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Psicologia para América Latina

versão On-line ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  n.11 México set. 2007

PSICOLOGÍA POLÍTICA Y FORMACIÓN CIUDADANA

Violações dos direitos humanos no Brasil e propostas


de mudanças na formação e prática do psicólogo

Vivina do C. Rios Balbino

Universidade Federal do Ceará - Fortaleza (Brasil)

RESUMO

Este artigo mostra aspectos das violações dos direitos humanos no Brasil
evidenciando o agravamento dessa situação em alguns grupos sociais de risco
como: mulheres, crianças e jovens, negros, pobres, analfabetos e homossexuais.
Cita estudos que demonstram essa realidade ainda extremamente perversa no
Brasil, especialmente nos grupos sociais acima enumerados. A questão do gênero
no Brasil revela um quadro dramático, assim como se observa em relação à
situação das crianças e dos jovens. Como conseqüência de uma grande
preocupação com essa situação de violação generalizada dos direitos humanos no
Brasil, mostra-se a importância e a necessidade de uma melhor atuação preventiva
do Estado (políticas públicas efetivas) e da sociedade civil no enfrentamento desses
problemas sociais. Ressaltando a relevância da possível contribuição da Psicologia
nessa área, o trabalho é concluído com algumas sugestões de mudanças na
formação e na prática do psicólogo brasileiro visando a uma atuação profissional
mais comprometida com os direitos humanos no Brasil.

Palavras-chave: Direitos Humanos, Violação, Formação, Psicólogo.

ABSTRACT

Rights in Brazil, the author points out the importance and the need for a more
effective preventive action of the State, through public policies, as well as that of
the civil society to face these social problems. She also highlights the relevance of
a possible contribution of Psychology and psychologists and finishes her work by
suggesting changes in the curricula of Brazilian undergraduate Psychology courses
towards a professional performance that is more committed to Human Rights.

Keywords: Human Rights Violations, Psychologist, Education.

O presente artigo mostra aspectos das violações dos direitos humanos no Brasil e
apresenta uma proposta de mudanças na formação e prática do psicólogo brasileiro
de forma a colaborar mais na reversão desse grave quadro social. Mostra que o
problema se agrava acentuadamente em alguns grupos sociais como: mulheres,
crianças e jovens, negros, pobres, analfabetos e homossexuais, apesar da criação
no Brasil do Programa Nacional de Direitos Humanos em 1996 e da Secretaria
Nacional dos Direitos Humanos em 1997 que implementam políticas públicas nessa
área. No grupo de mulheres, temos dados importantes dessa violação.

Segundo Zampiere, (2004, p. 197). "As mulheres na América Latina estão sendo
infectadas com o vírus da AIDS num ritmo crescente como na África e na Ásia. A
Organização Mundial de Saúde, em conjunto com a UNAIDS, o programa das
Nações Unidas para a AIDS, estima-se que no Brasil a proporção homem-mulher
de casos de AIDS caiu de 16:1 em 1986 para quatro mulheres para cada homem
em 2002" Em outro trecho, afirma a autora na pg. 202: "De acordo com estudos
realizados pela OPAS (1991), na América Latina, a probabilidade de contrair o vírus
da AIDS é mais alta para mulheres que só fazem sexo com um homem, seu
marido, do que para uma prostituta de um bordel que seu marido visita
freqüentemente."(....) "Infelizmente para nossa realidade brasileira, isso deve ser
um alerta." No meu entender, um dado muito importante para a reorientação de
novas campanhas de prevenção de DSTs promovidas pelo Ministério da Saúde. A
última pesquisa do Ministério da Saúde do Brasil em 2006 pesquisando a incidência
da AIDS confirma essa previsão: aumento expressivo da doença em pessoas acima
dos cinqüenta anos.

Segundo pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a População - UNFPA (2005),
pg.66 "A violência doméstica é ,de longe, a forma mais comum de violência de
gênero. Segundo dados de inquéritos, entre 10% das mulheres de alguns países e
69% de outros são sujeitas a violência doméstica. Em cerca de um quarto dos
casos, também ocorrem abusos sexuais."Ainda na pg. 67:" Há muito que a
violência contras as mulheres está envolta numa cultura de silêncio. É difícil obter
dados estatísticos fiáveis(sic), na medida em que a violência não é participada em
grande parte dos casos, devido à vergonha, ao estigma e ao medo de represálias."
Na pg.68, analisando as políticas preventivas comenta: "Na América Latina e nas
Caraíbas, onde a maior parte dos países aprovou leis sobre violência doméstica,
uma análise das dotações orçamentais dos ministérios pertinentes revela que as
verbas destinadas à sua aplicação são insuficientes." Discutindo a feminização do
HIV/SIDA essa pesquisa cita na pg.37: " Cada vez mais, a face do HIV/SIDA é um
rosto de mulher." Analisando a situação, mostra na pg.38 que "Mais de quarto
quintos das novas infecções por HIV entre as mulheres ocorrem no casamento ou
no contexto de relações de longo prazo". Uma constatação perversa!
O cumprimento da igualdade de direitos entre homens, mulheres, povos e nações
constitui-se no fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Foi para
garantir essa realidade, que em 10/12/1948 foi proclamada pela Assembléia Geral
da Organização das Nações Unidas - ONU, a Declaração Universal dos Direitos do
Homem.

Desde então, há uma vigilância mundial para que esses direitos sejam
efetivamente garantidos. No entanto, é preciso que estejamos atentos para que
esses direitos sejam respeitados. No âmbito internacional, organizações e tratados
cumprem seu papel de resguardar a aplicação dessas leis contra genocídios e
violações dos direitos humanos.

No que se refere aos direitos das mulheres, segundo a Convenção de Belém do


Pará - Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Contra a Mulher, adotada pela OEA em 1994, a violência contra a mulher é todo e
qualquer ato ou conduta baseadas no gênero, que cause morte, dano ou
sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na área pública como na
área privada.

A Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos (Viena, 1993)


reconheceu formalmente a violência contra as mulheres como uma violação aos
direitos humanos. Desde então, os governos dos países-membros da ONU e as
organizações da sociedade civil têm trabalhado para a eliminação desse tipo de
violência, que já é reconhecido também como um grave problema de saúde
pública. No Brasil, além da criação da Secretaria Especial de Direitos Humanos e
das Delegacias Especiais da Mulher, foi criada no governo Lula a Secretaria de
Políticas para as Mulheres - SPMULHERES, cujo objetivo é traçar políticas públicas
nessa área. Infelizmente, os dados da violação dos direitos das mulheres no Brasil
são alarmantes. Em pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo,(2001), com
pergunta estimulada 43% das mulheres admitem terem sofrido alguma forma de
violência, contrastando com a resposta espontânea quando apenas 19% admitem
terem sido submetidas a alguma forma de violência. Esta mesma pesquisa mostra
que cerca de uma, em cada cinco mulheres brasileiras, sofreu algum tipo de
violência por parte de algum homem. "A projeção da taxa de espancamento (11%)
para o universo investigado (61,5 milhões) indica que pelo menos 6,8 milhões,
dentre as brasileiras vivas, já foram espancadas ao menos uma vez". Projeta-se no
mínimo 2,1 milhões de mulheres espancadas por ano, ou seja, uma em cada 15
segundos." Códigos e interpretações machistas ainda tentam justificar tais
barbáries. Entretanto, a recente lei aprovada pelo congresso nacional brasileiro em
2006 denominada Lei Maria da Penha penalizará com mais rigor os casos de
violência contra a mulher no Brasil e com isso, esperamos uma diminuição dos
casos.

No que diz respeito aos direitos das crianças, observa-se que, apesar da criação do
Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil desde 1990, o quadro da infância e
juventude ainda é perverso no Brasil.

Os indicadores de fome, doenças, analfabetismo, trabalho infantil, violências,


chacinas, exploração sexual, entre outros, demonstram que não asseguramos
proteção a eles ainda. Os casos de estupro em mulheres e, especialmente em
crianças, tem aumentado assustadoramente em todo o Brasil. Vejamos:
"Estarrecidos assistimos, há alguns meses, a mais uma tragédia juvenil. Duas
meninas pré-adolescentes num inocente passeio de bicicleta pela área de lazer de
um bloco residencial em Brasília, no início da noite, se deparam com jovens. O que
seria um passeio se transforma numa noite macabra. Os jovens compram vodca
com refrigerante e oferecem a bebida às meninas. Embriagadas e em coma
posteriormente, elas são conduzidas até o apartamento, onde ocorreram
brutalmente os estupros. Com a violência do ato numa menina, houve grave
rompimento do períneo com forte hemorragia o que afugentou os jovens. Uma
semana após, uma menina ainda

se recuperava da traumática cirurgia sob intensos cuidados médicos e psicológicos.


Nesta mesma época, na região do Morumbi- São Paulo, um rapaz de vinte e sete
anos violentou uma menina de doze anos, que fazia malabarismo no semáforo",
Balbino (2006, p.20). "O Brasil é o quinto em um ranking de 67 países com as
maiores taxas de homicídios de jovens na faixa de 15 a 24 anos" conforme relata
Waiselfisz (2004). A Promotora da Infância e Juventude, Selma Suerbronn,
analisando problemas relativos aos jovens infratores afirmou que os adolescentes
sofrem de uma espécie de exclusão afetiva, pois estão distantes dos pais e ficam
sem uma base emocional. Estudando a situação de desemprego entre os jovens,
Márcio Pochmann da Universidade Estadual de Campinas, concluiu que a taxa de
desemprego é três vezes maior entre os pobres. Considerando esse tema, o
governo Lula tem evoluído na criação de políticas afirmativas de inclusão das
pessoas menos favorecidas aos programas sociais. Exemplo disso é a recente
criação do PROUNI que permite bolsas integrais a alunos carentes em faculdades
particulares. Aliado a isso, foi criado também a Secretaria de Promoção de
Igualdade Racial - SEPPIR, órgão que cria políticas de inclusão de negros. Cotas
para ingresso nas universidades públicas foram também destinadas aos afro-
descendentes como forma de inclusão social. O projeto tem dado certo e está
sendo acompanhado de perto pelo governo e pelos movimentos de negros no
Brasil. Buscando combater e denunciar o racismo e discutir políticas de inclusão
social dos negros, ocorreu em Brasília, em julho de 2006, promovida pela SEPPIR,
a Conferência Regional das Américas sobre avanços e desafios no Plano de Ação
contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Intolerâncias
Correlatas.

Analisando a situação dos jovens, o Fundo de População das Nações Unidas


(UNFPA), destaca que mais de 85% da juventude (15 a 24 anos de idade) do
mundo vive hoje nos países em desenvolvimento, e o Brasil, sozinho, é
responsável por cerca de 50% dos jovens da América Latina, trazendo um grande
desafio para a sociedade brasileira.

Balbino (2002), analisando episódios de violência juvenil no Brasil, percebe que


bebidas alcoólicas e outras drogas parecem contribuir para os desfechos de tantos
dramas envolvendo jovens. Cita, entre outros, "o caso de um garçom que perdeu a
vida em Porto Seguro - Bahia, após um conflito com jovens brasilienses. Naquela
localidade, a Passarela do Álcool e o "capeta" são apelações perigosas" segundo a
autora. Ela questiona a existência de uma Secretaria Nacional Antidrogas no Brasil
com algumas políticas bastante eficientes, mas ao mesmo tempo, omite-se em
apelações dessa natureza. Evidencia o caráter perigoso do álcool, enquanto droga
socialmente aceita. Segundo o Levantamento da Secretaria Nacional Antidrogas
( Senad, 2006), o consumo de álcool, maconha e tabaco aumentou no Brasil nos
últimos quatro anos e revela ainda que 12,3 % da população brasileira é
dependente do álcool, 10,1% do tabaco e 1,4% da maconha. O levantamento
apurou também que o consumo de droga é maior entre adolescentes na faixa
etária entre 12 e 17 anos.

Castro e Abramovay (2002) abordam o consumo e tráfico de drogas nas escolas e


no entorno delas, mostrando a necessidade de se desenvolver estratégias mais
eficazes (escolas, família, comunidade e órgãos governamentais) na política de
prevenção.
A importância da mídia como formadores de opinião pública é inquestionável
especialmente nos jovens promovendo, de forma geral, uma verdadeira
fetichização.

Severiano (2001) faz uma reflexão crítica sobre as relações do homem com os
signos criados pela mídia, desmistificando seus discursos sedutores usados para
essa fetichização da mercadoria. Seu livro vem, de forma importante, colaborar na
demanda de produção e sistematização de um saber capaz de refletir criticamente
sobre essas relações do homem com a mídia. Ela critica o fascínio exercido pelos
objetos de consumo e suas promessas de soluções imediatas, num mundo que
parece segundo ela, negligenciar o esclarecimento. Ela tomou amostras de jovens
do Brasil e da Espanha para desenvolver o seu trabalho, que constituiu sua tese de
doutorado em Psicologia Social.

Segundo dados recentes do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas e


Psicotrópicos -CEBRID (2004), a idade do primeiro uso do álcool e do tabaco
ocorreu entre os 10 e 14 anos, informações contidas num levantamento nacional
recente em escolas públicas do ensino fundamental e médio em 27 capitais
brasileiras. No meu entender, os apelos sociais, através da mídia, são enormes e
funcionam também como coadjuvantes nestes tristes episódios. Filmes, jogos,
propagandas e sites perigosamente manipulam as mentes juvenis. O Ministério da
Saúde proibiu a propaganda de cigarros na TV. Como permitir que não haja
controle sobre a venda de bebidas alcóolicas para menores e que as propagandas
fantasiosas sobre esses produtos continuem ocupar espaço em horários nobres?

Avançando além das discussões dos problemas, algumas pesquisas parecem


vislumbrar caminhos ou delinear estratégias promissoras na área. Waiselfisz e
Maciel (2003) analisam a criminalidade no entorno das unidades de ensino em
Pernambuco e no Rio de Janeiro. O estudo expõe índices de gravidade dos fatores
de risco nas escolas pesquisadas e aponta para a necessidade de formulação de
políticas públicas mais eficazes na área educacional.

Ortega- Ruiz e Del Rey (2002) discutem a gestão da educação na perspectiva de


mudanças nas políticas educacionais. Defendem a gestão autônoma das escolas e
apresentam dados da aplicação dessa prática em alguns países e mudanças
conseguidas.

Zagury (2002) aborda a necessidade da complexa tarefa dos pais imporem limites
na educação dos seus filhos. Entendo que devido às grandes mudanças sociais e à
revolução dos costumes, valores, globalização, influência incontestável da mídia,
esta tarefa não tem sido fácil e questiono: será que os pais estão estabelecendo
um diálogo franco com seus filhos para o estabelecimento de limites aceitáveis de
liberdade? Os próprios pais têm se constituído em bons exemplos para seus filhos?
A partir da família, da escola e do contexto social, as relações humanas estão
sendo pautadas dentro dos preceitos da ética, da moral, da dignidade e do
respeito?

Discutindo com muita propriedade esse tema contemporâneo corpo e consumismo


na moral do espetáculo, Costa, (2004) afirma: "Querendo ou não, somos todos
contemporâneos, e este é o nosso mundo. As novas experiências corporais fazem
parte da nossa identidade, e compete a cada um fazer delas uma ponte para a
autonomia ou uma reserva a mais de sofrimento e destruição. Apostemos na
melhor hipótese. Afinal, a futilidade, a ganância e a violência só conseguiram até
hoje, empolgar os tolos, os medíocres e os arrogantes. E, na maioria dos casos e
dos fatos, sempre fomos mais que isso".
Zimbres (2002) estabelece uma comparação entre experiências em políticas
públicas de diversos países e estabelece alguns fatores de risco para a violência
juvenil. Psicólogos, educadores, médicos e cientistas sociais têm-se mobilizado na
busca de possíveis causas, explicações e delineamento de medidas sócio- políticas
preventivas.

Waiselfisz (1998) traça o perfil dos jovens e adolescentes de classe média de


Brasília, tomando como partida a morte brutal do índio pataxó Galdino em 1997,
por jovens brasilienses de classe média trazendo à luz uma nova face da agressão
juvenil.

Em 2006, o Congresso Interamericano de Educação em Direitos Humanos realizado


em Brasília, além da excelente programação, apresentou um debate que reputo de
grande importância denominado "Encontro dos Fóruns de Gestores de Ensino,
Pesquisa e Extensão de Direitos Humanos", onde Pró-reitores de Ensino, de
Pesquisa e de Extensão de universidades federais e particulares de todo o Brasil
discutiram a relevância desses trabalhos na consecução do empreendimento de
uma educação universitária mais voltada para os direitos humanos no Brasil.
Tomando educação como um processo amplo de ação e nosso campo de trabalho,
categoria, destaco aqui a relevância de pensarmos numa formação e prática do
psicólogo brasileiro voltadas para essa importante finalidade - o cumprimento dos
direitos humanos.

Psicologia no Brasil: comprometimento social e cidadania

Importante destacar aqui o excelente trabalho da Comissão Nacional de Direitos


Humanos do Conselho Federal de Psicologia, que além de tantas iniciativas, lançou
em 2005 uma campanha nacional com o tema "O que é feito para excluir não pode
incluir", cujos objetivos foram: identificar as práticas da Psicologia no sistema
prisional, contribuir na construção das atribuições, competências e possibilidades
de formação para o psicólogo no sistema prisional. A participação do Conselho
Federal de Psicologia na Campanha contra a Baixaria na TV é outra louvável
iniciativa que visa à construção de uma mídia brasileira mais comprometida com a
formação da cidadania. Relativo a esse tema, importante destacar o lançamento do
livro "Mídia e Direitos Humanos" promovido pela ANDI - Agência Nacional dos
Direitos da Infância, SEDH - Secretaria Especial dos Direitos Humanos e Unesco no
Congresso Interamericano de Educação em Direitos Humanos em Brasília em 2006.
O livro objetivou discutir a contribuição da imprensa no cumprimento dos direitos
humanos no Brasil. Segundo Vivarta, V. e Canela, G. (2006),"1% apenas dos
textos jornalísticos no Brasil mencionam a Declaração Universal dos Direitos
Humanos e 1% outras declarações, plataformas e programas de ações
internacionais." Afirma ainda: " Os avanços em relação à agenda dos Direitos
Humanos estão, historicamente, associados à atuação da imprensa responsável
não apenas por denunciar violações a tais direitos, mas também por fortalecer o
debate público em torno das formas de garanti-los e promovê-los"

No âmbito da Psicologia, muitos trabalhos de relevância social se destacam. Na


área específica do desemprego, vejo com otimismo a iniciativa do psicólogo
Wanderley Codo, coordenador do Laboratório de Psicologia do Trabalho da
Universidade de Brasília, que mantém um projeto de aconselhamento psicológico
aos desempregados - trabalho muito significativo, onde o índice de desocupação da
população atinge 23%. Também a recente premiação, pela Unesco, de uma
psicóloga na Universidade Federal do Rio de Janeiro dentro do programa
"Universitários sem Fronteira" pela relevância do seu trabalho numa favela em prol
da cidadania dos jovens fortalece o caráter sócio-político da categoria em grandes
projetos.

O V Seminário de Direitos Humanos e Psicologia realizado em novembro de 2003


em Brasília já evidenciava o forte compromisso da Psicologia contra a violação dos
direitos humanos e a favor de uma cultura para a cidadania plena do brasileiro.
Muitas iniciativas, sem dúvida, estão em curso nesta área, mas certamente muito
há o que ser feito num longo caminho a percorrer. Um bom exemplo do exercício
de cidadania do Conselho Federal de Psicologia é a sua recente e importante
participação no "Expo Fome Zero - Brasil Socialmente Responsável", expondo os
grandes projetos sociais da categoria num avanço histórico pela cidadania
brasileira.

O Jornal do Conselho Federal de Psicologia de outubro de 2006 trouxe notícias


animadoras nesse sentido. A participação da categoria no Grupo de Trabalho
Interministerial sobre a Assistência Humanitária Internacional, atuação na Defesa
Civil e em ações no Ministério da Saúde em situações específicas de risco ou
calamidade, a participação política por um tratamento mental mais humanizado no
Brasil e a criação recente pelo CFP do prêmio profissional "Psicologia e práticas
educacionais inclusivas" caracterizam na prática a vinculação real da Psicologia aos
Direitos Humanos.

Na teoria, já existe esse intrincamento profundo na relação entre a ciência


psicológica e os direitos humanos/cidadania. Nos princípios fundamentais do
Código de Ética Profissional do Psicólogo Brasileiro (2005) pg.7 podemos ler: "I. O
psicólogo baseará seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da
dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que
embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos." "II. O psicólogo
trabalhará visando promover saúde e a qualidade de vida das pessoas e das
coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". "III.O psicólogo atuará
com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade
política, econômica, social e cultural".

Propostas para uma Psicologia ainda mais articulada ao


cumprimento dos direitos humanos no Brasil.

Refletindo sobre o papel e compromisso da Psicologia com a questão social e, mais


especificamente com a violação dos direitos humanos, tentarei agora enumerar
outras propostas para mudanças na formação e prática do psicólogo brasileiro
buscando maior colaboração da categoria no cumprimento dos direitos humanos no
Brasil. Evidentemente que é complexa a situação e os problemas necessariamente
precisam ser contextualizados dentro das políticas nacionais e internacionais de
combate à violação dos direitos humanos e da promoção da inclusão social.

Porém, avançando além da complexidade sócio-política dessas questões,


necessário se faz vislumbrar novos caminhos na direção da solução dos graves
problemas sociais aqui suscitados. Como colocar a formação e prática do psicólogo
articuladas a uma maior compreensão social e um engajamento prático mais
vigoroso nessa questão da violação dos direitos humanos no Brasil? Enumero aqui
algumas possibilidades e propostas que poderão contribuir nessa direção:

- Incluir no currículo da graduação em Psicologia disciplinas e/ou unidades


temáticas com enfoque no engajamento social teórico-prático dos alunos no
ensino, na pesquisa e na extensão como forma de sensibilizá-los para uma
participação mais efetiva em projetos sociais, que visem promover a cidadania dos
brasileiros. Buscar uma formação acadêmica competente para pesquisar, formular
propostas e agir, especialmente na área social. Neste campo de atuação, inegável
a contribuição da Psicologia Escolar e Social preventiva buscando conscientizar
sobre a necessidade da busca da cidadania, da inclusão social e da criação de uma
postura crítica, por parte das crianças e dos adolescentes, frente aos apelos e
modismos sociais da mídia e do perigoso contato com bebidas, drogas, fumo,
exploração sexual e o crime;

- Na universidade, profissionais de Psicologia funcionando como agentes


importantes na criação de projetos de ação focados em direitos humanos no
ensino, na pesquisa e na extensão. Além disso, empenho para a criação de cursos
de pós-graduação na área dos direitos humanos. Importante a implementação de
uma educação em direitos humanos em todos os cursos de licenciatura nas
universidades. Dessa forma, teríamos em pouco tempo, uma rede de
multiplicadores e ações na área dos direitos humanos em todos os níveis escolares:
do ensino fundamental aos cursos de pós-graduação. Com a extensa e importante
rede de escolas públicas que o Brasil tem, seria enorme a dimensão social desse
trabalho contra a violação dos direitos humanos;

- Também na formação acadêmica, incluir conteúdo de políticas sociais brasileiras


e internacionais que poderão subsidiar propostas e projetos sociais que permitirão
adotar uma postura crítica e de colaboração no sentido de apresentar propostas de
solução para os graves problemas sociais através de um engajamento prático mais
vigoroso. Vale ressaltar que a Universidade Federal do Ceará, já implementa na
disciplina Psicologia Social 2 forte conteúdo nessa área, conforme esses objetivos
do programa da disciplina: "Esta disciplina busca, nos limites e possibilidades de
sua concretização, contribuir para um conhecimento inicial das categorias políticas,
processos de exclusão e inclusão sociais e cidadania, como dimensão basilar às
práticas psicológicas e para um desvelamento mais substantivo do tecido social do
Brasil contemporâneo", Pinheiro(2004);

- Participação mais efetiva e competente da categoria nos trabalhos do terceiro


setor -as Organizações Não Governamentais (ONGs) - como forma alternativa de
buscar resolver os problemas sociais. Apesar de um grande número de psicólogos
já trabalhar nessa área, necessário se faz uma intensificação de esforços em
trabalhos de maior relevância social. Participar com maior destaque ainda em
grandes projetos contra a violação dos direitos humanos no nosso país;

- Importante também refletir sobre a participação dos psicólogos em trabalhos


voluntários e em grandes projetos nacionais visando a promoção da cidadania dos
brasileiros e contribuir para uma sociedade mais democrática com oportunidades
mais igualitárias. Participação mais efetiva nos grandes projetos e discussões
nacionais (destaque para cursos/institutos e órgãos representativos da categoria).
Gostaria de destacar aqui a relevância da participação da categoria no recente
"Projeto Banco Social de Serviços", que mostra o compromisso dos psicólogos
voluntários frente aos grandes dramas sociais no Brasil;

- Entendo ser necessário também que psicólogos tenham maior atuação e


participação na mídia, quer divulgando seus trabalhos científicos quer
simplesmente denunciando problemas e fatores que violem a integridade física e
mental dos indivíduos e propondo alternativas e melhorias. Acho importante que a
ciência psicológica saia, cada vez mais, dos seus redutos (consultórios, divãs,
empresas, escolas, revistas especializadas, congressos científicos, etc) e ganhe
maior notoriedade social também nas grandes discussões nacionais e na imprensa
de massa (jornais, rádios,TV etc) no contato direto com o povo;

- Estabelecendo metas além da Psicologia estritamente, importante se torna


preparar o psicólogo para os grandes desafios sociais - romper os limites
profissionais na busca de atuações emergentes, inovadoras e relevantes no cenário
político. As aprovações recentes de psicólogos como diplomatas brasileiros
caminham nessa direção. Como psicólogos diplomatas, parlamentares e/ou em
outras carreiras sociais relevantes podem participar mais efetivamente das políticas
nacionais e internacionais de inclusão social;

- Finalmente, cabe aos órgãos representativos da categoria (Conselhos Federal,


Regionais de Psicologia, Associações, Sindicatos, cursos etc) desempenho com
maior competência sócio- política, articulando-se aos grandes projetos nacionais,
na busca da solução dos graves problemas brasileiros. Trabalhar além das sedes
administrativas e escritórios e representar, com maior relevância, a ciência
psicológica nos grandes debates nacionais, como tem feito ultimamente a categoria
de forma brilhante. Aliado a isso, através do seu competente trabalho
administrativo e de fomentação e gerenciamento de projetos, contribuir para a
valorização e destaque do profissional de Psicologia;

- Algumas sugestões a acrescentar nessa questão específica da categoria:


pesquisar e acompanhar, com maior aprofundamento, a qualidade da formação dos
psicólogos no Brasil (enfoque no sócio-político), discutir e influir na política nacional
de abertura de novos cursos de Psicologia, estabelecer políticas de expansão do
mercado de trabalho dos profissionais, pleitear e se empenhar na participação do
psicólogo em maior número de concursos, buscar apoio para estabelecer, através
de projetos de lei, teto salarial mínimo da categoria e articular-se a grandes
projetos de relevância social. Muito importante também uma redemocratização
dentro da própria estrutura administrativa da categoria, estabelecendo mais
igualdade de oportunidades para todos os psicólogos. Fazer de cada psicólogo e
suas idéias, um parceiro importante nesse trabalho de (re)construção,
fortalecimento da Psicologia e de cooptação de esforços pela cidadania.

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