969), cuja primeira experiência teatral se dera no Rio
srgmficatJvas, mas ainda na mesma linha, como Perdoa-me Por Me
ele Janeiro, no Teatro do Estudante elo Brasil, em 3.200 fVIetros de Alti-
Traíres, Otto Lara Resende ou Bonitinha Mas Ordinária e Viúva
tude-, e a cuja triunfal carreira o TBC continuou sempre identificado
Porém Honesta. Depois, no entanto, de um novo intervalo, as peç<Js
No TBC também foram revelados novos talentos, vindos do teatro ama-
qu: ~elson Rodrigues ainda cria não fazem mais qualquer contri-
dor, como o imensamente talentoso Ítalo Rossi (1931-2011). A grande
b;uçao para sua notável obra. Entretanto, se levamos em conta o que
ressalva muitas vezes feita à notável contribuição ao teatro brasileiro é
Nelson Rodngues escreveu em colunas de futebol em crônicas do
a de seu desinteresse em montar autores nacionais; o único brasileiro
tipo "A Vida Como Ela É", e mais alguns romanc~s, é um milagre
regularmente apresentado era Abílio Pereira de Almeida (1906-1977),
que ele possa ter dado parcela tão brilhante de seu talento ao teatro.
que escrevia comédias que agradavam a elite de São Paulo.
Pouco depois de acabada a guerra, um acontecimento decisivo lVIas o teatro carioca não Jnorreu e, nesse mesmo ano de 1<)48, foi
para o desenvolvimento do teatro profissional teve lugar em São apresentado no Rio de Janeiro um dos espetáculos de maior reper-
Paulo. Décio de Almeida Prado (1917-2ooo)- o maior cJ:ítico teatral
cussão ele nossa história cênica, o Hamlet do 'Teatro elo Estudante
que o Brasi~ já t~ve- dirigia um grupo amador na USP, enquanto do Brasil, enorme sucesso com a direção romântica do alemão Hoff-
Ronal~ Ealmg tm_ha um outro, composto por brasileiros e ingle-
mann Hamisch, que revelou, entre outros, os atores Sérgio Cardoso,
ses resi_dentes na Cidade. Aproveitando essas raízes, c julgando que
Sérgio Britto c JVlaria Femaucla. A reação do público foi delirante,
uma ctdade que se tornara tão grande e importante precisava de
sendo o espetáculo c, particularmente, Sérgio Cardoso cantados en1
uma atividade teatral constante e de qualidade, o industrial Franco
prosa e verso. Por isso mesmo, vários integrantes do grupo daí a pouco
Zampari (1898-1966) fundou, em 1948, o Teatro Brasileiro de Comé-
se profissionalizaram com o nome de Teatro dos Doze.
dia (TBc). O elenco foi sendo formado com tudo o que de melhor Entretanto, o bcm-suceclido TBC, em São Paulo, começou a ter
havia em S~o Paulo_ e, a seguir, no Rio. Foram graves as perdas para problemas por abrigar estrelas demais. De lá saíram, sucessivamente,
o teatro canoca, pois a estrutura do TBC oferecia condições de tra- a CTCA- composta por Adolfo Celi, Tônia Caírcro (Hp2-) e Paulo
balho tentadoras, atraindo os melhores profissionais. Os primeiros Autran (1922-200f), que estreou com Otelo; a Cia. Sérgio Carcloso-
dtret;Jres do TBC foram Luc~a no Salce c Boi I i 11 i Cerri. sendo ló~ico Sidi;ILícii.ql ·vi .. ,1 n:ll ,a Jir.orcflnc::!!rn(
que Zampan losse buscar torças na Itália, cujct história teatral ele c
Becker), corn Cacilcla, \V,J!mor Chagas (1930-2013) e Cleyde Iáco-
conhecia melhor. Esses dois, no entanto. em brC\c nJ!taram para ni~ \192)-201)), alétll ck ZiciJtbimki, c que cstrcuu com a Jornada de
4
4
4
um Longo Dia Para Dentro da Noite, de Eugene O'Neill. A última Moríneau, como era sempre chamada a atriz, fez uma bela carreira, 4
grande companhia a sair do TBC, única a se estabelecer no Rio de apresentando-se geralmente no teatro do Copacabana Palace Hotel; 4
Janeiro, foi o Teatro d_?s Sete, com Fernanda Montenegro, Fernando essa identificação foi tão marcante que determinou o gênero de tea- 4
Torres, Sérgio Britto, Italo Rossi e o excepcional diretor Gianní Ratto tro ali apresentado até o fechamento da sala.
(1916-2oo5), que também tínha sido cooptado pelo TBC. O grupo Não podemos nos esquecer de que foi ainda no final da década
4
estreou com uma df:slumbrante montagem de O 1\!lamhembe, ele de 1940 que apareceu Silveira Sampaio (q14-1964), o médico pedia- t
Artur Azevedo. Só esses nomes e títulos servem para dar uma icleia tra que se dedicou a retratar os pecaclilhos da Zona Sul carioca, e t
do brilho do teatro brasileiro na década de 1950. escreveu um dos mais brilhantes conjuntos ele comédia que o nosso t
Outro fato significativo da década de 1950 en1 São Paulo foi o apa-
recimento de Maria Della Costa (1926-). A par de sua carreira longa
e bem-sucedida na companhia chefiada por ela e Sandro Polônio
teatro tem conhecido, principalmente a deliciosa Trilogia do Herói
Grotesco, formada por De1 Inconveniência de Ser Esposa, Da Neces-
sidade de Ser Polígamo e A Garçonniere do Meu Marido, além de

t
(1921-1995)- seu marido, sobrinho de Itália l<austa -, é importante
lembrar que o casal foi o responsável por nos trazer da Itália o dire-
tor Gianni Ratto, em 1954, cujo primeiro trabalho brasileiro foi a
dois memoráveis espetáculos de peças em um ato, dentre as quais
se notabilizaram Treco nos Cabos e A Vígaríste1. Intérprete e crítico
brilhante, Silveira Sampaio de repente abandonou o teatro e, excep-

I
I
histórica montagem de Canto da Cotovia, com Maria Della Costa cional showman, brilhou n3 televisão.
como Joana d'Arc. Assim como o polonês Ziembinski "descobriu" É muito difícil falar elo teatro de cinquenta anos atrás sem pri- fi
um autor nacional para Os Comediantes, com Vestido de Noiva, o
italiano Gianni Ratto, na companhia ele Maria e Sandro, encontrou,
vilegiar o eixo Rio-São Paulo. Porém, não podemos nos esquecer
ele que no Recife sempre foram preservadas as formas dramáticas ele ••
em A Moratória, de Jorge Andrade, um texto brasileiro sígnífica!ivo.
Para sua montagem, Ratto persuadiu Maria Della Costa" entregar
o primeiro papel feminino a uma jovem que vinha aparecendo em
folguedos populares, sem iàlar elo Teatro do Amador do Recife, ela
família chefiada por Walclemar Oliveira (1900-1977), que foi de uma
constância incrível na apresentação de um repertório bastante res··
405
••
papéis secundários na companhia, Fernanda Montenegro. Além ele
A 1'v1oratória, não se pode esquecer que Jorge A.ndradc é o aulor ela
memorável Veredo da Salvoçc1o, que teve uma inesquecível encena-
peitéivel, inclusive com convites aos melhores diretores da época en1
ocasiões especiais.
Também elevemos mencionar que, em meados da década ele 1950,
••
ção pelo TBC, com Raul Cortez (1932-1996) e Cleyde Yáconis.
Nesse mesmo ternpo em que brilhava, em São Paulo, o TBC, tra-
o 'Teatro Jovem elo Recife lan~:ou o Auto da Compadecida, de Ariano
Suassuna (1927), um dos raros cLissicos elo teatro nacional, obra-
••
balhavam constantemente, e com sucesso e muito brilho, no Rio ele
Janeiro, os Artistas Unidos, a companhia que tinha como figura de
proa Henriette Morineau (1908-1990), que não resistiu mais ao teatro,
-prima na qual o autor consegue mesclar, com brilho, o tom dos
contos populares do nordeste com a forma elo auto medieval. São ••
••
incontáveis as montagens ele o Auto da Compadecida nos quatro
depois que Louis }ouve! encontrou no Brasil, como dona ele cas;1, cs~a cantos do Brasil, tanto por amadores quanto por profissionais, sendo --::::
"'
,c;anhaclora ele prêrnios no Conservatório de Paris. Os f\rtistas Unidos o texto consagrado também- sempre com o mesmo sucesso- tanto "'
;::q
operavarn com um bom 11Í\-c:l ele repertório, em grande parte de ~w!o­
res franceses. Essa comp;mhi<J montou pela primeira \·ez no Br<Jsil,
p('c:;] s cl (' Jc; 111 \ n (" I i II\ ' I ':c; i li i c I I i 11 () foi d " :' ' ' ,. : I " i
no cinema quanto na televis8o.
No Rio Crandc elo Sul comcl,·<JI a, n<~ mesrna época, a haver movi-
'!!cr·l'ís tcJtr:Ji' <Jl1(' for:111' .\ o,.,,,,.r1lr· consLmte ~Jtividack :ntí,:tir·t
o

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••
brasileira ele Um Bonde Chamado Desejo, ele 'f(:nnesscc \\ 1 illiams a
que deram, na ép()(:d, r1 !ílulu Unw Ruo Clwnwda Pecudo. ,\ LiclaJ;tc
que lá existe hoje em dia 1\uggcro j:1cobbi (19~0-1981), que antes pas-
sou pelo TBC, m:1s foi aind~! 1nclhm cumo teórico que como diretor.
··~

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/
••
••
Fantasmínha; quando se abriu a cortina no Tablado, viu-se no palco o
fez com que o ensino teatral se firmasse em Porto Alegre bem antes
lindo cenário de Napoleão Moniz Freire (1928-1971), e Pluft, virando-
das reformas nas escolas do Rio, por exemplo. Nesse campo da for-
-se para a Mamãe Fantasma, perguntou: "Gente existe?" A diferença
mação do ator, não se pode deixar de falar na Escola de Arte Dra-
foi tamanha, a busca aos espetáculos inteligentes e bem-re<:llizados do
mática, em São Paulo, que Alfredo Mesquita (1907-1986), em seus
Tablado foi tão intensa, que sua mera existência forçou a melhoria
primeiros anos, sustentava virtualmente à sua própria custa, e onde
elo nível de todo o teatro infantil, o que não é pouco, para dizermos
se formaram vários dos maiores talentos do teatro paulista. Só depois
que o grupo foi da maior importância. A carreira de Mari~1 Clara
da morte de seu fundador é que a EAD veio a ser abrigada pela USP,
Machado foi coalhada de sucessos, mas Pluft, o Fcmtasminlw é hoje
que por isso continua a ter dois cursos de formação de ator, um em
em dia um clássico brasileiro.
segundo grau e outro, na ECA- Escola de Comunicação e Artes -,
em nível superior.
Em São Paulo, por outro lado, a conscientização política deter-
minou o aparecimento elo Teatro de Arena, em 1955, por essência
o "anti-TBC", já que buscava textos nacionais e tinha preocupações
sociopolíticas. Chamando ele início a atenção pelo fonnato, o Teatro
O Século XX se Acaba: de Arena, apesar de seus modestos 130 lugares, abrigou espetáculos
de rep~rcussão nacional, e ali tiveram lugar os mais radicais e sig-
Perspectivas Para o Próximo Milênio mficahvos acontecimentos da moderna dramaturgia brasileira. Há,
no entanto, em sua criJção, alguns aspectos meio incoerentes. Esse
teatro, ele busca ele textos nacionais e de preocupações sociais, não
QUANTO MAIS PERTO VAMOS ficando dos tempos atuais, mais difícil se
começou nem nacional nem político: a sua primeira rnontagcrn foi
torna traçar um panorama compreensível, mesmo yue superficial,
Uma tviulher e Três Palhaços (Voulez-vous jouer avec nwi?), do fr;m-
sobre o teatro. A década de 1950 viu não só o amadurecimento de
cês Mareei Archad, dirigida por José Renato (1926-2on).
tudo o que havia sido aprendido desde o advento elo Vestido ele Noiva
Sua afirmaç~ão decisiva, no enlal\to, deu-se com a mcmtagen1 elo
como também o aparecimento ele muita coisa nova, elas mais variadas
que veio a se tornar um cl,íssico brasileiro, Eles Nào Usam Black-Tie.
linhas. A única solução é tentar acompanhar as linhas mestras que
de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), à qual se seguiram otltras
marcam o moderno teatro brasileiro e aceitar que muita coisa boa e
novidades corno o ChajJetuba Futebol Clube, ele Oduvaldo Viana
importante vai ficar ele fora desta análise.
Filho, o Vianinha ( 19)6-1974), e a 17arsa da Esposa Perfeita, d~1 ga\1cha
Vamos começar fazendo uma digressão pelo teatro infantil, pois
Edy Lima. O grupo organizara urn seminário ele dramaturgia e ele
não há palavras que expressem adequadamente o valor do traba-
lá saíram Guarnieri, Vianinha, Chico ele Assis (1933), Augusto Boa!
lho de Maria Clara Machado (1921-2001) e seu Tablado. Não podia
(1931-2009) e vários outros autores, além de espetáculos consagrados
ser mais desleixado ou ruim o teatro infantil brasileiro antes dela;
como a série Arena Conta. Da mesma safra,. o Rio conhec~u. , 110
com a mudança do núcleo residencial da casa para o apartamento, o
Teatro Municipal, Gímba, o Presidente dos Valentes, de Guarnieri, c:
as necessidades de atividade para a infância fi.cmam mais aparen-
dirigida por uma das figuras 1nais atuantes da época, o diretor FLívio
tes. No que era agora direcionado a esse público certo, no entanto,
R,mgel ÍHn4-198,Si.
tudo cr;l imprn\ · ) ele cpwlqucr moclo: c cr:t t\III Lmr()r. :'0nn tc'\-
l':lll 1950, ap<uect:u uul;o grupu paulista signít1G!lllíl, o UiJCIIU,
tos, nem cené"írtos, nem figurinos, nem atuações mereciam sequer
ele José Celso Martinez Corrêa (JC)37-), que se notabilizou mais pelas
esses no1nes. rf(>do um novo mundo nasceu cu1n <~ peça Plu{i, o
•t
t
pesquisas de espetáculo, como foi o caso de O Rei da Vela, mas que
em suas primeiras montagens atuou em linha realista de preocupa-
Sófocles", por ocasião da montagem da Antígona, dirigida por Antônio
Abujamra (1932-), com Glauce Rocha como protagonista. Glauce, ••
ções sociais, como emA Vida Impressa em Dólares (Awake and Síng),
de Clifford Odets, e a mais que consagrada Os Pequenos-Burgueses
aliás, foi não só um talento como também uma força preciosa no
enfrentamento dos tempos da censura e, infelizmente, morreu aos
38 anos, por problemas no coração.
••
••
(Meshane), de Górki. O mais significativo trabalho realizado pelo Ofi-
cina em termos de teatro brasileiro foi, sem dúvida, a exemplar mon- A verdade é que, mesmo durante a censura, apesar dela e até
tagem de O Rei da Vela, que Oswald de Andrade (189o-1954) havia ·mesmo como uma vibrante reação contra ela, o teatro teve uma vida
escrito em 1929, mas que só em 1967, pelas mãos de José Celso e seu intensa na década de 196o: basta lembrar, por exemplo, da repercus-
são que tiveram espetáculos como o Morte e Vida Severina, de João t
grupo, chegou ao palco. A companhia sentiu fortemente a influência
do teatro épico de Brecht, de quem montou as peças Galileu e Na
Selva das Cidades (Im Díckícht der Stadte). Brecht realmente domi-
Cabral de l'v'lelo Neto (1920-1999), montado no TUCA, da Universi-
dade Católica de São Paulo. ••
nou a época: Maria Della Costa montou A Alma Boa de Setsuan,
Lélia Abramo foi A Mãe Coragem, e até mesmo o Teatro Nacional de
Em 1964, Antunes Filho ( 1929-) dirigiu uma montagem de A Megera
Domada para as comemorações do quarto centenário de Shakes-
peare. De 1966 é preciso lembrar, pelo menos, de Oh! Que Delí-
••
••
Comédia, do SNT, montou O Círculo de Giz Caucasiano.
cia de Guerra! (Oh! Wlwt a Lovely War!), com direção ele Ademar
Nessa época, o teatro carioca passava por uma fase privilegiada- pois Guerra (1933-1993), c principalmente de Se Correr o Bicho Pega, Se
começaram as atividades elo Teatro dos Sete, com a memorável mon-
tagem elo Mambembe, de Artur Azevedo, e continuaram com sucessos
memoráveis como os de Com a Pulga Atrás ela Orelha ele Fcvdeau O
Ficar o Bicho Come, de Vianinha c Ferreira Gullar, com direção de
Gianni Ratto. E foi em 1966 que estreou um novo m.arco da drama-
turgia brasileira, Dois Perdidos em uma Noite Suja, de Plínio Marcos
••
Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues, e o Festival de, Comidia, ç;)m
três comédias em um ato ele tvloliere, Cervantes e Martins Pem.
(1935- 1999).
O ano ele 1967, apesar ela censura, produziu ao menos dois outros
4°9
••
O governo militar, instaurado em 1964, trouxe mais força à cen-
sura, passando a incomodar mais agudamente o teatro a partir do Ato
Institucional n. ), de 1968, com seus ainda mais terríveis desmandos.
espetáculos que são marcos na história do teatro brasileiro: o já citado
O 1\ei da Vela, de o~wa!d de /\lldraclc, a mais famosa direção de José
Celso, com magistral cenografia ele Hélio Eichbauer (1941-), um
••
Apesar da virtual perseguição pela censura, ainda houve espetáculos
de grande importância, como Liberdade, Liberdade e Got(/ d'A.gua,
notável exemplo da tropicali?:ação elo teatro; e a igualmente monu-
mental Perseguição e Assassinato ele Jean-Paul Marat Representados ••
••
que marcaram época, assim como uns poucos outros, que faLwam pelo G711po Teatral do I-IosfJício de Charenton Sob a direção do Senhor
elo Brasil aos brasileiros por linhas indiretas. As piores consequên- ele Sacie, também conhecida como !Vlczrat/Sade, de Peter Weiss, com
cias da censura, mesmo assim, não foram as peças proibidas, mas, a exemplar direção ele Ademar Guerra, e tendo Rubens Correa (1931-
sim, as carreiras ceifadas ele autores já conhecidos que élbandonaram
o teatro, ou as ele outros que não puderam alçar voo em fun(}ío elos
1996) e Armando Bogus ( 19~0-1993) nos papéis principais.
Os títulos longos ficaram em moda, e pouco depois estreou, de
Antônio Bivar (19w-), com clireçJo de Emílio di Biasi (1939-), Abre a
~

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o ••
obstáculos erguidos nos caminhos da criação teatral.
Durante o período da censura, o teatro sofria em clivt'rsas fren-
tes. e não só pelos cortes c proihi<;:ões feitos pelos m<Iis :nhilr;írio' c
Jcmela e Deixo Entrar o Ar Puro e o Sol da 1Vfanhã. Porém, a peça ante-
rio!· do mesmo autor, Cnrdéfio !3rosif. for;t tnuito mais bem-succdich
.§"'
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••
igiJCJrdllks ÚtllClUlljrlt.>~ (jliC ~L· j.Jll\.)<1 Íillagillar.
exemplo, o incidente no qual um policial tinha ordem pma '·prender
! tcuu l-éili!c;.,,,, j!tli l ,lll[lidl!LU t~::.u. ttu iZI<i dt..· J~ilt\:tiu, '' lcciltu du~ Sele ccmtinua\Ll ~lU
hrilh~ultc carreira: depois cb fulgurante estreia, com Artur Azevedo, Y.
••
••
eles fizeram A Profissão da Sra. Warren, de Bernarcl Shaw, e a seguir
Isso não quer dizer que o teatro no Rio tenha acabado, mas, sirn,
se entregaram com paixão a um novo texto brasileiro, O Cristo Pro-
que ele teve ele futar ainda niais, e que, de modo geral, passou a rea-
clamado, título de um confuso texto do, embora talentoso, Fran-
Üzar espetáculos de menor porte. Deixando de lado a ideia de datas
cisco Pereira da Silva (1918-1985), que simplesmente não chegava ao
específicas, podemos lembrar quantos bons espetáculos foram apre-
público e fechou em onze dias. Era um momento de emergência, c
sentados no Rio, apesar elos pesares: movimentos como o ele Amir
Ratto então foi procurar um texto que ele já havia dirigido em Sã?
Haddad (1937-), no MAi\J; o espetáculo Liberdade, Liberdade, escrito
Paulo, para Maria Della Costa, Com a Pulga Atrás da Orelha (La
por Millôr Fernandes e Flávio Rangel, que não só alcançou sucesso
Puce à l'oreille), de Feydeau. Com direção e cenografia brilhantes
extraordinário como deu origem a toda urna estirpe ele cobgens, com
de Ratto, figurinos maravilhosos de Kalma Murtinho (Hpo) e um
ou sem música que, reconhecendo que também era preciso cantar,
elenco precioso, a peça transformou-se em um dos maiores suces-
abriram preciosos pontos ele respiraçào. O Teatro dos Sete, com dire-
sos da carreira do grupo. Motivo de grandes abalos, foi significativa
ção de Fernando Torres, lançou o memorável O Beijo no Asfalto,
a montagem, em 1968, de Navalha na Carne, de Plínio Marcos que,
ele Nelson Rodrigues, bern no início desses problemas, ou seja, no
ao fim de uma grande luta com a censura, Tônia Carrero protagoni-
momento da renúncia de Jânio Quadros, quando ninguém tinh~1
zou com grande sucesso no Rio de Janeiro.
dinheiro em caixa sequer para comprar entrada. O espet3culo, no
entanto, mudou elo Teatro Ginástico para o da Maison de Francc c
Em São Paulo, o final da década ainda assistiu à encenação de
teve uma bela carreira.
mais dois espetáculos de grande monta, ambos dirigidos pelo argen-
Outro grupo tem de ser destacado: em 1968, Rubens Correa (1931-
tino Victor García: O Cemitério de Automóveis (Le Címetiere eles
1996) e Ivan de Albuquerque (1932-2001) abriram o Teatro lpanema
voitures), de Arrabal, e O Balcão (Le Balcon), ele Jean Cenet. Para
montando Tchékhov, c o local se transfonnou imediatamente em
esse último, Ruth Escobar (1935-zou) praticamente destruiu seu
centro das atcncões culturais do H.io. Rubens Corre<l sempre será
teatro, e o palco onde o espeté'ículo se realizava era um vasto cír-
lembrado como,ator extraorclin<1rio no 1\!Iarat/Sacle, no Diário de um
culo de pLístico transparente que subia e descia para se posicionar ~1
Louco, ou no Artaud, entre outros. Ele e Ivan promoveram toda uma
altura dos três níveis ele galerias circulares que o clelimita,·am. Além
série ele espetáculos significativos, dentre os quais é preciso rcss<il-
disso, o chão do teatro fora escavado e criado um hernisfério elo qual
tar O Arquiteto e o Imperador da Assíria, ele Arrabal, com o próprio
subiam atores.
Rubens e José Wilker (1947-), e a explosão ele amor c inesquecível
Ao mencionar espetáculos como esses últimos, temos ele voltar
alegria de Hoje é Dia de 1\ock, de José Vicente (1945-2007 ), que con-
um pouco atrás e lembrar dois golpes sucessivos que afetaram de
taminava os espectadores com um lindo raio de esperança. 1Jma
forma arrasadora o teatro carioca: o primeiro foi a transferência ela
outra preciosidade na história da interpretação no Brasil foi o traba-
capital ela república para Brasília, o que tirou elo Rio não só sua
lho ele Rubens Correa em O Beijo da Mulher Aranha, adaptação do
importância política como toda a grande população flutuante que
romance ele Manuel Puig (1')32-1990), uma composição irrctocívcl
passava na cidade para lratar de assuntos com o governo fecleréll. O
c profundamente emocionante, que encontrou o apoio necessário
segundo foi, como se nüo bastasse isso, o governo militar atrelar ao
no trabalho ele José ele Abreu (1')44-).
bem-sucedido estado ela Guanabara o falido est<tclo elo Rio de )<mciro, _g
O Teatro dos Sete n;1o sobrn·i,eu aos abalos político-ccoilÔIIIÍ--
com graves COIJscqtlCJlc-i~u ec:orH">rnicas para a <!lllige~ <. ~lj)ÍLtL :nu- . m:J.c; c1 ·n-sc r·n (c; Jtil \llll 1lCl irrctr \'!_ \
blema que, até o advclltu dos royalties elo petróleo arraslOJI pur <lllUS
Mulher de Todos Nós (La Parisienne), ele Hcnri Becquc (ú"l~;-Iii9<J),
.suas consequêncié!s.
com Fcrn,Hlcla .\1onteitegro, Britto c Ítalo Ros\Í, di ) de /.
•4
~

Fernando Torres. Separados, os seus integrantes levaram avante seu


4
aos deuses teatrais, ele ter passado pela censura: Gota D'Água, a ver-
trabalho com uma série de espetáculos de grande categoria: Sérgio são, do morro, da lenda ele Medeia, de Chico Buarque (1944-) e Paulo ~
Britto durante muito tempo dirigiu o desaparecido teatro do SESC, Pontes (1940-1976), com direção ele Gianni Ratto e histórica atuação 4
onde realizou inúmeros cursos, dirigiu Eva Todor em uma rara incur-
são desta por um texto mais dramático e, entre seus trabalhos como
é'.tor é inesquecível o espetáculo Fim de Jogo (Endgamc), ele Samuel
de Bibi Ferreira (1921). Na mesma época, Rasga Coração (1974), de
Vianinha, premiada pelo concurso do SNT, esbarrou na "curteza" de
vistas da censura e foi uma luta até poder ser encenada, em 197:),

t
Beckett, com direção de Amir Haddad. cinco anos depois ele escrita, aliás com grande sucesso. 4
Fernanda e Fernando fizeram o magistral Seria Cômico se Nao A década de 1970 não terminaria sem contribuir com mais um t
Fosse Sério, continuaram fiéis a Millôr Fernandes montando com
imenso sucesso É ... , c divertiram os cariocas por meses a fio com
marco do teatro brasileiro, o extraordinário espetáculo Macunaíma, G
dirigido por Antunes Filho. Esse imenso sucesso demorava quatro
t

Maclame Vidal (L'Amant de Maclame Vida!). Infelizmente, os tempos horas e era apaixonante do princípio ao fim; a preocupação do diretor
levaram Fernanda Montenegro a dedicar boa parte do seu tempo 8 TV com a importância da identificaç:ão entre visual e texto, a busca do
e ao cinema, mas não podemos esquecer que ela ainda nos deu, em tom e das formas que poderiam realmente corresponder ao romance, t
1995-1996, o maravilhoso Dias P'elízes (Oh! Les beaux Jours/HczpfJY tornaram 1\ttacwwínw um marco no desenvolvimento da interpreta-
Days), de Beckett, com direção ele Jacqueline Laurence (1932-).
I
ção no Brasil. O caminho ele Antunes continuou com seu Centro ele
41
••
Entre os integrantes desgarrados do Teatro dos Sete, é preciso lem- Pesquisa e formação de aiores, com alguns tropeços ocasionais, mas
brar Ítalo Rossi: em 1975 ele ganhou seu primeiro Prêmio Moliere com espetáculos apaixonantes como Vereda da Salvação, Nelson Rodri-
por A Noite elos Campeões (That Champíonship Níght) c, após alguns gues- O E temo F..etonw e, recentemente, com 1\t1edeia e O Canto do
anos um tanto afastado elo palco, voltou com força plena e conquis- Gregório. É: pouco para se dizer sobre Antunes, que continua atuando
tou o Prêmio Molicrc novamente, em 1985, por Femcmclo Pessoa, o
espetáculo ele poesias que fez com \Valmor Chagas. Não contente
com brilho tanto nas encenac;ões quanto na formação de atores. +J3:

Na década de 1980 o teatro parece que mudou ele caminho: é pos-
com isso, no ano seguinte tornou 8 ganhar mais uma \'CZ o prêmio ~ível mesmo que ié'í estiYessem todos um tanto exauridos pelo murro
por Encontro ele Descortes c Poscd, com Daniel Dantas ( tc)q-), e em ponta de faca com a censura. O fato é que, ele repente, apareceu I
finalmente, em Hj87, tornou-se o tínico ator a vencer o prêmio tres
anos seguidos, com Quatro Vezes Beckett.
Para todos ;1quc!es que acham que no Brasil não hü teatro, que
uma encantadora peça ele um tipo que não era visto havia algum
tempo: Naum Alves de Souza (1942-) escreveu e montou A Aurora do
Minha Viela que, com deliciosas lembranças dos tempos de escola,
••
morreu, acabou, que aqtli não se faz nada, uma visão panorâmica na época em que tudo era risonho c franco, não só foi um grande
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.•
como esta é uma lição. A década de 1970 teve ainda alguns outros tra- sucesso como também, por assim dizer, abriu caminho para uma bse
balhos marcantes: O 1~1blado, mais especializado em infantis, mon- m;1is individual ele criação. Era uma experiência maravilhosa, um
tem, urn tanto canhestramcnte, O Dragao, a maravilhosa fábula ele respiro para os que sabiam que ainda então, em São Paulo, a censura
'{vgcne Schwartz- brilhante crítica aos herdeiros dos que conquis-
taram um poder ditatQJial---, que ficara anos e anos proibid<J em seu
país ele origem, a~ lnião Soviética, enquanto o novo grupo Asdn'1h-1l
TrrJll\C o Trr,nJI)IIIIC .,, ni''!!'IÍ:I., 11 I 1/m l<eí, ck -\ltr1·1! í i!'\
No final ele It)7h o Rio veria outro espetáculo memor;ívcl_ l:lllto
p(lr SIW qualicbdc de tc\\rJ c cnr:cnéH;:!o qu~mto pelo fai(l . ~L:c._;l\
ha\'Ía proibido ;J Patética ele João Ribeiro Chaves Neto, inspirada no
c~1so Hcrzog c pass~1da cn{ um ambiente ele circo.
Outr~1:; coisas imporLmtcs ~lCOJJ!eci<111l: em 1()8c;, no Rio de J~mciro,
\;1 1 ~. i; \.Ll ill ..... : ,·:;;)

llilCl pct~<t
i',), ·l~)"~~ ~ f,l;H:l,Jl\ ·:\ 'C/u:o{tu .\ft.s:·

col13ra.::íleim- Portes 1 (i86o-J')Lf) e 11 (lCJl4-1945), que abriu o carni-


prccimo \cio d~1 illtblcd I.Hl!Jidar. l<m ll)k), Por! o
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para os musicais como Carmen Miranda e, agora, Império. Mauro
Alegre, um grupo gaúcho fez sucesso incrível com Bailei na Curva, Rasi, que também perdemos cedo demais, foi quem desenvolveu a
de Júlio Conte (1955-), em que jovens refletiam com ironia sobre seus melhor carreira ele autor entre os três. Sua trilogia memorialista mar-
pais, e em São Paulo, estreara, em 1979, a loucura que era Quem Tem cou época. Ele a começou, na verdade, com a segunda peça, A Ceri-
Medo de Itália Fausta?, de Miguel Magno (1951-2009) e Ricardo de mônia do Adeus, na qual teve a notável ideia ele fazer Jean-Paul Sartre
Almeida (1954-1988), um pouco urna ancestral de um novo gênero do
e Simone de Beauvoir aparecerem com? personagens, na forma de
qual falaremos a seguir, que amadureceria no Rio. Não seria impos-
seus livros e, podendo, assim, participar diretamente elo conflito ele
sível fazer também alguma ligação desse com o gênero de Apareceu
gerações em Bauru. Depois veio o que seria a primeira peça, A Deusa
a Margarida, de Roberto Athayde (1949-), em que triunfou Marília do Lar, com Marieta Severo, Tuca Andrade e Sérgio Viotti, na qual
Pêra (1943-), com direção de Aderbal Freire-Filho (1941-).
realidade e imaginação se misturavam de modo fantástico, com a
Corre o tempo e chegamos a 1985, o que nos leva para um ano influência do cinema e do teatro amador marcando sua presença.
com dois acontecimentos significativos, porém totalmente diversos.
A trilogia é concluída com a menos satisfatória Incidente em Forli.
O citado Quatro Vezes Beckett foi o primeiro trabalho de Gerald
Rasi escreveu, ainda, a interessante Baile de Máscaras e, depois, sua
Thomas (1954-) de volta ao Brasil. Com a colaboração de Rubens
triunfal Pérola, que voltava a Bauru, em homenagem a sua mãe, e
Correa, Sérgio Britto e Ítalo Rossi, um diretor tem bom material para
foi incrível sucesso por todo o Brasil.
trabalhar, porém aquele espetáculo foi realmente uma demonstração
É necessário compreender que, após tantos golpes e proibições,
de grande competência na direção e na iluminação. Logo a seguir
o teatro teve ele recomeçar, depois que acabou a censura, pratica-
Thomas dirigiu Quartett, de Heiner Müller, com Tônia Carrero e
mente da estaca zero; e que, tantas vezes caluniado, o besteirol foi
Sérgio Britto, alcançando novo triunfo e, desde então, insistindo em
uma ótima maneira de trazer o público ele volta aos teatros, com seus
ser também autor, sua carreira tem sido, digamos, mais acidentada,
diálogos vivos e de contato imediato com a plateia. A bela carreira
cheia de erros, acertos e brigas.
de Mauro Rasi, infelizmente, foi ceifada muito cedo, mas também,
O outro acontecimento do ano foi de caráter dramatúrgico: nasceu,
infelizmente ainda falta muito a ser dito a respeito de autores que
pelas mãos de Vicente Pereira (1949-1993), Miguel Falabella (1956-) marcaram o final elo teatro brasileiro no século XX: não tenho descul-
e Mauro Rasi (1949-2003), uma nova encarnação, um tanto marota, pas para as omissões, senão a pura e simples quantidade ele material
da forma tradicional da comédia de costumes brasileira, geralmente
a ser documentado.
apresentada como conjuntos de pequenos esquetes, e que acabou
Mencionamos ainda, entretanto, os primeiros espetáculos ele
sendo definitivamente catalogada como "besteirol". A forma é crítica,
Moacyr Góes (1961), que foram tão desafiadores como linguagern
tem referenciais no próprio teatro e na restrita faixa de sociedade que
cênica; o trabalho ele Aclerbal Freire Filho, no Teatro Gláucio Gil!,
retrata, e faz questão de disfarçar, o quanto pode, o fato de ter alguma
que foi terrivelmente desigual, mas foi o berço ele sua primeira aven-
significação. Não queremos dizer com isso que o besteirol seja um
tura na encenação ele um romance: A Mulher Carioca de 22 Anos.
gênero carregado ele profundos significados, mas com certeza pode- Em todo caso, é muito estranho lembrar que tanto a Intrépida Trupe,
mos afirmar que sua intenção ele, a um só tempo, criticar e divertir é
do Rio, quanto o Grupo Galpão, de Minas Gerais, fizeram. gran?es
inegável, como também a de ser ágil e inteligente no cli<:ílogo.
trabalhos no que já é o século passado e, certamente, não fm percltdo
Dos três autores acima mencionados, o primeiro fói-se muito cedo. lllll século que, alén1 ele tudo o JJI<IÍS que já foi dito aqui. nos deu. dli
mas I\ligud Falabclla, all:m de lraballws na JY, pa~scHJ p~1r;1 ''' ';;()J H-i-
grupo mineiro, os maravilhosos 1\omeu e fulieta e A Rua da Amargura,
logos - como Louro, Alto, Solteiro, Procura e Como l~echear um ambos dirigidos por Gabriel Villela (1958), que voltou à sua terra p<ml
Biquíni-, para peças como A Partilha, e O Submarino e. hnalmente,
•t
mostrar como se adapta a um clássico todo o maravilhoso sabor de um
••

afirmara ser necessário cerca de sessenta anos antes: para haver teatro
teatro popular benfeito, marca registrada do Grupo Galpão. brasileiro é preciso que haja autores brasileiros. Estes finalmente esta-
O teatro no Rio ainda apresentou, em 1998, o que viria a ser um dos vam agora aparecendo, não só em maior número, mas também, cada I
principais veios criativos do novo século: o musical sobre as famosas vez mais, refletindo o que viam à sua volta. Ou seja, esse mesmo tea-
Irmãs Batista, Linda (1919-1988) e Dircinha (1923-1966), explorando tro que no Brasil tantas vezes esteve agonizante e pronto para mo.rrer
t
bem o entrelaçamento de vida e carreira das duas. Bem interpretado t

nesses últimos cem anos. estava, como ele hábito, pronto a ressuscitar,
e bem-cantado, ele revelou a riqueza que o teatro tinha para explo- com formas novas, aptas a enfrentar os desafios de um novo século.
rar, com grande proveito para o público que, desde então, tem tido
I
ótimas oportunidades para ver reativado o melhor do repertório da
música popular brasileira, evocando, com isso, outros tempos da vida
na cidade. Data dos anos finais do século xx o início do trabalho de
••
Cláudio Botelho (1964-) e Charles Moeller (196;-), os inspirados espe-
cialistas ern musicais que realizaram aquela primeira experiência. ••
De certa maneira ficava realmente completado um círculo: o
século começara com burletas e revistas, porém a partir da década
de 1930, mais ou menos, a música desapareceu do teatro, a não ser
••
na forma da revista, que faleceu de inanição por volta dos anos de
1950. Na segunda parte do século, a música voltou com clones ame-
ricanos: Jlv1y Faír Lady; A Noviça Rebelde; Como Alcançm o Sucesso
••
Sem Fazer Força; Helio, Dolly; e Promessas, Promessas, nos formatos
mais tradicionais, e ainda Hair como explosão da contestação dos
417
••
anos ele 1980. l'v1as todos esses foram apenas visitantes- rnesmo que
montados aqui-, e tão americanos que não chegaram a ser motiva-
<,;?ío para a produção local.
••
A única tentativa de se fazer um musical brasileiro ele formato tipi-
camente americano, se não me engano, foi Tomei um Itano Norte, ele ••
l1aroldo Barbosa (1915-1979), montado no falecido Teatro Mesbla. O
sucesso da história das irmãs Batista tem sem dúvida algumas carac-
terísticas do "musical", mas o espetáculo era também uma evocação
••
ele coisas como A Canção Brasileira e Bonequinha de Seda, sem nos
esquecermos de O Ébrio, que a dupla Gilda de Abreu (1904-1979) e "'
~
c.
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••
Vicente Celestino (1894-1968) havia apresentado nos anos de 1920 c de
1930. Mas o final elo século apont~1va para a volta da música aos palcos.
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c.

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••
() .,C:·udu .\.\ Jcahou cUlilllJII.>idL'IJ\cl:, prtlllll'~o<l:> para \l llllttl•' cl'J
katro brasileiro, que finalmente cstav<l vivendo n que Louis )Oll\ d ••
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