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Ferenc Molnár

sala dos professores

Quem são os meninos da rua Paulo A obra imita a vida


A Sociedade do Betume e os meninos da rua Paulo Personagens
Os camisas-vermelhas Lugares
Os adultos
O fim da história: a repercussão do romance
Um passeio pelos espaços do romance Os personagens saem do livro
O espaço literário: Budapeste Uma obra verdadeiramente universal
O grund é uma nação Um livro que dá samba – ou rock
O território inimigo: o Jardim Botânico
O espaço de lazer: a rua Paulo O árduo percurso rumo ao amadurecimento:
Espaços de aprendizagem: o colégio da rua Lónyay e a o romance de formação
Józsefvárosi Reálgimnázium As marcas do romance de formação em Os meninos
da rua Paulo
Alguns elementos antigos em um livro atemporal
Vestimentas Prefácio à edição brasileira, por Paulo Rónai
Brincadeiras Uma questão de honra, por Nelson Ascher
Cidade Biobibliografia
Economia
Escola
Sala dos professores

Caro(a) professor(a),

Certa vez, o jornalista, poeta e escritor Cadão Volpato decla- Não à toa, Os meninos da rua Paulo é também um dos
rou: “Eu, que respeito criança, sonho e curiosidade, tenho o maiores orgulhos do catálogo infantojuvenil da Cosac Naify.
meu próprio sonho, que é escrever um livro inteiro que se Em sete anos, teve mais de 60 mil exemplares vendidos e é
equipare a apenas uma linha de Os meninos da rua Paulo”. o nosso campeão de adoções, chegando a 225 escolas por
De fato, a força literária da obra-prima de Ferenc Molnár é todo o país e mais de 20 mil estudantes. Foi selecionado
indiscutível. Tatiana Belinky, Edgard Scandurra, Laura San- pelo Governo Federal para o Programa Nacional Biblioteca
droni e Marçal Aquino são alguns dos que têm o romance da Escola (pnbe) e pela Secretaria Municipal de Educação
de Molnár entre seus livros de cabeceira. Poucas obras ti- de São Paulo para o Programa Minha Biblioteca. Em julho
veram uma trajetória tão bem-sucedida, inclusive no Bra- de 2012, a revista Nova Escola o incluiu em uma seleta lista
sil, desde a primeira edição, em 1952. Considerado um dos dos cem livros imperdíveis para despertar o gosto pela lei-
grandes clássicos da literatura húngara, por aqui alcançou tura, ressaltando: “[Os meninos da rua Paulo] é dessas raras
mais de um milhão de leitores e noventa reimpressões. As obras que se tornaram universais. E eternas”.
primeiras gerações a se emocionar com a história dos garo- É com muito entusiasmo que recebemos com frequência
tos que travam uma batalha épica para defender seu espaço relatos de experiências notáveis vivenciadas por educadores
de brincadeiras cresceram. Hoje, já pais e avós, têm a satisfa- e alunos a partir da leitura do livro. Por outro lado, também
ção de compartilhar a leitura com seus filhos e netos e, claro, são constantes os pedidos de materiais de apoio para o
reencontrar-se em Os meninos da rua Paulo. Ambientado trabalho em sala de aula. Com esta preocupação, a editora
na Hungria do final do século xix, o romance fala para ga- Cosac Naify desenvolveu este Guia de leitura – Os meninos
rotos de qualquer idade, época ou lugar. Ao tratar de temas da rua Paulo, com textos que abordam aspectos fundamen-
universais – honra, coragem, traição, lealdade, amizade –, tais para a compreensão do universo do romance.
Molnár projetou seu nome na literatura mundial. Nemecsek O Guia de leitura é uma aproximação da editora com as
ganhou título de herói, ao lado de Oliver Twist e Tom Sawyer. possibilidades de interação entre os docentes e nossos
livros. O crescente número de adoções escolares e os de- pacto do lançamento na Hungria e no mundo – incluindo
poimentos dos educadores sobre as atividades realizadas as diversas adaptações para o cinema e montagens teatrais,
por meio da literatura dão uma amostra de que obras como além do conjunto de estátuas em homenagem ao romance
Os meninos da rua Paulo podem ser importantes aliadas no construído em Budapeste. E, por último, apresentamos as
processo de ensino-aprendizagem. características que fazem desta obra um exemplo primo-
Este material recebeu o cuidadoso tratamento editorial roso de romance de formação.
que dispensamos a qualquer um de nossos livros. Os tex- Ao final, este Guia de leitura reproduz ainda o prefácio do
tos foram escritos por um redator fluente em húngaro e tradutor Paulo Rónai, o posfácio de Nelson Ascher e uma
os temas selecionados a partir das demandas que recebe- completa biobibliografia dos autores. Para auxiliar na expo-
mos dos próprios educadores. Esforçamo-nos em revelar sição em sala, a editora preparou uma densa e diversificada
as entrelinhas do romance, por meio de uma leitura apro- galeria de imagens, que pode ser projetada durante a aula,
fundada. Esmiuçamos a personalidade dos principais servindo de suporte visual. Há ilustrações da primeira edição
personagens – cada um com seus traços tão marcantes: húngara da obra, de 1907, cenas de diferentes filmes basea-
o senso de responsabilidade de João Boka, o caráter e hom- dos no romance, capas de edições pelo mundo, fotos antigas
bridade de Nemecsek, a dubiedade de Geréb, a coragem e e atuais, mapa de Budapeste, croquis, reproduções de jornais,
justiça de Chico Áts. Contextualizamos os espaços em que do caderno escolar de Molnár e até de ata de uma reunião do
se desenrola a história, da configuração de Budapeste pós- grupo de estudos do qual o autor era secretário. Para acessá-
-unificação da Hungria, passando por vias reais da cidade -las, basta clicar sobre os textos em azul ao longo da leitura.
descritas por Molnár, ao colégio da rua Lónyay, onde o pró- Com este material, oferecemos um ponto de partida
prio autor estudou. Levantamos os aspectos datados – e ao para a capacitação do professor e o planejamento das aulas.
mesmo tempo atemporais – do romance: a maneira formal Acreditamos no papel fundamental do educador como me-
com que os garotos se vestiam, como adultos em miniatura, diador do processo de aprendizagem e por isso é a ele que
as principais brincadeiras, o cenário urbano – sem auto- este material se destina.
móveis ou luz elétrica privada –, a moeda e a economia.
Relacionamos a obra com a vida de Molnár, que também Bom trabalho!
teve um grupo de amigos como o da rua Paulo, alguns dos
quais inspiraram personagens do livro. Recuperamos o im- Os editores
quem são
os meninos
da rua paulo
Quem são os meninos da rua Paulo
Quem são os meninos da rua Paulo
Quem são os meninos da rua Paulo
Um passeio
pelos
espaços do
romance
um passeio pelos espaços do romance
um passeio pelos espaços do romance
um passeio pelos espaços do romance
um passeio pelos espaços do romance
Alguns elementos
antigos em um
livro atemporal
alguns elementos antigos em um livro atemporal
alguns elementos antigos em um livro atemporal
alguns elementos antigos em um livro atemporal
alguns elementos antigos em um livro atemporal
alguns elementos antigos em um livro atemporal
alguns elementos antigos em um livro atemporal
A obra imita
a vida
a obra imita a vida
a obra imita a vida
O fim da história:
a repercussão
do romance
o fim da história: a repercussão do romance
o fim da história: a repercussão do romance
O árduo
percurso
rumo ao
amadurecimento:
o romance
de formação
o árduo percurso rumo ao amadurecimento: o romance de formação
o árduo percurso rumo ao amadurecimento: o romance de formação
o árduo percurso rumo ao amadurecimento: o romance de formação
o árduo percurso rumo ao amadurecimento: o romance de formação
notas
1 Palavra alemã que tem entre suas definições o significado de em nota que “o autor parece ter se esquecido de que os meninos da
“terra”. O alemão ainda é a língua estrangeira mais falada em ter- rua Paulo mudaram de bandeira”. [p. 178]
ritório húngaro, e era um idioma comum no final do século xix, 7 Reálgimnázium era algo muito próximo do que são nossas esco-
quando ainda existia o Império Austro-Húngaro. las técnicas nos dias de hoje.
2 Palavra alemã cujo significado pode ser “tomar algo de uma ví- 8 As chamadas orais, que assustam tanto os meninos da rua
tima”. Era usada em Budapeste no final do xix, por extensão de sen- Paulo, não existem mais na Hungria. Contudo, documento recente
tido, para dizer que certo objeto – uma bolinha de gude, um pião, ou do Ministério da Educação daquele país propõe a volta das chama-
qualquer outro brinquedo – seria tomado das mãos de seu dono e das orais e a declamação obrigatória de poemas.
que haveria luta no caso de resistência. Nas palavras de Molnár, “o 9 Bakhtin, Mikhail. Estética da criação verbal, 1997, p. 237
einstand é, portanto, uma declaração de guerra e, ao mesmo tempo, 10 Morgenstern, 1988, pp. 64-66 apud: Maas, Wilma Patricia Mar-
uma afirmação breve mas enérgica do estado de sítio, do regime da zari Dinardo; O romance de formação (Bildungsroman) no Brasil.
arbitrariedade e da pirataria”. [p. 30] Modos de apropriação
3 O distrito de Óbuda (Velha Buda), que fica ao norte de Buda, 11 Backes, Marcelo. Os anos de aprendizagem. In: Revista Entreli-
também compõe a cidade. vros, 28. São Paulo, Duetto, 2007, p. 49
4 Budapeste é uma cidade dividida em distritos, e não em bair- 12 Komőaromi, Gabriella. Elfelejtett irodalom: fejezetek a magyar
ros. Não há, no livro, nenhuma menção aos distritos, mas podemos gyermek és ifjúsági próza történetéből, 1900-1994. Budapeste: Morá
localizá-los graças às diversas referências de ruas e avenidas pre- Ferenc Ifjúsági Kiadó, 2005
sentes no romance.
5 Em alemão grund tem, entre outros, o sentido de “território”.
6 Infere-se que a bandeira é, num primeiro momento, verde e ver-
melha. Depois, quando os camisas-vermelhas a roubam, por falta de
recursos os meninos da rua Paulo fazem outra branca e vermelha
[p. 44]. Mas quando o professor Rácz confisca a mesma, o autor a
descreve como “vermelha, branca e verde” [p. 98]. Adiante, volta a
apresentá-la como “vermelha e verde”, quando Paulo Rónai coloca
Prefácio à edição brasileira
por Paulo Rónai

Em toda a literatura mundial contam-se nos dedos os clás- herança cultural do seu país de origem. O segundo: as autori-
sicos da juventude. Na maioria dos casos, são obras escritas dades culturais da Hungria convenceram-se da utilidade de
para adultos, que, com o tempo, geralmente graças a uma multiplicar esforços no sentido de divulgar no estrangeiro a
adaptação, se transformam em leituras para adolescentes. grande literatura daquele pequeno país.)
D. Quixote, As viagens de Gulliver, Robinson Crusoé, David Até 1945, para um livro húngaro transpor as barreiras do idioma
Copperfield, Os miseráveis são outros tantos exemplos de tinha de trazer uma mensagem de excepcional importância. Pois
semelhante transmutação. já nessa data havia versões de Os meninos da rua Paulo em inú-
Ainda mais raro o caso contrário: livros destinados origi- meros países. Tenho tido em mão traduções para o francês, o ale-
nariamente a um público de jovens e que passaram a inte- mão, o espanhol, o italiano e o esperanto; sei que depois surgiram
ressar pessoas de todas as idades. Um deles é, sem dúvida, outras, para o inglês, o russo, e mais alguns idiomas.
Os meninos da rua Paulo, do húngaro Ferenc Molnár. Como é que um livrinho especialmente escrito para os ado-
Muito mais que o português, o idioma húngaro merecia, até lescentes de Budapeste se metamorfoseia numa obra-prima
há pouco, a qualificação de “túmulo do pensamento”. Sem clássica, lida com encanto por pessoas de todas as idades, de
parentesco nem semelhança com qualquer das grandes lín- todos os países?
guas de cultura, essa língua confinava os escritores que dela No ponto de partida, em 1889, num dos arrabaldes de
se serviam ao auditório restrito de seus conterrâneos. Budapeste, houve um grupo de garotos, alunos do mesmo
(Digo há pouco, porque ultimamente esse estado de coisas colégio, que costumavam reunir-se, depois das aulas, num ter-
tem mudado. Não que o aprendizado do húngaro se tivesse reno baldio, para jogar pela, brincar de clube, fingir de exército,
tornado mais fácil. Ocorreram, porém, dois fatos novos. arremedar eleições, sentirem-se importantes, viver num mundo
O primeiro: a difusão por todos os cantos do globo de nume- que fosse só deles. Noutro ponto próximo da cidade, uma ilhota
rosa emigração húngara, por efeito das catástrofes da história do Jardim Botânico, outro magote de meninos formava outro
recente. Os letrados que dela faziam parte, mal se apoderaram império de faz de conta. Apenas, estes não tinham espaço para
da língua de sua nova pátria, tratavam de transpor para ela a jogar pela. Daí ocorrer-lhes a ideia óbvia de ocuparem o grund

prefácio À edição brasileira


da rua Paulo, tomando-o ao primeiro grupo; este, porém, estava diversa? Do entusiasmo fácil, da espontaneidade autêntica, do
resolvido a defender aquele pedacinho de terra. Já se vê que o idealismo ingênuo de seus companheiros de então, crescidos
conflito dos dois grupos daria o assunto do romance. numa cidade ainda sem luz elétrica, sem telefone, sem automóveis,
Evidentemente o grund era, para aqueles meninos, muito sonolenta e cordial com seus bondinhos de burro, suas ruas onde
mais que uns poucos metros quadrados disponíveis: era o se passeava, suas praças onde se batia papo e – os seus grunds?
cenário daquilo que lhes parecia a parte essencial de suas Não cabe resumir aqui os episódios da história, divertidos ou
vidas; num mundo de edifícios feios, apartamentos apertados, patéticos, nem a descrição da batalha final, palpitante e dramá-
quartos sem ar, janelas sem paisagem – um reino para a aven- tica; nem retratar as personagens, o grave Boka, o temível Chico
tura, a evasão, a liberdade. Áts, o ambíguo Geréb, o franzino Nemecsek, único soldado
Contada por um escritor que a acompanhasse de fora, aquela raso, que se revela nos últimos capítulos. Deixemos o leitor
epopeia juvenil não comoveria tanto. Mas foi relatada por um descobri-los um por um, conhecê-los de perto, familiarizar-se
de seus participantes, ainda bastante perto da mocidade para com eles para nunca mais esquecê-los. Pois Os meninos da rua
levá-la a sério, já bastante longe para dela sentir saudades. Paulo é dessas leituras que nos acompanham pela vida afora,
Autor de alguns romances e coletâneas de contos favoravel- livro de aventuras que vale por um estudo de psicologia, livro
mente acolhidos pela crítica, Ferenc Molnár, então com 28 de memórias em que não se percebe a presença do autor, livro de
anos, sabia captar as características de uma época de transição. guerra que nos reconcilia com a humanidade.
A industrialização incipiente começara a mudar os costumes Em sua carreira ulterior, Molnár conheceria grandes triun-
patriarcais da Hungria; a pachorrenta capital transformava-se fos. Deslumbraria o público de dois continentes com O diabo,
em metrópole irrequieta e nervosa. No seu romance Zezé e nas O lobo, O cisne, comédias admiravelmente arquitetadas, de
crônicas do volume Crianças, o escritor apontara os efeitos dialo­gação cintilante de espírito, de simbolismo transparente,
dessa mudança nas crianças da cidade, dotadas de precocidade de leve e divertida crítica social. Em algumas peças onde toma
excessiva, viciadas pelo artificialismo do ambiente, expostas à por assunto o próprio teatro, com o choque entre a vida vivida
influência corrosiva do contato perpétuo com os problemas dos e a sua imagem representada – Farsa no castelo, Prelúdio a Rei
adultos, da inevitável promiscuidade urbana. Lear, Marechal –, se mostraria predecessor de um Pirandello.
Como não haveria de lembrar-se da própria infância decorrida Mas não voltará a encontrar pureza igual de tom, dosagem
naquela mesma cidade, mas numa atmosfera completamente tão perfeita de ironia e emoção, a não ser na poética “lenda de

prefácio À edição brasileira


arrabalde” Liliom, representada no mundo inteiro, várias ve- a ser mimado, a ganhar presentes, o mais notável dos quais foi
zes retomada pelo cinema (a última sob o título de Carrossel). um apartamento estatal. Ia realizar uma turnê no estrangeiro,
Que o escritor que apresentou ao mundo visão tão luminosa quando foi oficialmente desmascarado, para satisfação geral,
da sua cidade tivesse morrido longe dela, no exílio, é uma das pois não lhe perdoaram haver tentado alterar um mito.
terríveis ironias da nossa época. De origem judaica, Molnár não Não me parece que o nosso romance precise de comentário
aguardou que os nazistas o levassem para um campo de con- ou de interpretação. A diferença de hábitos e instituições entre
centração ou uma câmara de gás; antes mesmo da nazificação a Hungria de 1889 e o Brasil de 1973 salta aos olhos. Quando
completa da Hungria, mudou-se para os Estados Unidos, de muito, lembrarei a rigidez bem maior do sistema escolar da
onde nunca mais voltaria à Europa. Passou os últimos anos da Hungria de então: os alunos encaravam com sujeição e medo os
vida entregue à composição de suas memórias. professores, espécie de semideuses que pairavam noutra es-
Nesse ínterim devem ter morrido os modelos das perso- fera, mais alta. A proibição de formar associações não autori-
nagens do livro, os companheiros de brincadeira do jovem zadas pelo regulamento era absoluta: daí as medidas severas
Ferenc Molnár: a história turva da primeira metade do século tomadas contra a inocente Sociedade do Betume.
xx multiplicou ocasiões para isso. O que não morre é a epo- Mas, de acordo com o momento e o país em que saem, as
peia mágica da sua mocidade, em que milhões de leitores traduções deste livro singelo aparecem, de vez em quando,
identificaram a própria juventude. rodeadas de ressalvas. Em 1938, o tradutor francês julgou seu
Nada melhor demonstra o poder que o livro exerce sobre dever lembrar que a identificação dos dois grupos de meninos
as imaginações do que um incidente há pouco verificado na pela cor da camisa que usavam não correspondia, de modo
Hungria. Apresentou-se aos jornais um indivíduo que reivin- algum, às divergências ideológicas da hora: tratava-se de um
dicava para si a glória de ter servido de modelo à personagem, livrinho escrito em 1907! Em 1958, o tradutor russo, por sua
já lendária, de Nemecsek. Aos que lhe objetavam que este mor- vez, achou útil observar que o romance, velho de meio século,
rera no fim do romance, respondia que os escritores se inspi- podia deliciar a mocidade soviética apesar dos sentimentos
ram na vida real, mas não a copiam. O espertalhão chegou a burgueses e do nacionalismo excessivo que refletia!
falsi­ficar o carimbo da Sociedade do Betume! Não era apenas Em todo caso, estas características – se é que existem – em
sede de glória: como o pseudo-Nemecsek previra, começava a nada impediram a carreira gloriosa do livro em seu país de
ser con­vi­dado a fazer conferências e a contar reminiscências, origem, onde continua sendo reeditado em tiragens fora do

prefácio À edição brasileira


comum. A 18a. edição, publicada em 1972, que tenho em mãos, Narra como, terminada a leitura, se lembrou da própria
saiu numa tiragem de nada menos de 94 mil exemplares. infância e do enorme quintal da casa paterna, da rua Benjamin
Introduzidos no Brasil em fins de 1952 por intermédio desta Constant, em Belém do Pará, onde ela e um grupo de amigui-
mesma tradução, os meninos da minha cidade, mesmo sem o nhos tinham o seu grund. E, relembrando episódios dessa
apoio de um prefácio interpretativo, encontraram compreensão. infância passada tão longe do cenário onde viveram os meni-
Tenho disto uma prova eloquente na carta que me dirigiu meu nos da rua Paulo, conclui:
saudoso amigo Edgard Cavalheiro em 2 de fevereiro de 1953: “Se eu pudesse, Paulo Rónai, faria com que Os meninos
“Li Os meninos da rua Paulo e te agradeço muito vivamente da rua Paulo se transformasse num livro de cabeceira, não
pela oportunidade de conhecer essa obra-prima. Sou um sen- dos pequeninos, mas dos jovens brasileiros... Aqueles meni-
timentalão e chorei um bocado com a reconstituição desse nos daquela rua de Budapeste lutaram por um terreno, ganha-
mundo perdido que é a infância. Lá em Pinhal também tivemos ram a guerra, mas perderam a terra, porque ali devia subir um
a nossa quadrilha de uma rua e de um terreno baldio muito arranha-céu. Não é essa também a história de todos os meni-
parecido com o da rua Paulo. E travamos épicas batalhas com nos do mundo de hoje?”
grupos ‘inimigos’. O mundo é um só, meu caro. Pena que os Antes desses dois testemunhos da integração dos meninos
donos da vida continuem a dividi-lo para proveito próprio.” de Budapeste no ambiente brasileiro, dele já tivera uma prova
A tradução teve ainda o mérito de provocar, anos depois, um indireta na emoção manifestada pelo meu querido mestre e
belíssimo artigo de minha saudosa amiga Eneida (Diário de colaborador Aurélio Buarque de Holanda no decorrer do
Notícias, 6 de março de 1955). Nesse artigo, ao mesmo tempo penoso trabalho da revisão.
de crítica e de memórias, que vale por um título de naturali- Publicada numa das maiores tiragens do Brasil em volume
zação, a grande cronista se exprimia assim: da Coleção Saraiva, a primeira edição, reservada aos assinan-
“Creio mesmo, agora, que este livro é meu, porque é dos tes dessa coleção, estava esgotada havia anos. Agora o livro está
raros que – mulher sem inveja – eu gostaria de ter escrito.” novamente ao alcance dos leitores brasileiros, novos e velhos.
E conta com que entusiasmo leu o livro de uma sentada: Faço votos que permita a muitos deles reviver capítulos da sua
“Li, li, até terminar o pequeno volume onde se agitam vidas mocidade, como se deu com Eneida e com Edgard Cavalheiro.
meninas, vidas sadias, vidas gloriosas, porque defendem, além
do grund, aquele império – a alegria da juventude.”

prefácio À edição brasileira


Uma questão de honra
por nelson ascher

Durante o século xx, educadores e psicólogos, pedagogos exemplos positivos ou negativos. É entre eles que se firmam
e outros pensadores procuraram entender como, quando e os vínculos mais vitais e se trocam as emoções mais profundas.
onde se formava a personalidade das crianças e dos jovens, O livro, como o fazem as mais antigas epopeias, desde a Ilíada
o que moldava seu caráter. Seriam os pais? A escola? Os li- de Homero (composta na Grécia há quase três mil anos), narra
vros, o cinema, a televisão, a internet? As hipóteses que não uma campanha militar, uma guerra por um pedaço de chão.
remetiam a características geneticamente herdadas tinham, Dois grupos de adolescentes urbanos (eles são todos meninos
em geral, uma coisa em comum: elas sempre enfatizavam a e têm cerca de catorze anos), confinados numa metrópole que
importância dos adultos. cresce rapidamente e lhes dá cada vez menos espaço para se
E, então, lá pela recente virada do milênio, alguns observa- divertirem, resolvem disputar um terreno baldio no qual,
dores começaram a chegar a conclusões diferentes. Talvez, além de brincarem de caubóis e índios, costumam jogar pela
sugeriram eles, as crianças se formem, se conformem ou se (um jogo primitivo de tênis). Se a conflagração é o pano de
deformem menos sob a influência de pais e mestres, de escri- fundo, o verdadeiro tema do romance é o das relações com-
tores e atores, do que de seus próprios pares, isto é, dos outros plexas que, em situações difíceis e independentemente de sua
meninos e meninas, rapazes e moças com os quais convivem. idade, homens estabelecem entre si. A disciplina militar e as
Redescobriu-se, assim, a roda. Pois, para quem tenha lido tensões que dela decorrem, a lealdade e a traição, o heroísmo
quando jovem e, de preferência, relido mais tarde, Os meninos e a covardia, a rivalidade, a inveja e a nobreza: todos esses ele-
da rua Paulo, de Ferenc Molnár, a constatação não tem nada mentos são tratados na obra com a mesma seriedade com que
de original. Afinal, este clássico da literatura juvenil, escrito há seriam abordados num livro para adultos.
quase cem anos num país distante, a Hungria, lembra-nos de Quanto aos adultos, eles se distinguem por sua ausência.
uma verdade tão central quanto óbvia: que, nas horas e situa- Eles e seu mundo são irrelevantes para os personagens, que
ções decisivas de suas vidas, os jovens querem mesmo é estar habitam seu próprio universo paralelo e autônomo, um pouco
uns com os outros. São os amigos e adversários que ocupam idealizado sem dúvida, mas, em traços gerais, idêntico ao de
suas mentes e darão e/ou receberão de cada qual as ideias e os seus pais e professores. O mundo dos garotos existe por si

uma questão de honra


mesmo, redondo e praticamente fechado. E, enquanto a ação de Molnár logo transpôs os limites de sua pátria, de modo que,
se desenrola, ele não é menos complexo, rico e nuançado do já nos anos 1920, suas peças eram encenadas com sucesso na
que qualquer outro. A cabeça de um menino, como o autor Alemanha, França, Inglaterra e nos Estados Unidos. Seu drama
nos demonstra, comporta todo o drama e comédia, toda a ale- mais famoso, Liliom (1909), foi filmado, em 1934, por Fritz
gria e dor, toda a satisfação e frustração da vida madura. Lang (o diretor de M – O vampiro de Düsseldorf), com Charles
Ferenc Molnár (seu nome corresponde a “Francisco” e seu Boyer no papel principal. Outras obras suas também chegaram
sobrenome quer dizer “moleiro”) nasceu em 1878, filho de e seguem chegando às telas de cinema.
judeus de classe média (seu pai era um médico famoso), na Na Hungria, porém, seu livro mais estimado – e lido – é pre-
Hungria, quando esta pertencia, como sócia minoritária, ao cisamente Os meninos da rua Paulo, que, desde a primeira
Império Austro-Húngaro. A língua de sua terra natal, o hún- publicação em 1907, não cessou de fascinar gerações de con-
garo (ou magiar), é um idioma estranho e isolado de quase terrâneos e, uma vez traduzido, tornou-se um best-seller inter-
todos os outros falados na Europa. A sensação de solidão nacional, merecendo diversas filmagens.
dos húngaros, cercados por alemães, eslavos etc., levou-os O romance se ambienta em Budapeste, na metade ou no
a cultuar sua língua como um tesouro secreto. A segunda final da década de 1880, ou seja, quando a cidade, enquanto
metade do século xix, uma época de reformas intensas no tal, era nova. Buda, do lado ocidental do rio Danúbio, havia
país, foi também quando a sociedade de lá principiou a acei- sido a antiga capital do reino medieval da Hungria; Pest, na
tar e integrar seus judeus. Uma das condições prévias para tal margem oposta, não passava de um pequeno povoado. Ambas
integração consistia na adoção de nomes magiares e é por isso foram unidas em 1849, quando se inaugurou a primeira
que o escritor, cujo verdadeiro nome era Ferenc Neumann, grande ponte suspensa sobre o rio. Esse mesmo ano marcou
transformou-se em Molnár. a derrota da insurreição húngara contra a coroa austríaca.
Embora se lançasse aos vinte anos de idade com contos e O patriotismo, que sobreviveu a essa frustrada luta pela inde-
romances, ele conquistou a fama graças a suas peças de teatro. pendência nacional, mostra-se em muito do que os persona-
Naqueles dias, nos quais o cinema mal acabara de ser inventado, gens fazem, na maneira como se comportam e nos sentimentos
o teatro ocupava literalmente o centro do palco, especialmente que abrigam. De seus lemas às cores de suas bandeiras, há
no Império Austro-Húngaro. Os dramaturgos de então podiam muitos detalhes que evocam as batalhas épicas de 1848-49.
aspirar à celebridade e fortuna dos cineastas atuais. O renome O romantismo que permeia o espírito marcial do livro, seu

uma questão de honra


apego a questões de honra, o respeito que inimigos (que se maioria daqueles que, na adolescência, haviam lutado por um
combatem mas não se desprezam) sentem uns pelos outros, a terreno baldio da capital, tenha morrido em trincheiras lama-
aceitação de uma hierarquia justificada pelo mérito, o apego centas ou apodrecido, mutilados, em campos de prisioneiros.
ao valor e à coragem, estes fatores só podem ser entendidos à Depois disso, nada mais foi igual para um intelectual judeu
luz de um século xix que ainda não experimentara os horro- na Europa do entreguerras. A ascensão do nazismo e o recru-
res da guerra total com os quais o continente se familiarizaria descimento do antissemitismo em sua terra levaram o autor
a partir de 1914. O imaginário dos garotos combatentes está, a abandonar o continente quando este ingressava em seu
ademais, impregnado pelas leituras de histórias do Novo período mais sombrio. Em 1939, ele se mudou para os Estados
Mundo, como as do americano James Fenimore Cooper, Unidos e morreu, em Nova York, em 1952.
autor de O último dos moicanos (1826). Daí as referências a É nesse ponto negro da história moderna que convergem
fortes e tomahawks (machadinhas). E convém não esquecer as trajetórias do romancista e de seu tradutor. Como Molnár,
os ecos bíblicos que o escritor traz com seu legado judaico. se bem que uma geração mais novo, Paulo Rónai (1907-92)
Há, no Antigo Testamento, não poucos casos de persona- nasceu em Budapeste e era judeu. A Hungria de sua juventude
gens que, apesar de serem os mais jovens e aparentemente era um lugar muito diferente daquele retratado no romance,
frágeis, demonstram seu heroísmo. uma vez que se tratava de um país que amargara uma desas-
Como o tradutor Paulo Rónai observa em suas notas, surgem trosa derrota militar, perdera boa parte de seu território e fora
no texto vários lapsos acidentais ou propositais que apontam reduzido à crise e à pobreza. Rónai trabalhou nos anos 1930
para a possibilidade de que a história tenha sido inspirada como professor de latim e tradutor dos clássicos. Especialista
em acontecimentos reais e de que o próprio Molnár perten- em literatura francesa (com tese sobre Balzac, na Sorbonne),
cesse ao grupo dos meninos da rua Paulo. Se for este o caso, ele ele fazia também a ponte entre a literatura de seu país e a da
(como, aliás, seus personagens) é membro não somente de uma França. Seu interesse pelas demais línguas neolatinas levou-o
geração, como também de um grupo que teve a oportunidade finalmente ao português e, quando, em 1939, eclodia a Segunda
infeliz de assistir pessoalmente ao fim dos tempos quando os Guerra Mundial, Rónai publicou em húngaro uma antologia
conflitos eram limitados por regras de etiqueta e noções de da moderna poesia brasileira.
honra. Molnár cobriu durante um ano, como correspondente Foi o que lhe salvou a vida, pois, quando já se encontrava
de guerra, a conflagração de 1914-18, na qual é provável que a prestes a ser enviado a um campo de trabalhos forçados,

uma questão de honra


obteve o visto que lhe permitiu vir para o Brasil. Chegando personagens, como se estivessem no teatro, dizem clara-
aqui, em 1941, ele voltou a dar aulas de latim, fez crítica mente o que têm a dizer, e na qual a própria ambientação
literária (esteve entre os primeiros a reconhecer a grandeza é tão sumária que seus detalhes relevantes poderiam ser
de Carlos Drummond de Andrade, João Guimarães Rosa e facilmente levados ao palco. Deve-se, todavia, acrescentar
outros), traduziu e/ou coordenou a tradução de grandes obras a esses fatores um outro, não tão visível. Paulo Rónai, um
da literatura ocidental e tentou, sem sucesso, resgatar sua húngaro que, no seu canto da Europa Central, aprendeu o
noiva, que ficou em Budapeste, da morte certa. português sozinho com o auxílio de gramáticas e dicioná-
Seu primeiro e maior amigo brasileiro foi o lexicógrafo rios, transformou-se, afinal, num autêntico estilista de nossa
Aurélio Buarque de Holanda, com quem organizou, entre língua e, ao traduzir Os meninos da rua Paulo, presenteou-nos
outros trabalhos, os dez volumes de sua maravilhosa antolo- com uma obra que poderia ter sido escrita em português: no
gia do conto universal: Mar de histórias (1986). E, não obstante seu português.
o desinteresse de nossos concidadãos por literaturas conside-
radas menores ou exóticas, Rónai fez também o que pôde para
traduzir e divulgar seus compatriotas entre nós. Uma de suas
belas realizações foi a Antologia do conto húngaro (1957), que
tem um surpreendente prefácio do autor de Grande sertão:
veredas. Seu principal sucesso nessa área, contudo, segue sendo
a versão brasileira de Os meninos da rua Paulo, que, desde sua
publicação em 1952, esgotou uma edição depois da outra.
Isso se deve parcialmente ao fato de que tanto a trama
como os personagens não estão indissociavelmente ligados
a uma época ou lugar. Com pequenas alterações, a guerra
do terreno baldio poderia ter ocorrido, digamos, nos anos
de 1960, em Londres ou Moscou, em Chicago ou São Paulo.
O talento inato do autor (que era, sobretudo, um drama-
turgo) possibilitou-lhe compor uma narrativa na qual os

uma questão de honra


Biobibliografia

FERENC NEUMANN nasceu na Hungria, em 1878, numa família teatro O advogado, 1902. Józsi, 1904. O diabo, 1907. Liliom,

judia de classe média. Como regiam as leis do Império Austro- 1909. O guarda imperial, 1910. O lobo, 1912. Carnaval, 1916.
-Húngaro, todos os cidadãos deveriam ter seus nomes tradu- Nuvem branca, 1917. O cisne, 1920. O moinho vermelho, 1922.
zidos para o húngaro. Assim, Neumann transformou-se em Amor celeste e terreno, 1922. Harmonia, 1923. Farsa no cas-
Molnár (“moleiro”). telo, 1925. Olímpia, 1928. Um, dois, três, 1929. Dalila, 1938.
Trabalhou como jornalista, estudou direito em Genebra Prelúdio a Rei Lear, 1922.
e, aos vinte anos, já publicava contos e poemas. No entanto,
o gênero que o tornou famoso foi o teatro. Suas peças foram no brasil “A chave”. In: Roteiro do conto húngaro. Rio de
encenadas em toda a Europa e muitas adaptadas para o cinema. Janeiro: mec, 1954. “Conto de ninar”. In: Mar de histórias.
Budapeste é o cenário de quase todos os seus escritos. Suas Org. Aurélio Buarque de Holanda. Vol. 8. Rio de Janeiro:
obras principais são: o volume de contos Gyrekek e o romance Livraria José Olympio, 1980. O poste de vapor. Trad. Paulo
A Pál utcai fiúk (Os meninos da rua Paulo). Schiller. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
E há quem diga que é, em parte, autobiográfico, expressão
nostálgica da sua infância. Além disso, Molnár foi correspon- adaptações para o cinema Os meninos da rua Paulo (1929),
dente da Primeira Guerra Mundial (1914-18) e viu rapazes de Béla Balogh. Coração vadio [Liliom] (1934), de Fritz Lang.
defendendo suas trincheiras com a própria vida, como os Homens de amanhã [No Greater Glory] (1934), de Frank Borzage.
personagens deste livro. I ragazzi della via Pál [Os meninos da rua Paulo] (1935), de
Com a ascensão do nazismo e o início da Segunda Guerra Mario Monicelli e Alberto Mondadori. Seis destinos [Tales of
Mundial, exilou-se nos Estados Unidos, em 1939. Durante o Manhattan] (1942), de Julien Duvivier. Carrossel [Liliom] (1956),
período comunista na Hungria sua obra foi banida. O autor de Henry King. O cisne [The Swan] (1956), de Charles Vidor. Essa
morreria em Nova York (1952). rua é nossa [Os meninos da rua Paulo] (1969), de Zóltan Fábri.
I ragazzi della via Pál [Os meninos da rua Paulo] (2003), de
ficção A cidade faminta, 1898. Música, 1908. Diário de um Maurizio Zaccaro.
correspondente de guerra, 1916. André, 1918.

biobibliografia
Vítima da perseguição nazista contra os judeus, veio para
TIBOR GERGELY (Budapeste, 1900) deu início a sua carreira
o Brasil em 1941 e aqui se naturalizou quatro anos depois.
artística aos vinte anos, após estudar desenho em Viena. Lá,
No Rio de Janeiro, trabalhou como professor de latim e de
trabalhou como desenhista de bonecos e decorador de palcos
francês, escreveu crítica literária para periódicos e organi-
no Teatro de Marionetes de Viena.
zou obras importantes, como Mar de histórias, antologia
Suas obras ganharam visibilidade com exposições em
do conto mundial publicada ao longo de quarenta anos, em
galerias europeias e norte-americanas. O artista emigrou
colaboração com seu amigo Aurélio Buarque de Holanda, e
em 1939 para os Estados Unidos, onde se lançou como ilus-
a coleção juvenil Brasil Moço, 27 volumes dedicados a es-
trador de livros infantis e juvenis. Morou durante muitos
miuçar a obra de escritores representativos da literatura
anos em Nova York, onde morreu em 1978. No Brasil, as
brasileira, no qual, em texto de apresentação, deixa claro
ilustrações de Os meninos da rua Paulo são seu único tra-
seu interesse na formação do jovem leitor: “Pedimos a
balho publicado.
professores de literatura e a críticos literários que facili-
tassem o acesso às obras assim exemplificadas, traçando
perfis dos escritores, comentando os trechos selecionados,
PAULO RÓNAI cresceu em Budapeste, lendo os livros de Fe-
elucidando as dificuldades, sugerindo pesquisas, forne-
renc Molnár. Ensaísta, tradutor, crítico literário, linguista
cendo bibliografias resumidas”.
e professor, curiosamente nasceu no ano de publicação de
Rónai traduziu para o português mais de cem livros, com
Os meninos da rua Paulo, 1907, no dia 13 de abril. Aficio-
destaque para os mais de quinze anos de trabalho nos de-
nado pelas línguas latinas, dedicou-se ao estudos do latim
zessete volumes d’A comédia humana de Balzac, sobre
e ainda na adolescência traduzia poetas latinos para revis-
quem defendeu tese na Sorbonne. Foi agraciado, entre ou-
tas e jornais húngaros. Aos 31 anos, já fluente em diversos
tros, com o Prêmio Nath Horst (1981), o mais importante
outros idiomas – ao longo da vida aprenderia nove línguas
em tradução, concedido pela Federação Internacional de
–, publica sua primeira tradução de um poema do portu-
Tradutores e pela Academia Sueca.
guês, idioma que aprendeu sozinho. A essa primeira incur-
Grande interlocutor da literatura brasileira no Leste Eu-
são seguiu-se uma antologia de poetas brasileiros, Brazi-
ropeu, Paulo Rónai morreu em Nova Friburgo (rj), no dia
lia Üzen (Mensagem do Brasil, 1939), e Poemas de Santos
1o. de dezembro de 1992.
(1940), seleção de poesias de Ribeiro Couto.

biobibliografia
ensaio Balzac e a comédia humana. Porto Alegre: Globo, Apuleio. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1956. Uma
1947. Um romance de Balzac: a pele de onagro. Rio de Ja- noite estranha, de Alexandre Török. Rio de Janeiro: mec,
neiro: A Noite, 1952. Escola de tradutores. Rio de Janeiro: 1957. Mar de histórias. Org., com Aurélio Buarque de Ho-
mec, 1952. Como aprendi o português e outras aventuras. landa. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, c. 1945-82, 10
Rio de Janeiro: mec, 1956. A princesinha dengosa, 1966 vols. Antologia do conto húngaro. Rio de Janeiro: Civiliza-
[teatro infantil]. Vida de Balzac. Rio de Janeiro: Tecno- ção Brasileira, 1957. Obras de Viana Moog. Rio de Janeiro:
print, 1967. Babel e Antibabel. São Paulo: Perspectiva, 1970. Delta, 1966, 10 vols. Biblioteca do estudioso. São Paulo:
A tradução vivida. Rio de Janeiro: Educom, 1975. Não perca Lisa, 1969-73, 8 vols. Biografias literárias, de R. Magalhães
o seu latim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. O teatro Jr. São Paulo: Lisa, 1971, 10 vols. Coleção Brasil Moço. Rio
de Molière. Brasília: unb, 1981. Pois é. Rio de Janeiro: Nova de Janeiro: Livraria José Olympio, 1971 em diante, 25 vols.
Fronteira, 1990. Sete lendas, de Gottfried Keller. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, s/ d. Seleta Guimarães Rosa. Org. Rio de Janeiro:
tradução e organização Brazilia Üzen (Mensagem do Brasil: Livraria José Olympio, 1973.
antologia da poesia brasileira moderna). Versão para o hún-
garo. Budapeste: Vajda János Társaság, 1939. Santosi Versek
(Poemas de Santos). Versão para o húngaro. Budapeste: Of-
ficina, 1939. Latin Költök (Antologia de poetas latinos). Bu-
dapeste: Officina, 1941. Mémoires d’un Sergent de la milice
(Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio
de Almeida). Versão para o francês. Rio de Janeiro: Atlân-
tica, 1944. A comédia humana, de Honoré de Balzac. Porto
Alegre: Globo, 1946-55, 17 vols. Cartas a um jovem poeta: a
canção de amor e de morte do porta-estandarte Cristóvão
Rilke, de Rainer Maria Rilke. Trad. em parceria com Cecília
Meireles. Porto Alegre: Globo, 1953. Roteiro do conto hún-
garo. Rio de Janeiro: mec, 1954. Amor e Psique, de Lúcio

biobibliografia
A editora agradece a Éva Komar e Teréz Emõd, do Museu
de Literatura Petőfi, pela gentileza e ajuda fundamental na
obtenção das imagens deste guia.

Apoio

Crédito das imagens

Abertura 1 Cena do filme Os meninos da rua Paulo (dir.


Béla Balogh / 1929). Magyar Nemzeti Digitális Archi-
vum (manda) / Arquivo Digital Nacional da Hungria

Abertura 2 Funeral de Lajos Kossuth, líder da revolução


húngara, em frente ao Museu Nacional da Hungria

Abertura 3 Crianças brincam na rua Kecskeméti, na vi-


rada do século xx. Coleção da editora fszek

Abertura 4 Festividades de 15 de março, data da revolu-


ção húngara, na virada do século xx. Coleção da editora
fszek

Abertura 5 Cena do filme Homens de amanhã (dir. Frank


Borzage, 1934)

Abertura 6 Edição do folhetim Tanulók Lapja (1905, ano


xiii, n. 1), ilustrador desconhecido. Coleção da Biblio-
teca Nacional de Széchényi oszk

Foto de Ferenc Molnár © Karl Bissinger, Plaza Hotel,


ny, década de 1950

Foto de Tibor Gergely Coleção do Museu de Literatura


Petőfi
os meninos da rua paulo
ferenc molnár

Ilustrações Tibor Gergely


Tradução Paulo Rónai
Posfácio e notas Nelson Ascher

capa brochura com orelhas


Formato 13 × 20 cm
Páginas 264
Ilustrações 31
isbn 978-85-7503-431-6

Em O poste de vapor, o leitor brasileiro tem a oportunidade de


leia também, do mesmo autor conhecer outra face de Ferenc Molnár: um observador agudo dos
o poste de vapor últimos anos do Império Austro-Húngaro. Nesta novela de 1926,
o narrador recorda um personagem de sua juventude, certo ca-
Tradução Paulo Schiller pitão de cavalaria que gravitava em torno de uma estação termal,
Posfácio e orelha Samuel Titan Jr. em plena ilha Margarida, entre Buda e Peste, e em torno da qual,
Capa brochura com orelhas por sua vez, orbitavam mulheres apaixonadas ou calculistas com
Formato 13 x 20 cm quem estabelecia relações. As narrativas dos feitos e das tribu-
Páginas 88 lações do capitão resultam num texto essencialmente cô­­­­mico,
isbn 85-7503-432-4 com leve tom de crônica jornalística. O poste de vapor é fruto de
uma lenta sedimentação de visões e experiências que se acumu-
lam no escritor. Um Molnár distante do estilo que o consagrou,
mas que confirma seu lugar na grande literatura.

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