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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 0023203-35.2016.8.26.0000


Comarca de Origem: Piracicaba.
Requerente: MM. Juiz de Direito da 5ª Vara Cível da Comarca de Piracicaba.

Assunto: Promessa de Compra e Venda.

EGRÉGIO TRIBUNAL
COLENDA TURMA DE DIREITO PRIVADO I

Trata-se de incidente de resolução de demandas


repetitivas promovido pelo MM. Juiz de Direito da 5ª Vara Cível da Comarca
de Piracicaba com o propósito de ver solucionadas controvérsias referentes aos
requisitos e efeitos do atraso na entrega de unidades autônomas em construção
aos consumidores, assim resumidas no venerando acórdão de fls. 243/254, pelo
qual essa Colenda Turma Julgadora emitiu o seu juízo de admissibilidade:

a) Alegação de nulidade da cláusula de tolerância de 180 dias para


além do termo final previsto no contrato;

b) Alegação de nulidade de previsão de prazo alternativo de


tolerância para a entrega de determinado número de meses (em
regra 24 meses) após a assinatura do contrato de financiamento;

c) Alegação de que a multa contratual, prevista em desfavor do


promissário comprador, deve ser aplicada por reciprocidade e
isonomia, à hipótese de inadimplemento da promitente
vendedora;
d) Indenização por danos morais em virtude do atraso da entrega
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das unidades autônomas aos promitentes compradores;

e) Indenização por perdas e danos, representada pelo valor


locativo que o comprador poderia ter auferido durante o período
de atraso;

f) Ilicitude da taxa de evolução de obra;

g) Restituição dos valores pagos em excesso de forma simples ou


em dobro;

h) Congelamento do saldo devedor enquanto a unidade autônoma


não for entregue aos adquirentes;

i) Aplicação da multa do art. 35 , parágrafo 5º., da L. 4.591/64 ao


incorporador inadimplente.

A mesma decisão menciona a utilidade e a


necessidade do enfrentamento dessas questões, todas de direito e amplamente
debatidas na jurisprudência da Corte, sendo algumas delas, inclusive, objeto
das Súmulas 159, 160, 161, 162, 163 e 164, ante o efeito vinculativo da resolução
do incidente, com expressiva gama de consequências processuais, como: a) a
possibilidade de o juiz julgar liminarmente improcedente o pedido que
contrariar o entendimento nela firmado (art. 332, III, CPC); b) a possibilidade de
o juiz conceder tutela de evidência se as alegações de fato puderem ser
comprovadas por documentos e houver tese acolhida no incidente (art. 311, II,
CPC); c) a possibilidade de se promover execução provisória sem prestação de
caução (art. 521, IV, “e”, CPC); e, d) a possibilidade de se negar provimento ao
recurso de apelação por decisão monocrática (art. 932, IV, “c”, CPC).

Adotadas as providências alvitradas no artigo 982 do


Código de Processo Civil (CPC), os autos vieram para manifestação do
Ministério Público, nos termos do seu inciso III.
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Considerando a admissão da resolução de todos os


temas propostos pelo eminente Juiz requerente, a Procuradoria passa
diretamente, então, ao enfrentamento de cada tópico.

a) Alegação de nulidade da cláusula de tolerância


de 180 dias para além do termo final previsto no
contrato.

O tema encontra-se consolidado na Súmula 164


dessa Corte, segundo a qual:

“É válido o prazo de tolerância não superior a cento e


oitenta dias, para entrega de imóvel em construção, estabelecido no compromisso de
venda e compra, desde que previsto em cláusula contratual expressa, clara e inteligível.”

A Súmula deixa clara a inexistência de qualquer


abusividade na cláusula contratual que estabelece prazo de tolerância de cento
e oitenta dias para a entrega do imóvel, desde que redigida de forma expressa,
clara e inteligível, de modo a permitir ao contratante o pleno conhecimento da
ocorrência de fatos como, por exemplo, escassez de mão-de-obra e entraves de
órgãos públicos, durante a construção, que isentam a contratada naquele
período, ao mesmo tempo em que afasta a possibilidade de alegação de caso
fortuito ou de força maior para além da tolerância previamente ajustada entre
as partes na promessa de venda e compra.

Assim dispõe a Súmula 161 desse Tribunal que:


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“Não constitui hipótese de caso fortuito ou de força maior,


a ocorrência de chuvas em excesso, falta de mão de obra, aquecimento do mercado,
embargo do empreendimento ou, ainda, entraves administrativos. Essas justificativas
encerram “res inter alios acta” em relação ao compromissário adquirente.”

A única ressalva pertinente à redação da Súmula 164


diz respeito à indispensável especificação de que o prazo não poderá
ultrapassar 180 dias corridos da conclusão prevista da obra, tanto que a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já afirmou a abusividade da
referência a dias úteis no contrato, tida como um artifício da construtora para
evitar a sua punição pelo atraso indevido na entrega da unidade (AgRg no
Agravo de Instrumento 476.891/DF, 3ª. T., Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 22/05/2014).

Assim, a cláusula de tolerância, até o máximo de 180


dias, não é, de per si, abusiva, consoante jurisprudência do STJ.

Todavia, para não se configurar arbitrária e


constituir mera prorrogação do prazo de entrega da obra, de rigor que a sua
eficácia esteja vinculada à demonstração de justificativa externa, como caso
fortuito ou força maior.

O princípio da transparência e da boa-fé nas relações


de consumo impõe a observância da prova de circunstâncias ou fatos externos e
anormais à previsibilidade do fornecedor que venha a superar o risco do
empreendimento e exigir justificadamente a utilização do prazo de tolerância
contratualmente previsto para concluir a obra (Apelações 0006851-
71.2009.8.26.0606; 0110704-91.2011.8.26.0100; 4006444-84.2012.826.0564, etc.).
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b) Alegação de nulidade de previsão de prazo


alternativo de tolerância para a entrega, de
determinado número de meses (em regra 24
meses) após a assinatura do contrato de
financiamento.

A matéria referida neste item encontrou dissidência


parcial no juízo de admissibilidade do incidente, pois o voto vencido do
Desembargador Grava Brazil aconselhava a oitiva de entes federais, por
vislumbrar a dificuldade na discussão da legalidade do prazo previsto
inicialmente para a relação jurídica bilateral entre comprador e construtora,
com reflexos posteriores decorrentes de regras específicas do sistema de
construção de moradia popular, a tornar a relação contratual complexa e
composta de mais de um polo, como no Programa Minha Casa Minha Vida.

O voto divergente admitiu, entretanto, que o


estabelecimento da cláusula no contrato entre comprador e vendedor atingia
apenas reflexamente o agente financeiro (fls. 262, 2º parágrafo).

Discute-se, nestes autos, somente se a cláusula de


prazo alternativo para entrega do imóvel a partir de um determinado número
de meses da assinatura do contrato de financiamento resulta em posição mais
favorável à promitente vendedora, circunstância que tornaria nula a estipulação
ao estabelecer prazos múltiplos, diferenciados para cada comprador, caso a
venda fosse à vista ou com financiamento (fls. 227).

Com a devida vênia, não há reflexo para o agente


financeiro em face da referida cláusula, capaz de justificar a sua presença no
incidente, por se tratar de estipulação em contrato bilateral de venda e compra,
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sem imposição de quaisquer ônus àquele, não atingido pelas suas disposições,
tanto que o Superior Tribunal de Justiça declarou a incompetência da Justiça
Federal e a ilegitimidade passiva da Caixa Econômica Federal em caso de atraso
de entrega de imóvel financiado pelo Programa Minha Casa Minha Vida (REsp
1462665, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 07/20/2015).

Nesse sentido também tem se pronunciado esse


Tribunal de Justiça, ao admitir ser a empresa pública (CEF) mera gestora dos
recursos financeiros do referido programa habitacional, sendo a questão de
fundo, relativa à entrega do bem imóvel, objeto do contrato principal de
compra e venda, e não do pacto adjeto de mútuo (Apelação n. 1006264-
02.2015.8.26.0451, 6ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Vito Guglielmi, j.
18/02/2016), entendimento incorporado neste parecer.

No mérito, não se revela igualmente abusiva a


disposição de prazo diferenciado ao adquirente de imóvel pelo sistema de
financiamento habitacional, por ser da essência do negócio jurídico que os
custos da construção devam ser repartidos entre os diversos compradores, não
estando a construtora “obrigada a entregar a posse do imóvel ao promitente
adquirente sem receber a contraprestação financeira a que faz jus, pena de confisco...”
(STJ-AREsp 773333, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 18/02/2016).

Dessa maneira, há de se considerar válida a cláusula


que estipula prazo a partir da assinatura do contrato de financiamento para a
conclusão das obras nos compromissos de compra e venda com pacto adjeto de
hipoteca em favor de agente financeiro, desde que prevista de forma expressa,
clara e inteligível no contrato.
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c) Alegação de que a multa contratual, prevista em


desfavor do promissário comprador, deve ser
aplicada por reciprocidade e isonomia, à
hipótese de inadimplemento da promitente
vendedora.

A Súmula 159 dessa Corte, que versa sobre a matéria,


possui a seguinte redação:

“É incabível a condenação da vendedora ao pagamento de


multa ajustada apenas para a hipótese de mora do comprador, afastando-se a aplicação
da penalidade por equidade, ainda que descumprido o prazo para a entrega do imóvel
objeto do compromisso de venda e compra. Incidência do disposto no artigo 411, do
Código Civil.”

Esse Tribunal deu interpretação estrita à cláusula do


contrato de venda e compra de unidade habitacional em construção que
estabelece multa em caso de inadimplemento pelo adquirente, repelindo a
aplicação da penalidade, por isonomia, ao vendedor, a sugerir o cabimento
exclusivo da indenização por perdas e danos, de acordo com as Súmulas 162 e
163 da Corte.

Todavia, parece evidente o fato de que a Súmula 159


contraria a orientação do Superior Tribunal de Justiça, o qual vem admitindo a
aplicação da cláusula penal, de forma inversa, ao promitente-vendedor, por ser
a promessa de compra e venda um contrato bilateral, oneroso e comutativo,
circunstância que, no entender da Corte Especial, torna cabível a penalidade aos
contratantes indistintamente, ainda que redigida em favor de apenas um deles.
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Confira-se, a respeito, o AREsp 724812, Rel. Min.


Marco Buzzi, j. 22/06/2016:

“Seja por princípios gerais do direito, seja pela


principiologia adotada no Código de Defesa do Consumidor, seja, ainda, por comezinho
imperativo de equidade, mostra-se abusiva a prática de se estipular penalidade
exclusivamente ao consumidor, para a hipótese de mora ou inadimplemento contratual,
ficando isento de tal reprimenda o fornecedor - em situações de análogo descumprimento
da avença. Assim, prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de
descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir, em
reprimenda do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento. Assim, mantém-
se a condenação do fornecedor - construtor de imóveis - em restituir integralmente as
parcelas pagas pelo consumidor, acrescidas de multa de 2% (art. 52, § 1º, CDC),
abatidos os aluguéis devidos, em vista de ter sido aquele, o fornecedor, quem deu causa à
rescisão do contrato de compra e venda de imóvel. (...) (REsp 955.134/SC, Rel. Ministro
LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/08/2012, DJe
29/08/2012).”

Frisa-se, então, que o STJ julga abusiva a cláusula


que estipula penalidade ao consumidor no caso de mora ou inadimplemento,
isentando o fornecedor em situações de análogo descumprimento do contrato.

Essa posição é prestigiada por outros Tribunais de


Justiça.

Por exemplo, no Rio de Janeiro, as Câmaras


Especializadas em Direito do Consumidor têm se pronunciado pela incidência
da cláusula penal inversa:
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“Havendo cominação de multa moratória a ser paga pelo


promitente comprador na hipótese de impontualidade, nada mais justo que se imponha a
mesma penalidade à promitente vendedora, pelos mesmos motivos, forte em razões de
equidade, na medida em que não pode o fornecedor ficar imune à sanção em situações de
descumprimento análogas às previstas para o consumidor. (TJRJ - APELAÇÃO
0031569-18.2013.8.19.0209, 26ª Câmara Cível-Consumidor, Rel. Des. NATACHA
NASCIMENTO GOMES TOSTES GONÇALVES DE OLIVEIRA, j. 24/05/2016).
Idem: Apelação 0020363-07.2013.8.19.0209, 26ª Câmara Cível-Consumidor, Rel.
Des. Luiz Roberto Ayoub, j. 22/09/2016; Apelação 0027828-70.2013.8.19.0208,
27ª Câmara Cível-Consumidor, Rel. Des. Antonio Carlos Bitencourt, j.
21/09/2016.

No Rio Grande do Sul, também prevalece a tese da


admissibilidade da imposição da cláusula penal à construtora, mesmo que
omisso o contrato, que preveja a penalidade apenas em face do adquirente de
unidade habitacional:

“Aplicável multa contratual pelo atraso na entrega do


imóvel. No caso de imposição de multa moratória que beneficie apenas o fornecedor,
deve ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor e, por conseguinte, as disposições
do art. 6º, inciso V, que autoriza o julgador modificar a incidência da cláusula penal
suportada exclusivamente pelo consumidor, de modo a estabelecer a proporcionalidade
das prestações recíprocas em relação à construtora.” (Apelação 0121036-
43.2016.8.21.7000), 17ª Câmara Cível, Rel. Des. Gelson Rolim Stocker, j.
25/08/2016). Idem: Apelação 0196429-71.2016.8.21.7000, 18ª Câmara Cível, Rel.
Des. João Moreno Pomar, j. 25/08/2016; e Apelação 0335336-26.2016.8.21.7000,
20ª Câmara Cível, Rel. Des. Dilso Domingos Pereira, j. 11/10/2016).
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É evidente que não se desconhece a posição do


Desembargador Relator, Francisco Loureiro, expressa nos autos da Apelação
1001176-66.2015.8.26.0100, no sentido de que ao Juiz não cabe “integrar o
contrato para criar uma cláusula de prefixação de perdas e danos não prevista pelas
partes.”

Conquanto negue o emprego em desfavor da


vendedora, silente o contrato, esse v. acórdão reconhece a possibilidade de
composição das perdas e danos por outras formas de indenização, em
substituição à cláusula penal não prevista em prol do adquirente, ratificando, o
teor das Súmulas 162 e 163 desse Tribunal.

Entende-se, porém, que o tema comporta abordagem


diversa.

A hipótese versa sobre cláusula penal moratória, nos


termos do artigo 411 do Código Civil, citado na Súmula 159 dessa Corte, por
incidir sobre cláusula determinada do contrato de promessa de compra e venda
(mora na entrega do imóvel pela construtora), a permitir a exigência de
satisfação da pena juntamente com a da obrigação principal.

A cláusula penal é pacto acessório pelo qual as partes


estipulam no contrato, de antemão, pena pecuniária contra aquela que infringir
a obrigação, como consequência de sua inexecução culposa ou de seu
retardamento, fixando, assim, previamente, o valor das perdas e danos, além de
funcionar como reforço da garantia do exato cumprimento da obrigação
principal (sobre conceito de Maria Helena Diniz, Código Civil Anotado, Saraiva,
12ª ed., 2006, p. 394).
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Segundo explica Arnaldo Marmitt, em “Perdas e


Danos”, Aide, 3ª. ed., 1997, p. 438, a cláusula possui o valor prático de evitar
discussões futuras em torno das perdas e danos decorrentes da inexecução ou
do retardamento do cumprimento da obrigação, ao definir antecipadamente o
montante da prestação devida, abrangendo, inclusive, prestação de cunho não
patrimonial (nesse sentido, confira-se, ainda, o artigo 416, CC).

Assim, mostra-se injustificável a aceitação da


cláusula penal em favor da construtora, pelo inadimplemento ou retardamento
da satisfação da obrigação assumida pelo adquirente de unidade autônoma de
prédio em construção, ao mesmo tempo em que se nega igual direito ao
consumidor, pela singela omissão no contrato-padrão, em face da inequívoca
mora da fornecedora no cumprimento do dever de entregar o imóvel na data
aprazada, já beneficiada com a dilação do prazo de tolerância de 180 dias.

Insta consignar que o Código Civil, no seu artigo 413,


admite claramente a atuação do Juiz para dissipar as desigualdades decorrentes
da execução do contrato, sinalizando a necessidade da observância da natureza
e da finalidade do negócio.

Isso já ocorria sob a égide do Código Civil de 1916,


valendo o registro de Arnaldo Marmitt (“Perdas e Danos”, Aide, 3ª. ed., 1997, p.
438), de que: “a interferência judicial é extensiva a todas as hipóteses de flagrante
injustiça para qualquer dos contratantes.”

Na espécie, não se olvida que está em discussão um


direito do consumidor, parte frágil exposta à modelagem preestabelecida de
contrato, a prever punição exclusivamente ao aderente, sem lhe assegurar
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direito igual, na hipótese do não cumprimento da prestação ajustada pela


contratada.

Portanto, o Juiz pode e deve agir para suprir a lacuna


contratual, assegurando ao consumidor a proteção idêntica à fixada em favor da
outra parte do contrato, ainda mais em razão do artigo 6º, do Código de Defesa
do Consumidor, e diante da presunção de vulnerabilidade e da garantia da
equidade nas relações jurídicas que envolvem a pessoa física de um lado e o
fornecedor de produtos e serviços de outro.

A respeito da integração do contrato pelo Juiz,


segundo o princípio da boa-fé objetiva, esclarece Marco Antonio Zanellato,
Condições gerais dos contratos, cláusulas abusivas e proteção do consumidor: Tese de
doutorado em Direito Civil; FADUSP, 2006, p. 174, que:

“Um dos critérios de integração do contrato é o da boa-


fé objetiva. Nesta operação, ela exerce uma função normativa importante: atua como
fonte de direitos e, sobretudo, de obrigações (deveres) independentes das que
derivam diretamente do contrato: são os chamados deveres anexos ou colaterais de
conduta, implícitos na relação jurídico-contratual, vista na sua totalidade (em todas as
fases do contrato: formação, execução e pós-contratual). Trata-se da boa-fé como fonte
de regras de conduta. Dela surgem normas concretas, as quais, por via da
integração, permitem ao juiz proceder à correção das cláusulas contratuais que
sejam injustas e abusivas. No Código de Defesa do Consumidor, a norma que
permite ao juiz realizar tal operação é a do art. 51, IV, na qual está contida a cláusula
geral da boa-fé objetiva, como critério geral de avaliação da abusividade da cláusula
contratual.”
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Seguindo, ainda, as precisas lições da abalizada


doutrina de Marco Antonio Zanellato, tem-se que, no caso concreto, o juiz não
opera o acréscimo de uma nova cláusula ao contrato, como pode aparentar.
Diversamente, com fundamento no art. 6º, V (este dispõe que é direito do
consumidor a modificação de cláusulas que estabeleçam prestações
desproporcionais) e no art. 51, IV (que contém a cláusula geral da boa-fé
objetiva), ele corrige a já existente, que estabelece cláusula penal somente para
o caso de mora do consumidor no adimplemento de sua obrigação. A correção
consiste em modificar essa cláusula para que albergue, também, cláusula penal
para a hipótese de atraso no cumprimento da obrigação (entrega além dos 180
dias) da contraparte (construtora), a qual, de forma unilateral, predispôs as
condições gerais do negócio (ou as cláusulas contratuais gerais -- entre elas a
cláusula penal ora questionada). Os consumidores simplesmente aderiram a
essas cláusulas pré-estabelecidas de modo unilateral e uniforme, sem que lhes
fosse facultado o poder de delas discordar ou modificar o seu conteúdo. É por
isso que o juiz, com base na boa-fé objetiva, para corrigir essa injustiça, pode (e
deve) modificar a cláusula penal em apreço, para que alcance também o atraso
da construtora predisponente, como antes se referiu. Com isso, estabelece o
equilíbrio contratual rompido com a estipulação abusiva. (baseado nas
observações relativas a caso correlato, mas de inteira pertinência à espécie, da
RDC 83/477).

Releva consignar que, há de se levar em


consideração que, diante da opção do consumidor pela incidência da cláusula
penal, evidentemente restará prejudicado o seu direito de pleitear perdas e
danos superiores ao valor previsto na cláusula.

Se, por um lado, o adquirente gozará da faculdade


do ressarcimento pela demora na entrega da prestação contratada, por meio de
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indenização preestabelecida, sem a necessidade, portanto, de provar os danos


dela decorrentes, por outro, deverá se contentar com o montante recebido, em
razão da própria natureza da cláusula penal.

Resumindo, os benefícios auferidos pelo consumidor


serão o de obter o ressarcimento dos danos decorrentes da demora na entrega
da unidade habitacional adquirida independentemente de prova do prejuízo,
assegurando indenização mínima, de maneira mais prática e rápida, devendo
suportar, em contrapartida, a perda do eventual acréscimo na indenização em
possível liquidação das perdas e danos no processo.

A intervenção judicial no contrato dar-se-á, então,


para estabelecer a isonomia na relação contratual de compra e venda de
unidades imobiliárias em construção, de forma a garantir ao consumidor – tal
como previsto no contrato em favor do contratado – a indenização mínima pela
demora da entrega da coisa, pelo fornecedor, independentemente da prova da
existência de danos materiais ou morais dela derivadas.

d) Indenização por danos morais em virtude do


atraso da entrega das unidades autônomas aos
promitentes compradores.

O suscitante solicitou o pronunciamento da Turma a


respeito dos casos de demora na entrega de unidade imobiliária em que se
justificaria a reparação de danos morais. Em suma, pede que se esclareça se o
mero descumprimento do prazo contratual caracterizaria, por si, a ofensa à
personalidade do adquirente, ou se deveria concorrer lapso temporal mais
significativo, por exemplo, de seis meses ou de um ano (fls. 04).
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Esta arguição também enfrentou resistência no voto


do Desembargador Grava Brazil, em juízo preliminar, onde foi posto que:

“Ainda que se possa dizer que, em tese, a controvérsia


instalada sobre o dano moral diga respeito à questão unicamente de direito, o
reconhecimento de dano dessa natureza reclama análise de fato; não se trata de mera
consequência do inadimplemento contratual.” (fls. 267).

Nele se destaca que a divergência entre os diversos


acórdãos da Corte diz respeito à interpretação de fatos, e não abrange a
discussão do direito material ou processual, típica deste incidente, o qual não se
presta ao debate da tese pura e simplesmente, qual seja, se existe dano moral
nos casos de inadimplemento da prestação de entrega de unidades autônomas
(fls. 270).

Mas, é certo que o Superior Tribunal de Justiça


firmou orientação no sentido de que o mero descumprimento contratual, no
caso em que a promitente vendedora deixa de entregar o imóvel no prazo
estabelecido no instrumento, injustificadamente, embora possa ensejar
reparação por danos materiais, não acarreta, por si, danos morais (AgRg no
AREsp 570086 / PE, 3ª. T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 20/10/2015).
Idem: AgInt no AREsp 937068 / RS, 3ª. T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j.
27/09/2016.

A Corte Especial tem explicitado a possibilidade da


ocorrência de danos morais diante das peculiaridades do caso concreto, quando
a demora na entrega do imóvel ultrapasse a esfera do mero descumprimento
contratual ou do dissabor diário (AgInt nos EDcl no AREsp 881499 / MG, 4ª. T.,
Rel. Min. Marco Buzzi, j. 27/09/2016). Idem: AgRg no AREsp 801201 / RS, 3ª.
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T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 02/06/2016; e, AgRg no AREsp 391324,
4ª. T., Rel. Min. Marco Buzzi, j. 29/05/2015).

Na espécie, não há como contestar o fato de que os


danos morais não decorrem diretamente da violação objetiva do dever
contratual, pela fornecedora, de cumprir o prazo estabelecido para a entrega do
imóvel ao consumidor, mas de outras circunstâncias que, concorrendo com essa
demora, são capazes de causar angústia, sofrimento ou dor ao adquirente,
matéria dependente de prova, visto que não dimana do mero descumprimento
da cláusula de contrato.

Portanto, entende-se que nada impede a Turma


Julgadora de declarar, em consonância com a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça, que o mero descumprimento do prazo estabelecido no
contrato de promessa de compra e venda para a entrega do imóvel ao
adquirente não enseja, por si, reparação de danos morais, os quais deverão ser
objeto de prova, pelo prejudicado, durante a demanda, não se justificando a
pretensão do suscitante de esclarecimento quanto a um determinado lapso
temporal para efeito de sua caracterização, justamente porque dependente da
análise de fatos do caso concreto, como referido no douto voto vencido.

e) Indenização por perdas e danos, representada


pelo valor locativo que o comprador poderia ter
auferido durante o período de atraso.

O suscitante indaga se o atraso na entrega da coisa


justifica a indenização a esse título e, em caso positivo, se o valor do
arbitramento dos alugueres deve ser objeto de arbitramento, na liquidação, ou
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fixado, desde logo, em 0,5% ao mês sobre o preço do imóvel previsto no


compromisso de venda e compra atualizado.

Relacionada ao tema, a Súmula 162 dessa Corte diz


que:

“Descumprido o prazo para a entrega do imóvel objeto do


compromisso de venda e compra, é cabível a condenação da vendedora por lucros
cessantes, havendo a presunção de prejuízo do adquirente, independentemente da
finalidade do negócio.”

A redação do verbete sugere a presunção de prejuízo


do adquirente, antecipando solução favorável à prefixação do seu montante
pela decisão judicial, de modo a evitar longa e desnecessária controvérsia em
torno do valor dos locativos, na liquidação, como bem ponderou o suscitante.

De fato, constitui senso comum que a demora na


entrega do bem objeto do contrato de aquisição de unidade imobiliária enseja
danos materiais decorrentes da privação do uso pelo seu adquirente.

Consoante afirmado na Apelação 1001558-


92.2015.8.26.0477, 6ª. Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Vito Guglielmi, j.
20/09/2016, a fixação das perdas e danos no percentual mensal de 0,5% sobre o
valor do contrato atualizado - como é o entendimento pacífico na
jurisprudência, é melhor e mais consentânea com os valores locativos
praticados no mercado, e deve incidir durante todo o período de atraso.

f) Ilicitude da taxa de evolução de obra.


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A questão repetitiva diz respeito à responsabilidade


ou não da promitente vendedora pela taxa de evolução da obra, normalmente
exigida pela entidade financeira até a obtenção do habite-se, em razão de
ocorrência de atraso na entrega da unidade autônoma.

Houve uma vez mais divergência no juízo de


admissibilidade, constando do voto vencido do Desembargador Grava Brazil
que: “o ponto fulcral da questão diz com a responsabilidade pela taxa de evolução de
obra após o prazo de entrega, não se questiona a licitude da taxa em si.” (fls. 263).

Assim, repete-se ali a necessidade da intervenção dos


órgãos federais e da alteração da competência, uma vez que, como admite o
suscitante, a referida taxa é cobrada pela Caixa Econômica Federal.

Quanto à admissibilidade, pede vênia para reiterar


os argumentos colacionados no item “b”, supra, visto que a Caixa Econômica
Federal não é atingida diretamente pela solução do incidente, o que ocorre
apenas de forma reflexa, visto que a condenação se volta contra a vendedora em
relação ao montante eventualmente cobrado pelo agente financeiro a esse título.

No mérito, cumpre aclarar que a cobrança da taxa de


evolução de obra tem previsão legal no contrato de financiamento, e consiste
em juros, encargos e correção monetária que devem ser pagos durante o
período da construção, sem que haja amortização do saldo devedor, de sorte
que, o atraso na entrega da coisa pela vendedora, importa ônus indevido ao
adquirente da unidade imobiliária autônoma, que deverá ser reembolsado por
valores eventualmente pagos após o prazo previsto para a entrega da coisa.
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Nesse sentido é clara a posição do Superior Tribunal


de Justiça, ao fixar que: “Os "juros de obra" pagos após o prazo de previsão de
entrega das chaves, deverão ser ressarcidos pela construtora ao consumidor.” (AResp
718080, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 08/06/2016).

Por isso, indiscutível a legalidade da denominada


taxa de evolução da obra (“juros da obra”), impõe-se o reconhecimento da
possibilidade de o adquirente exigi-la da vendedora, no caso de haver atraso no
cumprimento do prazo de entrega da coisa.

g) Restituição dos valores pagos em excesso de


forma simples ou em dobro.

A questão trazida neste item refere-se à exigência da


configuração de má-fé da promitente vendedora para a restituição em dobro de
valores cobrados por ela, em excesso, do adquirente da unidade imobiliária em
construção.

A orientação emanada do Superior Tribunal de


Justiça, no caso de contrato de promessa de compra e venda de imóvel em
construção, é no sentido da obrigatoriedade da prova de má-fé da vendedora
para ensejar a restituição em dobro de valores indevidamente cobrados do
adquirente, seja a análise feita à luz do artigo 42 do CDC ou do artigo 940 do
Código Civil. Confira-se o seguinte julgado:

“A Segunda Seção desta Corte firmou o entendimento de


que a devolução em dobro dos valores pagos pelo consumidor somente é possível quando
demonstrada a má-fé do credor. Precedentes.” (AgRg no AgRg no AREsp 731339-
DF, 4ª. T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 03/05/2016).
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A posição desse Tribunal de Justiça não discrepa


desse entendimento: Apelações 1118477-68.2014.8.26.0100; 1000477-
60.2015.8.26.0008; 3003313-54.2013.8.26.0650; 0014409-82.2012.8.26.0576;
1027878-13.2014.8.26.0576, entre outras.

Dessa maneira, a resposta à formulação apresentada


há de ser no sentido da devolução simples dos valores pagos em excesso pelo
adquirente da unidade autônoma, ressalvada a hipótese de comprovada má-fé
do vendedor.

h) Congelamento do saldo devedor enquanto a


unidade autônoma não for entregue aos
adquirentes.

O suscitante postula que se esclareça se o saldo


devedor permanecerá suspenso ou se a vendedora deverá ser condenada a
ressarcir a diferença de correção monetária na situação de atraso na entrega do
imóvel, ante a majoração do valor do financiamento, ocorrida entre a data da
entrega prevista originalmente na promessa de venda e compra e a da
contratação junto à instituição financeira.

A respeito do assunto, dispõe a Súmula 163 dessa


Corte que:

“O descumprimento do prazo de entrega do imóvel objeto


do compromisso de venda e compra não cessa a incidência de correção monetária, mas
tão somente dos encargos contratuais sobre o saldo devedor.”
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O tema é bastante controvertido na jurisprudência


dessa Corte.

Evidentemente, na hipótese de inadimplemento


injustificado do prazo para entrega da obra, impõe-se o congelamento do saldo
devedor, inclusive em relação à correção monetária, para que não se penalize o
adquirente, que cumpriu correta e integralmente suas obrigações contratuais,
beneficiando indevidamente o fornecedor que não atendeu à boa-fé objetiva,
quebrando a confiança e a lealdade, que permaneceria ileso de ônus econômico,
única forma de atender o interesse imediato de buscar a conclusão da obra.

Com efeito, nos contratos de compra e venda de


imóveis, os valores contratados são muito elevados, impondo sacrifícios
imensos ao consumidor para cumprir suas obrigações contratuais.

É inegável, assim, que o injustificado atraso na


entrega do imóvel gera impacto negativo vultoso no montante a ser pago pelo
consumidor comprador.

O saldo devedor corrigido monetariamente cresce,


enquanto o adquirente sequer pode usufruir do imóvel, especialmente pelo fato
de que se vê obrigado a continuar pagando as prestações corrigidas, sem obter a
correspondente redução no saldo devedor final.

De certa forma, quando se nega a suspensão do saldo


devedor, o atraso na obra acaba por favorecer o empreendedor inadimplente
que agiu com deslealdade, pouco preocupado com os danos que a sua conduta
ocasiona à outra parte, que entregou, senão todas, parcela significativa de suas
economias para adquirir o imóvel para moradia.
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Concluindo, a suspensão ou ‘congelamento’ do saldo


devedor constitui instrumento legal e juridicamente importante para fazer com
que o construtor busque efetivamente a conclusão da obra o mais rápido
possível. Assim, a empreendedora não pode exigir sua parte no negócio
justamente por não ter cumprido a tempo sua obrigação, a partir do momento
em que voltará a fluir a correção monetária a fluir somente com a efetiva
entrega do bem, além dos juros pactuados.

Nessa linha: Apelações 0003331-76.2013.8.26.0602;


0110704-91.2011.8.26.0100; 4006444-84.2012.826.0564; e Agravo de Instrumento
0215065-37.2012.8.26.0000.

Contudo, não se ignora a decisão do Superior


Tribunal de Justiça que considerou que a mora na entrega das chaves pela
construtora não constitui causa de suspensão da correção monetária do saldo
devedor, mas, ao mesmo tempo, declarou a necessidade de substituição do
Índice Nacional da Construção Civil (INCC) pelo Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA), salvo quando o INCC for menor e, portanto, mais
favorável ao consumidor, devendo incidir depois do vencimento do prazo,
incluindo o de tolerância (REsp 1454139 / RJ, 3ª. T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j.
03/06/2014).

Subsidiariamente, então, se não acolhida a tese da


suspensão da correção monetária até a efetiva entrega das chaves, no caso de
atraso injustificado pela fornecedora, caberá ao Juiz substituir o INCC por outro
índice mais favorável ao consumidor, de acordo com o contrato, ou com a
utilização da Tabela Prática desse Tribunal de Justiça.
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i) Aplicação da multa do art. 35, parágrafo 5º, da


Lei 4.591/64 ao incorporador inadimplente.

A questão repetitiva envolve solicitação de resposta à


seguinte indagação: a multa referida no dispositivo legal acima mencionado
seria aplicável nos casos de atraso na entrega da unidade autônoma?

Ora, a multa prevista no artigo 35, §5º, da Lei n.


4.591/64 diz respeito ao descumprimento, pelo incorporador, da obrigação de
efetuar o registro da Incorporação imobiliária no Cartório de Registro de
Imóveis, sem a qual não poderá negociar o imóvel, ainda que, de acordo com o
parágrafo 4º, do mesmo dispositivo legal, possam ser averbados no Registro de
Imóveis, pelo adquirente, a carta-proposta ou o documento de ajuste
preliminar, averbação que conferirá direito real oponível a terceiros, com o
consequente direito à obtenção compulsória do contrato correspondente.

O atraso referido na citada norma é relativo à


celebração do contrato, e não à entrega da obra.

Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“INCORPORAÇÃO. ATRASO NA CELEBRAÇÃO


DO CONTRATO. MULTA DE 50% (ART. 35, § 5º, DA LEI Nº 4.591, DE
16.12.1964). EXECUÇÃO CABÍVEL. – A multa prevista no art. 35, § 5º, da Lei nº
4.591/64 decorre do descumprimento, pelo incorporador, da sua obrigação de outorgar
ao adquirente o contrato no prazo legal, independentemente da averbação a que se refere
o § 4º do mesmo preceito legal. Precedente.” (REsp 147826/DF, 4ª. T., Rel. Min.
Barros Monteiro, j. 02/12/2003).
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Se houve o registro que permitiu à incorporadora


realizar a venda das unidades autônomas, celebrando os contratos com os
interessados na aquisição das mesmas, o mero atraso na entrega do imóvel ao
adquirente não justifica, por si, a extensão analógica da penalidade prevista
apenas para o caso de inexistência do registro.

Imperioso recordar que: “é estrita a interpretação das


leis excepcionais, das fiscais e das punitivas.” (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e
Aplicação do Direito, 9ª. ed., 1984, p. 205).

A jurisprudência dessa Corte inclina-se nessa


direção, pontificando que o inadimplemento da entrega do bem imóvel ao
adquirente no prazo estipulado no contrato gera direito a perdas e danos, mas
não rende ensejo à incidência da multa do art. 35 da L. 4.591/64, pois tal
circunstância não se encaixa na fattispecie legal (Apelação 0048621-
60.2012.8.26.0114, 6ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Francisco Loureiro, j.
04/12/2014). Idem: Apelações 9000071-12.2011.8.26.0114, 5ª. Câmara de Direito
Privado, Rel. Des. J.L. Mônaco da Silva, j. 13/10/2016; 1000877-
16.2015.8.26.0577, 9ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. José Aparício Coelho
Prado Neto, j. 20/10/2015; 0153819-31.2012.8.26.0100, 4ª Câmara de Direito
Privado, Rel. Des. Hamid Bdine, j. 08/10/2015, entre outros.

Opina-se, então, pelo acolhimento do incidente


suscitado, na sua integralidade, para firmar orientação nas questões suscitadas
no sentido de que:

A – É válida a cláusula de tolerância de 180 dias


para além do termo final previsto no contrato, desde que a sua eficácia esteja
vinculada à demonstração de justificativa externa, como caso fortuito ou força
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maior. Propõe-se a ratificação da Súmula 164 desse Tribunal, acrescentando-


se “corridos” após a expressão “cento e oitenta dias”, para espancar qualquer
dúvida quanto à impossibilidade de referência a dias úteis.

B – É válida a cláusula que estipula prazo a partir


da assinatura do contrato de financiamento para a conclusão das obras nos
compromissos de compra e venda com pacto adjeto de hipoteca em favor de
agente financeiro.

C – É cabível a intervenção judicial no contrato para


estabelecer a isonomia na relação contratual de compra e venda de unidades
imobiliárias em construção, de forma a garantir ao consumidor o direito de
reclamar cláusula penal moratória – tal como previsto em favor do contratado
–, assegurando-lhe a indenização mínima pela demora da entrega da coisa,
pelo fornecedor, independentemente da prova da existência de danos
materiais ou morais dela derivadas.

D - O mero descumprimento do prazo estabelecido


no contrato de promessa de compra e venda para a entrega do imóvel em
construção ao adquirente não enseja, por si, reparação de danos morais, os
quais deverão ser objeto de prova, pelo prejudicado, durante a demanda.

E – A demora na entrega do bem objeto do contrato


de aquisição de unidade imobiliária em construção enseja danos materiais
decorrentes da privação do uso pelo seu adquirente, consistindo em perdas e
danos no percentual mensal de 0,5% sobre o valor do contrato atualizado,
durante todo o período de atraso.
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F – É legal a denominada taxa de evolução da obra


(“juros da obra”), assistindo direito ao adquirente de unidade imobiliária
autônoma, porém, de exigi-la da vendedora, no caso de haver atraso no
cumprimento do prazo de entrega do imóvel.

G – Deverá ser simples, e não em dobro, a


devolução dos valores pagos em excesso pelo adquirente da unidade
autônoma em construção, ressalvada a hipótese de comprovada má-fé do
vendedor.

H - A demora na entrega das chaves do bem ao


adquirente da unidade autônoma constitui causa suficiente para autorizar a
suspensão da correção monetária (congelamento), medida que previne dano à
parte que cumpriu rigorosamente as suas obrigações e pune quem
efetivamente deu causa ao atraso na prestação convencionada no contrato. Na
pior das hipóteses, após o vencimento do prazo, compete ao Juiz substituir o
INCC por outro índice mais favorável ao consumidor, de acordo com o
contrato, ou com a Tabela Prática do Tribunal de Justiça.

I - O inadimplemento da entrega ao adquirente do


bem imóvel em construção, no prazo estipulado no contrato, gera direito a
perdas e danos, mas não rende ensejo à incidência da multa do art. 35 da Lei
4.591/64, pois tal circunstância não se encaixa na situação fática prevista
naquela norma.

São Paulo, 24 de outubro de 2016.

DAVID CURY JÚNIOR


Procurador de Justiça.
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