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Para Glauber, o social é um campo de batalha em que tudo se conecta definem como paganismo, "latinidade", "inconsciente oriental da Itália",

ália", "san-
- a estética, a moral e a política - de modo a revelar confrontos e alianças, gue básico americano" ou outras totalizações que ele assume num tom subs-
sacrifícios e traições, deuses e diabos. No balanço das forças, o valor de cada tlncialista hoje estranho, que vale como documento de formação e como traço
cineasta se decide pelo modo como suas ações e opiniões vêm a compor um do seu estilo vulcânico. sincopado, sem vocação para o copy desk e impregna-
perfil e um caráter, uma articulação de traços pessoais que às vezes ganham do de oralidade, que solicita a leitura apoiada na força do ritmo, mais do que
sínteses originais: Erich von Stroheim é a inspiração embebida de violência na precisão sintática.
e saudade; John Ford. o cacique da Irlanda; Stanley Kubrick, o que reúne a Há o Glauber cinéfilo, esteta exigente vivamente expresso em sua intimida-
expressão fílmica pura e a voz indignada. Federico Fellini, o maior fenômeno de com a forma do cinema e na sua paixão pelo detalhe, seja diante do cinema
da Imaginação Viva. Sergei Eisenstein é o menino que não encontrou seu alter cléssico americano, seja diante dos filmes europeus de sua preferência. No
ego. e ninguém depois dele foi tão cinematográfico quanto Orson Welles. entanto, o modo como expressa seu juízo sobre autores e obras está em reta-
No grande teatro da história, o jogo é de contrapontos. O estilo monumen- çlo direta com outros aspectos da experiência. A avaliação de cada cineasta
tal de David W. Griffith se opõe à comédia humana do iluminado Chaplin: Elia nlo esconde o plano da vida, o papel de cada um dentro do jogo maior de
Kazan é o cineasta que pagou o preço da traição; Laszlo Benedek é "o que poderes que regula as relações sociais. Em particular, vale o teste do encon-
rompeu com o teatro de Kazan". A coragem do diretor-produtor Stanlev Kra- tro pessoal, presente neste livro de reportagens/entrevistas com os cineastas,
mer contrasta com o oportunismo de diretores como Robert Rossen e Edward lugar de entusiasmo e empatia, como nos casos de Buúuel, John Ford, Fritz
Dmytryk, os que fazem "filmes falsos para temas agudos". À postura "imperia- Lang e Bernardo Bertolucci. ou de desconcerto e embaraço, como acontece
lista e arrogante" de Francis Ford Coppola, Glauber contrapõe a simplicidade na conversa com Elia Kazan, notável no que revela de tensões entre impulsos
do cinema clássico liberal de John Ford e Howard Hawks; ao trágico James contrários gerados pelo contato direto com aquele que foi o alvo maior dos
Dean, o reacionário Marlon Brando; à grandeza da comédia de Frank Capra, leus ataques.
o subhumor de Jerry Lewis e Bob Hope. Haverá o primeiro Ingmar Bergman A política é um ponto decisivo, algo que impregna o ar que se respira e
contra o segundo, de Persona; e haverá um Pier Paolo Pasolini, de O Evange- que se estende do grande evento social ao pormenor de cada dia, da carreira
lho segundo São Mateus, contra o outro. de As mil e uma noites. Acima desses do homem de Estado à vida do artista, do artigo de lei à dramaturgia da lente
pares de opostos, reina a liberdade de Luis Bufiuel. a grandeza de Luchino 100m num filme de Luchino Visconti. Há política na busca do imponderável
Visconti e o espanto de Roberto Rossellini, o papa do cinema moderno que feita por Orson Welles, o que soube encenar os poderes. e há política na in-
encontrou em Jean-Luc Godard o filho angustiado que trouxe as interrogações cllnaçáo eisensteiniana para os gráficos e para a "geometria dos processos
do pai para o terreno da própria fatura do cinema. Godard é o irmão pouco à temporais"; como há também política na poesia nervosa de Godard quando
vontade consigo mesmo que Glauber admira e descreve com simpatia como ••te faz o máximo de coisas no mínimo de tempo. saturando imagem, texto e
a consciência lúcida de um continente cansado, carente de energia, fé religiosa, 10m, capturando o espectador em seu dispositivo fascinante que flutua sem-
povo e periferia. pre "entre-dois", como O dirá de forma mais direta Gilles Deleuze nos anos 80.
Política dos autores? sim, mas em estilo próprio, sem assumir o postulado Pera Glauber, tal "entre-dois" é uma "forma poética do desespero" bem própria
de unidade como um absoluto. Longe de estável ou sempre idêntica, a figura • este "suíço mineral e romântico" ao mesmo tempo.
do autor permanece como idéia reguladora que sofre crises e mutações, su- Porque pertinente em todos os casos, a política complica em vez de sim-
jeita à diversidade dos juízos. Estes dependem. mais do que de conjunturas, plificar, se o crítico não quiser ser dogmático e sem interesse. Há muito o que
do eixo escolhido para os confrontos onde ganham enorme peso os traços dizer sobre isto, como se poderá ver adiante no que Glauber observa sobre o
nacionais, os alinhamentos políticos, a pertinência do cineasta a um dos pó- WHt6rn e o filme de gangster, mas uma primeira linha de observação deriva
los da triangulação entre Europa. Estados Unidos e Terceiro Mundo, ou a sua de lua defesa de Welles, Eisenstein, Godard e Michelangelo Antonioni, cineas-
inserção em um dos amálgamas culturais que, no vocabulário de Glauber, se til que atestam a sua identificação com os acusados de formalismo por uma

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esquerda que cobrava dos italianos a continuidade do neo-realísmo, e dos de- cinema, pois o que vemos na tela jamais resulta apenas da enunciação abstra-
mais uma pedagogia dos mecanismos sociais empobrecedora da leitura do ta, mas sempre também, e fisicamente, de uma relação criador-criatura sem
cinema de Welles, o grande encenado r da tragédia do Capital, e da leitura da escapatória e sem equivalente em outra arte. Relação intersubjetiva onde entra
obra de Hossellini. o que criou o "novo método de captar o real no seu fluir". em jogo toda a gama dos afetos, emoções e pulsões humanas".'
Se o cineasta italiano minimiza o ctose-up , isto é política, porque ele busca Tal dimensão afetiva, carnal, está lá presente em passagens do crítico
experiências que condensam um momento histórico, conectando sentimentos Glauber e ganha formulação telegráfica em frases como "Ninetto est acteur
e crise social. investigação e reflexão. O estilo, neste caso, não resulta da pura amant de Pasolini". "La passion de Godard pour Jean-Paul Belmondo trans-
contemplação; ele vem da carne. É um envolvimento total com o mundo que, forme la femme en pàre destructeur (À bout de souftle & Píerrot le Fou). La
de imediato, se manifesta na relação do cineasta com quem está à sua volta e passion de Bertolucci pour Marlon Brando est un crime puni par Maria Sch-
ao seu alcance, postura que deve contaminar o próprio crítico cuja tarefa tam- neider, travesti krystedipe vio!ée par le rnvthe"." "Fellini é um rejeitado, Eu
bém envolve razão, corpo e afeto. Há que se identificar semelhanças e oposi- Fellíní não sou Aníta Ekberg. Desta frustração nasce Guido. mais bonito que
ções, fazer concatenações lógicas, mas é o conjunto que define o juízo, como Anita Ekberg. Fellini justifica Marcuse no caso de ser melhor artista porque é
se pode ver nas comparações que o crítico faz entre filmes ou cineastas, sem- pulsionado pelo sexo felino.'?
pre apoiado na atenção aos desempenhos (que não se reduzem à figura do As pulsões e os afetos são onipresentes e marcam o estilo de Glauber, de
diretor) e às qualidades formais, com freqüente destaque às passagens mais começo a fim, para além das diferenças que são claras entre o jovem dos anos
marcantes. Tais "seqüências de grande cinema" são decisivas, a par do tema 50 e o cineasta experiente dos anos 70. Em nenhum momento ele esconde as
e do sentido geral de uma obra ou de um gênero. Mas a defesa do primado suas afinidades eletivas ou seus desafetos, como vemos na diferença de tom
da forma e do estilo não se faz, na crítica de Glauber, em nome da arte e suas com que se refere a duas superproduções. Apocalipse Now é discurso aliena-
regras intrínsecas, pois tudo resulta do corpo a corpo com a vida e a história. do, fruto do imperialismo maniqueísta, pois desloca as verdadeiras questões e
Sempre encarnada, a arte não permite separar percepção e desejo, talento faz tudo convergir para a encarnação do Mal absoluto em Kurtz. personagem
e paixão. Em especial, o cinema que é uma arte impura, para lembrar e deslo- da "literatura colonialista" (Glauber é aqui, sem dúvida, redutor no ataque a Jo-
car a fórmula de André Bazin. Digo deslocar porque a impureza aqui não é ape- seph Conrad)." Novecento é a ópera esplendorosa e a coreografia das bandei-
nas uma contaminação recíproca das formas de expressão (o cinema trazendo ras vermelhas que, apesar do toque convencional. recolhe os ecos da amizade,
dentro de si o que lhe é exterior entre as formas da cultura); ela deriva da antes sem dúvida mais tranqüila, de Glauber pelo jovem autor talentoso deAn-
presença direta da carne na sua constituição, pois fazer filmes envolve a inte- tes da Revolução, quando Bernardo era o ':.Jean-Luc da Itália". Ou seja, em 1976,
ração direta entre corpos e olhares - aqui, a busca da forma e da beleza se dá embora um "ster do sistema imperialista", Bertolucci ainda recebe a adesão do
através de jogos de poder e de sedução que envolvem os que dirigem e os que
atuam, os que fotografam e os que oferecem o corpo à objetiva da câmera.
Como crítico Glauber envolve este movimento político de tornar explícita a Ver Alain Bergala, "De rtrnpureté ontologique des créatures du ctnéma". em Iretic. n,50, verão

dimensão corporal, intersubjetiva. presente em nossa relação com o filme e, 2004, p. 23. Trata-se de número especial com respostas de criticas e cineastas à indagação "O que

ponto mais delicado, essencial no processo de trabalho do cineasta, algo que, é o cinema?"
Ver o. 265 infra
em texto recente, Alain Bergala acentuou: "O cinema colocou de forma total-
Sobre Fellini, ver "Gtauber Felllni", pp. 253-74 infra.
mente nova e inédita, na história das artes, a relação entre a criatura imaginária
Claro que vale aqui. no texto de Glauber. o tom da polêmica em estilo telegráfico Neste sentido.
(aquela que o criador, para resumir, tem na cabeça), a criatura real (esta que os digo "redutor", não para negar a presença de uma dimensão imperialista na novela de Conrad.
pintores e fotógrafos chamam de modelo) e a criatura inscrita na obra (a figura, mas para lembrar que a questão é mais complexa e tem outras dimensões que a envergadura do
a personagem encarnada no filme). A teoria não abordou jamais frontalmente escritor soube muito bem levar em conta, como observa Edward Said em Cultura e Imperialismo.
esta questão óbvia, pois lhe parecia impura; no entanto, ela é constitutiva do trad. de Denise Bottman (São Paulo: Companhia das Letras. 1995)

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crítico. O afeto vale também na alteração do ponto de vista diante da obra de ritmos pela montagem. Exemplo notável é a sua pontuação da diferença entre
Fellini, cineasta a quem Glauber termina, em 1977, por consagrar. Em notável os ritmos do western e do filme de gangster na expressão da cultura ameri-
texto, faz uma ode à imaginação e ao mágico do circo, temperando seu elogio cana. Ele vê aí a criação de formas que engrandece um gênero ficcional, pois
com a homenagem ao Padre Arpa, o coordenador do Instituto Colornbianum, o bom cinema se faz das estilizações que permitem a cunhagem de termos
de papel decisivo na "conquista" da Europa pelo cinema novo nos anos herói- como o "realismo coreográfico", feita pelo crítico mineiro Cyro Siqueira para se
cos em que havia a resistência ao autor de Oito e meio no círculo dos jovens referir à dimensão estética da violência urbana tal como encenada nOS filmes,
brasileiros, com exceção de Paulo César Saraceni que sempre o defendeu. idéia e expressão que Glauber endossa."
Observar aqui o primado do afeto e, às vezes, de uma psicanálise selvagem Acima de tudo, ele foi conseqüente na admiração por Eisenstein, a figura
nos textos de Glauber não significa compor um balanço indulgente preocupa- maior de referência no seu afã de uma síntese entre sensibilidade e intelecto,
do em dar razão às impressões de um escritor descuidado dos conceitos. Ao emoção e razão. Não por acaso, o cineasta russo permanece o seu maior inspi-
contrário, significa ressaltar as tensões de um crítico que, desde o início, com- rador nas incursões teóricas. No longo artigo "Um filme genial", referido a Uma
bateu o mero juizo impressionista e optou pela auto-exigência, foi reflexivo, vida em pecado, produção "8" dirigida por Irving Lerner, fascinado, Glauber
questionou o seu próprio papel, não economizando declarações de princípio afirma que o "filme está para o cinema como Joyce para a literatura", e depois
ou observações de passagem como esta em texto escrito em 1957: "Necessi- tece considerações sobre o monólogo interior, neste filme em questão e nas
taríamos algumas considerações sobre 'características formais' e 'linguagem obras de Eisenstein e de Alain Resnais, comparando seus procedimentos com
cinematográfica'. Isto se faz indispensável por não entendermos crítica como as narrações simultâneas de William Faulkner (autor que o inspirou e que cita
mistério e sim esclarecimento; somos partidários da crítica didática"." com freqüência ao defender o cinema moderno). Depois, quando é fundamen-
Tal postura didática envolve, no jovem crítico, a apresentação de biofilmo- tai pensar e elogiar os traços de estilo próprios a Visconti e a Rossellini, ele
grafias, a explicação de conceitos e a escolha de um ângulo de abordagem ressalta o valor do plano longo e da mise-en-scéne usando um vocabulário
que pudesse tomar o filme como exemplo de uma questão mais geral, esté- eisensteiniano: "montagem interna" e "montagem externa". Ao contrário do
tica ou histórica, ou como um dado expressivo da conjuntura. Houve sempre, que foi a tônica dos leitores franceses de Bazin, não era preciso, no Brasil. es-
em Glauber, o impulso intelectual a determinar um esforço de atualização, ser quecer Eisenstein para engatar no sopro de invenção e nas virtudes do plano
contemporâneo, fazer sínteses. Atento, ele trouxe para a sua reflexão sobre a longo evidenciadas pelo neo-rea/ismo e por Welles. depois da ação pioneira de
arte as referências que estavam em pauta no debate literário e na produção Jean Renoir. O novo cinema latino-americano se fez dessas convergências, e o
universitária, reagindo de forma pessoal a modas passageiras no mundo dos crítico Glauber as vivenciou de começo a fim, como bem mostra seu empenho,
conceitos e pinçando o que poderia servir de apoio a argumentos em defesa nos anos 70, em trabalhar a noção de "montagem nuclear", a partir de seu filme
do artista contra o sistema vigente ou contra o dogmatismo de ideólogos. Não Di Cavalcanti (1976) e de observações críticas reunidas aqui em O século do
surpreende que, mais de uma vez, cite Roland Barthes ou discuta a relação cinema. Mais de uma vez ele se refere à taxonomia de Eisenstein (os tipos de
entre cinema e literatura, o cotejo entre palavra e imagem, as virtudes do es- montagem), fazendo dela uma clara matriz de seu pensamento, num diálogo
tilo indireto livre. O combate em defesa do "formalismo" trazia a exigência de que se desdobra na contribuição original que vem dar à teoria quando pensa
novos argumentos extraídos de um espectro amplo de saberes. São freqüen- no novo modo de abertura em leque das associações temáticas da montagem
tes as suas considerações sobre a diferença entre cinema e pintura, sobre o como uma explosão em cadeia -liberação de uma intensidade por irradiação
"sentido plástico" específico de um filme em conexão com a orquestração dos de valores plásticos - como bem mostra a seqüência das escolas de samba
em A idade da Terra, quando experimenta a "montagem nuclear".
Ver "Delinqüência juvenil", p 80 infra. Esta postura de reflexão sobre a crítica esteve sempre lá,
como atesta um artigo de 1957, "De critica". Vitória (ES). Vida Capixaba. Suplemento Literário
Sete Dias. Ver p. 82 infra

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o SÉCULO DO CINEMA E AS FORMAS DA CULTURA: O IMPERATIVO pela visão abrangente "dos motivos que levaram a França burguesa a fraquejar
DE GRANDEZA em duas guerras",
O século do cinema nos lembra Revisão crítica do cinema brasileiro e Revo-
Artista de requinte, Visconti é o Proust do cinema no sentido lução do cinema novo em sua forma de distribuir elogios e ataques, refazer a
formal do gesto que se completa até a unha coçar a poeira. tradição. Dentro desta semelhança, o dado original neste livro é campo maior
lGlauber Rocha] envolvido nas indagações. Como já observei, Revisão é a palavra do jovem
que define o seu lugar no cinema brasileiro, antes mesmo de realizar as obras-
Há, no percurso de Glauber, uma constante revisão da poética do cinema que primas que viriam consolidar a sua posição de liderança e dar maior ressonân-
envolve, em certa medida, o estatuto de seus próprios filmes num quadro his- cia às suas idéias; Revolução é a batalha do cineasta consagrado em defesa
tórico maior. Nesta linha. ele encontra outros elos com a experiência de Ei- do que considera a memória legítima do cinema novo e de sua experiência
senstein na representação do êxtase religioso (A linha geral) a partir da idéia pessoal como cineasta tricontinental. atestando as suas movimentações pelo
de pathos. Por outro lado, o modo como define os temas e o estilo de Visconti. mundo e suas alianças dentro da cultura que afirmava a revolução e a descolo-
Rossellini. Godard, Bunuet, Kubrtck. Ford, Welles e Pasolini evidencia novos nização como direções dominantes do processo histórico naquele momento.'
jogos de espelho que rebatem sobre sua própria obra. Esta não é comentada O século é a retrospectiva de um confronto com seus pares que teve início
neste livro, a menos do que ele diz na entrevista dada a João Lopes, em abril precoce, no crítico Glauber Rocha, com seus textos de notável interesse que já
de 1981, incluída no final do volume. No entanto, ela se deixa entrever de for- compunham um elenco de afinidades que depois se tornam alianças efetivas
ma nítida, na defesa do princípio da invenção formal como condição para uma no caso dos cineastas europeus incluídos nesse percurso do crítico. É digno
arte conseqüente. Se há a defesa do rigor na armação do estilo, este se integra de registro o fato de não estarem te matizadas neste livro outras afinidades,
numa busca de expressão que mobiliza o cineasta por inteiro, pois é clara a quando pensamos a questão de estilo e a problemática cultural mais ampla.
sintonia de Glauber com a divisa dos jovens cineastas dos anos 60 que afir- Cito aqui a densa e celebrada experiência de um cinema nacional que poderia
maram sua conexão com o espírito das vanguardas na recusa em separar vida ser tomado por ele como forte referência no debate - o cinema japonês - e
e obra. Esta foi uma palavra de ordem que, no Brasil, ganhou uma particular também a emergência, já em torno de 1969-1970, de uma nova geração de
inflexão política, de engajamento nos termos de Jean-Paul Sartre: liberdade, cineastas alemães que dialogaram com o cinema novo de diferentes formas
escolha, responsabilidade. (basta citar Alexander Kluge, Wladimir Herzog e Rainer Werner Fassbinder, este
Se, como Godard e muitos outros, Glauber viveu tal condição de artista último com homenagem explícita a Glauber). A referência franco-alemã, ao lon-
como desafio, drama, dilaceramento, toda a sua admiração se dirige a Bufiuel, go dos anos 70, continuou sendo Jean-Marte Straub.
que ele vê situado além do plano da angústia, pois tudo nele já é decorrência O trajeto do livro deixa claros o cenário do drama e as personagens que
de um salto único, primordial. de homem livre. O realizador de Viridiana com- interessavam a Glauber destacar, dentro de sua peculiar articulação entre a
põe um patamar absoluto de avaliação que não se prende aos imperativos defesa de um novo estilo e a atenção a tradições nacionais com as quais ele
formais, pois é o próprio crítico quem observa como este cineasta não está sentiu necessário um ajuste de contas, tradições que tiveram parte maior em
preocupado com a invenção formal, sendo mais importante, em sua obra, a sua formação. Há, portanto, que se considerar o modo como Glauber amplia e,
extraordinária força das imagens qtue advém do modo peculiar com que des- ao mesmo tempo, demarca o horizonte de sua geopolítica; e também o modo
nuda, com ironia, a imaginação religiosa e as piruetas da sublimação, lendo a como o terreno escolhido para os embates se organiza, nos textos críticos,
contra pelo a energia "criadora" das operações de recalque e das pressões mo- em consonância com o percurso de seu próprio cinema. A sua apreciação do
rais de um cristianismo em crise. Bunuel feriu sempre as bases institucionais
do capitalismo e soube mudar de estilo para se adaptar aos assuntos, como Ver os prefácios desses dois livros de Glauber publicados pela Cosac Naity, em 2003 e 2004 res-
bem mostra Diário de uma camareira, filme que recebe o elogio de Glauber pectivamente.

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cinema europeu ou norte-americano remete, em grande parte, ao que, inter- Senso, o mestre mais lúcido na apropriação do melodrama e na compreensão
nalizado e pressuposto, está fora do livro, ou seja, o contexto brasileiro. Esta é de um espírito nacional cristalizado em códigos da arte. Em verdade, o voca-
uma interação que merece ser explorada quando se observa a sua defesa do bulário de Glauber é mais substancialista, pois fala em "espírito melodramático
cinema moderno, o seu interesse maior pelo cinema italiano (campo maior das da sua raça (Itália): Cineasta Nacional, toda a Cultura posta num Filme"."
afinidades), a presença discreta do cinema francês, ressalvado o constante elo- Diante de Visconti, Glauber é superlativo: ápice da dramaturgia fílmica
gio a Godard, e a sua avaliação de Hollywood: se há o seu ataque mais direto (montagem interna + montagem externa) e da dinâmica visual sutil. é o cineas-
quando "a forma vira fórmula", há também afirmações de identidade, como ta que sabe sustentar o tempo da câmera até a saturação. Aqui, a sensibilidade
no caso do humanismo de Charles Chaplin, cineasta que "ilumina o século XX do crítico explora muito bem uma seqüência de Senso, quando há um célebre
porque nele o Povo se faz Imagem". movimento de câmera na direção contrária àda ação dos soldados numa bata-
A figura de Carlitos o interessa porque é resposta irônica dos vencidos às lha, de modo a deter a imagem fora da ação e centralizar a composição numa
iniqüidades do século, exemplo de uma arte de resistência que se opõe ao árvore. A partir deste exemplo, ele pensa a questão do tempo no cinema mo-
"protestantismo racista de Griffith" e aos lances truculentos do Capital, ante- derno (o texto é de 1959) e destaca a interrupção do fluxo das ações, usando o
cipando um movimento do cinema como arte política e popular que teve o mesmo parâmetro mobilizado pela crítica francesa que consolidou o discurso
seu grande impulso na Itália de 1945-1960. Dado que a questão nacional é um sobre a nova estética. Feita a observação sobre o modo viscontiano de usar o
tema fundamental na reflexão de Glauber, o cinema moderno italiano é o alvo dispositivo do cinema, Glauber se concentra na composição do drama: o que
do seu maior empenho como crítico, ao lado de suas observações sobre o lhe interessa ressaltar é a forma como, ao condensar sentimentos humanos
significado histórico-nacional dos gêneros típicos de Hollywood. Ressalvadas culturalizados em formas expressivas, Visconti incorpora o drama barroco da
as nítidas afinidades com o autor de Tempos modernos, Glauber não chega a Itália, em sintonia com o "teatro latino verista".
projetar no mundo de Carlitos a questão do nacional-popular nos moldes em A cada texto, e são vários em torno de Visconti, Glauber muda a categoria
que, de Antonio Gramsci aos partidos de esquerda da América Latina, ela mar- na qual se apóia. Ora ela é de tipo estético, como o senso do trágico (este
cou o debate em torno de uma arte política. As discussões mais conceituais que prevalece quando se assume o que se deve fazer mesmo sendo terrível
aparecem nos textos em que está em foco uma questão na qual o próprio - amar Rocco e vê-lo derrotado em seu cristianismo). Ora é de tipo ideológi-
Glauber está implicado, há algo que desafia o seu próprio caminho de criação. co, como o peculiar marxismo do aristocrata; ora de tipo biográfico, como o
A questão do diálogo dos cineastas com os gêneros e mediações vindos da homossexualismo que orquestraria a circulação de Eros em todos os segmen-
cultura popular é um exemplo disto, pois envolveu uma relação tensa com a tos sociais. A análise de ROGeo e seus irmãos - voltada para o sentido histó-
tradição dos Partidos Comunistas que assentaram demandas de realismo, em- rico de cada personagem e para a dimensão trágica da experiência da família
bora estas não tenham sido um imperativo nas formulações de Gramsci sobre - é uma piéce de resistence estratégica no posicionamento de Glauber diante
a literatura na vida nacional e sobre o papel político de certos gêneros como o do problema estético do cinema no início dos anos 60 (o texto é de 1962).
romance de folhetim. Afastado do realismo, Glauber tomou o nacional-popular Vale, neste esforço, o privilégio que ele conferiu ao filme que, para muitos,
em sua feição de arte pública mobilizadora de grandes "formas da cultura" dava continuidade a uma tradição mimético-realista em descompasso com um
como o mito, a narrativa bíblica, a epopéia e a tragédia, gêneros que julga já cinema de ponta representado por Hiroshima, meu amor, de Resnais, onde
assentados no imaginário popular e instalados nas elaborações inconscientes, era notável a nova forma de relação entre texto e imagem, espaço e tempo.
portanto mais enraizados nas formações nacionais, tal como é o caso da ópera Glauber reconheceu a revolução de Resnais, com a qual tinha todos os moti-
na Itália, solo em que estaria apoiado o impacto do cinema de Visconti. A ques- ves para se identificar, dada a natureza do seu próprio projeto no plano formal
tão não seria, então, o realismo psicológico e as particularidades do cotidiano, (mais tarde, houve Terra em transe e sua complexa relação imagem-som). No
mas certos paradigmas do comportamento moral que permitem ligar a ação
individual ao grande teatro da história, tal como o fez o autor de Ossessione e Ver p. 222 infra.

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entanto, deixou clara a opção por Visconti, dada sua afinidade maior com um a sua língua (no século XIX, ele teria sido filósofo, como Hegel). No entanto, o
cineasta que realizava o encontro entre o cinema e as "grandes formas expres- namoro do crítico é com o encantamento próprio ao drama barroco (entenda-
sivas da cultura" (nacional e/ou popular). Além disto, pesa aqui a identidade no se Visconti), forma específica da cultura com que teve maior empatia e que,
plano estilístico, pois haverá, em Deus e a diabo, o mesmo uso reiterado da nos anos 60, moldou o seu próprio estilo, feito da tenacidade diante da escas-
zoam como forma dramática, em consonância com o elogio à zoam viscon- sez de recursos e de um peculiar impulso de esperança que conviveu, mais e
tiana que será até mais explícito em texto posterior (1971), em que ele vai se mais, com o dilaceramento.
valer também da noção de "terceiro sentido", ou sentido obtuso, de Roland Personalíssimo nas alianças, Glauber desde cedo, ao lado da identificação
Barthes, para compor uma notável observação sobre o efeito deste dispositivo com os realizadores europeus, buscou lições no cinema de Hollywood, condu-
cinematográfico sobre as formas tradicionais de mise-en-scéne e de exposição zindo um diálogo intenso com os diretores resistentes às pressões do sistema,
dos sentimentos." não obstante a peculiar afinidade com John Ford, cineasta canônico do esta-
No cotejo com Hiroshima, e ao exaltar o barroco de Visconti, Glauber obser- blishment e nada barroco em seu estilo. Neste caso, foi decisiva a mediação
va que este "passa da ópera, não ao romance moderno da 'experiência formal' do western como gênero, lugar do cultivo de um modo direto de expressão
mas ao romance moderno da 'grandeza': se antes, em Senso, estava presente dos conflitos e também dos rituais de ctmeotação da comunidade. Há, nesse
a marca do espírito Stendhal, agora, em Rocco não só a violência dramática gênero, uma forma de assumir a dimensão moral das condutas que agrada o
fraternal dos Karamazov envolve toda a obra: a tradição mítica desta mesma crftico que sempre pontuou seus textos com palavras como coragem e covar-
dramaturgia que encontramos na bíblica saga de Abel & Caim. José & seus dia, sacrifício e traição, ou expressões como "um sofisticado pobre de espíri-
irmãos, está colocada no jogo" .10 to", a propósito de Marlon Brando. Este ator, além de seu próprio estilo cada
Essa textura barroca de transfiguração da tragédia é o que vemos se ex- vez menos amado pelo crítico (basta ver o que fala de Brando em Apocalypse
pressar no próprio cinema de Glauber diante do grande teatro da história de Now), recolheu os ecos da diatribe de Glauber contra Elia Kazan, pois também
que ele buscou, a seu modo, a expressão figurada. Como poucos, ele mobi- ele teria passado de um início promissor a uma traição. O problema não estaria,
lizou a matriz bíblica e os paradigmas da imaginação popular para projetar a portanto, na sua formação no Actor's Studio de Lee Strasberg. As observações
representação da pobreza em outra escala. definindo um senso de "grandeza" azedas sobre o mito não significam uma intolerância radical do crítico com os
assentado na forma de se conectar as conjunturas históricas a um plano uni- principias do "método" que identificava a célebre escola; revelam apenas uma
versal de experiência. Não surpreende que, a par das observações sobre Res- desconfiança que vem do afastamento do "método" face ao que definia a ex-
nais. Glauber tenha entendido o laicismo de Godard, "como uma extraordinária periência neo-realista (a força do tipo e da fisionomia, ou o simples "ser" diante
inspiração poética que parece vinda de um Rimbaud na estação do inferno" (a da câmera) e da forma como Strasberg incorporou Stanislavski. aclimatando-o
referência aqui é Pietrot le Fou). E, ao mesmo tempo, tenha ressaltado que o à cultura americana; algo envolvido demais em excitação e tiques nervosos,
feixe de dúvidas aí presente faz o grito de Pierrot algo "neurótico", feição mo- de um "psicoloqisrno" nada a gosto de Glauber. De qualquer forma, há um
derna do trágico, quando ele corre com o rosto pintado de azul e dinamite nas exemplo de adesão que se expressa na homenagem à autenticidade e às es-
mãos, sentimento distinto do grito mediterrâneo na tragégia clássica. colhas radicais de James Dean, o bendito fruto do Actor's Studio em oposição
Tal como Godard, Antonioni é outra baliza do cinema moderno. O eclipse é às ervas daninhas. O ator e sua morte precoce inspiraram um dos mais belos
o grande espaço funeral. documento do mundo burguês morto; uma obra que textos do jovem crítico, lugar de uma identificação que muitos podem receber
ilumina o homem, um monumento de lucidez. Antonioni é o maior mestre da com surpresa, mas que se deve ao toque de grandeza presente na tragédia
"dialética da alienação" feita mise-en-scéne e imagem, pois o cinema é mesmo encarnada em James Dean. com sua conjunção de desespero na afluência ma-
terial e egocentrismo não complacente. Dean foi o mito que cristalizou a união
Ver p. 238 infra. de juventude niilista e violência no seio mesmo do poder material do Império;
lO Ver p. 230 infra uma nova faceta do "mal-estar na cultura" que os anos 50 desdobraram numa

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iconografia de grande impacto: máquinas velozes, blusões negros e crispa- A fórmula aí é curiosa, e nos lembra a pergunta de Godard - "imperialismo
ções faciais potencializadas pelo "método" que se ajustou, com maior ou me- ou mise-en-scénel" - diante da cena decisiva de Rastros de ódio em que se
nor êxito, à expressão de um caldo de cultura em que a neurose individual se dá a inversão na postura do Tio Ethan (John Wayne). Perto do final do filme,
fez ícone do que Glauber via como uma crise de modelo civilizatório. Embora ele ergue de modo paternal a jovem sobrinha, repetindo o gesto de reencontro
expressão de um sufoco que não derivava da pobreza material, o destino do feito quando ela era criança; o lance é dramático porque ele parece estar na
jovem americano trazia seu paralelo com outras experiências trágicas que, em- iminência de matá-Ia por não aceitar de volta a moça que procurou durante
bora distintas, lhe eram contemporâneas. Estaria aí o mérito do melhor cinema anos para encontrá-Ia transformada em "índia". Neste e em outros momentos,
americano: construir um mundo de formas pelo qual os talentos mais lúcidos Rastros de ódio faz, da tensão e da violência, um caminho para a poesia, como
de Hollywood transfiguraram a "tragédia americana" (para evocar o livro de no reencontro e na separação final. Não é difícil ver na composição do per-
Theodore Dreiser que Eisenstein roteirizou mas não filmou). sonagem de Ethan uma consciência trágica muito cara a Glauber, pois estão
Na descrição do jovem rebelde, Glauber vai ao detalhe - como também lá nos seus próprios filmes estas figuras da não-reconciliação que entendem
o faz com o herói do western - em passagens que mostram bem o diálogo estar elas mesmas contaminadas por aquilo que combatem, vivendo como
entre seus textos e o que se evidencia como cuidado de composição das figu~ sombras amarguradas sem futuro, condenadas a não ter lugar no mundo me-
ras nos seus filmes, onde a violência do oprimido, em outra conjuntura social, lhor que julgam preparar (como no caso de Antônio das Mortes).
encontra a sua própria iconografia: ele projeta os paramentos da tragédia na A sublimação do massacre em rrnse-en.scéne transfigura a história em
figura de beatos e cangaceiros, o gibão de couro na caatinga a trazer o contra- mito e recolhe o fascínio do jovem crítico quando a lenda se mostra mais com-
ponto rústico e nacional ao que a urbanidade das motocicletas condensou nos plexa nas mãos de um John Ford já calejado. É preciso maestria para salpicar
blusões de nylon, berrantes em suas cores (símbolos vitais da tragédia). Na os sinais da tragédia em plena condução do épico da nacionalidade, quando
mediação entre esses dois terrenos, há o mundo do western, este produto das ainda prevalece o encanto diante do que identificamos com os "tempos de ori-
baladas folclóricas voltadas para o herói nômade em fase pré-moderna que, no gem", o mundo de ontem anterior à civilidade urbana. Este é o terreno em que
século XX, recolheu as potências maiores de uma iconografia de celulóide que O imaginário rima com grandeza {o que é essencial para Glauberl, e o heroísmo
se tornou saga de formação nacional - o cinema americano por excelência, é vida impregnada de pathos antes da racionalização burocrática da vida, antes
como diria Bazin. A experiência do mito do west é o contato com a violência da suposta rotina burguesa e do conforto da civilização. (Vale notar o eco sin-
no período da formação que antecede a tragédia, ocasião de empatia com o tomático, nessas passagens de Glauber, da retlexão de Hegel sobre a "época
herói que, ressalvada a iniqüidade da colonização, ganha um papel civilizatório dos heróis", o pathos individual e o drama pensados no âmbito das relações
na luta entre criadores de gado e camponeses, tornando-se símbolo de uma entre a arte e organização social.I"
aspiração de justiça vivida como ética espontânea de homens rústicos, estes O século é do cinema porque traz esse embate fundamental entre as for-
que compõem os valores em plena instabilidade, moldando um caráter, uma mas tradicionais da arte e o novo dispositivo. Este, por sua vez, vem se inse-
formação étnica e religiosa. Em defesa do herói do western, Glauber se irrita rir no drama histórico como um "personagem" a viver as ambivalências do
quando um crítico chama o protagonista de Matar ou morrer de "burguês", e seu tempo, o novo que é contraditório porque promete redenção e produz
propõe outras formas de pensar uma tipologia do gênero, ressalvando a per- efeitos contrários, como acontece com o Rocco de Visconti e, a seu modo,
sistência do caráter mítico dos temas e das figuras. De outra feita, observa: com figuras como Ethan, Antônio das Mortes e a galeria de tipos que inclui os
"Desta temática, rica em múltiplos aspectos, o cinema americano extraiu até à trágicos delinqüentes e os marginais da noite urbana. No filme de gangster, a
saturação atual o que de humano sobrou do massacre dos índios e da escra- cidade, pelo jogo de sombras, também se alça ao mito, embora num registro
vidão negra"."
Ver G.w.F. Hegel. Cursos de estética, vai. I, trad. de Marco Aurélio Werle (São Paulo: Edusp, 20Ql)
Ver p. 116 infra Plra "época dos heróis" e pathos, ver terceiro capítulo, parte 11: ''A ação", pp.188-248

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do contemporâneo. e abriga figuras titânicas que se destroem pela desmedi- entre 1957 e 1980, o que estava delineado como grandeza, no século XX, foi
da, pois levam ao paroxismo o que o próprio sistema lhes vende como fórmula sendo impregnado de ironia e de tragédia, de modo que, no decorrer do tem-
monetária do "ser alguém" na vida. Neste particular, a leitura de Glauber con- po. a arte que lhe era mais relevante foi se armando de anticorpos face a uma
verge com a de Robert Warshow. crítico americano dos anos 40, então des- herança utópica que, no entanto, ele julgou vital reafirmar até o fim. Não sur-
conhecido no Brasil, escritor que trouxe uma das melhores reflexões sobre o preende que o tenha feito dentro do princípio já enunciado - o essencial é
filme de gangster como um ritual de sacrifício: o herói é o bode expiatório que, incorporar a energia do mito popular - e do modo mais afeito à sua formação:
ao levar ao extremo a lógica social dominante, transgride e deve ser punido." trazendo a figura de Cristo para o campo da revolução.
Nos diversos gêneros da indústria. ou no cinema de autor, o ponto essen-
cial é que o novo olhar do cinema se comprometa com um mundo onde ainda "O ÚNICO ETERNO SUBVERSIVO DO MUNDO É O ARTISTA"
haja lugar para a grandeza na resposta dos homens às circunstâncias, para o
bem e para o mal, um mundo em que ações de envergadura façam história, o século do cinema é o século da violência. Nele se vive entre a tragédia ameri-
criem lendas, alimentem o imaginário humano que se formaliza nos grandes cana e a revolução traída, entre o sonho do cinema e a realidade da economia.
paradigmas da ficção ou nos grandes filmes. É nítida ao longo deste livro a re- A sociedade impõe ao artista a condição de exílio a partir da qual ele não tem
corrência da categoria do trágico, que não se limita a Visconti e a Godard. mas outro caminho senão a subversão. Esta é sua forma de participar do grande
envolve Antonioni e muitos exemplos do cinema americano, para além dos drama de seu tempo no qual "arte e política se encontraram definitivamente,
filmes em que está em pauta a violência. Não raro, o termo serve como baliza não mais para trocar amabilidades ou combinar massacres, mas para interpre-
da qualidade. como nos casos de Anthony Mann e William Wyler. tar a História e atingir o objetivo da Revolução" .14
Dentro desta tônica, um momento especial no século do cinema trouxe Ninguém encenou a tragédia do Capital melhor do que Welles-Kane. no
grandeza no seio da experiência épica: o momento da Revolução (Eisenstein). filme que Eisenstein gostaria de ter feito nos Estados Unidos; e ninguém re-
Mas logo o seu conteúdo e seus ecos passaram a ser problemáticos, o que presentou melhor a revolução traída do que ele, o gênio russo que fez de Ivan,
repercutiu tanto na representação da experiência européia posterior quanto na O Terrlvel fi a critica poética da filosofia científica que gerou Stalin. Faltou a esta
figuração da revolta do camponês oprimido do Terceiro Mundo. Tal revolta, cujo filosofia incorporar o inconsciente. como o fizeram Bufíuel, o mais feliz porque
desfecho se fez mais trágico do que épico, o próprio Glauber tratou de interpre- o mais livre na transgressão, e Pasolini, o mais cindido porque de corpo pre-
tá-Ia numa chave de esperança (Deus e o diabo), mas esta se viu, mais de uma sente na tragédia, deixando que o matassem segundo os seus próprios ritos.
vez, adiada pela trama da história. esta mesma que o poeta veio a tematizar no Essa convicção da insuficiência do marxismo como compreensão da rea-
seu grande drama barroco (Terra em transe). Quando Paulo Martins constata lidade e como guia da ação se expressa também nas observações de Glau-
a falta de grandeza de Vieira e se enfurece diante da recusa do líder populista bar sobre o "irracionalismo" de Rossellini. Para o critico, o cineasta italiano
em assumir a resistência armada ao golpe de Estado, o que lhe resta é a frase entendeu que a realidade não se reduz à lógica, traz surpresas; intuiu que as
solene e reveladora: "se resistirmos será o começo de nossa história". tragédias ultrapassam a dimensão materialista da história. Desta expansão
Ao contrário de John Ford, o poeta da nação formada, imperial (o século do da sensibilidade, extraiu sua grandeza e resumiu o seu tempo. Por sua vez,
cinema. afinal. é o século americano), Glauber viveu o drama da nação adiada. O surrealismo de Buúuel é uma espécie de pré-consciência do homem latino
E, de seu tempo e lugar, era impensável este risco de dissolução precoce tão emancipado pela imaginação. Revolvendo os mitos constitutivos da religião
presente no novo século, o da crise das nações e da nova era do capitalismo católica e reinventando um Cristo anárquico, ele prepara o Cristo de Pasolini.
globalizado. À medida em que se adensou o percurso de Glauber como crítico, Ao denunciar o mundo dilacerado, barroco, da crise européia. os dois per-
mitem que se chegue aos termos mais fundos da promessa de revolução
13 Ver Robert Warshow. "lhe Gangster as lragic Herc" (1948). em me /mmediate Experience: mo-
vies, comes. theatre and other aspects of popular cu/ture (Nova York: Atheneum. 1974) Ver p. 226 infra

24 25
no Terceiro Mundo, pois a energia subversiva do oprimido supõe a liberação que emerge no confronto entre a comunidade hippie e o fascismo caipira; sua
inconsciente, um surrealismo deslocado para o plano coletivo e alimentando montagem "se fez numa alternativa diferente e mais rica do que a dogmatizada
a arte como "desrazáo"." por Godard, porque enquanto Godard visava a existência das estruturas, Den-
Em artigo de homenagem a Eisenstein, Glauber pergunta: qual a cultura nis Hopper tocou o ponto historicamente mais avançado da percepção que é a
da revolução? A ir-cultura subversiva popular ou a cultura subversiva dos in- essência da arte e 'sentimento' do cinema"."
telectuais? O entusiasmo de Glauber com Easy Rider, no início da década de 70, re-
Estão aí condensadas as suas inquietações sobre o seu próprio cinema flete a sua convicção do descompasso existente entre as propostas descons-
e sobre as relações entre cultura e política na periferia do capitalismo. Pelo trutivas - de tipo racional - vigentes na conjuntura pás-68, e as demandas
que lemos nos seus artigos sobre Buúuel. sobre o cinema italiano ou sobre da subversão pelo cinema. Estas, segundo o seu esquema, são atendidas por
Godard, podemos supor que a resposta envolve esta opção mítico-popular Bufiuel. chegam ao Evangelho de Pasofini. mas há sinais variados de que po-
em que todas as pulsões - pagãs, orientais, árabes, africanas, camponesas dem ir adiante, inclusive no cinema americano: "o olho navalhado de Bunuel
- compõem o amálgama da subversão que ele cristaliza numa constelação projeta o inconsciente - mas Easy Rider é mais liberado". Os protagonistas
cultural simbolizada na figura do Cristo rebelde. Mesmo o romance familiar do filme são "mártires deI nuevo hombre, como Che. Janis Joplin e Jimmy
é um campo de tensões a ser apropriado em obras revolucionárias que cri- Hendrix, Deuses dos anos 60".18
tiquem a ordem da Igreja ao repor a seiva popular, pulsional, de expressão Ao longo dos textos desse período, o painel traçado pelo crítico inclui a de-
daquela revolta que foi contida pela institucionalização do cristianismo como fesa da dimensão libertá ria de Godard, mas parece haver um jogo de compen-
instrumento de poder ao longo da história. Portanto, é revolvendo os traços sações marcado pela idéia de que Paris está longe do olho do furacão, cidade
ancestrais que se prepara o imaginário da revolução, em particular, esta revo- liberada onde não se vive a experiência radical do sacrifício, onde Maiakóvski
lução que deve emergir em consonância com o Cristo multiplicado, multiétni- não precisaria se suicidar e onde falta a interação direta com a energia contida
co da periferia e dos bolsões marginais da ordem mundial. num movimento nos grandes movimentos de massa da periferia. Da tradição neo-realista, resta
que condensa a força dos mitos populares na luta contra a razão burguesa, a a sua "última ópera", Pasolini. a expressão viva e contraditória da crise euro-
tecnocracia e a lei do Pai. péia. De início, figura da lucidez (o Pasolini-reflexão, em O Evangelho); mais
Se arte e revolução se alimentam da força coletiva inconsciente que o ar- tarde, figura capturada nas malhas desta mesma crise (o Pasolini-sintoma dos
tista capta e transfigura nos símbolos de transformação, o cinema tem posi- anos 70).
ção estratégica pois, como primeira materialização do inconsciente, constitui o Dada a convergência dos terrenos, o cineasta italiano termina por ser o
interconsciente, este conteúdo subterrâneo que circula a partir do dispositivo pólo maior de debate nos textos de Glauber, numa relação de amor e ódio diri-
imagético cujo potencial subversivo se manifesta numa gama variada de expe- gida a quem se move no mesmo campo imaginário: o mito cristão; os pobres
riências, incluída a que se expressa em Easy Rider, filme cujo interconsciente de um vasto terreno de experiência rural que recolhe as tradições; o imagi-
"frutificou magicamente todos os inconscientes voltados para a grande libera- nário popular mediterrâneo, incluídos os seus desdobramentos no nordeste
da Aventura"." O filme de Dennis Hopper atualiza a força de uma iconografia brasileiro. E faz a mesma junção de política, corpo e sexualidade. No final.
associada à aventura no estilo on the road dos anos 50, agora articulada ao O homossexualismo de Pasolini - e suas práticas consideradas por Glauber
"exploratórias" face ao pobre - tensionou a relação, como bem expressa o
destempero do brasileiro gravado anos depois na redação do Cahiers du Ciné-
o paralelo com as idéias expostas por Glauber em "A estética do sonho" é bem claro. Nesse mani-
festo, ele associou arte e "desrazêo". definindo o inconsciente como a força coletiva que cabe ao ma, em 1981. Sozinho numa sala da revista, ele exorciza o espectro da morte,
artista captar e devolver à comunidade em sua criação de uma arte revolucionária Ver "Eztétvca
do sonho". em Revolução do cinema novo, cp. cit.. pp. 248-251. Ver p 151 infra
Ver p. 151 infra. Ver p. 152 infra.

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expressa o desejo de sua diferença diante do funesto desfecho do autor de .firmou a necessidade do marxismo como tábua de salvação do artista face à
Teorema. Este havia discutido a invenção da própria morte como parte e co~ .ngústia e ao mal-estar, ou face à "tragédia do artista no capitalismo".
roamenta da vida do artista, numa formulação textual de relação complicada "Exilado da sociedade moderna, sem buscar nas manifestações da Epo-
com o que se configurou depois nas circunstâncias do assassinato, com tudo péia e da Tragédia os pilares da mise-en-scene e sem pensar o texto dramático
o que o cercou. Glauber responde a tal constelação contraditória com uma em termos marxistas, é difícil a sobrevivência do artista no século XX."20 Dito
fala emocional improvisada que se desdobra numa diatribe moralista. Acaba Isto, Glauber esclarece que só três artistas pensaram e permaneceram neste
reduzindo a experiência de Pasolini aos termos de um decadentismo que an- diapasão. Dois deles, Eisenstein e Brecht, estão mortos quando ele escreve.
tes apontara na elite conservadora e no imaginário colonialista, tal como se Só o terceiro, Visconti, está vivo e é o lúcido intérprete da História, pois reco-
vê, por exemplo, na versão canhestra e imperial da decadência figurada em lhe a tradição revolucionária dos grandes romancistas (Stendhal, Dostoiévski,
Brahms e em sua cortesã, personagens deA idade da Terra. Neste filme, fora Thomas Mann) e a força da ópera como o espetáculo nacional italiano para
distinta a referência a Pasolini, tomado como o inspirador, quando o sermão produzir o grande cinema da crise de civilização européia.
do planalto de Glauber reiterou a afirmação de uma energia vital que captura Ao longo do livro, há versões variadas, mas prevalece o roteiro em que se
o mito de Cristo e o desdobra, dissemina, procurando o ponto de vista do distribuem os papéis no teatro da história do cinema de modo a compor um
oprimido, o pobre, o "Terceiro Mundo" que ele julgava um horizonte essencial diagnóstico do século que encontra no drama barroco a sua forma de repre-
das intuições de Pasolini em seus filmes dos anos 60, amados por ele como sentação por excelência. Em particular, nas figuras de Welles, de Eisenstein
se vê neste livro, justamente pela inserção do sagrado e do Cristo no campo IIvan I/) e de Visconti - três grandes homens de teatro e cinema, com o senti-
da revolução. do da vertigem da representação e da gravidade da situação com que estavam
De sua empatia no momento de O Evangelho (porque afirmativo e profético lidando no painel histórico de resolução funesta nesse século da violência.
no aceno ao sub proletariado do Terceiro Mundo). e do respeito a Sa/à (porque O teatro dos cineastas compõe um jogo de espelhos face aos decisivos
representação crítica do fascismo, do irrepresentável, porque forma lúcida e personagens da história, dos quais ora são metáforas, ora reencarnações.
rara da apropriação de Sade]. Glauber termina por estranhar a figura do cineas- A analogia entre os conflitos do presente e os do passado ensejá uma série
ta com a qual era mais forte a sua identificação, não tanto no plano pessoal de identificações que faz de cada cineasta um avatar (plano mítico), uma per-
(onde os encantos ficavam mais com o Maestro Visconti, ou com Bertolucci, sonificação alegórica (plano figurativo) ou uma projeção (plano psicanalítico) de
o filho "assassino mítico de Pier Pacto"). mas na fundação de uma perspecti- figuras-símbolo da memória humana, de modo a permitir a composição de uma
va da revolução não clássica, herética em termos de luta de classes, porque Gesta/t, uma percepção total da História e da Revolução que estará sempre
não proletária e não instalada no capitalismo avançado, porque não puramente rebatida no cinema. Griffith é Moisés: bíblico e nacional, fez-se uma encar-
marxista nem camponesa no estilo maolsta. mas inspirada no mito popular e nação de Lincoln no cinema, o pai fundador que foi assassinado num teatro.
na hipótese de um oprimido portador de um inconsciente coletivo libertário, Chaplin é Ciro contra a Hollywood-Babilônia. Rossellini é o Sócrates do cinema,
este que o cinema de Buriuel anunciava e que Pasolini tornou concreto. O cineasta mais influente de todos; misto de paganismo italiano e de culpa,
Nesta forma de equacionar a Revolução, podemos aplicar a Glauber o que encontrou o seu superego no cristianismo e no marxismo, mas terminou a
encontramos no título de um artigo do próprio Pasolini: "En tant que marxis- carreira vivendo a aventura fantástica de que qualquer cineasta teria inveja:
te, je vais le monde sous an angle sacré".19 Cito esta fórmula para inverter a O projeto da História Universal na televisão. Fellini traz o paganismo no nome: é o
direção do comentário feito até aqui, pois o Glauber que expressou com tanta gato da Pérsia. Eisenstein circula num terreno que vai de Aristóteles e Ale-
veemência a necessidade de ir além do marxismo na incorporação do que este xandre Magno a Alexandre Nevsky e Ivan, de Lênin a Stalin, figuras todas que
teria deixado de lado é o mesmo Glauber que, ao longo dos anos, também convergem no seu cinema como que a confirmar a convocação de Abel Gance,

19 Ver Pier Paolo Pasoünf. Les Lettres Frsnçeises. 23 set. 1965. Ver p. 224 infra.

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o realizador de Napoleão, no célebre texto do mesmo ano em que saudou o elaboração do sério-dramático que o livrasse do paradigma da transgressão
cinema como ponto de acumulação de todos os mitos e todas as histórias: como sacrifício (Édipo e Cristo).
"O tempo da imagem checou"." Pasolini é Édipo, Cristo, Sade, Marx (trans- Luis Bunuel. o mais livre dos cineastas, criou o cinema que "revelou a face
gressores que devem ser punidos); é o Anjo Exterminador, "o fim da cultura", e trágica de todas as classes". Plenamente artista, é o eterno subversivo que
seu último filme Setõ é a ejaculação que libera o inconsciente oriental da Itália. "será sempre condenado". No tom hiperbólico característico, o jovem Glauber
Como síntese do grande teatro trágico do poder, vale a cadeia: "É Ouinlan, é o elogiava, em 1962, como o "último maldito", o que "não terá sequidores"."
Arkadin, é Macbeth, é Othello. é Falstaff, é Don Quixote, é o Diabo, é Kane, A formulação é paradoxal, se tomada à letra. No entanto, observada a posição
é Roosevelt, é Truman, é Rockfeller, é Júlio César, é Hitler, é Stalin, é weües:"." que ele atribui a Bufiuel como a expressão maior da liberdade na adversida-
Esta enumeração dos personagens é exemplo extremo do jogo figurativo de, esta profecia cristaliza um sentimento peculiar: ir além seria já tocar no
através do qual Glauber - principalmente nos textos dos anos 70 - condensa limiar da utopia. Enfim, dar o salto que acabou se mostrando cada vez mais
a sua visão dos grandes cineastas e seus dramas históricos. Como enumera- fora do alcance no que restou do "breve século XX", como o denominou Eric
ção que sugere uma ciranda, e diz respeito ao shakespeariano Welles, podería- Hobsbawm, pensando em 1914 e em 1991 como datas-limite."
mos aproximá-Ia da fórmula do "grande mecanismo" - as ascensões e quedas Breve, extremado, o século do cinema revelou-se um tempo de promessas
no movimento cíclico do poder - proposta por Jan Kott." No crítico polonês, adiadas. Ou, para voltar aos termos do drama glauberiano, de esperança, vio-
a idéia do "Shakespeare nosso contemporâneo" passa por esta analogia entre lência e desencanto.
o jogo fechado do poder monárquico (tema do drama barroco) e os destinos
da Revolução traída neste século, para usar a expressão que Glauber incorpora jlsma!! Xavier, fevereiro de 2006]

quando fala de Eisenstein. No entanto, embora ele tenha sido leitor de Kott
nos anos 60, sua afinidade maior, em termos da alegoria e do drama barroco,
foi com Walter Benjamin, embora só mais tarde ele tenha conhecido os textos
deste autor. De Terra em transe aA idade da Terra, o seu cinema mostra bem o
quanto ele trabalhou a dialética de desencanto e esperança de uma forma que
pode ser referida ao filósofo alemão. Ressalvado que, no cineasta, a cunhagem
messiânica não conviveu com a melancolia, transmutou-se em exasperação.
Os imperativos de grandeza e de abrangência, centrais na estética de Glau-
ber, favoreceram a montagem desse grande teatro e seus cotejos milenares.
Não surpreende que, em seus filmes e em seus textos, as análises de conjun-
tura tenham marcado encontro com a memória da humanidade que destaca
o eixo Europa-África-América, mas a partir do que ele definiu como o incons-
ciente popular, coletivo, em consonância com seu empenho em revolver as
camadas da experiência encobertas pela história-memória oficial. O século do
cinema, ao recolher as "formas expressivas da cultura", ao articular mito e his-
tória, viveu a subversão nas acepções mais variadas, mas não alcançou uma

Ver Abel Genes. "Le temps de lirneqe est venu". L'Art cinématographique. n. 2, 1927. Ver "Os doze mandamentos de Nosso Senhor Buúuel' , pp. 170-85 infra.
Ver p. 53 infra Ver Eric Hobsbawm, Era dos extremos. o breve século XX; 1974-1997 (São Paulo Companhia das
Ver Jan Kott. Shakespeare nosso comemporéneo (São Paulo: Cosec Naify, 2003) Letras, 1995).

30 31
GRIFFITH

IÀ memória de meu pai Adamastor Bráulio Rocha]

o expressionismo alemão da Guerra de 1914 é o idealismo romântico revis-


to pelo freudianismo: o sonho descrito pela Literatura pode ser expresso no
Teatro mas sobretudo no Kynema que, inventado por Edson & l.umlere. é em
Movimento.
Métiês. que desenvolveu a técnica de filmar a Fantazya, indicou aos expres-
sionistas as possibilidades oníricas do cinema.
Estas vanguardas são atravessadas pela Revolução Soviétvka de 1917, que
delas se alimenta.
A Eztétyka soviétyka dos anos 20 é recuperada pelo surrealismo francês
dos anos 20-30 que lhe devota a teoria revolucionária pela forma, separando,
pelo decadentismo burguês, a pele poética da musculatura social do esqueleto
histórico e da consciência existencial.
Em 1915, David Wark Griffith, filho de um coronel sulista arruinado pela
Guerra Civil oitocentesca, filma nos Estados Unidos The Birth of a Nation [O nas-
cimento de uma nação).
Griffith, produto típico do neocapitalismo nortamericano (o modo de pro-
dução neocapitalista nortamericano produz a superestruturimperialista) é, neste
novo espaço terrestre. revolucionário na medida em que diferenças climáticas
(o sol americano contra a luz européia). religiosas (o Protestantismo quer fundar
Gary Cooper em Matar ou morrer de Fred Zinnemann (1952)

37
a Terra Prometida) alteram as práticas da cultura européia confinada no idealis- Excluindo os negros (e os índios). Moisés/Griffith canta o nascimento da
mo católico reformado pelo materialismo pragmático da revolução industrial. Nação branca, protestante, capitalista, democrática, liberal.
A sociedade capitalista protestante se reconstrói segundo as novas leis da O Protestantismo é o reformismo capitalista, pai da Socialdemocracia, um
colonização democrátyka: o Estado Katólyko não impõe Deus ao homem mas passo à frente do fascismo católico mas limitado pela hipocrisia que justifica a
o deixa livre para encontrá-lo. violência em nome dos ideais de riqueza e felicidade no Parayzo.
A Guerra Civil divide Griffith: o Norte, para fazer revolução industrial, aboliu Griffith prega a democratização do capital segundo os méritos de cada um
a escravidão e massacrou os latifundiários sulistas, que reagiram de armas na mas justifica a violência como expressão máxima da virtude: a voracidade fáli~
mão. Os escravos livres foram proletarizados ou marginalizados e a indústria ca das pistolas nos Estados Unidos da América do Norte supera o humanismo
do Norte modernizou todo o país: a nascimento de uma nação é a visão de biblico de CeciI B. De Mille.
um Sulista fracassado que faz a crítica idealista da brutalidade industrializante Quem triunfa é o caubói e o gangster, e o máximo que o cinema norta-
do Norte vencedor. mericano consegue depois de Griffith (exceção ao europeu Charles Chaplin)
a nascimento de uma nação é o Velho Testamento que exclui os negros do é combater a violência em nome de um Estado representativo de caubóis e
processo histórico, como raça primitiva, elegendo em construtores da Nação gangsters: o inimigo do homem que mata para roubar (Jesse James) e o xerife
as classes brancas protestantes. (Wyatt Earp) que mata o bandido violador das leis de um Estado que vive do
Os escravos pagaram o preço da economia nortamericana sobretudo no roubo e do assassinato do proletariado.
Sul, onde conseguiram, como no Brazvl. defender sua culturafricana diante Os heróis de Griffith são aventureiros legais: os inimigos da civilização pro-
das violências devoradas e vomitadas no paganismo dos spirituets, blues, jazz, testante são índios, negros e bandidos.
que, nos anos 20, se transformam na principal linguagem crítica às estruturas Intolerance !Intolerância, 1916] é o Novo Testamento que adverte o Apo-
neuróticas do imperialismo em depressão. calipse: o Estado massacra a Revolução Cristã, o Estado massacra Negros,
e se o Estado insiste na Intolerância Genocida corre o perigo de um dia ser
subvertido pelo Povo.
a democrata liberal progressista de Griffith exige uma nova Guerra Civil do
Bem contra o Mal: Vejam a corrupção de Nabucodonosor, Vejam a corrupção
deste país empobrecido pela concorrência com o imperialismo europeu que
desorganizou o mercado com a primeira guerra mundial, Vejam este país sem
perspectiva colonial, Vejam este país que viaja inconscientemente para a crise
econômica, social e política de 1929.
A radicalização ideológica de Griffith é limitada pelo reformismo liberal típi-
co do idealismo protestante capitalista nortamericano.
a ideólogo Griffith morre com Intolerância.
Além de O nascimento de uma nação e Intolerância, Griffith realizou muitos
filmes e morreu tentando reformar o sistema.
Henry B.
Pastor protestante, profeta sem massas, gênio incompreendido, capitalista
Walthall e
falido, moralista marginal vitoriano (o filho cinematográfico do romancista Char-
Lillian Gish em
O nascimento les Dickensl. Griffith é a reencarnação extétyka de Abraham Lincoln, o Presi-
de uma nação dente que venceu a Guerra Civil e foi assassinado num teatro.
(19151

38 39
CHAPLIN A linguagem humorística de Chaplin contribuiu para despertar a consciên-
cia revolucionária?
rn A questão não se esgota na palavra científica que tenta aprisionar a metá-
fora poética num laboratório de probabilidades: Chaplin ilumina o século XX
o primeiro Charles Chaplin, que começa a filmar em Hollywood em 1914 e porque nele o Povo se faz Imagem.
termina com The Immigrant [O imigrante] e The Adventurer {O aventureiro], em
1917, é a antítese revolucionária a Griffith. [2J
Chaplin é imigrante aventureiro, marginal, operário e usa máscaras popula-
res reprimidas para desmascarar o carnaval capitalista. "ó CARLlTO, MEU E NOSSO AMIGO, TEUS SAPATOS E TEU BIGODE CAMINHAM
O segundo Chaplin se revela a partir de 1925 com The Gold Rush [Em bus- NUMA ESTRADA DE PÓ E ESPERANÇA" (Carlos Drummond de Andrade].'
ca do ouro, 19281, City Lights [Luzes da cidade, 1931]. Modem Times [Tempos
modernos, 1936) e se conclui em The Great Dictator [O grande ditador. 1940] [3]
quando, reprimido nos Estados Unidos, inicia o processo de regressão idea-
lista, a morte de Charlot (Carlitos) e o nascimento do burguês anarquista em Aos sessenta e oito anos Charles Chaplin. após outros cinco de silêncio que
Monsieur Verdoux [19471. Limelight [Luzes da ribalta, 1952]. A King in New York sucederam Luzes da ribalta, volta a pedir Paz com a recente sátira sociopolítica
[Um rei em Nova York, 19571 e A Countess from Hong Kong [A condessa de Um rei em Nova York.
Hong Kong, 19661. Por ter conhecido em mais de meio século de vida duas grandes guerras e
Chaplin conta a dialética histórica de um proletariemigranteuropeu que pra- por querer evitar uma terceira, o vagabundo Carlitos continua a sofrer persegui-
tica, através do cinema, a revolução humanista do povo. ções da imprensa reacionária e a ser detestado pelos paranóicos detentores
O Estado capitalista é a Babilônia para Ciro/Chaplin: Presidentes, Ministros, da energia atômica.
Senadores, Juízes, Deputados, Padres, Pastores, Exército, Polícia, Burocratas, Os nortamericanos, e particularmente a cinernascópica Hollywood, tremem
Comerciantes, Empresários, Industriais, Proletários e Marginais alienados são e vociferam contra o gênio, enquanto os covardes e os "intelectuais" procuram
atacados por Charlot. que enfrenta as armas da violência física com a violência negá-lo com raquíticos argumentos.
do humorismo psicopolítico. O Homem e o artista Chaplin permanecem impassíveis, amando, sobretu-
Como Ciro, Chaplin desvia o rio de seu curso e através de seu meio de pro- do, os valores da Humanidade.
dução introduz a mensagem enquanto o Estado se diverte em guerras e festas. É o mesmo convicto inimigo da técnica que procura na poesia o alívio para
O cinema de Chaplin. mais rico de expressividade que as velhas artes e as dores recebidas da máquina.
que o cinema teatral/romanesco de Griffith, é feito do ponto de vista do perso- Sua atitude de cineasta - negando até quando pode o cinema de som, cor
nagem oprimido até Um rei em Nova York. e telas gigantes - ou sua atitude política - mostrando em Tempos modernos
O único filme de Chaplin do ponto de vista do personagem opressor é a máquina destruindo o homem - são provas de fidelidade à imagem pura, à
A condessa de Hong Kong. força expressional do cinema adulterada e também do horror ao capitalismo
Carlltos assassinado em O grande ditador reage enfraquecido em Monsieur sem alma.
Verdoux, no palhaço Calvero, o Rei sem coroa, onde desintegra. Em Chaplin estão condicionados valores eternos; por isso nega o origina-
Carlitas materialista se transforma em Chaplin idealista que se projeta em lisrno. a masturbação artística e pseudo-inovadores de uma Arte que só nele
Sophia Loren e Marlon Brando, o casal imperialista.
O poder cinematográfico de Chaplin desenvolveu grande agitação psicopo- "Canto ao homem do povo Charlie Chaplin". em A rosa do povo (Rio de Janeiro: José Olympio.
lítica entre 1925 e 1940. 1945). [N,E.]

40 41
se realizou como expressão de vida e que só em raros gênios encontrou con-
tinuação.
Querer situá-lo como Cineasta não o justifica; Chaplin é um complexo artís-
tico que transcende ao cinema.

[41

Tempos modernos, 1936, mudo.


Transcrevo os trechos do historiador e crítico Georges Sadoul: "Cerutos ti-
nha escolhido para Tempos modernos uma profissão bastante nova: era operá-
rio numa fábrica. O filme apresentava-se, no seu intróito, como sendo a história
da indústria, da empresa individual, da humanidade em busca da felicidade.
Aí os operários vão para o trabalho como carneiros para o matadouro. Mais
tarde, desempregado, Carlitos sai do hospício e vaga pelas ruas. Apanha ma-
quinalmente uma bandeira vermelha caída de um caminhão. Atrás dele o povo
se inflama, desencadeia uma manifestação. A polícia acusa-o de agitador e o Tempos
prende. Sofre na prisão o que lhe recorda a fábrica mas ali se sente tratado modernos
mais humanamente"." 119361

A cena da bandeira "vermelha" (descoberta em um filme em preto e bran-


co) bastou para que o capitalismo nortamericano aliado aos códigos religiosos Chaplin, o Vagabundo Carlitos ou Palhaço Calvero ou o Rei que vai a Nova
de censura e preservação da moral pública o acusassem de comunista. Agiram Iorque pedir Paz permanece, como diz Carlos Drummond de Andrade, nos "que
principalmente contra o artista que enfrentava o trucidamento mecânico do ho- estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo / que entraram no cinema
mem, a imprensa HEARST, WALL STREET e o nazismo de DR. GOEBBELS. com a aflição de ratos fugindo da vida / (...) e te descobriram e salvaram-se".
Na Alemanha hitlerista Tempos modernos foi interditado e Chaplin processado
por plágio a Renê C1air, pelo seu filme À naus la Uberté [A nósa Uberdade, 1931]
produzido nos estúdios parisienses Tobis. filiais dos trustes alemães. Assim, De- ERICH VON 5TROHEIM
mocracia Americana e Nazismo Germânico se uniram para combater Chaplin ..
A infâmia foi derrotada por declarações de Renê Clair dizendo que "se sen- "... E o cinema criou Deus. "
tiria honrado em ter contribuído para a obra daquele que considerava um gênio [Paulo Emílio Sales Gomes]

e seu principal mestre".


A atualidade de Tempos modernos permanece inalterável. Não morrem o Festival de Veneza/1958 se caracterizou pela valorização dada ao cinema
os protestos eternos à humilhação que organismos econômicos impõem ao como fato cultural, em detrimento do estrelismo e do mundanismo que mar-
homem. cam os festivais cinematográficos. Naquele ano o Festival foi chamado pela
crônica mundana internacional de "Veneza Cara Fechada". Os freqüentadores
que ali buscam o prazer de fabulosas farras acharam que Veneza/58 fracassou.
A vida de Certitcs: Charles Spencer Chaplin. seus filmes e sua época, trad. de Mário Mendes de Não é verdade: no conjunto de suas diversas manifestações, o Festival foi um
Moura (Rio de Janeiro: Livraria Editora Casa do Estudante do Brasil, 1953). pp. 169-70, [N.E,] belíssimo acontecimento artístico.

42 43
Destacou-se a Mostra Retrospectiva do falecido cineasta e ator Erich von Lang é aventureiro. Depois de brilhar na Alemanha com filmes como Me-
Stroheim (1885-1957), personalidade do cinema à altura das maiores no que se tropolis [19261 e Die Nibelungen [Os Nibelungos.1923-241 (exibido geralmente
refere à inquietude criadora. à busca de novas formas de expressão. Stroheim em duas partes: I - Siegfrieds TodlA morte de Siegfried e 11 - Kriemhilds
foi o que se chama "autor completo de cinema", uma vez que, além de arqu- RachelA vingança de Kriemhild). passou maus momentos na França e aceitou
mentiste. roteirista, produtor e diretor, interpretava seus próprios filmes. encomendas de Hollywood.
O tom áspero. a seriedade às vezes amedrontadora, a substância humana, Grande cineasta, influenciador de meio mundo, Lang guarda a amargura de
a recordação amarga de sua mocidade em Viena. episódios daquela época da quem não fez o grande filme de sua vida.
Primeira Guerra, alimentaram sua inspiração embebida de violência e saudade. Até 1962, depois de filmes comerciais (e apesar disto excelentes) como
Vocação e tradição do nome paterno o destinavam à vida militar. Por mo- os que fez na índia Das Indische GrabmallO túmulo indiano, 1959]. Lang es-
tivos que sempre permaneceram ignorados e obscuros (talvez uma falta dis- tava no ostracismo. Jean-Luc Godard o levantou, fazendo-lhe grandes home-
ciplinar ou uma dívida de jogo), o Olimpo, corporação militar à qual o jovem nagens, das quais a maior foi colocá-lo como um dos atores centrais de Le
Stroheim pertencia, o expulsou de suas fileiras. Mépris [O desprezo. 1963]. inédito no Brasil. ao lado de Brigitte Bardot e Jack
Emigrou para Roliude onde subiu de varredor de estúdios ao mais extrava- Palance. Neste filme Lang faz o papel dele mesmo, o grande mestre alemão
gante mito do cinema internacional. que se vê obrigado a aceitar as boçal idades do produtor para sobreviver, Ou,
Sua filmografia funde o discurso espetacular de Griffith ao artstocratlsrno como disse Brecht, "a fim de ganhar a vida, lá vou eu todas as manhãs para o
da burguesia européia. mercado de mentiras" (Hollywood).
A primeira vez que vi Lang foi em Cannes, em 1964, quando eu e Nel-
son Pereira dos Santos apresentamos Deus e o diabo na terra do sol (1963-
FRITZ LANG 64) e Vidas secas (1963). Foi a entrada do cinema brasileiro, como fenômeno
cultural, no mundo cinematográfico. Lang era presidente do júri. Agora, em
Em 1968, outro Leão estava em Montreal, presidente de honra do Festival: Montreal. ele me revela que lutou pelos dois filmes, mas contingências in-
Fritz Lang. Um pouco mais jovem que Jean Renoir, Lang usa um tapa-olho, é dustriais e políticas não permitiram destaques a filmes brasileiros, de autores
solteiro, adora mocinhas, é mulherengo inconfundível e um temperamental. desconhecidos.
O caráter de Fritz Lang, criador do Dr. Mabuse der Spieler [Dr. Mabuse, o joga- Lang detesta a indústria do cinema. Godard, em sua entrevista-bomba
dor, 19221e mestre do cinema alemão e do cinema americano, se define nesta em Veneza, no ano passado, disse que era absurdo um homem do talento
história que ele conta: de Pritz Lang, um dos criadores do cinema, ser obrigado a fazer conferências
- Um dia o Dr. Goebbels mandou me chamar para oferecer a direção do para sobreviver.
cinema nazista. Disse que ia pensar. Durante a noite arrumei minhas coisas e Lang quer fazer um filme sobre a juventude e, como Renoir, não encontra
fugi para Paris. produtores, Sua fama, seus títulos, prêmios e honrarias - nada disso adianta.
Pritz Lang não conta que. para recusar a direção do Instituto de Cinema A máquina industrial o julga velho demais. Assim, desde 1964, passando pelo
Nazista." teve que brigar com a esposa que lá ficou, em companhia de outros Festival do Rio, o inventor dos vampiros e espiões, que mais tarde dominariam
cineastas alemães. as telas através de imitadores, anda de país em pais. Amargo, Lang é homem
de senso de humor e grandeza humana.

Não se trata do Instituto Segundo Ftitz Lang H enquanto Ministro da Propaganda do Tercei-
ro Beich. Goebbels recebera de Hitler a missão de oferecer-me a direção do cinema alemão: '0
• Na mesma noite, deixei a Alemanha" Ver" Fritz Lang: eutobioqratia", em Lúcia Nagib (eo.I
Führer viu seu filme Metropolis e disse: eis o homem que irá criar o cinema nacional-socialista'." -7 Fritz Lang: 100 anos (São Paulo: Cmematece Brasileira/Instituto Goethe. 1990). p 7. IN.E,]

44 45
- Nada disto. Se tivéssemos exercido alguma influência no cinema ame-
ricano não seria a vulgaridade que é. Usaram algumas idéias dos alemães e
austríacos, mas no mau sentido. Não devoramos nada. Fomos devorados.
Em 1931, Lang realizou um filme chamado M, eine Stadt sueht einen Mor-
der [M, o vampiro de Düsseldorf]. Como ator, um nome que faria carreira: Peter
Lorre. Era um documentário sem papas na língua sobre a Berlim pré-nazista,
mostrando a dimensão dos problemas sociais da época e a neurose que a
sociedade gera num marginal, Peter Lorre, que passa a matar crianças. A ação
do criminoso termina por unir todos os bandidos a persegui-lo. Sua existência
ameaçava os bandidos, ligados à corrupção policial, pois a monstruosidade
de seus crimes obrigava a polícia a fazer incursões punitivas no baixo mundo.
Diálogos longos em cenas fixas (à maneira de Godard), uso do som de uma
imagem em cima de outra imagem sem som (à maneira de Resnais), busca
do realismo nas caras e nos gestos dos atores, tudo isto faz de M um filme
capital na história da evolução cinematográfica. Lang porém não dá grande
importância ao fato. Aceita a observação elogiosa a M mas reage diante dos
Gtauber. Fritz
elogios a Metropolis:
Lang e Lotte
Eisner (Veneza, - É um filme superado, com péssima cenografia. Hoje em dia, se o vir,
19681 acharei ridículo. Mas também o cinema não evoluiu muito. Vejo poucas coisas

_ Não me falem em expressionismo alemão. Isto nunca existiu em cine-


ma, Siegfried Kracauer, que escreveu um livro chamado De Cal/gari a Hitíer" é
um mistificador, um oportunista. Escreveu o livro mais impreciso e mentiroso
que já li. Max Reinhardt, diretor teatral, nunca teve influência sobre o cinema.
Minha amiga Lotte Eisner também comete erros ao escrever sobre o velho
cinema alemão referindo-se ao "expressionismo aternào"." Eu sempre fui livre,
nunca fiz parte de qualquer grupo, e meu estilo de filmar não mudou da Alema-
nha para Hollywood.
Pergunto a Lang se diretores alemães ou austríacos, como Joseph von
Sternberg, Friedrich Murnau, Erich von Stroheim e ele mesmo não exerceram
grande influência no cinema de Hollywood, dos argumentos às cenografias, no
estilo de fotografar, de usar o som, de dirigir atores:

From Caligari to Hitler: A Psychological History of the German Film (Princeton University Press. Peter Lorre em
1947), No Brasil, De Caligari a Hitler: uma história psicológica do cinema etemso. trad. de Teresa M, o vampiro
Ottoni (Rio de Janeiro: Zehar. 1988).INE.I de Düsseldorf
A tela demoníaca, tred. de Lúcia Nagib (Rio de Janeiro: Paz e Terra/Instituto Goetbe. 1985), IN,E.] (19311

46 47
boas entre os jovens. Gosto de Godard, Mssculin. féminin: 15 faits précis reverência, os jornalistas e cinéfilos comentam que "existe um velho e grande
[Masculino-feminino, 1966] é uma obra-prima. Mas a maioria dos jovens se di- amor" entre eles. Falam em alemão. Relembram os grandes anos de Berlim,
verte em passear a câmera, fazer piruetas, parecendo não ter nada de novo a dos teatros e cabarés antes do apocalipse hitlerista:
dizer. Minha geração criou o cinema, mas é preciso que a nova geração revolu- - O cinema alemão hoje não existe graças a Hitler, graças à censura, à
cione o cinema que fizemos, que é praticamente um cinema primitivo. Sei que estupidez humana, ao ódio, à brutalidade de espírito.
hoje existem muitas dificuldades: a indústria, a censura etc. Mas a juventude Nada do que Fritz diz é desprovido de paixão. Ao contrário de Renoir, não
parece se desinteressar pelas coisas gerais e se preocupar cada vez mais com é um leão manso. Ferido é fera que não se abate, não desiste de defender o
ela mesma. Não sei se isto é uma virtude ou não. Pretendo fazer um filme novo cinema contra a prepotência das autoridades, o comercialismo dos pro-
sobre este assunto, mas me recuso a adaptar minha visão à dos comerciantes dutores e os preconceitos da crítica.
de Hollywood.
A idade não transforma Lang num casmurro. Seu mau humor vem da
inadaptação diante do sistema. Mas Lang tem uma espécie de má consciên- ORSON WELLES
cia, pois sem nunca ter feito um filme reacionário, racista ou fascista, serviu
ao esquema. tentando negociar, com pouquíssimas vantagens, sua liberdade. Se Orson Welles recusa o cinema como instrumento de criação, não é por falta
Fúria [Fury], filme de 1936, denúncia contra a intolerância das massas, foi uma de crença no fato fílmico.
de suas vitórias em Hollywood, usando Spencer Tracy como ator. Dos seus Sua indignação é a impossibilidade em dispor desses meios com os quais
belos westerns, A volta de Frank James [lhe Return of Frank James, 1940], com poderia alcançar uma Nova Dimensão, a região interpretativa ainda indevassá-
Henry Fonda, e Rancho Notorious [O diabo feito mulher, 1952]. com Marlene vel da existência do homem sobre a Terra.
Dietrich, Lang nem quer falar: para ele são filmes de rotina, como de rotina são Quando se fala no "imponderável" que a câmera poderia descobrir e a
os filmes policiais, sejam os grandes como Os corruptos [The Big Heet, 19531 montagem poderia criar (tornar "ponderável", "real"), muita gente pensa que
ou os menores como O ministério do medo Ilhe Ministry ot Fear, 1944]. se trata de uma utopia ou de uma atitude "formalista", como se esse "forma-
- A imprensa inventa mitos. Veja o caso de Bonnie and Ctvae" É um filme lismo" fosse reacionário.
comercial, que usa violência e humor com a finalidade de explorar o senti- A busca do "imponderável" cinematográfico jamais foi o alienado jogo da
mento sadomasoquista do público. É um filme cheio de deturpações sociais, forma na forma, do plano no plano ou da luz na luz, embora tais conflitos abs-
de exageros, de tiros e sangue, apenas para divertir o público. A violência é tratos valham como a melhor pintura moderna não figurativa.
terrível, mas mesmo depois dos campos de concentração as pessoas não se Recusa-se uma existência formalista para o cinema porque seu próprio e
emendam. Fiz um filme em 1937, You only Uve once [Vive-se uma s6 vez], com incontido poder de criar no conflito a problemática imprevisível leva até mes-
o mesmo tema de Bonnie and Clyde, e que parece ter servido de inspiração mo o intencional jogo da forma pela forma abstrata de criar uma Entidade.
para este exercício sanguinolento e irresponsável. E a isto a imprensa chama Partindo daí (e numa sala de montagem temos verificado que o princípio
cinicamente de arte. Onde a arte? Onde a novidade? Apenas a técnica compra- te6rico se realiza na prática) podemos romper com o cinema narrativo-literário e
da a peso de dólar. partir para aquele em que a câmera e a montagem CRIAM uma dimensão fílmi-
Lotte Eisner. veterana jornalista e uma das diretoras da Cinemateca Fran- ca sobre o tema e não CONTAM uma Heuztória com pré-existência literária.
cesa, está escrevendo um livro sobre o leão. Em Veneza, onde volto a encon- Depois de Eisenstein, nunca um cineasta foi tão fílmico como OW.
trá-lo um pouco depois, Lang passeia de mãos dadas com Lotte. Com muita Aos que vêem a importância participante do cinema nos conflitos sociais e
no complexo humano, essa observação torna-se fundamental para destruir a
acusação pejorativa ao formalismo.
Bonnie & CJyde - Uma rajada de balas 11967\. de Arthur Penn. IN,E.]

48 49
Se Eisenstein foi o maior intérprete da revolução soviética e das transfor-
mações radicais trazidas pelo socialismo, OW é o maior intérprete da tragédia
imperialista.
Seu tema preferido foi o poder configurado no Homem, à maneira de Ei-
senstein em Alexandre Nevski [A/eksandr Nevskii, 1938J e nos Ivans {Ivan, o Ter-
rível/Ivan Groznyi, 1944, e Ivan, o Terrível/Ivan Groznyi, BoyarskJiZagovor, 19451.
OW se postou no ataque vigoroso ao homem corrompido pelo poder e sem-
pre derrubou esse Ditador com a força de quem abate e destrói um verme.
A denúncia vai até a derrubada, através do simbolismo fílmico, embora o
tema continue quando finda a intriga.
OW não interpreta uma transformação à maneira de Eisenstein, porque
essa revolução não se passou nos Estados Unidos.
Mas OW "provoca no filme" essa derrubada, abre possibilidades de revo-
lucionar sem nenhum dogmatismo, crente na absoluta corrupção desumana
dos poderosos.
OW detesta e esmaga o chefe de imprensa de Cidadão Kane ICitizen
Kane,1941j, como o chefe de polícia de Touch of EvJ1 (A marca da maldade,
19581. ou Othello, Macbeth, Arkadin e bufões como Falstatt.'
Desmistificou a genialidade e se transformou no aiter ego dos Estados Unidos.
Poderia OW ser tão poderoso, não fosse através de "seu estilo"?
Hollywood expulsou Ow.
Na Europa ele filmou Kafka, metáfora da verdadeira história da família Am-
bersons Kennedy [lhe Magnificent Ambersons/Soberba, 1942; Le ProcéslO
processo, 1962).
Quando Orson Welles filma Cidadão Kane, os Estados Unidos estavam em
guerra aliados com a União Soviética contra o Nazifascismo.
Cidadão Kane é o sucessor de O grande ditador (Chaplin. 1940).
Montagem tonal e dramática do movimento psicológico de personagens
inconscientes do processo materialista da história dentro de uma natureza alie-
nada e de uma cenografia alienante.
Kynema é linguagem total devido à imprevisibilidadimaginária que se mani-
festa com maior freqüência na linguagem audiovisual do que na literária.

Orson Welles
e Joseph
Personagens dos filmes' The Tragedy of Othel/o: the Moor of Venice lOteIo. 1952J: Macbeth [Mac- Cotten em
beth, reinado de sangue, 1948J; Mr, Arkadin ou Confidential Report [Grilhões do passado. 1955Je Cidadão Kane
Chimes atMidnight [1965J_ [N_E_I (1941)

50 51
A montagem narrativa produziu um efeito ilusório da História que levou o É Oulntan," é Arkadin, é Macbeth, é Othello, é Falstaff, é Don Quixote, é
teórico André Bazin a ver na Profundidade de Campo um espaço psicológico o Diabo, é Kane, é Boosevelt. é Trurnan. é Rockfeller, é Júlio César, é Hitler, é
que exclui o tempo social da História. Stalin, é Welles!
André Bazin supervaloriza a montagem tonal dramática (montagem interna
de origem líteroplástica) e idealiza a montagem externa como divisor e uni-
ficador dos tempos da mise-en-scéne neurótica dentro do plano em campo WILLlAM WYLER
profundo, técnica desenvolvida por Orson Welles em Cidadão Kane.
As lutas de classes estão ausentes do processo que leva Kane a herdar [11
uma fortuna, casar com a sobrinha do Presidente, se candidatar a gover-
nador de um Estado e criar estética na figura de sua fracassada mulher Em Cannes/57 a Palma de Ouro foi concedida ao produtor-diretor norte-ameri-
cantora de ópera. cano William Wyler, por Friendly Persuasion [Sublime tentação, 1956].
Welles faz uma crítica psicológica e não econômica de Kane, metáfora A crítica levantou o problema relativo à justiça da escolha, desde quando
de poder fático imperialista, mas explica o poderio econômico pela paranóia concorreram no mesmo festival Robert Bresson, com Un condamné à mort
política frustrada. s'est échappé [Um condenado à morte escapou, 1956]. e Jules Dass!n. com
Rosebud, Tema Psicológico, e não a luta de classes nos Estados Unidos e Celui qui doít mourir [Aquele que deve morrer, 1957], ambos considerados
no mundo, Tema Histórico, é a infra-estrutura, temática de Kane. coincidente filmes de valor cinematográfico e vigorosas mensagens. Embora causando
com a explosão nuclear de Ivan 11. controvérsias, a crítica elogiou as qualidades de Sublime tentação, não só uma
No fluxo fílmico de Kane a luta de classes se reflete na psicologia mística espécie de reabilitação de Wyler, como prestígio artístico para Hollywood. Arre-
do autor/personagem que a ela não se refere porque despreza o escravo. batando o grand prix, o cinema americano revela-se forte não como expressão
O proletário é a consciência do narrador interpretado por Joseph Cotten, de grupo, mas, principalmente, por talentos individuais que, fazendo as indis-
alter ego de Kane, o Rosebud pobre e velho no sanatório feliz. pensáveis concessões, conseguem manter uma linha de conduta, um lugar
No campo profundo deWelles se processam contradições interimperialistas. de destaque. Tais realizações surgem de uma independência financeira aliada
Um capitalista pode matar o outro mas nunca destruir o sistema que deve à independência política que é comprometedora porque os cineastas devem
ser defendido contra o fantasma ausente do proletariado. cumprir interesses do Governo.
O imperialista Kane morre e Welles filmonta a reconstituição psicológica Sabe-se dos expurgos do senador McCarthy e não se compreende como
de sua História identificando no indecifrável mitonironanista, Rosebud, pro- "rebeldes" tais como John Huston, Richard Brooks ou Robert Aldrich conti-
cesso cosmetafórico de personagens. nuam livres em suas contundentes denúncias contra o regime político e o sis-
O limite dialético é estabelecido pelo método de investigação retórica que tema social dos EUA. John Ford é um cineasta que não enfrentou muito bem
não desestrutura o mito Rosebud. certas coações. Para satisfazer e ficar em paz, realizou algumas lamentáveis
A montagem Kubexpressionista de Kane materializa uma concepção películas; e não fora um western de categoria como o recente The Searchers
circular da História cheia de som e fúria contada por um idiota que não [Rastrosde ódio, 1956], seu nome, sem dúvida, já estaria sofrendo o descrédito
significa nada. imposto aos "decadentes". Quanto a Wyler, não desceu tanto, e mesmo pode-
É o clímax shakespeariano, Othello, Calibán de Welles. remos dizer que de The Best Years of Our Uves [Os melhores anos de nossas
O expressionismo alemão gera uma estética fenomenológica cuja função vidas, 1946] para cá, só fracassou em The Desperate Hours [Horas de desespero,
é mascarar a História na linguagem que em Hollywood substitui a economia, 1955], legítimo policial "crime-não-compensa".
a sociologia, a política, a psicanálise, a lingüística, a antropologia e a filosofia
Personagem Hank Oumran. de A marca da maldade. jN.E]
pela psicologidealista freudiana, espaço social sem tempo social.

53
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Em Friendly Persuasion, Wyler aliou-se ao argumentista Michael Wilson Os grandes filmes de Wyler arrebataram Oscars tanto para ele ou para os
IA Place In lhe Sun/Um lugar ao sol. 1951; Sett ot tne Earth/O sal da Terra. 1953]. atores, fotógrafos e outros colaboradores.
persona non grata ao Comitê da Câmera sobre Atividades Antiamericanas pelo Ganhando através de longo aprendizado justo domínio dos mecanismos
seu comportamento marxista. técnicos e formais da indústria e da arte cinematográficas, Wyler conquistou
A coragem pacifista conjugada à bem argumentada adaptação de um pro- um "estilo", bem- acabada forma de dizer em cinema, sempre renovada com
blema vigente hoje no mundo moderno - os reflexos de uma pré-guerra sobre novos matizes onde predomina o lírico, o humorístico e a inevitável frustração
a juventude - encontraram em Michael Wilson o estruturador hábil, a revolu- sentimental.
cionária observação social e a dramática psicologia oriunda deste estado. Em Roman Holiday, William Wyler fugiu de William Wyler. Passou do trá-
Esta posição de Wyler agiu contra os brios belicosos de Hollywood e a gico habitual de O morro dos ventos uivsntes, Chaga de fogo, Tarde demais e
reação, que não poderia ser contra um dos baluartes do seu cinema - Wyler Perdição por amor ao humorista romântico que conta a história da Princesa e o
- se fez sentir sobre o argumentista Michael Wilson, em estilo do mais depri- plebeu. O cineasta dos romances irrealizados procura uma novidade e, embora
mente fascismo: seu nome foi retirado da ficha técnica. não permitindo o triunfo do amor, frustra-o lírica, risonhamente.
Em Horas de desespero, o happy end está presente, não como novidade
[21 mas como concessão. Todavia este correr para a derrota do amor, esta mes-
ma força a arrastar todos os personagens, tem sido a constância temática de
William Wyler nasceu a 1 de julho de 1902 em Mulhose, França. Partiu em sua recente obra fílmica, a partir, principalmente, de 1949 com Tarde demais,
1920 para Hollywood e aí começou no cinema em 1925 com fitas de segunda estrelado por Montgomery Clift e Olivia de Havilland. Aí a mulher recusa o
categoria, das quais a primeira foi Lazy Ughtning [1926]. Em 1936 realizou seu homem que ama. Abandona-o enlouquecido a bater e a gritar na porta: nesta
primeiro filme importante, These Three [Infâmia], baseado na obra teatral de seqüência, de exata dosagem temática, a figura de Monty Clift não atinge o
Lillian Hellman'' e trazendo no elenco Merle Oberon, Miriam Hopkins e Bonita patético, principalmente pela sobriedade com que Olivia de Havilland, dentro
Granville. Aí se une a um diretor de fotografia, hoje morto, que o acompanhará da casa, sobe as escadas, insensível às súplicas. Em Chaga de fogo, o herói
em grande parte de sua carreira: Gregg Toland. Realiza mais três filmes e, em Kirk Douglas morre assassinado na chefatura da polícia deixando a mulher
1938, Jezebel, interpretado por Bette Davis e Henry Fonda, que lhe valeria defi- amada, Eleanor Parker; em A princesa e o plebeu, política e diplomacia sepa-
nitiva projeção internacional. Segue-se Wuthering Heights [O morro dos ventos ram os amantes.
uivantes, 1939], com Laurence Olivier e Merle Oberon. Wyler mantém a car- Por abandono, derrota, renúncia, ou outras causas, Wyler conduz seu dra-
reira segura e, em 1942, Mrs. Miniver [Rosa de esperança]. com Greer Garson ma neste pessimista sentido da impossível felicidade amorosa. E não só no
e Walter Pidqeon. alcança novo sucesso. Em 1942-45, realiza documentários seu filme recente, mas também em Jezebel, em O morro dos ventos uivantes,
para o Exército. Finda a guerra, em 46, executa sua obra-prima, o inesquecível o amor intensamente constante é um fracasso irremediável.
Os melhores anos de nossas vidas, com Frederich Marc e Dana Andrews. Em No cinema de Wyler, mundo que ganhou características pela sobriedade
1949, novo sucesso: The Heiress [Tarde demais]; em 51, Detective Story [Chaga mantida durante o mais dramático - fato que o salvou do dramalhão - predo-
de fogo]; em 52, um ligeiro deslize em Carrie (Perdição por amor]; em 53, novo mina o ritmo lento, a correta simplicidade formal. a preocupação em narrar da
deslize em Roman Holiday [A princesa e o plebeu]: em 55, um fracasso com mais direta maneira, sendo lírico ou dramático discretamente.
Horas de desespero; em 57, Grande Prêmio de Cannes com Sublíme tentação. A força do cinema de Wyler é psicológica e social. Não se concentra nos
valores especificamente artísticos do cinema: funciona pela intensidade inte-
rior, problemática humana, base literária que possui.
Glauber refere-se à peça "lhe Children's Hour" (1934). em Six Plays by LJHian Hellman (Nova York:
Modem Library, 1960). IN_E_]

54 55
]3]

Tarde derneis é uma lição de enquadramento e ritmo.


Wyler joga com elementos difíceis. Um pai conservador, homem rico e in-
teligente, médico, vendo na filha uma antítese desprezível da esposa elegante
e culta que morrera. Sua esperança quebrada em ressuscitar na filha a esposa
é o primeiro golpe da realidade. Depois. surge um aventureiro, uma proposta
de casamento e uma paixão vigorosa.
Lançando as bases do esquema dramático, Wyler parte para o desenvolvi-
mento profundo. É uma condução magnífica de atores. Lidando com um tema
de caráter psicológico, Wyler preferiu o jogo hábil das imagens, o enquadra-
mento em função do momento. o diálogo objetivo. Eliminando pormenores,
conseguiu densidade dramática de princípio a fim e possuiu o espectador.
Notável é a Seqüência do Baile, quando Catherine conhece Morris. Diante
do grande número de atores em conversas e dança, Wyler não aplica a velha
forma do Plano Geral e depois do Plano Médio que isola da cena e particulariza
os personagens centrais. Utiliza somente planos gerais e com vários cortes em
ritmo de polca descreve o ambiente e desenvolve o drama com os pares giran-
do em gigantescos Primeiros Planos e as figuras centrais agindo em segundo,
em absoluto relevo, devido - e aí entra novo elemento - ao movimento no
fundo da cena.
No final. seqüência de clímax e desenlace, Morris bate à porta clamando
por Cathie que sobe as escadas, impassível, sob um Plano Geral entrecortado
pelos estudos de Câmera em vários Planos de Morris desesperado.
O desenlace surge brusco - elemento vigoroso de separação absoluta
- na mesma ambientação, chocando pela força trágica que liberta.
Somente com o talento de Olivia de Havilland, Wyler poderia criar um tipo
como Cathie. Sente-se cada expressão, cada olhar e cada sorriso da grande
atriz. Vive um papel duplo com o mesmo vigor. Da tola à experiente - de ex-
tremo a extremo - é uma demonstração de talento e sensibilidade.
Montgomery Clift, como Morris, é o grande ator sóbrio e sincero de sem-
pre. Ralph Richardson, o ator inglês, como o pai, é uma outra demonstração de
capacidade interpretativa.
Olivia de
Havilland em
Tarde demais
(19491

56 57
SOMBRAS QUE VIVEM Embora filmando teatro, Mann equilibra as imagens e dá excelente sentido
plástico à obra, sem, no entanto, exagerar em técnica e, conseqüentemente,
Come Back, Uttle Sheba IA cruz da minha vida, 1953], de Daniel Mann, situa- criar o sensacionalismo tão peculiar a Hollywood.
se entre quatro destacados filmes da "Escola Americana do Teatro Filmado" As situações estabelecidas fogem do convencionalismo para a coincidên-
juntamente com A Streetcar Named Desire [Uma rua chamada pecado, 1951], cia normal do cotidiano, se portando até o limite onde as paixões são jogadas
de Elia Kazan, The Death ofa Salesman [A morte do caixeiro viajante, 1951], de umas contra as outras. O crescendo moderado interrompido por cortes atinge
Laszlo Benedek, e Detective Story de Wyler. o clímax no momento psicológico e desenlaça-se com segurança sem se per-
Projeta-se das mais sérias películas já dedicadas ao estudo da alma. der em justificativas covardes e completando a obra dentro das características
O simbolismo de Sheba, a cadela que partiu e não voltou, reveste, com uma dos momentos antecedentes.
atmosfera trágico-poética, cada seqüência. Mann se revela grande trágico. Sua
tragédia, pela aplicação constante de realidade que sofre em todos os mo-
mentos, é, embora relativamente negativista, de irresistivel força dramática. STANLEY KRAMER
Psicológica no tratamento particular de cada individuo, é paralelamente social,
dada a universalidade dos caracteres e a necessidade econômica que se torna Stanley Kramer se projetou no após-guerra em Hollywood e no mundo como o
dos agentes mais ativos na provocação da tragédia. mais rebelde dos produtores nortamericanos, tanto do ponto de vista econô-
Sendo burgueses, realizariam, marido e mulher, os ideais de juventude já mico quanto temático e artístico.
que estes se situavam quase que absolutamente no campo das aspirações ma- Reunindo equipes de grandes talentos desconhecidos ou no esquecimen-
teriais. Havendo boa estabilidade financeira, a frustração ou seria motivada por to, foi o responsável pelos melhores filmes saídos dos EUA nos recentes dez
uma fútil mentalidade burguesa ou produto de desequilibrios psicológicos. anos, revelando como diretores Fred Zinnemann em The Men [Espfritos indô-
Não se desespera a personagem principal simplesmente pela partida defi- mitos, 1950]- no qual surgiu pela primeira vez Marlon Brando - e High Noon
nitiva de Sheba. Chega aos limites da loucura por constatar que, no passado. {Matar ou morrer, 19521; Laszlo Benedek em A morte do caixeiro viajante e The
não realizara ou não pudera realizar - e aí por deficiência monetária - os Wild One [O selvagem, 1953]; HU90 Freganese em My Só, Convicts [Meus seis
desejos que tivera quando adolescente. A própria juventude liquidara-se no criminosos. 1952]; levou pela primeira vez à tela a famosa escritora americana
anseio de conhecer o fogo da paixão sexual; os anos da fase adulta foram de Carson McCullers com a novela The Member ofthe Wedding'O [Cruel desen-
luta para a simples subsistência às necessidades primárias da vida. gano, 1952], sob a direção de Zinnemann; reabilitou Mark Robson em Home of
A felicidade não se encontra sob cédulas como também paz de espirito só tne Brave [Clamor humano, 1949] e The Champion la invencivel, 1949], quan-
se encontra em quem está satisfeito com a vida. Para se estar satisfeito com a do Kirk Douglas teve sua grande oportunidade; encenou a peça de Edmond
vida é necessário que se tenha realizado os desejos. O dinheiro rege os fatos, Rostand, Cyrano de Bergerac" - ponto alto de José Ferrer- além de facilitar
logo realiza desejos e se torna elemento indispensável à felicidade. ao decadente Edward Dmytryk grandes chances de empreender com Irving
Como fuga psicológica é caminho mais fácil combater a juventude. Tor- Reis o originalíssimo The Four Poster (Leito nupcial, 1952]'2 - apenas dois
na-se irracional. Luta contra o tempo. A vitória deste é lógica. Possuído pelo personagens e desenhos da United Productions of América [UPA]- e mais
desespero da derrota, corre pelas ruas a clamar: "Come back, little Snebe; algumas realizações de méritos.
come back ...",
A câmera de Ernest Laszlo age em ambiente restrito e fechado. A impos- lO lhe Member ofthe Wedding (1946). No Brasil. A sócia do casamento. trad. de Sonia Coutinho (São
sibilidade dos grandes planos obriga Mann a trabalho paciente - estabelecer Paulo: Antares. 1974), [N.E,]
narrativa de imagens sem se perder no teatral. " Cyrano de Bergerac, trad. de Ferreira Guliar (Rio de Janeiro: José Olvrnpio. 1985). IN.E.]
\I Direção de Irving Reis e John Hubley. IN.E,]

5B 59
Stanley Kramer salvou Hollywood da pobreza artística por um decênio e foi
Direção: como filme histórico e como grande espetáculo, a melhor já reali-
campeão de Oscars. zada em Holiywood. Dois caminhos: a) conduta psicológica dos personagens,
Contando com grandes argumentistas, como Carl Foreman e o casal Edna
a exploração das riquezas naturais pictóricas da Espanha, a verossimilhança
e Edward Anhalt, além de colaborações como a de John Paxton em O selva-
histórica dos fatos; b) ou a condensação do documentário em função do dra-
gem ou de Arthur Miller em A morte do caíxeíro viejente, Kramer elegia temas
ma humano ou o primeiro sobre o segundo, o sopro épico, o filme de massas
de forte conteúdo social e com isso, sem compromissos políticos, dirigiu o sobre o individual. Nesse sentido a orientação de Kramer se define e temos
cinema americano para uma nova meta, despertou uma mentalidade, criou os fatos expostos pela câmera, a supressão de narrativas literárias. A música
uma escola. ajuda na criação da atmosfera espanhola. Também a paisagem em função e ja-
Problemas econômicos e artísticos terminaram por separá-lo de Carl Pore-
mais como cartão-postal. Duas seqüências de grande cinema: a luta de adaga
man, por incompatibilizá-lo com a Columbia e forçá-lo a um novo recurso de
entre o oficial e o espanhol sob os moinhos. Os planos são de choque e o bai-
trabalho em outras bases e mais individualista - menos idealista, passando
lado dos atores em máxima violência. A segunda, quase antológica, inspirada
a dirigir seus próprios filmes e a interromper um programa que por certo daria
em Eisenstein, a da procissão. A arquitetura e a arte sacra espanhola recebem
uma estética ao cinema americano, finalmente uma contribuição para a arte só
uma visão funcionando no corpo do filme. Por último, em menor grau, a se-
antes dada com Griffith, Chaplin, Welles e John Ford.
qüência final é de uma enxutez própria dos diretores lúcidos. No restante, o
Como diretor, o primeiro filme de Kramer Not as a Stranger [Não serás um
fundamental da narrativa é o Plano Geral.
estranho, 19551 foi um fracasso. Ritmo: entre lento e vivaz. O contraponto é um alegro vivo com os homens
Era a história de um médico - mas o tratamento claudicava: a preocupa- correndo e puxando o canhão pelos campos. Em função da psicologia e da
ção de grandeza formal transformou o que poderia ser obra-prima em filme violência, varia numa orquestração dificílima para um filme monumental. Frank
longo, lento, mas com dois ou três momentos que demonstravam um homem
Sinatra, ótimo; fraco Cary Grant e Sophia Loren lindíssima.
inspirado atrás das câmeras.
Stanley Kramer realizou um grande filme: Julgamento em Nuremberg (1961).
Seu segundo filme, The Príde and the Passíon [Orgulho e paíxão, 1957], é
um ponto a mais conseguido nessa sua nova fase de produtor-diretor.
Tema: a Espanha invadida por Napoleão. A resistência dos guerrilheiros.
CHÁ E SIMPATIA
Um canhão fantástico como símbolo de luta. Uma fuga desesperada pelo país
rumo a Alba tendo nos calcanhares as tropas francesas. Um painel histórico
Estranho, mas oportuno, o problema da masculinidade colocado num cinema
onde o heroísmo na defesa da terra é o fundamento e a homenagem à raça de tamanhos preconceitos quanto o americano. Todavia - tema quase virgem
revolucionária do povo espanhol é a intenção. no cinematográfico - adquire em Tea and Sympathy [Chá e símpatía, 1956] pIa-
Roteiro: Edna e Edward Anhalt. De um tema grandiloqüente extraíram psi-
no de universalidade e nunca polêmico, pois ganha corpo racionalmente, bem
cologicamente três tipos que ao longo do filme se definem, embora nunca
saído de uma civilização ocidental imbuída da violência como princípio humano.
atingindo profundidade satisfatória. Um oficial inglês, uma guerrilheira e um
Nunca é tarde para se falar da múltipla violência estadunidense influencian-
sapateiro, seu amante, tornado chefe da resistência. A mulher surge como do no cinema: da mais grotesca - física - à mais intensa - a psicológica
vértice de um triângulo amoroso, levado, todavia, com suficiente "dignidade"
- tem sido fonte de desonesta exploração à qual não se pode aplicar uma
que evita a queda no dramalhão. São ornamentos humanos do centro que é
culpa mais direta aos cineastas, uma vez que é a própria violência o vital dessa
o canhão conduzido. Em função das características da produção - grande
sociedade bElica.
espetáculo artístico - os roteiristas realizaram o suficiente e as situações são
Chá e símpatía é o mais anti brutal dos filmes saídos de Hollywood nos últi-
lançadas com razoável lógica. Caberia ao diretor Kramer realizar o espetáculo e
mos anos: coloca o fundamento da brutalidade na concepção do falso homem
a esse trabalho duplo de produção-direção deve-se o resultado final do filme.
ao passo que apresenta uma solução de paz e de tamanho amadurecimento

60 61
que não se pode, de maneira qualquer, manter uma postura mais rígida contra interpretações intensas mas despidas de estilizações. A linguagem direta, sem
esses momentos de grande importância humana e social que o cinema chama planos audaciosos ou cortes magistrais: criar de tal maneira uma ambiência
a si como complexo cultural mais importante de nossa época. real até que o espectador se sinta integrado e vivendo com Tom Lee. Vincente
Chá e simpatia projeta-se como filme de vanguarda: aí os decantados for- Minnel\i em Chá e simpatia revelou-se um diretor maduro e em mãos como as
ma e conteúdo estão em tamanha decência fundidos que a seus autores res- suas o argumento de Robert Anderson não descambou para o melodramático:
pectivos, o argumentista Robert Anderson e o diretor Vincente Minnelli. só Chá e simpatia é um filme limpo, enxuto, e só talvez excessivo na seqüência
cabem a mais justa homenagem. final, quando Tom lê a carta. Aí, não só a dublagem em português prejudicou,
A denúncia do teatrólogo e roteirista Robert Anderson contra o nível mental como também poderia descobrir-se uma intenção de provocar lágrimas: mas
do universitário e da família classe média americana, situa-se como a mais ob- a câmera movimenta-se com tanta classe que as habilidades artesanais de
jetiva por ser menos dogmática e carregada de uma indignação racional e fria, Minnelli superam as lágrimas.
quase de um sociólogo: isso percebe-se em Tea and Sympathy antes mesmo O elenco é de notável comportamento. Deborah Kerr, que há pouco tempo
de se evidenciar o drama do jovem poeta pálido e cabeludo tipo do anti-ho- nos surgiu como a fabulosa freira de O céu é testemunha [Heaven Knows, Mr.
mem, vítima da espetacular masculinidade americana que, não entendendo AI/ison, de John Huston, 19571 marcha para ser a grande atriz de Hollywood, en-
a fragilidade humana ou a reclusão ou a ternura ou o poético como também quanto o jovem John Kerr é um Tom tee convincente, uma perfeita encarnação
fatores/construção do másculo, o excluem para o campo dos vulgarmente cha- do poeta deslocado entre os vermelhos sexuais da comunidade americana.
mados frouxos.
O problema de Chá e simpatia não é de homossexualismo: é antes de
inadaptação do anti-homem, do anti bruto na consciência geral de um país tão o MITO DO RACISMO
eminentemente guerreiro (tão bomba atômica, tão armas nucleares, tão colo-
nialista, racista, tão rock-end-roll, tão cheio de desespero juventude transviada A era cinemascópica de Hollywood mais do que nunca cria mitos. Evoluindo os
e agora de uma geração literária bêbada e devassa por medo da guerra), que processos técnicos e sonoros os mitos também passaram da escala pessoal
não pode compreender o triunfo da poesia sobre o futebol. - atores tais como Rodolfo Valentino e Pola Negri - para o plano de fatos so-
Chá e simpatia por isso é um filme de triunfos: vitória da ternura e elevação ciais, acontecimentos políticos, comportamento na sociedade, introdução nas
da mulher sobre os homens de musculatura e fala grossa; a seqüência na qual atitudes cotidianas da sociedade, principalmente da classe média. Da fase do
Deborah Kerr se entrega ao jovem Tom Lee é o selo dessa dignificação femini- cinemascópio até agora, poderemos, a título duplo de curiosidade e de lógica
na: é a revelação de uma potencialidade de amor inato na mulher sem respeito condenação, organizar uma breve galeria de mitos lançados e impressos no
geográfico ou político ou moral; por isso Chá e simpatia não é apenas um filme povo, destacando-se quais os reais e quais os falsos. De real - isto é: autên-
bonito, sensibilizante, mas um filme de imensas profundezas: a revelação so- tico, embora comercialmente explorada - só a figura rimbaudiana de James
bretudo de um poeta agudamente participante como Robert Anderson. Dean salta como dramática figura do jovem americano angustiado entre uma
Tea and Sympathy parece ser o último belo canto de Minnelti. infeliz nos re- guerra finda e uma outra psicológica, fria e densa, anunciando a cada movi-
centes Kismet [Estranho no Paraíso. 19551 e Lust for Life [Sede de viver. 19561. mento a necessidade de morrer sem glória por uma verdade falsa. Excluindo
Foi preciso, antes de se propor a contar o drama de Tom Lee, criar um mundo Dean, o mito da juventude transviada - com todos os requintes figurativos
de terna interiorização, não buscar o original carregado mas antes permanecer de blusão, calça, cabeleira e todas as perversões violentas de vez: pancada-
nos símbolos eternos e mesmo num recurso gasto do cinema: o retrospecto. ria/ritmo rock-and-roll- pode-se colocar na dupla categoria de uma realidade
A câmera mergulhando pela janela vai todavia em tal ritmo e a música de Adol- americana que através do cinema provocou tantos subprodutos.
ph Deutsch funciona tão oportuna que a evocação do passado se faz em clara Destruindo o cinemascópio os grandes mitos do cinema - o aventureiro
poética. As flores são a simbólica cenografia de Minnelli. O ritmo lento. As ou o mocinho do filme westem - Hollywood subverte os valores e impinge as

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excrescências bem próprias de uma cultura comercializada, a ver: mito cabeça antítese à frieza das inglesas: " ...Os homens quando olharem para ela (Dorothy
raspada, Yul Brynner; mito gritinho histérico, Jane Mansfield; mito rockbolan- Dandridge) acharão as brancas insípidas ...",
do, Elvis Presley; mito calvpso, Harry Belafonte e outros tantos. O líder trabalhista Belafonte bem trajado, cantando calypso, amando uma
Island in the Sun [Ilha dos trópicos, 19571 é a criação comercial de novo loura, freqüentando festinhas íntimas, fazendo um discursinho pessoal não or-
mito, e desta vez sobre o mais cruciante problema das relações humanas e ganiza, não trabalha, não sindicaliza, não age diretamente sobre nenhum ponto
sociais americanas, o racismo, o qual os jornais, a literatura e o próprio cinema dolorido e quando abre a boca é para falar em tradições. Mostrado como um
honesto de Hollywood têm divulgado e discutido. imbecil complexado em busca de poder quer convencer como líder anticolo-
Pela flagrante irresponsabilidade com que procura abordar e subverter um nialista, donde só prova ser cantador de calypso mesmo e convence de que
ponto tão sério quanto mesmo trágico, é que a realização de Darryl Francis Za- com líderes românticos do seu tipo o colonialismo seguirá para sempre.
nuck e Robert Rossen, sobre o romance de Alec Waugh 13 com roteiro de Alfred As estórias laterais são de uma insuficiência dramática pretensiosa e pe-
Hayes, resulta em abominável peça não só de cinema mas de antiprogressismo. sada. Não convencem porque o filme, mal roteirizado e mal dirigido, confunde
Além de "racista colonialista", Ilha dos trópicos só pode ser considerado sob o tudo na técnica das estórias paralelas e o que poderia ser um bom filme - a
ponto de vista das coisas que diz, uma vez que no relativo à forma artística é história de James Mason inspirada em Dostoiévski (Crime e cast/goJ14 - resulta
um fracasso: desencontrado, arrltrnico. plasticamente falso dando uma visão risível porque carece de continuidade psicológica mais densa e pormenorizada.
sofisticada dos costumes populares e do folclore negro duma "ilha tropical" ... Harry Belafonte. no mito do amor entre branco e preto que a censura ame-
Robert Rossen, o seu diretor, responsável pela obra-prima Ali the King's ricana tanto protestou - há um beijo cortado: e este seria apenas exploração
Men [A grande ilusão, 19491, foi um dos homens de Hollywood que, juntamen- comercial- além de imitar Marlon Brando, canta calypso desmilinguadamente.
te com Elia Kazan. Edward Dmytryk e outros, denunciou à comissão do tene-
broso senador McCarthy todos quantos em Hollywood buscavam e estavam
fazendo cinema sobre problemas agudos dos EUA. o GALANTE VAGABUNDO
Grandes diretores e homens progressistas, Rossen, Kazan e Dmytryk, traí-
ram os companheiros e se venderam ao capitalismo mais reacionário, forman- Quando se fala em comédia do cinema americano Chaplin precisa ficar isola-
do, então, com alguns, a classe dos rebeldes simpáticos, ou melhor: grupo do. Isto porque o fenômeno da comédia chapliniana é universal.
aparentemente rebelde que explora grandes problemas como desemprego Para conceituar a evolução da comédia americana, Frank Capra deve ser o
e racismo truncando os fatos e reagindo contra as soluções de vanguarda. marco fundamental.
On the Waterfront [Sindicato de ladrões, 1954]. de Kazan, e The Caine Mutiny Enquadrado na tradicional fórmula "sorriso e lágrimas", o autor de It Ha-
[A nave da revolta, 1954], de Dmytryk, enquadram-se nessa linha de filmes ppened One Night (Aconteceu naquela noite, 1934], Lost Horizon [Horizonte
falsos sobre temas agudos. Ilha dos trópicos, também, está na mesma trilha perdido, 1937). You Cen't Take it With You [Do mundo nada se leva, 1938). Mr.
de coragem superficial. Smith Goes to Washington [A mulher faz o homem, 1939). Meet John Doe
A conclusão do roteiro de Alfred Hayes sobre o romance de Alec Waugh [Adorável vagabundo, 1941]. lt's a Wonderful Ufe [A felicidade não se compra,
é de que o racismo existe mais do preto em relação ao branco do que deste 1946) e tantos filmes inesquecíveis para uma geração. Frank Capra pode ser
em relação àquele, segundo textuais palavras de Harry Belafonte no final a considerado um criador.
Joan Fontaine: "Se eu me casasse com você, meu povo me chamaria de trai- A moderna comédia americana será considerada de 1930 em diante, época
dor", ao passo que justifica a utilização da mulher como apenas peça sexual de na qual o americano se reabilitou da crise de 1929 sob o neoliberalismo de

Glauber refere-se ao romance homônimo Island in the Sun 11955). [N.E.I 14 Crime e castigo, trad. de Paulo Bezerra (São Paulo Editora 34. 1a. ed .. 2001 l. IN.E.]

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Roosevelt e cultivou o bom gosto já deteriorado mas resistente. E nessa épo- David Niven. June Allyson, Martha Hver e todos os outros personagens se
ca, Frank Capra foi a estrela. conduzem com segurança.
Após realizar excelente filmografia, Capra desapareceu, punido pela sátira
que fez dos Estados Unidos. E então uma onda de mau gosto cômico, de sub-
humor, tipo comédias Jerry Lewis, Bob Hope e de outros palhaços sofisticados PREGAÇÃO DA VIOL~NCIA
na tradição dos Marx Brothers & Cia. assaltaram as telas.
Morrera, definitivamente, a comédia americana desmistificada pela veia A estética da brutalidade, temperada com a fábula do "Herói" vencendo o "Ho-
subversiva de Capra. A palhaçada de Ho\lywood exprime o sadismo capitalista mem Mau", tornou-se a preocupação dos produtores norte-americanos no
(o Gordo, Oliver Hardy) e o masoquismo proletário (o Magro, Stan Laurel). Cômi- após-guerra. Com o advento da televisão e o surto de filmes neo-realistas. o
co é o sistema que se diverte na tragédia. Trágico é o espetáculo de violências terror se apossou de Hollywood. Os grandes mercados recebiam bem a produ-
sublimadas pelos Patetas [The Three Stooges: Moe Howard, Curly Howard e ção italiana, pois eram afinidades da raça latina que se encontravam. Por outro
Larry Fine) que torturam ao ritmo do jazz. lado, o mercado interno sofria concorrência da televisão e ameaçava claudicar.
Com My Man Godfrey (O galante vagabundo, 19571. do veterano e irregular Com a crise de 1929, Hollywood sofrerá uma desaceleração. Mas sob o
Henry Koster, as lições e as características do cinema de Frank Capra voltam, espírito do New Oaal, a solução foi alcançada com filmes que incentivavam
para satisfação de quantos procuravam em cada comédia anunciada alguma o trabalho, pregavam o respeito e a solidariedade humanas na tentativa de va-
coisa daquela mútua tragédia e felicidade que marchavam, conjugadas e co- lorizar o neocapitalismo. Era uma necessidade e foi golpe duplo: mostrava ao
municativas, nos velhos filmes do siciliano: O galante vagabundo retoma essa público americano sua ilusória realidade e atraía milhões de pessoas às salas de
linha com categoria. exibição. Com a superação da crise econômica e o conseqüente relaxamento
Fluida, vivaz. alegre e caracterizada nos mínimos detalhes, a direção de na qualidade dos filmes, a produção em massa iniciou sua escalada. Surgiram
Henry Koster narra a história de rica família americana à beira da bancarrota, as padronizações. A sociedade americana se expôs como Paraíso. O bem e o
que, pela "loucurtnl-a" de uma das filhas, contrata um vagabundo para ser mal foram separados, o Herói sempre vencia o bandido e beijava a mocinha.
copeiro. Com a Segunda Guerra, Hollywood sofreu outro choque. Além da crise
David Niven, vagabundo encontrado no cais por lrene (June Allyson), serve econômica, havia a concorrência. Casando a necessidade de uma fórmula que
nessa casa de high eocietv, onde todos são aparentemente loucos pela excen- agradasse o público com a precisão de propaganda, a imaginação do arqu-
tricidade que cultivam, originada dos ócios, do "não ter o que fazer" que as mentista norte-americano engendrou o esquema tríplice de violência, sexo
fortunas provocam. E Godfrey, o plebeu (mas que deixa antever nos mínimos disfarçado e herói super-homem. Puseram as câmeras em ação iniciando a
gestos a classe de decadente aristocrata austríaco) envolvido naquele ambien- imposição dos ditames traçados por Wall Street.
te, onde cada um sofre de tédio, de amargura, de preguiça, de maldade e de O Herói do cinema americano geralmente aparece como fusão de virtu-
incompreensão, não perde a linha apesar da profissão humilde e termina por des acalentadas pelo dólar: alto, forte, bonito, inteligente, honesto e violento,
ensinar a todos o caminho de novo diálogo com a vida. representa o padrão ideal do macho americano. Sua condição social, nunca
Sem nunca ser humilhado, Godfrey a única vez que sente sua dignidade rigidamente situada, é a de homem estabelecido, contente da grandeza de sua
ofendida reage com uma lição: classifica a irmã de lrene, CordElia, como "ra- gente e de seu país, que não tem outro ideal senão o de conquistar a mulher
posa mimada de Park Avenue". E nessa frase, o filme se arma pela única vez amada e de se insurgir contra aqueles que se insinuam combatendo a ordem
como crítica. e o regime vigente.. O rebelde não interessa, porque é um criminoso, e deve
O resto, o satírico, mas ao mesmo tempo analítico e compreensível de ser punido. E quando a lei não o pune na cadeira elétrica ou na forca, o Herói o
como os personagens do grand monde são vazios e frustrados, é o que cons- castiga a soco, à bala, e o linchamento parece uma justiça natural.
trói a habilidade de Henry Koster. O "Herói" é um homem de poucas palavras, só age no momento oportuno.

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Não hesita em matar o rival no amor nem pensa perdoar o criminoso. Pregado
como o macho do século XX, reflete consciência de matéria plástica. É o prín-
cipe encantado das mocinhas, guia espiritual e físico dos rapazes. Resultado
quase sempre proveniente desta submissão às más influências desse tipo de
cinema são prostituição prematura e juventude transviada, clamorosa realida-
de do após-guerra.
A vida copia Hollywood e a violência inspira o cinema. Os mitos do sadismo
à mulher amada, da delação em favor do regime, da bofetada como solução e
da honestidade valorizada pelo conformismo e concessão são personificados
nos tipos de Marlon Brando, Rock Hudson, John Derek, Richard Egan e outros
fabricados pela máquina de J P Morgan e Rockfeller.
Tem Hollywood o objetivo de atingir o coração do grande público e lhe
conquistar simpatia e preferência. Partindo do pressuposto de que o homem
de classe média quando entra no cinema procura uma fuga e não espelho da
realidade, os produtores capricham nos clichês de entorpecimento e retiram o
público do social para o alienante fantástico. Lee Marvin
A usina de sonhos produz esperança infantil e insufla a consciência de guerra. e Gloria
Grahame em
Há subestimação da solidariedade humana e simpatia exagerada pela mo-
Os corruptos
ral ensinada. {1953}
O cinema deixa sua função cultural e assume o papel deseducador.
O público elegeu seus "Heróis" e não cede lugar ao aparecimento de outros.
Daí a frustração do herói neo-realista cheio de pecados e debilidades, que A apologia ao revólver, ao soco, ao massacre e à perseguição, reaparecida
não serviu para propagandista do capitalismo derrotado. A estrutura do herói em grande escala com Os corruptos, de Fritz Lang, ganha atualmente uma pre-
americano era outra. ferência absoluta do público e dos diretores, sofrendo absurdas variações.
Vencera a guerra e era forte. Não só no plano do tema e da mensagem, como também no aspecto artís-
O italiano perdera. tico, a violência prejudica o cinema e liquida diretores.
O público, infelizmente, não vê e não sente as causas da influência. A escola de Kazan inspira adeptos que marcham à volúpia das metralhado-
É O fanatismo coletivo que submete parte do mundo aos Estados Unidos. ras e da sirene.
Com o aparecimento do cinemascópio o filme violento adquiriu um requin- A estandartização é o diagnóstico da crise.
te de técnica que acentua a falsidade e sentido de provocação. O filme americano transforma-se num panfleto mentiroso e terrorista.
Hollywood perdeu a "forma" e adquiriu a "fórmula". Uma nova geração de O diretor que ousa gritar novas realidades tem sobre si a sombra do macar-
cineastas composta principalmente de Nicholas Ray, Robert Aldrich e Richard thisrno e as punições do Código de Censura.
Brooks, mestres de técnica e pretensos renovadores, negou a violência psico- Quando, após a guerra, um grupo tentou a liberdade, vieram os expurgos
lógica de John Ford. William Wyler e John Huston, e marchou para a violência dos quais era a figura principal o gênio revolucionário de Chaplin.
excitante, provocadora de delírios nas multidões. Seguiu de perto a sofistica- Foram banidos Farley Granger, Robert Siodmak, Abraham Polonsky, o críti-
ção de Elia Kazan e cria, com enorme sucesso, filmes como Juventude trans- co John Howard Lawson, Jules Dassin e outros.
viada, A morte num beijo e Sementes da violência. Cinco Filmes Representativos da Moderna Violência do Cinema Americano:

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The 8;g Heat [Os corruptos, 19531, de Fritz Lang, com Glenn Ford e Lee Marvin; de um lado a violência organizada e lícita da polícia; do outro, a violência deso-
Blackboard Jungle \Semenles da violência, 1955]. de Richard Brooks, com rientada de homens segregados do mundo, procurando não a liberdade, mas a
Glenn Ford e Louis Calhem; melhoria para suas posições de prisioneiros desrespeitados na carne e n'alrna.
Bad Day et Black Rock [Conspiração do silêncio, 19541 de John Sturges,
com Spencer Tracy e Robert Ryan;
Kiss me Deadly [A morte num beijo, 1955]. de Robert Aldrich, com Ralph JAMES DEAN - O ANJO E O MITO
Mecker;
Rebel wttnout a Cause [Juventude trensvieoe, 1955] de Nicholas Ray, com James Dean, jovem anjo colorido em celulóide e mal, adolescente em velo-
James Dean e Sal Mineo. cidade além de macho fantasiado pelo desespero mecânico, liberta, com a
morte, os meninos terríveis sem flores, sóis e ritmos.
Quando os mitos assumem tais proporções é preciso romper os limites
REBELIÃO NO PRESíDIO de quantos desabrochados ainda existam para liquidar a forma e a fórmula em
gestos de espasmo e dor.
Quando em Hollywood, centro industrial do cinema e principal elemento da James Dean satura a tradição do mito e invade o espaço dos desejos.
propaganda imperialista, um filme como Riot in Cell Block 11 [Rebehâo no Anjo rebelde contendo o demônio insatisfeito e atormentado por uma con-
oreeidto. 1954] é realizado, vem sempre a impressão de que, mesmo com a dição de Édipo inconsciente - a jovem mãe que o embalou e que sumiu ligei-
sabotagem e o desrespeito à condição humana, ainda existem homens com ro de sua infância - Dean rompia o asfalto e desdobrava as curvas da estrada
vontade de descer às deficiências e anormalidades da sociedade dos Estados buscando um sentido de vida em cada movimento de guiar.
Unidos para mostrar que nem tudo é cinemascópio colorido, com flores, maté- Porque seus olhos eram fracos, o espírito alcançava uma meta e o carro de
ria plástica, coca-cola, beijos e rock-and-roll. aço polido, bólide embalando um gênio - substituto em ritmo desequilibrado
O ex-grande produtor Walter Wanger, após afastamento motivado por ten- do berço materno - rompia o vento e libertava o menino daquela angústia
tativa de homicídio contra um suposto amante de sua esposa, Joan Bennett, escapando pelos blusões de couro negro, calças velhas de vaqueiro, cabelos
retoma em condições modestas, sob o ponto de vista industrial, com um filme inconformados de medusa.
de profunda envergadura. Desta vez, Walter Wanger quis afirmar alguma ver- Dean Não roi
Uma Estrela Comum.
dade. Se a mensagem não é clara, vem sugestionada com inteligência pelo É o símbolo de uma geração sem moral a obedecer e recolhida nos refú-
diretor Don Siegel. que trabalhou sobre o argumento de Richard Collins. gios das fórmulas.
Porque possui um tema desenvolvido de forma precisa, marcada e sóbria, Re- Gritou contra o julgamento antes de sentir e por isto amou animais e má-
beliéo no presídio é filme dentre os melhores de Hollywood nestes últimos anos. quinas.
Foi feito "na raça", com atores de segunda, um diretor até então desconhe- Carregava um "mal de viver" e nunca foi surpreendido pela morte.
cido como valoroso, que soube transmitir em imagens bem engendradas e bem Sabia da tragédia e a precipitou a cento e setenta quilômetros de coisas
cortadas, a história de um grupo de prisioneiros perigosos que fazem uma rebe- inexplicáveis.
lião como animais sem possibilidades de serem reabilitados: Dunn, um gangster, "Jarnes como Joyce, Byron como o poeta coxo, Dean como eu ..." -
Coronel. um criminoso ocasional, e Carnie, um débil mental. chefiam o levante. JAMES BYRON DEAN.
Dunn rapidamente assume a condição de líder.
É um revolucionário autêntico; não recua. Irá até o crime.
Assim é o corajoso depoimento de Collins. Quando ameaça matar um guar-
da, diz: "A culpa não é minha; é do Estado". São dois grupos que se batem:

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DAVID LEAN

David Lean, autor de obras inspiradas em Charles Dickens, como Great Expec-
tations [Grandes esperanças, 19461 e Oliver Twist [1948], e de um filme enterne-
cedor, 8rief Encounter [Desencanto, 19451, entre outros trabalhos realizou uma
obra tríplice de humor. lirismo e epopéia com The Sound Barrier [Sem barreira
no céu, 1952]. Hobson's Choice [Papai é do contra, 1954] e Summertime [Quan-
do o coração floresce, 1955].
O lirismo. ao lado da epopéia e do humor, sobrepuja e encobre tudo que é
tocado pelo dedo de Lean. É a nota predominante. o centro nervoso em torno
do qual gravitam personagens variegados.
Em Papai é do contra, comédia britânica do princípio do século, encontra-
mos a nota predominante de humor cínico encoberta pelo formalismo geome-
tricamente planificado. Aí. o homem é exposto pelo seu outro lado, a faceta
do ridículo entremeado de seriedade onde o pueril e o trágico assomam vigo-
rosos e fugazes. É uma obra extraordinária pelo calor humano e fé que depo-
sita mesmo nos imbecis. Comovente, porque narrada com amor, é a história
do humilde sapateiro, bom e dedicado analfabeto que se projeta no mundo
dos negócios pelo braço de uma mulher que o quer forte para melhor o amar.
A conclusão é humildade: o genro termina por dominar os negócios do próprio
sogro, seu ex-patrão, enquanto este, o beberrão Hobson, fica procurando uma
outra escolha como antes ficava procurando a lua que pulava e fugia de poça
em poça zombando dele, velho gordo, engraçado e bêbado.
Compõe Lean. nesta seqüência de humor, não a esquemática mente bri-
tânica, mas universal momento de poética cinematográfica. O gordo Hobson
(criação magistral de Charles Laughton) empanturrado de vinho tenta alcançar
a lua que se projeta placidamente em uma poça de lama. Ouando o velho se
debruça sobre a primeira a lua saltita para outra poça em hábeis movimentos
de câmera. Ouase toda a seqüência é composta de panorâmicas e travellings.
Harmonia de movimentos entre câmera, lua, poça e ator executando co-
reografia até então inédita. A música sublinha, também saltitante, ritmo lunar.
a velho Hobson funga e bufa. A lua, mesmo na lama, é inalcançável. Hobson
desiste, cansado, e os astros voltam a descansar na água suja.
James Oean
Em Ouando o coração floresce pela primeira vez o cinema faz de uma cida-
em Vidas
de personagem viva e brilhante. O lirismo condicionado em sua arquitetura é
amargas de
Elia Kazan captado detalhadamente e composto peça por peça até formar a poética final:
(19551

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a solidão da mulher perdida na transbordante arquitetura. Veneza se dá em do ideal, que primeiramente Rattigan e depois Lean trataram e suspenderam
beleza e a mulher se dá em solidão. com habilidade filosófica e artística excepcionais. um campo de ação, este
O lirismo flora, não a lágrima fácil. não o beijo dramático, não as cançone- concentra-se inteiramente em terreno metafísico.
tas cantadas em surdina que são utilizadas por diretores medíocres. E é para uma coisa "além da matéria" que J R levanta seu telescópio. Ele
O infinito. os jatos supersônicos e a fibra do homem são os temas centrais não quer vencer e ultrapassar a barreira do som. Quer chegar. impulsionado
de Sem barreira no céu. por um ideal que os homens comuns julgam homicida, ao transcendental mis-
Primeiro o infinito, nuvens alvas dos ideais humanos. tério cósmico.
O homem com os olhos e o ser no espaço. Para isso o primeiro passo é vencer a barreira do som, lançar-se em veloci-
A superação do próprio homem em um sistema eterno de desejar e con- dade supersônica e posteriormente além da luz para a conquista definitiva do
quistar para o bem e para a desgraça da humanidade. espaço, do tempo e da eternidade.
Em Terence Rattigan o problema axiológico ou ético não existe quando o E então surge a epopéia. Os pilotos heróicos, jovens com a coragem para
"ideal" é o centro nervoso. o sacrifício, embora talvez desconheçam "para quê" estão abrindo este cami-
A única questão de impasse é a sua concretização puramente, do ideal nho. Desafiam o céu e escandalizam a História. Ouando o jato em suas alturas
profundamente em si mesmo, livre e extra-esquemático. "domina" o continente europeu, Lean corta para os monumentos esquecidos
A ousadia dos pilotos é quase um acidente como também o é o jato su- da Grécia ou de Roma.
persônico. As colunas pendidas e os bustos de um mármore solitário quedam, impas-
O que vive e o que interessa é o transcendental no arcabouço dramático, a síveis e mastigados pelos séculos, em primeiros planos magníficos.
essência arrancada do âmago, a conquista da natureza pela inteligência. o ser É preciso interpretar tamanho momento?
ou não-ser honesto do ideal. E então? Mas, sobre a epopéia, mais uma vez cresce o lirismo.
O ideal espontaneamente. por si mesmo, sem necessidades de hierarquias O jato solitário e rápido no espaço alvo e infinito às vezes lembra a mulher
éticas. solitária de Veneza.
Enquanto as pessoas debatem e o acusam, John Ridgefield, o homem Tudo em David Lean é grandioso.
forte do telescópio e do céu (exemplo do Macho Idealista) vive seguro e anti-
humano visto pela filha, visionário visto pelo genro. Temível também o é pelo
filho que morre para "agüentar" a tradição de viris suicidas do ar que já vinha o G~NERO POLICIAL
de outros sacrificados.
JR não vacila. Em dois momentos - quando ouve a voz gravada do genro Tomando impulso nesses últimos cem anos, a literatura policial logo se pro-
em pique para a morte e quando pergunta da "sua" culpa - atinge o patético, pagou, ganhando a preferência do público capitalista, principalmente o mascu-
o super-homem e supera, conseqüentemente, o problema moral. O sacrifício e lino, que logo passou a exigi-la e a prestigiá-Ia. Os personagens da ficção poli-
o amor avolumam e se completam. ciai tornaram-se no espírito do povo pessoas que lutavam, amavam e sofriam
A epopéia finda com a vitória e com a aceitação do ideal absoluto e sem bar- como seres reais. Com o advento do cinema, mais intensivamente do cinema
reiras -como o próprio céu - pelos corações que compreendem as grandezas. sonoro, os produtores anglo-americanos, sabedores da preferência do povo
Revelando, como autêntico cineasta britânico, sua tradição de documenta- por esta faceta de literatura, não hesitaram. Num golpe comercial, levaram à
rista. David Lean atinge o seu momento culminante no cinema, criando o épico tela aventuras dos Sherloques e Charles Chans. reservando o título dos precur-
moderno. Talvez estejamos em perigosa aventura se qualificarmos Sem bar- sores do gênero policial na tela.
reira no céu como uma oi-epopéia. E mais: se chamarmos a epopéia do ideal Hoje o cinema norte-americano goza deste prestígio e continua regular-
como épico-metafísico. Mas se buscarmos no problema e no enaltecimento mente a sua produção de filmes nesse gênero, sendo perfeito conhecedor de

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particularidades no desenvolvimento dos argumentos ou nas características GRAHAM GREENE
da realização.
A projeção dessas películas em todas partes do mundo trouxe para o cine- Graham Greene é figura de vanguarda na moderna novelística européia.
ma ençlo-emericeno vantagens tanto publicitárias como financeiras, superando Ao cinema foram levadas as novelas The Power and the G/ory [O poder
as produções de outros países que não se arriscaram em trilhar este caminho e a gl6nal, The Heart of the Metter la coração da matériaJ, The Fallen Idol
com intuitos de competição. [O idolo caldo, 1948J e lhe lhird Man [O terceiro homem, 19491", os dois últi-
Aparecendo como único cinema europeu a explorar seriamente o gênero mos dirigidos por Carol Reed.
policial, a cinemetoçtetis britânica, apesar de reduzida produção, tem conse- Problemática greeniana: Deus contra o Diabo; arestas: sexo, economia, cri-
guido, embora sofrendo desvantagens comerciais, superar artisticamente as me como dupla provocação de forças da matéria e do espírito, político lutando
realizações americanas. pela liberdade integral do homem até o saber Mal ou Bem.
É no cinema inglês que têm surgido os estilistas do gênero policial segui- Estrutura do romance tradicionalmente dentro das variações, quase sem-
dos por cineastas de outros países. Dentre os mais discutidos dos cineastas pre linha cronológica aprofundada pela introspecção e os espontâneo-lógicos
britânicos distinguimos os nomes de Caro! Reed e Alfred Hitchcock. retrospectos ao passado.
Carol Reed é o homem que conta o poema macabro dos homens da sombra, Nenhum virtuosismo com a língua, parca poesia, linguagem direta, estilo
das vielas escuras, das prostitutas de madrugadas, dos cadáveres de sarjetas. seco, diálogo conduta da intriga, constantes c1ímaces e no fundo a atmosfera
O cenário preferido é a cidade mergulhada em trevas. densa, arnbiência ruinosa, homens em andrajos, lembrança depurada da pai-
Aí ele fixa os mais variados tipos de fora-da-/ei e cria uma composição plás- sagem dostoievskiana.
tica desenvolvendo um movimento de imagens expressionistas. De tal enxutez, ponte armada para a linguagem dinâmica e concreta do
O homem mau de Carol Reed difere do bandido sofisticado de Hollywood. cinema.
Este é apresentado como ser desprezível vencido pela lei, vitória que se traduz A complexidade filosófica, existindo dispersa no fluir (nem tão melódico)
na pregação de moral norte-americana "o crime não compensa", enquanto o ho- sem saltar intencionalidade prejudicial à autonomia da ficção que se conduz no
mem mau de Carol Reed é levado ao crime porque as circunstâncias o impelem. sentido de fazer dessa finalidade literária um instrumento de passagem pelo
Ele sempre luta por uma reabilitação. É tão humano quanto o representan- qual o ensaio chegaria menos árido ao público.
te da lei, sofre por si e pelos outros. Não é apresentado como canalha, é visto Graham Greene não usa a literatura espécie novela como "meio", veículo
como mártir de uma sociedade desequilibrada. de filosofia, por exemplo: Albert Camus e Sartre intensificando mais a velha
Apesar de inglês, foi nos Estados Unidos que Alfred Hitchcock teve sua polêmica entre Filosofia e Arte.
arte desenvolvida e o nome projetado como dos mais competentes diretores O fim de Graham Greene é resolver o problema ficcional, recortar a história
do mundo. Embora abraçando o "gênero policial", Hitchcock difere de Carol contra a estrutura sob o estilo comunicativo e, deste artesanato, injetar ritmo
Reed: enquanto este trata dos problemas acima citados, aquele prefere os à Filosofia.
dramas tensos de mistérios com explosões violentas de sentimentos. A novela sai realizada e Greene não é escritor que aborrece, talvez fican-
A grandeza de Hitchcock reside mais na capacidade de prender o especta- do entre Ernest Hemingway e William Somerset Maugham, como simpático a
dor através de uma técnica bem utilizada em função da trama do que cuidar dos uma releitura que não cansa.
problemas sociais apresentados por Carol Reed, cujos personagens vivem dra-
mas psicológicos habilmente conduzidos para um clima em função do drama.
'I The Powerand the Gtorv (1940). No Brasil, O podere a glória, trad de Mário Quintana (Rio de Ja-
Em Hitchcock os argumentos são escolhidos visando as seqüências de neiro: Globo. 1953). The Hesrt ofthe Matter (1948). No Brasil, O coração da matéria. trad. de Oscar
suspense, principal produto de venda no estilo do monstruoso cineasta. Mendes (São Paulo: Gráfica Editora Brasileira. 1958). The Falfen Ido! (1948); The Third Man {19491.
trad. de Leonel Vallandro (Rio de Janeiro: Globo. 1960). IN.E.]

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Por novelista (romancista) de tamanhos dotes artesanais, Greene encon-
trou em John Ford a versão de O poder e a glória, [The fugítíve, Domínío dos
bárbaros, 1947J, fotografia de Gabriel Figueroa, estrelado por Henry Fonda e
Pedro Armendáriz.
Particular ín Grã-Bretanha, Carol Reed ~ o maior diluidor do expressionismo
alemão no cinema moderno ~ autor de Odd Man Out, aqui O condenado, de
1947 (não sobre o romance de Greene." sendo este dirigido por um cineasta"
de quem não nos recordamos) que, em O terceíro homem, nos deu o melhor
Greene no cinema.
Declaração de Greene contida em Fí/me e Realídade, de Cavalcanti:
"Nunca imponho roteiros meus aos cineastas. Um roteiro meu em mãos de
um diretor provocaria um filme; em mãos de um talentoso de nada valeria,
pois seria tão modificado até perder o que é meu" ~ estas aproximadas
declarações do escritor servem para desmantelar certa ignorantíssima su-
posição de que um filme tenha de ser fiel ao livro original ~ não há maior
prova de desconhecimento de causa: as linguagens são de tal diversidade
que um filme fiel à Montanha mágíca, de Thomas Mann, seria talvez péssi-
mo, ao passo que qualquer fiel a uma novela de quinta classe pode alcançar
rendimento artístico.
Isto porque o cinema não é arte "explicativa" e daí ser escape para todo
verbalismo saturado e sua dinâmica ser peça da teoria poética ~ a palavra
existir coisa substantiva talo fotógrafo cinematográfico: dessa abstração pas-
sar à existência pela sucessão de palavras semelhantes a fotogramas ou pIa-
nos, isto é, montagem criando ad ínfínítum uma arte clara porque pura.
Carol Reed: sua principal filmografia mais conhecida no Brasil: O condena-
do {Odd Man Out, 1947]. O ídolo caído, O terceíro homem eA rua da esperan-
ça [A Kíd for Two rerthinç. 1955J, encontra no primeiro, estrelado por James
Mason, marca inventiva.
Odd Man Out: sua estrutura possui unidade de tempo (um bandido feri-
do foge por uma grande metrópole durante um día); na plástica sofre o traço
principal do estilo reediano ~ iluminação em choque preto-branco intenso;

16 O filme Odd Man Out é baseado na novela homônima (1946) de F L. Green. escritor inglês, tam-
Orson Welles
bém co-roteirista com R, C. Sherriff. IN.E.J
em O terceiro
17 Glauber refere-se ao filme Brighton Rock la pior dos pecados. 1947J,baseado no romance homô-
homem de
nimo (1938) de Graham Greene, também co-rotetnste com Terence Rattigan, e dirigido por John
Carol Reed
Boulting. No Brasil, O condenado, trad. de Leonel Vallandro (Rio de Janeiro: Globo, 1960). IN,E.J
(19491

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predominância de grande cenografia sobre o ator; faciais expressionistas; na conceitual, penetrar na valorização das contribuições exteriores que o cinema
linguagem, grandes planos alternados com primeiríssimos; câmera ligeiramen- recebe de outras artes.
te inclinada; detalhe requintado funcionando no corpo do filme - no ritmo, a O cinema é arte de síntese, segundo os primeiros cineastas. Todavia, mais
estrutura musical, cada seqüência crescendo para clímax. tarde, com a verificação de Eisenstein (O encouraçado Potemkin, 1925. e ou-
Carol Reed não é diretor de choques ou efeitos, é amadurecido, fluente: de tros) e de Carl Dreyer (A paixão de Joana D'Are, 1928), foi possível descobrir,
raro em raro recorre ao corte simbólico, seu corte é sempre direto, vírgula im- sentir, ver o ritmo em cinema como linguagem desde o artesanato matemático
perceptível que obedece à superposição do corte sonoro. Influências de Reed: do cinema soviétyko ao desleixo do neo-reelismo italiano.
o expressionismo alemão; a preocupação da cenografia, a plástica saltante Se o cinema possui expressão independente de outras artes ~ e isto pro-
- George Wilhelm PABST e FRITZ LANG. varia um cinema executado sobre volumes abstratos no espaço e no tempo,
seria errôneo o conceito de cinema como "fotografia" de vários elementos ar-
tísticos conjugados em torno da intriga literária. Por imposições comerciais
DELINQÜÊNCIA JUVENIL - cinema é arte de complexidades - torna-se impossível a pureza.
O cinema cede lugar às outras artes embora se aproxime da realização poé-
Elemento de riqueza conteudística, o tema de jovens sem fé e sem causa iria, tica, arte só percebida quando aparece em lirismo figurado, plástico, interior
por ser novo, prenhe, necessitado de alívio, provocar novas experiências de no filme.
linguagem cinematográfica. Seria mais decorrência no processo de criação O cinema possui uma gramática.
do que ato obrigado a determinar nova forma. É discutível a preponderância do O problema é atingir uma Poética, além da Teoria objeto da Ciência que
tema como determinante da forma; não que esta seja executada de manei- surge: Fi/mo/agia.
ra rígida, conseqüência matemática; os elementos fundamentais nascem do O ritmo da montagem é o Específico Fílmico assim como o símbolo é o
tema em qualidade mais evoluída, em estado de intriga elaborada, história a Específico Poético.
ser contada sobre determinado aspecto. As outras artes são acessórios dispensáveis futuramente quando o conteú-
Daí surgem os recursos formais. do emocional vier absolutizado na imagem.
O cineasta varia o ritmo e a imagem sobre a matéria literária, extraindo a O cinema possui duas expressões fundamentais: a) Ritmo de Imagens;
dimensão autêntica da criação; é onde acaba o romancista, o argumentista, e b) Dinamismo das Artes Sintetizadas.
começa o cineasta, o diretor: a transposição gráfica de uma imagem ou situa- A primeira é o encadeamento dos planos conjugados à interpretação ceno-
ção literária marca o limite entre literatura e cinema. dramática. A segunda é o ritmo interior, o campo permissível às manifestações
Vêm tais considerações a propósito da nova linguagem surgida em Hol- de realismo subjetivo.
Iywood com filmes realizados sobre o tema de juventude transviada. Necessi- Sobre esta se faz sentir, em conjunção com aquela, o estilo do cineasta.
taríamos algumas considerações sobre "características formais" e "linguagem Ritmo exterior e ritmo interior conduzem um filme, criam "arte cinemato-
cinematográfica". Isto se faz indispensável por não entendermos crítica como gráfica", cinestética.
mistério e sim esclarecimento; somos partidários da crítica didática. O se/vagem [The Wi/d One, 1953]. Sementes da violência [B/ackbaard Jun-
Em Hollywood, três gêneros - "Policial", "Western" e "Musical" - ca- g/e, 19551 e Juventude transviada [Rebe/ Withauta Cause, 19551 não se imitam.
racterizam a história do cinema americano. Com a involução destes gêneros O que houve foi constância temática que determinou situações semelhan-
por vários motivos, surgiu um sentido de pesquisa, despertando, embora não tes: o jovem inadaptado, a violência e a representação plástica nas figuras
organizadas, ambições em alguns jovens cineastas. Um filme se qualifica de Marlon Brando e James Dean, que surgia como característica do gênero
pelo tema e forma. A conceituação de forma em cinema implica de elemen- brotando em busca de definição. Assim como o vaqueiro no filme de cowboy
tos mecânicos a concepções estéticas. Necessitamos, para maior largueza obedece à disciplina na sua representação plástica: o colete de couro, o lenço

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no pescoço, o chapéu grande, o revólver na cintura etc., o jovem transviado o selvagem se coloca em importante situação histórica. Não encerra so-
aparece com seus detalhes que o diferem dos jovens comuns, cabelo revolto, mente a primeira tendência para o "realismo coreográfico", um caráter de lin-
costeleta, calça blue jeans, blusão de couro etc. guagem, de ritmo; abre perspectiva do tema, explora-o com coragem nova, ex-
A par da constância temática surgiu, mais importante ainda para o ritmo trai-lhe galeria humana das mais complexas, onde se destacam, agindo como
cinematográfico, uma característica formal que, pelos três filmes, obedeceu ornamento da tragédia, os símbolos da motocicleta, ou do blusão de couro
a variações. negro trazendo nas costas as inscrições e as categorias de jovens avançando
Falamos do que o crítico mineiro Cyro Siqueira chamou de "realismo coreo- contra a natureza, dispostos à desordem apenas pelo que de gratuito a situa-
qráfico"." ção poderá prometer. Além disso, a simbologia sonora que Laszlo Benedek re-
No western, fundado por John Ford, dominou o ritmo lento, marcado, reve- alizou com o ruído das motocicletas e a gíria dos rapazes entrecortados pelos
lador da nostalgia e da paisagem inexplorada do oeste. As caravanas marcha- gritos e pelo bebop que mais tarde Richard Brooks em Sementes da violência
vam pelas pradarias em grandes planos acompanhados pela música triste: as- evoluiria para o rock-and-roll, som do estado de espírito da juventude focaliza-
sim o cavaleiro vinha ou ia indeciso, sem caminho certo, levando seu drama. da do qual Nicholas Ray desistiria em Juventude transviada, substituindo-o por
O ritmo só agitava quando uma situação exigia: lutas, tiroteios etc. A len- outro de conteúdo trágico.
tidão predominava e se remontarmos a um filme mais novo, Shane [Os brutos Destes símbolos, somente o blusão será conservado nos dois filmes se-
também amam, 1953], de George Stevens, verificamos a atmosfera pausada guintes: também Brooks e Ray prescindiram das motocicletas. O blusão, que,
do campo e da cidadezinha em fusões repetidas que pontuam até a saturação. estando presente, passa discreto em Sementes da violência, adquire em Ju-
No moderno filme de juventude delinqüente o ritmo obedece a uma varia- ventude transviada caráter além do formal. assim como o revólver o seria no
ção oposta ao ritmo western. É agitado em função do temperamento desespe- filme de western. Aqui o blusão alcança um plano místico, surge como símbolo
rado de mocidade rebelde e violenta. Tanto na planificação quanto na luz, som, vital da tragédia.
movimentação de atores, procede-se uma agonia. Laszlo Benedek, diretor de Death of a Salesman [A morte do caixeiro viejen-
Das panorâmicas lentas do western, temos agora cortes rápidos, nervosos, te. 19511. de Arthur Miller. e do péssimo Bengal Bngade [Rifles para Bengala.
travellings velozes e os atores obedecem ao ballet, dançam mais que andam ou 1954], desenvolveu a linguagem cinematográfica de Holiywood. O que víamos
correm. Há entrosamento de câmera e elementos interiores. Um novo ritmo es- até então, mesmo em filmes de outros gêneros, era a especulação de ordem
tilizado sob o domínio do rock-and-roll, música funcional à irreverência juvenil. temática e isto denunciava pobreza - de variações na intriga, de nuances que
Tomemos O selvagem, de Laszlo Benedek e John Paxton, produzido por adquiriam rasgos de originalidade.
Stanley Kramer. O plano inicial das motocicletas avançando denota violência Um acréscimo de personagens, de situações, ou mesmo o lançamento de
organizada: a moto é o símbolo de união e de velocidade. um novo "estilo" de interpretação (vide atores lançados por Elia Kazan) enco-
Deste avanço em linha reta, as motocicletas evoluem para todo lado e briam a saturação em que se encontravam os principais diretores americanos.
agem de acordo com a situação psicológica dos personagens. Na seqüência Os recursos usados eram trazidos de literatura e teatro. O ritmo e o sistema
da perseguição à moça, evoluem em círculo, o terror se acerca feérico em tor- narrativo continuavam estáticos no que de melhor haviam atingido. Uma prefe-
no da moça que gira, "bailando", ao ronco dos motores. rência pelo teatro filmado, ou melhor, "cinernatoqrafado". começou a encobrir
Em O selvagem temos o lançamento dos primeiros símbolos que viriam, o cruciante caminho atingido. Tivemos então, entre outros, Uma rua chamada
mais tarde, servir como bases formais do gênero juventude delinqüente deste pecado [A Streetcar Named Desire, 1951 J, de Elia Kazan, A cruz de minha vida
pós-guerra da Coréia. (Come Beck, Little Snebs, 19531 de Daniel Mann. Chaga de fogo. de William
Wyler, e A morte do caixeiro viajante, de Laszlo Benedek.
Benedek arrebenta com limitações teatrais, introduzindo um campo de
18 "Hollywood e o cinema da violência", Revista de Cinema, Belo Horizonte, n. 21, fev. - mar. 1956. IN.E.] fundo no qual os teatrais diálogos narrativos são substituídos por imagens.

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Lee Marvin
e Mar lon
Brando em
o selvagem
de Laszlo
Benedek
(19531
Conseguiu sacrificar a interpretação - recurso teatral - em benefício da ex-
pressão por imagens. Bastaria relembrar Vivien Leigh e Marlon Brando em Uma
rua chamada pecado e Shirley Booth em A cruz de minha vida para se consta-
tar a intenção dos diretores em apoiar o drama do ator. Se enumerássemos os
grandes clássicos americanos após 45 e antes, veríamos que o aparecimento
deste filme cresce muito além de sua "qualidade precursora do filme de juven-
tude transviada", atinge uma posição de marco cinestético.
Não é o ritmo vibrante, a tendência para o coreográfico, que enriquece
O selvagem. Este "realismo feérico" arrebentou a morosidade, a repetição das
composições e agitações internas. Lidando com novo material humano, dife-
rente do gangster, diferente do cowboy, diferente do pacato cidadão de classe
média, o adolescente rebelde, sem causa, violento, Benedek extraiu dessa rea-
lidade seu ritmo e o transferiu para o cinema em revolucionária conceoçáo do
neo-realismo nascente da Itália. Vic Morrow,
Sidney Poitie
E se no neo-realismo a intenção primeira básica seria apenas transpor a
e Glenn Ford
realidade - surgindo daí o desleixo formal que viria determinar o decantado
em Semente
"antitorrnalisrno" do cinema italiano - em Lesz!o Benedek - um homem e da violência I
não um movimento - existiu a interpretação estética da realidade que fez Richard Broo
do "realismo coreográfico" uma corrente bem seguida por Richard Brooks e (19551
Nicholas Ray e que poderá, pela perspectiva que abriu, provocar conquistas
mais ousadas. a monotonia dos paletós, vestindo o rebelde qual anjo inesperado. E a cor
Sementes da violência, argumento e direção de Richard Brooks, não man- do blusão, negro ou vermelho, é afirmação e protesto porque escandaliza os
teria o mesmo nível artístico de O selvagem. Não se considerando a falsidade paletós ou camisas cinzas, cor discreta do homem americano (como Nunnally
conteudística de Blackboard Jungle, ainda encontraríamos, no plano da ação, Johnson quis provar em The Man in the Gray Flannel Suit [O homem de terno
uma linguagem pretensiosa que náo aproveitava integralmente as lições de cinzento, 1956]. cor do homem comum do escritório cotidiano.
Benedek. Também as meias não são uniformes: variam, é um requinte, atitude ne-
Nicholas Ray realiza poeticamente a intenção de Laszlo Benedek. cessária, pois o objeto é o escândalo. Nas cores e na pura violência, necessá-
Em Juventude transviada, os personagens não andam em passe de bal- ria, autêntica, poemática.
let mas bailam conduzidos por uma música que não é bem bop nerr rock: é Três seqüências em Juventude transviada avultam como espasmos coreo-
obediente a variações psicologicamente funcionais. Além desta consumação gráficos: a luta de faca entre Buzz e Jamie, a corrida para a morte disputada
rítmica, verifica-se a Poétyka atingida pelo símbolo do blusão que passa do entre os mesmos e a seqüência final da perseguição.
ornamental a participante. Na primeira, bailam lutadores e câmera. A panorâmica é preferida sobre o
A motocicleta cede lugar à faca automática e aos automóveis deses- corte que só é utilizado para marcação emocional. A luta é em giro, pulada em
perados, embora o aproveitamento plástico não possuísse a mesma postura, o compassos, os braços se agitando. A câmera passa de narrador a intérprete.
jeito bélico e imponente impresso por Benedek. O automóvel surge como nova Na segunda, a corrida para a morte, dois automóveis em desespero para
conquista, símbolo mecânico e agente ligado aos jovens sem causa. É símbolo um precipício, a montagem nervosa, montagem de choque e não de encadea-
rítmico intenso como a agitação moderna do blusão que aparece quebrando mento (antinomia Eisenstein-Pudovkin) aparece como intérprete.

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EUA KAZAN

Elia Kazan é cineasta de poder no mecanismo político-econômico do cinema


americano. Produtor independente, conseguiu, a despeito de dificuldades,
conquistar o público, popularizar-se ao nível de um ator, fenômeno raro em
Hollywood.
Os recursos de Kazan são truques; ele possui uma fórmula fácil, embora
prolixa, discursiva, retórica, demagógica. A câmera inclinada pode ser recurso
falho quando não corresponde à estrutura subjetiva do filme. Tomemos uma
seqüência de East ot Eden [Vidas amargas, 1955] na qual a câmera se inclina
quando da conversa "bíblica" entre o pai e os dois filhos sentados à mesa.
Não existe funcionalidade mesmo se alegando a intensidade mística do diá-
logo. Funcional seria o plano médio do pai enquadrado de baixo para cima
(contre-plongée) e do filho, James Dean, de cima para baixo (plongée). o que
Corev Allen e
denunciaria as respectivas condições de superioridade e inferioridade. O pIa-
James Dean
no normal do terceiro personagem. o filho de bondade passiva, transmitiria a
em Juventude
transviada de devída neutralidade.
Nicholas Ray Em outra seqüência do mesmo filme quando a câmera procura, oscilando,
(19551 acompanhar o movimento de um personagem na gangorra, a objetiva deveria,
inclinada. ir e voltar em travellings: a objetiva sobe e desce em contraste de
Na terceira e última perseguidos e perseguidores executam saltos fantás- movimento desarticulando o espectador que deixa escapar sórdida significa-
ticos, descrevem círculos Inesperados. assumem postura estilizada. A monta- ção de intriga.
gem é de encadeamento progressivo, crescendo em dosagem exata de corte Não bastassem as grossuras formais, ainda encontramos problemas de
e movimento interferida por violenta panorâmica da direita para a esquerda ordem conteudlstica. panfletos de negação ao Kazan de antes de Man 0/1 a
revelando um guarda disparando o revólver. Os automóveis da polícia chegam Tightrope [Saltimbancos,1953J. manifesto anticomunista feito de encomenda
organizados, estacionam em disposição estratégica, os policiais saltam rápi- para o Departamento de Estado.
dos, agachados. Não restam dúvidas: verificamos uma nova maneira de ence- Do expurgo de Hollywood (o processo do senador McCarthy) Kazan sobrou
nar, uma mise-en-scene oposta às disposições fáceis e saturadas do cinema. porque se converteu às exigências políticas. E bastaria tal atitude para lançar
Johnny (Brando) de O selvagem é diferente de Jamie (Dean) de Juventude dúvidas sobre sua obra da primeira fase, embora abordasse problemas sociais
transviada. São heróis nascidos do mesmo tema para caminhos diferentes. vigentes e cruciantes. Mudando de orientação, ausente o tema agudo, voltou-
Jovens violentos, amantes das aventuras perigosas, rebeldes sem causa, se, como fuga. para os aspectos negativos da humanidade, fazendo cinema
desorientados, perdídos na sociedade americana de após-guerra, adolescen- de excitação psicológica e social, justificando o homem com o mais cretino
tes niilistas, demônios de roupas coloridas. naturalismo ou com o mais abjeto freudianismo.
Da chamada nova fase de Elia Kazan. a partir do péssimo Saltimbancos,
consideramos Viva Zapata! [1952] seu melhor filme, se bem que nele esteja
visível a marca reacionária.

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Kazan, embora deturpando o sentido primeiro do romance, conseguiu segundo porque age como entorpecente, desvia a sociedade para uma vida de
transmitir, influenciado por Que Viva México.' [1931], de Eisenstein, a paisagem escapismo e aceitação de desequilíbrios. É um realismo maldito, negativo.
mexicana com grande plasticidade. Bastaria a captação da realidade como ela é para que tivéssemos um re-
Mesmo negando o valor da revolução quando pretende provar que os che- trato chocante.
fes se corrompem quando atingem o poder, pôde, sob o ponto de vista cine- Kazan abusa desta realidade com um acréscimo de nuances, faz questão
matográfico, ser mais objetivo, menos intencional, mais vivo. de mostrá-Ia como provocativa galeria de subumanos.
O filme erra pelo que quer dizer, embora sejam más coisas bem ditas. É o O público, chocado. arrebatado. dando fuga aos complexos, aceita maravi-
cineasta forçado a negar o antes pregado, como por exemplo o depoimento lhado as excitações sobre ele impostas. Concebe e adere a uma falsa estética.
anti-racista de Gentleman's Agreement [A luz é para todos, 1948] e Pinky [O que Endeusa Kazan como gênio e o homem, inteligente que é, faz do engano um
a carne herda, 1949J. caminho de propaganda da pseudo-estética da Guerra Fria, quando o imperia-
O Kazan desta primeira fase elege os problemas sociais norte-americanos lismo tenta se apossar do mundo. Qual a mensagem encerrada em sua obra?
como elemento de inspiração e sobre eles realiza aquele cinema que, foto- Em Sindicato de ladrões Kazan pretende provar que os sindicatos norte-
grafando a realidade, transpõe as angústias do povo. Aí o encontramos coeso americanos funcionam mais como opressores do que defensores do operário.
porque humano e preso do realismo. Era um tradutor que enriquecia a miséria Mostra um "gangsterísmo" intelectualizado, suspeito organismo político de ex-
com mensagem de fraternidade. Nunca o pieguísmo "moral" ou demagógico: ploração. Um padre funciona como salvador, pregando que a solução está na
sempre a sinceridade e firmeza de convicções. Igreja, in the church, e não na luta coletiva ou na apelação revolucionária.
Sabemos das coerções culturais, do fantasma macarthista. Mas um ho- É visível a intenção de chocar na música forte e técnica, marcada de efei-
mem sério, teria sacrificado as vantagens de Hollywood pela honestidade e co- tos, na fotografia em contraste de luz e sombra, sobretudo na interpretação
erência aos princípios debatidos e firmados. Assim procederam vários outros estilizada de Marlon Brando e do elenco.
acusados de "comunistas". A poesia ou a tragédia que muita gente julgou descobrir em Sindicato de
Agora temos um cinema carregado de excrescências, de inovações, de ladrões denota facilidades de aceitação quando a obra de arte carrega másca-
choques, de excitações sexuais. Kazan, como homem, não de contrastes, mas ra carnavalesca, uma série de requintes superficiais que esconde a fragilidade
de desonestidades, de situação e de oposição em quantas variações forem da base.
permitidas. O processo kazaniano é justamente o de lançar sexo e violência como en-
O Kazan de hoje é um comerciante que passa por artista. Sabe, inteligente torpecentes.
que é, selecionar aspectos humanos que mais atraem o público, principalmen- Neste filme, mais do que nunca está presente a falsa realidade social, o
te o de classe média, sufocado com os desesperos de todo dia. Quem vai ao crime de se utilizar o drama do operário para uma especulação comercial.
cinema, à exceção de uma minoria intelectualizada, entra na sala procurando O roteirista Budd Schulberg "roubou" a história original de Arthur Miller
uma fuga de transferências psicológicas etc. Sabe-se do poder sugestivo da que versava sobre o problema do estivador nova-iorquino, revelando todo o
imagem cinematográfica, do muito que repercute na fantasia. Daí a utilização desequilíbrio existente. Schulberg torceu os fatos; mostrou o estivador não
do cinema como veículo de propaganda. Entre as sensações mais requeridas, sob pressão capitalista, mas escravo de uma gang, de "pseudo-forças políticas
sexo e violência têm preponderância especial, pois traduzem atitudes fortemen- em luta pelo povo"; de "uma tirania derrotada em uma democracia", conforme
te reprimidas. A procura destas manifestações em cinema, novela telerradiofô- os letreiros iniciais do filme.
nlca. música popular, romance e teatro despertou nos produtores a fabricação Kazan convenceu o público mas duvidamos que a classe operária estaduni-
em massa de pornografia como mercadoria. Desnecessário constatar quanta dense tenha aceitado a infâmia.
mediocridade é realizada. Elia Kazan, em um plano, requintadíssimo, resolveu Os atores James Dean. Julie Harris. Marlon Brando, Karl Malden. Rod Stei-
eleger temas e sobre eles executar seus filmes porque é uma fonte de renda e ger e outros intérpretes saídos do Actor's Studio, escola de atores dirigida por

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Kazan, aparecem perante a crítica e o público como portadores de novo estilo ter se recuperado. Voltou a ser amigo de seu principal desafeto, Arthur Miller.
dramático. O romance chama-se Ttie Arrençemem?" E o próprio Kazan explica:
A nova técnica de representação imposta por Kazan visa utilizar o ator - A América do Norte é a terra do jeito. Tudo se ajeitou ou se ajeita.
como agente de excitação, atraindo sobre si e não sobre o personagem a aten- Cinismo do diretor grego-americano? Ceticismo? Sinceridade?
ção pública. Criaram-se as "vedetes", das quais Marlon Brando surge como a Em Paris, 1968, seu biógrafo francês que não hesita em criticá-lo me tele-
maior. O Ator aí é sempre o Ator, por quantos filmes passe. Não muda porque fona para dizer que Kazan tinha acabado de ver Deus e o diabo na terra do sol
é padronizado. São recursos e negações da arte dramática; não criam; são (1963) e queria me conhecer. Tomei um susto, confesso que fiquei nervoso.
bonecos nas mãos do produtor-diretor. Marquei com Roger Tailleur num bar.
Vejamos uma seqüência de Uma rua chamada pecado: Estela (Kim Hunter) Kazan é baixo, tem cabeça branca, é muito simples de gestos, deselegan-
briga com o marido Kowatski (Brando) e desce as escadas correndo para casa te, e não é homossexual. como me disseram. Parece um mascate grego ou
de uma amiga. Kowalski histericamente, ao invés de chamá-Ia, grita apenas gerente de hotel. O sorriso é amargo e generoso. Eu estava com minha mulher
para maior efeito e choque: "Esteta!". E Marlon Brando urra, chora, geme até e Kazan foi muito gentil:
a exaustão. No mesmo tipo, Kowalski é exageradamente sórdido, bruto, sujo - Também sou casado, tenho seis filhos.
moral e fisicamente. Um animal em contínuo sexo. Naturalismo de segunda Kazan estava muito interessado no cinema brasileiro, fez elogios a Othon
classe disfarçado em realismo moderno. Bastos e aos outros atores, perguntou sobre a nossa situação política. Depois
que lhe respondi, bateu a mão na mesa, sem força, mas um tanto desesperado:
- O imperialismo, o colonialismo ... Sempre a mesma coisa.
ENCONTRO COM O DIABO Kazan me olhava como se eu o recriminasse. Tem um olhar de homem acua-
do, cuja glória não pode impedir que qualquer um, na rua ou no táxi, no restau-
Sempre tive antipatia por Elia Kazan. Não gostava de seus filmes na época em rante ou na igreja, grite furioso: "Dedo-duro!". Kazan teme o xingamento.
que lançava Marlon Brando e fazia sucesso. Como critico ataquei Sindicato de Há um silêncio. Lembro-me que vendo Viva Zapata! pela segunda vez, em
ladrões, Vídasamargas, VivaZapata!, Uma rua chamada pecado etc. Kazan tem companhia de Paulo Francis. mudara de idéia sobre o filme, realmente atacado
uma maldição sobre si: é um famoso dedo-duro. Na juventude era comunista com arbitrariedade pela crítica de esquerda. Reinicio o papo:
e fazia parte de grupos radicais de Hollywood. Na época dos processos Mac- - Gostei muito de Víva Zapata!.
Carthy, quando se investiu contra os intelectuais americanos usando para isto - A primeira parte é interessante - responde - mas o resto é muito fal-
todas as armas de delação e perseguição, Kazan foi dos que denunciou. so. É a visão de Hollywood ...
Roger Tai!leur, no melhor trabalho crítico-biográfico que existe em livro so- - Vi recentemente Ameríca, America lA terra do sonho distente, 19631
bre Kazan." diz que o emigrante grego assim agiu premido por problema de - arrisco.
consciência: achava que "sendo americano" não estava traindo os companhei- - É o meu melhorfilme, mas foi impiedosa mente cortado pelos distribuido-
ros que conspiravam para entregar os Estados Unidos à Rússia. Depois da de- res. Diga-me uma coisa: você exibiu seu filme num cinema de primeira no Rio?
núncia, examina Roger Tailleur, Kazan caiu em desgraça nos meios artísticos e Revelo a Kazan que os filmes brasileiros são exibidos para cumprir decreto
foi acometido por grandes remorsos. O tempo passou. Kazan penou, ofendido de obrigatoriedade, e, por isto mesmo, saem em cinemas de primeira. Obser-
abertamente durante anos pela imprensa de esquerda, não foi compreendido vo o brilho inquieto no olho do homem. Como Fritz Lang é um tigre ferido, Elia
pela imprensa de direita, tombou na terra de ninguém. Hoje, através de um Kazan é uma cobra acuada. Neste momento está lívido, parece não ter alma
romance autobiográfico onde revela suas virtudes e podridões, Kazan parece

19 E/ia Kazan (Paris: Seghers, 1966J.IN,E.) 10 The Arrangement (Nova York Stein & Day, 1967). IN,E,)

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nem caráter. Sorri para minha mulher e pede uma caneta. Escreve seu endere- Stanislavski, de forma geral, é um método válido para outros teatros. Mas o
ço e telefone em Nova Iorque: método do Actor's Studio, que é uma adaptação de Stanislavski, é nitidamente
- Quando vier a Nova Iorque, please, me procure. americano.
Subitamente acaba a antipatia. Kazan é muito mais atormentado que a Kazan dá a impressão de não se interessar muito pelo que fala. É como se
maioria dos artistas que conheci. É um homem à margem do mundo, em guer- o senador McCarthy e Stanislavski fossem fantasmas do passado. O criador de
ra feroz com a sua consciência, um desgarrado sem paz de espírito. Muda de James Dean e Marlon Brando não tem nenhum orgulho dos monstros sagra-
lugar duas ou três vezes. E o teatro? Kazan sorri: dos que criou. Sobre Warren Beatty, Kazan brinca:
- Chega de neuróticos, de narcisos, de homossexuais. Chega de Tennes- - Não tem vida interior e faz um gesto que sugere um boneco abestalhado.
see Williams, de incestos, de luzes da Broadway. Agora comprei uma casa Roger Tallleur. que até hoje não sabe se Kazan leu o magnífico livro que
longe de Nova Iorque. Tenho um grande jardim e meus filhos. Escrevo e meu escreveu sobre ele, mostra ao cineasta um estudo crítico do francês Gérard
romance é o principal best-seller no momento. Os atores de teatro, você sabe, Guégan sobre sua obra.
são figuras complicadas, crianças vítimas de um complexo de abandono. Que- O crítico fabricou uma equação kazaniana onde se vê uma circunferência e
rem sucesso e carinho permanente, querem adorar a própria imagem. Quando retângulos, setas e frações. Kazan não sabe francês e pede a Tailleur para deci-
Marlon Brando surgiu era um jovem rico de espírito e quase selvagem. Hoje é frar. A equação quer dizer que existem dois homens em Elia Kazan. Um antes,
um sofisticado pobre de espírito. Não tinha a menor grandeza para agüentar outro depois do ato de traição. Tailleur se embaraça quando chega a uma frase
o sucesso que teve. É orgulhoso, vaidoso, sem respeito pelo ser humano. No onde Guégan escreve que Kazan é un lâche (covarde), e traduz rapidamente
fundo é um frustrado. por lawyer (advogado).
- O cinema americano - Kazan continua - é um cinema sem persona- Kazan percebe o equívoco, toma delicadamente a crítica das mãos de Tail-
lidade. Você tome Billy Wilder, por exemplo. Todos dizem que ele é pessoal, leur, dobra o papel e limpa a bunda.
que é um autor. É um covarde. Debocha de todo mundo mas nunca teve co- Não há mais o que falar. Os comentários ficam espaçados. Kazan olha o
ragem de debochar dele mesmo. Contou a história íntima de todos os perso- relógio e toma um táxi. Voltará a Nova Iorque no dia seguinte. Depois de co-
nagens, mas nunca mostrou a sua história íntima. É um pequeno-burguês, co- nhecê-lo fico com vontade de rever seus filmes.
merciante de sentimentos alheios. Alfred Hitchcock é outro blefe, produto da Evidentemente interessado no Brasil, Kazan encontra Jofre Rodrigues em
técnica e do comércio. Assina programas de TV que não faz, assina novelas Nova Iorque e manifesta vontade de filmar o Anjo negro de Nelson Rodrigues.
que não escreve, nunca disse o que pensava da vida e do mundo. Aliás, Alfred
Hitchcock só se interessa pelo que o mundo pensa dele, nunca se preparou
para pensar sobre o mundo. John Huston tinha talento, mas foi destruído pela o FILHO NATIVO
boêmia. Eu nunca morei em Hollywood e só pretendo fazer mais um filme em
minha vida: a adaptação de meu romance. Por falar nisto, conhece alguma Esta história de Renascimento em Hollywood não passa de lenda propalada
jovem atriz americana? pela imprensa comprometida e isso provamos com a exposição dos seguintes
Respondo que não guardo muito bem o rosto de jovens atrizes e Kazan fatos: a) Richard Brooks. diretor de Sementes da violência e de The Catered
sorri. Mestre na arte de dirigir atores americanos dentro de seu próprio con- Aftair [A festa de casamento, 1956} é também diretor do medíocre The Last
texto social. Kazan. reapflcanco as teorias do russo Stanislavski através de um Time I Saw Paris [A última vez que vi Paris, 1954]. o que revela desequilíbrio
filtro do americano Lee Strasberg, popularizou no cinema a famosa técnica de absoluto de tema, de linguagem e de realidade social; b) Laszlo Benedek, di-
representar do Actor's Studio. Mas o próprio Kazan esclarece: retor de O selvagem e de A morte do caixeiro viajante, é responsável por Ben-
- O maneirismo de Actor's Studio tem exclusivamente a ver com o meio gal Brigade [Rifles para Bengala, 1954] pavorosa aventura da brigada inglesa;
social americano, caracterizado por determinada forma de comportamento. c) não existe, assim, e poderíamos citar uma infinidade de exemplos, unidade

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de realização, movimento organizado à maneira do neo-reslismo. A produção
americana é controlada por organismos comerciais e não culturais. Então, em
que lugar se esconde o comentado "renascimento"?
O que existiu no após-guerra foi liquidado pelo trust e pelo macarthismo: a
geração Stanley Kramer e a tentativa de neo-reelismo, da qual tivemos filmes
como Street With No Name [Rua sem nome, 1948J, de William Keighley, Naked
City [Cidade nua, de 1948] e Thieve's Highway {Mercado de ladrões, 1949\. de
Jules Dassin etc., na qual os nomes deste e de Robert Siodmak se projetaram
vigorosamente. O que se faz de sério em Hollywood não caracteriza o cinema
americano; representa um grito de esperança. São filmes esporádicos, sem
repercussões comerciais e burlados, muitas vezes, pela crítica.
Exemplo é o filme Native Son [O filho nativo, 1951].
Extraído de uma famosa novela do escritor negro Richard Wrighf!1 e inter-
pretado pelo mesmo (que faz o papel de Bigger), o filme, dirigido pelo fran-
Madeleine
cês Pierre Chenal (que já realizou Le Dernier Tournant/Paixão criminosa, 1939, Canal! e Bebe:
sobre outra novela americana, The Postman always rings Twice, de James Donat em
M. Cain),22 forma entre as maiores obras de denúncia contra o racismo nos Os 39 degraus
Estados Unidos. (19351
Contado em linguagem crua de fotografia-reportagem, o filme mostra um
negro que, movido pelo temor ao linchamento (seu pai fora linchado), mata, perigo e da tensão psicológica era exclusividade de Alfred Hitchcock que, com
acidentalmente, uma branca. The Thirty-Nine Steps [Os 39 degraus, 1935], iniciava, mostrando como a técni-
Homem de noções primárias, desequilibrado social (já fora preso por roubo ca cinematográfica podia funcionar, através do mecanismo de choque, para a
e é empregado através de uma instituição) envolve-se em uma rede de terror valorização da novela policial. Os 39 degraus contava peripécias de um agente
e de sadismo por parte da imprensa e polícia, culminando no assassinato da secreto perseguido por espiões e sabotadores.
noiva e na marcha para a cadeira elétrica. A estrutura narrativa era idêntica àquela dos romances e de outros antece-
dentes filmes de gangster.
Outra diferença que existe é aquela entre o filme de gangster caracteristica-
SUSPENSE: HITCHCOCK E CLOUZOT mente americano e o filme de Hitchcock.
O mestre do suspense não conta histórias de assaltantes. É sempre a his-
o filmede suspense não é o filme policial. tória de um mistério, do crime praticado pelo assassino desconhecido ou da
Foi o francês Henri-Georges Clouzot com Le salaire de la peur [O salário armação psicologicamente violenta em torno de determinado personagem que
do medo, 1953] quem estabeleceu a diferença. Antes, o domínio do medo, do requisita a participação do detetive.
A perspectiva, a espera, o medo da agressão ou do crime atuam como
Glauber refere-se à novela homônima Native Son (1940) No Brasil, Filho nativo (Tragédia de um peças básicas para a construção do suspense.
negro americano), trad. de Monteiro Lobato (São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1941l, [N.E,] Dentro da linguagem cinematográfica, Hitchcock utiliza recursos comuns
The Postman a/ways rings Twice (1934) No Brasil. O destino bate à sua porta, trad de Celso No em planos que, seqüenciados por sua montagem peculiar, atingem o resultado
uue.ra (São Paulo: Companhia das Letras. 1998) [NE.] original que cria o suspense.

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Esses elementos são: grandes primeiros planos de mãos, armas, rostos, OS TEMAS DE DENÚNCIA
pés. Música carregada de sons agudos e inesperados. Panorâmicas lentas e
silenciosas (casa, sala, rua etc.) que sugerem e criam uma atmosfera de sus- Se é dos que primam pelo mais deprimente dos comercialismos, o cinema
pense logo seguida por uma solução antimisteriosa e violenta. Daí surge a americano é, também, o mais importante realizador de filmes de denúncia.
segunda marca do estilo hitchcockiano: o humor. Sweet Smell of Success [A embriaguez do sucesso, 1957], de Alexander
O público que antes sua e sofre esperando a tragédia termina "gozado" Mackendrick, é um exemplo.
pelo diretor que lhe dá a resposta do drama em sorrisos. Os temas da denúncia no cinema, assim como aqueles que estabelecem
Em The Man Who Knew Too Much [O homem que sabia demais, 19561, por o conflito do homem em luta com a natureza (talo excelente La grande strada
exemplo, quando o herói (James Stewart) dirige-se a determinado local com azurra/A grande estrada azul, 1957, de Gillo Pontecorvo). são, dentro de nossa
o fim de encontrar um homem misterioso, a câmera mostra becos vazios en- crença no cinema como elemento de participação social, os mais importantes.
trecortados de close-up do herói e logo depois surge em cena um homem de Significam mais que os temas de tese, os temas sobre o trabalho assalaria-
semblante macabro que atravessa suspeitosa mente a cena. do, os temas psicológicos ou os temas de amor.
Logo, o herói, que julgava (também o público) penetrar num antro de crime, É no cinema americano que residem as melhores disponibilidades para os
chega a uma oficina onde são empalhados animais mortos. O homem suspeito filmes de denúncia. Numa conjuntura industrial que visa fabricar o sonho e
não passa de um bondoso e humilde operário. a ilusão pelo atordoamento do som estereofônico e pelo alumbramento da
Com O salário do medo Clouzot concorreu à tirania de Hitchcock. Nova di- cor cinemascópica soltam amarras nomes rebeldes que organizam vigorosos
mensão do suspense aparecia: a intenção não era brincar com a técnica nem programas de denúncia contra sua própria sociedade e arriscam produções
zombar do público; Hitchcock, enquanto busca o divertissement, terrorista do vazadas nas melhores linguagens estéticas até hoje saídas de Hollywood.
Pentágono, realizando a metáfora da Guerra Fria, encontrou no Clouzot de Le sa- Stanley Kramer, Stanley Kubrick, John Huston, Robert Aldrich e Burt Lancaster
leite de la peur o suspense em outra utilização: não para divertir mas como ex- constituem o principal quinteto de vanguarda dentro do estado contundente
pressão para traduzir a expectativa de tragédia que faz pulsar os personagens. de desrespeito à integridade humana e, quando atacam determinado setor de
O corte, o choque sonoro, sempre presentes em Hitchcock, estavam au- desequilíbrio moral ou social, já investiram, antes, contra o próprio sistema
sentes. Clouzot não buscou os primeiros planos. Sua linguagem permaneceu de inversão mental que preside as ações de Hollywood.
no plano geral, plano médio, primeiro plano, panorâmica, mas a montagem, Talvez por pulsarem dentro da própria desintegração, esses homens têm
lenta, marcada, contida, foi criando, como uma muralha que crescesse meti- conseguido, nos últimos anos, garantir a qualidade estético-temática do cine-
culosamente pedra sobre pedra, o suspense que perdura até o fim, quando o ma americano no cenário internacional: são corajosos ao extremo. progressis-
caminhão vira e o herói, feliz, morre. tas no melhor sentido do não-sectarismo, autênticos denunciadores até o fim,
O suspense de O salário do medo não está na habilidade do artesão Clou- ao contrário dos falsos rebeldes, reacionários de costas largas que formam o
zot e sim na sua atitude fatal. Sabe-se que os caminhões de nitroglicerina ex- grupo delator de Kazan, Richard Brooks, Fred Zinnemann etc.
plodirão de momento para outro e sofre-se com esse saber. Falemos aqui, a propósito de A embriaguez do sucesso, dos temas de de-
Em Hitchcock o "baile" humorístico perdura. núncia e de Burt Lancaster, sócio fundador da produtora Hetch-Hill-Lancaster e
É a outra face do suspense. um dos mais efetivos e eficientes atuantes no cinema de denúncia, nas produ-
ções de um trio excepcional: Marty [1955) e The Bachelor Party [Despedida de
solteiro, 1957], de Delbert Mann, e agora A embriaguez do sucesso.
Os temas de denúncia diferem dos temas de tese: André Cayatte fracassa
porque não denuncia imparcialmente; ele interiere como pregador de moral, "fi-
losofa" no centro do filme e estabelece conclusão pessoal afastada da realidade.

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decência que se liberta - há como que, subitamente, uma nova consciência
do seu poder e o fim da estória cai.
Mas é o fim da estória e jamais do tema.
No final de Um rosto na multidão, o herói se destrói e o fim cai liquidando,
falsamente, estória e tema.

A CASA DOS HOMENS MARCADOS

Incrível como jovens diretores que estréiam prometendo bom futuro decaem
à medida que lhes são facilitados meios de produção. Russell Rouse, diretor
de House of Numbers IA casa dos homens marcados, 1957], está nesse caso:
Tony Curtis estreando bem em lhe lhief [O ladrão silencioso, 19521 e continuando melhor
e Burt ainda em The Fastest Gun Alive [O gatilho relâmpago, 1956], liquidou-se como
Lancaster em
diretor nesse thriller policial.
A embriaguez
do sucesso
O ladrão sitencioso é um filme sem diálogos. Essa experiência, realmente
de Alexander fascinante no cinema sonoro, permitiu ao jovem Rouse aparecer bem. Embora
Mackendrick perdendo a oportunidade de construir um grande filme, onde uma trama com-
(19571 plicada se desenvolvia sem que personagem algum falasse e nada explicasse,
Russell pôde realizar uma pequena peça, contida, bem narrada e com algumas
o tema de denúncia, não: o mal persiste no poder, dentro de esquema de inovações. O principal pecado residia na sua preocupação política em acome-
agressividade por ele utilizado. Quando termina a denúncia, não finda o proble- ter o ladrão de planos secretos do Estado de uma cretina crise de consciência
ma. Em Sweet Smell of Success, J. J. Hunsecker continua porque simboliza o patriótica: o herói prefere a prisão à fuga para o país em cujo regime acredita-
sistema de descidas e subidas na ação cotidiana do mundo capitalista. Ele não va. O ator foi Ray Milland.
é ruim como homem, é uma existência como conseqüência da era da publici- O gatilho relâmpago, com Glenn Ford e Broderick Crawford, foi mais nervo-
dade, onde todos respiram o doce perfume da glória. so, mais criativo, revelava um cineasta inquieto em busca de nova expressão.
Num filme como A embriaguez do sucesso encontra-se melhor resposta Western classe B da Metro, produção modesta, contava uma estória de pis-
ao histerismo conteudístico de Kazan: no final de A Face in the Crowd [Um toleiros. Recursos gastos das tradicionais seqüências de duelo na ruazinha da
rosto na multidão, 1957] o herói é destruído como homem e como poder, pre- vila foram recuperados e sofreram tratamento novo. Já aí, então, era possível
tendendo, com isso, uma destruição do veneno TV, como se ele fosse apenas confiar no talento do diretor-argumentista.
um caso isolado de miséria humana que sujava uma empresa limpa. O cinismo Acreditando num progresso sempre crescente de Russell Rouse, fomos
de Elia Kazan é tão grande que ele mostra, no princípio, o herói como bom assistir ao House of Numbers, certos de que assistiríamos a um grande filme.
homem, sendo "corrompido" sistematicamente pela TV. No fim, desviando o Deveria ser superior aos dois antecedentes. A esperança caiu. Com excelente
corpo do tema abordado, destrói o herói e salva a sua sociedade. Em A em- argumento de sua autoria, Rouse "contou" o filme de maneira mais primária
briaguez do sucesso, JJ perdura poderoso e solitário. Ele não cai. porque o mal possível, a partir da entrada chocante, já chatíssima no cinema americano: na
do colunismo social é a ponte de sucesso do capitalista. penitenciária, entre filas imensas de presos, um guarda é jogado do alto de
Enquanto na seqüência final JJ olha, do alto, a irmã sumindo - símbolo da um dos corredores. Depois inicia-se grosso aborrecimento de um irmão e uma

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cunhada, que planejam retirar o "outro" (irmão e marido) das grades de San todos os movimentos de liberdade que brotem em terras do Norte ou do
Quentin, utilizando um processo engenhoso. Sul, do Leste ou Oeste que fiquem além de suas fronteiras. E, no caso dos
Mais uma vez tivemos a prova de que um bom argumento não sustenta filmes westerns, Hollywood ridiculariza e maltrata os índios pele-vermelhas
filme: o que poderia ser obra-prima resulta fita comum, repleta de chavões e que lavaram com o seu e o sangue dos brancos colonizadores a sua opres-
que não emociona em nenhuma seqüência. são, desejosos, se não de liberdade absoluta, de tratamento condigno às
condições humanas.
Costumeiramente vemos a Revolução Mexicana tratada como se fosse
TARDE DEMAIS PARA ESQUECER brincadeira. E todos os movimentos pró-liberdade dos países sul-americanos
recebem tratamento de circo, onde um palhaço americano, caracterizado por
Numa tarde fria de primavera, o cronista é obrigado a gostar de An Aftair to qualquer Alan Ladd, esmurra e metralha latinos "passionais e nervosos", se-
Remember [Tarde demais para esquecer, 1957]. gundo claro deixam os diretores no final dos respectivos filmes.
O melodrama americano, embora mal feito como cinema, sempre carrega- Sangue sobre a terra ridiculariza os movimentos negros da África, de re-
do de comuns situações sentimentais, possui a fluência colorida que agrada. sistência violenta ao brutal colonizador inglês, sob argumentação de Richard
É a pausa refrescante. Brooks, nome da linha dos reacionários tipo Kazan e Dmytryk. Esses, antes
Cary Grant e Deborah Kerr, velhinhos mais simpáticos sob o make-up, participantes ousados, hoje abordam os grandes temas sociais e políticos sob
amam-se numa doida estória de paixões cruzadas e acidentes do destino. aparente coragem. O resultado é a propaganda da opressão, a defesa da raça
Aliás, o cronista sempre adivinhou desde o início que haveria um acidente. anglo-saxônica contra, principalmente, latinos e negros. Sangue sobre a terra
E esperou bem a hora, havia mesmo marcado o momento em que um carro é um filme perigoso. Depois de defender pontos mínimos da atuação dos
atropelaria Miss Kerr. Mau Mau, Brooks termina por puni-los, desde o mais cruel ao mais justo,
De resto, é o que poderia fazer o genial Leo McCarey para ganhar dinheiro: Kimani Wa Karanja.
uma salada romântica com música melosa no fundo. E o cinema ficou lotado. Os recursos comuns de Hollywood estão presentes e nem as boas inter-
As senhoras e as mocinhas, e mesmo alguns cavalheiros idosos choraram co- pretações, nem a música de Miklos Rozsa, nem o ritmo seco de um diretor
movidos. que conhece seu ofício, disfarçam, para o espectador mais consciente, o sen-
tido de antiliberdade.
O filme combate a revolta violenta contra a opressão.
UM FILME CONTRA A LIBERDADE Ensina a paz calma e psicológica que os invasores do Líbano não conhecem.
Mas é sinal dos tempos: o cinema americano copia a política americana.
Uma vez que o cineasta se propõe a realizar alguma coisa que verse e argu-
mente sobre tema de natureza política, deve, pelo menos, se caracterizar pela
defesa da liberdade íntima, psicológica e outra, mais extensa e exterior, a liber- AS VIRGENS DE SALÉM
dade social. O que não se pode admitir é o filme que proclame o nacionalismo
como "um problema de todo o mundo", frase do venerado Winston Churchill Arthur Miller é considerado um dos mais incisivos e corajosos teatrólogos
colocada por Richard Brooks quando se encerra o drama de seu último filme, modernos americanos. A morte do caixeiro viajante, que foi ao cinema sob a
Something of Value [Sangue sobre a terra, 19571. direção de Laszlo Benedek, denuncia a tragédia da classe média americana. E
A tradição do cinema americano, representante de uma nação colonialista outra famosa peça sua, Uma ponte sobre Brooklin, é a mostra das condições
e de uma cultura de bases em preconceitos religiosos e raciais, é ridicularizar desumanas do estivador nova-iorquino, retrato exato que Kazan, conforme o

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próprio Miller explicou em artigo, roubou e, em companhia de Budd Schulberg, Como vimos, os autores do argumento e do roteiro de Les Sorciéres de
compôs o reacionário e pretensioso Sindicato de tedrõesP Salém (Arthur Miller e Jean-Paul Sartre) ofereceram ao diretor Raymond Rou-
De Miller, de sua rebeldia no centro do capitalismo americano, de sua per- leau um material de categoria para que se realizasse filme em elevado nível
seguição como comunista, de seu processo, prisão e exílio não consumado, e artístico. A estória: na província de Salém, jovens virgens e outras apaixo-
também de seu casamento com Marilyn Monroe, todo o público conhece de nadas, se envolvem em bruxaria com a finalidade de realizar seus desejos.
sobra: a imprensa mundana noticiou e comentou. A intolerância religiosa da província se escandaliza e age para punir as feiticei-
Embora perseguido, como o é nos EUA todo artista de esquerda (como fo- ras. John Proctor, um puro, tentando salvar a esposa da acusação injusta, é
ram Chaplin, Jules Dassin. Howard Fast e outros), Miller não afrouxou seus pon- condenado por mentiroso: ele, sua esposa e outra senhora serão enforcados.
tos (não que fosse comunista, mas sim anticapitalista, no mais firme sentido de Impunes continuam, e como santas, as reais culpadas: Abigail, principalmen-
participação e luta) e pretendeu, com a peça Les sorciêres de Salém (As virgens te, jovem rameira apaixonada por Proctor e que arma toda a situação, com a
de Salém, 1957),24 estudar- analisar - denunciar as raízes americanas da tara finalidade de conquistá-lo. Dessa maneira, a injustiça soluciona o argumento:
coletiva pró-linchamento e intolerâncias racial, religiosa e política. Basta o fato a crueldade dos diálogos de Sartre traduzem e impressionam toda uma cir-
de ter sido sua peça filmada na França para se provar que na democracia dita cunstância chocante.
existente em Hollywood seria impossível realizar completamente seu trabalho. Por que então Raymond Rouleau, o diretor, não fez um grande filme? Por
Na França a peça caiu em mãos de Jean-Paul Sartre, que, antes, em A pros- que As virgens de Salém fracassa como cinema?
tituta respeitosa [La putain respectueuse, 1946),25 já investira contra o racismo Filme, em primeiro lugar, sobre um roteiro teatral, isto é, dialogado ao má-
americano e mostrara a atual intolerância pública do povo do Norte. Sartre, que ximo e com longas seqüências num mesmo cenário, Les sorciéres de Salém
abordou o tema, hoje, em pleno século XX de pregação de "paz e fraternida- deveria, pelo seu diretor, sair dessas limitações e procurar fazer o cinema da
de", pôde, por fim, trabalhar com o elemento que pretendesse voltar aos iní- imagem como princípio fundamental. Mas a submissão de Rouleau a Sartre se
cios daquela civilização, demonstrando que a intolerância já era uma constante faz sentir, tanto que o diretor não participou do roteiro.
vital do povo: nascido de um extremismo religioso protestante uma vez que, Sartre é homem de teatro, mas nunca foi bom em cinema. A prostituta
reformistas e perseguidas pelo catolicismo, as novas religiões teriam forçosa- respeitosa, tema e argumentos excelentes, resultou em filme fraco, que se
mente de pugnar e exercer uma atitude de retidão absoluta, e logo exagerada, sustenta apenas pela importância do assunto.
pela má interpretação da Bíblia. Alguns por ignorância, outros por hipocrisia, Mais ousado, Rouleau deveria investir contra os vícios teatrais do "Papa" da
e mais outros, intencionalmente, com a finalidade de utilizar o mito de Deus cultura francesa, cortar todos os diálogos teatrais e exigir substituição por fra-
como tábua de política e jogadas inescrupulosas. A adaptação de Sartre neste ses curtas, densas, objetivas. Além disso, criar, como fez Clouzot em O salário
sentido é exemplar. do medo, uma atmosfera cinematográfica que pudesse transformar o roteiro
numa moderna tragédia do cinema. Mas nada disso houve: a magnífica estória
é contada em ritmo lento (digo monótono, porque o lento em cinema pode
Glauber. provavelmente. refere-se à peça A View from the Bndge [Panorama visto da ponte. 1955].
ser excepcional como Umberto D, 1951, de Vittorio De Sica), em discursos
a qual se originou do roteiro de cinema The Hook (1950). escrito pelo próprio Miller com assis-
carregados dos atores. A encenação é teatral. O resultado é o filme frustrado.
tência de Elia Kazan. que não chegou a ser filmado por restrição dos estúdios de Hotlvwood. sob
O preto no branco bem conseguido pela câmera controlada por Claude Renoir
a acusação de antiamericanismo. Em verdade. a referência mais precisa como fonte do filme de
talvez seja a única presença artística: o demais é chato, atinge o ridículo quan-
Kazan seria o roteiro. e não propriamente a peça INE.]
A peça de Arthur Miller é The Crueibife (1953). que deu origem ao argumento e roteiro de Les do as meninas virgens enfeitiçadas rolam pelo chão esperneando, ou quando
sorciéres de Salém, de Raymond Pouleau. IN,E.] Yves Montand começa a chorar. O suporte do elenco é Simone Signoret se-
La putain respectueuse (1946), No Brasil. A prostituta respeitosa. trad. de Maria Lúcia Pereira (Cam- guida por Mylêne Demongeot, que não tem nada de feiticeira, mas tem muito
pinas: Papirus. 1992J.IN.E.] de virgem coagida.

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Raymond Rouleau, nessa sua primeira grande oportunidade, fracassou por Distinga-se o Cinema como arte nascendo de princípios físicos em de-
medo, por covardia intelectual, por submissão que a arte cinematográfica não senvolvimento e aplicações adequadas ao objeto de animação, a imagem em
deveria sofrer da literatura. movimento. Subproblemas menores, peças indispensáveis embora pequenas
no organismo técnico do filme: iluminação, fotografia, enquadramento, pro-
fundidade, composição e cenografia sofrem aplicação determinada por alguns
JOHN HUSTON - TÉCNICA FíSICA E TÉCNICA ESTÉTICA postulados básicos. Com a tela plana a redução do campo visual em foto de
"técnica física" - determinava com alguma certeza situações de "técnica es-
Discutido antes pela independência temática sem concessões do que mesmo tética". A permanência de close-up, vocabulário do cinema tais como os de-
por sua categoria artística - já sendo esse aspecto absoluto - John Huston mais planos. Já no cinemascópio, com a dilatação da tela, os vagos laterais
disputa em Hollywood o posto de cineasta maior, integrando a vanguarda ao - "técnica física" - não permitem a intensidade dramática tão carregada de
lado de William Wyler, Robert Aldrich, Billy Wilder, John Ford, George Stevens, um mesmo close-up, já aqui desprovido de unidade.
o novíssimo Stanley Kubrick e mais alguma meia dúzia que não permite o O céu é testemunha importa na carreira de John Huston primeiro pela sua
retrocesso da linguagem cinematográfica mas luta para projetá-Ia, descobri-Ia adesão ao cinemascópio e segundo pela demonstração de que o fenômeno do
em suas máximas possibilidades. Principalmente sob tal ângulo John Huston cinema não oferece problema incontornável às expressões artísticas.
vale não apenas para o cinema americano mas importa sobremaneira para Na transcendental idade do fenômeno artístico da criação, sempre o ar-
a evolução da nova linguagem frente ao fenômeno sem fronteiras do pen- tesanato mais consciente sofrendo um sopro do inconsciente inspirado, os
samento cinematográfico tanto em sua realização prática quanto no que de empecilhos técnicos da mecânica são derrubados pela implacabilidade da
matéria-prima fornece às especulações de ordem filmológica, no campo do imaginação.
puro pensar cinema. Destarte John Huston toma o cinemascópio e seus aborrecimentos de en-
John Huston, um cineasta não só de um vigoroso lado participante no fato cenação e os supera apenas e exclusivamente na intenção direta e objetiva de
geral da cultura - o político ou o filosófico ou o sociológico ou o psicológico contar uma estória com dois personagens em uma ilha sem cansar ou des-
seja como for - mas John Huston o estilista: o homem e a forma cinemato- cambar para a criação de situações forçadas.
gráfica, tudo isso igual ao cineasta que, dominando certos esconderijos da
alma, vai também cristalizando sua obra no paralelo domínio da "técnica física"
e da "técnica estética", dois monstros sagrados que não integrados arreben- STANLEY KUBRICK
tam o talento dos cineastas.
Heaven Knows, Mr. Allison [O céu é testemunha, 19571 surge em cinemas- Stanley Kubrick, novo cineasta que vem abalando a crítica com apenas dois
cópio vencendo por certo um terror que até hoje amedronta cineastas ameri- filmes percorrendo o mundo, o primeiro Killer's Kiss [A morte passou por per-
canos de pulso tais como William Wyler ou Fred Zinnemann, para citar apenas to, 1955J e The Killing [O grande golpe, 1956]. surgiu como esperança para o
os autores de Detective Story [Chaga de fogo, 1951J e High Noon IMatar ou cinema americano. É o que Maurício Gomes Leite classificou "um cineasta de
morrer, 1952]. dois clássicos do preto e branco, tela plana. setenta minutos", isto é, filmes curtos, processo comum, tela plana, preto e
A propósito da aceitação final de Huston ao cinernascópio. a distinção feita branco, produção modesta, atores de segunda linha, interiores pobres.
acima, à primeira vez estranha, de "técnica física e técnica estética". Nesse Em A morte passou por perto o argumento é colocado em plano secun-
centro de importância mais direta ao cinema discutamos Heaven Knows, Mr: dário: o que importa é a dimensão de cinema-cinema. Um trabalho de força
Aüison, posto que a moralidade ou os açoites de ordem social ou religiosa não plástica, de expressão rítmica que muitas vezes não foi compreendido em sua
ganham lugares tão sólidos em critica objetiva, permitindo-se melhor destaque grandeza. Neste filme podem ser observados os seguintes pontos que denun-
nos comentários de caráter doutrinário. ciam revolução da linguagem cinematográfica:

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a) A luta de boxe. Pareceu à crítica que após The Set-up [Punhos de cam- na fábrica de manequins é a violência passional. A razão é defender a vida e
peão, 1949), de Robert Wise, o tema como sugestão a exercício de montagem vingar: o móvel, pois, é psicológico. Então, a montagem não se faz de choques
e aos enquadramentos da câmera haviam sido esgotados. Kubrick inventa no- rítmicos mas de lenta e pormenorizada narrativa do medo que cada adversário
vos ângulos e avança mais que Wise. Enquanto o autor de Punhos de campeão sente diante do outro armado e vice-versa. As imagens se movem lentas, qual
contava com objetividade plástica e psicológica na luta, Kubrick cria a luta da sombras na paisagem de manequins, homens cinzentos na iluminação do pró-
seguinte maneira: planos iniciais das luvas em destaque. Abstração da platéia prio Kubrick, que nesse filme é também fotógrafo além de montador, diretor,
que fica compacta, escura, disforme em grande plano geral. Apenas presente produtor e argumentista. Os reflexos da luta são objetivados nas imagens dos
o ruído animal das vozes. Os jogadores de boxe se defrontam e então é inicia- manequins que parecem participar ativamente. Cortes, sobre rostos na mais
da uma luta lenta. Sem som, as mãos atravessam pesadamente o quadro, vão vária expressão do ser humano, criam um estado que se perpetua angustiante
se agitando, crescendo até que se verifica uma abstração da imagem louca, até a morte de um dos contendores, no caso o gangster, pois a estrutura da
desvairada, que destaca apenas como elemento exterior aos lutadores os fo- estória permanece fiel à clássica de todos os policiais americanos.
cos das luzes que incidem diretamente em seus olhos. Dessa funcionalidade Com esse exercício em busca da expressão puramente fílmica, Kubrick lan-
da montagem como criadora, nela própria, de um ritmo cinematográfico saído ça as premissas de um novo cinema.
de um ritmo real (os movimentos dos homens em luta). Kubrick é revolucionário porque quebra a linha tradicional da narrativa direta
b) A segunda luta, do final, entre o herói boxer e o gangster numa fábrica e cronológica, retrocedendo num tempo eminentemente dramático, correndo
de manequins. Voltando novamente ao tema da violência, Kubrick realiza outra o risco de arrebentar o ritmo de suspense pretendido e necessário ao próprio
montagem, já de penetração psicológica. A primeira luta exposta acima é um acabamento do filme. Na seqüência do assalto, em O grande golpe, três ações
frente a frente de móvel comercial. Um boxer luta pelo salário. Já essa luta paralelas: a) a briga no bar com a finalidade de atrair os guardas do dinheiro;
b) a morte do cavalo na pista de corrida por um atirador profissional a fim de
distrair a atenção do público; c) a entrada de Johnny, o assaltante, no escritório
dos caixas roubando dois milhões e meio de dólares.
Aplicando um golpe direto na emoção do público, Kubrick segue duas des-
sas ações: a briga no bar é narrada do princípio ao fim e concluída com a dis-
creta entrada de Johnny pela porta de onde saíra o último guarda para prender
o desordeiro. Aí. não segue Johnny, interrompe a ação no seu princípio dramá-
tico como se houvesse paralisado a imagem e volta no tempo a algumas horas
antes, mostrando o atirador em preparação para matar o cavalo até o ato con-
sumado com a morte do criminoso por um guarda do hipódromo. Daí, Kubrick
corta novamente para a última cena da seqüência primeira da luta e começa
narrando o assalto, com Johnny no interior dos escritórios, se mascarando
armado de fuzil-metralhadora e atirando um saco abarrotado de dinheiro por
uma janela, da qual não vemos a parte exterior. Mais tarde, quando os outros
Jamie Smith e ladrões comentam o roubo, um diz: "O saco foi jogado para mim", a cena é
Frank Silvera cortada e o diálogo intercedido por um plano exterior da janela com o saco
emA morte caindo, continuação da seqüência interrompida.
passou por Então, por este desrespeito ao monstro cinematográfico do tempo e da
perto (1955)
continuidade, Kubrick, que tão bem se portou, que tão seguro se fez na sua

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nos planos em panorâmica dos cavalos correndo sublinhados por duros sons
de cascos e gritos; à medida que a velocidade aumenta a imagem continua
resistindo até a abstração.
E enquanto pesquisa na imagem e cuida da tensão psicológica, enquanto
chega a embaralhar a montagem a ponto de trazer a suspeita de que o filme
está com a projeção invertida, Kubrick vê o hipódromo em grandes planos aé-
reos, a massa escura, abstrata já em sentido humano, jamais participante do
pequeno drama de crime e de sonho que se desenrola: é por isto que não se
vê c/oses dos torcedores.
Os cavalos só interessam em função direta da narrativa: no princípio su-
gerem o tema; no fim um recurso para facilitar o roubo. O que vive e pulsa
oferecendo a dimensão de maior interesse humano do hipódromo - os resul-
tados das apostas - é justamente o alto-falante de quatro bocas anunciando
Elisha Cook
.Jr, Sterling e ao mesmo tempo sendo contraponto visual da seqüência, dentre as mais
Hayden e Jay completas e homogêneas já vistas: é maciça de uma continuidade de planos
C. Flippen em narrativos implacável, nada se precipita; e é daí que Kubrick já se revela artífice
O grande golpe longe da solução fácil e vai criando a atmosfera pelos planos de alto-falante,
(19561
sempre voltando além da imagem, já também contraponto sonoro.
Kubrick é tão calmo, tão profundo, buscando sempre as raízes humanas de
cuidada montagem, fazendo-a inclusive digna por nela ter repousado a narra- cada homem e isto sem a demagogia, o pseudo e chato psicologismo muito
tiva e o clima de suspense, aparece como o cineasta que fez a crítica minucio- em moda no moderno cinema.
samente considerar que havia alguma coisa de novo no reino de Houvwood: Há um sonho em todos os homens: o da riqueza, ambição natural. Como
não era um talento exuberante de Robert Aldrich - mais de coragem do que chega a derrota? De duas maneiras: a primeira pelo erro e pela ambição crími-
de criação; era alguma coisa de quente, de riqueza plástica, discípulo de John nosa, ladrão roubando ladrão como em Du rififi chez les hommes [Rififi, 1954],
Huston aliado à febre Orson Welles. de Dassin; neste choque os ladrões que após o roubo esperam Johnny com o
Mas não é apenas nesta revolução da narrativa que o estilo kubrickiano dinheiro recebem a visita de outros bandidos trazidos pela mulher de um deles.
revela seus primeiros núcleos: a par da montagem externa de narrativa está Súbito tiroteio a todos destrói e é logo sucedido por uma das mais belas "pesqui-
o ritmo interno, a composição, a função do décor como além da decoração. sas" de câmera que conhecemos: é o "conhecimento cinematográfico da mor-
Aqui estão as heranças de Orson WelJes antes aprendidas na riqueza plásti- te"; a câmera em movimentos estranhos, movida por grua, desce sobre cada
ca do cinema passado: a aprendizagem de uma iluminação como recurso de rosto morto e sentimos a profunda ironia que liquidou aqueles homens. O so-
montagem, não o velho escurecimento no mesmo plano, a luz compondo e nho por terra. Já a segunda derrota de Johnny tão esperançoso se dá pela ironia
decompondo o rosto em montagem interna. das mínimas coisas sobre a vida, e aí até na dimensão filosófica Kubrick avança.
O abat-jour está presente na maioria dos interiores incidindo diretamente Poético e amargo o final, milhões de dólares voam num aeroporto impulsio-
sobre as caras. Quando um personagem afasta-se ou vice-versa, segundo a nados pelo motor de um avião, o mesmo que salvaria Johnny e a esposa.
intensidade dramática. a luz REVELA ou APAGA. "Para que fugir?" - pergunta Johnny quando se vê derrotado. Não foge.
Nas seqüências do hipódromo - pois o filme versa sobre um assalto num Espera os policiais abraçado à esposa: e enquanto a lei armada de revólveres
dia de grande corrida - note-se ainda a abstração da imagem conseguida avança de Plano Geral a Primeiro, o filme termina no crescendo.

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Stanley Kubrick é incisivo, direto, claro. O cel. Dax. figura justa, representa o
militar ideal, ou seja, aquele justo, exato, herói, que reconhece a bravura de
seus homens e considera a injustiça nas forças armadas uma vergonha, não só
do militar mas até mesmo do ser humano: "Nesse momento tenho vergonha
de pertencer à raça humana" - proclama o cel. Dax (Kirk Douglas), quando a
sentença de execução contra os três soldados é pronunciada.
Stanley Kubrick faz de qualquer tema ponto de partida para denunciar o
homem e suas circunstâncias. O bem ou o mal Kubrick denuncia, nunca sendo
político. E em Glória feita de sangue percebe-se que o jovem é um rebelde irre-
verente, que ele não resiste à tentação de dizer certas verdades pelas vozes de
seus personagens. A voz do cel. Dax é como se fosse a voz do próprio Stanley
Kubrick: uma voz indignada.
Por esse aspecto é que, embora exteriormente, Paths of Glory deva ser
considerado um filme de Guerra; por outros ângulos mais profundos. o con-
sideraríamos melhor um filme cujo tema não é limitadamente militar. social,
Kirk Douglas
histórico, político. É temática universal: a desumanidade sem localização justa
em Glória feita
de sangue na história mas todo mal que vem inato no homem desde seu princípio e numa
(19571 guerra e pela alma de oficiais se revela. Mas poderia ser uma injustiça come-
tida em qualquer classe, como vemos em nossos dias, e podemos verificar
A derrota, a mesma amargura de The Treasure of Sierra Madre [O tesouro também no passado.
de Sterrs Madre, 1948] e The Asphalt Jungle [O segredo das jóias, 1950] estão O argumento de Glória feita de sangue: um general francês ordena que o
presentes como a lição de Huston a Kubrick: "o gangster é como a flor no as- regimento do cel. Dax (na guerra de 1914) tome uma posição, muito bem de-
falto; não frutifica pela aridez do solo". fendida, dos alemães. Impossível. O ataque é bem enfrentado e os franceses
O grande filme de guerra é aquele que busca a paz: Ali Quiet on the Wes- são forçados a recuar. A fim de não desmoralizar o exército, e não permitir
tem Front (Sem novidades no tront, 19301. de Lewis Milestone. exemplo dos críticas da imprensa em torno dos grandes figurões, dois generais arquitetam
clássicos de guerra do passado e Attack! (Morte sem glória, 1956], de Robert um crime: fuzilar três soldados acusando-os de covardes. Isso seria um exem-
Aldrich, e Men in War (Os que sabem morrer, 1956], de Anthony Mann, po- plo e ficaria provado que o regimento fora derrotado pela própria covardia de
dem ser considerados como os mais importantes do cinema, sucessores de seus soldados e não pela insuficiência do francês ante o alemão. Argumento
La grande illusion IA grande ilusão, 19371, de Jean Renoir. corajoso, já se vê em seu esboço que Stanley Kubrick o adaptou da novela de
A comparação de Paths of Glory [Glória feita de sangue, 19571 com outros Humphrey Cobb." para transformar na plástica dinâmica do cinema.
filmes do mesmo tema, no que se refere ao grau e à categoria de denúncia, não E esse criar cinema pode ser observado em Glória feita de sangue nas
pode ser levada a extremo rigor, uma vez que a denúncia de Kubrick não é da seguintes seqüências:
violência da guerra, mas da desumanidade dos exércitos. Note-se, também, de Seqüência na qual três soldados saem em patrulha de reconhecimento.
início, que não é somente o exército francês o acusado: todos os exércitos o A atuação do som se faz em pulsações de tambores contraponteados por ra-
são, porque os dramas que nos personagens se passam são dramas de todos jadas de metralhadoras, dois sons que se conjugam, um transmitindo o ruído
os oficiais. Os chefes humilhando, perseguindo e destruindo os subordinados,
num exemplo flagrante de selvageria sustentada pela legalidade. Nesse ponto, n Glauber refere-se à novela homônima Paths of Glory (1935). [N.E.]

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real e outro o ruído irreal, psicológico. As pulsações sonoras seriam como as cidade trazendo o pecado para o Oeste. Os bandidos mascarados - às vezes
pulsações do medo. A alternação ousada da montagem entre fusões de gran- com panos pretos nas caras, às vezes com penas e tinturas de guerra - pre-
des planos gerais e grandes primeiros planos. Nos planos gerais, plasticamen- cisam ser derrotados. ELE saca os revólveres, dispara certeira mente, cada tiro
te, existe o campo de batalha e sua ruína tenebrosa. Entre mortos e destroços, é uma queda certa. A canção agora já não está em seus lábios; saindo da alma
diluídos na paisagem, os três soldados avançam. Nos primeiros planos estão do herói ganha o tempo, domina a pradaria, é uma variação ao ritmo das balas.
as imagens do medo. A individualização do homem ante a morte no centro O mal não resiste a ELE. Fogem os bandidos. Voltarão depois para nova
da noite violenta. E as pulsações sonoras crescem e diminuem. Logo, uma refrega. ELE é galante, conquista o coração da mocinha e desperta o ódio do
região de perigo, para onde segue um soldado, grande plano mostra o lugar homem mau, ganha a simpatia do caixeiro-viajante.
em violento claro-escuro, esfumaçado, infernal. A permanência desse plano, Na cidade ELE é o ídolo das crianças. Porque uma delas é morta ELE põe
alternando por sua vez com os primeiros planos dos dois soldados que es- a estrela no peito, invade o saloon pelas portas balançantes, dá um tiro na luz,
peram o terceiro. Esse lento e profundo jogo de montagem do "inferno" (o vira a mesa de jogo, briga com trinta, quebra a cara do valentão. O chefe o
grande plano do campo devastado onde se consumira um dos três soldados) e desafia para um duelo. ELE é corajoso. Pelo coração da mocinha, pelo bem, e
do medo (primeiros planos dos dois soldados fixando o "inferno") termina por por causa da admiração das crianças, e muito mais, pela importância do mito
atingir uma saturação do tempo cinematográfico que coincide com a satura- que não pode ser quebrado, porque todos os homens confiam cegamente
ção psicológica dos soldados-personagens. Então o medo explode. O tempo na infalibilidade do herói, ELE aceita o duelo mesmo com a certeza de várias
cinematográfico é aquele que reduz a realidade temporal a um tempo dinâmi- armas escondidas apontando às suas costas.
co, ou seja, no qual os fatos passam a valer pela sua importância mais nervosa A aurora em desenvolvimento situa a ruazinha deserta. Aquela música tris-
e dramática. Todavia diretores mais ousados penetram na análise do tempo e te volta temendo pelo herói. ELE SURGE, caminha firme, os olhos para uma
seguem um fato com fidelidade ao normal. Rompida a duração desse tempo, direção bem longe. O momento vale um gesto quase imperceptível terminado
é preciso que haja controle da montagem para que essa ousadia não resulte pelos disparos sucessivos. A música hesita, os corações de homens e de me-
no incompreensível ou no monótono. Kubrick, nessa seqüência, embora não ninos afastados do mundo no refúgio da sala escura param.
acompanhe absolutamente o tempo real, cria um tempo psicológico e com ele Quando o homem mau dobra o corpo e cai, um sorriso de libertação.
alterna seu tempo cinematográfico até que os dois (imagem que se torna insis- ELE está indiferente. Tira a estrela do peito, monta o cavalo preto ou bran-
tente e medo que se torna inevitável) explodam o específico fílmico. co, deixa uma mulher amada e some no fim do mundo.
Voltará na próxima semana para novas apreensões e novas libertações.

"WESTERN: INTRODUÇÃO AO GÊNERO E AO HERÓi"


RASTROS DE ÓDIO
O chapéu é de largas abas, o revólver de balas intermináveis é sacado com a
velocidade do raio, o cavalo é preto ou branco, fiel até o último perigo, os pu- O western, primeira e única cristalização estético-social do cinema americano,
nhos são fortes e ágeis, a estrela no peito o símbolo do bem. tem na figura de John Ford o grande responsável pela sua evolução e posterior
O cowboy vem de onde homem ou menino não sabe; surge lá no fim da amadurecimento. O western gênero regional dos Estados Unidos, depoimen-
pradaria sob a quentura do sol. varando a cortina seca de poeira. Cantarola às to, relatório dramatizado da grande marcha da colonização desenvolvida rumo
vezes triste, fala para uma mulher, fala de uma terra .. ao interior do grande país e posteriormente da fixação social desses desbra-
O cavalo vem trazendo o homem até primeiro plano e o mito cresce e se re- vadores, de sua adaptação humana, da sua luta contra um feudalismo que se
aliza. Os tiros surgem tão inexplicavelmente quanto ELE. A diligência persegui- forma rapidamente - já então uma força de domínio que encontra o combate
da leva uma mulher bonita, um caixeiro-viajante, um homem mau, grã-fino da de uma consciência que surge com os pequenos lavradores se unindo para a

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defesa de seus bens ~ afirmou-se, primeiramente, pelo significado poético,
intensidade mítica em concentração no legendário herói do bem na luta contra
o mal, ética espontânea de homens rústicos.
Após este enraizamento, o caubói, com a evolução do gênero paralela à do
cinema-indústria, perdeu sua dignidade primitiva e foi recebendo contribuições
que o dissolveram no gênero como um homem comum não mais puro como
Tom Mix ou o Habel William S. Hart ou outros que iam e vinham sempre ven-
cendo, amando de longe, bebendo leite para espanto do barman.
Todavia, se o herói involuiu, o gênero cresceu em novas perspectivas, am-
plos horizontes estéticos sociais e humanos. O western é o que o cinema
americano possui de autêntico, tirado da terra de sua gente antepassada que
enfrentou clamorosa Guerra Civil que viria transformar radicalmente a sua paisa-
gem econômica e provocar tremendos desajustes próprios de um após-guerra.
O western é o sangue básico do americano, sua cultura popular, sua forma-
ção étnica, religiosa no que ele possui de indevassável.
O demais, longe da epopéia colonizadora, é o raquítico litoral. com uma Natalie Wood,
John Wayne e
humanidade suja.
Jeffrey Hunter
No western está um momento de instabilidade cultural. A terra se forma e
em Rastros de
nela heróis e bandidos se fazem bons e maus na luta por construir uma nação. ódio (1956)
Desta temática, rica em múltiplos aspectos, o cinema americano extraiu até a
saturação atual o que de humano sobrou do massacre dos índios e da escra-
respeito às referências ao declínio do cineasta não só perante o gênero. como
vidão negra.
também perante o cinema. Em Rastros de ódio os caracteres agem como pe-
A descoberta, a percepção e o domínio do tema com segurança de seus ças resistentes do seu artesanato muito além do exercício técnico, pois Pord já
pormenores e sutilezas proporcionou a um punhado de cineastas a oportuni- é o homem maduro que dominou a vida e apreendeu uma arte, não de especu-
dade de realizar um cinema de específicas e particulares consumações formais lações formais, mas de essência humanística que espontaneamente se diz em
no plano de ritmo e linguagem no momento em que a intriga passa a obedecer linguagem que traz a marca do estilista maduro, do inventor realizado.
àquela estrutura íntima, à linha do herói que vem de longe, vive, luta, vence Rastros de ódio basta como prova de seus intentos em mostrar a socieda-
problemas e parte no fim para o mesmo "não sei" de onde surgiu. de colonizadora dos Estados Unidos submetida à consciência de desbravar e
Dentre esses cineastas, John Ford surge como o principal responsável pela
construir ante uma natureza inóspita e os desequilíbrios que esta luta provoca
evolução e amadurecimento do gênero; estabeleceu os postulados, desde a
e os grupos que nascem daqueles na formação do complexo social.
situação da natureza sobre o homem, e deste, dissolvido e combatente na
Mas se em Rastros de ódio o sociólogo se faz presente, o poeta aflora
sociedade em formação, às ilustrações plástico-simbólicas dos personagens
com maior vigor, sobrepuja o primeiro, porque, ao passo que situa, mostra e
ocultos no mito do revólver, do cavalo e da estrela de sherift.
explica, uma sombra poética vai separando o herói, elevando-o à sua condição
No gênio irlandês o social sobrepujou o poético embora este existisse de mito, revalorizando-o na medida em que Shane o foi por George Stevens,
como conseqüência mais acidental do que essencial. Após a realização de The perdendo-se na amplidão. Aliás, essa fuga do herói ~ apontado como um
Seachers (Rastros de ódio, 1956), nos vemos forçados a proceder uma revisão. lugar-comum mas que não é, pois uma característica já se fez - vem sempre
tanto no que tange à situação do poeta e do sociólogo, quanto no que diz renovada pelos grandes cineastas e mesmo em Matar ou morrer (High Noon,

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1952}, de Fred Zinnemann, onde o herói é mais cerebral tanto em sua concep- o jornalista francês Michel Ciment advertiu Renoir que não se tratava de
ção quanto em seu comportamento, quando ele parte de maneira inversa ao Lang, mas de Ford.
comum, com destino certo ao lado da mulher amada, deixa, mesmo falseando, Renoir, sorrindo, respondeu:
uma saudade. - Sei disto. A confusão é proposital. Chamo Ford de Fritz apenas para
Quanto situamos Will Kane. o herói de Matar ou morrer, como falseado não brincar com sua vaidade.
estamos absolutamente fazendo-o frágil perante o herói cavaleiro do bem que John Ford avançou para um abraço caloroso em Renoir. No caminho, po-
se iniciou com os Tom Mix, morreu e se recuperou na figura de Shane e agora rém, quase cai. Está trôpego o comandante de pelotões, de manadas de búfa-
se firma no Tio Ethan, de John Ford. los, de tribos guerreiras. Tosse, mas não desiste do charuto. Enquanto brinca-
Aqui, embora o caubói se recupere e se firme, já a sua pureza não é a mes- va com Renoir, Michel Ciment aproveitou para me apresentar. Ford olhou para
ma. Caubói atual vale pelo que de puro o seu antecedente encerrava. mim e berrou:
Shane, por mais bem concebido que seja, não é o puro naquele sentido de - Saudade!
primitivo. Traz em si a marca da intenção, é, por mais invisível que pareça, um Tomei um susto diante daquele folclórico "saudade" pronunciado com tan-
estilizado intencional, embora mais coerente e integrado no social. Isto já ex- to desastre.
plicamos e insistimos. Primeiro era o herói; depois veio o progresso artístico- Ford hesitou alguns segundos e perguntou:
econômico do cinema; surgiu o gênero. muito mais amplo para a linguagem, - Where is Raul?
o ritmo, os específicos cinematográficos; o cineasta precisou eliminar o herói - Que Raul? - perguntei de volta.
em seu benefício; depois necessitou de uma moral e buscou o herói; tentou - Roulien, Raul Roulien. Meu amigo e grande ator.
revivê-Io e deu-se a caricatura; lutou-se, nasceu Shane, retorno lírico mas nun- Dei as pouquíssimas informações que tenho sobre Raul Roulien e Ford res-
ca aquele movimento livre pelas pradarias. agir veloz no campo, movimento mungou:
depurado. tão em si. que deram ao cinema, pelo gênero e através do mesmo, - Rio de Janeiro..
o seu clímax poético. Neste momento surgiu um padre. Ford interrompeu o diálogo com Renoir
John Ford é responsável pelo western épico - Stagecoach [No tempo das di- e foi abraçar o padre. Conversaram alguns minutos. Depois Michel Ciment me
IJlJências, 19391- e o western histórico -Fort Apache [Sangue de herói, 1948J. disse que Ford estava preocupado, pois precisava arranjar um confessor du-
rante o Festival: católico incorrigível, Ford vai à missa todos os dias.
Depois de muitos desencontros, realizou-se a entrevista com os jornalistas
o CACIQUE DA IRLANDA no quarto do hotel. Gim e uísque. Charutos. De roupa branca, sapato tênis,
altíssimo, John Ford é o que se pode chamar de um "elegante grosso". Seus
Rock Demers, o ex-diretor do Festival de Montreal. conseguiu reunir John Ford gestos são de um vaqueiro, embora seja irlandês. Parece que, depois de lidar
e Jean Renoir e Fritz Lang. tantos anos com cowboys, xerifes, índios e bandoleiros, Ford terminou influen-
Ford chegou com uma semana de atraso e com ele veio uma carga de mau ciado por seus personagens.
humor. O grande diretor de westerns - tais como No tempo das diligéncias, Tem alguns tiques de John Wayne, grita quando menos se espera, parece
Sangue de herói ou Rastros de ódio - é mais alto que Lang, mais velho, surdo que vai sacar uma pistola a cada gesto.
e cego de um olho: como Lang, usa um dayan. Se Renoir é um leão manso, se O Festival. para homenageá-lo, resolveu apresentar seu filme Young Mr.
Lang é um tigre ferido, John Ford é um gavião agressivo. Inacessível à primeira Uncoln IA mocidade de lincoln, 19391- biografia da juventude do patriarca
vista. teve seu vedetismo desmistificado à entrada do hotel por Jean Renoir, democrata americano.
que ao vê-lo gritou: Quando isto é anunciado, Ford estrita:
- Olá, Fritz! - Que filme? Young Mr. Uncoln? Não me lembro disto.

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- Um filme com Henry Fonda - adverte Michel Ciment. cinema? Os europeus pensam que filmar uma mulher nua é cinema. O grande
- Henry Fonda? Mas quem é Henry Fonda? - volta a perguntar Ford dian- cinema é o nosso, o meu, o de Hawks, o de Hitchcock!
te do espanto dos jornalistas. A petulância do velho constrange a todos.
Ford é um ranzinza. Como se sabe é católico, democrata, conservador, an- Um jornalista arrisca:
ticomunista ferrenho. Fonda é um progressista. Brigaram uma vez e esteve - Vai continuar filmando?
envolvido com John Wayne. amigo íntimo de Ford e membro de organizações - Tenho mais de oitenta anos mas ainda não estou tão velho para parar.
terroristas de direita. Agora mesmo pretendo fazer outro filme e tenho comigo vários scripts. Tenho
Ford, a partir do incidente, resolveu ignorar Henry Fonda. Agora a lenda se novas atrizes para lançar e compromissos comerciais.
confirma: Subitamente o gavião pousa. Bebe um gole de gim, traga o charuto. Está
- Se este filme existe não quero vê-lo. Estou muito cansado e tenho pro- afastado, talvez vagando entre os canyons onde costuma filmar emboscadas
blemas graves no momento. O que mais me aborrece é não estar bem de de índios. Murmura:
saúde para poder engajar-me na Marinha para a guerra no Vietnã. - Tenho de voltar. Minha mulher e minha filha estão doentes.
Novo espanto, Ford proclama sua adesão à guerra e acrescenta: Um jornalista pergunta se Pord acompanhará Renoir naquela noite ao Palá-
- Estive visitando Howard Hawks enquanto ele filmava EI Dorado [1967J. cio do Festival, onde será apresentado La Marseillaise [A Marselhesa, 1938].
Embora eu não veja os filmes de Hawks, visito-o sempre para um joguinho. Ford resmunga:
Hawks me disse que vai fazer um filme sobre o Vietnã que é uma guerra - Não. Este filme sobre a Revolução Francesa é propaganda. Não posso
muito engraçada. Imagine nossos marínes gigantescos e bem armados ten- prestigiar um comunista em público, apesar de Renoir ser meu amigo.
do dificuldades com aqueles "amarelinhos"... - e somente Ford sorri de sua Três dias depois Rock Demers envia um Buick de luxo para trazer John Ford
piada inoportuna. ao cinema onde será apresentado Young Mr. Lincoln, e o cacique protesta:
Silêncio. - Carros de luxo é para o Fritz, que é um vaidoso. Eu posso ir de táxi.
Novas perguntas. Mas vai no Buick. O mesmo traje. Quando chega ao cinema repleto, ova-
Sobre a arte cinematográfica: ção. Ergue os braços e pede silêncio. Emocionado, Ford grita com sotaque de
- Só existe um autor no cinema: o banqueiro da Madison Avenue. Atual- cowboy:
mente eu não escolho nem os atores. É a mulher do banqueiro que dá todos - Nestes momentos sempre dizemos: "eis o momento mais importante
os palpites no filme que vou fazer. Somente quando tenho dinheiro meu nos de nossa vida" ... Este é um filme simples sobre um homem simples filmado há
filmes possuo liberdade. Mas que liberdade? Quem manda é o público. Se eu mais de vinte e cinco anos e eu não me lembro nem de uma cena. Os atores
faço um filme diferente do gosto do público é um fracasso, e com milhões são desconhecidos.
de dólares não se brinca. O progresso no cinema é só um: o técnico. Eu fui Young Mr. Lincoln começa. É um filme que entusiasmou Eisenstein. Conta-
um dos criadores do cinemascope, da panavision, do cinerama. Eu e outros mos isto para Ford e ele brinca:
colegas. - Quem? Eisenstein? O diretor comunista de Ivan, o Terrível? Ivan é um
Sobre os novos cineastas: filme muito inteligente.
- Quem é Godard? Nunca ouvi falar dele. Quem é Pasolini? Nunca ouvi Young Mr. Lincoln, com Henry Penda num dos maiores papéis de sua car-
falar. Ontem fui ver um filme comunista iugoslavo (trata-se de Une Affaire de reira, é um retrato nacionalista e nada crítico da juventude predestinada de
Coeur, de Dusan Makavejev, aplaudido pela crítica)'? e saí na metade. Isso é lá Abraham Lincoln. Ali já estão os dados do estilo fordiano: senso de humor,
harmonia visual, folclore do interior norte-americano, humanismo, religião, sen-
Une Affaire de Coeur lUm caso de amor ou Drama de uma funcionária da Companhia Ietetónicet timentalismo. O mesmo Henry Fonda reapareceria em My Darling Clementine
Ljubavni S/ucaj ili Tragedija S/uzbenice PIT, 19671. IN,E.] (Paixão de fortes, 19461, Grapes of Wrath (Vinhas da ira, 1940), Mister Roberts

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Gosta de índios, mas são ingênuos os selvagens que devem ser catequizados e
protegidos. Haverá sempre um bom soldado branco capaz desta façanha, ainda
que para tanto deva se rebelar contra seu superior. O exército é a alma da na-
ção, a cavalaria sempre surgirá para salvar os pobres colonos das garras dos ín-
dios. Sobre racismo, Ford acha lamentável a incompreensão entre os homens.
Seu cinema criou adeptos em todo o mundo. Na França Ford é adorado,
embora todos saibam que sua visão do mundo é desatualizada, principalmente
depois que os Estados Unidos começaram a entrar em crise social, econô-
mica e política revelando ao mundo que sua invencibilidade apregoada com
veemência pelo cinema é um mito cinematográfico. Como Howard Hawks,
como Alfred Hitchcock, como tantos outros, Ford pertence a uma geração de
gigantes que se revelam como Golias, vulneráveis na testa.
Fritz Lang tinha razão quando afirmava que o cinema feito por esta geração
era um cinema primitivo. Inventaram cenas fabulosas de espetáculo, criaram
gêneros e heróis, mas em nada contribuíram para transformar a sociedade:
apenas colaboraram na edificação do mito imperialista. Este cinema de espe-
Henry
Fonda em táculo, de aventura, de suspense, de emoção, entrou em colapso justamente
A mocidade porque o tempo da reflexão, da dúvida, da crítica, da perplexidade, começou.
de lincotn Hoje, diante de um filme do velho cinema americano, vemos apenas a reprodu-
(19391 ção mentirosa do mundo. E a perfeição destas formas, a harmonia deste ritmo,
terminam por cansar. É um mundo fechado que dá uma mensagem mastigada
[1955] e em outros vários filmes realizados pelo jovem irlandês que começou ao espectador, sem que ele tenha a menor chance de discutir ou recusar.
cedo a filmar bangue-bangue em Hollywood. Na pele do moço Lincoln, Fonda John Ford é o maior criador desta fase. Moralista, telúrico, gênio de um ve-
encarnava o americano ideal e idealista. Temos a impressão de que se trata de lho estilo de espetáculo, Ford foi bem definido pelo cineasta português Paulo
um documento primitivo. Quando termina, aplausos, não ao filme, mas a Ford. Rocha, à saída de Young Mr. Lincoln:
Ele se levanta e projeta a sua vaidade de bom moço: - É o último poeta arcaico de uma civilização eletrônica.
- Realmente você tem razão em bater palmas. É um belíssimo filme.
Risos. O gigante tem lágrimas nos olhos. Raramente tivera homenagens
como aquela. Na França, numa vez em que Ford lá esteve, o critico Jean Mitry MATAR OU MORRER
deu-lhe de presente um livro que era a biografia do próprio Ford." O velho fi-
cou espantado. Homenagens deste tipo não existiam em Hollywood, onde ele Entrar na análise do novo western para dizer que o advento do "novo" está no
era apenas um funcionário dos estúdios. aburguesamento do herói é querer destruir a única grande manifestação da
Ford desconfia de sua possível genialidade. Inegavelmente militarista, Fard cultura americana.
idealizou o Oeste como um paraíso perdido, espécie de Olimpo do novo mun- Burguesia quer dizer reacionarismo e o western é a única escola de fil-
do. Sua preocupação sempre foi a de punir os maus e fazer triunfar os bons. mes progressistas que existe. Mas já que nesses pobres apêndices o crítico
erra, por que então considerá-lo senão como observador pretensa mente co-
28 Jean Mitry. John Ford (Paris: Editions unfversfteires. 1954), IN.E,] nhecedor de cinema? Porque, se conhece, está trilhando mal o fruto de seus

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conhecimentos. Deve revisar seu método e tomar uma posição objetiva que é vlscont! como a verdade fílmica que nasce de sua exatidão, de seu testemu-
a única correta em qualquer crítica de arte. nho do homem,
O novo western não foi uma renovação temática mas estrutural. Foi. dentro É por isso que irrita um crítico vir chamar um herói de burguês, Burguês é
do complexo industrial hollywoodiano. determinado por motivos econômicos. ele que não se despe da contemplação marginal e não penetra no mais belo
A superestrutura conseqüente foi a nova forma. O que dentro da origem eco- verso de todas as artes: a hora quente do meio-dia quando um homem solitá-
nômica do novo western deve ter sofrido planejamento: mudar a forma, adotar rio e indignado, mas crente nos valores da coragem e da defesa e da vingança,
o choque, eliminar as fusões. saca de suas armas como poderia sacar de sua pena ou de seu pincel, ou de
A fim de atingir a nova forma de espetáculo, novas estórias mais enquadra- seu próprio sangue e enfrenta quatro pistoleiros que marcham para matá-lo.
das numa linha psicológica de introspecção que permita à câmera aproximar-se
do personagem, daí a base armada em close-up da montagem de High Noon.
Porque não fora um punho de artesão como o de Fred Zinnemann, ou outro DO NOVO WESTERN
qualquer de Delmer Daves, Anthony Mann - para citar dois mestres do gêne-
ro - ou mesmo de outros como John Huston, Robert Aldrich e mais alguns Gunfight at the OK Corral [Sem lei e sem alma. 19571 rompe as fronteiras do
que lideram o jogo de enquadramentos e cortes em Hollywood, a estória de western psicológico-coreográfico (inaugurado com High Noon. 1952), para uma
Carl Foreman seria talvez ridícula. nova caracterização do gênero. Conservando os temas fundamentais da forma.
O que faz High Noon um grande filme é a construção dramática, seu ritmo a balada introdutória, a ritmia interna dos personagens e de elementos dinâ-
correspondente ao tempo real, A invenção não é de Zinnemann. Antes Robert micos até a menor escala, John Sturges busca e consegue a saída de um sen-
Wise nos dera o clássico The Set-Up [Punhos de campeão, 1949]. Mas o exer- tido formal que se findava pelo caráter esquemático que adquiria, provocado
cício de Fred Zinnemann é de igual presteza e orientado no sentido de promo- por um conjunto de incidentes no contexto geral dos filmes levando o gênero
ver o clímax e introduzir, com todo o requinte estilístico, o novo CHOQUE no à saturação,
western, que marcava, na hora em que Frank Miller salta na estação para matar Enquadrado e realizado numa estrutura exposo-narrativa repleta de parágra-
com seus três pistoleiros o xerife Will Kane, o advento do western moderno. fos não teorizados mas existentes, obrigatórios pela insistência quantitativa dos
É dentro daquela insólita ambiência visual- a plástica cinzenta e o quadro diluidores de Fred Zinnemann [Matar ou morrer], o western psicológico (ou o
geométrico - que os bandidos estão na estação à espera do trem. É dentro anti-Ford-épico por excelência), por justamente fugir ao movimento não raciona-
daquele correr seco do tempo que Will Kane marcha pedindo ajuda de amigo a lizado do realizador de Stagecoach [No tempo das ddigências, 1939J poderia ser
amigo. É dentro desse trabalho com o tempo que Zinnemann dirige a câmera tomado como uma conjugação de elementos menores primitivamente fcrdia-
nesse ou naquele, contando, segundo por segundo do quadro, e dando ao nos com outros tantos do thnJler policial ou passional. surgindo daí uma catego-
conflito psicológico da realidade - o mesmo que se estabelece na percepção ria mais intelectualizada: o western psicológico nos ensaios do coreográfico.
do espectador - uma duração exata do mesmo transe do personagem. Classicamente a estrutura obrigatória (como quartetos e tercetos dos sone-
Faz-se um filme de qualquer coisa, De uma praia deserta. De um homem tos) da balada introdutória, do cavaleiro solitário, da situação marcada no tem-
só. A câmera é que cria um filme, jamais um argumento sobre o qual a câmera po, da tensão preparatória para aquela, do duelo na rua e da partida, foi sendo
apenas registre delírios ou transfigurações lítero-psicológicas como em Fellini. decomposta em subestruturas que em terceira categoria casaram 5hane [Os
Ou em Bergman, que deforma a figura dentro do mais irritante parnasianismo brutos também amam, 1953]. de George Stevens, com a já anterior síntese
teatral em busca de uma "modernosidade" que só gente trêmula de proble- alcançada por Hígh Noon.
máticas sexuais gosta e diante das quais delira, Mas delira diante de sua psi- Destarte, a complexidade crescente do western levou os diretores a cami-
cose e não diante do filme como obra de arte, E então, diante de Bergman, de nhos para idênticas soluções de plástica e rítmica, As variações esgotaram-se.
Fellini ou de Kazan, se irritariam, como todos os lúcidos se irritam, elegendo Quanto mais absurdamente estilizadas e repetidas, ao passo que se processava

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a saturação da crítica, comprometida de origem com a autonomia cinemato- Em Bad Day at Black Rock a sintaxe da violência cinematográfica atingiu um
gráfica do gênero frente às outras modalidades da sétima arte, soube aceitar raro objetivo no cinema moderno de Hollywood: a tensão analítica dos perso-
este requinte/esgotamento formal como suporte da sua própria conceituação nagens - suas condutas se desenvolvendo horizontal (na conduta do tempo),
de classicidade. Quanto mais gasto, melhor dependendo do poder emotivo vertical (na conduta do psicológico), sem haver, por intencionalidade formal
traduzido por este ou aquele enquadramento ou choque sonoro. Aliás, a me- predisposta mente clara, o abuso de peças dramáticas bem próprias a garan-
cânica do choque (montagem de analogias e contrastes nos ritmos internos e tir o filme pelo superficial do choque. John Sturges soube - executando um
externos do filme) passou, embora conservando fundamentalmente o compas- novo western no tempo histórico, no meio social e noutra poética - aplicar
so monótono fordiano. a ser uma constante denunciativa dos fáceis recursos os recursos do realismo coreográfico (capítulo da expressão cinematográfica
expressionais encontrados, mesmo agradando não tanto por si, mas pelo que em que a técnica do artesanato (estética) existe na condição direta da técnica
de essencial o western encerra em cada particularidade: o mito permanecente física, do cinema arte de máquinas) até o ponto em que, sob o ponto de vista
como outrora quando não intencionado além do que de lúdico havia nos movi- cinestético, esgotou tais recursos para si mesmo, sabendo a saturação. Não
mentos de esquipar e atirar, brota de um cinema agônico, inaugurando novas interessando a sua carreira posterior a Bad Day at Black Rock até Gunfíght
entidades de comunicação. at the OK Corral, pode-se todavia assinalar num western menor, Escape from
Como particularidades-suportes de todas as variações tomaríamos como Fort Bravo [A fera do Forte Bravo, 19531, uma acentuação de linguagem que já
exemplo 3.10 to Yuma [Galante e sanguínário, 1957]. de Delmer Daves, onde a denunciava o repúdio ao artesanato da técnica física do cinema, preferindo,
situação marcada no tempo (na armação da narrativa), a concepção do bandolei- antes, no processo da montagem, já dita estética, buscar o sentido ritmo que
ro bom e solitário (no sentido mitológico) e a estrada de ferro, o enterro clássico flora em Sem leí e sem alma - o clima seco, os dias lentos e melancólicos, a
e a balada narrativa conjugam as influências de Shane e Hígh Noon para um dupla salvação/perdição do homem na terra traduzida num estilo que se utiliza
filme exemplar como declaração final de que o gênero chegara. por íntimas soli- quase que do plano geral e da panorâmica.
citações temáticas, a um esgotamento que por satisfazer anunciava extinção. Em Gunfíght at the OK Corral John Sturges parte do início comum: a balada
Não importando qual a cronologia exata de Sem leí e sem alma no panora- introdutória. A planície amarela contra o céu azul. Depois, no interior do bar, o
ma geral do western de três anos para hoje, com ele se cria um novo tipo da es- relaxamento das montagens (a dos planos e a da cena) quebra o tradicional
pécie: a do realismo psicológico em substituição ao psicológico coreográfico. racionalismo tão aplicado: o bandoleiro grita, xingando violentamente sem ser
John Sturges, tendo esgotado em Bad Day at Black Rock [Conspíração do um complexado sussurrador à maneira de Kazan. Evoluindo, Gunfíght ín the
siténcio, 1954J - uma nova dimensão histórica e quase também estilística do OK Correl, vencida a primeira parte que ainda se ressente em algumas fases
western - vários dos conhecimentos da montagem de choque, da atmosfe- da influência de Hígh Noon (como por exemplo a entrada de Wyatt Earp na
ra árida, da psicologia em crescendo vertical, da encenação coreográfica, se cidade, avançando sombriamente em lenta panorâmica, impulsionado muito
encontraria teoricamente preparado a resistir às novas e mesmas fascinações bem pela narrativa da balada, acessório válido, embora estranho ao específico
para que, voltando ao mesmo tema, agora em outro tempo, fosse propor uma fílmico, por ser uma maneira autêntica de contar as estórias do velho Oeste),
execução contida naqueles limites gastos, e quebrou em Gunfíght at the OK o racionalismo mecânico salta (ou flui?) para aquele próximo à concepção de
Corral as linhas intermediárias da montagem de choque liquidadas pelas cir- montagem eisensteiniana (o choque multiplamente interior, subjetivo, seme-
cunstâncias da intriga de Leon Uris quanto à estranha amizade do pistoleiro lhante às explosões de um motor, traduzido numa amadurecida poética etc.
Hollidaye do xerife Earp. Sendo a violência apenas um motivo de expressão - vide Fílm Form):29 caminhando na contenção do ritmo, na ausência do som,
material para justificar uma existência interna de humanidade complexa, não
poderia, e ainda mais quando a constante subjetiva psicológica era pacífica e 29 Sergei Eisenstein. Film Form Essays in Fi/m Theory, Jay Leyda (org.) (Nova York: Harcourt. Brace &
jamais feroz, a montagem obedecer outra linha para concreção a não ser aque- World, 1949). No Brasil. A forma do filme, trad. de Teresa Ottoni e eores.. notas e rev. técnica de
la de compasso calmo. José Carlos Avellar (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002). IN.E]

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essa consciência aos atos de manter responsabilidade sentimental, a música
irrompe como tema central do curral OK.
Poderia ser uma interferência comum: contida nas circunstâncias existen-
tes em Sem lei e sem alma ganha dimensão estética.
Sem lei e sem alma traz certos conhecimentos cinematográficos do ho-
mem (do espiritual de que falou Jean Epstein}, principalmente na realização
de tragédia configurada em Doc Holliday e em sua amante interpretada por Jo
Van Heet.
No campo do cinema autônomo e principalmente nas linhas de encenação
longe do teatro há uma dimensão do ator funcionando como imagem-peça da
montagem interna que, a exemplo de Marie Falconetti em La Passion de Jean-
ne D .:4rc [A paixão de Joana d'Arc, 1928\. de Carl Dreyer, pode ser verificado
em muito menor grau quanto ao Holliday composto por Kirk Douglas.
O caso do plano atingido por James Dean como Jett Rink - um persona-
gem de absoluta fragilidade no roteiro de Gient (Assim caminha a humanidade,
1956), de George Stevens - é um exemplo correlato.
Não a interpretação do ator, mas sua presença plástica condensa e reali-
Sem lei e sem za o trágico e o cômico na grande perspectiva da encenação antidiscursiva,
alma (1957) diríamos para o futuro da interpretação concreta conduzida pela montagem,
específico cinematográfico que, como já ensaiou Eisenstein em Film Form, foi
na maneira de como um novelo se desnovela no silêncio, indo assim para um tomado como acessório teórico aos poetas concretos brasileiros: elemento
epílogo altamente forte (o tiroteio no curral OK). que não enuncia nem explica o objeto, mas em torno dele cria uma existência
Sturges, in Eisenstein quisesse ou não conscientemente, objetiva cada plástico-rítmica: e daí o objeto se diz por si mesmo, no cinema na imagem,
anterior pequena explosão dramática (como a primeira perseguição de Earp como os primeiríssimos planos de Falconetti no filme de Carl Drever.
& Holliday a três bandidos, a invasão da cidade pelos boiadeiros, a humilha- E do novo western que é Sem lei e sem alma resta o humanismo no senti-
ção a que Ringo submete Holliday, a morte do irmão de Earp. a tentativa de do que transcende o esquematismo psicológico. O cavaleiro solitário perdeu o
Holliday matar a amante) por um caminho de lógica e prévia preparação que mito. Chegou o tempo dos heróis complexados: neles a angústia, a solidão e a
já supõe na fluidez do ritmo estrutural os compassos dissonantes: por isso necessidade de se comunicar por balas ou por carícias.
Sem lei e sem alma avança uma categoria na forma do filme western - é esta
fluidez interrompida brusca/internamente, como um motor que alterasse suas
descargas sem interromper sua ação. E melhor realizada, além de no geral o PREÇO DA IDÉIA
do filme, na própria seqüência final do tiroteio. Há o escoamento do tempo
em mudez absoluta. Os tiros, primeira denúncia sonora da violência, no início Robert Wise é um exemplo do "artesão" a serviço da indústria de filmes ame-
pura barbárie. Ultrapassada essa fronteira, quando Holliday toma a consciência ricanos. Autor de três obras-primas: The Set-Up [Punhos de campeão, 19491,
de uma matança necessariamente passional (resolve ele mesmo matar Ringo I Wantto Uve [Quero viver, 1958] e OddsAgainstTomorrow [Homens em fúria,
para cobrar na bala a humilhação passada) e por outro lado Earp sai em per- 1959], Wise já assinou mais de trinta filmes, entre os quais autênticas chancha-
seguição do jovem pistoleiro que tomara o crime como fuga à solidão, dada das como Two F/ags West [Entre dois juramentos, 19501.

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Onde está o caráter do cineasta?
Lembremos que Laszlo Benedek. o autor de O selvagem e A morte do cai-
xeiro viajante, assinou, sem escrúpulos, a ficha de Rifles para Bengala.
Isto coloca o problema não do CARÁTER mas do SER CINEASTA. Outro
dia um pintor comentava comigo "da dignidade" do desenho comercial, aquele
ofício que lhe dava condições econômicas para realizar sua arte com a respi-
ração solta.
Ocorre que, se ele assina "Picasso" num calter de refrigerante, estará se
igualando ao pistoleiro profissional.
O problema do "ser" alguma coisa e sair ao mercado da inteligência. Este
"íntimo vendável" não pode deixar de ser sedutor na praça: e mesmo no cine-
ma brasileiro um diretor de talento quanto Roberto Farias [Cidade ameaçada,
1959] deixa todas esperanças da crítica no fogo e aceita dirigir Um candango
na Belacap (1960) para Herbert Richers.
O pão do artista não interessa ao crítico e ao público.
Esta "ética" é estranha ao resultado na obra de arte embora seja a ética que
se refletirá na significação do trabalho.
Em literatura a forma direta de escapamento e autodestruição é o jornalis-
mo: o talento literário (quando existe) é vendido no esquema do "não tenho
jornal, tenho salário".
Lembremos os samurais, guerreiros que ganhavam para lutar por qualquer
exército, ou os gangsters que matavam pelo preço.
Não há distinção.
O intelectual está no ato de fazer o sorvete ou fazer o poema.
A torre de marfim está destroçada desde o advento da indústria, quando o
homem se afirmou nas "técnicas" mais do que os artistas nas "estéticas".
O caso de um pintor (que seja decorador), de um üccionlata-poeta (que se
sepulta no jornalismo), de um cineasta que fabrique espetáculos, é idêntico a
todos os outros itens da prostituição, porque não se pode sacrificar a idéia.
O intelectual reacionário capitaliza a idéia. Sua idéia é a máquina que im-
pulsiona, sob formas diretas, as políticas dominantes que agem sobre a massa
indecisa. O editorialista de um jornal, um diretor cinematográfico - eis os do-
Robert Ryan nos da opinião pública. Essa idéia reage dentro da sociedade capitalista como
em Punhos de arma poderosa. O intelectual, sendo "homem da margem" pela impossibilida-
campeão de de e pelo temor de um diálogo de CIMA PARA BAIXO, é solicitado discreta-
Robert Wise
mente como se fosse bicho.
(19491

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É ofendido economicamente como se recebesse favores, mas é moral- Hoje toma excitantes. Enquanto Marlon Brando abre a boca e rosna, enquanto
mente respeitado, porque neste testa-a-testa do pensamento contra o poder, o Marilyn Momoe abre o rabo e mia, enquanto o público recebe aquela fuga da
poder vacila diante da profundidade dos olhos que saltam à sua frente. própria frustração para nova frustração (a imagem que se oferece mas não se
Seria esta condição aquela que garantiria uma integridade absoluta e in- dá) - enquanto o público se contorce amargurado nas cadeiras do cinema,
contornável. Mas acontece que o artista sofre da necessidade de expressão: uma indústria inteira cataloga casos psiquiátricos, problemas sociais que inte-
precisa SER. ressam mesmo ao Estado, chagas humanas e taras, sordices.
Desta encruzilhada, compreendendo que o "profissional" financiará a "poéti- É preciso taras inéditas. Não é sem motivo que Tennessee Williams vende
ca", sai para o mercado da idéia, troca as suas em miúdos, vende a preço barato. milhões. Espero mesmo um dia que um cineasta comunista, tratando a miséria
Quando Robert Wise resolve, porque pode, produzir Homens em fúria, é para com música dejazz e mostrando a revolução em cinemascope, seja empresa-
exercer sua carpintaria e mais uma vez protestar contra a situação americana. do por Hollywood. Hoje a meca do cinema acalma os mais bravos rebeldes.
Se em Punhos de campeão condenava a estrutura de uma prostituição físi- Lá habitam os homens vendidos. Por isto, na dúvida da seriedade individual,
ca, o boxe, em Quero viver existe um raio de protesto contra a pena de morte, como posso em Homens em fúria (como em centenas de outros modernos
conta a parábola do branco e do preto. Na morte (e por que não na vida?) todos filmes americanos, cujo artesanato é exemplar) reconhecer a autenticidade de
são iguais. uma verdadeira obra de arte? Esta busca do ser cineasta, eu acredito seja a
Como poderia Robert Wise abrir em três filmes três páginas dolorosas de mais séria que a crítica moderna deve encetar. Não só no cinema. Também em
sua nação e ao mesmo tempo realizar musicais, melodramas, westerns e ou- todas as manifestações do pensamento humano.
tras tolices? Morreu o tempo em que o crítico procurava a inteligência e a capacida-
Embora nunca houvesse perdido a habilidade da câmera e da montagem, de inventiva. O cinema entrou na crise da forma e, salvo os avanços geniais
várias vezes se entregou à rotina, ele, um artista social e esteticamente rebelde. e reformistas como Hiroshima Mon Amour [Hiroshima, meu amor, 1959], de
Um homem contra a marcha natural dos baixos sentimentos e contra a Alain Resnais, não temos outro caminho senão buscar a humanidade como
facilidade da criação humana. fundamento do filme. E esta humanidade, para ser mostrada e discutida em
Homens em fúria trata do "homem vendido". Aquele que a vida conduz ao sua verdade e com verdade, não pode ser enquadrada sob o ponto de vista de
roubo por necessidades incontornáveis. Os que não são criminosos, mas os um produtor mas de um poeta.
que precisam ser salvos de qualquer jeito. Os que, sem protetores, salvam-se
por si mesmos. E no dinheiro, o monstro sagrado. Wise está nos seus filmes
negando esta necessidade da prostituição. A sua própria. Esta vingança (de UM FILME GENIAL
um cínico, diríamos) garante sua permanência no elenco do cinema internacio-
nal. Todavia, existem novas faces. Eis o maior filme americano, a obra que ultrapassou Orson Welles e Stanley Ku-
Até que ponto o protesto, a denúncia, o "esquerdismo" são profissões? Até brick e que se integra ao lado de Hiroshima, meu amor, de Alain Resnais. Um
que ponto a religião, a política, a estética são profissões? O cinema americano, filme genial, um filme moderno, revolucionário, que está para o cinema como
através de Elia Kazan e Tennessee Williams, industrializou a neurose, faturou a Joyce para a literatura: Studs Lonigan [Uma vida em pecado, 1960]- produ-
frustração, empacotou os complexos, selou as violências. ção de classe B, escrita e produzida pelo veterano e irregular Philip Yordan e
Tudo foi distribuído e colocado nos cérebros do público. Fundou-se a in- dirigido por Irving Lerner.
dústria do "bom gosto", uma produção de cinema, discos, imprensa, televi- Confesso que desde Eisenstein e Jean Vigo somente The Killing [O grande
são, livros, dedicada a um tipo de gente que sabe ler, que é semiletrada, que golpe, 1956] e Killer's Kiss IA morte passou por perto, 19551. de Kubrick, e mais
adora o exotique . que vibra com o estranho. Um problema não mais do opiário tarde Hiroshima, meu amor, foram filmes que me impressionaram como fenô-
romântico da fase Greta Garbo. Antes o espectador adormecia sob tóxicos. meno estético.

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Antes, o cinema de Eisenstein e os filmes japoneses mantiveram o altíssi-
mo nível de cinema criativo. Mas o fenômeno Eisenstein é caso isolado e os
filmes japoneses são procedentes de uma cultura diferente da nossa: a sedu-
ção pelo exotismo nos conduz ao estado de alucinação que impede a análise
fria. Falamos, no caso acima, de filmes ocidentais, filmes de nossa cultura, que
podemos melhor entender historicamente, colocando-os dentro do processo
cultural moderno.
Philip Yordan foi um escritor de cinema de altos e baixos. Passando a pro-
dutor, começou com categoria.
Anna iuceste» revelava um aspecto novo do cinema americano. Drama ne-
gro - com algumas concessões - trazia o mais brilhante diálogo dos últimos
tempos - e procurava entrar na "alma negra" americana, fora do exotismo,
Venetia
chegando a situar sociologicamente as famílias negras daquele país, revelan- Stevenson,
do, é certo, alguns aspectos degradantes mas que, na classe branca, são mui- Christopher
to mais sérios, graças à própria divulgação do cinema americano comercial Knight (à dir.) E
que industrializou a sordidez daquela sociedade. Jack Nicholsor
em Uma vida
Studs é um jovem como outro qualquer de pequena classe média, que atra-
em pecado de
vessa a vida alucinado, incompreendido, desarnado. perdido, marginal sem nada. Irving Lemer
O tempo corre por dentro e por fora de Studs, os anos passam naquela (19601
fantástica década de 20 em violento Chicago de Lei Seca & bacanais, a vida
dos rapazes pobres é sempre a mesma: nos bilhares, jogando & jogando, nas Não há para o rapaz - que persegue Lucy como um sonho tão perdido!
festas, farras, aventuras, olham a mulher trocando a roupa, prometem sonhos - outra saída senão trabalhar. O pai é categórico: só há emprego para "pintar
a uma prostituta que ainda acredita no sonho, ficam olhando as "melindrosas" paredes" e, assim mesmo, para um só homem. Studs amara sua professora e
que desfilam com seus trejeitos da época. Ouve-se charleston, vê-se stríptease agora a amiga dela. Está desesperado sob a chuva dentro da crise, um homem
mas ainda existem aqueles que amam Mozart, embora a excitação de Studs fala contra a máquina. Studs cai junto do padre e descobre que o encontro do
seja terrível, impede que ele sinta uma música diferente daquele ritmo alu- amor é o encontro com ele: sabe que é diferente dos outros, não tem muita in-
cinante. O carrossel gira implacavelmente e Studs vai perder Lucy - a sua teligência, mas tem capacidade de amar. A chuva agora é mais violenta e Studs
amada Lucy - que deixa de ser o amor para ser a esperança, um mito inal- corre junto à maré que sobe. Encontra seu último amor - grávida - que já de-
cançável de pureza, felicidade, paz. Mas em torno de Studs é a época e sua sistiu de o esperar. Diz que "ama" mas no fundo a felicidade daquele instante é
necessidade de viver freneticamente. E quem vive mais, e quem sobretudo se que Studs vislumbra ELE, a paz, o cerne do mito.
converte em "herói" é o gangster, aquele que "aponta e espreme" balas em rit- Eis o scrípt oferecido por Philip Yordan e Irving Lerner.
mos fantásticos sobre os inimigos. Studs espera mas não tem coragem para o Studs cresce como herói trágico dentro de dois processos: a interpreta-
crime. Studs é um puro. Sempre, em cada ano, há uma esperança. Os amigos ção fantástica do novo ator Christopher Knight e o universo fílmico que Irving
porém morrem: Paulie é atropelado, Weary "pega dez anos" por crime sexual, Lerner cria em torno do personagem, aplicando a invenção desde o enquadra-
Studs e os outros estão quase perdidos. Vem a depressão. mento até o som, isto sem considerar a montagem que arrebenta a pontuação
gramatical. ultrapassa os limites das seqüências e traz o monólogo interior
30 Anna Lucasta 119591. de Arnold Laven e roteiro de Philip Yordan. [N.E.l como elemento de realismo.

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Mas é também no campo da mise-en-scéne que Irving Lerner se revela cria- dizendo que vai "levar uma grande vida". Corte. Travelling lento sobre um cai-
dor. Desde os letreiros vemos o sentido de "reconstituir uma época" quando xão negro e - repousado nele - está Paulie, morto. E em volta a família cho-
surgem os desenhos dos rapazes de boné encostados nas paredes, naquelas ra, enquanto nas salas os outros bebem, falam. combinam, relembram a morte
conhecidas atitudes de "anjos de cara suja". Daí a mise-en-scéne de lrving Ler- de Paulie atropelado por um caminhão.
ner visualiza "poeticamente" a época, atingindo essência plástica & espiritual, Nesta seqüência, Irving Lerner "mata" o personagem num corte seco e
abandonando o "historialismo" minudente. discreto. A "visão" do velório é a mais excepcional apresentada pelo cinema.
O tempo corre na monotonia das bolas de snooker jogadas no bar e através Foi quebrado aquele ritmo seco "para dar tristeza". Aqui temos uma atmosfera
das pernas bamboleantes que passam: os moleques olham alegremente, o viva, radiante, o próprio conteúdo de um velório: a família chora enquanto os
ano corre em sua calma, mas nesse novo ano Studs ama Lucy e o carrossel convidados apenas "comparecem".
gira levando Lucy para longe. Sempre Studs volta ao mesmo lugar - e são Enquanto mise-en-ecéne, o modelo exemplar da revolução de Irving Lemer
os mesmos ângulos, as mesmas posições de atores - até que Lucy é levada se traduz no momento em que Studs, descrente de que em Chicago, naquela
para bem longe e nada resta ao rapaz, sentado agora neste banco, senão ofe- hora, nada mais restava do que ser um gangster (e assim se afirmar, ser ALGU-
recer uma folha seca à noiva de seu amigo. MA COISA - resolve se transformar. Está frente a frente a um cartaz onde se
Irving Lerner corta de uma cena para outra, mantendo o estado emocional vê a cabeça de um "homem da lei seca, de boné". Um plano geral: Studs diante
da cena precedente, embora o tempo aí já tenha corrido dias. meses e anos. do cartaz. Subitamente Studs assume posição de gangster em passo coreográ-
Assim. o exemplo de "dias", é que Studs sai de um striptease e já está em sua fico. Quebra o boné de lado e, sob a música, já se transforma em "fora-da-lei",
casa. ao lado de seus pais, com o jazz renitente em sua cabeça (e em seu elo- Abdicando da montagem pela mise-en-scéne. Irving Lerner consegue, funcional
se) e agora também no studio de sua professora de música que ouve Mozart, às necessidades expressionais do roteiro, atingir o clima interpretativo do fun-
embora Studs ouça o jazz. damento literário. O filme é uma visão pessoal do cineasta. O filme é seu, sua
O monólogo interior, teorizado por Eisenstein. até então recurso narrativo personalidade, embora seu ponto inicial de criação seja o tema de Philip Yordan.
da literatura, passa, nas mãos de Irving Lerner, a ser elemento realizado muito A confissão, uma máscara e as vozes fora de campo. Studs já pede perdão
mais do que em mãos de Resnais. ao padre. Aqui. voltemos ao problema da "fala dramática no cinema", diferente
Enquanto o autor de Hiroshima, meu amor retrocede no tempo - e aí tem deste habitual diálogo literário. Embora seja sob uma nova concepção "literá-
um handicap para interromper a narrativa, lrving Lerner usa processo próximo ria", o que indica uma evolução em Philip Yordan, estando - com este filme
de William Faulkner: narra simultaneamente quatro elementos: duas ações - próximo ao realismo poético de autores modernos como William Saroyan
- a de Studs excitado e o da professora normal; e "duas consciências" _ a ou Carson McCullers.
professora sob a memória perturbada de Studs. Mas onde existe uma novíssima utilização do diálogo e imagem é na se-
A montagem é simultânea e não paralela. E a fusão de som e imagem tam- qüência do bar, quando vemos em close (que dura cerca de três minutos) uma
bém, todas conjugadas ao mesmo tempo. Assim, no cinema, a consciência velha prostituta decadente. As vozes dos rapazes, fora de campo, comentam
humana é trazida até a imagem. Alain Resnais trouxe apenas a memória. sua condição. Subitamente um promete "futuro, casa, casamento". O ctose
Desta maneira a atenção evolui até que Studs já tem a professora em seus reage e toda uma vida de frustrações e esperanças ganha complexa realidade
braços, sob o domínio do jazz. em segundos.
Mas, quando a professora sente piedade & ternura & amor por aquele po- Eis como o diálogo - em dupla função - consegue ser fala dramática.
bre solitário - e retoma sua cabeça até os lábios - é o presente purificado
que surge via Mozart!
Paulie - um dos amigos de Studs - resolve abrir um cabaré: tem um
cheque de cinco mil dólares. Levanta a cabeça em close e sorri, abertamente,

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FROM NEW YORK TO PAULO FRANCIS um prisioneiro da ordem. Sabe o que fiz, logo de cara? Peguei um táxi e disse:
"Toca pro Times Square". Fui logo ver, na mesma noite. Puxa, Francis. que
Ora, Paulo Francis, desde que não falo inglês, fica difícil para dizer o que sinto decepção! Não tinha glamour nenhum, era uma sujeira e uma tristeza desgra-
de Nova Iorque. Aliás, pra que dizer o que sinto de Nova Iorque com este des- çada, parecia a Praça da República em São Paulo, só que maior, os caras mise-
lumbramento típico do subdesenvolvimento que chega na capital do mundo e ráveis mais gordos um pouquinho, os letreiros mais coloridos, tudo "mais" um
baba na gravata? Nelson Rodrigues me disse que nunca atravessou a fronteira. pouquinho e basta.
Que tem uma porção de anos que não vai nem ao Nordeste, nem a São Paulo. De emoção resfriada voltei pro hotel e no outro dia, com ar de Humphrey
Pelo que ouço falar, também o altíssimo poeta Drummond nunca andou por Boqart. acordei e olhei a cidade de cima, cinzenta e mórbida. Desse primeiro
Oropas e Steites. idem o glorioso Mário de Andrade. Viajar é besteira? Isso contato, o ano passado, guardava a lembrança da sujeira e do movimento. Fui
depende, acho que é coisa interior. Por exemplo: não adianta voar meio mundo embora para não voltar, mas acabei voltando e dessa vez eu manjei logo de
e ficar no lugar com ares e costumes da terra natal. Brasileiro tem essa mania: cara o negócio das ruas numeradas. Insisto nas ruas numeradas porque sem
a gente se encontra com ele em Paris ou em Nova Iorque e ele começa logo a isto qualquer viajante está liquidado. Minha impressão é assim: um bocado de
falar num feijãozinho, numa batida, num samba e, se bobear, acaba chorando ruas numeradas como se fossem labirintos dentro dum grande cemitério.
numa encheção de saco monumental. O sujeito desembarca do avião, chega Zelito Viana, que fala umas dez línguas, tem o costume de parar na esquina
ao hotel, dorme, acorda e vai logo dar uma voltinha no escritório da Varig, para e puxar papo com as desocupadas e tecer considerações absurdas sobre as
olhar os jornais! coisas; esta liberdade de Zelito serviu pra desinibir meu complexo de mudo e
Você sabe, Francis, eu nasci em Vitória da Conquista e meu pai, Adamastor assim eu pude notar mesmo que se trata de um cemitério.
Btáufio da Silva Rocha, tinha uma companhia de transportes rodoviários, eu Zé Medeiros, que conhece a cidade bem, me levou por uns subterrâneos
viajei com ele pelo Norte todo e uma vez ficamos perdidos com fome e sede debaixo do Rockfeller Center e eu me senti num cemitério. Aqueles prédios
nos agrestes do Piauí. Vem daí esta mania de viagem. De Conquista, cedo co- todos da Quinta Avenida parecem túmulos com seus tons dourados e negros.
mecei a viajar pra Salvador, de lá praqui pro Rio, daqui pra Paris e adjacências Os caras botam edifício preto e dourado com uma espécie de premonição. De
e agora Nova Iorque. Minto, Nova Iorque foi o ano passado, pela primeira vez, manhã, na janela do quarto do hotel. faz sol. A gente desce, faz frio. Os edifícios
fram Montreal, eu e Rosinha. Em 1964 eu me joguei pro México, passei três barram o sol, a luz não beneficia os caras andando ligeiro nas ruas numeradas.
meses em Los Angeles, parti pra Milão, passei por cima de Nova Iorque e não Zelito quebra esta ordem, eu me familiarizo com os túmulos, entro em órbita.
quis descer. Olhei de cima, manjei a bichona toda enevada lá embaixo e disse Agora, Francis, são mais duas coisas: os caras bem-vestidos dos hotéis
um resoluto "não é pra hoje, fica pra depois". Foi assim com Veneza também: luxuosos e os marginais. Os caras riquíssimos e os caras que não têm um
várias vezes em Roma, Florença etc., mas Veneza não. Tinha de ser para de- cent pro hamburger. E uma malandragem original que mistura o Rio com São
pois. Tinha de ser em tom afetivo. E foi no ano passado, antes de Nova Iorque, Paulo. O Brasil não é cópia de Europa não: é cópia dos EUA. É claro que grã-
pra mostrar a cidade pra Rosinha e pra ver, nas calmas tardes do Hotel Cipriani, fino brasileiro se mete nos grandes hotéis e nos grandes restaurantes, gasta
o toureiro D. Luis Buriuel. um dólar firme, compra um bocado de coisas, e volta feliz. Mas a cidade de
Nova Iorque trorn Montreal, é como a gente chegar em casa. De Montreal Nova Iorque é uma sofredora. Pela minha circulação, caio neste sofrimento. E,
não tem burocracia alfandegária. Você sai de uma província, Montreal, e entra em plena campanha eleitoral vista pela telev'lsão e por algumas arruaças nas
na capital. Nova Iorque. Aí eu peguei um táxi e fui pro hotel que tinha reservado esquinas, Nova Iorque não se modifica muito, apenas vai se abrindo, sempre
e que ficava lá numa daquelas ruas numeradas. As ruas numeradas que cru- de táxi, porque não sei andar no subway de lá, desorganizadíssimo e sujíssimo
zam nas avenidas me causaram as primeiras angústias. Não tenho noção de em relação ao metrô de Paris.
norte ou sul, de esquerda ou direita, sou débil nestes sentidos, só me oriento O melhor mesmo é o táxi amarelão, embora custe caro. Saí do hotel pra
por nomes ou descrições e por isso no meio daquelas ruas numeradas eu era casa do meu amigo jazzista Gato Barbieri, que mora no bairro porto-riquenho.

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e a vantagem disto é que, na casa do Gato, a gente pode ver, ouvir e conversar rico e elegante, reacionário e pulha. Não fosse um agente literário próspero,
descontraidamente com Don Cherry, Ornette Colfeman e João Gilberto. ele seria recusado. Rico, circula sem preconceitos, embora num meio de in-
Chega de noite. tocadores de jazz vão se ajuntando na casa do Gato e telectuais. Quem está no Casey's é o mesmo pessoal do Antônio's, que toda
de lá, por dentro de um dos territórios míticos da cidade, dá pra começar o cidade grande não deixa de ser província a partir de seus pequenos grupos
conhecimento e a desmistificação. Começa a naturalidade, a fofoca. e subi- e bares.
tamente véus da ignorância se dissipam. Gato Barbieri é argentino mas como Na saída do hotel vi Norman Mailer dentro dum carro negro e grande, cer-
latino-americano circula livre no campo do ódio racial dos jazzistas negros. Pra cado de amigos que pareciam guarda-costas de George Raft, no diálogo simi-
Omette Collernan, Gato é o maior sax branco do mundo e por isto "pode to- lar à sua ficção:
car", porque, segundo os negros,jazz é música deles e quando um branco soa - Norman, como vai a vagabunda de sua mulher? (grita de um táxi uma
uma nota adultera tudo. É preciso que o branco tenha muito conteúdo político americana linda e agressiva). Ela está contente com os chifres que lhe plantei?
ou cultural pra ser aceito. Não sei se isto está certo ou errado mas no Slugs Mailer, da janela do carro negro, responde com palavrões e gestos obscenos;
os maiores cobras negras do underground jazzlstico estão mandando brasa, depois fico sabendo que a mulher era atriz do seu filme Beyondthe Law [19681
escarafunchando origens africanas e agredindo com violência consciente. e que Norman lhe dera uma surra e uma dentada na orelha, quase arrancando
O que dá o toque especial a tudo isto é que. entre um tempo e outro, escorre- um pedaço.
gam para uma bateria de Escola de Samba ou pra uma batida de bossa-nova, O agente literário negro explora escritores brancos na mecânica da indús-
o que me faz pensar nos ortodoxos daqui que acusam certos músicos moder- tria literária americana, e me diz, cinicamente, entre uma e outra pergunta so-
nos brasileiros de americanização sem saber que o jazz negro absorve samba bre Jorge Amado:
descontraidamente. Os pretos têm uma certa razão quando malham o Stan - Vocês, latinos, quando chegam aqui, arriscam perder mulher, dinheiro
Getz, por exemplo. pois os brancos comercializaram a violência deles. Mas vai e a vida.
uma grande diferença entre influência cultural e distorção comercial. Falei com É, Francis, o óbvio ululante seria dizer que Nova Iorque é uma cidade vio-
um negro sobre a Bahia e ele me respondeu numa música de candomblé de lenta. Mas com a vantagem de ser uma violência sólida, diferente desta violên-
Senhora. entrecortada por urros em iorubá. Tavatudo lá. sem distância geográ- cia pantanosa daqui. embora tenha surgido um tipo de protesto escorregadio,
fica. E, para eles, tanto João Gilberto como Tom são crioulos. como aquele do Living Theatre que agride no começo mas logo cai numa cha-
Agora, Francis. não me peça para falar como especialista de jazz porque teação desgraçada.
só aprendi a gostar da coisa agora e sem esta mentalidade de menino viciado Fui ver um espetáculo do Julien Beck e da Judith Malina e me sentei no palco
que fica querendo saber nome, data, tipo de instrumento, selo de LP e outras no meio de uma roda grande de hippies, e a marijuana corria solta que nem se
frescuras. Eu fui só ouvindo, falando com dezenas deles (por línguas misterio- podia respirar; dava um ar de candomblé civilizado e lá pras tantas vieram os
sas cruzando, da cerveja mútua, do abraço, do sorriso, do olhar, do espanhol, atores todos muito bonitos e sem deixar distinguir bem quem era homem e mu-
do francês, da fumaça, do português e enfim do inglês) pra entender enfim lher e aí começaram a dizer baixinho que a guerra do Vietnã era injusta e ficaram
que são iguais a nós, submetidos, oprimidos, odiando. Um professor negro da nesta arenga durante muito tempo, aumentando a voz até estourar numa gritaria
Universidade de Wisconsin, acende seu cachimbo e fala pra mim e pro Nelson que deixou eles todos paralisados.
Pereira dos Santos; A luz apagou e quando reiniciaram a reza, murmurando que precisavam
- Estão matando todos os líderes dos Black Panthers. Um por um. Tenho ter direito de fumar manj"uana e foi o mesmo ritmo repetido só que desta vez
para mim que esse negócio de racismo também está ligado à situação econô- começaram a tirar a roupa e foram ficando nus em pêlo. Do meu lado uma
mica, salvo no Sul, onde a neurose é braba. velhota tirou a blusa e logo na frente um barbudo cabeludo tirou tudo e ficou
Num bar de fim de noite, no Village, onde a gente encontra Norman Mai- lá dando banana pros outros. Aí a luz apagou. Um estripetiz intelectualizado.
ler e outras estrelas (Casey's). eu vi um negro de uma petulância fantástica, A peça se chamava "Paradise Now". durava várias horas, eu saí gritando pelo

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Zelito no meio do pessoal todo maconhado e fui comer um macarrão no res- tinham feito sobre a Terra, todo este fanatismo masoquista num linguajar que
taurante do lado. me lembrava logo Antônio Conselheiro em Canudos.
De madrugada voltei e os caras estavam lá discutindo com o público, tinha Aliás, do que me foi dado perceber, os americanos são fanáticos pra burro
um negro seminu dizendo impropérios num ritmo de metralhadora, aí eu e um e o Protestantismo do Velho Testamento é responsável por muita deformação
grupo que apareceu começamos a cantar glória aleluia pra dar uma contribui- purificadora homicida. O cabra mistura moralismo com infelicidade social e co-
ção à monotonia duma ginástica que faziam no palco representando pulo de meça a fazer sociedade secreta até pra provar que a terra é plana. A chamada
pára-quedas ou coisa que o valha. classe média é frustrada e põe a culpa da desgraça nos erros de comporta-
Na porta do velho teatro em Brooklin já tinha uns carros da radiopatrulha mento ou na cor da pele do vizinho. Atirar em qualquer um, por isto, faz parte
rondando pra ver que bicho ia dar; o elenco saiu berrando pra rua e o público da tradição que foi cultivada como estética através do cinema e das histórias
foi atrás xingando e aplaudindo. em quadrinhos e por isto o cabra não tem medo de guerra, ao contrário, quer
No subway, conversando com um jovem cineasta de grande talento, o Ro- guerra, como me falou um chofer de táxi que ia votar no Nixon, pois assim ele
bert Kramer, eu dizia pra ele que a experiência era fascinante mas que o texto invadia logo Cuba como os russos fizeram em Praga, pouco ligando pra opinião
e a estrutura eram uma coisa meio cretina e aleatória e o Kramer, que não topa internacional.
muito o underground, me disse que concordava mas que se era contra o tal do Agora, uma parte da juventude se rebela de dois jeitos, metade deixa cres-
establishment valia a pena. cer barba e cabelo e começa a puxar fumo e outra metade, também cabeluda,
Kramer é o líder da Free News Reei, uma produtora-distribuidora de filmes parte pra propaganda de guerra civil, afinada com as idéias do Poder Negro:
de atualidades sobre temas sociais e políticos americanos, filiada ao Students as negras estão de peruca africana, pontas afiadas como garras de pantera,
for Democratic Society, uma barra pesada que liderou a rebelião de Columbia afrontando os penteados da moda ocidental com a restauração sofisticada das
University sobre a qual eu vi um documentário da própria News, no cinema origens africanas. É um negócio cheio de lances frauzens e eslames!
New Yorker, propriedade do fascinante Oan Talbot, um cara que não se pode Puxa, Francis, aqui com João Gilberto na casa do Gato eu ouço um bolero,
deixar de conhecer em Nova Iorque. um tango e Aquarela do Brasil com a sagrada experiência de presenciar a cria-
Lá no cinema do Oan tinha uma orquestra de música moderna tocando ção: João é um Deus, canta sem idioma, sua voz é um instrumento, os ameri-
enquanto na tela eram projetadas imagens ao ritmo da música num frenesi canos deste Clube esnobe, que é o Rainbow não sei o quê, estão chupando o
contínuo pra marcar a dança dos hippies na platéia, todo mundo maconhado dedo diante do baiano cantando Luiz Gonzaga.
igual no Living Theatre. Sabe o que João respondeu pros jornalistas quando lhe perguntaram por
Não reparei bem as caras, mas acho que a turma que estava no Cinema era que não trocava Nova Iorque por São Francisco? "Nova Iorque é mais tan-tan-
a mesma que se badalava no Living e a mesma que desfila no Village. Eles não tan-tan", cantarolou João e em seguida saiu pela rua 42 sapateando igualzinho
são violentos; é na base do make lave not war e a merijuene é um atenuante Fred Astaire e numa liberdade de anjo, pessoa mais livre e desimpedida que
contra a brutalidade do dia-a-dia, também pudera, com Henry Wallace na TV já vi na vida.
dizendo que preto fedorento, judeu usurário e hippie pederasta deviam ir tudo João pegou um táxi na Broadway - e eu fiquei dando risada com Zelito;
pra campo de concentração. depois eu, ele e Luiz Carlos Barreto íamos assistir a uma destas coisas musi-
Wallace não é mole não, pior que ele só o General candidato a vice que cadas chamadas Cebsret, com a mumificada Lotte Lenya num dos papéis, e
propôs bombardear o Vietnã até reduzir tudo à Idade da Pedra. dávamos logo o fora no segundo ato pois era uma porcaria grossa.
O pessoal que vira hippie acha que está chegando o Apocalipse e muitos Na portaria fomos comer um cachorro-quente e eu discuti com Zelito sobre
me disseram que iam votar no Wallace porque assim precipitavam logo a tra- umas pessoas que voltam de Nova Iorque falando da Broadway com ar de
gédia, que os americanos deviam pagar pelo padecimento caótico, o mal que estar por dentro. É puro comércio e mau gosto, o teatro da Praça Tiradentes

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sem o primitivismo daqui. Também, Francls. não vou muito com teatro, e da Fico com Sérgio Cabral vendo um interminável desfile de poloneses por
vanguarda do Living para retaguarda da Broadway, achei melhor desistir e só esta Quinta Avenida.
voltei à Broadway para encontrar o velho Kazan no seu pequeno escritório em O sol, coado pelo túnel vertical de edifícios, é apenas luz fria e cinzenta em
cima de um cinema. cima daqueles zumbis sorridentes.
Era sábado de manhã, ele estava lá fumando um charuto imenso, risonho Orson Welles poderia agüentar esta cidade? Hemingway fugiu pra Espa-
e gentil. Mandou trazer chá com sanduíche, ficou falando mal de tudo naquela nha? Faulkner morreu em seu rancho no Mississipi? Jackeline Kennedy es-
society, como faz questão de frisar, disse que a esperança estava na juventu- capou pra Grécia? Frank Sinatra vive voando de costa pra costa? Tennessee
de, que estava entusiasmadíssimo com o movimento estudantil em Chicago Williams se fazendo seviciar? Marlon Brando comendo doces e queijos até
e lamentou: estourar de gordo? Norman Mailer batendo nas mulheres e xingando Deus e
~ Estragaram o talento de Brando, o maior ator e talvez uma das maiores o mundo? Andy Warhol pintando o sêmen escorrendo pelos esgotos? Jonas
esperanças de cineastas que conheci. Agora ele não quer mais saber de arte, Mekas feito um louco pacífico com sua câmera de 16 mm filmando o insólito
só pensa em atividades políticas e sociais. desta solidão desenfreada em sangue e maconha, Stocklev Carmlchae! man-
Logo mais à noite eu estava com Nelson Pereira dos Santos numa rua do dando queimar, a obesidade etílica de Dean Martin desfila piadas no vídeo,
Village, com mais de cem refletores e duzentos assistentes, cara a cara com não há novas Marilyns e Ted Kennedy espera possivelmente uma bala com a
Kirk Douglas e aquela atriz loura [Faye Dunaway] do Bonnie and Clyde, de Ar- mesma passividade histérica de um fanático de Ku-Klux-Klan.
thur Penn, vendo Kazan filmar três cenas pra seu novo filme The Arrangement Aqui no Rio, meu caro Francis, acho que o único escritor a proclamar esta
[Movidos pelo ódio, 1969], simultaneidade de técnica e miséria foi William Faulkner.
Reparei com Nelson nas pelancas do Kirk Douglas sem maquillage, um ca- Entre a dor e o nada o americano fica com a dor que fatalmente o levará ao
bra muito simpático, e depois o Kazan veio comentar risonho como sempre: nada atômico.
~ Só dou instruções aos atores jovens porque são inteligentes, conscien- Nós, subdesenvolvidos e macumbeiros, diluímos o som estereofônico na
tes e sensíveis. Com as velhas vedetes não digo nada, é melhor que impro- fúria tropical convencidos que estamos da morte de Errol Flynn.
visem, porque se dou alguma instrução fazem discussões complicadas e na
hora de filmar interpretam falsamente.
Na lanchonete eu e Nelson ficamos falando do Miller, do Kazan, do macar- BAD MOVlE OU SAUDADES DO MACIEL
thismo, do John Huston, daquela América mitológica que estava tão próxima
e prosaica. Consciências compradas é um filme que não será visto no Brasil. Seu autor,
E quando se amansa um burro, a égua fica dócil, se monta nela e se sai pelo Timothy Anger fez duas ou três projeções, queimou as cópias e destruiu o
sertão, trotando leve, adivinhando espinhos e veredas claras depois da curva. negativo.
Respira-se Nova Iorque, já se pode pegar um ônibus, telefonar pra encon- Vi a última cópia no estúdio de Andy Warhol, em Nova Iorque, e conversei
tros com os amigos, emprestar dinheiro e tomar emprestado, arranjar empre- alguns minutos com Anger. Warhol queria fotografá-lo nu mas Anger, que não
go, mudar de endereço. é parente de Kenneth Anger, famoso cineasta underground, recusou polida-
"É a São Paulo do mundo", disse o maestro Antonio Carlos Jobim, talvez mente. É um rapaz altíssimo, nem gordo nem magro, cabelo castanho e fala
citando o finado gênio Stanislaw Ponte Preta. sete ou nove línguas. Conversamos em espanhol e Anger discorreu sobre Jean
Seria literatura dizer que andando na reta brumosa da Ouinta Avenida o Vigo antes de começar a projeção.
indivíduo sente o cheiro da bomba atômica? O filme era em 16 mm mas tinha partes em cinemascope. Um outra pro-
O diabo, Francis, é que estou viciado em leituras de Jorge Luis Borges e, jetor, com as bobinas scope, disparava nos momentos indicados por Anger.
sob tal clima, Nova Iorque é mesmo um cemitério de labirintos que se bifurcam. A montagem em scope é realista, longa, na base de cenas fixas que duram dez

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minutos; a montagem em 16 mm é cheia de fusões, efeitos visuais, choques fatos, seu reencontro com a mãe, um sonho que teve com o pai, o filho que
de atração, tela dividida, som aleatório e algumas seqüências em campo/con- morreu congelado no Alaska.
tracampo, faladíssimas, num jeito que lembra The Ma/tese Fa/con [Relíquia ma- Depois de duas horas de projeção descobri que o filme não tinha músi-
cabra ou O falcão ma/tês, 1941]. de John Huston. ca. Apenas vozes e ruídos. Uma intriga surge na terceira hora de projeção,
O filme dura sete horas e custou trinta e seis mil dólares. A precisão de na projeção scope, filmada e montada dum jeito que lembra indiretamente
Anger, informando detalhes sobre a produção, especifica dia, lugar e hora de O ano passado em Marienbad [L' année aemiére a Marienbad, 19611, de Alain
cada filmagem, o tempo gasto, o preço diário da produção, suas relações com Resnais, e, curiosamente, com som de batucada que Anger me disse haver
a equipe e seus planos de distribuição e publicidade. transcrito de um disco de Ataulfo Alves.
Como o filme foi produzido em cooperativa, Anger tinha nome, endereço, A intriga fala dum grupo de pessoas de idade e sexo diferentes. Elas co-
idade de cada acionista anotado num caderno e calculava quanto cada um de- mem, andam e se queixam amargamente de alguma coisa que não conse-
veria receber se o projeto de explorar o filme nos Estados Unidos e no resto do guem identificar. Mas não lembra nem Bergman nem Resnais. O tempo destes
mundo funcionasse. Explicou no terceiro intervalo da projeção quanto tempo personagens, a técnica de interpretação (Anger explica que são todos músicos
tinha gasto filmando e depois não falou até o final. Não pediu a opinião de nin- ciganos que ele conheceu no Arizona) nada sugere. Os resultados desta an-
guém, pegou as bobinas, meteu em duas malas de couro e foi embora. gústia são obtidos com a projeção da décima quinta bobina em 16 mm, em
Uma semana depois Jonas Mekas me disse que Anger tinha queimado as preto e branco, que mostra gatos comendo queijo e legendas em grego. Ouve-
cópias de Consciências compradas e destruído o negativo. se depois a voz de Anger explicando, com gaguejos, que não tinha a menor
Ninguém sabia onde ele morava e o crítico Elliot Stein o procurou em vão pretensão de filmar ou comentar uma tragédia.
pelo Village. Desde que cheguei tento escrever alguma coisa sobre Consciências com-
A primeira meia hora de Consciências compradas, em 16 mm, é uma evo- pradas mas não me recordo muito bem do filme. Tenho impressão ótima da
cação do cinema russo nos anos 20 mas sem a menor referência política. An- figura de Anger e sei que ele falou duas ou três vezes com Adrienne Meneia
ger não demonstra interesse pela revolução de Lênin e filma um ator moreno que o fascismo crescente dentro de cada pessoa é pior do que o fascismo que
gordo declamando poemas líricos de Maiakóvski com voz de falsete prolon- nos é imposto. Adrienne (que dirige a Cinemateca do Museu de Arte Moderna
gando o fim do verso até perder o fôlego. Enquanto o ator recitava vemos [MaMA] de Nova Iorque) me contou isto depois que Elliot Stein telefonou di-
"sobreimpressóes" azuis de cartazes da época, mas os títulos estão riscados. zendo que Anger tinha sumido de vez e que deixara apenas um bilhete para
Em seguida, se me lembro bem, tem umas cenas de Eisenstein almoçando Robert Kramer, o autor de The Edge [19681 e Ice [19701. um cineasta americano
com Chaplin em Hollywood, filmadas por um cinegrafista anônimo. O ator que marginalizado da turma underground do Village porque faz filmes políticos e é
recitava Maiakóvski reaparece olhando fotografias de O encouraçado Potemkin considerado um radical materialista.
(Bronenosets Potymkin, 1925) e por aí Anger se entrega a uma série de jogos Elliot Stein conseguiu o bilhete facilmente pois Robert Kramer não deu mui-
que diferem muito de tudo quanto eu tinha visto antes. ta importância ao fato e nem entendera o gesto de Anger, considerado por ele
A técnica de "imagem puxa imagem" parece gratuita mas logo descobri- um chato experimenta lista.
mos um extremo rigor secreto que tudo controla independente da própria ra- O bilhete, segundo traduziu Adrienne do inglês para o italiano, dizia que um
zão do cineasta. As citações a Dovjenko surgem através de longuíssimas fu- filme é sempre um bad movie.
sões e abruptamente Anger dispara a primeira bobina em scope que excede as Consciências compradas, pelo que pude sacar naquela noite, não era um
margens da tela pequena e lança os restos da imagem sobre a parede. É um bad movie. Mas posso entender a jogada de Anger. Lembro-me que ele se
plano fixo. A imagem é desfocada e é difícil distinguir entre aranha ou cangote confessou metodicamente culpado de usar meios de expressão para se comu-
de mulher. Ouve-se a voz de Anger, rouca, que fala de sua velhice, detalhando nicar com outras pessoas que poderiam acreditar nele.

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Dennis Hopper.
Peter Fonda e
Luke Askew Peter Fonda e
em Easy Rider Dennis Hoppe
(19691 em Easy R/der

Disse que a posição do espectador é servil pois está sempre submetido a A viagem. tramada por Homero e estruturada em D. Quixote, é um "tema
uma comunicação que fala do Autor e não Dele. kynematográphico" porque o movimento permite variados travellings panajys-
ticos e elipses dialeticamente reveladoras.
A filosofia curtida de uma viagem está perto, e às vezes significação nas-
EASY R/DER cente, como na seqüência da viagem in karnaval de Nova Orleans, um pesticbe
massificador do bom underground dos fins de 50, com Koka, motocicleta e
Revi Sem destino jEasy RiderJ, de Dennis Hopper, em Paris, 1973. e o filme. de trepadas de aventureiros homintelectuais americanos com putas hispânicas
1969, continua vivo. bajo los altares de Califórnia.
Dennis Hopper e Peter Fonda filmaram uma viagem trágica como The Wild Easy Rider tem a rapidez sensorial de um filme de Budd Boetticher, uma
Palms,31 nos tempos de Faulkner, e O demônio das onze horas (Pierrot le Fou, série de Tim Holt ou faroeste de Audie Murphy.
1965). quando Godard negava os paraísos aparentes. A metáfora anarco-capitalista das duplas desquadriculadas na fracassada
conquista moral americana encontra um beat-freak na trágica figura alcoolizada
de Jack Nicholson, morto no mato a cacetadas por um grupo fascista.
Os jovens americanos ricos e mitificados querem mesmo é a infra-estrutu-
William Faulkner. Palmeiras selvagens. trac de Newton Goldman e Rodrigo Lacerda (São Paulo ra desabeirada do karnaval e melhor se tropykal ~ viajando para as regiões do
Cosac Naify. 2003). IN,E.] sonho enquanto os caretas se matam na guerra do Vietnã.

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Krystão e idealista morrem inconscientemente caçados na fronteira cética. numa alternativa diferente e mais rica do que a dogmatizada por Godard, por-
Depois do kamaval. a paisagem decorrente e sem fim, vazia. não se avista que enquanto Godard visava a existência das estruturas, Dennis Hopper tocou
a ilha de Pancho. só lhes resta a morte do alto da diligência. o ponto historicamente mais avançado da percepção, que é a essência da arte
Peter Fonda se abraça trêmulo à bastarda escultura neo-klássyka numa po- e "sentimento" do cinema.
bre região de signos katólvkos. Easy R/der é filho de Jonas Mekas com Kenneth Anger numa dimensão
O sexo é secundário, as transparências elevam o homem da carne, sobre- pop que não tem nada a ver com a literatura de intrigas psicanalíticas de
tudo quando se tem consciência da sexualidade, como não é o caso de Dennis Norman Mailer.
Hopper; rejeitado na comuna e satisfeito com putas. Liga-se a Walt Whitman, aos westerns originais, aos oitomilimetrismos dos
Os aventureiros são ricos, compram koka, pagam advogados e bordéis: seriados.
o advogado lhes informa do komunysmo planetafóryko mas o primeiro plano Easy Rider se parece apenas com Mandacaru vermelho (1960), de Nelson
inquieto e desiludido de Dennis Hopper é o mais charmoso do cinema desde Pereira dos Santos (1960) - um nordestern de fuga e perseguição, e com Os
que a ironia humanista de Chaplin. Luz, Kâmera, Ação, envelheceram diante da cafajestes (1962), de Ruy Guerra - sobre a geração canalha de Copacabana.
mistificação kaótica kapytalysta. E é, com a tardia consciência revolucionária dos Estados Unidos, o A bout
Aquele reino não é da realidade consciente deste plano que reintegra o de souffle [Acossado, 1959) saído das melhores estufas de Hollywood.
homem em seu materyalysmo heustóryko e dyalétyko. Jack Nicholson é mais comunista que Marlon Brando e reduz Humphrey
A droga, passados os tempos ideológicos do sonho, é o alimento dos anos Bogart à poeira do alienante moralismo nixoniano.
70 e o fato de ser utilizado para o melhor funcionamento do cérebro provocaria Como em quase todos filmes norte-americanos o som está no espaço do
a mais radical revolução na medicina desde que esta ciência foi criada. plano.
Easy Rider não é uma materialização "psicodélica", texto audiovisual que
estrutura racionalmente a tragédia de uma viagem ao outro lado das milioná-
rias aventuras americanas de Walt Whitman. REI DO FUMO
Dennis Hopper se parece ao mesmo tempo com Régis Debray e ao grande
pederasta americano de todos os deuses anglo-saxões reencarnados sobre os Easy Rider é a síntese dialética de John Pord. Jonas Mekas e as motocicletas
cadáveres dos peles-vermelhas e dos negros animalizados. de Kenneth Anger.
Peter Fonda é o filho em fuga de Henry Fonda, o neto de Lincoln assexuado Easy Rider expõe o inconsciente, será inconsciente o sonho?
e saudoso da beleza clássica. A primeira materialização do inconsciente - o cinema é o interconsciente
Na porta da comunidade, a mulher experiente se apaixona por ele, mas _ o interconsciente de Easy R/der frutificou magicamente todos inconscientes
prefere seguir para o carnaval. voltados para a grande liberada Aventura.
Já desistiu do prazer das putas para as montanhas distantes do Oeste, a Easy Rider foi uma profecia: The K/ng of Marvin Gardens la die dos lou-
beleza clássica é mais forte que o infinito das pradarias, vive o dionisíaco so- cos, 1972] é um filme retrógrado que não se liberta da insignificância peque-
ciológico da mascarada popular, nenhum sentimento para trás, nada no futuro, no-burguesa.
a morte na estrada ao lado do companheiro de viagem. Bob Rafelson estetifica a intriga no calculado labirinto de metáforas óbvias,
Dennis Hopper e o fotógrafo Laszlo Kovacs filmam corridas de motocicle- esquematizando o itinerário segundo o gosto da maioria silenciosa.
tas e alguns encontros dialogados com grupos - ou pessoas - mexicanos Rafelson fracassa no que desejava desmistificar, o neo-realismo diluído no
treinadores de cuca, família fazendeira, a comuna hippie, o advogado louco, humanismo psicologista.
homens fascistas e mulheres caretas no bar, as putas no carnaval e os assas- O desconhecimento do marxismo pelos intelectuais americanos fomenta
sinos do caminhão: a montagem de um material naturalmente colorido se fez infinitas digressões fenomenológicas do materialismo capitalista.

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o cinema monta quadros de tempo e espaço determinados pelo enqua- APOCOPPOLAKALYPSE - UM DISCURSO ALIENADO E ALIENANTE
dramento do homem no mundo e pela montagem, a história é demonstrada a SOBRE A GUERRA DO VIETNÃ
partir de sua factualidade.
Não existe underground sem o sistema que o produz e o infecte de rebe- Exibe-se no Brasil o filme norte-americano Apocalypse Now [Apocalipse, 1979]
liões deturpadas de sua linguagem que, para justificar o poder, inverte a Filoso- produzido, co-escrito e dirigido por Francis Ford Coppola. que é considerado o
fia em alienação da História. gênio contemporâneo de Hollywood.
O filme a sucessivos quadros móveis audiovisuais é uma exposição viva O co-roteirista escolhido para cinedramatizar a novela Heart of Darkness, do
dos fantasmas estáticos da pintura e das sensações que necessita da metáfo- romancista polonês Joseph Conrad (1857-1924),32 foi John Millius, cuja fama
ra literária pra exprimir o sentimento do homem e do mundo. se deve às sucessivas autoproclamações fascistas em tudo que fala, escreve
A palavra, no filme, estruturada pela informação, ideologiza a imagem quan- ou filma. A eleição de Joseph Conrad e do poeta inglês 1. S. Eliot como temas
do superestrutura a poesia. do apocalipse cinematográfico denota a nostalgia de Coppola pela literatura
A Quarta Dimensão é a ligação entre a imagem e a resposta plena que ela colonialista.
recebe dos inconscientes comunicados. Conrad, que participou da cavalgada colonizatória da Inglaterra em África,
O cineasta recria o mundo e sua mágica responde às alienações e às re- Ásia e América, escreveu romances que justificaram crimes em nome de uto-
voluções. A "Verdade Cinematográfica" é a imposição de movimentos ideo- pias. Thomaz Morus revelou que o Eldorado existia em algum "inferno tropi-
audio-visuais revolucionários. cal". O mito da Terra Prometida alimentaria o Protestantismo anglo-saxão como
A História deve ser explicada a partir de sua atualidade e o passado só inte- o mito do Graal alimentou o catolicismo latino.
ressa para esclarecer o presente. A estratégia colonizadora é conquistar terras "além de Taprobana", segun-
Cada momento histórico produz ininterruptamente ciência e artes e o dese- do canta o grande Luís Vaz de Camões na maior epopéia literária européia, Os
jo do cinema em recuperar o temps perdu só tem sentido se a materialização Lusíadas, que, de leve, bordeja o Vietnã. Qualquer crime é justificável desde
for antropologia dialética. que seuS autores proclamem valores mais altos que a vida.
O cinema revolucionário está longe de sua contemporaneidade. Tudo é relativo (vida & morte), exceto Deus. Este absolutismo gerador de
As classes sociais estão confusamente representadas até mesmo nos fil- utopias justifica crimes. Para conquistar Jerusalém e territórios judaicos, pales-
mes de Bunuel. cujo segredo é a inquietante ambigüidade do inconsciente. tinos e árabes, a Igreja Católica Européia militarizou os cristãos. As Cruzadas
Em Le charme discret de /a bourgeoisie [O discreto charme da burguesia, invadiram África e Ásia, dilatando a Fé e o Império. Os inimigos, os infiéis, são
19721, Buriuel. transformando o sonho em fuzilamento, mascara guerrilheiros demônios extermináveis. A guerra de conquista colonial da Europa em África,
operários de gangsters. Ásia e Américas é santa.
O público burguês se reconhece graças ao liberalismo que aceita todos os Moisés comanda a Inglaterra na conquista da América do Norte. Cristo co-
personagens menos os maoistas de Godard, e os danados da terra do cinema manda Espanha e Portugal na conquista das Américas do Centro e Sul. Venci-
terceiro-mu ndista. dos, os deuses afro-asiáticos e latinos são humilhados por Moisés e Cristo.
Buãuel insere metáforas doentias de sexualidade castrada na infância pe- Os Estados Unidos da América do Norte resultam democráticos capitalis-
los pais e mães santificadas no adultério ~ o olho navalhado de Buõuet projeta tas das putsôes revolucionárias do Protestantismo reformista e progressista
o interconsciente ~ mas Easy Rider é mais liberado, os personagens correm em relação ao catolicismo monarquista da Europa latina. Os protestantes de
drogados para o futuro ~ e morrem! São mártires dei nuevo hombre como
Che Guevara, Janis Joplin ou Jimmy Hendrix, Deuses dos anos 60.
n Heartof Darkness (1899), No Brasil, O coração das trevas, trad. de Celso M. Paciornik (São Paulo:
Iluminuras, 20021. IN,E.1

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várias seitas fugidos para a Canaã Ianque vieram para ficar. Enquanto católicos Os viets representam o Mal e ponto final. O Mal é Brando-Kurtz. um coronel
ibéricos exploravam e exportavam, nada construindo, os protestantes anglo- que se rebelou e matou generais sul-vietnamitas, aliados dos norte-americanos
saxões estruturaram seu mercado interno, psico-econômico-político-religioso. contra os viets do Norte, malditas sombras fanáticas quais tigres nesta "miste-
Superando a velha Europa (Oropa, França & Bahia), os Estados Unidos da riosa selva", no "Coração da Noite", nas "trevas do colonialisrno". impossíveis
América do Norte desenvolveram um novo ciclo imperializante até o primeiro de serem iluminadas pela antropofagia branca de Joseph Conrad ou pelas es-
enfarte provocado pela Revolução Soviética em 1917. De lá para cá, os norte- curas luzes de Storaro.
americanos se beneficiaram da Segunda Guerra Mundial, apoderando-se de Indignado com a guerra do Vietnã, símbolo do Inferno, Francis penetra no
metade da Europa, enquanto a outra foi sovietizada. Ironicamente, Hitler levou corpo do ator que interpreta o capitão Willard, cuja missão, determinada pela
para o inferno o imperialismo britânico. A Revolução Chinesa e a Revolução CIA é penetrar na tar Camboja e matar Kurtz Brando.
Árabe varreram as colunas de Hércules do Oriente. Gandhi, Nasser, Fidel Cas- O Mal megalomaníaco é o alter ego de Francis. O Bem, Willard-CIA, deverá
tro, Argélia, Líbia, Vietnã, Irã. A perda sucessiva de colônias implode a emoção matar o Mal Puro. O mapa da mina é claro e rentável: num hotel de Saigon,
ianque. Assassinato dos Kennedys. Watergate. Apocalipse de um império, a feito aqueles personagens bêbados de algum romancista da geração perdida
Ficção Científica do Século XX. de 1929 (Faulkner, Fitzgerald, Herninqwav). o capitão Willard é despertado de
A viagem de Francis Ford Coppola ao centro do Mal é o tema do roteiro um porre por militares do Serviço Secreto que o incumbem de seguir com uma
filmado e montado por uma equipe norte-americana nas Filipinas, palco cine- patrulha rumo ao Camboja, onde deverá matar o louco Kurtz Brando.
matográfico da mais rica produção de todos os tempos, contrastando "diale- A patrulha entra no rio Mekong, claro que metaforicamente, e Se dirige,
ticamente" com a "apocalíptica" mortandade de cambojanos vitimados pela também metaforicamente, às ruínas de Angkor, ao Sul do Camboja, onde vive
guerra que Wall Street fez contra o Vietnã durante os governos de John Kenne- Kurtz, o Diabo. Metonimicamente, Francis viaja do seu ego culpado ianque
dy, Lyndon Johnson, Richard Nixon e "John (Wayne) Ford". (o capitão Willard) a seu ego puro ianque (Marlon Brando). Na ótica sacana-
O Mal para Francis não está em Wall Street. que financia a guerra do Vietnã tânica de John Millius, o Bem é impuro. Por isto, Willard, o agente do Bem,
e financia o filme. O Mal reside no Camboja, nas ruínas de um palácio (bu- assassina uma vietnamita ferida. O Mal, Brando, é puro. Por isto, recita 1. S.
dísta ') iluminado pelo italiano Vittorio Storaro. o "mestre de sombra e luz", o Eliot. O Mal é intelectual. O intelectual tem direito de encarnar o Mal. O Mal é
"gênio das trevas", assim chamado pelo seu descobridor, o cineasta italiano divino. O Bem é maldito.
Bernardo Bertolucci. cujas luzes são reveladas pela capacidade "storariana" de Utilizando o ilusionismo ideotecnológico. Francis conduz a tropa às Filipinas
iluminar tragédias noturnas. e reconstitui o palco de sua purgação. O Mal é puro e mata ao som de Richard
No Palácio & Templo & Inferno, vive Marlon "Kurtz" (John Millius?) Brando, o Wagner em busca da Utopia. Helicópteros massacram uma aldeia. O coman-
ator mais caro do mundo. Brando interpreta sentado, no escuro. Storaro ilumi- dante ianque comete tal barbárie em nome do "sublime surfar em ondas elitis-
na sua cuca raspada, seus olhos robotianos. sua voz rouca. Brando formou-se tas". Mas afirma que a "guerra acabará". O Mal é consciente, o Mal está acima
no Actor's Studio, dirigido por Lee Strasberg e Elia Kazan, o cineasta que dedou do Bem e do Mal, o Mal corrige o Mal.
colegas à Comissão Anticomunista do senador MacCarthy, e em paga recebeu De uma aventura à outra, Willard atravessa a periferia de uma "guerra anár-
contratos. Brando é o ator narcisista, egoísta, romântico, boçal, pretensioso, quica, sem comando". até o inferno hippie-nazista de Dennis Hopper e Marlon
petulante como todo ignorante, e, como tal, patético, sublime, mas invariavel- Brando. Os soldados de Francis são atores freaks. A maioria esteve no Vietnã.
mente reacionário. São legionários turistas na produção milionária. Negros cruéis, brancos loucos,
Assim, Marlon recita um poema de 1. S. Eliot, escolhido por Francis para surfistas pirados. E o pastor Willard, o criminoso puro, o símbolo da "boa guer~
administrar o clímax filosófico do melodrama colonialista. Fetiche do "horror ra", qual Dante Alighieri num musical da Broadway, atravessa o inferno sem
inexplicável". O Mal não é o Pentágono. O anti-Mal, o "comunismo sino-sovié- "pé nem cabeça", rumo ao woodstockiano templo de Kurtz.
tico" que inspira os viets também não existe. Para não explicar as origens econômico-político-culturais-religiosas da

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guerra do Vietnã, Francis narra a história do coronel Kurtz. herói que ficou lou- Apocalypse Now é um discurso alienado e alienante sobre a guerra do Vietnã
co, não por causa do Pentágono, mas porque viveu o inferno em contato com (e todas as guerras), que não ilude, apesar das múltiplas seduções, aqueles que
os demônios viets. Brando conta que entrou com sua tropa numa aldeia, vaci- conhecem as entranhas do tigre roliudieno.
nou as crianças contra poliomielite, mas uma tropa viet cortou os braços dos O talento cineástico de Francis Ford Coppola é pervertido pela introjeção.
vacinados, alegando que não desejava benefícios do inimigo. A brutalidade viet O texto psicologista corta o fluxo jornalístico-informativo-crítico. Seria melhor
enlouqueceu Brando. montar algumas bandas sonoras vietcongs de Jean-Luc Godard em Pierrot le
O crime de Kurtz não é ter-se rebelado politicamente, integrando-se às roo. ou Made in USA (anos 60, durante a guerra), e, num insight, usar como
tropas de Ho Chi Min. Imaginem Marlon Brando maoísta liderando a guerra roteiro não Joseph Conrad, T. S. Eliot e John Millius, but... o livro de Antonio
33
civil no Camboja. Seria um clímax político que desmistificaria o pesadelo inex- Callado, Vietnã do Norte: advertência aos agressores.
plicável que caracteriza o Apocalypse Now. Ou, para não comunizar Brando,
imaginem o capitão Willard comunizado pelos agentes secretos do general
Vo Nguyen Giap, que o seqüestrariam no hotel de Saigon e o submeteriam
à lavagem cerebral até que o agente da CIA se transformasse num soldado
de Ho Chi Min. Ainda imaginem Brando Kurtz apaixonado por uma vietnamita
comunista que o mataria numa orgia.
Não falando de Wall Street. Francis não fala de Moscou, Pequim, Hanói.
Não criticando o capitalismo, Francis esconde o comunismo. Abstraindo as
ideologias que produziram a guerra do Vietnã, e todas as guerras, Francis cria
uma guerra do Bem impuro contra o Mal Puro, na qual vence o Bem transfor-
mado em Mal. É o apogeu da loucura, culto do sadismo, frigidez exibicionista,
formalismo neo-acadêmico, má leitura do cinema clássico liberal de John Ford
ou Howard Hawks. o superficialismo de Raoul Walsh sem a imoralidade brutal
de Samuel Fullet e, last but not least, é a encenação de uma guerra sem a pai-
xão eisensteinlana. viscontiana, que desconstr6i a História.
O Mal colonizador é uma doença imperialista dos tempos pré-históricos ao
conflito Carter & Khomeiny. Seria Khomeiny o Mal. como Kurtz? Até que ponto
Apocalypse Now não é um braço invisível da guerra fria que as telecornunica-
ções roliudianas lançam sobre o mundo?
O capitão Willard tem o espírito carteriano do ideal colonialista. converten-
do ímpios à causa divina. Marlon Brando é Mao Zedong, o Mal que produz o fil-
me guerreiro do Vietnã do Norte contra o Vietnã do Sul e potências ocidentais.
Desviando-se da contradição central. o filme se desenrola lentamente
numa colagem de cenas requentadas do velho cardápio gênero filmes de guer-
ra: uma patrulha alternativa comandada por um militar marginal vai matar um
inimigo da pátria. Sucedem-se espetaculares cenas de violência com nítidos
objetivos comerciais. Como os filmes brasileiros que nos anos 80 inaugurarão 33 Vietnã do Norte" advertência aos agressores I Esqueleto na Lagoa Verde (Rio de Janeiro Paz e
o estilo chikchanchada (guardem a expressão!). Terra, 1977l.IN.E.]

157
156
EYZENSTEIN E A REVOLUÇÃO SOVIÉTYKA

[ 11

Marx/Engels/Lênin são Corpo, Alma e Espírito Santo do Materialismo (Dvalé-


tyko) Histórico.
Sergey Mykhaylovytch Eyzenstein, nascido em 1898, filmou Stacka IA greve,
1924] sete anos depois da Revolução Soviétyka.
Kynema é um sistema científico que produz Fylmz artísticos.
Probabilidade (esterilidade?) científica?
Impossibilidade (estética?) artística?
Desta contradição nascerá a Estétyka de uma Kyenciartyztyka.
Estética Idealista: Celebração de Deus/Rei.
Estética Materialista: Revolução.
Idéias velhas linguagem retórica.
Idéias novas línguas dialéticas.

[2]

Eyzensteyn e sua geração de vanguardas futuroformalistas atuam na União


Soviética engelista marxista leninista trotzkista estalinista.
Contradição: Polítyka Kultural!
Max Cartier e Alain Delon em Roeco e Qual é a cultura da revolução? A incultura subversiva popular ou a cultu-
seus irmãos de Luchino Visconti (1960) ra subversiva dos intelectuais? Até que ponto a incultura subversiva popular

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se identifica à cultura subversiva dos intelectuais? Quem são os intelectuais: Kapytalyzta oprime Proletáryo.
operários da cultura? Produtores de cultura revolucionária que é a cultura de- Proletáryo se rebela contra Kapytalyzta.
sejada pela incultura subversiva popular? A cultura subversiva popular é uma Kapytalyzta reprime Proletáryo.
incultura? É ato culto subverter o poder? A cultura é uma palavra de classe? Proletáryo se reorganiza para combater Kapytalyzta, discurso que continua
A cultura é a filosofia de uma civilização? Que faz a filosofia de uma barbárie em O encouraçado Potemkin e se realiza em Outubro com a vitória do Proletá-
revolucionária? O povo ignorante que faz a revolução? Mas quem dirige o povo ryo sobre o Kapytalyzta.
no caminho revolucionário? O pensamento dos intelectuais que produzem cul- Em A linha geral é a luta do Materyalyzmo Proletáryo contra o Idealyzmo
tura revolucionária, Marx, Engels, Lénin. Trotski? A revolução cultural popular Burokrátyko.
analfabeta deve seguir os líderes cultos? Para descobrir os motivos da reação bárbara contra a revolução civilizatória,
A história de Eyzenstein passa da Teoria (texto filosófico) à Prática (texto Eyzensteyn recua um estágio da revolução visto do ângulo da Massa: O prado
fílmico) como Lênin da Filosofia marxista/engelista (Teoria) à Prática (Revolução de Bejin é interditado.
Soviétyka que Eyzenstein celebra em Novo - o meio é a mensagem revolucio- Que Viva México!: Eyzenstein idealiza a "Revolução Traída" no México e
nária - ritual tecnológico, Kynema). a Metáfora fracassa censurada pelo Ymperialismo Nortamericano em acordo
Segundo Lênin, o Proletaryat deve ser educado também pelo Kynema. "a com a Embaixada Soviétyka:
mais importante de todas as Artes" (não de todas as Ciências). "Porém algo mais grave acontecia sem que Eyzensteyn soubesse. Em 26
de Outubro de 1931 Upton Sinclair, produtor yankee de Que Viva México!, es-
[3] creveu a Stalin uma carta na qual, depois de informar em algumas linhas sobre
o projeto empreendido com Eyzensteyn. passava a pedir ao dirigente soviético
Fylmografya Eyzensteynyana: uma medida de clemência para um certo Anatol Danashevski, velho técnico
1938 -Aleksandr Nevskii [Alexandre Nevskfl, sobre a Idade Média Russa. cinematográfico que tinha sido condenado por sabotagem na URSS. No tele-
1944/45 - Ivan Groznyi [Ivan, o Terrível], I e 11, sobre o Renascyment grama em que constava esta carta, Stalin deixava ver que alguma coisa tinha
Eurazyatyko. mudado no mundo oficial soviético com respeito a Eyzenstein. O telegrama, de
1924 - Stacka IA greveJ, sobre as Lutas de Classe. 21 de Novembro de 1931, dizia:
1925 - Bronenosets Potymkin [O encouraçado Potemkin], sobre a Revolu- 'Carta recebida stop Organismo encarregado vigilância acusa Danashevski
ção Mundial. sabotagem stop Elementos nosso poder não parecem argüir favor Danashevskistop
1927 - Oktyabre [OutubroJ, sobre a Revolução Sovyétyka. Se você insistir posso pedir anistia poder supremo stop Eyzenstein perdeu con-
1929 - Generalnaya Linnia IA linha geral], sobre as contradições da Revo- fiança seus camaradas União Soviética stop É considerado desertor que rom-
lução Sovyétika. peu com sua pátria stop Temo que nosso povo deixe de se interessar por ele
1935 -Bezhin Lug [O prado de Bejin], sobre a passagem do Ynconscyente de repente stop Lamento muito mas tudo parece confirmar estes factos stop
Tzaryzt à Consciência Sovvétvka. Desejo-te boa saúde e espero que você possa vir nos ver logo stop Saudações
1931 - Que l/f'va México!, sobre a Revolução Mexvkana. stop Ststin" ,2
Nove filmes Sovyétykos (um inacabado, O prado de Bejin) e um filme me-
xvkanvnacabado.'
Causas que determinam a Greve: Luta de Classes!
Ver Harry M Gedulg & Ronald Gottesman (orgs,j, em Sergei Eisenstein and Uptan Sinelair: The
Manking and Unmaking ot Que Viva Mexico! (Bloomington: Indiana University Press/Londres:
Thames anc Hudson, 1970). p, 212, Apud Yon Berna. em Eisenstein, trad. de Lise Hunter. Oliver
Que Viva México' também é um filme inacabado. IN.E,] Stallybrass ~org_) têoston rtoronto: Litlle Brown and Companv s/dl. [N.E,]

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Hitler obriga Eyzenstein a voltar do México à Rússia para enfrentar ao lado o velho Ivan é a Tragédya de um poder que oprime o Povo em nome do
de Stalin e do Povo a Sezta Nazysta do Apokalypse Zaratuztrexpressyonyzm! Povo: o consenso Myztyko Zakralyza Stalyn.
O Herói bárbaro que enfrenta a Kyvylyzação Katólika colonizadora é Alexandre A Estétyka a serviço da Opressão é a Transcendente Tese: Regressão Retó-
Nevski.
ryka Idealyzta: Eyzensteyn une Deus (Ivan I) ao Povo.
Nevsky/Stalin destrói Hitler!
Antytese: Progressão Dialétyka Materyalyzta: Eyzensteyn separa o Diabo
Nevsky é Deus!
(Ivan 11) do Povo.
Ivan é o Diabo!
Durante e depois da Segunda Guerra Mundial, Deus Stalin se revela o Dia- [6]
bo Stalin em Ivan, o Terrível. I e II e 111.

A linguagem audiovisual desenvolve o Materyalizmo Dyalétyko. O fluxo Fyl-


[4]
myko de Eyzensteyn é uma Fylozofya que revela contradições liberadas das
limitações Lyteráryas.
A montagem reveja o processo estrutural que se materializa no Plano e na Ivan Stalyn é a Syntex do Materialyzmo Marxyzta Lenynyzta e Eyzensteyn o
Seqüência.
transforma em objecto de sua Eztétyka Subversiva do Estalinismo.
O Sygnyfykante é Relativo porque necessita ser oposto a um anterior e a A materialização do inconsciente é anterior à consciência. não É..., É/anti-
um sucessor para negar ou afirmar sua Ydéya.
matéria, É.
Cada Plano "imontado" significa nada além de sua breve solidão cortada A técnica da imagem colorida em movimento sonoro permite Eyzenstein
do corpo fílmico.
revelar causas idealistas do negativo inconscientestalinista materializado no
Os tipos de montagem Eyzensteiniana não se excluem mas se reintegram. Renazcymento Sovvétvko. onde reinou Ivan Stalin reconhecido por Shakespea-
Kontradição audiovisual, luzes, sombras e sons que começam no cotidiano reyzensteyn.
antes do espectador ver o Filme, se particularizam na vivência fílmica e conti- Na Tribu. Ivan é Coroado Rei representante de Zoroastro e Kryzto na Terra.
nuam até o próximo sonho.
Eurázya, a Rússia sintetiza o Helenismo que Alexandre Eztetyfykou em sua
Luz e Montagem Dramátykas/Ações se articulam pela Dyalétyka da Mon- conquista da Makedônya à Yndya.
tagemlFvlme.
Nevski é a sublimação civilizatória Eztetykalexandryna, Pai Grego do Ciro
Montagem Tese (Montagem Interna, o Fotograma) e Montagem Antítese ressuscitado em Ivan, o Bárbaro Stalin.
(Montagem Externa das atrações dos Fotogramas) que, desencadeadas. explo- O ator Nikolai Cherkasov interpreta o Pai Grego (Alexandre Nevski) o filho
dem o Fylme (Montagem: Motor: Film).
Kryzto (Ivan I) e o Espírito Santo Marxista Lenynyzteztalinista (Ivan II}.
De Greve a Unha Geral, Eyzensteyn Pratyka estas Teoryaz que se desenvol- A filosofia pré-marxista classifica pela retórica da linguagem kyentyfyka a Me-
vem em Som e Cor no apogeu Estalynyzta de Nevski e Ivan. táfora Dyalétyka da língua Poétyka como um dos objectos de seu conhecimen-
to no território limitado de uma disciplina que seria uma Cienciartisticolóqica.
[51
O Realyzm Socyalyzt nasce deste sistema que nem Marx nem Lênin subver-
teram quando teorizaram sobre Artes Vyzuays. Sonoras. Teatrais, Romanezkas
Ivan é a fusão de Kyruz da Pérzyka e de Alexandre (Nevski) o Grande da Make- e Poemátykas não praticadas por eles em línguas científicas ou linguagem críti-
dônya Grega.
ca. uma das categorias das artes de escrever: verso como crítica e diálogo (Poe-
Zoroastryzmo e Kryztyanyzmo decorrentes do Helenyzmo e Deyfikat no Au- ma). diálogo em prosa e verso (Teatro). prosa com diálogo e verso (Romance).
gustyzmo/Syntese 8arroka do Jovem Ivan, líder da Renaskenza Eurazyátyka. Marx e Lênin escreveram em prosa (sem verso e sem diálogo): crítica,
Deus Nacyonal conduz e protege o Povo em longa marcha sobre a neve. texto no qual se materializa a Fylozofya (Cyentyfyka!?) que tem por objeto a

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historiescrita por Poetas, Teatrólogos, Romancistas e Fylózofos Cyentistas Exa- terrível Ivan que paralisa a Heuztórya em nome de sua impotência sexual e me-
tos, Heuztórykos. taforiza na estravaganza da sangria popular, sublimação espermexpressionista.
Hegel idealiza uma Fylosofya da Hyztórya que exclui as Lutas de Classes. Alexandre Nevski é o filme claro como a neve religiosa.
Introduzindo as Lutas de Classes como contradições principais do processo Ivan I e parte de Ivan II é c1arescuro e colorido como a explosão nuklear.
histórico, Marx subverte a Filosofia Harmônico-Romântica de Hegel (Bach) e
funda uma Ciência da História que limita a Dyalética na finitude da consciência [7J
porque A Nega como Jnkonz/ciência Metafyzyka.
Fylosofya reprimida pela concepção Kyentyfyka de um corpo Heuztóryko o que psicólogos pré e pós-freudianos tentam descrever pelo texto Poétyko,
Revolutyvo. Teatral, Romanezko ou krvtvko. Eyzenstein demonstra pela Montagem - Tese,
O Marxysmo, Fylosofya Cyentyfyka da Heuztórya Social, não é uma Fvlozo- Antítese e Síntese do Fluxo Fylmyko.
fya Científica das Ciências Exatas que vivem o mesmo processo contraditório Todas Artes incorporadas à Filosofia da Ciência. Kynema, máquina que fil-
entre Teorias e Prátykas r/e/volutivas. ma, revela em preto e branco ou cor, sonoriza e monta imagens da natureza
A Fylozofya Marxista. embora localize na alienação (Neurótyka) o efeito trá- física, vegetal e animal. ampliando o conhecimento do homem sobre sua cir-
gico da exploração (eskrava) do homem pelo homem, legislada pelo Estado cunstância geocósmica, psicológica. econômica, política, social, cultural.
Kapytalyzt, não procede análise meta lingüística e nem a identifica ynkonzcyen- Religião & Filosofia - instrumento que é teoria e reflexão sobre a prática
temente na origem do processo sexual divino: Eruz & Kyvilyzação: subjetyvyda- Heuztóryka da matéria e da anti matéria, anti-Religião cuja Cyenzydealyzta (Teo-
de (Amor) objectividade (Ódio). logia) tenta explicar a matéria pela indecifrabilidade do cultuado Myto Dyvyno.
A crise do velho Dyabo Ivan 11. quando Eyzensteyn o espermatiza em cores O humorismo de Chaplin dialetiza o idealismo de seu Materyalyzmo na in-
no ritual Dyonizyako, é a irrupção da Ynkonzciência Sexual na Konzcyênzia Fvlo- terpretação do granditador Hitler ressuscitado em Ivan 11.
zófyka e Cyentyfyka da Heustórya. Ciralexandrotaviaugusto. Felipe 11, Napoleão, Hitler, Stalin, Nevski, Ivan I e
A Konzcyência Estalynyzta é um campo de concentração libertado pela Ivan 11.
ynkonzcyêncya eyzenstenyana. Eyzensteyn faz a Crítica Poética da Filosofia Científica que gerou Stalin.
A Montagem Dyalétyka (Som & Cor) processa contradições além do conhe- O fluxo fílmico produzido pela Montagem Dyalétyka Heuztóryka Psyquika
cimento permitido pelos anteriores meios de comunicação. (Tese) e social (Antítese) é uma Síntese Meta/Metafórica, a Quarta Dimensão
Kvnoma. espelho Kózmyko das pulsões físicas e metafísicas, transe Exta- da Montagem teorizada e praticada por Eyzenstein.
zyskus do Rvtu, Estétyk Poét além da Filozofya Cyentyfyk ou da Kiêncya Fylo- O sentimento é material mas por ser vivido é improvável: Múzyka. uma das
zófyka. línguas do sentimento, é pré-cinematográfica porque, montada com palavras e
As Artes Visuais, Lyterárias e Sonoras são revolucionadas pelo Rádio e Kv- imagens, não traduz sua irracionalizável sentimental idade.
nema gerados pela eletricidade. A Ciência Musical capitalista protestante liberta a progressão dialética da
Marx escreveu sob luz de tochas, velas e lampiões e sua vida não conhe- circularidade do barroco católico cujo renascentismo evolui a matéria histórica
ceu a maravilha da luminosidadelétrica projectada, Kynema que informou a Lê- em sistema cíclico limitado pelo tempo de gozo codificado à intersexualidade
nin ser o Imperialismo um estágio desenvolvido do Kapytalysmo. reformada e endeusada dos Papas.
Ivan I Stalin Deus é a contradição com Ivan II Stalin Dyabo que se desinte- De Bach a Wagner o Estado barroco cientificiza a estética musical explodi-
gra como Deus. da na surdez de Beethoven.
Alexandre Nevski Ivanlanti-bárbaro (Alexandre guiado por Aristóteles lava Prokofiev introduz a dialética na musicalidadidealista de Bach (Igreja) e
de sangue civilizatório a barbárie zoroástrica do império persa de Ciro, o Gran- Wagner (Ópera).
de) é a contradição principal do renascente Ciro, o Bárbaro, na figura do velho e Strawinsky é o Degelo da Muzyclássyka.

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Prokofiev é O Som do movimento revolucionário do Sentimentéstyko da
Heuztórya, voz inconsciente de Alexandre Nevski e dos Ivans.
Músyka é uma Heuztórya espaçotemporal polisignificante porque não des-
creve como na Lyteratura, nem demonstra como no Teatro ou Filme, mas
Emociona.
A sugestão sonora de Música ruidosa ou harmônica libera novas contradi-
ções quando montada à imagem naturalista ou metafórica fílmica.
O Plano Tonal dramático materialista reduz o Geral ao Particular que signi-
fica Geral.
No filmudo. a História é em preto e branco, não fala, não canta, não sona.
Em Outubro, Eyzenstein monta a teoria musical de uma dança que se vê,
se sente mas não se ouve como resultadirracional dos corpos em movimentos
eróticos no balé.
Na história de Eyzenstein apenas duas mulheres: a velha Matryarka que
envenena a Musamada do Ivan.
Sem objeto sexual. Ivan desanda no misticismo sangüinário.
Stalin sublima em Sangue, Eyzenstein em Montagem Nuklear.

[81

Ivan /I é a Metáfora da Revolução Traída que matou Trotzky com uma picare-
tada na cabeça da teoria revolucionária mexicana de Eyzenstein, outra Revolu-
ção não ressuscitada por Trotzky/Eyzenstein em Que Viva Nel Muerto México:
Montezuma Nevski Ivan I Hernán Cortez Ivan II Alexandre reencarnam Ciro, o
Civilizado Cortez assassina o Bárbaro Montezuma ou o Civilizado Montezuma é
assassinado pelo Bárbaro Cortez?
Montezuma era Ditador, como Ivan I. e Ccrtez. um conquistador sangüinário,
como Stalin Ivan 11, vencido e vencedor Imperador ou Conquistadorimperialista,
são todos filhos do Kapytalyzmo Bárbar casado com a Revolução Soviétyka.
Stalin proíbe Ivan /I porque o Idealismo não suporta sua contradição Ma-
terialista.
Eyzensteyn morre em 1948 sem acabar a montagem poética de sua Filoso-
Nikolai fia da História materialista e dialética atravessada por idéias de Demócrito, Epi-
Cherkasov curo, Leonardo Da Vinci, Shakespeare, Marx, Engels, Charles Dickens, Wagner,
em Ivan, Trotski, Lênin, Jack London, Stalin, Freud e Joyce.
o Terrível Grande parte da obra literária de Eyzenstein continua inédita, incluindo ro-
(19441
teiros de O Kapytal, de Marx, e Ulysses, de Joyce.

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[9] Educado pelos jesuítas na adolescência, freqüentou a Universidade de Ma-
dri e depois rumou para Paris: Un chien anda/ou foi seu cartão de visitas para
Na Casa Katakumba de Eyzenstein em Moscou, no segundo ou terceiro andar ingressar no grupo surrealista.
de um velho prédio reconstruído depois do bombardeio nazista, no dia do ani- Quando L'âge d'or lA idade do ouro] foi exibido, em 1930, os conservado-
versário de Mycha num inverno de 1975, folheei milhares de livros, desenhos, res lançaram bomba de gás no pequeno cinema do Ouartier Latin e rasgaram
quadros, cerâmicas populares universais e me sentei na poltrona velha coberta as telas expostas de Max Ernst, Man Ray. Mirá, Tanguy e Dalí.
pela manta real vermelha cujos dourados esplendiam na unidade dos tapetes Em 1961. Viridiana [Veridiana] recebe meia Palma de Ouro no Festival de
oryentalyz sob a farta mesa onde se reuniam os últimos sobreviventes do es- Cannes: a censura franquista perde o controle, instaura processos, demite fun-
talinismo em amoroso rito ao Mago Poeta Morto Ressuscitado entre Vodka e cionários, consegue que o mundo católico recuse o filme.
Kayanl Na França, Malraux disse que não podia proibir um filme estrangeiro, pre-
À Sua Majestade Sergey Mykhavlovytch Eyzensteinl miado em Cannes: era um truque; mesmo sendo espanhol, Bufíuel é conside-
Vi desenhos mexicanos, fotos de filmagens íntimas, ouvi histórias de ódio rado pela crítica & público como "espírito francês".
e de amor, grandezas e maravilhas sem misérias de Mycha. Entre Las Hurdes/Tierra sin pan, documentário sobre miserável região espa-
Era um menino, juro que não encontrou seu Alter Ego! nhola, 1933, e Viridiana, 1961, quando retoma para trabalhar na Espanha - a
Ali estava na casa do Mayor Gênyo do Sékulo XX numa invernal noyte carreira de Bufíuel foi aventurosa e acidentada: oscilou entre França, Estados
moskovyta onde me apaixonei par Ana Krackshalava e nos beijamos. Aurohra! Unidos e México: realizou documentários de montagem, fez dublagem para
nas margens desesperadas do Volga. estúdios americanos, transmitiu discursos radiofônicos contra o nazismo.
Quinze anos depois de Las Hurdes encontra o mexicano Oscar Danciqers.'
que lhe propõe filmes comerciais. Buúuel aceita e inicia. no México, uma pro-
OS 12 MANDAMENTOS DE NOSSO SENHOR BUIÍIUEL dução marcada por três obras-primas: Los olvidados [Os esquecidos, 19501
- prêmio de melhor realização, Cannes; Robinson Crusoé [1952J; É/ [O sluci-
[1]
nado,1953],
Entre os filmes comerciais Buüuel consegue inserir um pouco de sua per-
O sortilégio bloqueia as portas da Igreja. sonalidade: realiza um velho projeto, Cumbres Borrascosas {Abismos de pasi6n
Os padres paralisados, os fiéis misteriosamente detidos. /Escravos do rancor, 1953], segundo O morro dos ventos uiventeer e Ensayo
O povo explode nas praças. a cavalaria carrega. de un crimen/La vida criminal de Archiba/do de la Cruz [Ensaio de um crime,
Enquanto as massas lutam contra a força policial do fascismo, os sinos 1955]. baseado num romance de Rodolfo Usigli. 5 Neste mesmo ano, 1955, re-
soam. toma à França e roda Cela s'appelle I'aurore; volta ao México para fazer La mort
Um bando de carneiros, mansos e servis, marcha a caminho dos templos.

[21 Oscar Dancigers nasceu na Rússia. emigrou para Paris e depois da Primeira Guerra Mundial obte-
ve nacionalidade francesa Em 1940. fugindo do nazismo, passou a viver no México onde retomou
sua atividade de produtor cinematográfico. jN,E.1
Último maldito de um cinema que se perdeu na histeria artesanal, Luis Bunuel
Emily Bronte. Wuthering Heights 11847), No Brasil, O morro dos ventos uivemes, trad. de Rachei
nasceu em Calanda, 1900 - filho da mesma geração espanhola de l.orca.
de Queiroz (Rio de Janeiro: Record, 1996), [N.El
Picasse, Ortega y Gasset. Miró. Alberti, Dalí - e foi com este que iniciou
Rodolfo Usigli [1905-19791. dramaturgo, poeta e ensaísta mexicano, cujo único romance foi adap-
sua carreira cinematográfica, realizando, em 1929, Un chien anda/ou [Um cão tado ao cinema por Luis Bunuel Ensayo de un crimen (Terra nostral (México Lecturas Mexicanas,
andaluz].
198511NE]

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en cejardin [1956]. mas já exercia poder no processo industrial para conseguir Em Nazarín é o Cristo traído pela Igreja e perseguido pelo Estado que se
a liberdade esperada durante vinte e oito anos, desde L'r§ge d'or. escandaliza diante da piedade humana; Viridiana é o demônio que se instaura
Nazarín [1958] explode no Festival de Cannes. 1959, e conquista o prêmio para corromper os princípios do cristianismo e lançar o homem livre, embora
especial do júri; Los ambiciosos/La tiévre monte à EI Pao [Os ambiciosos, 1959] cínico, diante das deformações morais que ele persegue para sobreviver; E!
(último trabalho de Gérard Philipe} desanca as republiquetas fascistas da Amé- ángel exterminador é a falta de piedade por esse mesmo homem, que, sendo
rica do Sul; The Young One [A adolescente, 19601 ganha em Cannes o prêmio livre, está sujeito ao Estado e à Igreja.
especial hors-concours -1961 é o ano de Viridiana, 1962, O anjo exterminador O surrealista de antes é o anarquista de hoje: serve à revolução na medida
[EI ángel exterminador]. que fere as bases das instituições do capitalismo.
Na eterna esquerda, contra a ordem estabelecida, Bunuel será sempre um
[31 homem condenado.

Respondendo aos jornalistas, Bunuel é franco: "A moral burguesa é para mim o [4]
imoral, contra o qual se deve lutar: a moral fundada sobre nossas injustas ins-
tituições sociais, como a religião, a pátria. a tamilia. a cultura; enfim, isto que De Eisenstein a Visconti & Antonioni o cinema é racionalista, obedeceu uma
se chama os 'pilares da sociedade'. Sim, eu fiz filmes comerciais, mas sempre revolução histórica; do expressionismo de Murnau a Orson Welles, deixando
segui meu princípio surrealista: a necessidade de comer não desculpa jamais heranças para nórdicos e americanos, o cinema viveu de explosões que nunca
a prostituição da arte. Entre vinte filmes eu tenho alguns péssimos, mas nunca conseguiram livrá-lo de suas origens teatrais e literárias; de Bunuel & Jean Vigo
traí meu código de moral. Eu sou contra a moral convencional, os fantasmas a Rossellini o cinema desenvolve um caminho marginal, caracterizado pela li-
tradicionais, toda esta sujeira moral da sociedade introduzida no sentimenta- berdade, misticismo e anarquia.
lismo. Para mim, Los olvidados é efetivamente um filme de luta social. Porque É o cinema que está mais ligado aos primitivos, que nasce inculto em Gri-
eu me creio simplesmente honesto comigo mesmo, eu devo fazer uma obra ffith, se derrama romântico em Chaplin e se flagela em Fellini; é o mesmo
social. Eu sei que vou neste caminho. Mas a partir do social eu não quero fazer cinema que, dependendo da carne e da cabeça dos autores, cria, à margem da
filmes de tese. Eu observo as coisas que me emocionam e eu quero transpô- história, as figuras malditas de Buúuel. Rossellini e realizou o trágico Jean Viga,
las para a tela, mas sempre com essa espécie de amor que eu tenho pelo morto aos 30 anos, com a obra incompleta e mutilada.
instintivo e pelo irracional que pode aparecer em tudo. Sempre estou lançado Jean-Luc Godard é o filho mais novo deste cinema-livre que influenciou Tru-
para o desconhecido e o estranho que me fascinam sem que eu saiba jamais ffaut e Resnais; que feriu na índia o jovem Ray, que inseriu em Nova Iorque uma
por quê. Sim, eu sou ateu graças a Deus; é preciso buscar Deus no homem e lição muito bem adaptada ao espírito beat de Jonas Mekas e Allen Ginsberg, rea-
isto é muito simples...". lizadores da obra-chave do novo cinema americano, Guns ofthe Trees [19611.
Aos 61 anos, financiado pelo jovem produtor Gustavo Alatriste, Luis Bufiuel É o cinema que se indispõe com a indústria, brigou com os produtores,
trabalha solitário no México, lutando contra a velhice e a morte, viril como um com o público, com a censura e com a crítica interessada a servir o bom gosto,
homem de quarenta, para completar a mais importante obra de cineasta de a moral, o respeito e a tradição.
todos os tempos. É a origem do cinema novo, do cinema-livre, do cinema de autor; do filme
O surrealista chocante de 1928 se declara velho para buscar o escândalo: que matou o "diretor-monstro", a "vedete-sagrada", o "fotógrafo-luz"; é a mise-
mas cada filme seu balança as estruturas da Igreja e do Fascismo. Diz que não en-scéne que saiu do enquadramento, quebrou o ritmo gramatical, estrangulou
voltará à Espanha, enquanto aquela for uma terra católica e fascista: o ódio a a emoção, fugiu do espetáculo: o filme que deixou de ser a narrativa gráfica de
Franco é o símbolo de sua fúria contra o Estado totalitário. O ódio à Igreja é o dramas pueris e literários para atingir a poderosa expressão em mãos de ho-
símbolo de uma luta eterna contra a mutilação do homem pelos dogmas. mens livres dos esquemas industriais: o filme político, o filme de idéias; o filme-

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verdade, de inquérito, de Jean Rouch; o cinema de reportagem-ficção de François Seu estilo é uma idéia em movimento ~ a liberdade realista desta ação é
Reichenbach; o documentário social de Chris Marker; o Cinema Novo Brasileiro. seguida por um olho atento aos detalhes: a ducha de água quente e fria, irre-
gularmente, jamais permitindo que o espectador pare de pensar.
[5] O diálogo oscila entre o coloquial e o poético: o homem fala sempre segun-
do esta ou aquela posição diante do problema; a violência é absoluta contra os
Gabriel Figueroa, o famoso iluminado r mexicano, é um dos fotógrafos preferi- fracos: o cego chutado em L'âge d'or, o paralítico torturado em Los olvidados, a
dos por Bunuel, Misteriosamente, nestes filmes, Figueroa surge diferente, sem abelha esmagada em Ensayo de un cnmen. violência contra os tabus do amor
as nuvens carregadas e o contraluz romântico. e do sexo: a imagem da mulher amada no sanitário em L'âge d'or ou a indeci-
Resposta à imprensa francesa: "quando tudo está iluminado e a enquadra- são das mãos da freira Viridiana diante das tetas carregadas de uma vaca.
ção composta, Luis se aproxima, dá um empurrão na câmera e manda rodar...", Contra as inibições do homem, as fugas da masturbação - o solitário e
O cinema não é um monstro, o mundo não está contido nos limites de um desesperado Robinson vagando pela ilha deserta e o homossexualismo que
quadro determinado por esta ou aquela lente, se estabelece entre ele e Sexta-Feira; os punhos em forma de pênis na corda
Rossellini: " ... o Cinema é uma coisa muito pequena .. é muito fácil fotogra- que a garota pula em Viridiana, a mesma com a qual o tio tarado se suicida; a
far um rosto; o difícil é fotografar o mundo ...".6 histeria mística das prostitutas que desejam o santo, o puro, o belo e viril padre
Desprezando anos e anos de teorias, os livros de Eisenstein, Rudolf Arnheim, Nazário; o erotismo na seqüência do lava-pés em ÉI, quando explode na Igreja
Bela Balázs, Umberto Bárbaro: respeitando o homem mas nunca as idéias de um clima de prostíbulo; a câmera que passeia nas costas seminuas da jovem
André Bazin assim como aquela doce pirâmide humanista de Cesare Zavattini, em A adolescente; o burguês devasso que abandona uma bacanal, a fantasia
Bunuel define seu estilo: " .., Nunca tenho problemas com a técnica. Tenho hor- com os trajes de Cristo no final patético de L'âge d'or: a fusão dos símbolos
ror aos filmes de 'anqulaçóes'. detesto os quadros insólitos. Com meu operador, tabus do sexo e da Igreja na coroa de espinhos que a garota queima enquanto
quando ele me propõe uma bela composição eu começo a sorrir e desmancho Viridiana surge com os cabelos soltos e o rosto sensual; a mulher empestada
tudo, para filmar sem efeitos... Detesto também a mise-en-scene tradicional, o de Nazarín que, recebendo a extrema-unção, expulsa o padre para ficar no leito
campo, o contracampo., Amo os planos longos, as tomadas em continuidade.. com o marido apaixonado - ou a Igreja como prisão eterna do Homem, no
Olho um roteiro durante cinco semanas e fico aborrecido ... depois do ensaio final de É/, quando o personagem que buscava a paz no convento segue às
rodo apenas duas ou três vezes cada cena... se eu filmo duzentos e cinqüenta tontas para a missa; na interrupção política & panfletária do padre Nazário, que
planos a montagem final terá a mesma quantidade... Nada de luxo", se desvia do seu caminho para dizer duras verdades a um gordo e prepotente
oficial do Exército.
[51 Esta montagem - de sugestão, às vezes de crítica rigorosa, outras panfle-
tárias, raramente hermética - sempre violenta uma condição de ordem, aquilo
A montagem de Buriuel não pretende informar pela lógica: desperta, critica, que o espectador aceita como normal: o poder do Estado, o temor de Deus
aníquila, pela violência, pela introdução do plano anárquico, profano, erótico através dos dogmas católicos, a consciência em crise ou a necessidade de ser
- sempre pelas imagens proibidas no contexto da burguesia. piedoso para estar em paz consigo mesmo e com seus semelhantes: as fugas,
sublimações, o culto silencioso da frustração, a passividade.
Glauber cita de memória este trecho No original " ... le cinema est une toute petite chose. I...] Et
É claro, em Bufiuel, que o forte sempre devora impiedosa mente o mais
pois photographier un homrne. ce nest rten. il faudrait pouvoir photographier un monde .. .", em fraco: a raposa caça e devora a galinha em A adolescente; um gato sempre
Jean Domarchi, Jean Douchet e Fereydoun Hoveyda. "Entretien avec Roberto Rosselfini". Cahiers pula em cima de um rato.
du Cinéma, n. 133.jul, 1962, pp. 4e 14. Incluída em Roberto Rossellini: lecinémarévélé(Paris: Cahiersdu Em Viridiana, esta montagem adquire, pela primeira vez na história do cine-
Cinéma fEdo de l'Etoile. 1984). pp. 63 e 71 IN.E.! ma, um sentido transcendente, além do efeito óptico até mesmo dos clássicos

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do cinema soviético: os mendigos, dirigidos pela freira virgem, abandonam o [7J
trabalho no campo e, ao meio-dia, se ajoelham para rezar a ave-maria.
Imagens inquietas do trabalho operário são inseridas irregularmente à me- O padre Nazário é o homem puro, piedoso, penitente. Acolhe uma prostituta
dida que os homens rezam. agradecendo a felicidade de cada dia: a sucessão criminosa, em legítima defesa, entra em litígio com a Igreja. Para evitar escân-
destas imagens de pedreiros, marceneiros e serradores cria, simultaneamente dalos, deixa o hábito e sai pelo mundo, como peregrino, dando pão e roupa,
à graça religiosa, uma monstruosa corrente de escravização. cuidando dos empestados e até mesmo encenando milagres, contra a vonta-
Se a montagem é a idéia em movimento, interrompida pela visão aguda de, para levar felicidade aos humildes.
(sempre despida de rigor, marcada pela irreverência poética), a mtse-en.scéne A prostituta Andara, após a partida do Nazário, incendeia a pobre casa do
de Bunuel não é menos estranha: Ensayo de un crimen é a grande peça do padre e parte atrás do protetor, seguida por outra amiga. Inculpados de cum-
mau gosto que o cinema criou: a cenografia de estúdio vulgar, os atores ves- plicidade. são procurados.
tidos de atores; É/ carrega para o dramalhão e vai buscar nas emoções mais Preso, Nazário é atirado numa vala, na companhia de criminosos; é espan-
legítimas do homem comum e entorpecido as raizes da sua escravidão - os cado, violentado.
atores abrem os olhos, discursam. andam se batendo pelas paredes - como É solto: maltrapilho e faminto encontra na estrada uma velhinha que lhe dá
em Robinson, o herói, vestido de couro e protegido por um guarda-sol rústico. um abacaxi de esmola.
vaga pela ilha em movimentos semicirculares, solitário e livre, buscando o ho- Com a fruta suspensa nas mãos, tonto e escandalizado, Nazário segue seu
mem para amar e devorá-lo. caminho.
De Un chien anda/ou a EI ánge/ exterminador, Bunuel usou o cinema para
enfrentar seus personagens na inconsciência deles mesmos; o homem nu e [81
pelo avesso; justamente por isto Bunuel permanece ainda um surrealista como
Dalí (com quem rompeu, acusando-o de servidor ao gosto fácil da burguesia). Nazarín, Viridiana e E/ ángel exterminador, a trilogia que oferece caminhos mais
mas lógico até onde pode ser: a mise-en-scéne do imprevisto - sempre na di- definidos para se desvendar Buúuel.
reção do mistério, contudo ligada ao ritmo, à plástica e à literatura espanhola: A liberdade, o cinismo. o humor, a irreverência não são toques para se iden-
no México de Nazarín está reconstituída a Espanha, nas marcas da arquitetura tificar uma posição anarquista.
colonial e no texto diretamente influenciado por Lorca; as imagens da água, Se em Los olvidados, como em Las Hurdes e La ttêvre monte à EI Pso, o
da lua e de anjos sensuais permanecem de Un chien anda/ou a EI ángel exter- autor fez uma obra de nítido caráter social e político; se Buúuel enfrenta a mo-
minador; mesmo negando os quadros insólitos. Bufiuel trabalha com Goya e rai da Igreja e do Estado e não se coloca na posição de um moralista; se não
Miró - a nova Ceia em Viridiana; as visões de Robinson na ilha. aceita para si mesmo qualquer forma de ordem vigente - isto não significa
O que os franceses procuram de sua cultura na obra de Buriuel seria marca- que ele negue a possibilidade de uma nova ordem.
do pela dita influência dos surrealistas: todavia Buriuel conheceu André Breton Não faz a obra didática porque não quer defender a moral.
depois de Un chien anda/ou e nunca foi porta-voz das idéias gerais do grupo. Não é um individualista porque se preocupa com as raízes que escravizam
A França, com a nouvel/e vague presa às lições de Buúuel (todavia com o o homem.
seu problema e sua coragem: o anarquismo epidérmico de Godard, a maldição Descobrindo nas entrelinhas a extrema felicidade do amor e do sexo, o que
pequeno-burguesa de Truffaut, o artesanato de Resnais inspirado em L'âge Buriuel propõe é uma nova ordem a partir da absoluta liberdade.
d'or, tanto nas imagens como no som) não pode aceitar que o gênio do seu
cinema seja espanhol.
Por isto, num país moralista, a censura libera Buúuel: único lugar do mun-
do. Paris, onde seus filmes marcham sem cortes.

176 177
191

Em Nazarín temos um herói escravizado pela Igreja: que não trapaceia, mesmo
insultando a fé da mãe desesperada que acredita nos seus poderes para salvar
o filho doente.
O mesmo herói que, ferido na carne pela estupidez humana. condena a
frase final de Cristo na cruz, o patético "perdoai. porque eles não sabem o que
fazem" e, saindo da prisão, fica semilouoo quando recebe a esmola.
Bunuel não detesta as massas mas critica o povo que, tomado de histeria,
pode seguir destinos dos fascistas.
O que procura na tragédia do padre Nazário é a própria tragédia de quem
se aniquila pelo servilismo: acusa as fontes, não tem uma lógica mas exige
razão. Procura a ordem de homens livres, lúcidos diante desta liberdade - não
há princípios da lei que justifiquem a opressão da humanidade: por isto, Nazá-
rio vai até um oficial do Exército, que antes humilhara o pobre caminhante, e
lhe diz duras verdades.
Querendo fazer a revolução pela consciência livre de cada homem, entre
esquerda & direita, é a particular terceira posição de quem não aceita o mundo
capitalista. católico & burguês; de quem duvida do novo mundo que se cons-
trói em nome da História.
Bufiuel. no entanto, estará sempre decidido pela sociedade onde o homem
possa ser mais livre; embora alguns apressados o classifiquem de anarquista
de direita, Bunuel. depois de Viridiana (grande sucesso na Cortina de Ferro) e
La fievre monte à E! Pao (a mais violenta bofetada que a dinastia dos Francos
e Batistas poderia receber), andou de boas relações com os comunistas.
E/ ánge/ exterminador recebeu o grande prêmio no festival jesuíta de Ses-
tre Levante, coração da Itália, e confundiu esquerda & direita.

[10]

.. Sou ateu graças a Deus .. a Igreja traiu Cristo ..." - declarou seriamente.
Seu maior herói é um padre injustiçado pelo Clero.
Muitos artistas lançaram mão do Cristo para fabular no mundo de hoje.
No caso de Buúuel. é diferente: desde Un chien anda/ou os elementos
constituídos da mitologia católica caracterizam sua obra. Francisco
Há quem diga: " ... vocação frustrada de jesuíta ... um místico inadaptado ...", Babel em
Quando rodava É/, vestiu uma batina para dirigir Arturo de Córdova; estuda, Nazarín (1958)

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sobretudo, a vida dos santos - foi educado pelos jesuítas, é filho de Espanha,
terra católica.
Despido das visões surrealistas, Nazarín é a tentativa de seu encontro com
o mundo - seria mesmo o autor sem máscara caso fosse possível identificar
nesta fábula uma lição na Igreja.
A dor autobiográfica: " ...olhem, os melhores homens estão do lado de fora,
por culpa de vocês ..,".
A suspeita não é infundada, porque nunca um herói foi tão amado no
cinema.
Nenhum gesto de piedade pelo herói massacrado: dominados pelo escân-
dalo do inesperado humanismo impossível, Bunuel & padre Nazário seguem
tontos com um abacaxi nas mãos.
Depois de Nazarín, realizou A adolescente: - " ...as virgens mais terríveis
são as de treze anos ..." - este é um filme de queda, um tanto preguiçoso,
mas talvez a discrição diante de Viridiana crescendo: - " ...as virgens mais
terríveis são as freiras ...". Mas veio La tiévre monte à EI Pao.
Para Bunuel. Viridiana é o vírus que se instaura na Deusa. A dúvida de Ro- Silvia Plnal e
binson andando em semicírculos: de Nazarín a Viridiana é outro círculo que se Fernando Rev
em Veridiana
desenvolve. Tenho um abacaxi nas mãos, estou tonto neste caminho sobre
(1961)
os mesmos caminhos, retorno ao convento ouvindo a "Aleluia" de Haendel,
encontro a casta Viridiana na paz de um claustro.'
Daí, a moça vai visitar seu tio; ele tenta seviciá-Ia mas domina os instintos; Toda carga erótica de Viridiana é transferida pela adoração do pequeno
tenta conservá-Ia em casa, mentindo; a moça parte; torturado, o tio se enforca; Cristo crucificado que traz consigo: chegando à casa do tio, no seu quarto, ela
a moça é tomada de uma crise de consciência; abandona o convento, herda a despe o hábito.
fazenda do tio; recolhe mendigos, faz obra de assistência social; os mendigos A câmera mostra discretamente suas belas pernas, a mulher surge quando
iniciam a desordem; um deles tenta seviciá-Ia pela segunda vez; Viridiana toma a santa se despe.
consciência da carne; solta os cabelos; jogará cartas sempre com o belo Jor- Na sala, o tio toca "Réquiem" de Mozart.
ge, que não é outro senão Francisco Habal, o criador do padre Nazário. No quarto, Viridiana, de camisola branca, reza para seu Cristo.
O padre é virgem: o que a prostituta Andara sente por ele é amor, desejo Manhã seguinte, vai ao curral e vê um homem tirando leite; tenta o ato; sua
sexual. mão, crispada, se detém diante das tetas carregadas, fáticas.
Quando sua tia lhe pergunta se aquela adoração religiosa não continha Bunue! explica: "Quando estudava com os jesuítas, os padres reprimiam
outras emoções, Andara abre os braços e grita histericamente: "Calúnia! nossos instintos sexuais e toda nossa energia era empregada no fervor reli-
Calúnia!". gioso ... à noite, silenciosamente, nos masturbávamos diante das imagens da
Virgem Maria ...''.
O padre Nazário não se entrega ao pecado da carne: estou com o abacaxi
Para maior clareza do texto, neste parágrafo foi acrescentado um trecho do artigo original que não nas mãos, casto e puro.
constou da la edição deste livro, [N,E.l Viridiana não se desespera.

180 181
A Igreja tremeu outra vez, mas não existe um só detalhe de mau gosto, de
choque fácil. . .
A burguesia não bateu palmas - pela liberação da carne e dos instintos
criminais Bufiuei revelou a face trágica de todas as classes.
E daí? Não estou mais com o abacaxi nas mãos, jogo cartas com o sexo,
prefiro ouvir um rock-end-rott.

[111

o anjo baixou com seu sortilégio, fechou as portas: não se pode entrar nem
sair da luxuosa mansão, onde havia um grupo de aristocratas.
Passam alguns carneiros, um urso. .
Última ceia O povo não pode transpor as grades do jardim, toda a cidade se movimenta.
dos mendigos
Onde está, agora, alguns dias depois, aquela seriedade?
ern Veridiana
Os homens andam seminus e barbados, os elegantes vestidos estão ras-
gados, todos disputam um cano de água que cavam na parede.
Toma consciência do sexo, da santidade inútil, de um mundo que não pode
ser enfrentado com a pureza do padre Nazário e sim com a naturalidade de
quem inicia seu processo de identificação realizando primeiro o sexo para de-
pois realizar as idéias.
"Para mim", diz Buüuel. "Viridiana é mais virgem depois que dorme com
Jorge ..." .
É neste filme que surge outro caminho para identificar o autor nos domí-
nios da Igreja. Na ceia - Cristo já sabia que Judas era o traidor. Como um
Judas anárquico, trabalhando de ator, Buúuel preside o segundo banquete da
traição, instala a bacanal. desperta nos humildes os mais baixos instintos: a
bacanal que não se vê em L'âge d'or - "".para celebrar a mais bestial das or-
gias, estavam fechados naquele castelo inexpugnável cento e vinte dias: eram
quatro celerados que não tinham outro Deus senão a sua lubricidade, outra
lei senão sua depravação sem princípios, sem religião ... a maior infâmia que
ninguém poderá nomear eles tinham introduzido em seu castelo, unicamente
para servir a seus imundos desejos, oito maravilhosas jovens, oito esplêndidas
adolescentes, e para que suas imaginações já corrompidas ao excesso fossem
continuamente excitadas, eles tinham igualmente trazido quatro mulheres de-
pravadas que alimentavam incessantemente a voluptuosidade criminosa dos
o anjo
quatro monstros ..." - esses fragmentos do letreiro que precede a seqüência exterminador
final de L'âge d'or é uma espécie de roteiro da bacanal que os mendigos fazem (19621
na casa pia de Viridiana.

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o casal se fecha no armário - suicídio. Outro homem morre de fome. com o Michelangelo Antonioni de O eclipse (L'eclisse, 1962 - a destruição do
A visão do céu simples, cartãozinho de Cristo cercado de flores, neve de cinema figurativo, a redução do homem a objeto) ou com o Rossellini místico
algodão de presépio - a ingenuidade diante da câmera que circula tragica- da entrevista que nega o cinema, a arte e o pensamento, exigindo o domínio
mente naquela sala até que alguém, tocado pelo milagre, descobre a chave. axiológico da ciência.
Devem procurar os mesmos lugares de antes, na primeira noite, quando Último maldito, Bunuel não terá seguidores.
estavam sentados à mesa. Tocar a mesma música. O outro plano, segundo seu amigo e produtor Oscar Dancigers "...Ieva uma
Recuperar a tranqüilidade. vida tranqüilo, de burguês pai de família, econômico e modesto... ama beber,
Esforço conjunto, o sortilégio abre as portas. comer, caçar os raros e bons amigos ...",
Na Igreja, a missa é celebrada para pagar a promessa do milagre.
O sortilégio fecha as portas, encurrala os padres: o povo explode na praça,
os carneiros entram na Igreja. A MORAL DE UM NOVO CRISTO
O que significa a última seqüência de E! ángel exterminador? Declaração
de que a Igreja e o Fascismo andam de mãos dadas? O sortilégio bloqueia as portas da igreja. Os padres paralisados, os fiéis miste-
Saída que se abre para quem está jogando cartas com o sexo e ouvindo riosamente detidos. O povo explode nas praças, a cavalaria carrega. Enquanto
rock-and-roll- mostrando que a melhor estrada é aquela que leva às praças e as massas lutam contra as forças fascistas, os sinos soam. Um bando de car-
não aos templos? neiros, mansos e servis, marcha a caminho dos templos. Isto, a seqüência final
O anarquismo estaria em crise? de EI ángel exterminador. Que significa? Sugestão de que a Igreja e o Fascis-
O homem livre precisa disciplinar a liberdade e a violência para fins políticos? mo, principalmente nos países latinos. andam sempre de mãos dadas? Saída
Os planos finais de E! ángel exterminador são rápidos e incisivos: na praça, que se abre para quem joga cartas com o sexo [Viridianal. mostrando que a
com uma tomada de jornal de atualidades, a visão é dramática; rumo às igrejas estrada mais conseqüente é aquela que leva às praças e não aos templos?
os carneiros, no curto tempo, estão na fronteira do humor. O anarquismo do velho espanhol estaria em crise? O homem, livre de sua aliena-
ção (carneiros). precisa disciplinar a liberdade e a violência para fins políticos?
[121 Estas perguntas, feitas em 1962, quando Bunuel tinha 62 anos, nos aproxi-
mavam da chave do enigma que Le journal d'une femme de chambre [O diário
Luis Bufíuel, 65 anos, declarando que não está mais na idade de buscar o es- de uma camareira, 19641 ainda não elucida,
cândalo, realiza outro filme no México, Sim6n deI desierto [1964-65j.8 Aí, alguns críticos notam apenas um cineasta mais político e menos anár-
Gustavo Alatriste. jovem milionário, financia um homem que detesta quico. Maduro, amargo, ferino: a linguagem transpira segurança; o grande tra-
Hollywood, visado pelo Vaticano e pela Polícia de Franco, que não tem compro- velling que mergulha na província francesa, introduzindo o espectador naquela
missos com ninguém: maldito na indústria, Bunuel esperou mais de trinta anos angustiante solidão de convenções, faz lembrar um EI Greco, não pela imagem
para conseguir liberdade de expressão. que cria mas pela virilidade do ritmo.
Converteu-se no cineasta mais importante de todos os tempos e num dos Se, no desenrolar desta crônica doméstica, algumas vezes surge um plano
artistas mais estranhos de nossa época. habitual de sua montagem {tiro de espingarda destrói uma borboleta assim
Se este inédito e último filme não for uma opção entre a praça e a Igreja como em outros filmes uma raposa devora um galo como um gato estraça-
- estará voltando sobre os mesmos caminhos de antes e poderá se encontrar lha um rato}, é sobretudo o diálogo que comenta. transposto do romance de
Octave Mirbeau.?
o artigo de Glauber é de 1962 e o filme. de 1964-65. o que atesta a não rara alteração que ele fez
nos próprios textos quando da P edição deste livro. [N,E,] Otauber refere-se ao romance homônimo Le journa/ d'une femme de chambre (1900). [N.E·l

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Diante do novo discurso, os bunuelistas compreendem o quanto um autor Outros pensam como Grttfith. Chaplin. Flaherty, Stroheim, Murnau, Fritz
revolucionário pode transformar seu estilo em função de uma idéia: em Le Lang, Welles, Rossellini - sobretudo Eisenstein. que, se não chegou a uma
journa/ houve a exigência de profundo raciocínio sobre os motivos que levaram síntese, criou os métodos para uma estética cinematográfica revolucionária.
a velha França burguesa ao apodrecimento moral que a enfraqueceu para en- Outros, mais jovens, refletem: Kubrick, Losey, Andrzej Wajda.
frentar as duas grandes guerras, Há, no cinema, os que fazem escultura (como Resnais), os que fazem pintu-
Menos anárquico e mais político, Mareei Martin acrescenta: "Pode-se la- ra (como Eisenstein), os que filosofam (como Rossellini), os que fazem cinema
mentar que ele se exprima, aqui, de uma forma mais terna e mais racional do (como Chaplin), os que fazem romances (como Visconti), os que fazem poe-
que em seus grandes filmes; não se pode contudo dizer que ele tenha agido mas (como Godard). os que fazem teatro (como Bergman), os que fazem circo
com menos força, menos consciência e eficácia .. " 10 {como Fellini}, os que fazem música (como Antonioni), os que fazem ensaios
Mas eis que do deserto parte o santo Simón, montado num avião a jato (como Andrzej Munk e Rosi) e os que, dialética e violentamente, materializam
que atravessa os tempos: seu guia é o Diabo e o Diabo é a bela Silvia Pinal. o sonho: este é o Bufiuel.
O santo Simón desce aos infernos e o inferno é um x-Club. onde os meni- A crise do cinema será a crise do pensamento do "homem moderno". Por
nos cabeludos se contorcem aos ritmos ferozes, as adolescentes se despem, homem moderno entende-se o homem do mundo desenvolvido: o europeu
a tentação da carne, o santo resiste. capitalista, o norte-americano, o europeu oriental.
Em Sim6n dei desietto, Luis Bunuel, aos 65 anos, retoma às fontes de L'âge O cinema, indústria de superestrutura (comunicação fundamental deste ho-
d'or: o anarco-surrealismo retoma seu lugar, o enigma ganha um novo ramo, o mem), ocupou o lugar do romance e do teatro, vago depois da morte de James
bunueliasta fica perplexo. Joyce e Bertolt Brecht.
A história do cinema situa Buúuel como um Autor e, para nossa glória, será A consciência do mundo moderno, desde o fim da II Guerra Mundial, está
ele um dos poucos cineastas que, no futuro, terá citação. no cinema: está na própria inexistência do cinema alemão e sobretudo na Itá-
Um pensamento, quase um sistema, que, não tendo sido racionalmente lia, na França e na Polônia.
criado, deixa aos críticos tema fecundo, de onde se pode extrair uma ética- A Itália, atingindo sua crise através da consciência de Antonioni; a França
estética. furtando-se à crise na ironia de Godard.
Raros, mesmo entre os autores cinematográficos de hoje, os que podem Enquanto Truffaut procura um novo sentimento em Jules et Jim [Uma mu-
ser considerados, além de poetas, pensadores. lher para dois, 19611, Resnais procura na memória valores capazes de construir
Muitos pensam, como Bergman e Fellini, incorporadores de um neo-espiri- uma nova consciência.
tualismo místico e carregado de romantismo narcisista; muitos pensam, como O fenômeno, de maneira geral, caracteriza o cinema capitalista, salvo nos
Visconti ou Rosi, que representam respectivamente a primeira e a segunda EUA, onde, neuróticos e excitados, os mais jovens cineastas só têm uma preo-
fases do realismo histórico & crítico do cinema moderno; muitos pensam a cupação: a guerra atômica, a conquista do espaço, o avanço comunista.
partir da moral do próprio cinema, redramatizando as crises de sentimento da Do outro lado, no mundo comunista desenvolvido, apenas a Polônia
sociedade burguesa européia em busca da vida através da mistificação cine- demonstra há vinte anos uma evolução política que se refletiu no cinema de
matográfica, como os mais legítimos representantes da nouvel/e vague, cada Jerzy Kawalerowicz, Wojciech Has. Wajda e sobretudo no Munk de Pasazerka
um com suas variantes, todos do mesmo ponto de partida, entre os quais IA passageJia, 1961-641.
Godard, Truffaut e Resnais. Um pensamento que, segundo o próprio Munk, abandonou o her6i posi-
tivo, o esquematismo sociológico, e enfrentou, por outro lado, a dialética da
sociedade socialista em processo: o heroísmo do passado durante a ocupação
nazista e a solidão do presente, quando o novo homem educa suas relações
Mareei Martin. Cinéma 64, n 85, Paris, abr 1964, p.121 [NE.I com a nova sociedade.

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o resultado polonês influenciou, vinte anos depois, a Tchecoslováquia: um o Cristo de Pasolini é um revolucionário que sucede ao Cristo anárquico
novo cinema tcheco começa a surgir desde 1962 e, tendo superado o proble- de Burluel.
ma do passado (a guerra e a consciência revolucionária), os cineastas tchecos Guy Gauthier assinalou, num estudo a respeito de Chris Marker e o neo-
retornam sutilmente à sua melhor tradição literária: Kafka. surrealismo, que " ...em Las Hurdes, a simples representação das condições de
Na URSS, a crise permanece há mais de vinte anos desde que desaparece- vida de um povoado espanhol miserável integrará numa realidade indiscutível
ram os grandes revolucionários, sobretudo Vsevolod Pudovkin e Eisenstein. as imagens mais cruéis que possam existir. Em particular, os burros mortos
Se o estalinismo foi opressivo, o kruchevismo ofereceu apenas obras dis- sobre um piano têm como resposta um burro vivo devorado pelas abelhas.
cutíveis, porque demagógicas: a trilogia do degelo de Grigori Chukhraj [Sorok Este itinerário é significativo, no sentido de que resume toda a orientação do
pervyy,1956; Bailada o soldate, 1959, e Chistoe nebo, 19611 falou de nova mo- surrealismo, surgido em laboratórios de imagens e restituído sucessivamente
rai com a velha linguagem. por acontecimentos da realidade (...). Hoje, os noticiários e os filmes científicos
Pier Paolo Pasolini em 1964, filmou II Vangelo seconao Matteo [O Evange- constituem o verdadeiro cinema surrealista ...' Y
lho segundo São Mateus]. O surrealismo de Luis Bunuel é a pré-consciência do homem latino, é revolu-
Versão moderna da vida de Cristo, análise histórica do fenômeno judaico cionário na medida em que liberta pela imaginação o que é proibido pela razão.
e tentativa de nova moral revolucionária, o filme de Pasolini foi atacado por Esta tiberteçêo, contudo, não é uma fuga, mas uma arma que vergasta,
setores da crítica francesa. como o Cristo de Pasollni. os símbolos da sociedade capitalista subdesenvolvida.
Pasolini respondeu e deu a chave do problema: "A sordidez da crítica fran- O herói de Buüuet, de Robinson Crusoé ao criminoso Archibaldo de la Cruz,
cesa recusa admitir a existência de um subproletariado em evolução nos pa- do Padre Nazário à freira Viridiana e ao santo Simón, é, na última redução, um
íses subdesenvolvidos, recusa compreender os valores destas novas forças. fanático latino organicamente faminto: o comportamento de um faminto é tão
A cultura francesa caiu num racionalismo que Sartre já denunciou como aristo- absurdo que seu registro real cria o neo-surreelismo; sua moral. como subpro-
crático e decadente ..."." letariado, é mais metafísica do que política.
Pasolini deixou claro que a crise de consciência do cinema moderno é o Desde L'âge d'or, o inconsciente espanhol de Bunuel povoou seu cinema
reflexo da crise da Europa Ocidental capitalista. de famintos: mendigos em L'âge d'or, miseráveis em Las Hurdes, mendigos
Seu Cristo - que prega a intolerância antes da piedade, que prega a vio- em Nazarín, mendigos em Viridiana, delinqüentes infantis em Los olvidados e
lência antes da complacência, que se revolta contra o Pai quando, na Cruz, se subproletários em ÉI.
vê desamparado - é o porta-voz de nova moral: a moral do homem subdesen- Diante de sua multidão de famintos (como o subproletariado que seguia
volvido consciente. Cristo, colonizado pelo Império Romano), Bunuel preparou. na história do pen-
O Cristo de Pasolini é um estigma contra a alienação: alienação é a pieda- samento cinematográfico moderno, o caminho para o novo Cristo de Pasolini.
de, a complacência, a hipocrisia, o tabu sexual, o servilismo, todos comporta- À luz de uma análise sem esoterismo, Bufiuel pode ser considerado como
mentos que caracterizam o homem subdesenvolvido, ou melhor, o homem anarquista de esquerda: é o demolidor dos valores vigentes do mundo ociden-
colonizado. tal cristão (principalmente do submundo latino): não propõe uma nova ordem
mas não aceita a ordem vigente.
Buúuei. no absurdo quadro da realidade do Terceiro Mundo, é a consciência
tt
Não localizada a fonte citada por Glauber. O artigo de Pasotini "Una visione dei mondo epica-re- possível: diante da opressão, do policiatesco. do obscurantismo e da hipocrisia
liqiosa". em Bianco e Nero, jun. 1964, toca na questão do subproletariado e do Terceiro Mundo. institucionalizada. Buriuel representa a moral libertá ria, abertura de caminho,
Ouando lançou O Evangelho segundo São Mateus na França, Pasolini enfrentou polêmicas e par- constante processo de rebeldia clarificadora.
ticipou de um diálogo com Jean-Paul Sartre. Ver "Cristo e i! Marxismo: dialogo Pasolini-Sartre".
L'Unità, 22 dez, 1964. [NE.J fmage et Son. n. 161- 62 {Spécial Chris Marker). Paris, abr - mai.1963.IN.E,]

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o surrealismo em sua obra é a linguagem por excelência do homem oprimido. mas quando lhe disse que era Godard, e que Godard ficaria contente com sua
Eis, sem decifrar o enigma individual de Buúuel. o que me parece essencial presença, se pôs de acordo. Também está disposto a dar a primeira entrevista
em sua obra; eis, de um ponto de vista intelectual latino, o que se pode extrair de coletiva de sua vida, para ser gentil com o Professor Chiarini. E ainda resolveu
historicamente válido para uma política de libertação, na qual, como em todas comparecer, de smoking, à sessão de gala de Belle de jour [Bela da tarde,
as épocas, a arte joga um papel importante no processo da consciência popular. 19661. Não queria mas eu lhe disse que assim o público e os jornalistas iriam
Em sua mais recente entrevista à imprensa, em março de 1965, Georg considerá-lo um pedante. Ficou assustado, disse que não é pedante, e que virá.
Lukács declarou que é necessário revisar a programática política em relação A lancha que o conduz do hotel-ilha Cipriani ao Hotel Excelsior, centro do
ao mundo subdesenvolvido. Festival, chega às nove e meia. Já faço parte da corte ao mito. O crítico do
A alienação no mundo burguês, que alguns teóricos europeus - inclusive ele Cahiers du Cinéma, Jean-André Fieschi, me pergunta se terei acesso a Bunuel.
próprio -colocaram, não tem validade absoluta para o homem subdesenvolvido. o grupo da revista Cinema e Film me pede que faça, com exclusividade, uma
Neste homem, afirma por sua vez Pasolini, as forças do irracional é que entrevista com Bunuel. É que Muúoz Suay espalhou o veneno:
geraram Cristo. - Amanhã, disse Dom Luis, janto com Luigi Casiraghi, Novaes e Rocha.
Aqui, a Virgem Maria é o irracional, é o supra-real, é a imagem de um povo Não quero ver mais ninguém. Nem o Papa.
sofrido, cuja alienação provoca, num parto a fórceps, mais cedo ou mais tarde, O homem que entra no hall do Excelsior está de capa e smoking. Esta é a
o Cristo redentor. segunda vez que vejo Dom Luis na minha vida. A primeira foi no México, em
A corrida para o espaço e a crise atômica fazem do cinema, cada dia que 1965, quando ele filmava Sim6n dei desierto. O diálogo foi rápido, e rápido fui
passa, um instrumento científico. transformado em figurante. Depois as minhas "relações íntimas" com Dom
A crise da velha Europa Ocidental faz do cinema um espelho de sua alienação. Luis viraram um equívoco de parte a parte. Primeiro, Dom Luis fez uma des-
O despertar do Terceiro Mundo faz do cinema sua linguagem viva: as bru- crição melhorada de Deus e o diabo, dizendo maravilhas de um filme de "três
tais conseqüências da fome marcarão as imagens desse cinema, queiram ou horas de duração". O fato é que Dom Luis ficou obcecado por Antônio das
não os arautos de um mundo digestivo e belo, onde os homens são bonitos, Mortes e Corisco, sobretudo por Antônio das Mortes. E durante dois anos não
fortes e invencíveis, onde as rosas limitam a terra e as frases de efeito procu- parou de falar. Os intermediários criaram o mito da amizade. Mas Dom Luis
ram esconder o câncer que nasce nos lábios da miss ou a criminal idade que se nem se lembrava da minha cara. E agora, ali, no Excelsior, cercado de pessoas
desenha na testa do ditador. de todas as idades que o abraçavam emocionadas, eu deveria abraçar Dom
Luis com toda a "intimidade". Muita gente, que não podia resistir à curiosida-
de de olhar de perto o gênio espanhol, me forçava: ande logo, vá falar com
ÉL Bunuel. Fui. Minha sorte é que Dom Luis é surdo. Várias pessoas falavam ao
mesmo tempo, Dom Luis ria e bebia, numa liberdade surrealista. E o absurdo
Festival de Veneza, 1967. se deu: pedi a Murioz Suay para me apresentar uma segunda vez. Munoz ficou
O rumor do mito vem do México. O romancista Carlos Fuentes, membro do escandalizado: "Então, não são íntimos?". "Não!" Muúcz se escandaliza, se
júri, me conta que Bunuel lhe escreveu: chega no domingo, ficará num hotel aproxima do ouvido esquerdo de Dom Luis e grita:
distante, voltará em quatro dias. - Rocha!
Domingo à noite, o crítico espanhol Ricardo Murioz Suay transmite as úl- - O quê'
timas notícias a Novaes Teixeira, correspondente de O Estado de S. Paulo e - Rocha!l!
velho amigo de Bufiuel. - Ah, donde está?
- Chegou, está bem de saúde, achou Veneza mais bonita do que Toledo. -Aqui!
Virá hoje às dez ver o filme de Godard. A princípio não queria vir ao cinema, - Rocha?

190 191
e Jean Sarei, houve uma salva de palmas tão forte que contrastaria, em volu-
me apenas, com a vaia que Visconti levou quando chegou para discutir seu
filme Lo straniero. As perguntas a Bufiuel foram primárias, medrosas. Mesmo
assim, suas respostas foram engraçadíssimas: um jornalista lhe perguntou
qual o processo que usou para as cores de Belle de jour. Resposta: "Não sou
pintar. Todo o trabalho de cor devo ao meu fotógrafo, Sacha Guiuv". Espanto
na platéia. O nome do fotógrafo é Sacha Vierny. Sacha Guitry é um "francês
sagrado", escritor e cineasta, desaparecido.
- Vierny, soprou Rabal.
- Não foi o Guitry?, sorriu Bunuel.
Devido ao silêncio constrangedor que reinava e devido ao ballet incessante
dos paparazzi em torno da mesa, um crítico espanhol, tomado de crise nacio-
!ufluele nalista, falou:
Jlluber - Dom Luis. já que os europeus, que falam francês e italiano, não têm
V.neza, 1967)
nada para lhe perguntar, vou lhe fazer uma pergunta em espanhol.
Depois que Rabal gritou a pergunta nos ouvidos de Bunuel, ele respondeu:
E Bunuel me abraça com grande intimidade. - Para mim tanto faz francês, espanhol ou chinês. Sou surdo.
- Não o conhecia? - pergunta Muúoz Suay. Na noite de Belle de jour, estava no bar com Arnaldo Jabor e outros ami-
- Não, mas é como se o conhecesse há muito tempo. gos, quando Jabor me aponta: Bunuel. sozinho, andava pelo bar, nervoso. He-
Acontece que, para quem estava de longe e observou a cena, tudo se pas- sitei em abordá-lo mas Jabor me empurrou. Aproximei-me e gritei no ouvido
sou diferente. O abraço de Bufiuel. de conhecimento, parecia, em plano geral, esquerdo:
um abraço de velhos amigos. Dom Luis me agarrou pelo braço e me levou para - Rocha!!!
o bar. Eu passei a ser dono involuntário do mito. Mas como, à entrada do bar. - Ah, vamos a tomar una copa. Estoy muy nervioso; esta película es muy
apareceram outros admiradores, aproveitei uma pausa de Bufiuel para apertar mala.
outras mãos e fugi. No fundo do bar, Buúuel bebia champanha e se recusava a Sentamos na mesa. Antes de pedir uma qrapa. Bunuel avisou que ele pa-
cumprimentar seus amigos hispânicos, Carlos Fuentes e Juan Goytisolo, mem- gava. Sua vontade é de pagar tudo. Por isto é um grande gastador. Insistimos
bros do júri: em pagar. Ele concordou.
- Os jornalistas vão pensar que já estou pedindo votos para o filme! Bunuel é permanentemente inquieto. Tem um olhar perdido, olhos verdes
Mufioz Suay avisa que o filme de Godard vai começar. Buúuel manda o ator saltados das órbitas. Tosse, sorri, se aborrece e se emociona ao mesmo tempo.
Francisco Rabal pagar as bebidas. Rabal surpreendido, me diz: Se aborrece porque não pode ouvir, e qualquer conversa cruzada o põe insegu-
- Eu estou sem dinheiro, ele me emprestou, e agora manda que eu pague ro. E, como não pode parar de falar, monologa respondendo perguntas tardias
as contas com o dinheiro que me emprestou. Ah, é mais uma brama (piada) e avançando com outros diálogos. Parece uma situação de teatro do absurdo:
dele. Sabe, Rocha, este homem para mim é um Deus. -La escena dei perrito. oh, que preciosa!!! Que película es?
A segunda vez que vi BuFiuel em Veneza foi por acaso. Noite de Belle de - Vidas secas!!!, responde Jabor gritando.
jour. Pela manhã, tinha-o visto, de longe, na entrevista coletiva. BuFiuel. nes- - Vidas secas! Que película extraordinária! E aquella de los fuciles?
te encontro, o primeiro coletivo de sua vida, estava disposto a falar, mas sua - Os fuzis!!!, grita Walter Achugar.
presença intimidou os jornalistas. Quando subiu ao palco, cercado por Rabal - Que cine tiene Brasil!!! Es el mejor cine dei mundo.

192 193
- Por que não vai ao Brasil? - Pagaram o barco?
- Não gosto de viajar. Tenho medo de aviões. -Sim?
- Vai de navio!l! - Então eu lhes pago. Porque é um absurdo convidar uma pessoa e deixar
- Não aceito convites oficiais. Se el cine nueva me invita, acepto. a pessoa pagar o transporte.
- Quando? Não aceitamos. Estranha moral. Não gosta de receber. Tem de pagar, fazer
- É difícil. .. Sou um operário do ócio. Ah, o português! O português do favores, ajudar, favorecer. Moral cristã. Sentamo-nos. Eis o resumo do diálogo,
Novaes Teixeira é muito confuso (e Buríuel imita Novaes). que durou duas horas:
O diálogo, que se armava, é interrompido. Descoberto, Buríuel se vê cer- - O senhor disse que não ia mais filmar depois de Belle de jour.
cado por críticos e admiradores. Se enerva, se descontrola, sorri, aperta mãos, - Sim, sim, mas tenho o roteiro de O monge pronto." E há três dias me
aceita convites. Sua. Bufiuel detesta o sucesso. Em vinte minutos, pede des- veio a idéia de filmar um Evangelho, com um argumento de João Evangelista.
culpas e se retira. Reconfirma o convite para o jantar no dia seguinte. Uma das cenas que imaginei é assim: Jesus está diante do espelho, pega uma
No dia seguinte, porém, Dom Luis desaparece nas ruas e canais de Veneza. tesoura para cortar a barba. Chega a Virgem e grita: "Meu filho, não faça isto!".
Ninguém o vê. Nenhum jornalista consegue entrevistá-lo. Nem mesmo Luigi "Por quê?", pergunta Jesus. "Acha que fico bem de barba? Que a barba vai me
Chiarini, o diretor de Veneza, o encontra. O Festival corre. Perco as esperanças ajudar a convencer as pessoas?". "Claro, meu filho", responde Maria. "Se a
do encontro desejado, calmo, longo, a sós. Não posso telefonar, pois os tele- senhora quer, não faço a barba."
fones o irritam. Tomo a lancha, vou ao hotel Cipriani e deixo uma mensagem. - Gostou de La chinoise?
Último dia do Festival. Buríuel ganha o prêmio. Veste o smoking e vem receber - Godard me irrita e me fascina. É um filho-da-puta genial! Revoluciona
o Leão. Antes, no Excelsior, chama o Novaes e diz: tudo. Detestei Alphaville e depois começo a pensar. Para filmar La chinaise eu
- Peça ao Rocha para vir amanhã às nove no hotel. precisaria de sete dias para recortar os jornais e as citações, de seis dias para
Eu visto o smoking para assistir à cerimônia. Alberto Moravia lê as premia- filmar e de quatro horas para montar. Montei Belle de jour em doze horas. Não
ções. Vaias. Quando lê o Leão de Ouro, aplausos incontidos. Buõuel. nervoso, sou diretor, sou montador. Só filmo uma vez cada cena. Depois corto as ela-
sobe ao palco, recebe o Leão. O prêmio é pesado. Os fotógrafos o metralham. quetes. Devolvi ao produtor de Belle de jour dezoito mil metros.
Buôuel resiste, depois exibe o prêmio. A atriz inglesa premiada o beija. Termi- - Se ocupa muito dos atores?
na a cerimônia. Bufíuel sai. Na porta do cinema, os fotógrafos insistem para - Sim, sim A única atriz que conheço é Jeanne Moreau. Tem o olhar
que ele beije novamente a atriz inglesa. Resiste, sorri, beija. Rompe o círculo, cinematográfico Aos outros atores tenho de ensinar tudo ... Os atores têm
entrega o prêmio a Mufíoz Suay, abraça Novaes, eu o abraço, abraça Walter muitas idéias e teorias, não me agrada isto.
Achugar, começa a sorrir e a dizer inúmeros palavrões em espanhol, numa - Gosta de Antonioni?
explosão tipicamente latina, vulgar mas belíssima na voz de Bufíuel. Traduzo a - Para mim é cinema "artístico". Cinema "artístico" é o pior que pode exis-
declaração de Bunuel, depois de ganhar o Leão de Ouro: tir. Eu creio que o cinema deve ter uma forma clara e direta para temas miste-
- Todos queriam fotografar este Leãozinho, mas estou vendendo o Leão- riosos. Fotografia não me interessa. Minha atitude é destrutiva e negativa. Não
zinho ... por qualquer preço... estou velho, por isto aceitei o convite para vir a procuro valorizar nada. As coisas se revelam por seu próprio mistério. Sou um
Veneza. Mas para viajar de avião, vestir smoking e fazer conferência, queria irracional. Não penso em símbolos, em significados ... O único cineasta novo
também o prêmio; vim disposto a tudo.
Como num filme de Bunuel. ele desapareceu.
No dia seguinte, depois do Festival, às nove, estou no Cipriani. Butiuel me 13 Ef monjelLe moine (1972]. de Ado Kyrou, produção da França/Itália/Alemanha, roteiro de Bunuel e
esperava no jardim. Cheguei com o crítico espanhol Augusto Torres, que deve- Jean-Claude Cerrfêre. baseado na novela The Monk. de Matthew Gregory Lewis (Rio de Janeiro
ria fazer as fotos. Butiuel me pergunta: Subscription Librerv. 1795]. [N.E.]

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que existe é Godard. E os brasileiros. Não cheguei a ver Vidas secas e Os fuzis Um diálogo surrealista, típico de Sanz/Burluel.
completos. Vi trechos num documentário de TV. Mas foi o bastante para sentir Dou o jornal a Bunuel. com sua foto em primeira página e a manchete:
a força, a grandeza e a beleza destes filmes. "Bunue! vence o Leão de Ouro".
Augusto Torres começa a fazer as fotos. Bunuel posa para as fotos. Sua - Prefiro não ver isto ... O filme é muito ruim. É um folhetim. E a censura
atitude é humorística. Detesta fotos. Para os amigos, concorda. me cortou a melhor cena, a do conde necrófilo ..
- Agora vou a Madrid. para beber nas velhas tavernas e sentir o frio. Estou - É para mostrar a seus filhos ..
na Torre de Madrid, se aparecer por lá me procure. Em Paris, vou pedir a Novaes -A mis hijos? Está bem, está bem ..
para ver Terra em transe.
Bunuel adora os filhos, Rafael e Juan Luis. Recebe o jornal movimentando-
- A crítica brasileira falou muito mal do filme ..
se, mareado, como ÉI, desaparece no passadiço cercado de flores que vai dar
- Estou seguro de que é bom .. E A falecida? Li muitas críticas, me inte-
no ha/l do hotel.
ressei pela história ..
- Nelson Rodrigues é um gênio. É o nosso Buúuel..
- Mande-me as peças que quero ler.
JEAN RENOIR
- O senhor vai terminar filmando o Nelson Rodrigues.
- Quem sabe? O que vem do Brasil deve ser bom .. Encontrei Jean Renoir o ano passado, em Montreal, durante a Expo-67. Por
- Tem um festival no Rio..
feliz coincidência, éramos membros do júri do Festival do Filme Canadense.
- Convites oficiais eu náo aceito .. Mas uma coisa oficiosa, sem formalida- Os trabalhos começaram mesmo antes da chegada de Renoir, que vinha de
des e sem publicidade, quem sabe?
Los Angeles. No aeroporto perdeu a mala. A saúde ficou abalada. Recebemos
Entre cafés, cigarros e piadas, algumas licenciosas, a manha termina. instruções do diretor do Festival: começar sem o Mestre.
Bufiuel deve dormir.
Estávamos num cinema de bairro assistindo a um documentário quando
- Bebo muito, vivo mareado..
o gerente veio avisar que Monsieur Renoir tinha chegado. Mandamos inter-
- Mas o senhor está em ótima forma. Nào tem barriga .. romper a projeção e o escultor canadense Richard Lacroix, também júri, se
- Você precisa fazer ginástica. Está muito jovem para engordar. Qual é a preparou visivelmente nervoso para receber o gênio. O júri era composto por
idade dos diretores brasileiros? pessoas jovens dos Estados Unidos, do Canadá, da Itália. Para todos nós, ver
- Varia de 22 a 38 anos. Renoir era uma experiência emocionante. Enquanto Lacroix se precipitava para
- Maravilha. Têm tudo pela frente. Eu já tenho setenta. a entrada do cinema, eu me encolhia na cadeira, intimidado. Vi o vulto de ca-
Setenta anos. Forte, ágil, vivo. O físico do atleta que foi na juventude está beça branca surgir, acompanhado da mulher. Lacroix fez as apresentações: Mr.
intato. A surdez é mítica. Depois de quarenta minutos, nossa conversa era Chapman, documentarista canadense;" Beryl Fax e Monte Hellman, cineastas
normal; ouvia e entendia tudo. Nos leva até a lancha, quer outra vez pagar o também norte-americanos; Bruno Bozzetto, animador italiano; e eu.
transporte.
-EoSanz?
- O Sanz? nos Diários Associados e O Globo, com o pseudônimo de Sérgio Barreto: assumiu a Cinemateca

- Sim, o Sanz!!! do MAM (1959), e promoveu o "Seminário sobre Documentário" (1962), coordenado pelo cineasta

-Ah,oSanz!!!14 sueco Ame Sucksdorff. IN.E.]


15 Trata-se provavelmente de Christopher Chapmann, que apresentava também nesta mesma "Expcei-
tion Universelle de Montreal, em 1967. um filme chamado A P/ace to Stand, no pavilhão de Ontérto.
Ao que tudo indica, trata-se de José Sanz IJosén Saenz: 1915-19871. jornalista e crítico de cinema,
com um sistema de imagens múltiplas sobre uma única película em 35 mm" Ver Svlvain Garel et An-
um dos primeiros defensores do cinema novo entre os críticos das gerações mais velhas. Atuou
dré Pâquet (dir). em Les Cinémas du Canada (Paris: Centre Georges Pompidou. 1993), p 257. [N.E·1

196
197
íenon e
1I1uber
V1ontreal,
1le71

- Ah, Monsieur Rocha!, exultou Renoir. Somos quase compatriotas. Minha guerras mundiais. e, da primeira, guarda orgulhosamente a marca numa das
mulher é brasileira! pernas, o que o obriga a capengar.
Tomei um choque. Realmente Mme. Renoir, Dido." é brasileira de Belém Não quis perguntar-lhe a idade, mas calculo que tenha mais de setenta.
do Pará, e, segundo disse. há vinte anos não falava português. Foi ponto de Cansado, capengando, envolvido pelo peso da glória e pelo incômodo dos
partida para se estabelecer certa intimidade. Renoir sentou-se ao meu lado, fãs. Jean Renoir nunca perde o bom humor. É um homem bom. Lembra Hum-
recomeçamos a projeção. berto Mauro.
Jean Renoir é filho do famoso pintor impressionista Auguste Renoir. mas Renoir não gosta de falar de cinema, mas fala o tempo todo da vida, e tira
não é importante por causa do pai. É um grande artista - o maior cineasta de cada ato conclusões filosóficas. Humanista, anti científico, impressionista,
francês da velha geração. Fezfilmes como Toni [1934]. La bête humaine [A bes- generoso mas de extrema lucidez.
ta humana, 1938], Madame Bovary [1933], The River [O rio sagrado, 1950], La A idade não o separa de nosso tempo e quando fala de hoje sentimos o
grande illusion [A grande ilusão, 1937], French Can-Can [1954]. La Marseillaise quanto é jovem. Abandonei a idéia de entrevistá-lo. Preferi acompanhá-lo du-
[A Marselhesa, 1938), Elena et tes hommes [As estranhas coisas de Paris, 1956]. rante dez dias e conversar francamente. Hoje tenho de reconstituir o diálogo.
Vem do cinema mudo, viu os últimos dias gloriosos de Montparnasse, teve Sobre a beleza, andando por velhas ruas de Montreal, me disse Renoir:
infância na lendária Montmartre dos pintores impressionistas, enfrentou duas - Quando era pequeno meu pai me levava a passear e dizia: aquilo é boni-
to, aquilo é feio. Meu pai era um grande professor de estética, pois era grande
pintor. Assim fui aprendendo a distinguir os valores da paisagem, as cores, os
Dido Freire. sobrinha de Alberto Cavalcanti. [NE.l volumes. Muito tempo depois, quando comecei a filmar, escolhia naturalmente

19B 199
os pontos mais belos da natureza. Dizia aos técnicos que a câmera de filmar
não fazia paisagem bonita. Era o olho humano que deveria escolher antes.
Renoir escreveu recentemente um livro intitulado Meu pai, Auguste Renoir,"
- Escrevi um livro mas nunca fiz documentário sobre sua pintura. Para
quê? O cinema nada acrescentaria à beleza dos quadros.
Perguntei-lhe se Renoir, pai, tinha algum modelo especial para as adoles-
centes que pintou. O filho me respondeu com certo misticismo:
- Olhe, meu pai pintou minha mãe anos antes de conhecê-Ia. Depois,
quando a viu, era impossível não surgir uma paixão, pois minha mãe era igual
à mulher que já estava pintada. Fora um modelo profético. Depois, quando se
casou, ele pintou os filhos. Eu e meu irmão, quando nascemos, éramos iguais
aos quadros que já existiam.
O irmão de Jean Renoir, menos célebre, chama-se Pierre e é ator. O próprio
Jean é também ator e fez maravilhosamente o papel central do seu maior filme
Nora Grégor E
e um dos maiores da história do cinema: La reate du jeu lA regra do jogo, 19391. Julien Carette
Vendo o jovem ágil de quase quarenta anos antes, imortalizado na tela, em A regra de
senti que o tempo nada desfez do espírito do homem um pouco cansado de logo (1939)
hoje. Caiu o cabelo, mas o sorriso permanece. As exclamações imprevistas e
reveladoras animam o jantar. de dos atores, a verdade da paisagem, o clima que evolui do humor à tragédia
- Ora, Modigliani, vaus savez, era masoquista. Ele tinha dinheiro, passava revelam seu estilo.
fome porque gostava de se fazer passar por vítima. Eu era garoto, lembro-me - Meu filho é professor numa universidade americana, meu neto é ame-
muito bem dele. Era um homem extraordinário mas incrivelmente vaidoso. ricano, eu virei americano. Conheci Dido nos Estados Unidos e me casei pela
Sobre Flaubert, Renoir se diverte: segunda vez. Fiz filmes em Hollywood, mas nunca me adaptei ao sistema. Os
- Quando filmei Madame Bovary todas as pessoas vieram me perguntar produtores americanos têm idéias pré-estabelecidas e em geral contratam o di-
qual a minha visão dramática de Emma. Outros críticos disseram que eu havia retor apenas para assinar o filme. Eu, porque era francês, filho de um grande
me interessado pela paisagem da província, onde tivera oportunidade de repro- pintor, obtive certo respeito. Mas me senti mais à vontade, livre, quando filma-
duzir cinematograficamente quadros de meu pai. Estavam todos errados. Sabe va em minha terra. Hoje, vaus savez ... Hollywood me consulta para dar opinião
por que aceitei fazer o filme? Porque numa das cenas um médico, interpretado sobre estórias, atores, diretores, fotógrafos etc., mas não me encomenda um
por meu irmão, Plerre. amputava uma perna com os métodos rústicos do pas- filme. Hollywood produz através de computadores. O produtor informa sobre os
sado. Para filmar esta operação resolvi filmar todo o drama de Emma Bovary. valores de sexo, violência e humor da estória, sobre a popularidade dos atores
Renoir repete blagues comuns a grandes artistas. Madame Bovary é uma e mais outros elementos: o computador responderá se o filme deve ser feito ou
obra-prima, e a versão ainda existente, que difere da original por terem sido não, a depender do lucro que dará. Assim, arte para Hollywood é o que vender
cortadas as maiores cenas na província, é de uma poesia extraordinária. Renoir mais. Não há temas nem estilos proibidos. Há temas e estilos vendáveis.
filma como se nada acontecesse no estúdio ou diante da câmera: a naturalida- Mas Renoir não se aborrece quando conta estas coisas. Sorri e comenta:
- O pior inimigo do cinema é a indústria. O pior inimigo do homem é a
Pierre-Auguste Renoir, mon pére (1962). No Brasil. Pierre-Auguste Renoir. meu pai. trad. e notas organização social. Agora quero fazer meu próximo filme com Jeanne Moreau
de Luiz Dantas (Rio de Janeiro: Paze Terra. 1988) interpretando uma vagabunda de estrada, um ser que abandona a sociedade

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e encontra a felicidade no marginalismo. O vagabundo é um ser livre. Meu Enquanto Lacroix o filma com uma câmera de 16 mm, Renoir relembra:
neto me escreveu dizendo que vai voltar de Londres com o cabelo grande e eu - Sempre tive que recomeçar do zero. Lembro-me que para fazer La gran-
respondi três bien! de illusion foi preciso que um amigo ganhasse na loteria e que Jean Gabin
Henoir enviou seu projeto ao Centro do Cinema Francês 18 - órgão seme- tivesse posto seu nome a serviço do filme. Gabin é um ator e um homem
lhante ao nosso Instituto Nacional do Cinema [INC]- e os burocratas recusa- extraordinário. Como Michel Simon. Adoro atores espontâneos, que não se-
ram-lhe financiamento alegando que o mestre estava velho para trabalhar. Em jam vedetes. Costumo ensaiar muito em torno de uma mesa, abandonando o
Montreal, noite de gala, apresentou-se La Merseilleise . Consagração, mais de diálogo e buscando uma atmosfera. Depois que tudo é feito, ao contrário em
dez minutos de aplausos. Renoir chorava e jogava beijos para a platéia. Depois geral de como o ator pensa que deve ser, chegamos facilmente à naturalidade
da sessão me disse: desejada. Eu dou importância à técnica, mas sempre me preocupo mais com a
- Monsieur Rocha, quero que não aconteça a você a mesma desgraça que alma, com o significado das coisas.
me persegue. Os meus filmes só alcançam sucesso trinta anos depois ... La Um filme chamado High foi proibido pela censura de Ouebec." Não pôde
MarseiJlaise foi produzido pelo Front Populaire na época em que o socialismo concorrer ao Festival. No dia da entrega de prêmios, Jean Renoir, presidente
era poder político na França. Fiz um documentário sobre a Revolução Francesa, do Júri, veio ao palco para fazer a entrega dos títulos e disse energicamente:
mas como não era um filme sanguinário fui chamado de burguês pela crítica. - Protesto contra a proibição do filme High, pois a censura à obra de arte
Hoje, você vê, começam a entender a mensagem humanista do filme. em qualquer época ou situação é uma barbárie.
Richard Lacroix convida Renoir para almoçar no seu atelier. Mantendo sua Outra vez ovacionado. No dia seguinte, emocionado, se preparou para par-
dieta, o "velho" não recusa, contudo, um bom vinho francês. Lacroix é um es- tir. Estávamos amigos. Aconselhou-me a filmar sempre em som direto e entrou
cultor moderno, lida com material eletrônico e máquinas especializadas. Renoir no táxi com Dido.
não estranha as experiências do jovem escultor e revela:
- A técnica exerce às vezes um domínio inesperado sobre as artes. Vaus
savez ... um fabricante de tintas teve grande influência na pintura de meu pai, o TRADICIONAL E O INVENTIVO EM RENÉ CLAIR
logo no Impressionismo. Meu pai sempre me dizia que não sabia qual seria o
destino do Impressionismo se não fosse aquele modesto fabricante de tintas René Clair pronuncia-se na linguagem imagem/rítmica do cinema, como um
de Montmartre.. ponto elevado na vanguarda européia.
Entre formas e movimentos, sonoras, iluminadas, Renoir comenta: Conhecedor da tecelagem, artífice em todas as peças do cinemotor. Clair,
- A indústria cinematográfica, não fosse tão usurária, deveria financiar as vindo desde a época do mudo, é o artista colocado naquela postura da qual já
experiências de alguns cineastas, experiências destinadas a contribuir para o se disse sobre John Ford: o homem que dominou a vida no momento exato
desenvolvimento da arte cinematográfica. Mas é impossível. Tive o orgulho em que dominou sua arte.
de ter dois assistentes que se transformaram em grandes diretores: Jacques Ultrapassando a mecânica, a técnica que angustia o artista nas épocas de
Becker e Luchino Visconti. Visconti era homem de teatro, um intelectual que início e mesmo mais adiante no período da subida, René Clair atinge o criar
compreendeu o cinema e fez La terra trema: episodio deI mare [A terra treme, propriamente dito, ou seja. o trabalho que não deixa antever as suas peças de
1948], um três beau titm. Hoje em dia há raridade de talentos. Mas na França, armação, mas que resulta como um todo. independente dos elementos parti-
pelo menos, dois jovens me encantam: Truffaut, que está mais próximo de culares que entraram em sua feitura.
meu espírito, e Godard, que é enérgico, iconoclasta, que não entendo bem René Clair não se filia à trilha dos chamados inventores mas se perpetua na
mas admiro pelo seu talento e audácia. galeria dos clássicos da velha geração.

'" Glauber refere-se ao Centre National de la Cinématographie ICNC), Paris. França [N.El In High 119671. filme canadense. de Larry Kent. IN.E.I

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Les grandes manoeuvres [As grandes manobras, 1955} e Porte de Li/ás [Por
ternura também se mata, 1957], se não se colocam ao lado do passado Le
Million [O mitbéo, 1931l. servem como selo satisfatório para a cristalização artís-
tica de uma obra.
René Clair é dos únicos velhos cineastas que poderia encerrar a carreira em
plena consciência de ter contribuído de maneira decisiva na evolução da arte
cinematográfica como fenômeno de autonomia artístico-cultural mais comple-
xo do século em curso, malgrado algumas ainda inconcebíveis detrações de
certas correntes intelectuais retrógradas.
Que é um clássico cinematográfico? Diríamos, um filme que possuísse:
a) tema universalizante; b} argumento lúcido, dotado de observação psicológica
profunda; c) roteiro enxuto que empregasse os métodos narrativos de maneira Michele
Morgan.
conseqüentemente saídos das proposições básicas do argumento; d) direção
Gérard Philipe
madura ao ponto de criar um ambiente, fazer viver os personagens, integrar o
e Brigitte
espectador no mundo da imagem em movimento provocando sucessivas iden- Bardot em
tificações ou lançando-o em crises. As grandes
Objetar-se-ia aqui uma estrutura acadêmica para o filme clássico? manobras
Com razão o termo acadêmico, na medida exata em que um cineasta fizes- 119551

se dessas normas um esquema: mas o filme clássico só depois é que sofre


tais críticas, tais dissecamentos. A primeira marca de invenção em Les grandes manoeuvres se ambienta
René Clair. em Les grandes manoeuvres, apontado no início como um tra- no problema da cor, da cenografia, da música e da composição interna nos
dicional? Antes de justificá-lo, encerremos sobre o filme clássico dizendo que personagens em cena.
os parágrafos ou requisitos apresentados para tal funcionam apenas em tese Existe de tradicional a narrativa cronológica narrada à base de esquetes
e que, não existindo movimento de cinema clássico, - variando a cJassicidade - note-se que a câmera corre ligeiro de um para outro quadro onde as cenas
de país a país, de época a época, de gênero a gênero, - tal determinação é se desenrolam sempre em ordem crescente, - no conteúdo humorístico fi-
filiada a uma relatividade que elasteça bastante o conceito e destrua as primei- liado à vetve. ao humor malicioso e à ironia picante da qual, no cinema, René
ras objeções que a qualifiquem acadêmica. Clair é o máximo criador; por último na interpretação dos atores, sendo que,
Atualmente, também não constituindo um movimento organizado tipo o a propósito, Gérard Philipe é também uma tradição c1airiana por ser o ator de
falido neo-realismo, a arte cinematográfica se divide, difusa, em duas linhas todos seus grandes filmes.
básicas: aquela dos cineastas que permanecem nos temas universais, na nar- Assim, tradicional, René Clair consegue, dentro desse âmbito, criar uma
rativa cronológica e planificação tradicional, e a segunda, aquela composta por nova escala de comunicação artística.
cineastas que criam ou descobrem temas originais, invertem a narrativa, entor- E busca novidades. ao lidar com a cor, elemento novo para ele, Clair, que,
tam e movimentam a cémere para planos até então inéditos. ao lado de Chaplin, se levantou contra a sonoridade do cinema que matava
Enquanto uns zelam pela linguagem, mantendo-a em alto nível, outros par- o gesto, a mímica, a imagem pura, e contra a cor que rendia a arte sétima à
tem daí, rompem a gramática em busca de uma poética. pintura ou ao cartão postal.
René Clair. como o primeiro. no filme Les grandes manoeuvres; Stanley Por fim, e tanto tempo é passado, o autor de A naus la Liberté IA nós a Li-
Kubrick, como o segundo em O grande golpe. berdade, 19311. Casei-me com uma feiticeira [I married a Witch. 1942], Entre a

204 205
mulher e o diabo [La beauté du diable, 1949], Esta noite é minha [Les belles de cristãs e zoroástricas de Eurázya Russa Selvagem. Em Cidadão Kene, Orson
nuit, 1952], em As grandes manobras apela para as variações mais pálidas do ver- Welles mostra o Tzar yankee retificado na busca de um freudiunguiano "Rose-
melho e mais ativa do amarelo, em conjunto com o fotógrafo Robert Lefebvre. bud" ... - a civilização do progresso morre solitária num decadente Palácio Art
Na seqüência inicial, as ruas planas, limpas, e as casas justas revelam a in- Nouveau que passava por arquitetura sofisticada de Kubla Khan.
tencionalidade de racionalizar a cor e o ambiente, fazendo-os funcionar além do O expressionismo alemão, que precedeu e glorificou o nazismo, revolu-
decorativo, feito um campo no qual os personagens corressem e falassem livres. cionou a cenografia teatral e encontrou no cinema seu fantástico campo de
Nas seqüências do café, os quadros são bem cuidados na inspiração com- realização.
positiva da pintura impressionista. Fritz Lang, inspirado por David Wark Griffith, construiu a arquitetura cinética
Salta o desfile dos soldados, ao toque de cornetas. de Metropolis: a Segunda Guerra Mundial bombardeou os castelos da velha
Nas cenas interiores a música avisa, desperta, narra a perturbação que a civilização.
cavalaria causa sobre as mulheres, principalmente o galante Gérard Philipe, Mussolini se inspirou no nacionalismo para manter unida a Itália, nação
Armand de la Verne, o conquistador de corações femininos. composta de arcaicas cidades-Estados governadas por tribos moralmente in-
É perfeitamente evocativa além de bem assinalar a época é a valsa de dependentes do sistema, cujo código máximo é o Vaticano, inclusive para o
Strauss tocada no baile, quando Gérard Philipe e Michele Morgan dançam. Partido Comunista.
Mantendo a estrutura narrativa idêntica à chapliniana (ligeiros esquetes), O fascismo é aberrante aborto da História. Mussolini foi a "renascença da
Clair inventa processos internos, como as seqüências do namoro oficial e cha- decadência", em busca de uma Roma mítica reduzida à condição de centro tu-
peleira, ditos em primeiro plano por pessoas mexeriqueiras que os assistem rístico. Mussolini buscou nas raízes do Império Romano pagão-cristão o roteiro
passar e comentam com malícia. para seu tragicômico espetáculo. Neste momento o cinema italiano produz
Não renegando o passado, por novas contribuições, Clair se perpetua filmes grandiosos ou comédias psicológicas, escondendo a realidade sob mul-
cineasta. tidões de extras ou telefones brancos do futurista estilo fascista.
O paganismo é o traço genuíno do italiano apesar de sua máscara católi-
ca. A moral católica é o espelho que pune ou absolve seu imora!ismo pagão.
o NEO·REALl5MO DE ROSSELLINI A moral comunista fundada por Antonio Gramsci é outro espelho que reflete
dialeticamente o compromisso histórico entre o Partido Democrata Cristão e o
[1] Partido Comunista Italiano. Pagãos, em busca de carnaval dionisíaco, os italia-
nos fazem e desfazem alianças segundo presságios e fluidos.
A Segunda Guerra Mundial produz dois filmes apocalípticos (Ivan, o Terrí- A vitória do Pacto URSS/EUA sobre Alemanha, Itália e Japão dividiu a Euro-
vel, de Eisenstein/URSS e Cidadão Kane, de Orson Welles/EUA) e um filme pa em blocos capitalistas e socialistas demarcados pelo Muro de Berlim.
renascentista - Roma, cidade aberta [Roma cfttà aperta, 19451 de Roberto A Itália, como vários países europeus, estava em ruínas. O movimento de
Rossellini/ltália. resistência ao nazifascismo foi liderado pelo Partido Comunista que disputava
Entre o realismo dos irmãos Lumiêre e a fantasia de Georges Mélies (cria- significativa parcela do Poder. País pobre, a Itália renascia com seu povo mi-
dores da Técnica e da Estética do filme), o cinema revolucionou a primeira me- serável e visionário. A Itália, síntese do Ocidente e do Oriente, libertava seu
tade do século XX, materializando a História em busca de transformar sonho Terceiro Mundo numa erupção renascentista, a nova realidade, o neo-realismo
em realidade. cinematográfico.
Todas as Artes integram a Sétima Sintética Audiovisual: em Ivan, o Terrí- Roberto Rossellini é a nova realidade intelectual e estética da Itália, no
vel, Eisenstein mostra como Stalin reencama o Tzar Ivan e retifica a dialéti- após-guerra. Comunica-se através do cinema, técnica saturada pelo mundo
ca histórica: o filme é o limite máximo, neomedieval, explode nas abóbadas que morreu na guerra. Sem câmera, sem filme, sem laboratório, sem técnica,

206 207
sem atores, sem produção ... sem nada... apenas com idéias ... Rossel1ini diria Francesco Rosi, Pier Paolo Pasolini, Marco Ferren. Bernardo Bertolucci. Marco
que "as idéias geram imagens" "".0 desejo das idéias materializa ...", Bellocchio, Gianni Amico, Gianni Barcelloni, Carmelo Bene.
Marginalizado, na pobreza, Rossellini reinventa o cinema. Cientista e artista Rossellini é um místico antes de neo-realista. Se em /I generale della Rove-
a serviço do filósofo. O cinema até então era reconstituído em estúdios. Todo re [De crápula a herói, 1959] existe a exigência do heroísmo, a própria paixão
o grande cinema soviético (exceção a Dziga Vertov) é reconstituído. Docu- pela necessidade heróica existe em Europa'51 (1952) onde o Santo Impossível
mentaristas como Robert Flaherty foram sufocados pela indústria de espe- substitui o herói: Ingrid Bergman fica louca e a santidade subsiste nas fron-
táculos. O existencialismo francês sublimava o real em espaços burgueses teiras transpostas da norma social. Em Europa'51. Rossellini estava assaltado
(vide o teatro de Jean-Paul Sartre ou Albert Carnus), Espanha e Portugal conti- pela dúvida política, o terrível dilema de um continente livre do Hitler que se
nuavam sob o fascismo. o cinema inglês se rearticulava com Hollywood, seu debatia entre comunismo e capitalismo. A saída é desesperada para um sa-
sócio natural. natório. Em Germania, anno zero [Alemanha, ano zero, 1947], como também
Rossellini não tem formação universitária. Entrou no cinema como cine- em Roma, cidade aberta [19451 e Paisà [1946], é a voz que se projeta contra
grafista logo transformado em inventor de novas técnicas óticas. Aprendendo a destruição do homem pelo homem. gritando além do fato histórico, guerra,
com o povo e com livros. Rossellini se forma como mestre, desenvolvendo voca- para invadir outros domínios: Um Porquê Metafísico. O suicídio de uma criança
ção socrática que o transformaria no autêntico Papa do Mundo Cinematográ- nas ruínas bombardeadas exige uma interrogação maior.
fico: discutindo. perguntando. ensinando. mentindo. sofismando. informando. Stromboli, terra di Dia [Stromboli, 1950] inaugura a primeira fase da trilogia
investigando, imaginando, criticando, gozando - Rossellini reduz. como Leo- que poderíamos chamar bergmaniana - o espaço do artista apaixonado por
nardo Da Vinci. o cinema a uma questão de método. Ingrid Bergman. Mas se em Europa'51 as perguntas nascem do Social e do
Diretor de um "ficção", O homem da cruz [L'uomo dalla croce, 1943], e
co-diretor de outro. La nave bianca [A nave branca, 1941],20 com objetivos de
propaganda fascista - Rossellini, sobretudo em O homem da cruz (o tema é a
cruz vermelha ...), desnuda a cenografia cinematográfica dos estúdios italianos.
introduzindo o horror da realidade no horror da fantasia.
Subverte a estética da ilusão pela estética da matéria.
Rossellini é o primeiro cineasta a descobrir a câmera como "instrumento
de investigação e reflexão". Seu estilo de enquadramento, de iluminação e
seus tempos de montagem criaram, a partir de Roma, cidade aberta (1945), um
novo método de fazer cinema.
Dziga Vertov, Robert Hahertv e Jean Renoir precederam Hossellini na técni-
ca de filmar o "real no seu fluir". mas o cinema italiano sintetizaria numa pers-
pectiva filosófica as lições do repórter socialista e do romancista idealista.
Luchino Visconti abriria outro caminho tão caudaloso, fértil e contraditório
quanto o de Rossellini, mas o território viscontiano é a utopia revolucionária.
Enquanto Visconti acredita, Rossellini duvida. Aí o neo-realismo se multiplica
em Cezare Zavattini, Vittorio De Sica, Federico Fellini, Michelangelo Antonioni,

Os registros cinematográficos indicam que não houve co-direção neste filme. Rossellini consta
como único diretcrIrq.Ej Paisà (1946)

208 209
Diante do universo como um cão acuado, Rossellini se liberta lançando
perguntas. Porque talvez já conheça bastante o âmago dos objetos, o detalhe
das coisas. a miséria e a bondade das faces humanas - por causa destas ver-
dades que despreza - Rossellini não aproxima a visão, não avança a câmera,
despreza o close, abdica do particular pelo geral. É um panteísta às avessas,
sempre sobre as ruínas da guerra, a névoa dos infernos italianos, a fumaça dos
vulcões ou a poeira arqueológica.
Duela com o universo. O estilo nasce da carne, a distância que se põe
para falar é a distância da câmera. É o cineasta do "Plano Médio" e do "Plano
Geral". Não é racional e por isto a montagem é anárquica, os movimentos
de câmera obedecem à realidade e não à técnica. Enquanto Visconti discursa
dialeticamente sobre o tema, Rossellini pergunta ao tema. Pergunta sempre,
sua câmera às vezes gira como louca, quando o homem se encontra perdido.
Neste delírio surge um Mundo Plástico Original. São gravuras de jornais, notí-
cias trágicas de nosso tempo. Adotando formas fotográficas de um repórter,
Edmund Rossellini usa os símbolos do século.
Moeschke em A representação gráfica da Europa de hoje está nos quadros de Rossellini:
A/.mBnha, ano campos de concentração, santos loucos, heróis fuzilados, crianças suicidas
,.,0 (19471 mortas em ruas bombardeadas.
Rossellini não acrescenta à não-existência dos objetos, em busca de supra-
Político e a própria loucura de Ingrid é uma conseqüência destes fenômenos existência ficcional.
(como o suicídio do garoto em Alemanha, ano zero), em Stromboli e Viagem à Fuga ao racionalismo, porque para Rossellini as tragédias ultrapassam a
Itália [Viaggio in Italia, 1953] a problemática é Absolutamente Existencial. compreensão materialista da história: a realidade não tem lógica, daí sua cons-
Rossellini crê no amor e busca nestes dois filmes, mesmo diante da náusea tante mutação de valores, desde Francisco, arauto de Deus {Francesco giullare
conjugal progressiva, a idealística integração no tempo e espaço. A natureza di Dia, 1950) até 11 generale della Rovere.
trágica de um vulcão após a guerra, eis Stromboli e a subida (fuga) de Ingrid Somente preso ao conceito acadêmico, à existência alienada, é possível (e
Bergman rumo às lavas, êxtase para o Fogo Eterno. inútil) tratar a arte como fenômeno de exceção privilegiada. Arte, conceituada
A viagem que George Sanders e lngrid Bergman fazem à Itália é em dire- cientificamente, não passa de absurdo saudosismo de estetas, cujo lugar não
ção ao passado, às origens do homem: no Museu é a História imobilizada nas é o mundo de agora. O antiacademicismo é a liberdade de Rossellini: sua esté-
estátuas que imprimem ao personagem súbita consciência da paixão humana. tica é sua ética. Seu objetivo é a Verdade, desde quando a beleza de 1/generale
Diante das escavações arqueológicas, o surgimento de corpos das tumbas so- della Rovere é o plano final, distante e enevoado, quando o crápula convertido
terradas lança o homem no útero da História e faz da paixão sintoma além da é fuzilado, junto a outros heróis da resistência italiana.
relação entre seres. O encontro diante da Igreja não pode ser considerado uma O take é convencionalmente feio e o espectador retórico deve ter exigido clo-
fuga para Cristo em busca da Paz. A Igreja é apenas símbolo desta Paz. ses dos homens mortos e, como "seqüência de fuzilamento", preferido aquela
O homem que ontem exigiu Deus, mais tarde exigiria o heroísmo, como de Stanley Kubrick em Glória feita de sangue. Não há convenções: a seqüência
outras mitologias. A mesma força das grandes buscas está em 1/ generale de Kubrick é denúncia que pretende chocar e revoltar, daí a analítica detalhada,
della Rovere, olhar distante mas sofredor de um tempo que se expõe. os travellings e os closes. O fuzilamento de Rossellini é amarga descoberta do

210 211
fracasso da morte. Como os homens daqueles postos fatídicos são heróis numa
morte coletiva, a fotografia em Plano Geral atravessa o heroísmo.
Rossellini é a passagem além do real, sem transigir com o real. Assim é
possível definir o estilo de Rossellini como Mise-en-scéne da Mística, desde
quando seu realismo é um "Porquê". lúcida e livre interrogação poética.
Em II generale della Rovere o caminho que leva o Crápula a se converter
em Herói não é a consciência política sistematizada, mas uma conciência múl-
tipla forçada pela violência. amor, morte, respeito ao homem e principalmente
pela solidão. O solitário prisioneiro numa cela nua, onde apenas inscrições de
condenados se projetam como fantasmas naqueles dias, compreende o valor
do homem.
Sua política é mística e implica uma negação do ser comprometido por es-
quemas exteriores. Quando o crápula compreende a importância do heroísmo
- que surge da necessidade coletiva - ele se converte em herói, mas porque
ser herói é buscar a salvação de outra espécie que não a cristã.
Se o engenheiro procurava a salvação econômica na Itália conflagrada pela
guerra, agora, diante da imensa fortuna (um milhão de liras e salvo-conduto
para a Suíça), na solidão do cárcere, prefere salvar a consciência adquirindo a
personalidade heróica do General della Rovere, um Mito, nova existência mes-
mo atingida pela morte.
O comandante alemão não entende o novo herói. Rossellini talvez não o
entenda também e é por isso que o close do herói morto não surge na tela.
Como Brecht, Rossellini deixa que o espectador seja um crítico.
Atingir nova existência além da vida (para quem não acredita no Deus bí-
blico reduzido ao Deus católico ou protestante) é a origem de um misticismo
que, no caso rosselliniano, poderia ser chamado de misticismo social.

[2]

A morte de Rossellini, em 1977, deixa o cinema órfão. Nenhum cineasta influen-


ciou tanto os autores cinematográficos das três últimas gerações. Na linhagem
italiana, herança de sangue, Michelangelo Antonioni, Frencescc Hosi. Pier Paolo
Pasolini, Bernardo Bertolucci e Gianni Amico lhe votaram reconhecimento públi-
co. Em Prima della Revolluzione [Antes da Revolução, 1964], filme que marca a
Ingrid
S.rgmun em entrada revolucionária do jovem Bertolucci no cinema mundial, o cineasta e co-
Stronlboli roteirista Gianni Amico aparece num bar gritando: " ... Senza Rossellini non se puá
1195DI vivere" - o que traduzia o sentimento de todos os jovens cineastas mundiais

212 213
pelo mestre. Jean-Luc Godard é "Filho e Espírito Santo do Pai" enquanto Pasolini Em 1974, completou suas memórias políticas da Itália fascista, filmando
se faz Apóstolo Profano e Michelangelo Antonioni constrói a perspectiva percep- Ano um [Anna uno], no qual se vê a formação do Partido Democrata Cristão.
tiva do novo espaço visual descoberto em Viagem à Itálía. Jean Rouch. etnólogo Seu último filme foi Le Messie [11 Messie, 1975]. filmado na Tunísia.
que desenvolve a técnica do Cinema-Verité, reconhece a origem rosselliniana da Adriano Aprà, crítico e cineasta italiano que se transformou num dos mais
proposta "descobrir o cinema na realidade". Os cineastas de Hollywood vítimas fiéis discípulos de Hossellini, dizia-me em Roma que "Doppo Le Messie, Rober-
do Processo McCarthy (por filiação comunista) foram influenciados pelo "neo- to muore.: Adesso ha trovato Dío... íl tilm bellissímo... ".
é

realismo social" de Rossellini, que seduziu Ingrid Bergman. Rossellini ainda se separou de Das Gupta e se casou com outra mulher, num
Ele foi o antiprofíssional do cinema. Sua filmografia é vastíssima e até ago- escândalo que movimentou sua grande tribo de ex-esposas (Anna Magnani já
ra incompleta. De aventureiro, intelectual, Don Juan, cientista, historiador, filó- estava morta) e filhos de mães diferentes. Distribuiu dinheiro e saber entre os
sofo - Rossellini construiu uma personalidade popular na Itália. Converteu-se que o procuravam.
em Professor de Civilização. Em 1958 denunciou a dominação do cinema euro- O público brasileiro conhece maio cinema de Rossellini e seus telefilmes
peu por Hollywood. A desglamorização de Ingrid Bergman violou as normas da são as mais importantes criações do cinema contemporâneo, o grande cami-
Censura internacional. Seus filmes produzidos por Hollywood foram fracassos nho a ser seguido pela televisão do futuro.
de bilheteria. incompreendidos pela crítica e sabotados pela distribuição. O radi- O difícil em Rossellini é que a materialização da realidade subjuga seu ta-
calismo de sua linguagem foi bloqueado pela rede de comunicações de massa, lento. Humilde como um cristão puro, ele não se faz mais importante que seus
ironicamente desenvolvida na televisão a partir das lições de Cínejornalísmo de personagens. E estes personagens são áridos como a realidade. Rossellini fez
Rossellíní e mais tarde de Godard. filmes bonitos sobre o horror realista. Agnóstico, mas sempre cristão, Ros-
Vinte e tantos longas-metragens produzidos pela indústria multinacional re- sellini quis salvar pela Didática da Arte. Desenvolveu, em proporções ainda
presentam a mais-valia estética de uma luta entre o sonho do cinema e a reali- incalculáveis, as teorias de Giotto di Bondone e Bertolt Brecht.
dade da economia. Roma, cídade aberta nasce da Itália liquidada: as condições Seu último filme seria a vida de Karl Marx.
econômicas criam o "neo-reetismo" de Rossellini nas estruturas da indústria. Com Rossellini o cinema sai da idade das letras e do teatro e entra no seu
A televisão suportaria suas extravagâncias transformadas em Epopéias Didáticas. específico audiovisual. Godard elevou o método ao paroxismo, produzindo a
A passagem do cinema à televisão é o abandono de Ingrid Bergman (a ficção) crise do cinema contemporâneo.
por Sonali das Gupta (a realidade). "Não a morte do cinema, mas a morte da civilização ...", dizia Rossellini no
Em 1959, Rossellini filma L'lndia vista da Rossellini para a televisão e volta último Festival de Cannes, onde presidiu o júri que premiou meu filme Di Ca-
com Sonali das Gupta. ex-esposa de um Ministro, o que provoca escândalo valcantí [1976], de quem Rossellini era amigo - e foi "Di", como está no filme,
político-religioso. que me apresentou, na Bahia, ao Maestro di Roma.
Rossellini continuará entre a indústria privada (o cinema) e a indústria esta-
tal (a televisão), no caso a Rádio e Televisão Italiana [RAI].
Rossellini realiza a mais fantástica aventura de um cineasta: refilma (crítica
e poeticamente) a História da Humanidade: Cristo, Sócrates, Descartes, Santo
Agostinho, Cosimo de Médici, Garibaldi, Pascal, Luís XIV, a luta do homem
2001l, pp.131-190, os filmes indicados:Viva rttetie !1960·61]; L'etã deI ferro lL'âge du ter, 1964-65, 5
pela sobrevivência. a humanidade produzida pela indústria do ferro, a gênese
eols.]: La prise de POUVOI{ par Louis XIV [A tomada do poder por Luis XIV, 1966]; La totte dett'uomo
biofísica ...21 Seu próximo filme seria a vida de Marx. per la sua sopravvivenza [La lutte de I'homme pour sa survie. 1967-71. 12 epis.J; Atti degli apostoli
[Lesactes des eoótree. 1968-69. 5 epis.J; Socrate [1970]; Blaise Pascal [1971-721;Agostino d'lppona
História da Humanidade, ver Adriano Aprà (org.l. "Deuxiàme partie: Lencvclopédie historique". em [Augustin d'Hippone, 1972]; L'età di Cosimo de' Medici [L'âge de Cosme de Médicis. 1972-73];
Roberto Rosseflini: la telévision comme utopie (Paris: Cahiers du Cinéma / Auditorium du Louvre. --'; Cartesius [Descartes, 1973-74]: Anna uno [L'an un, 1974] e 11 Messia !Le Messie, 1975]. [N,E,]

214 215
DRAMATURGIA FíLMICA: VISCONTI

[11

Há que se colocar também a problemática da dramaturgia fílmica, componente


do binômio montagem externa-interna ou mais precisamente conflito de en-
quadramento e composição. No primeiro estaria a montagem como expressão
criativa; no segundo, como sistema narrativo.
Se Eisenstein teoriza a montagem dialética, com o sentido nascendo do
conflito anterior de dois totoqra-nas. isso não implica em dogma: foi apenas
até hoje o método que mais se aproximou do filme absoluto, não invalidando, visconu.
contudo, a mensagem linear pregada por Pudovkin, próxima (com ligeiras va- Glauber e
Odete Lara
riações) da corporificação da idéia. que marca o estilo de Luchino Visconti.
(Cannes,19691
Aliás. tomemos Visconti como objeto, de vez que Senso [Sentido da carne,
19541 existe como o mais flagrante exemplo de dramaturgia tílrnica. Toda sua trilhando as linhas gerais do cansado tradicionalismo narrativo. A sua marca-
estrutura linear de montagem exterior está desenvolvida dentro do lento com- ção do tempo, o seu sistema de também marcar as cenas, a sua visão que se
passo de saturação, ritmo expositivo que permite, pelo tempo de existência confunde no pictórico, a sua extrema funcionalidade psicológica são as célu-
conferido ao visual, o nascimento do novo Universo. Podemos deduzir pois, las desse cinema que é, sem dúvida, um caminho de vanguarda num tempo
daqui, que o conflito viscontiano existe de linearidade para linearidade, do en- exausto.
quadramento para a composição. e não de fotograma para fotograma. O que Mas vejamos detalhadamente cada uma delas e como o cinema consegue
LV acrescenta ao crescimento da linguagem fílmica é o que de mais sólido amortizar o entretenimento, alcançar novo universo, e quais as dimensões de
existe nesse anticinema do após-guerra. Se Visconti não salta às vistas pelos tal universo, principalmente em Senso.
choques tão pecualires a Bergman, Kazan e Welles, consolida na calma e na
sutileza os limites definitivos que separam o drama existindo na dinâmica visual, [31
diferente do drama literário contado. Façamos um exame em Senso, o mais po-
lêmico, o mais cheio de diálogos e mesmo de narrativas monologadas. Já dissemos que Visconti solta o tempo da câmera até a saturação. Mesmo
que ela não se porte estática, panoramiza lentamente sobre a paisagem, via
[2] de regra pulsando em outros compassos, fator determinante de sucessivos
conflitos abstratos evoluindo para o corpo total.
Haverá por certo o campo do drama teatral, do drama novelístico, do drama Na seqüência da batalha in Senso, por exemplo, enquanto os soldados se
existindo na dinâmica visual. Em primeiro tempo, não se pode determinar dra- movem na paisagem conflagrada, a câmera panoramiza em sentido horizontal
ma tilmico, pois fílmico talvez implicasse em abolição do drama. No caso de oposto ao movimento interno como também em ritmo. Uma fina árvore equi-
Visconti, estabeleçamos uma concessão terminológica: sendo um cineasta libra o centro do enquadramento. e enquanto se verifica o conflito abstrato da
do anticinema (conforme o classificamos em trabalho passado sobre "Dassin. câmera contra a paisagem em ritmo e sentido, é criado um breve campo fílmico
Cine-Cristo às avessas'j.'? consegue se aproximar do filme absoluto. embora que começa a existir desligado do todo ilustrado: a fina árvore como pêndulo
no centro do quadro. Esteticismo vago? Não, porque é a própria preocupação
21 Jornal do Brasil. Rio de Janeiro. 1958. [N.E.J pictórica de Visconti que possibilita o sufocamento da palavra em benefício da

216 217
imagem. Colocar a panorâmica em sentido horizontal contrário à marcha dos
soldados significa no fundo subverter a narrativa gramatical, contando do fim
para o princípio e criando outro clima de visão; em ritmo oposto, dinamizando
mais esta visão, criando mais a sua viséo, em negativa à funcionalidade rítmica.
A árvore no centro, seu ponto de apoio concreto na execução da arquitetura.
Não existe grande admiração por víscont! porque sua sutileza criativa é das
mais complexas. Ele não é importante pelo que salta às vistas: justamente o
que mais nele admiram é seu ponto mais fraco: o ponto de vista pictórico.
O que nele há de novo, de contribuição, são pequenos e definitivos golpes, como
os vistos acima. Passemos ao seguinte: sistema de marcação das cenas.

[4]

Tomando-se um roteiro em cuja margem estão as indicações de tomadas, em


Alida Valli e
cujo centro a descrição da cena, em cuja outra margem diálogos e som, é
Farley Granger
fácil fazer um tilrne, como se diz entre gente de cinema. Mas fazer o filme não
em Sedução d
é bastante para fazer o cineasta. De início, aquele que recebe de outrem um carne (1954)
roteiro técnico detalhado e o executa linha por linha é mais um bom ou mau
mestre-de-obras, dependendo de sua primária capacidade de realizar ou não o realista, na forma ele passa a ser uma alta sofisticação do real. E desse estado
projeto. O exemplo é válido no caso de se comparar o feitor de filmes ao feitor o drama evolui para seu único ponto: o fílmico. Dadas as sutilezas, é realmen-
de edifícios. Todavia não pode ser aplicado no caso de se comparar o cineasta. te difícil estabelecer qual a diferença do drama viscontiano para qualquer ou-
Esse é o planejador e o executante: constrói o filme do roteiro à montagem. No tro drama anti cinema por excelência. o do Cristo recrucificado de Dassin, por
tempo de confecção, há um campo que não se faz vital para o triunfo do filme exemplo ...23 Dir-se-ia de início que a visão de um Dassin é radicalmente una,
desde que saia regularmente feito. Todavia. sendo ruim. prejudica a montagem não excita seu tema, mas o desenvolve na atmosfera que lhe pertence. A cons-
final e, sendo excelente, transfere o filme do cinema para o teatro. É o cam- trução orquestral, verdadeira mostra de uma habilidade artesanal que começa
po, conforme foi dito, onde pode - em se tratando de uma quarta hipótese a criar a partir de determinado ponto, é esquecida em benefício de uma busca
(sendo Visconti o provocador) - haver o drama fílmico, exístíndo na dinâmica falsa: a da força expressiva que repousa no registro da feroz paisagem. O do-
visual. amortizando a palavra, destruindo o pictórico ilustrativo: depende da cumento sem sua poética particular, seja ele altamente sofisticado como em
sua marcação, mais do que da sua composição. Esse segundo elemento per- Visconti ou altamente depurado como em De Sica, outro exemplo de drama
tence em cinqüenta por cento ao enquadramento. Em Visconti pertence ao filmico, opostos que se encontram nos fins.
seu sistema visual que é terceiro elemento saído de duas raízes inseparáveis Em Visconti - situando-o como um neo-realista - é a dualidade realismo-
em seu cinema, sob um ângulo estático: enquadramento e composição em si. fábula o ponto de partida. Primeiro é o real que ele dispõe como observação;
A sua marcação interna - já que anteriormente falamos de marcação exterior segundo é a sua fabulação que confere ao real seu clima e sua existência de
- dinamiza de tal maneira a composição que os atores rompem qualquer plau- absurdo, já então uma justificativa para a abordagem. Por isso é que os ato-
sível espaço teatral. Embora em linhas iniciais a ação se desenvolva nos limites res de Senso se conduzem mais como objetos corporificando estados do que
do teatro, logo há uma quebra de tais fronteiras e o campo de ação passa a
ser o real. Nesse real se dá novo choque: deixando na essência o drama ser 11 Glauber refere-se a Cefui qui doi! mourir [Aquele que deve morrer, 1957]. [N,E.]

218 219
mesmo homens representando. Se Alida Valli é gata ou cadela em tonalidades [61
diversas, é mais do que atriz: uma escultura móvel que existe naquele espaço
e sob o clima daquele espaço: clima de alta tensão. que nasce dum clímax A extrema funcionalidade psicológica de Visconti está no seu célebre plano
operístico e se desenvolve (não cresce) em mesma densidade para o clímax do longo e sua duração. A recusa definitiva a uma mecânica do choque, o leva
fuzilamento. Partindo da fabulação ultrapassada do real, a ópera, Visconti jus- pelos caminhos da justeza e da objetividade. Um clássico que não se dá - à
tifica seu próprio ambiente, valorizando o melodrama tanto em concepção maneira do barroco de Welles - mas se contém ao máximo em busca da
quanto em tratamento expositivo: de clímax a clímax ele arrebenta o linguajar sofisticada simplificação, Víscont! - nessa circunstância - se arma o criador
habitual de exposição, intriga etc ..., acrescentando pela primeira vez de forma mais complexo do cinema presente.
tão definida outro tipo de roteiro. De maneiras várias como vimos, jogando com múltiplos e difíceis elemen-
Falamos do seu sistema visual que se confunde no pictórico. Vejamos agora. tos, não investindo em domínios mais ousados como a problemática tempo-
ral na técnica expositiva, mas buscando antes um verdadeiro tempo real na
[51 sua temática de solidão - em Ossessione [Obsessão, 1943], Senso eLe notti
bianche [Um rosto na noite ou As noites brancas, 1957] - logra elaborar um
Em cinema, o visual fotográfico e o visual pictórico destroem o visual fílmi- universo particular, conjuga num corpo total o aristocrata, o comunista. o ho-
co. Ouando esse não existe miseravelmente disseminado em um dos dois, mossexual, fazendo, também, um cinema de densidade existencial e, mais,
raramente existe, como em Umberto O [1952], Ladri di Biciclette [Ladrões de de especulação e conhecimento de tais fenômenos. Colocando-se no centro
bicicletas, 1948] e, por contraditório que pareça, em Senso. de uma polêmica universal, consegue - pela sua própria força, sem nenhuma
Rompendo-se a superfície colorida, o visual de Senso é fílmico. Vejamos, intencionalidade - corporificar a sua existência numa expressão concreta de
fundamentalmente: o visual repousa no objeto fotografado ou nele mesmo. forma indiscutível. Tal equilíbrio o isola como artista consumado.
No segundo caso é verdadeiramente fílmico; no primeiro é falso. Em Senso,
por método inverso, o visual embora diretamente seja o objeto, como salta às
vistas, logo é "transformado" pela câmera e pela composição passando a valer FORMA E SENTIDO DO CINEMA
funcionalmente ao visual fílmico. Como, por exemplo? Na já citada seqüência
da batalha, a dita fina árvore no centro do quadro passa de flora decorativa Onde começa o filme e termina a literatura? Onde caem a filosofia vaga e sem
a equilíbrio funcional de uma seqüência inversa no movimento e no ritmo: a método. o teatro declamado, a poesia fácil e começa o filme, essa entidade
sutil evolução da cor nos cabelos de Lívia passa de objeto fotografado a visual misteriosa que críticos, filmólogos e teóricos invocam?
funcional em todo um complexo desenvolver-se emotivo: como também os Que Filosofia é esta que dizem haver em Fellini e Bergman? Onde está a Fi-
trajes de Lívia; como também o próprio rosto de Valli; como também todo o losofia com os séculos de existência que possui para aparecer tão fácil assim,
jogo de tons comentando, equilibrando, prevendo o drama, à maneira de coro especulando, impondo Éticas através de um mecanismo típico do século XX?
cromático numa tragédia operística. O filme absoluto, aquele que não mais investiga a expressão, que não mais
O crítico que aponta puro pictorismo em Visconti incorre em erro primário: experimenta, que não mais propõe um problema mas o resolve em sua origem
falta de observação acurada da marca aguda do estilo de LV. A ação cromá- e surge como Universo total.
tica valoriza pictoricamente o objeto para destruir justamente sua existência Luchino Visconti concentra naquela outra "realidade" nascida da tela bran-
decorativa e torná-lo agente visual. Por isso é que a palavra perde espaço, ca a transferência de seu espírito para a Imagem. E de ponta a ponta existe a
trabalha apenas como acidente dispensável, moldura. E quando o cineasta usa Imagem que eu Sou. Que você é. Que é o Mundo, suas paisagens e circuns-
a palavra como mera decoração, ele já liquidou sua especificidade literária para tâncias.
torná-Ia também palavra fftrnica. célula e não meio expressional ilícito. Visconti superou o Corte. Superou o Cinema.

220 221
o
que interessa no Artista é sua Obra realizada e não Ele, o Artista, o Ho- VISCONTI E OS NERVOS DE ROCCO
mem Conflagrado.
A essência é a Imagem e a matéria o quadro que a emoldura. [1] O AUTOR
É armado com detalhes mínimos de luz e decoração.
O penteado, a unha, o lábio, os dentes do Ator. Rocco Parondi é o filho viscontiano da bíblica saga José & seus irmãos (Bíblia
A Imagem de um Ser Vivo. & Thomas Mann)24 e da tragédia fraternal (Karamazov) - raiz Dostoiévski" do
A paisagem é a outra Imagem que envolve o Homem. maior cineasta vivo do Ocidente.
Universo: a Obra que realiza o Artista. Situar a paternidade de Roeeo é dos pontos mais importantes para que se
O Corte visível como gilete rompe o pulso, a Panorâmica é a fera roendo os compreenda o sentido e a mise-en-scêne de Luchino Visconti: não é narrativa
nervos, a Mecânica de Choque que marca os compassos do Cinema moderno plástica de "drama passional", mas o estilo dramático (melodrama) cujas ori-
não existem em Visconti. gens estão simultaneamente situadas nas representações circenses, na tragé-
É tamanha sua Integração que o Filme é o Filme, como o Fruto é o Fruto: dia grega, na ópera, na tragédia clássica como no romance de folhetim e no
casca madura, pele, Homem total de quem não se vê ossos e sangue. romance de Dostoiévski & Stendhal. Se ainda fizermos a verificação em Osses-
Estilo que se define em um Plano: Maria Schell tomba nos braços de Jean sione e La terra trema: episodio dei mere. encontramos no primeiro o romance
Marais no alto da escada, o braço desaba, a música marca: a dramaturgia ope- realista americano de James M. Cain (The Postman always rinçs Twice)26 e o
rística, a recuperação do espírito melodramático de sua raça (Itália): Cineasta verismo de Giovanni Verga. no secundo." Isto para não citar Camillo Boito."
Nacional, toda uma Cultura posta em um Filme. Mareei Proust e a tradição dramática do Ocidente.
E a Palavra que nasce dos lábios dos Atores, e os Atores, e as Narrações, A perpetuidade da sua obra fílmica de quase vinte anos (seis filmes) é jus-
e a Música, e a Cenografia Teatral? E o Drama? E a Tradição do Drama? E a tamente a posição que muitos classificam de historicista. Arte para Visconti
Cronologia? E a mise-en-scéne marcada, desenhada, limitada? E os Planos não é o impressionismo lírico nem o combate romântico e muito menos o
Médios? E a Montagem totalmente narrativa? E as Câmeras Estáticas? São improviso. Arte está intimamente ligada à Política. Sendo ao mesmo tempo
esses todos elementos de anti cinema? Mas não existem todos em Um rosto intelectual de elite, esteta talvez tradicionalista e por isto mesmo decadente. o
na noite? artista Visconti é ensaísta em termos dramáticos, criador da beleza a partir da
Artista de requinte. VISCONTI É O PROUST DO CINEMA NO SENTIDO compreensão do materialismo dialético e histórico.
FORMAL DO GESTO QUE SE COMPLETA ATÉ A UNHA COÇAR A POEIRA. Visconti nunca rendeu homenagem ao Realyzmo Socyalyzta, embora La
Visconti não despreza a Palavra nem o Teatro. terra trema tenha sido um manifesto comunizante tão violento sobre os pesca-
O Drama está no palco que Visconti constrói para armar os alicerces de dores da Sicília que a censura o interditou.
seu Universo.
Não é aquela velha e tola estória de exibir um filme falado sem som para se "José e seus irmãos" era um projeto de Visconti (não realizado). Cf "Frente ans o'nistoiretsj". entrevista

ver que o entendimento é perdido. com Suso Cecchi d'Amico. em Théâtresau cinéme, t. 15, "Luchino visconü". 2004, p. 47, T. Mann, José
e seus irmáos. 3 v., trad de Agenor Soares de Moura (Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 2000), IN.E,]
Visconti tem a Palavra como o Maior Som do Homem e o Palco como o
Glauber refere-se a Os irmáos Karamazov, trao de Raquel de Queiroz. 3 v (Rio de Janeiro: José
Espaço Ideal do Ser Dramatyko.
Ofvmp!o. 1952), [N.E,]
lO O destino bate à sua porte. op. cit

" Glauber refere-se ao I Matavogtia (1881) No Brasil. Os Malavoglia. trad. e notas de Homero F. de
Andrade e Aurora Bernardini [Sào Paulo: Ateliê Editorial, 2002). [N.E.]
lO Glauber refere-se ao Senso [Sedução da carnel. baseado em conto homônimo (1883) de Camillo
Baita [N.E.J

222 223
Exilado da sociedade moderna, sem buscar nas manifestações da Epopéia e
da Tragédia os pilares da mise-en-scéne e sem pensar o texto dramático em ter-
mos marxistas, é difícil a sobrevivência do artista no século XX: pelo menos três
dos nomes maiores de nossa época (no cinema e no teatro) assim procederam
e permanecem: dois mortos, Brecht e Eizenzteyn, e um vivo, Luchino Visconti.
O outro caso é a clássica exceção à regra e não se poderia absolutamente
negar uma futura "culturalizaçãc" de Jean Viga, caso a morte não o apanhasse
tão cedo. Vigo era poeta nas datas do surrealismo e a influência de seu pai, o
anarquista Miguel Alrnerevda." marcou em seu temperamento de jovem a irre-
sistível força para a liberdade criadora, cuja principal arma era a intuição. Sob a
marca de problemas sociais, Jean Viga investiu na anarquia intelectual do surrea-
lismo contra as estruturas vigentes, aquela própria do cinema e organicamente o
objeto social: Zéro de conduite [Comportamento zero, 1933] é um manifesto.
Comparando-se Luchino Visconti e Brecht e Eyzenzteyn, é preciso distinguir
que o teatrólogo alemão era de origem pequeno-burguesa e sua revolta deve
ter nascido na adolescência difícil. proletarizada. numa das fases mais críticas
da Alemanha pré-hitlerista. Brecht, o revolucionário, era o homem revoltado.
Eisenstein veio de uma burguesia ascendente e recebeu cultura ocidental
na Rússia tzarista: participando da Revolução Russa na casa dos vinte anos,
o jovem professor de japonês atingiu o marxismo dentro da própria explo-
são histórica daquelas idéias que estavam modificando os destinos do sé-
culo XX. Não era o homem revoltado, mas o revolucionário em processo de
ação. Daí ter lucidamente abolido o homem ficcional de sua obra: em A greve,
A linha geral, O encouraçado Potemkin e Outubro, o personagem é a massa.
Em Ivan, o Terrível o personagem é o homem histórico, como seria também em
Que Viva Méxíco!. Somente mais tarde, em choque com as limitações violen-
tas do stalinismo, é que Eisenstein, de olhos abertos para a cultura, buscaria
em Theodore Dreiser e James Joyce motivos para filmes ficcionais irrealizados:
se Dreiser era a mais importante revolta social dos Estados Unidos na época
de Uma tragédia americana (19251, Joyce não era marxista. O romancista de
Ulisses (1922) tinha na sua própria interpretação da História as veias subjetivas
da própria História: Joyce era um romancista, artista solitário que, sendo tão
genial quanto Kart Marx, desintegrou a linguagem literária capitalista, explodin-
do a Ideologia Dominante em sua essência lingüística, As moças na
janela em
Nome de guerra. adotado no movimento anarquista e como jornalista político O nome de nasci- A terra treme
mento é Euoene-Boneventure de Viga. INE.l (19481

224 225
Visconti não é o homem social em revolta e não poderíamos chamá-lo de de Cristo na cruz. Rocco sabe que não existe mais lugar para Ele. Luca talvez
revolucionário em processo. Vindo da aristocracia (as referências são constan- não o entendesse, mas entenderá Ciro e, no final, andando na rua, sob a balada
tes aos Visconti na história política e cultural da Itália). Visconti não teve mo- telúrica que fala da volta a uma vida campesina utópica - ideal dos poetas
tivos para se revoltar contra a opressão, a miséria e as limitações morais das bucólicos, sombra virqiliana que se avoluma - Luca sabe que aquela terra da
classes humildes. Sua tomada de posição diante do mundo em que vive é uma Lucânia é também impossível porque, se os homens permanecem puros,
atitude crítica, conscientemente intelectual de quem estudando a evolução da como antes era Simone, a fome está sempre evidente. Luca espera então "um
arte através dos séculos verificou que arte e política se encontraram definitiva- mundo mais justo" e, se crescer como Ciro (seu futuro é incerto. é a contradição
mente, não mais para trocar amabilidades ou combinar massacres, mas para do desespero na lucidez viscontiana), será um lutador para mudar. A dialética
interpretar a História e atingir o objetivo da Revolução. O encontro do homem de Visconti é implacável: no movimento final de Luca a tragédia se consuma.
com a política, que no caso de Visconti é uma exceção (porque se trata de um O último movimento de Sartre é ação política. Sua redução se processou
homem dotado de imprevisível coragem moral) é, em Rocco e ; suo; fratel/i desconhecendo um homem real. É também um pequeno-burguês, não está
(Roeeo e seus irmãos, 1960), o resultado dos vários caminhos da sociedade dotado da grandeza para uma revolta sem desespero contra a superestrutura
capitalista que levam o homem à revolta. que o rodeia. Mathieu (o personagem do romance Les chemins de la Iiberté} 30
Saltando para a posição de pensador sobre o mundo, Luchino Visconti não é um intelectual, por isto não é personagem na corrente. É o próprio Sartre
dá somente a melhor lição de política (tão nobre e elegante quanto um dos transferido. Como Camus em Calígula 3 1 é, em última instância, o desprezo pelo
muitos desafios de sua família) como também se lança às guerras com o peito homem comum. Visconti, dotado do realismo ainda romântico de Dostoiévski
ferido por impossível humanismo. e Stendhal, está preocupado pelo homem social, pelo camponês e pelo operá-
rio. Não força a dialética com o desespero mas o liquida dialeticamente.
[2] SENTIDO Não será difícil reconhecer um lúcido marxista quando se levanta a cortina
do esteta. É fácil, inclusive. entender um aristocrata deste tipo no Partido Co-
Rocco é este Visconti ideal que se vê reduzido ao desespero, cuja saída é munista, sem que tenha sofrido, até hoje, grandes críticas - críticas das quais
dupla: alienação ou política. O Visconti autojustificado é Ciro, o operário, o ho- revolucionários como Brecht, Eisenstein. Camus e Sartre foram vítimas.
mem justo em sua classe, que deseja uma sociedade perfeita para que, nela, Quem se identifica à presente posição sartriana é Ciro, um personagem
Rocco seja possível. Na seqüência final, quando Ciro conversa com Luca e faz que jamais Sartre teve nas mãos. Visconti como metteor-en-scéne do pensa-
a criança esperar "um mundo mais justo", vlsccntl condena Rocco e assume, mento, manobra cinco teses e movimenta a última (Luca) para um diálogo fu-
por outros caminhos, a atual posição sartriana: o homem engajado não mais turo. De sectária redução política, Visconti dirigindo idéias com a precisão com
nos limites do compromisso intelectual, mas o homem reduzido, o homem a qual dirige atores, lança Luca para o discurso entre marxismo e humanismo.
revolucionário, o homem sectário: Ciro denuncia seu próprio irmão Simone, Ergue no lançamento da última tcsc..o mito de Rocco.
porque sabe, tomado da mais absoluta consciência, que condenar Simone é É a história em revolução.
destruir Rocco. Enquanto Rocco (Ser Cristão, Ser Bíblico) compreendesse o
Mal a ponto de amá-lo, Simone estaria permanente no seio da família, levando
todos aos desfechos inevitáveis da tragédia.
A redução sartriana de hoje é terrorista. A de Ciro também. Visconti ama
Rocco mas Ciro é a verdade na monstruosa sociedade capitalista. É preciso
la Jean-Paul Sartre. Les chemins de la Liberté (1945-1949): L'âge de raison (1945), Le sursis (1945) e
destruir o Bem e o Mal para que um novo mundo seja atingido com lucidez, L8 mort dans I'âme (1949). No Brasil. Os caminhos da liberdade: A idade da razão, Sursis e Com a
sem conhecer as misérias da humanidade. Quando Ciro corre para entregar Si- morte na alma, trad. de Sergio Milliet (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983-2000). IN.E.]
mone à polícia, Rocco se abraça com Luca e fala: "Tudo está perdido". É a frase ., "Celiqula". em Roger Ouilfiot [ed.}, Théâtre: Récits et Nouveffes (Paris: Gallimard/Pléiade, 1962), IN.E.]

226 227
[31 CIRO FRENTE A VISCONTI Estes são os nervos de Rocco. Simone, Luca. Vincenzo. Nadia e o próprio
Reeeo são figuras de tragédia. figuras básicas e tradicionais na pirâmide dialé-
Trecho de entrevista de Luchino Visconti a Guido Aristarco em Tiempo de Cine, tica. Toda mise-en-scéne evolui para Ciro. Sem o epílogo, o restante seria um
Buenos Aires, dezembro, 1960: 32 passo de valsa decadente e isto é o próprio Visconti que confessa. Mas ao
"Te direi que o personagem de Ciro é um personagem que esteve sempre lado do pensador está o artista.
presente no roteiro. Eu recordo que por isto nem sempre estava de acordo
com meus colaboradores, que me diziam: 'Não, não é necessário dar este
caráter a Ciro, dar-lhe este valor' 'Não'. respondia eu, 'é necessário dar-lhe
o •• o BARROCO VISCONTIANO
este valor'. Recordo grandes discussões porque desejava um Ciro talvez um
pouco duro, talvez um pouco cruel com a sorte do irmão decaído (Simone). Eu Para o cinema - quando se discute a renovação da linguagem com a presença
insistia: 'É assim, é justo que seja assim, porque Ciro defende certos valores, de Alain Resnais, Jean-Luc Godard, Michelangelo Antonioni e outros jovens do
Ciro pouco a pouco adquire esta consciência vivendo em Milão e chegando mundo - um filme como Roceo coloca em jogo um problema fundamental no
a ser um operário especializado em uma fábrica como a Alfa Romeo, ele vê conflito: a liberdade de uma forma convencional, ou seja a recusa de Visconti
certas coisas de uma maneira diferente de seus irmãos: por isto não pode ao novo explosivo da juventude e ao mesmo tempo a força moderna e atuante
deixar de ser um pouco duro'. 'Mas assim ele se converte num personagem do seu discurso.
demasiadamente cruel e mau', me respondiam. E eu dizia: 'Não, não é cruel, Visconti acrescenta com Roceo um capítulo à polêmica entre cinema
é um pouco (como dizer?) intransigente, pois me parece que isto é ser justo, versus ficção, dando a dimensão do romance ao universo do cinema. Rocco
e no final sofre uma sincera comoção que todavia não o faz desistir do seu - por mais que seja considerado apenas "obra-prima do cinema tradicional"
caminho'. Ciro disse: 'Este é o caminho justo'. Ciro é o único que no fundo - é tão moderno em seu caráter estilístico quanto Hiroshima mon amour
aprende alguma coisa". - que, embora surja como um "novo", não passa - caso seja analisado
E prossegue Viseanti : estruturalmente - de um filme "novo no cinema", mas não "novo para o
"Para mim Ciro é o personagem verdadeiramente positivo no melhor senti- cinema", ou seja, os processos narrativos de Resnais são roman nouveau
do e é ele que conclui o filme. Isto é: o conclui num sentido positivo. De outra - acrescentados de capítulos da técnica atemporal de Faulkner como ainda
forma a estória seria demasiadamente negativa ... !!!". sustentados pela teoria eisensteiniana do monólogo cinematográfico, ex-
Mas Visconti não estabelece em torno de seu personagem as viseiras de posto em Film Form,33 quando o mestre russo estudava a adaptação de
um necessário homem mecânico. A sociedade corrompe, como corrompeu Ulysses de Joyce.
camponeses puros da qualidade de Rocco e Simone. Visconti, sobre Ciro, dita O Kynema é arte ainda precária como expressão além da técnica - como
amargamente: "Ciro provavelmente chegará a ser um burguês, talvez um gran- arte que ainda não se libertou dos limites convencionais da fotografia e da
de burguês. Não sei; todavia o sinto assim ...", montagem mecânica, de efeito infalível na percepção. O romance, por mais
Na defesa de Ciro, disfarçando também numa entrevista pública sua revol- tradicional que seja, nunca sofreu a cronologia angustiante do cinema. Quando
ta contra a fábula-Rocco, Visconti (que no filme edita Ciro como uma tese) des- Resnais rompeu com o tempo cinematográfico vigente, estava apenas fazendo
confia que aquele personagem será um burguês ... é uma descrença amarga no o que o romance já fez desde Proust: e como problema colocado - salientan-
homem, mas extrema visão de lucidez. do-se memória & esquecimento - ainda estamos em Proust que transcende o
ciclo do tempo perdido à existência de Hiroshima.

Publicado originalmente como "Ciro e i suei trateni (Colloquio di Guido Aristarco con Luchino Vis-
cantil. Cinema Nuovo. Milão. anno IX. n. 147, set.. ott. 1960, p. 403, [N.E,] 5, Elsensteln. Film Form. op. cit

228 229
A condição do cinema - como arte de público - trouxe às massas e mes-
mo a uma natural alienação crítica o choque do que se chamou "novo" - e
nisto não há porque negar a lógica entusiasmante dos intelectuais alheios ao
cinema diante da obra de Resnais.
O discurso revolucionário está no romance dos grandes autores - Dostoié-
vski, Dickens, Stendhal, Proust, Joyce e Faulkner (para citar meia dúzia repre-
sentativa) e no cinema só começa a existir em Hiroshima, que é uma conse-
qüência da experiência ficcional e do próprio desespero desta forma narrativa,
aniquilada não só pelos destinos a que foi levada pela liberdade da palavra
como também pela evidência da força comunicativa do cinema, nos planos do
"social" e da "percepção".
Mas se Hiroshima vale também porque é um filme que traz para o cinema
o novo processo narrativo - um método de conhecimento humano - ROGGO
vale porque desencadeia o conhecimento na linguagem aparentemente tradi-
cional- destruindo ao mesmo tempo a linha comportada da velha cronologia
cinematográfica, impondo a linha sinuosa do romance à realização da obra.
ROGeo não conta uma estória dentro do tempo determinado. É, ao contrá-
rio, um ciclo narrativo de fatos que se complementam na evolução do conflito.
Sendo realista, Visconti não quebra o tempo real mas o tempo dramático, não
sujeitando a forma a uma experiência mas levando-a como se leva um elemen-
to disciplinado para conhecer sem trapacear: desenvolvendo esta forma a par-
tir do tema, atingindo a beleza através das raízes consolidadas de um conflito
cada vez mais intenso, em suma, um jogo com o personagem que logo perde
este caráter e passa a ser um mundo objetivo de onde a tragédia assume-se
em todos os poros.
Desta forma, em Bocco, Visconti não obedece mais à forma operística de
Senso eLe notti bianehe: passa da ópera, não ao romance moderno da "expe-
riência formal" mas ao romance moderno da "grandeza": se antes, em Senso,
estava presente a marca do espírito Stendhal, agora, em Roeeo não só a vio-
lência dramática fraternal dos Karamazov envolve toda a obra: a tradição mítica
desta mesma dramaturgia que encontramos na bíblica saga de Abel & Caim,
José & seus irmãos, está colocada no jogo. Quando Visconti trata de irmãos
- ele trata da tragédia fraternal em termos de grandeza, e por isto não se
prende ao provincianismo individualista: e ainda por isto não prende a tragédia
Alida Valli e
na forma de um filme, como um filme é convencionalmente considerado. Suas Farley Granger
convenções são as do sentimento humano culturalizado nas formas expressi- em Seduçáo
vas do sentimento: teatro, romance, ópera e cinema. da carne

230 231
Evoluindo de uma narrativa "cinematográfica" - quando parte do documen- Luca olha os cartazes de Rocco corrompido, anunciando seu sucesso e,
tário neo-realista (casamento de Vincenzo) para um já classificado expressionis- enquanto caminha, a pureza de Rocco canta e evidencia a esperança num pos-
mo latino (o choro histérico de Rocco e Simone na cama, com a intervenção pa- sível paraíso campestre.
tética da mãe), Visconti acrescenta para o cinema latino a condição específica, O desespero não é do homem - a negação do homem - mas o homem
atinge a eztétyka de uma raça e de uma cultura: a explosão passional que se atinge o desespero porque as motivações sociais do sexo e do dinheiro o im-
transforma em objeto não porque estouram os planos gerais sonoros - mas pulsionam.
porque recusando a lógica acadêmica do sentimento na forma exata - ele co- Visconti não é um abstrato, como Fellini, que critica a época sem mostrar
menta estas formas e as critica ao mesmo tempo no virtuosismo de sua arte, que a imoralidade da dolce vita não passa de período nauseante do capitalismo.
este sensualismo latino das artes e dos sentimentos - o que significa toda Estas coisas são claras mas Fellini admite um comportamento falsamente
uma revisão da história artística de nossa cultura básica, criticada sem a in- humano - o seu repórter fica chocado diante dos escândalos sexuais - Fellini
tervenção do moralismo mas pela consciência da necessidade revolucionária. se escandaliza diante do sexo, comportando-se provincianamente como a mãe
A obra cinematográfica de Visconti, em Rocco, já pode encontrar, realizada, dos Parondi diante da prostituta que Simone traz para dentro de casa.
a condição de retrato da cultura latina. A tragédia humana está no cenário social: Ciro é um escravo da Alfa Ro-
Alegando-se primariamente o virtuosismo viscontiano. seus adjetivos são meo - por dinheiro (não tem tempo para amar, porque o sinal o chama; me-
justamente os críticos pois o que volta de essencialmente barroco em Rocco rece a repulsa de Simone porque não passa de um operário exímio); Vincenzo
é a determinante da evolução histórico-cultural do neo-realismo: de Obsessão se omite por dinheiro (o importante é sua família pequeno-burguesa); Simone
a Rocco a sedução da plástica evolui mas é no barroco que se encontram as se corrompe por dinheiro. Rocco se faz lutador e toma contato com o Mal por
características do retrato latino verista. causa do dinheiro: a mãe vem para Milão com os filhos por causa de dinheiro,
É o barroco viscontiano. para "melhorar a vída depois da morte do marido"; a prostituta, que detesta a
Rocco é um destes elementos que transcendem uma crise: Visconti. sen- vulgaridade (e não fala em dinheiro), já corrompida por dinheiro (Visconti deixa
do cineasta maior, usa a mise-en-scêne não como preocupação fundamental claro que ser prostituta é coisa de mulher pobre ou ignorante, porque de outra
para satisfazer pequenas necessidades individuais. E não sendo moralista sua forma - por vício ou relaxamento moral - a mulher nunca passa de senhora
problemática escapa aos limites latinos, rompe com a crítica provinciana, ana- adúltera e por isto precisa de amor).
lisa a humanidade em sua causa e conseqüência no conflito psicossocial e Somente aí Visconti fala em amor. A prostituta não quer sexo com Rocco.
neste clima, sem ter preconceitos, joga na mesa dois elementos que chocam Para ela, "tanto faz". Com Rocco ela quer retornar à pureza original configurada
a burguesia: sexo e dinheiro, dinheiro e sexo! - e sua política e a colocação na figura de Alain Oelon. E no restante do ciclo dramático o sexo, que corrom-
impiedosa, cruel e sem concessões destes fatos. pe Simone e o lança contra Rocco (o sexo e toda a carga de preconceitos de
Em Rocco, Vísconti - como em toda sua obra - desce à condenação província que os Parondi trazem da Catânia para Milão), envolve Rocco, não em
de uma sociedade e continua a desprezar o moralismo que existe apenas em relação à prostituta mas em relação aos homens - a quem a beleza de Rocco
nome do desespero individual e coletivo da humanidade. Acredita em valores excita até o ponto dele se tornar amante de um explorador do boxe - não
maiores e estes são ainda chocantes para a burguesia - os valores populares: pelos prazeres da carne mas por dinheiro, para salvar o irmão da vergonha e do
o amor à terra, a consciência das raízes e a pureza telúrica. crime, para salvar o ser humano.
Rocco é uma Bucólica - a bondade de Rocco é o lirismo do pastor e suas Rocco é um amoral. Rocco ajuda, colabora com o Mal, perdoa o Mal e aceita o
ovelhas, Rocco é bom como José - e seus irmãos não o entendem, por isto Mal porque é bom, Rocco não se perdoa e por isto o moralismo original (e incons-
Simone o espanca da mesma forma que os irmãos de José o venderam para o ciente) de Rocco é quem o leva (e todos os Parondi) aos precipícios da tragédia.
distante Egito - aqui a conjugação de elementos reais que impulsionam Rocco Quando Rocco desiste do amor da prostituta, porque prefere ajudar Simone,
para o mal, para o pecado - para onde Rocco evolui e termina chegando. ele começa a se negar como homem.

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Visconti deixa claro a impossibilidade da pureza: é a própria lição bíblica berta de Eisenstein. O fraco de O estrangeiro [Lo straniero, 1967] provocou a
da resistência de José aos encantos da mulher de Putltar. o que serviu para corrida geral: o mestre tentara romper seu próprio modelo, praticando alquimia
atirar José às masmorras, embora dali ressurgisse Pryncipe, mas sendo dali os de zoam com existencialismo. A desconfiança começara com aquela zoam no
motivos da escravidão de sua raça. espelho em Roceo e seus irmãos e assumira proporções "doentias" em Vagas
Hocco, no final, é a redenção econômica da família Parondi (ele ganhará estrelas da Ursa Maior [Vaghe stelle dell'Orsa, 19651... Doentias, talvez para os
rios de dinheiro no boxe) mas é tarde: a vergonha e a corrupção mancharam o cultores do cinema nacional popular que tinha produzido um bom discípulo,
nome daquela mãe que não mais era chamada de senhora nas ruas; por isto Francesco Rosi. Para Visconti. que sempre considerou Godard "inteligente mas
a honra dos filhos está destruída. E nem toda a fortuna do mundo arrancará a superficial" a zoam era uma febre saudável. rachadura na colcha de retalhos de
tragédia que se implantou no seio dos Parondi. mitos provincianos que é a cultura italiana.
A política de Visconti é a crítica do homem - num plano universal - e do Visconti sabe que a Itália é um país de "pintores" e finge desconhecer que
sentimento latino, num plano cultural desde que este marxista-homossexual- Rossellini gerou Godard, o transformador do cinema. O cinema foi transforma-
aristocrata não se nega como homem de raízes um só instante. do, como inventado, na França, mas o gênio de Rossellini retornou à limitação
Transgredindo o machismo - não esconde o seu amor por Alain Delon. da península. Também Rossellini (como Pasolini falando à imprensa) sabe que
nem o desprezo pelas mulheres no processo dramático do Homem (a mãe é a Itália é país de "pintores" e, por causa deste complexo foi o próprio Roberto a
inteiramente inútil para os filhos e aquela prostituta não é uma "mulher" nos inventar uma zoam de controle remoto. E se o corte de Pasolini com o neo-res-
termos da convenção burguesa da vida e da ficção), não deixa de mostrar na lismo foi o desencadeamento do "cinema de poesia" em O Evangelho segundo
cama a identificação do homem pelo homem, quando os dois irmãos berram São Mateus [11 Vangelo secondo Metteo, 1964], empregando enfaticamente a
histericamente a morte da mulher amada - porque naquela tragédia não são "câmera na mão", a verdadeira ruptura com o "neo-reelismo" (dois anos antes
dois irmãos que se dilaceram e se confortam mas dois homens (entre os quais de Pasô, foi Prima del/a Rivoluzione [Antes da Revolução, 1964] de Bertolucci,
a mãe nada significa como barreira). justamente por causa dos longos planos em zoam numa barroquizante introdu-
Não teme o sensualismo masculino, passeando a câmera sobre os cor- ção da montagem vertical no cinema italiano.
pos dos lutadores, seja no ringue ou no chuveiro, como não se preocupa em Cinema de um país de "pintores", o italiano não poderia admitir o emprego
colocar no jogo dos Parondi uma irmã - mesmo porque a tragédia arcaica é da montagem a não ser na composição rítmica: a montagem dialética, preco-
fundada na interdição homossexual que significa Abel e Caim. nizada por Eisenstein, seria ensaiada por cinemas de outros países, ricos nos
jogos do tempo, mas visualmente inferiores.
Quem estabeleceu o enquadramento frontal no cinema moderno foi Ros-
ESPLENDOR DE UM DEUS sellini, mas quem teve a consciência disto foi Godard. O cinema expressionista
era apenas cenográfico e a câmera servia ao décor. Rossellini diluiu o décor
[11 dentro do enquadramento e quem deu o espaço fílmico ao décor foi Antonioni.
Viagem à Itália de Roberto, é ao mesmo tempo a mãe do espaço fluente de Mi-
Discutir Visconti como aristocrata marxista é piá furado. Sua concepção de chelangelo e do espaço dialeticamente desestruturado por Godard. Enquanto
cinema antropomór1ico ou seu alinhamento como exemplar do realismo crítico Antonioni dilatava a profundidade e a lateralidade do campo, Jean-Luc operava
ficam por conta de comentaristas que repetem as conversas de Guido Aristar- a montagem (no começo, usando a atomização joyceana, depois recuperando
co na tentativa de aproximar a literatura do cinema via Georg Lukács. Durante Eisenstein e na última fase "construindo" à maneira de Dziga Vertov).
vinte anos Visconti serviu para unir críticas de esquerda e direita através da Reintroduzindo o décor teatral no espaço fílmico, Bertolucci, mas sobretu-
média que o mito de aristocrata marxista permitia. Apesar do fluxo viscontiano, do Pasolini, foram os primeiros cineastas italianos a tomarem consciência des-
o cinema mudou com o advento da teoria geral de Godard e com a redes co- ta ausência de montagem. Pasolini teorizou o impasse na sua teoria "cinema

236 237
de prosa, cinema de poesia" mas cometeu o erro de aproximar a língua literária O sentido "obtuso" falado por Barthes tem mais a ver com o núcleo de
da língua fílmica: pra Pasõ. o cinema de prosa seria o equivalente ao poéti- "Kynema de Poezya" do que a montagem a golpes dezoom de Pasofini: esta
co (cinema de montagem descontínua). Chutando firme com os dois pés Pler montagem subjetiva apenas decompõe um espaço fílmico saturado de sen-
Paolo disse que a câmera na mão e a zoam eram algumas características do tido óbvio.
exemplo poético. A bola pegou na trave numa hora em que Ctmstian Metz. Desconhecendo a montagem harmônica, que ironicamente Eisenstein foi
Roland Barthes, Gianni Toti, Adriano Aprà e outros começaram a invocar Ro- descobrir estudando Leonardo Da Vinci, os cineastas italianos produzem sig-
man Jakobson pra criar uma bossa lingüística pro cinema: Godard desman- nos ao nível imediato da História.
chou o circo dizendo que no caso do cinema, língua diferente, nova e ainda Para eles a zoam é pincel "moderno" capaz de criar o "sentido poético",
inarticulada, a terminologia tinha de ser outra. Barthes, agora, já reconhece uma transcendência que anime a paisagem e escape da concretude do cinema
que Jean-Luc tinha razão e que Pesõ estava por fora: "Para os textos escritos francês.
salvo se eles são bem convencionais, engajados a fundo na ordem lógico-tem- Quando Jean-Marie Straub fala que o cinema de Pasolini é cada vez mais
poral, o tempo de leitura é livre: para o filme não o é, porque a imagem não idealista, esta diferença de língua fílmica entre França e Itália se explica a ponto
pode ir nem mais rápida nem mais lenta, a não ser que se perca até sua figura de se entender, afinal, porque a zoom pintada por Claude Lelouch é uma pro-
perceptiva. O fotograma instituindo uma leitura ao mesmo tempo instantânea cura "poética" esvaziada e a zoom articulada por Visconti equivale a um corte
e vertical. se lixa do tempo lógico (que não é senão um tempo operatório); ele vertical no picturalismo horizontal do cinema italiano.
ensina a dissociar o mal-estar técnico (a filmagem) da matéria fílmica, que é o A zoam em Visconti é o único dado fílmico em sua representação literária.
sentido 'indescritfvel'"." Sabendo que tão cedo o cinema italiano não descobrirá a montagem através
O "terceiro sentido" de que fala Barthes é aquele "obtuso", cujo significado de sua própria "pintura", Visconti transforma tudo em literatura, inclusive o es-
não é imediato - historicamente legível. cuja descrição verbal é impossível. paço teatral. E esta literatura, cinematograficamente reduzida a melodrama de
mas cuja curtição existe. É o que Eisenstein sacava quando falou em quarta mau gosto, renasce através da "zoom para ctose-up" nos ícones viscontianos.
dimensão cinematográfica ou montagem espacial: ''A reunião das oposições Antes de usar Sua primeira zoam no ginásio de boxe em Rocco e seus
binárias que Eisenstein estimava típica das divindades andróginas do México irmãos, Visconti, no auge do prestígio, filmava apenas teatro ilustrando litera-
foi descoberta pela antropologia moderna em outros sistemas mitológicos. tura. E antes disto, apenas no primeiro plano da dança dos amantes no bar em
Isto teve por efeito confirmar a idéia de Eisenstein segundo a qual o princípio Um rosto na noite [ou Noites brancas] que era "o fim de uma zoam que não se
permite explicar numerosos arquétipos da cultura. Esta reunião de contrários, fez", havia concretude fílmica (não verbalizada) em seu cinema. Foi em Vagas
aí incluídos estes da arte e da ciência, caracterizava segundo ele seu artista estrelas da Ursa Maior que Visconti concretizou esta ausência fílmica. E foi
favorito, Leonardo Da Vinci, como prova seu desenho Leonardo, onde está diante das zooms que atomizaram seus sistemas cenográficos que a crítica co-
desenhada ao lado do pintor uma espiral logarítmica inscrita num círculo, sím- meçou a pixá-Io. Mas é a partir daí que Visconti filmeformaliza seus arquétipos
bolo da associação dos Rangées classificados de Yin e Yan (lvanov, Cahiers du antes desmontados num jogo teatral entre Tchekhov e Shakespeare.
Cinéma, jun. 1970).35 A força do destino desencantado acaba no baile de 1/Gattopardo [O Leopar-
do, 1963]. A procura fora do próprio destino não leva a parte nenhuma, sendo
a vergonha da tragédia que minimiza Vagas estrelas e apaga O estrangeiro.
Roland Banhes. "Le trcisiême sens". em L'obvie et /'obtus: essays critiques 11I (Paris: Seuil. 1982).
A crítica política do destino (sempre a família aristocrática em decomposição
No Brasil, "O terceiro sentido", em O óbvio e o obtuso. trac de Lés Novaes (Rio de Janeiro: Nova literária) se faz tranqüilamente em Os deuses malditos (La caduta degli dei/G6t-
Fronteira, 1990), pp. 45-61. [N.E.] teraõmmenmç, 1969). A zoom não é um balbuciar insípido (Elio Petri}, não é
35 Viatcheslav Ivanov, .. Eisenstein et la linguistique structurelle moderne . Cahiers du Cinéma. n uma poeticidade raivosa (Pasolini), não é uma ruptura barroca (Bertclucci}, não
spéciaI220-221. mai.- jun 1970, p. 50, [N.E,] é uma descrição natural (Rossellini).

238 239
A zoom é o método de friccionar falicamente a ficção sem querer outros num contexto histórico além do seu limite sociologista e dar logo uma geral
meios de intervir sobre a realidade. que pode ser inclusive relido tintirn por tintim em outros países na década
A diferença qualitativa entre uma telenovela e Os deuses malditos é que de 70. O esquema de capitalistas se entredevorando para entrar no poder
telenovela é uma ficção ilustrada e montada metricamente. Os deuses mal- e fazendo qualquer negócio em nome de um nacional-socialismo belicista é
ditos é uma ficção representada e montada rítmico-tonal mente. A montagem aquele mesmo, por mais grosso ou simplista que pareça. A repetição histórica
pelo ritmo da zoom que informa dramaticamente a montagem tonal dos atores. é sempre cômica, como disse Hegel. Mas na comédia também corre sangue
Na teoria eisensteiniana a montagem tonal é aquela em que "o movimento é porque os donos da jogada, Hitler ou Trujillo, matam sempre. Visconti faz um
percebido num sentido mais amplo. O conceito de movimentação engloba to- inventário de arquétipos trágicos e psicanalíticos (Macbeth, Hamlet, Freud):
das as sensações do fragmento de montagem. Aqui a montagem se baseia no melhor ainda porque em certos momentos históricos as coisas são de uma
característico som emocional do fragmento - de sua dominante. O tom geral simplicidade gritante.
do fragmento" (F/Im Form).36 A tragédia de hoje é o melodrama do passado e é por isso que Os deuses
Os personagens de Visconti são os atores de Visconti - ícones forjados de malditos, obra abertíssima em sua (floreada a zooms) demonstração de aber-
uma superação do prosaico pelo histórico. A inviabilidade convencional destes rantes velharias é o reencontro de Visconti com seus melhores filmes, Senso e
personagens em outro contexto é o inverso na montagem tonal de visconti: es- Roeeo, e ao mesmo tempo possibilidade de prática de cinema político pairan-
tes "deuses malditos", que apenas diferem em classes daqueles "demônios pro- do por cima da carne seca polêmica.
letários" de Roeeo e seus irmãos, seriam naturalmente reestruturados em não- Como aristocrata, o Conde não se mistura e dá seu recado. Melodramando
personagens pós-brechtianos por muitos cineastas preocupados com o cinema, indústrias e camas mais de uma vez transfigura sua autobiografia pra dizer que
inclusive por mim. Mas Luchino está na dele e o cinema é apenas um altar para a raiva totalitária nasce do irracionalismo
os ícones. Altar que flui daquele cinema de "pintores" na cenografia herdada do "Quem será a vítima de amanhã?", pergunta mais ou menos um persona-
expressionismo e que representa a velha Itália (ou a velha Europa) se desman- gem (Herbert).
chando em terremotos e bombardeios mas subsistindo em ruínas e museus. Visconti pertence ao tempo da ficção e foi bom que a zoam lhe tenha dado
É assim que Visconti, o mais europeu de todos os cineastas (sendo italia- o poder fílmico de mostrar a cara grosseira, criminosa, novelesca dos nazistas.
no), teve a audácia de filmar "uma tragédia nazista", trabalho que, segundo as
regras do jogo, deveria ser feito por Fritz Lang.
AMIGO VISCONTI
[2]
"no dia de sua morte"
Visconrl me disse que preferiu fazer um filme sobre o nazismo porque o fascis- Compreendeu a História
mo italiano tinha sido uma comédia e ele desejava expressar a tragédia máxi- Contraditória da matéria
ma do século XX. Mas não incendiou
Acho que não dá pé discutir se os "fatos históricos" estão corretos em A solidão da Ópera Cósmica.
Os deuses malditos porque seria difícil estarem errados: Nicola Badalucco e
Visconti pesquisaram a fase da formação do nazismo na Alemanha e o que
foi reduzido a cinedrama é o suficiente pra situar os fantasmas viscontianos MAESTRO VISCONTI

O cinema italiano evoluiu independente do expressionismo alemão, do cinema


35 S Eisenstein, op. crt. led bras.L p, 82.IN,E.l soviético dos anos 20, do avantgardismo francês e de Hollywood.

240 241
mancistas. Visconti vem de Stendhai. o melhor romancista italiano antes da
Espetáculos históricos foram filmados durante o fascismo e na crítica de
Ópera materializar a Epopéia de Giuseppe Garibaldi.
costumes criou um estilo que se consagra nas comédias de Lina Wertmüller e
nos delirantes westerns de Sergio Leone.
[F]
É a maior indústria cinematográfica da Europa e concorrente de Hollywood
porque dispõe dos melhores cineastas do mundo: Visconti, Rossellini, De Sica.
Combateu o fascismo, foi preso e torturado.
Fellini, Antonioni, Francesco Hosi, Marco Ferreri, Pier Paolo Pasolini. Sergio Leo-
ne, Marco Bellocchio, os Irmãos Taviani, Bernardo Bertolucci, Gianni Amico,
[GI
Gianni Barcelloni, Adriano Aprà, Enzo Ungari, Silvano Agosti, Paolo Brunatto,
Sandro Franchina, Carmelo Bene - isto pra falar no primeiro time, porque Dino Teorizou e praticou um CINEMA ANTROPOMÓRFICO - segundo a imagem
Risi é melhor que Claude Berri, Elio Petri melhor que Truffaut Dario Argento do homem no mundo cenográfico das pulsações inconscientes.
melhor que Chabrol, Mario Schifano melhor que Philippe Garrel. Monicelli me-
lhor que MareeI Carné. Valeria Zurlini melhor que René Clement etc .. [H]

[AI Além da ordem cronológica das produções, o texto audiovisual de Luchino


Visconti, montagem dialética da História:
Luchtno Visoonti morreu montando O inocente [L'innocente, 1976], melodrama 1. Ossessione.
inspirado em Gabriele D'Annunzio. 2. La terra trema: episodio deI mare.
3. Rocco e suoi tretettí.
[B] Nestes filmes materializa a história dos camponeses, marginais e operários
italianos do após-querra até os anos 50.
O tema de Visconti é a decadência do capitalismo diante do processo revolu-
cionário. [11

[CJ 1. Senso.
2.1/ Gattopardo.
Falou da burguesia e do proletariado com cultura aristocrática e sentimento 3. L'innocente.
popular. 4. Ludwig.
5. The Damned [La caduta degli dei].
[D] 6. Vagas estrelas da Ursa Maior.
7. Conversation Piece.
Único cineasta Ateu da Itália, Visconti era um nobre com poder pra não pedir a Nestes filmes materializa a história da burguesia desde as guerras anti na-
bênção do Vaticano e foi o cineasta de Palmiro Togliatti, integrando-se na linha poleônicas às qaribaldinas. ascensão e queda do nazifascisrno. ressurreição
de Giuseppe Verdi e Antonio Gramsci. fascista, resistência intelectual e massiva ao fascismo, pelo desenvolvimento
democrático de uma sociedade humanista.
IE]

A Itália de grandes músicos, artistas plásticos e poetas, não tem grandes ro-

242 243
[J] Dostoiévski, Albert Camus. Thomas Mann, três dos maiores romancistas
europeus.
o PC italiano difere da União Soviética. Nestes filmes, o amor não obedece às leis da luta de classes.
Desejo. realização, rejeição. Amor espontâneo de mitos, atos gratuitos até
[KI criminais, decadência e morte de um corpo que não ressuscita na posse de
um outro jovem e belo - são temas do ego Visconti.
Foi o único grande diretor de atores do mundo. O processo das dublagens não
permite que se conheça a força dos personagens Viscontianos interpretados [PI
em italiano ou inglês, língua que usou em alguns filmes.
Viveu grandes amores.
[L] Curtiu nas cortes da Europa os mais requintados prazeres da decadência.
Foi adorado por homens, mulheres, pelo povo italiano e público internacional.
É o único cenógrafo culto.
Esnobou o Kitscb hollywoodiano e a pobreza decorativa francesa. Abriu os [O]
baús da Arte pro cinema e reconstituiu o luxo da aristocracia italiana e européia.
Destruiu o esplendor cenográfico da representação fenomenológica pela inter-
[MI ferência irracional da Zoom.

Superou Proust. pelo simples fato de ser o materializador de Stendhal, de ser [RI
Marxista e Freudiano numa época (anos 40) em que Sartre era existencialista.
A câmera documenta o teatro. Visconti foi melhor roteirista, cenógrafo e dire-
[N] tor de atores do que fotógrafo e montador.

Com Ossessione desmontou o teatro psicologista de Hollywood. [SI


Com La terra trema fundou o neo-realismo crítico.
Com Roeco e seus irmãos consagrou o realismo socialista no Museu das Atores épicos, fotografia expressionista, montagem narrativa.
Artes Anti-Estalinistas e devastou a Alemanha romântica de Ludwig e Wagner
que produziu o Nazismo. {T]
Com 11 Gattopardo superou dialeticamente a retórica racista de E o vento
levou [Gane with the Wind, 1939], de Victor Fleming. Está para o cinema como Thomas Mann para o romance.

[O] [UI

E fez três filmes de amor: Submetendo o cinema idealista criou filmes diferentes dos outros, cinema
1. Noites brancas. neo-realista revolucionário.
2. O estrangeiro.
3. Morte em Veneza.

244 245
[V]

Conheci Visconti em 1969, no Festival de Cannes. Era o presidente do júri que


premiou O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1968) ... Jantamos duas
vezes em Roma.

[XI

Em 1970, quando voltei da África, onde filmei O leão de sete cabeças fui visitá-
lo com Eduardo Escorei e lhe dei uma máscara de presente.

[W]

Fui visitá-lo com sua prima Verde, Natal 73. Estava paralítico por causa do der-
Mark Frechett
rame que sofreu quando filmava Ludwig.
e Daria Halprir
em Zabriskie
[YJ Paint (1970)

Em fevereiro deste ano telefonei mas não pude vê-lo. senza camelíe IA senhora sem camélias, 1953]. Tentata suicidio [1953),37 Le
amiche [As amigas, 19551 e II grido [O grito, 1956-571:
[ZI b) Revolução conteudística e estilística que rompe com a infra-estrutura ro-
manesca e teatral do nea-realismo, fundando um novo cinema especificamen-
Deu-me lições de cinema e de vida, amei este grande artista e espero que te audiovisual: L'avventura IA aventura, 1959]. La nottc [A noite, 1960). L'eclisse
descanse em Paz no Paraíso. [O eclipse. 1962J e sua primeira criação em cores, /I deserto rosso [O deserto
Los Angeles. 1976. vermelho,19631;
c) fase "indefinível", marca o ingresso de Antonioni no cinema além das
fronteiras econômicas e políticas da Itália, experiência que leva o "esteta da
ZABRISKIE POINT incomunicabilidade" a integrar sua inventiva ao discurso antiimperialista: Blow-
up [Depois daquele beijo, 1967J, Zabriskie Point [1970J Viagem à China [Chung
Nascido em Ferrara, Itália, 1912 - Michelangelo Antonioni foi assistente de Kuo: Cina, 19721 e Profissão: reporter [Prolessione: reporter, 1975].
Marcel Carné, Giuseppe de Santis. Roberto Rossellini e Federico Fellini antes Em 1980, Antonioni realizou O mistério de Oberwald [li mistero de
de realizar documentários e ficções cinematográficas que o projetaram como Oberwald, 1980], baseada na peça de Jean Cocteau, Aguya de 2 Cebezest"
dos mais significativos cineastas revolucionários do mundo.
a) Pesquisa temática e formal: documentários entre 1943 e 1950, dos quais
o mais famoso é Gente dei Po [1943-47] e as ficções influenciadas pelo neo-rea- 11 tenteio suicídio, episódio de t.emore in città (1953), entre outros dirigidos por Fellini. Alberto Lattua-
lismo dos mestres Vittorio De Sica, Roberto Rossellini, Luchino Visconti: Cro- da. Carlo Lizzani, Francesco Maselli, Dino Risi e Cesare Zavatttnl.Irq.Ll
naca di un amare [Crimes d'etme, 1950). I vinti [Os vencidos, 1952], La signara .. Glauber refere-se a Caigfe a deux têtes (Paris: Éditions Gallimard, 1968). [N,E.]

246 247
ANTONIONI

No século passado, Michelangelo seria filósofo como Hegel e talvez tivesse a


mesma importância para o mundo de então como teve o filósofo. Hoje, subs-
tituindo a linguagem escrita pela imagem & som, Michelangelo usa o cinema
como instrumento de especulação ao mesmo tempo que funda, no filme, o
estilo da sua moral,
Michelangelo, compreendendo a importância comunicativa do cinema, não
o escolheu como a maioria de outros diretores, atraídos por uma nova arte.
Para Michelangelo, como em poucos outros casos (Godard, Rossellini,
aliás, uma mesma família) o cinema é mesmo sua língua, a consciência de um
artista que, ao invés do suicídio geral da arte moderna, busca desvendar os
Helmut Berqer,
dados que a cada momento surgem nesta realidade. Glauber e Antonioni
O cinema, para Michelangelo, sendo sua consciência, não é redução: é a {Veneza, 1980)
partir desta fundação que Michelangelo estabelece o que chama de dialética
da alienação. Visconti, fazendo um discurso histórico usou a imagem ao passo que Mi-
A alienação do homem & mundo moderno é o campo de Michelangelo: chelangelo, ultrapassando seu contemporâneo que encerrava uma época,
"Come se realizzando un tilm. vivendo questo periodo di tempo ai servizio di incorpora a realidade-imagem; não a realidade a serviço do cinema, mas o
una vicenda, to non mettessi in cio giuoco tutti i miei problemi e non li risotvessi cinema como "objeto".
oggettivando/i. Ma realizzando iI tilm to sono consapevole, presente a me stesso, O cinema de Michelangelo é desconcertante, pelo tempo e pelo quadro,
aI mio ambiente, alIa mia storia, e sono etieneto nel/a misura in cui questo fatto um cinema real, não documentário periférico da realidade, não conotação dis-
mi induce a soffrire i'alienazione, a combaterIa e superaria facendo il film".39 cursiva da realidade, não instrumento para exercer a dialética, mas ele mesmo
Através do filme estabelece e supera a alienação, amplia sua consciência. histórico, ele mesmo dialético.
Em nenhuma outra arte o estilo pode ser a fundação de uma moral e so- É a partir daí que a alienação de Michelangelo está dialeticamente relacio-
mente a partir desta relação cineasta com o cinema, do cinema com a realida- nada com a alienação do espectador.
de, da síntese cineasta, cinema e realidade que é o filme como consciência, é Estas relações são as mesmas de Michelangelo diante deste mundo no
possível dividir os períodos da estética cinematográfica: qual a ciência evolui mais do que a moral, um mundo que aliena a cada ins-
a) o estilo como discurso de uma moral (de Lumiêre a Visconti); tante e que, pela teoria ou pela prática, supera os estágios da alienação, fun-
b) o estilo como moral (de Rossellini a Michelangelo e de Michelangelo aos dando outros.
cineastas do futuro).
Ou, como esclareceu Gustavo Dahl, existe a divisão entre os diretores que
acreditam na imagem e aqueles que acreditam na realidade. ESPAÇO FUNERAL

A mise-en-scene é uma questão de moral: mise-en-scêne não é alegoria de


M. Antonioni, "Pretazfone". ao Sei fitm. Le smicne. ff çriao, L'avventura, La notte. Uectlsse. Deserto movimento de atores, apenas.
rosso (Turim: Einaudi. 1964). Republicado como "Pretace to Six Furos". em M. Antoruom. lhe Archi- A mise-en-scéne é a nova linguagem que une a câmera ao homem, que
tecture ot vieion:Writings& Interviews on Cinema (Nova York: Marsilio Pubrishers. 1996]. p. 60. IN.E.] destrói as barreiras da fotografia narrativa.

248 249
A nova linguagem não oferece o que o espectador deseja mas o que o es-
pectador "necessita" para se desvendar enquanto homem, processo, política.
Ruíram os velhos preceitos. Os monstros estão esquecidos nos estúdios.
a indústria se identificou com a opressão capitalista - resta o instrumento de
criação e liberdade que o artista usa segundo a política. Hoje estão confundin-
do tudo em matéria de cinema: o intelectual descobre o artesanato da monta-
gem quando este ritmo gramatical já está destruído por Rossellini e esquecido
pelos cineastas emprenhados em largar sua câmera sobre a realidade, mane-
jando-a com outra visão. A velha crítica se escandaliza como puritana diante do
anarquismo de um clímax, deflagrado no plano geral. quando devia estourar
em c/ose. com música dramática. O público é a vítima. não está obrigado a
entender porque se esterilizou com a indústria: violentar a alienação deste pú-
blico é a primeira ação do cinema novo; violentar pela mise-en-scêne, porque a
Monica Vitti
mise-en-scêne moderna é sempre uma idéia em movimento e todo o resultado e Alain Delon
é o mundo que se reconstrói comentado e criticado. em O eclipse
Como encarar o arquiteto Michelangelo Antonioni, homem de 50 anos que (19621
polemiza o mundo do cinema com filmes cada vez mais desintegrados até
L'ec/isse [O eclipse, 1962] - que é o fim do cinema figurativo, o fim da mise- reconhece, como Rossellini {em recente entrevista ao Cebiersv" que o cinema
en-scéne. o canto de morte para o homem da Europa que se esqueceu de si é uma três petite chose - eu ou você recusamos esta morte porque ela nos
mesmo, brutalizado pelo presente? foi jogada na cara.
É preciso ter fé na humanidade - toda a crítica de esquerda assim violenta O eclipse ilumina o homem - o eclipse de uma idéia que se insurge até a
este artista do gesto e do espaço que penetrou com a câmera e devastou o violenta recusa: Antonioni violenta pela lógica enquanto Bunuel violenta pela
sentimento da figura humana até o eclipse desta condição. paixão e pelo humor, Rossellini pela poesia e misticismo, Visconti pela dialética
Antonioni não é moralista - é atitude científica que se mutila num acesso de um marxista que duvida a cada instante.
de paixão. É função do artista violentar - o artista é sempre a esquerda eterna, lógico
Antonioni, Visconti e Rossellini são grandes combatentes nesta Europa de ou anárquico - o artista só começa a se negar quando adere à ordem esta-
feras mortas - bichos humanos substituídos pelo movimento puro, despido belecida, quando deixa de exercer seu poder crítico sobre o mundo, sobre o
de sangue e de amor. Estado, sobre o conformismo burguês, sobre o gosto fácil. O artista é um ser
Estão mortos, diz Sartre no terrível prefácio de um livro sobre a Arqélia." em oposição - se ele vive no fascismo é antitascista. se vive no Brasil sub-
Que é O eclipse senão o documento deste mundo morto, onde a máqui- desenvolvido e faminto ou na África do Norte colonizada é um revolucionário,
na capitalista esmagou o amor? Resta um mundo de objetos - alguns sóli- usando cabeça e coração para defender e libertar o homem do totalitarismo.
dos, outros podres. E se Antonioni se deixa vencido, se aceita o suicídio, se Orson Welies sempre esteve assim desde Cidadão Kane e hoje, quando
filmou O processo [Le Procéstôer Prozess, 1962], de Kafka,42 acumulou os

40 Prefácio de Jean-Paul Sartre ao Les demnés de la ferre, de Franz Fanon (Paris: Prançois Maspéro.
1961). No Brasil, Os condenados da terra. trao. de José Laurêncio de Melo (Rio de Janeiro: Civili- ., Jean Domarchi. Jean Douchet e Fereydoun Hoveyda, "Entretien avec Roberto Bossellini", op. cito[N.E.j
zação Brasileira, 1968).IN,E.] ... O processo, trad. de Modesto Carone (São Paulo: Companhia das Letras, 1997). IN.E,]

25D 251
venenos do poder estatal sobre um José qualquer, que é o homem cercado A arte marcha adiante da política - seu poder é mais forte porque livre.
e conduzido. O conflito do artista com a política termina por lançá-lo nos grandes pontos de
A liberdade é oprimida pela alienação: todos os métodos são válidos para crise: quando se volta para si e para o passado, a burguesia o aplaude porque
arrebentar esta inconsciência absurda, falta de rigor, irresponsabilidade de cor- a chama deixou de queimá-lo para devorar o autor.
po e alma, falta de saber. O artista se consome.
A civilização está morta e o cinema não pode salvá-Ia! - assim conclui Bunuet não: ele extermina sempre a Igreja e o Fascismo.
Antonioni, na seqüência final, quando retira os personagens de cena e vaga Não acredito que o novo mundo seja católico e fascista. Qual será a fun-
com a câmera pelas ruas vazias, pelos esqueletos dos edifícios em constru- ção do artista depois do cinema de espetáculo, do cinema figurativo, do ho-
ção, pelos objetos, pelos esgotos - quando termina sobre um solou lâmpada mem limpo? O que será esta humanidade que usa outras armas, a grandeza
que brilha para se apagar. de cada gesto que se debate contra a paixão pelo futuro, pelo desconhecido
Duas forças se opõem: a velha cultura que representa o capitalismo, o - isto, os filhos do novo mundo procuram a cada hora, recusando, destruin-
estetismo, a contemplação; a nova que é revolucionária. do, radicalizando.
A capitulação da velha cultura se faz através dos seus gênios: o artista se Acho que a grande importância de Antonioni e Resnais são as imagens
rebela contra a própria estrutura e cresce para destruí-Ia e destruir-se, eliminan- finais do velho mundo - imagens abstratas, homens sem alma, gestos li-
do o ser que contempla - este homem que, segundo Sartre, deve ceder seu quidados, espaços que se movem e se perdem num tempo eternamente em
lugar ao novo que surge. circuito.
Antonioru. como Rossellini, Vtsconti. Bunuel. Orson Welles, - é filho deste Por mais estranho que seja, o homem novo é responsável pela imagem
cinema que se destruiu na luta contra velhos sistemas, este cadáver que res- do seu semelhante futuro - imagem diversa daquela que morreu: esta será a
suscita a cada instante para morrer novamente. grande luta do artista.
A linguagem é do ódio e violência - mas somos herdeiros de um mundo
que nos espanta e nos humilha - e é dentro do conflito, na eterna dualidade,
que encontramos o caminho difícil do real. GLAUBER FELLlNI
Sou contra a linguagem do engano, da mistificação, da emoção: as massas
emocionadas tanto podem seguir para o socialismo como para o fascismo. O Padre Arpa é um jesuíta que fundou no começo dos anos 60 a instituição
No Brasil, na América Latina e na África, a mise-en-scéne é o nascimento. cultural "Colurnbianum", sede em Gênova, cujo programa promovia atividades
Se o cinema novo brasileiro começa do zero, da antimontagem e da anties- culturais.
trutura. se este cinema revolucionário desconhece o passado e não aceita o Depois de uma série de Festivais e Congressos Culturais translaterais, o
presente, se a nossa moral revolucionária é a verdade e seu complexo - abai- "Coiurnbianum" realizou, em 1965, o I Congresso do Terceiro Mundo.43
xo a demagogia. O Padre Arpa era o Papa da Cultura Emergente num Supershopping Cen-
Eis a importância de Antonioni na sua recusa, no seu suicídio, na sua con- ter financiado por capitalistas demo-cristãos da Itália liberal que hospedava
dição trágica. os mais temíveis intelectuais euryankees e subdesenvolvidos, numa sagara-
Se a mise-en-scéne é a moral do autor e a burguesia & massas alienadas naudiovisual que reunia de Roland Barthes a Franz Fanon, de Murilo Mendes
recusam esta moral - este cinema é revolucionário. a Georges Sadoul, de Alejo Carpentier a Norman Mailer, de Alberto Moravia
Como pode o povo entender a revolução em processo se a revolução é a a Nicolas Guillén, de Leopold Senghor a Edgar Morin, de Jean Rouch a João
própria luta para libertar estas consciências fechadas que não conceituam nem
a fome?
43 Glauber refere-se ao congresso "Terzo Mondo e Comunità Mondiale". IN,E.]

252 253
Guimarães Rosa, de Antonio Candido de Mello e Souza a Jean-Paul Sartre, de noite subimos pelas trepadeiras até a varanda do quarto dei setíor Rockfeller e
Paulo Emílio Sales Gomes a Federico Fellini. de Gustavo Dahl a Visconti. de os vimos tramando o Manifesto que seria hoie lido, de conveniência de la CIA,
Paulo César Saraceni a Bernardo Bertolucci namorando nas brumas, de Pier com intenções de nos transformar em unos caq ... maricones liderados por la
Paolo Pasolini, apaixonado por Regina Rozemburgo, tempos em que o Brazyl corrupción deI imperialismo ...".
brilhava na Itália do embaixador Hugo Gouthier. O Congresso do Padre Arpa, Gênova, foi em Fevereiro/Março de 1965, e
O Congresso se multiplicava em Mesas-Redondas, conferências, proje- no México só tive tempo de fazer uma ponta em Simeón dei desierto, conheci
ções, entrevistas com a telimprensa mundial, festas, turismos etc. Bufiuel no Estúdio Churubuzco e ele mandou eu ir dançar um roque na figu-
O Padre Arpa, sempre telefonando do seu gabinete para Fel\ini que ainda ração beat que se vê no final do filme quando Simeón passa da Torre a Times
não chegara, preso às filmagens de Giulietta degli Spiriti {Julieta dos Espíritos, Square, o Deus que vem matar King Kong!
1965], enfrentava problemas com a censura de várias Embaixadas reacionárias Bufiuel me disse a propósito de 8 Ih [Otto e Mezzo, 1963]:
do Terceiro Mundo que tentavam proibir exibições de filmes ou circulação de li- "Es una película fantastique. Fellini es el mas grand cineasta du monde!".
vros subversivos, assim como exigiam da Polícia italiana fichas dos intelectuais Eu tinha visto 8 'h no México e mandei uma cntica para o Zuenir Ventura
subdesenvolvidos em contatos com intelectuais desenvolvidos. que na época dirigia o Diário Carioca revisando minhas opiniões sobre Pellini.
Agentes da CIA, KGB, G2, SNI, 3/Burô etc. atravessavam os corredores do a quem eu esculhambara na imprensa baiana como cineasta reacionário _ e
Congresso de gravadores e máquinas cinefotos colhendo imagens e sons dos o juízo de Bunuel sobre o filme que me fundiu a cuca valeu como absolvição
encontros entre intelectuais da vanguarda mundial. do Papa.
No embalo da '~Iiança Para o Progresso" as Fundações Culturais Multina- O Demônio Pellini era um Deus para Bufiuel, minha revisão crítica foi ante-
cionais financiaram projetos em vários países C%U neocolonizados que culmi- rior ao encontro com Bunuel mas o que me alertou foi o fato de Bufiuel. muy de
naram em Congressos de Intelectuais only Latinamericanos em Porto Rico, Ca- si mismo ... reconhecer com admiração sem inveja o talento superior de Fellini.
racas, México, até estourar o escândalo do "Plano Camelô", revelando-se que Voei pela primeira vez sobre Noviorque gelada e não saltei, concentrado no
a "Organização Interamericana das Artes", financiada pela "Rockfeller Founda- avião Los Angeles/New York /Milão escrevendo a Tese Estética da Fome," que
tton". era a Ponta de Lança do Departamento Cultural da CIA, nas universida- seria o Manifesto Terceiro-Mundista no Congresso de Gênova.
des. Organizações Políticas e Undergrounds do Terceiro Mundo corrompendo Declarei à imprensa que o Congresso do México era da CIA e que eu repre-
a melhor representatividade mediante Bolsas de Estudos aos intelectuais de sentava interesses puramente nacionais, não desejando promiscuidade com
vanguarda, colonizando-os, transformando-os em Agentes Indiretos ou divu\- dirigismos internacionais viessem de onde viessem para que nossa Arte exis-
gadores da Cultura Norte-americana, convertendo-os em publicitários de Roliu- tisse em sua original vitalidade etc.. no que fui pessoalmente cumprimentado
de e das Universidades Norte-americanas, impondo um Me style à burguesia, à por Guimarães Rosa até então acusado de reacionário, como Fellini, por se
classe média e melhorando as condições de vida do proletariado e marginalis- manter firme na linguagem pessoal mesmo que fosse à primeira vez incom-
mo com as reformas de base previstas pela "Aliança para o Progresso". preensível pelos oblinuterados retóricos da ortodoxia ..
O Congresso de Rockfeller, presidido por seu filho Rodman Rockfeller, A projeção de Deus e o diabo na terra do sol confirmou na prática a teoria
estourou em Outubro/Novembro de 64 em Xyche Y Itza (Estado de Yucatán. deA estética da fome e no final do Congresso (onde eu e L. fizemos um filho) o
México), onde se bebeu US$ 58.000,00 de uísque servido por Gabriel García Padre Arpa, mesmo sabendo de minha religião protestante, marcou um encon-
Márquez, e com a presença de ilustres brasileiros como Burle Marx, Aluísio tro em Roma na semana seguinte:
Magalhães e Eros Martim Gonçalves liderados por Carlos Fuentes. adminis- - Voglio farti conoscere Fel/in/..
trando as relações entre América do Norte e do Sul atravessadas por Cuba
até que o teatrólogo mexicano Juan José Gurrolla e o escritor espanhol Juan 44 "Estética da torne" (manifesto). Revista Civilização Brasileira, n. 3. jul. 1965. Reproduzido em Revo-
García Ponche se levantaram gritando que ... "O Congresso é da CIA, ontem de luçSo do cinema novo, op. cit. IN,E.)

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Hospedado na casa do diplomata e filósofo Arnaldo Carrilho eu começava a na ... pagã ... romana ... greco-ancestral...", Numa tarde fria ventava, subíamos a
escrever os primeiros diálogos e cenas de Terra em transe (1967) e mandava car- ladeira, eu e o Padre Arpa rumo ao portão marrom entre musgos desmaiados,
tas apaixonadas a Rosa Maria de Oliveira Penna no distante Botafogo carioca. abstrata sala, carro preto, ruas romanas ao longo de muralhas enevoadas e
Fellini no ar! praças solitárias até um Laboratório Cinematográfico na Periferia Katacúmbyka
Gustavo Dahl, que conhecia profundamente o cinema mundial. me disse: entre onze Padres (suponho todos jesuítas), foi projetada a primeira cópia, sem
..Olha, s6 tem dois titmes bons na ttétie, tirando os velhos comunistas do siste- corte e sonorização finais de Julieta dos Espíritos, última produção e primeiro
ma. como visconti ou De Sice, os místicos financiados pela Democracia Cristã filme escopicolorido de Fellini.
como Rossellini, Antonioni e Fellini... De coisa mais nova tem o filme de Fran- Na Itália Futurista Fascista que desabrocha nos anos 20 dos escombros da
cesco Rosi, Salvatore Giuliano {O bandido Giuliano, 1962] e 11 Vangelo secando Primeira Guerra Mundial. Fellini foi malandro marginal que escolheu espetácu-
Matteo, de Pier Paolo Pasolini, que é uma porra louca genial, uma mistura de los como fonte de vida.
Jean-Luc Godard com Che Guevara...". Nasceu na província, teve educação católica, sentiu a violência do fascis-
Salvatore Giuliano precedia a Deus e o diabo ... , eu conheci Pasolini no Fes- mo, virou ator, mágico, desenhista, polígrafo, fotógrafo, músico e gigolô.
tival de Karlov Vary, Tchecoslováquia, (ele apresentou Accattone IDesajuste so- Fellini é Mulher! eis sua contradição sublimada na projeção de gigantes~
cial, 19611 e eu Barravento (1961) e quando voltei de Gênova para Roma fui ver cas mulheres gordas e lascivas como ele, dyonizíaco tipolóqico. obeso, olhos
/I vangelo .. inchados, lábios carnosos, mãos trêmulas de temperatura variável. frustrada
Como tinha filmado Deus e o diabo ... quase ao mesmo tempo, o filme de Pa- necessidade de ser Anita Ekberg ou Elvira Pagã na Corte de Ivan, o Terrível, re-
solini me revelava comuns identidades tribais, bárbaras... Mas eu já pensava em encenada por Visconti no programa do compromisso histotico entre Católicos
Terra em transe, no mar que sucede ao sertão, ondas além da Nouvelle Vague. e Comunistas.
No Rio, em 1958, estava no Alcázar (Copa) tomando chope com Miguel Fellini é mais jovem que Rossellini, Visconti, De Sica, é da dúplice geração
Borges, Cláudio Bueno Rocha, Leon Hirszman, Carlos Peres e outros cinema- Pasolini & Bertolucci. o que equivale no Brazyl à famosa geração de formalistas
novistas quando chegou Paulo César Saraceni, lindo num estilo calça suéter de 1945, mas não tem nada a ver porque Fellini não se vincula a nenhuma Es-
tipo Marcello Mastroianni de La dolce vita lA doce vida,1960} e o pessoal não cola Vanguardista, é um caso anormal de vulcanização estética incomparável.
deu bola para ele, foi apresentado atravessado e quando, sem graça, fugiu, Fellini se reflete no espelho de 8 1/ 2 .
alguém comentou: A novidade está no fato de que pela primeira vez um cineasta se faz pro-
- Esse cara gosta do Fellini.. tagonistauto-psicanalista num filme, aprofundando o gênero além da projeção
- Como? - perguntei - quer dizer que Fellini tem adeptos por aqui? do Eu nos Outros Personagens, reidentificação do Personagem no Eu desmas-
- O Saraceni escreveu um artigo sobre I vitelloni [Os boas-vidas, 19531 ... carado pela criatividade liberada.
Defende o Fellini e o Rossellini ... Nós temos de botar o Bunuel e o Visconti Fellini aprendeu cinema como ajudante de eletricista, assistente de câmera
contra estes reacionários aliados a Ingmar Bergman, a John Ford e a todos im- e direção, co-roteirista. cenógrafo, produtor, distribuidor e chegou à direção
perialistas liderados pelos críticos da Cinemateca do Museu de Arte Moderna, envolvido no banco de jovens cineastas neo-realistas liderados por Visconti,
a turma do Antonio Moniz Viana.. De Sica, Zavattini e Rossellini.
Um dia Carrilho me avisou que o Padre Arpa telefonara pedindo que o es- Fellini tinha tradição circense/teatral e se revelou excepcional cenógrafo,
perasse naquela tarde, dia de visita de Fellini. decorador, costureiro, maquilador, acrobata, bailarino, coreógrafo e diretor de
Canilho e o cineasta Gianni Amico, Secretário Cinematográfico do Padre atores.
Arpa, contavam que Fellini dependia do jesuíta para transações metafísicas e a Conquistador de prostitutas na mesma linha de De Sica, pois Rossellini
intimidade era tal que "naquela cena em que se vê uma Harpa em 8 V2 ... é me- dormia em camas finas, e Visconti era homossexual. Fellini. por seu paganis-
taforização do Padre Arpa ... o que toca a mágica música poética da criação eter- mo, nunca recusou a androginia.

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Visconti entrou no cinema através da Ópera Romanesca da História, De A origem, ainda não revelada, se explica nos olhos de longos cílios que
Sica através do Teatro Psicologista, Rossellini através do jornallsrno e Fellini disfarçam pupilas rubrazuis daqueles gatos que Cyrus criava em Pasárgada.
através da Magia, encarnação de Laia Montês, personagem fundamental do A cortina católica é muralha que sufoca Fellini.
cinema criado por Martine Cerol. dirigida por Max Ophüls. Do Circo ao Vaticano e daí ao Café Societv, Televisão, Cinema.
As origens do circo felliniano estão em LaIa Montes [1955] como as origens Fellini reconhece a Igreja e desconhece a Política, reconhece o capitalismo
do sonho de Orfeu, de Jean Cocteau, tendências modernas cozinhadas no que o financia com sucesso e desconhece o Estado italiano que investe em
grande caldeirão do Cinema Fascista da Cinecittà Itália que filmou a história sua nacionalidade publicitária.
segundo o projeto decadente de Mussolini. Fellini não responde a compromissos. sua independência é mantida pela
Gato das montanhas verdes da província, Fellini satiriza o inconsciente re- inflação do capital roliudiano na transação multi nacional cinematográfica, o que
primido da cultura pagã naufragada no nazismo. Visconti filma a representação facilita investimentos em Supercine Shows tipo seus filmes, sempre rentáveis
simbólica da tragédia. Rossellini documenta as ruínas. Documentarista do so- devido ao longo e permanente consumo da Obra em cinemas, televisões, uni-
nho, Fellini o recria magicamente através de cenografias e atores, o sonho é a versidades, livrarias etc ... discotecas ... etc ...
projeção de sua Câmera Olho. Fellini industrializou a loucura, é um artista rico.
Fellini filma seu interior refletido no espelho de sua encenação. Todo cineas- Esta condição dominante dos cineastas italianos assume em Fellini a par-
ta filma a si mesmo, neste processo de materialização, mas Fellini é o único ticularidade de Ser Ele, o Cineasta, a Vedete, Fellini vende e não Autores ou
que ultrapassa as "ruínas historicistas", projeta seu êxtase, é um cineasta sem Atores, não tem agentes, pega os telefones e fala para as multinacionais.
culpa de loucura e beleza, é mágico pagão, gênio capaz de fazer o público Ho un Nuovo Fellini da fare ..
conviver com o sonho, revelar através do cinema a maravilhosa cinestética do Anunciado o filme, começam as corridas dos distribuidores e produtores
Ser Fellini. internacionais em torno do "... novo sonho ... nuova fantazya ...",
Quando começou a filmar II Casanova di Federico Fellini [Casanova de Felli- Fellini encena a produção, excita as imaginações, consegue o máximo do di-
ni]. em 1975, Fellini declarou ao Corriere della Sera (Milão) que o filme seria nheiro, paga-se o maior salário do mundo e mobiliza o povo em filas intermináveis.
filtrado por um buraco do meu inconsciente, era mais um canal estourado pelo Sua glória econômica e social começou com La dolce vita, anos 50, no final
fluxo audiovisual, outra cratera que sairia para reconstruir Veneza nos estúdios, da Guerra Fria..
passarela de Casanova, o Gigol6 Frígido e Solitário ... Antes era o prestidigitador de Lo sceicco bianca, o cafajeste de /I bidone
Meta/psicanaliticamente, posso encurralar Fellini na beira de um abismo ou [A trapaça, 1955], o intelectual de classe média de I vitelloni [Os boas-vidas, 1953],
nas ruínas cinzas de igreja medieval italiana para vê-lo como Dionizyus, Deus o Zampanô de La strada (Na estrada da vida, 1954]. a prostituta de Le notti di
orgiástico dos espetáculos, liberado dos espíritos femininos. Cabiria lAs noites de Cabíria, 1957].
Depois de várias co-direções Fellini estréia como autor em Lo sceicco bisn- Nestes primeiros filmes as heuztóryas se passam em lugares pobres po-
co [Abismo de um sonho, 19521, protagonizado por Alberto Sordi, no papel do voados de semifamintos, loucos fellinianos vagam num horizonte de misérias,
cafajeste que se transforma em superestrela porque conseguiu enganar os mas desconhecem a realidade, são o sonho, a beleza que Felltni cria.
imbecis com mistificações. La strada, Cabiria são filmes interpretados por Giulietta Masina, sua esposa.
Alberto Sordi é o galã desajeitado, o feio de classe média prenhe de recal- O neo-reensmo lançou supermulheres como Silvana Mangano, Silvana
ques, picareta que despreza a sociedade e o próximo, que se compraz com Pampanini, Sophia Loren. Gina Lollobrigida, Claudia Cardinale, Monica Vitti e
a falsa glória conseguida mediante a trapaça, uma reflexão complacente da outras que fizeram da Itália o melhor mercado turístico.
pequeno-burguesia fascista não exterminada com a derrota na Guerra... Giulietta Masina não é bonita mas é grande atriz.
Fellini não pertence à sociedade italiana, Fellini é Gato da Pérsia. Gelsomina e Cabíria são personagens castos, seja a Santa Mambembe ou
Fellini é oriental. 8 Prostituta Cinematográfica.

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Fellini faz um curta-metragem com a mulher gigantesca, Anita Ekberg. e La
dolce vita com Marcello Mastroianni, o ator mais bonito da Itália, concorrente
de Alain Delon, que era amante de Visconti.
Torturado por Giulietta, culpabilizando-se porque sabe que ela é feia, gor-
ducha e pequena, e diz isto a ela. Fellini a substitui por uma mulher bonita.
magra, grande.
Marcello. o cronista social de La dolce vita. que sonha um dia escrever um
romance, vive brigando com a esposa e amantes do intersociety romano.
Atrizes. prostitutas. grã-finas. intelectuais passam pelos braços de Marcello
que não abandona a esposa e sempre se reconcilia socialmente para evitar o
suicídio, mas a substitui por amantes superficiais.
Seus vínculos são com a esposa, embora tenha péssimas relações sexuais
com ela.
É a dívida de Cristo à Virgem.
Giulietta A esposa de Marcello representa a Mãe Sacrificada. de quem o filho não
Masina em nasceu simbolicamente. Desta divisão entre Esposa e Amante, Marcello de-
Na estrada da
senvolve seu abismo perceptivo. Fellini/Marcello é intelectual de classe média
vida de Fellini
que descobre o mundo mas não pode tomar posse porque a Esposa o castra.
119541
No filme vemos o Pai mas não a mãe de Marcello. E o Pai está interessado nas
Marcado pela paixão, Fellini abandona o Eu cafajeste dos filmes anteriores mulheres como o filho é um homem castrado pela Esposa/Mãe.
e faz de Giulietta Masina centro de sua câmera. Monta uma troupe. Anthony A Mãe repressiva, a Mulher Inatingível. a Prostituta/Santa é Anita Ekberg
Ouinn, Richard Basehart, Giulietta. Representa um sonho dentro dum circo po- que penetra no Vaticano vestida de Cardeal e toma banho (poderia ser nua.
pular. Transforma o Circo e o Teatro em Cinema, abstraindo a cenografia e acen- mas Fellini não ousou tanto na época ...) na Fontana di Trevi, em seqüência que
tuando nos trajes e nas interpretações míticas a densidade histórica do drama. escandalizou a censura
A convivência com Giulietta Masina estimula o sonho, Fellini cresce no colo Alberto Moravia comparou La dolce vita a Satyricon, clássico latino, e as es-
da nova mãe, como a Loba que alimentou Rômulo e Remo. A esposa-mãe querdas cobraram de Fellini a exclusão da causalidade econômica na estética
Masina, na pele de Cabíria, é uma prostituta com alma de santa, modelo que descritiva do filme. paradoxo de fenômenos subjetivos.
Godard sofisticaria em Vivre sa vie {Viver a vida, 1962J, a Mãe/Esposa Fonte Mas La dolce vita rompeu as barreiras das censuras policiais e políticas,
interpretada por Giulietta Masina, independência de Fellini. que passa de ator conquistando o público mundial sedento de sublimações pornográficas na
(Alberto Sordil, cafajeste (Franco Interlenghil. prestidigitador (Anthony Quinn) a Roma dos Imperadores.
cineasta-espectador de Cabíria/Giulietta. La dolce vita foi o único filme depois da Segunda Guerra que provocou
O sucesso internacional promove Fellini a personagem disputado por ciné- uma revolução cultural no moralismo (sobretudo do público católico), abrindo
fi los, intelectuais e boêmios do fet set. caminhos eróticos.
O ciclo Giulietta/Santa/Prostituta se extingue. Fellini parte para fazer La aot- É a Queda do Império Romano.
ce vita em plena crise conjugal. Giulietta exige novos filmes, compromissos Fellini mostra a sociedade burguesa pós-fascista decomposta sob domina-
comerciais o levam a outros atores, sua imaginação cresce censurada por Giu- ção nortamericana.

lietta que o impede de possuir uma estrela como Ingrid Bergman.

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Lex Barker, o amante de Anita Ekberg, esmurra Marcello. Steiner. o capi-
talista social-democrata ex-fascista, se suicida. Os demais personagens se
drogam em bacanais e encontram apenas um monstro marítimo ... Marcello,
diante do horror, vê a imagem de uma Virgem, de uma Santa. O proletariado é
representado pelas prostitutas, pela esposa de Marcello, a burocracia pelo pai
de Marcello, a esquerda pelos intelectuais e jornalistas amigos de Marcello,
mas o Partido Comunista, tão presente na vida italiana, está ausente e nesta
abstração política revela-se o Egoísmo Pagão de Fellini.
O paganismo fertiliza as ditaduras pré-cristãs, onde o crime é festejado.
Roma, cristianizada, gozou o crime secreto (vide os alçapões dos Borgia ..)
e o puniu publicamente em função dos interesses cesarinos.
A parafernália do Direito Constitucional Romano (nosso direito é a Pornogra-
fia ... como Fettini mostra em Fellini-Satyricon [1969}/Dolce Vita. Roma de duas
cabeças, como Rômulo/Satyricon/Remo La dolce vita Filhos da Loba Fellini...)
- não foi substancialmente corrigida pelo Vaticano porque o Império Romano
apenas adotou Cristo no Estado Novo da Santa Sé, o Khatecyzmo passando a
funcionar Como poder metafísico sobre o temporal poder político.
Este Egoísmo Pagão, pseudo-Amoral é Hipocryzya de um neo-Kryztão finan-
ciado por Hol\ywood. Marcello, o colunista social é o eleitor secreto do Partido
Comunista Italiano, ele não se refere ao PCI, mas toda sua... angustiexistencial..
Anita Ekberg
é identificável pelos intelectuais do PCI que, por formação católica, são moralis-
emA doce
tas e não ... devassos como Mercelto, um campeão sexual da doce vida pagã ... vida (1960)
Cristãos, secretamente, mesmo na Blasfêmia!
Anita Ekberg vestida de cardeal subindinfinitamentescadas da Khatedral de Em La dolce vita Fellini filma o Secreto Social, o lado octuso do ser, a reali-
São Pedro é a materialização de um desejo Felliniano de ser Mulher Sensual e dade cerceada pelas metodologias historicistas.
Cardeal, a visão do Papa Matryarka, audácia que funda o Surrealismo Barroco, il Fellini vê e ouve mais fundo, além do neo-realismo, além do peso cultural
vero ... fusão do Paganismo (Anita) ao Cristianismo (a roupa de Cardeal e a Kha- da Itália e da cultura mundial, Fellini é um bárbaro, é o sucessor de Átila que
tedral) filmados em Movimentos internos/externos-Atores e Câmera em espiral entra em Roma com os elefantes da imaginação e conquista o mundo.
transcendência. O não identificado comunista viola, embora mascarado de cristão, a moral
Pagão mascarado em cristão ou fascista mascarado em capitalista como do Vaticano. Todo tipo de censura ataca Fellini e o filme, reprimido na Superes-
un capitalista uccide proletario fascista uccide capitalista comunista ... metatex- trutura, é desafogado pelo público. O sucesso é o plebiscito que liberta Fellini
to fundamental para que, se compreendendo La dolce vite, seja possível ver do Vaticano e do PCI. É um poder democrático, conferido pelo público, que
claro o movimento espiritual romano subjacente à representação sociológica permite a Fellini subverter a indústria.
da Hystórya. S Ih é o Grande OI é, o Cavaleiro de Capa e Espada domina o touro e se
Fellini, tocado também pelo surrealismo francês ... jorra consciência pura .. proclama Gênio!
artérias do inconsciente rompidas pelo Fluxo Nada que se materializa em cria- Eu sou Eu - o argumento de 8 1/2 : Marcello, o COlunista social decadente,
ções .. filme ... matéria do sonho .. le transforma em Guido, o cineasta de sucesso.

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o colunismo social romanesco deu certo, Fel1ini é referendado pelo povo, Estas tradições históricas alimentam minoritariamente a seiva fellínica que
discutido pelos intelectuais, investido pelos produtores, sexualizado pela bur- se autoproduz numa progressão superior ao celularismo cancerígeno.
guesia, contemporizado pela Igreja e PCI. A produção estética é a maior inimiga do câncer, daí ser válida a tese de
Blasfemo, não tinha origens aristocráticas (Visconti), políticas (Rossellini) Gozmaz (infra Nada dos Vate-Ads-7áys: Timothy Leary, o Filósofo LJzérgico, disse
ou culturais (De Sica) - nenhum pacto sangüíneo que o defendesse da Inqui- em 1971, na Sulçe, que Feltini era o único homem que ... Viajaalém de Deus)-
sição. o Gozmaz, aquele nada envolto pela Artéria Repressiva que. ao ser rompida (por
Mais ainda do que Marcello, Guido continua a festa sexual. Desta vez. com vários motivos ... que será? que será ...), objetiviza um Ser Vital. Filho ou Filme.
toga de Senador Romano e chapéu de Cowboy. chicoteia como Domador Sur- Há filmes com Alma e estes são imortais. A única Arte que é um Corpo
realista mulheres num Circo Sadysta. Vivo é o Cinema. O Cinema mexe e fala. Tem cor e cheiro. Tem alma. Cocteau:
Guido é o maior cineasta, vai fazer o maior filme do mundo, o mundo é "O Cinema filma a morte no seu trabalho, é a única arte que mostra a morte
um circo, Guido o domador, os produtores os donos do circo, os atores os comendo os atores, que imortais nos personagens é mais forte em nossa me-
animais, o público é o público e o nome do Show é Fetnni. mória que a lembrança dos vivos" .45
- Não tenho idéia, nem roteiro, nem elenco, nem título ... é o meu filme Qualquer grande artista é imortal, sobretudo no cinema: Kane é mais vital
oitavo e meio ... detesto os atores, os produtores e amo apenas os loucos.. que Welles. porque o personagem é a máxima potência do artista.
Steiner, o capitalista que se mata e aos filhos em La dolce vite, foi um pau O artista, mortal, imortaliza o personagem no Ator: quem fica imortal é o
de Fellini na literatura existencialista com tal violência que chocou Sartre e se- Ator, não o Diretor. e Fellini projeta sua imortalidade em Marcello Guido, espí-
guidores. ritos do Mago.
A riqueza, o luxo, a sofisticação, o nada, o crime, o suicídio, de uma classe Fellini é neo-realista, como Visconti, Antonioni ou Rossellini. mas seu neo-
sem futuro. realismo diverge das outras tendências dominantes.
Fellini proclama no fim de La dolce vite, a existência de um .. Paraíso na A contradição entre o Historicismo de Visconti e o Misticismo de Rossellini
Aurora ..., metáfora obrigatória no Realismo Socialista .. não exclui o naturalismo que abastece as variantes estilistices da mesma estória ...
La dolce vite influencia a vida do público, dos intelectuais, dos cineastas Fellini fura o bloqueio cultura lista.
e Fellini passa a ser tema dele e do mundo. 8 1/.7 é um filme de Um Homem e É um Mago, não é Político como Viscontl. nem Moralista como Rossellini.
Meio - pois é impossível ser de um Só. Visconti quer salvar pela Paixão, Rossellini pela Sabedoria. Fellini não se preo-
Fellini é grande, gordo, forte, um peso-pesado, parece gladiador romano. cupa com a salvação, ele quer viver o sonho bárbaro pagão, quer ser amado
Seu magnetismorótico converte frígidos a cem metros. Contam-se estórias pelo mundo, mas não confia na sexualidade e por isto se nega a interpretar o
de Fellini nos bordéis europeus que deixariam o Marquês de Sade ruborizado. papel de Guido.
É amante de sua Pytoniza, Madame D, a mulher que lhe mostra o próximo Fellini é um rejeitado, Eu Fellini não sou Anita Ekberg.
filme na Bola de Kryztal. Mas Fellini não é uma beleza simpática como Marcello Desta frustração nasce Guido, mais bonito que Anita Ekberg.
Mastroianni, por quem se apaixona. Fellini justifica Marcuse no caso de ser melhor artista porque é pulsionado
Guido Fellini, Marcello maquiado como se fosse Fellini, um jovem Fellini pelo sexo felino.
Fausto que seja a espiritualidade de Fellini-Mefistófeles ... Beatriz de Dante ou S Ih é a estória de um cineasta que faz um filme sem roteiro e sem título.
Margarida de Goethe no sorriso da virgem loura quando Finisce... La dolce vita..
a Ih é um Êxtase Narcisista. .. A fórmula de Jean Cocteau "o cinema filma a morte em trabalho" é célebre, citada com freqüência
Suas origens cinematográficas estão no surrealismo de Jean Coucteau, Sal- pela crítica francesa Não localizada a fonte citada por Glauber. Para os textos de Cocteau. ver Ou
vador Dalí e Luis Bufiuel. suas origens literárias em Sigmund Freud, Carl Jung cinématographe. coletânea organizada por A. Bernard e C. Gauter (Paris: Éditions Píerre Belfond,
e Jorge Luis Borges. 1973), [N.E.]

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Marcello
Mastroianni
emB'/2(1963)
Só existem dois personagens - o cineasta e o produtor. Giulietta Masina é uma espécie de Emília de Monteiro Lobato numa Tenda
Fellini enforca a crítica e liberta as Panteras que Guido chicoteia no Cama- Espírita Romana, é a Pitoniza de Londres, Esposa, Santa, Virgem Maria, a Mãe
rim, preparando a troupe para o Show no Circo Romano. do Zaratustra Fellini.
Fellini é a Loba, a Mãe, a Santa. Quando terminou a projeção, os padres cercaram Fellini que estava de cal-
Prostituta Romana: Roma é o tema de La dolce vite, a Espiritualidade Ro- ça marrom, blusa de lã azul-marinho, cachecol branco, e reparei que era mais
mana o tema de 8 Ih, Satyricon é o Underground Romano, Feltini Roma IRoma, magro que nas fotografias, nariz afiladíssimo, testa grande, esfregava as mãos:
19721 é o Telejornalismo. - Irmãos, vocês acreditam que o Papa, vendo este filme, acreditaria que
O primeiro Feltini é provinciano: o canastrão Sordi, o intelectuallnterlenghi, eu acredito em Deus? Gostaria que o Papa recomendasse o filme para evitar
o vigarista Crawford. problemas com a censura ..
O segundo é ele mesmo, o Louco, Zampanô. Mas Zampanô mata o louco O Padre Arpa respondeu que Fellini não era ateu, o filme demonstrava a
em La strada. existência de Deus mas o problema era que Fellini transformava seus Espíritos
Este louco é o Meio (1/2) que ressurge em Guido, como Calibán, o Duende em Santos e o Vaticano tinha os seus.
de Próspero in... A tempestade, última peça de Shakespeare. Fellini fugiu da noite clara no inverno e o Padre Arpa me criticou pelo fato
Fellini é Fellini, Mastroianni seu meio. O meio é o ator, o Duende enquanto de ter dormido na projeção:
Deus Fellini descansa no Paraíso. - Fellini é um gênio ... Você deveria prestar mais atenção.
O Eu Partido. Eu e Meio, Eu e uma metade, Esquizofrenya. Projeção do Eu - Olha aqui, Padre Arpa. o Fellini estava transando a bênção papal para o
Escondido, celebração orgiástica deste Amor à Euautocrítica, humor, excreção, filme, e sou protestante, considero um absurdo, isto é demonstração de que
ritual, prazer, gozo, sexo, arte, 8 Ih celebra não o Eu Fellini prisioneiro libertado, existe uma Censura Católica, então não admito que o Senhor, em nome da
Guido Fellini artístico, Eu sou o Meu Meio - o Meio é a mensagem ... a metade Igreja Católica, fale de democracia no Terceiro Mundo ..
realizada do ser em Estétyka - maravilhoso Equilíbrio Vital entre a Vida e a - Mas nós representamos a nova Igreja ... Somos os apóstolos de João
Arte, Eu Verdadeiro Sou o Meu Melhor Tema. XXIII..
8 1/ 2 revoluciona a psicanálise. Guido desperta numa clínica enquanto Fellini - Fellini é um neo-renascentista, um neocatólico, pagão mas cristão, me-
curte num carro dentro da garagem do capitalismo socialdemocrata da Itália tafísico. Eu sou materialista - respondi, e o Padre Arpa sorriu compreensivo.
recuperada da guerra. Hollywood, que ontem financiou mulheres, agora finan- No Festival de Veneza, 1967, Fellini apresentava Satyricon. Vi dez minutos e
cia os gênios do cinema. Fellini é dos maiores. Para Pasolini, é o maior. Em La saí do cinema esculhambando, vaiei Fellini na conferência de imprensa e falei
ricotta (Episódio de RoGoPaglRelaçôes Humanas, 1963), Pasolini mostra Orson pro pessoal do Cahiers du Cinéma que Fellini já era, não sabia usar a Zoam,
Welles interpretando Fellini: que só o Ruy Guerra sabia filmar com Zoam, que o Visconti também pensava
- Não direi nada sobre meu filme mas o crítico falará bem porque o pro- que filmar L'étranger [1942]. de Camus, com zumadas na cara de Anna Karina e
dutor é o dono do jornal .. Marcello Mastroianni no deserto era fazer cinema moderno ..
Dormi durante a projeção de Giulietta degli Spiriti. Projeção cinemascópica Na Festa Final fui ao Palazzo com Arnaldo Jabor e Danuza Leão e na entra-
longuíssima, cortes frouxos, som repetido, planos em preto e branco, eu não da, brigando com o porteiro porque queria entrar sem smoking, fui entrevisto
entendia bem o italiano, o Padre me cutucava, estava roncando entre Fellini e pelo Produtor do Telejornal da Televisão, Jairo Picone, que me socorreu ajuda-
os jesuítas. do por Fellini.
Lembro-me dos planos iniciais, a câmera penetrando numa casa ou de um Rodei a borboleta do Cassino e Picone gritou:
velho fugindo num avião... identificava o espírito de Leonardo influenciado por - Doutor Fellini este é o Rocha..
Dalí... e se muove ... a pintura imóvel, a plástica dinâmica à volta de Gelsomi- Eu, espantando Jabor e Danuza, berrei correndo:
na/Cabíria. - Não, não quero conhecer o Diabo ..

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Fellini. cabisbaixo, com terno cinza e gravata azul, derrotado pelo fracasso Fellini é infeliz, a beleza de seu cinema não cicatriza a ferida, o trauma pro-
crítico de Setvricon e pela incerteza da repercussão popular se dirigia pálido vocado por ter o Corpo da Mãe e o Sexo do Pai. de se descobrir Macho quando
para mim, olheiras roxas, fiquei com medo .. desejava ser Fêmea e de não ser Homossexual, de sublimar esteticamente a
Tentei rever Satyricon e nunca cheguei ao final mas tinha nojo, as imagens Lacuna Impreenchível de ser Fellini.
eram podres. tristes, fedorentas. a monumentalidade roxa do câncer, Face do É o Anômalo Criativo. o Meio Fellini Cinematográfico nasce desta Negação.
Câncer e depois da cruel operação Fellini parecia Frankenstein, daí o terror Frustrado Sexo, Arte Plena.
diante de sua imagem fatigada. Des/compensação. Freud escreveu sobre a frustração infantil de Leonardo
Fellim' Circo [I clowns. 19701 e Fellini Roma [Roma. 19721. filmados para a Da Vinci, o mesmo se passou com Eisenstein, mas em Fellini o malabarismo
Televisão, libertaram Fellini da crise provocada pelo fracasso de Giuliette, Sa- do desejo esclarece como a Arte é ainda uma manifestação da doença.
tyricon e do colapso que sofreu em Paris num quarto de hotel, ficando três dias Voltar à Infância, ao menino anterior a I vitottoni, é empreendimento que
desacordado. sem que ninguém o procurasse até que. recolhido numa clínica. leva Fellini à posição política, mostrando o Fascismo com tal violência crítica
se declarou ressuscitado. que desmitificou o moralismo da estética populista.
Fellini realizou um curta-metragem para um filme de terror (em episódios) e O menino cresce entre prostitutas gigantescas e fascistas criminosos.
°
Terence Stamp interpreta Diabo degolado numa oomdautomobilistica." Onde está a Itália católica neste mergulho na província? A tradição dionisíaca.
A Revolução Cultural de 68 questiona a Fantazya de Fellini: não reflete a oriental. supera as missas. Em Fetlini Roma há um desfile de modas católicas,
luta de classes, visão de mundo decadentista, seu tema não é a sociedade com estilos de batinas e missas. Fellini critica, demole, busca nas catacumbas
mas Ele. um Individuo que mobiliza capitais para "iludir" as massas com suas verdades vazias. furacão sem memória.
mágicas cinematográficas. E dos labirintos arqueológicos de Roma, Fellini chega à sua infância. sem
Acuado, Fellini responde às críticas. A juventude de 68 se dividiu entre encontrar Cristo ou Marx, perdido num mundo de violência, prostituição, cor-
guerrilheiros e hippies. Fellini foi reconhecido Guru por Timothy Leary porque rupção.
tivera experiências lisérgicas nos anos 50 e o compromisso histórico com os Recusando o real, Fellini cria o seu, o filma. o projeta, vive disto, dele, da
hippies é firmado em Fetlini Roma. sua luta contra o câncer, da pulsão vulcânica que o identifica ao Vesúvio Re-
No auge da doença, do mergulho no reino da Morte. Fellini começa secre- nascido.
tamente um filme que fale com seu colapso. Muitos artistas revisitam o passado "... a la recherche du temps perdu ..."
Retira-se para o Oriente, vive com hippies, recolhe-se em Mosteiros Bu- - o que é sempre uma operação salutar e a qualidade da memória é sua es-
distas, circula pela Europa, recusa as Américas e Áfryka, retoma a Roma para pecificidade.
filmar Amarcord, que é lançado na virada 1973-74. A censura moral do autor é o que mais o impede de admitir seu Eu, sobre-
Na estréia encontrei num Cinema da Via Veneta Bernardo Bertolucci e Clare tudo se manifesta esteticamente.
Peploe. Bernardo não gostou do filme, eu e Bulle Ogier gostamos, voltei para A infância de Fellini não é mais interessante que a de outra pessoa mas o
rever com minha filha Paloma. e gostei mais ainda, embora o considerasse um resultado da infância de Fellini no filme Amarcord afirma sua Infância capaz de
fracasso humano. Fellini é gênio. Seu mundo é triste. Subliminarmente poéti- reter e mais tarde criar.
co, Belo, sinto-é o Desejo de Fellini, sua arte, não sua vida. Fellini-Menino cria. E a cena fundamental é num armazém noturno, Pellirú-
Menino e a Prostituta Gigante. O Ela seqüestrado de Fellini. o vazio que ele
inutilmente preenche com filmes Fellini-Menino, Fellini-Velho, Fellini Casanova.
Guido e o circo feminino. Fellini e a grande Mulher, Casanova e grandes mulhe-
Glauber refere-se ao episódio Toby Dammit do filme Histoires extraordinaires [Trepassi nel delírio/
Histories extraordinárias, 1968]. entre outros, dois dirigidos por Louis Malle e Roger Vadim, respec-
res, o machismo em primeiro plano e o bordel multi nacional nos estúdios da
tivamente. [N.E.]
Cinecittà, palco de uma Veneza fantástica, onírica bacanal do fim do século..

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Em 1975 as ragaças da Piazza Navona estavam excitadas à espera de um Giovanni Bertolucci. primo de Bernardo, e produtor do último filme de Vis-
papel em II Casanova di Federico Fellini [Casanova de Fellini. 1976]. conti (Linnocentel, anunciava que era The Last Alm Adessa é tutto finito ... 501-
Encontrei Donald Sutherland num almoço em casa de Gillo Pontecorvo e o di, molto soldi... sesso ... politica violenza ... droga Casanova? Bah .. nessuno
escolhido Casanova demonstrava ignorância sobre o papel a ser interpretado vuole piu sapere cosa fa Fellini Soldi? Amarcord ha fatto molto ..
sob direção de Fellini. Fellini estourou as bilheterias com Amarcord e extravagantava em Casano-
Donald era considerado um dos atores mais bonitos da temporada. mas ve, oito milhões de dólares com escândalos no decorrer da filmagem e mon-
não tem nada de um ... sedutor... parece bonachão jogador de futebol aposen- tagem, tudo isso para o Funeral da Grande Prostituta. a Boneca. a Imagem
tado com esposa e filho. desolada do fracasso sexual na figura patética do mumificado Casanova.
E as mulheres selecionadas não revelavam novidade. A Vida é um Teatro, lo sono Casanova.
Na mesma época, Andy Warhol tinha varrido o underground romano em Casanova é um gigolô, viveu explorando atrizes e milionárias, seduzindo
seus dois filmes. Drakula [Blaad for Dracula, 1973] e Frankenstein [Flesh for mocinhas em busca do estrela to, potentado sexual como Fellini Sultão do Ci-
Frankenstein, 1973],47 de forma que Joe Dallessandro era trash em porno-wes- nema Pornô Histórico Italiano, como aquelas Superproduções Mussolinistas. a
tem e Helmut Berger era viscontiano .. História saindo pelos buracos do corpo.
Bertolucci usou Donald como Policial Fascista em Novecento [1900 de Ber- Fellini mumificou Donald. É magro o espírito do sedutor. Não é uma boneca
totucci, 1976}. explorando sua feiúra e sadismo latente, desde que Donald. como o lindo Marcello que estrelou La dolee vita e 8 Ih. É homem na primavera
possuído, é capaz de meter medo, mas nunca seduzir sexualmente... a frigidez da vida, desiludido sobre a possibilidade de comunicação total entre o homem
do ator impressionou Fellini. e a mulher.
Entre as starlets de Roma/Paris (as mais badaladas são Tina Aumont Bulle Ele atrai as mulheres: Fellini é famoso, rico, gênio mas não é bonito como
Ogier, Juliet Berto, Margareth Clementi, Havdêe Politoff, Rafaella Da Vinci. Mar- Donald. Fellini outra vez se esconde atrás de uma vitrine idealista, define sua
tine Zacher [ou Gisela Gettyj & Yuta Zacher, Milagres de las Mercedes." Bettina prática como dialética de prestidigitação, povoando a solidão com fantasmas
Best ...) foi escolhida Margareth Clementi, ex-mulher de Pierre Clementi. ator devassos mas estéreis.
expulso da Itália depois de cumprir pena por drogas. Fellini não assumiu a obscenidade cristalina de interpretar Casanova, mos-
Bettina Best. uma belga grande como a Loba, uma Anita Ekberg desbunda- trar seu corpo em atos sexuais como ele obriga sadicamente os atores. expor
da .. no final do sonho, anunciou que seria estrela de Fellini. suas atrações e negações ao promover a orgia com o público.
Eu a roubei para o meu filme Claro[1975J, que estava começando, e ela in- Casanova é filme asséptico, prega a moral de que quem muito come fica
terpretou a Loba, perdendo o papel em Casanova, que foi interrompido porque com o prato vazio ... ou ... uma coisa é sexo, outra o amor ou comeu tantas
a Máfia roubou negativos no Laboratório e exigia dinheiro dos produtores. e não encontrou nenhuma brilhante alma além das carnes ou ah se u'e mu-
Os profetas do pessimismo anunciavam em Roma de luto pela morte de lher maravilhosa, provavelmente grande como Anita, se apaixonasse por mim
Pasolini e com Visconti morrendo num lunghissimo infarto... que Casanova era depois de ver este tüme ..
um desastre, que Fellini estava doente, que os yankees recusaram a loucura. Casanova é sucesso moderado de Fellini, num mercado de Cinautores. do-
que Donald largou o filme, que Fellini expulsou Margareth porque ela não quis minado por Bergman, Antonioni. Buriuel, Resnais etc.. - sendo que Fellini é o
ser seviciada, que Fellini tinha expulso Ingmar Bergman que viera assistir às mais caro. o mais livre e o menos comprometido com as regras do jogo.
filmagens (Bergman como Bunuel considera Fellini the besti, que a cenografia Foi amicíssimo de Visconti nos últimos doze anos e nunca cortou seus vln-
tinha desabado no canal de um cinema decadente. culos com Rossellini, embora este não o reverenciasse como aquele.
Não é militante cinematográfico nem manifestante político, é Artista e seu
47 Filmes dirigidos por Paul Morrissey. IN.E] meio é a mensagem cinematográfica.
43 Não localizadas as atrizes: vota Zacher e Milagres de las Mercedes. IN,E.]

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Fantazyas à parte, Fellini é um grande criador de filmes, dotado de com- [11 Messaggero] "É necessária a volta", me diz Glauber Rocha - acaba de
plexo conhecimento da tecnoloqia da Imagem e Som, cenógrafo e costureiro chegar do Canga aonde rodou O leão de sete cabeças, com a barba densa e
original e pertecclcnista. maquilado r expressivo, iluminador que pinta com os negra, e cabelos ainda mais densos e negros, que tomam um aspecto mesmo
refletores, músico sensível e poético, montador dialético e formalista. de leão à Eisenstein.
Do ponto de vista fílmico integra a fantazya individual às finalidades estéti- A origem da arte moderna está na Rússia: Eisenstein, Meyerhold. Depois
cas do cinema de Griffith, Eisenstein, John Ford. Visconti, Rossellini. não se fez nada de interessante no cinema. Sim, talvez filmes belos, mas nada
Fellini não inventou em termos de enquadramento e montagem mas revo- de novo, nada que tenha significado. É necessário recomeçar desde Eisens-
lucionou a estrutura psicologista dos roteiros e a Cenografia, onde se revela o ter-i: do Eisenstein não somente o diretor, mas também do Eisenstein teórico
maior Pintor Móvel do Século, um dos maiores da história da humanidade. do cinema.
A signologia felliniana é fértil campo às especulações e reações, da repulsa
ao gozo, estimulante que não será superado pela revolução audiovisual do fim o jovem diretor brasileiro - O leão de sete cabeças é o seu quinto longa-
do século porque documento de uma época, como Kafka... metragem, depois de Barravento, Deus e o diabo, Terra em transe e Antônio
A obra de Fellini é fenomenologia da decadência e dialeticamente produz das Mortes - é sempre polêmico, claro e peremptório: ele atribui a 8azin e a
jóias ao lado de fezes .. Lukács, enquanto representantes de dois tipos de crítica, os desastres que se
Nenhum cineasta foi tão radical na expulsão do seu Inferno, Purgatório e abateram sobre o cinema ocidental.
Parayzo, Fellini (o fato de ser Federico como Garcia Lorca sempre me fustigou) O cinema sofreu dois desastres: a crítica fenomenológica francesa (Bazin), e
é o único capaz de filmar A Divina Comédia, Carro-Chefe da Metáfora Italiana a crítica marxista inspirada em Lukács. Dois desastres: o primeiro idealista. o
e Européia. segundo conteudista. Lukács exerceu sobre o cinema uma influência catastró-
O maior produtor de filmes de terror do mundo, Roger Corrnan. anunciou fica, que se prolongou por duas décadas. l.ukács não entende nada de cinema.
que contrataria Fellini para filmar o bombardeio atômyko de Hiroshima ao que Também o neo-realismo italiano e a nouvelle vague francesa se tornaram víti-
Fellini exigiu uma aeresquadra do Pentágono, um pedaço do Japão, duas bom- mas destes dois desastres: e mesmo o teatro sofreu essa influência destrutiva.
bas atômykas e um milhão de vídeos instalados nOS extras, prisioneiros do
Vietnã e famintos das regiões. Por ter partido de um cinema épico-didático, estreitamente ligado à realidade
Fellini é ainda jovem e pode nos mostrar Deus. social brasileira, Glauber Rocha confessa, particularmente enquanto se volta a
Nenhum outro Cineasta (e o Cinema é a maior de todas as Artes, Lênin) Eisenstein, uma concepção do cinema que poderia ser definido estruturalista:
viajou tão longe, explorador do inconsciente, seus filmes são naves de grande um cinema como obra integral, como construção na qual entram música, te-
curso e profundaltitude, provavelmente Homem de outro Planeta, Fellini é o atro, literatura, matemática, arquitetura etc.; mas que tenha estrutura poética
maior fenômeno da Imaginação Viva. própria. Num cinema tal montagem adquire importância fundamental.
Montagem significa, como foi escrito por Eisenstein, a ligação de todas as es-
truturas da realidade. Montagem significa uma relação dialética entre os vários
É PRECISO VOLTAR A EISENSTEIN elementos que constituem o filme.

/I Messaggero, fevereiro 1969. O leão de sete cabeças é um titme épico sobre o terceiro-mundo afro-latino e
não árabe-asiático, este último longe dos interesses do diretor; uma epopéia
[Glauber Rocha] No começo era Lumiére. Agora é Godard. E Godard volta a sobre a relação entre colonizadores e colonizados e sobre a ruptura de tais re-
Lumiére. Parafraseando o dito, poderia ser escrito: "No princípio era Eisens- lações; e ao mesmo tempo uma obra musical. Foi rodado no Canga sobretudo
tein. Agora é Rocha. E Rocha volta a Eisenstein". por razões de produção.

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É muito diferente dos meus outros filmes: é mais claro, mais puro, mais vio- cia começa por volta de 1955, dez anos depois da guerra. Amigo de Alberto
lento; as imagens são brutais. No plano formal é a negação da recitação tradi- Moravia, grande incentivador de novos valores literários, Pasolini é consagrado
cional; a figuração é próxima do teatro primitivo africano, do teatro bárbaro e como inovador da língua italiana no romance e, politicamente, é ligado ao Par-
ritualístico; é uma epopéia no sentido homérico, não brechtiniano. É um filme tido Comunista, que faz publicidade do jovem rebelde.
que pode ser entendido até mesmo por uma criança, de uma clareza exemplar, Poemas e contos, artigos de página inteira são publicados nos jornais. Pa-
mas ao mesmo tempo me é difícil explicá-lo. Mesmo os filmes de Eisenstein solini faz amizade com o cineasta Mauro Bolognini e escreve roteiros para ele,
são claros, claríssimos - , declarou Rocha. um dos quais faz furor: La notte brava lA longa noite de loucuras, 1959]. Outro
sucesso, La giornata balorda [Um dia de enlouquecer, 1960], baseado num
Com exceção de Eisenstein, Glauber Rocha - este batalhador representante conto de Moravia." escrito também para Bolognini dirigir.
do cinema novo brasileiro não se parece com nenhum outro diretor. Os fascistas atacam o jovem comunista pervertido. Suas aventuras senti-
Os diretores que eu mais gosto são aqueles que não me influenciaram, são mentais escandalizam a província. Pasolini enfrenta os inimigos, briga a socos,
os que fazem o contrário do cinema que eu faço. Eu admiro todos diretores vai preso, é solto, assalta uma bomba de gasolina, é processado, faz declara-
que deram contribuição à evolução do cinema. Mas infelizmente são poucos. ções chocantes, corre o rumor que entrara em atrito com o Partido.
O gênero que eu mais gosto é o western, pois mesmo que não chegue a ser A Europa comenta o furor do romano. Em 1962 um filme, Accattone [Oe-
uma epopéia, é o que está mais próximo dela. Existem elementos de westerns sajuste social. 1961]. lança Pasolini diretor e vence o Festival de Karlov Vary.
em todos os meus filmes, e também no Leão de sete cabeças - , disse Rocha. O ator é um jovem ragazzo di vito, Franco Citti. Accattone é a história brutal dos
marginais, de seus conflitos sociais, psicológicos e sexuais. E - escândalo
para as hostes ortodoxas do realismo socialista - a ideologia não resolve to-
PASOLlNI dos os problemas humanos: o herói é um atormentado como o próprio autor.
O filme não faz sucesso mas compensa a crítica italiana que buscava novi-
ROMA 1965: os jovens cineastas italianos Gianni Amico e Bernardo Bertoluc- dades para enfrentar Fellini e Visconti.
ci levaram Pier Paolo Pasolini. romancista, filólogo, poeta, cientista e cineasta O segundo filme é preparado com publicidade: Mamma Roma [1962]. onde
para uma sessão privada de Deus e o diabo na terra do sol. Esperei do lado de Anna Magnani é a atriz principal. Fracasso. O terceiro filme tarda. Poucos acre-
fora com meu amigo Arnaldo Carrillo. Quando terminou a projeção não pude ditam em Pler Paolo. Com uma chance concedida pelo produtor Alfredo Blnl.
falar muito tempo com Pasolini porque ele estava gripado. E o encontro espe- lançado num meio ostracismo, escarnecido pela direita e pela esquerda, Pier
rado não veio porque ele partia no dia seguinte para o Marrocos, onde filmaria Paolo filma 1I Vangelo secando Matteo.
Édipo Rei [Edipo re. 1967]. Ia tratar do lançamento de 11 Vangelo secando Mat- O filme vai a Veneza em 64: os fascistas atiram ovos na cara do cineasta
teo [O Evangelho segundo São Mateus, 1964]. a vida de Cristo modernizada quando ele entrava no palácio do Festival. O júri dá um prêmio especial. Lança-
segundo preceitos do papa João XXIII a quem o filme é dedicado. do ao público, a vida de Cristo segundo Pasolini vira sucesso de bilheteria, e,
O reencontro se deu em Veneza, 1967, onde Pasolini apresentava sua ver-
são de Édipo Rei.
Pier Paolo, como os amigos o chamam na intimidade, tem por volta de
• o roteiro foi elaborado por Pasolini. Marco Visconti e Alberto Moravia. baseado em alguns elementos
dos contos" romani" desse último: "11 neso" (Racconti romeni. 1954) e "Addio alia borqata". "Lo scim-
44 anos, é baixo, magro, usa óculos, cabelos pretos: é violento, tímido e irô- penzé" e "La raccornendazione" Wuovi racconti romsni. 1959), Ver Pasolini, Per if cinema, v. 11 (Turim:
nico ao mesmo tempo. É personagem lendário na Itália. Começou sua vida Mondadori !19401. 2001 I. p 3200. Ver também A Moravia. em S Casini (orp} Opere. Romanzi e rac-
intelectual como professor de línguas romanas numa escola de província. Foi conti 7950-1959 (Milão: Bompisni. 2004). No Brasil. Contos romanos. trad. de Homero F de Andrade
envolvido num escândalo de corrupção sexual de menores. Expulso da escola e Aurora Bemardmi (São Paulo Difusão Européia do Livro, 1985), Novos contos romanos. trao. de

e processado, Pasolini iniciou a vida de poeta e romancista, mas sua evidên- Homero F. Andrade e Aurora Bernardini (São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1987). [N.E,]

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Ucce//acci e uccellini [Gaviões e passarinhos, 1966] é toque polêmico mais
agudo. Filme revolucionário como expressão cinematográfica e filosófica: levanta
a bandeira da crise ideológica. É o fim das ideologias (um dos peregrinos, Totó.
dialoga com um corvo que destila frases e conceitos e termina por devorá-lo).
Paulo VI e Karl Marx fazem um encontro no fim da rota e Pasolini desconfia
que o homem é um animal incorrigível.
A bomba estourou em Cannes 1966. Gaviões e passarinhos foi mal recebi-
do pela maior parte da crítica e do público. Afinal, proclamar uma crise ideoló-
gica num momento em que todos precisam de uma religião para manter a boa
consciência era "um ato de provocação e de reacionarismo". E, além do mais,
Pasolini já escandalizara meio mundo apresentando o ator Ninetto Davoli, com-
parsa de Totó, como sua "fidanzata" ao porteiro do hotel.
Veneza, 1967, todos esperavam a visão pasoliniana de Édipo Rei. Antes,
participando de um filme de episódios ao lado de Rossellini, Godard e outros
[RoGoPag, Relações Humanas, 1963], Pasolini fora condenado a seis meses de
Franco Citti
cadeia pela justiça italiana por ter blasfemado contra a Igreja em La ticotte: um
em Desajuste
social (1961) ator miserável que faz o papel do bom ladrão na cena de um filme sobre a cru-
cificação, come demais nos intervalos e morre de indigestão na cruz. Quando
sem quebrar recordes, rende o suficiente para dar lucros a Bini. É vendido para o diretor, interpretado pelo gordo Orson Welles pede azíone, todos se movem
o estrangeiro, a crítica francesa se divide, o Time diz que o drama se asseme- menos o faminto, morto na cruz.
lha a um álbum de arte antigo. Welles faz uma sátira a Fellini em Oito e meio e fala com voz fina e pre-
Gênio ou mistificador, em que consistia o escândalo Pasolini? sunçosa:
A primeira novidade desta vida de Cristo era o contexto: a Judéia era um - A crítica sobre meu filme não tem importância. O produtor de meu filme
país miserável, colônia romana. Nada do luxo visto nos filmes de Cecil B. De é o dono de seu jornal. .. Eu sou uma força do passado... A Itália é o país mais
Mille. Cristo era homem do povo, vestido pobremente. Os governantes he- subdesenvolvido da Europa e tem a burguesia mais hipócrita e ignorante do
breus a serviço do imperialismo romano. Cristo surgia subversivo, capaz de mundo.
atirar o povo contra os vendilhões da pátria. Blasfêmia religiosa com agressão à burguesia resultaram em seis meses de
Há uma trama que mistura moralismo com medo político - Cristo é traído cadeia com sursís, o impedimento de filmar 11 padre selvaggio, história africana
por um dos seus, crucificado e na hora da morte grita desesperado: onde um negro termina comendo a carne do amigo branco e virava poeta.
- Pai, por que me desamparastes? Diante de Édipo Rei Pasolini fala sem complexos:
O Cristo de Pasolini é forte, viril, sem complacência para com opressores - Com este filme resolvo meu problema de complexo de Édipo. Liberto-
e canalhas. Cristo é violentíssimo. Na pregação usa tom incisivo de agitador me de minha mãe. O meu estilo é bárbaro e arbitrário. A tragédia de Édipo é
social. O texto de São Mateus, usado na íntegra, ganha nova dimensão: este uma tragédia porque o povo não a conhece. Desde que o povo a conheça dei-
Cristo desmistificado e revolucionário parece ter saído das encíclicas de João xa de ser uma tragédia. O meu personagem não é um intelectual em luta com
XXIII. A nova Igreja o premia. A esquerda ortodoxa acusa Pasolini de fazer o destino. É um jovem quase primitivo, que se vê lançado numa aventura e,
aliança socialista-cristã. Pasolini não reza pela cartilha do Kremlin, embora se durante esta aventura, descobre que foi amante da própria mãe e assassino do
professe marxista convicto e intransigente. próprio pai. No final, depois que a mãe tomada de remorso se suicida, Édipo

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fura os olhos mas não foge do mundo. Vira um poeta. Sai com seu guia pelo - O cinema italiano - prossegue Pasolini ~ foi destruído pelos distribui-
mundo: às vezes um poeta decadente, às vezes um poeta político, às vezes dores que se associaram aos americanos. Hoje tudo pertence aos americanos.
um poeta metafísico. E como poeta metafísico, apenas uma obsessão: o cam- Carla Ponti e Dino de Laurentis são apenas testas-de-ferro dos americanos. Por
po verde onde brincava na infância e a imagem do seio materno. isto é que a Itália só produz westerns falados em italiano e comédias pornográfi-
O filme, em cores, é situado na pré-história. O país não é determinado. Os cas ou filmes históricos. Os jovens diretores de talento não têm chance. Um gê-
trajes refletem a mistura deliberada de antigas civilizações. Gritado, sangrento. nio, como Rossellini, é obrigado a arranjar emprego na TV francesa para sobrevi-
anárquico, antigrego, o filme de Pasolini choca os espíritos bem-intenciona- ver. A mediocridade e a boçalidade dominam o cinema italiano de hoje. Visconti,
dos e desprevenidos. É uma tragédia aberta que se desenrola, obrigando o por exemplo, é um grande senhor, se julga um gênio e acaba de declarar numa
espectador a se interrogar sobre a condição humana. No final, o público não revista que não reconhece jovens diretores como Bertolucci ou Bellocchio.
abandona o pesadelo. Anticinema ~ gritam alguns críticos furiosos diante do Pasolini é amigo de Jean-Luc Godard. Mas isto não impede que briguem.
desrespeito de Pasolini pela técnica tradicional, a gramática dos espetáculos Pasolini escreveu teses sobre a existência de um cinema de prosa - equiva-
antigos do cinema americano, lente ao romance - e um cinema de poesia - equivalente ao poema. Godard
Pasolini não se interessa pela continuidade, por técnicas de interpretação, discordou dizendo que não se pode aplicar métodos literários para a crítica de
realismo de cenários etc. cinema, que o cinema é uma arte nova que não tem nada a ver com a literatura.
Seu interesse é a reflexão do homem diante do dilema incestuoso. E so- Pasolini tem suas idéias, acha que Godard fala, pensa e filma ao mesmo
mente uma sublimação pela violência ou poesia liberta o homem da mãe. tempo, daí sendo justificáveis algumas tolices.
A tese é indiscutível. Mas Pasolini considera Godard e Bertolucci os maiores cineastas do mundo.
Na exibição o filme bate recordes de bilheteria. Mas Veneza não o premia. Ele porém, sem querer dizê-lo, forma com o franco-alemão Jean-Marie Straub,
Vou almoçar com Pier Pacto em Roma, num restaurante perto do matadouro. autor do filme Nicht Vers6hnt oder Es hilft nur Gewalt herrscht [Os não-recon-
Walter Achugar, produtor uruguaio, é seu amigo e foi quem me arranjou o ciliados ou Só a violência ajuda onde a violência reina, 1965]. comercialmente
encontro, uma vez que em Veneza fora difícil abordá-lo. inédito no Brasil, outra dupla que completa o quarteto dos grandes de hoje.
Na intimidade, Pasolini é simples e tímido. Como intelectual Pasolini não tem reverência pela Itália:
Desfaz a lenda de que só fala com mulher usando óculos escuros: trata - Nossa língua vive na mais completa desordem, não se pode por isto
bem Rosa Maria e fala baixo no seu italiano rápido. falar em literatura italiana. Para filmar Édipo resolvi adotar um dialeto siciliano
- Amanhã vou filmar meu episódio de /I Vangelo 70. É apenas uma cena. Um e o resultado é que a maioria dos italianos não entende. Somos escravos de
único movimento de câmera. Numa estrada vemos Ninetto falando às pessoas que uma velha cultura, o mito da Renascença nos oprime. A Itália por isto não é um
passam. (Dois dias mais tarde fico sabendo que durante a filmagem a câmera de país moderno. Toda nossa política se faz entre quatro paredes, num jogo de
Pasolini surpreendera Sartre e Simone de Beauvoir que filosofavam na estrada.) influências de parentesco e sexo. Os únicos seres autênticos da Itália são as
Quando Pasolini fala, sentimos que tem amor predileto por Gaviões e passa- prostitutas.
rinhos, e detesta ser ligado ao sucesso de O Evangelho segundo São Mateus. Para Pier Paolo, Visconti representa muito bem este espírito que adquire
Pergunto-lhe se ganha dinheiro com Édipo Rei: boa consciência através de uma acadêmica concepção marxista. Para ele, tam-
~ Nem uma lira. O filme foi feito no Marrocos, em péssimas condições. bém a maioria da crítica italiana é insensível. só elogia obras de arte tradicio-
O dinheiro do produtor acabou no meio, terminamos o trabalho debaixo de nais e não tem abertura para invenções estéticas.
grande tensão. O produtor, para podermos chegar ao fim, vendeu o filme para - E é corrupta!
outros distribuidores... Assim não ganho nada. Pier Paolo faz questão de pagar a conta.
A revelação de Pasolini serve para consolidar minha tese de que os autores Walter Achugar pergunta-lhe sobre Mamma Roma e pela primeira vez
de cinema lutam com as mesmas dificuldades, no Brasil ou na Europa. Pasolini levanta a voz:

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- o filme é um fracasso, graças a Anna Magnani. É tempera mental, uma o CRISTO.ÉDIPO
matrona vulgar. Não cria nada. apenas repete o que é na vida. Evidentemente,
não nos demos bem. A Itália é um país que costuma transformar canastrões Pasolini foi aquilo a que chamo o produto do milagre do Plano Marshall em
em vedetes sem escrúpulos. Itália. Após a geração da fome - os neo-realistas: Rossellini, De Sica, Visconti,
Saímos do restaurante. Pasolini entra no seu Jaguar vermelho e dispara. Antonioni, FeJlini - o cinema italiano tornou-se uma indústria, o neo-realismo
perdeu completamente o sentido revolucionário e criador de novas formas.
O momento de Pasolini representa a passagem da fome à gulodice e penso
UM INTELECTUAL EUROPEU que o escândalo Pasolini era uma "mais-valia", um luxo para essa Itália que
queria ser desenvolvida do ponto de vista industrial e moderno, do ponto de
Aeeattone é o último grito do neo-realísmo. vista ideológico, mas que era na realidade uma Itália desagregada, arcaica,
Mamma Roma é uma ópera psicolingüística. selvagem, bárbara, anárquica. Contudo, a selvageria, a barbárie. a anarquia pa-
II Vangelo é integração do artista ao Vaticano Comunista. soliniana eram dominadas pela disciplina marxista, pelo misticismo católico.
Ueeellaecí e ueeellíní é a primeira blasfêmia. tornando-se então uma barbárie maquilada. O que me choca no seu cinema é
Édipo Reí é o primeiro pecado capital. a ausência de poder, nunca é convincente, os seus personagens são fracos. e
Teorema é o primeiro escândalo. penso ser por isso que ele não sincroniza os diálogos. Notei que na dublagem
Porcile é a primeira comunhão. dos filmes de Pasolini existia sempre um ligeiro defasamento entre os movi-
Medea é a primeira missa. mentos dos lábios dos atores e as palavras. Uma vez, num restaurante em
11 Deeameràn é a capela Sixtina. Roma. ele disse-me que a língua italiana não existia, e por isso o teatro não exis-
I raeeontí dí Canterbury, o dilúvio. tia na literatura italiana. o que o levou a realizar Édipo Rei em dialeto siciliano.
/I fiare delle mitte e una notte é ritual estetificado pela frustração sexual. Penso que em Aeeattone, existe uma certa sensualidade no personagem
Neste filme, o Pasolini revolucionário do cinema vira costureiro da monta- desempenhado por Franco Citti. mas depois, no seu cinema, tudo é muito frio:
gem, maquilador de heróis decadentes, fotógrafo de turismo, um sonoplasta são adjetivos que tentam valorizar substantivos estéreis. Pasolini tinha a razão,
oco e poeta católico de tendência espanholizante. a inteligência, a cultura que são a conquista de um intelectual civilizado, mas
Pasolini não se liberta da frustração de virilidade perdida, a beleza não o ele dizia: "Sou um civilizado apanhado pela barbárie". Ele rejeitava a socieda-
erotiza, a violência é um maneirismo, universo escuro de idealista onipotente. de capitalista, mas aceitava-a no sentido em que se tornou um profissional
11 fiore é exposição audiovisual de fantasmas cristãos que desfilam no Ter- da indústria editorial e cinematográfica. Ele passou do "estatuto" de cineas-
ceiro Mundo encantados com a flexibilidade sexual dos primitivos. ta marginal (realizando filmes que não davam dinheiro) a cineasta que fazia
Pasolini coloniza o sexo do pobre, o sub proletariado é máquina indefesa filmes abertamente comerciais como a Trilogía.50 Assim, penso que, salvo o
diante da sua morbidez. filme inicial. Aeeattone, e o último, Salà o le 720 giornate dí Sodoma [Salà, os
A literatura árabe nasce do povo e estruturou uma sociedade capaz de re- 720 dias de Sodome, 1975], todos os outros filmes de Pasolini demonstram
sistir ao cristianismo imperialista. toda essa ambigüidade, que é o seu melhor. Ele estava comprometido com a
A mágica nasce da fome mas Pasolini se diverte com peripécias sádicas e ambigüidade. Porque na verdade. para ele. a homossexualidade não era uma
monta um álbum mondo cane com os chamados da terra. prática sexual normal, mas uma religião, uma ideologia, um mecanismo de
Pier Paolo vende poesia erótica popular. fetiche, um misticismo. É o que se vê nos seus filmes. essa dialética entre o
Pasolini anuncia San Paolo.
De poeta da velha ordem que passa a profeta da revolução. 10 11 Decameràn iõecemeron. 1971]. f racconti di Canterbury [Os contos de Canterbury, 19721 e fi
fiare delle mille e una notte IAs mil e uma noites de Pasolini, 1974] [N.El

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Cristo e o Édipo, o Cristo-Édipo, quer dizer os problemas do pai assassinado,
assassinado porque traiu como Deus traiu Cristo, o que podemos ver bem
em O Evangelho segundo São Mateus quando, no momento da morte, Cristo
diz: "Pai, por que me abandonaste?", Q que é o momento mais forte do filme.
ele é crucificado no falo do pai (inexistente) e a mãe que esconde sempre a
condição de mulher (as mulheres estéreis e histéricas, ou as mães possessivas
que não cedem o lugar à mulher). Esta fusão Cristo-Édipo leva-o ao desespero,
à irrisão, à infelicidade permanente. Então, ele fala sempre de sexo, mas não
nos excitamos diante de seus filmes. Os personagens são frios, teóricos, a
violência é programada, o sexo é sempre "dublado" pelo cérebro (é por isso
que os seus filmes são sempre dublados), e ele vai em direção à tragédia, ao
sacrifício, à autopunição edipiana e cristã.
Há uma coisa interessante no cinema de Pasolini: o orientalismo. A Itália é um
país de influência árabe e essa impossibilidade de Pasolini ser moderno é com-
pensada, sublimada pela naturalidade dessa oriental idade. É por isso que ele Otello Sestili
e Enrique
se quer "povo", mas é somente um desejo, porque quando realiza, ele torna-se
Irazoqui em
católico. Por exemplo, em As mil e uma noites, Ninetto é como São Francisco O Evangelho
de Assis com os Árabes, tornando-se então um filme jesuíta catequista. segundo Sso
Pasolini não está interessado nem pela cultura árabe nem pela sua política, ele Mateus (1964
interessa-se pela sexualidade árabe, mas dum ponto de vista de colonizador.
Pasolini não gostava verdadeiramente das mulheres. Godard gosta das mu- os ignorantes, os analfabetos. e tentava seduzi-los como se a perversão fosse
lheres mas pensa que elas são sempre putas ou musas românticas. Em Go- uma virtude.
dard há o amor, a paixão. não o sexo; em Pasolini há o contato sexual mas não Penso que o sadismo, que se tornou um mito da cultura contemporânea,
o amor, não a paixão. Há somente a paixão teórica, o que interessa a Pasolini é sobretudo para a geração de Pasolini. é o renascimento do espírito fascista
o irrisório, é a perversão. nessa geração e é também uma mais-valia sofisticada das sociedades que não
Saio é o filme de Pasolini que prefiro, porque penso ser o melhor filme do têm verdadeiramente problemas de sofrimento. Sade na sua época, Sade na
ponto de vista da forma: está bem enquadrado, bem montado, bem represen- Bastilha, é uma coisa, mas o neo-sadisrno como fetiche, como mito é o delírio
tado, o filme torna-se um corpo convincente, com uma violência existencial, e da fascinação fascistizante.
não com a violência teórica dos outros filmes. Porque em Saio ele diz a verdade Pasolini. em Saio, aceita a sua verdadeira personalidade. Mesmo se a morte
ao afirmar: "aqui está. sou pervertido, a perversão é o meu personagem, o meu de Pasolini é um atentado fascista, eles aproveitaram a encenação pasoliniana
herói ama os torcionários" como eu amo o meu assassino", e após o filme ele para o matarem segundo os seus próprios ritos.
morreu numa aventura de exploração do sexo proletário. Pasolini intelectual No meu último filme. A idade da Terra (1978-80), falo de Pasolini, digo que
comunista, revolucionário, moralista, era agente da prostituição, quer dizer que desejava fazer um filme sobre o Cristo do Terceiro Mundo no momento da
ele pagava aos rapazes, os "ragazzi di vita". pelo sexo. Ele procurava os pobres, morte de Pasolini. Pensei nisso porque queria fazer a verdadeira versão dum
Cristo Terceiro-Mundista que não teria nada a ver com o Cristo pasoliniano.
Pasolini procurava no Terceiro Mundo um álibi para a sua perversão. Para mim,
51 Glauber quer dizer carrascos. que em francês é tortionnaires. IN.E.] o conceito de subversão é muito diferente do conceito de perversão, porque a

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perversão culturalmente constituída pelos intelectuais sadia nos não é a minha. Em Persona [Quando duas mulheres pecam, 1966], e En Passion [A paixão
Para mim a subversão é inverter verdadeiramente essa perversão por um fluxo de Ana, 1969], Bergman refez com habilidade de arabesqueiro gótico as tran-
amoroso que não exclui a homossexualidade. sas da mesma e que consiste em cortar a comunicação física para desenca-
O problema não é homossexualidade ou heterossexualidade, é o problema dear fluxos inconscientes de burgueses personagens alienados tanto quanto o
da fascinação pela herança fascista, os grandes ballets contorcionistas de um autor que os rodeia inquieto de perto e de longe sem conseguir desmobilizar o
homem vindo do campo, de uma Civilização arcaica, e que utiliza várias lingua- patético estetismo pela revelação das causas produtoras do fetiche.
gens (a literatura. o cinema) para sublimar, disfarçar e enfim, com Selõ, atingir a O domínio da técnica cinematográfica permitiu a Bergman distribuir seus
sua verdadeira personalidade que não era nem Cristo nem Édipo. mas que era planos, sobretudo os primeiríssimos, numa ordem pseudo-dialética porque
algo de muito misterioso, o prazer fascista. a cada tensão arbitrária de um plano fixo corresponde uma descarga de pa-
Ele assume a tragédia, punido pelas falsas máscaras de Édipo e de Cristo. norâmicas narrativas que burlam o significado por uma pertinente metáfora
Os prazeres fascistas conduzem à tragédia porque a punição é o mito do Édipo idealista.
Cristão. Nisso está o fulcro do mistério, não só de Pasolini mas também do Pa- Ou Bergman acredita em seus personagens - e não há possibilidade de
solini que se tornou, por causa disso, um mito contemporâneo. [Declarações equívoco quando o trabalho é empregado em função da idéia que o move.
improvisadas em francês para o gravador e retranscritas por Alain Bergala, em O cinema continua infectado de teatro idealista e seu produto mais nefasto
"Pasolini cinéaste". Cahiers du Cinéma (hors série), 1981, trad. de Luís Moreira]. é Gritos e sussurros, estética que não resiste a um olhar sobre o mundo onde
as máscaras caem e mostram que Machado de Assis nunca teve crase.

GRITOS E SUSSURROS
BELLOCCHIO E A RECONCILIAÇÃO DOS CASAIS PSICANALlZADOS
Bernardo Bertolucci gosta do filme de Ingmar Bergman mas respondi pra ele
enquanto Gianni Amico videoteipava: Em Roma, 1974, quando saí do Cinema Corao depois de ver Scener ur ett
- Maridos indiferentes e mulheres neuróticas, o monótono teatro existen- ãktenskap (Cenas de um casamento, 1973] dublado no estilo melodrama do
cialista de Ingmar Bergman infesta as telas de fantasmas burgueses extraídos teatro Giorgio Strehler, encontrei na Piazza Navona o cineasta Sandro Franchina
de catacumbas naturalistas moralísticas onde puritanismo e erotismo assu- (amigo de Paulo César Saraceni da geração 60 Centro Sperimentale di Cinema-
mem comportamentos sadomasoquistas que resultam medíocres ascéticas tografia [eEC] ao lado de Gustavo Dahl) acompanhado por Marco Bellocchio e
rotinas suiciõárias. os trouxe com dois jovens músicos à casa de Gianni Barcelloni.
Bergman é refinado mestre de cenas de teatro e suas incursões no cinema Marco calçava galopins com faixas verdes, calça branca, camisa branca,
se fazem através dos labirintos expressionistas, veículo de ideologias fenome- blusão azul, alegre, bonito, desbundado, curtidor em crise mas falando da mu-
nológicas. lher que o transferiu para o campo numa casa que compraram juntos e mais o
A indecifrabilidade dos fatos trágicos nega mobilidade estrutural. filho e uma colombiana com uma plantação que ainda não conhece bem.
O cinema de Bergman é uma superposição solene de personagens iguais Gianni parou de datilografar seu roteiro e ouvimos a Bachiana n° 5 para
de um drama que circula em busca da identidade perdida no sexo e reencon- soprano e oito cellos de Heitor Villa-Lobos cantada pela Mady Mesplé, que
trada na eternidade da morte. Bellocchio não conhecia e os músicos criticam curtindo surpresos e pediram
Sempre as mulheres esperam - donde a neurose reificada de Tystnaden pra olhar a casa principesca segundo Marco perguntando se custava 280 ou
[O silêncio, 1962] até o rococó Kierkegaard-froideano de Viskningar och Rop 300 mil liras por mês.
[Gritos e sussurros, 1973J. Bergman continua se projetando em fêmeas perdi- Queimamos dois charros e puxei o papo do filme de Bergman sobretu-
das, como a empregada "materialista" conformista do seu último filme. do nesta semana solitária de Juliet com o pai na Bretanha nas filmagens de

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Jacques Rivette com Geraldine Chaplin: 52 Liv Ullman enfim é a loura e Bibi Sergman do teatro ao cinema teatralizado à simultaneidade da ruptura go-
Anderson a morena de Gritos e Sussurros. dardiana na televisão faz o que ele sabe melhor - tentar filmar a alma dos
Marco Bellocchio observa que atrás de Bergman tem a tradição de Strind- atores em primeiro plano.
berg e replico que Bergman no filme citava o autor de A senhorita Júlia: "Nada O diálogo é o melhor ouvido no cinema nos últimos anos, descontando as
pior que um casamento sem amor". short storíes de Godard que hoje podem ser lidas como Popeye de Faulkner,
Na cena do jantar a quatro da geração 50 de tecnocratas socialistas liberais velhas imagens e palavras sem transcendência histórica.
da Suécia, Ingmar Bergman projeta a crise da civilização burguesa em qualquer Um fotógrafo de França com som de François Maspero e as bibliotecas de
parte do mundo num quarto escuro mesmo que seus personagens nada reco- André Sazin.
nheçam além do egoísmo de classe. Bergman é a fala da burguesia, eis a situação da literatura psicanalítica
Que atenção merecem estes cínicos burgueses que se apresentam e em contemporânea.
toda sua inteligência autanalítica não perspicaçam a luta de classes. Lang influencia Losey?
Na rua, Marco me pergunta se também Gianni é um déraciné. Brecht Deleuziano viscontiano?
Sou um déraciné. Losey não tem o talento do Bergman.
Meu amor vive em Paris e meus negócios estão em Roma. Quando era esquerda foi melhor que Nick Ray e Kazan.
O casal burguês de Bergman se reconcilia depois dela ter gozado com Decaiu.
outro cara que a maltratou mas ela gostou. Antonioni é aventureiro, Bergman, burguês.
Ele, que aos 46 anos é uma ruína, tenta recuperar a mulher sexualmente e Com mais de 60 anos Antonioni filma aventuras de um Repórter traficante
ela topa porque precisa de um afeto que sublime sua sexualidade frustrada. de armas que ama uma arquiteta entre ruínas de Gaudí e morre na Espanha
O câncer rói. num plano à la Miklos Jancso.v'
Bergman acaba o filme com um sorriso, eu saí do cinema deprimido pela O classicismo de Bergman é o signo de sua decadência. Bellocchio fala
doença burguesa, desesperado com a miséria dos suecos que inspiram Serg- que Bergman filma a burguesia.
rnan. fascinado pelo poder de materialização do Velho / digo a Bellocchio agora Nunca se viu a classe operária no cinema de Bergman e como seria vista
Bergman está fazendo cinema. por Bergman? Seu requinte artístico é circunscrito ao drama burguês, ele faz
Nunca gostei de Bergman na Bahia. comédia dramática enquanto Rivette faz vaudevJfle à la Truffaut.
Esculhambei-o do primeiro ao quinto. Não existe nenhum Max Ophüls, Josef von Sternberg, Fritz Lang, nada,
Quando vi Persona (Ouando duas mulheres pecam, 1966) em Paris, falei cinema vazio: Bergman monta peças com um elenco de primeira como Liv
mal pro Paulo Emílio, era na época de Terra em transe. Ullman, Max von Sydow, cinema é arte de Ator moderno tnteroreter cada vez
Revi e gostei. melhor em som direto sobretudo para televisão onde a fala saindo da boca pre-
Gostei de En Passion IA paixão de Ana, 19661· valece à imagem: é preciso acreditar nos personagens que os atores interpre-
Não gostei de Sussurros. tam com diálogos e gestos sugeridos e terminados por Bergman na dimensão
Acho que Cenas é o primeiro filme de videoteipe mesmo que esta técnica exata do delírio experimental; nada além da consciência histórica de classe:
não tenha sido usada. velho feiticeiro sueco, Shakespeare do cinema que não aparece diante das
câmeras se fazendo ver em belas mulheres melhores atrizes dramáticas do
mundo como se fossem bailarinas de Bolshoi.
Em 1974, Rivette filmou Cetine et Julie vont en Bateau, com Juüet Berta. Em 1975-76, dirigiu dois
Bergman dá prazer ao lado da náusea.
filmes: Due/fe, com Bulle Ogier e Juliet Berta, e Norott. também com Juliet Berto e Geraldine
Chaplin. [N,E.] Glauber refere-se ao Professione. reporter [Profissão: repórter. 1975J. [N.E,]

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Depois de ver Cenas acho que Bergman pode filmar Sartre. É o fim da épo- o Adido Cultural era o Presidente da Cinemateca Brasileira, Francisco Luiz
ca a que pertence esta geração sobrevivente ao nazismo. de Almeida Salles, Papa do cinema Genial que divide as capitanias deste conti-
A crise do capitalismo aumenta a repressão, os intelectuais burgueses apo- nente com Henri Langlois no Festival de Cannes.
drecem rapidamente, a cultura comercial entra em crise enquanto fecunda a Presentes Vinicius de Moraes e Claude Antoine, irrompem Brasil adentro
cultura popular. Gianni Amico e o jovem Bernardo de paletó xadrez, calça cinza, suéter leite e
Na Suécia radical socialista liberal de Bergman, onde, segundo se fala, todo gravata vermelha em colarinhamarelo:
mundo trepa sem problema, a fossa é típica de Ipanema. -Barravento, gritou! E meu filme se chama Prima della Rivoluzione!
Em Guerra conjugal (1974) Joaquim Pedro martela a sociedade subdesen- Chegaram Gianni, argumentista, e Bernardo, diretor, pra pedir pro presiden-
volvida e materializa modelos que coincidem com os de Bergman. te Salles intervir junto a Louis Marcorelles no sentido de selecionar pra Sema-
Imaginei que Cenas fosse um filme Soviétyko, dirigido por Tarkóvski. na da Crítica o Bernardo em questão, segundo longa-metragem depois de La
Que os dois personagens membros do Partido saíssem reconciliados numa commare seccs, 1962, variazione pasoliniana de Accattone, primeiro longa de
Manifestação de Primeiro de Maio. Pier Paolo em 1961.
Seria um filme revolucionário porque mostraria a possibilidade de ser feliz Prima della Rivoluzione foi esculhambado pela crítica italiana mas a turma
no Socyalyzmo ... do Cahiers, sob liderança de Godard, gostou e Bernardo foi batizado Jean-Luc
de Roma - a França dos críticos sublimando sua caretice estética dos barro-
cos italianos. Godard escreveu em seu diário que Bernô era o Stendhal do ci-
NOVECENTO nema novo. Por quê? Bernardo nasceu em Parrna. enquanto Stendhal. nascido
em Grenoble, não passava de um Cônsul Colonialista do Bonapartismo.
tu - Meu filme foi inspirado numa epígrafe de Talleyrand, declarou Bernardo
e continua: "Quem não viveu os últimos momentos antes da revolução não
Bernardo Bertolucci, 35-36 anos, é sarará natural de Parma. quase metro e conheceu a doçura de viver".
noventa e uns 85 quilos, mais pra tenro que pra muscular, olhos amendoados, O paradoxo da máxima tipicamente Danton/Sartre baratinou Godard/Ca-
lábios finos de sorriso generoso, mãos doces e voz entre grossa e fina musical mus. Calígula era também romano e Godard, como Stendhal. passara em Capri
falando italiano há dez anos com carga no R à la française but now fala romano pra filmar na Villa de Curzio Malaparte o Diário de Pavese adaptado do romance
com algumas palavras cariocas, "fofoca", "bunda", "transa", "bicha" - conver- Le Mépris, de Alberto Moravia,54 pai de Pasolini e avô de Bernardo.
tido ao humorismo tropicalista devido às suas relações com Gianni Amico, um Regina Rozemburgo gostou de Prima della Rivoluzione mas preferiu De
jesuitantropólogo, filho do Padre Arpa. musa e mediador dos contatos entre punhos cerrados [I pugni in tasca, 1965], de Marco Belloccbio. e Bernardo com
Deus e Fellini. Adriana Asti me chamaram pra filmar um documentário sobre o Living Theater
que treinava seus exércitos em Roma enquanto Gato Barbieri e Michele Bar-
[21 bieri procuravam o tesouro perdido do último tango. Laura Betti era a única
mulher feminista de Roma e Francesco Rosi viera de ser consagrado repre-
Na Santa Sé da Cinecittà Romana foi A Divina Comédia representada com Ro- sentante de Gramsci no cinema. Reinava o Papa João XXIII mas o cadáver de
berto Rossellini no papel do Papa, Fellini no papel de Lutero, Antonioni no pa- Marilyn Monroe anunciava o apocalipse: caíram Kennedy, Jango, João XXIII,
pei de Calvino, Visconti no papel de Thomaz Morus. Pasolini no papel de Cristo
e Bernardo no papel de Garibaldi amante da Loba Sophia Loren com Remo e
Rômulo interpretados por Carmelo Bene e Marco Ferreri. Na verdade. o filme de Godard também se chama Le Mépris [O desprezo. 1963L adaptado do
Conheci Bernardo em março de 1963 na Embaixada Brasileira em Paris. romance homônimo de Alberto Moravia, 11 disprezzo (1954). [N.E.]

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Francesco
Barilli em
Antes da
Revolução
(1964)
Kruchev - a doçura de viver. Bernardo sacava o Século. O Século treme, cla- mas seu desbunde era viscontiano. Em Partner desafiou Godard no terreno
mava Castro Alves, no Espaço um Drama de Treva e Luz! estruturalista desdramatizante. Mas em A estratégia da aranha atravessou o
espelho formalista e tocou as fontes árticas.
[3[
[4[
Gostava-se de Godard por inteligência, de Pasolini por excitação, mas de amor
por Bernardo. Gianni Amico, Les Cahiers, Richard Roud, Dan Talbot, o Cine- Depois de se separar de Adriana Asti, musa de Prima ... Bernardo foi viver com
ma Novo, Louis Marcorelles e a família Barbieri/Barcelloni guardaram o Santo Paula Maria, belíssima mulher proprietária de um Negócio Decorativo perto
com as Sete Chaves das Sete Artes Cinematográficas. O terceiro filme, Pett- da Piazza di Spagna - sensivel de cultivado gosto visual. Reconhecendo-se
ner, 1968, a partir de Dostoiávski ("O Sósia'T" sobre a esquizofrenia de Pierre aterrorizado por Godard, Bernardo fez psicanálise e um dia jantando na casa
Clementi, Bernardo/Godard destruiu pela revolução da linguagem poética o ra- de Laura Betti com Jean-Marie Straub e Daniele Huillet discutiu com Gustavo
cionalismo da miserável razão estruturalista. A psicanálise selvagem na cultura Dahl sobre o realismo na fantasia de Vincente Minnelli, descurtiram o Realismo
racional. Divisão. Fracasso de bilheteria e perplexidade da crítica. A esquerda Socialista, e desencadearam a revolução cinematográfica mundial.
oficial e extrema não deixou de chamar Bernardo de fascista naquele jargão Esta cena foi depois de O conformista 111 conformista\. filmado em 1970,
tão manjado. A direita chamou de louco, bicha e subversivo. Entrementes Ber- com participação especial de Joel Barcelos. No início das filmagens morreu
nardo filmara o curta A figueira infrutífera (11 fico infruttoso],56 com o Living. sufocado recém-nascido de Jean-Louis Trintignant e por isto os trabalhos fo-
Nasceu em Roma a revista Cinema e Filme, produzida por Adriano Aprà. e o ram angustiantes. Bernardo ia matar Godard em Paris. A morte do filho de
cinema romano ficou sendo papado por Gianni Amico, Enzo Ungari, o undi- Trintignant não tem nada a ver com a estória de Moravia'" mas é uma seqüên-
grude Super-B Paolo Brunatto, os membros do Partido Socialista Italiano Lino cia borgiana. Em Paris, hospedado no mesmo hotel de Orson Welles em Ouai
Miccichê e Bruno Torri, Marco Bellocchio, Carmelo Bene, Marco Ferreri e Mario d'Orsay, Bernardo selecionou entre várias starlets francesas Maria Schneider
Schifano, produzidos por Ettore Rosbuck, Giovanni Agnelli e Gianni Barcelloni que freqüentava a máfia de Christian Marquand e estava disposta a tudo em
RAl/ltalnollegio. nome do sucesso.
Acossado, Bernardo voltou à terra natal parmana pra filmar La strategia deI
ragno [A estratégia da aranha, 1970], escrito com o argentino Eduardo de Gre- [5]
gorio, a partir do "Tema do Herói e do Traidor" de Jorge Luis BorgesY O Pai
não era Herói da Resistência mas Fascista, Filho de fascista mata o pai e vira O sucesso crítico e relativo financeiro de 11 conformista abriu as portas para
homem. A Televisão Italiana produziu A estratégia da aranha. Universo infantil- o casamento com Brando. Cinema é sexo, dinheiro, política e Utopia. Vamos
harmonia, poesia, tragédia e liberdade. Em La commere secca e Prima della lá. Com música de Borges Cato. Pra mim a história do Tango [Ultimo tango a
Rivoluzione Bernardo comeu e vomitou Roliude e o primo neo-realismo de Vis- Parigi / Último tango em Paris, 1972] é simples: Bernardo Brando está em Paris
conti e Rossellini. Dizia para Gianni que "Senza Rossellini non si pua vivere ..." no Hotel Ouai d'Orsay e aluga o quarto de Maria Schneider mas na verdade
não paga porque ela gosta. Acontece que Maria está cantada por Jean-Pier-
re Léaud/GodardfTruffaut. últimos tangueiros da nouvelle vague que desejam
55 "O sósia". em O ladrão honrado (várias históriasL v. IX. trad. de alivia Krühenbühl (Rio de Janeiro:
José Olympio, 1961), IN.E.]
fazer um filme com a Mulher Amada contra um muro branco recitando Marxl
56 Episódio dofilme Amoree rabbia (1969); outros episódios são de Carlo Lizzani. Pasolini eGodard. [N.E,] Mao/Lacan sob música contestatória Pop. Maria quer brilhar em Roliude mas
57 Além de Bertolucci, Eduardo de Gregorio e Jorge Luis Borges {história]. também a roteirista Marilú gosta do gostoso Brando. Entre a dor e o nada, como no célebre romance
Parolini. Baseado no conto "Tema dei traidor y dei béroe". em Ficciones (1944), No Brasil. "O tema
do traidor e do herói". em Ficções (São Paulo: Globo, ôs.ed .. 1995l.IN.E.] Glauber refere-se à novela homônima li conformista (1951). [N.E,005D

294 295
Robert De
Niro e Gérard
Depardieu
em 1900 de
Bertolucci
(19761
de William Faulkner, Palmeiras Selvagens, que marcou minha geração, Maria [71
mata Marlon e telefona pra polícia dizendo que foi um estranho que entrou
com manteiga na minha vida. Marlon expira no pátio em posição fetal como Vi /I conformista em prima cópia, idem Ultimo tango a Parigi e Novecento vi
Emiliano Zapata naquele decadente filme do deduro Elia Kazan.s" Michele Bar- numa segunda-feira de fevereiro no estúdio da FONüROMA, quatro horas da
biere nunca hesitou sobre a genialidade de Bernardo, irmão de Gato. Imagens manhã e três da tarde, em companhia de Enzo Ungari e alguns desconhecidos.
de Bernardo/Sons de Gato no cinema Merlcn. Maria, Paris - a nouvelle vague Na versão que vi não tinha música de Ennio Morricone e Bernardo e Kim esta-
refilmada por Um rosto na noite [Le notti bianche] que tanto Visconti quanto vam de tesouras em punho.
Bernardo amam Dostoiévski. Apresentado em Cannes, fora de competição, numa sessão que badalou vinte
e quatro horas de Croisette, NOVECENTO chocou a imprensa norte-americana.
[6] Sendo o maiorfilme europeu dos anos setenta, um dos maiores do mundo
em duração e qualidade, óbvio que os murmúrios mesmo gritos histéricos da
A crise do cinema revolucionário dos anos 60 não sacrificou Bernardo salvo minoritária imprensa européia contra desaparecem diante do esplendor da obra.
pelo compromisso histórico de Berlinguer com Agnelli. A imprensa norte-americana disse que o filme era genial mas propaganda
Então ficaram quatro superestrelas italianas: o Papa Paulo VI, Giovanni Ag- do Partido Comunista Italiano.
nelli, Enrico Berlinguer e Bernardo Bertolucci. Não é propaganda, Bernardo filmou NOVECENTO dentro de uma visão his-
Bernardo é filho de um Poeta, de uma Deusa, tem um irmão Artista." Esta- toricamente oportuna. Arte é contra-senso político. NOVECENTO é a épica/di-
va pronto para interpretar Dante com a volúpia de Leonardo Da Vinci e Miche- dática/histórica da luta entre os campos e as cidades do século XX. Localizada
langelo. Vive com Ctare Peploe, intelectual e sensibilíssima como um verso de no Macondo/Parma de Bernardo. No seu Grande Sertão. O balé de bandeiras
Shelley. Com seu co-roteirista e co-montador Franco KIM Arcalli partiram pra vermelhas transcende o historicismo do realismo crítico. Nenhum crítico italia-
Parma onde ficaram um ano e meio escrevendo e montando Novecento - Afta no da velha guarda profetizou a genialidade de Bernardo, então calem a boca.
1eAtto 11[7900 de Bertolucci, 19761. Bernardo não é um Poeta de Berlinguer como Virgílio foi de Otávio. Bernardo
No elenco o Gattopardo Lancaster, o patriarca Sterling Hayden, o para- teve as cópias de Tango queimadas como Giordano Bruno e Galileu e não se
nóico Robert de Niro, o comunista Gérard oepardieu, as musas bernardinas deixou corromper pelo dinheiro e pela fama.
Dorninique Sanda e Stefania Sandrelli, a deusa loura e o diabo moreno do NOVECENTO acaba em 1946. Com música de Morricone ficou melhor. Um
barroquismo meridional. A mãe é Laura Betti e Donald Sutherland interpreta pouco de Sergio Leone tempera Visconti. Um pouco de Dovjenko ... aívelho cine-
a Inconsciência de Mussolini. Simplesmente Gramsciano, a grande batalha ma morto, NOVECENTO é novo e belo como a Itália na Primavera e no Verão..
foi travada nos mesmos campos de Fabricio dei Dongo depois da vitoriosa Tango... Novecento filmes que iluminam o século.
guerrilha de A estratégia da aranha. Grande exército. Milhões de dólares e
liberdade total. Bernardo em cinco anos no primo 70 conquistou poder abso-
luto no cinema.

Glauber refere-se ao Viva Zapata! [1952].jN,E.l


Glauber refere-se a Giuseppe Bertolucci, também cineasta. IN.E.]

298 299
CINE CRISTO ÀS AVESSAS

Cetui qui doit maurir [Aquele que deve morrer, 1957, de Jules Dassin] é banali-
zação do épico. apoio exclusivo na validez do texto do romancista grego Nikos
Kazantzakis.' investida numa órbita de grande cinema que trilha, com habilida-
de de quem reconstrói restos de montagem desprezada, o caminho que sufo-
ca (ou retrocede) esta arte chamada sétima: mais, que avisa seu término.
Este é o tempo do cinema às avessas. O Fetichismo técnico e o vário su-
porte artístico resultam que todo avesso ao analítico cinestético aceita.
Este é o tempo em que o cinema traduz outras artes: divulgar romances, vi-
sualizar poemas, propagandear pintores, fotografar delícias mímicas e vocais.
Novo espetáculo, seduz pela impressão barata, que cada seu raquítico re-
velar de cada dia não cria, novelo que ainda se desnovela. o cinema partiu os
fios, os nós da engrenagem ao se tornarem linha reta sustentam, frágeis. as
últimas possibilidades de uma revolução.
O cinema da face real: a formação do cineasta na exclusiva problemática
do plástico-rítmico. Condensar (ou estender). o que importa é criar o vital (hu-
mano) no denso (ou claro) da imagem.
De qualquer ângulo que se queira um homem olha outro, estrutura que se
move. Volume. Forma que aciona penas e cérebros (que se aciona).

Jean-Paul Belmondo e Anna Karina em O demônio o Cristo recrucJficado IChrist RecrucifiedJ, trad. de Guilhermina Sette (Rio de Janeiro: Nova Fron-
das onze horas de Jean-Luc Godard (1965) teira. s/dl.IN.E.]

303
o elemento simples, o cinema real que a máquina irrealiza na dimensão Vadim está na linha da qual o mestre russo fazia norma numa complexa
em que armazena (deve) antológica e analiticamente o drama do corpo e do teoria aplicada.
movimento. Se Eisensteín atingia o motivo da seqüêncía pela idéia conteudística e cho-
Sendo no olho humano a origem da montagem - a seqüência desse olho cava o fotograma dialeticamente neste sistema experimental (a experiéncie
técnico que é a câmera é tão impotente quanto menos de cineasta for o olho que só estaria radicada ao fato plástico-rítmico). Vadim inconscientemente parte do
a guie: o olho da literatura ainda não analítica mas descritiva, o olho da pintura motivo sem idéia anterior.
que pensa e age o ritmo inerte. E é mais pictórica, quando deveria ser fílmica: Vadim é lúdico.
disso Visconti é exemplo - um cineasta contraditório. Seu filme é ginástica que não se considera além de gesto.
A depuração do descritivo, do narrativo exterior vive nesse tempo. A análise Vadim é o oposto dos realistas embora seu ponto de partida seja a realidade.
da imagem que é a existência (ou a condutora da existência) e não do choque O ser de seu fílmico é a visão.
que essas relações produzem. Ele não recria o fato nem o relata nem o descreve nem o interpreta: mas
Esse campo de estatísticas sociológicas ou filosóficas, amenizadas "es- o cria.
teticamente" pelo emotivo, sensível, poético, resultam contraditórias. Para Este fato que numa graduação verbal contém sentido tanto humano quan-
a sociologia uma valoração que quebra o suporte científíco - neutralidade to social.
axiológica. Para o filosófico é a dispersão que liquida o método, o sistema da Vadim é cinema de estados puros: a comunicação de sua "mensagem"
reflexão impressionista. vem cifrada, contida na plano, e o entendimento é permitido aos que ascen-
O cinema deste tempo, duplamente avesso, é arte de sustos, superficial dem ao intrínseco.
quando a morte se faz ridícula quanto mais dramática. °
O ideal da mulher real é transposto para "a mulher ideal, Cinema", situa-
O cinema desagrega-se à medida que se organiza. ção do mundo ilusório, onde os sonhos são possíveis.
O ritmo, plástico, imagem, a simplicidade do homem, do bicho, da máqui-
na que se move na cidade por fora parada nos edifícios, ou no campo, monta-
nhas, nuvens, mar que se movem - investigação (e nela a criação) ausente. A PELE DOCE DO AMOR
Seja o comercialismo ou coragem a enfrentar simplicidade tão difícil o cer-
to é que, de Potemkin, de Joana D'Arc [Giovana D'Arco ai Rogo, 1954] - esca- O Truffaut de La peau douce (Um só pecado, 1964} está longe do artista bri-
lando levemente em Umberto D, - o cinema morreu. lhante e profundo de Jules et Jim [Uma mulher para dOIS, 19611.
Jaz na impureza dos "adjetivos" que impedem seu ritmo - somente puro A juventude irrequieta foi substituída pela precoce velhice de um homem
dentro do impuro. que se dá por feliz e realizado aos trinta e quatro anos. François Truffaut é um
escândalo tipicamente necessário à França - mas como todas as coisas gau-
listas de hoje, o escândalo é pálido, tatibitate, introspectivo e fossilizante.
VADIM (BB) VADIM Teve razão a crítica internacional quando, no último Festival de Cannes
(1964), chamou Truffaut dejeune-vieux, um pequeno burguês que ama queijo,
O motivo para a seqüência é a chave da linguagem Vadim, notada em Les bi- pão e vinho, além de cafezinho com conhaque. antes do tempo exato para
joutiers du clair de lune [Vingança de mulher, 1958]. estas coisas; e por isto se preocupa fundamentalmente com a banalidade, o
A impressão de que existe quebra na continuidade do órgão fílmico é ape- exótico do cotidiano, a pequena mitologia dos costumes provincianos de Paris.
nas a eliminatória discursiva. O pior é que o gênio Truffaut, querendo ser velho, ainda está naquela fase da
Vadim atinge a depuração da montagem que restaura um prestígio abafado adolescência intelectual. ou cinematográfica, que lembra, detalhe por detalhe,
desde a morte de Eisenstein. 8 paixão dos cineclubistas.

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La peau douce revela isto: um tema vieux com um tratamento nouveau.
"Velho" e "Novo", assim como vérité, é o que mais delicia a crítica francesa
e o pessoal da nouvelle vague.
O filme de Truffaut, que aborda o quarentão casado apaixonado pela jovem
aeromoça, assunto tão antigo quanto a França, é tratado com as bossas de jo-
vem crítico que ainda não se livrou dos preceitos e dos mitos cinematográficos.
Truffaut tem, neste melodrama, oportunidades de demonstrar sua vocação
para cronista cinematográfico mais preocupado com os aspectos mundanos
do cinema do que com o próprio cinema: durante o filme expõe suas preferên-
cias, cita Cocteau e Marc Allegret, filma um Clube de Cinema, e, para dar um
toque cultural, situa Balzac e Gide com ar petulante de menino que diz enfati-
camente "eu sei das coisas, eu sei das coisas!".
La peau douce é um filme realizado com eficácia.
Truffaut conhece a arte de filmar e, o que por vezes emociona, sente a
alegria de filmar.
Esta maestria jovem, moderna, integrada na mitologia da mecânica cine- Alphaville
matográfica, sofre da tristeza de viver, entrega existencial que escapa pela iro- (19651
nia ou charme da inteligência.
O que se sente, atrás deste jovem dominado pela frustração de viver - e O cérebro eletrônico que domina Alphaville, une étrange aventure de
viver sobretudo o amor! - é o começo de uma crise, onde o pólo da irrespon- Lemmy Caution [Alphaville, 1965] tolera a superplanificação acreditando nos
sabilidade é dominante. bons resultados do homem.
Existe em La peau douce, nas imagens finais, um afloramento de Truffaut O pior é que ninguém sabe mesmo o que deseja o homem depois de casa,
sério e preocupado, do Truffaut meditativo e humanista de Jules et Jim. comida, educação e saúde. O cérebro esqueceu disto: necessita de poesia e
A mulher que mata e se suicida no filme anterior, novamente mata e pra- para que haja poesia é necessário inconsciência.
ticamente se suicida aqui; e quando a tragédia brota da banalidade, a morte As ditaduras vivem de uma superconsciência que depende da não-consciên-
nasce do imprevisto mais fútil e o amante impossível mata, num gesto passio- cia do dominado.
nal tão seco que nega a passionalidade. O dominado só reage quando duvida, a dúvida é a fonte da consciência.
Por isto quando Lemmy Caution revela ao Cérebro a "poesia", o cérebro
degringola, entorta os filamentos, enlouquece.
ALPHAVILLE' Começa a revolução.
Godard despreza a técnica em função da estética e a técnica entra como
Como anotou Luiz Carlos Maciel, nosso século pariu os "filhos do espanto" infra - não como superestrutura.
que brigam com os "filhos da razão" mas acredito que um e outro lutam pelo Godard declarou numa entrevista que acha absurdo alguém dizer que um
bem da humanidade. superespetáculo, estilo Ben-Hur [1959, de William Wyler] é bacana porque é só
"espetáculo" e não escorrega na filosofia/mensagem.
Texto resultante de uma eoiçáo feita pelo próprio Glauber, a partir de original datilografado. s/d. O fato de existir uma superprodução estilo Ben-Hur já é escorrego temático
constante do arquivo Tempo Glauber. Ver versão completa no Apêndice deste livro. IN,E·1 para o exercício filosófico.

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Um filme destes existe não para divertir mas para extrair das massas in- Explicando sua posição política nas páginas de Les Lettres Françaises, Go-
conscientes o maior número possível de entradas. dard esclareceu o que muita gente gostaria de saber:
É a superconsciência do espetáculo, a ditadura do zerozerosetismo. - Quando precisarem de minha ajuda para organizar uma greve de portuá-
Os defensores da "arte popular" acham que basta criar uma técnica de rios em Marselha podem me convidar que estou à disposição.
comunicação eficiente para resolver os problemas da humanidade. A crítica reacionária da França divulgou um rótulo de "fascista" a propósi-
to de um controvertido filme proibido pela censura "deqolista". Le petit soldat
denuncia na intolerância dominante. la pequeno soldado, 1960-63]. sucessor do revolucionário À bout de souftle
Nunca se falou tanto em liberdade, nunca se perseguiu tanto artistas e [Acossado, 19591.
intelectuais. Godard, fazendo filmes, continua se explicando:
O único eterno subversivo do mundo é o artista. - Sou um pintor de letras. Quero entrar na caverna de Platão iluminado
Lemmy Caution, bom agente secreto, filho do zerozerosetismo manda bala pela luz de Cézanne.
no dr. Von Braun. Godard explode e descontrola o bom pensamento cinematográfico:
Atirar é o único recurso contra a fatalidade. - Gostaria de dirigir as Atualidades Francesas. Quero documentar a guerra
A revolução é permanente e deve duvidar sempre, superando os estágios no Vietnã e a alfabetização em Cuba,
que os reacionários determinam como ideais. Mas Godard não é fascista?
AlphavJ!le joga Lemmy Caution armado de uma pistola com balas Elouard Então por que um fascista dá um tiro no ditador eletrônico e rapta a moci-
contra o Cérebro dominado, fruto da genialidade científica do dr. Von Braun. nha para nova aventura rumo ao mundo exterior?
Pelo menos no cinema o herói escapa com a mocinha. As dúvidas são muitas, a polêmica cresce, a pergunta é inevitável nos qua-
tro cantos do mundo:
- Você gosta de Jean-Luc Godard?
você GOSTA DE JEAN·LUC GODARD7 Paracomeço de conversa nenhuma pessoa com princípios gosta de Godard.
(SE NÃO. ESTÃ POR FORA)3 É aquela história do camarada que reage: "Detesto este prato!". "Mas já
experimentou?" "Uma vez, detestei." "Ora, experimente outra vez!" "Hum, é
Dois filmes ao mesmo tempo - um nos dias pares, outro nos ímpares - eis ótimo mas não é nutritivo!"
o ritmo godardiano. A crítica quer aplicar uma receita a Godard: "É genial mas não é sério!".
"Ora, rodo dois filmes ao mesmo tempo por orgulho, porque é uma grande "Do ponto de vista estético, vai!" "Politicamente é alienado!"
performance. É como se um regente conduzisse duas orquestras ao mesmo Se um sujeito que se diz da esquerda gosta de Godard - é porque está
tempo..." sofrendo "contaminação da arte burguesa".
Cínico, anarquista, irreverente, trágico, romântico, irresponsável, clássico, Se o sujeito que é católico e americanista gosta de Godard está sofrendo,
inquieto e desconcertante - cara ou coroa - eis a multiface deste franco- segundo os radicais direitistas, "contaminação esouerdizente".
suíço de 36 anos, magro e nervoso, ligeiramente calvo, considerado por Louis Um intelectual brasileiro de quarenta anos é bem capaz de ver Pierrot le
Aragon, voz de proa do comunismo na França, como um Cézanne moderno. Fou [O demônio das onze horas, 19651 com a tranqüilidade de quem come
pipocas.
E mesmo que seja poeta e tradutor de Rimbaud ele não perceberá que
Texto resultante de uma edição feita pelo próprio Glauber, a partir do original publicado em Livro Pierrot é nova estação no inferno.
de cabeceira do homem, v. 111, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. 1967. Ver versão completa no Seria como um crítico de pintura acadêmico visitar uma primeira exposição
Apêndice deste livro. [N.E.] de Cézanne.

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o máximo de coisas no mínimo de tempo, ação simultânea como Joyce, de composição e iluminação, narrativa desligada das pretensões poéticas, tcx
um encontro da sociologia com a ficção, da antropologia com a poesia, de to ignorando tradições teatrais - novo realismo, "neo-reellsmo",
Shakespeare com a science tiction, da pintura com a filosofia. A solidão de Roberto continuou pois o neo-realismo foi traído, oficializado,
Godard é um dos melhores temas para a chamada discussão sobre "arte teorizado, mediocrizado e comercializado.
e engajamento". Esta conversa cheia de chavões, é o blá-blá-blá preferido dos Roberto, o grande criador, ficou à margem.
chamados críticos conservadores. Luchino Visconti, restaurando o expressionismo e as belas-artes orquestra-
A grande chateação do artista revolucionário é ver sua obra mexida com dos à estética marxista, usurpou as idéias de Roberto e reformulou Elsenstein.
despudorada intimidade por críticos incapazes. Ou por moralistas recalcados. avançando de Leonardo Da Vinci para oostoiévski.
Ou por eruditos fanáticos. Godard, que também é crítico, conhece estas ma- De Roberto nasceu Fellini, que ligou o neo-rea/ismo ao misticismo.
nobras: As revisões de "esquerda" fizeram surgir Francesco Rosi, reunião de Ro-
~ Cinema soviético? É ruim. Mas eu pergunto: valerá a pena fazer cinema berto a Visconti em Salvatore Giuliano la bandido Giuliano, 1962], isto é: a
quando se constrói foguetes? organização cultural e política de Visconti à cenografia viva e à câmera direta
Quando Carlos Drummond de Andrade escreveu o poema da pedra (No de Roberto que alimentou os poetas Pasolini e Bertolucci.
meio do ceminhoí;" o poema virou piada pelo Brasil afora. La prise de pouvoir par Louis XIV IA tomada do poder por Luis XIV. 1966J,
Qualquer imbecil de gravata contava com muita graça o verso da "pedra no um filme em cores para a Televisão Francesa.
meio do caminho" e dizia: "Esta eu também faço!". Cor e Televisão - modernidade de comunicação.
Hoje, orummond se consagrou como o grande poeta brasileiro e um dos Roberto, no seu duro itinerário, se libertou do cinema industrial para a TV;
maiores do mundo: o verso da "pedra no meio do caminho" ganha sua devida Roberto, quando chegou à nova comunicação chegou nova linguagem; Hober-
força, seu terreno é firme, suas raízes ninguém mais arranca. to é teveasta de nosso tempo, não tem nada a ver com o maravilhoso anacro-
Os filmes de Jean-Luc se parecem com esta "pedra no meio do caminho". nismo que é o cinema (como o teatro no dizer de Welles); Roberto é o pai e
O cinema é lata de lixo das belas-artes. mestre que agora, como Luís XIV, toma o poder.
Eisenstein elaborou uma estética cinematográfica à base da pintura e da O herdeiro do cinema novo é Jean-Luc Godard:
poesia, numa época em que as contingências do estalinismo o castraram. - Quando se vai a Roma é necessário comer um spaghetti chez Roberto.
Eisenstein organiza, Welles destrói. Nosso Senhor Bunue! é um monge rebelde, surrealista, não tem a ver com
Cidadão Kane é um passo simultâneo ao de Ivan. É o filme que provável- a História do Cinema, seu caminho é outro, artista bárbaro.
mente Eisenstein faria nos Estados Unidos. Bergman é manifestação solitária da angústia existencial religiosa, monta-
Na Europa devastada pela guerra, longe dos deveres de Estado ou dos do no teatro, diluidor de Eisenstein e Welles.
compromissos com a Indústria, o cinegrafista Roberto Rossellini, que traba- Romancista num tempo de poetas visuais, de pintores de letras, de artistas
lhou até mesmo para Mussolini nos anos anteriores, pegava uma câmera e uns que penetram na caverna de Platão banhados pela luz de Cézanne ou de ho-
pedaços de negativo para filmar Roma, cidade aberta. mens que interrogam o mundo equacionado por Marx, sob a luz dos anúncios
Rossellini, Cinema Aberto ~ sem literatura, sem estúdio, sem dramaturgia, de propaganda: este solitário especulador é o novo Michelangelo, Antonioni
sem ator, sem maquillage, sem técnica: apenas o homem, o mundo, o realis- que se desprendeu do neo-reelismo como fruto sagrado escapa de uma árvore
mo sem ligações com a pintura, poesia visual descomprometida com regras em chamas.
Cinema de jovens, cinema aberto, cinema para descobrir o homem além do
"No meio do caminho", em Alguma poesia (1930), Ver também Uma pedra no meio do caminho que fez até hoje Hegel, Marx, Freud, Sartre: cinema discursaudyovyzual da filo-
Biografia de um poema, seleção e montagem de Carlos Drummond de Andrade (Rio de Janeiro: sofia, cinema não é mais beles-ertes, corte e costura, atores e cenário, música e
Editora do Autor. 1967). [N.E.I pintura. Mas o "tudo no tudo", a nova Bíblia, a nova Enciclopédia, o novo Capital.

310 311
°
o Cinema não é uma arte isolada, cinema, na Televisão, isto é, o filme exi- Jean-Luc duvida e quando pergunta o que é para não ser perguntado, choca.
bido na Televisão, eis a arte do fim do Século XX, prenúncio da arte do futuro. É como Van Gogh pintando o que não era para ser pintado.
Godard reassume o cinema no ponto onde Joyce parou com o romance. O transcendente é a única fuga que pode dourar a pílula do homem sofredor.
À bout de souffle é a retomada da crise da ficção contemporânea numa No país do dr. Von Braun quem chora ou ama é fuzilado, a noção do erotis-
escala da evolução do romance do verbal para o visual. mo está deslígada do amor.
Os maiores momentos de Joyce tendem à impossível figuração: o passo Desde que haja Estado, a liberdade sofre de funcionalidade e. nestes ca-
adiante é dado por Godard. sos, a censura é meter uma granada na boca dos poetas. Razão, como liber-
O cinema deixa de ser romance para ser poesia, a câmera não é narradora dade, é questão de tempo e seria pedantismo achar que por aqui, na Terra, as
dos fatos mas instrumento de criação. coisas estão em grande progresso.
Godard subverteu a continuidade imposta pelos filmes americanos. Há uma pobreza cultural enorme e esta myzérya se [..·1
Quando dois personagens de Godard conversam, falam sobre a vida, seus
amores, sonhos, frustrações, com a franqueza de quem fala na vida real. O cineasta que mais influencia o cinema socialista de hoje é Godard.
O leitor pode discutir uma crise econômica enquanto toma banho. Milos Forman e Jerzy Skolimowski, os maiores da Tchecoslováquia e Polô-
Ou pode falar de estética enquanto come uma feijoada. nia, são godardianos abertos, o que não ímpede a influência de Godard sobre
Ou pode rir enquanto assassina alguém. jovens cineastas americanos.
Ou trepar pensando na bomba atômica. No "tudo por tudo", Godard influencia a fotografia, a montagem, os diálo-
gos, as interpretações, a maneira de filmar, influencia a forma de pensar, des-
em nome da certeza hamletiana de que o encontro da verdade correspon- monta o esquema ficcional segundo as causas determínando os conflitos.
de à perda da vida. Em Godard, como na vida, as causas estão ligadas aos conflitos, eis o se-
Preso deste espanto, sem os gritos convencionais da tragédia clássica, Go- gredo de sua dramaturgia.
dard, como Pierrot. à maneira do herói grego, pinta o rosto de azul e dinamita Godard, como todos, comete erros.
a cabeça. A arte é irracional na medida que imprime razão própria, individual, estilís-
O herói grego usava uma máscara e seu grito era o "ai de mim" dilaceran- tica aos fatos.
temente metafísico. A super-razão criou, ao lado de esclarecimentos, obstáculos à criação, che-
O grito de Pierrot. quando corre com o rosto pintado de azul e a dinamite gando às fontes da intolerância.
nas mãos, é neurótico. Nada mais insuportável para um artista do que uma ideologia que lhe deter-
A vida se prolonga na eternidade das cores, o homem explode e se une à mina caminhos ou finalidades.
natureza.
Como alguém poder ser tão mineral e romântico ao mesmo tempo?
O intelectual moderno é Jean-Luc Godard. o ÚLTIMO ESCÂNDALO DE GODARD
Industrial e poeta, político e sociólogo, cineasta e crítico, cientista e trágico.
Um feixe de dúvidas, o desespero gerado pela lucidez. A grande fofoca do ano vai ser Vento do Leste [VentdEst, 1969], último filme
Fazendo filmes com a veemência e voracidade de um profeta, este homem de Godard." depois de Le gai savoir [19681 e antes de Pravda 119701 (aconteci-
ainda está no vestíbulo da experiência criativa. mentos tchecos). É um filme italiano (ainda mistério total). A fofoca que pode
Se para o mundo subdesenvolvido é mais do que fecunda uma criminalida-
de anarcossurrealista estilo Buriuel, para o mundo desenvolvido é mais do que
necessário um espírito anarcocrítico como o de Godard. Filme do Grupo Dziga vertov dirigido por Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin [N.E,]

312 313
ganhar dimensões de La dolee vita: a Cineriz, grande distribuidora do editor A cena se repete, mas desta vez entra o oficial lendo um livro revolucioná-
Rizzoli, deu um adiantamento de cem mil dólares ao produtor Gianni Barcelloni rio da moda.
por "um western em cores escrito por Cohn-Bendit e dirigido por Jean-Luc Nesta cena vemos a imagem e ouvimos o som de um filme progressista
Godard, com interpretação de Gian Maria Volorrté". que, todos os anos, é apresentado nos Festivais de Pesara ou Leipzig: é um
O filme corresponde às exigências da Cineriz? Vi-o em primeira e secreta filme igual ao filme reacionário antecedente, pois mostra as mesmas imagens
sessão, ao lado do produtor e de um advogado. A Cineriz. suspeitando que espetaculares do outro, com um conteúdo postiço.
o filme não é o que se esperava, ameaça processar os produtores e pedir o A partir daí são mostradas várias outras imagens e muitas perguntas sobre
dinheiro de volta, mas acontece que ninguém ainda viu o filme sobre o qual já o cinema militante, sempre com um espírito de autocrítica disciplinado.
correm as mais loucas piadas. Por exemplo, encontrei um rapaz que me disse: Falo para o advogado:
"Você já sabe? No faroeste de Godard tem dois cavalos recitando Mao!". - O senhor já viu que a discussão vai ser grande. Se o juiz engrossa, cha-
Gianni Barcelloni me pediu um cigarro aos dez minutos de projeção e, ma o Moravia, o Lévi-Strauss, o Marcuse, o Sartre. Um filme de Godard agüen-
quando risquei o fósforo, reparei que estava chorando. Ao lado dele o ad- ta a parada: a Cineriz prefere perder cem mil dólares a ser desmoralizada.
vogado, entalado; na ponta Ettore Rosbuck, jovem milionário cabeludo, em O advogado não me ouviu, estava fascinado. Barcelloni de joelhos, Ettore
silêncio infantil. Dez minutos e o filme ainda no plano inicial. uma cena que possuído daquele silêncio bestial diante do gênio indecifrável.
mostra um rapaz e uma moça deitados na relva, enquanto que na trilha sono-
ra, ouve-se a discussão política em som distorcido. "Ou vrai Godard" - diria 1. As imagens se repetem em citações e discussões e o filme acaba.
um snob especializado. Mas a brincadeira acaba por aí. Na primeira meia hora O advogado está lívido e eu digo, me levantando:
a luz acendeu e o advogado, branco, disse: "Estou de acordo com as palavras - Na minha opinião, o único problema deste filme é que ele não passa, no
de Godard, mas isso não é um filme! A Cineriz vai iniciar o processo!". Aí eu momento, pela censura italiana; no resto não tem problema, é muito bom e
respondi: tão comercial quanto os outros.
- Escuta, doutor, a definição técnica de filme é determinada metragem de O advogado me chama de otimista e vai embora. Saio com José Antônio
película impressa e com som. Cientificamente o filme existe. Ventura, que foi engenheiro de som do filme, e digo várias coisas:
O advogado me respondeu: - É uma montagem de som genial; o Godard vai acabar fazendo um disco.
- Sou um homem prático. O juiz vai julgar esta causa e vai dizer que isto - Não é um filme político como quer o Godard; é um filme anarquista na
não é um filme! linha de Artaud ou do Jarry.
Aí eu respondi ao advogado: - Alô, Escorei? Escuta, o filme é na linha do Jarry, aquela coisa. O Paulo
- Doutor, não existe legislação que diga o que é um filme, em termos es- Emílio Sales Gomes vai gostar muito ou, se não gostar, vai ter matéria para
téticos. Se um juiz disser que isto não é um filme, o senhor apela! analisar.
No meio desse papo, a luz apaga e começa uma imagem onde Godard en- Mais tarde, ainda com Ventura:
tra com sua voz de pastor protestante e pergunta o que é um filme. O advoga- - É uma brincadeira de verão. Por cento e cinqüenta mil dólares a gente
do dá uma gargalhada e Godard continua em cima de uma imagem que mostra podia fazer uma indústria de cinema no Brasil!
Gian Maria Volonté montado num cavalo e arrastando um índio pela campina. Na casa de Gianni:
O que é um filme? Todos os dias os patrões pedem aos cineastas que - Como montagem de imagem e som tem um anarquismo burguês, um
façam um filme. moralismo destrutivo de quem está por cima que me aborrece. Sabe, Gianni,
O patrão tanto pode ser Breznev-Mosfilm ou Nixon-Paramount. você já imaginou se Bach botasse letra de esquerda nas músicas dele para
Esta cena que nós estamos vendo é a cena clássica de um western produ- agradar no Festival da Canção? Ou se Mondrian botasse umas legendas de es-
zido em Hollywood: um oficial de cavalaria americana tortura um índio. querda nos quadros dele? Ou mesmo, no Brasil, se o Tom cedesse à pressão e

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botasse letras de esquerda nas músicas dele? Sabe, Gianni, eu me lembro do - Não gostei de E! Justícero [1966-67, de Nelson Pereira dos Santos] por-
que o velho Nicholas Ray me disse em Cannes: "Quando eu vejo um filme de que a câmera está sempre fixa e, em comédia, a câmera deve se movimentar
Jean-Luc não me interesso sempre pelas imagens que são belíssimas; o gran- muito!
de problema de Jean-Luc é que ele não tem coragem de falar dele mesmo!". Na roda todos ficaram maravilhados. Para os intelectuais na crista da onda
Gianni me responde: que já formaram um modelo de cinema moderno segundo Godard, o Vento do
- O Jean-Luc me dá grande pena! Leste vai fundir mais ainda a cuca. E aos jovens cineastas que imitam o Godard
Andando de volta, pela rua, com o bravo Ventura: de cinco anos atrás, pensando que estão reinaugurando o cinema brasileiro,
- Sabe, Zé, o Godard tem uma frustração muito grande porque não con- faço uma advertência: virem-se rápido, porque nos dois próximos filmes Jean-
segue criar .um clima político; ele não tem nenhuma violência, ele se aproxima Luc pode reinventar tudo e mesmo a parafernália tropicalista não vai servir para
sempre teoricamente da realidade; quando ele mostra o oficial de cavalaria esconder o chute dos imitadores do velho estilo de filmar e de meter o pau
americana torturando um estudante, não causa qualquer terror. O quadro fica nos colegas. Tristemente, a moda Godard parece ter acabado com o Vento do
belíssimo, é um dos planos mais lindos do cinema, daqueles que botam os Leste e é o próprio Jean-Luc que está acabando com ele mesmo, por horror ao
cinéfilos babando. seu gênio. A última frase que eu disse ao Ventura foi assim:
- É isso mesmo, concorda Zé, naquela cena em que o oficial ataca a cava- - A desgraça é que pela América Latina toda vai ser uma imitação de las-
lo os manifestantes, ele queria fazer uma cena brutal, pediu-me mesmo para car: assim como os africanos deviam botar todos os brancos para fora, a gente
aumentar bem o som e, depois, você viu aquela cena simples, quase lírica. devia impedir que viesse filme estrangeiro para o Brasil. o cinema brasileiro só
- Mas a cena ficou genial, respondi para Zé, porque os quatro movimen- pode ir para a frente se o público, a crítica e os cineastas assistirem apenas
tos de câmera que ele fez são inéditos na história do cinema .. aos filmes brasileiros. Para Godard o cinema acabou e, para a gente, o cinema
... é, bonito à beça!, murmurou Zé. está começando; no Brasil, um câmera como o Dib Lutfi faz um plano longo na
- Zé, continuei, eu estou ficando contra este filme porque nós somos mão e todo mundo vibra; se o Godard visse isso ia cair chorando no chão ..
a parte mais fraca; esse filme é uma instrumentalização de nossas misérias
por um francês burguês que tá na dele, tentando explicar o marxismo, coisa 3. Diante desse homem magro e calvo de quarenta anos eu me sinto uma tia
que eu não entendo a fundo mas acho que ele também não entende. Se carinhosa que tem vergonha de dar um doce para o sobrinho triste. A imagem
um professor de ciências políticas assistir a esse filme pode até achar graça. é besta, mas Godard desperta um sentimento de carinho muito grande. Ago-
Agora, tem uma coisa, pode ser que essa tentativa desesperada do Godard ra não é besteira: é a mesma coisa que você ver o Bach ou o Michelangelo
de explicar o marxismo seja uma previsão dele mesmo de que o marxismo já comendo spaghettí e na maior fossa, achando que não dá pé pintar a Capela
não responde bem aos problemas de hoje. Sei lá... esse filme me parece uma Sistina ou compor o Actus Tragícus. Pois Godard ficou assim, humilde que
grande gozação! nem São Francisco de Assis, com vergonha da genialidade, pedindo desculpa
a todo mundo, chorando como uma criança, quando Barcelloni gritou com
2. É inútil continuar dizendo minhas reações sobre o Vento do Leste. Quando, ele, lamentando que está pobre e abandonado quando a glória de ser o maior
no Brasil, um intelectual não gosta de um filme do cinema novo, ele diz com a cineasta depois de Eisenstein lhe pesa sobre os ombros de burguês suíço
empáfia de um sabichão: anarcomoralista. Por favor, vamos acabar com isso, eu sou apenas um operá-
- Isto não é um filme! rio do cinema, não me falem em cinema, eu quero fazer a revolução, ajudar
Filme para os intelectuais em geral obedece a um modelo americano que 8 Humanidade e vai por aí afora pedindo socorro à esquerda festiva de Maio
ele viu na infância e que guardou junto ao complexo de Édipo: qualquer provo- que se aproveita do dinheiro da produção para fazer uma bela estação de ve-
cação, e vem logo uma besteira pretensiosa. Uma vez, um intelectual carioca raneio na Sicília e logo depois ele abandona Cohn-Bendit com suas histéricas
me disse na praia: discussões Mao-Spray e vai correndo a Paris montar trechos do filme sobre a

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Tchecoslováquia e depois chega correndo a Roma e diz que não quer ganhar de uma inteligência cansada de poesia. Do outro lado, cansados de correr, mas
nada pelo filme e me critica dizendo que eu tenho mentalidade de produtor, ainda virgens de reflexão estamos nós, terceiro-mundistas, pedindo licença
depois me pede para ajudá-lo a destruir o cinema, aí eu digo para ele que para filmar.
estou em outra, que meu negócio é construir o cinema no Brasil e no Terceiro Godard e Cia. estão no mais zero. Nós estamos no menos zero.
Mundo, então ele me pede para fazer um papel no filme e depois me pergun- Nós não temos os grandes capitais a nos financiar e, ao contrário, temos
ta se quero filmar um plano do Vento do Leste e eu que sou malandro e tenho uma censura forte por cima dos peitos. Temos, também, um público que de-
desconfiômetro digo para ele maneirar pois estou ali apenas na paquera e testa nossos filmes porque está viciado nos filmes comerciais estrangeiros
não sou gaiato para me meter no folclore coletivo dos gigolôs do inesquecível e nacionais, e temos, ainda, os intelectuais, que detestam os nossos filmes
Maio francês. porque estão viciados nos filmes de Godard e nos detestam porque ousamos
fazer cinema num país que não tem vedetes como Gary Cooper, e, além do
4. Para simplificar, Godard resume todas as questões do intelectual europeu mais, que fala uma língua incapaz de dizer l/ave you. A diferença é apenas esta
de hoje em dia: vale a pena fazer arte? A questão é velha, diria Paulo Franc!s: e, apenas por causa disso, acho que vale a pena escrever uma derradeira coisa
Joyce também destruiu o romance! Pois é exatamente isso que chateia hoje sobre Godard, para concluir com um troço diferente:
na Europa: a questão da utilidade da arte é velha mas está na moda e, no cine- - Arte no Brasil (ou em qualquer país do Terceiro Mundo) tem sentido, sim
ma, Godard é a própria crise ambulante, Godard é o nosso Fernando Ezequiel senhor! Pobre do país subdesenvolvido que não tiver uma arte forte e louca-
Solanas, em Buenos Aires. A verdade, porém, queiram ou não queiram muitos mente nacional porque, sem sua arte, ele está mais fraco (para ser colonizado
dos ilustres intelectuais patrícios, é que o cinema europeu e americano entrou na cuca) e essa é a extensão mais perigosa da colonização econômica.
por um beco sem saída e só dá pé fazer cinema nos países do Terceiro Mundo. No caso especial do cinema, quero dizer aos colegas que agüentem firme
É justamente aí que a crise, Godard (e etc.) tem muito a ver com a gente. Em contra as pichações, calúnias e despeitos, porque eu estou absolutamente se-
Vento do Leste me pergunta quais são os caminhos do cinema e ele mesmo guro que o cinema novo brasileiro está produzindo imagens e sons daquilo
me indica a resposta: que já se pode chamar cinema moderno.
- Por ali é o cinema desconhecido da aventura estética e da especulação Depois de ver o Vento do Leste eu não disse a última frase para o advogado
filosófica (e etc.); por aqui é o cinema do Terceiro Mundo, um cinema perigoso, porque isso não interessava a ele, mas agora quero dizer para quem estiver ou
divino, maravilhoso e aqui as questões são práticas, questão de produção, de não interessado, na distante pátria querida:
mercado e, no caso brasileiro, formar trezentos cineastas para fazer seiscentos - Eu vi de perto o cadáver do suicida Godard que, ali naquela tela em
filmes por ano, para alimentar um dos maiores mercados do mundo. 16 mm, era a imagem morta da colonização. Meus colegas: eu vi a coloniza-
ção morta! Se fui um brasileiro privilegiado, perdoem-me, mas se espalho a
5. Repito: a diferença está nisto. De um lado há um cansaço geral financia- notícia em primeira mundial. é apenas para deixar bem claro que É PRECISO
do pelos grandes capitais e inclusive o desesperado Godard, por mais que CONTINUAR A FAZER CINEMA NO BRASIl'
deseje escapar, faz filme atrás de filme, financiado pelo sistema que, por sua
vez, está pouco ligando que Godard mande brasa em cima dele, pois o cine-
ma também está cansado e todo mundo está no barato esperando a Bomba. TUDO BEM
O Vento do Leste é financiado por Ettore Rosbuck e este jovem significa Fiat.
Pois os capitais da Fiat financiam o mais anarquista e terrorista filme dos últi- Tout va bíen [1972] é o último filme de Godard, com Yves Montand e Jane
mos tempos e, no fundo, Ettore pouco se incomoda porque, para ele, o Vento Fonda, foi lançado em Paris, 1972, e fracassou nas bilheterias. A crítica careta
do Leste é politicamente inofensivo como qualquer obra de arte e a grande for- esculhambou porque não entendeu e as esquerdas de Maio 68 se dividiram
ça deste filme é apenas uma: sua desesperada beleza que nasce, transparente, em torno do objeto sobrevivente.

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É o melhor filme dos últimos dois anos e reaparece depois do naufrágio Lltalie c'est la jambe mussulmaim de I'Europe katholyque.
udigrudístico e fascexpressionante germânico: emoção e razão, de 1968 a Sieqe de I'église, maison du Papa, Roma -Ia putana mamma de Pier Paolo
1972, ontem, hoje e futuro - não há guarda-chuva contra a poesia. Pasouni. le maudit. Lúcifer, Édipo, Kryzto, Mahome. Barrokarabezque, multi-
Para sempre recomeçar com Godard: um homem e uma mulher se amam sexuel. fasciste et komunyzme - i! monstro divino du néoréalisme chrétien-
e problemas econômicos, sociais, políticos, sexuais os separam. Ça va? Tout va marxiste payen.
bien. Ça va pas mais Paris est la ville plus civilizée de I'Europe. lei un intelectuel Rossellini, De Sica. Visconti, Antonioni, Fellini -Ia génération de la guerre,
n'e pas besoin de pendre le pouvoir et Maiakóvski se tué a 35 ans. de la paix affammée de la neo-renaissance kynomatografyka.
Tout va bien é o melhor filme de Godard: entre ele e Rossellini o abismo Pier Paolo est un héritier du miracle Marshall dans t'Europe resré kap-
que separa o pai do filho. Entre eu e ele o erotismo que separa o bárbaro do thytalyzte. Entre la ville et la campagne l'Edipe khretien est un jeune-petit,
civilizado. Forma nova para um conteúdo novo. beau, fort, timide, violem. subvertu. Professeur, écrivain, kyneazta, un intelec-
tuel (profyzyonale, mais t'escanda!e nest pas I'arte di Pazolyny, le beau c'est
I'imoralité de la verty kryztyana par la sexualité absolue la souffrance et plaisir,
PASO SADO MAZO ZALO I'extasorgiastya (1a croix du Pere). faluz sacré d'un pere qui tue, Layo tue Édipo,
l'enculcemen. (inkukaziône) du Kryzto par Dieu. d'Edipe par Layo, de Pier Paolo
Le neo-realisme c'est l'esprit italien de l'aprés guerre anti nazi fasciste. par quelques raggazzi di vita,
C'átait la victoire de Stalin, De Gaulle, USA & Charles Chaplin contre Hyro- Kryztedipo doit être puni.
hyto Mussolini Hitler. Jokazta & la vierge veulent du sang.
Franco, Sa!azar, Perón, Vargas - le Oiable porte masques divines: Ezra Pasolini et sa mére: Caun vers inédit: Mamma, non voglio morir .
Pound, (in Gold and Work),6 défend Mussolini contre Truman & Roosevelt & les Comme John et Bob Kennedy.
banquiers & yanks. Comme Che Guevara en Bolivie tué par l'irnpériafisrne.
Pound justifie la poursuite a Moshe - le syztem impérialiste: nazyonalism Comme I'attentat centre Godard en 1968.
& zozvalvzrn: la kahhala poundyenne mythyfye Mussolini; de destructeur de Comme l'assassinat de Sharon Tate.
I'impérialisme. John Lennon, Pasolini -Ia poursuite sanguinaire, Kryztedipe doit mourir et
Pound precede I'Aytollah Khomeyny. renaitre jusqu'a I'absolution d'un crime absurde, tuer la pére. posséder la mêre.
Fou? - Pound est interné dans une asilo italiano. sannoncer le fils du pére assassinée devenu Dieu -I'assassin, le corrumpu, le
Le gouvemment nortamericain le condemne comme traitre. myztificateur deguisé en redempteur des esclaves du pere-Dieu-roi.
Lescalade alexandryne avant Kryzto et la fusion de la Grece avec I'lran Le Saint est un Démon, Hfaut le détruire.
font de Rome la sieqe du Kryztyanyzme, religion oriental - occydentalyzé Lejaculation esthetique de Pasolini libere l'inconscient oriental de la culturi-
et bani par Mahome au cours de l'expansionisrne arabe vers les racines de tallienne, conscientizé par le materyalisme catholique du compromis historique.
I'impérialisme greco-romano Et Pasolini joue Edipe. Kryzte, Sade, Marx.
Kryzto est devenu le Dieu Européen - il y a une guerre religieuse orien- 11 devient le transgresseur numéro un de l'Europe 60.
toccydent -I'economye politique fonctionnant comme bureaukratyc matéria- Godard est un kyneazt.
liste, I'industrialization du Khapytal par le eulte de la rayzon dyalectik. Pasolini est un mythe qui fait films.
De Godard et John Lennon on veut les films et les chansons. pas les corps.
De Pasolini et du Che Guevara on veut corps et âme.
Glauber refere-se ao texto Oro e tsvoro, de Ezra Pouno. publicado pelo próprio autor como panfle- Lâme pasolinienne illumine la moral teknokratique: range qui de-chiffre le
to, 1944, 15 pp. [N.E.] théorerne (Iabyrynthe-prison-erotique) para terrorisme sexuel.

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"11 aimait le proche ave c une tel passion qu'!l a donné son corps pour le Pound justifica a perseguição a Moshé - o syztema imperialista: nazyona-
sauver Iismo & zozyalysmo: a kabhala poundyana myzthyfyka Mussolini; de destruidor
Le Kynema de Pasolini est une verston de son imaginaire: la mére sacre. do imperialismo.
I'inceste caché. le pére adversaire. l'autre Narciso dans le miroir. Pound precede o Aytollah Khomeyny.
Se Narciso ne trouve pas son corps dans le miroir même s'il rentre aux aby- Louco? - Pound é internado num "asilo italiano".
mes comme Orphée-Cocteau est 18 pére de Edipe (Jean Marais) - il devient O governo nortamericano o condena como traidor.
pere de son personnage incarné aux acteurs, des âmes errants poussées par A escalada alexandryna antes de Kryzto e a fusão da Grécia com o Irã fa-
ses auteurs vers les autres: Ninetto est l'acteur amant de Pasolini. zem de Roma a sede do Kryztyanyzmo, religião "oriental" - ocydentalyzada e
La passion de Godard par Jean-Paul Belmondo transforme la femme en banida por Mahomé ao longo do expansionismo árabe em direção às raças do
pére destructeur ("À bout de souffle & Pierrat le Fou"). La passion de Bertolucci imperialismo grego-romano.
par Marlon Brando est un crime puni par Maria Schneider, travesti kryztedipe Kryzto se tornou o Deus Europeu - há uma guerra religiosa orientocydente
vlolée par le mythe. - a economia política funciona como burokrátyco materialista, a industrializa-
L'ascendence bertoluccienne condemne Pasolini - Bernardo est I'assassin ção do Khapytal pelo culto da razão dyalétyka.
mythyque de Pier Paolo - il le fils régénérée par la pzykanalyz d'une mere ar- A Itália é a perna muçulmana da Europa kathólyka.
chaique, lltalie de Berlinguer & Wotyla. Sede da igreja, casa do Papa, Roma -ts putana mamma de Pier Paolo Pasoli-
Edipe conformiste, Kryzt comuniste, Bertolucci devient une star du syzte- ni, o maldito, Lúcifer, Édipo, Kryzto, Mahomé, Barrokarabezko, multissexual, fas-
me impérialiste. cista e komunyzta - o monstro divino do neo-realismo cristão-marxista pagão.
Le vieux Kryzt & Pasolini est la source du rnvthe. sauce de I'espaghetti, sper- Hossellini. De Sica. Visconti. Antonioni, Fellini - a geração da guerra, da paz
me de I'apokalypze italien. faminta da neo-renascença kvnomatoqráfvka.
La passage de Pasolini sur la terre détourne le cours de l'histoire. destruus Pier Paolo é um herdeiro do milagre Marshall na Europa que virou kap-
vomissent lettres, irnaqes. sons, combats. thytalyzta. Entre a cidade e o campo o Édipo kristào é um jovem pequeno,
C'est la fin d'une culture, le derniêre opéra du neo-realisrne. bonito, forte, tímido, violento, subversivo. Professor, escritor, kyneazta, um in-
FYM telectual (prafyzyonale, mas o escândalo não é "l'erte di Pazolyny", o bonito é
a imoralidade da vyrtude kryztyana pela sexualidade absoluta, o sofrimento e
prazer, a extasorgiastya (a cruz do Pai), falo sagrado de um pai que mata, Lavo
PASO SADO MAZO ZALO' mata Édipo, o enrabamento, (inkukazióne) do Krvzto por Deus, de Édipo por
l.avo. de Pier Paolo por alguns ragazzi di vfta.
o neo-realismo é o espírito italiano do pós-guerra anti nazi fascista. Krystedipo deve ser punido.
Foi a vitória de Stalin, De Gaulle, USA & Charles Chaplin contra Hyrohyto Jakazta & a virgem querem sangue.
Mussolini Hitler. Pasolini e sua mãe: Caun versus inédito: "Mamma. non voglio morire".
Franco, Salazar, Perón. Vargas - o Diabo veste máscaras divinas: Ezra Como John e Sob Kennedy.
Pound (in Gold and Work) defende Mussolini contra Truman & Roosevelt & os Como Che Guevara na Bolívia morto pelo imperialismo.
banqueiros & ianques. Como o atentado contra Godard em 1968.
Como o assassinato de Sharon Tate.
John Lennon, Pasolini - a perseguição sanguinária, Krystedipo deve mor-
Texto traduzido por Rodrigo Faria. e publicado no catálogo da retrospectiva "O cinema segundo rer e renascer até a absolvição de um crime absurdo, matar o pai. possuir a
Glauber e Pasoliru". São Paulo. Centro Cultural do Banco do Brasil, 21 a 26 [un. 2005 IN.E,] mãe, se anunciar o filho do pai assassinado que se tornou Deus - o assassino,

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o corrompido, o myztificador disfarçado em redentor dos escravos do pai- A PASSAGEM DAS MITOLOGIAS
Deus-rei.
O Santo é um Demônio. é preciso destruí-lo. Consulto a biof1Jmografia de Glauber Rocha antes de escrever estas linhas e,
A ejaculação estética de Pasolini libera o inconsciente oriental da culturita- para lá das datas e dos tilmes, dos sucessos e das coisas esquecidas, para lá
liana, conscientizada pelo materyalismo católico do compromisso histórico. da exceção ou do inesperado, uma imagem impõe-se: a do viajante. Glauber
E Pasolini encena Édipo. Kryzto, Sade. Marx. Rocha é aquele que viaja. O trajeto dos seus filmes é o trajeto da sua vida, dos
Ele se transforma no transgressor número 1 da Europa 60. tempos. dos lugares e das pessoas por que passou ou que por ele passaram.
Godard é um kyneazta. Se há cineasta a que convenha a designação de nômade, Glauber é esse

Pasolini é um mytho que faz filmes. cineasta. É claro que a história do cinema está cheia de homens que fazem ou
De Godard e John Lennon se quer os filmes e as canções. não seus corpos. fizeram da imaginação o sentido inicial da sua própria viagem: nestes casos, é
De Pasolini e Che Guevara se quer corpo e alma. a própria diferença que separa a quietude da divagação que faz o preço ímpar
A alma pasoliniana ilumina a moral teknokrática: o anjo que decifra o teore- da sua obra. No caso de Glauber, porém, dir-se-ie que, só na viagem e através
ma Oabyrynto-prisão-erótico) pelo terrorismo sexual. dela, é possível encontrar as raízes mais secretas do mistério dos homens e das
"Ele amava o próximo COm tanta paixão que ele entregou seu corpo para sociedades que constroem e destroem: as suas mitologias.
salvá-lo." Mas as mitologias também viajam: passam e esquecem. Esquecem-nos.
O Kynema de Pasolini é uma versão de seu imaginário: a mãe sacra, o in- Toda a ambigüidade essencial do cinema de Glauber se fundamenta nessa ori-
cesto escondido, o pai adversário, o outro Narciso no espelho. gem entre a realidade deslizante que é o mito e a firmação presente que é o
Se Narciso não encontra seu corpo no espelho mesmo se ele se joga nos f1Jme. O ftime regressará sempre como presente, o mito pode já ter-se entre-
abismos como Orfeu-Cocteau é o pai de Édipo (Jean Marais) - ele se torna gue ao poço do passado ou aguardar a vertigem do futuro. O mais brilhante do
pai de seu personagem incarnado nos atores, almas errantes empurradas por trabalho do autor de Deus e o diabo na terra do sol e A idade da Terra (é neste
seus atores em direção aos Outros: Ninetto é o ator amante de Pasolini. e que se jogam os sentidos da sua aposta e, sem dúvida, a sua assumida pre-

A paixão de Godard por Jean-Paul Belmondo transforma a mulher em pai cariedade) tem a ver com a relação insistente como esse presente, esse sacro,
destruidor (À bout de souffle & Pierrot Le Fou). A paixão de Bertolucci por Mar- que o cinema, como quer que o façamos, continua a ser e talvez não possam
lon Brando é um crime punido por Maria Schneider, travesti krystedipo violada deixar de ser.
pelo mytho. O diálogo que segue poderá ser tomado como um conjunto de páginas do
A ascendência bertolucciana condena Pasolini - Bernardo é o assassino roteiro de viagens de Glauber Rocha, cineasta da idade do cinema.
mythyko de Pier Paolo, o filho regenerado pela pzykanályze de uma mãe arcai- João Lopes
ca, a Itália de Berlinguer & Wotyla.
Édipo conformista, Kryzt comunista. Bertolucci se torna um star do syztema A primeira pergunta que gostaria de fazer (que não sei até se, de um ponto de
imperialista. vista de um cineasta Como Glauber, fará sentido ou não) é esta: o cinema novo
O velho Kryzt & Pasolini são a fonte do mytho, molho do speçuetti. esperma acabou ou não?
do apokalypze italiano. [Glauber] A discussão sobre cinema novo é um dos temas mais intensos da

A passagem de Pasolini pela Terra desvia o caminho da história, vomita cultura brasileira. Desde que o cinema novo nasceu, em 1960, que vários ad-
palavras, imagens, sons, combates. versários do movimento apregoaram a sua morte. De modo que essa é uma
É o fim de uma cultura, a última ópera do neo-realismo. pergunta, por assim dizer, clássica ~ já dei várias respostas sobre isso e vou
dar mais uma.

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o movimento do cinema novo desenvolveu-se num período difícil da vida no país. E há uma terceira fase em que os autores, já conquistando algumas
política brasileira porque foi, justamente, de 1964 até 74 que se viveu um pe- etapas, assumem as suas individualidades.
ríodo de ditadura feroz dentro do Brasil, em que todas as atividades sociais Então, o que acontece é o seguinte: o cinema novo, como alguém já disse
e culturais foram reprimidas. A partir de 74 até hoje houve um processo de no Brasil, é como os Beatles, quer dizer. separaram-se, mas podem a qualquer
democratização, lenta e gradual, que permitiu no último período - que é o momento aparecer a cantar juntos. O movimento do cinema novo, nos anos
período do Governo Figueiredo - uma supressão da censura e o restabeleci- 60, é feito por pessoas com vinte anos, hoje esses cineastas têm de 38 a 50
mento (espero que seja contínuo, mas pode ser também breve) das liberdades anos. Os princípios do cinema novo em relação à manutenção da indústria
dentro do país. cinematográfica brasileira, ao desenvolvimento da Embrafilme, à luta política
Ora, se você for analisar o caso de um movimento cultural que se processa pela conquista de mercados ou pela política de proteção à indústria cinema-
sob uma ditadura, o ângulo de análise do cinema novo é bastante revelador; tográfica - em relação a tudo isso existe uma tática de caráter econômico e
se se fizer essa análise independentemente do contexto político em que se político que une todos, até hoje. Do ponto de vista das inspirações criativas,
realizou, o ângulo fica mais limitado. Quer dizer. na verdade, quem critica o pro- dos projetos estilísticos, dos discursos poéticos ou políticos que encerram os
blema da vida e da morte do cinema novo abstrai esse problema, embora esse filmes, já existe uma grande diversidade, inclusive contradições muito fortes
não seja "o" problema fundamental, embora seja um dos problemas. Todos entre os autores. Do meu ponto de vista, creio que isso é sinal de progresso
sabemos que a questão da criatividade ultrapassa as questões políticas, inclu- e desenvolvimento: é como se o movimento se tivesse dissolvido para se in-
sive a criatividade para se afirmar como tal precisa ultrapassar as condições tegrar em vários ramos do cinema brasileiro, que é um cinema em formação
políticas adversas. Isso foi o que se passou com o cinema novo. porque o Brasil é um país que vive uma fase de revelações, em todos os seus
aspectos.
Quer isso dizer que o cinema novo foisobretudo um movimento de resistência Mesmo considerando que o cinema novo terminou, se você for notar, mes-
política? mo com o maior rigor crítico, quais são os filmes brasileiros mais importantes
Não: é um movimento cultural que se processou dentro de uma condição po- que acontecem em vários setores em cada ano, você identificará nesses filmes
lítica adversa. Se se for considerar os resultados dos filmes produzidos pelos os autores do cinema novo.
cineastas envolvidos no movimento cinema novo, vamos ver que esses filmes, O conceito de cinema novo, que muitas vezes nos acusaram no Brasil de
na verdade, ultrapassaram essas condições políticas adversas - e eu acredito ser um conceito escolástico e acadêmico, nunca existiu. Sempre foi um an-
que é condição da arte, de qualquer movimento criador, ultrapassar essas con- ticonceito. quer dizer, o movimento cinema novo nunca se proclamou como
dições. O movimento do cinema novo também se processou sob uma ditadura escola artística, nunca determinou pressupostos políticos ou estéticos para
e foi um movimento dos anos 60. Então, a análise do problema é complexa. a criação da obra de arte, nunca procurou burocratizar ou normalizar nenhum
O que se tem dito a respeito do cinema novo até hoje são conceitos deficien- principio criativo. Se você perguntar o que então caracterizaria teoricamente
tes, porque não conseguem integrar essa dialética de um movimento cultural o cinema novo, eu diria o seguinte: a necessidade de criar uma cultura revo-
criativo dentro de um processo ditatorial. lucionária dentro de um país subdesenvolvido, isto do ponto de vista cultural;
O movimento do cinema novo atravessou várias fases. Tem uma fase ju- do ponto de vista cinematográfico. a necessidade de internacionalizar esse
venil, em que os jovens cineastas se encontram com vontade de fazer cinema problema através do meio artístico internacional. por excelência, do século XX
e, ao mesmo tempo, atacados pelos problemas do país e os problemas do que é o cinema.
mundo. Tem uma segunda fase, em que o sonho cinematográfico tem que Como desenvolvimento dessa proposta, a criatividade de formas novas,
se transformar, no mínimo, num artesanato industrial para existir; há, então, a de estilos individuais, quer dizer, criar uma espécie de anti-Hollywood - uma
ampliação de um universo econômico e técnico que corresponde ao universo estrutura industrial como se fosse o negativo, o antitético (sic) de Ho\lywood
criativo e que é um salto dentro do processo de industrialização do cinema e que permitisse, não uma política de autores no sentido da nouvelle vague,

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mas uma política de criatividade, no sentido em que os realizadores se con- colonialista, em relação a índios e negros, aos povos subdesenvolvidos, que é
vertessem em produtores dos seus próprios filmes e que essa indústria não patente dentro dos westerns americanos e dos "policiais", ou também a sua
tivesse as características repressivas ou esquemáticas da indústria tradicional. moral. no sentido em que o amerícan way of Ide que é um objetivo da demo-
Isso inclusive criou a Embrafilme que é uma empresa sui generis no mundo cracia americana, seria também o nosso objetivo. O sentido do herói america-
cinematográfico, porque é uma empresa produtora de economia mista, que no, da psicologia dominante dentro do contexto dramatúrgico do filme ame-
tem uma distribuidora, a que todos os cineastas estão ligados de uma forma ricano, isso nós sempre soubemos admirar a réussite, mas nunca absorver a
mais ou menos intensa, e que produz filmes dentro de um espírito democráti- mistificação ideológica.
co muito grande. Ora, essa admiração por Hollywood é frustrada pela impotência econômica.
O grupo do cínema novo foi sempre acusado pela extrema-esquerda de Na verdade, do ponto de vista de produção, o cinema novo teve que se apro-
não ser radical, no sentido de determinar linhas, mas, ao mesmo tempo, uma ximar das lições européias, do pós-guerra. Quer dizer, como a Europa se con-
visão democrática da criatividade deixou-nos sempre com a sabedoria política verteu numa área econômica dependente dos Estados Unidos, o cinema ficou
para defender os nossos interesses e também os dos outros cineastas. Quer pobre aqui. A lição de produção do neo-realísmo e da nouvel/e vague foi coi-
dizer, criando um radicalismo na crítica estética, mas não na política cinemato- sa que nós absorvemos imediatamente como prática, porque o cinema novo,
gráfica. São assuntos muito brasileiros, que têm um "jeito" brasileiro .. na verdade, é paralelo à nouvel/e vague e também posterior, apesar de ter
sido realizado por cineastas mais jovens que os cineastas da nouvel/e vague.
Essa idéia de um anti-Hol/ywood corresponde apenas a uma recusa do modelo
de produção de Hol/ywood, ou também a uma recusa dos modelos de filmes Suponho que essa capacidade de, por um lado, receber influências muito di-
de Hol/ywood? versas, e, por outro, de as superar através de uma dimensão vincada mente
O problema tem que ser visto do ponto de vista econômico; a realidade de brasileira poderia definir, de uma forma muito global, todos os seus filmes. Gos-
Hollywood é a realidade de um país desenvolvido. As potências produtoras de taria que me resumisse o seu trajeto, tendo ísso em conta, e lígando-o até com
cinema são as potências mais desenvolvidas. O cinema, como dizia o Bunueí. o seu trajeto físico, uma vez que há uma fase realizada no Brasil, há uma fase na
não é uma arte para ser praticada por latinos e eu perguntei-lhe: "E o senhor?". Europa e há o Di Cavalcanti e A idade da Terra, agora novamente no Bresit.
"Não, eu sou um amador." Segundo o Buúuel. o cinema é uma coisa para an- Eu sou um cinéfilo, fui criado em clube de cinema e comecei a fazer crítica de
qlc-saxõnicos. do ponto de vista técnico e industrial. Então, para ele, realizador cinema muito jovem, quer dizer, criei logo cedo a intimidade com o cinema.
é o Fritz Lang, no sentido metafórico. Quando fiz, por exemplo, o meu primeiro filme Pátio (1959), estava sob forte
O bloco anglo-saxônico é mais desenvolvido industrialmente. O cinema influência do movimento concretista brasileiro e do estetismo, das teorias do
alemão, o cinema inglês, que dá no cinema americano, é um fluxo técnico, cinema avant-garde francês, do cinema soviético, do expressionismo, estava
industrial, artístico. preso a uma noção purista da forma. Então, os meus dois primeiros filmes,
O Brasil é um país tão grande quanto os Estados Unidos, mas que é tão Pátio e Cruz na praça (1958), que ficou por concluir, são filmes que poderiam ser
pobre quanto os Estados Unidos é rico - quer dizer, o Brasil é o underground classificados de formalistas, em que a plástica, o som, a montagem eram muito
dos Estados Unidos. Para um brasileiro, que se educa vendo Hollywood, como mais importantes do que aquilo que se via dentro do plano.
a América Latina toda, o mundo inteiro, você cria o desejo de um cinema cujo Quando fiz o meu primeiro longa-metragem, o Barravento (1961), foi numa
espelho imediato é aquele filme que você vê ali todos os dias. outra fase de consciência, foi numa época em que eu já conhecia o Rossellini,
Existe uma grande influência de Hollywood no cinema brasileiro: por exem- o Visconti, tinha ouvido falar da nouvelle vague mas ainda não tinha visto o
plo, a vontade de grandeza. O que nós nunca aceitamos de Hollywood não À boutde souffle, de Godard. Então, eu filmava "à la Rossellini", ou "à la Roma,
foi nem a sua grandeza, nem o seu desenvolvimento ou mesmo a sua so- cidade eberte", quer dizer, filmava com a cara e a coragem, com pouca pelícu-
fisticação. O que nós sempre recusamos de Hollywood foi a sua ideologia la, improvisando, mas guiado por aquele sentido da realidade de Rossellini,

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não me preocupava com a continuidade para a montagem porque me supunha sentido niilista (je ne crois ptos. en quoi je dois croire?), era uma démarche
conhecedor da teoria da montagem eisensteiniana e guiado pelas sombras do de caráter muito mais existencial do que político. Para mim, era um problema
Murnau e do Visconti. existencial, mas o problema da oportunidade política e da responsabilidade
Deus e o diabo na terra do sol, digamos que foi um filme provocado pela política era muito mais vasto.
impossibilidade de fazer um grande western, como poderia fazer, por exemplo, Também eu, depois de ter feito o Antônio das Mortes, senti-me esvaziado
o John Ford. Ao mesmo tempo, havia um caminho de inspiração eisenstei- em relação ao chamado cinema clássico. Com O leão de sete cabeças, fui para
niana, de A linha geral e do Encouraçado Potenkim, e ainda as influências do África e fiz um filme que já não tem ligação com a cultura cinematográfica, mas
Visconti e do Rossellini, do Kurosawa, do Buiiuel. Então, Deus e o diabo foi é um filme que se refere a ele mesmo enquanto ato, é um documento sobre
feito sob essa luta entre Ford e Eisenstein, e a anarquia buFiueliana, a força um happening político dentro de África, documenta a representação, quer di-
selvagem da loucura do surrealismo. zer, o teatro é aberto à montagem. Há uma recusa da sedução da linguagem e
uma vontade de maior expressividade didática e informativa.
Creio que esse tipo de influências é um pouco o que determina os seus filmes Essa vontade de entrar por territórios ignorados levou-me a entrar no
até ao Antônio das Mortes, que é como que o limite disso tudo. Cabeças cortadas. Porque se O leão de sete cabeças era um filme feito sobre
Sim, o Antônio das Mortes é a ruptura com a cultura cinematográfica. Por- a exterioridade, numa tentativa de explicar a história de um ponto de vista
que depois do Deus e o diabo veio o Terra em transe sob claras influências materialista, o Cabeças cortadas, como o próprio titulo o diz, corta essa tese
do Orson Welles: ali, era o anti-Citizen Kane. Continua presente a sombra do materialista. É um filme feito no terreno do delírio, da interioridade, no território
Bufiuel. como também uma certa influência do escritor cubano Alejo Carpen- da minha própria loucura: o filme não teve roteiro e foi filmado em quatorze
tier que também tinha encenado problemas políticos, mostrando assim o lado dias. É como se fosse a filmagem de um sonho. Porque, Deus e o diabo, Terra
selvagem do subdesenvolvimento. Depois desse duelo com Orson Welles que em transe e todos esses filmes são materialização de sonhos culturais; já no
foi Terra em transe (e aí já tinha também a influência do Godard através do Cabeças cortadas a matéria é a do inconsciente puro, a fantasmagoria cultural
espírito de contestação e o fanatismo inventivo}, o Antônio das Mortes marca vem num segundo plano, complementando o fluxo de interiorizaçáo.
o meu ajuste de contas com a cultura cinematográfica. Eu digo que é o meu
Alexandre Nevski, quer dizer, depois da tempestade, eu fiz um filme que foi um Essa dimensão onírica passa muito claramente para os seus últimos filmes, con-
filme popular e nacionalista, por excelência, no sentido mais nobre da palavra. cretamente o Di Cavalcanti e A idade da Terra, que eu diria são a tentativa de
Antônio das Mortes era o Alexandre Nevski do sertão, a ópera global inspirada fazer o contrário dos seus primeiros filmes, isto é, um certo antiformalismo.
pelas lições de Eisenstein. Creio que o maior risco, aliás inteiramente assumido, desta última fase, é o
desse antiformalismo gerar novos processos de formalismo.
Segue-se um período, com os filmes realizados fora do Brasil, em que, de al- Pois, é um processo que é preciso construir/destruir sempre. Eu chamaria a
gum modo, o seu cinema vai se confrontar com uma certa carga mitológica e última fase anarco-construtivista. ou trans-realista. A impossibilidade de seguir
histórica que existe nos próprios locais em que os filmes são feitos. um cinema que eu gosto até de ver - gosto de ver um filme clássico, gosto
Por exemplo, O leão de sete cabeças surgiu num momento (aliás, é a primeira também de ler um romance clássico, mas ser consumidor é uma coisa muito
vez que vou falar neste assunto). um momento decisivo do cinema dos anos diferente do ser produtor..
60. Foi num momento, 1969-70, quando o Godard tinha criado o Grupo Dziga
Vertov e declarado guerra radical ao cinema de representação (isso foi, aliás, o ... não há qualquer coisa de produtor no consumidor?
motivo do seu encontro com ele durante as filmagens do Vent d'Estí. em que Bom, há. Mas como consumidor, você permite-se liberdades; enquanto pro-
raciocinei que a minha posição de cineasta do Terceiro Mundo era impulsiona- dutor (o que tem a ver diretamente com o seu ego), há, em cada indivíduo,
da por outros motivos que não os do Godard. A ruptura do Godard tinha um uma necessidade diferente de promover. Eu, por exemplo, acho que o cinema

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é uma arte audiovisual. Isto parece uma coisa óbvia e, encanto, existe um ci- matéria cultural. como é que aquilo pode se transformar e como é que o cine-
nema dependente da literatura e do teatro, no sentido em que a visual idade é ma pode captar aquilo. Está mais próximo de um poema solto, um poema em
uma ilustração e não uma expressão.
verso livre.

E que é, hoje em dia, a tendêncía dominante da televisão.


Acho que a pergunta que fica de A idade da Terra tem a ver com a tal questão
Da televisão e do chamado cinema de modelos: há uma supremacia do script das crenças, isto é: será possível viver sem crença?
dentro do filme, os diálogos determinam a montagem, quer dizer, a montagem Eu acho que a fé, a crença é uma coisa fundamental na criatividade artística.
não aparece com todas as suas potências expressivas e é condicionada a ele- Eu acho que n'A idade da Terra coloco um problema de crença porque, de
mento disciplinador da narrativa literária. E eu creio, sinto que certas pulsões certa forma, o filme investe o mito cristão, mas não o mito do Cristo católi-
puramente audiovisuais foram contidas em nome de um discurso pré-literário. co, europeizado ou civilizado, investe numa espécie de cristandade, mas uma
Isso, por exemplo, marca os meus filmes de roteiro. Comecei a quebrar com cristandade descristificada.a meu Cristo não morre, não vai crucificado. Acho
o roteiro a partir d'O leão de sete cabeças, anulei-o no Cabeças cot1adas e o inclusive que no meu filme não há sofrimento como nos outros filmes. Aí.
filme que eu fiz na Itália, Claro, que é um filme inédito ainda com problemas de acho que há uma crença num humanismo, numa espécie de humanismo revo-
produção, já segue outro fluxo.
lucionário, qualquer coisa que ..
Di Cavalcanti foi feito num impulso. Acordei de manhã, sete e meia, li que o É difícil responder porque, na verdade, as respostas da cultura não me sa-
Di Cavalcanti tinha morri do, nove horas fui filmar. Filmando Di Cavalcanti, des- tisfazem. Eu sou, digamos, um elemento culturalizado como você, mas a res-
cobri o aspecto eminentemente visual do cinema, o cinema, realmente, como posta da cultura não me satisfaz. E se você não se satisfaz numa resposta da
visão, como cor, como imagem, como som, como poesia, como verdade. Não cultura, então o que você produz é questionar e não responder a várias coisas.
tanto como teatro, como romance, ou como ensaio .. Se eu fosse, por exemplo, um adepto do Lucáks. do realismo crítico, ou ainda
um brechtiano como pretendi há dez anos atrás, ou se ainda me sentisse um
Isso liga-se, de algum modo com uma afirmação no Ctnéfllo quando esteve em eisensteiniano com os compromissos da revolução soviética ... quer dizer, há
1974 em Pot1ugal, onde dizia que o cinema correspondia no século XX ao lugar uma série de metodologias que ficam presentes na sua cultura, mas que só lhe
sacro do espetáculo e que, por isso, tinha substituído o teatro? respondem relativamente, não respondem a tudo, não há Deus.
Sim, porque você vai ao teatro, abre a cena e tem o ritual ali. Agora, você vai ao aque eu poderia dizer é que eu tive prazer ao fazer o filme, foi o único
cinema, tem o mesmo ritual, mas fotografado. Na verdade, tudo é teatro, o estú- filme que não me torturou e que, depois, tive prazer em ver.
dio é uma peça de teatro que se encena. Agora, depende da concepção teatral:
se é clássico, Shakespeare, Brecht. teatro grego, Grotowsky, teatro de vanguar- Creio que isso é muito evidente n'A idade da Terra: o prazer do cineasta ao
da, teatro da rua. Por exemplo, com o filme A idade da Terra, eu já estava mais filmar. O que me conduz a uma pergunta: de que modo é que esse prazer do
ligado aos rituais primitivos, quer dizer, ao teatro do irracional que é o teatro cineasta pode pôr em causa o prazer do próprio espectador?
popular, mas já não no sentido de documento histórico, político ou etnográfico, O problema do espectador na obra de arte é um problema que eu não consi-
mas no sentido ártico, quer dizer, no sentido de pegar naquela matéria e trans- dero, digo-lhe isto com a maior sinceridade. Porque eu acredito que a obra de
formá-la numa matéria audiovisual. Essa matéria estrutura um discurso que não arte é um produto da loucura, no sentido em que fala o Fernando Pessoa, que
se define, porque já não existe aquela crença - é um problema filosófico - na fala o Erasmo, quer dizer, a loucura como a lucidez, a libertação do inconscien-
racionalidade da história, ou seja, numa dramaturgia que leve a resultados catá r- te. É por isso que eu não me considero um cineasta profissional, porque se o
ticos, como se arte fosse uma metáfora que com a revolução tudo resolvesse. fosse teria que atuar segundo o ritual da indústria cinematográfica. Considero-
A idade da Terra reflete essa luta entre a história e a fantasia solta, deixan- me um amador, como o Buúuel, alguém que ama o cinema ...
do ver o que é que a fornalha do inconsciente produz em contato com aquela

332
333
... mas que não ama necessariamente os seus espectadores?
Não é que não ama os espectadores, é que procura mostrar ao espectador
o máximo possível do que se está a passar dentro dele. Naquele momento,
não pode ter nenhuma censura. Então, o diálogo com o espectador é o diálogo
da paixão humana, é um problema de sedução ou de guerra. Há uma disposi-
ção de se mostrar nu sem culpa.
Aceito críticas ao meu cinema de toda a ordem - formal, artística, estilís-
tica etc. - mas eu sei, sinceramente, humildemente, que o meu cinema pode
estar cheio de todos os defeitos, mas sei que não é um cinema reacionário,
que não é um cinema anti progressista, que não é um cinema anti-revolucioná-
rio. É um cinema muito identificado com as necessidades transformadoras e
muito identificado com as classes oprimidas.
Então, eu digo sempre: eu quero conquistar o público, mas eu não quero
explorar o público. Depois, a minha prática cinematográfica permitiu-me, até
hoje, sobreviver fazendo os filmes que faço. Quer dizer, o sujeito tem a cara
dos filmes que faz, como se diz "tem a cara da vida que leva". Então, prefiro
um diálogo com o público a níveis não convencionais porque os filmes não
estão dentro de um aparato convencional. Não lhe posso responder de uma
forma diferente, porque seria uma forma pretensiosa.
A forma do meu cinema, com todos os altos e baixos, com todos os pon-
tos brilhantes e obscuros, com tudo o que tem de feio e de bonito é a expres-
são da minha personalidade. Então, eu assumo o meu ego, mas não de um
ponto de vista narcisista ou individualista, mas de um ponto de vista órflco.
no sentido de não tentar mudar o mundo, mas, como Orteu. tentar criar um
novo mundo audiovisual. Se eu criei condições históricas e econômicas para
produzir um tipo de filme segundo a minha pulsáo (que é a única forma de so-
breviver) tenho que assumir os riscos da incompreensão - isso para mim faz
parte do jogo dramático da cultura.

Smtra. 8 de abril de 1981.

334
APRESENTAÇÃO
tsmeit Xavier

Constam, deste apêndice, dois artigos que, ausentes da primeira edição, com-
plementam muito bem a reflexão de Glauber que atravessa O século do ci-
nema, um porque esclarece aspectos decisivos da postura do jovem crítico,
ainda nos anos 50. outro porque nos traz a articulação de um panorama do
cinema moderno, mais abrangente em sua geografia e orientada por uma sin-
tética exposição de princípios. Os dois últimos textos são a versão integral de
artigos sobre Godard que, no livro, estão bastante reduzidos, num exemplo
das tantas alterações, cortes e acréscimos que o autor fez no material que
reuniu para esta antologia. Vale um comentário.
"O novo cinema no mundo" é um texto-reportagem sobre o estado de coi-
sas nas variadas frentes do cinema moderno tal como observado nos festivais
internacionais de 1967-1968 e no contato direto de Glauber com os cineastas.
É um documento desta cultura dissidente. face à indústria. num momento de
maior impacto na esfera dos festivais. visto aqui a partir da ótica de um apósto-
lo do cinema de autor. A exposição resumida. porém vigorosa. tem passagens
notáveis. e impressiona pelo modo como prepara a exaltação -explicação de
Jean-Marie Straub, quando Glauber desenha a fatura de um realizador que veio
a pautar o debate sobre a linguagem do cinema moderno no final dos anos 60,
especialmente depois de Crônica de Anna Magdalena Bach. Ao longo do arti-
go. não faltam as explicações de detalhes - a câmera. a duração dos planos, o
som. tal como seria próprio ao moderno - e as referências históricas explicati-
vas para o leitor da revista. apontamentos de uma estética que serve de baliza
para a avaliação de novos cineastas surgidos naquela conjuntura (em boa par-

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te, figuras depois consagradas). Vigem aqui os valores cincmanovlstas. mas o enveredou pelo cinema fácil, iludido pela fé na exclusiva força do assunto (a
que decide é a sensibilidade do crítico e sua ágil resposta diante da série de miséria). Não surpreende, então, que os grandes cineastas tenham procurado
filmes e diretores que vão desfilando neste pequeno condensado do que era outros caminhos, buscado a poesia e a força estilística em outros percursos,
a visão de um Glauber não muito distante de todo o debate havido em torno como desdobramento de uma relação mais profunda com a experiência neo-
de Terra em transe. Face aos artigos que ele reuniu para a primeira edição de realista. A afirmação de princípio é incisiva, mas isto não significa que ele não
O século do cinema, o dado original aqui é a abrangência das articulações reconheça que a situação é complexa e acrescente ao debate as suas próprias
critico-teóricas e a ampliação do território. Esta dá ensejo a observações te- interrogações, ora temperadas de curiosa adjetivação quando é Fellini o objeto
legráficas sobre o andamento do mundo, não só do cinema, mas a partir de direto do comentário, ressalvado que o argumento central do texto se faz uma
expansões e angústias que se espelham no cinema. A linguagem traz a marca peça de defesa do diretor de La strada e Cabida.
do pensar em voz alta característico, franco nos entusiasmos, decepções, sur- AlphavJ!le, de Godard, inspirou em Glauber a reflexão sobre as relações en-
presas. Às vezes, adquire o tom do repórter de guerra a relatar o avanço de uma tre arte. ciência e poder, ocasião em que pôde voltar ao tema da razão e da
causa, de um exército ou de uma fé: há a primeira rebelião inconsciente (Buúuel. des-razão na arte e na poesia, ou à questão do lugar do poético na vida e na
Eisenstein, Vigo), o momento da tomada de consciência tneo-reelismoi, a con- sociedade. O pano de fundo das observações sobre o filme é a oposição entre
solidação do moderno com os cinemas novos, e o momento de expansão que o entretenimento programado e racional- segundo a lógica financeira do mer-
incorpora outras cinematografias, neste caso com destaque para a Alemanha e cado - e a arte subversiva, essa instância de ruptura irracional com o calculado
a Europa do Leste. Em todos os cantos, haverá sempre a contradição entre o sem a qual não dá para viver. A versão original do texto é abrangente em seus
melhor cinema e as esferas maiores de poder, na economia e no Estado. temas, expositiva em sua forma. Na refeltura. Glauber resolveu pelo corte radi-
A inclusão de "Neo-realismo: inspiração falida" - escrito nos anos 50- cal, talvez porque não lhe agradassem algumas passagens, ou mesmo a feição
permite esclarecer a posição que o jovem Glauber assumiu diante da polêmica geral do texto, um pouco derramado em sua associação de idéias e na filosofia
desenvolvida na Itália sobre a crise do neo-reetisrno, ou seu esgotamento, um descontrafda. ou filosofia pop em consonância com as astutas sem cerimônias
debate que teve em Fellini uma figura central. O título do artigo talvez seja de Godard com os conceitos. Optou, então, pela descontinuidade e pela ordem
a origem de um mal-entendido que levou não pouca gente a fazer circular a paratática das frases, sem as costuras: um estilo sincopado que dá relativa
idéia de que ele "não gostava" do neo-reelisrno, e teria atacado o movimento. autonomia a cada enunciado, marcando um outro ritmo na leitura, mais atiçada
A leitura nos dá a oportunidade de acompanhar o seu diagnóstico que, em pela ambigüidade e pelo corte seco. Outro efeito. O que se faz aqui é recompor
verdade, se refere aos fatores que, do ponto de vista econômico e estético, o lado expositivo, não só em nome do cotejo que revela um modo de armar,
teriam levado o movimento à falência. Torna-se claro que o neo-realismo aí mas também para recuperar tópicos da reflexão crítica 'de Glauber que este
é um valor, e o problema está no conjunto de pressões materiais, políticas e artigo partilha com os reunidos em Revolução do cinema novo, em especial
culturais que, a seu ver, alimentaram tal crise. Um dado de grande interesse "A estética do sonho": a des-razão na arte, o descompasso estrutural entre arte
neste artigo é a observação que ele faz sobre a dinâmica de criação e dilui- e ordem social, o elogio do fator inconsciente na imaginação poética, a neces-
ção estéticas presentes no processo em debate, passagem na qual, de forma sidade da arte e seu mistério. Em função de uma curiosa semelhança que se
precoce, ele traz a primeiro plano a premissa que se fará uma constante em constata, aqui e ali, nas observações que envolvem o desejo, o cinema e a revo-
sua militância crítica: estão equivocados os que pensam que a crise do neo- lução, vale o paralelo com o artigo de Paulo Emílio, "Revolução, cinema e amor",
realismo foi a passagem da simplicidade e do informal para um cinema forma- em particular no que se refere ao lugar da imaginação na vida e na sociedade.'
lista, este que viria com Fellini, Antonioni (acrescento eu), pois o movimento "Você gosta de Jean-Luc Godard? (Se não, está por fora)" define, de saída,
foi inverso: a crise veio quando se descuidou da forma e se assumiu a fórmu-
la (movimento que, doutra feita, Glauber apontou em Hollywood); quando se Ver P. E. Sales Gomes. "Revolução, cinema e amor", artigo de 23 de dezembro de 1961. incluído

viu, no que era depuração e "alta forma", uma anti-forma (conteudismo). e se em Críticade cinema no Suplemento Literário. v. 2 (Rio de Janeiro: Paze Terra/Embrafilme, 1982)

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a provocação contida neste artigo que traduz, de forma notável. uma atmosfe- o NOVO CINEMA NO MUNDO
ra (de época) e uma atitude (de Glauber), quando este compõe, em pinceladas
rápidas, o retrato do cineasta. Figura do desconcerto, o Godard de muitas fa- [11
cetas dividia as platéias, gerando discussões apaixonadas em torno desta per-
gunta-título, mobilizando seus admiradores na defesa de um estilo que fez da O cinema moderno é a ruptura com a narrativa imposta pela indústria aos ci-
colagem e da descontinuidade um método de incorporação dos dados vivos neastas e ao público. Esta ruptura é paralela à tomada do cinema pelos intelec-
da cultura, da política e da arte de seu tempo. A leitura do artigo faz lembrar tuais. Os intelectuais, via de regra, produzem mecanicamente para a indústria.
as polêmicas no movimento estudantil, pois havia jovens de esquerda aves- A rebelião inconsciente, cujos pioneiros podem ser Gritfith, Eisenstein. Buiiuel
sos ao cineasta, ou, contrariamente, faz lembrar a resistência de uma cinefilia ou Vigo, se manifesta com o neo-rea/ismo. O cinema neo-realista é o primeiro,
da pureza a que Godard chocava, porque ele sempre foi pop demais em Sua no pós-guerra, a desencadear o processo do Autor. A nouvelle vague, crítica
exploração magistral dessa "impureza" do cinema que Glauber descreve Com do cinema do passado, funda a política dos autores. Esta política deu filmes
desenvoltura. Ajustado ao livro para o qual foi escrito, o texto se fez uma alegre de vários matizes.
pedagogia, agilíssima apostila, não só sobre Godard, mas também sobre a
diferença entre o clássico, o acadêmico e o moderno, pensada a partir de uma [21
cinefilia alimentada pela nouvelle vague, quando se dissolveu a idéia de que
para fazer um cinema de vanguarda era necessário odiar Hollywood. Glauber o cinema de autor está ligado a uma estrutura de produção. O cinema de
resume aqui, numa linguagem metafórica, descontínua, aforismática - portan- autor, ou cinema independente, ou cinema novo, ou cinema moderno. ou ci-
to, no estilo do próprio Godard - o que significa assumir a imperfeição, a pro- nema livre, é o cinema onde o valor cultural, artístico. político, sobrepuja o
cura da forma, a angústia e a revolução. Em tom de Conversa bem-humorada, interesse comercial. Em todo o mundo este cinema é produzido a baixo custo,
aceita a confecção de um guia prático de recepção da arte moderna tal como isto é: pequenas equipes. atores semiprofissionais, pouca película, produção
esta se condensa no maior dos cineastas a ela afinados. O autor de Pierrot le rápida. Usam-se trinta e cinco e dezesseis milímetros. Usam-se som direto e
Fou recebe, nesta versão de 1967, uma consagração mais incisiva; distinta, dublagem. Um filme deste tipo de cinema custa, em geral, de cinco a cento
em seu efeito, daquilo que resultou quando o texto, remontado. foi inserido em e cinqüenta mil dólares, que é o preço médio dos filmes de Godard.
O século do cinema, livro em que a relação de Glauber com o cinema francês A distribuição destes filmes: a maioria é projetada em seu país de origem.
não ganhou o espaço que se podia esperar (enfim, deixa a interrogação sobre Encontram dificuldades internas de distribuição, censura e público. Público,
a sua postura em 1980~81). Em 1967, foi com outra ênfase que ele faz o cotejo sobretudo, que fixou formas de comunicação, adormecido e viciado pela lin-
entre suas figuras clássicas de referência, notadamente Visconti. e a revolução guagem colonialista do cinema industrial. A velha crítica, também congelada
de Godard. Maior discípulo de Rossellini, o cineasta franco-suíço é aqui o ger- por este tipo de cultura, em geral estimula o cinema industrial e combate o ci-
me do futuro, eixo em torno do qual gira o cinema moderno, um extraordinário nema moderno. Colabora, através dos grandes jornais, para o sono do público.
cronista da sociedade de consumo que deu nova feição à tragédia moderna. As conseqüências culturais e políticas advindas desta colonização são das
mais graves. O cinema moderno, apoiado pela nova crítica (nova num senti-
do qualitativo, e não de idade, pois muitos críticos jovens são acadêmicos ou
colonizados). encontra, nos países de origem, saída pelos cineclubes e pelos
cinemas de arte. mercado que se desenvolve lentamente em função do novo
produto. A saída internacional destes filmes se faz via festivais. Hoje, devido à
atuação da nova crítica, até mesmo os grandes festivais admitem alguns exem-
plares do cinema moderno. A depender do sucesso de crítica e de prêmios, os

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filmes têm possibilidades de exibição internacional em cineclubes, programas exemplo) serve apenas a uma narrativa de ficção. O plano íntegral do início
culturais de televisão e cinemas de arte. de Vidas secas, por exemplo, é uma revelação, uma crítica e uma narração ao
mesmo tempo. A teoria eisensteiniana do emprego de todos os elementos vi-
[31 suais, sonoros e literários se fez impossível pelas limitações do cinema mudo.
A teoria atual (a prática) do tudo no tudo é de raiz eisensteiniana. Tudo no tudo
Além do estilo pobre de produção e da mecânica de divulgação, o cinema mo- quer dizer: acúmulo das contradições no plano. Luz, imagem, ator, cenografia,
derno se apresenta sob os mais contraditórios aspectos. Basicamente existem voz, música, ruído etc., usados para criar o plano íntegral, mas cada um destes
dois tipos: os filmes de ficção e os filmes documentários com som direto. elementos exercendo sua expressividade. A harmonia perde sentido. O cine-
O cinema novo brasileiro, por exemplo, se caracteriza, como estilo geral de ma torna-se potttónico. no definir de Alexander Kluge, teórico e cineasta do
produção, por filmes de ficção. O cinema novo canadense se caracteriza por moderno cinema alemão.
filmes documentários, o que não impede a existência de documentários aqui As tendências do cinema novo, que reúne à descoberta intuitiva do real
e filmes de ficção lá. Esteticamente todos os filmes são revolucionários, isto de Rossellini a dialética da montagem de Eisenstein, encontra em Godard seu
é, buscam e experimentam uma linguagem diferente da linguagem tradicional. primeiro expoente. Pasolini, Bertolucci (e outros italianos). Pierre Perrault (e vá-
O uso geral da câmera na mão, do corte descontínuo, do texto narrativo, do rios canadenses). Milos Forman (e vários tchecos), Jerzy Skolimowski (e vários
grafismo, da música interpretativa, da interpretação concreta (influenciada pelas poloneses), e o cinema novo brasileiro estão na vanguarda deste experimento.
teorias de Brecht). da luz ambiente, do som direto, da improvisação, do diálogo Sobretudo devo citar Jean-Marie Straub, autor franco-alemão que me parece
livre, são constantes do novo cinema. Evidentemente todos os cacoetes e mo- o mais moderno de todos os cineastas. Está ainda em fase de elaboração a
das já caíram em desuso, mas se fazem substituir por outras experiências que crítica estrutural do fenômeno. Os lingüistas tentam criar uma gramática (Metz,
se organizam com as que permanecem do primeiro período, que, na História, Barthes, Pasolini).
pode ser fixado por pós -À bout de souffle [Acossado, de Jean-Luc Godard]. A conquista da nova linguagem está no início, mas o estágio da descoberta
A influência de Rossellini sobre Godard se fez sentir sobre as novas gera- da realidade pela câmera na mão já se supera pelo estágio da análise da rea-
ções de cineastas livres. Uma busca do realismo que se contradiz pela violên- lidade pelo plano integral. É um território misterioso no qual nem Antonioni,
cia da poesia. O cinema novo é, por isto, muito mais poético que documental. nem Bergman, nem Visconti, nem Resnais ainda penetraram, se bem que se
Isto é: a estrutura da montagem poética se faz sentir no cinema moderno, tenham manifestado neste sentido. Os únicos cineastas tradicionais (ou mo-
ao contrário do cinema tradicional, onde a frase de ficção do romance é mais dernos) capazes de exercer este cinema são Buúuel. Welles e Rossellini. poe-
evidente. Para ilustrar, Jean Renoir pode ser comparado a Flaubert. Godard a tas cuja influência se faz cada vez mais sentir no cinema moderno, não pelos
Mallarmé. seus caracteres exóticos, mas sim pelo insólito permanente de suas obras.
No cinema tradicional o plano (a cena) serve para narrar um estado psico- Bufiuel. antes de Rossellini, em Un cnien andalou, já fazia cinema moderno.
lógico através do encadeamento lógico, da técnica palavra puxa palavra. No Liberdade de criação à margem da ditadura industrial.
cinema moderno o plano (a cena) não serve: significa em si. É a técnica de uma
idéia por plano, de um plano para cada ação. O conflito de cada plano integral [4]
(cenografia, luz, gesto, ritmo, palavra, música, ruído) com outros planos inte-
grais estabelece a dramaticidade. Alguns teóricos começam a notar que o ci- O atraso do cinema como linguagem em relação às outras artes se deu jus-
nema moderno retoma as linhas mestras da teoria de montagem de contrastes tamente por causa da ditadura industrial. E ainda hoje, quando o movimento
de Eisenstein, mas aqui desenvolvidas do plano mínimo para o plano integral. do cinema novo é universal e cada vez mais solidário, as pressões dos pa-
O plano integral é, em última análise, o tradicional plano-seqüência trabalha- trocinadores (bancos, institutos, associações, partidos etc.) se manifestam na
do pelo espírito crítico do cineasta. O plano-seqüência (de William Wyler, por origem das produções. E, como já notamos, o público, se alcançado depois de

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vencidos o patrocinador e a censura, reage condicionado contra o novo pro- a técnica tradicional, agride o público através de práticas obscenas, cria uma
duto. O cinema novo americano, bastante diferente do europeu e do brasileiro estética do escândalo sexual. Embora existam filmes políticos como Guns of
por seu caráter gráfico e erótico, encontra as mesmas dificuldades do cineme the Ireee. de Jonas Mekas, a constante atual é a do lirismo escatológico, cujo
novo tcheco, e assim por diante.O problema da comunicação dos filmes moder- expoente mais antigo e permanente é Scorpío Rising [1962-64], de Kenneth
nos não é nem mesmo um problema de conteúdos, ou significados. ou política. Anger. Grande parte dos fundadores do novo cinema americano se conforma-
É uma luta fundamental entre o artista e o vício passivo do público, criado, no ram a contratos conseguidos em Hollywood. Outra parte, que se dedicava ao
capitalismo, pelo cinema industrial, no socialismo, pelo cinema de propaganda. cinema-verdade, foi absorvida pela TV que industrializou a técnica da câmera
Para o teórico da esquerda ou para o publicista do capitalismo, a palavra de na mão e do som direto. Outro grupo, à sombra do sucesso dos pioneiros,
ordem é comunicar. Mas comunicar o quê? O mais revolucionário dos cineas- combinou a rebeldia com argumentos comerciais: o célebre David and Lisa
tas russos, Eisenstein, não conseguiu se comunicar com seu público. Maiakó- [David e Lisa, 1962]. de Frank Perry é o exemplo deste tipo espúrio de "filme
vski teve os mesmos problemas. Os filmes russos oficiais, copiados dos ameri- novo" cujo maior representante internacional hoje em dia é Un homme et une
canos enquanto linguagem, apenas cansaram o público soviético, pois a moral femme [Um homem, uma mulher, 1966]. de Claude Lelouch. Mas o cinema
do herói positivo socialista era tão falsa quanto a moral do herói capitalista. clandestino (pop, dadaísta, surrealista, anárquico, automático, abstrato, neo-
A empresa e a burocracia não compreenderam ainda que a dramatíódade é figurativo, como as manifestações da pintura) continua sendo produzido em
uma contradição permanente. Para elas o artista é um funcionário e a arte um grande intensidade em 8, 16 e 35 mm. O carro-chefe do movimento continua
remédio para controlar os homens. O artista pensa o contrário. A arte não pode sendo Jonas Mekas. redator-chefe de FJlm Culture.
ser propaganda nem comércio porque a função da arte é proporcionar ao ho- Na Inglaterra o Free Cínema já foi quase inteiramente absorvido pela in-
mem instrumento de conhecimento diverso do científico. dústria, seguindo os caminhos comercializados de Tony Richardson. Estilistica-
Os cinemas oficiais pregam a dominação do homem, pregam o controle mente o cinema inglês copiou as invenções técnicas da nouvelle vague, e po-
ideológico do público. O cinema americano. mais sutil, conseguiu mais que o liticamente encampa restos da rebeldia anti monárquica dos angry young men.
cinema soviético. Isto porque a linguagem americana estava de acordo com A alegria diante de um velho mundo que se esforça para manter os últimos
a moral colonizadora. Na Rússia a linguagem oficializada foi uma imitação do momentos de seu esplendor encontra em Richard Lester seu cantor máximo.
cinema americano. Derrubando a tese caduca de forma e conteúdo, o cinema Ao cinema moderno britânico de hoje bem se aplica a frase saudosista, cínica
russo apenas provou que uma linguagem velha, capitalista não pode ser a ex- e trágica de Talleyrand, que Bertolucci usa na epígrafe do seu filme Antes da
pressão de uma sociedade revolucionária. Revolução IPrima della Revoluzione]: "Aquele que não viveu os últimos mo-
mentos antes da revolução não sabe o que é a doçura de viver". John Schlesin-
[51 ger, Karel Reisz, Peter Watkins são rebeldes sem causa, rebeldes até os limites
da indústria.
Qual a finalidade do cinema moderno? A revolução se faz violentamente con- Nos países socialistas, Tchecoslováquia e Polônia sobretudo, o cínema
tra os padrões estéticos, morais e políticos do público. Nos Estados Unidos, novo vive o impasse diante do próprio socialismo da Europa Central, onde os
onde o cinema político teve finalidade imediata nos tempos da depressão problemas econômicos estão provocando o desencadeamento de problemas
econômica, o cínems subterrâneo de hoje é apolítico porque os intelectuais existenciais. Garantido pelo Estado, o homem não se sente seguro diante de
americanos não vêem no interior de sua sociedade a menor perspectiva de si mesmo e a vida passa a ser um fluir monótono para a morte. Acreditam os
mudança. Toda a problemática política dos americanos se encontra na con- cineastas socialistas que a revolução profunda ainda não foi feita, que ainda
juntura internacional. O cinems novo americano, porém, fecha os olhos para o existem camadas da velha mentalidade burguesa renitentes. Mas, ao mesmo
imperialismo e se dedica subterraneamente a guerrilhar contra os rígidos pa- tempo, a contaminação com as regras do jogo burguês surge com o desen-
drões morais internos. É um cinema de tendência anárquica, dadaísta. Destrói volvimento e com o mito da segurança. Este é o tema central da jovem obra

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tcheca, sobretudo de Milos Forman, de Vera Chytilova, de Ivan Passer, de Evald Petrovic e Makavejev não possuem a força, a lucidez, a angústia expressiva e o
Schorm. Superando a fase de exaltação histórica em nome da análise do indi- amor de Miklos Jancso, Ferenc Kósa e Istvan Szabo.
víduo, este cinema teve também de se desligar da tradição academizada do Da Rússia nada de novo, a não ser O primeiro mestre [Pe!VYi ucitet', 1965]
realismo socialista. O primeiro modelo a pegar foi a nouve/le vague (Godard de Andrei Mikhalkov-Konchalovsky. O vírus do cínema novo contamina a Finlân-
sem fronteiras, está em todos os lugares). dia, a Dinamarca, a Noruega, a Holanda. A Suécia não encontrou no rebelde Bo
O mesmo acontece na Polônia, cuja geração de Skolimowski e Roman Po- Widerberg [Elvíra Madígan, 1967] um autor à altura do clássico Bergman. E o
lanski não consegue, em termos de criação, corresponder ao velho e ativo próprio Bergman, tentando se modernizar, coloca-se diante do abismo entre a
cinema de Jerzy Kawalerowicz, Andrzej Wajda ou Andrzej Munk. Na Polônia, linguagem e a existência [Personal. Todo o movimento sueco é rumo ao sexo.
único cinema a se rebelar em tempo, através desta geração contra o reahs- Fiéis às suas tradições, mesmo os namoros de Widerberg com Lelouch não
mo socialista, os líderes da luta perderam o fôlego ao tentar o carro do cine- apagam os traços de um cinema de tradições importantes. A Holanda bota a
ma moderno. Os traços da dramaturgia teatral e da literatura discursiva estão cabeça de fora. O cinema novo em 16 e 35 mm reage depois da explosão dos
presentes inclusive na obra mais avançada da época, A passageíra, de Munk. "proves". Joseph «eutus? mistura de Gilberto Santeiro e Rogério Sganzerla. é
Polanski e Skolimowski, perdendo o interesse pejo socialismo, vieram para a um filme de guerrilha cinematográfica de Haia e Amsterdã. E outros se desta-
Europa Ocidental. onde tentam criar uma obra de baixo impacto, sempre nos cam: Paran6ía 11967], de Adriaan Ditvoorst, apresentado em Berlim, impressio-
rastros de Godard. nou a crítica e foi premiado.
O futuro do novo cinema socialista se manifesta na Hungria e Iugoslávia. Alemanha: nouvel/e vague é a lei. Aqui a legenda do cineme novo ganhou
Principalmente na Hungria. O novo cinema húngaro é voltado para o homem a indústria. Alexander Kluge, Edgar Reitz, Volker Schlóndorff, os irmãos Peter,
e para a História, não se deixou enredar pela nouvelle vague: é o único que Thomas e Ulrich Schamoni, e outros cineastas estão em processo de aceitação
volta a tomar e a analisar a linha revolucionária total de Eisenstein. Miklos Janc- pela indústria. Kluge menos que os outros. Seu arsenal teórico é grande, mas
50 [Les sens-espoir, Os sem-esperança, 19651. Istvan Szabo [O pai, Apa, 1966] em Abschied von Gestern (Anita G.I [Despedida de ontem, 19661. não escapa
Ferenc Kósa [10.000 soteils, Tízezer nap, 19651 são os nomes mais evidentes às influências de Godard. Muito se espera deste jovem professor e cineasta.
deste cinema filho do velho Béla Balázs. A Iugoslávia une a complacência à O clássico cinema de Friedrich W. Murnau, Lang e Ernst Lubitsch e outros nada
liberdade de criação. É o mais livre dos cinemas socialistas, mas completa- parece dizer aos novos cineastas germânicos. Do lado oriental nada. Do lado
mente voltado para a arte comerciei e para o esteticismo. A melhor indústria ocidental o compromisso da técnica e da rebeldia pelo denominador comum
de cinema socialista será certamente a iugoslava, mas, a julgar pelos seus dois do erotismo.
maiores cineastas, Aleksandar Petrovic e Dusan Makavejev, pouco se pode A Itália, atacada pelo western, vive o pior período do seu cinema. A do-
esperar de mais profundo. Petrovic [Je rencontrei des Tzganes Heureux, Até minação dos Grandes pelos americanos e o cansaço manifesto dos jovens
encontrei cíganos felízes, 1965-67) é um autor exacerbado, prolixo, poético, deixam apenas um cineasta intermediário de gerações, Pier Paolo Pasolini, e
mas sem a menor visão crítica. Intoxicado pela grande literatura russa (prepara três jovens que devem ser mantidos sob o mais amplo interesse: Bertolucci,
uma versão de Dostoiévskj), Petrovic aplica o "ciqanisrno" como fim e com vi- Marco Bellocchio e Gianni Amico. O cinema italiano, contudo, a partir do que
são cultural. Dusan Makavejev [L'homme n'est pas un oiseeu, O homem não é fazem e pensam estes três cineastas, parece-nos ainda um dos mais ricos de
um pássaro,1966, e Une affaíre de coeur, Um caso de amor ou Drama de uma toda a Europa. Primeiro porque a rebelião contra o neo-realismo não teve como
tuncionérie da Companhía Ietetônice, 1967] é o lirismo solto que se repete saída uma adoção das fórmulas francesas. Segundo porque é um cinema pro-
sobre formas já velhas da nouvelle vague. Sendo o mais francês dos cineastas fundamente ligado aos problemas de seu tempo e não despreza o rigor crítico
iugoslavos, Makavejev - como Skolimowski - está sendo muito bem acolhi- que geralmente marca o cinema italiano do passado. Prime della Revoluzíone,
do pela crítica da Europa ocidental. Mas sua obra revela no íntimo uma grande
nostalgia do mundo burguês, e seu contexto político é evidentemente forçado. Filme holandês não localizado. [N. E ,j

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de Bertolucci, é o mais extraordinário canto poético do novo cinema europeu, [7]
é um filme que conseguiu ser novo sem ser godardiano, o que provoca o res-
peito e a admiração de Godard por Bertolucci. La Cina vicina [A China está
é Encarnando o herói típico do cinema moderno, Straub, sem reconciliação, pas-
próxima, 1967], de Beliocchio (cujo sucesso de I pugni in tasca / De punhos sa as maiores dificuldades pessoais em Munique. Hoje filma Crônica de Anna
cerrados, 1965, continua). trata do mesmo assunto de La chinaise [A chinesa, Magda/ena Bach ou Cantata [Chronik der Anna Magda/ena Bech, 19671. filme
1967]. de Godard: o conflito sino-soviético, a repercussão ocidental de Marx/ sobre a vida de Bach. Straub é uma figura emocionante. Gosta de O desafio
Lenine revistos por Mao. (1965, de Paulo César Saracenij e de Maioria absoluta 11964, de Leon Hirsz-
manjo Durante oito dias, em Berlim, falava sem interrupção de Bunuel. Brecht.
[6] Lubitsch, Gianni Amico, de Bach, de pornografia, de Hirszman e Saraceni. Sua
mulher Daniele Hutüet. co-roteirista e cineasta também, acompanha-o na luta
Dispensando as informações e juizos sobre o cinema novo brasileiro. consi- rumo ao levantamento da imagem de Bach pelo cinema.
derado pela crítica internacional como um dos mais promissores de todos os "Um filme todo em música. Nos momentos de silêncio Bach fala, bebe, às
cinemas novos, chegaremos a Jean-Marte Straub. vezes se irrita" - é Straub quem fala, e continua: "Os atores são músicos que
Straub é francês. fugiu do Exército. vive na Alemanha. Foi assistente de tocam instrumentos barrocos da época. O trabalho é reunir uma orquestra que
alguns diretores da nouvelle vague. Seu filme Os não-reconciliados (Nicht Ver- toque em pé. Um plano para cada movimento. Em som direto. Com Mitchell,
sôbnt, 1965), adaptado de um romance de Heinrich B611, dos mais famosos es- porque para planos fixos, longos, com som direto, é preferível usar uma Mlt-
critores alemães modernos, foi considerado por parte da crítica como uma trai- ohell. A análise de uma época. Bach sem reconciliação? As roupas de época,
ção a B611 e por outra parte como o mais importante filme do cinema moderno. uma época, vem dos restos de Le carrosse d'or [A carruagem de fogo, 1953,
O plano integral, em Straub. atinge sua plenitude. O filme obedece à técni- de Jean RenoirJ, outra parte de La prise du pouvoir pour Louis XIV [A tomada do
ca de um plano para cada ação ou uma idéia para cada plano. É uma sucessão poder por Luís XIV, 1966, de Hossellini], Depois deste filme quero ir ao Brasil.
de planos diretos frontais, em geral fixos, que se unem por rápidas fusões em O cinema novo brasileiro ainda não é pornográfico como os outros".
negro. O diálogo é dito friamente, sem adjetivos. como um recitativo coral. Os Pornografia, para Straub. é a arte arrumada, a arte do choque colorido, a
atores pouco se movem. O tempo é livre, o filme se passa no presente e no arte inofensiva que agrada a burguesia, a estética da flor, do pássaro, do cho-
passado. Corta do passado para o presente e vice-versa sem os artifícios de pe, do amor barato. Straub, sem dúvida, vomitaria sobre a estética do azul.
Resnais ou técnicas clássicas de flashbacks. Tudo se dá na tela. O diálogo. o Os burocratas do cinema alemão relutaram em conceder financiamento a
texto, os ruídos. a rara música, agem simultaneamente. O tempo (escravizante Straub porque o julgam um documentarista, um francês e um acadêmico. In-
noção de tempo) é abolido. o filme É. capaz, portanto. de filmar a vida do grande Johann Sebastian Bach. Em Straub
Politicamente Straub não se reconcilia com o velho cinema nem cede às estão as contradições do cinema moderno. A genialidade sem patrocínio. a
concessões lucrativas da rebeldia ou permite que seus personagens de uma censura ativa {Os não-reconciliados teve inúmeros problemas}. Sua resistência
Alemanha de pós-guerra se reconciliem com os novos políticos civis, demago- e seu humanismo, sua coragem e seu humor nos ensinam que o sucesso não
gos e perigosos como os velhos nazistas. Os não-reconciliados alerta sobre o é o mais fácil para um autor de cinema. Que o preço mais barato do sucesso é
compromisso. É um ensaio sobre a intransigência, é um filme intransigente. o conformismo. E que. entre o comércio e arte. se a arte for impossível de ser
O modelo do ensaio político cinematográfico. A visão. revisão e estudo do fil- feita e levada ao público devido a determinações impiedosas da indústria. o
me permitirão ao leitor avaliar a importância e o rigor de Jean-Marie Straub. melhor será que o cineasta deponha a sua câmera e se transforme em político.
Como a arte clássica, a serviço do poder, o cinema industrial articula infini-
tamente o estilo de uma moral garantida pela força. A linguagem arrumada e o
programa, em qualquer arte. são o fundamento do conformismo, do fascismo.

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o cinema novo, no mundo e no Brasil, se faz cinema de estilos. Um cinema é mais débil. A miséria está mais amena. Cumpre pois recriar artisticamente
de cineastas sem cinema é muito melhor que um cinema de indústria sem esta realidade. desdobrá-Ia em planos poéticos até uma arte maior. Dentro da
cineastas. A vizinhança estéril do México e da Espanha, a frustração da Argen- perspectiva estética traçada pela postulação teórica neo-realista de dez anos é
tina, são provas de que não são as burocracias, nem os dirigismos, nem os que não pode se conduzir o cinema italiano.
sectarismos, nem as teorias ingênuas, os disciplinadores de uma cultura que Todas estas declarações de Fellini já eram mais ou menos conhecidas. As
se quer nova. mais recentes revisões críticas do neo-reelismo como também as melhores
No caso do cinema novo brasileiro, que reúne em si as esperanças de todo produções artísticas saídas dos melhores cineastas peninsulares denunciavam
o cinema do Terceiro Mundo, a nossa vigilância tem de ser permanente con- uma curva em outra direção: do próprio Fellini (ponta de lança da "direita" ci-
tra todos aqueles que, já vendo no Brasil a possibilidade de se fazer cinema, nematográfica mundial e particular italiana) até a outra máxima ponta esquerda
querem assaltar e capitalizar o talento e a coragem, o sacrifício e a indignação - Luchino Visconti - ocorria a fuga da chamada linha zavattiniana e o grupo
em nome de uma ordem desenvolvimentista, engravatada, bêbada, covarde, que designavam de início: antiformalismo; cinema social; produção precária.
demitida e estéril. Mais que nunca o cinema novo no Brasil só terá sentido se Se com Federico Fellini La strada rompia categoricamente com a diretriz, ne-
estiver integrado na vanguarda da mais agressiva e imediata luta. Sem recon- gando o diretor a academização, e herdando para si as lições mais benéficas
ciliação. Os inimigos de ontem já nos acenam com bandeiras de amizade, mas de Cesare Zavattini, Luigi Chiarini, Umberto Barbaro e outros, por outro lado o
qualquer compromisso do artista brasileiro com a boa consciência e com a mais estranho era Visconti, após os "pobres" (no sentido da produção) Osses-
disciplina será uma conciliação. Câmera na mão ou no tripé, a técnica evolui, sione e La terra trema, o primeiro filme considerado como quase um manifesto
isto não importa. Mas uma idéia na cabeça, sempre. neo-realista - reconquistando a fama mundial com três golpes sucessivos de
requinte na produção e na realização de Senso, Bellissima eLe notti bianche já
[O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 30 mar.1968] ao tempo que também um outro, mais jovem, Renato Castellani assombrava o
mundo e escandalizava a austeridade britânica com uma versão neo-realista e
em cores do Romeu e Julieta [Giulietta e Romeo, 1954] shakespeareano. Princi-
NEO-REALlSMO: INSPIRAÇÃO FALIDA palmente nos dois últimos casos, Visconti e Castellani, notam-se as principais
contradições da teoria neo-realista quando evoluída no terreno prático. Cumpre
[11 antes de demonstrá-Ia, esclarecer algumas causas econâmicas-sociais-artís-
ticas deste movimento de renascimento cinematográfico, o mais importante
Federico Fellini em recente entrevista à imprensa de New York, onde foi rece- dos últimos doze anos, finda a Segunda Guerra.
ber o Oscar que lhe coube pelo melhor filme estrangeiro ao seu famosa mente
mundial La strada [Na estrada da vida), declarou de maneira objetiva que o neo- [21
realismo italiano era filão esgotado; que a insistência de alguns diretores na
escola resultava apenas em "costura de fracassos"; que o cinema italiano para Um ligeiro histórico: finda a guerra. Itália em escombros. Vida e Indústria nau-
reconquistar as platéias necessitava de nova musa; que utilizar atores america- fragadas. Arte moribunda. Sobrevive apenas a tradição dos séculos. A litera-
nos na Itália era como se uma cozinha americana desejasse spaghetti: nunca tura débil: um nome se projeta do passado sobre os novos: Giovanni Verga,
satisfazia; que os diretores de esquerda ainda confundiam neo-reelismo com igual a "Verisrno". Cinema sobrevivente do engajado ao fascismo. Os velhos
"cinema sobre a miséria" e que por isso ele, Felfini. era chamado reacionário cineastas, os veteranos, Mario Soldati, Alessandro Blasetti, Mario Camerini e
por transfigurar/interpretar a realidade; conclui dizendo que no após-guerra a outros, todos vítimas da pobreza econômica e de temas: a linguagem esgota-
realidade era objetiva e absoluta: tão carregada de elementos que bastava o da. Rossellini vem do fascismo, onde se comprometera com O homem da cruz
cineasta se debruçar e colher o filme original. vibrante. Hoje em dia a realidade e etc ... Urge uma providência: mais: sobrevivência. Um sopro de ousadia que

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caracteriza os gênios selvagens empurra Rossellini sobre a miséria italiana: do após-guerra que não podia aceitar nem o realismo negro do cinema francês
sem dinheiro, com material péssimo, sem roteiro: coragem e talento. Resul- nem a vida cor-de-rosa americana. Assim a miséria virou fonte de renda. Daí
tado: Roma, cidade aberta, Paisà: fracasso. Mais tarde: sucesso internacional. os cineastas que se formavam com nova consciência cultural buscarem uma
Forma-se um grupo de intelectuais. de artistas, de aventureiros. Denomina- nova linguagem; mais uma vez a pobreza levou à abolição do estretlsrno e o
dores comuns: politicamente, de esquerda; nacionalistas, queriam reerguer a apanhar gente do povo e o transformá-Ia em intérprete criaram um novo etilo
Itália; artisticamente, não aceitando as velhas fórmulas e rompendo absoluta- de interpretação. Sobre tais revoluções da linguagem e da expressão cinema-
mente tanto com os métodos de produção quanto com a estética do cinema tográficas vieram os teóricos e levantaram a pirâmide da estética neo-realis-
tradicional de todo o mundo. É claro que a primeira posição era motivada por ta; vieram os sociólogos e procuraram a sistematização de uma sociologia do
causas econômicas que, até certo ponto, iam determinar a nova estética; de neo-realísmo; veio o historiador Carlo Lizzani e em 1i cinema itetienoe historiou
quase noventa por cento de probabilidades a favor, torna-se 'Impossível negar em método enquadrado à sua ideologia marxista a existência do neo-reelis-
o neo-realísmo como um fenômeno de superestrutura. mo; finalmente os humanistas pregaram uma ética do movimento. E o povo,
Enquanto a teoria ganha corpo em mãos de Luigi Chiarini. Zavattini e Um- o público? Segundo o crítico J. C. Cavalheiro Lima, o neo-realismo foi para
berto Bárbaro. surgem os cineastas Visconti, com Oseessione, Giuseppe De o povo latino-americano o reencontro de remotas e profundas afinidades hu-
Sanris. com Trágica perseguição [Caccia tragica, 1947J, De Sica, com Sciuscià manas, psicológicas e sociais; foi uma conjugação que universalizou o sofri-
[Vítimas da tormenta, 1945-46] e logo Ladrões de bicicletas e então a máquina mento humano e declarou uma esperança comum a todos. Então a classe
começa a girar e os mundos do Ocidente e Oriente se deslumbram com o média e os proletários se encaminharam para o cinema e lá era fácil encontrar
novo cinema. O movimento repercute na literatura e escritores como Alberto a sua vida de luta diária mostrada e estudada com atenção. Cada funcionário
Moravia e Riccardo Bacchelli aderem ao cinema, além do próprio Zavattini e público, cada mãe de família, cada operário passou a ser valorizado para o
outros alguns. mundo. E enquanto o sentimento atraía ao cinema, os cofres do neo-reelismo
Paremos aqui o rápido retrospecto e não nos detenhamos nos caracteres foram se enchendo e então o purismo das intenções foi ruindo: uma nova
estéticos do neo-reelismo, mais ou menos difusamente conhecidos de boa ordem econômica permitia o estrelismo e os mais dogmáticos aderiram de
parte do público já por tantos estudos feitos. Passemos ao que mais interessa: Silvana Mangano a Gina Lollobrigida. Giuseppe De Santis lança Arroz amargo
o esgotamento da escola, a propósito das declarações de Fellini. (Riso amaro, 1949] com o erotismo sobre o realismo. De Sica passa à estrela.
A dupla Lollobrigida/Loren desbanca as edições Momoe. Enquanto a economia
a) causas econômicas de cinema italiano progride ao passo que sua produção penetra e cobre todos
A história do cinema é também hoje uma história da evolução e dos cho- os mercados, Hollywood mergulha em crise ao ser vencida internamente nos
ques econômicos internacionais. É deficiente a história meramente documen- EUA pela televisão. As vedetes americanas embarcam para a península. Os
tai, despida das suas importantíssimas artérias industriais. Mesmo uma his- produtores italianos, dos quais já se erguia o binômio dos monstrinhos Carlo
tória de exclusividade artística não poderia, na maioria dos casos e mais em Ponti/Dino De Laurentis, podem contratar astros internacionais: resultado: cai
particular no neo-reetisrno, fugir do subterrâneo da produção-comércio: por a escola de interpretação. Perdendo terreno para os americanos os atores ita-
isso a história breve dos grandes anos nec-reeüstas é antes mesmo uma his- lianos protestam: querem mais. Com o público preso do busto de Lollo à coxa
tória da economia cinematográfica ocidental. Surgindo da crise sociopolítica, de Mangano, a única solução é subir o preço e fomentar o estrelismo. Rui pois
logo da econômica, já vimos que a nova estética brotou como uma imposição a seriedade. É preciso o filme para satisfazer todos os mercados. Cinema para
vital mais do que de uma inspiração pura. Foi a técnica primária que provocou a burguesia e para os sentimentos dramalhonescos recônditos na classe mé-
a simplificação de forma. Paisà nasceu da pobreza de Rossellini. Descoberta a dia. Rossellini lança "Ia Bergman". Blasetti pula na comédia. Soldati mergulha
miséria com a miséria dos produtores. ao lado do impulso humanista a produ-
ção descobriu a miséria como tema rico em atrativos para o público saturado 1/cinema italiano dalfe origini agfi anni ottanta (Roma: Editori Hiuniti. 1979). IN. E.J

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no sexo com La provinciale [A insatisfeita, 1952], e assim o movimento vai invo- c) conclusões sempre dentro de um fraternalismo prometendo esperanças
luindo de exemplos a exemplos inumeráveis. Até aqui a linha geral do porque de melhores dias.
erttstico da involução neo-realista, mais um choque de retrocesso econômico Na realização forma: planos normais, cortes rápidos, fotografia simples,
em Hollywood e uma riqueza inesperada para o cinema de península. Os no- canções típicas. Isto em linha geral.
vos ricos do spaghetti quebraram o idealismo. A crítica se desmoralizou até Também o neo-reelismo se divide em:
certo ponto. O dogmatismo de esquerda claudicou com as últimas chama- a) metropolitano (histórias citadinas, em Roma e principalmente nos becos
das revisões e do caos sobrou Fellini. com o cinema "ressuscitado em Cristo" napolitanos). Ex: Nápoles milionária [Napo/i milionerie. 1950];
(em paráfrase a Jorge de Lima e Murilo Mendes com a poesia ...) e Visconti, b) campesino: histórias rurais, envolvendo os problemas de religião e de
maiormente requintado na esquerda, fazendo cinema de vanguarda social no costumes particulares dos camponeses italianos, manifestação da qual Giuse-
melhor bom gosto da cenografia e da cor, voltando ao passado de braços com ppe De Santis se tornou o mais responsável com Trágica perseguição, Arroz
Stendhal e Dostoiévski. amargo, Páscoa de sangue [Non c'é paee tra gli ulivi, 1950) e o recente Dias
Em próximo artigo teceremos considerações finais sobre as causas pro- de amor [Giorni d'emore, 1954]. que será exibido a partir de hoje no Art. (Por
priamente artísticas. sinal, apesar de preferir a temática campestre, De Sontis, com Roma às onze
horas (Roma ore t t , 1952], se incorpora à antologia dos cinco maiores filmes
[Vida Capixaba, Vitória (ES). s/d. ctrca 1958, Suplemento Literário Sete Dias] do neo-reelismo metropolitano, ao lado de De Sica, com Ladrões de bicicletas,
Umberto D; de Rossellini, com Roma, cidade aberta e Eduardo De Filippo com
Nápoles milionária.)
CONCLUINDO SOBRE NEO-REALlSMO Sabe-se porém que somente em tese uma escola traça normas rígidas:
no campo da realização existem as variações em torno da teoria ainda que
Vimos que a falência artística do movimento se processou como conseqüência menor ou maiormente para fora das linhas. Mais dogmáticos permaneciam De
da inesperada riqueza que invadiu os cofres dos produtores italianos. Todavia, Sica/Zavattini (até Milagre em Milão, Miracolo a Milano, 1951), mais relaxado
é claro, por outro ângulo, no campo do exclusivamente estético, na pura teoria figurava De Santis, fiel quanto ao tema-argumento, mas fugindo na forma para
da arte cinematográfica, outras causas - artísticas - influíram não mesmo um requinte onde as influências bem absorvidas no cinema clássico russo se
na decadência da escola, mas na sua superação, na saída de alguns cineastas faziam sentir e no qual o erotismo saltava paralelo ao realismo, provocando um
para outros caminhos em busca de temas desconhecidos e de forma inven- dos mais complexos cinemas da época, o que levou muita crítica a chamá-lo
tiva: em suma - libertação final da academia neo-realista, do falso conceito barroco, tal já fizera com Orson Wells ou lngmar Bergman, o sueco. Ainda for-
propalado de que para ser cinema italiano da espécie deveria, por força de mando na linha campestre, encontrava-se Alberto Lattuada, com O bandido (11
circunstância, ser cinema versando sobre miséria. Ora, tal consenso armou um bendito, 19461. O moinho do Po [11 mulino dei Po. 19491. A loba [La lupa. 1953];
trampolim do qual saltavam todos os cineastas filiados para uma linguagem entre uma e outra tendência estavam Visconti. com Obsessão e A terra treme
que se caracterizava, e Rossellini com Paisà, Roma, cidade abetta e Strombo/i: mais outros cineastas
que se faz necessário omitir por carência de espaço.
No tema e argumento:
a) tipos comuns, populares, operários, burgueses gordos, meninos, polí- [11
cias etc. e camponeses, ex-guerrilheiros etc.;
b) histórias simples do cotidiano, envolvendo pequenas situações que as- A discussão máxima da crítica sobre a arte neo-realista era se o movimento tinha
sumiam proporções de tragédia; ou não tinha caracteres formalistas: FORMALISMO ou ANTI FORMALISMO?
Aconfusão gerada de que formalismo eraexagero -conceito, de resto, primário-

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levou uma parte dos estudiosos a encarar a simplificação fotográfica, a es- A LPHA VlLLE
pontaneidade interpretativa e o ritmo funcional como posição de antiforma
ou cinema que se apoiava exclusivamente no conteúdo. Muitos cineastas, os Para quem já vive em pleno yêyêismo, música enlatada, Alphaville é mais rea-
menores e mais políticos, caíram nessa academia: conteúdo é miséria: anti- lidade que ficção. Afinal. no mundo da lógica, nada mais lógico que uma mú-
formalismo é apenas fotografia direta, reportagem, documentário sobre fome, sica só, um mesmo ritmo, sempre em frente, com a "sensação" determinada.
desemprego e prostituição. O antiformalismo no fundo era uma forma de eco- Como no cinema B americano, na estória em quadrinho, na publicidade etc.
nomizar e de fazer cinema fácil. A simplificação, o depuramento. por outro O zerozerotismo" é a chamada "comunicação de massas". Nasceu disto, da
lado, de um Ladrões de bicicletas era, ao contrário, alta forma, alto requinte de planificação. Sendo realidade não sou obrigado a admitir. Não me venham cha-
composição e ritmo, como Umberto D. mar de reacionário por isto. Viva a técnica que hoje nos permite tirar o apêndi-
A um ponto chegaram que o talento dos rebeldes (diga-se dos talentosos ce sem dor, mas cuidado com ela quando começa a metrificar tanto o soneto
em crise com o momento presente) obrigou a um rompimento com os câno- que, no final das contas, provoca tudo menos o mais: isto é, poesia. Não me
nes: então, o dogmático binômio De SicalZavattini saltou para a fábula Milagre venham também chamar de lirico ou irracionalista, godardmaníaco, porque,
em Milão, via dois mestres do passado: René Clair e Chaplin; Visconti renun- apesar de jocoso, Godard é talvez racional demais. Hoje em dia, com tantas
ciou, assim que teve dinheiro, ao preto e branco e buscou a cor, repetimos, foi contradições abalando os valores vigentes, o irracional talvez esteja mais por
ao passado no reencontro com Stendhal e Dostoiévskl: Castellani bebeu na dentro do que a própria razão. Aliás, como diz a vã filosofia (depois em samba)
fonte shakespeareana. Então: ainda neo-realismo? Responderam os teóricos: há "...razões que a própria razão..
Sim! Uma nova modalidade! Réplica: Mas formal? mas passional? mas não
político? mais psicológico e não sociológico? mas em cor? mas poético? abs- [21
trato? simbólico?
Resposta: confusão, novas tiradas. Resultado presente: CRISE no conceito A introdução tem fins polêmicos a propósito de Alphaville, nona godardiana,
da escola. que desagradou a muitos, principalmente aos "filhos da razão". Como anotou
E a posição de Fellini: banido teoricamente do movimento porque La strada uma vez em artigo Luiz Carlos Maciel, o nosso século pariu os "filhos do es-
é metafísico, é individualista, é cristão. Mas a forma segue a linha do movimen- panto". Estes brigam com os "filhos da razão" mas acredito que um e outro
to, embora com a força estilística pessoal do diretor Feüini, os personagens lutam pelo bem da humanidade. Que o homem é ruim todos nós sabemos
são pobres, há fome e prostituição como também no recente Cabida. De Sica mas seria demais pensar que o dr. Von Braun não tivesse lá no fundo suas
por causa da fábula do irreal em Milagre em Milão permaneceu enquadrado. boas intenções. O cérebro eletrônico que domina Alphaville tolera a superpla-
Então por que a muralha contra Fellini? Política? nificação acreditando nos bons resultados do homem. O pior é que ninguém
Eis, resumidamente, o momento atual da crise artística do neo-realismo. sabe mesmo o que deseja o homem depois de casa, comida, educação e saú-
Não é tão simples: muito mais complexa só interessaria mesmo aos estudio- de. O cérebro se esqueceu disto: necessita de poesia. E para que haja poesia
sos do assunto em toda sua profundidade. é necessário inconsciência. As ditaduras vivem de uma superconsciência que
Oportunamente, quando se fizer a exibição já tardia do famoso e fabuloso depende da não-consciência do dominado. O dominado só reage quando duvi-
Na estrada da vida, voltaremos com novo retalho do assunto visto que neo- da, a dúvida é a fonte da consciência.
realismo é tema para uns trinta volumosos tratados e não para estas colunas, Por isto, quando Lemmy Caution revela ao Cérebro a "poesia", o Cérebro
senão assim resumido. degringola, entorta os filamentos. enlouquece. Começa então, a revolução.

[Vida Capixaba, Vitória (ES). sld, circa 1958. Suplemento Literário Sete Dias] Glauber refere-se aos filmes de 007, James Bond. Essa expressão reaparece a seguir com varia-
ções. [N.E.]

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[3] artística, às próprias fontes da intolerância. Os teóricos, não quero atacá-los
impunemente, defendem sempre uma ideologia. E a ideologia é própria dos
Godard não investe contra a tecnologia (...cracia ...) porque ele mesmo a utiliza teóricos, dos dominadores, dos condutores. Nada, porém, mais insuportável
em seus filmes através de um perfeito conjunto som/imagem. Mas Godard, para um artista do que uma ideologia que lhe determina caminhos ou finalida-
como ninguém no cinema, despreza a técnica em função da estética e a téc- des. A finalidade ideológica de uma obra de arte, quando atingida, vem muito
nica, para ele, entra como infra não como superestrutura. Ele mesmo declarou além de uma legislação estética. É o caso do vlsconti que, sendo marxista,
numa entrevista que acha absurdo quando alguém vem dizer que um superes- só logrou grandes resultados quando foi dominado pela inspiração irracional.
petáculo, estilo Ben-Hur, é bacana porque é só espetáculo, não escorrega na Mesmo filmes como Sa/vatore Giulieno, de Rosi, ou Vidas secas, de Nelson,
filosofia/mensagem. Grande besteira, porque o fato de existir uma superprodu- que à primeira vista parecem profundos produtos da razão ideológica são,
ção estilo Ben-Hur já é um escorrego-temático para o exercício filosófico. Um analisados a fundo, de um requinte estético que deixam lá embaixo filmes de
filme destes existe não para divertir as massas mas para extrair das massas produção americanos ou filmes soviéticos de persuasão. O caso é geral. tanto
inconscientes o maior número possível de entradas. A superconsciência do na Rússia (vide Eisenstein!) como nos Estados Unidos (vide Orson Welles!).
espetáculo, a ditadura do zerozerosetismo. É claro que um artista pensa, tem pontos de vista sobre as coisas, serve
Os defensores da "arte popular" acham que basta criar uma técnica de co- também a ideologias. Mas o que eu quero dizer é que o divórcio original en-
municação eficiente para resolver os problemas da humanidade. Francamente tre o artista e o condicionamento é tão grande (ou igual) quanto aquele que,
não acredito que a humanidade possa ser resolvida com arte, muito menos na infância ainda, o fez escolher os caminhos da liberdade. Há dois tipos de
com arte mecânica. O zezerotismo é o melhor resultado da arte popular que intelectuais em conflito: os irracionalistas, os artistas, os "filhos do espanto";
temos notícia. Qualquer outra teoria que não ganha platéias é antipopular, logo os racionalistas, os cientistas, os teóricos, os críticos. Este conflito só deixa de
teoria no papel é fácil mas não resolve. Isto não quer dizer que Brecht, por existir quando, no caso genial de um Sartre, a ambigüidade se equipara. Mas
exemplo, estava por fora. O dramaturgo estava por dentro e realmente conse- não se precisa ser bom crítico para saber que Sartre sobreviverá mais pela
guiu desmistificar o espetáculo tradicional lançando para a posteridade uma obra filosófica do que pela obra artística, esta em função de sua filosofia. Vão
nova tradição. Tradição que Godard incorpora melhor do que ninguém no cine- me dizer que William, o inglês, era profundamente racional. haja vista a cons-
ma, desinfetando Joseph Losey, o cineasta que, praticamente, cinematografou trução de suas peças. Mas seria real o tom oratório de seus personagens, de
o Brecht. A resposta Godardiana. no entanto, é de extrema validade crítica mas grande beleza? Claro que não. O fundamento shakespeareano é a vã imagina-
continua antipopular. Como antipopulares são, nas origens, os movimentos ção antes de seu domínio artesanal da língua, fruto da criação. Se a coisa fosse
subversivos. O cristianismo, todos nós sabemos, padeceu nas arenas antes de mais simples bastava juntar Timão com Próspero para se obter um resultado
São Pedro dar seu golpe de Estado, fundando um outro, tão ou mais ditatorial genial. Não tenho notícia de quem tenha conseguido tal êxito, embora saiba
do que o dos seus anteriores romanos. que cientistas, pela razão, inventaram a bomba.
Alguns artistas, evidentemente, conseguem sucesso a partir da crítica: Vis- E assim por diante.
conti, em Roeeo, é exemplo. Mas Visconti apelou para o dramalhão operístico
sem o menor pudor, e sem fazer crítica disto. Usou o filão puro e grosso para [41
argumentar melhor. E, nos casos anteriores ou posteriores, não obteve o mes-
mo resultado. Roeeo foi, antes de tudo, obra de inspiração, que escapa à razão. Godard manda brasa neste assunto. É tema dominante de nosso século, Ros-
Acredito, por isto, que as raízes da criação artística são irracionais; a própria sellini, um primitivo, já o dizia. Ninguém mais ignorante do que Rossellini, raro
arte é irracional na medida que imprime uma razão própria, individual, aos fatos um cineasta tão genial. Rossellini é o pré-Godard, o cineasta mais culto que
da realidade. E a super-razão que os teóricos vêm querendo impor através dos existe no cinema, tão culto e racional que às vezes fica chato. Godard, porém,
tempos criou, ao lado de muitos esclarecimentos, muitos obstáculos à criação é uma nova modalidade de artista. Um artista racional. Não estou desdizendo

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o dito, mas quero dizer que, se para o mundo subdesenvolvido é mais do que Godard é um cineasta mineral. Alphaville joga Lemmy Caution armado de
fecunda uma criminal idade anarcossurrealista estilo Buríuel, para o mundo de- uma pistola com balas Elouard contra o Cérebro dominado, fruto da genialida-
senvolvido é mais do que necessário um espírito anarco-crítico como o do Go- de científica do dr. Von Braun. Pelo menos na ficção Lemmy Caution escapa
dardo Mesmo porque, se não fosse assim, a vida não tinha graça de ser vivida, com a mocinha. Escaparemos nós do terrorismo apenas com versos? A lição
com tudo no lugar, sem ninguém para desarrumar o arrumado. de Lemmy Caution é mais positiva?
Jean-Luc duvida e quando pergunta o que é para não ser perguntado, cho-
ca. É como Van Gogh pintando o que não era para ser pintado. O que Jean-Luc [Texto datilografado. s/d. constante do arquivo Tempo Glauber]
pergunta é sobre a boa ou má consciência, é sobre a falibilidade da máquina,
do intranscendente. O transcendente é a única fuga que pode dourar a pílula
do homem sofredor. No país do dr. Von Braun quem chora ou ama é fuzilado, a você GOSTA DE JEAN·LUC GODARD7 (SE NÃO. ESTÁ POR fORA)
noção do erotismo está desligada do amor.
Liberdade é problema relativo. Desde que haja Estado a liberdade sofre de Dois filmes ao mesmo tempo - um nos dias pares, outro nos ímpares - eis
funcionalidade e, nestes casos, a melhor coisa é meter uma granada na boca o ritmo godardiano. Jean-Luc não tem escrúpulos, responde apressado: "Ora,
dos poetas, sujeitos que, há anos atrás, eram tidos como loucos porque passea- rodo dois filmes ao mesmo tempo por orgulho, porque é uma grande perfor-
vam com suas amadas na lua. Hoje já se vê que os poetas tinham razão, a tal mance. É como se um regente conduzisse duas orquestras ao mesmo tem-
razão que valeu fogueira para muitos. Razão, pois, como liberdade, é questão po ...". Cínico, anarquista, irreverente, trágico, romântico, irresponsável. clás-
de tempo e seria muito pedantismo achar que por aqui. na terra, as coisas es- sico, inquieto, irritante e desconcertante - cara ou coroa - eis a multiface
tão em grande progresso. Há uma pobreza cultural enorme e esta pobreza se deste franco-suíço de 36 anos, magro e nervoso, ligeiramente calvo, consi-
denuncia na intolerância dominante. Nunca se falou tanto em liberdade, nunca derado por Aragon, voz de proa do comunismo na França, como um Cézanne
se perseguiu tanto artistas e intelectuais. O único eterno subversivo do mundo moderno, tão importante para o cinema quanto o pintor o foi para a pintura.
é o artista. Os cientistas, não. Eles criam as bombas e os corações de alumínio, Explicando sua posição política nas páginas de Les Lettres Françaises, Godard
mas a moral deles são os Chefes, os Militares, os Banqueiros, os Teóricos. O esclareceu o que muita gente gostaria de saber:
artista, não. O artista, inquirindo sobre o real, pode até declarar a falência da _ Quando precisarem de minha ajuda para organizar uma greve de portuá-
máquina. Ela não pode, por exemplo. fazer alguém sentir um tom de primavera: rios em Marselha podem me convidar que estou à disposição.
isto gera morte, é ilógico. Dr. Von Braun condena Lemmy Caution à morte. Apesar disto a crítica radical e reacionária da França divulgou um rótulo de
Lemmy Caution, bom agente secreto, filho do zezeroteísmo manda bala no "fascista" a propósito de um controvertido filme proibido pela censura "de-
dr. Von Braun. Afinal, atirar é o único recurso contra a fatalidade. Foi por isto golista", Le petit sokiet, sucessor do revolucionário À bout de souttte. Godard
que muita gente pegou em armas na História. fazendo filmes, continua se explicando:
_ Sou um pintor de letras. Assim como existem homens de letras. Quero
[51 entrar na caverna de Platão iluminado pela luz de Cézanne.
Godard explode. descontrola o bom pensamento cinematográfico. Godard
Na verdade, cada um de nós tem uma Revolução a fazer e somente os Hevo- é um artista, Godard é um homem de nosso tempo:
lucionários sentiram o verdadeiro gosto da vida ou da morte. A Revolução, po- _ Gostaria de dirigir as Atualidades Francesas. Quero documentar a guerra
rém. é permanente e. por ser permanente, deve duvidar sempre, revolucionan- do Vietnã e a alfabetização em Cuba. O cinema deve ser útil.
do os estágios que os reacionários determinam como ideais. Uma revolução. Mas Godard não é um fascista? Então por que um fascista dá um tiro no
desculpem-me a imagem romântica, é como uma flor que se abre com pétalas ditador eletrônico e rapta a mocinha para uma nova aventura rumo ao mundo
imprevistas. Às vezes uma é carnal, outra mineral. exterior?

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As dúvidas são muitas, a polêmica cresce, a pergunta é inevitável nos qua- Filho de uma França equilibrada pelo regime degolista, regime personalista
tro cantos do mundo:
e voluntarioso, e diante da crescente estabilidade do mundo socialista euro-
- Você gosta de Jean-Luc Godard? peu, Godard se vê num beco sem saída dentro do velho continente. Para um
Para com,eço de conversa nenhuma pessoa com princípios rígidos gosta pensador que ainda cultiva a cultura em termos moralizantes, Godard explode
de Godard. E como aquela história do camarada que reage: "Detesto este como uma espécie de fanático ameaçador. É como um pequeno Vago circulan-
prato!". "Mas já experimentou?" "Uma vez, detestei." "Ora, experimente outra do por nossa vizinhança, é a consciência impossível para quem construiu sua
vez!" "Hum, é ótimo mas não é nutritivo!" A critica em geral quer aplicar uma consciência sobre o "não-ser". isto é, sobre um "ser limitado" a um idealismo
receita de nutrição a Godard: "É genial mas não é sério!". "Do ponto de vista revolucionário. Jean-Luc Godard é o primeiro artista europeu pós-sartreano:
estético, vai!" "Politicamente é alienado!" A garotada que pulula nas calça- Jean-Luc Godard não fez da sua liberdade um compromisso mas fez de sua
das do Paissandu traz Jean-Luc na ponta da língua. A turma mais velha da liberdade um instrumento de conquista.
esquerda fala mal com ousadia e convicção: somente os esquerdistas mais Na medida que o leitor se interesse, Godard é dos melhores temas para
esnobes falam bem, isto é, segundo a opiniáo da esquerda quadrada. Ora, se a chamada discussão sobre "arte e engajamento". Esta conversa, cheia de
um sujeito que se diz da esquerda gosta de Godard - é porque está sofrendo chavões, é o blá-blá-blá preferido dos chamados críticos conservadores. Crítico
de uma contaminação da arte burguesa. Se o sujeito que é católico e america- conservador se encontra na esquerda e na direita. Difícil é encontrar crítico de
nista gosta de Godard está sofrendo, segundo os radicais direitistas, de uma vanguarda. Logo, a grande chateação do artista revolucionário é ver sua obra
contaminação esquerdizante. Acusam Godard de tudo, menos de homosse- mexida com despudorada intimidade por críticos incapazes. Ou por moralistas
~ua~, o ~ue, convenhamos, é uma grande vantagem nos círculos da pichação recalcados. Ou por eruditos fanáticos. Godard, que também é crítico, conhece
I nstttucfonalizada
bem estas manobras. Volta e meia dá uma entrevista e ateia fogo à lareira:
A maioría dos intelectuais brasileiros ainda não tomou conhecimento do - Cinema soviético? Ora, o cinema soviético é muito ruim. Mas eu pergun-
fenômeno Godard. Para eles Godard é uma espécie de Charlie Chaplin francês, to: valerá a pena fazer cinema quando se constrói foguetes interplanetários?
um diretor de filmes que está na moda, um brincalhão moderno como aqueles Quando Carlos Drummond de Andrade escreveu o poema da pedra, o
pintores abstratos que pintavam o quadro Com o rabo do burro sujo de tinta. poema virou piada pelo Brasil afora. Qualquer imbecil de gravata contava com
Um intelectual brasileiro de quarenta anos é bem capaz de ver Pierrot le Fou muita graça o verso da "pedra no caminho" e dizia: "Esta também eu faço!".
com a tranqüilidade de quem come pipocas. E mesmo que este intelectual Hoje, Drummond se consagrou como o grande poeta brasileiro e um dos maio-
seja poeta e tradutor de Rimbaud ele não perceberá que Pierrot é uma nova res do mundo: o verso da "pedra do caminho" ganha sua devida força, seu
estação no inferno. Não perceberá porque está deseducado para esta experiên- terreno é firme, suas raízes ninguém mais arranca. Os filmes de Jean-Luc se
cia. Seria como um crítico de pintura educado no academicismo visitar uma parecem com esta "pedra do caminho". Uma pedrinha num terreno cheio de
primeira exposição de Cézanne.
armadilhas. Vou mostrar as arapucas.
A coisa mais incrível da história da arte é a reação do pensamento formali- O cinema é uma lata de lixo das belas-artes. Eisenstein, criador e pensador,
zado contra as grandes revoluções. O impacto de À bout de souffle (Acossado, elaborou uma primeira estética cinematográfica à base da pintura e da poesia,
1960) projetou o nome de Godard mas até hoje ele continua sendo uma das numa época em que as contingências do estalinismo o castraram. Eisensteln.
maiores fontes da burrice na crítica cinematográfica: começando cedo na genialidade de Potemkin, chegou tarde à grande orques-
- O tudo no tudo - diz Godard. Isto é: o máximo de coisas no mínimo de tração de Ivan o Terrível, em 1945, quando já, em 1941, Orson Welles havia
tempo, uma ação simultânea Como Joyce, um encontro da sociologia com a filmado Cidadão Kane e, em 1944-45, Rossellini terminava Roma, cidade aber-
ficção, da antropologia com a poesia, de Shakespeare com a science-fiction, ta. Neste quadro, vemos que Elsenstetn chegou ao esplendor de um cinema
da pintura com a filosofia, eis a cartilha pop que choca aos cultores de um renascentista quando Orson Welles já tinha dado a grande festa de despedida
formalismo tossilizante.
do expressionismo e Rossellini, paralelamente, inaugurava o cinema moderno.

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Vamos explicar isto com mais detalhes. Eisenstein queria fazer no cinema o quando Visconti já inicia sua decomposição a partir do formalismo esterilizante
que fez Da Vinci ou Michelangelo ou Dante: queria organizar o cinema à se- que ele próprio arquitetou na sua aristocrática atitude diante da revolução (típi-
melhança do mundo, fazer o novo cinema russo a expressão consagradora ca de Ii Gattopardo [1963]. uma verdadeira autobiografia de Visconti) - Roberto
da nova sociedade russa. Acontece que Orson Welles, filho de uma socieda- se consagra nas telas do mundo com seu moderno ensaio de política e poesia,
de que se revolucionava em outro estilo, fez um filme que desorganizava as A tomada do poder por Luís XIV, um filme em cores para a Televisão Francesa.
tradições culturais de um cinema na medida que aplicava isto à visão trágica Cor e Televisão - modernidade de comunicação. Roberto, no seu duro itine-
da sociedade neocapitalista americana. Na medida que Eisenstein organiza, rário, se libertou do cinema industrial para a TV; Roberto, quando chegou à
Welles destrói. Cidadão Kane é um passo adiante de Ivan, mas é um filme nova comunicação, aí também chegou com uma nova linguagem; Roberto é
que provavelmente Eisenstein faria nos Estados Unidos; não duvido mesmo um cineasta de nosso tempo, Roberto não tem nada a ver com o maravilhoso
que seu projeto para filmar Uma tragédia americana, de Dreiser, fosse muito anacronismo que é o cinema (como o teatro, no dizer de Welles); Roberto é o
diverso de Cidadão Kane. Numa Rússia fossilizada pelo estalinismo, Eisenstein grande pai e mestre que agora, como Luís XIV, toma o poder; o filho direto e
envelheceu como a própria revolução. Welles deu o grande toque ao funeral do legítimo, o herdeiro absoluto do novo cinema é Jean-Luc Godard:
expressionismo que os diretores alemães trouxeram para Hollywood, escola - Quando se vai a Roma é necessário interromper todos os compromis-
fossilizada pela indústria e política imperialistas. sos para se comer um spaghetti chez Roberto. Roberto sabe fazer spaghetti
Na Europa devastada pela guerra, longe dos deveres de Estado ou dos como ninguém ... (Jean-Luc Godard, Filmecritica, 1964).
compromissos com a Indústria, o cinegrafista Roberto Rossellini, que traba- O leitor, se ainda está interessado, perguntará porque não falei nem de
lhou até mesmo para Mussolini nos anos anteriores, pegava uma câmera e Antonioni, nem de Bergman, nem de N. S. Bufiuel. Explico ao contrário: N. S.
uns pedaços de negativo para filmar Roma, cidade abetta. Rossellini, Cinema Buüue! é um monge rebelde, surrealista, nada tem a ver com a história do ci-
Aberto - sem literatura, sem estúdio, sem dramaturgia, sem ator, sem ma- nema, seu caminho é outro, sua arte é bárbara. Bergman é uma manifestação
quitleqe. sem técnica: apenas o homem, o mundo, o realismo sem ligações solitária da angústia existencial religiosa, está montado no teatro, é um diluidor
com a pintura, a poesia visual descomprometida com as regras de composição de Eisenstein e Welles. É um romancista, num tempo de poetas visuais, de
e iluminação, a narrativa desligada das pretensões poéticas, o texto ignoran- pintores de letras, de artistas que penetram na caverna de Platão banhados
do as tradições teatrais - um novo realismo, o neo-rea/ismo. A solidão de pela luz de Cézanne ou de homens que interrogam o mundo equacionado por
Roberto continuou pois o neo-reelismo foi logo traído, oficializado, teorizado. Marx, sob a luz dos anúncios de propaganda; este solitário especulado r é o
mediocrizado e comercializado. Roberto, o grande criador, ficou à margem. novo Michelangelo, Antonioni que se desprendeu do neo-reetismo assim como
Luchino Visconti, restaurando o expressionismo e as belas-artes, orquestrando fruto sagrado escapa de uma árvore em chamas.
tudo ao mais liberal pensamento estético marxista, usurpou as idéias de Ro- Cinema de jovens, cinema aberto, cinema para descobrir o homem além
berto e reformulou Eisenstein, avançando apenas, no tempo, de Leonardo Da do que fez até hoje Hegel e Marx e Sartre e toda a vã filosofia: cinema que é o
Vinci para Dostoiévski. De Roberto nasceu a mistificação subliterária de Felli- prolongamento da própria filosofia, cinema que não é mais belas-artes, corte
ni, que ligou o neo-reelisrno ao misticismo firmando outra estaca paralizante. e costura, atores e cenários, música e pintura. Mas, como prega Jean-Luc, o
O simplismo Zavattiniano empurrou De Sica para o comercialismo. As revisões "tudo no tudo", a nova Bíblia, a nova Enciclopédia, o novo Capital. O Cinema
de "esquerda" fizeram surgir Francesco Rosi, tentando, num calculado pulo, não é uma arte isolada, o cinema, na Televisão, isto é, o filme exibido na Tele-
reunir Roberto a Visconti em Salvatore Giuüeno, isto é: a organização cultural visão. eis a arte do século XX, eis o prenúncio da arte do futuro. São difíceis os
& literária & política de Visconti à cenografia viva e à câmera direta de Roberto. caminhos: de Lumiêre a Griffith. de Griffith a Eisenstein, de Eisenstein a Welles
E fez Giuliano e outra cruz foi plantada gloriosamente no cemitério do cinema. - eis o primeiro ciclo. O segundo ciclo vai de Roberto a Godard. No meio do
Roberto foi alimentar o poeta Pasolini e o poeta Bertolucci; Roberto foi co- caminho ficaram Visconti. Fel1ini, Bergman. Circulando o caminho com a cruz
lher os frutos de seu lento semear na geração futura, vinte anos depois. Hoje, nas costas, N. S. Bunuel. Satélite artificial circulando o caminho. Michelangelo.

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Guerrilheiro deste universo é Godard, dois filmes por semana, simultânea cria- Sartre já disse que, no cinema moderno, a imagem pura é quase sempre
ção e vivência; poeta deste universo é Pier Paolo Pasolini exército deste univer- neutra, o significado advém das palavras.
so, espero, os futuros cineastas do mundo subdesenvolvido. 8. Aprenda de uma vez por todas que Godard é realista. Seus personagens
são membros de sociedade capitalista européia francesa, de preferência,
DE COMO VER UM FILME DE GODARD. MUNIDO DAS INFORMAÇÕES do século XX. São marginais como o herói deÀ bout de souttle, prostitutas,
E MEANDROS ACIMA VISTOS: intelectuais etc. Os personagens de Godard falam gíria, citam Corneille, Ra-
cine. Poe e outras gentes, - é gente normal como qualquer outra pessoa.
1. Não entre no cinema com complexo de inferioridade. Isto é, dizendo aquela 9. Aprenda, antes e vendo os filmes de Godard. que ninguém na vida vive orga-
frasezinha antipática: "Não entendo de cinema!". nizado. Mesmo quem pertence a Organizações sofre de amor, dor de dente
2. Não entre sobretudo, no cinema, dizendo esta frasezinha antipática para o e medo da morte. Logo, o cinema de Godard é aberto como a vida. Aprenda
amigo e dizendo, com você mesmo, lá dentro: "Entendo e muito. Tenho até a ver e ouvir a vida. Godard outro dia citou uma frase genial. Reflita sobre ela.
uma idéia melhor do que estas que andam por aí". Aliás a frase não é de Godard, é de outro francês, Roger l.eenhardt.! "Ser
3. Não se sinta por isto um "cineasta em potencial". Seja humilde. Aprenda a inteligente é compreender antes de julgar". Atente bem: procure compreen-
respeitar o cinema. der as coisas e os filmes de Godard. Eu acrescento outra frase de Roberto:
4. Não pense, pretensiosamente, que sua cultura literária lhe dá condições "Fotografar um rosto é fácil; difícil é fotografar o mundo".
para "entender de cinema". Aprenda que não existe esta história de "enten- 10. Admita que Godard é moderno, que ele está mais avançado que você:
der de cinema". O que é necessário: "compreender o cinema". Para isto, é Godard filma como quem pinta um quadro. Todos os diretores de cinema
necessário, apenas ter uma visão histórica do cinema. Saber, por exemplo, "dramatizam" os fatos. Godard "desdrarnatiza". isto é, o importante não é
o que expliquei antes. contar uma estória mas elaborar um universo vivo, um mundo em torno
5. Não pense que o cinema americano de bangue-bangue, policial e musical e com determinados personagens do presente ou do passado. Se você
seja porcaria. É justamente por isto que você passa por "quadrado" quando já entende de literatura moderna, vá por aí que você entende Godard me-
Conversa com os críticos. Você, para defender sua integridade intelectual, lhor. Mas não confunda Godard com roman nouveau, pelo amor de Deus.
não se lembra, por exemplo, de um filme dirigido por Raoul Walsh. É bom Godard é realista, na base. Mas Godard é pop, manja? Por exemplo: Go-
conhecer Raoul Walsh e outras bossas do cinema americano, para gostar dard mistura ceninhas de filmes policiais americanos de Humphrey Bogart
melhor de Godard. em Pierrot le Fou. É por isto que é bom conhecer estes filmes. Você se
6. Godard não se julga gênio. É um homem moderno, livre, honesto. Se você deliciará com as citações e compreenderá melhor como o cinema está
é de direita não seja tão radical e deixe Godard atacar a Pátria e a Família ligado à vida.
à maneira dele lá - que é uma maneira inteligente sempre. Se você é 11. Não pense, pelo que eu disse acima, que Godard é arte pura ou bobagens
de esquerda, não entre no cinema xingando o Godard de fascista. Espere semelhantes. Esta linguagem acabou. Godard, como todo grande artista
que ele, no fundo, vai falar de tudo que você precisa ouvir para manter os de vanguarda, está plantando para o futuro. Assim como Roberto plantou
nervos e o velho Ser em ordem. Se você não tem posição ideológica, não Godard. Foi por causa de Roberto que nasceu cinema-verité, você sabia?
procure mensagens em Godard. Godard planta o futuro cinema popular, industrial, colorido, internacional,
7. Aprenda a ler os filmes de Godard. Os filmes de Godard são para leitura
e visão. Godard não gosta muito de música. A música de seus filmes é
Roger Leenhardt 11903-1985J, crítico e ensaísta da década de 30 e 40, autor e produtor de curtas-
composta de palavras. É preciso ouvir bem ou ler bem todas as citações, metragens e de filmes pedagógicos. foi um dos nomes que mais influenciou André Bazln. Come-
diálogos, sons. Se você perde a leitura perde setenta por cento do filme. çou a escrever no L'Esprit 49, clube de discussão de cinema. Seus documentários e trabalhos de
ficção refletem suas idéias sobre como fazer cinema de autor. [N.E ,I

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que será transmitido de satélites espaciais pelas cadeias de TV do Figaro- lógica formal imposta pelos americanos. Ouando dois personagens de Go-
Pravda-New York Times-China Press. É por isto que Godard é pacifista. Ou dard conversam. falam sobre a vida, seus amores. sonhos, frustrações, com
você quer a guerra para justificar suas teorias? Não confunda inteligência a franqueza de quem fala na vida real. Por exemplo: o leitor pode discutir uma
com pretensão. Assim, você estará apto para entender, amar (e como!) os crise econômica enquanto toma banho. Ou pode falar de estética enquanto
incríveis filmes de Jean-Luc Godard. come uma feijoada. Ou pode rir enquanto assassina alguém. Ou pode fazer
aquilo pensando na bomba atômica. Godard introduziu estas verdades contra-
GODARDEANA ditórias no cinema. Contraditórias, digo, para um cinema acadêmico. O que
é um cinema acadêmico? Uma interpretação artificial aos pés de uma ceno-
Uma vez perdido o preconceito, Godard assume nova importância em nossa grafia correspondente. Por exemplo: falo dos meus sentimentos românticos
vida. É uma mudança radical. Por exemplo: ou se detesta ou se ama. O es- contra um fundo crepuscular. Quando esta liberdade se projetou nas telas o
pectador inteligente detesta qualquer manifestação de inteligência superior à público, que ainda nem tinha se acostumado ao realismo desconcertante de
sua. Isto ocorreu comigo quando descobri Godard. Pensava: este camarada é Roberto Rossellini, reagiu. Eu reagi mas dei a volta por cima e procurei ver
pretensioso, metido a besta, reacionário (!l, desumano. Ouando vi Une femme onde estava o erro. O erro estava comigo, porque não seguia aquelas onze
est une femme [Uma mulher é uma mulher, 1961 J pela primeira vez, em Paris, regrinhas que já mostrei.
sai do cinema detestando tudo que cheirasse a Godard. Reflexo típico de um Pode parecer bobagem, mas compreender Godard, sem blague, é um dos
inadaptado ao mundo moderno. Um sujeito que gosta de Visconti como eu mais importantes acontecimentos na vida de uma pessoa, hoje em dia. Godard
gosto precisa colocar Visconti no seu devido lugar, isto é, no passado, para sem godardite já explico: a godardite é uma doença que dá no jovem intelec-
poder gostar de Godard. Ambos convivem no meu gosto, mas do jeito que tual e se ataca de mau jeito pode arrasar com a pessoa para o resto da vida.
podem conviver, por exemplo, Bach e Noel Rosa, cada um no seu lugar, posto O adolescente pode ficar um tremendo mau caráter, pensando que Godard
e época. Visconti é um acadêmico do cinema. Godard é um moderno. Tudo incorpora as idéias de Michel Poiccard, um criminoso, herói de Acossado. Não,
em Visconti está acabado, organizado, perfeito. Em Godard tudo é procura, é Godard não incorpora a idéia de nenhum de seus personagens, a não ser, em
imperfeição, é angústia, é revolução. Desde Ivan, o Terrível até /I Gattopardo o maior escala, a de Pierrot le Fou. Godard é um crítico da sociedade contem-
cinema está esgotando sua primeira fase. O que se inicia com Roberto e vem porânea, Godard é um cronista desta sociedade, ele faz reportagens poéticas
dar em Pasolini e Godard é uma coisa inteiramente diversa. Em primeiro lugar sobre esta sociedade, mantém sempre a distância de quem observa como um
a liberdade poética. Pasolini dlsfinque a existência do "cinema romance" do sociólogo e se emociona como um poeta. Godard, com a licença dos senho-
"cinema poético". Todo o velho cinema é teatral-romanesco, é um cinema de res, está acima de marxismo e opositores.
enredo. Godard reassume o cinema no ponto onde Joyce parou com o roman- O cineasta que mais influencia o cinema socialista de hoje é Godard. Milos
ce. À bout de souffle é a retomada da crise da ficção contemporânea numa Forman e Jerzy Skolimowski, os maiores da Tchecoslováquia e Polônia, são
escala própria da evolução do romance do verbal para o visual. Os maiores godardeanos abertos. Isto não impede a influência de Godard sobre os jovens
momentos de Joyce tendem a uma impossível figuração: o passo adiante é o cineastas americanos. No "tudo por tudo", Godard influencia a fotografia, a
cinema, este passo é dado por Godard. E, neste passo, o cinema deixa de ser montagem, o estilo de diálogos, as interpretações, a maneira de filmar rápido
romance para ser poesia, ou seja, a câmera não é mais uma simples narradora e barato. Influencia a forma de pensar, ou seja, desmonta o esquema ficcio-
dos fatos mas um instrumento de análise e uma peça de criação. Cada cena nal de se pensar segundo as causas determinando os conflitos. Em Godard,
passa a ter o valor de uma pintura, cada cena em si tem seu próprio valor, como na vida, as causas estão ligadas aos conflitos, eis o segredo de sua
independente da anterior e da posterior. E, ao mesmo tempo, esta cena que dramaturgia. Evidentemente, Godard, como todos, comete erros. Mas são
vale por si mesma está profundamente ligada à anterior e à posterior. Godard, erros inteligentes: são erros sempre em nome de uma dúvida, de uma certeza
como um escritor que eliminasse as vírgulas, botou abaixo a continuidade, a hamletiana de que o encontro da verdade corresponde à perda da própria

370 371
vida. Preso deste espanto, sem os gritos convencionais da tragédia clássica, o GODARMAPA
Godard, como Plerrot. à maneira do herói grego, pinta o rosto de azul e dina-
mita a cabeça. O herói grego usava uma máscara e seu grito era o ''Ai de Mim" Para que o leitor se oriente, aqui vão os filmes de Godard exibidos no Brasil:
dilacerantemente metafísico. O grito de Pierrot. quando ele corre com o rosto
pintado de azul e a dinamite nas mãos, é um grito neurótico, realista, despro- À bout de souffle (Acossado)- estória de um homem que atira no sol. mata
vido de impostação. A vida se prolonga na eternidade das cores, o homem um guarda, entre a dor e o nada prefere o nada, morre nas mãos da polícia
explode e se une à natureza exuberante. Como alguém pode ser tão mineral e traído pela mulher que ama.
romântico ao mesmo tempo? Une femme est une femme [Uma mulher é uma mulherJ - estória de uma
O intelectual moderno é Jean-Luc Godard. Industrial e poeta, político e mulher casada que faz stripteese, de seu marido que não compreende seu
sociólogo, cineasta e crítico, cientista e trágico. Um feixe de dúvidas, o de- problema de gravidez e de seu amigo marginal que blefa com a vida e com
sespero gerado pela lucidez. Fazendo filmes com a veemência e voracidade o amor.
de apóstolo. este homem ainda está no vestíbulo de sua experiência criativa. Vi'vre sa vis [Viver a vida] - estória de uma prostituta que vende sua carne mas
Creio que nos próximos dez anos seu poder criador assumirá as proporções não vende sua alma, sofre com o suplício de Joana D'Arc e morre assassi-
da verdadeira genialidade: COmo Bach, Godard produz a estrutura do cinema nada num duelo de gigolôs.
futuro. A incompreensão que gira em torno de sua obra é devida inclusive à Alphaville - estória de um agente secreto dos países exteriores que invade
falta de informação que temos para desvendar problemas que somente Go- uma galáxia fascista, mata o ditador eletrônico e rapta a mocinha, salvan-
dard, o artista, percebe. O tempo dará a medida de todas as coisas e ao passo do-a da morte através do amor.
que o próprio cinema jovem de todo o mundo incorporar as lições de Godard Pierrot le Fou - estória de um intelectual que rapta uma pistoleira, foge com
a seus respectivos patrimônios - este generoso estilo cinematográfico estará ela de Paris para o azul do mar, onde, se vendo traído, mata a mulher, pinta
se firmando com a mesma força que se firmou, na primeira metade do século, o rosto de azul e explode a cabeça com dinamite.
o cinema americano. Mas o excepcional - é que Jean-Luc vale sozinho por Filmes de Godard que devem passar no Brasil:
todo cinema americano! Ele fez em seis anos o que centenas de cineastas Le petit soldat - um filme sobre a guerra da Argélia, suas conseqüências num
fizeram em sessenta. Ele reformulou todo o cinema, tomando as lições de personagem, acusado de "fascista" pela esquerda e proibido pela censura
Roberto com a humildade de um discípulo: é desta humildade que ele pôde, degolista por ser de "esquerda".
misturando as várias linhas de crise, catalogar a cultura moderna numa grande Les carabiniers ITempo de guerra, 1963]- um filme sobre a guerra onde não
obra composta de pequenos-grandes filmes, cujo ponto máximo é, até agora, se vê a guerra, baseado numa idéia de Hossellini, filmado sobre um cenário
Pierratle Fou, a tragédia moderna por excelência. neutro, fracasso absoluto de bilheteria, considerado por muitos o maior
Seus últimos filmes, Made in USA [1966] e Deux ou trais choses que je sais filme de Godard.
d'elle [Duas ou três coisas que eu sei dela, 1967]. rodados ao mesmo tempo, Le Mépris - baseado num romance de Motavia. estória de uma bela mulher,
estão no mesmo posto avançado. A discussão continuará. Com o tempo, todos Brigitte Bardot. que despreza seu marido pelo rico produtor de cinema
nós, com bom humor e seriedade, tenderemos a gostar de Jean-Luc Godard. americano (Jack Palance]. Ela o despreza porque ele se corrompeu inte-
lectualmente, esperando com isto ganhar dinheiro para preservar o amor
da mulher.
Band à part [1964]- como diz o próprio Godard, um "western de subúrbios".
O marginalismo francês à luz das influências do cinema, um filme de gan~
gsters às avessas, um estilo rápido, bem-humorado e trágico.

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Deux ou trois choses que je sais d'elle - estória sobre a prostituição das mu-
lheres casadas de classe média nos subúrbios de Paris, onde o autor inter-
fere com suas próprias considerações sobre a vida e a arte e duas vozes
em surdina comentam a guerra do Vietnã.
Por enquanto é só, descontando os documentários e os vários esquetes que
andou filmando.

[Livro de cabeceira do homem, v. 111. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 19671


APRESENTAÇÃO
lsmeit Xavier

Em 1983, o lançamento de O século do cinema ganha registro nas resenhas


de jornais e revistas, trazendo o peso da autoria consagrada e do que era ain-
da uma atmosfera marcada pela morte de Glauber Rocha dois anos antes.
A relação entre o conteúdo do livro e os caminhos trilhados pelo debate sobre
cinema no Brasil na época não deu ensejo a questionamentos, à vontade de
tomar partido, avaliar prós e contras.
Não há polêmica, e nos afastamos daquele cenário que marcou a publica-
ção de Revisão crítica do cinema brasileiro trinta anos antes, quando a palavra
do crítico e cineasta emergente deflagrara um amplo debate, episódio marcan-
te da própria história do cinema novo. O século do cinema vê prevalecer, nas
resenhas, o gesto de marcar a importância do livro, observado como o balanço
de um percurso crítico notável. em conexão com a obra consagrada. Tal con-
vergência, no entanto, não eliminou tensões, pois era preciso superar uma
corrente, nem sempre subterrânea, de preconceitos que reduziam Glauber ao
clichê do autor excêntrico, caótico, e ao crítico brilhante, porém errático. Fez
parte, portanto, do trabalho da crítica esse gesto de retificação, esclarecimen-
to, conduzido de variadas formas.
A seleção aqui feita se abre com a manifestação do primeiro leitor, Orlando
Senna, que cumpriu neste caso o papel que Alex Viany desempenhara em
Revisãocrítica: apresentar o livro de forma concisa, moldar uma porta de entra-
da, o que fez com deliberado espelhamento no estilo do autor.
Da recepção propriamente dita, oferecemos quatro exemplos que, na diferen-
ça das posturas, convergem nessa tônica dominante de empatia com o livro.

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o primeiro, de José Carlos Avellar, é uma peça de combate, embora se NOTA OA APRESENTAÇÃO
faça descontraída na forma do seu comentário a passagens do livro. Contra
a hipótese da "loucura" de Glauber, sua tônica é ressaltar a lucidez com que Orlando Senna
o cineasta-escritor atualiza o princípio da montagem e controla a composição
de um livro perfeitamente ajustado à sua defesa de uma visão de cinema e de A vida é um filme sem roteiro. Viver Cinema. Opção glauberiana. Vivê-lo total, na
mundo: Glauber escreve como quem filma e, por isto mesmo, dispõe os seus câmera e na cama, na moviola e na máquina de escrever. Primeiro o cineminha do
próprios artigos com liberdade. Não respeita cronologias, pois seu intuito é interior, a coleção de fotogramas, os filmes imaginários de mocinho e bandido,
compor uma constelação de imagens-textos que projeta no desenho do livro o cangaceiro e jagunço. Depois as sessões triplas no Cine Pax, Capital da Bahia,
próprio teor de suas idéias. tripé do Cinema Olympia, cineciubismo, filmadora na mão esquerda, vendaval de
Os dois seguintes são resenhas publicadas em semanários de alcance na- idéias na kuka e dez dedos nas teclas. Ver filmes e pensar sobre eles, fazê-los e
cional. com a exigüidade de espaço bem própria: a de Pedro Karp Vasquez. pensá-los. Pensar e fazer filmes como um só impulso, mixando e acelerando o
fotógrafo, pesquisador e crítico de cinema, e a do poeta Paulo Leminski. São ritmo da vida - o ritmo que o Cinema imprimiu ao século XX, onde a realidade
manifestações breves de adesão ao autor, onde vale a composição do retrato acaba e o sonho fica. Lendo Glauber, vemos. O exercício de escrever segue para-
que busca as nuances e conclui pelo elogio, pelo reconhecimento de um lega- lelo ao de filmar e viver, linhas paralelas sinuosas que se tocam a cada instante, às
do fundamental, contra o pano de fundo do clichê. vezes entrecruzam, cerzindo. Glauber recicla a postura da Crítica, a peça literária
O quarto representa o que houve de mais singular na recepção, pois aí que, pela própria natureza, deve receber a descarga maior do impacto transforma-
a adesão vem assinada por Rogério Sganzerla, a figura-emblema da iden- dor do Cinema sobre a Literatura. E sobre tudo. Sartre é o último filósofo-escritor.
tidade-alteridade e da filiação-agressão face à matriz Glauber Rocha, e peça Depois dele o mundo é pensado pelos filósofos-cineastas: Clair, Eisenstein, Cha-
fundamental no percurso do cinema moderno brasileiro. Em 1981, Rogério já plin, Pudovkin, BuFiuel, Lang, Rossellini, Visconti, De Mille, Ford, Welles, Peltini.
marcara o seu novo tom no artigo que havia se inserido na hagiografia glau- Bergman, Kurosawa, Godard, Bertolucci. Coppola - alguns entre os muitos per-
beriana.' No texto aqui incluído, publicado na Bahia, a conjunção positiva com sonagens deste livro vivido filme a filme, composto ao longo de três décadas,
O século do cinema se desdobra numa estocada no que era hegemônico no ultralúcido, translúcido mergulho no universo da luz e do som em movimento.
cinema brasileiro de 1983. O espaço das tensões com o cinema novo - e com
qualquer quadro institucional do cinema - se dirige, então, para os vivos que 14a . capa da P. edição. 1983J
com ele se acotovelavam no que ia se consolidando como uma estação em
descompasso com os valores que marcaram a sua obra e, como ele propõe na
diatribe, a do próprio Glauber. NEM DE DEUS NEM DO DIABO

José Carlos Avaliar

Assim como existem diretores de cinema que enquadram e montam as ima-


gens de seus filmes como se estivessem escrevendo um livro, Glauber Rocha
em O século do cinema escreve como se estivesse filmando.
Lembremos: na metade da década de 50 o francês Alexandre Astruc come-
çou a falar de uma caméra-stylo, uma câmera de filmar usada pelo diretor de
cinema como uma caneta, para escrever um texto, para expressar num texto
Ver Rogério Sqanzerla. "Necrológio de um gênio", Folha de S. Paulo. 24 ago. 1981 os pontos de vista de um autor. O cinema novo, ainda sem a câmera na mão,

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era só uma idéia na cabeça de alguns jovens, e a nouvelle vague francesa, temos um conjunto de críticas, entrevistas, anotações ligeiras, homenagens,
apenas uma idéia nas páginas do Cahiers du Cinéms quando Astruc (talvez relatos de encontros com cineastas europeus e norte-americanos. O conjunto
com algumas imagens do neo-rea/ismo na memória) começou a falar do cine- à primeira vista parece bastante embaralhado; porque não segue a visão nem o
ma como uma linguagem e do diretor de filmes como um autor (ao contrário método de análise mais ou menos acadêmico habitualmente empregado para
da proposta de Hollywood) que se servia da câmera como se ela fosse uma compor uma história do cinema; porque mistura textos inéditos com outros
caneta. Para dizer em poucas palavras o que é o novo livro de Glauber Rocha, o previamente publicados em jornais e revistas; porque mistura críticas e peque-
melhor talvez seja inverter a proposição de Astruc, e dizer que o autor aqui usa nos ensaios escritos em 1980 com outros feitos quinze ou vinte anos antes
a caneta como se ela fosse uma câmera de cinema. sem se preocupar em localizá-los no tempo, sem indicar, quando é o caso, sua
O texto, a palavra impressa na página branca, reflete antes de mais nada prévia publicação. pegando cada um deles como uma imagem autônoma a ser
uma vontade de existir tal e qual uma imagem, de se dar a ver como informa- montada ao lado de outra imagem também de existência livre e independente.
ção múltipla, simultânea, aberta para todos os lados. Esta vontade se mani- Um certo embaralhamento, mas só na aparência. Na realidade os textos se
festa às vezes num certo jeito de ser disperso como uma transcrição de uma encontram dispostos numa ordem especialmente montada para revelar. por
conversa falada, e não como escrita organizada e concisa, não como uma frase cima de cada um deles, umas tantas idéias, certezas e sensações que orienta-
escrita para ser lida; se manifesta, outras vezes, na preocupação de compor ram a prática e a teoria de Glauber: a certeza de que o cinema, como qualquer
frases breves e ambíguas quase como um retrato, como instantâneo fotográ- obra de arte "é um produto da loucura no sentido em que fala o Fernando
fico; se manifesta, ainda, na preocupação de interferir na grafia das palavras, Pessoa, que fala o Erasmo, quer dizer, a loucura como lucidez, a libertação do
com um Y um K ou um Z rabiscados no original com uma caneta de tinta azul inconsciente"; a certeza de que o cinema norte-americano, exceção feita a uns
sobre o texto datilografado. poucos autores, se perdeu nas normas ditadas pela grande indústria; por isso,
Na capa do livro, no esboço desenhado pelo próprio Glauber para servir o melhor e ser "um amador, como o Buúuel, alguém que ama o cinema", em
de modelo para a capa." esta vontade de transformar o texto em imagem já lugar de atuar como um cineasta profissional "segundo o ritual da indústria ci-
aparece bem marcada: na letra K desenhada sobre o C de século e no rabisco nematográfica"; a sensação de que os autores do cinema europeu começavam
que transforma o C de cinema num K e naquele outro rabisco que faz do I de a se perder numa desesperança e numa vontade de desmontar as coisas para
cinema um Y. Escritas assim como no desenho, O Sekulo do Kynema, as pa- se perguntar se vale a pena fazer arte, se tem sentido fazer arte - certezas e
lavras aparecem mesmo como imagens. Só depois de apanhada pelos olhos sensações que levaram Glauber a gritar a necessidade de criar mil, dois mil,
como um desenho, como uma imagem, é que cada palavra aparece enquanto três mil cínemas novos;
palavra mesmo, como coisa para ser lida. O livro é todo ele feito para ser lido "Arte no Brasil (ou em qualquer país do Terceiro Mundo) tem sentido sim
assim, até mesmo aqueles textos que (escritos no final da década de 50 e co- senhor! Pobre do país subdesenvolvido que não tiver uma arte forte e louca-
meço de 60) não tiveram a sua grafia alterada (mas apenas interferências ligei- mente nacional, porque, sem sua arte, ele está mais fraco (para ser colonizado
ras, com palavras impressas em maiúsculas). Um texto para ser lido como um na cuca) e essa é a extensão mais perigosa da colonização econômica".
vídeo-texto, como se o livro fosse um disco ou fita de computador e as letras, Organizadas a partir destas idéias, temos em O século do cineme uma
as palavras, o código usado para imprimir um pedaço de imagem. série de divertidas, irreverentes, panfletárias, reflexivas, interpretativas e ge-
São 74 ternas" distribuídos em 256 páginas e três capítulos: Hollywood, nerosas conversas sobre cinema e gente de cinema. Às vezes uma análise
Neo-reelismo e Nouvelle vague. Entre o primeiro, dedicado a Griffith. e o últi- de um filme (Rocco e seus irmãos, Alphavil/e, Apocalipse); às vezes só a ex-
mo, um depoimento ao crítico português João Lopes datado de abril de 1981, pressão da emoção provocada por um filme (Salà, os 120 dias de Sodoma) ou
por um personagem (o herói dos westerns). Com freqüência maior um diálogo
o autor refere-se à 1". edição deste livro. Ver desenho de Glauber na p. 335 supra. IN.E.] com outros diretores de cinema: lembranças de conversas (o encontro com
Nesta edição são 75 textos, desde que 'Jeen Henoir" foi desmembrado do anterior uÉL" [N.E] Bunuel em Veneza, com Renoir e John Ford em Montreal e com Kazan em

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Paris). Lembranças que se derramam em textos longos ou se resumem em GLAUBER VÊ O CINEMA
frases secas, duras e limpas como um retrato, 3 x 4.
Um retrato rápido de John Ford (rtem alguns tiques de John Wayne, grita Pedro Karp Vasquez
quando menos se espera, parece que vai sacar uma pistola a cada gesto"); ou-
tro de Jean Renoir ("a idade não o separa de nosso tempo e quando fala de hoje Com este livro resgata-se parte do pensamento crítico glauberiano do esque-
sentimos o quanto é jovem. Não gosta de falar de cinema, fala todo o tempo da cimento. Resgate valioso, pois, como alerta lsmail Xavier [autor de Sertão Mar:
vida."); de Antonioni ("no século passado seria filósofo como Hegel e talvez ti- Glauber Rocha e a estética da fome, no prelo (São Paulo: Brasiliense/Embrafil-
vesse a mesma importância para o mundo de então como teve o filósofo."); de me, 1983)], a importância de Glauber crítico é inquestionável. Foi através de
Fellini (recusando o real, Fellini cria o seu, o filma, o projeta, vive disto, dele, de seus escritos que ele conquistou a liderança do cinema novo.
sua luta contra o câncer."); de Pasolini ("é um mito que faz filmes."); de Godard Glauber escreveu a vida inteira, dos tempos de cinéfilo maníaco em Sal-
("diante desse homem magro e calvo de 40 anos eu me sinto uma tia carinhosa vador até as vésperas da morte no confuso e amargo auto-exílio português.
que tem vergonha de dar doce para o sobrinho triste. A imagem é besta, mas Ismail aponta como períodos essenciais o começo e o fim, quando a produção
Godard desperta um sentimento de carinho muito grande."). E vai por aí. escrita suplantou novamente a fílmica. O livro traz um apanhado de ambas as
Confessa sua admiração por Viscont! ("deu-me lições de cinema e de vida, fases. São 74 textos- divididos em três tópicos: Hollywood, Neo-realismo e
amei este grande artista e espero que descanse em Paz no Paraíso"), cineasta Nouvelle vague. Acontece que esses textos, de extensão e valor desiguais,
que para Glauber superou Proust, pelo simples fato de ser o materializador de não estão datados nem indicam o local de primeira publicação, o que constitui
Stendhal, de ser Marxista e Freudiano numa época em que Sartre era existen- erro editorial grave e retira muito do valor documental da obra.
cialista. E confessa, acima de tudo, sua admiração por Eisenstein ("o Mayor É do Cahiers du Cinéma, aliás, um dos dois únicos textos referenciados,
Gênyo do Sékulo XX"), e por Bunuel. cujo surrealismo "é a linguagem por exce- "O Cristo-Édipo", ensaio lúcido e triste sobre Pasolini. que adquire outra dimen-
lência do homem oprimido". são quando se sabe que A idade da Terra nasceu justamente de uma reflexão
Diz que "há no cinema os que fazem escultura (como Resnais) os que fazem ampla sobre o poeta-cineasta italiano.
pintura (como Eisenstein) os que filosofam (como Rossellini), os que fazem ci- A ausência de referência dos textos é imperdoável, porque a Embrafilme
nema (como Chaplin), os que fazem romances (como Visconti), os que fazem (co-editora) publicou no ano passado O cinema brasileiro e o processo políti-
poemas (como Godard), os que fazem teatro (como Bergman), os que fazem cir- co cultural. de Raquel Gerber, com todo um capítulo dedicado aos artigos de
co (como Fellini), os que fazem música (como Antonioni) os que fazem ensaios Glauber, reunindo uma listagem de mais de 250 itens que permitiria localizar
(como Munk e Rosi) e os que dialética e violentamente, materializam o sonho: os textos com facilidade. Apesar disso, e do desrespeito - esse por conta
este é o Bufiuel". do autor - da cronoloqia." não é difícil acompanhar a evolução do estilo e
Texto com jeito de imagem, O século do cinema é um discurso apaixonado das preocupações de Glauber. Em seu início, ele se declara a favor da críti-
(e louco, assim como quer seu autor) que toma cada cineasta e cada filme a ca didática, em oposição à "crítica-mistério", mas acaba inaugurando a crítica
que se refere como se fosse coisa sua, tal e qual faz o espectador diante da criptográfica, indecifrável para os não-iniciados. De qualquer modo, Glauber
imagem projetada na tela. Pega, enquadra, monta, dá um ritmo e forma novas foi cineasta genial em seus melhores momentos e crítico inspirado, capaz de
às imagens de outros cineastas para compor um filme todo seu, uma idéia de tiradas deliciosas, como "Griffith é o filho cinematográfico de Charles Dlckens"
cinema e de vida. Enquanto fala de cinema, Glauber fala mesmo é de seu mun- ou "Hollywood perdeu a forma e adquiriu a fórmula". Ele possuía um real saber
do, que, assim, mal dividido, anda errado se não se dá conta de que o século é
do cinema, nem de Deus nem do Diabo.
o autor refere-se à la. edição deste livro. [N.E.]

[Jornal do Brasil, ju1.1983] A cronologia faz parte apenas da 1a. edição. [N,E.]

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enciclopédico sobre cinema e sabia como ninguém detectar e apontar o que premiação. Esse seu testemunho encanta pelo humor e ternura de muitas
existia de melhor e mais inovador em cada filme. páginas controversas.
A seleção dos textos revela muito da personalidade de Glauber. Ficam evi- Importante é a admiração ilimitada por autores saudáveis como Eisens-
dentes, por exemplo, a admiração incondicional que sempre dedicou a Godard tein, Bufiuel. Rossellini. Visconti. concluindo com a entrevista dada ao 11 Mes-
e a fixação final em Pasolini. Outro fato significativo é a concentração de arti- sagero, de fevereiro de 1969: "É preciso voltar a Eisenstein, porque a rnon-
gos sobre diretores que, após uma consagração fulgurante, acabaram tritura- tagem significa segundo ele, a ligação de todas as estruturas da realidade".
dos pela ignorância do sistema de produção capitalista. que erige o lucro como Conforme Sua Majestade, "montagem significa uma reação dialética entre
valor absoluto, tais como Fritz Lang, Jean Renoir, Eric von Stroheim e Orson vários elementos que constituem o filme em busca de um cinema como obra
Welles. Torna-se evidente que Glauber encontrava consolo para suas agruras integral, como construção na qual entram música, literatura, teatro, matemá-
no infortúnio de seus antecessores. tica, arquitetura etc". Pois para Lênin, "o cinema é a maior de todas as artes".
Uma entrevista concedida a João Lopes, em Sintra, em 1981, completa o Popular. Leia-se à p. 204: "No começo era Lumlêre. Agora é Godard. E Godard
volume. Completa, mas não conclui. Para Ser mais útil, ela deveria servir de volta a l.urniére". Parafraseando o dito, poderia ser escrito: "No começo era
prefácio, e não de posfácio. Porém o que realmente faz falta é um estudo in- Eisenstein. Agora é Rocha. E Rocha volta a Eisenstein ...". Quanto ao cinema
trodutório que analise exaustivamente o papel de Glauber como crítico, situan- nacional de 1983, o que faz senão regredir ao "telefone branco" que nasceu
do-o dentro da história da crítica brasileira - ainda por escrever -, e lance velho, durante a guerra, na Itália sob Mussolini? Talvez nossa mais poderosa
algumas luzes sob a confecção da antologia. tradição seja a burrice ... Ligada à corrupção... Qual melhor definição do sub-
desenvolvimento?
l/stoÉ, São Paulo, 17 ago. 1983] A estória nacional da infâmia é pura tragédia grega. Ou não? Se não, pres-
tem atenção: sua Cinestética da fome como tempo redundou em antiética
da voracidade. Observem como o forninha é apressado e come cru sozinho
o SÉCULO DO CINEMA EM DISCUSSÃO o bolo que, por definição, a todos pertence. Um país que exila seus artistas,
omite autores importantes, expulsa cientistas sociais e cassa os direitos de
Rogério Sganzerla expressão fílmica, em sã consciência, não pode nem deve reivindicar para si
o título de campeão do mundo em qualquer atividade humana ... Não se pode
Será o cinema a arte do século? Filósofos, pensadores e criadores acreditam condenar impunemente os avançados espíritos de luz de nosso século ou os
que sim. Se duvidar, procure se inteirar de que a luz da verdade está na praça iluminados da tela serem marginalizados em nome do lucro pelo lucro, sem
- território - livre do poeta do povo - mesmo nesse mês tradicionalmente contar com uma recíproca.
inquietante com as homenagens a Glauber, Mostra Orson Welles e Cia. Os deuses, como a natureza, se rebelam às injustiças gritantes - sobre-
Glauber, muito internacional, estupidamente sacrificado aos 42 anos pela tudo os nossos artistas tão sacrificados pelas quedas de qualidade de vida
incompreensão nacional, revive em 255 páginas de leitura obrigatória escrita nos trópicos... Enquanto certos filmes não circularem livremente, impossível
ao longo de três décadas, em três partes: Hollywood, Neo-restisrno, Nouvel- formar uma civilização ... Sem falar sobre cinema novo, Glauber dá o recado
/e Vague. Da usina de sonhos e pesadelos industriais, destacam-se acertada- certo e de forma didática sobre mais essa carência (péssima distribuição de
mente: Griffith, Chaplin, Stroheim, Fritz Lang, Orson Welles, William Wyler, renda) a partir da lição portentosa dos grandes mestres do passado que, mais
StanJey Kramer e Kubrick. O cacique da Irlanda, John Fard, também é focali- que nunca, deverão ficar como exemplo claro de resistência cultural da arte da
zado em primeiro plano nesse ensaio teórico e informativo sobre filrnoloqia luz em um mercado de sombras, ainda ocupado. Encaminhamo-nos ao final do
mundial. Idem Jean Renoir e Fritz Lang, no encontro histórico do Festival século e o problema da liberdade de filmar em nossa terra continua; por en-
de Montreal de 1967 no qual Glauber participou como membro do júri de quanto, insolúvel. O escândalo de vôo rasante da cultura ou marcha-ré criativa

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de nossos filmes, que apesar de tudo já foram considerados os "melhores do Godard, Truffaut, Besnais. entre outros, assinaram ensaios no Cahiers du Ciné-
mundo" permanece estacionário. Até quando? ma, a célebre revista de crítica de cinema, antes de gritar "luz, câmera, ação" e
"Não se enganem: o cinema novo nasceu na Bahia". Observem o abismo aprender a distinguir uma moviola de um elefante. Trata-se de uma geração de
de sua geração que por insegurança colonial mergulhou no modelo novo rico artistas capazes de fazer a obra e capazes de refletir sobre ela.
oposto, e o que foi antecipado. avisado e criticado nos manifestos assinados Foi com eles que o cinema começou a ser feito por intelectuais, que as-
por mim há quinze anos. Está tudo lá. Todos aprendemos que é necessário sinavam seus filmes como um poeta assina o poema, o chamado "cinema
voltar às origens, valorizar o talento (matéria-prima do filme) e apostar nas ca- de autor", que Hollywood nunca permitiu. É bem conhecido, por exemplo, o
beças pensantes do cinema brasileiro em função da História. Por falar nisso, episódio em que o diretor americano John Ford, mestre dos mestres do wes-
o "Espaço Glauber Rocha" ainda não encontrou resposta na Bahia. Enquanto tem, desceu em Paris e foi imediatamente cercado pelos críticos do Cahiers du
os estrangeiros aqui chegam com muitas propostas concretas, a tenaz Mãe Cinéme. Ford ficou perplexo com o tratamento de grande artista que recebeu
de Glauber - indiscutivelmente Pai do Nosso cinema - acabará mudando-se dos colegas franceses. Até ali. ele se considerava apenas um funcionário dos
com o seu acervo audiovisual para defendê-lo e valorizá-lo, da Bahia para o Rio grandes estúdios.
porque os sacerdotes do lucro pelo lucro não dão o menor apoio ... A Bahia não Passe de mágica ~ Glauber nunca foi funcionário de repartição alguma, a
pode perder a herança cultural de um de seus grandes filhos ... Um como ele não ser do delírio que alimentava de invenção seu enorme talento. Um delírio
só nasce de cem em cem anos e não é para menos .. que lnclu!a projetos de revolução social, admiração pelos militares e ferozes
nacionalismos xenófobos. Esquerdas e direitas nunca conseguiram engoli-lo
[Jornal da Bahia. Salvador. 21-22 ago.1983. Segundo Caderno] direito, tradicional privilégio dos grandes artistas. Em O século do cinema ins-
creve-se o percurso textual e existencial de Glauber. Dos primeiros ensaios,
ainda um pouco ingênuos e provincianos, até a radicalidade de seus textos
CÂMERA E IDÉIAS finais, já grafados com a caprichosa ortografia com que quis expressar sua
completa originalidade. A destruição do código ortográfico, porém, gesto ex-
Paulo Leminski tremo, já era a própria destruição de alguém chamado Glauber Rocha, 42 anos,
gênio nascido em Vitória da Conquista, na Bahia, prematuramente desapareci-
Escrevendo sobre Glauber Rocha, estamos usando o parado para falar do do. Neste livro, ele, como num passe de mágica, reaparece.
movimento. Glauber foi a mais movimentada inteligência de nossa quadra,
culturalmente, mais movimentada. Naturalmente, ele só poderia expressar-se [Veja. São Paulo. 24 ago.1983]
através da mais movimentada de todas as artes. Sob a sombra da sua bandeira
"de uma câmera na mão, uma idéia na cabeça", o cinema brasileiro começou
a rodar em outra velocidade e em outra direção. Neste O século do cinema,
Glauber parou. Em texto. Em reflexão escrita. Em conceito. Em palavra. Aqui
°
está tudo que pai de Antônio das Mortes escreveu sobre a arte de cineastas
como Griffith, Eisenstein, Hitchcock, Glauber Rocha.
Na capa, um olho, desenhado pelo próprio Glauber, mira Hollywood, a Eu-
ropa e o Terceiro Mundo, os universos cinematográficos que o Glauber crítico
de cinema estudou, com olho clínico e coração apaixonado, em mais de uma
década de militância crítica. Glauber é de uma geração de cineastas que co-
meçaram pela crítica, como a geração francesa que criou a nouvelle vague.

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FONTES'

HOlLYWüOD

Griffith. Folha de S. Pau/o, São Paulo. 12 aqo. 1978


Chaplin. Itens II e III extraídos de artigo em Vida Capixaba. Vitória (ES), 1957. Suplemento Literário
Sete Dias.
Erich von Stroheim. Extraído. provavelmente, de artigo (sem título) referente ao "Festival de Ve-
neza, Retrospectiva de Von Strohetm". constante na Cinemateca Brasileira, Não constam data
e local de publicação
Fritz Lang. "Cinema no Mundo 11. Fritz Lang, o Leão", O Cruzeiro, Ano XL. n.14, 6 abro 1968, pp. 38-40.
Orson Welles. Fonte não locaüzada."
William Wyler. "Sublime tentação: Significado de um Filme e do seu Criador", Vida Capixaba,
Vitória (ES). 1958. Suplemento Literário Sete Dias.

A indicação das fontes não significa que os textos estejam reproduzidos tal e qual foram publi-
cados pela primeira vez. Em boa parte dos casos. Gtauber fez revisões com cortes e acréscimos.
[NEI
No momento desta edição a pesquisa das fontes está no estágio descrito pelo pesquisador lécio
Augusto Ramos, do arquivo Tempo Glauber: "Chequei os quatro inventários do acervo do Tempo
Glauber, consultei o material ainda não catalogado e até o momento há uma grande probabilidade
de estes textos não terem aparecido antes em qualquer publicação: jornal, revista, livro. catálogo
ou outro meio impresso. Como Glauber refundia sistemática e obsessivamente seus próprios tex-
tos, aproveitando parágrafos de textos inéditos ou mesmo publicados em novos textos, somente
uma ampla e pesquisa genética, poderia identificar estas apropriações, incorporações, heranças
etc. que balizam a produção textual de Glauber"

389
Sombras que vivem. Fonte não localizada. Matar ou morrer "Burguês não é o herói que saca a pistola e enfrenta a morte no quente meio-
Stanley Kramer. "Orgulho e Paixáo". Vida Capixaba. Vitória (ES). 1958. Suplemento Literário Sete dia", Diário de Noticias. Salvador. 10-11 jan. 1960. Suplemento de Artes e Letras
Dias. Do novo western. "John Sturges: do novo westem". Jornal do Brasil, Rio de Janeiro. 7 set.1958.
Chá e simpatia. Vida Capixaba, Vitória (ESL 1956. Suplemento Literário Sete Dias. O preço da idéia. Diário de Noticias. Salvador, 9-10 out.1960. Revista do Diário de Notícias.
O mito do racismo. Vida Capixaba. Vitória (ES). 1957. Suplemento Literário Sete Dias Um filme genial "Studs: um filme genial perdido na Bahia (Tupv)". Diário de Noticias, Salvador,
O galante vagabundo. Fonte não localizada. 12-13 mar.1961
Pregação da violência. "Pregação da violência no cinema americano', Vida Capixaba, Vitória (ES). From New York to Paulo Francis. "Carta ao Editor. Glauber From New vork". Status. São Paulo.
1957. Suplemento Literário Sete Dias. novo 1968.
Rebelião no presídio. O Momento. Salvador, 4 maio 1957. Bad Movie ou saudades do Maciel. O Pasquim. Rio de Janeiro. n.76, 2-8 dez.1970. pp. 20-21.
James Dean - O anjo a o mito. 'Jemes Dean - um Anjo e um Mito". A Tarde. Salvador. Easy Rider. Fonte não localizada.
mai.1957. Rei do Fumo. Fonte não localizada
David Lean. "Panorâmica: David Lean". Jornal da Bahia. 12 out.1958. Terceiro caderno Apocoppolakalypse _ Um discurso alienado e alienante sobre a guerra do Vietnã. Jornal do
O gênero policial. Fonte não localizada. Brasil. Rio de Janeiro, 5 jan. 1980. Caderno B.
Graham Greene. "Graham Green (sic). Cerol Reed e O Terceiro Homem", Diário de Noticias. Salva-
dor, 27 abr. 1958. Suplemento Letras e Artes. NEO-REALlSMO
Deliqüência juvenil. Composto de três artigos "Hollywood e os filmes de delinqOência juvenil
Considerações sobre características formais nascidas de um novo gênero" e "Hollywood e os Eysenstein e a Revolução goviétvka. Texto inicialmente publicado no catálogo da mostra em ho-
filmes de delinqüência juvenil (11 e 111)". publicados no Diário de Noticies, Salvador, 1957. Nos menagem a Glauber Rocha. na Ctnernatece Portuguesa. Glauber Rocha, Lisboa. abr. 1981, pp.
dois últimos artigos Glauber analisa O selvagem [The Wild One. 1953J. 34-38. Também publicado com o mesmo título. em duas partes, a primeira em Luz &Açáo,
Elia Kazan. Composto de três artigos: "Efia Kazan - um falso cineasta (I e H]", publicados no Ano 1. n.t. ago. 1981 e. a segunda, Luz & Ação. An01. n.Z. set. 1981. Numa das cópias do
Diário de Notícias, Salvador. 1956. e "Elia Kazan- um falso cineasta (conclusão)". Diário de artigo. constante no Tempo Glauber, há anotação manuscrita: "Paris 1975".
Noticies. Salvador, s/o. Os 12 mandamentos de Nosso Senhor Bunuel. "Nosso Senhor Buúue!". Senhor. Rio de Janeiro,
Encontro com o Diabo. "Cinema no Mundo li. Elia Kazan, o Cético", O Cruzeiro, Ano XL. n.14, 6 1962, pp. 60-65.
abr.1968, pp. 42-43. A moral de um novo Cristo. "A moral de um novo Cristo", em Ado Kvrou. Luis eonuet. Rio de
O filho nativo. Vida Capixaba. Vitória (ES). 1957. Suplemento Literário Sete Dias. Janeiro, Civilização Brasileira, 1966.
Suspense: Hitchcock e Clouzot. Jornal da Bahia, Salvador, 1957. Jornal do Cinema. ÉI. Glauber Rocha (entrevistador), "O encontro de dois mitos", Visão 31 (12): 40-42, 28 set.1967,
Os temas de denúncia. Jornal da Bahia. Salvador. 13 mai.1959. Jornal do Cinema pp.137-143
A casa dos homens marcados. Jornal da Bahia, Salvador, 1957. Jornal do Cinema. Jean Renoir. Glauber Rocha (entrevistador), "Cinema no Mundo 11. Jean Renoir, o Técnico'. O
Tarde demais para esquecer. Fonte não localizada. Cruzeiro, Ano XL, n. 13,6 abr.1968, pp. 43-44.
Um filme contra a liberdade. Jornal da Bahia, Salvador, 1957. Jornal do Cinema. O tradicional e o 'Inventiva em René Clair. "O tradicional e o lnventivo em René Clair de As Gran-
As virgens de Salém. Composto pelos artigos:"As virgens de Salém (I e 11), publicados no Jornal des Manobras", Diário de Noticias. Salvador, 1957. Publicado também em "De üínestéttca".
da Bahia, Salvador, 1957. Jornal do Cinema. Ângulos, Salvador/Centro Acadêmico Ruy Barbosa da Faculdade de Direito da Universidade
John Huston - Técnica física e técnica estética. Trecho extrafdo de "De Cinestétice". Ângulos, da Bahia, Ano VIII, n.13, jul. 1958. pp.125-127.
Salvador/Centro Acadêmico Ruy Barbosa da Faculdade de Direito da Universidade da Bahia, O neo-reafismo de Hoeselllnl. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 7 jun. 1977. De acordo com Sylvie
Ano VIII, n.13, jul.1956, pp.123-125. Plerre. em Glauber Rocha (Campinas: Paoirus. 1996, p. 49), " ...esse artigo foi escrito em três
Stanley Kubrick. Composto de três artigos:"Glóna feita de sangue (I e 10", publicados no Jornal tempos: a primeira parte reúne dois artigos publicados por Glauber no Diário de Notícias,
da Bahia, Salvador. 1958, respectivamente. em 4 e 5 novo 1958, Jornal de Cinema, segundo 'Rossellini e a mística do realismo' (28jan.1962l e 'Rossellini e De Sica' (21 juI.1962); a segun-
Raquel Gerber. e "Stenlev Kubrick um novo gênio? O Grande Golpe", Diário de Noticias, Sal- da parte data provavelmente de 1977, ano da morte de Rossellini. Ambos os artigos foram
vador. 26-27 mar.1961.Terceiro caderno. fundidos, remanejados por Glauber e publicados em seu livro O século do cinema. pp.150-
Western: introdução ao gênero e ao herói. Jornal Unitário. Fortaleza, 1957. Suplemento Literário. 157". Verificação do original de "Rossellini e De Sica". constante na Biblioteca Pública do
Rastros de ódio. "Presença de John Ford no filme 'Western', Notas a propósito de Rastros de Estado da Bahia, Salvador (BA). feita por Mayrant Gallo, indica que foi publicado no referido
ódio", Diário de Notícias. Salvador. 27 out.1957. Segundo verificação do original feita por jornal. nas datas de 21-22 jan.1962.
Mayrant Gello. na Biblioteca Pública do Estado da Bahia, a conclusão deste artigo não foi Dramaturgia fílmica: vlsccntt. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 25 ju1.1959.Suplemento Dominical.
publicada, pois não se encontra na edição, nem tampouco nas posteriores. Forma e sentido do cinema. "vlsconti: filme absoluto", Diário de Notícias, Salvador, 20-21 dez.
O cacique da Irlanda. "O Cinema no Mundo 111. John Ford, o Pirata". O Cruzeiro, Ano XL, n. 15, 13 1959. segundo Cristina Fernandez Nascimento, da 8iblioteca Pública do Estado da Bahia.
abro 1968, pp. 41-42. Salvador (BA).

390 391
Viseonti e os nervos de Roeeo. Itens I e 11 do capítulo extraídos de "Visconti e os neNOS de Roc-
co", Diário de Notícias, Salvador, 7 jan 1962. Suplemento Artes e Letras
O barroco viseontiniano. "Rocco. Abel e Caim", Diário de Notícias, Salvador, 1962
Suplemento Artes e letras. Segundo verificação do original feita por Mayrant Gallo. na Biblioteca
Pública do Estado da Bahia, a publicação é de 18 set. 1961, p. 6, com conclusão na p. 2
Esplendor de um deus. "Na Zum do visconti". O Pasquim, Rio de Janeiro, ri. 79, 6-12 jan.1971,
p.f
Amigo Visconti. Fonte não localizada, mas certamente o texto é de 1976, ano da morte de Vis-
conti.
Maestro Visconti. Fonte não localizada, idem supra.
Zabriskie Point. Texto escrito em 1980 ou 1981, inédito até a l' ed
Antonioni. Fonte não localizada
Espaço Funeral. "O Eclipse (O Espaço Funeral)', Diário de Noticies, Salvador, 2-3 set 1962. Revista
do Diário de Noticies.
Glauber Fellini. "Gleuber Fellini. Fellini é mulher, loba, gato da Pérsia. Uma tese de Glauber Rocha",
Homem Vogue, São Paulo, 17 jun.1977, pp. 54-60.
É preciso voltar a Eisenstein Na Cinemateca Brasileira há cópia do artigo original em italiano, inti-
tulado "Rocha: bisogna ritornare a Eisensteín", cuja autoria é indicada de maneira abreviada íNDICE REMISSIVO
"C.C.". O artigo, porém, está sem fonte e sem data
Pasolini. "Cinema no Mundo 111. Pier Pasolini, o Ateu", O Cruzeiro, Ano XL, n.15,13 abr.1968, pp
43-44.
Um intelectual europeu. Texto escrito em 1974 ou 1975, inédito até a t- ed. 3.10 to Yuma [Galante e 'Arídio alia borqata" (conto), de Alatriste, Gustavo, 172, 184
O Cristo-Édipo. Publicado originalmente em AA.VV., "Pasolini cínéaste". Cahiers du Cinéma, n sanguinário] (1957). de Alberto Moravie. 277 Alberti, Rafael, 170
Hors-Sérte. Paris, Ed. de I'Étoile, mars 1981 Publicado pela primeira vez em português, em Delmer Deves. 126 The Adventurer Aldrich. Robert. 53, 68, 70,
Glauber Rocha, Cinemateca Portuguesa, Lisboa, abro 1981, pp.39-40, do qual foi retirado o 10.000 sofeils [Tízezernap I [O aventureiro] (19t7), 99,106,110,112,124
presente artigo (1965), de Ferenc Kóse. 348 de Charles Chapfin. 40 Alexandre Nevski
Gritos e sussurros. Fonte não localizada, texto escrito entre 1972 e 1974. Une Affaire de Coeur [Um [Aleksandr Nevskill
Beüoohlo e a reconciliação dos casais psicanalizados. Fonte não localizada. A bout de soutfle [Acossado I caso de amor ou Drama (1938). de Elsenstein.
Novecento. O Pasquim, Rio de Janeiro, Ano 8, n.365, 25 jun.-1 juL 1976, pp. 6-7 (1959). de Jean-Luc Godard. de uma funcionária da 50,162,164,165-67,
13,151,294,309,312, Companhia Telef6nicaJ 169,330
NOUVELLE VAGUE 322, 324, 329, 344, 363-64, (1967). de Dusan Alguma poesia (1930). livro
369-71,373 Makavejev, 120,348 de Carlos Drummond de
Cine-Cristo às avessas. "Dassin: Cine-Cristo às avessas', Jornal do Brasil, Aio de Janeiro, 1958. Abschied von Gestem (Anita L'âge d'or [A idade do ouro I Andrade, 310
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Paso sado mazo zalo. Texto original da la. edição. Publicado, em português, no catálogo da re- Aconteceu naquela noite Agostino d'lppona lAugustin Bossenea
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392 393
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de Vigo]. 224 Rodrigues, 95 lhe Asphalt Jungle 287,294,314-15,317 Bercman. Ingmar, 10, 124, 147, Blasetti, Alessandro, 353, 355
Alphaville, une étrange Anna Lucasta (19591, de [O segredo das )OlasJ Barcelos, Joe! 295 186-87,216,221,256,272-73, B/ow-up [Depois daquele
aventure de Lemmy Arnold Laven, 134 (1950), de John Huston, 112 Bardot. Brigitte, 45, 205, 373 286-90, 311, 345, 349, 355, beijo] (1967), de
Caution [Alphaville] (1965), O ano passado em Marienbad Astalre. Fred, 143 aeruu. Francesco. 292-293 357,367,379,382 Michelangelo Antonioni,
de Jean-luc Godard, 195, [L'année aemiére a Asti, Adriana, 291, 295 Barker. Lex, 262 Bergman, Ingrid, 209, 210, 212, 247
307-08, 341, 359, 363, 373, 381 Marienbad] (1961), de Alain Astruc. Alexandre, 379 Barna, 'ron. 163 214,260 Bcetticher. Budd, 149
Alves, Ataulfo, 147 Resnais, 147 Attack.' [Mone sem glória] Bernardini, Aurora, 223, 277 Berlinguer, Enrico. 298-99, Bogart, Humphrey, 139, 151,
Amado, Jorge, 141 Ano um [Anna uno] (1974), de (1956), de Robert Aldrich, 112 Barravento (1961), de Glauber 322, 324 367,371
Amarcord (1973-74), de Roberto Rossellini, 215 Atti degli apostoli [Les actes Rocha, 256, 329 Bernard. A., 265 Boito, Camiuo. 223
Federico Feünú, 270-71, 273 Antome. Claude, 291 des apôtres] (1968-69), de Barreto, Luiz Carlos, 143 Berri, Claude, 242 B611, Heinrich, 350
Los ambiciosos! La tiévre Antonioni, Michelangelo, Rossellini,215 Barreto, Sérgio (ver José Berto, Juüet. 272, 288 Bolognini, Mauro, 277
monte à E! Pao [Os 11,20,24,173,185,187, Atualidades Francesas Senz). 197 Bertolucci. Bernardo (Bemõj. Bond, James. 359
ambiciososJ (1959), de Luis 195,208,213-14,229,237, (noticiário). 309, 363 Barthes, Botand. 14,20, 11,13,28,154,209,213, Boooone. Giotto di, 215
Boúuel. 172, 177-78, 180 242, 246-49, 250·53, 256, 265, Aumont, Tina, 272 238-39, 253, 347 237,239,242,254,257,270, Bonnie & Clyde - Uma rajada
America, America [A terra do 273, 283, 289-90, 298, 311, Avellar, José Carlos, 127,379 Basebart. Richard, 260 272-73, 276, 281, 286, 290-91, de balas (1967), de Arthur
sonho distante] (1963), de 317,321,323,340,345, L'avventura [A aventura] Bastos, Otnon. 93 294-95, 298-99,311, 322, 324 Penn, 48, 144
Elia Kazan. 93 366-67,382 (1959). de Michelangelo Bazin, André, 12, 15, 22, 52, Bertolucci, Glovanni. 273 Booth, Shirley, 86
Le amiche [As amigas J Apocalypse Now [Apocalipse] Antontonl. 247 174,275,289,369,371 Bertolucci, Giuseppe. 298 Borges, Jorge Luis, 144, 264,
(1955). de Michelangelo (1979). de Francts Ford Beetles. 327 Best, Bettma. 272 29'
Antonioni, 247 Coppola, 13,21,153,156-57 Bacchelli, Riccardo, 354 Beattv Warren, 95 lhe Best Yearsof Our Uves Borges, Miguel, 256
Amlco. Gianni, 209, 213, 242, Aorà. Adriano, 214, 215, 238, Bach. Johann Sebastian, Beauvoir. Simone de, 280 [Os melhores anos de Bottman. Denise, 13
256, 276, 286, 290-91, 294, 242, 294 166-67,315,317,351,370, Beck, Jouen. 141 nossas vidas} (1946). 53-54 Boulting, John. 79
351, 353 "Aquarela do Brasil", de Ary 372 Becker, Jecques. 202 La bête humaine [A besta Bozzetto. Bruno, 197
D' Amrco. Suso Cecchi, 223 Barroso, 143 Bachelor Party [Despedida de Belafonte, Harry, 64--65 humana] (1938). de Jean Brando, Marlon, 10, 13, 21,
Amore e rabbia (1969), de Pier Aragon, Louis. 308, 363 solteiro] (1957), de Delbert Belle de jour [Bela da tarde I Renoir, 198 40, 59, 65, 68, 81,84-86, 88,
Paolo Pasoltni. 294 Arcalli. Franco, 298 Mann,99 (1966), de Luis Bufiuet. Betti, Laura, 291, 295, 298 91-92,94-95,133,144-45,151,
t'smore in città (1953), de lhe Architecture of Vision: "Bachiana n" 5", de Heitor 191-93,195 Beyond the Law (1968). de 154-56, 295, 298, 322, 324
Federíco Fellini et ali, 247 Writings & Interviews viüa-Lobos. 287 Belfissima (1951). de Luchino Norman Mailer, 141 Brecht. Bertolt. 29, 45, 187,
An Affair to Remember [Tarde on Cinema, livro de Bad Day ot Black Rock Visconti,353 Bezerra, Paulo, 65 213,215,224,227,289,332,
demais para esquecer] Michelangelo Antonioni, 248 [Conspiração do silêncio] Bellocchio, Marco, 209, 242, Bezhin Lug [O prado de Bejin] 344,351, 360
(1957). de Leo McCarey, 102 Argento, Dario, 242 (1954), de John Sturges, 281,287-89,291,294,351 (1935), de Hsenstetn. 162 Bresson. Robert, 53
Anderson, Bibi, 288 Aristarco, Guido, 228, 236 70, 126-27 Betmonoo. Jean-Paul, 13, Bianco e Nero (periódico). 188 Breton. André, 176
Anderson, Robert, 62, 63 Armendáriz, Pedro, 79 Badalucco, Nicola. 240 302,322, 324 11 bidone [A tmpaça] (1955), de Breznev. Leonid, 314
Andrade, Homero F. de, 223, Amheim. Rudolf 174 Barézs. Béta. 174, 346 Bene. Carmelo. 209, 242, Federico Fellini. 259 Brief Encounter [Desencanto]
277 lhe Arrangement (1967), livro Bailada o soldate (1959). de 290, 294 lhe Big Heat [Oscorruptos] (1945). de David Leen. 73
Andrade, Joaquim Pedro, 290 de Elia Kazan, 93 Grigori Chukhraj. 188 Benedek, Laszlo, 10,58,82-83, (1953). de Fritz Lang, 48, 69-70 Brighton Rock
Andrade, Mário de, 138 lhe Arrangement [Movidos Belzec. Honoré de, 306 86,95,103,131 Les bijoutiers du clair de [O condenado](1938}, livro
Andrews. Dana, 54 pelo ódio] (1969). de Elia Band à oert (1964), de Jean- Bengal Brigade [Rifles para lune [Vingança de mufher] de Graham Greene. 79
E! ánge/ exterminador [O anjo Kazan. 93, 144 Luc Godard, 373 Bengala] (1954), de Richard (1958), de Roger Vadim, 304 Brighton Rock [O pior dos
exterminador] (1962), de Arroz amargo [Riso amaro] O bandido [11 bandito] (1946), Brooks. 83, 95,131 Bini, Alfredo, 277-278 pecados] (1947). de John
Luis Bunuel. 172-73, 176-78, (1949). de Giuseppe De de Alberto Lattueda. 357 Ben-Hur (1959), de William lhe Binh of a Nation Boulting,79
183-85 Sanus. 355, 357 Bárbaro, Umberto. 174, 353-54 Wyler, 307, 360 [O nascimento de uma Bronté. Emily, 171
Anger, Kenneth. 145, 151,345 L~ncmémarogmph~ue Barbieri, Gato, 139-40, 143, Benjamin, Walter, 30 nação] (1915). David Wark Brooks. Richard, 53, 68, 70, 83,
Anger. Timothy, 145-147 (perfódicolac 291. 294-95, 298 Bennett. Joan, 70 Griffith, 37-39 86,95,99,102,103

394 395
Brunetto. Paulo, 242, 294 Cepra. Frank. 10,65-66 Celui qui doit mourir [Aquele Cocteau. Jean, 247. 258, Crime e castigo, livro de
Cidadão Kane [Citizen Kane]
Bruno, Ctordano. 299 Les cereóimers [Tempo de que deve morrer) (1957), de (1941), de Orson Welles, 264-65, 306, 322, 324 Fiódor Dostoiévski, 65
Brvnnet Yul. 64 guerra] (1963), de Jean-Luc Jules Dessm. 53, 219. 303 Cobn-Benoü. Daniel, 314, 317 "Cristo e il Marxismo: dialogo
50,51,52,206-07,251,310,
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Fox. Bervl, 197 Gerofa Mérquez. Gabriel. 254 16,18,20,23"24,26-27,45, Chaplin. 40, 50 123, 156 O homem da cruz [L'uomo
Franchina, Sandro. 242. 287 Garel. Sylvain. 197 47-48,120,148,151-52,157. Great Expectations [Grandes Hevoen. Sterling, 110,298 dalla croce] (1943), de
Francis, Paulo, 93, 138-41, Garibaldi. Giuseppe. 214, 173,1/6,186-87,190,192, esperanças] (1946), de Haves. Altreo. 54 Roberto Rosselini. 208
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Francisco, arauto de Deus Garrel. Philippe. 242 236-38, 248, 256, 260, 274, Green, F L.. 79 das trevas] (18991, livro de homem, uma mulher) ~1966),
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400 401
L'homme n'est pas un oiseau L'lndia vista da Rosseliini Jopfin, Janis, 27. 152 Ladri di Bióclette [Ladrões Lester. Richard. 345
Kerr, John. 63
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Khomeiny, Ayatollah. 156,
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320, 323
Maksvejev, 348 L'innocente jO inocente] José e seus irmãos, projeto de Killer's Kiss [A malte passou 357-58 Lewis. Jerry, 10,66
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Hopktns. Miriam, 54 Into/erance [Intolerância) (1916), de chambre (1900). livro (1956). de Stanley Kubrick. 123,187,207,240,289,328, 40-41
Hopper, Dennis. 26, 148, de David W Gritfith. 39 de Octave Mirbeau 349. 379, 384 Ltnco!n. Abrahem. 39,121
107,109, 110, 133, 204
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de 80b Rafelson. 151
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Koster, Henrv, 66
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Kott. Jan. 30
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I Want to Live [Quero viver] Je rencontrai des Ieaenes Karina. Anna, 269, 300-01, 371 Kruchev. Níkita. 294 Leenhardt. Roger, 369 La lotta dell'uomo per la sua
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211,386 Letouch. Cfaude. 239, 347. 349 Rosseümtzts
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Kurosawe. Akira, 330. 381
285,325, 329, 331-33, 383 Rossellini.304 Kazantzakis. Nikos, 303 Lênin. Vladimir, 29, 146, 161--62, Ludwig (1972). de Luchino
Kvrou, Ado, 195
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372-73 255 Méüés. Georqes. 37. 206 Milliet. Sergio, 227 Moreau, Jeanne. 195,201 My Man Godfrey [O galante
Mady Mesolé. 287 Mann. Anthonv 24,112.124 Melo. José Laurêncio de. 250 Le MIJlion [O mifháoJ (1931). Morgan, Jp. 68 vagabundo] (1957), de
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404 405
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Nazarín (1958). de Luis Novaes Teixeira, 190-91, 194, Padre Arpe. 14, 253, 256, 269, Paulo VI, 279, 298 Pierrot te Fou [O demônio ucite/l (1965). de Andrei
Buriuel, 172-73, 175-178, 196 290 Pexton. John, 60, 82 das onze horas] (1965), Mikhalkov-Konchalovsky,
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La strategia deI ragno Tarkóvski, Andrei, 290 The Three Sttoges (Os 18&-87,202,242,289,295, Ventura, Zuenir, 255 186-87,193,202,208,211,
[A estratégia da aranha] Tate, Sharon, 321, 323 Patetas). 66 305-06, 386 Verdi, Giuseppe, 242 216-24,217,226-30,232-33,
(19701. de Bernardo Taviani, Irmãos, 242 Tiempo de Cine (periódico). Truman, Harry S" 3D, 53, 320, Verga, Giovanni, 223, 353 236-37,239-43,245-46,
Bertolucci, 294, 298 Tchekhov, Anton, 239 228 322 Verne, Armand de la, 206 248-52, 254, 256-58, 261,

410 411
264-65,269,272-74,277,281, Watkins, Peter. 347 Xavier, Ismail, 31,339,377,383
283,290, 295, 298-99, 304, Waugh, Alec, 64
311,321, 323, 329-30, 340, Wayne.John,23,l17,119-20, Yordan Philip, 133-35, 137
343,353-54, 356-58, 360, 154, 382 You Cent Take it With You [Do
366-67,370,379,382,385 Welles. Orson. 10-11, 15-16, mundo nada se leva] (1938),
vlscontf. Marco, 277 25,29-30,49-52,51,60, de Frank Cepra. 65
"Una visione dei mondo 78,110,133,145,173,187, You only ilve once [Vive-se
eprca-refiçiosa" (artigo). de 206-07,216,221,251-52, uma só vez) (1937), de Fritz
Pier Paofo Pasolini. 188 265,268,279,295,310-11, Lang, 48
I vitelloni [Os boas-vidas] 330,345.357,361,365,367, Young Mr. Uncotn
(1953), de Federico Fellini, 379, 384 [A mocidade de Uncoln]
256,259, 271 Werle, Marco Aurélio. 23 (1939), deJohn Ford. 119,
Vitti. Monica, 251, 259 Wertmüller, Una. 242 121-23
Viva f'ltafia (1960-61). de Whitman, Walt. 150-51 The Young One IA adoles-
Roberto Rossellini. 215 Widerberg, Bo, 349 cente] (1960), de Luis
Viva Zapata! (1952). de Elia The Wild One (O se/vagem] Bunuel, 172, 175, 180
Kazen. 89, 92-93, 298 (1953), de taszto Benedek.
Vivre S8 vie [Viver a vldai 59,60,81-86,88,95, 131 Zabriskie Point(1970). de
(1962), de Jean-Luc Godard, Wilder, Billy, 94, 106 Michelangelo Antonioni,
260, 373 Williams, Tennessee. 94, 247
Volonté, Gian Maria, 314 132-33,145 Zacher. Martine, 272
A volta de Frank James [The Wilson, Michael, 54 Zecher. 'ruta. 272
Return of Frank James] Wise, Pobert. 108, 124, 129, Zanuck. Darryl Frencis. 64
(1940), de Fritz Lang, 48 132 Zapeta. Emiliano, 89, 92-93,
Von Stroheim, Ench. 10 Wood, Natalia. 117 298
Wotyla, Karol, 322, 324 Zavattini. Cesere. 174,208,
Wagner, Richard, 155, 167, Wright. Hichard. 96 247,257,353-54,357-58
169,244 Wuthering Heights [O morro Zedonq. Mao, 156, 156, 295,
Wajda, Andrzej. 187, 348 dos ventos uivantes] (1847), 314,317,350
weuace. Henry, 142 livro de Emily Brontê. 171 Zero de conduite
Walsh, Raoul, 156,368 Wuthering Heights [O morro [Comportamento zero)
Walthall. Henry B., 38 dos ventos uivantes] (1939). (1933), de Jean Vigo, 224
Wanger, Walter, 70 de William Wyler, 54-55 Zinnemann, Fred. 34-35, 59,
Warhol, Andy, 145, 272 Wyler. William, 24, 53-56, 58, 99,106,118,124-25
Warshow, Hobert. 24 68,83.106,307,344,384 Zurlini, Valeria, 242

412
AGRADECIMENTOS Ana Pessoa, Cinemateca Brasileira, Cristina
© Glauber Rocha 1963
Fer~a~dez Nascimento, Tempo Glauber, Márcio Suzukl, Maria
Betânia Amoroso, Sérgio Augusto e Sheila Schvarzman © Espólio Glauber Rocha 2003
© Cosac Naify 2006

COORDENAÇÃO EDITORIAL Ismail Xavier e Augusto Massi


PESOUISA Eduardo Moretttn. Lécio Augusto Ramos, Maria Helena Arrigucci, Mateus
Araújo Silva e Mayrant Gallo
PROJETO GRÁFICO Elaine Ramos
PREPARAÇÃO, REVISÃO E EDiÇÃO DE IMAGENS Augusto Massi e Maria Helena Arrigucci
íNDICE REMISSIVO Maria Cláudia Mattos
COMPOSiÇÃO Negrito Produção Editorial
TRATAMENTO DE IMAGENS Márcio Koide

As imagens deste livro, com exceção de p. 2 - acervo Augusto Massi;


pp. 3-5, 192, 198-99, 217 e 249 - Tempo Glauber, e de p. 335-
desenho de Glauber Rocha, pertencem a PHDTDFEST/Nova York

----,
(DadOS Internacionais- de Catafoqaçáo na PU~liC~Ção (CIP)
I (Câmara Brasileira do Livro. SP, Brasil) I

Rocha, Glauber [1939-1981J


O Século do Cinema: Glauber Rocha
Prefácio: Ismail Xavier
São Paulo: Cosac Naify, 2006
416 p.. 62 ilustr.

ISBN 85-7503-457-X

1 Cineastas - Entrevistas 2 Cineastas - Século 20


3. Cinema - História - Século 20 4. Crítica cinematográfica
5 Rocha, Glauber. 1939-1981 - Entrevistas I. Título

06-6130 CDD-791.430904

índices para catálogo sistemático


1 Cinema: Século 20 Análise crítica 791.430904
2. Cinema: Século 20 Crítica e interpretação 791.430904

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cultura Libre

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