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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUÍZ DE DIREITO DA PRIMEIRA

VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CAMPOS DO JORDÃO – SP

Processo nº: 00000000000000000000000

FULANA, já devidamente qualificada nos autos do processo criminal em


epígrafe, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência por intermédio
de seu advogado in fine assinado, apresentar MEMORIAL DE DEFESA, pelas
razões de fato e de direito a seguir expostas

I- SÍNTESE DOS FATOS:

FULANA está sendo processada como incursa no artigo 33, “caput”, c.c.
o artigo 40, inciso VI, ambos da Lei nº 11.343/06, pois, segundo a denúncia,
supostamente, teria se ajustado aos menores Alexis Marcelino da Silva e
Jardel Ribeiro Costa, tinha consigo e guardava, para fins de fornecimento à
terceiros, 487,16g de crack, 0,77g de cocaína e 0,73g de Cannabis Sativa L. A
ré foi notificada apenas após a apresentação de resposta a acusação, não
tendo sido formalmente citada(fls. 280) e apresentou resposta fls. 265/272. Na
instrução criminal, foram ouvidas testemunhas arroladas pela acusação e pela
defesa; ao final a ré foi interrogada (fls. 297/298, 303/304, 305, 306, 307, 308,
309, 3010 e 311).

O Ministério Público apresentou memoriais de acusação em fls de nº


325, onde requereu total procedência da ação penal.
II- PRELIMINARMENTE

Das causa de nulidade absoluta:

Da análise do processo, verifica-se, como também observado pelo


Parquet, que a denúncia não foi formalmente recebida, fato que claramente
prejudica a a ampla defesa, pois SE NÃO HOUVE DECISÃO FORMAL E
FUNDAMENTAMENTA RECEBENDO A DENÚNCIA, a ampla defesa não pode
ser aplicada, sendo completamente prejudicada, gerando nulidade absoluta.

O artigo 93, inciso IX, da CF estabeleceu que "todos os julgamentos dos


órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões, sob pena de nulidade (...)". Assim, ficou consignado que para todas
as decisões do Poder Judiciário, seja qual for a instância de jurisdição ou a
matéria da decisão, devem ser motivadas, fundamentadas, arrazoadas,
baseadas, alicerçadas, explicadas..., sob pena de nulidade. Em outras
palavras, a decisão deve expor os motivos e circunstâncias concretas que
embasaram o convencimento do magistrado a proferi-la de determinada
maneira. O STJ já entendeu pela nulidade quando o magistrado, ao determinar
o prosseguimento do processo após a fase de apresentação de resposta à
acusação, deixou de analisar as questões trazidas pela defesa (STJ, RHC
46.127/MG)

Data vênia excelência, como a defesa irá apresentar todas as questões,


se não houve sequer a decisão de recebimento da denúncia, verificando se a
mesma era ou não inépta?

Neste sentido:

AÇÃO PENAL. Funcionário público. Defesa


preliminar. Oferecimento. Denúncia. Recebimento.
Decisão não motivada. Nulidade. Ocorrência.
Habeas corpus concedido para anular o processo
desde o recebimento da denúncia. Oferecida defesa
preliminar, é nula a decisão que, ao receber a
denúncia, desconsidera as alegações apresentadas.
(HC 84919, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO,
Segunda Turma, julgado em 02/02/2010, DJe-055
DIVULG 25-03-2010 PUBLIC 26-03-2010 EMENT
VOL-02395-02 PP-00563).

Sobre o tema, é esclarecedor o teor do voto da Ministra Maria Thereza


de Assis Moura, nos autos do RHC 39.960, verbis:

"Nesse momento da ação penal, é certo que nada


impede que o juiz faça consignar fundamentação de
forma não exauriente, sob pena de decidir o mérito
da causa. Contudo, deve ao menos aludir o julgador
aquilo que fora trazido na defesa preliminar. Nessa
senda, distancio-me do teor do assentado pelo
aresto guerreado, pois tenho que o magistrado de
primeiro grau não formulou qualquer juízo acerca da
complexidade ou profundidade das matérias
alegadas na resposta apresentada pela defesa, de
modo a deslindar, oportune tempore, os temas
suscitados. Ressalte-se que o simples registro de
que não se trouxe aos autos elementos aptos a
espancar de plano a pretensão acusatória não é
justificativa para o recebimento da denúncia,
porquanto a legislação exige maior apuro de
convencimento, de forma a preservar o indivíduo dos
rigores do feito criminal.”

Destarte, claro está que sem decisão do recebimento da denúncia, não


há como se ter uma decisão fundamentada, e se não há decisão
fundamentada, deverá, como a defesa solicita, serem considerados nulos todos
os atos do processo.

III- DO MÉRITO

Inicialmente, cumpre ressaltar que a denunciada é primária possui


residência fixa e é aposentada, conforme documentos acostado aos autos.

Cumpre esclarecer ainda, que a denunciada não exerce comércio ilícito


de entorpecentes conforme afirmado na denúncia.

DOS TESTEMUNHOS EM JUÍZO:

No conjunto probatório, em nenhum momento ficou provada que a droga


era da acusada, tendo os policiais militares levantado essa suspeita por fofocas
de vizinhos, não havendo nada, no conjunto probatório que comprovasse o
alegado.

Ora, que os policiais militares disseram que chegaram até a ré através


da denúncia de uma pessoa chamada Bruna de Paula Simões, que alegava ter
comprado drogas da acusada.

Porém, como os policiais, em juízo a testemunha afirmou desconhecer


os fatos que levaram a acusada a prisão, muito menos ter adquirido drogas
com a mesma.

Não se pode culpar uma pessoa por um mero “ouvir falar”.

O parquet em seus memoriais alega que Jardel, outra testemunha do


processo, que estava no local na momento da apreensão dos entorpecentes, é
neto da acusado, fato totalmente errôneo, pois a acusada não detém nenhum
grau de parentesco com a testemunha, que apenas estava lá tomando um café
com a acusada. Alega também que a testemunha mudou seu depoimento em
juízo para favorecer a acusada, e que seu testemunho deveria ser afastado
desta ação penal. Porém, não há motivos para que isso ocorra, já que não há
nenhum parentesco entre testemunha e acusada, e não há motivos para que a
testemunha venha querer favorecer a ré.

Mesmo que Jardel tenha mudado o seu depoimento em sede de juízo,


deve ser considerado que foi alertado, na presença de seu representante legal,
do seu dever de falar a verdade, e segundo a legislação penal, devem ser
considerados os depoimentos prestados em juízo, pois estão sob o crivo do
contraditório e da ampla defesa.. Durante a fase anterior à ação penal
executam-se “atos de investigação”, desprovidos da garantia de Jurisdição, do
contraditório e da ampla defesa, dentre outros. O estabelecimento, sem mais,
de vasos comunicantes entre os atos de investigação e os atos probatórios
judiciais é estranho ao devido processo penal substancial, até porque deve-se
ler o CPP conforme o disposto na Constituição e não o contrário. Somente a
leitura obtusa e alheia ao contraditório continua aceitando que declarações da
investigação preliminar, aptas à decisão de recebimento da imputação, sejam
levadas em conta na decisão judicial.

Como explica Aury Lopes Jr:

“O inquérito policial somente pode gerar o que


anteriormente classificamos como atos de
investigação e essa limitação de eficácia está
justificada pela forma mediante a qual são
praticados, em uma estrutura tipicamente inquisitiva,
representada pelo segredo, a forma escrita e a
ausência ou excessiva limitação do contraditório.
Destarte, por não observar os incisos LIII, LIV, LV e
LVI do art. 5o e o inciso IX do art. 93, da nossa
Constituição, bem como o art. 8o da CADH, o
inquérito policial jamais poderá gerar elementos de
convicção valoráveis na sentença para justificar uma
condenação.” (LOPES JR, Aury. Direito Processual
Penal. São Paulo: Saraiva, 2015.)
DA FALSA IMPUTAÇÃO DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 33 DA LEI DE
DROGAS:

Ora excelência, a acusada não morava sozinha, mas com o seu neto
Alexis Marcelino da Silva, tendo sido a droga encontrada escondida no meio
dos pertences dele, e não da acusada.

Não foi encontrado com a acusada nenhum objeto ou valor que


indicasse que ela efetuava ali, a mercancia de drogas, como normalmente
podem ser encontrados balanças e somas vultuosas de dinheiro.

O neto da acusada, conforme processo anexado aos autos (fls. nº91 –


processo 0002491-35.2014.8.26.0116) foi preso, dias depois, por estar,
exercendo atividade de traficância, o que demonstra que ele sim traficava e
não a acusada, que apenas dava a ele moradia.

A acusada achava que seu neto apenas era usuário de drogas, tendo
buscado meios para que ele deixasse o submundo das drogas, procurando até
mesmo o Conselho Tutelar e o Ministério Público para que o problema de
envolvimento com entorpecentes de seu neto fosse resolvido, mas, sendo
pessoa de idade avançada, e com a inocência de quem ama, não imaginava
que o mesmo pudesse estar, em sua residência, armazenando quantidades
vultuosas de droga destinadas ao tráfico.

Em uma residência, onde cada pessoa possui a sua rotina e


principalmente quando existem aposentos separados para cada um, muito
difícil saber todas as condutas de cada pessoa, e quando se há sentimento, é
até mesmo difícil acreditar que alguém que você ama tem pratica condutas
ilícitas, como é o caso, e como a acusada, através de seu amor de vó, mesmo
tendo acompanhado toda a operação policial, declarou em juízo não saber da
conduta de seu neto Alexis, dizendo que nada foi encontrado no quarto do
mesmo.
SOBRE AS MENSAGENS ELETRÔNICAS ENTRE ALEXIS E SUA
NAMORADA ASSUMINDO O FATO:

Foi acostado aos autos o processo contra o neto da acusada, Alexis,


onde consta mensagens de texto entre ele e sua namorada, o qual
transcreveremos um de extrema importância, que ocorreu após a prisão da
acusada:

Em folhas de nº 204, consta nas mensagens enviadas do celular de


Alexis, sendo que às 20:34:55 do dia 23/07/2014, para o nº 12996564382:
“mais to feliz pk minha vo vai ta du meu lado ou nem vaai mikeremais
dentru da casa dela” (grifo nosso).

Referindo-se a saída da acusada da prisão efetuada, pela acusação


deste processo, e a namorada o acusado respondeu o que segue:

Em folhas de nº 179, consta uma série de mensagens recebidas pelo


celular de Alexis, sendo que às 20:40:47 do dia 23/07/2014, o nº 12996564382,
identificada como o nº da namorada de Alexis, neto da acusada, respondeu a
mensagem supracitada: “Ah vai toma no teu cu ela segurou tudo pra
ninguém fazer nada de mal pra você todo tempo falando de você e você ta
achano que ela vai manda você embora presta atenção vc so pensa
merda tbm para ne” (grifo nosso).

Claro está Excelência, que Alexis estava se sentindo culpado pela prisão
de sua avó, a acusada, por ter sido presa em seu lugar, pelos atos praticados
por ele, relatando o seu medo da acusada não o querer mais em sua
residência, o que sua namorada confirmou, repreendendo-o, já que a acusada
havia levado a culpa no lugar de Alexis, fato este, que em suas mensagens
posteriores, ele não negou.

DO RELATÓRIO DO INVESTIGADOR E DA AUSÊNCIA DE PROVAS:

Em folhas de nº 61, o relatório do investigador de polícia concluiu que a


droga seria de Alexis, e não da acusada.

Verifica-se que nos autos não há nenhuma prova capaz de incriminar a


acusada de forma concreta e inequívoca ao delito em que é acusado, pelo
contrário, existem apenas presunções de que a droga encontrada seria sua e
não de seu neto.

Percebe-se também, claramente através de seu depoimento a confusão


mental da acusada, devido a idade avançada, onde nem ao menos se lembra
dos verdadeiros fatos ocorridos durante a incursão policial em sua residência,
devendo ser considerado o instinto em proteger o Alexis.

O depoimento dos policiais não provaram o envolvimento da acusada


com o tráfico, apenas apresentou fatos circunstanciais, que não provam de
quem, de fato era a droga encontrada na residência, o fato da acusada
aparecer nos locais onde eram efetuadas as batidas policiais, não prova seu
envolvimento, pois, a acusada conhecia a maioria dos envolvidos durante as
incursões policiais, e também, todo ser humano médio, tem curiosidade quando
algo como uma batida policial ocorre perto, querendo saber o que está
ocorrendo, sendo este comportamento comum em pequenas comunidades.

Como sabemos, no processo penal vigora o princípio segundo o qual a


prova, para alicerçar um decreto condenatório, deve ser indiscutível e cristalina.

Portanto, se o conjunto probatório não permitir precisar essa conclusão


em decorrência da dúvida, cumpre ao magistrado optar pela absolvição com
base no princípio do in dúbio pro réu.

Importante destacar também, que segundo os relatos obtidos nesse


procedimento, seja pelas testemunhas ou interrogatório do denunciado, não há
qualquer elemento que evidencie a prática do comércio de drogas, maiormente
quando não houvera flagrante de venda, detenção de usuários, apreensão de
objetos destinados à preparação, embalagem e pesagem da droga.

Não há prova nos autos, de acordo com a análise dos depoimentos, do


local do fato, das condições em que se desenvolveu a ação, das circunstâncias
sociais e pessoais, bem como a conduta e os antecedentes do denunciado,
cheguem à certeza de que a prática do fato era realmente tráfico de drogas.

Diante disso, verifica-se que não há nos autos qualquer prova que o
denunciado tinha a intenção de vender a droga apreendida em sua residência,
ou que soubesse que o seu neto a armazenava no local, muito menos que
concordasse com o fato, na verdade, pelas conversas de celular do próprio
neto, em processo acostados nesses autos, tudo indica que ela não sabia,
gerando temor em seu neto de ser colocado para fora da residência da
acusada.

Em seu interrogatório, a denunciada é categórico ao afirmar que jamais


se envolveu na mercancia de qualquer entorpecente.

Portanto Exa., não há nos autos prova inquestionável quanto a


ocorrência do delito em que está sendo acusado o denunciado. Mostrando-se
prudente a absolvição do mesmo, e em última análise, caso não entenda dessa
forma, a desclassificação do delito para uso de drogas, para que assim
prevaleça a efetiva aplicação do direito e ditames da justiça.

Neste sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE


ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O
TRÁFICO. CONJUNTO PROBATÓRIO
INSUFICIENTE. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO.
ABSOLVIÇÃO CONFIRMADA. 1 – Não sendo o
conjunto probatório suficiente para comprovar que o
apelado praticou a conduta descrita no artigo 33 da
Lei 11.340/06, confirma-se a sentença absolutória,
devendo prevalecer a dúvida em favor do réu. 2-
Recurso conhecido e improvido. (TJ-DF - APR:
20150110003654, Relator: CESAR LABOISSIERE
LOYOLA, Data de Julgamento: 04/02/2016, 2ª
Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no
DJE : 12/02/2016 . Pág.: 105)

APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS


EM ASSOCIAÇÃO - AUSÊNCIA DE PROVAS
ACERCA DO COMETIMENTO DO DELITO -
APLICAÇÃO DO "PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO"
- ABSOLVIÇÕES MANTIDAS. É de ser mantida a
absolvição dos apelados, por ausência de provas do
cometimento do crime de tráfico de drogas em
associação, aplicável à espécie o princípio "in dúbio
pro reo". Improvimento ao recurso que se impõe.
(TJ-MG - APR: 10040110011026001 MG, Relator:
Antônio Carlos Cruvinel, Data de Julgamento:
24/02/2015, Câmaras Criminais / 3ª CÂMARA
CRIMINAL, Data de Publicação: 04/03/2015)

DA QUALIFICADORA PREVISTA NO ARTIGO 40, VI DA LEI DE


DROGAS:

Em relação a qualificadora prevista no artigo 40, VI da Lei de drogas, essa


deve ser desconsiderada, pois o ato de traficância não foi comprovado pela
acusação, e mesmo que a acusada fosse culpada do crime de tipificado no
artigo 33 da referida lei, mais uma vez o conjunto probatório não confirmou que
a acusada envolvesse menores no ato, havendo apenas, especulações que
não foram provadas, e o direito não pode sobreviver apenas de especulações.

IV- DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer a Vossa Excelência;

1- Preliminarmente, a nulidade absoluta do todos os atos processuais,


conforme dispõe o artigo 93, inciso IX, da CF, devido ao fato de não
haver decisão recebendo a denúncia, muito menos decisão
fundamentada, gerando assim a nulidade dos atos processuais
praticados na ação penal.

2- A ABSOLVIÇÃO da acusada, nos termos do artigo 386,


inciso V, VI e VII do Código de Processo Penal, haja vista que não há
prova concreta e inquestionável para sustentar uma condenação,
prevalecendo o princípio do in dúbio pro réu.

3- Caso não seja a absolvição o entendimento de V. Exa., pelo princípio da


eventualidade, que seja aplicada a atenuante presente no artigo 65, I do
código penal, e APLICAÇÃO DA PENA NO MÍNIMO LEGAL, com a
devida aplicação do § 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, analisando as
circunstâncias pessoais favoráveis do denunciado (artigo 59, inciso IV,
do Código Penal) e conversão em penas restritivas de direitos, de
acordo com o artigo 44 do Código Penal, posto que o denunciado
preenche todos os requisitos.

4- Que seja aplicado o disposto no artigo 117 da Lei de Execuções penais,


já que a acusada possui mais de 70 anos, podendo cumprir pena em
regime aberto conforme disposto no citado artigo.

Nestes termos, pede e aguarda deferimento.

Pindamonhangaba, 11 de novembro de 2017.

Leoni Pacheco Rosa

Advogada – OAB/SP: 359.494

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