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A a2'29,$

~----- ORLANDO VALVERDE ~


CATHARINA VERGOLINO DIAS

·- . .
~ .
APRESENTAÇÃO

Instituto Brasüeiro de Geografia - antigo Conselho


Nacional de Geografia- da Fundação IBGE tem
tido responsabilidades diretas ou indiretas no estudo de
quase todos os problemas da vida nacional, no que
se relaciona com a caracterização e com a ocupação do
território do País.
~sse fato decorre não só de suas atribuições legais, como
e sobretudo pelo devotamento de seus técnicos às
tarefas que estão a seu cargo, manancial inesgotável
para as pesquisas científicas, a par de fundamento seguro
para as aplicações práticas.
Dentro do espírito dessa tradição, planejou-se um
estudo da região atravessada pela rodovia
Belém-Brasília, do qual se pudesse
extrair subsídio necessário à compreensão de sua
influência geográfica, política e econômica na extensa
área do Centro-Oeste e Norte do Brasil em
que ela se inscreve, como resultado de decisão do Govêrno
da República de fazer dela instrumento
eficiente da integração nacional.
Ao lançar-se a êsse estudo, com a cooperação e apoio
da SPVEA, hoje SUDAM, revelou o IBG o seu empenho e a
expectativa em que se mantinha de
seus resultados, tanto pela natureza do esfôrço a
ser realizado como pela qualidade dos
profissionais a cujo cargo aquela pesquisa estava.
Os professôres ORLANDO VALVERDE e CATHARINA VERGOLINO
DIAS são geógrafos dos de mais alta
qualidade dos quadros desta Casa e o que
êles têm produzido até hoje os recomendava especialmente
vara tão esvinhosa missão.
É, pois, com grande satisfação, que editamos esta

I
obra, que resume em relatório todo o esfôrço feito por êstes
competentes técnicos, os quais contaram
com a inestimável ajuda de autoridades, de
funcionários federais e estaduais e do povo da
região percorrida.
É nosso desejo que as páginas que se seguem sirvam
para melhor conhecimento do Brasil e de seus
problemas, habilitando assim, nossa geração a enfrentá-los.
se chegarmos a pô-los em evidência,
adequadamente informados, sentir-nos-emas
compensados com essa contribuição .

MIGUEL ALVES LIMA,


Diretor-Superintendente
íNDICE

Págs.

Introdução 1

Secção Norte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
Zonas Bragantina e do Salgado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
Uso da Terra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
Guajarina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
A Franja Pioneira de Tomé-Açu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
A Frente Pioneira de Capitão Poço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
A Franja Pioneira da Belém-Brasília ............... 124
Zona das Invernadas de Paragominas . . . . . . . . . . . . . . . . 128
Sertão do Tocantins Paraense . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
Conclusões e Sugestões ................. . ..... . ........... 165

Secção Central . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177


Trecho Norte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184
Área Servida Diretamente pela BR-14 . . . . . . . . . . . . . . . . 188
Vale do Tocantins . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188
Zonas das invernadas e babaçuais de Imperatriz . . 194
Zona de Açailândia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194
Rêde Urbana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196
Área Não Servida Diretamente pela BR-14 . . . . . . . . . . . . 212

Trecho Médio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221:


Zona Servida Pela BR-14 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227
Araguaína-Paraíso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227
Paraíso-Gurupi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 239
Zonas Não Servidas Diretamente Pela BR-14 . . . . . . . . . . 251
o Médio Vale do Tocantins Goiano . . . . . . . . . . . . . . . 261
Págs.

Trecho Sul . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 270


Gurupi-Uruaçu 270
Conclusões e Sugestões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 284

Secção Sul . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 289


Zona de sitiantes do Mato Grosso de Goiás . . . . . . . . . . . . 294
Zona de fazendas do Mato Grosso de Goiás . . . . . . . . . . . 303
Subzona do médio rio das Almas . . . . . . . . . . . . . . . 308
Subzona do vale superior do rio das Almas . . . . . . . . 309
Zonas de Cerrados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 312
Zona do planalto de Brasília-Anápolis . . . . . . . . . . . . . . . . 315
Zona de Goiânia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 317
Conclusões e Sugestões . . . . . . . . . . . . .. . .. .. . . .. . .. . ... . . . .. 318
A Epopéia da BR-14 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323
Significado Político e Econômico da Rodovia . . . . . . . . . . . . . . . . . . 340
Fundamentos Geográficos para a Política Rodoviária da BR-14 344
Prefácio

O presente relatório nasceu em decorrência


de um convênio firmado entre a SPVEA e o IBGE.
Geralmente se costuma superestimar a colaboração
daqueles que participaram dos trabalhos de
campo. Sem nenhum desdouro para os membros da excursão,
no entanto, é justo salientar aqui o inestimável
concurso dos colegas da Secção Regional
Norte, da Divisão de Geografia do Conselho Nacional de
Geografia (IBGE). De modo particular
desejam os autores
expressar seu agradecimento às geógrafas:
Beatriz Célia de Corrêa de Melo Petey,
pela organização e revisão dos originais
e ilustrações dêste relatório;
Marietta Mandarino Barcelos,
pela elaboração de mapas, sobretudo o Mapa X,
baseado em interpretação de fotografia aérea trimetrogon;
!rene Garrido Filha,
pelo colorido de alguns mapas.
À datilógrafa Ada Ferreira de Lima,
pela cuidadosa tiragem de cópias dos originais em quatro vias.
Nunca será demais ressaltar o esmêro e a dedicação
com que o fotógrafo Rubens Mazzola,
seja no campo,
seja no laboratório,
contribuiu para a apresentação da quase totalidade das
magníficas fotogmfias
que valorizam o presente trabalho.
À SPVEA deve-se não apenas a iniciativa que deu origem ao
estudo apresentadO nestas páginas,
mas graças à perfeita compreensão
dos seus supremos dirigentes em 1965,
o General Mario de Barros Cavalcanti
e o Sr. Carlos Pedrosa,
teve a equipe,
nos trabalhos de campo,
a mais completa e solícita cobertura
jamais proporcionada aos geógrafos do CNG.
Não deve ser esquecido,
inclusive,
o transporte aéreo para observação,
prestado pelo exímio rpilôto Santinônimo Vieira Machado,
no avião do Superintendente da SPVEA.
Da parte do IBGE,
o apoio e a diligência
do General Aguinaldo José Senna Campos,
presidente da instituição,
e do Engenheiro René de Mattos,
Secretário-Geral do CNG,
foram fatôres decisivos para o êxito das pesquisas.
Se o presente estudo
servir ao público para o conhecimento da região,
que é,
no seu conjunto,
muito ignorada, e
se suas conclusões e sugestões forem,
de algum modo,
aproveitadas pelos futuros administradores,
considerar-se-ão os autores devidamente recompensados .

Rio de Janeiro, setembro de 1966

Orlando Valverde
e
Catharina Vergolino Dias.
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MAPA
INTRODUÇÃO

A Superintendência do Plano da Valorização Econômica


da Amazônia (SPVEA) e a RODOBRAS, a ela filiada, hou-
veram por bem introduzir melhoramentos na rodovia Belém-
Brasília, mais conhecida pela sua antiga sigla: BR-14. Judi-
ciosamente, porém, fizeram preceder essa realização eminen-
temente técnica de um levantamento geoeconômico e social
da região que é ou poderá vir a ser servida pela referida
estrada de rodagem.
Os trabalhos de campo se prolongaram de 16 de julho a
29 de agôsto de 1965, dêles participando a geógrafa CATHA-
RINA VERGOLINO DIAS, como chefe da equipe, o auxiliar de
geógrafo JACOB BINSTOK, O técnico de fotografia RUBENS
MAZZOLA, tendo o geógrafo ORLANDO VALVERDE como orien-
tador científico. A primeira e o último são os responsáveis
pelos conceitos emitidos no presente relatório.
Tomaram, ainda, parte na excursão, em diferentes tre-
chos, o geólogo FRITZ ACKERMANN, bem como o geógrafo
WILLIAM KETTERINGHAM, da Universidade da Califórnia -
Los Angeles, e PAULO NORBERTO HACK, diplomando em Geogra-
fia pela Faculdade Nacional de Filosofia, todos na qualidade
de convidados.
O estudo compreensivo de uma imensa faixa de terri-
tório, cuja maior dimensão se orienta na direção norte-sul,
estendendo-se de latitudes inferiores a 1° até cêrca de 160 sul,
não pode ser efetuado em conjunto (Mapa I).
Realmente, a rodovia Belém-Brasília serve a três grandes
unidades geoeconômicas.
A secção Norte vai de Belém até as proximidades de
Açailândia, ou, mais rigorosamente, até 2 km ao norte do po-
voado Agua Azul. Compreende a região cuja vegetação natural

1
1 - 37 843
é a hiléia amazônica, e que, embora povoada em certos trechos
por brasileiros oriundos de outras partes (Nordeste, Meio-
Norte, Minas Gerais), teve, na maior parte, a ocupação feita
a partir de Belém e suas vizinhanças. Tôda a produção, tanto
agropecuária como extrativa, desta área está estreitamente
vinculada ao mercado de Belém.
A secção Central compreende os médios vales do Tocan-
tins e Araguaia. Seu relêvo de planalto regular foi formado
por terrenos sedimentares e derrames basálticos ao norte, e
superfícies cristalinas aplainadas, ao sul. Nestas superfícies
predominam os micachistos contendo, em certas partes,
bolsões de quartzo (como em Cristalândia, por exemplo) ; em
outras partes foram mineralizados, dando origem a aluviões
auríferas, exploradas desde o século XVIII (Pilar, Amaro
Leite etc.) . Contrastando com os solos pobres e cobertos de
cerrados do planalto, os vales, geralmente revestidos de cerra-
dões, matas de segunda classe ou babaçuais (êstes ao norte),
têm solos mais férteis e são, por isso, preferidos para a ativida-
de agropastoril.
No momento atual, os produtos vegetais desta região
(principalmente arroz e babaçu) escoam-se para o sul (São
Paulo, Goiânia, Anápolis) ou para Belém, mas os bovinos são
exportados vivos para esta Capital.
Os limites da secção Central estão: ao norte, na zona de
Açailândia, ao sul, na de Porangatu.
A secção Sul da faixa servida pela BR-14 abrange a região
mais desenvolvida das três. É constituída: pelo Planalto Cen-
tral, no divisor Amazonas-Prata e altos cursos das duas bacias,
onde se situam os importantes centros de Brasília, Goiânia,
Anápolis e Goiás; por quase todo o Mato Grosso de Goiás, e,
por fim, pelo alto vale do Tocantins, até Porangatu, onde
a influência dos referidos mercados, sobretudo a do de São
Paulo e, secundàriamente, do Rio de Janeiro, assumem pre-
ponderância indiscutível.
Cada uma dessas três grandes unidades geoeconômicas
será subdividida em zonas, tanto quanto possível homogêneas,
a fim de facilitar sua descrição e o equacionamento de seus
problemas.

2
I
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DENSIDADE DEMOGRAFI CA DA REGIAO DE SELEM c=J-0,9 a 5

CJ- 5 a 9
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CENSO DEMOGRAFICO = 1960 CJ- 9 a 17

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DG/SAI CÉLIA DE AGUIAR ARLÉ
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MAPA 11
SECÇÃO NORTE

1) Zonas Bragantina e do Salgado


Estas duas zonas formam, em conjunto, uma unidade,
tendo como limites aproximados: o vale do Guamá, ao sul;
o Atlântico, ao norte, a baía de Marajá, a oeste, e o vale
inferior do Gurupi, a leste. Tôda a sua vida econômica está
ligada à capital paraense, situada no seu ângulo sudoeste;
por isso, P. Gourou preferiu denominá-la "região de Belém"
("pays de Belém"). 1
O que faz contrastar esta região de todo o resto do Estado,
dando-lhe portanto individualidade, são as densidades de po-
pulação relativamente altas, que ultrapassam de 17 habitantes
por quilômetro quadrado, em diversos distritos (mapa II).
É realmente curioso verificar como, numa área de 18 081 km2,
correspondente a 1,4 % do território paraense se aglomeram
745 345 habitantes, o que equivale a 48,4% da população do
Estado.
A explicação simplista que outrora se apresentava para
êste fato era a de que a Bragantina era uma das raras regiões
predominantemente agrícolas na Amazônia, onde prevalecia
por quase tôda parte o extrativismo vegetal. Ora, esta ativi-
dade requer menos mão-de-obra que a agricultura, logo .. .
Discutindo o problema com maior profundidade, Gourou
levanta a questão. 2 Mas, por que foi esta região eleita para
agrupar tal massa demográfica? Possui ela alguma virtude
que a torne uma exceção, dentro da Amazônia?
Com base nas normais climatológicas de Belém (fig. 1) ,
verifica-se que a Bragantina não se distingue significativa-
mente das outras partes da Amazônia: temperatura média
elevada, pequena amplitude térmica anual, altas precipitações
e umidade relativa elevada, com estiagem sensível entre
junho e dezembro, a qual reduz também o número de dias
1 P . G ourou: " Le p ays de B el ém (Brésll) ". B u!l. de !a Soe. Be!ge d 'Études
Géographiques, t. XVIII n .• 2, pp 19- 36, 1 mapa+fotos . B r uxelles, 1949.
o Op. cit.

3
de chuva. Esta estação chuvosa é denominada "inverno" pelos
habitantes da região, de acôrdo com a tradição nordestina.
Afw'gi O relêvo da Bra-
gantina também não
se distingue particular-
mente do conjunto re-
gional. É uma platafor-
ma muito regular, que
se eleva suavemente
até altitudes da ordem
de 50 metros, termi-
nando em falésias de
10 a 20 metros de al-
tura, do lado do oceano
e da baía de Marajá.
Tal forma de baixo pla-
tô é generalizada em
tôda a Amazônia.
2000
Os t e r r e n o s da
Bragantina são forma-
dos principalmente por
arenitos da série Bar-
reiras. ~sses arenitos
têm porosidade variá-
vel; ora possuem ci-
mento ferroso, ora ar-
giloso, os quais, quando
abundantes, dão à ca-
mada em que se con-
centram um comporta-
Flg. 1 - Gráfico das normais climatológicas mento morfolÓgiCO de
ae Belém. rocha dura, formando
cornichas nos altos das vertentes e falésias junto ao litoral.
Sôbre o tabuleiro de arenitos encontram-se, de vez em
quando, dunas fósseis, cobertas outrora por florestas, e situa-
das, em alguns casos, a dezenas de quilômetros da atual linha
de costas, até 50 metros acima do nível do mar. ~stes depó-
sitos de areia sôlta são evidentemente quaternários (fig. 2) .
Os arenitos Barreiras de origem continental, desprovidos
de fósseis e de presumível idade plio-pleistocênica, recobrem
parcialmente o calcário Pirabas, rico de fósseis marinhos e
datado do Miocênio. 3 As camadas dêsse calcário são explora-
das em Capanema para a fabricação de cimento.
• F . L. Ackermann : " Geologia e Fisiologia da Região Bragantlna (Estado do
Pará)". Cadernos da Amazônia, n.• 2, 91 pp. + +
26 fotos 3 plantas + blbl. Dep.
Impr. Nac., 1964.

4
F!g. 2 - Dunas fósseis em exploração, situadas a 50 metros sôbre o nivel do mar,
em local a 500 metros ao sul da ponte da PA-15 sôbre o rio Marapanim
(Foto R. Mazzola - CNG - 28-7-65)

Entre os citados arenitos e o calcário Pirabas não se


observa, no contato, qualquer irregularidade topográfica.
A estrutura geológica da Bragantina permite reconstituir
a paleogeografia regional, da maneira seguinte: No mar
mesozóico de Pirabas, onde afloravam as rochas pré-cambria-
nas de Tracateua, formando ilhas ou península, um arquea-
mento, no fim do Miocênio, fêz emergir a região, constituindo
um anticlinal. Os cursos dágua que drenavam para o antigo
mar foram desviados para oeste, dando origem ao atual curso
inferior do rio Guamá.
Durante o Pleistocênio acumularam-se depósitos de ori-
gem torrencial sôbre os sedimentos marinhos e o velho emba-
samento cristalino. A acentuação do arqüeamento, e talvez
também da aridez do clima, acelerou o processo de erosão,
que arrasou as diferentes formações. Na última glaciação do
quaternário antigo (Würm), a linha de costa estava mais
recuada que atualmente, já que o nível do mar se encontrava
mais baixo, por causa da retenção da água nas calotas polares.
Os rios sulcaram profundamente a plataforma, pois a erosão
remontante partia de um nível de base mais baixo e encon-
trou, por quase tôda parte, rochas tenras. No início da fase
interglacial presente, o degêlo fêz subir de nôvo o nível do
mar, afogando as embocaduras dos rios, que constituem
estuários largos, verdadeiras "rias". ~sse afogamento da costa
tornou-a, entre a baía de Marajá e as de São Marcos e São Jo-
sé, no Maranhão, uma das mais recortadas do Brasil. Ao mes-
mo passo que se processava a transgressão marinha, a erosão
das ondas mordia a borda da plataforma, esculpindo nos

5
sedimentos tenros, falésias de 10 a 20 metros de altura. Simul-
tâneamente os alísios de leste, nesta baixa latitude, acumu-
laram sôbre a plataforma dunas, que foram sendo tocadas
para o interior, até serem fixadas pelo manto verde-escuro
da hiléia.
Relativamente à salubridade, tampouco se distingue a
Bragantina, em comparação com as outras partes da Ama-
zônia. É bem verdade que a parte central daquela região é
livre de malária, visto que os altos cursos de seus pequenos
rios não oferecem grandes viveiros para anofelinos; mas tanto
o vale do Guamá, como a costa são áreas malarígenas. Atual-
mente, a eficiente atuação da Campanha de Erradicação da
Malária reduziu dràsticamente a incidência desta moléstia.
A vegetação natural da Bragantina também não ofereceu
nenhuma facilidade particular ao povoamento, nem especial
riqueza que estimulasse o extrativismo. É verdade que a pu-
jança da floresta desta região, assim como a de tôda a Ama-
zônia, iludiu aos primeiros povoadores e ao govêrno, os quais
superestimaram a fertilidade da terra.
Fig. 3 - Perfil de mata primitiva de terra firme , na Bragantina, perto da balsa em
construção para a ilha do Mosqueiro. Notar : 1. 0 - o corte de solo, com horizonte
A de cêrca de 35 em de espessura; 2.o - a árvore emergente, medida pela equipe,
tombada juntamente com um cipó. (Foto R . Mazzola - CNG - 18-7-65)
O único trecho de mata original de terra firme, que pude-
mos observar na Bragantina, foi na estrada em construção,
perto da balsa que ligará a ilha do Mosqueiro ao continente.
A abóbada foliar dessa mata eleva-se a uns 30 a 35 metros
sôbre o solo; mas, uma árvore emergente, que pudemos medir,
tinha 45 metros de altura (fig. 3).
Além do caá-eté, que predominava, de maneira absoluta,
na Bragantina, outras formações florestais menos extensas
são ainda significativas, como as matas de várzea e de igapó,
no vale inferior do Guamá e seus afluentes. Nas terras baixas
do litoral e das margens dos rios que deságuam no mar,
inundáveis pelas marés altas, os siriubais constituem uma
floresta homogênea de Avicennia nitida, alcançando até cêrca
de 20 metros de altura.
Eram poucos, efetivamente, os campos naturais da Bra-
gantina, quando o homem branco aí entrou pela primeira
vez. A maioria dêsses campos são de várzea, cuja localização
aproximada figura no mapa V.
Nos dias atuais, podem-se observar, em terra firme, man-
chas de campos de fisionomia muito diversa.
Perto de Vigia, encontram-se campos constituídos de
gramíneas baixas, nos quais estão espalhados capões de mata,
em que prevalecem as formas arbustivas (fig. 4).
A diferença principal entre a fisionomia dêste campo e a
dos campos limpos do Sul ou do Planalto Central, é que êstes
têm capões apenas nas bacias de recepção ("dales"), ao passo
que, naquele, os capões podem estar em terrenos secos.
Vistos de cima, os capões assumem formas arredondadas
ou irregulares.
Sem dúvida, a fisionomia primitiva dos campos de Vigia
já foi alterada, pois que o fogo deve ter entrado aí, muitas
vêzes. A vegetação rasteira deve ter diminuído de porte, de-
vido aos incêndios e ao pastoreio, e os capões devem ter redu-
zido seu tamanho.
A formação que J:?ai,s se assemelha a êstes campos, em
outras partes do Brasil, e a "zona mista de mata e campo",
situada no Planalto Meridional, descrita pela primeira vez por
BIGG-WITHER. 4
Somos de opinião que os campos de Vigia são naturais
e devem ser interpretados como uma "sera" entre um paleo-
clima mais sêco e o clima atual mais úmido.
• Thomas , P . Blgg -Wlt h er; " Ploneerlng ln Sou th B razil". 2 vols Loudon , J ohu
Murray, 1878.

7
Outra formação interessante é a savana, que observamos
a 15 km ao norte da bifurcação da estrada Santa Isabel-Vigia
(PA-16) para Pôrto Salvo, constituída de árvores de cerrado
muito retorcidas, isoladas e espalhadas num tapete de gra~
míneas (fig. 5).

Fig, 4 {,$/onomio dos campos dt! Vti;"u

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Fig. 5 fisionomia dos campos tle .S. Ca,t,.no cl~ Odiv.-las

A identidade de fisionomia entre esta ocorrência e outras


do Planalto Central deixou-nos convencidos de que a primeira
seja, como suas congêneres do sul, resultante da degradação
do cerrado ou cerradão pelo fogo.
Na estrada para Quatipuru, encontra-se outra formação
campestre de fisionomia diferente. São pastagens de terra
firme, com palmeiras isoladas, mas em grande número, no
meio de um tapete de gramíneas paleáceas, lembrando, de
certa forma, uma savana. Segundo R. RoDRIGUES LrMA,5 tais
campos são conhecidos pelo nome de "macegas", e são
artificiais.
Parece que a vegetação natural, aí, seria uma floresta
baixa, raquítica, talvez semidecídua, algo semelhante aos
campos de Piratininga, em São Paulo.
Antigamente, os solos da Bragantina, como os de todo o
resto da Amazônia, eram muito louvados, com base no racio-
cínio dedutivo de que somente terras muito ricas poderiam
sustentar uma floresta tão luxuriante. Na realidade isto não
acontece; a mata fabrica o próprio húmus de que se alimenta;
suas árvores vivem dos detritos provenientes dos espécimes
mortos. Uma vez derrubada a mata, o ciclo se interrompe,
e as águas meteóricas, tépidas e carregadas de anidrido car-
bônico, ràpidamente transportam o húmus em dissolução para
o lençol dágua subterrâneo, deixando o solo lixiviado .. Nesta
região de relêvo plano, o arrastamento superficial do ma-
terial pelas enxurradas é de reduzida importância.
• Informaçfi.o verbal.

8
Em anos recentes, à pobreza dos solos se tem atribuído a
generalizada decadência econômica da Bragantina. Os solos
desta região foram descritos, sem maiores exames, como um
areião, revestindo uma carapaça de canga. O levantamento
de solos, efetuado pelo IPEAN em 1958, desmentiu essa afir-
mativa. Revelou êle que os solos predominantes na Bragan-
tina, por larga margem, são latossolos amarelos, semelhantes,
portanto, aos da Serra do Mar e Baixada Fluminense (Mapa
III). A identidade pode não ser perfeita, se estudo mais por-
menorizado, na Bragantina, comprovar o predomínio da fase
arenosa dêsse Grande Grupo. Também quanto à coloração,
parecem aí ser mais freqüentes as tonalidades amarela e la-
ranja, no horizonte B, enquanto na Serra do Mar prevalecem
os tons vermelhos côr de tijolo.
É bem verdade que tal levantamento determinou apenas
os grandes grupos de solos, que pouco ou nada indicam sôbre
a respectiva fertilidade.
Na parte sul da Bragantina ocorrem, contudo, "latossolos
concrecionários", que poderiam ser assimilados ao grande
grupo dos solos lateríticos. O único lugar, porém, em que
foi dado à equipe observar um perfil típico de grandes con-
creções lateríticas, foi ao norte de Benfica, num corte da
estrada para a balsa do Mosqueiro. Nos demais cortes, o pro-
cesso de laterização não tinha evoluído além da formação
de canga pisolítica no horizonte B1 • Na estrada referida, a
meia distância entre a serraria Santa Rosa e o furo do Mos-
queira, sob a mata de terra firme acima descrita, observamos,
por exemplo, o seguinte perfil de solo: horizonte A prêto, com
35 a 40 centímetros de espessura; horizonte B1 de canga piso·
lítica amarela, até o limite do corte, isto é, até cêrca de
2 metros. :Êsse horizonte permite a penetração das raízes axiais
entre os seixos de canga, ao mesmo tempo que fixa a água,
por capilaridade, entre os seixos.
Em Castanhal, no fundo da residência do DER, uma
trincheira mostrava um perfil com horizonte A de 20 cen-
tímetros; o B1 com módulos de laterização dispersos em limo
arenoso vermelho acizentado, até 60 centímetros de profun-
didade; B z com poucos nódulos, alaranjado, até 1,80 m, e
finalmente B3 , laranja pouco mais escuro, sem nódulos, até
o fundo da trincheira, a 2,50 metros (fig. 6).
O estágio mais atrasado no processo de laterização neste
segundo perfil é devido, provàvelmente, à textura mais fina
dos seus horizontes B.
Os extremos de fertilidade nos solos da Bragantina devem
ser encontrados nos solos intrazonais. Nas várzeas do Guamá

9
Flg. 6 - Perfil de
solo na residência do
DER em Castanha!.
Notar os nódulos de
laterização no hori-

zonte B 1 (Foto Maz-

zola- CNG-
28-7-65)

e seus afluentes ocorrem solos do tipo "glei pouco húmico",


nos quais a deposição diária de partículas finas, em decorrên-
cia da oscilação de nível das marés, 6 traz grande massa de
elementos fertilizantes.
Por outro lado, os solos hidromórficos dos siriubais im-
pedem, nas condições atuais, qualquer iniciativa de aprovei-
tamento agrícola, por causa das duas inundações diárias de
água salôbra, a que estão submetidos, também em decor-
rência das marés. 7
• ''Marés de água doce", na expressão de R. Rodrigues Lima: "A agricultura
nas Várzeas do Estuário do Amazonas". Boi. Téc. do I.A .N., n.o 33, 164 pp. Belém,
Serv. Graf. IBGE , 1956.
7
Na "Carta de Solos da Região Bragantlna", elaborada em 1958, pelo IPEAN
(Mapa III), a área dos solos hldromórflcos, na costa a leste de Sallnópolls, está
excessivamente reduzida. Ela corresponde, com maior exatidão, à área ocupada
pelos siriuba.ls, no mapa do uso da terra (Mapa V) .

10
Não se pode, por conseguinte, explicar a ocupação agrí-
cola das zonas Bragantina e do Salgado, e o decorrente aden-
samento demográfico, com base em qualquer condição fisio-
gráfica. Tal explicação só pode ser dada pelo próprio processo
histórico do povoamento da região.
Belém foi fundada em 1616 por uma expedição que saiu
de São Luís. Somente êste fato permite compreender a posição
de Belém, tendo em mira assumir o contrôle do Amazonas.
Estando situada no braço sul da embocadura dêste rio (Rio
Pará), fácil seria estabelecer, mais tarde, comunicações ter-
restres entre aquela praça e a de São Luís.
Tão cerrada, entretanto, era a floresta natural da Bra-
gantina que o bandeirante PEDRO TEIXEIRA, o primeiro que
estabeleceu contato terrestre entre Belém e São Luís, o fêz de
preferência pelos rios, subindo o Guamá até Ourém, e pas-
sando, por trilhas de índios, dêste para o Caeté e, ao longo
da costa, até o :M aranhão.
Ainda no século XVII, fundou-se Bragança, em 1662, com
o nome de Souza do Caeté, no local onde se passava da
navegação fluvial para a navegação costeira. Era, pois, um
local de baldeação (Umschlagplatz).
Belém manteve, nesse mesmo século, sua condição de
estabelecimento militar, como pôsto avançado, a partir do
qual os portuguêses afastaram da bacia amazônica holan··
deses, franceses e inglêses.
A partir de então, a política da metrópole portuguêsa
e, a seguir, imperial, até o fim do terceiro quartel do século
XIX, foi de estabelecer comunicações fáceis e freqüentes entre
São Luís e Belém, ao longo da costa. Embora seguindo percur-
so mais extenso, evitava-se o caminho difícil e precário, através
das selvas, inaugurado por PEDRO TEIXEIRA.
A faixa costeira do Salgado ofereceu condições particula-
res ao povoamento. Em geral, as costas de rias têm portos
bons e protegidos. No Salgado, porém, o litoral é batido cons-
tantemente pelos alísios de leste. As vagas e a corrente ma-
rinha (corrente das Guianas) deslocam-se no mesmo sentido
geral, incidindo aquelas obliquamente sôbre a costa, facili-
tando a navegação aos barcos a vela vindos do Maranhão,
que viajam de vento em pôpa, mas dificultando aos que
regressam, os quais precisam navegar à bolina.
Os sedimentos pouco resistentes da série Barreiras, ata-
cados pela erosão marinha, formaram falésias de 10-20 metros
de altura, e o material delas arrancado foi depositado ao
longo do litoral. Por isso, a costa do Salgado é perigosa para
as embarcações maiores. Nas embocaduras dos rios, somente

11
no canal dêstes estão os barcos a salvo dos encalhes. Os portos
foram instalados, por êsse motivo, a montante da foz, em
pontos onde a maré enchente inverte periodicamente o sentido
da corrente fluvial.
Vizeu, Urumajó, Bragança (fig. 7), Quatipuru, Primavera,
Salinópolis, Maracanã, Marapanim, Curuçá São Caetano de
Odivelas, Vigia estão em sítios dessa nature~a, em tudo seme-
lhantes aos dos portos do sul da Bahia- Ilhéus, Canavieiras,
Belmonte, Santa Cruz Cabrália e Caravelas - embora estejam
êstes em costa retilínea, do mesmo arenito Barreiras.
Nem todos os fatôres eram, porém, adversos. Os fundos
rasos, a riqueza em plâncton, tornaram esta costa muito
rica em peixes e crustáceos. A pesca, praticada até hoje por
métodos primitivos, tornou-se atividade tradicional.
O abastecimento dos núcleos do Salgado se fazia com a
produção agrícola da região, com ênfase na mandioca, e
secundàriamente, no milho e no feijão. De longe em longe, a
dieta de peixe e farinha era enriquecida com um pouco de
carne do gado que vinha do Maranhão a pé, em tropas,
até Belém.
No fim do período imperial, o govêrno aproveitou os des-
campados abertos na mata, ao longo do caminho boiadeiro,
para estender os fios telegráficos entre São Luís e Belém. A
estrada que sai de Bragança para leste é, por essa razão,
conhecida até hoje pelo nome de "Estrada do Telégrafo".
A relativa facilidade de comunicações com Belém, capital
de uma região quase exclusivamente extrativa, estimulou os
lavradores do Salgado a venderem certos produtos muito
procurados, como o fumo. Os primórdios desta cultura no
Salgado ainda não foram estudados devidamente, mas com-
parando com a que é feita no vale do Guamá, somos incli-
nados à hipótese de que dois sistemas foram empregados na
lavoura do tabaco. Primeiramente, em roças, quando a mata
ainda cobria a maior parte das terras do Salgado. Mais tarde,
quando as florestas começaram a escassear e os solos a empo-
brecer, passou-se a fazer o cultivo em currais, aproveitando-se
a adubação do gado que por lá transitava. Êste sistema será
descrito e discutido adiante, mais minuciosamente.
Fig. 7 - A cidade de Bragança, vista da ponte sllbre o rio Gaeté. Notar as paimeiras
reais e as casas antigas voitaàas para o rio. A esquerda, siriubai. (Foto R . Mazzola
- CNG - 25-7-65)
O povoamento mais antigo, do Salgado, se fêz, portanto,
do norte para o sul, isto é, da costa para o interior, e, embora
favorecido pelos pequenos rios navegáveis e pelas reentrâncias
da costa, não deve ter penetrado, de modo contínuo, além de
uns 40 quilômetros. O cerne da Bragantina permanecia em
mata virgem.
A partir do último quartel do século passado, planejou-se
então colonizar a Bragantina e construir-se uma estrada de
ferro, saindo de Belém, concebida, a princípio, para chegar até
São Luís.
Buscavam-se, com tal iniciativa, atingir dois objetivos
principais: 1.0 - criar na Bragantina uma área de abaste-
cimento para Belém, instalando na Amazônia, pela primeira
vez, técnicas agrícolas mais adiantadas; 2.0 - encurtar, em
tempo e em distância, as ligações com São Luís, substituindo
o arco do trajeto pelo Salgado, pela respectiva corda.
Assim, o povoamento da Bragantina processou-se de oeste
para leste. A medida que os trilhos iam sendo lançados, insta-
lavam-se colônias de pequenos proprietários junto à ponta
da linha, ou um pouco adiante dela (Mapa IV).
No comêço, entusiasmados com o êxito, de que ouviam
falar, da colonização no Sul do país, os promotores deram
preferência a europeus. Trouxeram, em primeiro lugar, fran-
ceses, e depois, em número muito maior, espanhóis. Nem uns,
nem outros se fixaram na terra; a maioria retirou-se.
Desde o final do século XIX, passaram então a predo-
minar os nordestinos, cujo afluxo crescia cada vez que uma
sêca assolava sua região de origem.
Em vista da falência dos projetos de colonização, tanto
o govêrno paraense, como os particulares, desinteressaram-se
por tais empreendimentos, e a ocupação da terra passou a
fazer-se de maneira espontânea. 8
Ao mesmo tempo que os problemas da colonização se suce-
diam, a construção da estrada de ferro se arrastava lenta-
mente, com interrupções, de modo que, ao cabo de 25 anos,
chegava a Bragança, em 1908. Além desta cidade, somente
um ramal de bitola estreita foi construído, até a colônia Ben-
jamin Constant, perto de Urumajó. A idéia de levar os trilhos
até São Luís foi abandonada.
8 Para o estudo mais pormenorizado da colonização da Bragantina recomen-
dam-se : - Ernesto Cruz: "A Estrada de Ferro da Bragança (Visão Social Econo-
mic~ e Política)". SPVEA, Setor de Coordenação e D!vulg., 158 pp. Belém: 1955, e
Eugenia G. Egler: "A Zona Bragantina no Estado do Pará" Rev. Bras. Geogr.,
ano XXIII, n.o 3, jul.-set. 1961, pp. 527-555. O primeiro, mais descritivo; o segundo,
mais explicativo.

13
Os déficits acumulados nas finanças da ferrovia, resulta-
ram na encampação da estrada pelo govêrno federal, em 1936,
após longas vicissitudes.
~sse malôgro se fundamenta no insucesso da colonização,
cujas causas são assim analisadas por EuGÊNIA G. EGLER:
Não se sabe com segurança até que ponto os col.:>nos europeus
trazidos para a Bragantina tinham tradição de agricultores,
mas o fato de não ter havido qualquer seleção neste sentido,
e o de não se terem fixado na lavoura, sugerem que, em
geral, não teriam grande experiência. 9 É verdade que tanto
. êles como os nordestinos não dispuseram de orientação, nem
de crédito agrícolas. Adotaram, então, o sistema de roças,
único que permite devastar a floresta e cultivar a terra, sem
grandes despesas (pelo fogo), e que correspondia à tradição
agrícola dos nordestinos.
Nas duas primeiras colheitas, a cultura de cereais era
compensadora; mas depois, os solos eram lixiviados, os rendi-
mentos baixavam dràsticamente e só a mandioca, pouco exi-
gente, continuava com produções elevadas. Além disso, o
preparo da farinha se entrosa perfeitamente com os hábitos
e a economia fechada do caboclo. A construção tôsca da casa
de farinha pode ser feita, quase tôda, com materiais que o
caboclo obtém gratuitamente e no local, salvo o tacho para
torrar a farinha, que pode ser de cobre ou de ferro. Em vez
de usar a prensa, o caboclo da Bragantina espreme a massa da
mandioca no tipiti, que êle mesmo fabrica (fig. 8) . O preparo
da farinha exige, ademais, o consumo de lenha, que o caboclo
extrai das capoeiras.
A construção de engenhos de aguardente, mais dispen-
diosa, foi feita por particulares financiados por verbas gover-
namentais destinadas à colonização, de acôrdo com a lei
n.o 583, de 1898. Esta lei criava os chamados "burgos agríco-
las", cujos dispositivos procuravam ligar a indústria à pro-
dução agrícola, ao mesmo tempo que protegiam a pequena
propriedade, já que 2/ 3 da matéria-prima deveriam ser forne-
cidos por agricultores livres, cujas relações econômicas com
o industrial eram determinadas pela mesma lei. 10 •
Assim, puderam os habitantes da Bragantina dedicar-se
a outra cultura- a da cana-de-açúcar-, que, sem ser esgo-
tante, dava um produto de alto valor: a aguardente.
Por fim, um terceiro produto comercial, êste extrativo,
encontrava amplo mercado na região: a lenha. Não só as
o Op . cit., p. 551.
10Idem, p . 534.

14
Fig. 8 - Velha
cabocla despejando

massa de mandioca
ralada dentro do ti-
piti. Aí, depois de es-
premê-lo por disten-
são, fica a massa para
a farinha . O lfquido
que escorre contém

o tucupi e o polvi-
lho, que vão ser se-
parados dentro da
tina, por decanta-
ção. Casa de farinha
a 7 km ao sul de
Ma r a c anã. (Foto
R. Mazzola - CNG
- 27-7-65)

casas de farinha, já citadas, mas também a estrada de ferro


(fig. 9), as cozinhas domésticas (especialmente nas cidades
maiores, como Belém, Castanha! e Bragança), as padarias,
olarias etc., contribuíam de maneira decisiva para a degra-
dação mais rápida das capoeiras, seja através do consumo da
lenha in natura, seja sob a forma de carvão vegetal.
O melhor estudo sôbre os efeitos dessa atividade preda-
tória sôbre os solos e a vegetação, na Bragantina, foi realizado
por FELISBERTO C. CAMARGO. u
u "Terra e Colonização no Antigo e Nôvo Quaternário na Zona da Estrada de
Ferro de Braga n ça, Estado do Pará - Brasil". Bol. Mus. Paraense E. Goeldi vol. X
1948. '

15
Eis como se delineou, no advento da década de 1930, a
paisagem atual da Bragantina e do Salgado: uma região
geoeconômica, de solos e vegetação degradados, esta sob a
forma de capoeira em vários estágios de crescimento; forne-
cedora de farinha de mandioca, lenha, carvão vegetal e aguar-
dente para Belém e cidades próximas; com população rural
relativamente elevada, resultante de uma política deliberada
do govêrno e de planos de colonização mal conduzidos.
Sôbre a realização dêsses pretensos planos, assim se ma-
nifestou o atual diretor de Colonização do Estado do Pará,
Eng.o agrônomo NWMAR VIEGAS:

Flg. 9 - Medidas de lenha, junto à estar;oo ferroviária de Peixe-Boi, na Bragantina.


(Foto R . Mazzola - CNG - 27-7-65)

"O que chamavam antigamente de "colonização" era a


aglomeração espontânea de pequenos lavradores ao longo de
estradas, ferrovias ou rios".
"Para povoar a Bragantina vinham sobretudo do Nor-
deste, mas também de outras partes do Brasil. A chamada
"colonização" tinha caráter exclusivamente eleitoreiro, pois
só em vésperas de eleição se demarcavam uns poucos lotes
ou se dava qualquer coisa para engodar os agricultores. Na
realidade, não havia assistência de qualquer espécie - téc-

16
nica, financeira, social etc. -, nem demarcação sistemática
dos lotes. :Ê:stes se orientam de modo a ter acesso à água ou
à estrada".
Os únicos vestígios que se podem observar, hoje em dia,
que lembram essa antiga colonização planejada, é a dispo-
sição das casas, junto a estações ferroviárias perto de Belém,
segundo o padrão de Waldhufendorf, como se vê em Marituba,
por exemplo.
"Essa ocupação - prossegue o citado diretor - não era
respeitada pelos poderosos. Já que os povoadores da Bra-
gantina eram posseiros, isto é, sem qualquer título de pro-
priedade, de vez em quando, vinha uma pessoa influente,
comprava ou arrendava certa área, grande, dessas terras
devolutas e passava a exigir parceria ou fôro aos seus ocupan-
tes. Quem não se conformava com a imposição se retirava;
os remanescentes se submetiam". 12 Era uma "grilagem" em
tudo semelhante à do vale do Mearim, até nas conseqüências,
à.s vêzes, violentas. 1 s

Uso da Terra - Baseada em observação de campo, ao lon-


go das estradas e em vôos especiais de avião pequeno, a equipe
elaborou uma Carta do Uso da Terra na Brangatina e no Sal-
gado (Mapa V). ~sse mapa representa, antes, um croquis, de-
vido à falta de uma base cartográfica rigorosa. Para tal base
foi escolhida a da Carta de Solos, do IPEAN, na escala de
1/200 000, que, além de representar o traçado das estradas
com mais exatidão que a carta ao milionésimo, editada pelo
Conselho Nacional de Geografia, permitiria distinguir com
maior rapidez alguma possível correlação entre o uso da ter-
ra e os solos. Durante os três vôos realizados sôbre a Bragan-
tina, as locações no mapa eram feitas "a ôlho", tomando-se
como referências as estradas, as cidades e os rios, e redese-
nhadas em terra, no mesmo dia, após o vôo.
Zona de expansão urbana de Belém - A partir da Se-
gunda Guerra Mundial, a capital paraense vem crescendo
extraordinàriamente. Os dois principais eixos de expansão
foram a BR-22 e a margem direita do Guamá. Em ambos
se instalaram indústrias diversas. Aquelas que recebem a
matéria-prima por via terrestre procuraram, de preferência,

Informação verbal.
1.2

O . Valv<erde: "Geografia Econômica e Social do Babaçu no Meio-Norte". Rev.


13
Bras. Geogr., ano XIX, n.o 4, out.-dez . 1957, p. 395.

17
2 - 37 843
a rodovia; as que são total ou parcialmente abastecidas por
via fluvial (como a CATA, COPALA etc.) , instalaram-se à
beira do Guamá.
A localização dos dois subúrbios industriais não apenas
favoreceu o afluxo da matéria-prima; foi também ao encontro
das concentrações de migrantes rurais que se retiram das
zonas decadentes para a cidade. Enquanto na BR-22, os su-
búrbios de Pedreira e Marambaia recebem as migrações
provenientes da Bragantina e do Salgado, os subúrbios de
Condor e Guamá, à margem do rio dêste nome, se engorgi-
tavam com a população que abandona o baixo Tocantins e
as ilhas (Mapa VI) . Aí, pouco adíante dêstes subúrbios, a
mata passa a prevalecer, na beira do rio.
Para o norte, o crescimento de Belém foi parcialmente
bloqueado pelas grandes áreas ocupadas pelas bases aérea e
naval. Apenas entre a Base Aérea e Icoraci vão aparecer algu-
mas fábricas, assim como sítios de fim de semana e lotea-
mentos intercalados na capoeira.
Icoraci tem boas casas de veraneio ao longo da praia,
embora esta não seja bonita, por causa da areia vermelha.
O seu comércio é bastante movimentado, especialmente no
mercado, onde aos sábados e domingos, famílias da classe
média e superior, de Belém, vêm comprar carne e peixe.
Na direção da BR-22, a cidade de Belém se expandiu
mais. A parte urbanizada vai até a estação de Entronca-
mento, junto de Marambaia. No trajeto do Marco da Légua
até aí, entretanto, observam-se g~·andes lotes, ora ocupados
por instituições do govêrno como o 26 BC, o DPA e o DER, ora
outras instituições sociais, como o Asilo de Velhos e sedes cam-
pestres de clubes, ora, finalmente, por fábricas.
Além daquele limite estão em construção, ou recente-
mente concluídas, sedes de clubes e de fábricas. O trecho de
Entroncamento até Marituba ainda não é urbano, embora
não seja nem suburbano, nem rural. Aí aparecem sítios de
repouso para fins-de-semana, loteamentos e capoeiras, espe-
cialmente do lado sul.
Marituba é um Waldhufendorf. Os lotes se estendem do
lado direito do leito da ferrovia, enquanto o esquerdo é
ocupado por grandes terrenos, como o do leprosário. Perto da
estação se situa a única propriedade leiteira da região, onde
se criam também galinhas, aplica-se estêrco nas culturas e
se dão sais minerais na ração para os animais. Aí deixou
o govêrno as vacas leiteiras compradas no sul, para organizar
uma faixa leiteira para Belém. A impressão que se colhe ao
longo das estradas, nesta zona, dá uma visão falsa. O processo

18
de urbanização só se desenvolve nas terras adjacentes às
mencionadas rodovias, em virtude da valorização por elas
provocada. A observação aérea demonstra também que, fora
destas estradas, as capoeiras, sem dúvida exploradas para
fornecer lenha a Belém, formam o fundo da paisagem. Atra-
vessam-nas, porém, pequenas estradas, em grande número,
servindo a granjas e sítios de fim-de-semana, onde se obser-
vam hortas, pomares, assim como pimentais, êstes, na maioria,
novos e pequenos .
Não obstante, têm relativa importância econômica, pois
a pimenta é o único produto agrícola que figura na estatís-
tica da produção do município de Belém, em 1964, com um
total de 62 200 kg (Mapa VII).
Faixa de lenha de Belém - Para aquêles não habituados
ao estudo da Geografia Agrária de países tropicais, causa
espanto encontrar uma região tão devastada e abandonada,
nas imediações de uma grande cidade.
Esta é uma região vazia, onde vive uma população rare-
feita de caboclos miseráveis, que fazem rocinhas de mandioca
para subsistência. Em vários trechos, observa-se uma perfeita
ghost landscape, 14 na qual predominam, em ordem decres-
cente de importância, capoeiras, capoeirões e matas secun-
dárias. O produto comercial por excelência é a lenha, sendo
que, em trechos mais afastados de Belém, vimo-la sob a forma
de carvão, em sacos empilhados à beira da estrada (fig. 10).
É possível que parte das terras, longe das rodovias, sejam
devolutas, talvez abandonadas pelos primitivos posseiros que
as devastaram; a maior parte, no entanto, deve pertencer a
particulares, que aguardam valorização.
Podem-se observar, em alguns lugares, capoeiras sepa-
radas da estrada por boas cêrcas de arame farpado.
A ilha do Mosqueiro se insere totalmente nesta faixa.
Quase nada produz; excluindo-se as manchas de matas, na
sua parte central, e os siriubais na costa sul e oriental, no
seu interior só se encontram capoeiras em diferentes estágios
e umas rocinhas miseráveis. Nada pode a ilha fornecer à
multidão de alto nível de vida, que se aglomera nas férias
e fins de semana, na série de praias elegantes de sua costa
oeste e norte.
Existem, porém, atividades agrícolas dignas de nota,
esparsas no "mar" de capoeiras, da faixa de lenha. De Bene-
H Os geógrafos d e língu a inglêsa ch amam de ghost l andscape, (literalmente:
" p a isagem fan tasma") u ma paisagem sem h abitan tes, m ostrando uma veget ação
natural d evastada. Presu me-se q u e êles se tenh am retirado , após d est ruírem a m ata.

19
vides a Santa Isabel, por exemplo, e desta cidade até 6 km
para o sul, na estrada para a Colônia do Guamá, predominam,
ainda, na paisagem as capoeiras e os capoeirões, de onde se
extrai lenha; mas grande número de pimentais se ob-
serva, entremeado na vegetação secundária. Aquelas cultu-
ras são de dimensões pequenas, embora haja um ou outro
pimental grande; porém, o mais notável é serem os pés de
pimenta, na maioria, novos .

.. '

F!g . 10 - Sacos de carvão vegetal, empilhados à margem da BR-14, peTto de Be-


nevides, à espeTa do transporte de caminhão para Belém. (Foto R. Mazzola -
CNG - 22-7-65)

Os melhores pimentais desta zona se encontram junto


de Benevides, pelo lado norte, e de Benfica, pelo lado sul.
,Merece também particular menção a plantation de se-
ringueiras da Pirelli, no município de Ananindeua, (Fazenda
Oriboca), entre a BR-22 e o rio Guamá. Pelo que se pôde
observar do alto, parece, no entanto, que a maioria das héveas
ainda não atingiu sua fase de produção comercial.
Na margem direita do rio Guamá e, em menor escala,
junto ao furo do Mosqueiro, fímbrias largas de mata consti-
tuem uma moldura para esta região. Destas matas sai, atual-
mente, a maior parte 1a lenha e do carvão que abastecem
Belém.
Vale do Guamá - O mapa do uso da terra mostra, de
relance, que a ocupação do vale do Guamá, assim como o dos
seus afluentes - o Acará, o Capim, o Inhangapi, o Bujaru,

20
o Irituia- é descontínua. Nêles ainda predominam as matas,
embora o devassamento do Guamá tenha começado muito
antes que o da Bragantina e o do próprio Salgado.
As principais causas dêsse povoamento relativamente
escasso são: a forte incidência de malária e o intrincado das
matas de várzea e de igapó.
Nem todos os fatôres são, contudo, negativos, nem êstes
insuperáveis. As ocorrências de malária, por exemp1o, estão
sendo muito reduzidas, e as férteis várzeas do Guamá não
podem ser comparadas aos solos pobres e exaustos da Bra-
gantina e do Salgado.
Esta argumentação, assim como a existência de grandes
áreas de terras devolutas, servem para fundamentar como o
vale do Guamá é um campo propício a projetos de coloni-
zação planejada. A Colônia Federal do Guamá é um pequeno
exemplo disso (Mapa VIII). Ela começa a 21 km ao sul de
Santa Isabel e se estende pela margem direita do Guamá,
acompanhando um grande meandro dêste rio.
A colônia existe há 10 anos, mas, nas margens do Guamá
e suas proximidades, as terras não eram povoadas. Por isso,
se vêem, a cada instante, sinais de derrubadas recentes.
As três culturas comerciais por excelência, na colônia,
são: a pimenta, as frutas e as hortaliças.
Os pimentais da colônia são geralmente maiores que os
próximos de Belém. Seus melhores produtores são, quase
sempre, colonos japonêses. Um dêles tem um pimenta! de
8 hectares (fig. 11). Reveste o solo com puerária que, depois
de crescida, é virada, como adubo verde.
A pimenteira produz anualmente, em média, 3 kg por pé.
Fazem-se duas adubações por ano nos pimentais, aplican-
do-se adubo orgânico e químico. Como êste é caro, os colo-
nos procuram restringir os custos de produção empregando
torta de algodão e de mamona. O Banco do Brasil financia
60 % da produção.
As propriedades na colônia se dispõem em habitat linear
disperso, do tipo Waldhufendorf, e têm de área, na maioria,
um lote, unidade que corresponde a 20 hectares. 15 O regime
é do tipo homestead, visto que a quase totalidade só usa, em
caráter permanente, a mão-de-obra familiar. O japonês citado,
um dos lavradores mais prósperos da colônia, possuía apenas
15
As fam!llas residentes na colônia ocupam , ao todo, 196 lotes; portanto, ape -
nas dez, no mllxlmo, possuem mais de um lote.

21
Flg. 11 - Lavrador
japonês com pimen-
ta!, na Colônia Fe-
deral do G u amá.
(Foto R. Mazzola -
CNG 21-7-65)

um empregado assalariado permanente. Nas épocas de safra,


porém, todos os que puderem ser arregimentados serão pouGos.
Uma grande variedade de frutas é cultivada na colônia,
das quais as mais importantes são: a tangerina, a laranja,
o limão, o côco, a melancia e o abacate.
Há uma variedade de tangerina, chamada Punkan, origi-
nária de Formosa, que produz um fruto grande e que solta
a casca com extrema facilidade. Enquanto, em Belém, cada
"mixirica" vulgar está sendo vendida a Cr$ 20 no varejo, a
Punkan alcança Cr$ 100.
Dentre os cítricos, a lima da Pérsia se notabiliza pelas
grandes cargas. Um brasileiro assistido pela direção da colô-
nia possui um pé que deu, no ano de 1964, 3 800 frutos; o de

22
um japonês chegou a 5 000. Ambas as árvores demonstravam,
após tamanha carga, certo esgotamento, que exige adubação.
As frutas são tôdas consumidas frescas em Belém. Ne-
nhuma é industrializada.
As hortas na colônia estão situadas, em sua maioria,
nos terrenos de várzea, da beira do Guamá; não obstante,
vimos nabos, bem desenvolvidos, cultivados em terra firme.
As principais hortaliças produzidas são: o repolho, o nabo,
o rabanete, a cebola e a alface.
O mercado de produtos hortícolas depende, em grande
parte, dos hábitos alimentares da população urbana próxima;
e isto depende de educação, de estabelecimento de hábitos.
Por exemplo: no ano de 1959, foram produzidas na colônia
360 toneladas de repolho, e o escoamento foi muito difícil.
Houve necessidade de se exportar para o Amazonas, o Ma-
ranhão, até para Fortaleza. Já em 1964, a safra de 1100 tone-
ladas de repolho escoou fàcilmente, sàmente para o mercado
de Belém.
As rotações de culturas mais comumente adotadas entre
os produtores de repolho, são:
1.a - maio-dezembro: 3 safras de repolho;
janeiro - transplante de arroz.
2.a - duas colheitas de arroz e uma de repolho.
Usa-se também substituir, neste último caso, o repolho
pela soja, ficando assim a rotação constituída de duas colhei-
tas de arroz e uma de soja.
Dentre as lavouras mais importantes de subsistência
figuram o arroz, o café e o cacau.
A primeira referência à colheita do Guamá foi-nos dada
no IPEAN, mencionando-se o fato de dar ali o arroz quatro
safras. Isto, porém, não é o comum. Cada safra, é verdade,
dá um rendimento médio de 5 toneladas por hectare. Tal ren-
dimento só pode ser obtido, evidentemente, com o arroz de
brejo.
É possível obterem-se quatro safras, segundo informou
o Dr. EDGAR CORDEIRO, diretor da colônia, mas é preciso tra-
balhar ràpidamente. O arroz tem um ciclo de 70-75 dias
após o transplante. Fazendo, então, viveiros e plantando
quatro vêzes seguidas, gastar-se-ão 300 dias. Sobrarão apenas
60 para tôdas as operações de preparo. Isto só é possível com
arrozais irrigados e adubados.

23
Em 1963, o valor global da produção agrícola da colônia
ascendeu a Cr$ 119 000 000. A porcentagem com que cada um
dos principais produtos contribuiu para êsse total no referido
ano e nos subseqüentes, é dada na tabela abaixo:

1965
PRODUTOS 1963 1964 (estimativa)

Hortaliças . ... . ................ . 34,1% 45,6% 39,8


Frutas . . . . ....... . ... . ....... . 17,8 13,3 11,3
Pimenta. .. . ........ . 11,4 17 23,7
Arroz .. . . ............ . 6,5 5 11,3
Farinha .. . 2,2 3,7

Nota-se, nesse quadro, como a pimenteira cresce em im-


portância, enquanto as frutas decrescem.
Moram na colônia do Guamá 186 famílias, das quais
123 são brasileiras, 62 japonesas e uma espanhola, consti-
tuindo uma população de 1 449 habitnates. É surpreendente,
porém, a diferença na média da renda bruta por família,
de acôrdo com a respectiva origem. Em 1964, cada família
japonesa teve uma receita média de Cr$ 2 885 000; cada fa-
mília brasileira, bem como, a espanhola Cr$ 524 000 apenas.
Há duas cooperativas na colônia: a dos japoneses e a
dos brasileiros. A dêstes é a Cooperativa Agrícola de Santa
Isabel. A princípio, todos os colonos foram colocados na mes-
ma cooperativa (a dos japoneses), mas a dificuldade de língua
era tremenda. Foi então feita essa divisão. Mesmo superada
tal dificuldade, a diferença entre as tradições de uns e de
outros forma um abismo intransponível.
Na sede da colônia há uma praça com escola, ambula-
tório, prédio da administração e um pôrto, tudo bem orga-
nizado. :t!:ste pôsto é freqüentado por embarcações, que fazem
viagens regulares a Belém, para onde transportam os produtos
cultivados a beira rio: verduras, frutas e arroz. Pela estrada,
a colônia exporta, sobretudo, pimenta.
Infelizmente, o Ministério da Agricultura não deu, até
hoje, nenhum título definitivo de propriedade, na colônia. Por
isso as dificuldades para se arranjarem empréstimos é
enorme.
O CREAI aconselha os colonos a que saiam de lá e adqui-
ram outra propriedade alhures, a fim de possibilitar o finan-

24
ciamento. Esta foi a razão porque, há poucos anos, duas famí-
lias japonesas, das mais bem situadas, deixaram a colônia de
Guamá. Em regra geral, no entanto, os colonos parecem bem
radicados à terra. Características muito diversas tem a zona
de Bujaru. Entende-se como tal aquela situada na margem es-
querda do Guamá, entre o rio Capim e o Guajará-Açu.
Esta região constituiu para a equipe uma decepção.
Esperava-se encontrar aí uma zona pioneira, semelhante à de
Capitão Pôço; deparou-se uma região estagnada, em que
houve até certa emigração para a Belém-Brasília, mais favo-
recida pelos transportes. Não possuindo os lavradores de
Bujaru título de propriedade, estão sempre dispostos a migrar,
ao primeiro revés ou ante nova perspectiva para suas vidas.
Nada daquele espírito empreendedor, típico das franjas
pioneiras; pelo contrário, a filial da emprêsa Martins, Melo,
compradora de fibra de malva, fechou as portas, embora te-
nha a produção dessa fibra começado em Bujaru há oito anos.
Não obstante, há produção significativa de frutas, como
mamão, banana e laranja, 3-ssim como de farinha e arroz, pro-
dutos que são exportados para Belém, pelo Guamá.
Existem roças, ao redor de Santana e Guajará-Açu. Os
lavradores da colônia derrubam o mato, plantam arroz e
feijão consorciados, e colhem apenas uma safra. Uma ca-
poeira leva cinco anos para dar corte e 16 para dar mata.
A antiga sede do município era em Santana, que
"morreu" com a mudança da sede para Bujaru, chamada ou-
trora Guaramucu.
O povoamento do município se fêz através do rio. Na ~ma
parte sul, porém, ainda existe muita mata.
O baixo Guamá e o Capim são atualmente limites natu-
rais da área de influência da BR-14. Levará ainda muito tempo
para ligar Bujaru a essa rodovia, o que não lhe alterará em
quase nada a vida econômica. Nas margens do Inhangapi, a
vegetação é formada pela mata de igapó e a densa população
ribeirinha habita casas sôbre estacas, construídas na várzea
baixa (fig. 12). Todo o transporte é fluvial, por excelência,
constituído por montarias, motores e barcos a vela (fig. 13).
Não se vê junto ao rio nenhuma discreta elevação de terreno
que se possa caracterizar como "pestana". É bem verdade que
a morfologia da várzea deve diferir aqui da do médio Amazo-
nas, porque o ritmo das águas altas e baixas é diário, ditado
pelas marés, alcançando pouco mais de um metro de dife-
rença, normalmente.

25
Flg. 12 - Casa s6bre estacas, na várzea baixa do Inhangapt. Notar a quantid.IJM
de açalzeiros. (Foto R . Mazzola - CNG - 29-7-65)

Flg . 13 - Grande casa de comércio, no Inhangapi, com motor e canoas atracados.


(Foto R . Mazzola - CNG - 29-7-65)

26
As culturas estão em roças abertas na várzea, aonde pre-
dominam a banana e num plano muito inferior, o milho. A
mandioca desaparece aí, pois o seu ciclo vegetativo relativa-
mente longo, não lhe permite o cultivo na várzea. Esta região
exporta para Belém, por via fluvial, bananas, madeira ser-
rada e, no "verão", açaí.
A alimentação dos caboclos de Inhangapi é complemen-
tada ainda por êste fruto, extraído da imensa quantidade de
palmeiras, que lá cresce espontâneamente, (fig. 14), e pelo
peixe, pescado em "tapagens" (currais) e a anzol. A pesca de
linha é feita preferentemente à noite.

Flg. 14 - Mata de igapó , rica em açatzeiros, no vale de Inhangapi. (Foto R. Maz-


zola - CNG - 29-7-65)

O vale do Inhangapi representa a primeira paisagem


tipicamente amazônica que se pode encontrar a leste de
Belém. Êle forma uma cunha da região Guajarina, dentro da
Bragantina. Seu fácil acesso desde Belém e a beleza natural
de suas águas e de sua floresta, fazem do Inhangapi uma
região fadada ao turismo, quando tal potencialidade fôr ex-
plorada devidamente, na Amazônia.
Na área próxima do cruzamento da BR-14 com o vale do
Guamá, a economia compreende duas feições diferentes: a das

27
várzeas do Guamá e Irituia, e terras vizinhas, que produzem
bananas e, secundàriamente, laranjas, exportadas ambas, por
via fluvial, para Belém; a da terra firme, mais afastada dos
rios, cuja cultura comercial básica é a do fumo, seguida pela
da malva, do arroz e da mandioca (Mapa VII).
A população de tôda esta área é rarefeita, afastada das
estradas principais, dispersa pelas picadas transversais, por
onde penetrou, deixando atrás de si capoeiras e capoeirões.
Estes são mais comuns ao sul do Guamá, onde o povoamento
afastado do rio é mais recente; ao norte, prevalecem as
capoeiras. ,..
Os velhos portos da bacia do Guamá e do Irituia, após a
abertura da BR-14 continuam funcionando e, ao invés de di-
minuir seu movimento, tiveram-no aumentado. O cimento
fabricado em Capanema e destinado ao rio Amazonas, por
exemplo, sai por São Miguel do Guamá. As embarcações que
vêm buscá-lo sobem o Guamá, reduzindo o frete rodoviário,
que encareceria o produto. As despesas com estiva, capatazia
etc., são, além disso, mais baixas em São Miguel que em Belém.
Excluindo-se o pequeno comércio de beira de estrada (ba-
res mal sortidos, pensões, bombas de gasolina etc.), que
procurou a BR-14, as principais casas comerciais de São Mi-
guel do Guamá, tanto varejistas como atacadistas, dão frente
para o rio.
Aí se localizam armazéns e escritórios de firmas exporta-
doras que recebem e estocam a malva trazida de canoa, rio
abaixo, pelos caboclos. Estas firmas exportam a fibra de ca--
minhão para Belém. No pôrto situam-se os melhores bares e
também as olarias e a serraria, cuja produção é enviada para
a capital pelo Guamá.
Não obstante, a cidade se expande na direção da rodovia;
tanto assim que o cemitério, situado outrora fora do perímetro
urbano, foi por êste envolvido recentemente.
Entre Belém e Irituia há uma linha de motores, que viaja
12 horas em cada sentido. Os barcos saem dêste pôrto às 6 ho-
ras da manhã das sextas-feiras e, nestes mesmos dias, zarpam
às 22 horas de Belém, chegando no dia seguinte. Antes da
abertura da BR-14, saía apenas uma embarcação por semana;
agora saem três. Os motores transportam banana, abacaxi,
laranja e malva, assim como passageiros.
O pôrto é muito mais antigo que a estrada. O barco que
fazia a única viagem semanal, cobrava 16 cruzeiros pela pas-
sagem e levava 4 ou 5 pessoas. Atualmente, o preço da pas-

28
sagem é de Cr$ 1 000, a sêco, dando direito somente a cafezi-
nho e armador de rêde, e vive, entretanto, abarrotado de
gente. Cada um leva seu almôço.
O fumo é a principal fonte de riqueza do município de
Irituia. A venda se faz em molhos para as embarcações.
Na cultura do fumo empregam-se, em Irituia, dois siste-
mas. Num dêles faz-se a derrubada, queima-se e, no lugar
mais úmido, semeia-se o fumo. Enquanto a planta se desen-
volve, faz-se a "desolha", deixando-se os dois brotos mais altos,
para que o pé cresça com fôrça. Quando as folhas estão gran-
des, vão-se colhendo à medida que ficam murchas na ponta.
Terminado o corte das ' folhas, arrancam-se os pes '
de tabaco e
planta-se "roça" (mandioca).
O outro processo é chamado "terra virada", consiste em
plantar o fumo no curral. Antes de semeá-lo, porém, o gado é
aí colocado 16 , durante um ano, findo o qual revira-se a
terra estercada para o plantio. li:ste é efetuado em abril-maio,
período correspondente ao fim da estação chuvosa, a fim de
que a planta receba bastante sol, na fase do crescimento.
Pelo expôsto, verifica-se que os sistemas agrícolas adota-
dos em Irituia, na produção de tabaco são, respectivamente, o
sistema de roças e o de "cultivo em currais", êste de acôrdo
com a técnica tradicional na Bragantina.
Para o beneficiamento do fumo, entaniçam-se duas ou
três fôlhas e põem-se a secar ao sol durante três dias, retiran-
do-se sempre à noite. Quando o tabaco fica da côr de ovo,
passa-se a taniça e, por cima, uma corda para apertar. Três
ou quatro dias depois, tira-se a corda e aperta-se novamente.
Usa-se um feixe de taniças de guarumã (Marauta arouma,
palmae) para cada arrôba de fumo.
Continuando a subir pelo Guamá, em Ourém já não há
mais comércio de frutas com a capital do Estado; a fibra de
malva aí estocada é remetida de caminhão para Belém.
Faixa dos pimentais de Santa Isabel e Castanhal- Nesta
zona, a cultura da pimenta passa a prevalecer na economia.
Periodicamente, observam-se, de um lado e outro da estrada,
pimentais grandes e pequenos. A ênfase nesta cultura fêz de
Santa Isabel o segundo produtor de pimenta do Estado (Mapa
VII). É bem verdade que, na produção de pimenta do municí-
pio, inclui-se a da Colônia do Guamá.
Além desta atividade, só têm alguma importância a pro-
dução de arroz e de mandioca, esta obtida pelo sistema de
11
' O gado não é criado no curral; apenas dorme lá.

29
roças. Como êste sistema tem aplicação já tradicional, deixou,
por tôda parte, a vegetação reduzida a capoeiras e capoeirões
(êstes em menor escala), os quais não são econômicamente
inertes, destinados apenas ao repouso do solo, mas utilizados
para a extração de lenha. Esta exploração foi outrora mais
intensa, para atender ao consumo da estrada de ferro.
A produção de lenha se entrosa perfeitamente com o sis-
tema de rotação de terras. Ela serve atualmente para atender
ao consumo de combustível das numerosas e tôscas casas de
farinha da região, cuja produção é exportada para Belém
(Mapa VII) . O transporte da lenha é feito em lombo de burro,
que pertence ao proprietário da casa de farinha.
Embora, ao que parece, os economistas do CONDEPA
(Conselho de Desenvolvimento do Pará) tenham concluído
que a criação de uma grande indústria de farinha na Bragan-
tina, é antieconômica, estamos certos de que, resolvendo-se
antes, o problema da energia, esta será a única solução para
a sobrecarga exercida na vegetação e nos solos com a explora-
ção das capoeiras. Talvez a própria lenha possa ser empregada
na fábrica, mas proveniente de eucaliptais ou outras árvores
cultivadas, capazes de dar waior produção de lenha, por uni-
dade de área, que as capoeiras.
Os caboclos vivem em habitat disperso. Nos trechos mais
povoados, o habitat se disciplina num povoamento linear dis-
perso, do tipo "Hufen", especialmente perto das cidades. É o
resíduo da antiga colonização, ao longo da ferrovia.
Esta zona vai pela BR-22 da divisa municipal Benevides-
Santa Isabel até o ramal da Colônia do Prata, a 9,3 km a leste
da bifurcação para Igarapé-Açu. De Castanha! para o norte,
a faixa dos pimentais se prolonga numa distância de 18,5 km,
na estrada para Curuçá. Estas plantações estão bem desenvol-
vidas e em plena produção. É uma zona muito povoada, com
casas relativamente boas, cercadas de fruteiras: manga, la-
ranja, banana, urucum jambo, açaí. O cultivo da mandioca
permanece aí significativo.
Chama atenção o padrão dendrítico, linear, que apresenta
a zona dos pimentais no mapa do uso da terra (Mapa V).
Como explicar êsse fato? Certamente isso não se deve ao pêso
ou volume do produto, que são pequenos; dado o seu alto
valor, a pimenta pode ser exportada de lugares remotos, como
se deu em Tomé-Açu; mas, sem dúvida, a beira da estrada fa-
cilita a colocação de adubo químico, estêrco, madeiras de ,1ei
para estacas, indispensáveis ao pimental. Facilita também a

30
introdução de mão-de -obra estranha à propriedade e talvez o
fator principal - as visitas freqüentes do dono do pimenta!,
morador na cidade, sobretudo em Belém, onde com relativa fa-
cilidade consegue financiamento do Banco do Brasil para o
cultivo da pimenta. Evidentemente, a organização de um pi-
menta! médio ou grande requer um investimento que só está
ao alcance de representantes das classes média e abastada.
Fora da faixa acima descrita, só existem importantes
pimentais em produção, na Bragantina, nos seguintes luga-
res: 1 - Na estrada de Santa Isabel a Vigia, numa exten-
são de 11 km, a contar daquela cidade (até 1 km ao sul de
Santo Antônio do Tauá). Aqui, os numerosos pimentais estão
entremeados às fruteiras, que cercam as casas. 2 - Na
Colônia Federal do Guamá, já descrita. 3 -Entre Benfica e
Benevides, e várias outras partes da zona produtora de lenha,
vizinha a Belém, onde se espalham pelas inúmeras estradas
vicinais, fugindo assim ao padrão dendrítico. 4 - Em grandes
pimentais isolados, junto de Igarapé-Açu e perto de Tauari
(Mapa V).

Faixa de expansão dos pimentais - O alto preço alcançado


pela pimenta, em decorrência da grande procura nos merca-
dos nacional e estrangeiro, favorecida, neste caso, pela baixa
cotação da moeda brasileira, tem estimulado continuamente
sua produção; por isso, a cultura da pimenta está em ex-
pansão.
A quantidade de pimentais novos que se observam na Bra-
gantina, seja na própria faixa pimenteira, seja invadindo ou-
tras zonas geoeconômicas, é enorme. As principais faixas de
expansão dos pimentais são as seguintes (Mapa V): 1 - De
Benevides a Santa Isabel, e daí até 6 km para o sul, dentro da
faixa de lenha já descrita. 2 - De 4 km a leste de Santo Antô-
nio do Tauá até a bifurcação da PA-16 com a estrada para
Pôrto Salvo. Nesta região, a situação boa, que se encontra
mais ao sul, nessa mesma rodovia, degenera um pouco. Os
ranchos são mais pobres e, embora cobertos de telhas, não
servem para repouso de gente da classe média. C.:s capoeirões e
capoeiras se alternam com as roças de mandioca, esteio prin-
cipal da economia desta área. Já, no entanto, culturas recen-
tes de pimenta, maracujá e vagem penetram na região. 3 -
Ao longo de uma estrada ao sul da estação de Baia (entre
Americano e Apeú). 4 - Na PA-15, que liga Castanha! a
Curuçá, numa extensão de 25,5 km ao norte da faixa de pi-
mentais, com um ramal até o povoado Areial. Tal como na

31
faixa n.o 3, a vegetação, aqui, também se degrada; as casas
se tornam mais pobres e mais espaçadas, e a cultura da man-
dioca se torna preponderante. Todos os pim~ntais aí são novos
e pequenos. 5- Zona de Anhanga, nas duas estradas que con-
duzem a essa cidade, onde a cultura da pimenta começa a se
inserir numa região de economia estável, produtora de frutas
e de farinha. 6 - Na PA-14, entre a BR-22 e as vizinhanças
de Igarapé-Açu, onde os pimentais se estão introduzindo nou-
tra zona frutícola. 7- Ao norte de Igarapé-Açu, numa exten-
são total de 28,5 km, com pimentais penetrando numa área
de roças de mandiuca, milho e feijão, e malva em pequena es-
cala. 8 - Ao norte de Nova Timboteua, intercalando-se em
malvais.
Faixas frutícolas -A mais desenvolvida das zonas frutícolas
da Bragantina é a que se estende pela estrada de Santa Isabel
a Vigia. Nos primeiros 11 km, a partir daquela cidade, esta
próspera região, além da pimenta, exporta para Belém frutas
frescas e produtos horti-granjeiros. 1!: uma zona densamente
povoada e com boas casas. Mais para o norte, numa extensão
de 9,5 km, os sítios com fruteiras mantêm suas boas sedes,
sendo algumas aproveitadas para repouso em fins de semana.
Existe, aliás, neste trecho uma colônia de férias, em prédio
recentemente construído.
As frutas que mais produzem aqui são limas, laranjas, ba-
nanas e abacates. Os "marreteiros" as compram e mandam
para a cidade, em caminhões fretados para êsse fim. A pimen-
ta por aqui produzida é pouca, porque os pimentais são novos.
Esta zona frutícola difere um pouco das já descritas, pelo
fato de ter pomares plantados, fora das fruteiras ao redor
das casas. As culturas de maracujá, nessas condições, têm
claramente objetivos comerciais.
O mesmo se passa com certos produtos hortícolas, como o
feijão verde (vagem), do qual vimos diversas plantações.
A mandioca permanece com produção significativa,
apesar do surto de outras lavouras mais intensivas.
Numa extensão de 10 km para o sul de Castanha!, há uma
zona bem habitada, com sítios, cujas sedes são casas pintadas
ou caiadas, e cobertas por telhas em meia calha. Cercam essas
construções, peguen...>s pomares com laranja, banana, côco,
jambo, açaí. . . (fig. 15).
A vegetação natural está relativamente bem conservada,
com predominância absoluta de capoeirões, dos quais sobres-

32
Fig. 15 - Sítio com
açaf de terra f irm e,

n a estrada Castanhal -
Inhan gapi, a 8 k m ao
sul d aquela cid ade. A
casa é pintada e co-

b erta de t elhas de
m ei a calh a . (Foto
R. M azzol a - CNG -
29-7- 65 )

saem, aqui e acolá, pelos espécimes de castanheiras, ou serin-


gueira.s plantadas.
A zona de Anhanga vai desde a junção da estrada PA-14,
ao sul de Igarapé-Açu, até o entroncamento com a BR-22. É
bàsicamente uma zona fruteira. As casas são melhores e a po-
pulação rural dispersa, porém relativamente numerosa. Ao
redor das habitações, pode-se observar grande variedade de
fruteiras , como a banana, o jambo, o côco, a m anga, o cacau, a
laranja, o cupuaçu, às quais se acrescentam café sombreado
e até a cana.
Os pimentais estão adquirindo importância cada vez
maior, mas a malva, pelo contrário, tem significado econômico
restrito, neste trecho.
3 - 37 843 33
Já a mandioca tem importância considerável em tôda a
zona, conforme se verifica pelo grande número e pelo tama-
nho dos roçados que ela ocupa, assim como pela quantidade
de casas de farinha, geralmente maiores e mais bem equipadas
que nas zonas próximas. Algumas têm prensas, em lugar do
tipiti, usual em tôda a Amazônia.
O arroz e o milho são culturas também muito exploradas,
em roças, neste trecho.
Com tal ênfase em culturas permanentes (fruteiras e pi-
menta), compreende-se logo porque junto à estrada é menor
a destruição da vegetação natural, prevalecendo os capoeirões
sôbre as capoeiras. Outra zona fruteira de relativa importân-
cia se estende pela estrada de Maracanã (PA-14), desde a
BR-22 até 5 km ao norte de Igarapé-Açu.
Embora tenha uma densidade demográfica que corres-
ponde mais ou menos à da Bragantina sua vegetação natural
não está excessivamente degradada; é composta de capoeirões
e capoeiras.
Num habitat disperso os sítios se sucedem, com as casas
cercadas de fruteiras: côco, manga, banana, até pequenos
cafezais sombreados, que não destoam do pomar.
A cultura da pimenta já adquiriu aí certa importância,
mas ainda está em progressão, conforme se pode deduzir pelo
número elevado de pimentais novos.
Já o cultivo da malva tem também pouca importância
nesta zona. Os feixes macerando em igarapés ou as varas
empilhadas à margem, quando existem, são em quantidade
reduzida. Os varais são pequenos e, num longo trecho, nem
sequer foram armados, junto às casas.
É portanto, muito provável que a principal produção
desta zona seja ainda a farinha, a julgar pelo grande número
de mandiocais que nela se observam. O milho e o feijão, tam-
bém cultivados nas .roças, completam o quadro das lavouras
básicas da alimentação.
Além das zonas fruteiras descritas, existem apenas uma,
ao norte de Apeú, ao longo do trecho em estrada nova, e as
já mencionadas, no vale do Guamá.
Apreciando as áreas frutícolas, no seu conjunto, dois as-
pectos devem ser ressaltados:
O primeiro se refere à paisagem. Não há, de modo geral,
na Bragantina, pomares muito grandes. São, quase sempre,
fruteiras reunidas ao redor de casas boas, à beira da estrada,
feitas de tijolos, pintadas e cobertas de telhas, distribuídas em

34
habitat linear disperso, constituindo um panorama agradável,
acolhedor. O fato de buscarem as habitações a margem das
rodovias dá, às zonas frutícolas, um padrão linear semelhante
ao das zonas produtoras de pimenta. Isto acontece porque,
ainda com maior freqüência que nos pimentais, os sítios fru-
teiros destinam-se sobretudo ao repouso, em férias e fins-de-
-semana. Além disso a trepidação do transporte danificaria
frutas delicadas, como a banana, o abacate, a manga, a la-
ranja ... Por tais motivos êsses sítios estão sempre junto de
boas rodovias, geralmente asfaltadas.
As propriedades frutícolas e horti-granjeiras da estrada
de Vigia (PA-16) têm explorações maiores e aspecto mais rico,
devido ao estímulo que lhes traz a proximidade de Belém. As
demais faixas na Bragantina não gozam de tal privilégio;
servem também ao consumo de centros menores, como Casta-
nha! e Igarapé-Açu.
O segundo aspecto aparentemente paradoxal das faixas
frutícolas é sua densidade demográfica, relativamente eleva-
da, e o estado da vegetação natural, bem conservado, sob a
forma de capoeirões. É tão generalizada a degradação das
matas pela população rural, na Bragantina e no Salgado, que
adensá-la numa área é quase sinônimo de degradar a vegeta-
ção. É fácil de compreender, entretanto, porque isso aqui não
acontece: as principais culturas comerciais são permanentes
e a rotação de terras se restringe aos produtos alimentares:
mandioca, milho, feijão. Em zonas, como a de Anhanga, em
que a produção de farinha ainda é importante, a observação
desde a estrada dá uma impressão falsa, visto que a lenha
para as casas de farinha provém das capoeiras situadas no
fundos dos terrenos, enquanto os pomares ficam nas fachadas,
perto das casas. Só a observação aérea dá uma visão correta.
Velha zona Bragantina - Longe das estradas, onde a obser-
vação no terreno é difícil, a velha paisagem da Bragantina foi
conservada. Capoeiras em diferentes estágios formam um
vasto mosaico, no qual se inserem roçados, aqui e ali, com
ênfase na produção de mandioca. A exploração das capoeiras
se limita ao fornecimento de lenha para as casas de farinha.
Os ranchos de caboclo, feitos de paredes de sopapo, cobertos
de palha ou de cavacos, se espalham em habitat disperso.
O sôpro renovador, que se processou ao longo da rêde de
estradas asfaltadas, não atingiu estas áreas remotas. Elas
constituem um fundo de quadro, limitando-se ao norte com a
zona do Salgado, e a leste com a zona malveira da Bragantina.

35
Além das faixas de pimenteiras e de fruteiras, já descri-
tas, poucas são as utilizações do solo que se distinguem da
paisagem de capoeiras e roças. Manchas de mata são as mais
numerosas. A nordeste de Anhanga, a "plantation" de héveas
da Goodyear, na fazenda Eremita (fig. 16), representa um
empreendimento mais vultoso que o da Pirelli, e cujas árvores
parecem estar numa fase mais adiantada de desenvolvimento.
As três ocorrências de pastagens no âmbito desta zona, uma
das quais na várzea do Maracanã, estão ocupadas por fazen-
das de criação.
Zona malveira da Bragantina - O aspecto geográfico que
distingue esta zona de suas vizinhas é a cultura da malva,
(Pavonia malacophyla), que passa para o primeiro plano na
economia.
A pimenta, produto básico da área de Santa Isabel, e
Castanha!, passa para um plano secundário.
Fora disso, sàmente tem importância a cultura dos roça-
dos, em que ao milho e ao feijão sobrepuja a mandioca. Destas
culturas alimentares, só a última produz excedentes bastantes
para permitir a exportação de farinha.
Tal como se observa na zona de Santa Isabel, as capoeiras
também desempenham um importante papel econômico, for-
necendo: lenha para alimentar os fornos das casas de farinha,
e, em menor escala, das padarias, das olarias e os fogões do-
mésticos, cavacos para a cobertura das casas rurais, e
mourões para as cêrcas.
Na cultura da malva, o agricultor derruba a capoeira e
semeia uma só vez; nas outras vêzes não precisa mais plantar,
é só tocar fogo. Podem-se passar 10 anos ou mais que, num
terreno onde ela já foi cultivada, basta roçar e queimar para
que a malva brote.
Isto prova o caráter de planta ruderal que a malva
possui. Onde entram o fogo e o sol, ela domina os demais
concorrentes. Por isso, ela é antropófila, já que só o homem
pode proporcionar-lhe êsses dois elementos, derrubando e
queimando a floresta.
A malva era, portanto, uma praga que infestava as roças
da Bragantina, até que, na década de 1930, foram descobertas
as suas qualidades têxteis. Suas fibras são mais resistentes e
mais sedosas que as da juta e, além disso crescem paralela-

36
F ig. 16 - Vista aérea da f azenda Eremita, plan tation de seringu ei r as d a Goodyear ,
perto de Anhanga. Notar o habi tat concentr ado. (F oto R . M azzola -
CNG - 5 - 8 - 65)

mente, facilitando a cardagem. Fornece, assim, um tecído


superior ao da fibra indiana.
Por isso, a malva substituiu quase completamente o algo-
dão, na Bragantina. Ela é plantada em dezembro e colhida de
julho em diante; se fôr "nascida", isto é, tendo brotado espon-
tâneamente, deve ser cortada em maio. A "nascida" não é tão
boa, porque cresce muito cerrada, dificultando a destaca, após
o corte da malva, antes do plantio de outras culturas.
O campo de malva é ocupado sàmente por esta planta.
Nos de malva "plantada", corta-se esta rente ao chão , e
aí se plantam feijão, mandioca e milho. :ti:ste, "em terra de
barro" (solo argiloso); os demais em "trrra de areia" (solo
arenoso). O arroz só se cultiva isolado.
O milho é plantado em dezembro e, chegando em maio
está sêco, quando então é tombado, para esperar a colheita.

37
O feijão é semeado em abril-maio e colhido de agôsto em
diante. É, pois, do tipo que, no sul, denominam "feijão da
sêca".
Planta-se arroz em dezembro e se colhe até junho.
Cultivam-se diversas variedades de mandioca, na Bragan-
tina. De tal forma está ela associada aos roçados, que o man-
diocal é vulgarmente conhecido lá pela simples denominação
de "roça". Ela é plantada também em dezembro. A variedade
chamada "pecuí", leva um ano para produzir; é por isso
alcunhada de "tardona". A "manivaínha" é precoce; colhe-se
aos 10 meses. Há uma variedade- a "taxi"- que produz até
18 batatas.
O diagrama da fig. 17 mostra os períodos vegetativos das
principais culturas, na Bragantina. ·
O repouso em capoeiras, nas roças da zona malveira, re-
gula entre 8 e 12 anos; há, porém, terras fracas, que exigem
nunca menos de 20 anos de descanso.
O habitat dos caboclos nesta zona é disperso. De vez em
quando, as casas se dispõem em Hujen, em pequenos tre-
chos aonde foi esboçada uma colonização. Contudo, a disper-
são não é uniforme; entre Capanema e Bragança, por exem-
plo, a densidade de população rural é mais alta.
A produção de malva deixa na paisagem marcas fáceis de
observar. Além dos malvais, as casas têm, geralmente, varais
para secagem da fibra, na frente ou do lado (fig. 18) ; feixes
de varas de malva, à beira da estrada, aguardam transporte,
ou são carregados por homens, mulheres, garotos ou anim':lis
de carga (fig. 19); nos igarapés os feixes maceram mer-
gulhados sob toras; pilhas de varas desfibradas se amontoam
nas margens (fig. 20). :msses são traços inconfundíveis das
zonas malveiras.
Os lavradores, em sua maioria, não têm título definitivo
de propriedade. Praticam a ajuda mútua. Quando podem,
pagam trabalhadores para o corte da malva, a Cr$ 1. 000 por
· dia, com comida, isto é, café da manhã e almôço; quando se
trata de trabalhador da cidade, dão também o jantar.
O comércio faz adiantamentos em espécie e em dinheiro
para os lavradores, que lhes pagam com malva, farinha e
feijão.

38
CALENDÁRIO AGRÍCOLA

OUT MAR

SET ABR

- - MALVA
JUL JUN - .. -MILHO
-·-FEIJÃO
---ARROZ
........ MANDIOCA

e co I hei to { molvo "nascido"


cult. precoces mandioca- monivoinha
Baseado no lnq.de Nova Timboteua

Flg. 17 - Diagrama dos periodos vegetativos das principais culturas na Bragantina.

39
Um dos principais compradores de malva em Capanema,
o Sr. Ichihara, assim avaliou as despesas com a produção de
malva em um hectare de terra de mata, na região, tomando
como base o salário-mínimo no Estado, em 1964 (Cr$ 31.000);

Flg. 18 - Casa de lavrador, com fibras de malva secando nos varais, a 8 km a


oeste de Taciateua, na Bragantina - Pará. (Foto Mazzola - CNG - 22-7-65)

Flg. 19 - Cabocla carregando feixes de varas de malva para macerar, na rodovia


PA-24, a 7,5 km a sudoeste de Timboteua Velha. (Foto R. Mazzola- CNG- 27-7-65)

40
Flg. 20 - Igarapé com malva macerando e varas ao lado, junto à BR-22, a 24 km
a leste de Castanh.al. (Foto R. Mazzola - CNG - 22-7-65).

II

Preço Preço
ATIVIDADE Homem/Dia Unitário Total

1. Broca, derruba e queima de roçado 16,5 1 600 26 400


2. Encoivaramento .... 10 1 600 16 000
3. Sementes de malva (20kg) .... . . 520 10 400
4. Plantio ... 8,5 1 660 13 600
5. Capina ..... . 6,5 1 600 10 400
6. Corte e Maceração ..... 330 1 600 528 000
7. Transporte até a estrada de rodagem
(1 650 kg a Cr$ 3,00/kg) ... 4 950

TOTAL DAS DESPESAS Cr$ .. . 609 750

41
Os esclarecimentos abaixo são indispensáveis para a
compreensão da tabela supra:
O cálculo das despesas com pessoal - repita-se - é ba-
seado no salário mínimo.
O preço do quilo de sementes regula com o de 2 quilos de
fibra de malva.
Entende-se por corte e maceração a série de operações
que abrangem: fazer o corte, os feixes de varas o mergulho
n'água, a agitação das fibras 17 e o enrolamento' das mesmas.
A produção média de fibra em 1 hectare de mata é de
1~. 650 kg de malva. Conforme se vê, o total teórico das despesas
com a produção de 1 hectare de malva é de Cr$ 609. 750. O
quilo de malva custa ao produtor Cr$ 369, para o tipo 5. 1 8
A fibra meio molhada "quebra" 6% no pêso.
A produção média de Capanema, discriminada pelos tipos
de malva, é a seguinte:
40 % do tipo 5;
45 % " " 7•
'
5% " " 9.
Como a juta do Amazonas dá safra antes, em setembro
Ja se sabe: quando a safra lá é grande, o preço da malva
baixa; quando é pequena, o preço na Bragantina sobe.
Pelo tipo 5, o nosso entrevistado paga ao produtor
Cr$ 265; pelo tipo 7, Cr$ 260. O tipo 9 não é adquirido puro;
entra escondido na mistura de fibras, dentro do fardo.
A Bragantina produz cêrca de 6.000 toneladas de malva.
Somente a CATA vai consumir 10.000 toneladas de malva,
quando estiver em pleno funcionamento; logo, vai haver fu-
turamente maior procura.
As terras da região estão cansadas; deviam ser adubadas.
A principal produção vegetal do município de Capanema
é a malva.
1r Para se separar as fibras do caule, procede-se de maneira Idêntica ao que
se faz com a juta; para separar, depois, as flbms da casca, a técnica é mais simples
para a malva: basta agitar as fibras, várias vêzes, na super!lcle da água.
'" Os tipos comerciais da fibra de malva sáo classificados, em ordem decres-
cente de qualidade, respectivamente, segundo os tipos 3, 5, 7 e 9. O primeiro só
tem existência teórica.

42
Acontece que na Bragantina quase não existem mais
matas. O custo de produção de um hectare de malva deve, por
conseguinte, ser avaliado para terras de capoeira, despesas
essas que assim foram discriminadas pelo mesmo informante:

III

Preço Preço
ATIVIDADE Homem/Dia Unitário Total

1. Broca, derruba e queima de roçado 16,5 1 600 26 400


2. Limpeza ...... . .............. . .... 20 1 600 32 000
3. Corte e maceração . ...... .. ... . ... 132 1 600 211 200
4. Preparo da terra .................. 10 1 600 16 000
5. T ransporte (Carreto) até a estação
(660 kg. a Cr$ 3,00/kg.) ........ . 1 980

TOTAL DAS DESPESAS Cr$ ......... ... ..... . .... . 287 580

Para o cultivo da capoeira é preciso primeiro brocá-la,


tarefa difícil porque ela é muito fechada. Não se faz aí plantio
de malva, porque esta brota sàzinha.
A produção de fibra de um hectare de capoeira é de 660
quilos. O total de despesas que isso envolve é da ordem de
Cr$ 287. 580. Conforme se deduz daí, o preço de custo do quilo
de malva nessas condições é de Cr$ 435.
Ora, se o quilo da malva do tipo 5 é vendido pelo agri-
cultor a Cr$ 265 (a maioria dos compradores paga apenas
Cr$ 260, no máximo) , deduz-se, tanto da tabela III, como da
tabela li, que a lavoura da malva é deficitária.
Se o produtor de malva é capaz, contudo, de se manter
nessa atitude, apesar do deficit no balanço de contas, isto se
deve a uma compressão do seu poder econômico, que torna
o seu nível de vida muito inferior ao que teria se êle se asse-
gurasse o salário mínimo.
Também para o comprador a exportação da malva
acarreta muitas despesas, conforme se especifica na tabela
abaixo, por quilo de fibra:

43
IV

Despesas por
DISCRIMINAÇÃO kgjMalva

1. Impôsto de I ndústria e Profissões (5% sôbre 250,00) (municipal) 14,00


2. Impôsto do Produtor - 12%.. .. . ........................ 30,00
3. I mpôsto de vendas à vista... . 31,20
4. Carrêto da Colônia a Belém .. ... .. . . . . . . . . . . . 20,00
5 . " Quebra" de pêso. . ....... . . . . . . . .... 20,00
6 . Frete marítimo até Santos, SP. . . . . . . . . . . . . . . 35,00
7. D esconto do Banco (de duplicatas) a 120 dias.. 42,00
8. Seguro marítimo .. 8,00
9. Capatazia. . .. . . .... . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6,00
10. Comissões (2%) . . . . . . . . . . . . . . . . 10,20
11. Enfardamento.... . .. . . . . . . . . . . . . . 30,00

246,40
Custo da Malva .. . . Cr$ 260,00
TOTAL DE DESPESAS .. Cr~ 506,40

Preço de venda: CrS 510,00


Lucro: Cr~ 3,60

Se o total das despesas por quilo da malva colocada em


Santos é de Cr$ 506,40, e o preço da fibra naquela praça é
de apenas Cr$ 510, seria justo concluir, de acôrdo com o se-
nhor Ichihara, que o comércio da fibra de malva não é muito
melhor que a sua produção, pois também dá prejuizo. Efetiva-
mente, a escassa margem de Cr$ 3,60 de lucro não seria su-
ficiente para cobrir sequer os juros dos empréstimos efetuados
ao comerciante. ~ste, em geral, alega que se mantém no negó-
cio da malva, mais para guardar a freguezia, e na esperança
de que uma safra reduzida de juta, em setembro próximo, per-
mita melhor margem de lucro. Na realidade, porém, a sua si-
tuação no negócio da malva nada tem de comparável à do
produtor; o que êle deixa de ganhar no comércio da fibra,
garante em lucros nos aviamentos fornecidos ao agricultor.
Mantida a mesma estrutura de comercialização, a
cadeia não é elástica. O lucro do comprador é obtido graças a
uma compressão ainda maior no poder aquisitivo do malveiro,
porque os preços no aviamento são sistemàticamente majo-
rados.
A situação do produtor de malva é miserável mas não
totalmente sem esperanças. A instalação de grandes usinas
de fiação e tecelagem em Belém, como a CATA, reduziu

44
o gasto de comercialização da fibra, porém isto não trouxe até
hoje nenhuma vantagem para o lavrador. O aumento da
· circulação de mercadorias, através da Belém-Brasília, tam-
bém concorrerá para baratear o custo de vida na Bragantina
e para libertar o malveiro dos fornecimentos do "aviador".
Tudo isso levará tempo, e para obter melhores preços para
a fibra, os produtores terão de se organizar. Existem já coope-
rativas incipientes, cuja fundação foi provocada pelo Banco de
Crédito da Amazônia (ECA), como condição para o finan-
ciamento aos lavradores. 1!:stes, porém, são muito individualis-
tas; não adquiriram ainda consciência social capaz de os con-
vencer de que, sàmente estruturados em classe, poderão obter
o mínimo a que têm direito. Por outro lado, estas cooperativas
derivam de uma noção simplista de cooperativismo; são ainda
mal estruturadas e recebem os créditos do ECA com atra-
so sistemático: quando o cooperado recebe a primeira parcela
do financiamento, já realizou a derruba, a queimada, a des-
taca e o plantio; são atividades que exigem despesas; a uma
altura destas, já está completamente endividado com o co-
merciante mais próximo, que lhe adiantou o necessário, atra-
vés do sistema de aviamento.
Ao contrário do que se passa com as faixas da pimenta e
das frutas, a zona malveira se espraia nos espaços afastados
das rodovias principais. Isto se explica pelo fato de que a
malva se entrosou à perfeição com o sistema de roças, tradi-
cional dos caboclos, e, também, porque êstes, embora não ape-
gados a um torrão, vivem adstritos às suas lavouras; não de-
pendem de longas viagens de idas e vindas entre elas e sua
residência permanente.
Refletindo as condições naturais, o colar de cidades da
Bragantina apresenta, geralmente, núcleos estagnados se não
decadentes. St:ria incorreto afirmar que todos êles conheceram
outrora dias de notável esplendor. As cidades da Bragantina
jamais conseguiram, no passado, desenvolver uma função
industrial importante. Permaneceram como centros comer-
ciais (Statdpldtze) modestos; favorecidas aquelas servidas
pela E~trada de Ferro de Bragança, pela função de mudança
d.e me1<? .de transport.e (Umschlagplatz) para as populações
circunvizinhas. A capital paraense era a praça comercial que
as abastecia.
Alguns núcleos, antes servidos pela ferrovia decairiam
ainda mais, após a paralisação da estrada de fe;ro, se uma'
nova estrada de rodagem não lhes viesse servir. 1!:stes casos,

45
porém, são raros, visto que a rede de rodovias asfaltadas na
Bragantina é a mais densa, fora da região sudeste do Brasil
(Mapa IX).
De modo geral, no entanto, as cidades da Bragantina não
decaíram de maneira assustadora, visto que o desenvolvi-
mento da cultura da pimenta e da malva despertou certa ati-
vidade comercial nesses centros, representada por comprado-
res e armazéns de firmas atacadistas. O abastecimento dessas
cidades é, entretanto, deficiente, porque excluindo-se a fari-
nha, o arroz, o feijão, o milho, ovos e galinhas, quase todos os
demais alimentos são importados e custam caro.
A abertura da Belém-Brasília trouxe sensível melhoria,
não só quanto a êste aspecto, como quanto ao comércio em
geral, conforme se verá mais adiante.
Dentro da zona dos pimentais, Santa Isabel é um peque-
no centro estagnado, embora tenha possuído vitalidade su-
ficiente para estender sua área urbana, outrora centralizada
ao redor da estação ferroviária, até junto à rodovia BR-22.
Mas a ação centralizadora de Belém exerce sua fôrça atrativa
em relação à população dessa cidade; tanto assim que o censo
escolar, realizado em 1964, acusou um pequeno decréscimo da
população de Santa Isabel; assim em 1960 o quadro urbano
abrigava 4.857 pessoas e, em 1964, 4.312.
Castanha! foi mais feliz; sua posição, face ao sistema de
estradas da Bragantina - Salgado, lhe conferiu o papel de
nó rodoviário: com estradas para Curuçá e Marapanim, a
PA-15 e a PA-25; para Inhangapi; para Belém e Capanema e
acesso à BR-14, através da BR-22 (Mapa IX).
Só esta posição que explica o crescimento de Castanha!
em direção ao eixo mais importante, representado pela BR-22.
Sendo parada obrigatória dos caminhões que trafegam
pela Belém-Brasília em direção à capital paraense, hotéis, res-
taurantes bares, bombas de gasolina, oficinas mecânicas,
casas co~erciais, fábricas de móveis, passaram a se localizar
na BR-22 ou próximo a ela.
A cidade de Castanha! apresenta, por isso, atualmente
dois aspectos distintos: A "cidade velha", origem do núcleo e
que se desenvolveu em função da estrada de ferro, tem as
casas antigas pequenas, muitas das quais encontram-se fe-
chadas ou em ruínas; a parte nova possui construções mo-
dernas, com umas em fase de acabamento, em tôrno da BR-22.
Assiste-se a um crescimento urbano, que significa uma reto-
mada de atividade comercial, que a estrada lhe proporcionou.

46
RÊDE RODOVIÁRIA DA REGIAO DE SELEM (SALGADO ~ 8RAGANTINA ,N OR1"E DA GUAJARINAl

E ST RADA ASfALTADA
E ST RADA NÃO PAVIMENTADA
ORGANIZ AD O POR : I RENE GARRIDO FILHA
E STRADA EM CONSTR UÇÃ O
FONTE O. E . R. _PARA.

Mapa IX
Tal fato pode ser confirmado pelo exame comparativo da po-
pulação de Castanha! nos anos de 1950, 1960 e 1964
(Tabela V):
V- POPULAÇÃO

CENSO Municipal Urbana Rural

1950 .... o . 14 261 2 969 14 621


1960 .. 21 618 9 528 21 618
1964 .. 24 790 13 588 11 202

Pelo quadro acima verifica-se, não apenas uma ascensão


constante da população urbana, mas também uma recente
superioridade da população que vive nos quadros da cidade
em relação ao elemento rural; uma vez que a participação do
elemento urbano na população do município foi, respectiva-
mente, 27,07 %, em 1950, 44,07 %, em 1960 e 54,8 % em
1964.
:li:ste crescimento populacional não pode ser explicado
apenas pela crise agrária que caracteriza a Bragantina; êle
reflete, antes de mais nada, a ampliação dos setores serviços e
indústria em Castanha!, oferecendo melhores possibilidades
de trabalho. A cidade passou assim a exercer uma fôrça atra-
tiva em relação às populações das áreas adjacentes.
Na zona malveira, Capanema desfruta de condições se-
melhantes, mas não tão excepcionais como Castanha!.
Capanema é também nó rodoviário: estradas a ligam
diretamente com Belém e com a zona pioneira do leste da
Bragantina (a BR-22), com Bragança (a PA-25), com Sali-
nópolis, bem como com Ourém e Capitão Poço (a PA-13)
(Mapa IX). Além disso, a fábrica de cimento (fig. 24) pro-
porcionou novos horizontes de trabalho e nova atividade para
o núcleo.
É a que possui a melhor praça comercial entre as peque-
nas cidades da Bragantina- Salgado. Abastece-se direta-
mente no sul goiano e sudeste brasileiro, através da BR-14. É
responsável, em grande parte, pelo abastecimento da zona
malveira da Bragantina e controla o comércio da fibra, em
relação à área que a circunda.
A transferência da rota do gado, para a BR-22, conferiu-
-lhe a função de redistribuidora de carne para as demais ci-
dades que lhe ficam próximas, inclusive Salinópolis nas

48
épocas de veraneio. Para sua feira semanal escoa a produção
das áreas vizinhas. As diversas linhas de "paus-de-arara"
(fig. 21), nas mais variadas direções facilitam o acesso à sua
feira de pessoas vindas de outras cidade e povoados.

F!g. 21 - o " pau -cU - arar a" , t r anspor t e t t pico da Bragantina, que substituiu a
estrada de ferro. Cid ade d e Gapanema; à direita, a estaç ão ferrov iária. (Foto R .
M azzola - CNG - 24- 7-65).

Êstes fatos explicam o crescimento verificado na po-


pulação de Capanema no período 1960-1964; em 1960, mora-
vam nos quadros urbano e suburbano 9.687 pessoas; o censo
escolar em 1964 já acusava uma população de 11.779 habi-
tantes em Capanema.
Tudo isto demonstra a importância que Capanema vem
tomando em relação à área malveira da Bragantina.
O mesmo não se verificou quanto a Bragança, um dos
mais antigos núcleos urbanos paraenses. Fundada em 1662,
durante muito tempo foi a segunda cidade do Estado; a im-
portância que desempenhava como pôrto foi acrescida com
á de ponta de tril:ho, após a construção da estrada de ferro. As
ligações entre Belém e São Luís tornaram-se, então, mais
constantes, desempenhando Bragança o papel de interme·-
diária nas relações comerciais. Dêste comércio sobrevive, em
escala muito reduzida, o do sal e o do camarão sêco.
Esta antiga posição de ponta de trilho não foi, de modo
algum, compensada pela situação de extremo de rodovia as-
faltada. O esgotamento das terras a quase tôda sua volta re-
duziu de muito a produção agrícola nas cercanias. A grande
transferência do caminho boiadeiro para a BR-22, mais ao
sul, refletiu-se desfavoràvelmente na produção do fumo, já
4 - 37 843 49
ultrapassada pela de Irituia. Sobrevive sua condição de entre-
posto do sal e do gêsso, (êste vendido para a fábrica de ci-
mento de Capanema), provenientes do Maranhão.
Mas, de seu antigo esplendor, Bragança ainda conserva
suas boas casas, suas praças, enfim um melhor aspecto como
cidade do que os demais núcleos da Bragantina (fig. 22);
desempenha ainda uma função educacional, relativamente
importante; é das poucas cidades paraenses onde o ensino
médio apresenta-se diversificado.

Flg. 22 - Pra ça Marechal D eodoro da Fonseca, em Bragança . (Foto R . Mazzola -


CNG - 26-7-65) .

Bragança · ainda exerce fôrça atrativa para a população


que a crise agrária repele do campo. Presencia-se, por isto,
um crescimento constante de sua população: 5.495 habitan-
tes, em 1950; 12.842, em 1960; 18.842 habitantes, em 1964.
Fora do eixo rodoviário Belém-Bragança, os centros são
mais acanhados e refletem um marasmo total, como Iga~
rapé-Açu e São Francisco do Pará (antiga Anhanga); as po~
pulações rurais migram em direção a outras cidades ou para
as franjas pioneiras da Guajarina. Seus estreitos e estagnados
quadros urbanos não apresentam possibilidades de trabalho;

50
são cidades que acusaram um decréscimo de população em
1964.
Assim, Igarapé-Açu que, em 1960, possuía 12.880 habi-
tantes, em 1964, tinha apenas 9. 341. Outros parecem procurar
novas funções, como Peixe-Boi, que esboça uma atividade de
veraneio com pequeno balneário fluvial e reduzida produção
de leite e mel. Tracateua mantém pequena atividade nas pe-
dreira.c; de granito; mas Nova Timboteua, embora com três
compradores de malva, aparenta sintomas claros de deca-
dência.

F!g. 23 - R elêvo r egular e capoeiras baixas do Salgado , na Rodovia PA-24 , a 2,5 km


ao norte da bijurca çiío par a San ta·r êm-Nôvo . (Foto R . M azzola - CNG - 27-7-•65) .

Migração também numerosa faz-se da Bragantina-Sal-


gado para Belém, constituída ou de famílias inteiras, que vão
viver em condições de subemprêgo nos subúrbios da capital,
ao longo da BR-14, ou de mulheres de tenra idade, que vão
engrossar a.c; tristes fileiras da prostituição, praga social que,
hoje em dia, assume em Belém proporções alarmantes.
Embora com um surto industrial relativamente notável, a
Capital não pode oferecer empregos para tamanha massa de-
mográfica, responsável pelo engorgitamento da população ur-
bana e suburbana, que passou de 255. 218 habitantes, em 1950,
para 359.988 em 1960, e 406.323 em 1964.
Zonas de degradação econômica - Ainda mais triste e
desoladora é a paisagem das zonas de degradação econômica,
que cercam a Bragantina pelo norte e pelo leste. São capoeiras
baixas que se estendem a perder de vista, nas superfícies quase
horizontais (fig. 23). A população é rarefeita e composta ex-

51
Flg. 24 - Velho ca-

boclo do Salgado, a ?
km ao sul de 111ara-

'anã. Porta de pau-a-

-pique e tranca. (Fo-

to Mazzola - CNO
- 27-7-65)

clusivamente de caboclos miseráveis (fig. 24). Seus ranchos


pobres estão dispersos não sàmente ao longo das principais
estradas, mas também em picadas transversais, sendeiros que
permitiram a penetração e destruição generalizada da flo-
resta.
Existem diferenças de pormenores entre a paisagem da
faixa ao norte, que é o Salgado e a de leste, da BR-22.
No Salgado, grande quantidade de palmeiras se ergue
sôbre as capoeiras baixas e as macegas (fig. 25). As casas são
de sopapo mas cobertas de palha. Tal adaptação ao meio re-
sulta da extrema pobreza da população que não tem outro re-

52
curso senão deixar a cobertura de cavacos, já que a zona é
muito devastada, e aproveitar a folhagem das palmeiras.
Na zona degradada da BR-22, ocorrem, no meio das ca-
poeiras baixas, não palmeiras, mas elementos do cerrado,
como a lobeira (Solanum sp).
l.Tm traço comum a tôdas as zonas degradadas desta re·
gião é a importância relativa que nelas adquire a cultura da
mandioca. Isto não significa que sua produção seja necessària-
mente grande, mas a farinha é, pràticamente, o único produto
comercial, ao passo que na Bragantina vendem-se, também
para o mercado, a tapioca, o tucupi e as folhas da maniva.

Fig. 25 - Roça de milho e mandioca, invadida pela uacima, a 24 km a._ sul de


Maracanã, na estrada nova para Igarapé-Açu. Notar a quantidade de palmeiras.
(Foto Mazzola - CNG - 28-7 - 65)

O beneficiamento da mandioca é feito em casas de fa-


rinha pequeninas e toscas, dispersas aqui e ali (fig. 26).
Existem, nas faixas de degradação, também culturas
comuns à zona Bragantina como a da malva, da pimenta e de
gêneros de subsistência, como o feijão e o milho; mas tôdas
em campos pequenos, esparsos, sem expressão geográfica, nem
econômica.
A principal mudança qualitativa no quadro econômico
de certas partes do Salgado é a total substituição da maiva
pela uacima (Urena lobata), que, como aquela, se adapta per-

53
feitamente ao sistema de roças. A uacima conserva, também,
suas características de planta ruderal. É, contudo, uma planta
de menor valor; sua fibra tem cotação mais baixa e a julgar
pela quantidade de feixes macerando nos igarapés, e pelas

Flg. 26 - Casa de farinha, pouco a leste do povoado km 74 na BR-22. Notar a


cobertura de palha e o aparelho rústico para esticar o tipiti. (Fo1X> M.azzola -
CNG - 24-7-65) .

varas amontoadas em suas margens, proporciona, ademais,


menor rendimento por hectare. É cultivada em solos mais es-
gotados; ela é, entretanto, mais copada, tem fôlhas largas e,
pela maneira como invade os roçados, dá impressão de mais
agressiva (fig. 27).
É fácil compreender o fenômeno da degradação da vege-
tação natural, assim como o da decadência agrícola, no Sal-
gado, em conseqüência da secular exploração predatória dos
seus solos; como explicá-lo, porém, na BR-22 a leste de Ca-
panema, onde o povoamento se processou no mesmo período
que no resto da Bragantina? Tal explicação se encontra no
fato de que a população de iniciativa, que nela vivia, deve ter
migrado para a zona recém-aberta pela estrada, a leste, e mais
ainda para as frentes pioneiras da Belém-Brasília e de Capitão
Poço, na Guajarina. Longe das cidades e das melhores vias de
comunicação, ela decaíu mais do que a própria zona Bragan-
tina.

54
Os limites desta zona decadente vão desde a junção da
BR-22 com a PA-25, junto da cidade de Capanema, até
32,5 km para leste, numa invernada a 6,5 km antes do povoado
Dr. Miranda.
Prosseguindo neste rumo, a ocorrência cada vez mais fre-
qüente de restos de mata ainda em pé, denota o início de uma
zona pioneira. A atividade agrícola repõe a produção de malva
em altos níveis, com uma paisagem semelhante à de Capitão
Poço, embora não se lhe compare, quanto ao porte dos pés de
malva. Também as culturas típicas de roças- mandioca e o
milho - adquirem importância. Os pimentais se mantêm
insignificantes: são pequenos, novos e espaçados.

Flg. 27 - Roça de mandioca invadida pela uacima, a 24 km ao sul de Maracanã,


na estrada nova para Igarapé-Açu. (Foto Mazzola - CNG - 28-7-65) .

Um novo tipo de aproveitamento do solo distingue, no


entanto, esta da outra zona pioneira citaaa: são as inverna-
das. Ao contrário do que se passa com as invernadas de Para-
gominas, abertas na mata de terra firme, as daqui se situam
geralmente em várzeas e seus pastos são mal cuidados, inçados
de ervas daninhas. As vêzes encontram-se currais no meio
dêstes pastos.

55
A causa de haver aqui tais invernadas, e não na zona de
Capitão Poço, é que esta estrada vai para o Maranhão, de onde
provém a maior parte do gado que abastece a Bragantina,
Ourém e a própria zona de Capitão Poço. A BR-22 está subs-
tituindo a estrada tradicional, pela costa, porque a viagem a
pé é mais curta (fig. 28).

Flg. 28 - Ponta de gado vindo do Maranhão para o Pará pela BR-22, perto do rio
P iritoró. ( Foto Mazzola - CNG - 24-7-65).

Esta mudança no itinerário das tropas de gado deve estar


concorrendo para diminuir a cultura do fumo no Salgado.
Como é típico das franjas pioneiras, a população aqui se
adensa e a terra é ocupada por posseiros. A rêde urbana se es-
trutura ainda de maneira elementar, em Strassendorjer
largos, com função comercial incipiente, sucedendo-se ao
longo da rodovia. São aglomerados quase todos sem nome, de-
signados pelo número de quilômetros: Colônia 47, o 74, o 84.
O relêvo aqui é mais ondulado que nas áreas à sua rc··
taguarda; não tanto devido à erosão fluvial, visto que o único
rio importante é o Piriá, mas, bàsicamente, em virtude da

56
ocorrência da sene Gurupi, pré-cambriana, que mostra, nos
cortes, xistos muito empinados, assimilados por alguns geó-
logos à série de Minas.
O rio Piriá constituiu o limite das observações efetuadas
pela equipe nesta zona.
Existe, contudo, no Salgado, um tipo de cultura que não
pode ser incluído entre as técnicas predatórias lá empregadas:
é o da lavoura do tabaco. Êste é aí um cult.ivc tradicional.
Durante o "inverno", isto é, a estação chuvosa, as várzeas
próximas às embocaduras dos rios ficam ensopadas de água.
O gado é delas retirado e colocado em pastos na terra firme.
A noite os animais são guardados nos currais, próximos às
casas, sendo soltos pela manhã do dia seguinte.
No "verão", quando as pastagens do tabuleiro ficam
sêcas demais, o gado é criado à sôlta nos campos de várzea.
Gerou-se, assim, um habitat disperso, em que as casas
dos peões se dispõem num padrão anárquico, do tipo que os
geógrafos franceses denominam "tiro de chumbo" (coup de
plomb) , tendo junto delas os currais e os pastos, já que os
cuidados com os bovinos lhes exigem mais trabalho. As roças
ficam mais afastadas, separadas geralmente tanto dos campos
de várzea, como das pastagens de terra firme, por matas e
capoeiras (Mapa X).
Aproveitando, então, o período da estação da sêca, o solo
estercado dos currais é arado e, em seguida, planta-se o fumo,
obedecendo-se à mesma técnica da "terra virada", já descrita
em Irituia.
Não é lícito afirmar que o sistema de cultivo em currais
seja intensivo, pois pode ser praticado em áreas de pecuária
extensiva, como a do Salgado, empregando pouca mão-de-
obra; mas, sem dúvida, é um sistema racional, visto que con-
serva perfeitamente a fertilidade do solo.
O mesmo sistema agrícola foi empregado na cultura do
trigo, até o comêço do século XIX, quer nos Campos Gerai.s
do Paraná, quer na Campanhha gaúcha, segundo descreveu
Saint-Hilaire, . em ambos lugares. 19
Orlando Ribeiro o observou no Norte de Portugal, de onde
provàvelmente o referido sistema se teria transmitido ao
Brasil.2°
10 Saint- H ilai re: " D escri ção dos Campos Ge r ais": in Boletim Geog ráf ico,
ano VII, n .0 76, j ulho 1949, pp . 371-382, e " Viagem ao R io Gra nde d o Sul (1820-
-1 821 ) ". Biblioteca Brasileira, Série V , Brasiliana, 404 pp. C ia. Edlt. N ac. S ão P a ulo
1939 . •
0
" Orlando Valver de: "Planal to M e r idional do B rasil". Ediçíio d o Conselho Ntt-
ciona l de Geografi a. Rio de J a n eiro, 1957: pág. 122.

57
opf'oa. DG /SAI- DILZA

~
PASTOS NAO '
ALAGAVEIS
Ld VALES ALAGAVEIS

MATAS

EJ. ROÇAS

o CURRAIS NO INVERNO

• CASAS
FUMAIS NO VER AO

Mapa X
A mais antiga descrição do sistema de "cultivo de currais",
é encontrada, porém, no livro "Cultura e Opulência do Brasil",
de André João Antonil, 21 aplicado ainda uma vez na cultura
do tabaco, na parte ocidental do Recôncavo baiano, no prin-
cípio do século XVIII. Hoje em dia, entretanto, aí não mais
se adota tal sistema; os fumais são adubados com estêrco
adquirido em outras partes e para lá transportados em carro-
ças ou caminhões.
Em Arapiraca, Alagoas, também a cultura do fumo foi
intensificada, embora um vestígio da velha técnica tenha
permanecido na denominação do fumal, mantida até hoje:
curral de fumo.
Tudo indica, portanto, que o sistema de "cultivo em
currais" esteja estreitamente vinculado à pecuária extensiva.
A designação "sistema de currais móveis", adotada por
Eugênia G. Egler 22 para o sistema agrícola em causa, não
nos parece, contudo, rigorosamente apropriada, visto que, na
estrada do Telégrafo, tivemos oportunidade de observar um
sólido curral, muito bem construído, onde tal sistema era
praticado, não parecendo constituir exceção.
A cultura do fumo no Salgado é feita principalmente em
Urumajó (atualmente denominada Armando Corrêa), nos
Campos de Baixo e Campos de Cima, ao norte de Bragança,
e, em menor escala, em outras partes vizinhas a essa cidade,
centro mais importante da comercialização regional do pro-
duto, na região Bragantina-Salgado.
Nos trabalhos de campo, a equipe observou currais de
fumo, nos trechos seguintes: na Estrada do Telégrafo, espar"'
sos numa extensão da ordem de 30 km, desde 6 km, a leste
da ponte sôbre o rio Caeté até 6 km a oeste do igarapé
Emboraí Grande; num pequeno trecho da estrada de Prima-
vera a Quatipuru, entre os kms. 6 e 7, a contar daquela cidade.
Em nenhuma das duas áreas observadas a produção de tabaco
é expressiva.
O retraimento da lavoura do fumo na região está ligado
à decadência da criação de gado, causada pelo esgotamento
dos solos de terra firme e, particularmente, pela carência de
pequenos elementos minerais, que provocam degenerescências
nos bovinos.

!!1 A. J. Antonil - ··cultura e Opulência do Brasil". 7." ediçl!.o. Conselho Na-


cional de Geografia - ffiGE - 104 pp. com anotações de O . Valverde, pág. 60.
"" E. G. Egler, op cit. p. 548 .

59
A cultura do fumo está, então, mais dependente do gado
que por ali transita a pé, vindo do Maranhão para abastecer
Belém e os principais núcleos urbanos da Bragantina. Se,
porém, os bois passarem a vir pela BR-22 diretamente a Ca-
panema, ou se forem trazidos de caminhão através da BR-14
o futuro da lavoura do fumo, no Salgado, estará sêriament~
comprometido.
Embora quase sem expressão econômica, a pecuária exten-
siva é ainda a forma de utilização da terra que subsiste nos
campos de terra firme, como nos de Vigia e nas macegas de
Quatipuru, assim como nas grandes várzeas, representadas
no mapa V.
A rêde de cidades do Salgado é constituída de grupos
com três funções diferentes: os centros comerciais, os centros
pesqueiros e os de veraneio.
O primeiro grupo compreende os Stadtpliitze situados
sôbre as principais rodovias. São núcleos acanhados, com
traçado linear (Strassendorf), cuja única rua é a própria
estrada. Evidentemente, a pavimentação da estrada foi um
sensível melhoramento para êsses pobres centros urbanos,
tanto mais que o transporte de mercadorias vindas de Belém
ficou muito facilitado. Isto, porém, não lhes melhorou a sorte,
porque sua freguezia não é aquela que transita de automóvel,
ônibus ou pau-de-arara, mas a população local, que continua
com baixíssimo poder aquisitivo. Pelo contrário, o melhora-
mento dos transportes facilita o êxodo da população, fazendo
com que o comércio local perca substância.
Os núcleos urbanos dêste grupo são os únicos, na região,
que não dependem dos rios ou do mar, situando-se, por isso,
no interior. São exemplos dêles os povoados que se encontram
na rodovia Castanhal-Curuçá (PA-15), respectivamente a
6 km, 12 km (São Pedro) e 29 km (Cajumbinha), ao sul desta
cidade.
Os centros pesqueiros do Salgado são geralmente velhos
núcleos situados no interior de estuários, pois as embocaduras
são de difícil acesso, pelos motivos já expostos. A fachada
urbana dos mais evoluídos aglomerados dêste tipo está vol-
tada para o rio e é constituída de casas velhas, muitas das
quais em ruínas. As ruas mais para o interior são estreitas,
dispostas em xadrez, com casas pequenas, geminadas, dando
frente diretamente para a rua (fig. 29). Denotam uma típica
influência cultural portuguêsa. As próprias igrejas guardam
o estilo barroco português (fig. 30), e não o barroco brasileiro,
que tanto evoluiu no Sudeste do Brasil.

60
Fig. 29 - Vista de
uma rua de Vigia,

tomada de uma
das tórres da Matriz

da cidade . ( F ot o
R. M azzola - CNG
- 30-7-65) .

Êsses núcleos urbanos são vestígios da corrente de povoa-


mento que outrora fluiu do mar para o interior. Conservam
ainda a sua tradicional atividade como a mais importante:
a pesca.
Primavera também se inclui neste grupo de cidades, pois
remete peixe para Capanema e até Paragominas; contudo,
a proximidade de uma região agrícola mais importante dá-lhe
um aspecto melhor, mais renovado que o da generalidade dos
portos de pesca do Salgado. Sua vida econômica e social mais
intensa não se desenrola na margem do rio, mas em tôrno
de uma praça.
As aldeias de pescadores mais modestas contam muitas
dezenas. Ligam-se às rodovias principais através de caminhos

61
carroçáveis. Suas choças cobertas de palha, a miséria de sua
população despertariam horror, se não estivessem situadas
em locais tão pitorescos. Recreio, perto de Marapanim, é uma
aldeia com tais características.
Dentre os centros pesqueiros, os que mais evoluíram fo-
ram Vigia e Maracanã.
Neste pôrto instalou-se uma grande indústria, financiada
pela SPVEA, destinada não só a beneficiar e fabricar conser-
vas com o pescado regional, mas também com peixes de alto-
-mar, a qual deveria vender, ademais, subprodutos, como o
óleo e a farinha de peixe. A emprêsa possuía uma sólida
construção (fig. 31), apropriada para aquela indústria, com-
plexa maquinaria, cais próprio, um barco de 10 toneladas
de carga útil e três montarias, a motor e a vela. Os planos
foram ambiciosos, pois previam até a pesca do bacalhau. no
banco de Terra Nova.
Tôda essa aparelhagem só funcionou, no entanto, no
dia da inauguração.
:t!:sse empreendimento, iniciado em 1956, suscitou ásperas
polêmicas, terminando num recente inquérito policial-militar.
Em 1964, o acêrvo da fábrica foi comprado por outra com-
panhia, mas seus novos dirigentes não sabem ao certo o que
fazer dêle. Já cogitaram de montar uma usina de açúcar;
Fig. 30 - Matriz de Vigia em estilo barroco português. (Foto R . Mazzola - CNG
- 30-7-65).
no entanto, já adquiriram três barcos na Holanda, que vão
pescar lagostas e vendê-la em Fortaleza. Tal atividade, porém,
não utilizará as instalações da fábrica.

Fig. 31 - Cais e prédio d.a Provimi S .A ., em M ar acanã. (F oto R . Mazzola - CNG


- 28-7-65) .

É flagrante a semelhança dêste caso com os de indústrias


de óleo de babaçu, montadas no Maranhão, em São Luís e
Quelru, no após-guerra, e que tombou em ruínas. Houve nes-
tes casos, crédito excessivamente fácil e falta de planeja-
mento.23
Se houvesse intuito desonesto, na iniciativa de Maracanã,
como crêem alguris, não teria havido investimentos tão vul-
tosos: câmaras frigoríficas enormes, depósitos de gêlo, moto-
res, oficina mecânica, salmouras e fôrmas de gêlo, grupos
geradores, depósitos com redes de nylon e cortiças; enfim.
máquinas e instalações diversas, a começar por uma boa
construção, nova e apropriada. Os abusos premeditados aos
financiamentos da SPVEA, ao contrário, deixaram pouquís-
simos ou nenhum vestígio, além das fôlhas dos processos.
Tudo leva a crer que faltou, antes de mais nada, asses-
soria econômica ao empreendimento. Para se montar uma
fábrica de tal vulto, que ia consumir diàriamente 20 tone-
ladas de matéria-prima, tornava-se indispensável um cuida-

23 Orla ndo Va l verde - ' 'G eografia E conômica e Social do B a baçu no Melo
Norte". S ep arata d a R ev. Bras. G eog ., a no XIX, n .• 4, out .- d ez. 1957, pp . 402-4.

63
doso planejamento de economia industrial, partindo do fluxo
regular de pescado e chegando até as perspectivas de mer-
cado para os diferentes produtos.
Numa região onde se aplicam técnicas pesqueiras tão
atrasadas, mais prudente seria implantar aos poucos a indús-
tria, só passando a fase mais avançada, quando a anterior
estivesse bem sucedida econômicamente. Poder-se-ia começar,
por exemplo, pela fabricação de farinha de peixe, comprando
inclusive matéria-prima de outros, e pela salga e secagem do
pescado. Mais tarde, passar-se-ia aos enlatados, por hipótese,
e assim por diante.
Na realidade, a pesca em Maracanã não está desenvol-
vida; a colônia de pesca não funciona, por falta de organi-
zação. Existe lá uma pequena cooperativa de pesca, a qual,
para iniciar a exportação, adquiriu dois barcos motorizados.
A população local consome mais peixe do que carne, e
todo o excedente de produção é vendido ao longo da estrada
de rodagem, principalmente em Igarapé-Açu, chegando até
Belém.
O caranguejo também tem grande importância econô-
mica. Sua exportação, em 1964, foi de 40 000 parreiras, tôda
ela remetida de caminhão para Belém.
Vigia é o maior centro pesqueiro do Pará. Em virtude de
sua posição próxima a Belém, serve ainda de entreposto para
a lenha, que é comprada nas ilhas próximas e remetida para
a capital.
Dada a importância da pesca, Vigia recebe sal do Ma-
ranhão (fig. 32) e redistribui uma parte dêle pela costa do
Amapá, até Oiapoque, através de canoas freteiras. Estas são
embarcações que navegam somente a vela, pois são despro-
vidas de motor.
Originou-se assim, também, um comércio regular com a
costa ocidental do Maranhão. Os barcos trazem sal grosso e
levam telhas. A viagem de vinda é rápida, porque as embar-
cações vão beirando a costa; porém, a viagem redonda, de
ida e volta, leva um mês e meio.
No bairro de Arapuanga, em Vigia, há um depósito de
sal e montagem para o seu refinamento.
A pesca em Vigia é feita nos bancos da embocadura da
baía de Marajá, que se prolongam por 30 a 50 km pelo mar
a dentro.
As embarcações de pesca não são muito pequenas; as
maiores são tripuladas por sete homens cada uma e carregam

64
Fig. 32 - D esemb ar-
que de sal do Mara -

nhão, em Viyia.

(F oto Mazzola -
CNG - 30 - 7- 65)

1 100 a 1 200 quilos de pe1xe, no valor de 500 a 700 mil cru-


zeiros. Faz-se pesca de linha e de rêde. Cada pescador usa
um espinhel com 80 anzóis, que chega até 15 braças (33 me-
tros) de profundidade. As redes de nylon alcançam até 400
braças (880 metros) de comprimento.
A pesca está relacionada com a maré. Nas marés de sizí-
gia, a correnteza é mais forte; são as chamadas "marés de
lance". Os barcos evitam, nessa época, ir para alto mar,
porque durante a vazante não podem regressar. Protegem-se,
então, junto ao cabo Maguari, ou deixam-se ficar nos igarapés.
Aí, no "inverno", faz-se também a pesca por "tapagem", que
no sul é chamada de "curral de peixe".
5 - 37 843
65
Quando as canoas estão cheias de pescado aproveitam
para regressar, aproveitando as "marés de quebra", isto é,
as de quadratura, porque as águas correm menos.
Nos bancos da baía de Marajá pescam-se peixes de pele:
a gurijuba, a piramutaba, a dourada. O peixe de escama vem
da costa do Maranhão.
Na época da Semana Santa, dada a grande procura de
peixe, os pescadores enfrentam as "marés de lance" de equi-
nóxio e avançam 12 a 24 horas, além das águas do Amazonas,
para o alto mar, sem bússola, nem qualquer outro instru-
mento. Guiam-se então pelas estrêlas, por meio do almanaque
Brístol, e esperam o primeiro dia de "quebra", para chegar
no terceiro.
Os proprietários que possuem muitas canoas reservam
geralmente uma para o abastecimento das que estão em ·ser-
viço, a qual lhes vai ao encontro, levando a suas tripulações
principalmente farinha e água potável.
O produto da pescaria é dividido em duas partes: me-
tade fica para o dono da canoa; a outra metade para o pes-
cador, que a divide com a tripulação. Êstes, porém, nada
recebem, pois vivem endividados com o "patrão" pelos avia-
mentos que lhes fornece, tais aviamentos constam de quero-
sene, tabaco e cachaça, além de gêneros alimentícios para a
família do pescador.
O dono da canoa vende ao "marreteiro" e deduz da dívida
de cada pescador a quantia que deveria pagar a cada um
dêles.
O pescado pode ser vendido fresco, salgado ou sêco. O
primeiro é levado para Belém, pela rodovia, nos caminhões
dos marreteiros, que fazem a intermediação. Êstes são nego-
ciantes eventuais, típicos biscateiros, sem organização nenhu-
ma. Vão vendendo o peixe nos subúrbios, até liquidar o res-
tante de sua carga num dos mercados da capital.
O peixe salgado é preparado no local da pesca, e vai para
Castanha!, para o vale do Guamá para Belém-Brasília (até
o km 48).
Só 0 espadarte é vendido sêco. A secagem é feita ao sol
nos "tendais", e o peixe sêco é chamado "atirá". O pêso médio
do referido pescado é de 16 arrobas.
Em Vigia, extrai-se ainda o grude de gurijuba. A expor-
tação dêsse produto, que se faz unicamente para a Inglaterra,
alcançou 2 000 cruzeiros e a exportam por 2 500/ kg.
O município de Vigia vive exclusivamente da pesca. Uma
falha nesta atividade produziria um colapso econômico na
cidade; por isso existe o entreposto de sal.

66
É fácil de compreender, pela observação direta, o signi-
ficado que tem a pesca para Vigia, pelas instalações no pôrto,
pela população dela dependente e, sobretudo, pelo número
de embarcações nêle dispersas e atracadas, em aparente de-
sordem (fig. 33). A própria denominação dada aos barcos
de pesca demonstra não ser isto uma atividade passageira,
mas uma ocupação tradicional: são as "vigilengas".
As cidades balneárias do Salgado têm tanto maiores
possibilidades de florescer, quanto mais belas e mais acces-
síveis forem as praias onde estejam situadas. Tôdas elas se
originaram como centros pesqueiros. Uma, porém, criou ati-
vidade industrial accessória, que lhe deu o nome: Salinas,
hoje denominada Salinópolis. Justamente esta se tornou o
principal balneário do Salgado, tendo as demais funções
entrado em completa decadência.
Ligada por estradas asfaltadas à Bragantina e a Belém,
Salinópolis tornou-se, no após-guerra, um centro de recreação
procurado por famílias da classe média superior e pequena
parte da classe abastada. Sua população pulsa, em conse-
qüência, com pletora nos períodos de férias, quando o abas-
tecimento se torna difícil e o custo de vida caríssimo, e êxodo
nas estações mortas, quando a cidade fica vazia.
A nova função deu a Salinópolis uma paisagem urbana
totalmente distinta da que se vê nos demais centros do Sal-
gado. Em vez das casas vetustas e acanhadas, das ruas es-
treitas, típicas dos núcleos pesqueiros, vêem-se lá vivendas
modernas e confortáveis, hotéis, ruas largas e bem calçadas,
praças bem cuidadas, onde passeiam pessoas elegantemente
vestidas. Com isso, Salinópolis se tornou, em compensação,
mais desligada da região que a circunda.
Outros núcleos do Salgado, porém, não atingiram êste
grau de desenvolvimento.
Marudá, por exemplo, perto de Marapanim, está adqUI-
rindo, agora, essa nova função, como local de veraneio para os
representantes da classe média inferior; mas nela sobrevive
sua antiga função - a pesca.
As casas são rústicas, de madeira. A cidade cresceu em
direção à praia e, ao longo desta, com apenas uma única
linha de habitações construídas sôbre estacas. A beira da
praia algumas possuem varandas frontais.
A alimentação consta quase que exclusivamente de peixe
fresco, arroz e farinha. O sistema de abastecimento de luz
é precário.
A estrada que a liga a Marapanim é estreita e está em
mau estado; há uma linha de ônibus que a liga diàriamente
à capital paraense.

Franja florestal - Já vimos acima, como as matas de


igapós e de várzea vizinhas ao Guamá foram preservadas em
grandes áreas, em virtude da forte incidência de malária e
a reduzida valorização econômica das margens do rio. Para
leste, a faixa de mata de terra firme que separa o Pará do
Maranhão tem ainda 100 km ou mais de largura, tendo sido
devastada apenas na faixa costeira e na nova picada da BR-22.
Pelo oeste e pelo norte, ocorre, no entanto, uma faixa estreita,
talvez descontínua, de siriubais. Esta formação é uma das
raras florestas naturais homogêneas que ocorrem na Ama-
zônia. O seu habitat são os solos hidromórficos, intrazonais,
não consolidados, da fímbria costeira, inundados diàriamente
duas vêzes pelas águas salobras da maré.
Sobrevoando-se a costa do Salgado, pode-se observar que
muitos terrenos representados, no mapa III, como de latosso-

68
los, estão na realidade, cobertos de siriubais. Trata-se, entre-
tanto, de um pormenor, que não compromete o valor da
carta. ~ 1 Apenas serve para alertar o leitor que, onde houver
tal discrepância entre os mapas III e V, deve prevalecer êste
último.
Tanto as pequenas e raras manchas de mata, poupadas
à devastação no interior da Bragantina, como as da moldura
florestal da região, são objeto de uma atividade extrativa
rudimentar. Dos igapós do vale do Guamá tira-se açaí; das
matas de terra firme, extrai-se, num ou noutro lugar, lenha
ou madeira-de-lei; mas, sôbre a lama frouxa dos siriubais,
ninguém penetra a pé. Por essa razão, e pelo pouco valor da
Avicennia, suas associações têm sido preservadas. Elas ser-
vem apenas como viveiros de caranguejos, apanhados em
maior escala na época da "suata", quando êle sai com as
primeiras chuvas.

O uso da terra na Bragantina e no Salgado, à luz da teoria


de von Thünen- A policromia do mapa V deixa, à primeira
vista, uma impressão de que o uso da terra, nas zonas Bra-
gantina e do Salgado, segue um padrão caótico, ao acaso, como
o desenho de um calidoscópio .
À medida que o assunto é estudado com mais profundi-
dade, no entanto, o padrão das faixas econômicas vai-se
configurando cada vez mais obediente a uma ordem lógica.
Outrora, procuravam os geógrafos, influenciados pelas
idéias de Ratzel, explicar o uso da terra sempre baseados nas
condições naturais. Comparando-se, porém os mapas III e
V, verifica-se que a relação entre os grandes grupos de solos
e os sistemas agrícolas, nessa região, é muito frouxa. Há,
por exemplo, uma correlação entre os solos hidromórficos dos
siriubais e a economia exclusivamente coletora (apanha de
caranguejos); mas não é uma correlação absoluta, quer di-
zer, recíproca, nem mesmo apenas dentro da região, pois
há uma área coletora a leste, em solos de terra firme. Na
maior parte dos solos de igapós e de várzeas do Guamá, ainda
prevalece a economia coletora: apanha do açaí e extração
de madeiras. E êsses são solos do tipo glei.
Poderiam, então, relacionar, os ratzelianos, a economia
coletora com os solos intrazonais. Mas, como explicar com o
mesmo fundamento, as culturas da banana e do arroz de
brejo, tão importantes nas referidas várzeas?
:a S ão c omun s e j ust ificãveis semelha n tes ilnp recisões, Ptn regiões que não
dispõe m d e uma b ase car togr á fi ca p r ecisa.

69
Talvez ainda possam argumentar os deterministas que
esta frouxidão nas relações entre sistemas agrícolas e solos
deriva do conhecimento ainda superficial que temos dêstes
últimos. Uma vez que se descesse a um levantamento das
iséries, fases e catenas, sôbre uma base cartográfica mais
perfeita, tais correlações iriam surgir em sua plenitude. Isto
é verdade; mas também não é menos verdadeiro que jamais
os fatôres físicos, não apenas os solos, mas igualmente o
clima, a morfologia, as moléstias endêmicas etc. serão sufi-
cientes para explicar, de maneira completa o padrão do uso
da terra, mutável no espaço e no tempo, ainda que dentro
de uma região relativamente pequena, como a Bragantina-
Salgado.
Os fatôres naturais têm, na maioria das vêzes, um papel
limitativo no uso da terra de uma região de povoamento
antigo, de acôrdo com o nível técnico alcançado pelos seus
habitantes. Nas zonas de povoamento nôvo, o fator fertilidade
de solo desempenha, ainda função importante, na escolha dos
terrenos cultivados extensivamente para obtenção de produtos
valorizados. Não é êste, porém, o caso na Bragantina e no
Salgado.
Nessa região, à medida que o mercado de Belém se de-
senvolve, torna-se cada vez mais clara a preponderância do
fator econômico, dispondo-se as faixas de uso da terra, em
ordem da utilização mais intensiva para a mais extensiva,
à proporção que cresce a distância itinerária da capital do
Estado. A boa rêde de rodovias asfaltadas e a relativa unifor-
midade de relêvo e dos solos contribuíram para êsse resultado.
O esquema do uso da terra na região em causa foge,
entretanto, ao padrão inicial, imaginado por Thünen, em que
o mercado principal estaria localizado no centro do Estado
Isolado. Muito ao contrário, o referido esquema se ajusta
razoàvelmente bem ao padrão n. 0 2, em que Thünen situou
o principal mercado na periferia, banhado por um rio nave-
gável, tendo alguns centros secundários espalhados dentro
da área do Estado 25 (Mapa XI) .
É preciso levar ainda em conta que, embora povoada de
longa data, a região Bragantina-Salgado tomou uma feição
altamente dinâmica, em virtude da expansão do mercado de
Belém, como aliás vem acontecendo com todo o leste paraense.
Fora da área propriamente urbanizada da capital do
Estado, pode-se distinguir bem uma faixa de expansão urbana,
00 Leo Wa!bel: "A teoria de von Thünen sôbr e a Influência da dlstã.ncla do
mercado relativamente à utilização da terra - Sua a pllcaçã.o a Costa Rica". In
Capítulos de G eografia Tropical e do Brastl, pág., 103 . IBGE-CNG, Rio, 1958.

70
Cortogroma do esquema do Uso do Terra no ''Estado Isolado'; de
Thünen, em que o mercado principal é banhado por um r i o na-
vegável .

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Mapa XI

que deveria ser chamada zona zero, visto que sua utilização
agrícola é pràticamente nula. A terra alcançou aí excessiva
valorização para que os que a adquiriram queiram utilizá-la
na agricultura. Especulam então no mercado imobiliário,
aguardando valorização ainda maior, sem aproveitar o solo,
salvo talvez extraindo ou arrendando a extração de lenha das
capoeiras que crescem espontâneamente. Instituições sociais,
quer públicas, quer privadas, como repartições do govêrno,
asilos, sedes campestres de clubes, todos exigindo muito es-
paço, terrenos mais baratos e proximidade ao centro, instala-
ram-se nesta faixa. Êsses grandes lotes alternam-se com sítios
de fim-de-semana e cartazes à beira da estrada, erguendo-se
sôbre capoeiras, anunciando loteamentos.
A Zona I é constituída pela faixa de lenha, acima des-
crita e delimitada (Mapa XII). No início de sua descrição,
afirmou-se que tal tipo de uso da terra poderia parecer es-
tranho àqueles não habituados à Geografia tropical. De fato,
em muitos países temperados, a exploração do carvão mine-
ral, que supre os principais mercados de combustível a baixo
prêço, torna inexistente semelhante faixa. Na Idade Média,
porém, devido ao atraso técnico, mesmo em tais países, todos

7i
os centros urbanos importantes eram circundados por um
anel florestal, destinado ao fornecimento de lenha. Nas regiões
tropicais, no entanto, êsses anéis de lenha subsistem, não em
conseqüência de atraso técnico, mas devido sobretudo à ca-
rência de hulha. As cidades brasileiras, de modo geral, não
escaparam a essa regra, pois se podem observar claramente
faixas de eucaliptais e capoeiras ao redor de São Paulo, Rio
de Janeiro, Pôrto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Recife e
outros núcleos menores. Belém está nesse rol. Um estudo
mais pormenorizado desta faixa conseguiria provàvelmente
distinguir dentro dela duas subdivisões: a interna, mais pró-
xima de Belém, em que a lenha é vendida in natura; a ex-
terna, mais afastada, em que a lenha é primeiramente trans-
formada em carvão, antes de ser comercializada. ~ste produto
sendo mais leve e alcançando maior preço do que a lenha,
suporta fretes mais elevados.
A faixa de capoeiras para lenha, ao redor de Belém está
invadida por hortas, pomares e pimentais. É comum haver
interpenetração entre hortas e a faixa de lenha, já que elas
são contíguas, observando-se, por isso, ao redor de outras ci-
dades do país, como São Paulo e Rio, por exemplo. Os pomares
e pimentais, no entanto, são culturas organizadas -em sítios
de repouso da classe média e abastada. Os pimentais, con-
forme foi dito acima, são geralmente novos e pequenos, e
representam uma iniciativa de representantes destas classes,
estimulados pelo alto preço da pimenta e pela estrutura cria-
da para comercializar o produto.
Essas culturas invasoras, ao contrário do que se passa
na faixa onde elas predominam, não se dispõem aqui num
padrão linear, mas em manchas relativamente largas, em
virtude da boa rêde de estradas.
A facilidade de comunicações por canoa com Belém, de
que certas franjas ribeirinhas desfrutam, como as das ilhas
próximas a Vigia, permite a extensão da faixa de lenha até
essas áreas.
As faixas hortícolas constituem a zona 2. O mercado ain-
da restrito que Belém apresenta para os produtos horti-gran-
jeiros, torna esta zona pouco diferenciada, acanhada e des-
contínua. Em direção à capital, conforme foi dito acima, as
hortas disputam o terreno com as capoeiras; de Santa Isabel
para o norte, as lavouras de feijão verde se concentram na
mesma beira de estrada que as culturas de maracujá, e na
colônia do Guamá cultivam-se hortas ao lado de pimentais e
fruteiras, na terra firme, e de arrozais, na várzea. As téc-

72
nicas intensivas aí aplicadas na cultura do arroz de brejo
e as condições naturais particularmente favoráveis explicam
a presença dêste cereal numa faixa tão próxima.
Os hábitos alimentares da população paraense, tão mais
inclinada ao consumo de frutas que ao de verduras, pro-
vocou um desenvolvimento muito maior da zona n. 0 3, de
fruticultura.
Das numerosas faixas fruteiras que no mapa V se ob-
servam, três são inquestionàvelmente fornecedoras de Belém:
a da estrada de Vigia (PA-16), a da colônia do Guamá e a
do vale do Guamá e seus baixos afluentes.
Alguns centros secundários da Bragantina, que, pelas
razões acima expostas, não foram capazes de formar anéis de
hortas ao seu redor, puderam, em compensação, dar origem
a faixas dendríticas de fruticultura bem desenvolvidas. É êsse
o caso de Castanha!, Capanema e Igarapé-Açu, por exemplo.
Já foi explicado antes, o desenvolvimento linear assumido
pelos pomares; mas não ficou claro acima que o pequeno
tamanho dêles deixa entrever que a maior parte de sua
produção esteja destinada ao consumo de seus proprietários
e respectivas famílias. Sàmente um estudo mais aprofundado
poderá confirmar ou não esta hipótese.
A diferença de condições naturais entre o vale do Guamá
e as outras áreas frutícolas, levou-os a uma certa especiali-
zação. Nas terras úmidas do Guamá produzem-se, em maior
quantidade, a banana, o mamão, as frutas cítricas e o açaí;
nos terrenos enxutos da Bragantina dão com mais abundân-
cia: o maracujá, a manga, o côco, a melancia, o abacaxi, o
abacate, o jambo etc.
A várzea do Guamá e afluentes é a mais extensa das
faixas frutícolas: chega até Irituia, mas não alcança Ourém.
O transporte fluvial, fácil e barato, explica o seu grande
comprimento; mas certamente não basta para compreender
a interrupção das culturas por longos trechos de mata. Só
a marcha do povoamento esclarece êsse fato: embora devas-
sado em época muito remota, o Guamá permaneceu despo-
voado até as proximidades de 1940, exceto nos velhos centros
estagnados de suas margens, como Ourém, São Miguel, Irituia,
Inhangapi e suas imediações. As más condições de salubri-
dade faziam .do Guamá uma barreira ao povoamento, antes
que um cammho. O contrôle da malária permitiu fôsse êle
ocupado por agricultores e uma ou outra fazenda de O'ado·
, - o '
mas como suas varzeas estao ainda hoje, em grande parte,
cobertas de matas, sua potencialidade de povoamento está
longe de ter sido alcançada.
O centro de onde partiu a iniciativa da cultura da pi-
menta no Pará foi a colônia japonesa de Tomé-Açu. Entusias-
mados com os resultados e favorecidos pela estrutura mer-
cantil, criada em Belém para o produto, os proprietários das
vizinhanças de Santa Isabel e Castanha! lançaram-se ao seu
cultivo. Mas, enquanto em Tomé-Açu a pimenta é o susten-
táculo único das famílias dos colonos, os quais, mesmo quando
não trabalham diretamente na terra, lá permanecem como
empresários, na Bragantina os donos de pimentais são, na
maioria, citadinos. Não se aventuram, por isso, a cultivar
pimentais grandes. Em geral, colocam-no perto da casa, na
fachada do lote. Formam-se, assim, faixas de Thünen numa
escala microgeográfica dentro de uma propriedade, com a
cultura intensiva da pimenta próxima à casa e o fundo do
terreno utilizado no sistema de roças, com ênfase na pro-
dução de mandioca.
A faixa dos pimentais representa a zona n.o 4, que, em
virtude do alto preço da pimenta, se expande em tôdas as
direções, como que agredindo suas vizinhas.
A grande faixa de roças que circunda os pimentais da
Bragantina equivale à zona econômica n.o 5. Conforme foi
dito acima, ela está em geral, fundiàriamente ligada à zona 4.
Constitui como um fundo de quadro, que não foi modifi-
cado, por estar longe das vias de comunicação. O seu produto
comercial por excelência é a farinha, de acôrdo com a tradição
regional.
Mais para leste, penetra-se na zona 6, que é a faixa da
malva. Como explicar, porém, que a malva esteja mais distante
de Belém do que a mandioca, sendo aquela um produto de
valor unitário mais elevado? Realmente, neste ponto, o es-
quema teórico de Thünen é perturbado pela estrutura fun-
diária. Os caboclos malveiros são, porém, independentes dos
donos de pimentais. Pudessem êles entrar na cultura da pi-
menta, certamente o fariam, como pequenos ou médios lavra-
dores, já que ela proporciona rendimentos mais elevados, que
a malva; não dispõem, no entanto, de capital para isso, con-
forme vimos acima.
A malva e a mandioca são produzidas pelo mesmo sis-
tema agrícola - o de roças -, tanto que na zona n. 0 6 as
duas culturas estão associadas na rotação de terras e figuram
ambas (fibra de malva e farinha de mandioca) como pro-
dutos comerciais. Mas uma propriedade que vende pimenta
e farinha é, sem dúvida, mais rentável do que outra que
vende malva e farinha, logo as primeiras têm precedência.

74
Além disso, o poder aquisitivo mais elevado dos donos de
pimentais permitiu-lhes escolher a localização mais propícia.
A zona malveira também demonstra grande capacidade
de expansão. E assim o provou com a extensa penetração ao
longo da Belém-Brasília, em direção ao sul, conforme veremos
adiante.
A zona n.o 7 é a faixa de degradação econômica. O esgo-
tamento dos solos já não permite nem o cultivo da mlllva.
A uacima veio então substituí-la em parte, embora com ren-
dimentos mais baixos.
Na faixa a leste de Capanema, ao longo da BR-22, a
farinha de mandioca permanece, entretanto, como produto
comercial básico. A uacima, e muito menos a malva, não
competem com ela.
Em têrmos de sistema agrícola, o mais correto seria cons-
tituir uma só faixa econômica - de número 5 - onde pre-
valece o sistema de roças. Esta faixa seria então subdividida
em subzonas: a) para a faixa da mandioca (velha zona Bra-
gantina); b) para a faixa malveira, e c) para a faixa de
degradação econômica, com ênfase na uacima e na mandioca.
Êste quadro ficaria assim estabilizado e harmônico, se
a abertura da estrada pioneira da BR-22, mais para leste, não
tivesse vindo perturbar o esquema. Uma nova zona malveira,
mais longínqua, foi então aberta pelos lavradores que mi-
graram da área decadente vizinha, e, mais afastada ainda,
uma zona de invernadas precede o sertão. Em linhas gerais,
um padrão de ocupação da terra se instalou aí, semelhante
ao do norte da BR-14, conforme veremos, numa escala, entre-
tanto, mais modesta.
As largas várzeas dos baixos cursos fluviais, na parte
norte, assim como a estrada do Telégrafo, favoreceram a ins-
talação de grandes fazendas de pecuária extensiva e a orga-
nização da cultura do fumo pelo sistema de cultivo em currais.
Analisando-se devidamente o Mapa X, pode-se, mais uma
vez, verificar a aplicação da lei de Thünen numa escala micro-
geográfica: a partir da casa, a faixa n.o 1 é representada
pelo curral, onde a cultura do tabaco corresponde à atividade
mais intensiva; a faixa n.o 2 é o pasto de inverno, na terra
firme, onde o vaqueiro tem que tratar do gado do patrão
(dar-lhe sal, recolhê-lo, soltá-lo etc.), bem como limpar o ter-
reno de ervas daninhas. A terceira faixa é a da roça de subsis-
tência, na qual o vaqueiro trabalha nas épocas do plantio e
da colheita, desenvolvendo atividade especialmente árdua, na
primeira delas. A última faixa é a das várzeas, onde no "ve-

75
rão" se instaura um típico sistema de livre pastoreio . As
capoeiras e matas secundárias exercem, aqui, pouco mais
do que um papel de cêrcas naturais, isolando as roças dos
pastos (quer de terra firme, quer de várzea).
Esta é a zona n. 0 8. O seu limite com a de n.o 7 não ficou
muito preciso, por tôda parte, durante as observações de
campo.
Nas terras de ocupação relativamente antiga, na Bra-
gantina e no Salgado, seguia-se àquela, a última zona, de
n. 0 9, composta de matas, onde predomina o extrativismo.
Eram as matas de igapós e de várzea do Guamá e afluentes,
e os siriubais, ao norte e a oeste.
Dentro dêste contexto da ocupação do solo, como se po-
deria justificar cientificamente a localização das reservas
florestais e das "plantations" de borracha, no interior da
Bragantina?
A preservação de áreas florestais, isoladas dentro da
região, não constituem uma faixa econômica, no verdadeiro
sentido da expressão. Dependem da iniciativa pessoal dos
proprietários das terras onde estão situadas, tendo em vista
constituir reservas de madeira, ou evitar o desgaste do ~olo ,
ou por outro qualquer motivo.
As "plantations" poderiam ser instaladas em qualquer
lugar da Bragantina-Salgado. Tratando-se de formas econô-
micas destinadas a produzir uma mercadoria de alto valor
para o mercado nacional, em qualquer parte da região há
facilidade de acesso ao pôrto de Belém . Portanto, o principal
fator para a localização delas deve ter sido o baixo preço da
terra.
O estudo das faixas econômicas de Thünen na Bragan-
tina-Salgado, não tem interêsse meramente acadêmico, como
presumem alguns. Ela não é apenas a única teoria que per-
mite explicar cientificamente os sistemas de utilização do
solo; mas fornece, outrossim, elementos preciosos para o pla-
nejamento regional. Por exemplo, se os administradores tives-
sem sido devidamente alertados, por certo não estariam
tentando organizar a faixa leiteira de Belém ao longo da
BR-22, onde as condições edáficas são desfavoráveis à pecuária
intensiva. No vale do Guamá, a criação de gado leiteiro seria
muito mais fácil, com pastos e forrageiras plantados na várzea
e na terra firme, tendo, além disso, o escoamento do leite
líquido facilitado, por via fluvial, como se faz em Manaus
com o leite proveniente do Careiro.
76
Cogita-se agora de organizar uma "plantation" de d~ndê
na Bragantina. Parece que, também, por uma questão de
preço de terras, ficará ela situada perto de Igarapé-Açu.
Levando em conta que a localização de "plantations" é indi-
ferente, dentro da região, seria preferível colocá-la no Sal-
gado, onde o crescimento espontâneo de palmáceas é um
sinal evidente de condições ecológicas favoráveis àquela fa-
mília botânica.
A abertura de duas novas estradas- a BR-14 e a BR-22
-, assim como o contrôle da malária e a ampliação do mer-
cado de Belém, estão modificando ràpidamente as faixas eco-
nômicas, sobretudo na Guajarina, até que uma nova situação
de relativo equilíbrio se estabeleça.
Considerando-se o caráter antropocêntrico da Geografia,
pode-se afirmar, sem temor de êrro, que as zonas da Bra-
gantina e do Salgado formam a principal área-problema de
tôda a região amazônica.
O estado de deplecção dos seus solos tem alarmado a
maioria dos técnicos que estudaram a região a tal ponto que,
com freqüência, êles perdem a objetividade, mergulhando num
pessimismo estéril.
O esgotamento dos solos numa região em que se aplica
o sistema de roças significa apenas que a densidade demo-
gráfica crítica para as condições ecológicas da área foi
ultrapassada. Os fatos comprovam, portanto, que êsse limite
crítico, na Bragantina-Salgado, está abaixo de 9 habitantes
por quilômetro quadrado (Mapa UI).
Quais as soluções possíveis para êsse problema?
Em alguns casos, as autoridades têm apelado para a
emigração forçada, como uma saída imediata para aliviar
a pressão demográfica. O inconveniente maior desta provi-
dência é ser uma solução momentânea, pois, sem se modificar
as premissas, a tendência é para se restaurarem as condições
anteriores, dentro da área-problema. Além disso, o modus
faciendi é antipático; por isso, na maioria das vêzes, ela tem
sido adotada em casos de guerra, em países militarmente
derrotados. Mesmo aplicada disfarçadamente, dentro de um
mesmo país, ela afeta a liberdade de locomoção dos seus
habitantes. Nas vêzes que o govêrno brasileiro procurou exe-
cutar tal medida, o resultado foi negativo.
No fim do século passado e comêço do atual, com o surto
da borracha, o govêrno apenas canalizou a emigração de
nordestinos para a Amazônia. Embora com sofrimentos para
os migrantes, a ocupação dessa região foi um fato e a extra-

77
ção do látex foi acelerada; mas para o sertão do Nordeste
não trouxe nenhum melhoramento duradouro.
No tempo da ditadura Vargas (1937-45), procurou-se in-
fluir o povo para que fôsse instalar-se no Brasil Central. A
iniciativa ficou no "slogan". Só depois que se criaram condi-
ções atrativas - colonização do Mato Grosso de Goiás, cons-
trução de Brasília e abertura da BR-14 - a migração se
fêz espontâneamente. Nada também se modificou nas áreas
de emigração.
Mais recentemente, a SUDENE pretendeu "aliviar a
pressão demográfica" no Nordeste semiárido, transferindo
1 000 000 de nordestinos para a hiléia maranhense, organi-·
zando aí uma colonização planejada (Projeto Celso Furtado).
O resultado foi: Não conseguiu trazer mais de 50 000 pessoas;
não conseguiu evitar a devastação predatória com roçados de
arroz, na região do Pindaré e Alto Turi; não proporcionou
níveis de vida dignos e humanos aos colonos, nem, por fim,
alterou em nada a arcáica estrutura agrária do sertão do
Nordeste.
O mais aconselhável, por conseguinte, será não adotar
semelhante política, em relação à Bragantina.
Alguns técnicos têm proposto uma solução ainda menos
realista que a dos administradores. Como o mal básico é a
roça, ou melhor, a queimada, propõem êles simplesmente
proibir as queimadas, o que em última instância, significa
pôr fora da lei o sistema de roças.
O tema mereceria uma análise profunda, se não fôsse
ridículo. Já que o caboclo só sabe produzir gêneros de sub-
sistência pelo sistema de roças, a execução de tal dispositivo
proibitório equivaleria a determinar que tôda uma população
fôsse impedida de comer, durante longos anos, a propósito
de se evitarem perdas ou se fazer economia.
O único país que parece ter tomado medidas legais dêsse
gênero foram as Filipinas. Proibiram lá a abertura de roçados
("caifigins") em terras públicas, a menos que o agricultor
esteja devidamente autorizado pelo Serviço de Silvicultura,
após comprovar que a mata não tem valor comercial e com-
prometer-se a semear espécies florestais, no local, depois do
cultivo. Apesar de que o govêrno filipino sustenta numerosa
guarda florestal provida de cavalos, não conseguiu evitar que
18 % da área total do país se transformasse naquilo que cha-
maríamos sapezais (lá denominados "cogonales"), sem
qualquer valor agrícola. 26
"" K . J. Pelzer: "Ploneer Settlement in the Aslatic Troplcs". Amer. Geogr. Soe.,
Speclal Publ. n ." 29, pp. 16-41. New York , 1945.

78
Muitos técnicos não levam em conta, ou ignoram mesmo,
que o sistema de roças não é predatório pela sua própria
natureza. Pode ser empregado numa região, durante séculos,
até milênios, sem jamais esgotar o solo. l!:le passa a exauri-los,
sàmente quando a população dêle dependente ultrapassa certa
densidade crítica. l!:sse limite varia de uma região para outra,
de acôrdo com as condições ecológicas. O ideal seria, portanto,
conhecer previamente êsse "ponto de saturação" para cada
área a ser colonizada. Infelizmente, tais elementos não são
disponíveis, no Brasil, mesmo em colônias cuidadosamente
planejadas.
Ao enfrentar o problema, os colonizadores holandeses
e inglêses no sul e sudeste da Ásia agiram de maneira muito
mais científica do que os filipinos. Conseguiram convencer
os nativos das vantagens em intercalar culturas comerciais,
sobretudo lavouras permanentes, nos seus roçados. Assim, fo-
ram êles espontâneamente conduzidos a se tornarem seden-
tários, quer pela fixidez dos seus campos, quer pelos seus
vínculos com o comércio local. ~ ~
Pois bem, os agricultores da Bragantina já deram os
passos iniciais nesse sentido, introduzindo a pimenta, a malva,
a uacima; e qual foi a atitude dos técnicos? Nenhuma assis-
tência foi dada aos produtores de pimenta (particularmente
os japoneses), porque êles estão geralmente bem, ganhando
dinheiro. Deve-se esperar que a miséria lhes bata à porta,
para então fazer alguma coisa? E há coisas a fazer, conforme
se verá adiante; quanto à malva e à uacima, nega-se assis-
tência aos produtores, não porque já estejam na miséria, mas
porque cultivam plantas ruderais. Um técnico não sendo
ignorante deveria saber que a maioria das plantas cultivadas
pelo homem, hoje em dia, foram também, outrora, ruderais
(trigo, cevada etc.). A aquisição de novas culturas comerciais
representa não um atraso, mas uma conquista para a civili-
zação.
Sàmente em 1965, em decorrência da pressão de políticos
e administradores, concordaram os técnicos do IPEAN em
iniciar pesquisas sôbre a malva. Agora, indicados os objetivos,
devem-lhes ser dados os meios para atingi-los.

2) Guajarina
O limite natural entre a "região de Belém" (Bragantina-
Salgado) e a Guajarina é o rio Guamá. A principal diferença
"' id .. i b ic!.

79
entre uma e outra consiste em que a Guajarina constitui,
no momento, uma área de expansão da Bragantina-Salgado.
Logo que se deixa as margens do Guamá, a quantidade
muito maior de restos de mata primitiva e de capoeirões,
permite concluir que se trata de uma região, que se carac-
teriza pela ocupação recente das áreas de terra firme. Em
seu conjunto distinguem-se três grandes eixos de penetração
- a bacia do Acará, a Belém-Brasília e a bacia do alto Gua-
má, trazendo como conseqüência as franjas pioneiras de Tomé-
-Açu, da Belém-Brasília e a de Capitão Poço.
Do ponto-de-vista geológüco, somente nas margens do
médio e baixo Guamá nas margens do Acará e igarapés que
para êle convergem e nas do baixo Capim encontram-se ter-
renos sedimentares fluviais recentes. Mas são pequenas
faixas, muitas vêzes descontínuas, de pouca significação no
presente estudo. Na bacia do Acará e no baixo Capim os ter-
renos datam do Holoceno; pertencem à formação Boa Vista
(de sedimentos argila-arenosos) e à formação Pará (composta
de areias e argilas acamadas, nas quais se encontram nódulos
de blocos soltos de um arenito ferruginoso, denominado are-
nito-pará ou pedra pará).
Mas, ao norte da Belém-Brasília, o calcário Pirabas, que
aflora, de vez em quando, na valeta da estrada até 51 km
ao sul do Guamá, é recoberto mais ao sul pelo arenito da
formação Barreiras; esta se estende por tôda a bacia do médio
Capim e alto e médio Guamá, prolongando-se na área da
rodovia, até as fronteiras do Maranhão. Na região cortada
pela BR-14, o arenito apresenta-se em camadas muito argi-
losas, predominantemente vermelhas com estratificação entre-
cruzada em certas partes. A erosão regularizou o tôpo das
elevações e entulhou, parcialmente, os vales. Na parte supe-
rior do chapadão, que serve de divisor entre os rios Capim-
Guamá e Capim-Gurupi, a argila se apresenta bastante com-
pacta, que passa a funcionar como uma rocha dura, formando
pequenas cornichas.
De acôrdo com os geólogos da PETROBRÁS, na alta bacia
do Capim, os terrenos pertencem ao arqueano.
O relêvo, nas regiões que correspondem aos baixos e mé-
dios cursos dos rios, é plano ou ligeiramente ondulado.
Mesmo na parte norte da Belém-Brasília, na região dos
altos cursos dos formadores do Guamá. a erosão remontante
não encaixou profundamente os leitos dos rios. E o relêvo se
ergue suavemente, de cotas da ordem de 50 metros, perto do
Guamá, até pouco acima de 300 metros, ao sul de Parago-
minas.

80
Mas, a Belém-Brasília, justamente a partir do km 184,
passa a ,percorrer uma região de tabuleiros dissecados, mnitas
vêzes com fortes declives . Alguns dêles receberam denomina-
ções populares, pelas quais são conhecidas. A "ladeira do 30"
(fig. 34) , a "ladeira do sabão" se celebrizaram pelas dificul-
dades que apresentavam ao tráfego. 28
Êste relêvo é resultante do trabalho erosivo que os rios
das bacias do Capim, do Guamá e do Gurupi realizaram ao
entalhar seus vales no arenito Barreiras. Aproximadamente
aos 200 metros de altitude, a Belém-Brasília ganha o chapa-
dão divisor ; o relêvo é, então, plano. As encostas reaparecem
quando a rodovia se aproxima da bacia do Gurupi ou da
região dos formadores do Capim. A abertura da Belém-Bra-
sília veio, assim, desmentir os clássicos conceitos, tão gene-
ralizados e divulgados, da planura amazônica. É justamente
"" Atualmente, a RODOBR ÃS, atr avés d e constantes t rabalhos, vem proc uran d o
contorná -las ou apl ainá-las. A ·· ladeira do 30", hoje, não é m<tls usa d a p ara o trá-
fego; foi abe r to novo trecho que a contorna.

Fig. 34 - Aspectos da Ladeira do "30" n a BR-14, h oje abandonada . Notar o r el évo


tabular , com discretas cornichas no horizon te. No primeiro p l ano er osão em ravina.
(Foto R . Mazzol a - CNG - 19-7-65).
neste trecho paraense que a estrada corta uma região de
relêvo fortemente ondulado.
As características climáticas podem ser apenas esque-
matizadas. Não há estações meteorológicas na região em es-
tudo. Sua ocupação é recente. Informações locais, considera-
ções feitas ao assunto em trabalhos e pesquisas em outros
setores servirão, por isso, de base à nossa análise.
As chuvas têm, geralmente, início em fins de novembro
e princípios de dezembro; tornam-se mais freqüentes a partir
de janeiro; o máximo da pluviosidade é atingido no mês de
abril, na região de Tomé-Açu 29 e em fevereiro e março em
Paragominas. 3o
O período sêco fica, geralmente, compreendido entre julho
e outubro; na bacia do Acará, a média das mínimas registra-
das foi de 43 mm. Em Paragominas, o mínimo alcançado foi
no mês de setembro.
Pesquisadores da FAO assinalaram 31 a acentuação do
período sêco à proporção que a Belém-Brasília se aproxima
do Maranhão; registraram, mesmo, dois meses quase sem ne-
nhuma pluviosidade.
Quanto às temperaturas, mantêm-se elevadas. A rêde
hidrográfica é densa.
O Guamá é o grande eixo para onde convergem seus
afluentes pela margem esquerda, dos quais os mais impor-
tantes são o Acará e o Capim.
Na área em estudo é considerado apenas o baixo e médio
curso do Acará; apresenta uma série de afluentes e subaflu-
entes; os mais importantes são o Acará-Miri e seu formador,
·o Tomé-Açu. São rios de planície e sujeitos à ação das marés.
Para leste, as áreas estudadas correspondem às altas ba-
cias do Guamá, do Capim e do Gurupi.
Tratando-se de uma região de altos cursos e de divisor,
a tônica destas rêdes hidrográficas é a presença de pequenos
rios.

"" ítalo C. Fales!, Walmlr dos Santos e L. Salgado Vieira - "Os solos da
Colônia Agrícola de Tomé-Açu". Boletim Técnico do Instituto de Pesquisas Agro-
nômicas no Norte . N .o 44, 1964. Belém-Pará. 93 pp. Pág. 13.
ao ''Memória justificativa para a criação do Mun!cfplo de Paragomlnas". Para-
gomlnas. Pará. 1964. 24 páginas dactllografadas.
st B. B. Glerum e G. Smlt - "Pesquisa combinada Floresta-Solo no Pará-
Maranhão (área: margens da rodovia Belém-Brasília entre São Miguel do Guamá o
Imperatriz)". Tradução de Geraldo Brocchl. Rio de Janeiro - 1965 - MECOR-
SPVEA - 113 pp.

82
Fig. 35 - Vale cali b rado do rio Gurupi, com 200 a 300 metros de l ar gura, na ponte
da Belém - Brasília, t erraço com cêrca de 8 metros d e al tura e, sôbre êl e, invernad as
novas e serraria. (Foto R . M azzol a - C NG - 10-8-65 ).

O mais importante é o Gurupi, quase nos limites com o


Maranhão. Após receber os seus afluentes, o Itinga e o
. Tucumandina, apresenta, nas duas margens, uma larga f::tixa
de várzea baixa; êste leito maior é limitado com a terra firme
por um terraço que pode ter, aproximadamente, entre 6 e 8 me-
tros de altura (fig. 35).
Talhando seu alto curso em uma região sedimentar, não
havendo afloramentos de rochas resistentes, as águas do
Gurupi, mesmo no curso superior, divagam na planície por
êle formáda. Apresenta assim um contraste com seu curso
médio, onde a presença da série Gurupi, algonquiana, será
r esponsável pelo aparecimento de corredeiras.
A estação sêca, bem definida, reflete-se no regime fluvial.
Os pequenos rios pertencentes à bacia do Guamá, do Ca-
pim e do Gurupi, que têm suas nascentes no chapadão, apre-

83
sentavam-se, em sua quase totalidade, secos no mês de
agôsto 32 (fig. 36) .

F!g. 36 - L eit o de riacho sêco n a florest a am azônica d a rodovi a B el ém-Br asília, a


9 km ao n orte do rio G u r u p i. (F oto Mazzola - CNG - 10-8-65) .

Portanto, a existência de rios temporários dá a esta área


da Guajarina, características extra-amazônicas; constitui-se
assim em um dos elementos que fazem da Guajarina, uma
zona de transição. Finalmente a análise da vegetação rea-
firmará o conceito acima emitido.
É verdade que, graças ao clima quente e úmido, isto é,
sem uma estação sêca muito prolongada, a vegetação primi-
tiva, à semelhança das áreas vizinhas, era constituída de pu-
jantes florestas.
Mas, seu aspecto não é homogêneo. Na bacia do baixo e
médio Acará a mata de terra firme apresenta-se com caracte--
rísticas mais amazônicas. Grande número de espécies, que
fornecem madeira-·de-lei de alta qualidade, como o acapu
(Vouacapoua americana) , o pau amarelo (Euxilophora

:lll Época em q ue a equipe real!zou as pesquisas de campo, e que correspond e


a est ação sêca.

84
paraensis), a maçaranduba (Manilkara huberi), a castanheira
(Bertholletia excelsa), o pau santo (Zollernia paraensis) etc.,
aí são encontradas em maiores adensamentos.
Por se tratar, entretanto, de uma região de ocupação mais
antiga que as outras consideradas no presente estudo, da
mata primitiva restam pequenas manchas, correspondendo a
solos concrecionários, atualmente não indicados para a cultu-
ra da pimenta-do-reino.
Mas, à proporção que se segue o alto curso do Tomé-Açu
e se ganha a bacia do Capim, maiores e mais contínuas são as
áreas ocupadas pelo caa-etê.
Na área guajarina cortada pela BR-14, pesquisas recente-
mente realizadas 33 comprovaram que a estação sêca não
apenas se reflete nos tipos de floresta, como também, embora
havendo uma densa mata, já se fazia sentir o problema da
aridez. O aparecimento do pau d'arco de flôr roxa (Tecoma
violacea, Hub.) é um atestado dêste fenômeno . Posteriormen-
te, a tentativa do ocupação da área do chapadão veio confir-
mar êste aspecto.
Dadas estas carcaterísticas, os técnicos da FAO abandona-
ram a expressão de FLORESTAS TROPICAIS PLUVIAIS, até
então usada para as florestas amazônicas e passaram a empre-
gar a de FLORESTAS SAZONAIS SEMPRE VERDES, para de-
signar os tipos de florestas desta área da Guajarina.
Por outro lado, estas florestas não apresentam uma ho-
mogeneidade de composição; selecionando as espécies de
maior dominân cia, classificaram-nas nos seguintes tipos. 3 ·1
A. F' oresta tipo Santana
B. " tipo Candiru
C. " " Guamá-Médio
D. " " Guamá Superior
E. " " Ligação
Tal pesquisa ganha importância pelo inventário realizado
das espécies existentes e a possibilidade de seu aproveita-
mento.
Atualmente, a ocupação humana tem sido responsável
pela devastação da mata original; mas, sendo uma região de
ocupação recente, o caa-etê não se encontra ainda .muito afas-
"" Em 1959/1960, técnicos do Departam ento de I nventár ios d a FAO no vale
amazônico, realizaram pesquisas de vegetação e solo, cujos resultad os prelim inares
se encontram n a ob ra citada de B. B. Gler um e G . Smit.
•• B . B. G lerum e G . Smlt - obra citad a, pág. 15.

85
tado da estrada; êle está sempre presente, constituindo como
que a rotunda do palco que a paisagem geográfica se nos ofe-
rece (fig. 37). Por outro lado, no chapadão divisor e no sertão
do sudeste paraense, a mata, não apenas está mais próxima
da estrada, como muitas vêzes a acompanha de uma e outra
margem, em percurso de vários quilômetros.

Flg. 37 - Mata semidectdua com troncos finos, a 5,5 km ao sul da ponte s6bre
o rio Gurupi, na Belém-Brastlia (Foto Mazzola - CNG - 10-8-65).

Todavia, nas invernadas de Paragominas é dominante


ainda a existência de alguns espécimes isolados, gigantes da
mata (fig. 38). No sertão do sudeste paraense são mais
constantes e em maior número, por serem as invernadas mais
recentes. Nesta zona aparece também maior número de ca-
poeiras, em vários estágios de formação.
As matas de várzea ocupam áreas menores. São mais ex-
pressivas, no baixo Acará. A partir dos médios cursos do
Capim e do Guamá para jusante, passam a ser também mais
constantes. Pouco significado possuem, entretanto, para o
estudo que ora fazemos.
Na extensa área que constitui a Guajarina, poucos são os
estudos existentes sôbre solos.

86
Flg. 38 - Invernada s em formação , com árvores isoladas dispersas em seu meio,
junto a Paragominas . (Foto R. M azzola - CNG - 8-8-65 ) .

Apenas na bacia do Acará, na região ocupada pela Co-


lônia Agrícola de Tomé-Açu, houve um levantamento realiza-
do pelos técnicos do IPEAN 35 e nas margens da rodovia Be-
lém-Brasília, feito pelos técnicos da FAO. 36 De acôrdo com as
pesquisas realizadas pelo IPEAN, grande área da colônia seca-
racteriza pela predominância dos latossolos, assim distribuí-
dos: a) latossolo amarelo, textura pesada (LAp); b) latossolo
amarelo, textura média (LAm); c) latossolo amarelo podzóli-
co, textura meio pesada (LAPsp); d) latossolo concrecioná-
rio alaranjado (LCA); e) associação Tomé-Açu (LAp, LAm,
LAPsp, LCA). A área ocupada pelas diversas modalidades de
solos pode ser verificada no Mapa XIII, no qual os solos con-
crecionários aparecem como manchas descontínuas; predomi-
nam no vale do !pitanga, em seu curso médio-superior.
Os solos apresentam de maneira geral boa drenagem. Os
latossolos amarelos de textura média, devido à boa porosidade
que possuem, são mais bem drenados que os de textura pesa-
da; êstes, que aparecem em pequenas áreas da colônia, apre-
sentam uma camada semi-impermeável que, de qualquer
modo, dificulta a percolação de água no solo.

"" íta lo C. Fales! , Walmir H. dos Santos e Luclo S. Vieira - Obra citada.
3G B . B . Glerum e SmJt . - obra citada.

87
Estas pesquisas são importantes porque vieram desmen-
tir a divulgação feita, até então, de que a cultura da pimenta-
-do-reino se desenvolvia em solos que se caracterizavam por
serem constituídos de "carapaça de canga". O solo funciona
apenas como um vaso receptor. Muito embora a cultura da oi·
menta-do-reino, que se realiza intensamente em Tomé-Açu,
seja independente do fator fertilidade dos solos, as pesquisas
vieram comprovar que os solos concrecionais são desaconse-
lháveis para a cultura da piperácea.
Na área da BR-14, os solos pertencem ao grande grupo dos
latossolos vermelho-amarelos, que inclui o "intergrade"
latossólico-podzólico. São solos moderadamente férteis, sobre-
tudo logo após a derrubada da mata, embora com acidez muito
alta. Dada a natureza argilosa da rocha matriz, seu espêsso
horizonte B tem uma textura que varia de pesada a muito pe-
sada, 37 tornando o solo resistente à erosão.
Um corte na estrada, a 13 km ao sul do povoado Quilô-
metro 58, apresentava o seguinte perfil (fig. 41). Um hori-
zonte superior de canga pisolítica, correspondente ao B1 ; um
horizonte B2 argiloso, muito homogêneo e compacto, de gran-
de espessura. A rocha matriz eram os sedimentos da série
Barrreiras. O horizonte foi removido pela erosão, pois tudo
indicava estar esta área devastada há uns 7 ou 8 anos, no
mínimo.
Tudo leva a crêr que o processo de laterização não evo-
luirá, por causa da textura argilosa do horizonte B2.
É possível que o limite entre os horizontes B e C esteja
num ressalto do corte, assinalado no croquis da figura 41.
Quanto ao povoamento, a ocupação da Guajarina se veri-
ficou no decorrer da segunda metade do século XVII e primei-
ra metade do século XVIII, tendo como eixo de penetração o
rio Guamá e seus afluentes da margem esquerda.
TodaviA, até bem pouco tempo, a população se concentra-
va nos baixos cursos. A proximidade de Belém, a facilidade de
navegação que apresentavam os rios, transformaram a região
em uma das zonas abastecedoras da capital paraense, sobre-
tudo em frutas. O extrativismo vegetal , a cultura da cana-de-
-açúcar (para fabrico de aguardente) e do cacau, ambas em
pequena escala, complementavam o quadro econômico da
Guajarina.
37 Wim G . Sombroek : " Reconnalssance Soll Survey of the Area G ua.má Impe-
ratriz" . 151 pp . Ed . mlmeografada. Belém, março 1962.

88
Decorrente dêstes fatôres, uma ativa navegação de barcos
a vela e a remo se desenvolveu entre a bacia do Guamá e
Belém.
Mas, nos médios e altos cursos dos rios existia apenas,
uma população rarefeita, dispersa e miserável, que vivia da
caça, da pesca e de uma agricultura de subsistência. Embora
a hiléia oferecesse possibilidades, a distância e dificuldades de
ligação com o mercado belenense, constituíam-se em fortes
obstáculos. Havia grandes áreas, sobretudo nos espigões, que
eram domínio exclusivo da mata. A Guajarina guardava assim
feições tipicamente amazônicas.
Nos últimos anos, vários fatôres vieram modificar o pano-
rama sócio-econômico da Guajarina: a introdução e desenvol-
vimento da cultura da pimenta-do-reino, a valorização da
fibra da malva e do gado, e a abertura da Belém-Brasília.
Acresce que a Guajarina é limitada, ao norte e a oeste,
por duas zonas de densidades demográficas apreciáveis, a do
Salgado-Bragantina e a Tocantina, com, respectivamente, 19
(excluindo Belém) e 5 hab/km2 ; por outro lado, são zonas que
atravessam uma crise sócio-econômica, quer devido à estru-
tura comercial vigente (o sistema de aviamento) e degrada-
ção dos solos (Salgado-Bragantina), quer ainda pela deca-
dência das culturas canavieira e cacaueira (na zona Tocan-
tina).
Em vista disso, a Guajarina se transformou, então, em
uma área de atração do elemento humano, marginalizado nas
zonas que lhe são limítrofes; além de oferecer terras virgens a
ocupar, necessitava de mão-de-obra para culturas valorizadas:
a pimenta-do-reino e a malva.
A ampliação do mercado de Belém, especialmente após a
2.a Guerra Mundial, estimulou a formação de franjas pionei-
ras, na Guajarina, a êle subordinadas: a de Tomé-Açu, na
bacia do Acará; a de Capitão-Poço, na bacia superior do Gua-
má, e a de Belém-Brasília. As duas primeiras zonas serão es-
tudadas, pois futuramente serão servidas diretamente pela
BR-14.
Assim, surge uma nova Guajarina, com a ocupação das
áreas de terra firme e para as quais a estrada tem maior sig-
nificado que o rio; daí a importância que para elas adquire a
rodovia Belém-Brasília.
A análise de suas características sócio-econômicas
evidenciarão o significado da BR-14, em seu trecho
paraense.

89
· A franja pioneira de Tomé-Açu- O município de Tomé-
Açu sobressai hoje como uma das áreas de grande importân-
cia dentro da economia brasileira, pois, muito embora a cul-
tura da pimenta-do-reino se tenha expandido em outras partes
da Amazônia e do Brasil, é em Tomé-Açu que se concentra a
maior produção.
Em 1961, o Brasil produziu 4 .687,890 toneladas, assim
distribuídas (TABELA VI) :

UNIDADE DA FEDERAÇÃO Produ~ão (Ton.)

Pará .. . .. . 4 336,340
Paraíba . ........ . .. . 239,580
Espírito Santo .... . . 49,100
Ceará ... .. . . . 25,790
Pernambuco. 22,450
Amazonas . . ... 6,700
Maranhão . . 2,840
Amapá . . ........ . 2,020
Rio Grande do 1\orte . 1,900
Acre . . ...... . 0,600
São Paulo .. 0,400
Alagoas .. 0,100
Goiás . . . 0,070

BRASIL .... 4 687,890

FONTE: Conselho Nacional de Estatística

O Estado do Pará contribuiu assim com 92,5 % para a


produção brasileira; todavia só o município de Tomé-Açu,
concentrava 73 % 'd a produção paraense.
É preciso salientar que, desde 1955, o Brasil entrou no
mercado internacional, exportando pimenta-do-reino para os
Estados Unidos e Argentina. Como decorrência do desenvolvi-
mento da cultura desta piperácea em Tomé-Açu, o Brasil é
hoje um dos grandes produtores mundiais. De acôrdo com o
Foreign Agricultura! Service, Commodity Yearbook, de 1964,
ocupávamos o 5.o lugar, com uma produção de 14 mil tonela-
das, sendo precedidos pela índia (64 mil ton.) , Indonésia (46
mil ton.) , Sarawak (22 mil ton.) e Ceilão (17 mil ton.).
Responsável pela produção de pimenta. . do-reino em
Tomé-Açu é a Colônia Agrícola, a mais importante concentra-
ção nipônica na Amazônia.
A Colônia Agrícola de Tomé-Açu, desenvolve-se por uma
região de espigão entre o vale do rio Acará-miri e seu

90
. afluente pela margem esquerda, o igarapé Mari. Dista da
capital paraense 270 km por via fluvial ou 215 km em linha
reta (Mapa XIV).

Localização da ColÔnia de TOME-AÇU Poro "

MA R

o
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~
~
"'<
~
"'<
~
----+-~~------~~~----~~-----------40

Mapa XIV

91
A ocupação humana da região prende-se diretamente à
imigração japonesa.
Em 1925, estando o Japão interessado no norte do Brasil
pa~a envio de imigrantes, mandou o engenheiro agronômo
Yasukei Ashizava, do Ministério de Relações Exteriores daque-
le país, acompanhado pelo Sr. Wideo Nakano (enviado espe-
cial da Kanegafushi Boseki Kabushiki Kaisha = KANEBO),
que através de conversações com os governos brasileiro e pa-
raense, conseguiram a concessão de uma área aproximada de
500.000 ha. para início da colonização; mais tarde, após visi-
tarem terras dos rios Moju e Acará, foram escolhidas as dêste
último para a localização de imigrantes.
Organizou-se, então, no Japão, em 1928, a NANTUKU
(Nambei Takushuki Kaisha), que ficaria com o apoio espe-
cial da KANEBO, sendo sua finalidade: a) colonização ultra-
marina; b) compra e venda de lotes; c) administração das
terras adquiridas; d) realização de atividades comerciais e
industriais, relacionadas com os núcleos de colonização.
Em 1929, organizou-se a Companhia Japonêsa de Planta-
ção no Brasil, que firmou oficialmente o contrato com o go-
vêrno paraense, o qual ofereceu gratuitamente 100.000 ha,
distribuídos em Acará (60.000 ha) e em Monte Alegre
(40.000 ha).
Neste mesmo ano, chegavam as primeiras famílias, que se
localizaram em levas sucessivas em Tomé-Açu, fundando a
Colônia de Acará. Esta passou a se denominar colônia de
Tomé-Açu, logo após o término da 2.a Guerra Mundial.
Os imigrantes dedicaram-se inicialmente à rizicultura;
mas os colonos compravam caro os gêneros de que necessita-
vam e vendiam barato seus produtos. Para solucionar suas di-
ficuldades, tendo em vista a própria sobrevivência da colônia,
apelaram para o sistema cooperativista; fundaram em 1931, a
Cooperativa das Hortaliças; abriram um depósito em Belém e
a cooperativa passou a fornecer à capital paraense, tomates,
rabanetes, pepinos e, principalmente, nabos. Todavia, o con-
sumo urbano era inferior à produção da colônia, levando-a
mesmo à crise. Por outro lado, novas levas de colonos conti-
nuavam a chegar. Até 1932, entraram em Acará cêrca de 352
famílias nipônicas, o que agravava ainda mais a situação
existente. Sobreveio o recrudescimento das doenças endêmicas
regionais (sobretudo a malária), que ceifava vítimas. Na co-
lônia tentava-se a cultura do cacau, sem resultados promisso-
res; talvez porque realizava, muitas vêzes, em regiões de "terra
firme" uma cultura que, na Amazônia, é típica das várzeas.

92
A partir de 1934, iniciou-se a cultura da pimenta-
-do-reino, mas a plantação, que era de uma variedade nativa,
não dava bons frutos.
O êxodo se tornou uma constante e somente aquêles que
não possuíam meios de atingir o sul do país, permaneceram
na Colônia. De 1935 a 1942, abandonaram Tomé-Açu nada
menos de 276 famílias; em 1942, a Colônia se reduzia a 98 fa-
mílias nipônicas.
Foi a cultura da pimenta-do-reino, que possibilitou o
soerguimento da região em estudo. Introduzidas pelo senhor.
Nanikosuke Ussei, em 1935, 20 mudas provenientes de Singa-
pura, após vários anos de pertinazes experimentações e sele-
ções, desenvolveu-se a cultura desta piperácea nas terras do
Tomé-Açu, proporcionando a sobrevivência e prosperidade dos
japonêses lá instalados.
Terminada a 2.a Guerra Mundial, foi reorganizada a
União dos Lavradores e reestruturada a Cooperativa, chaman-
do-se Cooperativa Agrícola de Tomé-Açu, que passou a se en-
carregar do transporte, comércio (compra e venda) da pro-
dução agrícola da colônia. Em 1961, conseguiram a criação de
Município de Tomé-Açu, desmembrado do de Acará.
Atualmente a Colônia Agrícola ocupa uma área aproxi-
mada de 30.000 hectares, abrigando cêrca de 300 famílias
japonesas.
A Sudoeste de Tomé-Açu, está em fase de organização
uma nova colônia nipônica. Tal empreendimento, iniciado em
1962, está a cargo da Companhia Jamiki Colonização e Imi-
gração. É uma emprêsa japonêsa de colonização, cujo capital
privado, proveniente daquele país, .~ aplicado na abertura de
estradas, demarcação e venda de lotes. Êsses lotes são vendidos
pela Companhia Jamiki ao govêrno japonês, que os revende
pelo prêço de custo aos colonos.
Hoje em dia, a colônia abrange três glebas: .Acará-miri,
Jamiki e Mineiros (Mapa XV). Esta última pertencia a um
brasileiro, que, após anunciar seu propósito de fazer coloniza..
ção, simplesmente vendeu os lotes, e foi-se embora, sem nada
mais fazer.
Todavia, é importante salientar que:
1) A colonização japonêsa em Tomé-Açu está em fase de
expansão, o que demonstra o sucesso dêste empreendimento.
2) É tôda uma colonização planejada, dirigida, baseada
em pequenas e médias propriedades, com um sistema "OOpera-
tivista, tendo como esteio econômico um produto altamente va-
lorizado no mercado mundial: a pimenta-do-reino.

93 ·
/
/

ESCALA
lO ~o 30 4Qkm

Ou ARY de AlMEIDA

49' 48°30

Mapa XV

3) É na região da nova colônia, que se localiza o avanço


da franja pioneira de Tomé-Açu. Ligado por estradas à Colô-
nia, o núcleo Jamiki é ainda cercado pela mata; os pimentais
novos e em formação oferecem belo constraste na paisagem;
muitos aparecem como clareiras no denso "caa-etê".
4) É daí que parte o picadão (aberto até o Capim) base
da futura estrada que ligará Tomé-Açu à Belém-Brasília (no
município de Paragominas).
Muito embora a rêde hidrográfica seja densa e favorável
à navegação, examinando a distribuição do elemento humano
em Tomé-Açu, nada encontramos daquelas características tão
tipicamente amazônicas (das quais a antiga Guajarina pode
ser citada como exemplo) - os rios orientando e comandan-
do o estabelecimento humano, daí resultando um habitat
linear disperso nos vales. Por se tratar da ocupação da
"terra firme" , todo um sistema de estradas liga os lotes entre

. 94
si e êstes à sede da Colônia - a Cooperativa. · Quanto à im-
portância das estradas na ocupação da área encontramos se-
melhança com a zona Salgado-Bragantina. A explicação para
esta característica em . Tomé-Açu poderíamos encontrar no
fato de aue nos vales há maior incidência de malária (um dos
fatôres do insucesso das primeiras tentativas de colonização
japonêsa em Tomé-Açu) e sobretudo, porque a pimenta-do-
-reino é uma cultura .de "terra firme"; a população buscou
assim os espigões, distanciando-se dos vales, onde dominam as
várzeas, impróprias para a cultura da piperácea.
A Colônia de Tomé-Açu difere também da Bragantina-
Salgado, quando definimos o habitat rural. Enquanto nesta re-
gião predomina o habitat disperso do tipo "tiro do chumbo",
na colônia japonêsa o habitat é grupado (fig. 39).
As propriedades são pequenas em área, 20 a 25 hectares,
em média, fazendo testa à estrada, havendo uma adaptação
do sistema de "Hufen" à topografia local (Mapa XVI) .
Isto não só porque resulta de uma colonização planejada
e dirigida, mas também da necessidade de intercomunicação
das famílias, na luta contra o isolamento; tanto assim que as
propriedades não são limitadas por cêrcas. Faz-nos lembrar, a
paisagem do mundo rural japonês, até o século passado, onde
a defesa foi responsável por esta mesma modalidade de habi-
tat rural.
Embora as propriedades de Tomé-Açu tenham dimensões
geralmente menores que as dos colonos europeus do Planalto
Meridional do Brasil, não podem os japonêses daqui ser consi-
derados pequenos proprietários rurais, comparáveis ·ao
"farmer" norte-americano ou ao "paysan" francês , salvo na
fase inicial, em que êles contam apenas com a mão-de-obra
familiar. Logo que suas condições econômicas melhoram, os
colonos japonêses passam a dirigir um corpo de trabalhado-
res assalariados, que duplica no período da colheita.
Os colonos de Tomé-Açu não podem ser tampouco assimi-
lados, de modo geral, aos usineiros de açúcar e fazendeiros de
café e cacau ("planters",em inglês), visto que o investimento
feito por êles em adubos é muito maior que no de mão-de-obra
ou maquinaria, conforme é típico das "plantations". O proces-
samento industrial da pimenta requer tanta ou mais maqui·
naria que o do cacau, mas francamente menos que o do café.
O maior proprietário de pimental em Tomé-Açu, caso
ímpar na colônia, possui 40.000 pimenteiras e 40 empregados

95
Flg. 39 - Vista parcial dos pimentais de Tomé-Açu. Notar, à direita e ao fundo,
o habitat nucleado. (Foto R . Mazzola - CNG - 4-8-65) .

permanentes (80 na safra). Poderia ser considerado um "plan-


ter", conquanto pequeno.
Os colonos já econômicamente estabilizados dirigem a
propriedade; as mulheres cuidam de afazeres domésticos ou
têm emprêgo fora do lar: professôres, etc. Não trabalham no
pimenta!, tarefa que é relegada à classe inferior, dos empre-

96
LEGENDA
A / ,
(j)
COLONIA AGRICOLA DE TOME-AÇU E t. N r e
CIDADE
SEDE DA COLÔNIA @
ESCOLA ®
IGREJA o
DISPOSIÇÃO DOS LOTES DO NÚCLEO PRIMITIVO ESTRADA DE RODAGEM

Est.

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TOME-AÇU-:1)
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gados. São, portanto, típicos proprietários médios (correspon-
dentes aos kulaks, na Rússia tzarista).
Em Tomé-Açu não há nada que nos lembre a cultura ni-
pônica, quando se estuda a habitação. 38 Através dela pode-
mos apenas caracterizar os estágios econômico-financeiros
porque passa o imigrante e a sociedade que atualmente aí se
localiza.
A primeira casa é pequena, de madeira, teto de duas
águas, coberta de cavaco, chão batido, porta e janela, tipo co-
mum encontrado em várias zonas da Amazônia (fig. 40).

Flg. 40 - Primeira casa de colono iaponês na Colônia Agrícola de Tomé-Açu. Notar


as paredes, portas e ianelas rústicas, bem como a cobertura de cavacos. (Gentileza
da Cooperativa de Tomé-Açu). Tomé-Açu, dezembro de 1965

A segunda, mais ampla, de madeira beneficiada, com


ripas entre a junção das tábuas, pintadas, cobertas de telhas,
assoalhadas, portas e janelas com caixilhos e vidraças (fig.
42). Mas tais aspectos são encontrados nas casas de sítios

38
Nas regiões de colonização estrangeira no sul do Brasil, a influência cul-
tural do imigrante se faz sentir no tipo de habitação, à proporção que o colono
ascende econõmicamente. São célebres as casas de "enxaimel" do vale do Itajaf em
Sta. Catarina ou as casas de dois pavimentos de Caxias do Sul; dão à paisagem
rural um aspecto europeu, fazendo lembrar o ambiente alemão ou Italiano. No
Estado do Amazonas, na Colônia Eflgênio Sales, certas casas denotam influência
cultural japonêsa.

7 - 37843
97
próximos a Belém, para fins de semana da classe média e abas-
tada da capital paraense. Em Tomé-Açu demonstra a ascenção
do colono.

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Flg . 41 - Croquis de um perfil de solo, num corte da BR-14, a 13 km ao sul do
povoado quilômetro 58.

A terceira é de alvenaria, com um ou dois andares, tipica-


mente urbana. Seu aspecto externo, que concretiza a boa si-
tuação financeira do imigrante, é completado pela divisões in-
ternas, móveis, utensílios elétricos, luz elétrica, água encana-
da, que demonstram a noção de confôrto e o alto padrão de

Flg. 42 - Tipo da segunda casa de colono 1aponês, em Tomé-Açu; mais ampla, de


madeira beneficiada, com ripas sôbre as 1unçóes das tábuas, e cobertas de telhas.
Portas e 1anelas com caixilhos e vidros. (Gentileza da Cooperativa de Tomé-Açu).
Tomé-Açu, dezembro de 1965.

98
vida dêste homem rural, caso sui generis na Amazônia
(fig. 43).
Estas habitações são construídas próximas uma das
outras e perto da estrada. As antigas são conservadas, mu-
dando apenas de função. A primeira passa a alojar os "colo-
nos" ; 39 a segunda se destina a morada dos hóspedes, a
terceira é a residência do proprietário.

Flg. 43 - T i po da t erceira casa de colono 1aponês, em T om ê-Açu , d e aspecto ca-


racteristicamente urbano. D emonstra a n oção d e conj6rto e o alt o padrão de vida
d~ste h omem rural, caso sul generls n a Amazôni a . (Gent lleza da Cooperativa de
T om é-Açu ). T om é-Açu , d ezembro de 1965.

A proporção que há uma ascenção sócio-econômica, não


apenas êle melhora sua casa, mas adquire novos lotes de terra.
:í!:stes não são contínuos, mas vão sendo ocupados pelos pi-
mentais.
As grandes etapas do beneficiamento e armazenagem da
pimenta são realizados na sede das propriedades; daí as cons-
truções de madeira, com cobertura de cavaco ou telha, para
instalação das máquinas de beneficiamento, do pequeno motor
díesel, que fornece fôrça e luz. Adquirem jipes, caçambas,
caminhões e há garagens e oficinas, para tais funções.

"" Em T om é-Açu, "colono" é o p r im eir o assalariado, de origem cabocla , que


t r a balha n os plmen tais .

99
Tôdas estas construções são próximas à residência do pro·
prietário, logo seguidas das quadras de pimentais (fig. 39).
Embora desfiguradas no estilo, as casas dos colonos de
Tomé-Açu guardam,-portanto, a tradição cultural do Extremo
Oriente de terem muitas construções para fins diversos.
A organização do pimental denota a influência marcante
da cultura japonêsa, que fêz dêste povo um dos mais impor-
tantes agricultores do mundo. A técnica agrícola por êles em-
pregada e o sistema cooperativista, transformaram esta área
da Amazônia, deram-lhe feições próprias, só encontradas em
certas partes do sul do país.
É todavia um empreendimento que requer constante
investimento de capital, que não se restringe apenas à fase
inicial da cultura; as despesas, ao contrário, são crescentes e a
margem de lucro só é apreciável pelo alto preço que a pimen-
ta-do-reino alcança nos mercados consumidores.
Examinando as diversas etapas da cultura desta pipe-
rácea na Colônia Agrícola de Tomé-Açu, melhor podemos ca-
racterizar todo seu processamento econômico e financeiro.
A fas-e iincial consta da retirada da mata (primitiva ou
secundária) , com a derrubada, destaca e queimada (fig. 44).
Difere todavia de técnica semelhante, geralmente empregada
na Amazônia, porque antes da queimada as espécies que for-
necem madeira-de-lei são retiradas, sendo utilizadas no
pimental ou vendidas nas serrarias da Colônia ou da cidade de
Tomé-Açu; muitas vêzes são produtos de exportação. 40 Por
outro lado, as tarefas só são realizadas pelo proprietário, se
êle possui um pequeno lote; geralmente são empregados assa-
lariados, ganhando por dia ou por tarefa, que o fazem.
A segunda fase é o estacamento do pimental. As estacas
são de madeira-de-lei para garantir a durabilidade; uma
quadra (1 ha) pode ser constituída de 1 000 ou 1 600 estacas,
conforme o espaçamento adotado seja respectivamente de
3m X 3m ou 2,5 metros. A despesa com êste estacamento é da
ordem de Cr$ 250.000.
A terceira fase é o plantio, realizado através de galhos ou
diretamente na quadra ou em viveiros (o mais comum): é
realizado antes das primeiras chuvas (princípios de novem-
bro); se as chuvas tardam, há necessidade de regar os peque-
nos pés com adubo dissolvido n'água; usado em quantidade

.. Em 1960, a Coopera tiva exportava mogno para o J a pão .

100
Flg. 44 - Vista parcial d os p imentais de T omé-Açu. N ot ar os diversos estági os da
expansão da cultu r a . (Fot o R . M azzol a - CNG - 4-8-65 ) .

pequena, o sulfato de amônea tem por finalidade proporcionar


rápido desenvolvimento à planta; só em fevereiro há o trans-
plante do viveiro para a quadra.
As fases seguintes - adubação, capina, poda, borrifo
(com inseticidas) - são realizadas em determinadas épocas.
A adubação é um fator que tem grande importância na
agricultura aí efetuada; em realidade, a fertilidade do solo,

101
como já dissemos anteriormente, pouco ou nenhum papel de-
sempenha na cultura da pimenta; êle funciona apenas como
um suporte, pois o que possibilita aí a cultura de planta exi-
gente em solos ricos é a adubação realizada constantemente;
mas, por outro lado, é a adubação que onera a agricultura em
Tomé-Açu.

Os adubos utilizados são:


1) orgânicos, constituídos de torta (de babaçu, algodão,
mamona) adquiridos no Maranhão, Ceará e Per-
nambuco; comprados à razão de Cr$ 60 o quilo, ao
atingir a Colônia já foram majorados de 60% no
prêço, por causa dos transportes; outros adubos or-
gânicos usados são a farinha de osso (atualmente
adquirida em Belém) e estrume de porco.
2) químicos: sulfato de amônia, uréia, cloreto de potás-
sio, fosforita etc., adquiridos no Japão, Estados
Unidos e Alemanha Ocidental.

A quantidade e qualidade de adubos empregados variam


muito, dependendo da idade do pimenta! e da situação
financeira do proprietário do mesmo.
Pode-se concluir, através dos inquéritos realizados na
Colônia que . quando novos, a quantidade de adub~ exi,gi~a
pelos pimentais é menor; a finalidade de seu emprego e so-
mente para o desenvolvimento da planta; no primeiro ano,
cada pé consome 1,5 kg de adubo; no segundo, 3 quilos e no
terceiro 5,5 quilos. A partir do 3.o ano, quando o pimenta! co-
meça a produzir, as quantidades de adubo se tornam maiores
e mais constantes. Assim, quando "uma pimenteira carrega
muito em uma safra, há necessidade de adubá-la bastante
para que ela possa produzir na safra seguinte". 41
Os técnicos do IPEAN quando, em Tomé-Açu, efetua-
ram a pesquisa sôbre os solos, 42 surpreenderam-se com a pesa-
da adubação nitrogenada que aí se realiza; usavam concomi-
tantemente a uréia e o sulfato de amônia; apenas o emprêgo
dêste último seria suficiente para solucionar de modo satis-
fatório o problema. Haveria assim menor despesa por parte
do agricultor (com a utilização de um adubo barato) e a

" Informação do presidente da Cooperativa.


•• obra citada.

102
obtenção do mesmo resultado. Tal acontece, todavia, porque os
japonêses não possuíam um conhecimento científico dos solos
da colônia; a cultura se tornara um sucesso, após vários anos
de experiência; tanto lhes era necessária uma orientação sôbre
os solos que recorreram aos técnicos do IPEAN, justamente pa-
ra preencher esta lacuna, que já se refletia no rendimento de
certos pimentais.
Outro exemplo a confirmar que o empreendimento
agrícola realizado em Tomé-Açu é fruto de experiências
consecutivas no solo, é que a princípio tentaram aproveitar as
entre-filas dos pimentais com outras culturas, mas não obti-
veram resultados satisfatórios; na época das chuvas, as cultu-
ras introduzidas proporcionavam maior retenção de água no
solo, prejudicando as pimenteiras; assim sendo, não encontra-
mos entre as fileiras dos pimentais de Tomé-Açu, culturas de
melancia como na Colônia Agrícola do Guamá (fig. 45) .

Flg . 45 - P imen ta! ad u lto em Tomé- Açu . Note-se que n ão há revestimento do


solo entre as f il as de pimen teiras. A esqu er d a u m p é de p imen ta que precisa ser
sub stituído. (Foto R . M azzola - CNG - 4-8-65 ) .

Por outro lado, há necessidade de constantes capinas


(9 vêzes por ano) , sobretudo no "inverno", quando se realizam
uma vez por mês .

103
O combate às pragas e doenças é feito através de borrifa-
ções com sulfato de cobre, duas ou três vêzes ao ano.
Quando os pimentais estão na fase de crescim~nto, a poda
é imprescindível, para que não haja desenvolvimento
exagerado dos galhos, o que prejudicaria a produção.
Tôdas estas tarefas são realizadas, geralmente, por colo-
nos assalariados pagos na base do salário mínimo vigente.
Há apenas uma safra anual, compreendida entre os
meses de agôsto e novembro; a safra depende, todavia, do
"inverno", pois nesta época se verifica a floração; havendo o
atraso das chuvas, làgicamente, a colheita será retardada.
A colheita é manual, realizada sobretudo por mulheres,
embora crianças e velhos sejam também empregados, pois a
mesma exige mão-de-obra numerosa; 10 . 000 pés de pimenta
em produção empregam 15 a 20 pessoas.
É a necessidade desta mão-de-obra que provoca o êxodo
sazonal da zona Tocantina para Tomé-Açu. Tal fenômeno foi
verificado pelos funcionários do Serviço de Erradicação da
Malária. Os trabalhos dêstes se realizam em duas épocas do
ano, que correspondem justamente à entressafra e à safra da
pimenta-do-reino; as fichas de 1964 registram, para o primeiro
período, 1.127 habitantes e para o segundo 1.479, em Tomé-
Açu. 43
A migração interna sazonal atualmente é uma das carac-
terísticas da população rural da Amazônia; o mesmo fenô-
meno foi observado quan do a equipe estudou a área agrícola
da juta do Médio Amazonas ; 44 aí a safra da juta ocasiona a
migração da população dos vales do Madeira, Purus etc., pois
não há coincidência com a safra da castanha-do-pará.
Aqui todavia o fenômeno é mais grave e ganha outra am-
plitude; a proveniência desta mão-de-obra é do baixo To~an­
tins, uma das zonas de apreciável densidade de população e
tradicionalmente agrícola. Verifica-se tal fenômeno em vir-
tude da crise agrária na região, agravada pela decadência da
cultura cacaueira, ocasionando o crescimento de uma popula-
ção rural flutuante, sem possibilidade de sobrevivência, em
Cametá, Mocajuba etc. A busca de trabalho se verifica, quer
em relação a Tomé-Açu (agôsto-novembro) quer em relação
às áreas de castanha-do-pará (janeiro-junho), do médio To-
cantins. As ligações fluviais constantes nestas direções e nos
respectivos períodos facilitam êste êxodo sazonal.
'" Dado• fo r n ecidos p elo Ser viço d e Errad icação d a Malária , em Belém do P a rá.
H Traba lhos d e campo rea lizados no decorrer de j a n eiro-fever ei ro de 1965 .

104
As relações de produção na Colônia de Tomé-Açu têm ca-
racterísticas sui generis, só verificadas nas novas indústrias
que ora se instalam em Belém e Manaus. Se os colonos fixos
ganham o salário mínimo (Cr$ 48.000 por mês), aquêles que
trabalham na safra recebem por produção; êste aspecto dá à
organização do trabalho uma feição capitalista e intensiva (o
sistema .dalsey) não existente nas demais zonas do mundo
rural amazônico, onde a tônica predominante ainda é o
sistema de aviamento.
A produção da Colônia em pimenta-do-reino, no
ano de 1964, foi de 4.137,960 toneladas, num valor de
Cr$ 2.097.960.909, superando a de 1963, pelo aumento dos
pimentais em produção.
Também é preciso salientar que a produção média de um
pé de pimenta é de 3 quilos, o que dá um rendimento de 3.000
a 4.800 kg/ ha.
O rendimento depende todavia da quantidade e qualidade
de adubos empregados; dizem mesmo que para "quem planta
pequena quantidade o pé produz mais, porque pode dispensar
mais cuidados ao pimenta!, chegando mesmo a obter
8 kg/ pé". 45 Isto é uma prova de que o sistema agrícola é
intensivo.
Após a colheita, se a finalidade é a obtenção da pimenta
prêta, realiza-se a secagem. Esta pode ser feita em um
período de 3 a 4 dias em pequenas esteiras de jacá ou em
sacos de aniagem, estendidos próximos à casa do proprietário;
mas aquêles que possuem vários lotes de terra têm instalados
em sua propriedade secadores giratórios automáticos, com
jato de ar quente, onde três toneladas de pimenta levam
apenas 8 horas para secar. A diferença de tais processos não
interfere no tipo de pimenta.
Quando a produção se destina a obter pimenta branca,
após a colheita realiza-se a maceração, para a retirada da
película que envolve os grãos. Se é pequeno produtor, a ma-
ceração se faz em pequenas bacias com água, onde os grãos
permanecem 7 a 8 dias; a casca é então retirada pelo friciona-
mento dos grãos entre as mãos. Se é um grande produtor, tem
tanques de alvenaria, com água corrente, onde a pimenta é
depositada; após o referido período, o produto é levado para a
sede da propriedade e colocada em debulhadores apropria-
dos; daí é transferida para os secadores.
" Informações do presidente da Cooperativa da Colônia Agrícola de Tomé-Açu.

105
Os grandes produtores possuem, pois, tôda uma maqui-
naria especializada para o beneficiamento da pimenta-do-
-reino, adquirida em São Pa;ulo, semelhante à de beneficia-
mento do café.
Como sistema agrícola verifica-se, por conseguinte, em
Tomé-Açu, uma cultura comercial permanente, intensiva e
racional. Como cultura intensiva supera o café, pois aplica
maior quantidade de mão-de-obra. Enquanto num cafezal um
trabalhador cuida de 3.500 a 4.500 pés, no pimenta! um em-
pregado trata, no máximo, de 1.000 pés.
Como lavoura racional, a da pimenta também supera o
cafezal clássico em S. Paulo, porque não esgota o solo.
Como rentabilidade, a do pimenta! é ainda superior à do
cafezal. A renda líquida de um proprietário de pimenta! de 5
hectares, assim pode ser deduzida tomando-se a receita com
erros por falta e a despesa com erros por excesso:
Receita
5 hectares têm 5.000 pés (no mínimo), que produzem 15 to-
neladas (a 3kg/ pé).
Receita bruta anual (considerando tôda a produção como de
pimenta prêta) : US$ 850 x 15 = US$ 12.750;
considerando o dólar a Cr$ 1.800: US$
12.750 X 1.800 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22.950.000
Despesa
Cr$
1) Adubos (a Cr$ 1.000 por pé) .......... .. 15.000.000
2) Empregados permanentes (em n. 0 de 5, a
Cr$ 31.000: (31.000 x 5 x 12) ........... . 1.860 .000
3) Empregados provisórios (Cr$ 31.000 x
4 X 5) ....... ....... ...... . .... . ...... . 620.000
4) 7% da Cooperativa 1. 606.500

Total: Cr$ 19.086.500

Renda líquida
Anual: Cr$ 22.950.000 - Cr$ 19.086.500 =
3.863.500 ... .................... ..... . .
Mensal: Cr$ 3.863.500 -;- 12 = 321.958

106
Ora, um lavrador que ganha o eqüivalente a Cr$ 322.000
por mês, no Brasil, é tipicamente de classe média; porém é
preciso levar em conta que, possuindo êle apenas 5 hectares
em pimenta, não é um médio produtor em Tomé-Açu, mas
um principiante. Neste caso, de fato, não pode ter automóvel,
nem casa confortável; mas desde que amplie o pimenta! e
produza pimenta branca, sua situação de burguês rural se
configura.
A renda bruta anual (isto é, sem tirar as despesas) de
um cafezal nôvo, no norte do Paraná, com 200 hectares, ren-
dendo 75 arrobas, 1.000 pés, com espaçamento de 3,5 metros
em quadro, sendo o preço da saca Cr$ 4.500 = 12.000.000
Logo, um cafezal, nas mesmas condições, de 5 hectares,
será: 200 ..;.. 5 = 40.
Cr$ 12.000.000 + 40 = Cr$ 300.000; por conseguinte, a
renda mensal de um cafezal dêsses será Cr$ 300. 000 ..;-12 =
25.000 apenas.
Tanto o pequeno como o grande produtor fazem o bene-
ficiamento da pimenta em sua propriedade, e só após esta
etapa é a produção encaminhada à sede da Colônia, onde se
fazem a pesagem, a classificação e a estocagem da safra de
cada um.
É a Cooperativa responsável pela classificação, porque é
ela quem coloca a produção no mercado. Quer pimenta preta,
quer pimenta branca, são classificadas em quatro tipos
(A, B, C, e D), internacionalmente reconhecidos (fig. 46).
Dois têrços da produção da pimenta-do-reino de Tomé-
Açu são encaminhados para o mercado externo, isto porque
o consumo nacional, sobretudo de São Paulo (de 2.000 tonela-
das), fica muito aquém da produção paraense (6. 000 toneladas
aproximadamente). O preço alcançado no mercado interna-
cional (que é igual ao do mercado nacional), em 1964, foi de
US$ 850 a tonelada de pimenta preta e US$ 1.000 para a tone-
lada de pimenta branca.
O sucesso obtido pela colonização japonêsa em Tomé-Açu
se deve em parte ao sistema cooperativista empregado.
A cooperativa é o órgão que congrega os agricultores ja-
ponêses locais; é responsável não apenas pela venda da pimen-
ta, mas pela comercialização de tôda a produção agrícola da
Colônia; compra gêneros para os cooperados; dá assistência
às máquinas (adquiridas através dela) e assistência médica
aos associados. '

107
Cada cooperado contribui com 7% da sua receita bruta
para as despesas da Cooperativa (empregados, aquisição ou
construção de prédios, transportes etc . ) .
É também através desta organização que os agricultores
são financiados. Ela levanta os empréstimos no Banco do
Brasil.
Foi, também, a Cooperativa a principal responsável pela
criação do município de Tomé-Açu. Atualmente ela se lança
na industrialização da pimenta-do-reino, a fim de obter óleo
e essência.
Embora sendo ainda um pequeno empreendimento e em
fase de experiência, a fábrica instalada na Colônia Agrícola
de Tomé-Açu tem como interessada na produção a Takasago
Perfumery Co., um dos maiores cartéis internacionais de per-
fume. O processo industrial é relativamente simples: A
pimenta que entra é moída e, depois, misturada com acetona.
Flg, 46 - Mostruário dos produtos da colônia na Cooperativa de Tomé-Açu. Em
cima os diversos tipos de pimenta branca; em baixo os de pimenta preta; no
primeiro plano óleo - e essência de pimenta. (Foto R. Mazzola - CNG - 4-8-65).
Uma caldeira ferve a mistura, evaporando a acetona e deixan,
do a essência. A acetona é distilada num alambique e, recupe-
rada, volta ao processo industrial.
Uma segunda fervura tira mais água e acetona deixando
o óleo resinoso de pimenta ("pepper oleoresin").
É vantajosa a industrialização da pimenta local, porque
os produtos fina:..s têm pequeno pêso e volume, pagam frete
menor e alcançam preço maior. Cem quilos da pimenta infe-
rior produzem 2,5 quilos de óleo, o qual é vendido a US$ 50/ kg .
Isto sem contar com os novos horizontes de trabalho que po-
derão vir a ser criados com o desenvolvimento da indústria na
região, e o escoamento para futuros excedentes de produção.
As pesquisas no pequeno laboratório, instalado ao lado da
fábrica , se realizam, também, em relação a outros produtos
aromáticos, sobretudo, o cumaru (Cumarouna odorata).
Assim, alguns pimentais velhos e anti-econômicos estão sendo
arrancados, aproveitando-se a área para as culturas de
cumaru.
A experiência de Tomé-Açu tem imenso valor e merece
todo o apoio, não porque seja um exemplo romântico de pe-
quenas propriedades, de tipo familiar, bem sucedidas. Pelo
contrário, vimos acima que os colonos japonêses, logo que
melhoram suas condições econômicas, transformam-se em
patrões. O fundamental é constituírem êles um exemplo- o
primeiro em tôda a história da Amazônia- de que uma agri-
cultura intensiva, racional e altamente rentável é possível,
em plena zona equatorial, na "tierra caliente", em solos de
tabuleiros não alagáveis, e está ainda num surto de desenvol-
vimento na região. Isto não foi previsto antes, mesmo pelos
mais sagazes cientistas.
Os colonos de Tomé-Açu não somente ensinaram as po-
pulações rurais da Amazônia a aplicar adubos em suas lavou-
ras; criaram também órgãos de comercialização que tornaram
possível o cultivo da pimenta em outras partes, como na Bra-
gantina.
É no estudo dos transportes que encontramos o ponto de
estrangulamento da economia da pimenta-do-reino, refletin-
do-se profundamente na Colônia Agrícola.
A cidade de Tomé-Açu (cujo pôrto serve à Colônia), está
situada à margem esquerda do Acará-Miri (justamente onde
êle recebe seu afluente pela margem direita, o Tomé-Açu),
afluente do rio Acará pela margem direita. São rios navegá-
veis e através dos quais barcos a motor e a vela ligam cons-
tantemente a cidade a Belém (fig. 47).

109
Flg. 47 - Pôrto de Tomé-Açu, na margem esquerda do Acard-Min, cercado de
pimentai s. Ao longe. chaminé da fdbrica de óleo e esséncia de pimenta. (Foto
Mazzola- CNG- 4-8-65).

São rios sujeitos ao regime das marés, condicionando


assim as viagens aos períodos de enchente e vazante; o tempo
gasto naquele percurso é de 12 a 15 horas.
Embora a Cooperativa possua embarcações próprias,
mantendo viagens semanais, há tôda uma despesa no pôrto
de Belém, onerando não apenas o transporte da pimenta-do-
-reino, mas tudo o que a Colônia importa do Nordeste e do
Sul do país. Frisamos, anteriormente, de como A os adubos im-
portados do Nordeste eram onerados em 60 %, sobre seu preço,
ao atingir a Colônia; por outro lado, os japonêses mantêm um
comércio ativo com a praça de São Paulo, para onde exportam

110
parte da produção de pimenta-do-reino e onde adquirem a
maquinaria e os veículos de que necessitam.
A situação existente fêz com que a Colônia Agrícola de
Tomé-Açu buscasse uma ligação com a Belém-Brasília. A fu-
tura estrada aproveita uma ligação já existente com o novo
núcleo japonês em formação (Colônia Jamiki); daí tomando
a direção oeste-leste: já está aberto o picadão até as margens
do rio Capim, em direção a Paragominas. (Mapa XVII).

RAMAL TOMÉ-AÇU- BELÉM- BRASÍLIA

C ap~nema BR-
22

Ourém
o

Colônío de Tomé-Açu c

o 25 50km

des. Ary de Almeida

M a p a XVII

Este ramal da Belém-Brasília tem grande significado eco-


nômico :
1. 0 ) Possibilitará ligações terrestres, diretas e mais rá-
pidas, de Tomé-Açu com São Paulo e Belém, elimi-

111
nando os fatôres de entrave ao comércio que se rea-
liza entre a colônia e as duas capitais.
2. 0 ) A estrada que, pelo projeto, terá 138 km, vai sair
no oeste do município de Paragominas, onde já exis-
tem invernadas em formação e pequenas fazendas
de gado. Tôda esta área de Paragominas encontra
dificuldade de comunicação, ficando meio isolada,
pois o Capim, só é navegável até esta latitude. Have-
rá, assim, uma ligação desta área com Tomé-Açu, po
dendo fornecer à colônia adubo orgânico por menor
preço, traindo portanto os pimentais para a direção
de Paragominas; por outro lado, facilitará a exporta-
ção de madeira de Paragominas, onerada, no mo-
mento, pelos transportes rodoviários. De Tomé-Açu
a madeira descerá o Acará-Miri, o Acará, o Guamá,
atingindo Belém, com uma despesa muito menor.
3. 0 ) Ligará Paragominas com Marajó, possibilitando a
vinda do gado da ilha para engordar nas inverna-
das do oeste do município, onde fazendeiros mara-
joaras já possuem fazendas.
:t!:stes fatôres fazem do ramal Tomé-Açu-Paragominas, um
dos mais importantes da Belém-Brasília, pois integrará várias
áreas entre si, possibilitando seu maior desenvolvimento.

A frente pioneira de Capitão Poço - Logo que se deixa


a balsa do Guamá ao sul de Ourém, a quantidade muito maior
de restos da mata primitiva e de capoeirões, permite concluir
que se trata de uma zona pioneira. Como tal, a produção agrí-
cola é muito maior, sobretudo da malva e de culturas alimen-
tares como a mandioca, o milho, o feijão e, em menor escala,
o arroz. Há mais lavouras, mais gente, as roças são maiores
e o solo muito mais rico e descansado exprime esta superio-
ridade particularmente na malva.
Mais do que na zona malveira da Bragantina, a produção
de malva se manifesta na paisagem de Capitão Poço por di-
versos aspectos, especialmente na época da safra: 46 trabalha-
dores cortam os malvais (fig. 48), aqui incomparàvelmente
maiores e mais altos, alcançando 3,5 metros de altura; feixes
de varas, desfibradas on não, acumulam-se por tôda parte
(figs. 49 e 50), cobrindo áreas relativamente grandes, ou ma-
ceram nos igarapés (fig. 51), de onde se desprende terrível
•• Como, por exemplo, em fins de julho, época em que a equipe visitou a
região.

112
Fig. 48 - Caboclo

com terçado cortan-


do malva a 11 km a

oeste de Capitão.
Poço. Notar a altura
das hastes. (Foto

M azzola - CNG
23-7-65).

odor por tôda a redondeza; homens e mulheres à beira dágua,


ou metidos nela (fig. 52), desfibram a malva; varais pejados
de fibras expõem-nas, pendentes, para secar ao sol; cargueiros
transportam fardos de fibras para serem vendidos (fig. 53).
Uma inferioridade se verifica, porém, em relação à
Bragantina, na produção agrícola: a da pimenta, pois sua
introdução recente não deu tempo bastante para que produza
safras significativas. Quase todos os pimentais de Capitão
Poço e arredores se assinalam na paisagem pelas fileiras de
estacas.
Ao contrário do que se passa na Bragantina-Salgado,
zona de emigração (tM apa XVIII), a área de Capitão Poço,
desde a valorização da malva, atrai quantidade apreciável de
gente, especialmente cearenses. Muito embora os nordestinos
8 - 37 843
113
MIGRAÇÕES DA POPULAÇÃO RURAL DO LESTE PARAENSE

D Áreas de Êxodo

I<>>H A'reos de Atração


50 O 50 100 150 200 km

Mapa XVIII

sejam os elementos predominantes do povoamento de Capitão


Poço, êles são provenientes, em sua grande maioria, da "região
de Belém", constituindo a maioria da população adulta.
Estudos sôbre a população paraense, no período 1950-
-1960, 47 não salientaram a importância que a frente pioneira
de Capitão Poço representa, em relação à área Bragantina-
Salgado.
" Amilcar A. Tupiassu - "Aspectos Demográficos do Pará", In Revista de
Ciéncias Juridicas, Econômicas e Sociais. Universidade do Pará - Belém. Vol. I,
n.• 1, abril 1963 - Págs. 127-144.

114
Em realidade, a grande área malveira da Guajarina vem
funcionando como uma verdadeira bomba de sucção para o
excesso de população rural, marginalizada pela crise agrária.
l!.:ste fato explica o assustador aumento de população do
município de Ourém, no período 1950-1960. Assim, em 1950, a
população de Ourém era de 13.403 habitantes, dando uma den-
sidade demográfica de 1,26 hab/ km2 • Nesta época já havia a
localidade de Capitão Poço, mas só havia picadas para lá . A
penetração era feita pelo rio. Santa Luzia, a 14 km para oeste
já era habitada, havendo lá uma ou duas casas.
Na floresta próxima ao Guamá faziam roças e extraíam
madeiras-de-lei, porém somente as leves, que flutuavam, como
o cedro e o freijó; não era necessário, por isso, descer em
balsas. Bastava lançá-las ao rio Guamá e apanhá-las em São
Miguel, onde eram beneficiadas e enviadas para Belém.

Flg. 49 - Caboclos des/ibrando malva, sob telhei ros de v aras, n o i gar apé Induá a
14 km a oeste de Capitão Poço. Notar a quantidade de v aras amont oad as. (F~to
M azzola - C ING - 22-7-65 )

No comêço os povoadores plantavam arroz, milho, feijão


e mandioca. Após abrirem a estrada, passaram a vender os
excedentes de produção para Ourém. O primeiro roçado foi
feito em 1945. A malva principiou a ser cultivada em pequena
quantidade, em 1950.
Ora, a valorização da malva se verificou na década
1950/ 1960, e devido à ocupação da área, que, a partir de 1962,
constituíu o município de Capitão Poço, a população de
Ourém, em 1960, era de 35.299 hab . , o que dava uma densi-
dade de 3,32 hab/km 2 •

115
Flg. 50 - Varas de malva cortada e amontoada para formar feixes, a 11 km a oeste
de Capitão Poço . Notar os troncos caidos e tocos queimados para a abertura da
roça. Ao fundo, capoeira e, d direita, malva. (Foto Mazzola - CNG - 23-7-65).
Na estrada que se está abrindo para a Belém-Brasília
(faltando 29 km para concluir), a partir de Capitão Poço, a
fisionomia da zona pioneira permanece essencialmente a
mesma, porém, de certo modo, surpreende a existência de tre-
chos apreciáveis de capoeirões às margens da estrada (fig. 54>.
De vez em quando, contudo, podem-se ver placas assinalando
"travessas", feitas pela administração da Colônia Santa Luzia.
Essas "travessas" são picadas perpendiculares à estrada prin-
cipal, que permitem a penetração lateral aos caboclos, os quais
nelas vão abrir suas roças, deixando ao longo da estrada ape-
nas capoeirões e capoeiras.
A casa do caboclo malveiro daqui mantém tôdas as ca-
racterísticas do tipo de habitação da Bragantina. São cons-
truções ao rés-do-chão, paredes de sopapo, telhado de duas
águas, de eavacos de madeiras, tendo somente o espigão ~e
telhas de meia calha. A fachada tem geralmente duas portas
ou porta e janela, sendo que aquela é, quase sempre, serrada
a meia altura. A frente da casa, ou a seu lado, os varais de
madeira têm fibras de malva secando, ou esperam que elas ve-
nham da maceração.
A casa do malveiro é uma bela obra de engenho, não só
pela adaptação ao meio, mas sobretudo pela adaptação às con-
dições econômicas baixas do seu dono. Nela quase tudo é feito
por êle, exceto a linha de telhas que coroa sua construção.
Comparada com a habitação do juteiro, ela tem certa
inferioridade, como, por exemplo, no chão batido. A ausência
de soalho é uma porta aberta às verminoses e outras doenças
provenientes da umidade do solo.

116
O encaixamento do Guamá e seus afluentes, que são
numerosos, torna o relêvo desta zona bem mais movimentado
que o da Bragantina.
Sem dúvida, a zona que tem como centro Capitão Poço
é uma zona pioneira. Nela se encontram tôdas as caracte-
rísticas desta: afluxo de população rural; derrubada rápida
das matas; povoamento prévio muito rarefeito, no meio da
floresta (Santa Luzia, pequeno centro que existia anterior-
mente, é, até hoje, um povoado de tipo castrum, atrasado e
sem progresso); um produto agrícola de alto valor - a
malva; núcleos crescendo ràpidamente (Capitão Poço), e até
o espírito empreendedor e otimista, generalizado nas con-
versas.
É notável o esfôrço da Prefeitura e o interêsse da popu-
lação pela abertura, mais breve possível, da estrada ligando
à Belém-Brasília, a fim de que a área se liberte do cruza-
mento precário e irregular, pela balsa do Guamá. Isto dará
nôvo golpe em Ourém, município do qual Capitão Poço se
desgarrou. 48
Comparando, no entanto, esta a outras zonas pioneiras
conhecidas no Brasil, como a do planalto paulista, do Norte do
rio Doce ou a do Mearim-Pindaré, nota-se uma diferença
estrutural. Entre a etapa principal, que é Belém, e a etapa
terciária, Capitão Poço, não se desenvolveu aqui nenhuma
guirlanda de etapas secundárias, como as que se formaram
nas zonas pioneiras citadas. Não há, em tôda a Bragantina,
qualquer cidade que reflita, ainda que de longe, nenhuma
atividade pioneira.
A comparação desta franja pioneira com a paulista não
é muito fiel, porque a de São Paulo foi formada essencialmente
por fazendas , com produção voltada para o mercado externo,
ao passo que a de Capitão Poço é formada de pequenos pos-
seiros, produzindo fibra para a indústria nacional.
A causa da ocorrência da referida lacuna na rêde urbana
da franja pioneira de Capitão Poço é que o povoamento aqui
não cresceu regular e paulatinamente, a partir das proxi-
midades da etapa principal. Entre Belém e a franja pioneira
existia uma região de povoamento velho, estagnada e com
solos em vias de exaustão.
A única franja pioneira sulina que apresenta certa seme-
lhança, nesse aspecto, com a de Capitão Poço é a de Pato
"" Com essa ligação de Capitão P õço à BR-14, e outras mais que se !arão a
esta rodovia, Castanhal deverá a dquinr um status de etapa secundária.

117
Flg. 51 - MaLva macerando e desfiorando, num igarapé próximo a Capitão Poço.
(Foto Mazzola - CNG - 23-7-65) .
Branco, no sudoeste do Paraná, a qual tem à sua retaguarda
os campos naturais de Palmas e Clevelândia, com velho
povoamento.
A zona pioneira guajarina em causa está, entretanto,
numa fase mais primitiva de sua evolução. Capitão Poço não
tem ainda nenhum outro centro importante à sua frente;
êle comanda diretamente o ataque à floresta. Pato Branco
já desenvolveu centros mais avançados: Marrecas, Capane-
ma, Coronel Vivida etc. Ademais, esta frente sulina tem
solos naturalmente mais férteis e é favorecida por uma pro-
ximidade maior do coração econômico do Brasil: São Paulo.
De Capitão Poço partem as seguintes estradas para a
frente pioneira, além daquela que liga essa cidade a Ourém
(24 km):
1 - Capitão Poço- São Pedro (para a BR-14): 16 km:
2- " " - Bôca Nova ou Garrafão (para o
Alto Guamá) : 15 km;
3- " " - Nova Colônia: 13 km;
118
4 - Capitão Poço - Ajará (ramal da anterior): 22 km;
5 - " " - Igarapé-Açu (homônima da cida-
de da Bragantina) : 6 km.
O município foi instalado em março de 1962. Sua expor-
tação evoluiu do seguinte modo:

VII

PERÍODO Quantidade (kg) Valor (Cr$)

1962 (abril - dezembro) .... . ...... .. .... . 1 003 935 46 712 940
1963 ... . ..... . ....... .. .... . . . . .. ....... . 2 154 563 161 437 715
1964 ........... ... .. . .... . ...... .. ... . .. . 2 420 006 340 305 900
1965 (janeiro - junho) . .. . .. . .. . ........ . . 621 490 127 087 000

Capitão Poço é o município que produz mais malva.


Queimam-se os roçados em outubro; em novembro,
dezembro e janeiro planta-se a malva. A safra começa em
maio, mas a exportação maior se verifica de novembro a
dezembro.
É de tal vulto a safra da malva, em Capitão Poço, que a
mão-de-obra se torna insuficiente na época da colheita. Vem
por isso gente de Salinópolis, Primavera e do Maranhão, tra-
balhar no corte de malva, regressando depois. Recebem por
êsse serviço Cr$ 1.500 e comida.
Embora sendo uma típica zona de pequenos lavradores,
verifica-se, também, em Capitão Poço, o sistema de meação
na época do corte da malva, porque os rendimentos são ele-
vados - 30 arrôbasj tarefa, 49 em média, e as famílias dos
posseiros não possuem, em geral, fôrça de trabalho suficiente,
quando plantam 10 ou mais tarefas de malva. Empregam-se,
também, mulheres que trabalham no desfibramento da malva.
A rotação de terras praticada em Capitão Poço obedece
geralmente ao seguinte ciclo:
arroz e milho ... . .. .. . . ... . 1 ano
capoeira ... .. ........... ... . 3 anos
Esta é usual nos roçados para a produção de alimentos.
Quando entra a cultura da malva, procede-se da seguinte
•• A tarefa corresponde a 1/3 de hectare e a arrôba a 15 kg. Para se cal-
cular o rendimento em quilos por hecta r e basta, portanto, multiplicar a qua nti-
dade de malva por 15 e por 3. Assim , o rendimento mé<lio d a m a lva em Capitão
Poço é de 1.350 kg/ ha.

119
Flg. 52 - Destibra-
mento da malva,
num igarapé próximo
a Capitão Poço.
(Foto Mazzola -
CNG - 23-7-65).

maneira: plantam-se milho e malva; colhe-se o milho e dei-


xa-se a malva tomar conta do terreno. Depois de cortada a
malva, alguns plantam feijão e mandioca.
A variedade de arroz cultivada em Capitão Poço é a
mesma da Bragantina e Salgado: o "canela de ferro". O
arroz e o milho são plantados em janeiro, mas o milho é co-
lhido mais cêdo em abril-maio, enquanto o arroz o é em
maio-junho.
O feijão é plantado em abril-maio. O chamado "feijão
40" produz em 40 dias. O feijão de corda é consorciado ao
arroz. Há três anos planta-se pimenta-do-reino em Capitão
Poço, de modo que a primeira safra verificou-se em 1965.
O seu plantio se faz em fevereiro-março, com espaça-
mento de 2,5 a 3 metros. As estacas têm três metros de

120
altura e são constituídas de jarana (Holopixidium jarana,
Hub.) e acapu (Vouacapoua americana). Os pimentais são
adubados com estêrco de boi e palha de arroz; aplica-se pouco
adubo químico, porque êste é caro. Enquanto o fertilizante
é comprado em Belém, o estrume é adquirido em Nova Tim-
boteua, Peixe-Boi e Primavera. A colheita da pimenta depende
das chuvas; se estas não atrasam, ela se realiza em agôsta-
setembro, prolongando-se até novembro; caso contrário, ini-
cia-se em setembro. A pimenteira, com 4 anos, pode produzir
4 a 5 kg/ pé. São necessárias 6 ou mais capinas por ano, no
pimenta!.

Flg. 53 - Lavrador e filho montados em burros-, transportando fibras de malva


para vender, a 1,5 km ac norte de Capitão P oço. (Foto Mazzola - CNG - 23-7-65).

A colheita dos principais produtos agrícolas, em Capitão


Poço, alcançou, em 1963, as seguintes quantidades:
arroz com casca . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.017.506 kg.
arroz beneficiado .......... .. ... . 419.200 kg.
milho .......................... . 231.240 kg .
A farinha deu boa produção em 1962, porém o preço
dêste produto é maior em Capitão Poço do que em Belém;

121
é a razão porque é exportado somente para o Maranhão, uma
vez que na capital paraense, não pode competir com a pro-
dução de farinha, proveniente de outras áreas mais próximas.
Mas, a principal produção municipal é a malva. No auge
da safra saem de Capitão Poço, diàriamente, dez caminhões
carregados de fibra, transportando, cada um, 6 a 7 toneladas
para Belém.
Alguns compradores financiam a produção de malva.
O Banco de Crédito da Amazônia está, também, financiando
por intermédio da cooperativa, embora esteja esta em
situação quase insolvente, devido à falta de compreensão da
maioria de seus associados . O Banco do Brasil proporciona
financiamento direto, com quantias variando entre 200 e
500 mil cruzeiros .
A maior parte dos lavradores do município é constituída
de posseiros. Só as colônias estão dando títulos de proprie-
dade: a Colônia Hermenegildo Alves e a Capitão Poço. Há,
no entanto, agricultores que possuem títulos provisórios.
No início do povoamento da região existia uma con-
cessão japonêsa, que foi desapropriada pelo govêrno, tendo
êste distribuído as terras .

Flg. 54 - Capoeirões ao longo da estrada Capitão Poço - Santa Luzia. (Foto Maz-
zola- CNG - 23-7-65).

122
O lote agrícola nas colônias é de 25 hectares, área que
constitui a da maioria das propriedades em Capitão Poço.
A maior propriedade do município pertence à serraria, que
tem uma légua quadrada.
Um resto da antiga economia extrativa ainda subsiste.
Além da madeira, que se vende beneficiada para Ourém,
Capanema, Bragança e Belém, extrai-se da mata também
cipó-titica e um pouco de copaíba. O referido cipó é vendido
em Castanha!, onde há uma fábrica de móveis, e em Belém.
A área do município é de 5. 784 km 2 e sua população
de cêrca de 20. 000 habitantes, dos quais aproximadamente
90 % são nordestinos (especialmente cearenses) .
A cidade de Capitão Poço tem mais de 2.000 casas.
O núcleo surgiu no vale, mas expandiu-se sôbre o espigão,
especialmente ao longo da rodovia (fig. 55) . A estrada
forma, assim, dentro da cidade, uma rua larga, constituindo
o eixo principal de seu ativo comércio. Em suas margens
encontram-se, além da sede municipal, as instalações de
representantes da CATA, de Martins Melo, Sá Ribeiro, Sobral
Irmãos, tôdas grandes firmas de Belém.
Constantemente chegam à cidade caminhões vendendo
queijo (de Minas) , doces, manteiga, cebola, charque etc.,
vindos pela Belém-Brasília. Já se encontram nas casas de
comércio de Capitão Poço mercadorias tais como fogão de
gás butano e bicicletas, por preços mais baratos que em Belém.

Flg. 55 - Ru~t Principal à a ciàaàe à e Capitão Poço ( Pará). ( Foto M azzola - CNG
- 22-7-65) .

Antes, o comércio se abastecia exclusivamente na capital


do Estado. Agora, vários comerciantes têm carros e vão
bus~a_: mercadorias no sul . O que se transporta mais de
Capltao Poço para os mercados sulinos são o arroz e a
pimenta.

123
A abertura de uma estrada ligando à Belém-Brasília será,
pois, de grande importância; por isso, a Prefeitura está fazen-
do um grande esfôrço nesse sentido. Ela abreviará de 12
km o percurso para Belém, e de uma distância muitíssimo
maior, para o Sul. Além disso, na época das cheias (de feve-
reiro a maio), o Guamá não dá passagem na balsa, em
Ourém. Precisa-se fazer primeiro o transbordo dos caminhões
para canoas e vice-versa, na outra margem.
Como é típico das zonas pioneiras novas, em contraste
com a desenvolvida função comercial, as atividades industri-
ais de Capitão Poço são ainda incipientes. Há, na cidade,
usina de beneficiamento de arroz e uma serraria; porém, o
problema básico para desenvolver tal função, que é o da ener-
gia, ainda não foi solucionado pela administração.
O principal significado da zona pioneira de Capitão
Poço reside no fato de que, antes mesmo da abertura da
Belém-Brasília, ela se constitui em uma válvula de escape
para os excedentes de população do Salgado, da Bragantina
e do Nordeste. Mantêm os imigrantes em Capitão Poço seu
gênero de vida agrícola, com novas possibilidades, em virtude
dos solos virgens e do cultivo de um produto de grande
demanda- a malva -,em vez de irem engrossar, em Belém,
a massa de população marginal, em condições de subemprê-
go, no qual o elemento feminino decai, em grande número,
nas hastes obscuras da prostituição.
A franja pioneira da Belém-Brasília- A franja pioneira
ao norte da rodovia Belém-Brasília, deve ser subdividida em
duas partes: a primeira, mais ao norte, agrícola; a segunda.
mais ao sul, bàsicamente pastoril.
l) Zona malveira da BR-14 - Esta zona vai do km 14
ao km 106, na cidade de Ipixuna. Ao norte daquele limite,
no qual se insere o ramal de Irituia, ainda prevalece a pai-
sagem típica do vale do Guamá, com população escassa.
Mais ao sul, porém, a fisionomia da franja pioneira se carac-
teriza. É uma zona de povoamento recente, datando de 1957
a 58, antes portanto de ser completada a rodovia.
A ocupação da terra partiu do eixo da estrada e pene-
trou por picadas perpendiculares, que vão reduzindo sua
extensão à medida que se caminha para o Sul. Esta cunha,
tendo como eixo a estrada, lembra o povoamento do Norte
do Paraná e do Oeste paulista. Perto de Ipixuna o paredão
da mata está a distâncias que variam entre 200 e 500 metros
para cada lado da rodovia, aproximadamente.

124
A abertura da BR-14 vindo, aqui, do norte para o sul,
através de terras virgens, a partir de uma velha zona de
crise agrária, como a Bragantina, teve o efeito de uma san-
gria. Uma onda de povoamento se espraiou para o sul, consti-
tuída de nordestinos, principalmente cearenses, ou de gente
nascida naquela região mais ao norte. Os imigrantes do
Nordeste compõem, atualmente, a maioria da população
adulta neste trecho da Belém-Brasília.

Flg. 56 - Cidade de lpixuna, no Km 106 da Belém-Brasília . Notar qul' ela está


lançando transversais, abandonando o padrão linPar. (Foto Mazzola- CNG- 8-8-65)

O contingente humano que aqui vive é muito mais nume-


roso que nas zonas vizinhas, tanto ao norte, como ao sul. O
número de cidades, ao longo da estrada, é também muito
maior. :Êsses núcleos têm, em geral, traçado linear (Strassen-
ào!ff) e função comercial (Stadtpüitze) . A ausência de fun-
ção industrial explica o desenvolvimento acanhado que têm
essas cidades, quando comparadas às do Norte do Paraná,
por exemplo. De tôdas as cidades dêste trecho, sàmente Ipixu-
na está abrindo ruas transversais para estruturar provàvel-
mente seu plano em xadrez (fig. 56) . Além desta cidade,
apenas o povoado "Quilômetro 28" escapa à regra geral,
já que possui traçado em "castrum", isto é, ao redor de uma
praça.
À semelhança do que ocorre na parte oriental da BR-22,
onde existe outra zona pioneira já descrita, a maioria dos

125
núcleos urbanos dêste trecho da BR-14 nem sequer tem nome
especial; são designados pela quilometragem de estrada:
km 14, km 28, km 48, km 92. Ipixuna, uma vez mais, constitui
exceção.
Além do comércio normal, permanente, dêsses lugares,
as feiras atraem, periàdicamente, grande massa das áreas
rurais adjacentes. Aí, são expostos à venda, em tabuleiros ou
no chão, num ambiente tipicamente nordestino, produtos
locais, como farinha, arroz, feijão; do Nordeste, como rêdes de
dormir, rapadura, e do Sul, como bugigangas de plásticos, teci-
dos etc. (fig. 57). É curioso observar que os feirantes são os
mesmos que se encontram em Capanema, Capitão Poço,
outras cidades das zonas vizinhas, em outros dias da semana.
A malva é a cultura comercial por excelência, na região.
A farinha de mandioca, o arroz e o milho também têm signi-
ficado econômico, assim como as madeiras de lei extraídas
das florestas próximas .

Flg. 57 - Vista parcial d.a feira, no povoado Km 48, na rodovia Belém-Brasilia. A


àireita, caminhão carregando malva. (Foto Mazzola - CNG - 8-8-65}.

O sistema agrícola generalizado na região é o de roças .


Como os lavradores ainda dispõem de muita terra, só fazem
roçados em capoeirões ou matas. Não se estabeleceu, em
definitivo, uma rotina seguida por todos no trato da t~rra,
pois a região e~tá. povoada de ~o~co t.emp?, e .o solo, amda
relativamente fertll, suporta praticas IrraciOnais.
De modo geral, porém, plantam-se primeiramente o
milho e o arroz, no comêço da estação chuvosa - dezembro

126
ou janeiro-, após os necessanos preparativos da derrubada
e queimada, no final da estação sêca.
Somente quando o arroz já cresceu bastante, faz-se,
então, o plantio da mandioca, porque esta, em pouco tempo,
toma conta de todo o terreno. Antes que isto aconteça, contu-
do, colhe-se o arroz, com 120 dias, e tomba-se o milho, com
três meses. A maniva desenvolve-se sozinha, daí em diante,
devendo ser colhida entre 6 e 18 meses, conforme a variedade
plantada e o interêsse do lavrador.
Quando se quer produzir malva, no entanto, não se intro-
duz a mandioca no roçado, visto que ela o ocupa por muito
tempo. Após a colheita de ambos os cereais, deixa-se o terreno
repousar brevemente em capoeiras; em seguida, limpa-se,
queima-se e, se o solo já teve antes malva, esta brota espon-
tâneamente e domina; se não, planta-se a malva, em novem-
bro, para ser colhida em agôsto.
A malva cresce aqui espetacularmente (fig. 58), alcan-
çando, às vêzes, até 4,80 metros de altura.
Flg. 58 - Malva l, capoeira e mata no fundo. Rancho de nordestino, com alpendre
e varal, a 6 km ao sul do povoado Km 58, na Belém-Brasília (Foto Mazzola -
CNG - 8-8-65) .
Quando o agricultor não tem recursos, algum comerci-
ante local lhe faz adiantamentos, em dinheiro ou em espécie.
Quando não precisa, fica livre para vender sua produção a
quem quiser. O quilo de malva é vendido, atualmente, na
região a Cr$ 260. Somente no povoado do km 48 há cêrca de
dez compradores de malva, que remetem a fibra adquirida
para Belém ou outras cidades da Bragantina.
Normalmente, a região exporta também excedentes de
farinha, arroz e milho. O lavrador que produz mandioca, mas
não possui casa de farinha, paga ao proprietário desta uma
"canga" 50 de 4 litros por lata de 20 litros, isto é, 20%,
pelo beneficiamento do produto.
A conjuntura é favorável à venda da farinha, porque as
más condições do tempo, em 1964, provocaram uma carência
do produto em Belém, com brusca alta dos preços. Na própria
região produtora da BR-14, uma saca de farinha, que custava
antes Cr$ 3 . 000, estava sendo adquirida, em agôsto de 1965,
a Cr$ 6.000.
O contrário se passou com o arroz que, com a abundân-
cia de chuvas do ano anterior, teve enorme safra. Os preços
ficaram tão baixos que a produção tornou-se antieconômica.
A variedade mais cultivada na região é o "Canela de Ferro",
que é de baixa qualidade. A saca de 60 kg estava sendo com-
prada ao produtor por Cr$ 2. 000 e um trabalhador, apenas
para fazer a colheita, cobra Cr$ 1. 000 por dia, com direito
a três refeições. Por isso, o arroz estava sendo colhido somente
para a subsistência das famílias dos lavradores.
A exploração da madeira é uma atividade comum a tôda
esta zona pioneira, desde Paragominas até o Guamá; será,
por isso, estudada mais adiante.

Zona das invernadas de paragominas - Ao sul da zona


malveira a Belém-Brasília passa a percorrer uma região que se
caracteriza, sobretudo, pela presença de invernadas, lembran-
do, em grandes linhas, a ocupação do oeste paulista.

"' Esta palavra, multo usada hoje em dia, no Interior do Brasil, para exprimir
a remuneração pelo processamento da mandioca ao dono da casa de farinha, parece
ser uma corruptela do têrmo "côngrua", que correspondla a um Impôs to, pago à
Igreja, no tempo do Império, qua ndo ela era unida ao Estado.

128
Estende-se desde 2 km ao sul do povoado de Ipixuna até
18 km ao norte do povoado de Agua Azul; constitui atualmente
o município de Paragominas. 51
É neste trecho da BR-14 que se localiza a mais recente
das franjas pioneiras da Guajarina; assemelha-se às já estu-
dadas, pois se desenvolve em decorrência do mercado de
Belém. Todavia, goianos, mineiros, baianos, paulistas foram
os responsáveis pelo povoamento. A densidade de população
é mais baixa e a ocupação do solo se realiza, sobretudo, com
invernadas.
Mas, a partir de 215 km ao sul da cidade de Paragominas,
a mata aparece mais próxima da estrada e em largos trechos
a acompanha; as invernadas são descontínuas, ocupam menor
área e são mais recentes; a densidade demográfica torna-se
mais baixa e a população mais pobre; pequenas roças e rústi-
cas casas de farinha são constantes.
:J!:stes elementos individualizam duas áreas sócio-econô-
nücas a das invernadas de Paragominas e a do sertão do
sudeste paraense .
Ocupando uma extensão de 91 km ao longo da Belém-
Brasília, a zona de invernadas de Paragominas apresenta
uma densidade demográfica bem mais baixa que a da zona
malveira vizinha. Tal fato decorre não apenas de ser uma
área de ocupação recente, mas, sobretudo, de basear-se a eco-
nomia regional principalmente na criação de gado.
O habitat é também linear e disperso, como o da zona
malveira, que lhe fica ao norte.
Mas, ao contrário da zona malveira, ocupada predomi-
nantemente por nordestinos provenientes do Salgado e da
Bragantina, a de Paragominas foi povoada inicialmente, por
goianos, paulistas, baianos e mineiros.
Embora seu desenvolvimento seja diretamente resultante
da abertura da Belém-Brasília, o povoamento da zona de
invernadas de Paragominas foi iniciado antes que a rodovia
tivesse atingido a região.

"' Paragominas é o mais nôvo dos municípios paraenses. Sua criação é de 4 de


janeiro de 1965, com um território de 36.000 km 2 • Foi constituído de terras des-
membradas dos municípios de São Domingos do Capim e de Vizeu. Limita-se, ao
norte, pelo rio Candiru-Açu (que corta a BR-14 no km 122) e por um a reta, até
as nascentes do Coraci-paraná e por êste até sua confluência com o Gurupi. A
leste, o Gurupi limita-o com o Maranhão ; ao sul, o rio Itinga e por uma reta que
liga suas nascentes ao Surubiju; a oeste, o Capim , até a confluência do candiru-
Açu .

9 - 37 843 129
Em 1958, o baiano Ariston Alves da Silva chegou a região
e fêz a primeira roça de arroz, após ter atravessado, por meio
de picadas por êle abertas, a bacia do Capim. 52
Goianos e mineiros se interessaram desde muito cedo pela
região, através do sistema de especulação de terras.
No sudeste brasileiro divulgaram que Paragominas (nome
que deram à região - terras do Pará, colonizadas por goianos
e mineiros) era uma zona onde dava tudo e tanto como as
terras do norte do Paraná, sem que tivessem que enfrentar o
problema das geadas .
As terras foram demarcadas seguindo tôda a técnica
moderna; apresentava-se o mapeamento dos lotes (na escala
de 1:300. 000) aos interessados. A venda se verificou anteci-
padamente em São Paulo, Minas Gerais, Paraná e no sul de
Goiás. Recibos eram fornecidos pelo adiantamento de cada
parcela em dinheiro para a aquisição de lotes de terra .
Só então recorreram ao govêrno paraense, com os títulos
de propriedade, em nome daqueles que as haviam comprado.
Sulinos com algum capital passaram a se dedicar à espe-
culação das terras de Paragominas. Surgiram várias compa-
nhias que começaram a agir na região. Onde terminava a
ação de uma, iniciava a de outra; plantas mirabolantes
foram executadas (Mapa XIX).
A própria Secretaria de Terras e Colonização do Estado
do Pará empreendeu, por iniciativa própria, venda de terras.
Uma légua quadrada (na verdade 3/ 4 de légua) ú 3 poderia
ser adquirida à razão de Cr$ 3.418; em realidade êste preço
era ilusório; a aquisição do título de propriedade era onerado
por uma série de propinas distribuídas em Belém, do contínuo
aos ocupantes de altos cargos administrativos, para que o
processo pudesse transitar livremente nas diversas etapas da
administração estadual.
A Secretaria de Terras e Colonização do Pará reservou
para si uma área, à margem da estrada, para empreender
uma ocupação dirigida, através de colonos japonêses. Todavia,
a área selecionada localizava-se no chapadão (a 24 km ao sul
da cidade de Paragominas) . As dificuldades para obtenção
de água 54 levaram o empreendimento ao malôgro, após
terem gasto cêrca de Cr$ 9 . 000 . 000 . Ficaram umas poucas
"" 1!:ste trajeto corresponde, parcialmente, ao ramal da Belém-Brasilla - Tomé-
Açu -Paragomlnas.
oa 3/4 de légua quadrada correspondem a 27 km 2 •
M Informaram-nos os colonos japonêses de Paragomlnas que escavaram um
pôço de 60 metros de profundidade, sem todavia conseguirem atingir o lençol de
água.

130
famílias japonêsas, que não tiveram possibilidades de migrar
para outras áreas e, atualmente, tentam a cultura da pimenta-
-do-reino.
De acôrdo com a legislação estabelecida para a constru-
ção da Belém-Brasília, estava regulamentado que uma faixa
de 6. 000 metros a partir de ambas as margens da rodovia,
pertenceria às Fôrças Armadas, para promover a colonização
das regiões cortadas pela estrada. Tal legislação entrou logo
em choque, quer com a Constituição Federal, quer com as
Constituições Estaduais, pois estas estabelecem que as terras
devolutas pertencem aos Estados onde estão situadas.
Excluindo-se as terras no chapadão, as terras cedidas às
Fôrças Armadas foram ocupadas por posseiros. No momento
atual, êies recebem títulos provisórios do govêrno paraense,
que busca regularizar-lhes a situação.
A maior parte da população do município se localiza na
zona das invernadas. 55

As habitações são geralmente pequenas, de sopapo, chão


de terra batida, teto de duas águas, cobertura de cavaco, com
uma ou duas janelas e uma porta, rústicas.
Nas sedes das grandes invernadas começam a surgir,
todavia, casas de madeira beneficiada, com ripas nos inters-
tícios, teto de quatro águas, cobertura de telha. São construí-
das sôbre estacas, assoalhadas; varandas cercam as depen-
dências das habitações. As casas de alvenaria são raras.
A atividade econômica predominente é a pecuária, que se .
orienta para a engorda e recria do gado.
Esta orientação para a pecuária decorre do próprio
elemento humano responsável pelo povoamento da região-
goianos, mineiros, paulistas, marajoaras; do poder aquisitivo
dos proprietários de terras; da valorização dos bovinos; do
aparecimento de uma nova rota de gado, que surgiu com a
abertura da rodovia, e da existência do mercado de Belém.
Localizadas em terra firme, a formação das invernadas
requer a derrubada, · a queimada e a destoca; são trabalhos
que exigem imediato investimento de capital. Na fazenda
Bôa Sorte (a 38 km ao sul de Paragominas), na fase inicial
de sua organização, o preço da derrubada de um alqueire
(4,84 hectares) era da ordem de Cr$ 16. 000. Hoje, êste tra-
balho atinge a Cr$ 12.000 a tarefa (1 / 3 de hectare) .
05 Estima d a, pelo prefeito d e P a r agominas, em 6.800 pessoas.

131
Não é possível a destoca completa. Geralmente, os
gigantes da mata não podem ser derrubados; como nem a
queimada os destrói, aparecem. na paisagem como esguios
esqueletos (fig. 38).
Após a retirada da mata, planta-se o milho e quando
êste atinge dois palmos de altura, lançam-se as sementes de
capim. O milho colhido destina-se ao consumo na própria
invernada, sobretudo a alimentação de porcos e aves.
A espécie de capim mais usada é o colonião; o jaraguá
é mais resistente ao fogo e utilizado em terras mais pobres.
As sementes de capim foram inicialmente adquiridas em
Itapetinga, à razão de Cr$ 250 o saco. Atualmente, são com-
pradas em Minas Gerais, e um quilo de sementes atinge de
500 a 700 cruzeiros:
A semeadura realiza-se em meados de novembro, antes
das primeiras chuvas; estas possibilitam a germinação e o
rápido crescimento das pastagens.
O gado é colocado, por pouco tempo, nas mangas 56 em
formação. Após o primeiro ano, as pastagens são queimadas,
havendo, todavia, a reserva de uma pequena área para o for-
necimento de sementes, para a formação de outras mangas.
Como é uma região de recente ocupação, não houve
ainda necessidade de se refazerem as pastagens. 57
Atualmente, as pastagens de Paragominas atingem um
total de 7. 500 alqueires e têm capacidade para abrigar de
18.000 a 20.000 reses.
Fazendeiros locais estimam que um hectare de pasto
comporta 2 a 3 cabeças de gado, lotação bem superior à
capacidade dos campos de Marajá, onde em um hectare
podem ficar apenas 1/ 2 a 1 cabeça de gado.
Há um ano as pastagens de Paragominas, sobretudo as
que se localizam às margens da Belém-Brasília, estão sendo
destinadas à engorda do gado, proveniente de Goiás, enca-
minhado ao consumo da capital paraense.
A permanência do gado nas invernadas é muito variável,
sendo geralmente de 5 a 6 meses.
A manga é alugada à razão de Cr$ 2. 000 por cabeça
durante um mês. A responsabilidade sôbre o gado e tôdas
as despesas com vaqueiros e peões correm por conta do pro-
prietário dos animais .
.. Expressão usada na Bahia para o pasto cercado e plantado, empregada em
Paragominas com o mesmo sentido.
"' Aliás, êste problema não possui a grande maioria dos fazendeiros na Ilha de
Marajó, uma vez que as enchentes periódicas dos campos, refazem-nos anualmente.

132
Se a permanência das reses é por pouco tempo nas
invernadas, o contrato é apenas verbal; se entretanto, é por
vários meses, há um contrato escrito, estabelecendo direitos
e deveres das duas partes contratantes .
A região de Paragominas é propícia à engorda: o clima
quente e a pluviosidade elevada contribuem para que as
pastagens sejam sempre. verdes. Não obstante, o solo é pobre
em elementos pequenos e a alta precipitação lixiviou-o de
tal modo, que os fazendeiros têm que dar ração de sal grosso,
à qual acrescentam cobalto numa proporção de 15 gramas
por saca de 60 kg.
Além da finalidade de engorda, a região de invernadas
de Paragominas orienta-se também para a recria . O primeiro
gado para a região veio de Uberaba, em 1962.
Atualmente existem perto de 3.500 cabeças de bovinos,
em sua quase totalidade de raça zebuína, em suas variedades
guzerat, gir e nelore (fig. 59). O guzerat tem tido a prefe-
rência dos criadores de Paragominas, pela sua rusticidade e
boa produção de leite .

F !g. 59 - A mostra do plante! de zebus. em um a fa Zenda cte Paragomm as. (Foto


Mazzol a - CNG - agôsto de 1965).

O asfaltamento da Belém-Brasília possibilitará, assim,


à produção leiteira de Paragominas alcançar o mercado da
capital paraense.

133
As matrizes são adquiridas em Montes Claros, os repro-
dutores no Estado do Rio. Uma cabeça de gado guzerat
chega em Paragominas à razão de Cr$ 450 . 000 a ....... .
Cr$ 500.000; uma de gado gir, Cr$ 140.000; um reprodutor,
de um ano e meio, atinge o preço de Cr$ 1. 000.000 a ...... .
Cr$ 1 . 500. 000. Não há nenhum financiamento por parte do
Banco do Brasil para aquisição do gado. Esta atitude ado-
tada pelo banco atinge muito especialmente os pequenos
invernistas; as invernadas, tão penosamente abertas, são
invadidas pelas capoeiras, pois o "que forma o pasto é o
pisoteio do boi; sem colocar o gado, o capim "entouceira",
e não há bom pasto". 5s
Sendo-lhe inacessível a aquisição imediata de algumas
cabeças de gado, êle é forçado a plantar o arroz e a malva, que
prejudica a formação da invernada.
O argumento apresentado pelo Banco do Brasil para a
não realização dos empréstimos é que o país já alcançou o
"equilíbrio boi x homem"; ora, êste argumento pode ser
válido para certas regiões brasileiras, não para a Amazônia;
as dificuldades de abastecimento de Belém e Manaus con-
firmam, sobretudo, o fraco desenvolvimento das áreas de
criação no norte do Brasil.
As características climáticas (com uma estação sêca
bem definida), a existência de um mercado consumidor
próximo - a Amazônia, tendo em Belém seu principal entre-
pôsto, conferem à zona de invernadas de Paragominas condi-
ções favoráveis ao estabelecimento de charqueadas. Em
virtude disto, os frigoríficos Anglo S/ A estão interessados na
aquisição de terras em Paragominas, para organização de
grandes fazendas de gado, tendo como finalidade a formação
de charqueadas .
Pelas possibilidades que apresenta, pela sua localização
geográfica, pela orientação que está tomando, como uma área
de recria, Paragominas está fadada a se transformar, em
pouco tempo, na mais importante região de pecuária do
norte do Brasil.
As atividades agrícolas na zona de invernadas de Parago-
minas ocupam um plano secundário na estrutura econômica.
Baseada no sistema de roças, a agricultura se apresenta
como uma atividade suplementar. Mandioca, arroz, malva e
milho são os produtos cultivados mais importantes. Arroz e
malva são os únicos produtos comerciais, mas suas culturas
GS Informação de um fazendeiro local.

134
divulgam-se sobretudo como uma decorrência do baixo poder
aquisitivo dos pequenos invernistas. Através da comerciali-
zação da malva e do arroz, conseguem êles superar, pelo menos
em parte, as despesas que envolvem a abertura de invernadas.
Aquêles que possuem propriedades maiores têm áreas
reservadas para o cultivo da malva e do arroz; pois ambos
retardam a formação das pastagens.
Há vários problemas que envolvem a comercialização do
arroz, produzido em Paragominas.
Pela classificação adotada pelo Ministério da Agricultura,
muito embora o arroz de Paragominas seja do "tipo pratão",
é igualado ao do Maranhão ou "catete", que é de qualidade
inferior. Por outro lado, o preço que atinge no mercado consu-
midor é muito baixo. ~
Muito embora a Carteira Agropecuária do Banco do
Brasil tenha estipulado em Cr$ 7. 500 o saco de 60 kg., o preço
atingido em Paragominas, em agôsto de 1965, foi de ..... .
Cr$ 1. 500. Ora, tal quantia não compensa as despesas que
envolvem a colheita; basta dizer que a diária de um caboclo
é de Cr$ 1. 000, com alimentação. A impossibilidade de colhêr
o cereal se reflete na economia do agricultor: na fazenda Boa
Sorte, 4. 500 sacas de arroz não foram colhidas, em 1965,
apesar de seu proprietário ter recebido empréstimo da Coope-
rativa para a realização do plantio. Trata-se, neste caso, de
um dono de grandes invernadas, de modo que o prejuízo obtido
pôde ser compensado com o aluguel das "mangas". O reflexo
é mais grave, porque tal crise atingiu, também, e mais pro-
fundamente, os pequenos invernistas, pois a cultura do arroz
é realizada no sentido de aliviar as despesas com a derrubada,
queimada e destaca para a formação de uma pequena inver-
nada.
Não há possibilidade de estocagem da produção pela
facilidade que apresenta o arroz à fermentação e pela quebra
no pêso, após 60 dias.
Embora haja um beneficiamento de arroz na cidade de
Paragominas, sua capacidade é muito pequena (80 sacos
diários) e não dá para cobrir as despesas de sua manutenção.
Outro problema se relaciona com o mercado consumidor.
O mercado mais próximo é Belém; embora seja um centro
urbano de mais de 400. 000 habitantes, os hábitos alimentares
da população têm na farinha de mandioca seu produto básico.
Mas, não é apenas o baixo consumo da capital paraense que
deve ser considerado; acrescente-se a êle a concorrência reali-
zada pelo arroz proveniente do sul do país- mais caro, mas

135
com melhor beneficiamento, e das áreas produtoras mais pró-
ximas a Belém (vale do Guamá e Bragantina). O frete rodo-
viário onera o arroz saído de Paragominas, que, ao atingir o
mercado belenense, não pode ser vendido pelo mesmo preço
que o proveniente de regiões mais próximas.
A malva tem melhor preço: o quilo da fibra atingiu, em
1965, Cr$ 260 . É plantada, sobretudo, pelo pequeno proprietá-
rio, após a queimada e antes da semeadura.
A agricultura é financiada pela Cooperativa; ela constitui
uma das várias pequenas células ligadas à Cooperativa Central
sob supervisão do Banco de Crédito da Amazônia. Possui 400
cooperados, entre proprietários e posseiros, que têm por
obrigação entregar à Cooperativa apenas a parte da produção
correspondente ao valor do empréstimo obtido. A cooperativa
não tem meios para receber tôda a produção dos cooperados,
pelas dificuldades de manutenção dos meios de transporte
para colocar os produtos no mercado.
Como em tôdas as áreas percorridas pela equipe, estas
cooperativas do BCA ainda não atendem às reais neces-
sidades da população rural. Inquéritos realizados em Para-
gominas, revelaram o atraso considerável com que o financia-
mento chega ao agricultor. Em 1964 a primeira quota, apenas
em outubro chegou em Paragominas. Ora, nesta época já se
realizaram a derrubada, a queimada e a destaca; por isso as
despesas que envolvem tais tarefas já haviam feito o pequeno
proprietário endividar-se com o comerciante mais próximo,
através do sistema de aviamento. Esta dívida, làgicamente,
é difícil de ser saldada, por causa da desvalorização do arroz;
explica-se, assim, como a conjuntura favorece a expansão do
cultivo da malva.
Muito embora o Banco de Crédito da Amazônia tenha
realizado inquérito nas Cooperativas, a fim de buscar uma
solução para as dificuldades e deficiências destas, no mês de
agôsto de 1965 (época em que se realiza a queimada) ainda
não chegara, em Paragominas, qualquer parcela do dinheiro
para atender aos cooperados . 59
A fim de evitar a extensão progressiva da cultura da
malva, dada a crise que atravessa a comercialização do arroz,
as autoridades municipais pretendem divulgar, entre os
agricultores locais, o cultivo de espécies de ciclo vegetativo
rápido. 60
A existência em Belém de duas usinas de beneficiamento
e extração de óleos vegetais constitui-se em um incentivo para
•o Declaração do diretor da Cooperativa de P aragominas.
oo Declarações do Sr. Am llcar Batista Tocantins, prefei t o de Paragominas.

136
a divulgação da cultura do amendoim. É verdade que, no
momento presente, está em funcionamento apenas uma delas,
que refina, filtra e enlata óleo de babaçu, proveniente do norte
goiano e oeste maranhense. 6 1
Todavia, a BRASIL EXTRATIVA, em fase de montagem,
terá capacidade para refinamento de 30 toneladas diárias de
amendoim. Há, assim, uma possibilidade de colocação, no mer-
cado belenense, da produção de amendoim de Paragominas.
As relações de trabalho na ~ona de invernadas de Parago-
minas são as mesmas que caracterizam as zonas pioneiras de
Capitão Poço e Tomé-Açu, quer na criação do gado, quer na
agricultura são elas tipicamente capitalistas.
A derrubada e a broca de um hectare envolvem despesas
da ordem de Cr$ 140.000; para semeadura de capim, na produ-
ção das pastagens, a diária é de Cr$ 1.000, com alimentação;
os vaqueiros recebem salário mínimo, com casa e comida; a
diária na colheita do arroz é de Cr$ 1. 500 com alimentação.
A valorização crescente da mão-de-obra trouxe como
conseqüência o uso da empreitada como base para qualquer
empreendimento, sobretudo nas invernadas; em 1961, a der-
rubada de um alqueire (que é constituído de 12 tarefas) era
da ordem de Cr$ 16. 000; em 1965, o mesmo trabalho para
apenas uma tarefa atingia a Cr$ 12.000.
O povoamento urbano é caracterizado, também, pelo
Strassendorf, sendo, todavia, uma região de ocupação mais
recente e predominantemente pastoril, Paragominas é um
pequeno e "frouxo" Strassendorf; não possui, ainda, aquela
expressão comercial que tanto individualiza os da zona
malveira da Belém-Brasília.
A cidade se apresenta, ainda hoje, cercada de inverna-
das (fig. 60) .
As casas comerciaiS são pequenas, com um comércio
não diferenciado; há apenas um restaurante e um pequeno
pôsto de gasolina (com capacidade de 100.000 litros).
Há parada obrigatória dos ônibus que fazem a linha
Belém-Brasília; mas a inexistência de hotéis faz com que o
pernoite se realize em Imperatriz.
Estando, entretanto, a cidade localizada em uma frente
pioneira, da qual é etapa terciária, para Paragominas con-
verge a madeira extraída das derrubadas. Há uma pequena
s~:r~ria, cuja capacidade é de, aproximadamente, 17 m3
dianos. r; 1

"' Allás, a quase totalidade da produção da fábrica é a bsorvida pela indústria


" Perfumarias Phebo S/ A." .

137
Flg. 60 - Invernadas em Paragominas. Notar o gado no primeiro plano. (Foto
Mazzola - CNG - 4-8-65).

O cedro, o louro, a maçaranduba, o jatobá e o pau


amarelo são as espécies mais comuns e destinam-se à obten-
ção de tábuas, caibros e ripas.
A madeira é trazida à serraria por indivíduos não liga-
dos àquela organização; adquirem-na nas áreas de derrubada,
vendendo-a a Cr$ 7.000 o m 3 , em Paragominas.
A serraria possui 20 operários, que são pagos à base do
salário-mínimo. Seu proprietário reside em Belém e tôda a
produção estava sendo estocada.
Muito embora existisse antes um pequeno povoado, ape-
nas em outubro de 1961 foi lançada a sua pedra fundamen-

138
tal; e o lugar recebeu o nome de Paragominas. Localiza-se
no km 160 da Belém-Brasília, a 304 km da capital para-
ense. Em princípios de 1965, existiam lá 200 casas e uma
população de 1. 214 habitantes.
As casas, geralmente, são de madeira ·beneficiada,
disposta verticalmente, com ripas nos interstícios; teto de
duas águas, com cobertura de telhas, cavacos ou amianto;
geralmente assoalhada, e com sistema de abastecimento de
água de poço; mas algumas já possuem água encanada.
A cidade de Paragominas é dotada de um plano urba-
nístico, de autoria do arquiteto Joffre Parada. 62 Atualmen-
te apenas uma quadra já foi construída e as autoridades
municipais têm encontrado certas dificuldades com a popu-
lação que se localiza na cidade, a fim de que obedeça ao plano
adotado.
Paragominas ganha, todavia, uma expressão político-
-administrativa, pelas funções que passou a exercer a partir
de janeiro de 1965, com a criação do município.
Está em fase de organização um colégio, sob a orienta-
ção de religiosas, que se destina ao ensino primário.
Os prédios da prefeitura e da escola, assim como a
igreja, estão em projeto.
O sertão do sudeste paraense - Corresponde à secção
mais meridional da Belém-Brasília em território paraense;
inicia-se, aproximadamente, no km 204 da rodovia, prolon-
gando-se até 18 km ao norte do povoado de Água Azul.
É uma região com densidade demográfica muito mais
baixa que a da zona das invernadas de Paragominas. Embo-
ra o habitat ainda seja linear e disperso, apresenta-se inter-
rompido, várias vêzes, por extensos trechos de mata; as der-
rubadas para organização das invernadas ocupam pequenas
áreas; assim sendo, mesmo nos lugares por elas ocupados, a
a floresta não se afasta muito da estrada.
Por outro lado, as derrubadas sendo mais recentes, mais
numerosos são os espécimes da mata de terra firme que
permanecem.
Estas invernadas são geralmente invadidas pela capoeira,
pelo fato de não terem os invernistas poder aquisitivo para
conseguir algumas poucas cabeças de gado .
A população qu.e ocupa o sertão do sudeste paraense é
muito mais pobre que a da zona de invernadas de Parago-
minas; é constituída, sobretudo, de posseiros, provenientes de
outras áreas paraenses ou do Maranhão.
62 Apresentado por ocasião do concurso para a construção das cldades-sa~élltes
de Brasilla, obtendo o 4. 0 lugar, doou-o a Paragom!nas.

139
As casas são pequenas e baixas; teto de duas águas e
cobertura de cavacos, paredes de sopapo, com janelas e portas
rústicas, chão de terra batida.
As roças constituem a nota predominante da ocupação
do solo; mas, excetuando-se a malva, a agricultura tem o
caráter de subsistência; pequenas e toscas casas de farinha
são constantes (fig. 61).

Flg. 61 - Casa d e fari n ha e rancho, a 15,5 km ao sul do r!o Ptrtt!, na rodovfa


B etém-Br asili a. (Fot o Mazzola - CNG - 10-8-65 ).

Na alta bacia do Capim organizam-se, no momento,


fazendas de gado; as terras foram adquiridas por um grupo
de fazendeiros marajoaras; as invernadas, aí, ganham outro
significado; é verdade que se destinam .à engorda e à recria
do gado; mas, sobretudo, terão como finalidade servir de
escoadouro ao excesso de cabeças de gado, pertencentes àque-
les criadores em suas fazendas na ilha de ,Marajó; aí as
condições naturais (enchentes e sêcas periódicas) são alguns
dos fatôres responsáveis pela reduzida capacidade dos
campos.
A ocupação urbana ainda tem no Strassendorj seu tra-
çado predominante.

140
Gurupizinho é o mais importante; localizado à margem
esquerda do Gurupi, é um pequeno povoado; possui um restau-
rante-hotel de madeira, coberto de telha, uma serraria,
pequenas casas comerciais e um pequeno pôsto de gasolina
(capacidade de 50 mil litros) .
Mas nêle param, para o almôço, os caminhões que, pela
rodovia, se destinam a Belém.
Sua importância se reflete na série de construções novas,
que concretizam o crescimento de Gurupizinho.
A zona do sertão do sudeste paraense está destinada a
uma grande importância; os ramais de Tomé-Açu e Marabá
em direção à Belém-Brasília, farão convergir para ela os
interêsses de diferentes áreas geo-econômicas; por outro lado
está prevista uma ligação rodoviária, de 46 km, ligando as
invernadas da alta bacia do Capim com a Belém-Brasília,
(no km 255) .
Tais fatos proporcionarão uma valorização maior ainda
das terras da região e uma ocupação mais densa.

3) Sertão do Tocantins Paraense


As zonas fisiográficas do Itacaiunas e do Planalto 63
formam uma unidade geo-econômica, que denominamos o
sertão do Tocantins paraense.
É uma área de 116.805 km2 , limitando-se ao norte, pelo
município de Tucuruí, a leste pelo município de Moju e pelos
estados do Maranhão e Goiás; ao sul, pelo Estado de Mato
Grosso e a oeste, pelo rr~unicípio paraense de S. Félix do Xingu.
Localizando-se no sudeste do Pará é, do ponto-de-vista
geo-econômico, uma região de transição entre a Amazônia e
o Brasil Central. É a mais importante área amazônica pro-
dutora de castanha-do-pará (80,8 % da produção paraense),
principal produto de exportação da Região Norte para os
mercados internacionais. A valorização do gado e as necessi-
dades do mercado de Belém, vêm proporcionando o desenvol-
vimento de invernadas, para engorda e recria.
Tradicionalmente ligada àquelas duas grandes regiões
brasileiras pelo eixo Tocantins-Araguaia, volta-se, hoje, para
a Belém-Brasília; procura libertar-se da navegação fluvial,
pelos entraves que esta sempre representou ao seu desenvol-
vimento. ·
63 A zona flslográflca do Itacalunas é cons tltulda p<>los municípios die J a -
cundá, de Ituplranga, d e Ma r a b á e de S ã o João do Aragu a ia; a do Pla n a l t o , p elos
munlclplos d e Conceição do Aragu a ia e S a ntana do Aragu a ia.

141
É uma região pouco conhecida, tendo-se as pesquisas limi-
tado, até hoje, aos vales dos dois grandes rios.
Do ponto-de-vista geológico, o Tocantins e o Araguaia
atravessam terrenos de várias idades e rochas de natureza
bastante diversa.
Na confluência com o Araguaia, o Tocantins corta ter-
renos cristalinos, representados pelos filitos algonquianos. 64
Da corredeira do Tauiri às corredeiras de Itaboca (até
Tucuruí), "predominam granitos e xistos eopaleozóicos, atra-
vessados por diques de basalto". 65 O canal de Capitariquara,
nas corredeiras de Itaboca, representa o trabalho erosivo da
grande torrente do Tocantins, em um dêsses diques.
Já na região do Araguaia encontram-se terrenos arquea-
nos, aparecendo manchas de algonquiano, assinaladas por
serras de quartzito e injeções de quartzo nos xistos. Moraes
Rêgo filia êstes terrenos à série de Pôrto Nacional. 66
Terrenos mais recentes, do Cretáceo, afloram nos divi-
sores Araguaia-Xingu, Araguaia-Tocantins e Tocantins-Gu-
rupi; a serra dos Gradaús, entre o Xingu e o Araguaia, que
aparece como um chapadão, é, em sua maioria, constituída
de terrenos cretáceos. São um prolongamento da paisagem
existente no Centro-Oeste. 67
No baixo Araguaia e médio Tocantins se encontram im-
portantes depósitos de sedimentos quaternários; formam ilhas
fluviais e terraços, que estão a alguns metros acima do leito
atual dos rios.
Do ponto-de-vista geomórfico, os problemas são inúmeros,
como o de considerar o Tocantins o rio principal em relação
ao Araguaia; como o de determinar as linhas de fratura,
que orientam a drenagem; considerar epigenia ou fratura, o
que determina o corte do pequeno núcleo cristalino, onde se
encontram as corredeiras de Itaboca.
O sertão do Tocantins paraense é drenado pelo Tocantins,
em parte do seu curso médio - da confluência do Araguaia às
corredeiras do Itaboca - e pelos afluentes da margem es~
querda, dos quais os mais importantes são o Araguaia e o
!tacaiunas.
"' "PROJETO ARAGUAIA-TOCANTINS " . SPVEA. Inédito - R . Gal vão.
"" Américo L . Barbosa de Oliveira - " O VALE DO TOCANTINS-ARAGUAIA .
Possibilidades Econômicas. Navegaçi!.o Fluvial" . Relatório a presentado a o Exm• Sr.
Ministro da Justiça, Vlaçi!.o a Obras Públicas. Imprensa Nacional, Rlo de Janeiro,
1959. 144 pág, mapas e gráficos , fotografias . pág. 20 .
.. Luiz Flores de Moraes Rego - ' 'O VALE DO ARAGUAIA-TOCANTINS, VIA
DE ACESSO AO CENTRO DO PLANALTO BRASILEIRO" in Geografi a, a no l i,
n.• 1, pág . 3 a 15; In pág. 4 .
"' Fernando Flávio de Almeida : " CONTRmUIÇAO A GEOLOGIA DOS ESTA-
DOS DE MATO GROSSO e GOlAS" .

142
São rios que têm seus cursos interrompidos por corredei-
ras, devido a afloramentos de rochas cristalinas e diques de
basalto, e travessões de areia.
No Tocantins, as corredeiras de Itaboca constituem o pri-
meiro e o mais importante obstáculo, quando se sobe o rio,
partindo da foz. Com uma extensão de mais de 25 km e
um desnível de quase 24 metros, possui um verdadeiro labi·
rinto de canais, por onde as águas se precipitam com uma
velocidade de 20 m / seg. 68 Os mais importantes são os canais
de Capitariquara (no centro do leito) e o de Itaboca (na
margem esquerda), os únicos utilizados pelas embarcações.
O regime fluvial está intimamente ligado às estações sêca
e chuvosa, que formam marcante contraste no Planalto Cen-
tral, de onde provêm as águas do Tocantins e Araguaia. As
enchentes se verificam, por isso, de outubro a abril; as estia-
gens, de maio a setembro.
Na época das estiagens, o nível das águas desce muito;
secam os igarapés e altos cursos do Itacaiunas e seus afluen-
tes. As rochas e travessões de areia afloram, interceptando
ou dificultando a navegação; no canal de Capitariquara é
impossível o tráfego, nesta época, mesmo de pequenas em-
barcações.
Quando as grandes cheias do Tocantins-Araguaia coinci-
dem com as do Itacaiunas, as conseqüências são funestas.
Coincidindo com a safra da castanha, a coleta se torna im-
praticável. A cidade de Marabá fica submersa. Há uma para-
lização completa das atividades regionais, com grandes
prejuízos, que se refletem na economia do estado do Pará.
A importância de todos êstes aspectos é pois considerável,
para o estudo que ora fazemos: caracterizam a navegação
fluvial como antieconômica, concretizam a importância do
regime fluvial no estrativismo vegetal; justificam a inconve-
niência do sítio de Marabá. Serão, por isso, cuidadosamente
examinados, quando estudarmos os aspectos sócio-econômicos
do sertão do Tocantins paraf')nse.
Os grandes traços fitogeográficos <;stão intimamente liga-
dos ao clima, cujos elementos predominantes são suficientes
para a manutenção de uma densa floresta.
As matas de terra firme cobrem a quase totalidade da
área em estudo; as matas de várzea se restringem às ilhas
aluviais dos vales do Tocantins e Araguaia.

''" Axel Lógfren: R econhecimento Geológico nos rios Araguaia e Tocantins.

143
Na grande variedade de espécies que identificam o
caa-etê, sobressai a castanheira (Bertholletia excelsa, HBK),
um dos mais altos exemplares da mata amazônica, ultrapas-
sando a 50 metros; é uma árvore emergente e sua copa arre-
dondada ergue-se acima do teto da abóbada foliar. ~ste
aspecto não passou despercebido de Ehrenreich, quando em
sua viagem pelo Itacaiunas; em seu trabalho, 69 lemos o se-
guinte: ". . . densas florestas virgens cobrem a terra a perder
de vista e nelas imperam os castanhais, em tôda a sua ma-
jestade. Imponentíssima é a impressão dêstes gigantes vege-
tais, suas imensas copas verde-escuras, sulcadas por um sem
número de trepadeiras ... ". Muito embora a área de dispersão
da castanheira-do-pará seja considerável em tôda a Amazônia,
é no sertão do Tocantins paraense, sobretudo na bacia do
Itacaiunas, onde, atualmente, se conhecem as mais densas
concentrações desta espécie, formando imensos e contínuos
castanhais.
O caucho (Castilloa ulei, Narb.), abundante na vegetação
primitiva, atualmente é inexpressivo na região; o sistema
de exploração da borracha, feito pela derrubada da árvore,
rarefez a espécie.
O aparecimento do babac;m. (Orbignya Speciosa, Barb.
Rodr.) representa um elemento indicador da zona de transi-
ção entre as formações da Amazônia e as do Centro-Oeste
e Meio-Norte. Na região compreendida entre Itupiranga e
Conceição do Araguaia, no vale do Itacaiunas e de seus aflu-
entes, o Vermelho e o Parauapeba, observamos ocorrência desta
palmeira. Mas, "o babaçu ocorre de forma disseminada, nas
matas, sem constituir granQ.es concentrações que justifiquem
a denominação de babaçuais". 70
Próximo à cidade de Conceição do Araguaia, a ma ta não
chega a atingir a margem do rio. Aparecem grandes man-
chas de campos cerrados; a floresta aí ocorre .apenas acom-
panhando a estreita fímbria do vale (mata galeria) ou em
grandes capões.
Quanto aos solos, a inexistência de pesquisas, nos leva a
considerar, apenas, a classificação genérica usada para os solos
da Amazônia: os de terra-firme e os de várzea. Suas caracterís-
ticas já foram examinadas nos capítulos precedentes. No sertão
do Tocantins paraense deu-se o encontro de duas corrente de
•• J. Pais Ehrenreich: "Viagem do Paraguai ao Amazonas (Descendo o Ara-
g uaia)" in Rev. do Museu Goe!di, tomo XVl, 1.0 vol., 1929, Belém, pá.g. 242 .
'" L. C . Soares - "Limites Meridionais e Orientais da Area de Ocorrência da
Floresta Amazônica em Território Bra•!leiro" - Sep. da Rev. Bras. de Geogr.,
ano XV, Rio de Janeiro, CNG, IBGE, 1953, pá.g. 2 .122.

144
N

SERTAO PARAENSE
,
BACIA HIOROGRAFICA DO
I

MEDIO-TOCANTI NS E ITACAIUNAS

-----

/
I

ARÉA DA CASTANHA- PZZZ/1


lO z,o ;,p •,o 'P 6011~

MAPA XX
povoamento: uma proveniente do norte goiano e oeste mara-
nhense, tradicionalmente pastoril e garimpeira; a outra, no
sentido norte-sul, da Amazônia extrativista. O grande eixo de
penetração foi o Tocantins; o móvel da migração, o ciclo da
borracha.
Justamente na época em que se observou uma tendência
geral para o aumento do preço da goma, nos mercados inter-
nacionais (em fins do século XIX), foram descobertos, nas
matas do sertão do Tocantins paraense, grandes cauchais.
A borracha dêles extraída era de boa qualidade; seu elevado
preço acenava com a miragem do enriquecimento fácil; e a
fama do sertão do Tocantins paraense se espalhava ràpida-
mente, atraindo goianos, maranhenses e paraenses.
O efêmero ciclo do caucho, foi substituído pelo da casta-
nha-do-pará; a região não foi, por isso, tão profundamente
atingida pelo colapso da borracha, como outras áreas da
Amazônia.
Mais recentemente, a criação de gado e a garimpagem
constituem, também, causas de atração do elemento hu-
mano.
Os fatôres iniciais da ocupação do solo, ligados sobretudo
ao extrativismo vegetal, marcaram as formas de povoamento,
imprimindo no habitat rural, característica profundamente
amazônica, linear. A população preferiu o vale dos grandes
rios e o baixo Itacaiunas, mas, sobretudo, o do Tocantins,
pelas ligações constantes com as regiões a montante e a
jusante, facilitando suas trocas comerciais.
A distribuição da população é dispersa e rarefeita, o que
é justificado pelas bases econômicas do sertão do Tocantins
paraense: o extrativismo vegetal, a garimpagem e a criação
de gado.
Com uma população rural de 36.148 habitantes (Censo
de 1960), a densidade demográfica é excessivamente baixa:
0,1 hab./km2 •
Entre os municípios que constituem o sertão do Tocan-
tins paraense, o de Marabá é o único em que a população
urbana é superior à rural. As causas são diversas e podem
assim ser esquematizadas:
l.O) A bacia do Itacaiunas, foi a mais rica em caucho;
também o é em castanhais. Sabemos que o extrativismo ve-
getal, nos moldes em que se realiza na Amazônia, não fixa o
homem à terra.
Na época da borracha, o caucheiro era mais nômade que
o seringueiro; a pé ou em canoa, percorria os espigões e altos
10- 37 843 145
cursos dos rios procurando o caucho disperso no caa-etê; a
coleta consistia na derrubada da árvore, para extração de
todo o látex, o que o impulsionava, cada vez mais para o inte-
rior da mata. Sua habitação foi, por isso, mais temporária
que a do seringueiro; também, mais miserável e mais rústica;
só lhe servia de teto, no período suficiente para a feitura da
"péla"; o "tapiri" era armado em cada local onde se encon-
trava o caucho, para ser abandonado logo em seguida.
Hoje, os castanhais só abrigam uma população numerosa
durante a "safra".
É verdade que as corredeiras do Itacaiunas isolam o ho-
mem na mata, colocando-o à mercê da malária e dos ataques
indígenas. Mas, é, sobretudo, a estrutura sócio-econômica vi-
gente nos castanhais, que não lhe permite uma sedentariza-
ção nos locais onde se verifica a coleta. As terras não lhe
pertencem; o sistema de aviamento abastece o castanheiro
de gêneros de primeira necessidade. Ganhando por produção,
dedica-se exclusivamente à coleta da castanha. Nada o
prende à terra no período da entressafra.
2.o) No "verão" existem os garimpos e para êles se diri-
gem os castanheiros, onde muitos deixam o pequeno lucro que
obtiveram na coleta da castanha. Buscam o enriquecimento
fácil que os torne independentes e os liberte do secular sistema
de aviamento.
3.0) Dominando a bacia do Itacaiunas, existe uma cida-
de, Marabá, onde o castanheiro gasta ràpidamente o dinheiro
que recebeu da safra; mas, também, onde obtém trabalho
nos pequenos estaleiros do Itacaiunas, nas olarias, nas cons-
truções e outras pequenas atividades urbanas, que se lhe
aparecem.
É, portanto, uma população que exerce atividades sa-
zonais.
A exigência de mão-de-obra na safra da castanha faz
afluir, para o sertão do Tocantins paraense, populações do
baixo Tocantins, do norte goiano e oeste maranhense. "Im-
pressionante é a fôrça atrativa que a bacia do Itacaiunas
exerce nas populações das áreas limítrofes", declarou-nos um
comerciante de Marabá. Justificamos esta "atração" se nos
detivermos em uma análise da estrutura sócio-econômica das
regiões de onde provém êste elemento humano, que constitui
a classe dos castanheiros. O baixo Tocantins, o norte goiano
e o oeste maranhense, são regiões pobres, que se caracterizam
por uma crise; no baixo Tocantins a decadência da agricul-
tura comercial, baseada nas culturas do cacau e da cana-

146
-de-açúcar, libertou u'a mão-de-obra, que não pôde encon-
trar na rudimentar coleta vegetal (sementes de ucuuba, de
azeite de andiroba, do murumuru) o suficiente para a satis-
fação de suas necessidades primárias de subsistência; e o
tradicional sistema de aviamento o transforma, na realidade,
em um servo. No norte goiano e oeste maranhense perduram,
ainda, uma criação de gado extensiva, baseada no sistema
de partilha e uma exploração dos babaçuais, feita segundo
um sistema rudimentar de coleta. É, portanto, uma popula-
ção pobre, sem terras; a safra da castanha se lhes aparece
como uma época única de melhoria de vida.
O crescimento de Marabá, os garimpos e a criação de
gado vêm diminuindo, constantemente, o regresso destas
populações às regiões de origem; e a característica flutuante,
dominante no sertão do Tocantins paraense, vai, aos pou-
cos, desaparecendo.
A cidade mais importante do sertão do Tocantins para-
ense é Marabá, situada no ângulo formado pela confluência
do Itacaiunas com o Tocantins. O sítio da cidade, sujeito à
ação das grandes cheias do Itacaiunas, quando em coinci-
dência com as do Tocantins-Araguaia, levou geólogos e eco-
nomistas, que por lá passaram, a não justificar a permanência
do núcleo urbano "em lugar tão impróprio"; consideraram
mesmo "irracional sua construção (após a enchente de 1926)
num pontal alagável". 71 Mas é êste pontal que lhe possibilita
o contrôle de tôda a bacia do Itacaiunas, a maior área pro-
dutora de castanha.
Seu crescimento e importância seguiram, assim, parale-
lamente, o desenvolvimento da indústria extrativa. Até 1940,
à proporção que diminuía a safra, a ausência de trabalho
forçava os emigrantes a regressar, parceladamente, às regiões
de origem. E Marabá, "o estranho entreposto da castanha",
ficava desolada e triste, com seus motores fundeados. Justifi-
cava-se a afirmativa de Barbosa de Oliveira, realizada em
1938, de que a "cidade era um acampamento prestes a ser
levantado quando se avizinhar a próxima enchente". 72
A descoberta do diamante e a exploração do cristal de
rocha, fizeram com que o comércio marabaense fôsse o res-
ponsável pelo abastecimento dos garimpos, que lhe ficam
a jusante e a montante.
O crescimento da população urbana registra tal aspecto.
De 1940 a 1950, o aumento da população urbana foi de 70,6 %;
n Amérlco L . Barbosa de Oliveira, ob. cit., pãg. 37.
72 Opus cit.

147
de 1950 a 1960, foi de 57,7%; e o censo escolar, realizado em
1964, já acusava um aumento, na população do município
de 1.736 habitantes.
Tais razões fazem com que Marabá não apresente as
características de decadência, que observamos na quase tota·
lidade das cidades tocantinas, não ligadas diretamente à Be·
lém-Brasília. Muito ao contrário, o preço ascendente da cas·
tanha no mercado internacional, a expansão cada vez maior
da função comercial, refletem-se no aspecto urbano - casas
novas, de alvenaria, colégios, hospitais, comércio diferenciado,
ruas asfaltadas, grande número de construções. . . são um
atestado da importância que Marabá hoje desempenha no
médio Tocantins. Diríamos, mesmo, que é a cidade mais im-
portante do Tocantins paraense. Se não apresenta aquêles
aspectos que dão a Cametá, um lugar relevante na história
do Pará, por outro lado, não possui os aspectos de decadência,
tão comuns, nas cidades paraenses do vale do grande rio.
As outras cidades, Itupiranga, São João do Araguaia,
Conceição do Araguaia e Santana do Araguaia, são acanhados
núcleos, que gravitam em tôrno do "burgo do Itacaiunas".
São cidades com função administrativa e um comércio de
ação estritamente local.
Falta, apenas, nos referirmos a Jacundá. ~ste núcleo
surgiu em decorrência do obstáculo que apresentam as cor-
redeiras de Itaboca à navegação; dela parte uma pequena
estrada, que contorna as corredeiras; em seu pôrto, se fazem
as baldeações da carga, que sai das regiões a montante, em
direção a Belém. É, pois, uma cidade "rupture de charge".
As atividades econômicas do sertão do Tocantins para-
ense podem ser analisadas, através do extrativismo vegetal,
da garimpagem e da criação de gado.
Na economia da Amazônia, o comércio das oleaginosas
ocupa um lugar eminente. Mais de 2/ 3 desta e.{portação são,
todavia, representados pela castanha-do-pará, constituindo-se
em preciosa fonte de divisas.
Em 1964, a exportação brasileira foi de 24.185 ton., num
valor de Cr$ 12.594.884.805, correspondendo a US$ 10.421.527.'3
Mais de 50% desta produção escoou pelo pôrto de Belém. Já
afirmamos que 80,8% desta produção é proveniente do sertão
do Tocantins paraense.
Os problemas que envolvem a exploração e o comércio
da castanha-do-pará são os mesmos que encontramos em tôda
73 Dados fornecidos pela Carteira de Comércio E~ terior do Banco do Brasil,
Secção de Estatística. Outubro de 1965.

148
a Amazônia; no sertão do Tocantins paraense aparecem mais
concretos e mais fáceis de serem analisados, pois são mais
conhecidos pelo fato de a economia da região girar em tôrno
desta oleaginosa.
A base de nossa análise será o município de Marabá. Seu
território é constituído pela própria bacia do Itacaiunas, onde
se encontram, em exploração, os mais densos e maiores cas-
tanhais. Para Marabá convergem as atenções do comércio da
castanha.
Os castanhais explorados são, em sua totalidade, nativos.
Pertencem a particulares, ao patrimônio municipal, são de
serventia pública ou constituem terras devolutas.
O valor destas terras está condicionado à quantidade de
castanha produzida e à proximidade dos centros exporta-
dores: Marabá, Itupiranga, São João do Araguaia etc. Sua
localização em trechos navegáveis dos rios é, também, um
fator levado em consideração, pela maior facilidade que apre-
senta à exploração, escoamento e comercialização do produto.
As grandes propriedades particulares, embora não raras,
não constituem a maioria; domina a média propriedade.
Estas terras pertencem, em grande parte, ao estadn. Em
Marabá, tivemos a informação de que a quase totalidade dos
castanhais era de particulares; esta característica não é a
dominante no sertão do Tocantins paraense. Bem recente era
o problema dos posseiros em S. João do Araguaia, noticiado
pelos jornais de Belém; as providências tomadas pelo go-
vêrno, distribuindo títulos de propriedade aos posseiros, são
um atestado de vigência dêste aspecto.
As terras do estado são divididas em lotes de uma légua
quadrada (4.356 ha) e arrendadas; o sistema de loteamento
é feito sempre partindo das margens dos rios para o interior,
devido à importância da rêde hidrográfica no escoamento
da produção. Constituindo a maioria, as terras devolutas têm
grande importância; apesar de tôda a legislação, que regu-
lamenta o Serviço de Arrendamento de Terras de Exploração
de Produtos Nativos, em tôrno delas gira tôda uma política
partidária paraense.
A produção dos castanhais ocorre de maneira muito
irregular; há anos em que a produção é considerável; há ou-
tros em que a safra é muito pequena. Não há possibilidade
de se fazerem estimativas de produção porque, sendo os
castanhais nativos, qualquer previsão é mais aleatória que
a da previsão agrícola. Os proprietários de castanhais, toda-
via, sabem se a próxima safra é · ~boa ou não" , pela época e

149
maneira como se apresenta a florescência das castanheiras.
Quando lá estivemos, em agôsto, ouvimos, constantemente,
que a "safra de 66 seria boa, pois as castanheiras já estavam
cobertas de flôres". ·
A época da coleta fica compreendida entre dezembro e
março; pode, às vêzes, prolongar-se até junho, julho. Coinci-
dindo a safra com a estação chuvosa, que na região se chama
''inverno", há a possibilidade do escoamento da produção. Se
as chuvas não são abundantes, os igarapés e altos cursos
dos formadores do Itacaiunas secam ràpidamente; a casta-
nha colhida tem que passar por uma série de baldeações para
atingir Marabá; os obstáculos que apresentam as corredeiras
de Itaboca são maiores ; congestiona-se o pôrto de J acundá
e a castanha apodrece em grande escala.
Os maiores e mais produtivos castanhais, localizam-se
nas áreas de espigões, nos altos cursos do Itacaiunas e seus
formadores. . . Os castanheiros, nos barracões, esperam a que-
da dos ouriços ; recolhem-nos em paneiros; êles e suas famílias
são, também, os responsáveis pela quebra dos ouriços e reti-
rada das amêndoas. Uma pessoa adestrada quebra por dia,
em média, 700 a 800 ouriços, que correspondem a 2hl; há
castanheiros, que por safra, colhem 200 a 250 hl.
Reunidas as sementes, em regular quantidade, são trans-
portadas em lombos de burros, para a sede dos castanhais;
um dia de transporte se chama tombo e, geralmente. êste
transporte se realiza em três tombos. Devido a isto, houve
necessidade de abertura 0e pastos, em determinadas áreas
dos castanhais, para que se pudesse realizar a troca das tropas
de burro. Os animais pertencem, geralmente, aos proprie-
tários de castanhais. Êstes, atualmente, financiam aos tropei-
ros para aquisição de seus animais (pois é mais vantajoso;
êles, assim, têm mais cuidado com o animal, quando êste lhes
pertence). 74 Pertençam ou não os animais aos tropeiros, cada
tombo é pago à razão de Cr$ 500 a Cr$ 1.000, variando o preço
de acôrdo com a distância percorrida.
Dos castanhais para Marabá, as castanhas são transpor-
tadas em motores e em pentas. Os pentas possuem uma
capacidade máxima de 800 hl e o frete é da ordem de
Cr$ 2.500 o hl.
Dos centros produtores, a castanha segue para Tucuruí
e para Belém, em motores.
Há todo um processo de financiamento que envolve a
exploração dos castanhais. Atualmente, a agência do Banco
74 Informação dada pelo Sr. P ed ro Maranh ão, P refeito de M a r abá .

150
do Brasil, em Marabá, financia proprietários de castanhais
para a safra. O financiamento é feito tomando por base
40 % do valor obtido pelo hectolitro da castanha em Belém,
na safra anterior e é proporcional à produção do castanha!;
obtido em uma ou duas quotas (a primeira, em outubro, para
as despesas com o aviamento; a segunda, em janeira, para
atender aos transportes), a quitação é realizada en t julho
(término da safra).
A importância dêste financiamento é grande. Durante
anos se constituiu em uma das reinvidicações da classe dos
produtores. Libertou-os, em parte, das grandes firmas com-
pradoras de Belém; não há necessidade da venda antecipada
da safra, para atender às despesas que envolvem o "avia-
mento". Por outro lado, tôda a transação, atualmente, com
as firmas exportadoras, é a dinheiro.
Ainda perdura, todavia, o caso de pequenos proprietários
de castanhais venderem a safra antecipadamente, a comer-
ciantes ou a outros proprietários, para terem a possibilidade
de realizar o aviamento dos castanheiros e assim explorar sua
propriedade.
O sistema de aviamento, uma das heranças do ciclo da
borracha, ainda perdura na região. Realiza-se, sobretudo, em
relação ao castanheiro responsável pela coleta.
O aviamento é realizado no próprio castanha!. Consta
de gêneros alimentícios (farinha, açúcar, leite-em-pó, char-
que), remédios, querosene, munições, espingardas, fumo, sa-
patos e parte em dinheiro. Mosquiteiros, paneiros são por
conta do proprietário. No fim da safra há o ajuste de contas;
o aviamento é descontado; o saldo é pago em dinheiro.
Nas circunstâncias atuais, a mudança desta estrutura é
impossível. Pelo aviamento o castanheiro fica dependente do
proprietário; e assim permanecerá enquanto aquêle fôr um
miserável e êste detiver, de fato, o monopólio do comércio
numa área imensa.
Tais relações de trabalho paternalista, semifeudais, ainda
perduram em certas áreas predominantemente agrícolas da
Amazônia, como o Médio Amazonas e a Bragantina, porque
as causas citadas não foram removidas. Nas zonas pioneiras.
entretanto, como em Tomé-Açu, o Norte da BR-14 e CapitãC'
Poço, tais relações estão desaparecendo, porque uma economia
tipicamente mercantil nelas está se instaurando.
Êste é o significado sócio-econômico da abertura do ramal
de Marabá à Belém-Brasília: êle vai beneficiar não apenas

151
os senhores de terra, mas também os trabalhadores rurais.
Examinemos os problemas que envolvem a comerciali-
zação.
A primeira exportação de castanha parece datar do
século XVII, quando os portuguêses conquistaram a Amazô·
nia. O ciclo das drogas do sertão (séculos XVII e XVIII)
consistiu justamente na coleta da grande variedade de pro-
dutos que a hiléia oferecia. No decorrer do século XIX, já
havia a exploração de alguns castanhais. A partir da segunda
metade dêsse século, com a valorização gradativa da borracha
nos mercados internacionais, a atividade regional concentrou-
-se na sua extração, ficando a coleta da castanha relegada a
um plano secundário. Enquanto o preço do quilo da goma
atingia 3$400, era considerada uma boa cotação $500 para o
da castanha.
O incentivo da exploração dos castanhais só se verificou
no decorrer da rlecadência do ciclo da borracha. O quadro
(I) de Exportação de Castanha-do-pará e de Borracha (1881-
·1964), nos dá, em síntese, a evolução do processo de comer-
cialização. Entre 1881 e 1910 há a predominância absoluta
da borracha; em 1910-1930 verifica-se a queda na exportação
de goma, que se acentua, até desaparecer, como elemento
enviado aos mercados internacionais. Quanto à castanha-do-
-pará, há a ascenção progressiva, a partir do colapso da bor-
racha que substitui paralelamente a esta, nas exportações
amazônicas.
É preciso frisar que a castanha não apenas substituiu
a borracha nas exportações; ela herdou tôdas as caracterís-
ticas do "ciclo de ouro negro" amazônico: a produção é pro-
veniente de castanhais nativos; há dominância da média e
grande propriedade, uma vez que se verifica a simples coleta;
o sistema de aviamento é a dominante nas relações de tra-
balho; a quase totalidade da produção ganha os mercados
compradores, sem qualquer beneficiamento; os grandes por-
tos exportadores são Belém e Manaus.
O exame dos dados de exportação nos anos de 1963 e
1964 (Quadro I), nos leva às seguintes conclusões:
l.O) Belém é o maior pôrto exportador, porque exerce
o contrôle da produção amazônica. Na capital paraense estão
as sedes das grandes firmas exportadoras, que mantêm filiais
nas principais cidades amazônicas, localizadas nas áreas da
castanha. Além do mais, há todo um sistema de comércio
realizado pelos regatões paraenses, que pertencem a estas
firmas ou são por elas subvencionados.

152
CASTANHA COM CASCA

1963
PROCED~NCIA Quantidade Valor (Cr$) Valor (US$)

Belém .................... 12 631 188 1 690 090 507 3 007 825


Manaus .................. 7 388 482 1 227 922 696 2 106 569
Santos ................... 20 000 2 880 000 4 800
TOTAL .... .. . .. ..... 20 039 670 2 920 893 203 5 no 194

1964

PROCEDÊNCIA Quantidade Valor (Cr$) Valor (US$)

Belém .. ...... . ..... .. .... 7 967 364 2 407 048 03"" 2 104 975
Manaus .. .. ........ .. . . . . ll 278 ll6 4 400 791 48 3 685 499
Santos .. . ... . .... .. ...... 62 500 23 482 650 18 555
TOTAL .......... ... . 19 307 980 6 831 322 170 5 809 029

CASTANHA SEM CASCA

1963
PROCED~NCIA Quantidade Valor (Cr$) Valor (US$)

Belém ........... . .. 4 299 665 1 759 972 890 3 168 941


Manaus ................ . . 854 130 333 130 083 594 769
Rio de Janeiro .. .......... 300 275 400 459
Florianópolis ...... .. .... .. 9 20 300 35
TOTAL . ........ . .... 5 154 104 2 093 398 673 3 764 204

1964
PROCED~NCIA Quantidade Valor (Cr$) Valor (US$)

Belém ............... . .... 4 214 610 4 878 752 299 3 974 755
Manaus .. ........... . .... 662 280 884 810 336 637 4n
Rio de Janeiro .......... ..
Florianópolis ...... ..... . . .
TOTAL . .. ... .... .... 4 876 890 5 763 562 635 4 612 228

FONTE: Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (CACEX)


- Divisão de Estatística.

153
2.o) Belém se salienta, sobretudo, como exportadora de
castanha sem casca, porque nela se instalaram maior número
de fábricas de beneficiamento, utilizando processos melhores
de descascamento, estufamento e enlatamento.
Convém ainda acrescentar que é a praça de Belém quem
estabelece o preço no mercado nacional, justamente por
aquêle contrôle na produção. Se no mercado internacional
a castanha, exportada por Belém, obtém melhor preço, não é
pela classificação da amêndoa, nem tão pouco pelo fato de
os consumidores "se terem acostumado com aquêle tipo de
castanha" .7 5
A causa desta preferência está na localização de seu pôrto,
mais próxima dos mercados compradores. E a praça de Ma~
naus só inicia sua exportação, quando começa a diminuir
a de Belém.
É no decor_·er do segundo semestre, que corresponde à
entressafra, que as firmas exportadoras paraenses entram em
contacto com as praças de New York e Liverpool; vendem
antecipadamente parte da produção a ser entregue em março
e em agôsto. A base da venda são estabelecidos os preços em
Belém. A castanha começa a chegar à capital paraense em
fevereiro; os exportadores preparam então seus embarques
correspondentes à entrega de março.
Que problemas envolvem esta comercialização?
A castanha, sendo exportada em março, atinge os mer~
cactos internacionais, após as festas natalinas, época de seu
maior consumo no estrangeiro. No período em que se retraem
os compradores, a praça possui grande estoque, ficando a
castanha armazenada à espera do próximo Natal. O emprêgo
de capitais por comerciantes americanos e inglêses só pode
ser feito com a expectativa de lucros compensadores.
~ste problema é agravado em decorrência de a maior
parte da castanha, que se concentra em Belém, ser conser-
vada com casca. As fábricas de beneficiamento são insufi-
cientes para processar tôda a produção; como é um produto
de fácil deterioração, a exportação tem que ser feita em fins
da primavera e início do verão. Aguardando os transportes ,
a castanha permanece em galpões, em armazéns ou, simples-
mente, coberta nas alvarengas, fundeadas no pôrto.76
75 A castanha exportada p or Belém é, em sua grande quantid ade, ccn stit u ida
de cast a nha tipo m iú da; a p roveniente dos Estados do Am azonas e do Acre é do
t ipo médio e graúda; em Man a u s n os ju stifica ram a p referência p ela cast anha de
Belém , porque o mercado Já estava acostu mado com castanhas pequenas.
76 Os arm azén s do pôr to de Belém são insu ficientes para atender às necessidades
da exportação e im portação.

154
Não há nenhum processo de seleção na castanha expor-
tada a granel; não há embalagens; o espaço ocupado nos
porões dos cargueiros é considerável; porões que não possuem
requisitos para o transporte de um produto sensível aos exces-
sos de calor e de umidade. Quando a castanha atinge os mer-
cados deteriorada é devolvida à praça exportadora, com gran-
des prejuízos para as firmas. Houve uma tentativa de con-
tornar êste obstáculo, com a contratação de homens, que
acompanhavam a viagem, para evitar o môfo, uma das causas
do fácil apodrecimento da castanha; era comum, em Belém,
ouvir-se falar "de rapazes que haviam se engajado em um
navio para correr o mundo".
Nestas condições existentes na comercialização reside a
imposição que as firmas internacionais realizam, quanto ao
preço da castanha.
No sertão do Tocantins paraense, refletem-se os fatôres
antieconômicos da organização do comércio internacional da
castanha; ampliam-se e agravam-se, atingindo o elemento
básico da economia da região.
Existindo apenas 6 grandes firmas exportadoras em Be-
lém, há um contrôle do preço; variando em escala muito
pequena de uma para outra firma, não há, em realidade, ne-
nhuma vantagem para os proprietários de castanhais mu-
darem de "patrão". 77
Não sendo beneficiada na fonte de produção, a castanha
não pode ser estocada; sua fácil deterioração, levaria a
perdas consideráveis, se tal recurso fôsse adotado. Até 10 %
de quebra no hectolitro não é levado em consideração na
praça de Belém; "está dentro do preço", como nos informa-
ram em Marabá.78 Já a quebra de 22 % conduz a um abaixa-
mento de 2,5 % no preço do hectolitro; tem-se verificado, em
certos anos, proprietários de castanhais terem prejuízos que
alcançam Cr$ 700.000.000, em safra. Por outro lado, nem sem-
pre o preço sofre ascenção no decorrer da safra; se em outras
áreas castanheiras a safra é boa, contribuindo com forte
participação para a exportação, verifica-se uma queda no
preço. Recebendo financiamento do Banco do Brasil e o paga-
mento do empréstimo tendo que se realizar em julho, há
necessidade da venda, pelo menos de parte da produção, para
77 Muito embora, atualmente, os proprietários de castanhais sejam financiados
pelo Banco do Brasil, continua o uso da expressão "patrão", para designar os
compradores de castanha em Belém; essa expressão surgiu porque e.s firmas
adiantavam uma parte do dinheiro para que pudessem realizar a exploração dos
castanhais durante a safra.
78 Inquérito realizado em Marabá, em agôsto de 1965, com proprietários de
castanhais.

155
saldar a dívida com o Banco, uma vez que o dinheiro rece-
bido foi empregado no aviamento e no transporte da cas-
tanha.
Mas o problema vital da comercialização da castanha
no sertão do Tocantins paraense reside nos transportes regio-
nais e uma de suas soluções está intimamente ligada ào
estudo que ora realizamos.
O transporte da castanha da fonte de produção para
Belém se faz, principalmente, através das vias fluviais, pois
somente em pequenos trechos as estradas são utilizadas.
As condições que a rêde hidrográfica apresenta à nave-
gação são limitadas, levando-se em conta de que não são rios
de planície.
Já vimos, em parágrafos anteriores, como há nAcessidade
de um escoamento rápido da castanha dos altos cursos do
Itacaiunas e seus afluentes, devido à rápida estiagem, que
torna impraticável a navegação fluvial nas corredeirf.:s e tra-
vessões de areia.
Para a castanha atingir Belém, é necessária a utilização
do Tocantins, única via de escoamento do principal produto
do sertão do Tocantins paraense.
Em todo o trecho compreendido entre Marabá e Tucuruí
tem a navegação que vencer uma série de obstáculos - cor-
redeiras, travessões de areia, forçando a uma série de bal-
deações.
Itaboca é o mais sério impecilho em tôda a navegação
do Tocantins. A velocidade excessiva da corrente pelos canais
tortuosos e estreitos, cheios de afloramentos rochosos, forma
rebojos dos mais temíveis.
É verdade que as corredeiras de Itaboca possuem dois
canais navegáveis, mas, em que condições? O de Capitariquara,
no centro do leito, tem uma extensão de 10 km e um desnível
de 25 metros; é quase reto, porém, perigosíssimo; em sua
entrada existem afloramentos rochosos e para dêles se desviar
é necessário manobrar rápida e hàbilmente; na metade do
percurso, reaparecem os afloramentos rochosos, a pouca pro-
fundidade, e uma queda de dois metros. A corrente é violen-
tíssima; formam-se "rebojos" incessantes. Em sua descida
gastam-se 25 minutos e em suas margens afloram, abrupta-
mente, rochas graníticas de 5 metros de altura, o canal de
Itaboca é, completamente impraticável à navegação no pe-
ríodo de estiagem. Só é navegável em águas altas e médias;
neste último caso, as embarcações só podem subir o rio, neste
trecho, com meia carga, às vêzes auxiliadas por cabos de aço,

156
acionados por guinchos. É um canal sinuoso, havendo trechos
em que as curvas têm um raio de apenas 10 metros. Formam-
-se rebojos violentos contra a corrente. Antigamente, as em-
barcações levavam 6 a 8 dias para transpor estas corredeiras,
no sentido de jusante para montante, hoje, uma embarcação
de 100 HP leva, mais ou menos, uma hora para fazer o mesmo
percurso.
É apenas de Tucuruí para jusante que há realmente faci-
lidade na navegação fluvial do Tocantins.
A navegação no trecho Marabá-Tucuruí só se tornou pos-
sível pela realização do tráfego fluvial, sobretudo nas águas
altas e médias.
O advento das embarcações a óleo cru tornou mais viável
a utilização dêste trecho do Tocantins; houve uma adaptação
das embarcações - os motores. Possuem fundo raso, com
pequena tonelagem (25 a 35 ton.); o motor é de centro (50
a 100 HP); leme na pôpa, "bolinete" na proa .
.Mas o salário pago aos embarcadiços é mais elevado,
sobretudo ao pilôto, que só trabalha na safra e tem a direção
da embarcação apenas no trecho Tucuruí-Marabá; atual-
mente um pilôto recebe, por safra, Cr$ 1. 000. 000; o mesmo
ordenado se paga ao motorista. Todo o conhecimento do pilôto
é empírico; não têm curso de pilotagem; é a experiência
que o ensina; a praticagem, subindo a corredeira, consiste
em saber aproveitar os remansos sucessivos, atravessando o
canal, sempre que necessário, sem a preocupação de vencer
a correnteza com a fôrça do motor. Na descida, a embarcação
tem que ser dirigida, hàbilmente, entre as pedras visíveis e
invisíveis, sem se deixar impressionar com a velocidade da
marcha e pelo espoucar dos rebojos espumantes.
Atualmente aproveita-se o canal de Itaboca para subir
o rio e o de Capitariquara para descê-lo.
Mesmo nas águas médias os motores têm que realizar
o transbordo das cargas, quer na subida, quer na descida.
Desta necessidade surgiram as estradas.
A estrada de ferro do Tocantins, construída na margem
esquerda, contorna as corredeiras de Itaboca; são 117 km e
200 metros de trilhos de bitola de um metro, que de maneira
geral, acompanham o curso do rio. Está abandonada por ser
antieconômica para a União; porém, em condições normais
de tráfego, desempenharia papel importante na economia re-
gional, porque evita o trecho de difícil navegação no Tocan-
tins, no qual é impossível o tráfego na estiagem.

157
Há, hoje em dia, uma estrada de rodagem - a estrada
de Jacundá na margem direita; tem 9 km, mas seu pôrto
de jusante tem o inconveniente de não permitir o acesso livre
a embarcações; há necessidade de um transbordo para as
canoas e depois para os motores. A estrada particular, na
ilha do Bruno, de menor extensão, apresentava o mesmo in-
conveniente em relação ao pôrto de montante; hoje não é
mais utilizada.
A estrada de J acundá era trafegada mesmo na época das
"águas altas"; os motores, muitas vêzes, têm necessidade de
"aliviar" a carga, antes de "saltar" as corredeiras. Quer na
subida, quer na descida confiam suas cargas a caminhões e
fazem o trajeto das corredeiras com meia carga ou descar-
regados.
No período do inverno, 3 a 4 motores, em média, diària-
mente "saltam" as corredeiras. O frete no Tocantins é, por-
tanto, quatro vêzes mais onerado pelo esfôrço de tração, do
que o comum dos grandes rios brasileiros.
Acrescente-se que a "praça" da viagem de volta (Tucuruí-
Marabá) fica perdida. Declarou-nos um proprietário de em-
barcações, em Marabá, que o transporte pelo Tocantins, de-
caiu muito, com a abertura da rodovia Belém-Brasília, quanto
ao trajeto Belém-Marabá.
Os combustíveis estão muito caros. Um tambor de óleo
combustível, de 200 litros, custa, em Belém, Cr$ 23.400; um
tambor de lubrificante, de 200 litros, Cr$ 150.000. Ora, um
motor de 100 HP, no trajeto Belém-Marabá, gasta 7 tambores
de combustível e sete latas de lubrificantes. De Marabá para
Belém, um motor necessita de 5 tambores de combustível e
5 latas de lubrificantes.
Por outro lado, há necessidade de baldeações em vários
trechos, prolongando-se a yiagem por vários dias, enquanto
que uma viagem, com "água grande", no trecho Belém-Ma-
rabá se faz, no "inverno", em apenas 60 horas.
O frete fluvial é de Cr$ 30 a Cr$ 40/ kg, no trajeto Belém-
Marabá; e de Cr$ 25/kg, de Marabá para Belém; sendo muito
barato não compensa.
Poderíamos acrescentar que as embarcações pertencem
a proprietários de castanhais; as viagens se realizam de acôrdo
com as necessidades de seu empreendimento. Na época da
safra, o escoamento rápido da castanha no trajeto Marabá-
Tucuruí é o que prevalece; sobretudo porque é o frete mais
caro - um hectolitro de castanha paga de frete Cr$ 500

158
a Cr$ 800, no trecho Marabá-Tucuruí; para Belém, Cr$ 1.200
a Cr$ 1.500. Sendo assim, a carga de retôrno não lhe per-
tencendo, não lhe interessa.
Além do frete baixo, há tôda uma responsabilidade sôbre
a carga transportada; nas baldeações não há armazéns sufi-
cientes para guardá-la, enquanto esperam a chegada dos
caminhões. Ficam os volumes amontoados no pôrto, sujeitos
a extravios constantes e à deterioração.
O seguro das embarcações, que antigamente se reali-
zava, obedecia a uma taxa especial e elevadíssima; em caso
de sinistro, a indenização era de apenas 2/3 do valor assegu-
rado. Atualmente não há mais companhias de seguro que
operem no ramo; a causa da extinção desta espécie de seguro
se deve a grandes prejuízos que elas tiveram, devido aos
sinistros havidos nas corredeiras do Tocantins.
Já salientamos a importância de Jacundá como uma
cidade rupture de charge; mas êste núcleo urbano não
apresenta as condições indispensáveis para a realização plena
das funções para as quais foi destinado: não existem insta-
lações portuárias, mesmo rudimentares; o armazém existente
pertence à Prefeitura e é insuficiente para abrigar tôda a
castanha proveniente do sertão do Tocantins paraense; e o
produto fica amontoado no pôrto ou nos porões dos motores
aguardando transportes. O trajeto rodoviário é realizado por
caminhões pertencentes à Prefeitura de Jacundá, a única que
explora êste transporte, cobrando à razão de Cr$ 150 o hecto-
litro, incluindo a armazenagem.
As características que envolvem a navegação fluvial neste
trecho do Tocantins já foram estudadas por vários técnicos
e soluções várias foram apresentadas.
Assim, o engenheiro Gaffrée, em seu Relatório, não achou
aconselhável a continuação da navegação no Tocantins e
optou pela construção de uma estrada de ferro ou de rodagem,
entre Tucuruí e Marabá, como a única solução viável para
o problema do tráfego no rio, a fim de evitar Itaboca.
Após estudar o plano gigantesco de canalização dos tre-
chos encachoeirados do Tocantins, concluiu: "não será tão
cedo que o Govêrno Federal e os Estados interessados pode-
rão realizar o programa esboçado" e ". . . é um programa
vasto, caro e, na situação do país, irrealizável" ...
Barbosa de Oliveira salienta que é dever elementar do
Govêrno o de manter a todo o custo o funcionamento da
navegação subvencionada; organizar um serviço permanente
de obras e estudos para minorar as dificuldades com que

159
lutam os navegantes no rio Tocantins. Aconselhava, mesmo,
a desobstrução dos canais de apenas 20 metros de largura,
o que seria suficiente para a manobra folgada das embar-
cações e, làgicamente, a utilização imediata do Tocantins para
a navegação.
Mas. . . nada foi realizado. . . e os problemas do sertão
do Tocantins paraense não foram levados em consideração,
quer pelas autoridades federais, quer pelas estaduais.
A castanha, chegando em Tucuruí, não é imediatamente
encaminhada a Belém. Sua permanência, por alguns dias,
nos galpões pertencentes a proprietários de castanhais é
necessária para que haja uma seleção rudimentar; é neste
momento que são retiradas as amêndoas estragadas. A êste
processo dá-se o nome de "catação" e os responsáveis pelo
trabalho, o de "catadores de castanha", que ganham uma
diária de Cr$ 2.000 a 3.000.
Realiza-se, então, o embarque para Belém, em navios do
SNAPP ou, mais freqüentemente, em motores. No pôrto para-
ense, aguarda o desembarque. As despesas e a demora das
embarcações no pôrto de Belém, agravam ainda mais o pro-
blema.
Em tais condições a castanha, ao atingir a praça, já foi
envolvida por uma série de despesas. Só a grande quanti-
dade produzida, a organização realizada pelos proprietários
de castanhais, possibilitam uma comercialização compensa-
dora.
O extrativismo mineral e a criação de gado complemen-
tam a economia do sertão do Tocantins paraense.
A garimpagem, atividade tradicional no Tocantins e no
Araguaia, ganha cada vez maior expressão no médio Tocan-
tins; as áreas dos garimpos se ampliam constantemente; para
êles converge uma população laboriosa, que fica entregue
aos caprichos da sorte, levando vida aventureira e miserável.
O crescimento dos garimpos tem suas causas na estru-
tura sócio-econômica regional; a entressafra da castanha
liberta numerosa mão-de-obra que, em sua grande maioria,
já não volta às regiões de onde migraram; estas não apre-
sentam perspectivas de melhores dias. Quer aquêles que obti-
veram um pequeno saldo com a coleta da castanha, quer
os que nada têm, dirigem-se para as margens do Tocantins,
nas proximidades das corredeiras de Itaboca e do Tauirinho,
sempre tendo em mira o encontro de um "bambúrrio" que
os torne, imediatamente, independente e livre.
A extração do cristal de rocha iniciou-se no decorrer da
Segunda Guerra Mundial; coincidiu com a retração dos mer-

160
cados consumidores de castanha, ocasionando a queda de seu
preço e de sua exportação. A crise econômica no sertão do
Tocantins paraense foi, assim, contornada pelo aparecimento
e desenvolvimento de nova atividade. Era realizada durante
a estação sêca. O emprêgo de processos rudimentares limitou
a exploração apenas aos veios descobertos. A maior produção
verificou-se em 1952 (25 toneladas, no valor de ........... .
Cr$ 14.000 . 000), para decair em 1955 (apenas 6 toneladas) e
desaparecer das estatísticas em 1962.
Muito embora tenha sido uma atividade efêmera, a extra
ção do cristal de rocha representou, na época, um importante
papel na economia regional; possibilitou trabalho para mão-
-de-obra que para lá se dirigiu, devido à crise da castanha;
ampliou a ação do comércio marabaense, solucionando o
colapso regional; forçou a melhoria do aeroporto de Marabá,
pelo intenso movimento adquirido.
A exploração do diamante se processa, também, no de-
correr da estação sêca, quando o abaixamento do nível das
águas permite o afloramento das aluviões, facilitando a pro-
cura dos mesmos, que é feita por mergulho, com auxílio dos
escafandros.
Devido à inexistência de uma eficaz organização, a pro-
dução de diamantes, no médio Tocantins, é muito pouco
expressiva no quadro da economia amazônica. Sabe-se, entre-
tanto, que a qualidade dos mesmos é apreciável; 55 % corres-
pondero a diamantes lapidáveis e 40 % a diamantes indus-
triais ; nestes, a percentagem dos de qualidade superior
atinge a 85 %.
A criação de gado apresenta melhores perspectivas. A
posição do sertão do Tocantins paraense, em relação à Belém,
confere-lhe a possibilidade de tornar-se uma área importante
da pecuária paraense.
É uma atividade que, aos poucos, se vem desenvolvendo.
O gado, para o consumo de Marabá, era proveniente do
sertão goiano; seguindo as estradas, que margeiam o Tocan-
tins e Araguaia, atravessando os rios em "ajoujos", eram as
reses distribuídas pelas ilhas adjacentes àquele centro ur-
bano; aí aguardavam as épocas de maior consumo; eram,
sobretudo, transformadas em charque, para atender às neces-
sidades do aviamento nos castanhais.
A existência de campos cerrados, nos arredores de Con-
ceição do Araguaia, possibilitou o aproveitamento da área,
desde cedo, para engorda e recria do gado.
Esta organização satisfazia o mercado consumidor re-
gional, ampliado no período da safra da castanha.
11 - 37 843 161
O desenvolvimento do extrativismo mineral veio ampliar
o raio de ação do comércio marabaense; dominando o vale
do médio Tocantins, êle passou a abastecer os garimpos. O
comércio daquela cidade perdia, assim, o caráter sazonal que
lhe imprimira o extrativismo da castanha.
Novas e mais amplas necessidades não mais poderiam
ser atendidas com a organização existente; na margem es-
querda do Tocantins, logo a montante de Marabá, começaram
a surgir, a partir de 1941, pequenas fazendas para engorda
e recria do gado.
O fator preponderante para o desenvolvimento da pe-
cuária foi, todavia, o crescimento de Belém, após a Segunda
Grande Guerra e a falência de Marajó como área abaste-
cedora da capital paraense. Organizou-se, logo, todo um co-
mércio de carne entre o sertão goiano e Belém; a localização
e as instalações do aeroporto de Marabá deram-lhe o papel
de intermediária neste comércio, que então se organizara.
Regularmente, aviões pertencentes a frigoríficos, com sede
em Belém, dirigiam-se a Marabá, a fim de transportar o gado
que lá era abatido.
A valorização crescente do gado pelas necessidades, cada
vez maiores, da capital paraense; o alto preço da castanha,
dando ampla margem de lueros aos proprietários de casta-
nhais; a pequena mão-de-obra que exige a pecuária, consti-
tuíram-se em uma gama de fatôres favoráveis ao desenvol-
vimento da criação de gado, sobretudo no município de
Marabá.
Voltando-se para o mercado de Belém, a pecuária do
sertão do Tocantins paraense deixou de ter como finalidade
o abastecimento restrito da região da castanha e dos garim-
pos. Aquelas fazendas pioneiras se ampliaram; atualmente
constituem uma faixa contínua, da margem esquerda do To-
cantins ao Itacaiunas, impedindo o crescimento da cidade,
que, até então, se fizera. No denso caa-etê, multiplicaram-se
as clareiras, onde se instalaram as invernadas.
Esta atividade econômica, tão promissora à economia do
sertão do Tocantins paraense, não se restringe à classe dos
proprietários de castanhais.
Se é verdade que, no momento presente, apenas os se-
nhores de terra têm possibilidades de organizar pequenas fa-
zendas de gado, a pecuária se organiza com novas relações
de trabalho, diferindo-as profundamente das do extrativismo.
As causas da não participação mais acentuada da grande
massa de população, que constitui a classe dos castanheiros,

162
neste nôvo empreendimento, residem no fato de não possuí-
rem terras, nem poder aquisitivo para realizar o investi-
mento de capitais exigido pela formação de invernadas e
aquisição do gado. Só o lucro obtido com o comércio da
castanha torna-o possível.
A mão-de-obra é onerosa; os trabalhos nas invernadas,
sendo realizados na entressafra da castanha, sofrem a con-
corrência dos garimpos. A broca e a derrubada de um alqueire
mineiro é da ordem de Cr$ 100.000; há, ainda, a queimada
e a destaca, que envolvem despesas semelhantes. As estacas,
para as cêrcas, saem à razão de Cr$ 40; os pregos, o arame
farpado, sendo adquiridos em Belém são, logicamente, mais
onerados pelos transportes fluviais antieconômicos. São
necessárias duas capinas anuais e para 80 quadras de inver-
nadas, uma capina é da ordem de Cr$ 3. 000. 000; todo o sal
é importado de Belém e uma saca de sal, ao .chegar a Marabá,
já atinge Cr$ 30.000.
As fazendas de gado do sertão do Tocantins paraense
são pequenas, não apenas porque a criação surgiu como uma
atividade secundária; o grande investimento de capitais que
ela exige, pode ser considerado também como um fator res-
ponsável por esta característica. Fazendeiros que possuem
mais de 1. 000 reses são poucos; o comum é a existência de 700
cabeças nas invernadas~ Atualmente o município de Marabá
possui um rebanho de bovinos da ordem de 76. 000 reses, sendo
que, destas, 6. 000 destinam-se à engorda.
Após a derrubada, a queimada e a destaca, é plantado o
pasto; na região o jaraguá, o colônia e o colonião são as
espécies mais empregadas; as sementes são adquiridas por
compra (Cr$ 4. 000, o saco de 12 kg), apenas para a primeira
semeadura; antes da queimada, após um ano de formação da
invernada, colhem-se as sementes, que são utilizadas para a
segunda semeadura e para a formação das demais "quintas".
O gado só é colocado na invernada após o segundo ano
de formação das pastagens.
Quando o gado é destinado apenas à engorda, é adquirido
em Goiás, Maranhão e Mato Grosso; ao atingir 200 kg é ven-
dido. Já o gado que se destina à recria, geralmente de uma
das raças zebu, é obtido no Triângulo Mineiro. Sendo criado
em pasto cercado verifica-se, no sertão do Tocantins paraense,
uma reprodução muito mais acentuada que em Marajá.
A existência dos garimpos ·reflete-se na estrutura sócio-
-econômica destas pequenas fazendas de gado. As relações de
trabalho não mais se baseiam no tradicional sistema de avia-

163
menta, tão fundamentalmente ligado ao extrativismo da
castanha. Assim um capataz recebe, mensalmente, .... .. . .
Cr$ 100.000 e um peão, Cr$ 30.000.
Muito embora a pecuária não possa absorver tôda a mão-
-de-obra que se dedica ao extrativismo, o aparecimento de
novas relações de trabalho representa a primeira grande
brecha no sistema semifeudal, até então existente; são as
mais importantes características que diferenciam a criação
de gado do sertão do Tocantins paraense da que se realiza
no norte goiano e oeste maranhense.
A abertura da rodovia Belém-Brasília afetou profunda-
mente a região que ora estudamos:
1.0 ) A cidade de Marabá passou a abastecer seu co-
mércio, não apenas através da praça de Belém, mas, também,
diretamente com . as praças do sul do país;
2.o) Os aspectos antieconômicos, que caracterizam a
navegação do médio Tocantins, fizeram-na voltar-se para
Imperatriz, buscando a rodovia; durante a estiagem, sobre-
tudo, intensificam-se as ligações de Marabá, quer em relação
a Belém, quer em relação ao sul do país, através da Belém-
Brasília, tendo como intermediária a cidade de Imperatriz.
As ligações Marabá-Imperatriz se realizam através do rio To-
cantins; logo a montante de Marabá, o curso do rio é inter-
rompido pelas corredeiras do Tauirizinho; justamente no
período da estiagem, a navegação neste trecho do rio só é
possível com a utilização de pequenas embarcações, movidas
com motor de pôpa - os "pentas". A baldeação realizada
naquela cidade maranhense onera os transportes. Apesar de
todos êsses inconvenientes, as ligações são constantes, pois
no período da estiagem só é possível às embarcações com
carga vencerem as corredeiras, no sentido de montante para
jusante; evita-se, assim, o grande inconveniente represf'ntado
pelas corredeiras de Itaboca.
3.0) Verifica-se um decréscimo, cada vez mais acentua-
do, da navegação no Tocantins, no trecho Marabá-Belém. O
baixo preço do frete fluvial não compensa as viagens, muito
especialmente não existindo na época da entressafra o frete
de retôrno. Sendo os proprietários de castanhais, em sua quase
totalidade, os donos das embarcações, aproveitam esta época
para a realização dos indispensáveis reparos em suas embar-
cações.
4.0) A abertura da rodovia trouxe, como conseqüência
imediata, o aparecimento de "nova estrada de gado", no sen-

164
tido sul-norte, isto é, Goiás-Belém. A diminuição do comércio
aéreo de carne abatida se fêz imediatamente sentir. Sua atual
existência só é justificada pela organização de tôda uma
infra-estrutura montada para solucionar a crise do mercado
consumidor da capital paraense. Os criadores marabaenses
sentem o problema, pois houve uma diminuição da demanda ;
pressionados pela exigüidade dos pastos, são obrigados a en-
tregar as reses pelo preço oferecido pelos marchantes. É ver-
dade que o município de Marabá já exporta gado para Belém,
através da rodovia; utilizando o percurso fluvial, no trecho
Marabá-Imperatriz, há necessidade do transbôrdo, após vencer
o trecho encachoeirado em Tauirizinho.

Conclusões e Sugestões

A abertura da rodovia Belém-Brasília trouxe, de modo


geral, um nôvo estímulo ao comércio das cidades bragantinas.
Os caminhões vêm do sul, trazendo imensa variedade de mer-
cadorias, mas principalmente alimentos, tais como carne sêca,
batatas, cebolas, cerveja, biscoitos, feijão, leite em pó etc.70
Um dos hoteizinhos de Capanema recebe galinhas vivas
de Anápolis.
Além de aumentar a variedade de mercadorias disponíveis
no comércio, a BR-14 provocou a baixa no preço de muitas
delas. Um queijo de Minas, proveniente do sul, custava. em
1965, Cr$ 2.500, ao passo que o local, de qualidade inferior,
era vendido a Cr$ 4.500. Os produtos, antes importados por
via marítima através de Belém, ficavam não apenas mais
caros; muitos chegavam deteriorados.
Cêrca de 480 carros diários passam pela fiscalização na
BR-14. Em Ligação recebem a nota fiscal com a permissão
de vender as mercadorias que transporta, em qualquer parte
do Pará. Isto é, aliás, recente, porque outrora só as podiam
vender em Belém; era então a capital o centro redistribuidor
de tudo. A BR-14 tornou as cidades da Bragantina e da Gua-
jarina menos dependentes do mercado de Belém.
De volta, os caminhões trazem para o sul principalmente
pimenta, querosene e sal. Como, porém, o volume das mer-
cadorias que vêm do sul é bem maior que o das que vêm

"0 Estas e as inform ações a baixo foram ob tid as com u m m erceeiro e u m gu arda
do põsto fiscal de Capanema .

165
do norte, muitos caminhões regressam vazios. As facilidades
oferecidas pelo frete de retôrno e o próprio desenvolvimento
econômico da Amazônia reduzirão, em certa medida, esta
discrepância.
Em busca de sal os caminhões vão até Bragança. t:le
provém do Maranhão, em estado bruto, e naquela cidade é
beneficiado. Um saco de sal é adquirido em Bragança por
Cr$ 2.000 e vendido em Minas a Cr$ 9.000. A Belém-Brasília
veio trazer novas condições competitivas ao sal maranhense
e certo impulso ao seu beneficiamento em Bragança, que
abrem ao produto um grande futuro.
A BR-14 polarizou o comércio que antes procurava a mar-
gem da ferrovia. O próprio comerciante entrevistado pela
equipe estava estabelecido junto à estrada de ferro, mas veio
para Capanema, pois, segundo disse êle, "lá não ficou nin-
guém".
A rodovia Belém-Brasília veio ligar uma região de crise
agrária - a Bragantina-Salgado - a outra, em plena ex-
pansão pioneira - a Guajarina --, bem como aos grandes
mercados do Sudeste brasileiro. Ora, "quando se rompe o
isolamento entre regiões mais adiantadas ou mais ricas e outra
estagnada num nível econômico e social atrasado, o reflexo
imediato sôbre a última não é benéfico: verifica-se um dese-
quilíbrio causado pelo êxodo da população, em busca de me-
lhores horizontes de trabalho; só depois vai o progresso pene-
trando vagarosamente na região mais atrasada".
"Isto aconteceu no Brasil de nossos dias, quando, durante
a última guerra, abriu-se a rodovia Rio-Bahia. A migração
de nordestinos para o Sudeste ag-ravou-se consideràvel-
mente".80
O fato se repetiu na área em estudo: mais de 300 fa-
mílias migraram de Castanha! para a BR-14. O mesmo se
passou, em escala comparável, segundo informaram outros,
nos municípios de Peixe-Boi e Nova Timboteua.
t:sse fluxo de população, decorrente da crise agrária na
região Bragantina-Salgado, fazia-se, até o fim da década de
1940-50, exclusivamente com destino a Belém. A abertura
da frente pioneira de Capitão Poço e, mais tarde, da Belém-
Brasília, veio aliviar, em parte, a sobrecarga humana que
se acumulava (e se acumula ainda) na capital paraense.
Com base nos fatos acima expostos e naqueles resultantes
do estudo sôbre a Bragantina-Salgado, quais serão os futuros
•• O. Valverde : " Planalto Meridional do Brasil". Guia de Exc. n.• 9, do XVIII
Congr. Internac. Geog. Rio, CNG, 1957, p. 112 .

166
reflexos da BR-14 sôbre a economia dessa região e qual a
política de planejamento a adotar?
As conseqüências da abertura da BR-14, verificadas até
agora, estão longe de ter atingido seus limites. Continuará o
afluxo para cidades bragantinas e para as franjas pioneiras da
Belém-Brasília e de Capitão Poço. A capital não mais mono-
polizará, nos próximos decênios, o êxodo rural da Bragan-
tina-Salgado, como o fazia nos anos de 40 ; cada foco de
atração manterá a predominância em sua área de influência
direta: Belém, na faixa até Vigia; a BR-14, na área centra-
lizada em Castanhal; Capitão Poço e a zona pioneira da BR-22 .
na área de Capanema (Mapa XVIII) .
A nova agricultura, menos predatória, com ênfase em
culturas permanentes - pimenta, borracha, dendê e frutas
- e na horticultura, tende a se desenvolver. A política agrá-
ria em relação à Bragantina deve incrementar e orientar
essa tendência, levando em conta certas condições econômicas
fundamentais dessas atividades, resumidas a seguir. A pimen·
ta, a borracha e o dendê são produtos destinados a grandes
mercados longínquos, que se aproveitarão da vizinhança de
Belém, apenas como entreposto, enquanto perdurarem as
condições atuais do mercado regional. As frutas, legumes e
verduras, ao contrário, têm como objetivo o consumo do pró-
prio mercado de Belém.
Quanto às formas econômicas e regimes de propriedade,
aquêles produtos se grupam diversamente: a pimenta, as fru-
tas e as hortas provêm de estabelecimentos médios e peque-
nos; 81 a borracha, e futuramente o dendê, são produtos de
plantations, na região. A produção de dendê, cujo projeto
está em estudos, deve ser organizada no Salgado, onde a eco-
logia é favorável, conforme foi visto.
O fato de um e outro serem oriundos de plantations
não significa que o devam ser exclusivamente assim. Com
freqüência, aliás, as plantations contribuem para a orga-
nização de uma economia campesina tributária, que poderá
vender-lhes látex e frutos para serem processados nas respec-
tivas usinas, como também alimentos para os trabalhadores
da agroindústria. As relações econômicas entre os pequenos
agricultores livres e as plantations devem ser zelosa e im-
parcialmente supervisionadas, como se faz entre fornecedores
e usineiro de açúcar, a fim de evitar, em especial, os abusos,
por parte das últimas.
"' ll:stes entendidos como propriedactes do tipo fam!l iar, que os nor te-ameri-
canos chamariam d e homesteads .

167
As iniciativas tomadas por capitalistas ou emprêsas na-
cionais para organizarem, na região, "plantations" do mesmo
ramo deverão ser apoiadas financeiramente, e até incentiva-
das, a fim de que lá não se instaure uma estrutura tipicamente
colonial, como se deu no Sudeste Asiático, cuja economia é
caudatária de potências estrangeiras, gerando a crise político-
-social que, hoje em dia, ali se verifica.
No trecho em que a BR-14 atravessa a Bragantina, não
existe o problema da construção de ramais, pois os principais
dêles já estão construídos e pavimentados. Faz exceção a ês-
te último caso a estrada de Santa Isabel à Colônia Federal do
Guamá (Mapa IX), que, se fôr asfaltada, facilitará o escoa-
mento da produção agrícola do núcleo Tacajós.
Nos demais setores da economia regional, os influxos que
se vêm sentindo, em conseqüência da abertura da BR-14, pros-
seguirão e merecem o mais completo apoio por parte dos
administradores. As cidades servidas pela rodovia ampliaram
suas atividades comerciais e industriais, tendo como exemplo
mais notável o de Castanha!; a pesca, sobretudo em Mara-
canã e Vigia, será estimulada por um maior mercado; a pro-
dução de sal no Maranhão, e seu beneficiamento e comércio,
em Bragança, terão impulso cada vez maior. A indústria sali-
neira maranhense, decadente desde há muito, poderá assim
reorganizar-se, graças ao reflexo remoto da Belém-Brasília.
A importância relativa da região Bragantina-Salgado no
conjunto da Amazônia e a situação de crise em que ela se
encontra justificariam a criação de uma comissão de plane-
jamento, em que o govêrno estadual e a SPVEA deveriam
estar profundamente empenhados. Dessa comissão deveriam
participar um agrônomo (do IPEAN), um economista, um
geógrafo, um administrador e talvez também um técnico em
cooperativismo, um engenheiro civil e um médico sanitarista.
Os membros dessa comissão deveriam dispôr de grande poder
e capacidade de execução, a fim de levar a cabo um programa
de desenvolvimento integrado.
As sugestões formuladas nestas conclusões devem acres-
centar-se outras a elas relacionadas, como a organização de
um serviço de navegação no Guamá, filiado ao SNAAPP, bem
como a estruturação de uma faixa leiteira no referido vale,
que se somaria às lavouras de frutas e de arroz, a serem
também fomentadas.
Ao invés de se deixar dominar pelo pessimismo, rela-
tivamente à Bragantina-Salgado, justificável naqueles des-
providos de instrução ou de poder, o govêrno deve desenvolver

168
Fig. 62 - Amostra
da juta IPEAN - 64,
com 4,5 metros de

altura, selecionada

pelo IPEAN. (Foto


Mazzola - CNG
19-7-65) .

uma política econômica firme e bem orientada, a qual, sem


dúvida, poderá resolver os problemas cruciais da região.
O IPEAN deve ~er empenhado, por exemplo, na organi-
zação de sistemas racionais de rotações de culturas, em que
entrem a malva e a mandioca; em seguida, esta e a uacima,
ao mesmo tempo que faria pesquisas para a melhoria das
qualidades das citadas fibras. Que o referido Instituto está
credenciado para efetuar tais estudos com sucesso, comprova-o
o brilhante resultado obtido com a seleção da variedade de
juta IPEAN- 64 (fig. 62), após breves anos de investigações.

169
Não seria de estranhar, em caso de êxito nas rotações
propostas, que o cultivo da malva se transferisse para terras
mais próximas de Belém.
A organização das cooperativas dos malveiros, tentada
pelo BCA geralmente coin precários resultados, deverá ser
retomada em novas bases. O fortalecimento daquelas asso-
ciações exigirá trabalho pertinaz de extensionistas e técnicos
em cooperativismo, com o objetivo de criar a infraestrutura
dos futuros sindicatos dos produtores de fibras da Amazônia,
pois não é justo que aquêles que criam riqueza na região
estejam, por isso mesmo, condenados a viver. em condições
sub-humanas.
A ocupação pioneira da Guajarina se está processando com
certas características semelhantes à da Bragantina: povoa-
mento na terra-firme, dependência do mercado de Belém e a
estrada como elemento de penetração. Não há, entretanto,
identidade perfeita entre ambas. Na Bragantina o eixo eco-
nômico era a ferrovia; na Guajarina é a rodovia. Enquanto
naquela região o povoamento a partir da estrada de ferro
expandiu-se em direção a áreas de ocupação mais antiga,
nesta há dois movimentos - um afastando-se da estrada,
outro convergindo para ela,- ambos desbravando matas vir-
gens. Além disso, o surto econômico da Guaj arina com a
pimenta, a malva e o gado vem trazendo um impulso à eco-
nomia geral do Pará, que jamais teve equivalente durante
a ocupação da Bragantina.
A abertura da BR-14 na Guajarina teve premissas total-
mente diversas das da Bragantina. Se bem que não seria
correto afirmar fôsse aquela zona completamente despovoada,
assim o era, efetivamente, todo o trecho entre o Guamá e o
Gurupi, ou talvez mesmo Açailândia.
A rodovia foi, portanto, uma estrada pioneira, rasgando
a selva bruta, em condições que, neste século, só encontra
paralelo, em nosso país, na E. F. Noroeste do Brasil, a qual
cortou a floresta ocidental do planalto paulista, habitada por
índios, até atingir os cerrados do sul de Mato Grosso. Tal
como a Belém-Brasília, inspiraram sua construção motivos
estratégicos; mas, em curto prazo, transformou-se ela em eixo
de uma frente pioneira vivaz.
Como aí se trata, porém, de uma ferrovia, a comparação,
em muitos aspectos, não é perfeita.
A Secção Norte da Belém-Brasília tem semelhança ainda
com uma velha estrada, que desempenhou no Brasil função
econômica importantíssima; o "Caminho Nôvo" das Minas,
aberto em 1720 por Garcia Rodrigues Pais. Tal como a BR-14,

170
êle foi aberto de um interior campestre para uma faixa cos-
teira florestal, facilitou o escoamento da produção do
hinterland para um bom pôrto e deflagrou nas terras de mata
um movimento pioneiro. Mas êsse movimento em Minas Ge-
rais e Rio de Janeiro se baseava na lavoura do café, o da
BR-14 se apoia na malva. Artéria mais primitiva, o Caminho
Nôvo era um simples sendeiro de tropas, melhorado em 1861
para a categoria de caminho carroçável, entre a Raiz da Serra
e Juiz de Fora, por Mariano Procópio.82 Representando bem o
século do caminhão, a BR-14 é uma estrada de rodagem.
A fim de que a rodovia contribua realmente para o desen-
volvimento regional em tôda a plenitude, é necessário, no
entanto, seja ela ligada, através de ramais, às regiões pró-
ximas de maior vitalidade econômica, isto é, às zonas pionei-
ras. Torna-se, pois, premente a abertura imediata dos ramais:
1) para Capitão Poço; 2) para Tomé-Açu; 3) para Ma-
rabá; todos, felizmente, de construção iniciada. Não estão
aqui êsses ramais dispostos em ordem de importância eco-
nômica, mas na ordem crescente das distâncias a Belém e
da quilometragem de estradas a construir.
Não será demais resumir, nesta altura, o significado das
citadas zonas, para se avaliarem corretamente os resultados
que terá a abertura dos ramais e os objetivos a serem visados
pelo planejamento em cada uma delas.
Embora a literatura seja omissa a êsse respeito, Capitão
Poço é a franja pioneira mais antiga da Guajarina. Não resta
dúvida de que Tomé-Açu foi fundada anteriormente, mas,
conforme foi visto, permaneceu estagnada até mais tarde.
Ninguém soube, por isso, interpretar corretamente o surto
repentino do contingente demográfico e da produção de malva
em Ourém, a partir de 1952, quando na quase totalidade dos
municípios bragantinos os números indicavam estagnação, se
não retrocesso. Era Capitão Poço, então englobado no terri-
tório daquela comuna, que atraía lavradores e inaugurava a
expansão pioneira.
A cultura de malva é um traço comum da zona de Ca-
pitão Poço e da zona agrícola da BR-14. Apesar de que nesta
a produção de fibra seja maior, naquela seu cultivo é mais
notório na paisagem, porque está concentrado. Para uma, tan-
to quanto para outra, a sugestão, feita acima, para o estudo
de uma rotação de culturas incluindo a malva, terá impor-
tância muito maior que para a Bragantina.
82 O . Va i verde: " Estu do R egional da Zona da Mata, d e Minas G erais". R ev.
Bras. G eogr., ano XX, n .o 1, pp . 26-32.

171
Numa e noutra zona pioneira, a produção de pimenta
tende a se ampliar consideràvelmente, seja pela facilidade
de acesso à zona de invernadas, para a aquisição de estêrco,
seja pelo maior contacto com as zonas pimenteiras de Tomé-
Açu e da Bragantina.
A malva em rotação de culturas e os pimentais poderão
talvez ser cultivados na mesma propriedade, nas duas zonas
em causa, se trabalhos extensionistas forem lá bem condu-
zidos.
A finalização do ramal de Capitão Poço tornará esta zona
independente em relação a Ourém, e permitirá um fluxo cons-
tante e rápido entre aquela cidade e a capital do Estado, sem
os atrasos, interrupções e ônus dos transbordos em balsa e
canoas.
A colônia de Tomé-Açu representa o mais brilhante su ·
cesso da colonização japonêsa na Amazônia. Jamais qualquer
colonização planejada teve tamanho êxito na região. Os japo··
nêses foram os introdutores de novas culturas, em grande
escala, nas partes do Brasil onde se instalaram em grandes
grupos: juta, pimenta, na Amazônia; algodão, seda, chá, em
São Paulo. Não só ensinaram os lavradores brasileiros, mais
que nossos agrônomos e organismos oficiais, como criaram
sólidas estruturas para a comercialização dos seus produtos
agrícolas. Foram práticos na lavoura como no comércio.
Tomé-Açu lançou, com a pimenta, uma cultura perma-
nente, intensiva (exige muita mão-de-obra, proporcionando
assim amplos horizontes de trabalho; daí a migração sazonal),
racional (emprega adubos e não esgota o solo) e altamente
rentável. Tais qualidades tornam-na superior, como vimos, à
cultura do café, e constitui uma comprovação irrefutável das
possibilidades agrícolas dos trópicos úmidos, em lavouras não
inundadas.
A contribuição mais efetiva para o desenvolvimento agrá-
rio de Tomé-Açu, assim como das outras áreas pimenteiras
(da Bragantina, em particular), pode ser fàcilmente executa-
do através de um convênio com o IPEAN, para pesquisar a
melhor e mais rentável adubação para os pimentais; tarefa
simples, já que o lavrador japonês é especialmente dócil aos
conselhos dos técnicos e colabora com êstes, com a maior boa
vontade.
A conclusão do ramal ligando Tomé-Açu com Parago-
minas vai acarretar sérias conseqüências, tanto à colônia,
como à cultura da pimenta, em geral. Ela vai: 1) baixar o
preço do estrume em Tomé-Açu; 2) tornar mais rápidas
suas ligações com Belém e São Paulo; 3) expandir os pimen-

172
tais em Paragominas e nas zonas malveiras da BR-14 e de
Capitão Poço.
Por outro lado o ramal beneficiará a própria cidade de
Paragominas e sua região. Além de torná-la entroncamento
rodoviário, reforçará sua função de entreposto comercial do
gado. Ademais daquele que vem do Brasil Central e do Ma-
ranhão para engorda, através da Belém-Brasília, a região de
Paragominas- particularmente o vale do Capim - poderá
receber gado de Marajó, ou destinado à engorda, para seguir
depois para o mercado de Belém, ou em transumância, na
época das enchentes naquela ilha.
Se se quiser dar uma solução parcial, a curto prazo, para
o problema do abastecimento de Belém em leite, dever-se-á
providenciar ràpidamente o asfaltamento da rodovia até Pa-
ragominas. Será fácil iniciar-se lá uma produção imediata
de leite de tipo C, e a criação de bovinos em regime de esta-
bulação ou semi-estabulação facilitará também a coleta do
estêrco e a preparação de composto para vender aos produ-
tores de pimenta.
O terceiro ramal - o de Marabá - teve sua construção
iniciada em virtude da pressão política exercida pelos donos
de castanhais. Efetivamente, sua conclusão facilitará enor-
memente o escoamento da castanha, que passará, de ime-
diato, a se fazer por via rodoviária, portanto mais rápida e
mais barata. Com isso, também, o problema da armazenagem
se ·simplificará, visto que será feita totalmente em Belém,
salvo casos excpecionais.
O abandono da rota fluvial significará, ipso facto, uma
decadência ainda mais acentuada da navegação no baixo To-
cantins, particularmente nas perigosas corredeiras de Ita-
boca, e o conseqüente abandono do pôrto de Jacundá.
Para a própria região de Marabá, a abertura do ramal
acarretará uma euforia, sobretudo na extração e nos negócios
da castanha, assim como na expansão das invernadas. Até
a mineração de cristal de rocha vai beneficiar-se, o que não
parece ser o caso da do diamante, pois, dado o seu _pequeno
volume e alto valor unitário, é, em regra geral, comerciado
por via aérea.
O ramal de Marabá concorrerá inclusive para a melhoria
das relações de produção, já que o oligopólio comercial será
quebrado, tendendo o sistema de aviamento a ser abolido.
A abertura da secção Norte da BR-14 foi seguida de um
levantamento de solos, no trecho São Miguel do Guamá-Im-

173
peratriz, 83 e o seu resultado veio corroborar o que ficara evi-
denciado no levantamento da Bragantina (Mapa III) e de
Tomé-Açu, 84 bem como o que foi observado por membros da
equipe, nas rodovias Manaus-Itaquatiara (AM-1) e Manaus-
Roraima (BR-17). As amostras obtidas permitem afirmar, com
menor probabilidade de êrro, que na Amazônia predominam
os latossolos vermelho-amarelos; os perfis lateríticos, com
horizonte concrecional, constituem minoria restrita e não
parecem encontrar mais condições ecológicas para a sua for-
mação. Assim, o pessimismo exagerado, relativo aos solos
amazônicos, cai por terra, bem como a tal concepção, um
tanto chula, de "lepra do solo". 8 "
Uma vez concluídos os três ramais mencionados, de cons-
trução já iniciada, caberá formular as duas perguntas abaixo,
uma de natureza prática, outra teórica, respondidas a seguir:
1) Qual será, no futuro, a disposição das frentes pio-
neiras, ao redor de Belém?
O aumento da rêde de estradas tenderá a ampliar e uni-
ficar as frentes pioneiras. As frentes agrícolas de Tomé-Açu,
da BR-14, de Capitão Poço e da BR-22 deverão coalescer.
Adiante delas, as invernadas ao longo das rodovias alcançarão,
na BR-22, a zona pioneira do Maranhão, desfechada a partir
dos vales do Mearim e Pindaré, com ênfase na produção de
arroz, enquanto na BR-14 irão juntar-se à outra frente, ba-
seada no mesmo produto, partida de Imperatriz e que já
atinge as imediações de Agua Azul. Pelo ramal de Marabá,
as invernadas penetrarão em cunha no vale do Tocantins-
Araguaia, quebrando o isolamento atual das que se situam
ao redor de Marabá.
2) Qual será a futura reorganização das faixas de Thü-
nem, ao redor de Belém?
A destruição da barreira florestal que, do vale do Guamá
se estendia até as cercanias de Imperatriz, quebrou o antigo
padrão do uso da terra, que se aproximava muito do esquema
teórico de Thünen, o qual idealizou um "Estado Isolado",
cercado de mata intransponível. 86
Rompido o equilíbrio anterior, as faixas tenderão a se
reorganizar, mais ou menos ràpidamente, até que nôvo estado
de relativo equilíbrio se restabeleça .

"" B. B . Glerum & G . Smit : op. cit.


•• r. C . F a les!, W . Santos & L. S. Vieira: op. cit .
.. P. Gourou : "Les Pays Tropicaux" .
.. L. W a ibel: " Capitulas de Geografia T ropica l e do Brasil ", p. 69.

174
A mancha isolada de pimentais de Tomé-Açu procurará,
como vimos, alcançar a BR-14 em Paragominas, onde a pro-
dução de estêrco reduzirá fortemente o maior item das des-
pesas dos pimentais. Dali, certamente, progredirá parao norte,
em direção a São ,Miguel do Guamá e Capitão Poço, invadindo
as áreas malveiras, até que as condições de mercado acusem
um nível de saturação. É possível que êsse "movimento de
pinças" se feche a leste de Castanha! e ao norte de S. Miguel.
A cultura da malva, menos intensiva e menos rentável,
recuará ante o avanço das pimenteiras, ainda que seja somente
para os fundos das propriedades, caso os lavradores consigam
conciliar os calendários agrícolas de uma e outra cultura.
Progresso semelhante não é de se esperar se desenvolva
com a fruticultura de terra firme, já que, na própria Colônia
do Guamá, ela acusa índices de recessão, relativamente aos
surtos da pimenta e das hortaliças (Tabela I). Caso, porém,
o govêrno se empenhe numa política agrária bem orientada
naquele vale, as produções de arroz, 87 verduras e legumes,
bananas, laranjas e açaí, bem como laticínios, poderão
ampliar-se muito, em função do fácil acesso ao mercado de
Belém.
A mandioca e o milho constituirão, como sempre, cultu-
ras complementares ou de subsistência, adquirindo eventual-
mente algum significado, quando a conjuntura determinar
uma subida de seus preços no mercado .
Das redondezas de Paragominas para o sul, até a região
de Marabá, o domínio das invernadas se afirmará cada vez
mais, em futuro próximo. É bem possível que a progressão
das invernadas faça recuar até o avanço das roças de arroz,
que já chegaram aos arredores de Agua Azul, tal como o fêz
em relação aos cafezais, no oeste paulista e norte-paranaense.
Isto só se verificará, porém, em grande escala, no Pará, quan-
do as terras daquela região estiverem mais cansadas, e os
posseiros, dispostos a abrir novas roças adiante; pois esta
transformação se passará com uma consolidação da malha
fundiária.
Atingido êste ponto, mais uma analogia surgirá entre
esta franja pioneira e a do oeste paulista, porquanto o obstá-
culo florestal estará definitivamente removido, cedendo lugar
às imensas superfícies de cerrados do Planalto Central.
87 Os rendimentos da cultura do arroz obtidos no Guamá são os mais ele-
vados do mundo. Segundo os dados do "Anuário d a Produção", vol. 15, da FAO ,
os rendimentos mais altos foram conseguidos pela Austrália, e correspondem a
61,1 quintais por hectare, isto é, 6.110 k g/ha, enquanto no Guamá sobe a
15 . 000 kg/ ha. É bem verdade que a quêle d a do representa a média para um pais
inteiro, mas os altos valOres alcançados no Guamá se devem à dupla adubação
natural diária, resultante d as ''marés de água doce".

175
SECÇÃO CENTRAL

A Secção Central da rodovia Belém-Brasília rasgou o


sertão brasileiro. A abertura da estrada teve realmente o
efeito de um dreno colocado numa região próxima ao centro
geométrico do país e estagnada por falta de circulação.
A BR-14 conecta, hoje em dia, pelo caminho mais fácil, esta
hinterlândia com o mar, para o norte, através do pôrto de
Belém, e com os maiores mercados do país - S. Paulo e Rio
-, para o sul. Não é, pois, de estranhar que tôda a
velha estrutura econômica e social dêsse interior antes aban-
donado esteja passando atualmente por uma profunda e
rápida transformação.
Seria injusto, portanto, comparar essa região, ainda
muito atrasada, com as áreas desenvolvidas do Sudeste do
Brasil; mas será muito útil compará-la a outra área subdesen-
volvida: a parte amazônica, já analisada anteriormente, a
fim de ressaltar os contrastes.
Embora o centro do Brasil seja um planalto e a região
Norte sobretudo uma baixada, não é no relêvo que se encon-
tram as diferenças mais notáveis entre as duas regiões, porque
em ambas predominam as linhas horizontais. De fato, à
medida que se vem do norte para o sul, no trecho médio da
Belém-Brasília, as altitudes vão subindo gradativamente
desde as vizinhanças dos 100 metros no vale do Itinga e em
Imperatriz (96 metros), até acima dos 800 metros sôbre o
nível do mar, entre Amaro Leite e Campinorte. Esta subida se
faz, entretanto, de maneira quase imperceptível, já que uma
distância superior a 1.200 quilômetros separa as duas partes.
Quando se faz a viagem ao longo da BR-14, percebe-se
claramente como é falso êsse conceito de serra, equivalente
ao de divisor de águas, difundido pelos velhos textos de Geo-
grafia. Até em mapas modernos, como a Carta ao milionésimo,
editada pelo Conselho Nacional de Geografia, onde figuram
12 - 37 843
177
com grandes letreiros: "Serra do Estrondo", "Serra das Cor-
dilheiras", 88 pouco mais se encontram, no terreno, senão
vastas superfícies sub-horizontais, de incrível monotonia. Na
própria região, jamais alguém ouve tais nomes pomposos. 80
Ao contrário do que pensam os que desconhecem a Belém-
Brasília, quando se passa da Secção Norte (amazônica) para
a Secção Central desta rodovia, desce-se da superfície dos
tabuleiros da série Barreiras, que aí tem cêrca de 300 metros
de altitude, para cotas geralmente compreendidas entre 100
e 200 metros, nos depósitos mesozóicos da bacia sedimentar
do Meio Norte .
As superfícies regulares do Planalto Central, na faixa
servida pela citada estrada de rodagem, foram sulcadas pela
erosão, comandada por dois grandes rios que correm para o
norte: o Araguaia e o Tocantins. Entre o ponto mais elevado,
acima referido, e a descida para a ponte do Estreito, onde a
estrada cruza êste curso d'água, procuram os construtores
da rodovia seguir os terrenos uniformes próximos ao divisor
de águas, ora cortando os altos cursos que fluem para o
Tocantins, ora os dos que vertem para o Araguaia.
Um e outro rio, conquanto tenham grande semelhança
no traçado geral, apresentam aspectos geográficos muito
distintos, que denotam uma evolução muito diversa.
O rio Araguaia atravessa uma imensa bacia cenozóica,
entre 100 e 200 metros de altitude, onde está situada a ilha
de Bananal. ~le forma, dentro dessa bacia, grande número de
braços e de lagos, cujas águas se ligam total ou parcialmente,
na época das enchentes. Esta bacia, juntamente com a do alto
Xingu, pouco mais elevada (acima de 200 metros sôbre o
nível do mar), constituem réplicas à do Pantanal mato-gros-
sense, no rio Paraguai, a qual tem dimensões muito maiores.
Ao sair daquela bacia, o Araguaia atravessa terrenos
arqueanos, onde forma grande número de corredeiras e
travessões.
Os fatos parecem indicar que as mencionadas planícies
de nível de base encravadas no Planalto Central brasileiro
seriam grandes superfícies líquidas, no interior do continente,
no início do Terciário .
ss Vide folhas TOCANTINS (2.a edição) e ARAGUAIA (3." edição), da referida
Carta, publicadas respectivamente em 1959 e 1960.
•• Fábio de Macedo Soares Guimarães fêz uma erudita análise dêsses falsos
conceitos de serra, Introduzidos na Geografia através de velhos tratados franceses
de topografia, do século XVIII, no seu Ilvro "Parecer sõbre o aspecto geográfico
da questão de Limites Minas Gerais-Esplrlto Santo" (Imprensa Oficial, Belo Ho-
rlzOJlte, 1950), cujos capitulos fundamentais foram transcritos no Boletim Geo-
gráfico, ano XV, n.o 141, pp, 755-761; ano XVI, n.o 142, pp. 55-101, e n.• 143,
+
pp. 248-274; 40 figs. blbl.

178
O ·rio Araguaia drena atualmente a bacia sedimentar
do seu curso médio, sem ter tido tempo de encaixar profunda-
mente seu leito nos depósitos tenros . Pelo contrário, aí êle
divaga, forma lindas praias, lagos de transbordamento, e, nas
enchentes, inunda quase tudo .
Esta drenagem senil, conservada no interior do conti-
nente, demonstra que o rejuvenescimento da erosão ainda não
afetou os sedimentos do curso médio do Araguaia, exceto no
extremo norte, entre Araguacema e a confluência do ribeirão
Pau d'Arco, onde o rio corre no contacto entre os entulhos
cenozóicos e o escudo cristalino (Mapa XXI).
O Araguaia é, portanto, um rio jovem, cujo traçado atual
data do Quaternário, quando êle capturou a drenagem da
bacia do Bananal. Sua evolução se assemelha à do Paraíba
do Sul que, em seu curso médio, capturou também as bacias
sedimentares de Campo Belo e Lorena.
O Tocantins teve uma evolução mais longa e elaborada.
~le fluía numa direção quase rigorosamente norte-sul desde
o planalto cristalino do centro-sul de Goiás até o mar . Sôbre
os sedimentos do curso médio, entre Pôrto Nacional e Impe-
ratriz, êle mantém sua direção conseqüente, tendo conseguido
então abrir dois grandes entalhes: um, na cuesta devoniana,
nas vizinhanças de Pedro Afonso ; outro, na cuesta juro-triás-
sica, nas imediações de Carolina (fig . 63) .
Comparando-se esta secção N-S de Goiàs (Mapa XXI)
com a secção E-W do Paraná, 90 nota-se certa analogia entre
os cursos do Tocantins e do Iguaçu. A partir do planalto cris-
talino de Curitiba, sucedem-se duas cuestas, uma devoniana,
outra eo-jurássica (ou triássica), nas quais o Iguaçu abriu
boqueirões conseqüentes. Em Goiás, a partir do planalto cris-
talino do centro-sul, sucedem-se também uma cuesta devo-
niana e outra jurássica, atravessadas conseqüentemente pelo
Tocantins. Aqui, porém, as escarpas têm alturas relativas
mais baixas, e ambas são areníticas, 91 ao passo que a cuesta
da Serra Geral paranaense é basáltica.
Uma vez sôbre terrenos sedimentares, o Tocantins corre
mais tranqüilamente até a confluência do Araguaia (salvo
110 trecho em que êsses sedimentos são interrompidos por
derrames basálticos), permitindo, desde longa data, a nave-
gação no seu curso médio, na época das cheias, entre Marabá
e Pôrto Nacional.
oo R . Maack: " Mapa G eológico do Estado do P araná". Esc : 1 :750 .000 . Em côres.
Ed . da Com. d e Comem. do Cen ten ário d o P araná, 1953 .
91 As fr entes d e cuestas o bservad as p ela equip e durante os trabalhos de campo
serão adiante d escr itas mais m ln u closam en te.

179
Flg. 63 - Testemunhos de arenito perto de Carolina. Atrás o rio Tocantins, em
direção conseqüente, penetrando na frente da cuesta. (Foto R. Mazzola - CNG
- 15-8-65).

Não é fácil de interpretar, entretanto, o gigantesco zigue-


zague, descrito pelo Tocantins, de Imperatriz a Marabá.
Naquela cidade, êle forma uma curva, passando do sentido
sul-norte para francamente leste-oeste, e nesta última, justa-
mente o inverso, retornando a primitiva direção.
Se houvesse o obstáculo de alguma serra composta de
rochas duras ao norte de Imperatriz, dir-se-ia que o zigue-
-zague era uma simples manobra do Tocantins para contornar
êsse obstáculo; uma adaptação epigenética, enfim. Mas, na
realidade, tal coisa não existe, e o que acontece é o contrário:
o rio deixa os sedimentos tenros para reentrar nas rochas
duras do escudo cristalino, perto de Marabá.
O traçado caprichoso em baioneta, aí descrito pelo Tocan-
tins, sugere sempre um cotovêlo de captura, tanto mais que
o Gurupi e seu formador Cajuapara estão numa situação
tal que parecem corresponder à do antigo curso inferior do

180
Tocantins (Mapa XXI). O atual curso inferior dêste seria
então, antes da captura, um rio mais ou menos eqüivalente
ao Gurupi atual, cujos ramos formadores estariam no Ita-
caiunas, no Araguaia inferior e no trecho leste-oeste do Tocan-
tins. :í!:ste braço teria sido o captor do médio Tocantins. Se
tal fato realmente ocorreu, deve ter sido em época remota,
pois não foram observados pela equipe quaisquer vestígios do
leito abandonado, em Imperatriz ou pouco mais ao norte.
O atual curso do Tocantins ter-se-ia completado antes do
do Araguaia, visto que o trecho inferior dêste teve de sulcar
previamente as rochas resistentes do escudo cristalino para
poder drenar a bacia do seu curso médio.
O Tocantins é, assim, um rio mais velho do que o
Araguaia.
Há ainda muitos pontos a esclarecer na teoria da captura
do Tocantins. Como explicar, por exemplo, que o Gurupi
tenha tido sua erosão remotante atrasada, em relação à do
baixo Tocantins, se a extensão de sedimentos tenros por
aquêle atravessada é muito maior, tanto em valôres absolutos
como relativos, e o nível de base comum estava mais ou
menos eqüidistante das nascentes de ambos?
Pesquisas de campo mais aprofundadas deverão ser leva-
das a efeito, não só na zona do divisor Tocantins-Gurupi, mas
também no vale dêste e na parte inferior do daquele, a fim
de se obter dados concretos sôbre a resistência relativa das
rochas cristalinas nos respectivos cursos .
O estudo desta captura não tem apenas interêsse aca-
dêmico, mas poderá constituir o fundamento para futuras
obras hidráulicas de vital importância para esta região, atual-
mente tão pobre de energia.
Retornando aos contrastes entre as secções Norte e
Central da rodovia, a principal diferença entre uma e outra
reside na vegetação, porque ·na Amazônia predomina a mata
equatorial, enquanto no Planalto Central prevalecem os cer-
rados, os quais, malgrado seu nome, compõem uma formação
aberta. :í!:les revestem as chapadas estendidas entre os altos
vales que drenam para o Araguaia e o Tocantins. Constituem
uma paisagem monótona e vazia, em que só raramente se
podem notar vestígios muito evidentes da atividade humana,
como alguma fazenda de gado isolada, tendo geralmente
junto à sede o curral, localizados ambos à beira de terras
florestais .
Dispersos no meio do cerrado, podem-se identificar espé-
cimes de suas árvores típicas, como a lixeira (Curatella ame-

181
ricana, · L), o pau santo (Kielmeyera coriacea, Mart.) , pau
terra (Qualea grandiflora, Mart . ) e muitas outras, assim
como palmeiras anãs .
Em nenhum trecho das secções Central e Sul da Belém-
-Brasília pode-se observar o cerrado guardando sua fisiono-
mia natural, sem apresentar sinais de queima. Como o manto
rasteiro de gramíneas seca totalmente no final da estiagem,
costumam os criadores tocar fogo no cerrado, antes das pri-
meiras chuvas, a fim de fazer brotar pastos tenros .
Interrompendo a continuidade dos cerrados, alongam-se,
nos vales, os cordões de matas ciliares, que terminam, nas
nascentes, por um capão arredondado.
Tanto nos pequenos vales, como no Tocantins, as forma-
ções florestais são representadas principalmente por cerra·
dões e, em menor escala, por matas de segunda classe .
Segundo Waibel, o cerradão é uma formação transicional
entre o cerrado e a mata, porém mais próxima desta, tanto
fisionômica, quanto ecologicamente. Suas árvores são mais
altas que as do cerrado, alcançando 10 a 15 metros, e dis-
põem-se mais próximas umas das outras. Embora as espécies
arbóreas típicas do cerrado ainda nêle predominem numeri-
camente, seus troncos e galhos apresentam-se aqui mais retilí·
neos que naquela formação . Ademais, quando se lhe ateia
fogo, cresce no cerrado uma vegetação diferente da original
- o que nunca sucede no cerrado -, constituída por uma
formação densa de um bambu fino, chamado "cambaúva",
que cresce até cêrca de 3 metros de altura. Por fim, o solo do
cerradão é geralmente vermelho e coberto por uma fina capa
de húmus, que já o inclui na categoria dos solos florestais.
Na mata de segunda classe prevalecem as espécies flores-
tais, que alcançam 15 a 20 metros de altura. Como cêrca de
1/ 3 de suas árvores mais altas perdem as fôlhas no auge da
estação sêca, esta formação apresenta, nesta época do ano,
um colorido multicor, semelhante ao da floresta mista de
coníferas e latifoliadas das zonas temperadas, durante o
outono. 92
Entretanto, no vale do Araguaia, a juzante da ilha do
Bananal, prevalece a mata amazônica, de onde extraem, hoje
em dia, grande quantidade de mogno e se travam disputas
entre fazendeiros e posseiros.
02 L . Wa!bel : " A vegetação e o u so d a terra n o Pla n a lt o Cent r a l ". In " Ca-
pítulos d e Geog r a fi a Tropica l e d o Brasil ". Rio, S erv. G ráf . do IBGE , 1958,
p p. 179-185 .

182
Só nas terras florestais, quer de cerradão, quer de mata
de segunda, encontram-se roçados e um outro rancho. Aqui,
portanto, fazem-se também queimadas, não só para o preparo
das roças, como para a formação de invernadas.
Por isso, tanto nos campos, como nas matas, na fase
final da estiagem, os incêndios erguem aqui e ali, colunrus de
fumaça que agravam a névoa sêca, e são balisados, à noite,
pelos clarões das labaredas.
À medida que a erosão fluvial aprofunda e alarga seus
sulcos na superfície regular do planalto, os cerradões e matas
de segunda vão conquistando novas áreas aos cerrados.
A dissecção do relêvo na secção central da rodovia foi
mais intensa na parte norte e na parte sul, especialmente
pela drenagem do Tocantins. Formaram-se, então, nessas
duas partes, grandes áreas florestais, de solos mais ricos.
Antes da abertura da BR-14, essas terras de matas esta-
vam pràticamente vazias, pois aos rudes fazendeiros, que aí
criavam gado à sôlta, interessavam apenas as terras de cam-
po; nas matas se faziam apenas pequenas roças de subsis·
tência. A rodovia, dando acesso aos mercados, valorizou as
matas. Uma vigorosa corrente de povoamento afluiu rápida
para essas áreas, constituída de lavradores pobres e sem
terras, vindos do Sertão do Nordeste, do Maranhão e Piauí.
Por seu lado, fazendeiros de Goiás, de Minas e de outros Es·
tados procuraram assegurar-se de grandes áreas nessas ricas
terras para estabelecer suas invernadas.
Dos choques que daí resultaram, às vêzes com violências,
saíram vitoriosos, em alguns lugares (talvez na maioria), os
latifundiários e seus prepostos; noutros, os pequenos posseiros
organizados. A intervenção da polícia goiana e, em alguns
casos, do próprio Exército foi necessária. Conforme os êxitos
obtidos por cada facção, assim se compôs a malha fundiária
nas terras florestais .
Ê:ste capítulo da apropriação da terra, que se desenrola
desde os primeiros dias do povoamento branco, em diferentes
partes do território brasileiro, quase sempre de maneira dra-
mática, não figura, geralmente, nos nossos compêndios e
tratados de História, mas está sendo vivido em nossos dias
na secção central da Belém-Brasília. '
, A _p~e_9.ominânci~ das formações vegetais preside, pois,
a subd1v1sao da secçao central em três trechos: norte, médio
e sul, que serão descritos abaixo.

183
1) Trecho Norte
O trecho norte correspondente à parte em que a rodovia
corta diretamente a floresta de babaçuais. Começa num
ponto a cêrca de 2 km ao norte do povoado paraense de Agrua
Azul, quase no limite com o Maranhão, e termina onde a
estrada penetra num entalhe de cuesta juro-triássica, a 5 km
ao norte da ponte sôbre o ribeirão Curicaca, afluente da
margem esquerda do Tocantins . Entretanto, para facilitar
a compreensão dos problemas econômicos desta zona, esten-
deremos seu limite meridional até Araguaína quase 100 km ao
sul dêsse ponto . De fato, Araguaína pouco tem de comum com
os núcleos situados mais ao sul, sôbre a BR-14; seu crescimen-
to absoluto só foi superado pelo de Imperatriz, que não se lhe
pode comparar, no entanto, quanto ao desenvolvimento relati-
vo, após a abertura da rodovia. O papel que Imperatriz desem-
penha em relação a Pôrto Franco, Montes Altos e Grajaú, é
cada vez mais assumido, na parte meridional dêste trecho, por
Araguaína, relativamente a Babaçulândia, Filadélfia e
Xambioá .
O trecho em questão representa uma transição entre a
Amazônia e o Planalto Central, não apenas quanto à cober-
tura vegetal, mas também quanto ao clima .
Os dados climáticos sôbre a região baseiam-se principal-
mente nos da estação meteorológica de Carolina, que dispõe
de uma série de observações bastante longa (1917-42) . A
publicação "Pluviometria no Polígono das Sêcas", de Rai-
mundo Andréa, contém, além disso, as precipitações em
Imperatriz, no decênio de 1949-58. 93
De acôrdo com os elementos colhidos no pôsto de Caro-
lina (fig. 64), verifica-se que o clima é quente (26°,2 de
média anual) e as temperaturas médias no período de inver-
no no hemisfério sul (270,6 em agôsto e 27°,8 em setembro) ,
são mais altas que as do verão (25°,3 em fevereiro). Estando
Carolina situada a 7°20' aproximadamente, ao sul da região
em estudo, conclui-se que, em tôda ela, o fator latitude não
desempenha papel significativo. A designação popular de
"verão", correspondente à estação sêca, tem portanto aí uma
justificação no próprio regime de temperaturas .
As invasões de massas frias, típicas do inverno, refletem-
-se em Carolina, apenas nas mínimas; seja nas médias das
mínimas, seja nas mínimas absolutas. A interpretação dês-
ro DNOCS, B ahia, 1960 . Pág . 94.

184
tes valôres registrados permite-nos concluir que, no inverno,
as amplitudes térmicas diárias são maiores que no verão; e
esta é uma feição do tipo de tempo do Planalto Central. Se,
porém, fôr tomada em consideração a amplitude térmica
anual - 2°,3 -, o seu valor está mais próximo dos das esta-
ções amazônicas .
Tal como acontece na
parte oriental do Planalto, Aw 'Qi

as temperaturas mais altas, I;.~o· CAROLINA (MA) !4;~.


tanto nas médias mensais, ALTITUDE 104M
como nas máximas absolu- TIPO o• CL>NA: Sovono Tropicot
tas, ocorrem na primavera, o c l.J _F IM A IMI J I J IA s o INID m
precedendo imediatamente r- :É ls
,......
.Ê s ~
~/.
as chuvas do semestre de ve-
rão. ~ste fato é compreensí- I~o
_j

v
vel, pois tais valôres refle- v k;-;

tem a acumulação de calor ~ t-


no final da fase de menor - I~ ~
nebulosidade. r-<- r-
Os totais de precipita-
ção são elevados; por volta
li 2:000

dos 1 500 milímetros: Caro- li .-- ~!e ~


lina, 1 591 mm; Imperatriz, ll 14 '"" ~7

1466,9 mm. ~sse, porém, é


um aspecto comum à Ama- ~I• 1\.- ' I 000

zônia e ao Planalto Centrai. I~


Q
Nos grandes traços, con-
tudo, o regime pluviométrico
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••••••
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da região se assemelha ao u. 85 I •• 1.. 77 61 69 781•• 13 -,06
17 1>2 • 5 I I I 4 >OI 11

último: possui uma nítida I•• I•• I•• I•• I• • 77

estaçãO SêCa nO inverno, que Fig. 64 - tológicas Gráfico das normais clima-
d e Carolina
se exprime tanto em quanti-
dade, como em número de
dias de chuva. Em Carolina, a estiagem é manifestada desde
maio até setembro, inclusive; em Imperatriz alcança também
outubro. 94
Há um pormenor no regime regional das chuvas que
trai, · no entanto, o seu caráter de transição. Enquanto na
generalidade do Centro-Oeste brasileiro o máximo de precipi-
tações ocorre em dezembro ou janeiro, correspondente às
chuvas de frentes quentes, provocadas pelo avanço da massa
equatorial continental sôbre o Planalto, na região em estudo
aquêle máximo é retardado para o mês de março, isto é, fim
.. A comparação entre as normais das duas estações não é rigorosa, porque
os dados foram colhidos em diferentes períodos.

185
de verão - outono, causado pelo início da regressão dos
"doldrums", após efetuarem seu maior avanço no hemisfério
sul. São, pois, chuvas de frentes frias. 1!:ste regime pluvial
é o que se encontra no nosso litoral norte.
Adotando-se a simbologia de Koeppen, o clima da região
se enquadra no tipo Awgi.
Outro aspecto que mais aproxima a região em causa ao
Planalto Central que à Amazônia é a morfologia. Embora
nestas duas predominem as linhas horizontais, é na primeira
que se observa melhor o relêvo de cuestas.
No norte de Goiás, assim como no sul e sudoeste do
Maranhão, as formas tabulares estão sempre presentes, quer
constituídas por arenitos, com horizontes limonitizados
(fig. 65), quer por derrames de rochas basálticas (fig. 66).
Numas e noutras, os declives são geralmente pouco acentua-
dos, salvo entre Carolina e o rio Corda, afluente do Araguaia,
onde se desenvolve a linda escarpa da frente da cuesta de
arenito Sambaíba, que os geólogos da PETROBRAS dataram
Flg. 65 - Testemunhos de arenito Sambaíba, perto de Caro lina. Notar as camadas
duras dOs horizontes limonitizados, formando pequenos patamares. No vale, quei-
madas no cerradão. Ao fundo o rio Tocantins e frente da cuesta. (Foto R . Mazzola
CNG - 15-8-65) .
do juro-triássico. O reverso da cuesta descamba para NNE,
no sentido geral do curso das águas do Tocantins. Para
penetrar no paredão da escarpa, êsse rio toma primeiro
uma direção subseqüente, entre Carolina e Babaçulândia,
formando um gigantesco "S" (fig. 67), apenas superado, em
grandiosidade pelo zigue-zague que o mesmo rio faz ao sair
de Goiás e penetrar no Pará. Em seguida, o Tocantins abre
um amplo entalhe conseqüente, fato compreensível por se
tratar de um grande caudal trabalhando em rocha tenra.
Ao descrever êsses enormes meandros, no entanto, o rio
Tocantins isolou, por erosão, vários testemunhos em ambas
as margens, desgarrados na frente da cu esta. Alguns dêles
parecem ter sido subdivididos pela erosão de águas, favore-
cida por fraturas, dando origem a cafíons .

Fig. 66 - Baixio arenoso, com cerrado devastado, atrás, e no primeiro plano, ba-
baçual. No horizonte testemunhos basálticos. Foto tomada na estrada de Tocanti-
nópolis para a reprêsa do Ribeirão Grande, olhando para o Tocantins . (Foto R .
M azzola - 13-8-65).

Observando-se bem alguns testemunhos, podem-se nêles


notar três patamares, cujas rupturas de declive parecem ter
sido formadas pela maior resistência relativa de camadas de
limonitização, correspondentes talvez à própria estratificação
do arenito.

187
F1g. 67 - O n o Tocanttns, p erto d e Carol ma, i n jlet indo d e d treção subseq üente
para conseqüent e. No hor izon te fre n te da cu esta e t est emunhos do arenito Sam-
baíba (Devoniano) . (Foto M azzola - CNG - 15-8-65 ).

O trecho de cuestas vizinho a Carolina tem mais de 100


metros de desnível, e constitui um modêlo clássico desta
forma de relêvo, sem dúvida mais perfeito que o da cuesta
basáltica do sul do Brasil.
Sôbre o chapadão divisor do Tocantins-Araguaia, pró-
ximo ao rio Corda, que flui em direção subseqüente, a escarpa
tem apenas cêrca de 50 metros de altura relativa, e o arenito
exibe camadas com estratificação entrecruzada.
Para que os problemas dêste Trecho Norte fiquem bem
esquematizados, será êle, nesta exposição, subdividido em
duas partes: a) área servida diretamente pela BR-14, e b)
área não servida diretamente pela BR-14.
Ãrea servida diretamente pela BR-14 - Vale do Tocantins
- Das unidades geográficas do trecho norte da secção cen-
tral da rodovia o vale do Tocantins é a mais importante. Seu
tipo de paisagem se estende, ao longo da estrada, desde 3 km
ao norte de Imperatriz até 30 km ao norte do rio Corda (ou
sejam, 30 km a oeste do Estreito) .

188
Efetivamente, Imperatriz está situada no contacto entre
os cerradões e cerrados, que ficam para o sul, e as matas, que
se expandem para o norte. Os cerradões são entremeados de
babaçuais (fig 68) . A fisionomia desta formação parece estar
mais próxima da original que a dos babaçuais homogêneos
do norte do Maranhão, cujo caráter secundário é manifesto.
No vale do Pindaré, por exemplo, podem-se observar capoei-
ras compostas exclusivamente de pindovas. 95 O homem, por
meio do fogo, destruiu aí as outras espécies favorecendo as
palmeiras na concorrência pela recuperação da mata .
A ação do fogo é evidente, contudo, nestes cerradões, par-
ticularmente entre Pôrto Franco e Estreito, onde ocorre um
denso sub-bosque de bambus finos, formando um andar
muito intrincado (fig . 68) . As marcas de carbonização na
parte inferior dos troncos das árvores são outra evidência da
intervenção humana pelo fogo .

Flg. 68 - Ma ta semidecídua com b abaçu, a 8,5 km ao nor te d a bifurcação da BR-14


para P ôrto F ranco. Parece ser a fisionomi a origin al dos babaçuais. (F oto Mazzola
CNG - 12- 8-65) .

oo "Pindova" é a d enominação d ad a n o Mar anh ão aos esp écim es jovens da


palmeira babaçu.

189
É surpreendente observar-se, no cerradão, tanto do lado
maranhense, como do goiano, o aparecimento da macambira
(Bromelia laciniosa, Mart.) (fig. 69) .

Flg. 69 - Cerradão parcialmente devastado, com ct!rca de 60% das árvores e ar-
bustos sem fólhas, na BR-14, a 5 km ao norte da ponte do Estreito. No primeiro
plano macambiras, atrás cambaúv a . (Foto R. Mazzola - CNG - 13-8-65) .

As árvores do andar mais alto do cerradão têm, na maio-


ria, fôlhas miúdas, que perdem na estação sêca, numa pro-
porção que estimamos em 60 %.
Aqui e acolá, os cerradões e babaçuais se alteram com
cerrados quase típicos, em que os sinais de emprêgo do fogo
são também muito notórios.
- As relações entre a ocorrência de babaçuais e os solos
são muitos evidentes a noroeste de Tocantinópolis, no cami-
nho que conduz à reprêsa para fornecimento de energia elé-
trica àquela cidade, ora em construção no ribeirão Grande.
Há, nessa estrada, pequenas elevações com solo vermelho e
barrento, derivado de diabásio, onde ocorrem os babaçuais,
e, entre elas, nas partes baixas, o solo é arenoso, claro, ala-
gável nas chuvas, no qual ocorrem cerrados. Aí, não se vêem
casas; mas nos babaçuais há muitas, como também roças e

190
pastos. As palmeiras estão tisnadas pelo fogo, que entra todos
os anos, seja para o preparo das roças, seja para a renovação
das pastagens .
A relativa uniformidade de paisagem do Tocantins médio
inferior não é correspondida pela geologia. Na parte norte,
perto de Imperatriz, ou, mais exatamente, até 5,5 km ao
norte do pequeno ramal da BR-14 a Pôrto Franco, os terrenos
são formados de siltitos e arenitos muito finos, que os geó-
logos da PETROBRÁS enquadraram na formação Itapecuru,
cretácea (Mapa XXI) .
Dêsse limite para o sul afloram, nas duas margens do
Tocantins, derrames de rochas basálticas, datadas pelos
mesmos geólogos como jurássicas. Na estrada do Estreito
para Araguaia essas rochas logo desaparecem, deixando aflo-
rar o arenito Sambaíba, juro-triássico, de fácies eólico, atra-
vessados, de vez em quando, por diques das citadas eruptivas,
que provocam a formação de quartzitos, por metamorfismo
de contacto, e constituem pequenas elevações, de cêrca de
30 metros.
Excluindo-se êstes montes acanhados, geneticamente
diversos, predomina, quer nos terrenos sedimentares, quer
nos eruptivos, um relêvo tabular, rico em testemunhos pouco
elevados.
A geografia física desta região levanta problemas com-
plicados e sedutores. Por exemplo: O clima daí é do tipo
Aw, isto é, tropical semi-úmido. Carolina, uma de suas esta-
ções meteorológicas, tem precipitações da ordem de 1. 500
milímetros e períodos sêco e chuvoso bem marcados (fig. 64).
Seria, portanto, de esperar que os derrames basálticos produ-
zissem aí solos de terra roxa, revestidos naturalmente por
matas de primeira classe. Em condições semelhantes, isto
se verifica no Mato Grosso de Goiás. No entanto, no baixo
médio Tocantins, apenas cerrados e cerradões revestem os
referidos terrenos (fig. 70) .
Nas obras da reprêsa do ribeirão Grande, no município
de Tocantinópolis, pôde a equipe observar um perfil dêsse
solo, desde a superfície até a rocha sã, a uns 6 metros de
profundidade (fig. 71). Verifica-se, aí, que os horizontes A
(com menos de 20 centímetros) e B são pouco espessos.
Ràpidamente se passa para o horizonte C, onde se nota a
decomposição em bolas no diabásio .
A única hipótese que se pode levantar para explicar
êsses fatos se apoia na mudança de clima do Quartenário
antigo. A faixa de clima árido ou semi-árido que ligou o Nor-
deste ao Chaco, cortando em diagonal o atual território bra-

191
r---... -· · - - -- -- - ·----

Flg. 70 - Ajwramento de diabásio sob o cerradão, num corte da BR-14, a 2,5 km


ao norte do entroncamento para Põrto Franco. (Foto R. Mazzola- CNG - 12-8-65).

Flg. 71 - Afloramento de diabásto e perfil imaturo de solo na reprêsa do Ribeirão


Grande, a noroeste de Tocantinópolts. (Foto R. Mazzola - CNG - 13-8-65).

192
sileiro, ter-se-ia tornado mais úmida no meio. Assim, os solos
derivados do diabásio, do sul do Maranhão e norte de Goiás,
não teriam tido · ainda tempo suficiente para evoluir o seu
perfil até ao de uma terra roxa típica.
Esta hipótese de trabalho explicaria também a ocorrên-
cia de macambira nos cerradões do sul do Maranhão, como
um dos últimos remanescentes da caatinga que outrora cobriu
essa região.
O fato é que aqui se encontram solos vermelhos , cobertos
de cerradões e cerrados; mas não terra roxa com matas.
A população regional é, no seu conjunto, rarefeita e mi-
serável, vivendo em habitat disperso, em ranchos de chão de
terra batida, paredes ·de barrote ou de palha, e cobertura de
palha (fig. 72) . De longe em longe essa população se agrupa
em núcleos pobres e pequenos, do tipo Strassendorf.
Naturalmente, nos babaçuais a população rural é um
pouco mais densa, embora não menos miserável, cultivando
roçados de milho, arroz, mandioca e algodão, êste mais fre-
qüente no lado goiano. Mas, os esteios verdadeiros da eco-

Flg. 72 - R anchos novos, totalmente de palha , em m at a semidecídua com baba.~u,


n a BR-14 , a 17,5 km ao norte da bifurcação p ar a P órto F ranco . (Foto R. Mazzola
- CNG - 12-8-65)
nomia regional, isto é, o da classe dominante, são o babaçu
e a pecuária, esta primitiva, extensiva, adotando o livre pas-
toreiro ("open range"), com um rebanho em que o gado
curraleiro prevalece.
A paisagem acima descrita caracteriza as terras dêste tre-
cho no vale do Tocantins, ao sul de Imperatriz, onde pre-
dominam os cerradões e cerrados. As terras florestais que lhe
ficam ao norte, ainda dentro da hiléia, têm feições distintas,
que serão apontadas a seguir.
Zona das invernadas e babaçuais de Imperatriz - Ao
norte de Imperatriz, até uma distância de 38 km da
cidade, a vegetação natural é de matas. Alterando-se com
pastos artificiais ou sombreando os mesmos, encontram-se,
aí também, babaçuais. A Orbignya e outras palmáceas cons-
tituem formações densas, em certos trechos. Entre as capoei-
ras, ainda abundantes, ou no meio dos pastos, notam-se
espécimes de pau d'arco (Tecoma spp) que, na estiagem, fi-
cam totalmente cobertos de lindas flôres amarelas.
O relêvo aqui mantém as formas típicas de uma zona
sedimentar, porém bem diferente das da série Barreiras, que
predomina na secção norte. Os siltitos claros erguem-se em
numerosos pequenos testemunhos, chegando a constituir um
microrrelêvo, no meio dos pastos, com 5 a 10 metros .de des-
nível. Tais siltitos formam camadas espêssas de poeira finís.:.
sima na estrada, a ponto de atolar os carros, mesmo com o
solo perfeitamente sêco. Desnecessário será dizer do deses-
pêro dos motoristas que atravessam esta região durante as
chuvas.
A pecuária, mantida como principal atividade, é melhor
aqui do que mais ao sul. Os pastos são plantados, as proprie-
dades cercadas, deixando vêr o gado azebuado pastando nas
mangas. Isto não impede que a maioria da população seja
aqui igualmente miserável.
Zona de Açailândia- O povoamento maranhense penetra na
hiléia, ao longo da BR-14, alcançando o Estado do Pará, até
2 km ao norte do povoado Agua Azul. A rodovia percorre esta
zona numa extensão de 91 km. Ela difere profundamente da
que lhe fica mais ao sul, porque esta é uma área de grandes
propriedades, com invernadas e babaçuais, enquanto a zona
de Açailândia é ocupada por pequenos posseiros, que fazem
lavouras de roças.
Tudo indica que esta zona é de povoamento mais recente
que aquela, tendo os posseiros ido instalar-se mais longe de

194
Fig. 73 - Sacos de arroz, á b eira da estrada a 3 knt ao sul do povoado Itinga, na
B elém -Brasilia. (Foto R. Mazzola - CNG - 10-8-65).

Imperatriz, visto que os fazendeiros já se tinham apoderado


das terras mais próximas .
O contraste que a zona de Açailândia faz com o sertão
que lhe fica ao norte é, no entanto, muito mais brutal, tanto
do ponto de vista físico, como humano.
O relêvo baixa de altitude e toma um aspecto tabular
dissecado. As matas virgens se restringem aos altos dos tes-
temunhos e, por tôda parte, crescem capoeirões e capoeiras,
em diferentes estágios. As embaúbas· (Cecropia sp.) têm
papel proeminente nestas formações secundárias. Estas são
devidas ao sistema de roças, característico desta zona agrí-
cola, onde se cultivam, em escala decrescente de importân-
cia, o arroz, o algodão, a mandioca, o milho e o feijão.
Em agôsto, quando a equipe percorreu a região, as sacas
de arroz empilhavam-se à beira da estrada, esperando trans-
porte (fig. 73) .

195
A população rural é densa e miserável, distribuída em
habitat disperso, nucleando-se, vez em quando, em Stras-
sendorfer (fig. 74) .

Fig. 74 - Açailllndia: Strassendorf na Belém-Brasília, ao norte de Imperatriz,


no meio de capoeiras e invernadas. (Foto R . Mazzola - CNG - 10-8-65) .

A paisagem faz sentir ao viajante que já está no Mara-


nhão. As casas são cobertas de palha, com teto de quatro
águas, e as paredes, ou são também de palha, ou de barrote.
A própria influência nordestina no interior maranhense se
reflete, aqui, através da utilização generalizada do jumento
como animal de transporte.
Rêde urbana - Situada aproximadamente no limite entre
os cerrados do Planalto Central e as matas da Amazônia, 96
bem como à margem direita do Tocantins no trecho navegá-
vel do seu curso médio, Imperatriz tornou-se, graças a essa
posição favorável, o centro do comércio da região circunvi-
zinha.
Embora fundada em 1852 e elevada à categoria de cidade
apenas em 1924, Imperatriz vem tomando, de 1963 em, diante,
tal impulso que o govêrno do Maranhão fêz construir um pré-
dio nôvo para a Mesa de Rendas, naquela cidade, pois a arreca-
dação estadual tornou-se bastante compensadora.
oo Assim se refere a ''Enciclopédia dos Municípios Brasileiros" à escolha do
sitio para a fundação de Imperatriz: . .. " Frei Manoel Procópio do Coração de
Maria (o fundador) .. . subiu o Tocantins até a disjunção do Araguaia, onde con-
tinuou pelo braço oriental até que se deparou um campinho de forma oval en-
cimado num cômoro de areia de formação aluvial. alteado entre o rio e charnecas
rodeadas de burttiranas, espécie de palmeira pequena e espinhenta que, no Pará,
é chamada de Caranan" .

196
As principais produções do mumc1p1o de Imperatriz
são: o babaçu, o arroz, o algodão e, em menor escala,
as madeiras. A pecuária tornou-se diminuta, depois que se
emanciparam de Imperatriz os municípios de Montes Altos,
·em 1954, e João Lisboa, em 1961, os quais incorporaram aos
respectivos territórios a maior parte das terras de criação,
isto é, terras de campos. Hoje em dia, cêrca de dois têrços
das terras do município de Imperatriz são de mata.
Até a déca,da de 1960, entretanto, o município de Impe-
ratriz vivia numa economia quase fechada, sufocada pela
falta de transportes.
Por volta de 1940, seus principais produtos agrícolas
eram: cana, milho, feijão, fava, arroz e mandioca, 97 volta-
dos quase exclusivamente para o consumo local. Salyo a
pequena indústria açucareira, não havia outra no muni-
cípio. 98 Nos campos naturais criava-se, à sôlta, gado curra-
leiro, que fornecia anualmente cêrca de 2. 000 reses para as
feiras do Estado, em São Pedro, Pombinhas, Pedreiras e
Bacabal.
O extrativismo dava, porém, a nota dominante a econo-
mia de Imperatriz: havia -garimpos de diamantes, dos quais
o mais importante era o do Barbosa; mas peles silvestres e se-
mentes de cumaru constituíam os principais ítens de expor-
tação, seja em volume, seja em valor; 99 quatro mil quilos
daquelas sementes foram extraídas do alto vale do Pindaré,
naquele ano. 100
Premidos pela carência de horizontes de trabalho, traba-
lhadores de Imperatriz emigravam para a zona de Marabá,
a fim de prestar serviços na safra de castanha. 101
Nessa época, Imperatriz também exportava gado para o
abastecimento daquela cidade, congestionada pelo afluxo
de população.
Após a Segunda Guerra Mundial, quando se estabeleceu o
comércio de carne Marabá-Belém, por via aérea, Imperatriz
passou a remeter gado para ser abatido no matadouro de
Marabá, em caráter permanente, alcançando melhor preço e
restabelecendo a via de seu comércio tradicional.
07
Comunicado n.o 6, do Departamento Estadual de Estatística do 1\laranhão
agõsto de 1942, pág. 2. ' '
"" Idem, pág. 3.
oo "O Imparcial". S. Luis, 8-3-941 .
1 00 Monografia estatístico-descritiva do Município de lruperatrlz. Recensea-
mento de 1940 .
101 "O Imparcial". S . Luís, 8-3-941.

197
Após a abertura da Bn-14, afluíram para o município,
fazendeiros e outras pessoas, vindos de outras partes doMara-
nhão, do Piauí, Goiás, Minas Gerais e do Nordeste, apro-
priando-se de terras .
O babaçu tornou-se o principal produto do município .
e, atualmente, o mais compensador. Sua produção em 1964
foi de 1. 347.900 kg. de amêndoas que, ao valor médio de
Cr$ 150/ kg, representam um valor total de Cr$ 202.185.000.
Em 1965 o valor médio por quilo elevou-se a cêrca de ....
Cr$ 250, de modo que o valor total da produção deve ter-se
elevado muito.
A produção de babaçu provém, em sua maioria, de peque-
nos coletores que extraem os côcos de terras devolutas, os
quais .s ão também lavradores. Apanham os coquilhos no
babaçual, trazem para junto do rancho, onde as mulheres os
quebram com o auxílio de machados. O homem faz então a
troca das amêndoas por "estivas", no comércio.
Os babaçuais atravessados pela BR-14 vão, para o norte,
somente até perto de Açailândia; mas, nas margens do
Tocantins, formam densas associações, que revestem vastas
áreas tanto para o norte, como para o sul.
Existe, em Imperatriz, uma refinaria de óleo de babaçu,
pertencente a empresários de Carolina. Duas outras estão
sendo instaladas; uma delas com capitais oriundos de Belém.
A produção de arroz foi financiada pelo Banco do Bra-
sil. Elevou-se, em 1964, ~:~ 185. 760 sacas de 60 kg, no valor
de Cr$ 1. 000 a saca, pago ao produtor. Mais tarde, após a
safra, o preço subiu muito, alcançando 3. 600 cruzeiros, na
cidade.
A colheita de arroz, de 1965, em Imperatriz, elevou-'se a
224. 700 sacos de 60kg. O Banco do Brasil pagou a saca de
arroz, sob classificação, a Cr$ 7. 000; mas o produtor é res-
ponsável por vultosas despesas, que englobam compra do saco,
transporte, 2% do impôsto etc., de modo que, daquele total,
devem-se abater 3. 200 a 3 . 400 cruzeiros, a fim de se deduzir
a receita unitária líquida.
O arroz produzido em Imperatriz, assim como em todo
o sul e sudoeste maranhense, é o chamado Catete, ou "do
Maranhão", muito bem cotado em Minas Gerais, para onde
há cêrca de 4 anos vem sendo exportado .
É fácil de compreender esta circulação comercial, inau-
gurada através da Belém-Brasília: Minas produz arroz de
melhor qualidade, mas o vende para os grandes mercados
de S. Paulo e Rio, e consome o do Maranhão, ganhando na
barganha.

198
A lavoura do arroz comercializada em Imperatriz
provém não apenas do âmbito do município, mas também
de Axixá, Sítio Nôvo, S. Sebastião do Tocantins e Aragua-
tins. O arroz dêste lugar só vem para Imperatriz durante o
"verão", porque no "inverno" (estação chuvosa), desce todo
para Belém.
Na cultura de arroz predominam os pequenos produto-
res; os que possuem empregados têm, no máximo, três; na
maioria, entretanto, cultivam terras devolutas: são posseiros.
Em Imperatriz estão estabelecidas grandes firmas com-
pradoras de arroz, como a Anapolina Mercantil Ltda. (com
sede em Anápolis), E. B. Ximenes, Francisco Erênio Álvares
Pereira, Manoel Ribeiro & Cia. e Waldemar Menezes Soares.
Há também muitos "marreteiros" neste ramo de negócio.
A maioria das firmas tem caminhões próprios; outras, apro-
veitam o frete de retôrno. Ê:sse frete para Belo Horizonte, por
exemplo, é de Cr$ 2. 400 por saca de 60 kg.
A abertura da BR-14 trouxe grandes benefícios a Impe-
ratriz, sobretudo aumentando-lhe a produção agrícola, já que
esta encontra agora escoamento. Pela estrada vêm de Belém
para Imperatriz: sal, sabão, ferro, querosene, gasolina e até
remédios. Embora Belém receba os medicamentos do sul,

Flg. 75 - Desembarque de babaçu, no pôrto de Imperatriz. (Foto R . Mazzola -


CNG - 11-8-67).
daí vêm ainda êsses produtos para Imperatriz, porque sua
rêde de comercialização foi organizada antes da abertura da
rodovia. Os tecidos são trazidos de Pernambuco, S. Paulo e
Rio; desta cidade vêm também plásticos, e da capital paulis-
ta, cerveja. É óbvio, portanto, o extraordinário impulso
tomado pelo comércio.
Em compensação a navegação fluvial começou a cair.
A linha Imperatriz-Belém desapareceu, permanecendo
sàmente o serviço de "motores" e "pentas", que ainda
circulam de Imperatriz para Marabá e Araguatins num sen-
tido, e o de "motores" somente, para Itaguatins, em sentido
opôsto (fig. 75). Já vimos como o comércio entre a primeira
cidade e o resto do país, especialmente Belém, se faz através
de Imperatriz, durante as águas baixas. Nestas condições,
êste pôrto adquiriu, com a navegação de pequenas embarca-
ções e a curta distância, um significado que jamais possuíu
outrora. Sua função de local de baldeação (Umschlagplatz)
foi reforçada, especialmente em relação a Marabá, para onde
Imperatriz exporta sobretudo as mercadorias adquiridas no
Sudeste, e de onde recebe o gado, que é enviado para Belém
pela rodovia. A situação de Imperatriz, em relação a Marabá,
se inverteu, portanto, após a abertura da BR-14.
De Imperatriz a Belém, os ônibus, lá denominados
"expressos" levam 12 horas, e os caminhões, dia e meio,
porque pousam em Castanha!.
A leste de Inperatriz, vem gado a pé, desde Grajaú, e
naquela cidade embarca de caminhão para Belém (fig. 76).
~sse meio de transporte é econômicamente vantajoso, por
estranho que pareça, porque torna o giro de capital mais

Flg. 76 - Caminhão transportando gado para Belém, a 15 km ao norte de Para-


gominas. As grades altas da carroÇaria se assemelham às c~rcas do curral. (Foto
R. Mazzoja- CNG - 8-8-65).

200
rápido. O melhor preço que o gado alcança em Belém inver-
teu definitivamente a drenagem econômica dos bovinos em
tôda a região a leste de Imperatriz, até Grajaú.
A abertura da BR-14 trouxe também notável incremento
às indústrias, em Imperatriz . Contam-se, na cidade, os
seguintes estabelecimentos, com 3 ou mais operários:

VIII

RAMO DA INDÚSTRIA Número de


estabelecimentos

Beneficiamento de arroz ... 22


Beneficiamento de algodão ...
Extração de óleo ...... .
Fábrica de mosaicos . ..... .. . .. . . ... ... . .. . ... . .. . .. .
Cerâmica de telhas . . . .. .......... . . . ............. .

A indústria mais antiga é um beneficiamento de arroz,


instalado em 1958; a maior parte é, entretanto, posterior à
abertura da estrada, que começou a dar passagem em 1960.
A população de Imperatriz, segundo o censo de 1960,
assim se apresentava:
População urbana 4.137
População suburbana - 4. 867 (urbana+ suburbana) :
9.004)
População rural 30.363
População municipal - 39.367 habitantes.

Corno o perímetro urbano, oficialmente considerado na


data do recenseamento, era o estabelecido por urna lei de
1954, para se ter urna idéia fiel da população da cidade devem-
-se juntar os contingentes dos perímetros urbano e suburbano,
que somam cêrca de 9.000 habitantes.
Com a criação de novos horizontes de trabalho, desenvol-
vidos com o surto de progresso em todos os setores, observou-se
em Imperatriz um crescimento demográfico extraordinário,

201
que pode ser avaliado comparando-se os dados acima com os
resultados do censo escolar, efetuado em janeiro de 1965:
População urbana e suburbana 14.738
População municipal 47.902
Por êles se pode verificar que a cidade exerceu uma atra-
ção relativamente mais forte do que o meio rural, pois en-
quanto a taxa de crescimento no perímetro urbano e subur-
bano de Imperatriz foi de 63,6 %, no período 1960/ 63, no do
município, em seu conjunto, foi apenas de 21,6 %. 10!!
De acôrdo com o último censo, a população do município
de Imperatriz, segundo os sexos e as idades assim se apre-
senta:
Crianças (de O a 15 ano."') 14.395
Homens (mais de 15 anos) 16.847
Mulheres (Jlfais de 15 anosl · 16.740
Nota-se, por aí, que há muito menos crianças do que
adultos e menos mulheres do que homens, de onde se deduz
uma influência acentuada da imigração, porque a pirâmide
etária está invertida, assim como a distribuição dos sexos. É
um fato sabido que a imigração de grande distância se faz
principalmente com elementos masculinos adultos; em se-
gundo lugar, com mulheres e, menos ainda, com crianças.
Muito diferente se apresentava a população urbana de
Imperatriz, em 1950, não só quanto ao efetivo, mas ainda
quanto à estrutura. Das 1.152 pessoas que moravam dentro
da cidade, 538 eram do sexo masculino e 614 do feminino. Isto
bem indica que o movimento pioneiro ainda não se tinha
iniciado.
De um burgo acanhado, há duas décadas atrás, em que
as casas se distribuíam em duas ou três ruas principais, pa-
ralelas à barranca do rio (Mapa XXII), Imperatriz cresceu es-
petacularmente, ultrapassando já o número de 2.000 pré-
dios, 1 03 expandindo-se sobretudo em direção à estrada de
rodagem (Mapa XXIII). Aí um ativo comércio, constituído
lO!l A comparação não é rigorosamente correta. porque a taxa de Incremento
demográfico referente ao município foi reduzida, em .virtude do desmembramento
do munlcíolo de Montes Altos, no período lntercensltárlo; não obstante , a dlf.o -
rença favorável à cldad~ permanece, pois sendo a economia da nova comuna pre-
dominantemente pastoril, tem população escassa e pouco dinâmica.
103 2.056 prédios, segundo o censo escolar de 1965. Pela conta&em, na planta
da cidade (Mapa XXII), êsse número era, em 1938, de 166 prédios, Incluindo duas
igrejas e um matadouro.

202
;<'

I
\

I
/
/

~I ,
I
Campo de Av1oc;óo
\:'
\\...

/
IMPERATRIZ
19 38

PÊRIMETRO URBANO
SUBURBANO - -. - -
d~s por magno/ia o p q compelia DG/SAI

M a p a XXII

203
essencialmente de bombas de gasolina, oficinas mecamcas,
pensões, bares etc., surgiu como por encanto. Os novos setores,
criados com o desenvolvimento da cidade, podem ser fàcil-
mente observados no Mapa XXIII, de 1964, pois são compostos
de ruas largas, traçado geométrico em xadrez, com os respec-
tivos quarteirões ainda não totalmente ocupados pelas cons-
truções.
O surto de crescimento de Imperatriz concorreu para que
o núcleo desenvolvesse também o seu setor serviços, como, por
exemplo, a casa de saúde, de iniciativa particular, que tornou
Imperatriz independente das influências de Marabá e Ca-
rolina.
No outro extremo do percurso da BR-14 através da zona
que ora se descreve, 104 situa-se Araguaína.
Entre a paisagem típica do vale do Tocantins, em que
predominam os cerradões e as matas de segunda, e a das
circunvizinhanças daquela cidade, a rodovia atravessa uma
extensão de 64 km, típica do chapadão divisor das bacias do
Tocantins e Araguaia, coberto de cerrados, em que a monoto-
nia é apenas quebrada pela frente de cuesta do arenito Sam-
baíba.
Entre dois pontos sôbre a BR-14 distantes, respectivamen-
te, 4 km ao sul e 30 km ao norte de Araguaína, os rios da bacia
superior do Lontras, afluente da margem direita do Araguaia,
sulcam o planalto, coalescem suas vertentes e as terras de
matas e babaçuais dominam mais uma vez. Então, de novo a
paisagem se transforma: há mais lavouras, mais gente, mais
cursos dágua ... Os bosques de palmeiras babaçu se alternam
ou se interpenetram com as culturas e os pastos. Cultivam-se
o milho, o algodão perene (fig. 77), a mandioca e a cana; tudo
em roçados. 105 O gado ocupa pastagens cultivadas e divididas
em "mangas".
Estas são aqui, geralmente, pequenos pastos, de modo
que não constituem, a bem dizer, uma zona de invernadas.
A ocupação, tem nesta área, tôdas as características de
um povoamento recente. Um ou outro modesto núcleo de po-
pulação tem traçado em Strassendorf, contrastando com
Araguaína, cidade muito espalhada, a qual conserva, não obs-
10. Area servida diretamente pela BR-14; trecho norte da secção central.
1<"' o problema da adoção de uma cultura permanente, como a dêste tipo de
algodão, pelo sistema de roças será discutido mais longe.

204
Fig . 77 - Roça com
palha de milho e al-
uodão perene com
capulhos, a 21 ,5 lcm
ao norte de Ara-
uuaína. Ao fundo
cêrca de cavalete,
tenào atrás queima-
da e mata ciliar.
(Foto R . Mazzol a -
CNG -14-8-65).

tante, o aspecto pioneiro. Na sua rua principal, perpendicular


à BR-14, há casas em construção e um comércio desordenado,
rústico, embora com certas lojas especializadas: casas de fa-
zendas, barbeiro, relojoeiro, até instituto de beleza. Isto,
junto com vendas que negociam de tudo! Nenhuma rua da
cidade é calçada (fig. 78).
Conquanto tenha ainda a paisagem urbana por organiza,_·,
Araguaína já existia antes da abertura da estrada. Segundo
o testemunho de um antigo morador, 106 em 1944, o local pos-
suía 6 casas e tinha o nome de Lontras (nome do rio próximo).
>011 O empreiteiro conhecic,o peJa alcunha de "Gaúchn"

205
O grande impulso lhe veio, porém, h á cêrca de 5 anos, após a
abertura da rodovia, com o afluxo de povoadores mineirJs,
goianos, paulistas, paraenses, maranhenses, piauienses e nor-
destinos.

Fig . 78 - A specto da rua princip al de Araguaina ( G oi ás). (Foto R . M azzola -


CNG - 16-8-65 ) .

A economia do município de Araguaína se baseia princi-


palmente na produção de babaçu e, secundàriamente, na do
arroz, amendoim e algodão. Nêle existem florestas ricas em
mogno, nas terras próximas às margens do Araguaia. Des&as
matas extraem-se também peles silvestres, sobretudo de cai-
titu, veado e lontra. A produção de peles é muito maior
no "verão" (estação sêca), porque, sendo os caçadores, em ge-
ral, pequenos lavradores, encontram nessa época do ano maior
lazer em suas fainas agrícolas. O comércio local adquire essas
peles e vende a intermediários de Anápolis, os quais, por sua
vez, as revendem para os grandes mercados do Sudeste.
As mais fortes emprêsas comerciais de Araguaína são ge-
ralmente filiais de firmas de Goiânia e Anápolis, especializa-
das no comércio de arroz, babaçu, algodão, mamona, amen-
doim e gergelim. A mais importante delas é a Companhia Boa

206
Sorte, que também vende sementes dos citados produtos, assim
como a de girassol, que está sendo introduzido na região.
O abastecimento do comércio de Araguaína revela uma
concorrência, na qual os mercados do sul exercem certa pre-
ponderância. Enquanto de Belém vêm os combustíveis (gaso-
lina, gás engarrafado) e os lubrificantes, bem como sal e te-
lhas, do sul provém a quase totalidade das demais mercado-
rias. De Anápolis chega o cimento, feijão (roxo), queijo (tipo
Minas); o álcool vem de Goiás ; 107 tanto aquela cidade como
São Paulo fornecem biscoitos; já para o ferro , t odo êle pro-
veniente de São Paulo, Anápolis, sàmente o r edistribui. O mer-
cado paulista é o fornecedor único de plásticos, mas compar-
tilha com o Rio de Janeiro na remessa de medicamentos, com
Belo Horizonte na de tecidos e com Recife, na de ferragens e
perfumarias. O Rio de Janeiro envia com exclusividade ao co-
mércio de Araguaína artigos de papelaria.
A função industrial da cidade apenas começa a se estru-
turar, pois possui apenas uma fábrica de óleo de babaçu, em-
bora o problema da energia já tenha sido solucionado com a
construção d.e uÍna barragem no rio Lontras.
Dois grupos escolares e um ginásio da Campanha Nacio-
nal de Educandários Gratuitos, com sete professôras nomea- ·
das, são as instituições que zelam pela educação, em Ara-
guaína. Êste modesto resultado é produto do esfôrço da popu-
lação do município, que fêz doações, mais tarde postas à venda ,
para possibilitar o funcionamento do ginásio.
A cidade de Araguaína é ligada por caminhos precários ao
Araguaia e ao Tocantins. Para oeste, uma estrada carroçável
em construção, tendo ainda 9 km em fase de desmatamento,
alcança Araguanã e Xambioá; para leste, uma estrada .~on­
duz a Filadélfia, com ramal para Babaçulândia, através de
areiões, apenas transitável por caminhões e jipes.
Pelo exposto, conclui-se que não há uma simetria entre
as duas cidades extremas da região. Ambas foram implanta-
das à borda de matas, e aí termina sua semelhança: enquan-
to Imperatriz está situada no limite meridional da hiléia, Ara-
guaína foi fundada também no limite sul da primeira mancha
florestal encontrada sôbre o espigão Tocantins-Araguaia por
quem viaja para o norte. Mas, Imperatriz é um pôrto tradicio-
nal, à margem do trecho médio de importante rio navegável;
Araguaína nem sequer é banhada por qualquer rio digno de
"" Provàvelmente d a usin a de a çúcar, em Geres .

207
nota. 108 Imperatriz era, portanto, unidade de um velho eixo
econômico, comandado por Belém desde o século passado; Ara-
guaína não tem tradição econômica: há duas décadas era um
pequeno e miserável núcleo rural, sem expressão. Por isso Im-
peratriz tem bom traçado urbano, com ruas largas, ao passo
que Araguaína cresce desordenadamente, sem plano preconce-
bido. Pela mesma razão Imperatriz tem função regional bem
estabelecida, enquanto Araguaína é ainda incipiente como en-
trepôsto, já que suas comunicações com os centros próximos,
fora da Belém-Brasília, são deficientes. Imperatriz acumu-
lou, assim, uma população na cidade que é o dôbro da de todo
o município da Araguaína (7. 200 habitantes); mas o ritmo
de crescimento dêste núcleo foi maior, e não será de admirar
que, a longo prazo, Araguaína venha a rivalizar com aquela
cidade, pois que a tendência geral deverá ser acentuar-se a
influência econômica dos grandes mercados do Sudeste do
Brasil.
As conseqüências da abertura da BR-14 num centro pas-
toril, como Pôrto Franco, foram muito diferentes das verifica-
das em Imperatriz, núcleo essencialmente agrícola. De qual-
quer modo, a influência da rodovia foi profunda em amoos,
visto que facilitou as transações comerciais. A comparação é
· valiosa, porque Pôrto Franco goza de condições semelhantes a
Imperatriz como pôrto fluvial; mas as principais fontes de
renda daquele município baseiam-se, sobretudo, na criação de
gado, nas terras de campo, que constituem a maior parte de
sua área, e na coleta do babaçu, nas matas próximas ao To-
cantins.
Antes da construção da estrada, parte do gado descia o
rio em embarcações, até Marabá, onde era abatido e levado de
avião para Belém. Com o aumento da concorrência feita por
Imperatriz e pela própria zona de Marabá, a maioria do gado
de Pôrto Franco passou a atravessar o Maranhão a pé, até
Pindaré-Miri. Ficavam, então, os fazendeiros na .dependência
dos marchantes, que deixavam os animais emagrecendo na-
quela cidade, Hssim como em Grajaú e Barra do Corda, c:10
mesmo tempo que os fazendeiros tinham que arcar com as
despesas dos vaqueiros que conduziam o gado. Ao chegar no
local onde a tropa estacionara, o marchante oferecia quanto
lhe aprouvesse - em geral, 50 % abaixo do preço normal - ,
pois os fazendeiros não tinham outra alternativa, já que não
podiam fazer retornar o gado, sem total prejuízo.
1os :É provãvel que, em futuro próximo, a cidade se estend a p a ra a m argem
do rio Lontras, 5 km ao sul de Aragu a lna, onde atualmente se encontra o úni-
co lugar d e recreação e acomodações decentes em tõda a circunvizinhan ça.

208
A BR-14 abriu completamente um grande mercado para
Pôrto Franco - a cidade de Belém -, para onde os bovinos
são embarcados, de caminhão. Muitas vêzes a carga de ani-
mais nem chega a Belém; é vendida em Santa Maria ou Cas-
tanha!.
Todo o comércio é feito a dinheiro, inclusive o frete de
caminhão, que conduz 10 a 14 reses de cada vez. Por outro
lado, a BR-14 liberou os criadores de Pôrto Franco da buro-
cracia bancária; quando precisam de numerário, colocam bois
no caminhão, que ganham a estrada rumo a Belém e, no dia
seguinte, estão de regresso com dinheiro no bolso.
O babaçu também é exportado para aquela capital e, em
menor quantidade, para São Paulo.
Antes da abertura da rodovia, Pôrto Franco rivalizava
com Carolina como pôrto; enquanto êste servia de escoadouro
ao sul do Maranhão, aquêle servia ao norte de Goiás.
Ainda mais que, em Imperatriz, a BR-14 provocou o co-
lapso da navegação fluvial em Pôrto Franco. Como o rio To-
cantins é perigoso, somente embarcações próprias, os "moto-
res", tendo até 25 a 30 toneladas de deslocamento, podiam
nêle trafegar. No "inverno", a viagem para Belém se fazia
em 20 a 25 dias; no "verão", em 30 a 60, devido às baldeaç5es
de carga, nos trechos encachoeirados. As corredeiras alonga-
vam assim as viagens, aumentavam os problemas de estiva e
armazenagem, e oneravam os fretes.
Hoje em dia, as ligações são mais rápidas e, embora o
frete rodoviário seja caro, é mais vantajoso que o fluvial. A
navegação tornou-t:e antieconômica; anteriormente, só a ine-
xistência de um transporte terrestre forçava a utilização do
rio. Atualmente, a navegação em "pentas" e "motores" subsis-
te somente para viagens pequenas. As mais freqüentes são as
que se fazem entre Pôrto Franco e a cidade fronteira de To-
cantinópolis, a fim de levar e trazer estudantes do ginásio,
pois naquela cidade não existem escolas secundárias. Metade
da sua passagem nos "pentas" é paga pela Prefeitura de Pôrto
Franco.
O comércio desta cidade está, hoje em dia, muito mais
sob o raio de ação da cidade de Belém. Para lá exporta o gado
e o babaçu; dela recebe ferragens, sal, açúcar, gasolina, sabão
etc.; mas grande parte do comércio local já se abastece no
Sudeste do país, sobretudo em Anápolis.
Pôrto Franco é ligada à BR-14 por 3 km de estrada perma-
nentemente trafegável e, por isso, foi incluída entre as cidades
diretamente servidas pela Belém-Brasília.
14 - 37 843
209
Flg. 79 - Garganta aberta pelo rio Tocantins nos derrames basálticos. Vista tomada
à esquerda, de Goiás, onde se avistam

Dentre tais cidades, uma das mais insignificantes pelas


condições presentes é a do Estreito, mas que não pode deixar
de ser considerada pelo seu futuro papel no eixo da rodovia.
O fato de ter sido ela, em 1954, arvorada em sede de municí-
pio pouco significa, pois é sabido como isso deriva de injun-
ções da política local.
O fator mais importante para o porvir de progresso da
cidade foi o seu sítio sôbre rochas duras, basálticas, à mar-
gem direita do Tocantins, num pequeno trecho em que êle
abriu uma passagem estreita entre as citadas rochas (fig. 79).
Esses elementos naturais deram ao local a preferência para a
construção da ponte J. K., sôbre o Tocantins (fig. 80).
Desde então, a função de centro de mudança de meio de
transporte (Umschlagplatz) foi assegurada ao Estreito. As
boiadas que vêm a pé, do sul do Maranhão, e as que vêm de
"motor", de Pôrto Nacional, Miracema do Norte e Carolina,
são lá embarcadas de caminhão, em lotes de 10 a 14 reses.
Se um surto de desenvolvimento espetacular não ex-
plodiu, até agora, no Estreito, deve-se à especulação sôbre
terras na cidade e suas vizinhanças. Muita gente de Carolina

210
do alto da ponte do Estreito, olhando para o norte. A direita ficam terras do Maranhão;
babaçuais. (Foto R . Mazzola - CNG - 13-8-65) .

comprou terrenos aí, porém não os ocupou, esperando valori-


zação. Os preços dos lotes urbanos subiram, por isso, astronô-
micamente, alcançando cêrca de Cr$ 300.000 em.1965.
A situação fronteiriça do Estreito favorece, em certo as-
pecto, o comércio da cidade, visto que os caminhões são obri-
gados a se deter por muito tempo nas alfândegas estaduais.
Os motoristas e passageiros são assim induzidos a comprar
alimentos ou bebidas, tanto mais que o Estreito está mais ou
menos eqüidistante das duas únicas cidades importantes da
região, localizadas à beira da estrada: a 138 km de Araguaína
e 131 km de Imperatriz. lo9
De sua condição de cidade de fronteira advêm ao Es-
treito alguns problemas. As terras maranhenses são mais
planas, mas os solos são muito arenosos, pobres, de campo.
Todos preferem, então, plantar no lado goiano, porque as
terras são mais férteis. Surge, em conseqüência, a questão ào
impôsto, ao passar na ponte, que ninguém quer pagar. Medi-
das administrativas terão de ser tomadas para solucionar o
assunto.
1 oo Pôrto Franco, segundo foi exposto acima, está afasta do 3 km da rodoV'ia.

211
Flg. 80 - Ponte JK sôbre o rio Tocantins, no limite Maranhão-Goiás. No primeiro
plano, afloramentos basálticos (Foto R. Mazzola - CNG - 13-8-65).

Area não servida diretamente pela BR-14 - Em frente a


Pôrto Franco, na margem esquerda do rio, situa-se Tocanti-
nópolis, que é também um núcleo antigo, fundado em 1858
por povoadores oriundos de Pastos Bons. Embora fôsse sede
de um imenso município, que ocupava todo o extremo norte
do Estado, desde o rio Capivara, a economia de Tocantinó-
polis era extremamente primitiva. Os produtos cultivados des-
tinavam-se à subsistência ou ao consumo regional; as prin-
cipais riquezas exportadas derivavam de extrativismo, como
os diamantes e as peles silvestres (fig. 81).
Quanto à cidade de Tocantinópolis, tem ela um pôrto de
atracação mais difícil que seu vizinho fronteiro; a malária
grassava impiedosamente (como, aliás, em tôdas as marg:;ns
do médio Tocantins); queixavam-se seus habitantes da falta
de escolas, tanto em qualidade, como em quantidade, e a poli-
ticagem violenta perturbava o progresso afetando a própria
cidade de Pôrto Franco.
Já, porém, na década de 1930, a exportação de amêndoas
de babaçu para Belém, por via fluvial, constituía a principal

212
fonte de renda do município, alcançando cêrca de 2.000 tone-
ladas. 110 Além disso, havia, nessa época, em Tocantinópolis,
usina de beneficiamento de arroz, algodão e milho, fabrica-
ção de carne sêca (charqueada) e engenhos produzindo <~.çú­
car grosseiro, rapadura e aguardente.

Fig. 81 - Peles de veado, cutia, raposa, carneiro e porco do mato, postas a secar
ao sol em Tocantinópolis. (Foto R. Mazzola - CNG - 13-8-65) .

O surto de desenvolvimento da região adveio, porém, da


abertura da BR-14, conquanto a economia não se tenha modi-
ficado estruturalmente, exceto quanto aos transportes.
A principal produção permanece a de babaçu que é
atualmente da ordem de 4.000 toneladas de amêndoas'.
Tôda ela se exporta beneficiada, soo a forma de óleo, em
tambores, com destino a Belém, atingindo a BR-14 através de
uma rodagem que acompanha o Tocantins e vai nela entron-
car a 7 km ao sul do Estreito. Somente quando essa estrada
se torna intransitável, por causa das chuvas, saem as merca-
dorias por Pôrto Franco.
O preço atual das amêndoas de babaçu é de 250 cruzeiros.

no Monografia estatístico-descritiva do Município de Tocantlnópolis (Recen-


. seamento de 1940) . Texto datilografado.

213
O sistema de coleta é semelhante ao praticado em Impe-
ratriz: os caboclos colhem os côcos nas terras devolutas, as
mulheres, os quebram e as amêndoas são vendidas ao comér-
cio local. tsses pequenos comerciantes são, para êsse fim,
financiados por firmas atacadistas da cidade.
Nas fazendas a extração do babaçu é praticada, manten-
do-se relações de trabalho semelhantes às existentes nos vales
do Itapecuru e do Parnaíba por "moradores de condição". Os
caboclos se instalam nas fazendas para cultivar as terras, onde
ficam, como moradores, com todo o produto de suas roças. Sua
obrigação única é de vender as amêndoas ao dono da terra, o
qual geralmente lhes paga um prêço de 20 a 30 cruzeiros
abaixo do corrente.
Há, na cidade, duas usinas que tiram óleo do babaçu,
sendo que uma delas fabrica também sabão grosso. A maior
parte é, no entanto, exportada sob a forma de amêndoas.
As principais firmas compradoras têm sede em Anápolis
(como a Boa Sorte) e em Goiânia. Os antigos compradores
eram de São Luís, como a Carioca, a Gessy-Lever, a União
Fabril, que agora quase não aparecem no comércio de Tocan-
tinópolis.
Uma das usinas de óleo de babaçu, visitada pela equipe,
produz 3.500 kg de óleo, por dia.
Atualmente a usina manda sua produção em caminhões-
-tanques, como óleo industrial, para Belém, onde o produto é
refinado. Para lá vai também a produção de Nazaré. Semanal-
mente, ou em cada dez dias, saem dois caminhões para Belém
cheios de óleo filtrado, que lá é comprado a 650 cruzeiros o
litro.
A usina funciona desde 1949 e foi ampliada em 1964. Nela
trabalham 6 empregados, que ganham salário-mínimo, mas
se dedicam tanto à refinação de óleo como ao beneficiamento
de café, anexo à fábrica.
Outrora a emprêsa possuía três barcos para transportar
a produção para Belém, fazendo dois transbordos. Hoje não
têm mais serventia; a viagem para a capital paraense é feita
por caminhões, em 2 ou 2 1/ 2 dias, deixando a mercadoria na
porta.
Há, na cidade, diversas usinas de beneficiamento de arroz.
A produção do município é de cêrca de 100.000 sacos dêste
cereal, mas está desenvolvendo bem, não obstante os elevados
ônus representados pelo impôsto, que correspondem, cada um,
a mais de Cr$ 1. 000 por saca.

214
A maior parte do arroz produzido na região é o "catete"
(ou "do Maranhão"), embora já haja grande parte de tipos
longos. Todo êle é cultivado pelo sistema de roças.
Existem em Tocantinópolis as seguintes indústrias além
das de extração e refino de óleo de babaçu, já citadas: benefi-
ciamentos de arroz e de algodão, fábrica de calçados, serraria,
padaria, olaria, fábrica de mosaicos, assim como, em instala-
ção, uma fábrica de conservas de palmito. Ainda se fabrica
muita pinga, em Tocantinópolis, mas a produção de açúcar
bruto desapareceu.
A fim de fornecer energia para as indústrias e melhol."ar
a iluminação da cidade, estava em construção, para ser inau-
gurada em novembro de 1965, uma usina hidrelétrica no ri·
beirão Grande, com capacidade de 1.000 cavalos-vapor.
O comércio de Tocantinópolis negocia atualmente com
diversas praças, repartidas entre as regiõe~ brasileiras: do
Norte recebe de Belém óleo, inflamável, açúcar, sal e sabão; do
Sudeste vem estivas de Anápolis e São Paulo, bem como te·
cidos desta capital e Belo Horizonte. Esta mercadoria é rece-
bida também do Recife e Fortaleza.
Grande quantidade de gente aflui para as terras de To-
cantinópolis, proveniente sobretudo de Minas Gerais, Paraná
e São Paulo, vindo formar fazendas e invernadas.
As @Opriedades no município são geralmente grandPS,
com mais de 10.000 hectares. Para contrabalançar a concen-
tração da propriedade, a Prefeitura loteou recentemente os
6.000 hectares do patrimônio do município, repartindo-os
entre 407 posseiros, o que dá, em média, uma área de 14,7 hec-
tares para cada um, que deverá pagá-la à razão de Cr$ 1. 000
por hectare.
As matas do vale do Araguaia e seus afluentes cons-
tituiam um sertão bruto, despovoado, de terras devolutas.
Com a abertura da BR-14 e o rápido afluxo de população,
levantaram-se tremendas questões de terras com os posseiros,
porque estas não estavam devidamente legalizadas. É grande
o número de pessoas a reclamar terras na região; por causa
disso, procede-se a uma ação discriminatória em todo o mu-
nicípio.
A "grilagem" é, contudo, desenfreada, degenerando fr?.-
qüentemente em violências. Uns exemplos são ilustrativos. Em
1958 queimaram o prédio da Prefeitura; anos antes o cartório
foi incendiado. De uma feita o Sr. Dico Ribeiro adquiriu datas
de terras paroquiais de todos os herdeiros de uma família e lá
chegou com um verdadeiro exército da mateiros, topógrafos e
jagunços, instalando-se na cidade de Tocantinópolis e impon-

215
do o terror à população. Assim, tornou-se êle o maior latifun-
diário da região.
Para os lados do Araguaia, no vale do Piranhas, há terras
devolutas, que são de "cultura de primeira", com muito
mogno. Esta madeira de lei é comprada em pé, por uma firma
instalada no Estreito, que paga à razão de Cr$ 20. 000 por uni-
dade. Dica Ribeiro vendeu 20.000 pés de mogno, mas fêz matar
grande quantidade de posseiros.
Apesar de todos êsses contratempos, observa-se em To-
cantinópolis um surto de progresso, graças aos esforços dos
administradores e de seus habitantes. A Campanha de Erra-
dicação da Malária conseguiu reduzir de 30% a incidência da-
quela moléstia. Todos os anos chegam lá 10 a 15 jipes novos,
destinados a êsse serviço.
Tocantinópolis tem ginásio, colégios, escola de comércio
e escola normal. Está sendo fundada uma faculdade, finan-
ciada pelo Ponto IV, que terá inicialmente apenas curso de
didática, e lugar para 160 internados.
Os padres capuchinhos italianos têm ~dquirido casas e
terrenos na cidade; nos estabelecimentos por êles dirigidos o
ensino é pago a 4. 000 cruzeiros mensais para o ginásio, 10.000
cruzeiros para o comercial e a 15.000 para o normal.
Em conseqüência dêsse desenvolvimento recente, Tocan-
tinópolis criou uma função educacional, que antes não pos-
suía. Ao seu ginásio acorrem, hoje em dia, alunos de Nazaré,
Itaguatins, Xambioá, Araguatins, Babaçulândia e Pôrto
Franco. Para êstes a passagem no rio custa 150 cruzeiros, no
"verão", e 200, no "inverno". Vê-se, por aí, que o estudo, es-
pecialmente para os alunos de Pôrto Franco, sai caro.
Em constraste com o marasmo que se nota nessa cidade,
em Tocantinópolis o progresso é evidente, como reflexo do mo-
vimento pioneiro na região. Mas há um longo caminho a
andar: a cidade tem luz elétrica, porém o abastecimento
d'água é feito ainda em lombo de jumentos; as ruas não são
calçadas, nem as praças ajardinadas.
Pelo que se poude observar, Pôrto Franco ficou reduzido,
afinal de contas, quase a uma simples "tresidela" 111 de To-
cantinópolis.
A cidade de Carolina está situada na margem direita do
Tocantins, sôbre o lobo côncavo da primeira curva que o rio
descreve, antes de penetrar na cuesta de arenito Sambaíba.
= Tresidela é um têrmo regional maranhense, que significa um núcleo de
menor Importância, situado na margem oposta de uma cidade a beira -rio, cuja
vida está sobretudo na dependência da circulação que se efetua entre as duas
margens. Exemplo : Tlmon, no Maranhão, é a tresidela de Teresina .

216
o referido núcleo é o mais antigo do médio curso fluvial,
pois foi fundado em 1809, por povoadores oriundos de Pastos
Bons. Atendiam êles à determinação da Carta Régia de 12 de
março de 1798, dirigida ao Governo do Maranhão, cujo obj~­
tivo implícito era o do estabelecer ligações entre Belém 3 o
interior daquela Capitania
A princípio, o desenvolvimento de Carolina foi lento e
cheio de vicissitudes, a tal ponto que, em determinado pe-
ríodo, quase desapareceu, o que é fácil de compreender, como
conseqüência de seu extremo isolamento. Mais tarde, porém,
juntaram-se aos povoadores maranhenses outros provenientes
de Goiás, e seu progresso relativo se fêz de maneira que essa
província passou a disputar com a do Maranhão a soberania
sôbre Carolina. Efetivamente, entre 1831 e 1854, esta cid'Sl.de
esteve sob jurisdição goiana. Já na segunda metade do século
passado e na primeira do atual, Carolina era considerada a
terceira cidade maranhense, apenas superada por São Luís e
Caxias.
Não é nas condições naturais que se vão encontrar as
causas do progresso de Carolina. É bem verdade que o muni-
cípio tem grande área, mas seus :solos não são particular-
mente férteis; a maioria é composta de terras de campos cer-
rados. O próprio vale do Tocantins tem aí mais cerradões que
qualquer outra formação vegetal. A única vantagem natu.tal
que a cidade realmente possuía era a localização do seu pôrto,
aproximadamente a meia distância entre os extremos do tre-
cho navegável do curso médio do Tocantins: Pôrto Nacional
e Marabá.
Como o eixo fundamental da circulação era a artéria
fluvial, a maior parte do comércio de Carolina se fazia com
Belém. 112 Apenas alguns produtos de alto valor, pequeno vo-
lume e grande procura no mercado internacional, como cs
couros e peles silvestres, eram exportados por via diferente,
através de Parnaíba. 113 As mercadorias transportadas de
Belém para Carolina eram levadas de barco até Tucuruí, onde
eram transferidas para a estrada de rodagem, até Jacundá,
para contornar as corredeiras de Itaboca. Acima destas, eram
reembarcadas e, na sêca, se fazia nôvo transbordo na cachoeira
de Santo Antônio, a montante da qual outra embarcação ia
levá-las no percurso do médio Tocantins. Essas baldeações
= Monografia estatístico-descritiva do município de Carol!na, para o Recen-
seamento de 1940. Inédito.
1 13 Informe do DEP do Maranhão, em 24-4-935. Inédito .

217
oneravam, por demais, as mercadorias e alongavam as via-
gens. De Carolina a Belém levavam-se seis dias; mas, no sen-
tido contrário, 12 a 14 dias.
Carolina desempenhou no passado, a função de capital
regional, não apenas relativamente ao sul do Maranhão, mas
também ao norte de Goiás; e a melhor explicação para êsse
fato se encontra no espírito empreendedor de seus filhos. To-
dos os núcleos do norte goiano tinham elementos carolinenses,
dedicados sobretudo ao comércio. Até hoje a praça comercial
de Carolina abastece Riachão, Balsas e Fortaleza dos No-
gueiras, no Maranhão, assim como Piacá, em Goiás. Essa
função regional do pôrto de Carolina tornava a cidade um
Umschlagplatz (centro de mudança de meio de transporte),
sem concorrente nas redondezas. Tal função foi reforçada a
partir de 1937, quando Carolina passou a ser e~cala para
aviões que faziam linha entre as grandes cidades do Sudeste
(Rio, São Paulo, Belo Horizonte) e Belém, encurtando o cami-
nho ao longo da grande proeminência do litoral nordestino.
Tal iniciativa do Sindicato Condor, atual Cruzeiro do Sul, foi
mais tarde imitada pelo Consórcio Real - Aerovias - Aero-
norte do Brasil, pelo Lóide Aéreo e pela Panair do Brasil, fa-
zendo do aeropôrto de Ticoncá o melhor e mais movimentado
do Maranhão, depois do de São Luís. 114
Outra atividade que deu a Carolina posição regional re-
levante foi a educativa. Na década de 1910-20, o governador
Benedito Leite designou para aquela comarca o promotor
Anibal Mascarenhas, que fundou um colégio e educou duas
gerações. Carolina manteve essa tradição de centro cultural,
pois conta atualmente com dois ginásios, uma escola normal
e uma escola noturna de comércio, servindo àqueles que tra-
balham de dia; além disso o hebdomadário "A Tarde", lá pu-
blicado desde 1926, é o único impresso em tôda a região, oois
a cidade dispõe de duas tipografias. Tradicionalmente os
filhos das melhores famílias do médio Tocantins eram envia-
dos para fazer curso primário e médio em Carolina. O curso
superior era tirado em Belém, o que demonstra que, além dos
vínculos econômicos, havia também os culturais, ligando essa
região à capital paraense.
A condição de superioridade de Carolina, em relação aos
outros a região, era revelada em muitos outros aspectos. Foi,
por exemplo, a segunda cidade do norte do Brasil, depois de
m "Enciclopédia dos Munlciplos Brasileiros", 1959 .

218
Crato, no Ceará, a dispor de energia elétrica, instalada em
1939. A agência do Banco do Brasil em Carolina era o único
órgão fornecedor de crédito a mais de 30 municípios da região.
Carolina era também, outrora, a única cidade da região que
dispunha de assistência médica.
Apesar de tudo isso, a dificuldade de acesso ao médio To-
cantins emperrava-lhe o progresso, especialmente no meio
rural.
Por meio de títulos paroquiais (datas), famílias residen-
tes em Carolina, como em Pôrto Franco, foram-se apoderando
de imensas áreas em tôdas as terras acessíveis, constituindo
latifúndios, cuja propriedade lhes foi geralmente resguardada
·por direito de herança. Constituíram-se, assim, nas terras de
campos cerrados, grandes fazendas de pecuária extensiva, nas
quais se pratica o sistema do livre pastoreio. O gado "pé duro"
é criado à solta, alimentando-se nos pastos nativos. Até hoje
os vaqueiros não recebem salário em dinheiro; têm participa-
ção no criatório pelo chamado sistema da "sorte" ou "par-
tilha", segundo o qual, após um rodeio por ano, faz-se sorteio
dentro de um chapéu, atribuindo ao vaqueiro uma cria den-
tre certo número de crias novas, obtidas depois do rodeio an-
terior. Se o gado é curraleiro, caso mais comum, o vaqueiro re-
cebe uma em cada quatro crias; do plantei azebuado, uma
dentre cinco, anualmente.
O fato de existir um bom campo de aviação em Carolina,
bem situado relativamente a Belém, São Luís e Fortaleza, foi
aproveitado para se estabelecer lá um matadouro que passou
a participar no abastecimento de carne das referidas capitais,
por via aérea. O grande consumo de reses dêsse matadouro fêz
com que o gado do sul do Maranhão convergisse a pé para
Carolina.
Atualmente a abertura da BR-14 reduziu de muito o co-
mércio aéreo da carne, entre Carolina e Belém, mas não com
as outras capitais citadas.
Acompanhando as técnicas pastoris primitivas, as rela-
ções de trabalho nas fazendas de gado são, até hoje, semi-
feudais.
A lavoura é feita em terras de mata, empregando o siste-
ma de roças para as culturas de ciclo curto e a do algodão
arbóreo. Dado o isolamento da região, relativamente ao resto
do Brasil, sua produção agrícola era destinada apenas ao con-
sumo local e regional. E:sse mesmo isolamento favorecia, no
entanto, a industrialização, ainda que grosseira, de certos pro-

219
dutos agropastoris em Carolina, que se efetuava livre da con-·
corrência dos outros centros mais adiantados. Fabricavam-se
lá, por isso, aguardente, rapadura e açúcar de bangüê; farinha
de mandioca e charque, e beneficiavam-se cereais, sohretudo o
arroz.
A abertura da BR-14 trouxe poucos melhoramentos para
Carolina e a região dela diretamente dependente; muito ao
contrário, trouxe-lhe estagnação e decadência, que se refle-
tem no êxodo da população rural para as áreas servidas pela
Belém-Brasília.
A razão é simples: em vez de passar por aquela cidade, a
rodovia foi cruzar o Tocantins mais ao norte, no Estreito
(local outrora denominado Paranaidji, e que se emancipara
de Carolina em 1954, sob o nome de Presidente Vargas). As
ligações de Carolina com a BR-14 permanecem precárias.
Havia outrora uma estrada carroçável entre esta cidade e o
Estreito, com traçado longo e difícil. Em 1964 foi aberto entre
os dois centros uma nova picada mais curta, seguindo o vale
de Tocantins, com 93 km de extensão, maE que não tem sido
conservada.
A ligação através de Filadélfia ainda é mais incerta, por-
que, além de ser ruim a estrada para Araguaína, aquela cidade
pràticamente não tem pôrto, já que durante sete meses no
ano as areias lá não permitem a atracação das embarcações.
Por isso o centro de Filadélfia está muito afastado da mar-
gem do rio (fig. 82).
A abertura da BR-14 comprometeu definitivamente as
ligações fluviais de Carolina com Belém; por isso aquela cida-
de passou a ser abastecida pelas praças do Sudeste, por inter-
médio de Miracema do Norte.
Não houve, em Carolina, abertura de frente pioneira,
depois que a BR-14 foi posta em circulação, porque já não
existiam mais nessa época terras devolutas nas redondezas
daquela cidade. Tôdas elas tinham sido apropriadas pelos pri-
mitivos ocupantes, de modo que os posseiros só se instalaram
nas terras de matas efetivamente desocupadas. Tal fato ocor-
reu, por exemplo, no vale do rio Farinha, onde a maioria dos
proprietários de terras reside em Carolina ou Pôrto Franco.
O reflexo da construção da BR-14 sôbre a economia pas-
toril de Carolina também foi muito pequeno: o sistema de
criação e as relações de trabalho ficaram inalterados. Embora
as estimativas do efetivo de bovinos, pela Agência Municipal
de Estatística, acusem um crescimento de 32.000 cabeças, em

220
Flg. 82 - Vista aérea d e Filadélfia . No fundo, à esquerda, o rio Tocantins. (Foto
R . Mazzola - CNG - 15-8-65 ).

1955, 115 para 45.000 em 1965, informa o mesmo órgão que,


em 1963, as duas charqueadas existentes em Carolina fecha-
ram as portas em virtude da falta de gado. Duas causas con-
tribuíram para êsse evento aparentemente paradoxal: 1 - a
valorização do boi vivo; 2 - o acesso das áreas pastoris 'llais
ao sul, produzindo melhor charque, ao mercado de Belém;
ambas as causas decorrentes da abertura da BR-14.
No período decenal citado triplicou o rebanho de suínos
- 60.000 em 1955 e 182.000 em 1965 - que alimentam uma
exportação para Balsas, Riachão, Estreito e Marabá, conquan-
to não abasteçam nenhuma indústria local.
u• Op. cit.

221
A produção agrícola registra poucas diferenças qualitati-
vas. O sistema de roças ainda prevalece e as principais colhei-
tas assim se discriminam (Tabela IX) :
IX

PRODUTO Quantidade Valor unitário Valor Total


(Cr$) (Cr$)

Arroz com casca ... . 22 500 sacas 1 400 saco 31 500 000
Batat a doce ...... . 180 000 ton. 2 000 ton. 360 000 000
Fava em grão .... . . 740 sacas 1 500 saco 1 110 000
Feijão ......... . 2 500 sacas 2 000 saco 5 000 000
M ilho ........... . 21 500 sacas 2 000 saco 43 000 000
Abóbora ........... . 251 920 ton. 30 ton. 7 557 600
Alho ....... . 1 500 arrobas 3 000 arroba 4 500 000
Cebola . . . . . ....... . 4 700 arrobas 2 500 arroba 11 750 000
Cana .............. . 10 400 ton. 2 000 ton. 20 800 000
Algodão ...... . .... . 26 000 arrobas 700 arroba 18 200 000
Côco da Bahia .... . 65 000 centos 4 000 cento 260 000 000
Mandioca mansa .. . 1 600 ton. 1 500 ton. 2 400 000
Mandioca brava ... . 6 600 ton. 1 200 ton. 7 920 000

Conforme se vê acima, as colheitas se destinam bàsica-


rnente ao mercado local. Com a cana ainda se faz açúcar
bruto, aguardente e rapadura; tôda a mandioca brava vai
para fazer farinha. A principal exceção é o arroz. Cinco
usinas beneficiam não somente o cereal produzido em Caro-
lina, mas também em outros municípios do vale do Tocan-
tins. Parte do arroz beneficiado sobe o rio até Miracema do
Norte, e daí alcança a BR-14 para chegar a Anápolis. De
qualquer forma o acesso de Carolina aos mercados tornou-se
mais fácil, após a abertura da BR-14, seja para Anápolis pelo
trajeto citado, seja para Belém, através do Estreito.
Em sentido contrário, da capital paraense e daí por via
fluvial chegam a Carolina os combustíveis para aviões, deposi-
tados nos postos da Essa e da Shell; Anápolis lhe envia, por
seu turno, café, açúcar, bem como secos e molhados.
Tal facilidade relativa de intercâmbio estimulou o de-
senvolvimento industrial de Carolina, que dispõe, hoje em dia,
além das cinco usinas de beneficiamento de arroz menciona-
das, de duas serrarias, tendo também uma fabricação de mó-
veis; ademais as Indústrias Reunidas de L. Agripino Fonseca
& Cia. têm extração e refinação de óleo de babaçu, assim como
fabricação de sabão e sabonetes, processando as amêndoas,

222
recebidas por via fluvial, de outros municípios do médio To-
cantins.
Após dez anos de crescimento industrial, a demanda de
energia em Carolina suplantou a capacidade da usina hidroe-
létrica, instalada no Itapicuruzinho em 1939. Começou então
a ser ampliada a mesma em 1960, tendo sido as novas instala-
ções recentemente inauguradas.
O município tem muitas outras quedas d'água, como a do
rio Farinha, a 60 km de Carolina, em linha reta, com 20 e
poucos metros de altura. Êsse afluente do Tocantins forma
outra cachoeira mais a jusante que, apesar de mais baixa, tem
maior descarga.
Carolina resolveu seu problema energético, evitando o
mal generalizado nas cidades do interior brasileiro, que é o do
abastecimento por meio de motores díesel. O litro de óleo
custa Cr$ 250, e a eletricidade que fornece dá geralmente
para iluminar uma cidade, das 18 às 22 horas; fornece luz,
mas impossibilita qualquer desenvolvimento industrial. É,
portanto, uma energia cara e insuficiente.
Apesar dêsse recente progresso, Carolina perdeu impor-
tância relativa. Uma nova agência do Banco do Brasil está
sendo instalada em Araguaína que, por certo, superará a da-
quela praça, visto que se situa no eixo rodoviário. Por outro
lado a navegação fluvial está em decadência; um motor custa
15 a 20 milhões de cruzeiros e está sujeito a perder-se, junta-
mente com a carga, numa cachoeira. Não existe, além disso,
financiamento para a compra de barcos. Um caminhão pode
ser mais fàcilmente adquirido e presta melhores serviços.
É por isso que, apesar do seu aspecto mais evoluído, com
planta em xadrez, ruas largas e bem arborizadas (fig. 83),
sente-se em Carolina um ambiente de marasmo.
Não é justo, entretanto, que uma cidade, outrora flores-
cente como essa, seja condenada a estagnação, em conseqüên-
cia da política rodoviária. Sua imediata ligação com a BR-14,
por um ramal de tráfego permanente, ligando-a ao Estreito
deve ser providenciada. Além disso devem ser estabelecidas
conexões: com o norte do Maranhão, através da BR-21, que
sai em Pôrto Franco, e mais particularmente com o Nordeste,
através da BR-24, que desemboca diretamente em Carolina.
Antes mesmo de se cogitar da construção de outra ponte, de-
ve-se melhorar o ramal de Araguaína a Filadélfia e procurar-
-se local à margem esquerda do Tocantins, que permita mais
fácil atracação, funcionando, assim, melhor que aquela cidade,
como tresidela de Carolina.

223
Flg . 83 - Aspecto de uma rua da cidade de Carolina (Maranhão). (Foto R .
Mazzola - CNG - 15-8-65) .

A retomada do progresso poderá, então, ser deixada à ni-


ciativa dos carolinenses que, no passado, já demonstraram o
seu valor.
2) Trecho Médio
Sôbre o imenso chapadão que separa as águas vertentes
para o Tocantins e o Araguaia, estendem-se os trechos médio
e sul da Secção Central, da rodovia Belém-Brasília. A estrada
não segue rigorosamente pelo "divortium aquarum"; quase
sempre penetra ligeiramente na bacia do Tocantins, seccio-
nando os altos cursos dos seus afluentes e subafluentes. Sem
embargo, as formas de relêvo permanecem as mesmas das
do divisor, pois nesses altos cursos foram conservados velhos
ciclos de erosão, visto que o rejuvenescimento comandado
pelo médio Tocantins ainda não os atingiu.
O têrmo chapadão, ora aplicado ao citado divisor, deve
ser tomado apenas no sentido descritivo, em que é usado no
Planalto Central, como grandes superfícies sub-horizontais,
elevadas em relação ao nível do mar.
Tal uniformidade morfológica, no percurso considerado,
não implica, de modo algum, em semelhança de estrutura, a

224
qual se modifica profundamente, sobretudo entre a parte
norte, sedimentar, e a sul, cristalina.
Entre Araguaína e Uruaçu, o espigão se desenvolve na
direção norte-sul, em mais de 7° de latitude: 7° 12'8 na pri-
meira cidade e 14° 30' na última. Êsse desenvolvimento se
processa quase rigorosamente ao longo de um meridiano, já
que, sem desvios notáveis do leito da estrada, o comêço e o
fim do trajeto em causa registram uma diferença de longi-
tudes inferior a 10 (480 12'W Gr. em Araguaína e 490 9'W Gr .
em Uruaçu).
Correspondendo a uma tal uniformidade do relêvo, os
demais fatôres geográficos acusam também impressionante
monotonia. Assim o clima, por exemplo, tem variações muito
Awg i
pequenas, conforme o de-
monstram as normais clima-
, ; . ;2 . PÔRTO NACIONAL!Gol•~·~• tológicas de Carolina (fig.
ALTITUDE : 237M 64) e Pôrto Nacional (fig.
~ Sovonc Troc ica 84). Ambas as estações se en-
•c IJIFIMIAIMIJIJIAISIOINID m/. quadram rigorosamente no
fr I~ It. ~,o,. Is m
17'~ v ~ mesmo tipo da classificação
de Koeppen: Awgi. Não obs-
tante, algumas diferenças de
pormenor se observam num
exame mais meticuloso, devi-
das principalmente ao fator
latitude. Enquanto Carolina,
200 0
situada a 7° 20' S ., repre-
h senta já uma transição para
um tipo climático equatorial,
Pôrto Nacional, a 100 42'S
oooo (com uma diferença superior
a 3°, portanto), é uma típica
estação tropical. Ademais, ês-
te pôsto meteorológico é bem
representativo da região em
estudo, visto que se situa
aproximadamente a meia
Flg. 84 - Norm ais clímatológicas de
Pôrto Nacional .
distância entre OS SeUS extre-
mos e, estando à margem do
Tocantins, a 253 metros de
altitude, corrige, de certa forma, eventuais distorções que a
elevação do relêvo poderia acarretar.
Enquanto em Carolina a subida das médias térmicas está
vinculada exclusivamente à acentuação da estação sêca, em
J5 - 37 843
225
Pôrto Nacional já se verifica um mm1mo correspondente ao
auge do inverno - julho -, seja na temperatura média
(240,3), seja na média das mínimas (150,9), seja ainda nas
mínimas absolutas, provocadas pelas invasões de massas frias
(9°,5 em 16-7-27). Contudo, as diferenças de temperatura,
que refletem a maior latitude de Pôrto Nacional, são mesqui-
nhas: a média térmica anual nesta cidade é de 25°,6 para
260,2 em Carolina; a amplitude naquela estação é de 2°,7, ao
passo que nesta é de 2°,5 apenas. Tanto numa, quanto noutra,
entretanto, o mês mais quente corresponde a setembro, que
precede imediatamente a estação chuvosa. 116
A maior proximidade de Carolina da região amazônica não
se repercute num total de chuvas mais elevado, pois, ao passo
que lá caem, em média, 1.591 milímetros por ano, em Pôrto
Nacional registam-se 1.813, milímetros. A distinção fun-
damental se verifica, entretanto, no regime das chuvas: em
Carolina, o máximo de precipitações ocorre no fim do verão-
-outono, isto é, em março; em Pôrto Nacional o referido má-
ximo é em pleno verão, correspondendo ao mês de janeiro.
Pôrto Nacional é bem representativo do clima tropical
semi-úmido, reinante no Planalto Central brasileiro, aqui per-
corrido no trajeto Araguaína-Uruaçu: estiagem bem marcada
no semestre de inverno; 117 fortes chuvas de verão, que ele-
vam os totais anuais de precipitações a valôres comparáveis
aos de estações amazônicas; médias de temperatura elevadas,
porém meses mais quentes na primavera, com névoa sêca,
antecedendo as invasões de frentes quentes, causadas pela
massa equatorial continental.
À regularidade geral das condições mesológicas corres-
ponde uma cobertura vegetal uniforme, constituída de cer-
rados, interrompidos por matas ciliares e de encosta, ou por
uma ou outra vereda. Há, contudo, pequenas variações, den-
tro dessa monotonia generalizada, que se processam por tran-
sições, de um trecho a outro. Serão, por isso, estudadas se-
gundo subdivisões regionais, cujo critério de fracionamento
não resulta, como se poderia pensar, de um determinismo
fisiográfico, mas sobretudo de mudanças nas atividades eco-
nômicas, frouxamente relacionadas ao quadro físico, porém
110 As diferenças climáticas entre a Amazônia e o Plan:tlto Central se re-
fLetem até nos tipos de tempo, diretamente observados nas pesquisas de campo .
No dia 19 de agôsto, por exemplo, já se notava a névoa sêca em Para!so, e no
subseqüente dias 23, entre Ceres e Uruaçu, tornava-se ela tt!.o espêssa, a ponto
de prejudicar as fotografias de paisagens.
117 O contraste entre as estações sêca e chuvosa se faz sentir um pouco mais
fortemente em Põrto Nacional que em Carolina; enquanto lá apenas 13,6% das
precipitações anuais ocorrem no semestre de inverno (maio-outubro), nesta úl-
tima tal porcentagem é de 16,3% .

226
dependentes de uma redução gradativa da influência do mer-
cado de Belém, no tempo e no espaço, e o gradual predomínio
dos grandes mercados do Brasil Sudeste, cuja praça mais
próxima se encontra em Anápolis.
Nesse trecho médio há que distinguir três faixas, mais
ou menos paralelas: uma, sôbre o chapadão, adjacente à ro-
dovia, e outras duas constituídas pelos vales do Tocantins
e do Araguaia, respectivamente. Nenhum dos dois vales é,
neste trecho, atravessado pela estrada de rodagem, ligando-se
a ela apenas por um ramal permanentemente trafegável: o
de Miranorte a Miracema do Norte, para o vale do Tocantins,
o de Rosalândia a Cristalândia, no vale do Araguaia.
Nas três zonas citadas, porém, a construção da BR-14
acarretou mudanças consideráveis, que serão analisadas a
seguir.

Zona servida pela BR-14 - Araguaína-Paraíso - a zona ora


estudada tem uma morfologia típica de cuesta. Até o vale do
ribeirão Santa Luzia, o relêvo é tranqüilo, de autênticas cha-
padas (no sentido estrutural do têrmo), com testemunhos
(fig. 85) e vales pouco profundos, características de áreas de
reverso de cuesta, vizinhas à frente, mas afastadas dos gran-
des entalhes conseqüentes.

Flg. 85 - T estemunho arenitico com vegetação decidua no alto, a 10 km ao


norte da ponte da BR-14 sô bre o ribeirão dos Bois, entre Gua.rá e Miranorte.
(Foto R . Mazzola - CNG - lG-8-65).

227
Flg. 86 - Relêvo sedimentar de testemunhos e patamares, a leste do povoado de
Presidente Kennedy, na BR-14, a 33 km ao norte de Guará. (Foto R . Mazzola -
CNG - 16-8-65) .

A rocha predominante é o arenito, embora pouco ao sul


de Miranorte alguns cortes mostrem folhelhos. Uns e outros
dêstes sedimentos jazem em posição sub-horizontal; contudo,
o Mapa XXI demonstra que, à medida que se vem do norte
para o sul, passa-se progressivamente de depósitos mais moder-
nos para mais antigos, de acôrdo com a estrutura clássica
dos reversos de cuestas, em que o mergulho das camadas é
mais forte do que o gradiente da topografia. Assim, ao norte
do rio Capivara a formação Sambaíba, juro-triássica, cede
lugar à Pedra de Fogo, permocarbonífera, esta à Poti, carbo-
nífera, a qual, por sua vez, deixa aflorar a Picos, devoniana,
tudo sem qualquer indício perceptível no relêvo.
Na direção leste-oeste, para qualquer dos dois grandes
vales, entretanto, um relêvo escalonado, de patamares e tes-
temunhos, se torna evidente (fig. 86).
Os arenitos, que compõem a quase totalidade dos terre-
nos, têm granulação fina e cimento argiloso. Em diversas
escarpas podem-se observar camadas com estratificação en-
trecruzada. Numa delas, a leste da rodovia, a 23 km para o
norte do ribeirão dos Bois, vê-se que as camadas areníticas
têm ondulações suaves; não são perfeitamente horizontais.
Tanto nessa escarpa, como no pequeno testemunho a 1 km
ao sul do ribeirão Tabocão, há uma cobertura de limonita,
com camadas de 4 a 5 milímetros de espessura cada uma,
totalizando cêrca de 20 centímetros (fig. 87).

228
Quando a rodovia desce da chapada, que forma cornichas
discretas, nota-se que o ribeirão de Santa Luzia, tributário do
Tocantins, como os anteriormente citados, corre em direção
subseqüente, e que a erosão também desgarrou testemunhos
da frente da cuesta, como na do arenito Sambaíba, mais ao
norte. Entre a crista da escarpa, a 450 metros, e o fundo do
vale (350 m), há um desnível de 70 metros.
No leito do citado ribeirão, micaxistos fortemente em-
pinados têm direção ortogonal ao curso d'água.
As camadas sedimentares repousam em marcada discor-
dância sôbre as rochas cristalinas de idade algonquiana. A
dissecção provocada pelo Santa Luzia e seus afluentes, como
é típico da drenagem subseqüente, criou um relêvo mais aci-
dentado que nas outras partes da zona cristalina desta Secção
Central, situada mais para o sul. Todos êsses aspectos têm
semelhança com os da cuesta devoniana paranaense, entre
Curitiba e Ponta Grossa.
F!g. 87 - Pequeno testemunho de arenito na BR-14, a 16 km ao norte do rio dos
CNG - 16-8-65) .
Bois, com cam adas intersticiais de limonita. (Foto R . Mazzola -
Mais para leste, ao norte de Pôrto Nacionai, o rio To-
cantins abriu um largo entalhe conseqüente nos sedimentos,
formando escarpas não menos espetaculares que as das vizi-
nhanças de Carolina.
Na regularidade geral da paisagem, o cerrado apresenta
pequenas variações, provocadas pela intervenção humana.
Não há, em todo o percurso da Belém-Brasília, um único tre-
cho onde seja razoável afirmar que aquela formação conserva
sua fisionomia natural, imperturbada. Na maioria das vêzes,
assume êle características de uma savana de gramíneas bai-
xas, em que as árvores típicas do cerrado se espalham iso-
ladas sôbre um tapete constituído pelo capim jaraguá (Andro-
pogon rufus, Kunt.) que substituiu o pasto grosseiro e falhado
da vegetação rasteira nativa. :li:sse aspecto menos selvagem,
assumido pelo cerrado, é apenas perturbado por "cupinzeiros"
(casas de termitas), na maioria construídos no chão, outros
encarapitados nos troncos e galhos das árvores.
Essa transformação da fisionomia do cerrado é feita por
intermédio do fogo, ateado geralmente no final da estiagem,
quando a vegetação inferior está convertida num manto de
palha e, em breve, as chuvas vêm favorecer a rebrota dos
''verdes" (fig. 88).
Em alguns lugares, como em trecho ao norte de Araguaí-
na, a degradação do cerrado atingiu um ponto tal que a
vegetação adquiriu uma fisionomia de "campo limpo"
(fig. 89).
O solo arenoso e claro dos cerrados pode ser observado
de avião a baixa altura, em certas partes dos caminhos carro-
çáveis. Entre Araguaína e Filadélfia, por exemplo, há areiões
tão grandes que as trilhas se derivam, fazendo lembrar os
feixes fibrosos de um tecido muscular.
No meio das savanas artificiais e dos pastos queimados,
vagam reses sem destino, tendo algumas certa porcentagem
de cruzamento com raças zebuínas, mas conservando a maio-
ria o sangue curraleiro, dos estoques introduzidos nos tempos
coloniais. O gado é criado à sôlta, pelo sistema do livre pas-
toreio ("open range"), o que prejudica, além de outros incon-
venientes adiante apontados, o raceamento dos plantéis.
Os vaqueiros são remunerados pelo regime de "sorte ou
partilha", com contratos verbais, vigorando pelo prazo de
um ano. Não há, entre os rústicos fazendeiros e a classe dos

230
Flg. 88 - Cerrado
queimado e cuptn-

zeiro a 14 km ao
norte de Guará . Do
outro lado da estra-
da, cerrado com fi-
sionomia de savana
artificial. No primei-
ro plano, espécime
de pau de colher de
vaqueiro (Salvertla
convalla ri-odora, St.
Hil.) Foto R. Mazzo-

l a - CNG-
16-8-65).

vaqueiros distância social apreciável, como não ocorria desde


os tempos coloniais, pois êste grupo tem amplas possibilidades
de ascender à classe dos criadores, tão pronto reúna pequeno
plantei e se instale em terras mais distantes.
O pessoal menos categorizado que trata dos animais são
os "peões".
As grandes propriedades e o sistema pastoril extensivo
tornam as áreas de cerrados verdadeiros vazios demográficos.
Interrompendo a continuidade dos cerrados, alongam-se
nos vales os cordões de matas ciliares, terminando em um

231
capão arredondado. Mais raramente a monotonia é quebrada
por buritizais e veredas, cheios de encanto e poesia. Êste as-
pecto é, porém, pouco freqüente, já que vários dêles estão
sendo substituídos por matas de galeria e capões, em conse-
qüência da retomada de erosão (fig. 90). A superioridade es-
tética dos buritizais, comparados às florestas, é contrabalan-
çada pela sua inferioridade econômica; enquanto nestes se
instalam as habitações e tôda a atividade agrícola, nos buri-
tizais o afloramento do lençol d'água torna-o procurado ape-
nas como aguadas naturais, e o revestimento de gramíneas
e ciperáceas das veredas, alimentadas por um lençol d'água,
pouco profundo, atrai os animais pelos seus pastos sempre
frescos, embora de baixo valor nutritivo (fig. 96).
Na maioria dos casos, entretanto, a erosão remontante
ataca diretamente a superfície do planalto, e a mata ciliar
que a acompanha, agride o cerrado, do qual se separa por

Fig. 89 - Cerrado
d egradado, com jisi o-

nomia de camp o
limpo , savana arti/i-
cial sem árvores, a

a km ao norte do rio
Corda. ( Foto R . Maz -

zola - CNG
14-8- 65) .
Fi g . 90 Vereda

com b u r i tis, na
BR-14, a 9 krn ao sul

da ponte sôbre o rio

Capivara. A direita

cerrado, à esquerda,

mata ciliar. (Foto

R. Mazzola - CNG
- 16-8-65).

Fig. 91 - Contacto

brusco entre o cerm-

do e a mata ciliar a

27 krn ao sul Nova

Colina. (Foto R.

Mazzola - CNG
16-8-65).
um limite muito nítido (fig. 91). À medida que a drenagem
fluvial se encaixa, as vertentes se alargam, e a mata ciliar
se transforma em mata de encosta. Nas partes em que a
superfície horizontal do planalto desaparece em virtude da
dissecação, essas florestas coalescem, formando, às vêzes,
manchas florestais bem largas. Ao norte de Araguaína, por
exemplo, há 30 km de terras de matas, ao longo da estrada;
no trecho sul desta Secção Central, elas ocupam cêrca de
10 km, ao norte de Gurupi.
Dentre as formações florestais, os cerradões predominam.
No final da estação sêca, seu caráter semidecíduo se acentua,
ao mesmo passo que grande número de árvores da abóbada
foliar se cobre de flôres, como o pau d'arco de flor amarela
(Tecoma serratifolia, D. Don.), o pau d'arco de flor roxa
(Tecoma violacea, Hub.), Bignoniaceae, assim como uml't ter-
ceira árvore de flôres azuis.
Tôdas as florestas da região são ricas em palmáceas. Os
babaçuais predominam, nas matas próximas da estrada, até
cêrca de 10 quilômetros ao sul de Miranorte; é provável,
entretanto, que nos vales do Tocantins e do Araguaia, êles
avançam mais para o sul. A partir dêsse limite até o extremo
da Secção Central, sobressaem pela sua freqüência a palmei-
ra macaúba (Acrocomia sclerocarpa, Mart.) e o pati (Sya-
grwsbotriophora, 1Mart.).
A carnaúba invadiu o sub-bosque das matas brocadas,
favorecida pelo fogo. Durante a estiagem, essa vegetação
inferior fica sêca, com coloração loura, constituindo, em al-
guns lugares, um andar intrincado de bambus finos.
Tanto quanto nos cerrados, fazem-se incêndios nas ma-
tas de segunda classe, nos cerradões e nos babaçuais, para a
abertura de invernadas e roças. As invernadas crescem de
importância à proporção que se vem para o sul, sobretudo
a partir das vizinhanças de Nova Colina. Não obstante, no
trecho ora em estudo, elas são em geral pequenas e insufi-
cientes em capacidade para conter o rebanho bovino da re-
gião; por isso mesmo, estando no auge da estação sêca, pôde
a equipe observar reses pastando à sôlta nos cerrados, que
são, por sua função dentro do sistema, pastos usados na
estação chuvosa, enquanto os das invernadas se recuperam.
Tais invernadas ocupam, contudo, uma área muito maior
do que os roçados, e têm para os fazendeiros significação
econômica também maior.
As lavouras são feitas invariàvelmente pelo sistema de
roças e as culturas principais são as de mandioca, milho e
algodão perene. As roças são geralmente cercadas, em que
234
as cêrcas de cavalete, juntamente com a malvácea, traem a
influência cultural nordestina (fig. 92). A variedade de cultu·
ras, porém, é grande e destinada quase tôda à subsistência.
Um inquérito com um colono maranhense- o têrmo "colono"
tomado aqui no sentido usado no Sul do Brasil, de pequeno
lavrador que trabalha com auxílio exclusivo da mão-de-obra
familiar - , realizado a 11 km ao sul do ribeirão Santa Luzia,
esclareceu o problema da introdução do algodão perene no
sistema de roças e pôs em evidência o grau em que a economia
agrícola regional ainda permanece fechada.
Do cruzamento caótico de variedades de algodão, que se
processa no Sertão do Nordeste, resultaram plantas de ciclo
vegetativo desde 5 até 12 anos.l1 8 De qualquer modo, a intro-
dução de uma cultura permanente no elenco de plantas
cultivadas pelo sistema de roças parece vir contra o próprio
conceito daquilo que os agrogeógrafos de todo o mundo co-
nhecem pelo nome de "shifting cultivation".
O mencionado lavrador cultiva milho, algodão, fumo,
cana, mandioca e arroz em seus roçados, e também bananas.
Em meados de agôsto, época em que foi entrevistado, a roça
de algodão e milho consorciado tinha o primeiro em capulhos
e o último já tombado ou colhido (fig. 92). Tão arrraigado é
o cultivo do algodão perene que êste é chamado de "comum",
enquanto o anual é normalmente denominado "herbáceo".
O algodão - esclareceu o informante - "dura" 3 a
4 anos; para que produza, precisa ser podado. Após colher-se
o milho e o algodão, poda-se êste e toca-se fogo na roça.
O algodoeiro só morre - disse ainda ao declarante - se não
fôr podado, à altura de cérca de um palmo do chão. Além de
o ser ao milho, é comum ser também o algodoeiro consor-
ciado a outras culturas, como à do arroz e da mandioca. :Ele
"dá soca" três a quatro vêzes.
"O algodoeiro dura - declarou o lavrador -, enquanto
durar a cêrca", nesse período, êle não é cortado, nem quei-
mado. A cêrca resiste geralmente até quatro anos. É cha-
mada cêrca de "pau pubo", quer dizer, de madeira branca,
não de lei; que apodrece com a umidade, como a mandioca
"puba", isto é, fermenta na água.
Compreende-se, por aí, como a permanência da roça num
mesmo terreno está aqui relacionada com a manutenção da
cêrca, que impede a penetração dos animais destruidores da
lavoura, e não diretamente com o ciclo vital das espécies
1 1• o . Va ! verde: "Geografia Agr á ria d o Baixo Aç u ". Separta d a R ev. B ras.
Geografia, XXIII, n." 3, jul-ag. 1961. pp. 470-71.

235
Flg. 92 - Roça com cêrca de cavalete, a 14 km ao norte de Paraiso. (Foto R.
Mazzola - CNG - 19-8-65) .

cultivadas. Isto é perfeitamente compreensível numa reg~ao


de pastoreio à sôlta, em que o gado é o produto comercial
básico da classe dominante.
O algodão sobrevive às demais culturas do roçado, mas
seu valor comercial termina com êste, já que êle não resiste
às devastações causadas pelos animais, nem à concorrência
das espécies vegetais da capoeira.
É curioso que o algodão aí é utilizado apenas no consumo
doméstico. Fiam-no a mão, sem roca, as mulheres da casa,
para fazer rêdes; as vizinhas vêm ajudar neste serviço.
Também o tabaco se destina ao gasto da casa; e, mais
uma vez, é a mulher que faz o fumo em corda.
A mandioca brava é cultivada somente para fazer fari-
nha. A massa é prensada numa espécie de caixote, no qual
põem, sôbre a mesma, uma tábua com pesos em cima. A uti-
lização e o processamento da mandioca denotam a ausência
do influxo cultural amazônico : não mais se aproveita o tucupi,

236
e na extração do veneno da pasta não se emprega o tipiti,
de origem indígena, mas uma fôrma rudimentar de pren-
sagem, na falta da prensa, de origem ibérica.
O próprio cultivo da mandioca está vinculado à manu-
tenção da cêrca. O terreno permitiria plantá-la durante cin-
co anos seguidos, mas o lavrador só o faz nos dois primeiros
anos porque, depois de quatro anos, a cêrca apodrece e a
maniva restante no roçado estaria perdida.
O único verdadeiro produto agrícola comercial era o arroz.
Agora, porém, nem êle é vendido, porque o preço não é com-
pensador.

Fig. 93 - Strassendorf Nov a Colin a, de junção comercial, surgido com a abertura


da BR-14, entre A r aguaín a e Guará, a 5,5 km ao norte da ponte s6bre o rio Capi-
vara. ( F oto R. M azzola - CNG - 16-8-65) .

Não foi ainda estabelecido na região um ciclo bem de-


finido de rotação de terras, porque o povoamento é muito
recente. A capoeira, segundo informaram, leva cinco anos para
engrossar, quando então os troncos das árvores maiores al-
cançam um diâmetro de cêrca de 10 centímetros. Não se
cogita, entretanto, de derrubar uma capoeira nestas condi-
ções, pois ainda há muita floresta pràticamente intacta.
Desde Araguaína até a frente da cuesta devoniana, todos
os núcleos de população são pequenos e parecem ter surgido
com a abertura da rodovia. A maioria tem traçado linear.
exceto Miranorte. Obedientes a esta regra estão:
Chapada Redonda .......... a 7 km ao sul de Araguaína;
Nova Olinda . . . . . . . . . . . . . . . a 56 km ao sul de "
Jurandir . .... . . ... .. : . .... a 75 km ao sul de "
Nova Colina (fig. 93) . . . . . . a 103 km ao sul de "
Presidente Kennedy (fig. 94) a 157 km ao sul de "
Guará . . . . . . . . . . . . . . . . . . . a 191 km ao sul de "
Cercadinho . . . . . . . . . . . . . . . a 35 km ao sul de Miranorte e
Barrolândia . . . . . . . . . . . . . . a 38 km ao sul de Miranorte.

237
Não obstante, alguns núcleos fogem, desde o início, à
estrutura de Strassendorf. Assim se deu com uma povoação
a 39 km ao sul de Araguaína; a do Restaurante Baiano, a
128 km da referida cidade, como também com Miranorte.
Êste próspero centro tem uma rua principal e uma praça, mas
já está com~çando a desenvolver pequenas transversais.

Fig. 94 - S trass en dorf P residente Kennedy, com junção comercial, surgido com
a abertura da BR- 14, entre Araguaína e Guará, a 33 k m d esta cidade. (Foto R .
Mazzola - CNG - 16- 8-65).

A razão do predomínio do traçado linear é a exclusiva


função comercial dos núcleos. "Ora, para o comércio o fator
transportes é vital, pois aquêle depende sobretudo das trocas.
Iam assim surgindo as lojas ao longo da estrada, gerando
um Strassendorf. 119 Em Nova Colina, por exemplo, que é
um dos principais centros urbanos, no trajeto Araguaína-Mi-
ranorte, anotaram-se como atividades econômicas: beneficia-
mento de arroz, oficina mecânica, farmácia, restaurante,
dentista, bares e pôsto de gasolina. Como se vê a industria-
lização nêles ainda é muito precária. Barrolândia, por exem-
plo, dispõe de uma serraria.
A exceção constituída por Miranorte é fácil de explicar,
não só por ser ela entroncamento rodoviário (junção do ra-
mal de Miracema do Norte com a BR-14), como também
porque criou, desde janeiro de 1964, função administrativa,
já que naquela data se emancipou do município de Mira-
cema do Norte.
O surto de progresso trazido pela BR-14 às cidades por
ela servidas pode ser avaliado, comparando-se a população
"" O . Va l verd e: " Estudo Regional da Zona da Mata, de Minas Gerai s" . R ev.
B ras. G eogr., 11n o X X , n.• 1, J an.- mar . 1958, pp, 66.

238
de Miranorte com a de Monte Santo. Êste núcleo é uma
vila do município de Miracema do Norte, situada pouco a
oeste da estrada de rodagem, em conseqüência da desco-
berta de um garimpo de cristal de rocha, em 1944, do que
resultou um afluxo de trabalhadores, vindos do de Piaus, que
é a atual cidade de Pium, ao norte de Cristalândia. 12 o Apesar
dessa proximidade, não se fêz uma ligação rodoviária ade-
quada, como a que existe para êste núcleo de mineração.
Por isso, Monte Santo estagnou, em comparação com Mira-
norte que, embora sendo muito mais nova, cresceu, segundo
se vê na tabela abaixo:

População da área urbana e suburbana, segundo


o censo escolar de 1964

Monte Santo Miranorte

Crianças (0 a 14 anos) ... . .... . . . . ...... . . 64 527


Homens.. .... . ... .. . . . . . ... .......... . 73 533
Mulheres . .. ... . . .. . .... . . .. ... . . .. . 63 560
TOTAL ...... . . . .. .. . 200 1 620

A distribuição dos sexos nas populações das duas cidades


acima consideradas, refletem as condições do respectivo povoa-
mento. Monte Santo, como centro de mineração, tem mais
homens que mulheres; Miranorte tem recebido gente prove-
niente da vizinha cidade de Miracema do Norte, situada a
23 km, para tentar melhoria de vida, especialmente no co-
mércio de beira de estrada. Daí resulta uma população femi-
nina maior que a masculina, pois, como é normal, as mu-
lheres superam geralmente os homens nas migrações a curta
distância.
Paraíso-Gurupi - A diferença mais fàcilmente observá-
vel entre esta zona e a anterior reside na geologia e na geo-
morfologia; como os fatôres naturais são, no entanto, uni-
formes nesta parte e na que lhe fica mais ao sul, serão êles
considerados, aqui, no seu conjunto, desde o sopé da cuesta
devoniana, no vale do Santa Luzia, até Uruaçu.
O relêvo é plano, com vales largos, em V bem aberto, isto
é, maduros, variando apenas entre 400 e 500 metros acima
do nível do mar, entre Paraíso e Porangatu, e erguendo-se
suavemente até cêrca de 700 metros, em Uruaçu.

239
F ig. 95 - O "Ser rot e", inselb"erg situado a 22 k m ao sul d e P araíso, form ado p or
um anti clinal d e m i caxisto parcialmente d estruído . N o primei ro plano, ce rrado.
(F o t o R. M azzola - CNG - 19-8-65 ) .
Ao norte do vale do Cana Era va predominam os mica-
xistos, e daí para o sul afloram, com mais freqüência, o
granito e o gnaisse. A erosão formou a superfície regular do
planalto, cortando como uma rasoura as camadas fortemente
inclinadas de micaxistos e de gnaisse, assim como as massas
de granito.
Emergindo da superfície regular do planalto, erguem-se
Inselberge que, de acôrdo com o trecho e o traçado da es-
trada, apresentam-se diversamente. Entre a frente da cuesta
e o povoado de Campo Maior, a 4 km ao sul da bifurcação
do ramal de Pium, as formas do relêvo têm notável seme-
lhança com as do Sertão do Nordeste : é um perfeito pedi-
plano com Inselberge . Um exemplo típico de relêvo desta
origem é o Serrote (fig. 95) , que se levanta sôbre o planalto
como uma ilha sôbre o mar. É importante registrar o fato
de que, entre as camadas de micaxistos que mergulham
em sentidos opostos, como as abas de um anticlinal, sempre
afloram granitos. Tais afloramentos tomam aqui o aspecto,
ora de lajedos, ora de matacões empilhados emergindo de
um solo coberto de fragmentos de quartzo leitoso.
Mais para o sul, porém, a laterita concrecional forma
uma camada dura protetora, revestindo as rochas cristalinas
l!!O in '·Enciclopédia dos Municípios Brasileiros" .

240
e que vai constituir cornichas e
testemunhos, sugerindo falsamen-
te uma rocha matriz sedimentar
(fig. 97) . 121
No ramal de Cristalândia, já o
relêvo, esculpido nos mesmos mi-
caxistos, faz recordar mais o do Pla-
nalto Central, nas vizinhanças de
Brasília. Entre os largos fundos dos
vales e os interflúvios, há uma di-
ferença de nível de apenas 60 me-
tros. A superfície do planalto, re-
vestida pela carapaça de canga,
forma rupturas de declive, em suas
bordas.
O papel cada vez mais impor-
.
E
tante que a laterita adquire, à me-
..
..,o dida que se vai para o sul, é evi-
> denciado a partir do percurso Gu-
o
E rupi-Porangatu, onde blocos de
"c canga concrecional foram jogados
o
o " ao lado da pista, quando máquinas
o
:::;;
•o
. "patrol" fizeram a abertura da es-
o
trada (fig. 98).
U•
c Os solos têm aí perfis típicos
"' de solos de cerrado, que é a for-
..,o
mação predominante, de maneira
~ -~ absoluta, até Uruaçu. Entre Poran-
a.=
o " gatu e essa cidade, contudo, exis-
o o
-o';;
gE
tem cortes na rodovia exibindo per-
-o o fis de latossolos vermelho-amarelos,
~ E
" tendo o horizonte A decapitado na-
~
E "
~ .
o .
•o
turalmente, ostentando a mesma
:; o
> •o o cobertura vegetal de cerrado. Ao
~

~~
<>·
.
<>·
c
norte daquele núcleo urbano, sà-
..,
o
mente uma vez pôde a equipe ob-
..
~
OD
•o "
:::~ cn servar êsse fato .
"' "'
(J)'O
·-z
>

1
(/)
I ' "' Tal revestimento de laterita levou antigos
I geólogos, que provàvelmente o observaram de
"'.,. I longe, a interpretá-lo como uma suposta cama-
..,o
o
... da de arenito cretáceo, cobrindo a superfície do
planalto, como se vê no primeiro mapa geológico
v
. do Estado .

241
Fig, 97 - Cornichas e teste munhos fo r mando r elêvo escalonado em ter renos de
micaxistos, que se vêem no segundo p l ano, em v i r tu de da co bertura d e l ateri t a.
F oto t omada a 33 km ao norte de Gurupi. (F oto R. M azzol a - CNG - 20-8-65) .

A cobertura de canga não faz desaparecer totalmente


as formas de relêvo semi-árido. Entre Rosalândia, no entron-
camento do ramal de Cristalândia com a BR-14 e Asinápolis,
pequeno povoado no entroncamento do ramal de S. Miguel
do Araguaia, a 13,5 km ao norte da ponte sôbre o rio Cana
Brava, os Inselberge são raros e de altura mesquinha, divi-
sando-se, de longe, no horizonte. Ao sul dêsse limite, tor-
nam-se, no entanto, mais numerosos, e mais ainda no sul
de Mar a Rosa (cidade a 5 km ao sul da de Amaro Leite) ,
onde êles emergem de um planalto mais dissecado e, estando
mais próximos à estrada, fazem com que esta suba e desça,
cortando seus pedimentos magnlficamente desenvolvidos
(fig. 99).
A circunstância de procurar a estrada aproximar-se do
divisor de águas não significa que ela percorra os terrenos
mais altos. Para leste ào povoado de Fátima (a 38,5 km ao
norte da ponte sôbre o rio Crixás), situado no entronca-
mento para Pôrto Nacional com a BR-14, avista-se ao longe
uma superfície regular, bem mais elevada, com cêrca de
500 metros de altitude aproximada. Mais para o sul, no trecho
Porangatu-Uruaçu, elevam-se, de vez em quando, montanhas
abruptas, de tôpo plano, com altitude que pode ser avaliada
em 800 e poucos metros. Esta serra, assinalada na Carta
ao milionésimo pelo nome de Serra Dourada, 122 não é contí-
nua, conforme aparece no referido mapa, e corresponde a
'"' Car t a d o B rasil, em 1/ 1.000.000, fol h a G OIÁS. Conselho Nac<onal de Geo -
gr a fi a 1.a edi ção . Rio, ou t. 1959 .

242
F lg . 98 - B locos de canga concr ecional removidos pela m1q uina "patrol", quando
da abertur a d a BR-14 , a 42 km ao norte d e P or angatu . !l trcis, cerr ado. (Foto R .
M azzola - CNG - 21-8 -65) .

um nível de erosão mais elevado que aquêle percorrido pela


estrada.
Os fatos acima expostos permitem concluir tenha havido
a seguinte evolução do relêvo regional : A cumieira das ele-
vações do Planalto Central é constituída por uma penepla-
nície (ou pediplano) que forma uma superfície muito regular,
cortando formações quase sempre cristalinas entre os 1.000
e 1. 300 metros de altitude, no oeste de Minas Gerais e no
sudeste goiano. F. F. Marques de Almeida datou esta super-
fície do Jurássico ou Cretáceo e denominou-a de "superfície
Pratinha". 123 A erosão comandada pelos grandes coletores de
águas - o Paraná, o S. Francisco, o Amazonas - teria
j.solado testemunhos daquela superfície. No caso presente,
foi o Tocantins o fator principal para a separação da Serra
Dourada do conjunto do nível superior do planalto; e isto
se teria dado a partir do Terciário.
No quaternário antigo teria reinado um clima árido, no
Planalto Central, responsável pela formação do pediplano
'"" F . F. Ma rq u es de Almeida e M . Al ves de L ima: " P l-ao.alto Cent r o -Ocidental
e Pantanal Mato -grossense". Gula d e exc. n .0 1 d o XVIII Congr . I nternac. G eog .
pp . 12-17.

243
com Inselberge no divisor Tocantins-Araguaia, como tam-
bém, provàvelmente, pela drenagem endorreica das bacias do
Bananal e do Alto Xingu.m

Flg. 99 - Inselberg com peàimentos bem desenvolvidos, erguendo-se acima do


Planalto, a 15 km ao norte àe Porangatu. Na estrada pequeno corte na canga con-
crecional. (Foto R . Mazzola - CNG - 21-8-65).
Após a última glaciação, o clima do Planalto Central
evoluiu para o tipo tropical, com estações sêca e chuvosa bem
marcadas, separando dois extremos semi-áridos: o Chaco para-
guaio e o Nordeste brasileiro. A evolução pedogenética, sob
êste clima semi-úmido, gerou o peneplano, mascarado pelo
manto de laterita, por quase tôda parte, superpondo-se à velha
superfície pediplanizada. A crosta laterítica, comportando-se
como uma camada sedimentar porosa e resistente ante os
ataques das águas de precipitação e de drenagem, preservou,
em grande parte, a velha superfície terciária, formando cor-
nichas e testemunhos nas bordas do planalto trabalhadas pela
erosão (fig. 97).
Os perfis decapitados de latossolos, observados no sul
da região em causa, correspondem provàvelmente a antigos
solos de cerradões degradados pelo fogo, cujo horizonte A foi
suprimido por lixiviação ou ablação.
Também a vegetação conserva total uniformidade, nos
seus traços gerais, desde a frente da cuesta até Uruaçu. Os
cerrados dominam a paisagem vegetal; mas estão alterados
pelo fogo: ora queimados, ora transformados em savanas
artificiais, de gramíneas baixas. Em certas partes o cerrado
foi de tal modo degradado pelo fogo que se transformou
num cerradinho ou campo sujo.
= :E:ste cllma árido predominante não deve ter sido contínuo, alterando-se
com fases semi-úmidas, em que se teriam formado horizontes de canga fóssil,
verificados por L. Walbel no oeste de Minas Gerais e oor A. N. Ab'Sáber no nível
superior da Borborema (700 metros acima do nível do mar) .

244
Nos declives suaves dos vales, a vegetação florestal se
estende, ou sob a forma de mata-galeria, ou sob a de mata
de encosta, com fisionomia de cerradão ou de mata de segunda
classe. Não mais se vêem babaçuais. Perto das nascentes, com
gradientes suaves, aparecem as veredas, que mantêm su·a
fisionomia quase inalterada, apesar do pastoreio. Onde a ero-
são está sendo retomada, a mata-galeria expulsa os buritizais.
As formações florestais estão passando por mudanças
mais profundas do que os cerrados, já que estão cedendo
lugar a invernadas de jaraguá, hoje ainda pequenas, ou em
vias de formação. Nas matas situam-se também bananais e
roçados, com culturas de mandioca, milho e cana, principal-
mente.
A região é ocupada por latifúndios de pecuária extensiva,
onde prevalece ainda o sistema do livre pastoreio. Não obs-
tante, já há mais mangas cercadas do que ao norte. Junto às
fazendas, os currais são sempre delimitados por cêrcas apoia-
das em sólidos mourões.
Ao contrário do que se passa na zona anteriormente des-
crita, aqui o gado azebuado supera claramente o de sangue
curraleiro.
Com tal estruturação econômica o povoamento é, por
fôrça, rarefeito, adensando-se nos vales. As sedes de fazenda
situam-se, em geral, no limite entre as terras de mata e as
de campo, ou, com menor freqüência, francamente em terras
florestais devastadas.
Aí terminam as semelhanças entre o trecho que fica ao
norte e o que fica ao sul de Gurupi.
Ao longo da BR-14, entre essa cidade e a escarpa devo-
niana, os núcleos urbanos carecem de significação, excetuan-
do-se apenas Paraíso e Rosalândia ; todos os demais são cen-
tros lineares, tendo apenas um comércio acanhado, de beira
de estrada, como atividade econômica. Paraíso já é, entre-
tanto, sede de município, tem luz elétrica e um ativo comércio,
com vendas e pensões numerosas, além de padaria, sapataria,
bares, barbearias, fotografia, cafés. . . Algumas lojas têm
duas especialidades, como tecidos e sapatos, ferragens e teci-
dos, num esbôço de diferenciação. As casas são cobertas de
telhas e as paredes são de tijolos ou adobe. A única loja fora
da rua principal é a do borracheiro. Paraíso já ultrapassou
o padrão Strassendorf e está passando agora ao de xadrez.
Rosalândia é um centro mais modesto, resultante de um
loteamento, efetuado em terras doadas pelo Estado ao muni-
cípio de Cristalândia, em 1960. Hoje em dia, tem pensões,
pôsto de gasolina, borracheiro, e já é sede de distrito. Em

245
agôsto de 1965 estava sendo instalada luz elétrica no núcleo.
Embora êle mantenha ainda seu traçado linear inicial, deve
muito em breve torná-lo mais complexo, pois desfruta da
vantagem de situar-se no entroncamento da BR-14 com o
ramal de Cristalândia.
A própria cidade de Gurupi foi, no entanto, a que mais
evoluiu. Sua história movimentada e curiosa nos foi narrada
pelo próprio fundador .
Em 1932 o Sr. Benjamin Rodrigues 125 (fig. 100), natural
de Pedro Afonso, trabalhava em Peixe. Tomando conta de 40
e tantos burros, tendo pôsto fogo num pasto, os burros se
espantaram e 12 desapareceram. Mais tarde, procurando os
animais, êle os descobriu no lugar onde é hoje Gurupi, área
então coberta de cerradões . Naquele tempo ninguém gos-
1" Fundador da cidade d e Gurupl, q u e prestou à equipe as Informações que
se seguem , r el ativas à fund ação.

Flg. 100 - O Senhor


B enjamin R odrigu es,
n atural de P ed r o
Afons o, f undador d e
Gurupi . (F ot o R.
Mazzola - CNG
20-8-65).
tava de ir ali, porque nas redondezas VIVIam os Xerentes,
cujas taperas, em ruínas, ainda hoje subsistem.
Assustados com as vizinhanças dos brancos, que traziam
rifles e levavam vantagem nas lutas contra suas flechas, os
indígenas se retiraram e, após cruzarem o Araguaia, foram.:se
reunir aos Xavantes.
Em setembro de 1951, sabedor de que se abria uma es-
trada do Mato Grosso de Goiás em direção a Belém, veio
esperar a chegada da mesma, no local onde encontrara as
mulas. Construiu o primeiro rancho em 1952, onde montou
uma venda, hoje transformada em loja de tecidos (fig. 101) ,
e nesse mesmo ano abriu a estrada para Peixe, que bifurca
da BR-14 ao sul de Alvorada. Êle pretendia abrir uma fazenda,
na região em que se instalara, mas os "grileiros" da Compa-
nhia Nacional de Tecidos, com fábrica em Goiânia, tomaram-
-lhe as terras, em 1954.
Já em 1953 resolvera o Sr. Rodrigues lotear a terra que
efetivamente ocupava, fazendo arruamentos. De 100 em 100
metros rasgou avenidas de 25 metros de largura.
Em 1955, começaram a construir casas, em grande núme-
ro, em Gurupi, embora a rodovia estivesse aberta somente até

Fig . 101 - O Sr. Benjamin R odrigues e espôsa, à por ta ãa casa mai s antiga de
Gurupi, por êle construída em 1952 . (F oto R . Mazzola - CNG - 20-8-65 ).

247
o trecho entre Uruaçu e Porangatu. A ela se chegava, porém,
através de caminho carroçável.
De acôrdo com o nosso informante, o nome de Gurupi
foi tirado de uma lagoa das vizinhanças, onde os caboclos
costumavam ir pescar.
Em agôsto de 1957, as máquinas que abriam a BR-14
chegaram à cidade.
A maioria da população que ocupa as proximidades de
Gurupi veio do Piauí e do Maranhão, viajando a pé ou a ca-
valo. O Sr. Joaquim Gomes de Oliveira, atual coletor muni-
cipal, por exemplo, veio a pé de Correntes, no Piauí, num gru-
po de 33 pessoas, viajando 40 dias. Migravam, assim, em ma-
gotes formados de famílias e grupos de amigos por questão
de segurança. 126
Dos 200. 000 alqueires de terra que compõem a área do
município, sàmente 5.000 são titulados. Justamente êstes não
produzem, pois seus proprietários aguardam valorização. ~ste
é o caso, por exemplo, dos 3.000 alqueires da Companhia
Nacional de Tecidos, sediada em São Paulo.127
Existem posseiros na região que ocupam a terra há onze
anos e ainda não têm título de propriedade. Ocorre também
aí um tipo de apropriação, segundo informaram, que poderia
chamar-se de "grilagem política": quando um partido vem
para o poder, escorraça os outros posseiros e, nessas terras,
instala seus adeptos.
Além da criação de bovinos, as principais produções do
município são de arroz, milho, feijão, algodão e mandioca.
Excetuando-se a dêste produto, as safras assim se apresen-
tam (tab. XI) :
XI
1964 1965 (previsão)

PRODUTO Unidade Valor Valor


Volume unitário Volume unitário
(Cr$) (Cr$)

Arroz . sacos de 60 kg 100 000 3 500 60 000 3 000


Milho .. sacos de 60 kg 10 000 3 000 30 000 3 000
Feijão .. sacos de 60 kg 2000 10 000 10 000 8 000
Algodão ... arrôbas 15 000 1 300 30 000 2 000

1!!6 Informação verbal.


121 Estas informações e as seguintes foram fornecidas pelo citado coletor e
pelo Sr. Newton Ribeiro Viana, secretário da Prefeitura de Gurupl.

248
Pela tabela supra verifica-se que a redução no preço
do arroz desencorajou o seu cultivo pelos lavradores, que
incrementaram substancialmente as safras de feijão, milho e
algodão; não obstante, continua aquêle cereal como produto
líder.
O arroz de Gurupi é dos tipos amarelão e pratão, cultivado
em terra enxuta, pelo sistema de roças. O calendário das
operações obedece à rotina seguinte: derriba, feita até se-
tembro, e queima, em outubro, ambas precedendo as primeiras
chuvas; plantio, em novembro-dezembro, no comêço das
chuvas; limpas, feitas a enxada, duas vêzes, e colheita. Esta
faina requer muita gente, por isso vêm, às vêzes, até traba-
lhadores de fora.
O arroz é plantado sàzinho. Se o terreno é bem baixo,
antes de se colhêr o arroz, planta-se o algodão. A colheita
do cereal vai de março a maio, isto é, corresponde ao final
das chuvas.
Mais comumente planta-se o algodão, sàzinho, em feve-
reiro para colhê-lo em maio. 128 Nesta ocasião os algodoeiros
são arrancados e, no seu lugar, cresce a capoeira. A maior
parte dos lavradores, porém, semeia nesse terreno o capim
jaraguá ou o colonião, para formar invernada.
Não se faz cultura alguma em terra de campo.
O gado de Gurupi é, na maioria, mestiçado com raças
zebuínas.
Os melhores fazendeiros da região são os mineiros, afeitos
a cercar os pastos e a zelar pelo gado. Já os outros cria:dores,
pelo contrário, deixam os animais misturados, mesmo dentro
de "mangas". Os maranhenses e piauienses, no entanto, estão
habituados a criar o gado à sôlta. Os mineiros costumam
fazer queijo, vendendo os excedentes; os demais só o fabricam
para consumo doméstico, ou nada fazem.
De Gurupi exporta-se gado, tanto para Belém, como para
o sul; dependendo da época em que vêm os boiadeiros. Os
animais que seguem para a capital paraense destinam-se ao
corte imediato; os que vão para o sul destinam-se à recria.
A viagem para Belém é feita de caminhão, levando, em con-
dições normais, quatro dias, no máximo. Há sempre caminhões
partindo com gado.
Para a recria, no sul, os boiadeiros vêm sempre comprar
em outubro-novembro, a fim de que, quando comecem as
chuvas, já os bovinos estejam nas invernadas de recria. Com-
'"' Trata-se portanto do algodão herbáceo; e não do perene, como mais ao norte.

::!49
pram-se em Gurupi não somente animais criados na região,
mas também reses provenientes de Formosa do Araguaia,
Peixe, Duerê, Natividade e Pôrto Nacional. O gado segue
para o sul com dois a dois e meio anos de idade.
O trato do gado, em Gurupi, compreende: dar sal,
duas vêzes por ano, e mais a marcação, a castração e outros
serviços menos importantes.
O sal vem de Anápolis, na maior parte. ultimamente, tem
vindo de Belém, 129 mais barato, aproveitando o frete de retôr-
no ; contudo ainda se compra mais sal em Anápolis, porque
os fazendeiros já tinham, anteriormente, seus fregueses certos.
Uma fazenda de tamanho médio, na região, tem normal-
mente 200 a 300 cabeças de gado, e duas pessoas para cuidar
dêle.
Quando os animais são criados em pastos divididos, não
apenas podem ser selecionados, como reproduzem também com
maior rapidez. O gado mais "madrinhado"- dizem os fazen-
deiros - tem suas vacas parindo todos os anos, ao passo
que, quando sôlto, as vacas passam dois anos sem ter bezerros.
O vaqueiro que cuida de gado sôlto é pago por "sorte"
à razão de 5 para 1, anualmente; o que trata de gado fechado
tem contrato verbal, recebendo por mês 50 a 60 mil cruzeiros,
mais refeições e dormida.
O rebanho bovino de Gurupi é apenas da ordem de umas
20.000 cabeças; mais importante, porém, que a produção de
bovinos do município é o comércio, que se faz em sua sede
com o gado de tôda a redondeza.
Seguem em importância os suínos, com 8.000 cabeças,
consumidas localmente.
A população urbana de Gurupi ultrapassa 10.000 habi-
tantes, pois, segundo os entrevistados, a Campanha de
Erradicação da Malária contou lá 2.000 casas e, na região, a
família média supera o número de 5, correspondente à média
da família brasileira.
O censo escolar contou, em 1964, 5.556 crianças na
cidade.
O município tem 5 máquinas de beneficiamento de arroz.
Mora em Gurupi um médico (vindo recentemente) , três
dentistas e dois enfermeiros. Funcionam lá uma unidade do
SESP e a Campanha de Erradicação da Malária, que começou
1 20 E st a a informação dada à equipe, que registrou d ir etam en te a exportação
também por Bragan ça. Deve -se entender p or "sal vindo de Belém ", p ortanto, t odo
o sal vindo do norte, ou m elho r, da Bragan t ina, já q u e não é possivel precisar
a origem .

250
seus serviços em 1964. Esta entidade reduziu fortemente a
incidência da moléstia, que, juntamente com a verminose
e a desidratação, constitui a maior ameaça aos seus habi-
tantes.
As instituições educacionais em Gurupi são representadas
por 2 grupo escolares, 3 escolas reunidas, 1 escola isolada,
12 escolas particulares e 1 ginásio, o qual ainda não tem
prédio próprio.
A cidade tem correio, mas não telégrafo, nem telefones.
Sua incipiente função recreativa é exercida por um único
cinema.
Em Gurupi e sua região sente, pela primeira vez, quem
vem do norte, o impacto da economia mercantil do Brasil
Sudeste, disputando o escoamento da produção com o mer-
cado de Belém, e transformando o velho arcabouço da eco-
nomia quase fechada do tradicional sertão brasileiro. Gurupi
é portanto uma "bôca de sertão", não só relativamente à
zona agropastoril do vale do Santo Antônio, que lhe fica
a leste, como em relação ao imenso planalto, coberto de cer-
rados, que se estende para o norte. O movimentado comércio
da cidade e seu traçado em xadrez denotam essa condição.

Zonas não servidas diretamente pela BR-14 -Vale médio do


Araguaia - Cristalândia é, hoje em dia, a principal via de
acesso ao médio Araguaia, ligada à BR-14 por um ramal de
tráfego permanente, com 21 km de extensão.
As riquezas mais importantes da região servida por Cris-
talândia são: gado, cristal de rocha e peixe. Êste último é
pescado no Araguaia, dêle sobressaindo em valor o surubim; é,
porém, muito mais uma potencialidade do que um produto de
significativo comércio.
A preponderância regional de Cristalândia reflete-se na
própria área do município (26.200 km2 ), uma das maiores
do Estado, abrangendo também quase tôda a ilha de Bananal
(com exceção do seu extremo norte) .
A agricultura na região está quase tôda voltada para a
subsistência. O arroz, principal produto, não tem uma área
onde se concentre seu cultivo. Ao contrário do que se poderia
presumir, dada a abundância de terras alagáveis, todo êle é
arroz de terra enxuta, produzida pelo sistema de roças.
Na ilha do Bananal, assim como naquela entre os rios
Javaé (braço direito do Araguaia) e o Formoso, há grandes
pastagens de capim canarana e, em menor escala, de capim
mimoso. No "verão", istn P.. 7'~ estação sêca, vai para lá gado

251
de tôdas as regwes vizinhas, desde os arredores de Gurupi;
no "inverno", volta às suas fazendas de origem. Os vaqueiros
acompanham o gado transumante.
Organiza-se, assim, o médio Araguaia, como mais uma
das grandes áreas de transumância do Brasil, relacionada
também com uma vasta planície aluvial, como o são o Pan-
tanal mato-grossense, o médio Amazonas e, em escala redu-
zida, os campos de Marajó. 130 Êsse aspecto, de importante sig-
nificado para a pecuária brasileira, não tem merecido a de-
vida atenção dos geógrafos. VIRGÍLIO CORRÊA FILHO 131 e P. DEF-
. FONTAINES apenas mencionaram a transumância do Pantanal;
nas demais áreas referidas, a literatura é quase totalmente
omissa. Já a transum:lncia no maciço de Itatiaia, e no Pla-
nalto Meridional, que tem apenas valor local e afeta um
contingente muito restrito de gado e de pastores, foi estu-
dada por PIERRE DEFFONTAINES. 132
Na realidade, sendo o Brasil um país tropical e despro-
vido de cumes nevados, não se encontra nêle uma transumân-
cia de montanha comparável à dos Alpes ou dos Pirineus. Em
nosso país, essa migração sazonal do gado está ligada às
grandes planícies inundáveis, situadas em áreas remotas, com
população rarefeita, onde se pratica uma pecuária extensiva.
As várzeas do médio Araguaia são constituídas de terras
devolutas, como aliás o são 80 % das terras no município de
Cristalândia.
As relações de trabalho aí se assemelham ainda às das
regiões mais ao norte. Impera o regime da "sorte", em que
os vaqueiros recebem uma rês em cada quatro crias, anual-
mente. Alguns fazendeiros, menos pródigos, dão sàmente uma
em cada cinco; são, porém, minoria.
Nesta região, o sangue zebu nos rebanhos predomina
sôbre o curraleiro. É curioso observar como, à medida que
melhoram os plantéis, melhora também a remuneração do
vaqueiro. Evidentemente, a perda de um animal zebu repre-
senta um prejuízo muito maior para o fazendeiro que a de
um "pé duro"; por isso, à proporção que a mestiçagem de
raças zebuínas penetra na criação das áreas longínquas, o
130 Conforme foi apontado no capitulo referente ·a Paragominas, um dos prin-
cipais objetivos dos fazendeiros marajoaras estabelecidos nessa região é a orga-
nização de inv·ernadas para os períodos de enchentes em Marajó, devendo os ani-
mais ser transportados em embarcações, subindo e descendo o rio Capim .
131 V. Corrêa Filho: Pantanais Mato-grossenses ( Devassamente e Ocupação),
Bibl. Geogr. Bras., Publ. n.• 3, p . 67 Cons. Nac. Geogr., Rio, 1946 .
132 P . Deffontaines: Mountain Settlement on Central Brazilian Plateau.
Geogr. Rev., XXVII, n.• 3, July 1937. Trad. publicada no Boi. Geogr., ano V, n .• 52
jul. 1947, pp. 375-85.

252
regime da "sorte" passa de 1: 5 para 1 : 4, como um meio com
que o fazendeiro procura interessar mais o vaqueiro no trato
do gado. ·
O município dispõe de um matadouro, errôneamente cha-
mado de "charqueada". Aviões C-47 da VARIG vêm, duas vê-
zes por semana, buscar carne verde para Belém e Fortaleza.
Chegam num dia, à tarde, pernoitam em Cristalândia, en-
quanto carregam o avião e, no dia seguinte, cedinho, levam
embora a carne, cortada em quartos.
· Cristalândia também exporta gado vivo, de caminhão,
para Belém, e tangido a pé, para São Paulo. Para se fazer idéia
do vulto dêste comércio, basta dizer que, em 1964, um fazen-
deiro da região vendeu, de uma só vez, 5.000 cabeças de
gado para São Paulo. .
Faz-se também carne de sol, em Cristalândia, m&s apenas
para consumo local.
Com o melhoramento das ligações rodoviárias, tudo
indica que o comércio de carne por via aérea deverá desapa-
recer, em breve prazo, pois êle subsiste em razão de estarem
ainda em vigor velhos contratos, anteriores à abertura da
BR-14.
Com razão declarou o prefeito de Cristalândia que "a
BR-14 representa a vida para a região". Antigamente,
durante a estação chuvosa, de lá só se saía de avião. Hoje
em dia, novas vias estão sendo abertas, que virão desenvol-
ver as áreas vizinhas à cidade. O consórcio do Estado com
a Prefeitura está construindo, por exemplo, uma estrada
indo de Cristalândia à lagoa da Confusão - lago de trans-
bordamento na margem do rio Urubu, na direção WSW da
cidade - , a 67 quilômetros, com o objetivo de permitir a
exploração da cal lá existente, incrementar o turismo, a pecuá-
ria e a pesca . ·
Na bacia do médio Araguaia predominam os peixes de
grande porte, como o pirarucu, o surubi, a pirarara e o piraíba.
Várias pessoas testemunharam que um espécime, para ser
retirado das águas, teve que ser puxado a trator. Só poderá,
entretanto. haver exportação em grande escala, do pescado
do Araguaia, quando se organizar uma estrutura para sua
comercialização.
A METAGO, emprêsa de capitais mistos vinculada ao
govêrno goiano, está trabalhando em Cristalândia, associada
a particulares. m Explora apenas quartzo transparente, que
1 "" Seus sócios são o Sr. Domingos Ribeiro Barbosa, natural de Jacobina, na
Bahia, e que nos forneceu os presentes informes sôbre a mineração, e o Dr. Oton
Nascimento, diretor da COTERRA, firma empreiteira que trabalha na ER-14 .

253
é exportado por via aérea e rodoviária para o Rio de Janeiro
e para a sede daquela emprêsa, em Goiânia .
Por ocasião da visita da equipe, em meados de agôsto de
1965, a firma assim constituída trabalhava havia dois meses,
com interrupções. Nesse espaço de tempo, produzira cêrca de
2.000 kg de lascas de cristal (de 1.a e 2.a), mais 200 e poucos
quilos de cristal de classe.
:i!:ste último é classificado, comercialmente, de acôrdo com
seu pêso e sua limpidez. Segundo o pêso pode ser incluído
nas seguintes categorias: 100, 200, 300 . 500 700 e 1. 000
gramas.
Para o exame da limpidez, o cristal é submetido à luz
branca e à luz polarizada (no polaroide). A escala crescente
de impurezas assim se dispõe: D1, D2, D3, DX, polarizado e
nesga. De uma classe para a imediatamente superior o preço
aumenta muito.
Outrora, na época da Segunda Guerra Mundial e pouco
depois, só se vendia o D1, também chamado "A" . As lascas,
que antigamente não tinham valor comercial, são hoje vendi-

Flg. 102 - Traba lhador quebrando cristal de rocha e separando as lascas de acórdo
com as diferentes categorias da classificação comerci al, em Cristal4ndia. (Foto
R . M azz ol<~ - CNG - 19-8-65).

254
das para o Rio de Janeiro, dividindo-se em duas categorias:
lasca de 1.a, vendida a Cr$ 500/ kg, e lasca de 2.a, vendida a
Cr$ 60/ kg (fig. 102) .
A firma tem 14 empregados trabalhando no garimpo (ga-
rimpeiros), além de dois empregados de escritório, dois clas-
sificadores e dois na cozinha . O salário dos garimpeiros é, ou
de Cr$ 1 . 000 por dia, com direito a refeições e dormida, ou
de Cr$ 1. 500, a sêco e sem dormida. Êles não têm, portanto,
qualquer participação nos resultados do empreendimento;
ganham salário fixo .
O Sr. Domingos dirige o serviço e escolhe locais de traba-
lho para a mineração. No garimpo uma plaina da METAGO
ajuda nas escavações superficiais (fig. 103). Em seguida en-
tram os garimpeiros de picareta (fig. 104) .
É curioso o critério prático dêstes wild catters para
escolher os locais de trabalho. Na superfície ocorre, numa
espessura de 40 a 50 centímetros, o "bagerê", que é o "cascalho
prêto". De fato o material não é negro, mas tinto dessa côr
pelo ácido húmico. São seixos angulosos com cêrca de 3 cen-
tímetros de diâmetro, nos quais se pode, eventualmente, en-
contrar algum cristal, mas sempre em pequena quantidade.
Flg. 103 - Jazida de quartzo a céu aberto, em Cristalândia. Plaina da METAGO
parada e garimpeiros em serviço. (Foto R. Mazzola - CNG - 19-8-65).
Segue-se abaixo, o "mocororô", cascalho vermelho e duro
como uma canga, segundo informou o Sr. Domingos. Trata-se,
na realidade de uma espécie de brecchia ferruginosa, com
cascalhos ainda de 3 em de espessura, que parece constituir
o embrião de um horizonte B, laterizado.

Flg. 104 - Garimpeiro cavando a picareta no horizonte de "argila", em Cristallindia.


(Foto R . Mazzola - CNG - 19-8-65) .

Abaixo, talvez a uns 3 a 5 metros de profundidade,


começa a "argila", que nada mais é senão que o horizonte C,
pois guarda a estratificação típica do micaxisto, embora
decomposto. Aí já se encontra algum "bagaço de côco", que
são cristais geminados, sem valor comercial.
Por fim vem o horizonte de "bagaço de côco" e de "cris-
tal", pouco acima e pouco abaixo do lençol d'água.
Os fatos acima descritos indicam um perfil de solo intra-
zonal, derivado de um cone de dejeção (ou uma bajada)
com declive em direção à bacia do médio Araguaia. Os seixos
angulosos revelam que o arrastamento do material pelas
enxurradas se deu a curta distância, em condições climáticas
mais áridas. A laterização estava em marcha, correspondendo
à fase posterior, semi-úmida, mas o processo pedogenético
não se completou.

256
Na morfologia atual da região o declive uniforme da su-
perfície dos antigos depósitos torrenciais foi desfigurada,
porque, em virtude do clima mais úmido, uma rêde de drena-
gem permanente se encaixou nos cones aluviais.
Restam, entretanto, alguns aspectos da evolução do per-
fil da jazida difíceis de explicar. Por exemplo: sendo a cober-
tura atual de vegetação composta de cerrado, de onde teria
provindo o ácido húmico encontrado no "bagerê", se o solo
laterítico dos cerrados não possui horizonte A?
Sem ser necessário recorrer à hipótese de um clima mais
úmido que o presente, suportando um revestimento florestal,
pode-se presumir tenha havida aí um cerradão (como aliás
em outras partes do planalto submetidas ao mesmo clima),
o qual teria sido degradado pelo fogo.
A mineração do quartzo motivou o povoamento da região,
que, aliás, não provém de longa data. As primeiras incursões
no território deram-se em 1939, quando foram colhidas amos-
tras de cristal nas vizinhanças de Pium, mais ao norte. m
A valorização do cristal de rocha, durante a Segunda
Guerra Mundial, atraiu os garimpeiros a se instalarem em
caráter permanente. Assim, em 1942, já existia o lugar cha-
mado Itaporé, com cêrca de 500 barracões cobertos de palha.
No ano seguinte foram construídas duas casas, pouco acima,
que deram origem ao povoado de Chapada, hoje denominado
Cristalândia . 135
Apesar das dificuldades de transporte, o progresso do
núcleo foi espetacular, pois, em 1948, Chapada se eregia em
sede de distrito, do município de Pôrto Nacional e, em 1953,
tornava-se autônoma, com a denominação atual.
Tal surto se explica, não obstante, porque o cristal era
transportado para os mercados, por via aérea, como também,
mais tarde, o gado abatido.
O povoamento da região foi feito principalmente com
maranhenses e piauienses, que hoje afluem em maior número,
dadas as facilidades de transporte, oferecidas após a abertura
da BR-14.
A colonizaçâo do trecho cristalino ao norte da bacia sedi-
mentar do médio Araguaia foi mais difícil, pois aí não exis-
tiam as imensas várzeas que favoreciam sua ocupação pelo
gado. Embora o declive do chapadão divisor para o Araguaia
tenha aí gradiente mais forte, é ainda coberto de cerrados,
que cedem lugar à hiléia, a partir do rio Lontras para o norte.
1" ' " Enciclopédia dos Municípios Braslleiros'',
= Idem, i b idem.

17-37843 257
Desde o princípio do século XIX procurou o govêrno
povoar as margens do Araguaia, a fim de estabelecer um vín-
culo de circulação permanente entre as áreas hahitadas da
Vila Boa dos Goiás (mais tarde capital da província) e Belém.
Mas o contingente branco disponível para isso era muito
escasso, comparativamente à massa de índios - Xavantes,
Xerentes e Carajás- que, rechaçados pelos brancos mais a
leste, acumulara-se no vale do Araguaia . Assim, o primeiro
presídio, instalado em 1812 em Santa Maria Velha, 12 km a
montante da atual vila de Couto de Magalhães, foi destruído
pelos referidos índios coligados.
Em 1858, Frei Francisco do Monte São Vítor, partindo
com várias famílias de Boa Vista do Tocantins (hoje Tocanti-
nópolis), foi-se estabelecer em Santa Maria do Araguaia, atual
Araguacema, situada a 18 léguas acima do primitivo presídio,
tendo em vista catequisar os Carajás e Caiapós.
As condições do povoado melhoraram, quando, pouco
depois, foi ali fundado o presídio de Santa Maria, e mais
ainda em 1870, quando o general Couto de Magalhães, então
governador da província, lá instalou a sede da Companhia de
Navegação a Vapor do Rio Araguaia . 13 6
Santa Maria do Araguaia tornou-se então o centro de co-
mércio servindo aos garimpos de ouro ou diamante das vizi-
nhanças, assim como às rústicas fazendas que criavam gado
à sôlta, nos pastos brutos dos cerrados.
O presente século trouxe novos impulsos à região, sobre-
tudo à sua economia extrativa, em virtude da sucessiva subida
nos preços de determinados produtos comerciais. Em 1910,
quando o preço da borracha alcançou seu ápice, de 3 dólares
por libra-pêso, Araguacema tornou-se o entrepôsto onde se
fazia a primeira fase da comercialização do látex defumado
de caucho, que aventureiros audazes iam coletar nas matas
do vale do Xingu.
Após a Primeira Guerra Mundial, a rápida valorização dos
óleos comestíveis vegetais incentivou a apanha do babaçu no
próprio médio vale do Araguaia e afluentes, cujas amêndoas
iam ser também vendidas em Araguacema .
A partir da Segunda Grande Guerra, foi o cristal de ro-
cha que teve notável valorização, fazendo a mineração aban-
donar os leitos fluviais para se transferir às vertentes mais
elevadas da bacia do Araguaia . Dois Irmãos, Goianorte, Pe-
quizeiro (erigidas, mais tarde em vilas do município de Ara-
guacema) e o povoado de Mata das Barreiras surgiram e fio-
""' Enciclopédia dos Munlclplos Bra sileiros

258
i Campos de pou so
~ MinerJ)ÕO

• Povoado de m1neroçõo

I LHA

DO

BANANAL

Mapa XXIV
resceram como resultado dêste surto. A posição dêsses cen-
tros de garimpagem, em relação ao rio Araguaia, é absoluta-
mente semelhante aos do Pium, Cristalândia, Duerê e For-
moso, (Mapa XXIV), mais ao sul. :tl::les comprovam a riqueza
das bajadas que desciam para a citada bacia, resultantes da
erosão das formações algonquianas mais a leste, e a conse-
qüente acumulação do quartzo, em condições áridas de clima.
O comércio do cristal não convergia, entretanto, para
Araguacema, como o faziam o da borracha e o das amêndoas
de babaçu. Tratando-se de um produto de alto valor, produ-
zido numa área longínqua e destinada então ao mercado
norte-americano, que dêle tinha necessidade urgente em con-
seqüência da conjuntura de guerra, todo o transporte era
feito diretamente da zona de produção para o mercado, por
via aérea. Por isso, :Loram constr~dos, nas proximidades
daqueles centros, numerosos campos de pouso de emergência.
O crescimento urbano de Belém, desencadeado a começar
da última guerra, gerou uma crise no abastecimento de carne,
que repercutiu nos vales médios do Tocantins e do Araguaia,
por meio do comércio do produto por via aérea. Assim, tal
como em Pôrto Nacional e Cristalândia, organizou-se também
em Araguacema uma das chamadas "charqueadas", onde o
gado era esquartejado e embarcado em aviões.
Como se vê pelo exposto acima, a maior parte da produção
da área servida por Araguacema escoava-se para Belém, mas
daí não vinha o abastecimento em estivas para aquela cidade,
pois a navegação do Tocantins, como vimos, encarecia exces-
sivamente os produtos, em conseqüência dos transbordos.
Ademais Belém não sendo centro de uma importante zona
agrícola ou industrial, simplesmente reexportava mercadorias
do Sudeste e Sul do país, as quais já chegavam lá por preço
elevado. Assim sendo, os gêneros adquiridos em Araguacema
provinham de Barreiras, na Bahia, após perfazerem um longo
transporte terrestre, em tropas de muares, através de Pedro
Afonso.
A abertura da Belém-Brasília liqüidou êsse comércio e
está afirmando cada vez mais a preponderância das praças
de Belém e Anápolis, no intercâmbio com Araguacema e o
médio Araguaia em geral.
o fácil acesso pela estrada acarretou, porém, mudanças
mais profundas: nas terras florestais do rio Lontras para o
norte, deu origem ao surto extrativo do mogno, ao mesmo
tempo que abriu horizontes a levas e levas de posseiros, vindos
do sul do Maranhão e do Piauí. A crise agrária dos seus Esta-
dos impulsiona-os a êste nôvo rush, deixando a penetração dos

260
vales do Mearim e Pindaré, entregues a cearenses e piauienses
do centro e do norte, que aproveitam os transportes de cami-
nhão entre aquêles vales e as praças de Fortaleza e Recife
Na nova zona pioneira das matas do Araguaia, uma nova
economia agrícola, baseada no sistema de roças se sobrepõe,
com vigor cada vez maior, à velha economia extrativa. Mas,
o rush de posseiros colide, de vez em quando, com grileiros e
grandes proprietários, que travam com êles combates e lutas
judiciais, conforme foi mencionado no capítulo sôbre Tocan-
tinópolis.
A fim de evitar semelhantes choques, o IDAGO (Insti-
tuto de Desenvolvimento Agrário de Goiás) acelerou os traba-
lhos de levantamento e demarcação de terras no Norte de
Goiás e, aos posseiros, que efetivamente cultivam as terras.
concede uma área de 500 hectares a cada um, (Mapa XXV)
mediante o pagamento de duzentos e poucos cruzeiros, para
atender as despesas de demarcação do lote e da tramitação
do processo. Tal base fundiária, aparentemente excessiva
para servir de unidade a uma ocupação em propriedades de
tipo familiar, em realidade não o é, se tomarmos em conside-
ração que os posseiros empregarão o sistema de roças, único
que sabem aplicar numa região de mata virgem e que é eco-
nômicamente viável a tal distância dos mercados. Além disso,
tendo os posseiros, em geral, famílias grandes, com mais àe
cinco filhos em média, no fim de uma geração, a maioria dos
lotes estará reduzida, por partilha sucessória, a áreas inferio-
res a 100 hectares .
Mais ao sul, nos campos inundáveis da bacia do médio
Araguaia e nas terras altas adjacentes, uma nova economia
pastoril se organiza . Cada vez mais que os mercados do Bra-
sil Sudeste preponderam, o gado zebu substitui o "pé duro",
e as relações de produção capitalistas tomam o lugar da
arcaica estrutura semifeudal.

O médio vale do Tocantins goiano - No presente estudo, o


vale médio do Tocantins (todo o trecho compreendido entre
Tucuruí, no Pará e Pôrto Nacional, em Goiás) é constituído
de três secções: 1) a paraense de Tucuruí a Marabá; 2) a
maranhense, entre Marabá e Carolina; 3) a goiana, entre
Carolina e Pôrto Nacional.
As duas primeiras já foram analisadas, respectivamente,
nos capítulos - o sertão do Tocantins paraense e no trecho
norte da Secção Central dêste relatório.

261
O médio vale do Tocantins goiano constitui-se em uma
das áreas não servidas diretamente pela Belém-Brasília,
muito embora neste trecho a rodovia se aproxime mais do
vale do Tocantins.
As conseqüências, decorrentes dêste fato, foram profun-
das, caracterizando-se, sobretudo, pelo agravamento da crise
sócio-econômica por que passava a região; ela reflete trans-
formações regionais havidas com a abertura da rodovia.
Os fundamentos geográficos do médio vale do Tocantins
goiano são semelhantes aos que identificam o trecho norte
da Secção Central.
Assim, o Tocantins apresenta seu curso interrompido por
uma série de corredeiras - Pedro da Costa, Todos os Santos,
Pilões, Lajeado, Mares, Funil de Baixo, tôdas localizadas a
jusante de Pôrto Nacional. As estações sêca e chuvosa, mar-
cam profundamente o regime fluvial. No decorrer da estia-
gem, o nível das águas do Tocantins desce de maneira consi-
derável; afloram as rochas no leito do rio e, nas margens,
estreitas e descontínuas faixas de várzea; na época das chuvas
o rio não apenas atinge o seu leito maior, mas a velocidade da
corrente é mais acentuada e as dificuldades de escoamento
das águas, nos trechos mais estreitos do vale, formam rebojos
incessantes.
A navegação fluvial sempre é difícil em qualquer época
do ano, o que não evitou que o Tocantins fôsse, durante mais
de dois séculos, a única via de acesso ao sertão goiano e sudo-
este maranhense.
Impulsionados pela febre de ouro, os bandeirantes atin-
giram, no segundo quartel do século XVIII, o médio vale do
Tocantins goiano; com o declínio da mineração, os povoadores
deixaram-se ficar nas regiões das aluviões auríferas, estabe-
lecendo-se em grandes fazendas de gado.
A partir do século XIX, a expansão do gado, que partira
em fins do século XVIII de Pastos Bons, atingia esta área
goiana; os criadores do Maranhão foram atraídos para o
médio vale do Tocantins goiano, pelas notícias de boas pasta-
gens e de terras férteis .
A ação missionária, aldeando e catequizando o elemento
indígena, facilitou a ocupação regional.
Finalmente as interligações constantes com Belém do
Pará, através do Tocantins, fizeram com que a corrente ama-
zônica penetrasse na região, como intermediária do comércio
do babaçu.
Os móveis econômicos da ocupação regional marcaram
profundamente as características demográficas.
262
Nas terras altas, uma população rarefeita e dispersa vive,
ainda hoje, de uma pecuária extensiva, baseada no sistema
do livre pastoreio; no vale, o habitat ganha o aspecto linear.
Sendo o Tocantins a principal via de interligação regi-
onal, em suas margens se localizaram os principais centros
urbanos, que se desenvolveram, sobretudo, como entrepostos
comerciais .
Os censos de 1950, 1960 e 1964 137 acusaram respectiva-
mente para a região, 26.863, 48.418 e 44.033 habitantes; to-
mando-se, apenas, os três mais importantes municípios temos
a seguinte distribuição:

XII

MUNICÍPIO 1950 1960 1964

Miracema do Norte ... . .. . ..... . 8 750 15 376 12 000


Pedro Monso .. .. . . . . ........... 6 995 10 033 12 003
Pôrto Nacional. .. . ............. 11 118 23 005 20 030
TOTAL ...... .. . . ...... .. .. 26 863 48 414 44 033

Ora, nos dois mais importantes municípios desta zona,


Miracema do Norte e Pôrto Nacional, verificou-se um decrés-
cimo demográfico entre 1960 e 1964, o que identifica o médio
vale do Tocantins goiano como uma área de êxodo da popu-
lação, em direção às regiões servidas diretamente pela Belém-
Brasília.
Até hoje a economia regional guarda as tradicionais
características do sertão: o grande esteio econômico é repre-
sentado pela criação de gado; a mineração, a extração da
amêndoa do babaçu e uma agricultura (em sua grande parte
destinada ao consumo local), aí aparecem como elementos
secundários. Muito embora a criação de gado tenha atra-
vessado um período de grande desenvolvimento, no presente
momento, atravessa uma crise grave . O exame comparativo
de alguns dados estatísticos é importante para a elucidação
desta característica. Em 1920, o município de Pedro Afonso,
que se salientava na região pela criação de gado, possuía um
rebanho bovino da ordem de 117.873 cabeças. 138 Em 1963,
considerando-se a mesma área territorial (que constitui os
137 Censo Escolar
138 "Diário da Noite"' de 4 de agôsto de 1944. Arquivo Geográfico da Divisão
Cultural do Conselho Na cl.onal de Geografia - Pasta "Pedro Afonso ".

263
municípios de Pedro Afonso, Tocantins, Lizarda, Piacá e
Itacajá) existiam 209.900 reses. Indiscutivelmente houve.
do ponto de vista absoluto, um crescimento do rebanho da
ordem de 77,3%, no período 1920-1963. Mas é verdade, tam-
bém, que esta região não acompanhou o mesmo ritmo que
caracterizou o rebanho goiano, no período considerado êste
acusou um crescimento de 136,6 %, o que vem justificar que,
em 1920, a participação de Pedro Afonso no rebanho goiano
era de 3,9% e que, em 1963, ela caísse para 2,9 %.
A prática abusiva das queimadas vem contribuindo para
a situação acima analisada. O resultado dela foi o empobreci-
mento contínuo e progressivo das pastagens e, làgicamente,
uma diminuição na sua lotação; não há mais aquêle tapete
contínuo das gramíneas; após as queimadas as gramíneas
crescem em pequenos tufos entouceirados, constituindo-se em
uma alimentação deficiente para o gado. Pastos pobres são,
atualmente, um dos grandes problemas que enfrentam os
criadores locais. Em Miracema do Norte, por exemplo, 300
alqueires de pastos cercados não suportam mais de 600 rêses
e para não prejudicar o rebanho, o fazendeiro é obrigado a se
desfazer do excesso, recorrendo à venda.
O gado é predominantemente curraleiro, de pequeno por-
te, criado à sôlta em pastos ruins; seu pêso médio, ao atingir
a idade adulta, não ultrapassa 200 kg. Muito baixa é a pro-
criação, uma vez que 500 reses dão, em média, 50 bezerros
por ano.
O pasto cercado é utilizado apenas quando o criador
necessita recuperar alguma rês.
As relações de trabalho nestas fazendas de criação apre-
senta as mesmas características já analisadas em outras áreas
da Secção Central- baseiam-se na partilha e, em cada quatro
bezerros, um pertence ao vaqueiro.
O gado destina-se, em sua totalidade, ao mercado de Be-
lém; para aí é transportado, geralmente vivo, através da
rodovia.
A agricultura de subsistência é a mais generalizada; a
"roça" é o sistema agrícola adotado.
Solos pobres e dificuldades no escoamento da produção
são os dois grandes fatôres que entravam o desenvolvimento
da agricultura no vale médio do Tocantins goiano.
Nas zonas marginais do Tocantins, aproveitam-se as
estreitas e descontínuas faixas de várzeas para o plantio de
espécies de ciclo vegetativo curto. Mas, aí, as enchentes do
Tocantins causam grandes prejuízos às roças dos caboclos.

264
Esta agricultura, embora realizada em pequena escala, lem-
bra as culturas de vazante, tão características no médio vale
do São Francisco .
Arroz, mandioca, milho e feijão são os mais importantes
produtos cultivados. O mais significativo é o arroz. Muito
embora, em 1964, tenha representado apenas 1,08 % da pro-
dução total, é o único produto que, em certos municípios
(Miracema do Norte, por exemplo) ganha um aspecto comer-
cial. Isto porque o município de Miracema do Norte, locali-
zado na margem esquerda do vale do Tocantins, é ligado por
uma pequena estrada à rodovia Belém-Brasília, encontrando
facilidade para o escoamento da produção, para Anápolis. Mas
a crise na comercialização do arroz reflete-se, de maneira
desastrosa, na cultura do produto. É verdade que o preço da
saca de 60 kg do arroz de primeira qualidade foi estabelecido
pelo Banco do Brasil à razão de Cr$ 7. 000; em Anápolis, to-
davia, os cerealistas a compram apenas por Cr$ 6 . 000, sendo
que o transporte é por conta do produtor.
Embora o Banco do Brasil financie a produção de arroz,
a queda do preço vem se constituindo em um desestímulo ao
seu cultivo.
Cumpre salientar que as relações de trabalho na cultura
do arroz diferem profundamente das encontradas nas fazen-
das de gado; assim o trabalho é assalariado, sendo que a
diária varia entre Cr$ 700 (com refeições) e Cr$ 1. 200,
Cr$ 1. 500 "a sêco".
O extrativismo vegetal se baseia, sobretudo, na coleta
das amêndoas de babaçu; ora, aqui as ocorrências dos baba-
çuais se restringem a uma estreita faixa que acompanha a
vale do Tocantins; esta atividade não apresenta, por isso, a
mesma importância do norte goiano; outrora as amêndoas
eram exportadas para Belém, através do Tocantins; atual-
mente encaminham-se para São Paulo. Em 1965 foi instalada,
em Miracema do Norte, uma usina para a extração do óleo
de babaçu. A produção se destina, ainda, a São Paulo.
A mineração do ouro encontra-se em franca decadência;
ainda perdura, em escala muito reduzida, nos pequenos
afluentes do Tocantins; o processo usado é a rudimentar
garimpagem.
Pedro Afonso, Pôrto Nacional e Miracema do Norte são
os núcleos urbanos mais importantes.
Outrora Pedro Afonso desempenhou papel de relêvo na
economia regional.
Localizada à margem direita do Tocantins, justamente
na confluência do rio do Sono, surgiu da ação missionária

265
promovida por Ordem Imperial em 1845. O franciscano
Rafael Taggia empreendeu a pacificação dos Xerentes, con-
gregandO-os em um pequeno aldeamento; logo após chega-
ram mais de 5. 000 índios pertencentes à mesma tribo e prove-
nientes de Riachão. Tomou, então, a aldeia apreciável desen-
volvimento, tanto assim que, em 1903, foi elevada à categoria
de vila, com o nome de São Pedro Afonso.
O grande progresso de Pedro Afonso foi devido, entre-
tanto, ao surto da borracha, que atingiu o baixo Araguaia em
1910. As mercadorias, provenientes da Bahia, chegavam
àquela região extrativista 30 a 40 % mais baratas que quando
vindas das praças de Belém e São Luís. Estabeleceu-se, assim,
uma rota comercial entre Barreiras e o Baixo-Araguaia,
através de tropas de burros. Ora, Pedro Afonso, situada jus-
tamente na confluência do rio do Sono com o Tocantins,
passou a ser o lugar de parada obrigatória para a travessia
dêste último. Por outro lado organizaram-se, nas áreas pró-
ximas àquele · núcleo urbano, charqueadas, que tinha por
finalidade, também, o abastecimento da área extrativista.
Foi fácil, assim, a Pedro Afonso o contrôle das transa-
ções comerciais que se realizavam; dela partiam vários
caminhos de tropas de burros, nas mais diversas direções do
interior goiano. Em pouco tempo a cidade transformara-se
rio mais importante empório comercial do sertão. Justificava-
-se, assim, a instalação de uma subdiretoria da Fazenda de
Goiás, em Pedro Afonso.
O domínio absoluto exercido por esta cidade goiana, em
relação ao comércio regional, transformou a classe dos comer-
ciantes na detentora da riqueza local; formava um verdadeiro
contraste com os demais elementos da população urbana.
A crise da borracha atingiu profundamente todos aquêles
que se dedicavam ao tráfego de mercadorias em direção à
bacia do Araguaia; organizaram-se tropas de salteadores; o
alvo foi Pedro Afonso, onde encontraram o apoio da população
local, que acusava os comerciantes de exercerem uma verda-
deira tirania na cidade. Saques e conflitos internos causaram,
durante vários anos, a instabilidade em Pedro Afonso . Com a
desvalorização da borracha, perdia a cidade também a sua
função de entreposto. A população urbana, não encontrando
segurança, migrou em grande escala, para outras áreas.
E, assim, Pedro Afonso, decadente, viu-se transformada
em um pequeno burgo, como tantos outros, das margens do
Tocantins. ~
A organização da navegação a motor no Tocantins a
partir de 1930, devolveu-lhe, em parte, a função de entreposto

266
comercial; mas seu raio de ação era mais restrito; como tôdas
as demais cidades tocantinas, sob a órbita de influência da
praça comercial de Belém; assim, as charqueadas de Pedro
Afonso ganhavam nova vida, tendo como principal mercado a
capital paraense.
Em 1937 Pedro Afonso era elevada à categoria de cidade.
Após a Segunda Guerra Mundial, o aparecimento do
comércio de carne abatida para Belém, veio dar nova impor-
tância a Pedro Afonso. Esta cidade, possuindo um aeroporto e
um matadouro, tranformou-se em um dos entrepostos do
comércio aéreo da carne; para ela convergia o gado dos muni-
cípios próximos, pela crescente valorização da carne.
A abertura da Belém-Brasília trouxe, como uma de suas
conseqüências, a formação de uma nova rota de gado; e Pedro
Afonso, não tendo acesso à rodovia, atravessa nova crise, talvez
mais profunda que a que passou com a crise da borracha.
~ste aspecto será analisado posteriormente.
Pôrto Nacional surgiu de um pequeno povoado, Nôvo
Pôrto Real, criado em 1738, por iniciativa de Pedro Sanches.
Ligada por uma série de picadas a Tocantínia, Barreiras,
Natividade e Palmas, desenvolveu-se como núcleo abastece-
dor dos garimpos e, em 1810, era elevada à categoria de
"cabeça de jurado" para, em 1831, ser considerada vila, com
a denominação de Pôrto Imperial; com o estabelecimento do
govêrno republicano, recebeu a designação de Pôrto Nacional.
Durante mais de 10 lustros foi Pôrto Nacional o empório
comercial dos mais importantes, do norte goiano, atingindo
seu raio de ação até São José do Tocantins; isto porque os
comerciantes de Pôrto Nacional possuíam pequenas flotilhas,
cujas embarcações de 18, 20, 24 toneladas, desciam todos os
anos até Belém, abastecendo assim a praça comercial daquela
cidade goiana. Sua importância foi cada vez mais crescente
no âmbito regional, sobretudo a partir de 1930; nesta época os
"motores" provenientes da capital paraense, responsáveis pela
navegação no Tocantins, chegavam até Pôrto Nacional; e as
mais variadas mercadorias melhoraram sua praça comercial,
que as redistribuia para as cidades a montante.
Pode-se assim bem calcular o que representava para Pôrto
Nacional o rio Tocantins, como eixo econômico regional; por
isso mesmo, é das cidades goianas a que apresenta crise mais
aguda com a rodovia Belém-Brasília. Hoje é uma cidade
estagnada.
Diferentes foram, entretanto, as conseqüências que atin-
giram Miracema do Norte, após a abertura da rodovia. Sua
fundação é mais tardia; somente a partir de 1922, a expansão

267
do povoamento vindo de Santa Maria do Araguaia atingia
esta área goiana, onde Pedro Praxedes introduziu a culturÇt
da cana de açúcar; em 1929 surgia um pequeno núcleo, que
passou a rivalizar com a vila de Piabanhas (atual Tocantina),
em, relação ao abastecimento dos garimpos. ~ste núcleo foi
Miracema do Norte. Ligada constantemente à bacia do Ara-
guaia, para ela convergia tôda a produção de peles silvestres,
provenientes daquela bacia; eram encaminhadas para Belém
através dos "motores".
O progresso de Miracema do Norte acentuou-se, a partir
de 1941, com o desenvolvimento dos garimpos de Piaus e
Monte Santo, pois a cidade era responsável pelo seu abasteci-
mento. Em 1949 houve a instalação do município, cujas terras
foram desmembradas de Araguacema; Miracema do Norte
era elevada à categoria de cidade. A importância que ganhara
no âmbito regional fêz com que ela se tornasse um ponto de
parada obrigatória dos "motores" provenientes de Belém e
que demandavam Pôrto Nacional.
E, assim, também Miracema do Norte passou a gravitar
em tôrno da praça comercial da capital do Estado do Pará.
Por outro lado, o município se desenvolvia, atingindo
15.376 habitantes, em 1960; mais de 100 estabelecimentos
comerciais acham-se espalhados na área do município; seu
rebanho bovino atingia 70. 000 sabeças; sua produção se diver~
sifica; assim, em 1960, era a produção do município de Mira-
cema do Norte a seguinte:
302. 987 quilos de amêndoa de babaçu
3. 300 quilos de crina de cavalo
26.000 quilos de rapadura
3 .100 quilos de peles silvestres
4. 582 couros de boi
30.000 litros de aguardente de cana
2. 520 latas de 20 kg. de banha de porco
8 . 000 sacas de 60 kg . de farinha de mandioca
8 . 720 sacas de 60 kg. de arroz
Esta produção é comercializada, uma vez que a cidade de
Miracema do Norte tem acesso à rodovia Belém Brasília.
Por outro lado é um centro educacional de grande impor-
tância no norte goiano; além de escolas primárias, existem
vários estabelecimentos de ensino médio.
O desenvolvimento da área municipal de Miracema do
Norte foi tão considerável, após a abertura da Belém-Brasília,
que em 1964, de seu território foi desmembrado o município
de Miranorte .

268
De que maneira a abertura da rodovia Belém-Brasília se
refletiu no médio vale do Tocantins goiano, que se caracteriza
por uma estrutura sócio-econômica arcaica?
A análise, para dar à estrada o papel real que ela de-
sempenha no sertão, deve ser feita sob dois ângulos.
a) Areas localizadas à margem direita do Tocantins e
que têm, neste rio, um obstáculo para atingir diretamente a
rodovia;
b) Zonas situadas na margem esquerda do Tocantins,
e que, através de pequenos ramais, se ligam à Belém-Brasília.
No primeiro caso estão os municípios de Pedro Afonso,
Pôrto Nacional, Piacá, Itacajá, Lizarda, Tocantínia e, no
segundo, Miracema do Norte, Tupirama etc.
Quer para Pedro Afonso, quer para Pôrto Nacional e as
demais cidades da vertente direita do médio Vale do Tocan-
tins goiano, a abertura da Belém-Brasília veio acentuar-lhes
a crise sócio-econômica por que passavam; isso porque as difi-
culdades de navegação que apresenta o médio curso do Tocan-
tins provocaram a transferência do eixo econômico regional
do vale para a rodovia; as viagens fluviais passaram a ser
irregulares, mesmo no decorrer do inverno; aquelas cidades
que eram importantes entrepostos comerciais regionais per-
deram esta função, reduzindo seu âmbito de ação apenas ao
limite municipal. Houve a decadência do comércio aéreo da
carne abatida em Pedro Afonso e enviada para Belém; dimi-
nuiu de muito a área de domínio da capital paraense quanto
ao abast.e cimento do sertão; de Belém, ainda pelo Tocantins,
vêm apenas querosene, lubrificantes e sal, tudo o mais é pro-
veniente das praças comerciais do Sudeste brasileiro, através
da estrada, mas exigindo transbordos, que oneram de muito os
produtos importados. É verdade que o frete rodoviário pela
Belém-Brasília é de apenas Cr$ 50/ kg. Mas êle é majorado
pelas dificuldades de acesso, quer para Pedro Afonso, quer
para Pôrto Nacional.
Assim as mercadorias provenientes do Sudeste brasileiro,
para Pedro Afonso, vêm pela Belém-Brasília e atingem Tupi-
rama, na margem esquerda do Tocantins; aí a carga sofre
transbordo, pois a balsa existente em Tupirama e que atra-
vessa o Tocantins em direção a Pedro Afonso só dá passagem
a pequenos caminhões. Sendo de propriedade dos padres re-
dentoristas, o frete na balsa é de Cr$ 4.000/ kg; há ainda o
reboque feito pelo "motor" responsável pela travessia da bal-
sa, ao qual se paga, por viagem, cêrca de Cr$ 10.000.
Quanto ao gado é, ainda, remetido vivo para Belém,
seguindo dois trajetos: no primeiro, desce o Tocantins

269
de balsa. até o Estreito e daí pela Belém-Brasília, a pé ou de
caminhão, para a capital paraense; no segundo é atravessado,
em balsa, para Tupirama; daí, através de caminhões, atinge
a rodovia BR-14, seguindo para Belém.
Não apenas as cidades localizadas na margem direita do
Tocantins e que não têm acesso direto à Belém-Brasília, foram
atingidas pelo desaparecimento da navegação regular do To-
cantins. As áreas rurais, de estruturas arcaicas, transforma-
ram-se em regiões de êxodo; a população rural, sem terras,
sem perspectivas de melhores dias, migra em direção às áreas
servidas pela rodovia ou para a bacia do médio Araguaia .
Já para as cidades localizadas na margem esquerda do
Tocantins, a abertura da rodovia trouxe conseqüências dife-
rentes; núcleos urbanos sem expressão ganharam a função de
entreposto, porque passaram a ser cidades rupture de charge;
estão, neste caso, Miracema do Norte e Tupirama. Elas são
ligadas por pequenas estradas, carroçáveis é verdade, ao nôvo
eixo econômico; nelas pernoitam os caminhões que vêm do
Sudeste ou que a êle demandam; nelas se concentra a carga
destinada às cidades localizadas na margem direita do To-
cantins; delas parte a navegação fluvial realizada por moto-
res e que as ligam a núcleos urbanos, outrora tão importan-
tes. Explica, assim, a ascendência exercida por Miracema do
Norte em relação à tradicional Carolina.
As repercussões da abertura da Belém-Brasília em relação
as bacias do médio Araguaia e do médio vale do Tocantins
goiano foram, portanto, diferentes.
Enquanto que, na bacia do médio Araguaia, a Belém-
Brasília vem proporcionando uma ocupação humana, com
aberturas de invernadas, expansão da cultura do arroz e
extração do mogno, no médio Vale do Tocantins goiano,
região de velha estrutura agrária, a abertura da rodovia vem
contribuindo para um agravamento da crise sócio-econômica,
que a caracterizava, transformando-a em uma região de êxodo
rural e estagnação dos tradicionais núcleos urbanos .

3) Trecho Sul
Gurupi-Uruaçu- Embora, de Alvorada a Uruaçu, a BR-14 se
aproxime definitivamente da bacia do Tocantins, as formas de
relêvo e as formações vegetais dominantes neste trecho per-
manecem idênticas às do trecho anterior, porque os velhos
ciclos de erosão estão ainda bem conservados.

270
Os principais produtos econômicos continuam os mesmos
da área mais ao norte: gado, arroz, algodão, milho. As terras
estão ocupadas, em quase tôda parte, por grandes fazendas de
pecuária extensiva, praticando o sistema do livre pastoreio;
somente perto das sedes há mangas cercadas, assim como
currais (fig. 105). Mas uma diferença fundamental ocorre:
os grandes mercados do Sudeste - São Paulo, Rio, Brasília,
Goiânia, Anápolis, Belo Horizonte- comandam a economia
da região. Isto provocou uma modernização das atividades,
conforme se verá adiante, refletindo-se na própria paisagem.
No meio rural, por exemplo, o sangue zebu predomina nas
reses; as sedes das fazendas são construções melhores, es-
pecialmente ao sul de Porangatu (fig. 106), com currais pro-
vidos de boas cêrcas, apoiadas em sólidos mourões. Junto a
elas o habitat é nucleado, além daquele disperso nas terras
florestais devastadas. Onde a estrada percorre o espigão, as
fazendas dela se afastam; um letreiro anuncia o seu nome na
entrada de um caminho carroçável que conduz à sede.
Um velho povoamento, iniciado no século XVIII, deixou
vestígios em algumas cidades, como Amaro Leite (que, aliás,
não cresceu); outras, edificaram área muito maior, junto às
velhas casas, como Uruaçu; outras, enfim, foram instalar •mas
novas casas num sítio novo, como Porangatu. Nenhuma dessas
cidades tem traçado linear.
Os novos núcleos de população, surgidos após a abertura
da rodovia, são quase todos Strassend'orfer, com função so-
bretudo comercial, tendo geralmente pensões, dormidas,
bares, postos de gasolina ... Embora com função semelhante,
Alvorada desobedece a tal traçado, e ficou fora do eixo da es-
trada.

Flg. 105 - Curral e invernada de jaraguá, na fazenda Bo lívia, a 14 km ao norte


de U,r uaçu. (Foto R. Mazzola - CNO - 22-8-65) .
Fig. 106 - Sede da fazenda Lagoa Bonita com criação de porcos, na BR-14, a 10 km
ao norte de Uruaçu. (Foto R . Mazzola - CNG - 22-B-65) .

Duas cidades importantes centralizam a maior parte do


comércio e indústria da região: Uruaçu e Porangatu.
Esta cidade foi fundada durante o ciclo da mineração, pelo
bandeirante João Leite. A corrutela chamava-se Descoberto e
estava provàvelmente situada junto ao rio do Ouro, que passa
nas im_ediações. Quando, em 31 de dezembro de 1943, o núcleo
recebeu o nom·e de Porangatu (pelo decreto-lei n.o 8.305), já
deveria ter-se transferido para o sítio atual, sôbre o divisor
entre o rio Santa Teresa e seu afluente Cana Brava.
Em 1948, o município de Porangatu se emancipou do de
Uruaçu, e essa data marca também o início de uma fase de
grande progresso. A rodovia, contudo, só alcançou a cidade em
1953, e, desde então, a maior parte do seu comércio veio ins-
talar-se à beira da estrada.
O obstáculo mais sério ao desenvolvimento da cidade de
Porangatu tem sido o da falta de energia para a indústria.
Foram feitos estudos para o aproveitamento hidroelétrico da
cachoeira de São Félix, mas a barragem sairia por Cr$ 300 bi-
lhões. 139
Para tomar conhecimento da situação da pecuária na
região a equipe entrevistou um grupo de fazendeiros no hotel
São Benedito, em Porangatu, assim como o prefeito do municí-
pio, que é também pecuarista. Do referido grupo tomavam
parte, entre outros, um fazendeiro de Araguari, no Triângulo
Mineiro, que vendera sua propriedade em Minas para abrir
nova fazenda, no município. Outro, proveniente de Santiago,
no Rio Grande do Sul, está formando fazenda no município
de Cristalândia e montando frigorífico em Porangatu. De
1.. Informação verbal do Sr. Moacir Ribeiro de Freitas, prefeito de Porangatu.

272
todos êles foram obtidas as informações abaixo. Não só dos Es-
tados referidos, mas também do noroeste de São Paulo tem
vindo fazendeiros para a região. Há invernistas que moram
em Goiânia e têm aí propriedade pastoril.
O gado de Porangatu é exportado principalmente para
São Paulo. Quando é para o corte imediato vai em carretas,
quando se destina a invernar, vai a pé até Goiânia, onde é
embarcado em carretas para São Paulo ou Minas. Em Trin-
dade, Anápolis e Goiânia há pequenos frigoríficos. Na hipótese
de se destinarem as reses ao abate imediato, seja nestas ci-
dades, seja em São Paulo, o gado é vendido dos 2 a 2 anos e
meio de idade, pois só se embarca após a engorda.
Vende-se também gado, em menor quantidade, para
Belém. Um lote de reses, recentemente enviado para aquela
capital, custou Cr$ 75.000 por cabeça; o transporte, que é por
conta do comprador, saiu à razão de Cr$ 80.000 cada uma,
e o impôsto, Cr$ 5. 000 por cabeça. Cada bovino chegou, por-
tanto, a Belém pelo valor de Cr$ 160.000.
A viagem do gado em caminhão para a capital do Pará
demora quatro dias, com poucas paradas, mas os animais, lá
chegando, são imediatamente abatidos.
Sendo o objetivo da produção o gado para carne, têm-se
os criadores interessado na mestiçagem com raças zebuínas,
constituindo assim a maioria do rebanho atual. De acôrdo com
o parecer dos citados fazendeiros, o gado gir é o melhor, por
dar mais carne, ser grande e mais resistente.
As invernadas são poucas no município; ainda se estão
formando. As melhores situam-se em São Miguel do Araguaia.
Segundo a estimativa do prefeito, metade do gado no muni-
cípio é criado à solta, a outra metade em invernadas; das
terras de mata há cêrca de 50 % por derrubar e uns 20 a 30%
já com capim plantado.
Embora a economia pastoril em Porangatu ainda esteja
em organização, a transumância lá já não existe, porque :r:ão
é mais necessária; as invernadas são melhores e as fazendas
mais organizadas.
Na abertura da invernada o fazendeiro, a fim de
diminuir as despesas, cede o terreno em meação para o caboclo
fazer roça, cultivando arroz e milho. Após ter sido o arroz plan-
tado, lança-se a semente de jaraguá; colhe-se o arroz, quei-
ma-se o roçado e, no segundo ano, está formada a pastagem.
Para os lados do vale do Araguaia, como em São Miguel, o
capim preferido para a formação de pastos é o colonião; nas
terras altas, vizinhas de Porangatu, é mais vantajoso o jara-
18- 37 843 273
guá, que forma a pastagem sem o gado, ao passo que o co-
lonião necessita o pisoteio dos animais. Segundo nossos infor-
mantes, o jaraguá é melhor para cria, e o colonião, para
engorda.
Em terras de cultura, 140 o pasto bem formado sustenta,
dur:ante 8 a 9 meses, até 10 cabeças de gado, por alqueire, 141
e, em caráter permanente, 4 a 5 cabeças. Em terras de campo,
já uma rês por alqueire é lotação elevada.
No município de Porangatu fazem, por conseguinte, cria,
recria e engorda. AB fazendas são grandes, com cêrca de 500
alqueires, em média. Apesar dos melhoramentos introduzidos
em certas técnicas- introdução do zebu, plantio de pastagens
-, a pecuária continua como atividade extensiva. Um de nos-
sos entrevistados cria 500 reses, com apenas dois empregados:
um aleijado de uma perna e um menino.
Além de se libertarem do sério problema de mão-de-obra,
os fazendeiros obtêm renda muito maior com a criação do que
com a lavoura: numa área de 30 alqueires de roça deverão tra-
balhar 100 pessoas, que produzirão Cr$ 12 milhões, mas -
prosseguiu o informante - em área eqüivalente, a pecuária
requer apenas 5 ou 6 pessoas e rende Cr$ 30 milhões. Com-
preende-se, assim, porque os fazendeiros optam pela inver-
nada, em lugar da roça, porém, em vez de proporcionar sus-
tento para 100 pessoas (ou famílias), fá-lo somente para 6.
Em conclusão: o pastoreio, exigindo menos mão-de-obra
que a agricultura, e fornecendo maior renda ao empresário,
concorre para rarefazer a população no campo e acentuar a
clivagem social.
Um dos fazendeiros entrevistados montou um frigorífico
em Porangatu, com auxílio financeiro da SPVEA. Estava es-
perando somente receber caixas para iniciar a exportação de
carne para São Paulo. De caminhão ela chega lá após dois dias
de viagem, rodando dia e noite. A temperatura sobe, por dia,
cêrca de 1 grau centígrado, dentro do caminhão isotérmico.
Saindo a carne de Porangatu a 1 ou 20, a margem de segu-
rança é grande, pois pode subir até 100, sem prejudicar o
produto (especificação do DIPOA). O uso de caminhão
frigorífico seria totalmente antieconômico para êsse fim,
porque a trepidação, na estrada não pavimentada, liqüidaria,
em pouco tempo, os encanamentos do sistema de refrigeração.
1.., Chama-se, em Goiás, "terra de cultura", qualquer terra cuja vegetação
natural seja de mata, Independentemente de estar ela em cultivo, em capoeira,
em Invernada, ou em mata em pé .
141 O alqueire em questão, de ora em diante, é sempre o mineiro, no valor
de 4,84 hectares .

274
Seja em Porangatu, como em São Miguel do Araguaia e,
num plano muito inferior, em Araguaçu, a produção de arroz
secunda a de bovinos. Em São Miguel a safra dêste cereal, em
1964, foi de tal monta - 1.000.000 de sacas - que apenas
o superaram os municípios grandes produtores do vale do
Paranaíba (Itumbiara e Goiatuba) e do Mato Grosso de
Goiás (Goianésia e Ceres). 142 Porangatu, com uma pro-
dução de 361.200, em 1964, 143 também se situa como um
mumc1p10 grande produtor, muito embora, na malor
parte dos casos, conforme foi visto, a roça de arroz seja
meramente intermediária entre a mata e a pastagem perma-
nente que se instala. O elevado volume da produção de arroz
indica também, portanto, a notável expansão das invernadas
em Porangatu. Em 1965, a produção baixou para 150 000
sacas; isto, porém, não significa tenha havido uma estagna-
ção na dift:são das invernadas, mas é um reflexo do batxo
preço do cereal, verificado em tôdas as áreas rizícolas da
Belém -Brasília. Para evitar o total descalabro, o Banco do
Brasil comprou, nesse ano, tôda a produção de arroz de Po-
rangatu, e a estocou. Foi necessário improvisar pequenos ar-
mazéns para a estocagem, porque não havia lá lugar _?ara
guardar tanto arroz.
Os pequenos lavradores, como posseiros, por exemplo,
cultivam êste cereal, como também o milho, o algodão, não
com o objetivo de abrir invernadas. Fazem-no tendo em vista
vendê-los ou utilizá-los em casa. Adotam, por isso, o sistema
de roças.
O arroz que mais se cultiva em Porangatu não é nem o
"catete", ou "do Maranhão", típico dêsse Estado e do norte
de Goiás, nem tampouco o amarelão e o pratão, dos ricos
arrozais do sul goiano. Segundo o testemunho dos lavradorEs,
esta última variedade cresce muito e tem que ser colhida 1Jgo,
porque o pé tomba. Como a colheita é manual - lenta, por
conseguinte - dão preferência ao arroz "bico-ganga", que
cresce menos.
O milho produz com muita facilidade no município e no
de São Miguel do Araguaia, 144 mas o transporte do produto
em grão não é compensador, porque seu preço é muito baixo.
140 I nspetoria R egional d e Estatística M unicipal, Estad o d e Goiás, IDGE, CNE :
''P rod ução Agrícol a - 1964". E d . m imeogr afacta.
ua Id ., i bid .
'" Em 1964 Porangatu produziu 75 . 500 sacas d e 50 kg, e São Miguel, 70 . 000.
Op. ~ t ., p . 6

275
Iniciou-se recentemente sua exportação, mas em pequena
quantidade. Muito mais significativa é a exportação de porcos
vivos, feita para Goiânia e Anápolis.
Outro aspecto progressista da agricultura em Porangatu,
comparativamente às regiões mais ao norte, verifica-se Pa
lavoura de algodão; aí só se cultiva o erbáceo, de ciclo anual.
Suas sementes, assim como as do milho, são provenientes de
São Paulo.
A construção da BR-14 abriu os grandes mercados do
Sudeste à região de Porangatu; por isso, antes mesmo que a
rodovia lá chegasse, iniciou-se um tremendo afluxo de popu-
lação para a cidade, que cresceu de 930 habitantes, em 1950,
para 2. 886 habitantes, em 1960, bem como para as terras
florestais das vizinhanças, especialmente as da bacia do rio
Santa Teresa, afluente da margem esquerda do Tocantins. Aí,
chegaram povoadores de duas categorias sociais: posseiros,
vindos de regiões pobres e em crise social, especialmente do
Piauí e Maranhão, para abrir roças e iniciarem nova vida;
fazendeiros, acompanhados de mateiros, empregados e ja-
gunços, para abrirem invernadas. Os choques não se fizeram
esperar. Os nossos informantes indicaram a morte de muitos
posseiros, no Amargoso, córrego afluente do alto Cana Brava,
a oeste de Porangatu. Sàmente numa cisterna- disse um dos
entrevistados- foram encontrados 9 cadáveres de posseiros.
Noutro lugar mataram 17 dêles, que entraram na região
quando tudo estava em mata, e o proprietário, que adquirira
mais tarde as terras, não conseguiu fazê-los ir embora; o pró-
prio oficial de justiça, que veio para intimá-los, foi recebido
a bala. Neste domínio da "lei do gatilho", não se instauravam
sequer processos judiciais para punir os criminosos.
Na maioria dos casos, os fazendeiros levaram a melhor
nesses embates, porque seus sequazes agiam organizada-
mente e bem abastecidos de armas, munições e víveres, o que,
em geral, não se verificava entre os posseiros.
Em parte da bacia superior do Santa Teresa, em
Trombas e Formoso, num ramal de estrada a leste de
Porangatu, um líder chamado José Porfírio, natural do Ma-
ranhão, org:anizou os posseiros, que expulsaram os prepostos
dos fazendeiros e os reforços da polícia estadual vindos em
socorro dêstes. Tendo os posseiros ficado com as terras, a êles,
em pouco tempo, se juntaram muitos outros, procedentes do
MaranhãÕ.
A fim de ressarcir, ainda que em parte, os prejuízos alega-
dos pelos fazendeiros, o govêrno do Estado indenizou-os à

276
razão de Cr$ 1 . 000 por alqueire, mas o gado, que lá
eventualmente possuíam, foi todo perdido. É fácil de com-
preender que o govêrno tenha acedido em pagar pelas terras,
pois, para isso, seus proprietários deviam apresentar título
legal; mas não pelos bovinos, pois neste caso tinha o govêrno
que fiar-se exclusivamente nas afirmativas dos fazendeiros.
Com o intuito declarado de "manter a ordem na região",
tropas do Exército ficaram lá acantonadas, durante alg•Jm
tempo. José Porfírio não foi prêso; desapareceu e até hoje
ninguém sabe dêle.
Conforme o resultado dns conflitos, violentos ou não,
assim se foi estruturando a malha fundiária, com o predo 1Í-
nio de grandes ou pequenas unidades, nas diferentes partes
do município. Restam nêle, atualmente, poucas terras devolu-
tas, embora a maioria ainda esteja na condição de posses, em
processo de legalização.
Uruaçu era outrora um imenso município, que alcançava
o braço direito do Araguaia, na margem oposta ao extremo
sul da ilha do Bananal, o rio Tocantins e o ribeirão Capivara,
afluente do Santa Teresa. Sucessivos desmembramentos fize-
ram dêle um município pequeno, tendo, hoje em dia, pouco
significado na produção tgrícola estadual. Dentre as comunas
de sua "zona fisiográfica", 145 Uruaçu sobressai apenas como
produtor de algodão (em 1.0 lugar, com 11.400 arrôbas, em
1964) e mandioca (em 3. 0 lugar, com 8.100 toneladas, Pm
1964); contudo, essa zona não é, de forma alguma, importan-
te produtora, nem de um, nem de outra, no conjunto doEs-
tado. A relevância de Uruaçu aparece no centro urbano, con-
forme se verá adiante.
No entanto, o arroz é o único produto vegetal exportado,
oriundo do território de sua jurisdição. O milho é utilizado so-
bretudo para a engorda de porcos e para fazer fubá, êste de
consumo local. O porco é engordado e exportE-do vivo, em ca-
minhões, para Brasília e Anápolis.
Os tipos de arroz mais produzidos em Uruaçu são: o
amarelão, o pratão e o do Maranhão (ou "catetinho"). O
arroz é uma lavoura de terra enxuta, feita pelo sistema de
roças, sem qualquer cultura consorciada.
O arroz é exportado em caminhões para Anápolis, onde
estão localizados os grandes cerealistas, que possuem armazéns
"" Grupamento de municípios oficialmente adotado pelo mGE, para fins
estatísticos.

277
para a estocagem. De Uruaçu S feito o abastecimento em arroz
de Brasília, e parte também vai para Minas, mas sempre por
intermédio da praça de Anápolis.
Nos anos de boa colheita, isto é, quando a estiagem não
é forte, nem precoce, o rendimento do arroz, em Uruaçu, ~ de
30 sacas de 60 kg por hectare. Qualquer alteração meteoroló-
gica pode provocar reduções violentas no rendimento do arroz,
porque seu sistema de cultura é primitivo. Geralmente plan-
ta-se arroz, por dois a três anos seguidos, no mesmo solo e,
em seguida, deixa-se o pasto tomar o terreno.
O milho, o feijáo e o algodão são culturas consorciada..c:;.
~ste último é comumente do tipo erbáceo, e o pouco lá produ-
zido se exporta para São Paulo.
A exportação de bovinos de Uruaçu tem valor muito maior
que a de produtos vegetais. Seu rebanho é de cêrca de
51.000 cabeças. O gado exportado vai principalmente para Bar-
retos; às vêzes segue para Brasília. Faz-se geralmente o trans-
porte em caminhão, mas também pode ir a pé até Anápolis.
Para Barretos a viagem de caminhão leva três dias; manda-se
para lá tanto gado adulto como nôvo.
Existem propriedades grandes, mas o tamanho médio ~a~
fazendas, em Uruaçu, está entre 100 e 20U alqueires; poucas
são as que atingem os 500. Predomina, portanto, a média
propriedade pastoril.
Quase todL' o gado do município de Uruaçu tem mestiça-
gem zebu. A maioria das fazendas possui pastos abertos no
campo bruto, porém as mais organizadas têm pastagens divi-
didas, de jaraguá ou colonião, em terras de matas.
O alqueire de pasto com jaraguá sustenta permanente-
mente 5 reses. O próprio Banco do Brasil se baseia nesta ava-
liação para fazer empréstimos. Há casos de terras melhores,
no entanto, onde se podem colocar 10 reses. Mas, tal como em
Porangatu, ainda existe falta de invernadas; as pastagens for-
madas são restritas.
A maioria dos fazendeiros paga seus vaqueiros em dinhei-
ro e produtos agrícolas; poucos ainda adotam o sistema de
partilha. Os ordenados dos vaqueiros variam de 30 a 40 mil
cruzeiros, com casa, mais alguns produtos alimentícios, se
fôr solteiro, e terra para fazer roça, se fôr casado.
O vaqueiro toma conta do gado; é um gerente, que subs-
titui o dono em sua ausência. O peão é um simples trabalha-
dor braçal, recebe1 .do salário fixo. A maior parte dos fazendei-
ros paga-os semanalmente à razão de Cr$ 1. 500 por dia, com
direito a três refeições diárias. Muitos peões são parceiros,

278
obrigados a entregar ao dono da terra 20 a 30 % das safras de
arroz e, no fim de três anos, a formar pasto. Há, assim, ~t ·. na
tendência para se ir reduzindo a área de lavouras (roças) e
escassear a mata.
Uruaçu foi fundada como um patrimônio doado à Igreja,
em 1913, pelo proprietá..·io da fazenda Maxambombo, ao redor
da capela N. S. de Santana. ::l!:ste fato histórico explica a pri-
meira denominação do lugar (que era o nome da fazenda) t} o
traçado ao redor de uma praça, que o núcleo teve inicialmen-
te. Uruaçu pertencia, portanto, às cidades com estrutura de
castrum, 146 que DEFFONTAINES chamou de "cidades-patri-
mônio", exemplificando com os centros dêsse tipo, no vale do
Paraíba e planaltos paulista e norte-paranaense. 147 "O patri-
mônio tem dimensões estabelecidas, que são suficientes para se
abrir uma praça com casas em volta. A capela é construída ge-
ralmente fora do centro; fica mais próxima do meio de um dos
lados, mas voltada para a praça, em posição proeminente. Dos
vértices do quadrilátero saem as ruas.
"O castrum t em a função social que a igreja exerce. Isso
não impede que acrescente outras funções, como a comercial,
e geralmente o faz ". 14 8
Em 1938 a planta da cidade ainda mostrava claramente
o vestígio de sua origem, ao redor de uma praça (Mapa
XXVI) .
A abertura da estrada valorizou as terras de Uruaçu e
circunvizinhanças. Anteriormente elas pouco valiam. O avô
do atual prefeito do município comprou lá uma fazenda, Dro-
vàvelmente no comêço dêste século, por 4 oitavas de 0uro
(14,344 gramas). Mais tarde vendeu por Cr$ 5.000 uma área
de 8.000 alqueires. 149
Em 1950, antes mesmo que a rodovia chegasse a Uruaçu,
começou a febre de construções na cidade. Para as áreas ru-
rais afluíram, a partir de então, maranhenses e piauienses,
que se instalaram como posseiros, abrindo roças, bem co'Tio
mineiros, formando fazendas , dedicadas à pecuária e à lavou-
ra (de arroz, principalmente). Nesta corrida às terras deram-
-se choques, por vêzes violentos. Na parte sul, circunvizinha à
sede do município, onde prevalecem os fazendeiros, as terras
146 o. Valverde: " Es tudo R egional d a Zona d a M ata , de Minas G er a is" . Rev .
Bras. Geog,, Ano XX, n .• 1, jan.-mar. 1958, p . 69.
1 17 P . D effontaines: "Como se Con stituiu no Brasil a H êd e d as Cid a d es", Bo l.
G eog., II , n. • 15, jun. 1944, pp . 300-306.
"" O . Val verd e , op. cit .
"" I n for m ação ver bal do S r . Fellci ano Custódio d e F reitas, p r efei to m unicipal
de Uruaçu.

279
URUAÇU
____ Per~ metro urban o

O.G/SAI ~ Neme,io Bonote:s

Mapa XXVI

já estão legalizadas; mas, de Campinaçu (ex-Rodovalho?)


para o norte, onde estão os solos melhores, que foram ocupa-
dos sobretudo por posseiros, ainda há lutas pela terra.
Apesar dêsses contratempos a região centralizada em
Uruaçu (que extravasa de muito as lindes municipais) au-
mentou extraordinàriamente sua produção agropecuária.
Restam, não obstante, dois sérios problemas a resolver: o dos
transportes, isto é, a construção da rêde de estradas colaterais
convergindo para Uruaçu, e o da armazenagem dos produtos.
280
Houve casos recentes em que produtores tiveram de ven-
der a saca de arroz por Cr$ 500 apenas, em virtude da falta
de estradas. Tal como se deu em Porangatu, o Banco do Brasil
comprou, em 1965, a maior parte da safra de arroz. O melhor
foi pago a Cr$ 7. 000/ saca; o pior, a Cr$ 5. 000. As despesas
correram por conta do produtor; mas os particulares com-
praram a saca de arroz a 4 e até 3 mil cruzeiros.
A CASEGO (Companhia de Armazéns e Silos do Estado
de Goiás), emprêsa estatal, alugou então, pela primeira vez,
depósitos na cidade :(>ara a estocagem do arroz.
Uma agência do Banco do Brasil, inaugurada em Uruaçu
em 1962, deu à cidade uma nova função importantíssima- a
bancária- embora não atinja plenamente seus objetivos, por
carência de funcionários. 150 Sua jurisdição abrange uma área
de 32.000 km 2 , compreendendo os municípios de Uruaçu, Mara
Rosa, Niquelândia, Pilar de Goiás, Formoso, Hidrolina, Tere-
sinha e Campinópolis.
Os financiamentos à agricultura pela agência ultrapassa-
ram o total de 1 bilhão de cruzeiros, em 1964, com 955 con-
tratos. Os empréstimos agrícolas são feitos parceladamente:
40 % no ato da assinatura do contrato, para o preparo da
terra; 20 % mais tarde, para as limpezas ou carpas, e 40% no
final, para a colheita, ensacamento e comercialização. O pa-
gamento dos empréstimos é feito de uma só vez, após a venda
do produto.
O prazo total dos financiamentos às lavouras de arroz,
milho e feijão é de um ano; o da banana é de 2, e o do aba-
caxi de 3 anos.
Os financiamentos à pecuária quase nada representam,
em relação a sua importância na região: Cr$ 325 milhões em
202 contratos. Destinaram-se à aquisição de reprodutores,
melhoramentos e benfeitorias, bem como ao custeio das ex-
plorações: aquisição de tortas, rações, sal etc. Os prazos para
os empréstimos à pecuária são de 1 a 5 anos, dependendo da
avaliação do rendimento da fazenda.
Os financiamentos para Campinaçu e Formoso foram
suspensos, porque o Banco só atende a posseiros, quando êstes
se localizam em terras não litigiosas. A atitude do Banco re-
lativamente a êles é a seguinte: se a terra é devoluta, o agri-
cultor sem título nela instalado é posseiro do Estado; nestas
circunstâncias êle pode obter financiamento, desde que apre-
1• • As Informações pertinentes à atuação da a gência do Banco do Brasil em
Uruaçu fora m fornecidas pelo seu a gente, Sr. Walter VItória da Costa .

281
sente "carta de anuência" do govêrno estadual. Ora, isto não
é fácil, pois o posseiro para tal fim precisa ir a Goiânia. O
financiamento aos posseiros é, por isso, reduzido: Cr$ 260.000.
Compreende-se tal posição do Banco do Brasil, que tem
em vista preservar seus investimentos contra problemas que
poderão eventualmente envolver intermináveis questões
judiciais, ou mesmo lutas armadas; mas, por outro lado, é
evidente a discriminação contra o posseiro. Fôsse êste um
grande grileiro e certamente teria poder político suficiente
para obter o empréstimo.
Campinaçu e Formoso constituem, entretanto, segundo
o testemunho do mesmo informante, a zona de maior produ-
ção agrícola de tôda a área de jurisdição da agência do Banco;
mas carece de boas estradas e de títulos de propriedade. O
mesmo sucede em Trombas e Capivara, que têm também
grande produção agrícola, mas nas roças ficam pilhas de
sacos de arroz à espera de um transporte caro e deficiente.
Da roça para o caminhão as sacas são levadas em lombo de
burro, pagando-se, por êsse meio de transporte, em 1963,
Cr$ 1 . 000 por saca.
Dadas as condições da estrada, um caminhão tem que
fazer duas viagens até Campinorte, 151 pois não transporta
mais de 50 sacas, e para Anápolis transporta 100 sacas. A
abertura do ramal para Campinorte, que se bifurca no Km 300
da rodovia, ao norte de Mara Rosa, já foi iniciado, devendo
atingir também Trombas e Capivara.
Conforme se vê, é lamentável que tal situação ainda
perdure, já que as soluções dos problemas dessa zona são
simples: expedição de títulos definitivos de propriedade para
os posseiros e aceleração das obras do ramal. Não se justifica
é que permaneça a principal área agrícola da região sem es-
coamento para seus produtos, em decorrência de preconceitos
de classe. O direito dos posseiros à terra é tão justo quanto o
dos fazendeiros que a valorizam; apenas êstes o fazem se-
guindo as normas jurídicas e burocráticas, enquanto aquêles,
geralmente mai pobres e mais ignorantes, fazem simples-
mente uma ocupação da jacto. Por direito natural, no entan-
to, sômente os índios seriam donos da terra, como primeiros
ocupantes, mas suas prerrogativas são, em regra, ignoradas.
O desenvolvimento agropastoril das áreas circunvizinhas
refletiu-se, lôgicamente, num progresso da própria cidade de
'"' Não confundir com a localidade homônima, situa da na BR-14, a 24 km
ao norte de Uruaçu .

282
Uruaçu. Além das funções comercial e bancária, criou-se nesse
centro uma função industrial, vinculada à agricultura:
usinas de beneficiamento de arroz, de café, fabricação de fubá;
mas o crescimento delas é cerceado pela falta de energia. Um
benefício de arroz, modernamente instalado, por exemplo, não
funciona por falta de fôrça, estando hoje transformado em
depósito de arroz.
Tal solução, além de fugir à finalidade precípua das ins-
talações, não resolveu tampot.co o problema da estocagem da
produção, que também aflige Uruaçu. A CASEGO tem arma-
zéns em São Miguel do Araguaia. Não há entrosamento entre
as atividades dêsse órgão e as do Banco do Brasil; contudo,
tal entrosamento se justificaria, porque Uruaçu é um centro
de convergência da produção regional e está situado na ro-
dovia.
Apesar dessas dificuldades, o núcleo urbano tornou-se
complexo (fig. 107) e sua população teve um surto es-
petacular: de 1.540 habitantes, em 1950 saltou para 4 .392
habitantes, em 1960.
Uruaçu está fadada a afirmar-se, cada vez mais, como
capital econômica de uma vasta área; faltam, porém, comu-
nicações fáceis com outras partes, além das citadas. Faz-se
mister ligar Campinorte, na BR-14, com Teresinha e Pilar de
Goiás, assim como um ramal indo de Hidrolina diretamente
à rodovia, com 15 km de extensão, entroncando em Serra
Dourada.
Fig. 107 - Vista parcial de Uruaçu , tomada da BR-14. (Foto R. Mazzola - CNG
- 23-8-65 ).
No "verão", o tráfego nesta área se realiza, embora com
dificuldades; mas na época das chuvas, tudo fica interrom-
pido. São regiões de produção agrícola, mas sem escoamento,
por causa do preço e da precaridade dos transportes.
A partir da praça de Uruaçu, a produção se escoa para
Brasília; a carne é o principal produto dêsse comércio. Mas a
passagem das mercadorias por Anápolis encarece muito o
abastecimento da Capital. A ligação direta de Uruaçu com
Brasília é uma necessidade, pois encurtaria grandemente o
percurso. Já estão, aliás, construídos 170 km dessà. estrada,
indo de Brasília a Barro Alto.
Uruaçu ficaria, assim, como que no vértice de dois feixes
convergentes de estradas, e apenas parcialmente dependente
de Anápolis. Ela é, portanto, o pôsto avançado dos mercados
do Sudeste do Brasil na Belém-Brasília, a cunha que inau-
gura a Secção Sul da mesma rodovia.

Conclusões e Sugestões
Quando se compara a Secção Central da Belém-Brasília,
com a Secção Norte, ressaltam, à primeira vista, as flagrantes
diferenças. Nesta última, a rodovia rasgou a vegetação fe-
chada da hiléia, que opõe tremendo obstáculo à abertura de
ramais, como opôs à da própria BR-14. Era, ademais, uma
região pràticamente despovoada, ao sul do Guamá, onde pre-
valecia uma economia extrativa, tipicamente coloníal. A
Secção Central é, ao contrário, uma região de vegetação aber-
ta, constituída principalmente de campos cerrados. Seu po-
voamento é antigo, iniciado no comêço do século XIX, por
quase tôda parte; mas permaneceu até hoje com uma ocupa-
ção rarefeita, em que seus habitantes viviam - e, em longos
trechos, vivem ainda - numa economia fechada, semifeudal.
~ste têrmo - semifeudal - não aceito, para o caso, por
muitos historiadores, economistas, sociólogos e geógrafos,
cabe perfeitamente para esta região, pelos motivos seguintes:
a economia regional era quase completamente independente
do seu exterior; de lá se exportava, apenas, e com largos inter-
valos, um pouco de gado vivo, de péssima qualidade, tocado a
pé em longas distâncias, e se importavam alguns produtos
industriais, em pequena quantidade: combustíveis, tecidos,
vestuários, utensílios etc. As imensas fazendas criam, até
hoje, bovinos pelo sistema do livre pastoreio em pastos brutos,
queimados todos os anos; a agricultura, feita em pequena es-

284
cala, em terras de mata, pelo sistema de roças, estava voltada
exclu::.ivamente para a subsistência, mesmo para produtos não
alimentares, como o algodão e o fumo. Embora não houvesse
uma distância social muito grande entre vaqueiros e peões, de
um lado, e os rústicos fazendeiros, de outro, êstes mantinham
certas atitudes paternalistas e, nas relações de trabalho entre
os dois grupos havia condições extra-econômicas; além disso,
o vaqueiro goza de certos privilégios, que guardam alguma
analogia com a situação dos cavaleiros relativamente aos se-
nhores feudais. Não havia, pràticamente, naquelas relações
pagamentos em dinheiro.
A denominação de "semifeudal" não implica, como
julgam alguns, em que tenha havido qualquer espécie de con-
tinuidade entre o feudalismo europeu e a estrutura econômi-
co-social que se formou nesta região. Entre a sociedade do
Planalto Central e a Europa da Idade Média há um vínculo
tão frouxo, no espaço e no tempo, que pode ser comparado a
desta com a da China dos mandarins. Entretanto, os próprios
historiadores, a começar pelos chineses, consideram como
feudal a sociedade que lá perdurou até o início dêste século,
em conseqüência da mesma causa apontada para o Planalto
Central: o isolamento.
Não seria correto afirmar que, nesta região de estrutura
econômico-social estável, não ocorria nenhum progresso. ~ste,
porém, se processava lentamente. Conforme se viu na compa-
ração entre a área pastoril de Pedro Afonso e o conjunto de
Goiás, o desenvolvin1ento daquela foi retardado em relação ao
todo. Além disso o crescimento foi apenas quantitativo, isto
é, em número de reses, e não qualitativo.
Penetrando, portanto, numa região de economia fechada,
de latifúndios semifeudais de pastoreio, a BR-14 se superpôs
a uma velha rêde de estradas carroçáveis, estruturada, desde
longo tempo, para servir a uma vasta área de circulação res-
trita, em que os meios de transporte terrestres eram somente
o cavalo e o carro-de-bois.
A abertura da Belém-Brasília decretou a falência do
velho sistema de viação do centro-norte de Goiás e sul do
Maranhão. A navegação do Tocantins, cara e difícil, entrou
em decadência, restringindo-se agora a pequenos trechos, em
função das áreas de influência dos principais portos, direta ou
indiretamente servidos pela estrada, como Imperatriz, Es-
treito e Miracema do Norte.
Os velhos caminhos carroçáveis não podem ser aproveita-
dos imediatamente para completar os serviços de comunica-

285
ções que a BR-14 realiza. Suas especificações são, por demais,
primitivas. Novas melhorias têm que ser introduzidas na lar-
gura, no traçado, no leito das estradas, a tal ponto que, em
certos casos, será mais fácil abrir vias completamente novas.
É preciso considerar, antes de mais nada, que o cavalo e o
carro-de-bois estão cedendo lugar sobretudo ao caminhão e
ao jipe.
Alongando-se entre os vales do Tocantins e do Araguaia,
a Belém-Brasília teve sôbre ambos conseqüências jamais pre-
vistas por quem quer que seja. No vale do Tocantins, povoado
de longa data, onde se verifica uma estagnação, se não uma
crise agrária, desencadeou-se um êxodo, em direção à beira da
estrada e, em escala menor, ao vale do Araguaia. Neste, ao
contrário, antes despovoado, ou melhor, habitado até então
sobretudo por índios, regista-se agora um afluxo de popula-
ção, não só do Tocantins, mas principalmente do Meio Norte
e do Nordeste semi-árido, para as terras de matas; de mineiros,
paulistas e sul-goianos, para as terras de campo. É uma nova
franja pioneira que se organiza.
Inaugurando uma economia mercantil, a BR-14 subverteu
o valor das terras, não apenas de maneira absoluta, em cru-
zeiros, mas também relativo: as terras de mata passaram a
valer muito mais que as de campo. Dois produtos valorizados
foram cultivados em escala comercial pelos pioneiros: em pri-
meiro lugar, o arroz; em segundo, o algodão. Um e outro, para
chegar aos mercados por preços competitivos devem ter baixo
custo de produção, e por isso são produzidos ainda pelo siste-
ma de roças, que exige investimentos mínimos de capital e de
trabalho, assim como se coaduna com as tradições agrícolas
dos lavradores. É a lavoura que êles sabem fazer.
Como as terras florestais estavam antes quase intactas,
pois tinham sido utilizadas apenas para atividades extrativas
(babaçu, borracha) e lavouras de subsistência, um rush
para elas se iniciou, composto de posseiros, grileiros, fazendei-
ros que vinham abrir invernadas etc., numa concorrência sem
limitações de escrupulos, nem de leis. Os choques só foram e
serão evitados, na medida, sem dúvida puramente ideal, em
que os administradores souberem impor justiça social, eqüi-
distante dos interêsses de classe.
Assim estão sendo ocupadas as terras florestais do Santa
Teresa, do Capivara, do Cana Brava, do Santo Antônio e
outros afluentes e subafluentes da margem esquerda do To-
cantins, bem como da margem direita do vale inferior do Ara-

286
guaia. As várzeas do curso médio dêste rio estão sendo agora
ocupadas, durante as águas baixas, pelos rebanhos transu-
mantes dos grandes fazendeiros de Cristalândia e São Miguel
do Araguaia.
A própria pecuária do centro e norte de Goiás e do sul
do Maranhão está sendo transformada, em ritmo relativa-
mente acelerado, pelo impacto da abertura da BR-14. As raças
zebuínas, em diferentes graus de mestiçagem, estão subs-
tituindo os velhos estoques de gado cur:raleiro, porque sendo
igualmente rústicas, superam o "pé duro" no pêso, o que em
última análise, significa melhor preço. A ~udança mais rápida
e mais radical verificou-se, entretanto, na comercialização do
gado, em decorrência da modificação do sistema de transporte
das reses. Quando a região vivia em economia fechada, os
animais eram tocados a pé pelos caminhos boiadeiros, e os
principais compradores eram as charqueadas, que vendiam o
produto já transformado em carne sêca. A partir da Segunda
Guerra Mundial, houve um surto de crescimento demográfico
em Belém, que foi acompanhado, em escala menor, por For-
taleza e São Luís. Gerou-se, assim, nessas capitais, uma crise
no abastecimento de carne, que foi resolvida pelo transporte
aéreo de bovinos abatidos nas cidades do Planalto Central, que
dispunham de melhores campos de pouso. Belém passou então
a abastecer-se de carne em Marabá, Pedro Afonso, Cristalân-
dia, Pôrto Nacional, Carolina, sendo que esta última enviava
carne também para São Luís e Fortaleza. Os longos caminhos
boiadeiros, por onde as reses eram conduzidas para fora da
região, entraram em decadência, e os matadouros das refe-
ridas cidades passaram a atrair os bovinos que eram levados
para o abate, ao passo que a fabricação de charque paralisava.
A partir de 1960, a Belém-Brasília começou a quebrar
essa estrutura comercial que, nas cidades servidas pela rodo-
via, subsiste apenas enquanto perduram os velhos contratos,
que não estão sendo renovados. De agora em diante o gado
reunido nesses centros é embarcado vivo em caminhões, em
lotes de 10 a 14, sendo colocado em Belém após uma viagem
que dura, no máximo, quatro dias. A partir de Uruaçu, entre-
tanto, o gado não vai mais para Belém; é encaminhado para
os frigoríficos do sul do Estado, ou de São Paulo e Minas.
A BR-14 já desempenha, por conseguinte, um papel fun-
damental no progresso econômico do centro do Brasil; mas,
para que tal função seja plenamente exercida em prazo curto,
torna-se indispensável dar alta prioridade a um programa de

287
construção de ramais, 152 ligando com os centros das reg10es
produtoras vizinhas, e de melhoramento do leito da própria
rodovia, em determinados trechos.
Felizmente, esta dificuldade se restringe, hoje em dia,
unicamente a trechos entre Agua Azul e Açailândia, em que a
BR-14 atravessa sedimentos finos inconsistentes, onde ca-
minhões e outras viaturas ficam atoladas no pó, em tempo
sêco, e na lama, durante as chuvas. A pavimentação, ainda
que provisória, de curtas extensões, resolverá êsse problema.
Mais complexa e dispendiosa, porém de muito maior
importância, será a construção de ramais, de tráfego perma-
nente, ligando a BR-14 com os seguintes núcleos:
1) Tocantinópolis à BR-14: ligação direta, paralela ao
rio Tocantins; ou, através de balsa, a Pôrto Franco,
e daí a Montes Altos e Grajaú, para ligar com a
BR-21, que conduz a São Luís.
2) Carolina à BR-14: diretamente ao Estreito, para o
norte, ou para oeste, através de balsa para Filadélfia
e daí para Araguaína. t:ste ramal teria um sub-ramal
chegando até Babaçulândia.
De Carolina deveria sair para leste outro ramal, que
corresponderia ao extremo da rodovia BR-24, dando acesso ao
sul do Piauí e ao Nordeste.
3) Araguaína-Xambioá, dando acesso às terras flo-
restais do vale do Araguaia, no norte de Goiás.
4) Guará-Tupirama, conduzindo, através de balsa, a
Pedro Afonso.
5) Araguacema à BR-14, alcançando a rodovia em
Guará, ou em Miranorte ou Cercadinho, desviando
um pouco mais para o sul.
6) BR-14 a Brejinho de Nazaré, e daí por balsa a Pôrto
Nacional.
7) BR-14 a Peixe.
8) Porangatu a São Miguel do Araguaia, com sub-ramal
para Araguaçu.
9) Santa Teresa a Formoso, Trombas e Capivara.
10) Km 300 - Campinaçu.
11) Campinorte- Teresinha- Crixás.
12) Uruaçu - Barro Alto - Brasília.
13) Serra Dourada (já na Secção Sul) - Hidrolina -
Pilar de Goiás - Crixás - Bandeirante, na margem
direita do Araguaia.
= Denominados "costelas" pela maioria dos engenheiros da RODOBRAS. que
assim sugerem maior analogia com a coluna vertebral.

288
SEÇÃO SUL
A principal característica da Secção Sul da rodovia Beiem-
Erasília é pertencer ela à Grande Região geoeconômica do
Sudeste. t:ste fato resulta, obviamente, de sua posição mais
meridional que as outras e, portanto, mais próxima dos gran-
de5 mercados nacionais.
Outros aspectos podem, sem dúvida, distinguir a Secção
Sul das demais, como, por exemplo, a elevação maior do pla-
nalto e da própria estrada; a caracterização do clima, em
conseqüência disso, na categoria dos tropicais de altitude.
Nenhum dêsses traços físicos é geral para esta zona, nem tem
o significado da característica geoeconômica.
Realmente, de acôrdo com FERNANDO F. MARQUES DE
ALMEIDA, 153 a região em causa, servida pela BR-14, divide-se
em três zonas geomórficas; a) superfície Pratinha; b) pla-
nalto com testemunhos dessa superfície; c) planalto do
Tocantins.
A referida superfície que alcança, no sul de Goiás, 1. 100 a
1. 300 de altitude, corresponde a um nível de peneplanação
(ou talvez de pediplanação, segundo o autor citado), cortando
rochas cristalinas (micaxistos, quartzitos), por quase tôda
parte. Encontram-se sôbre ela coberturas de dois tipos: a
canga, autóctone, resultante de processo pedogenético, e que
MARQUES DE ALMEIDA considerou como provàvelmente terciária,
tendo em vista que os horizontes superiores do perfil de solo
foram removidos por erosão; restos de antigos revestimentos
sedimentares, tais como siltitos, ocorrentes na lagoa Mestre
d' Armas, calcários, perto de Pirenópolis, ou ainda arenitos
com conglomerados na base, limonitizados, observados em
Minas Gerais.
A longo da BR-14, as mais perfeitas mostras da super-
fície Pratinha se encontram a sudeste de Jaraguá, onde a
= F . F . M. de Almeida & M . A. de Lima: "Planalto Centro-Ocidental e Pan-
tanal Mato-Grossense" . Guia da exc. n.• 1 do XVIII Congr. Intern. Geog ., pp. 9·23.

19- 37843 289


estrada deixa a bacia do Tocantins, na borda do planalto,
registrada nos mapas com o nome de Serra dos Pirineus,
bem como outro trecho, mais longo, entre o alto vale do
Corumbá e um ponto próximo ao limite Goiás-Distrito Federal
(Mapa XXVII) .
A larga faixa a sudeste da serra dos Pirineus foi consi-
derada por .ALMEIDA como "planalto com testemunhos" da
aludida superfície, e constitui a maior parte ·do percurso
Jaraguá-Anápolis-Brasília. Efetivamente, esta unidade geo-
mórfica não é tão elevada; foi rebaixada pelo entalhamento
de vales, hoje em dia com perfil transversal maduro, na su-
perfície Pratinha. Testemunhos desta erguem-se, aqui e acolá,
com reduzida altura relativa, protegidos da erosão por um
manto superior de laterita.
A canga desempenha aí, como na zona anterior, um papel
morfológico semelhante a uma camada sedimentar resistente,
razão pela qual velhos mapas geológicos representaram tais
áreas como recobertas de arenito cretáceo.
Os degraus e patamares que rebaixam as altitudes no
trecho da bacia do Meia Ponte, no trajeto Anápolis-Goiânia,
já não pertencem à segunda superfície, segundo .ALMEIDA, pois
se inscrevem na depressão periférica, esculpida pelos afluen-
tes da margem direita do Paranaíba, que abriram entalhes
conseqüentes na frente da cuesta basáltica.
A área mais ao norte, que ALMEIDA designa, um tanto
vagamente, por "planalto do Tocantins", é representada pelo
planalto um pouco mais baixo, variando mais ou menos entre
os 600 e 800 metros acima do nível do mar, com rios encai-
xRdos, acima dos quais se erguem morros e cristas monocli-
nais (algumas delas autênticas cuestas), constituindo serras.
Esta dissecção mais enérgica do relêvo é comandada pelo
Tocantins, que parte do nível de base amazônico. ~sse rio
abriu no Planalto Central vales profundos, de vertentes abrup-
tas, que recebem o nome de "vãos", como o Vão do Paranã.
O relêvo desta zona é esculpido em rochas cristalinas
proterozóicas, como micaxistos (datados geralmente do Al-
gonquiano) e gnaisses gábricos.
Os rios se adaptam geralmente às direções dessas rochas,
que têm azimutes entre NW e NNW.
A evolução pedogenética em clima tropical semi-úmido
deu origem nesta região, a latossolos vermelho-amarelos ou à
terra roxa legítima, encaroçada quando deriva:da de rochas
gabróides. Prevalecem aí terras de matas, entremeadas, de vez
em quando, por cerrados, formando o conhecido "Mato Grosso

290
v v v
v v
v v
v v
v

'o
"?..
..
o

X X X X X X
o ~o 100 150

so•

[[!]]] Planaltos dominados pelo


superfície de Pratinho
E::j Peneplonície do Alto Araguaia

- Testemunhos dessa superfície D Planalto Basáltico

~ Planalto de Tocantins ~ Cuestos basálticas

EZZ:j Depressão Per iférico Goiano 1\J -1 'I Planalto dos Alcantilados;

M a pa XXVII

291
de Goiás". A fertilidade dos solos se deve, em grande parte,
o sucesso da colonização em Ceres.
Na superfície Pratinha ou na área pontilhada por seus
tE-stemunhos, a maior elevação liberta seus habitantes da ocor-
rência de malária. Não há, portanto, na Secção Sul da BR-14
sequer unidade nosológica, em conseqüência da falta de uni-
dade climática. Nas duas superfícies mais elevadas, a tempe-
ratura média anual é mais baixa, assim como a temperatura
média do mês mais frio e a mínima térmica absoluta (fig. 108).
Em alguns lugares próximos a Brasília, o ar frio se acumula
nos vales durante a madrugada, provocando, em alguns casos,
a ocorrência de geadas leves. É a "ti erra templada", descrita
por A. HuMBOLDT em sua viagem ao México.
Tal como acontece em
Pôrto Nacional, as médias
LS
FORMOSA (GO)
LW térmicas mais elevadas ve-
1:! 0 32 '24'
ALTITUDE 80S M
rificam-se na primavera -
TIPO Of CL INA: setembro e outubro - cor-
JFMAMJ JASOND '"?'m respondendo aos meses de
névoa sêca, que precedem a
estação chuvosa. Durante
êsse período, dias e noites
são inconfortáveis, abafa-
dos, no Planalto Central. A
umidade relativa cai, por-
que, mantendo-se seu valor
absoluto mais ou menos o
zooo mesmo que durante o inver-
no, a elevação da tempera-
tura faz seu valor relativo
decrescer. 154
100 0
No chamado planalto do
Tocantins, as menores alti-
tudes não permitem a for-
mação de geadas. A malária
que ali ocorre não é grave,
porquanto a região é bem
Flg. 108 - Gráfi co das normais climato- drenada; OS rios não for-
lógicas d e Formosa . mam várzeas apreciáveis;
correm rápidos, formando
numerosas corredeiras, em condições desfavoráveis, por conse-
guinte, à formação de importantes viveiros de anofelinos.
,.. A umidade no Planalto Central é elevada porque a estiagem de Inverno é
causada pela Inva são da massa tropical atlântica (Ta ), que penetra, sem perder
grande p arte do seu vapor d 'água ao transpor o obstáculo das serras costeiras, e lá
permanece estável, até ser expulsa pela m assa equatorial continental (Ec) .

292
Durante as manhãs de inverno, o ar frio e úmido se
acumula nos fundos de vales, acompanhando os cursos d'água
com o colchão branco do nevoeiro. Da superfície líquida rela-
tivamente quente, em contacto com o ar frio, sobe o vapor,
que imediatamente condensa e se torna visível, formando o
que os caboclos chamam de "fumaça".
Não existe tampouco uniformidade na vegetação natural
da Secção Sul da rodovia. Enquanto as terras altas do Pla-
nalto constituem o domínio dos cerrados, em muitas partes
degradados até adquirir a fisionomia de cerradinhos e campos
sujos, no planalto do Tocantins prevalecem as formações
florestais: matas de primeira classe e de segunda, no Mato
Grosso de Goiás; cerradões, ao norte do rio São Patrício,
intercalados, uns e outras, por manchas de campos cerrados.
A análise mais pormenorizada dos tipos de paisagens da
Secção Sul permite subdividi-la nas zonas que vão abaixo des-
critas, em suas características essenciais.
A cidade de Uruaçu está localizada, em relação à Secção
Sul da BR-14, em posição análoga à de Araguaína, relativa-
mente ao trecho norte da Secção Central. É uma sentinela
avançada de sua região, dentro da imensidão dos planaltos,
cobertos de cerrados, do Brasil Central. A mesma paisagem
de relêvo senil com Inselberge e cerrados, com gado aze-
buado criado à sôlta, estende-se até 20 km ao sul da ponte
sôbre o ribeirão Passa Três, onde está sediado o 4.o Distrito
Rodoviário, em Uruaçu.
Zona dos cerradões e fazendas velhas - Nesta zona o relêvo
é mais dissecado; não significa isso que os vales sejam pro-
fundos. São vales maduros, em V bem aberto, porém nume-
rosos. É uma região bem drenada; desaparecem aqui os bu-
ritizais, assim como os Inselberge. Os solos não têm canga
concrecional; os perfis que aparecem nos cortes são legítimos
representantes do latossolo vermelho-amarelo.
Também os cerrados passam de dominadores a dominados;
a formação vegetal que prevalece é o cerradão. :t!:ste, foi, em
grande parte, degradado; mas reveste, em muitos trechos, até
oc; topos dos espigões.
O povoamento desta região é antigo, coevo provàvelmente
da ocupação mineira de Pilar de Goiás (situada um pouco a
oeste da rodovia), que se fêz a partir do século XVIII. Isto
se pode notar pelas velhas sedes de fazendas, situadas à mar-
gem da rodovia (fig. 109); mas a economia regional passa por
um rejuvenescimento, sem dúvida relacionado com a abertura

293
Flg. 109 - Velha fazenda com curral, em terras de cerradão, a 20 km ao norte do
ribeirão São Patrtcio. Atrás, vale com invernada em formação. (Foto R. Mazzola
- CNG - 23-8-65) .

da BR-14: as invernadas revestem alguns vales, e muitas estão


em processo de formação.
Esta zona vai do ponto referido (a 20 km ao sul do ri-
beirão Passa Três) até o rio São Patrício, junto ao povoado
homônimo.
Zona de sitiantes do Mato Grosso de Goiás - Na paisagem
profundamente humanizada, que se observa ao sul do rio
São Patrício, o traço mais notável é a nova estrutura fundiá-
ria que se inaugura. Daquele curso dágua, a mesma zona se
prolonga, acompanhando o rio das Almas, até Ceres e, para
oeste dessa cidade, até 6 km além da cidade de Carmo do
Rio Verde.
Por muito grandes que sejam as diferenças entre os pa-
drões econômicos e culturais dos farmers norteamericanos e
dos lavradores desta região, forçoso é reconhecer que se ins-
taurou aqui um legítimo sistema de homesteads, ou sejam
pequenas propriedades de tipo familiar. Ao contrário do que
se passou nas áreas de sitiantes mais ao norte, em que os pos-
seiros fizeram uma ocupação de facto, a desta região resultou
de uma ocupação planejada e oficial, com a Colônia Agrícola
294
Nacional de Goiás, inaugurada em 1941, sob a administração
do Ministério da Agricultura. Com a abertura de uma estrada
ligando a colônia a Anápolis, terminando por uma ponte sôbre
o rio das Almas, 155 iniciou-se um "rush" de lavradores sem
terras para os ricos solos florestais da CANG e foi fundada
Ceres, núcleo-sede da colônia. Para se fazer uma idéia quan-
titativa do crescimento demográfico da região, basta dizer que,
em março de 1944, quando ficou concluída a estrada, mora-
vam na colônia 10 famílias; em julho de 1946 havia cêrca de
1.600 famílias, totalizando perto de 8.000 pessoas; 156 no censo
de 1950 viviam no município 29.522 habitantes e, hoje em
dia, a população municipal 157 é estimada em 60.000, dos quais
8. 000 moram na cidade de Ceres. Avalia-se que aproximada-
mente 60% dos povoadores tenham vindo de Minas Gerais,
20% seriam goianos e os outros 20 % de origens diversas. Em
1948, quando um dos membros da equipe visitou o Planalto
Central, havia caminhões que faziam permanentemente
viagens de ida e volta entre Patos de Minas e Ceres, le-
vando migrantes para a colônia e trazendo porcos vivos de
volta, que eram, em seguida, embarcados de trem para Belo
Horizonte.
O objetivo do decreto-lei de 14 de fevereiro de 1941 que
criou a CANG num conjunto de seis colônias nacionais,
em diferentes partes do país, era dar aos agricultores sem
recursos acesso a pequenas propriedades. Por isso, os dispo-
sitivos legais previam, entre outros pormenores, a entrega
de um lote, tendo entre 20 e 50 hectares, gratuitamente, a
lavradores pobres, que recebiam a terra em usufruto, até que
o Ministério da Agricultura lhes conferisse o título definitivo
de propriedade. 1 58 Além disso, a administração da colônia
deveria fornecer aos colonos, sem ônus algum, ferramentas,
casas, orientação agrícola etc. Nenhum dispositivo obrigava
o colono a ficar trabalhando a terra; ao contrário, havia casos
em que a direção da colônia tinha poderes para expulsar um
colono ou U:ma família, como, por exemplo, por mau compor-
tamento social, ou por delapidação de bens recebidos, entre
os quais se incluia uma reserva florestal equivalente, no mí-
nimo, a 20% da área do lote.
= A principio era uma ponte provisória, formada de pranchas sustentadas
por tambores vazios de gasol!na. Na década de 1950 foi inaugurada a ponte atual,
estreita, dando passagem ao tráfego num· só sentido. ·Por ser insuficiente, sobre-
tudo na época da safra, a BR-14 teve seu traçado mudado e cruza o Almas numa
ponte moderna, de concreto, mais abaixo, inaugurada em agôsto de 1965 .
u;o L. Waibel: "Uma viagem de Reconhecimento ao Sul de Goiãs", in "Ca-
pítulos de Geografia Tropical e do Brasil", p. 150. Cons. Nac. Geogr., Rio, 1958.
1 57 Na real!dade, o município de Ceres não abrange o total da ãrea colonizada,
porque perdeu partes dessa área para os municípios de Carmo do Rio Verde e
Rubiataba.
,.. op. cit., p. 149.

295
O objetivo implícito no projeto de colonização era bàsica-
mente educativo: habituar o agricultor pobre brasileiro a
técnicas agrícolas racionais e intensivas. E, neste ponto, o pró-
prio WAIBEL manifestava, em 1947, suas dúvidas quanto ao
êxito do empreendimento: "Como executar tal revolução com
essa pobre gente extremamente sem educação? Como inculcar
o nôvo princípio de agricultura a gente que não possui a terra,
que não pagou um simples cruzeiro por ela, e que poderá
mudar-se quando bem desejar? Existe, sem dúvida, o grande
perigo de que essa gente se ponha de nôvo a gastar o solo,
queimando as matas e ganhando dinheiro em poucos anos; e
também o de que êles se vão embora, logo que tenham de
aplicar processos agrícolas mais intensivos e menos fáceis". 159
Essa hipótese era de se temer muito mais, uma vez que na
margem oposta do rio das Almas uma colonização particular
dava acesso a propriedades maiores, com facilidade de paga-
mento. Não obstante todos concordavam que era então muito
cêdo para se formular uma previsão definitiva.
Houve dificuldades no cumprimento das determinações
legais: Em 1948 a administração da colônia só havia cons-
truído 100 casas, tôdas elas de tijolos e cobertas de telhas
(parece que não fêz mais nenhuma por falta de verbas). Havia
um constante atraso na demarcação dos lotes em relação ao
brutal afluxo de imigrantes, o que obrigava as famílias a .
ficarem aguardando inscrição, durante meses, em choças pro-
visórias que elas mesmas contruíam na margem direita do rio.
Assim nasceu Rialma, cidade gêmea de Ceres. A assistência
técnica e material aos colonos sempre foi deficiente, em virtude
da falta de pessoal qualificado e de verbas, na administração
da colônia.
Mesmo assim o projeto foi levado a cabo. Somente no
município de Ceres a malta fundiária se distribui, hoje em
dia, do seguinte modo:
XIII

CLASSE Número

De O a 10 hectares . . ..... . . . . . . . . .. . . ...................... . 799


De 11 a 30 hectares . .. ..... ... ... . ... . .. . ..... . . . .... . ...... . 2 202
De mais de 30 hectares . . ......... . ... . . . ......... . ........ . . . 665

(FONTE: Coletoria Municipal de Ceres)

""' !d., !b!d., p . 153 .

296
Segundo a fonte citada, os proprietários com mais de
100 alqueires (484 hectares), em Ceres, eram apenas cinco.
Aliás, uma dessas propriedades foi recentemente subdividida,
ficando sàmente 60 alqueires. A explicação para a existência
dessas ilhas de latifúndios numa área que deveria ser tôda
ocupada por pequenas propriedades se encontra no fato se-
guinte: Após ter o Estado doado à União as terras destinadas
à Colônia Agrícola, êle próprio vendeu grande parte dessas
terras, de modo que o Govêrno Federal só pôde dispor de 1/ 3
da área primitivamente doada, para a obra de colonização.
A densidade da população rural é elevada, formando
nítido contraste com as zonas mais ao norte. Assim pode ela
ser deduzida: dos 850 km2 da área municipal, eliminem-se
5 km 2 para a área urbana de Ceres. Nesta vivem 8. 000 habi-
tantes, restando para o âmbito rural 52. 000 pessoas. É, por-
tanto, de 61,5 hab. / km 2 (52. 000 -:-- 845) a referida densidade.
O habitat na região é de tipo misto. Ao longo das estradas
prevalecem os padrões disperso e nucleado; embora os lotes
situados à beira da estrada dêem frente para ela, as habita-
ções não obedecem rigorosamente a uma disposição linear. De
vez em quando, surgem casas de comércio- vendinhas, na
maioria - em cuja vizinhança a ocupação se adensa, for-
mando núcleos em que predomina o traçado em Strassendorf.
:t;':sse tipo de ocupação é o que se observa com maior clareza
ao longo da rodovia. l6o
Em ambas as margens de todos os rios e córregos, os lotes
também formam testada, subindo perpendicularmente as ver-
tentes, dando assim origem a um padrão de habitat disperso,
mais ou menos orientado segundo a direção dos cursos d'água
(fig. 110 e Mapa XXVIII).
Conforme salientou WAIBEL, 161 êste tipo de ocupação pla-
nejada da terra foi seguido, na Idade Média, quando os ger-
mânicos se expandiram para leste, em regiões antes povoadas
pelos eslavos. A idéia fundamental é dar a cada lote acesso à
estrada e à água. Em decorrência da malha fundiária que se
organiza, o habitat toma um padrão linear. Os lotes tomam,
nesse esquema, a denominação de Hufen, em alemão. Mas era
inexeqüível, numa região acidentada como o Mato Grosso dP
Goiás, aplicar-se o mesmo padrão fundiário que o adotado
numa região plana, como a Alemanha Oriental e a Polônia.
Nestas condições fêz-se uma adaptação que deveria melhor
1 00 Faz-se aqui referência ao a ntigo traçado da BR-14, pois, como foi dito
acima, a partir d e setembro de 1965, a estrada segu e pela margem direita do Almas,
fugindo ao percurso dentro da colônia.
101 op . cit ., pp . 151-2 .

297
Flg, 110 - Pequenas propriedades com terra arada, invernadas e restos de mata,
num vale da bacia do rio Verde, afluente do Almas. (Foto R. Mazzola - CNG -
24-8-65) .

chamar-se uma "conta de chegar". Onde os lotes fronteiros aos


rios não podiam alcançar o espigão sem aumentar sua área
muito acima do limite legal, ou sem tornar excessivamente
discrepantes as dimensões de sua forma aproximadamente
retangular, os topos das elevações foram também subdivididos
em parcelas mais ou menos equivalentes, retangulares ou tra-
pezoidais, mesmo sem acesso a rios ou estradas importantes.
Isto se pode observar no mapa cadastral do município de
Ceres, em lugares diversos, como nas cercanias dos povoados
de Ipiranga e Bernardo Saião (Mapa XXVIII).
Tal inovação na tessitura da malha fundiária trouxe um
elemento perturbador no habitat rural, pois que enxertou no
padrão disperso linear outro padrão, também disperso, porém
anárquico, do tipo "tiro de chumbo". As dificuldades que isto
traz, em numerosos casos, de acesso ao lote e dêste à água,
são óbvias.
O papel fundamental que a estrutura fundiária desem-
penha, tanto no habitat, como na densidade de população
rural, se acentua cada vez mais, em decorrência do fraciona-
mento das propriedades por partilha sucessória. Assim, em
inquérito realizado nas vizinhanças de Carmo do Rio Verde,
informaram que os antigos lotes de 10 alqueires estão, hoje
em dia, reduzidos a unidades de 6, 5 e até 2 alqueires (alquei-
res mineiros, naturalmente).

298
A vegetação natural é de mata; mas foi quase tôda der-
rubada, ficando reduzida a pequenos talhões isolados, geral-
mente nos espigões e fundos de propriedades. O solo é de terra
roxa, derivado de rochas gabróides que, nos cortes de estrada,
já se apresenta decapitado de seu horizonte A.
Na paisagem rural ressaltam as casas boas, geralmente
de paredes de tijolos e cobertas de telhas (na maioria, de
telha francesa) e cercadas de fruteiras, bananeiras, man-
gueiras, laranjeiras ... São, quase sempre, mais amplas do que
as habitações de trabalhadores rurais, encontradas para o
norte, de Belém até aqui.
A utilização da terra é, na maior parte, constituída de
pastos de capim jaraguá bem divididos. Pela primeira vez
também, do extremo norte da BR-14 até aqui, observam-se as
propriedades com tôdas suas pastagens cercadas.
Dispersas no meio dos pastos, erguem-se isoladas, em
grande quantidade, espécimes da palmeira guariroba (Barbosa
pseudococos, Becc.) e, em número muito menor, uma árvore
decídua, de curioso tronco espessado, chamada barriguda
(Bombax sp.). A guariroba dá um palmito comestível, um .
pouco amargo e cresce em tal quantidade que se torna neces-
sário derrubar muitas delas.
Cria-se gado azebuado, mas não puros sangues, porque,
segundo declararam, o objetivo é puramente comercial; com
isto, certamente, queriam significar que procuravam obter
gado de maior pêso, sem aumentar substancialmente os
cuidados com a criação.
O interêsse comercial na criação de bovinos levou os
sitiantes de Ceres a constituírem, na pequena área do muni-
cípio, um rebanho de cêrca de 20. 000 cabeças.
Os principais produtos cultivados são os indicados na
tabela abaixo, relativa à safra de 1964:
XIV

PRODUTO Quantidade Valor


(em Cr$ 1 000)

Arroz (com casca) ... . 1 215 000 sacos GO kg 5 832 000


Milho .. . 380 000 sacos 60 kg 912 000
Feijão . ...... . 30 600 sacos 60 kg 290 700
Cana-de-açúcar .. 16 000 toneladas 64 000
Banana ....... . 70 000 cachos 7 000

FONTE: Inspet. Reg. Estatística Municipal, Est. Goiás: "Produção Agrí-


cola- 1964''. Ed. mimeogr.

299
Têm ainda significação as culturas do algodão herbáceo e
a do café, sendo que esta se encontra em plena decadência.
Nas lavouras de arroz, milho, feijão e algodão usa-se o
arado (fig. 111) e se pratica um sistema rotativo de culturas
e pastagens (field-grass system). l!:sses cultivos de ciclo curto
constituem para os sitiantes um meio para renovar as pasta-
gens. Vira-se o pasto de jaraguá com o arado e plantam-se
arroz, milho, algodão, geralmente consorciados, ou feijão,
durante dois anos consecutivos e, no fim, torna-se a arar a
terra e semeia-se, de nôvo, o jaraguá. Alguns agricultores
ainda usam o fogo, não somente após a derrubada de um
trecho de mata, mas também antes de revirarem com o arado
de aiveca um trecho de pastagem que vai ser submetido a
cultivo. A queimada ainda é a maneira mais econômica, no
Brasil, de se preparar um campo numa clareira aberta em
terras florestais, porém a queima da pastagem já formada é
uma prática totalmente desnecessária e irracional, que per-
siste apenas por uma tradição predatória e deve ser abolida
por um trabalho bem dirigido de educação rural.
Embora, as vêzes, o milho seja comercializado em grão,
destina-se geralmente à engorda de porcos criados em con-
finamento.
Se alguma subdivisão fôsse feita nesta zona, deveria
basear-se no relêvo: a partir de 16 km para o norte da ponte
sôbre o rio das Almas, entre Rialma e Ceres, e esta cidade,
o planalto sulcado por vales maduros passa a um relêvo aci-
dentado, com serras baixas. A cana aparece com mais fre-
qüência e em canaviais maiores, o que representa uma van-
Flg. 111 - Lavrador arando o solo de terra roxa, após a colheita de arroz e algodão,
a 8 km a oeste de Geres. (Foto R. Mazzola - CNG - 24-8-65).
tagem, pois sendo uma cultura compacta protege o solo
contra a erosão. Não é, entretanto, o intuito conservacionista
a causa do aumento dos canaviais, já que ao sul da referida
ponte, a mesma cultura se faz em condições semelhantes,
sôbre o relêvo maduro, até uma distância de cêrca de 4 km.
Além disso, em quase tôdas as fazendas da região se cultiva
um pouco de cana forrageira.
A razão da concentração da cultura da cana, nesta área,
é a existência de uma usina de açúcar na entrada setentrional
da cidade de Ceres. É uma pequena usina, com produção de
20 . 000 sacos de açúcar cristal, pertencente ao INDA (Insti-
tuto Nacional de Desenvolvimento Agrário - Ministério da
Agricultura), mas arrendada atualmente a uma família de
usineiros de Goiás. A produção da usina é vendida "na porta",
sobretudo para o Norte de Goiás e para Anápolis.
Segundo informações dadas na Agência do Banco do
Brasil em Ceres, somente as propriedades próximas à usina
lhe fornecem cana, porque a uma distância superior a 30 km
o preço do transporte torna a transação antieconômica. A
usina compra "na porta" uma tonelada de cana pelo mesmo
preço que vende ali uma saca de açúcar cristal: Cr$ 6. 000.
A maior parte da produção canavieira da região se des-
tina, por isso, à forragem para o gado, fabricação de aguar-
dente, açúcar mascavo e rapadura; não vai para a usina.
Existem, na zona de sitiantes do Mato Grosso de Goiás,
trabalhadores rurais sem terra, mas não constituem massa
apreciável; recebem diárias em dinheiro pelo seu trabalho, 162
e não se verifica entre êles e os proprietários uma clivagem
social muito acentuada.
As previsões de decadência não se realizaram; o que se
se vê por tôda parte, nesta zona, é uma paisagem feliz, em
que a natureza bruta foi "domesticada" e numerosa massa
de camponeses ascendeu econômica e socialmente. Ao contrá-
rio do que se supur..ha, a área da antiga Colônia Agrícola Na-
cional de Goiás progrediu mais do que as das fazendas cir-
cunvizinhas, como a de Rialma. Hoje em dia um alqueire de
terra, no município de Ceres, custa nada menos que um mi-
lhão de cruzeiros.
Como é natural, o progresso verificado na zona geoeco-
nômica de Ceres refletiu-se na. própria cidade, que adquiriu
um status de "capital de sub-região", segundo a classificação
de M. Rochefort. Carmo do Rio Verde, Rubiataba, Nova Amé-
rica e Itapaci dela dependem em muitos aspectos.
1" ' Um jovem empregado, entrevista do a 8 km a oeste de Ceres (flg. 116),
recebia Cr$ 500 por dia, com casa e comida, e estava sendo ajudado pelo filho
do dono da terra .

301
Ceres está situada à margem esquerda do rio das Almas,
no ponto em que a estrada, vinda de Anápolis, alcançava o
canto sudeste das terras florestais e devolutas do Mato Grosso
de Goiás.
O núcleo iniciou-se como um agrupamento linear, que
acompanhava a estrada paralela ao rio. Pouco mais para o
interior ficavam apenas os estabelecimentos da administração
da colônia.
À medida que a cidade se foi desenvolvendo, acompa-
nhando o progresso da colônia agrícola, ela cresceu em dire-
ção perpendicular ao rio para ganhar os terrenos mais nive-
lados do planalto. Assim como houve uma distribuição pla-
nejada das terras, também o centro urbano teve um desen-
volvimento planejado. Na parte mais alta ficou a área admi-
nistrativa - ao redor da praça cívica (Mapa XXIX). Como
a cidade não podia expandir-se desordenadamente, visto que,
à sua volta, as terras já tinham sido distribuídas em lotes
rurais, foi aberta uma avenida de contôrno - a Avenida
Dr. Bernardo Saião -,delimitando o próprio núcleo urbano. 163
Em conseqüência do rápido progresso no meio rural e
urbano, além da função comercial, representada por compra-
dores de produtos agrícolas e lojas varejistas já especializadas,
criou-se uma função industrial representada, hoje em dia, por:
16 máquinas de beneficiamento de arroz, 3 torrefações de café,
uma usina de açúcar, uma fábrica de manteiga, uma fábrica
de produtos derivados do milho, 3 grandes serrarias, uma
fábrica de bebidas e duas cerâmicas (estas fabricando tijolos.
telhas e manilhas) .
A cidade de Ceres desempenha outras funções sociais e
econômicas dignas de menção: é cabeça de comarca; dispõe
também de 9 médícos e de três hospitais, sendo um dêles com
aparelhagem de Raios X. Além de 4 grupos escolares (3 do
Estado e uma da Igreja Batista), existem no núcleo urbano de
Ceres 2 colégios secundários particulares (religiosos), dos quais
um tem curso científico. A agência do Banco do Brasil de
Ceres tem jurisdição, não apenas no próprio município, mas
ainda nos de Rialma, Rianápolis, Itapaci, Nova América, Ru-
biataba, Crixás e Mozarlândià, embora ela não atue, efetiva-
mente, nos dois últimos, em virtude da falta de boas estradas.
1oa A abertura d a avenid a do contôrno e a existência de lotes ao redor
da cidade não Implicam em que o núcleo urba no não possa mais se expandir,
Quando os valôres dos Imóveis estiverem multo elevados, os proprietários das Vi-
zinhanças serão levados a especular sôbre êles. Isto Já se está verificando na
área comercial e Industrial, na parte próxima ao rio das Almas .

302
Da estação rodoviária de Ceres (situada aliás na cidade baixa)
saem ônibus para todos os núcleos próximos, além dos da
linha Belém-Brasília. 164
Refletindo o maior surto da colonização oficial e plane-
jada, bem como a maior disponibilidade de terras férteis, Ceres
desenvolveu-se mais que o núcleo gêmeo de Rialma, na mar-
gem direita do rio. Em 1964, enquanto a população urbana e
suburbana de Ceres era orçada em 10.000 habitantes, a de
Rialma atingia sàmente a 3. 500. A própria industrialização
desta cidade é i:nais restrita, constituída por: 3 máquinas de
beneficiamento de arroz, uma torrefação de café, uma grande
serraria, uma fábrica de farinha de mandioca e uma cerâmica.
Zona de fazendas do Mato Grosso de Goiás - Esta zona en-
volve a anterior, exceto pelo norte. Nela a apropriação da
terra não foi em sítios, mas em fazendas, com pastos de capim
jaraguá cercados, nas quais todo o gado é também mestiçado
com zebu. Fora da BR-14 a divisão em unidades fundiárias
maiores se pode notar nas próprias estradas, que são interrom-
pidas por mata-burros ou porteiras, nas divisas entre as
fazendas.
Algumas dessas fazendas são velhas, em processo de reju-
venescimento econômico, o que se pode observar pelo estilo
antigo das sedes e pelas pastagens em formação.
Entre o limite ocidental da zona anterior - a 6 km a
oeste de Carmo do Rio Verde - e Diolândia, prevalecem as
fazendas médias de criação, já que a maior delas tem 103
alqueires (cêrca de 500 hectares).
A população rural aqui é mais rarefeita que na zona dos
sítios, e a estratificação social mais marcada. Os solos são
mais claros, ora amarelos, ora vermelhos, derivados de mica-
xistos e, mais raramente, de granitos.
Há menos terrenos de lavouras e menor variedade de
produção. A mandioca, entretanto, adquire algum significado,
mas como cultura dos empregados das fazendas, pois quase
não há mandiocais junto às sedes das mesmas. O milho man-
tém sua importância. Os cafezais são também mais numerosos
do que na zona de sitiantes, mas estão igualmente em franca
decadência. As causas da decadência do café não devem ser
apenas as doenças e as safras ruins, mas também os preços
baixos, que desanimam os produtores e tornam antieconô-
micos os cuidados que a cultura exige.
1"' Provàvelmente com a mudança do traçado da BR-14, os ônibus desta
Unha passarão a f azer parada em Rla lma.

303
A vegetação natural desta zona era de matas de segunda
classe, segundo se pode observar nos remanescentes florestais,
que têm caráter semidecíduo e árvore de troncos finos.
Itapuranga constitui, não a fronteira natural desta zona,
mas o limite oeste da área de influência da rodovia Belém-
~rasília, porque a produção das circunvizinhanças daquela
cidade se escoa de caminhão por dois lados : para Anápolis,
via Uruana e Jaraguá; para Goiânia, via Itaberaí (pela G0-4) .
Que Itapuranga é o centro de uma zona de criação fica
manifesto na própria cidade, pela grande quantidade de
ca valos - meio de transporte dos vaqueiros - que se vêem nas
ruas, dando-lhe um aspecto típico de Far-West (fig. 112).

Flg . 112 - Vista de u ma rua d e Itapuranga. Notar o grande número de cavalos


e v aqueiros. (Foto R. M a zzola - CNG - 24-8-65) .

Além dos bovinos vivos, principal produto, Itapuranga


exporta porcos vivos, arroz, feijão e milho, tudo por intermé-
dio de caminhões.
Uruana é uma cidade desta zona, situada sôbre um terraço
da margem direita do rio Uru, afluente do Almas. Está cons-
truída em terras que eram florestais, se bem que, se estivesse
localizada na outra margem, poderia ser instalada em terras
de campo, o que facilitaria enormemente sua construção.

304
Em 1938, quando o núcleo foi fundado pelo fazendeiro
José Alves de Toledo, oriundo de Araguari, no Triângulo
Mineiro, não existia ainda a ponte sôbre o rio Uru, fato que
dificultava muito o intercâmbio entre as fazendas situadas
em margens opostas. Como a marcha do povoamento era pro-
veniente de Jaraguá, deram então preferência a se localizarem
na margem direita. WAIBEL 1 G5 chama a atenção dêste fato para
demonstrar como uma condição efêmera pode influir de ma-
neira definitiva num estabelecimento humano. Ao tempo em
que êle lá estêve, cêrca de 1/ 3 da população vivia do lado
esquerdo do rio (em terras de campos cerrados, predominan-
temente), enquanto 2/ 3 se estabeleceram nas matas do lado
direito. Hoje em dia é bem provável que esta proporção tenha
aumentado muito favoràvelmente às terras florestais.
Uruana originou-se, portanto, de uma colonização par-
ticular e é sede de próspero município, com indústrias rela-
cionadas à produção regional- máquinas de beneficiamento
de arroz, serraria - bem como ativo comércio varejista,
composto de estabelecimentos especializados.
A zona pioneira mais ativa do Mato Grosso de Goiás se
encontra talvez na parte leste, perto de Goianésia, onde matas
de encosta, de primeira e segunda classe, revestem os vales
do rio dos Patos e de seus afluentes, intercalando-se em certas
partes com cerrados e cerradões. A razão por que a valorização
desta área se encontra num estágio mais primitivo que a de
perto de Itapuranga é devida a que o povoamento tem-se pro-
cessado mais lentamente. ~le teve início na década de 1940,
ao mesmo tempo, portanto, que o da Colônia Agrícola Nacional
de Goiás. Até aquêle ano, a área tôda era escassamente habi-
tada, coberta de matas. Foi, desde então, ocupada por imensos
latifúndios: a fazenda Calção de Couro tinha 1. 200 alqueires;
a Monte Alegre mais de 1. 900; a São Carlos 10.000. Cada
vez que os respectivos proprietários foram loteando suas fa-
zendas, ou partes delas, a iniciativa determinava um afluxo
de muita gente, vinda de Minas Gerais e do Nordeste.
Em 1946, a primeira das fazendas citadas começou a ex-
portar arroz, embarcando 1. 500 sacas para Anápolis. Em pouco
tempo o café, que vinha experimentando crescente valorização
desde antes da Segunda Guerra Mundial, passou a açambarcar
as atenções dos fazendeiros, tornando-se o produto comercial
por excelência da região. O próprio Sr. LUNARDELLI, congnomi-
nado "rei do café", em São Paulo, possuía cafezais nesta zona.
A partir de 1957 os preços do café começaram a cair, de modo
'"' L. W a lbel , op. c lt. , p . 325-29 .

20- 37 843
305
que, de 1960 em diante, outras lavouras adquiriram impor-
tância na área de Goianésia, como o arroz, o milho e o algodão.
O café, por seu turno, foi erradicado por ser uma cultura
antieconômica, embora no auge do seu surto tivesse rendido
75 sacas de frutos em côco por mil pés, o que corresponde a
100 arrôbas de café beneficiado por 1 . 000 pés.
É difícil avaliar a produção de arroz do município de Goia-
nésia, pois grande parte consta da produção de municípios
limítrofes. Segundo a estimativa do Sr. LEITE , fazendeiro na
região, a produção em 1964 teria sido da ordem de 1.600.000
sacas, tendo baixado, em 1965, para 1. 300. 000 sacas, em con-
seqüência da queda de preços. O arroz cultivado nesta zona é
de diversos tipos, variando entre grãos médios e longos.
Atualmente fabrica-se farinha de milho em Goinésia,
que é exportada; antes o milho era utilizado apenas para en-
gorda de porcos. Já está muito divulgada, no município, a
cultura do milho híbrido.
O algodão é do tipo anual. ~le é exportado sobretudo para
Anápolis, onde existe uma fábrica de tecidos 166 e, em menor
escala, para Inhumas e Goiânia.
É generalizado o emprêgo do arado nas culturas de
ciclo curto.
A área derrubada tem aumentado muito nos últimos anos.
Segundo avaliou o informante acima citado, a área devastada
para lavouras deve corresponder a cêrca de 2. 000 alqueires.
Goianésia atravessa, porém, um período de transição da
agricultura para a pecuária, porque o boi dá bom preço e tem
demanda. Tal como nos outros lugares, nos terrenos fora dos
fundos de vale, após dois anos de cultivo, formam-se pastos de
jaraguá ou de colonião. Onde o pasto já está formado e se
quer renová-lo, vira-se a terra com o arado, faz-se a cultura
de arroz, milho ou algodão e semeia-se, novamente o pasto,
no fim de dois anos. O sistema agrícola é, por conseguinte, o
mesmo adotado na zona de sitiantes.
De acôrdo com o mesmo informante a vultosa produção
agropecuária de Goinésia é apenas superada pela de Itum-
biara, no Estado. Quase tôda ela se escôa para Anápolis, por
caminhão. Até 1962 fazia-se o percurso via Jaraguá; mas
depois que ruiu a ponte sôbre o rio do Peixe, o tráfego des-
viou-se para Pirenópolis, embora tenha que percorrer uma
estrada imprópria para caminhões grandes. Se se construir
um ramal com 36 km de extensão, ligando o nôvo traçado da
BR-14 (que segue a margem direita do rio das Almas) ao
100 A " Indústria Têxtll de Anápolls".

306
povoado de Cafelândia, a oeste de Goianésia, esta parte do
Mato Grosso de Goiás será definitivamente capturada por
aquela rodovia, pois já existe uma estrada encascalhada,
ligando Goianésia a Cafelândia, através de uma região mon-
tanhosa.
Na área de Goianésia prevalecem, nas relações de produ-
ção, a parceria para a agricultura e o salariato para a pecuária.
O que lá se chama "arrendamento", na lavoura, nada mais é
do que o pagamento, em espécie, de determinada porcentagem
da produção. Se o lavrador entrega ao fazendeiro o terreno
com pasto formado, após um ano de cultivo, paga-lhe apenas
10% da colheita, se entrega sem pasto formado, deve pagar
20 % de aluguel. Se receber a mata em pé, deve pagar ao dono
da terra 30% da produção; se a mata estiver derrubada, o
pagamento é de 35 %. As despesas com a destaca ficam por
conta do proprietário.
Quando o dono da fazenda é responsável pela derrubada
e queimada, e fornece semente e pano para bater o arroz,
faz jus a 50 % da safra; mas o meeiro não tem direito de
fazer destaca para o ano seguinte.
É o proprietário quem se responsabiliza pelo meeiro nas
operações de crédito perante o Banco do Brasil.
As modalidades de parceria mais usadas são as que obri-
gam o lavrador a pagar 30, 35 e 50 % das colheitas. A porcen-
tagem do fazendeiro é tanto maior quanto maiores forem os
serviços que realiza por sua conta. O simples fato de serem
mais comuns as formas de parceria que estipulam os paga-
mentos percentuais mais altos, significa haver uma grande
disparidade entre os níveis de vida dos agricultores sem terra
e dos fazendeiros.
Em terras de cultura, isto é, terras de mata, os pastos
são geralmente divididos.
O vaqueiro recebe mensalmente cêrca de Cr$ 50. 000, casa,
um pedaço de terra para cultivar e tem direito a consumir
leite. Cria comumente porcos.
O peão ganha diária, mas não é empregado permanente
da fazenda. Executa serviços em empreitada, sobretudo para
bater o pasto. Recebe 1. 000 a 1. 500 cruzeiros por dia, a sêco;
mas o fazendeiro evita sempre que possível contratá-lo, pois
prefere aproveitar o pessoal da fazenda.
A apropriação da terra em grandes fazendas, a comple-
xidade da estrutura social, o relativo poderio econômico de
um grupo, a rudeza de hábito, contribuíram para tornar a
violência uma regra na vida social e política. Mata-se com

307
freqüência, por questões de terras e de política partidária.
O próprio fundador da cidade de Goianésia foi assassinado em
1961; na véspera da visita da equipe à cidade, um deputado
estadual foi morto a tiros, na varanda de sua residência.
Tendo já desaparecido o fundador de Goianésia, Sr. LAu-
RENTINO MARTINS RoDRIGUES, seu depoimento, prestado em
1947 a um dos autores, tem especial valor: os primeiros lotes
da cidade foram vendidos em 1943 e 1944, e correspondiam à
área suburbana. Para esta e a área urbana do núcleo reservara
80 alqueires de terra. O Sr. LAURENTINO pretendia doar a área
urbana à igreja, como patrimônio; mas os compradores prefe-
riram comprar-lhe diretamente os lotes, deixando que êle, com
parte da renda, construísse escolas, igrejas, hospital etc.
O Sr. LAURENTINO declarou ter tido a idéia de criar o pa-
trimônio (patrimônio leigo, no caso), porque estava habituado
a morar perto de uma cidade; já que não podia mudar sua
fazenda para as vizinhanças de uma, resolvera fundar um
centro urbano dentro da fazenda. A êste aspecto psicológico,
DEFFONTAINES denominou a luta do homem rural contra o
isolamento". 107
As razões dadas pelo Sr. LAURENTINO para a escolha do
sítio de Goianésia foram as seguintes : 1 -água abundante,
dos rios Portal e Calção de Couro e também de poços, cuja
profundidade máxima naquele lugar é de 5,50 metros ;
2 - panorama, proporcionado pela serra do Calção de Couro,
que se avistava desde o povoado; 3 - zona de campo, situada
perto do limite da mata (distante 3 ou 4 km., apenas).
Os sítios de borda de mata predominam de maneira abso-
luta nas cidades do Mato Grosso de Goiás. Não é sõmente o
de Goianésia, mas também o de Uruana, Rianápolis, Jaraguá
e até o da cidade de Anápolis.
Do núcleo Ceres-Rialma para sudeste, a superfície regular
do planalto é sulcada pelo rio das Almas, seus afluentes e
formadores. Sôbre os declives e terraços dessa rêde fluvial
instalou-se uma vegetação de matas, ao passo que, sôbre o
planalto, o revestimento é composto de cerrados. Quando a
BR-14 percorre o vale, atravessa "terras de cultura" ; quando
ganha o planalto, penetra nos cerrados.

Subzona do médio rio das Almas - O relêvo é ondulado e a


secção transversal é a de um vale maduro. Presta-se, pois, à

101 P . Deffonta!nes : " Como se con st!tuíu n o Brasil a r êde das cidades". Bo!.
G eogr., ano III, n .o 15, jun . 1944, p . 299 .

308
mecanização e isto é praticado, conforme se pode ver pelos
vários trechos de terras aradas. Aqui, entretanto, prevalecem
as médias propriedades. É uma área regularmente povoada,
com fazendas mistas: criam gado zebu, em pastos divididos,
de capim jaraguá, e cultivam arroz, algodão, cana e café,
estando êste em decadência. Quanto a êsse aspecto as fazen-
das não diferem das demais do Mato Grosso de Goiás. Um
pormenor, apenas, é inovação nos 11 km vizinhos a Ceres: as
hortas no leito maior do rio das Almas.
A sudeste de Jaraguá há modificações essenciais na
topografia: nos primeiros 52 km ainda prevalece um relêvo
maduro, mas nos 10 km finais os vales ficam entalhados, o
relêvo montanhoso, constituindo a subzona do vale superior
do rio das Almas. Numa e noutra parte erguem-se, aqui e ali,
dominadoras, elevações residuais da superfície Pratinha, como
é o caso da serra de Jaraguá. Esta serra é formada de quartzito,
enquanto a maior parte dos terrenos é constituída, tanto aqui
como perto de Jaraguá, principalmente por micaxistos, for-
temente inclinados. No trecho meridional, de relêvo mais aci-
dentado, aflora, vez por outra, um gnaisse ou um dique de
eruptiva básica.
Nas vertentes dos vales, o revestimento natural era cons-
tituído por cerradões e inatas de segunda classe, embora
ocorram cerrados nos altos de alguns divisores secundários.
As fazendas se localizam preferentemente nos vales, onde
as pastagens de capim jaraguá estão em expansão.
As culturas anuais mais comuns são o arroz, o milho e a
mandioca; entre as culturas permanentes, a da banana e a
do café. :ti:ste, como nas outras partes, está em franca deca-
dência, com cafezais pequenos e de aspecto senil. Os bananais
ficam sapecados pelo frio, durante o inverno, quando se
agrava o fenômeno da inversão de temperaturas, durante as
madrugadas.
Há trechos em que as capoeiras, as queimadas e as cultu-
ras deixam evidente a aplicação do sistema de roças. Em
outros, porém, já se podem observar terras aradas.
Os roçados são, em geral, a vanguarda da ocupação pelo
capim jaraguá, como alhures. Aqui, também parece haver,
pois uma tendência à adoção do sistema rotativo de culturas
e pastagens, conquanto ainda não esteja bem caracterizado,
por causa da relativa abundância de matas.
Jaraguá é o principal centro urbano de tôda esta impor-
tante faixa agropastoril que se estende de Ceres-Rialma até a
escarpa da serra dos Pirineus. A proximidade de Anápolis,

309
situada a 80 km para sudeste, pela BR-14, certamente con-
tribuiu para o desenvolvimento atual de Jaraguá, pois cons-
titui o mercado para onde se escoa a quase totalidade da pro-
dução de suas vizinhanças, mas, por ·outro lado, impede a
criação de certas funções econômico-financeiras àa cidade.
Jaraguá não tem, por exemplo, agência do Banco do Brasil;
todos os financiamentos na região são feitos através da agên-
cia de Anápolis. Faltam também em Jaraguá grandes compra-
dores que armazenem os produtos agrícolas e os vendam por
atacado a firmas de fora. No ano de 1965, o arroz foi estocado
pela CASEGO (Companhia de Armazéns e Silos do Estado de
Goiás); mas, nos anos anteriores, era vendido diretamente
para Anápolis.
A produção agrícola oriunda do próprio município de
Jaraguá já é bastante vultosa, conforme se verifica pela
tabela abaixo:

Produção agrícola do município de J araguá em 1964

Valor Valor
PRODUTO Quantidade unitário total (em
(Cr$) Cr$ 1 000)

Arroz . . . ..... . ... . . . . 650 000 sacos de 60 kg 4 500 saco 2 925 000
Feijão . . . .. . .......... 16 000 sacos de 60 kg 10 000 saco 160 000
Milho ....... . ..... ... 118 000 sacos de 60 kg 3 000 saco 354 000
Fumo ... .. .. . . . .. .. .. 121 200 arrôbas 2 500 arrôba 303 000
Algodão .. .. . ....... .. 230 000 arrôbas 3 000 arrôba 690 000

FONTE: Agência Municipal de Estatística de Jaraguá.

Parte da produção de feijão vai diretamente para Brasília,


sem intermediários, pois é comum ir gente do município à
Capital Federal e, aproveitando a viagem, vender lá sua pro-
dução. Já a maior parte do milho é consumida no município,
na engorda de porcos, que são exportados vivos para Anápolis
e Goianésia.
O algodão vai todo para a indústria têxtil de Anápolis.
Não é um algodão qualificado; sai tudo misturado. É do tipo
herbáceo e se cultiva sempre consorciado ao milho e ao arroz,
para aproveitar o terreno.
O fumo é comercializado em rolos acondicionados em
palha de milho. A colheita se faz em duas fases: a primeira
é a do "baixeiro", isto é, das fôlhas de baixo; dão fumo de pior

310
qualidade. As fôlhas de cima dão fumo de primeira qualidade;
sua safra começa em fins de agôsto e princípio de setembro,
mas chega ao auge em novembro.
O pé de tabaco é plantado em março. Não se faz adubação
nesta cultura; o melhor fumo dá nas várzeas, pois os terrenos
de aluvião são férteis. O agriçultor limpa primeiramente o
terreno, faz o viveiro e depois transplanta a muda. Há também
plantio de tabaco em roçados, em terras novas, de mata.
A produção de fumo tem crescido muito; êle é vendido
para caminhões que param na cidade.
O rebanho bovino do município é constituído de 43 . 000
cabeças, todo êle mestiçado com zebu, e os suínos contam
86 . 400 animais.
As fazendas de criação, no município da Jaraguá, são de
tamanho médio e variam entre 100 e 500 alqueires. Estas últi-
mas são poucas, apenas cinco.
O vaqueiro ganha mensalmente, em dinheiro, à base do
salário mínimo, tendo ainda direito a casa, e determinada área
para fazer roça e criar alguns animais para subsistência. ~le
é o administrador da propriedade na ausência do dono, sobre-
tudo quando o fazendeiro ingressa na carreira política.
Há fortes relações de parentesco entre os proprietários
de terras, em Jaraguá, pertencentes todos a duas grandes
famílias, que são rivais politicamente.
Na agricultura prevalece, no município, o regime de par-
ceria, à base de 30 %, para tôdas as culturas.
Devido à proximidade de Anápolis, poucas são as indús-
trias instaladas em Jaraguá; quase todos os produtos
primários vão ser processados diretamente naquela cidade.
Existem, contudo, quatro usinas de beneficiamento de arroz,
que aliás só trabalham para terceiros, cobrando Cr$ 10 por
saco; o arroz beneficiado destina-se apenas ao consumo local.
~ste é também o mercado para a única serraria e a única
cerâmica existentes em Jaraguá.
Hâ, no entanto, uma fábrica de manteiga na cidade, 168
que exporta para Belém, Anápolis e Brasília. Produziu, em
1964, 252.000 kg do produto, vendido a preço variável, entre
1.000 e 1.200 cruzeiros o quilo.
Três olarias vendem tijolos a Cr$ 5.000 o milheiro, que,
antes do desenvolvimento urbano, custava 3 a 4.000 somente.
Jaraguá é uma velha cidade da época da mineração. Foi
fundada em 1737 sôbre o terraço de um pequeno afluente do
1 08 A m arca da manteiga cnama-se ''Bandeirante" .

311
rio das Almas, ao pé da serra de Jaraguá, onde foi encontrado
ouro de aluvião. Quando SAINT-HILAIRE por lá passou, em 1819,
a garimpagem já estava decadente, e êle avaliou a população
da cidade em 2 . 000 habitantes. Em 1940 viviam no núcleo
somente 1.500 pessoas. No ano seguinte, antes mesmo que a
estrada de Anápolis a Ceres lá chegasse, o centro começou a
se desenvolver ràpidamente.
Até então, o aglomerado tinha características comuns aos
núcleos de mineração: ruas longas e curvas, geralmente não
niveladas e de largura variável (Mapa XXX). Duas igrejas
estão situadas numa praça triangular, que nada mais é que
o alargamento da rua principal. ~ste aspecto do traçado
urbano é muito comum nas velhas cidades do ciclo do ouro,
mas ainda não foi devidamente estudado por urbanistas, geó-
grafos e historiadores.
A rua principal de Jaraguá (atual Avenida Getúlio
Vargas) conduz até o rio, de cujos cascalhos o ouro era
extraído.
Como a estrada passa nas vizinhanças da cidade, o núcleo
se expandiu em direção a ela, porém com ruas largas, retilí-
neas e traçado em xadrez. ~sse desenvolvimento resultou de
um brusco acréscimo da população urbana, que agora é da
ordem de 6.500 habitantes. Daí advieram, no entanto, certos
problemas, como o do abastecimento de água, que é quase
tôda de poços, mas de água salobra.
Alguns serviços urbanos, em Jaraguá, têm relativa impor-
tância, como o de telefones urbanos e interurbanos, o hospital,
o pôsto de saúde e a disponibilidade de certos profissionais
liberais: 2 médicos, 4 dentistas e quatro advogados. Em com-
pensação não há um hotel na cidade, embora nela pernoitem
muitos caminhões, o que estimula o comércio (restaurantes,
oficinas mecânicas etc.) .
Rianápolis é um centro nôvo, surgido por volta de 1950,
no entroncamento da estrada para Goianésia com a B~-14, a
17 km a sudeste de Ceres. É um aglomerado linear, com 900
moradores, que já criou certas funções comerciais decorrentes
de sua posição: é ponto obrigatório de almôço, tem um hotel e
três pensões. Além de ser sede de município, dá seus primeiros
passos na industrialização, com uma fábrica de carroças, uma
cerâmica e duas olarias.
Zonas de cerrados - Os campos cerrados formam ilhas ou
protuberâncias esparsas dentro do Mato Grosso de Goiás.
Duas dessas grandes manchas de cerrados foram percorridas

312
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pela equipe: uma, com largura de 23 km, a oeste de Uruana,
até o entroncamento da estrada que vai para Itaberaí; outra,
prolongando-se desde 11 km a sudeste de Ceres, abrangendo
Rianápolis e Goianésia.
A fisionomia original dessas ocorrências de cerrados está
muito alterada pelo fogo, ora mostrando o negrume das quei-
maãas, ora transformando a formação numa savana artificial
de gramíneas baixas.
Os vales alcançaram a maturidade do seu ciclo de erosão
e são revestidos por cerradões e, raramente, por buritizais.
O relêvo é geralmente suave, embora em alguns lugares
se torne acidentado, como perto de Arturlândia, mais ou
menos a meio caminho entre Rianápolis e Goianésia, onde
os terrenos se elevam a 900 metros de altitude ou mais. A
leste de Uruana, uma elevação residual da superfície Pratinha
atinge cêrca de 1.000 metros sôbre o nível do mar.
Os revestimentos de cerrado não estão em relação direta
com a rocha màtriz; no lado de Goianésia (leste), ocorrem
micaxistos que, nas áreas de relêvo mais enérgico, apresen-
tam lentes de quartzo, dando maior resistência à rocha; no
lado de Uruana (oeste), os solos derivam-se de gabros E:'
gnaisses. Nesta parte, a côr dos solos é geralmente averme-
lhada, enquanto naquela são mais claros, com tonalidades
que variam desde quase brancos até o vermelho. Nas partes
altas são pedregosos em certos trechos.
Ambas as áreas são ocupadas por latifúndios de pecuária
extensiva, que também se reerguem econômicamente, em
conseqüência da valorização da carne.
De um modo geral, a população é rarefeita; mas tôda a
ocupação se verifica nos vales. Aí estão situadas as sedes de
fazendas, os pastos de jaraguá plantados e cercados, as casas
dos empregados e as lavouras, das quais as mais importantes
são as de milho, mandioca, fumo, assim como as de banana e
abacaxi.
Nas terras de cerrado não há divisões, salvo as de pro-
priedades. O gado pasta no campo aberto; o sistema do "open
range", que predomina nos cerrados mais ao norte, se repete
aqui; não obstante os bovinos diferem, porque são bem
raceados com sangue zebu.
Também são raras as cidades nestas zonas tão vazias,
exceto as situadas nas bordas de mata. Junto à BR-14 a
solidão não parece tão grande, pois a estrada é muito movi-
mentada e atrai o povoamento. Os aglomerados foram
resultantes de loteamentos particulares, que se aproveitaram

314
da grande procura e da fama do Mato Grosso de Goiás.
Assim se passou com Arturlândia, fundada em 1961, no
loteamento feito por um fazendeiro chamado ARTUR. Seme-
lhante foi a origem de Goianésia e Uruana, como vimos. Por
êsse motivo as cidades desta zona têm, geralmente, traçado
em xadrez.
Zona do planalto de Brasília-Anápolis - Esta zona corres-
pende à superfície Pratinha; seus limites naturais, ao norte,
ficam na escarpa que desce para os vales dos rios das Almas,
e Paranã, e ao sul, na superfície dissecada pelos afluentes do
Paranaíba. Nas vizinhanças de Anápolis os limites desta zona
estão respectivamente a 15 km a nordeste da cidade, no divi-
sor de águas formado pela serra dos Pirineus, e a 11 km para
o sul, na descida para o vale do Meia Ponte.
A paisagem muda bruscamente em relação à zona ante-
rior. O planalto se ergue a altitudes da ordem de 1.000 a
1.200 metros ou mais, com horizontes planos, vales maduros,
em V bem aberto, demonstrando que velhos ciclos de erosão
foram conservados. Entre Anápolis e Brasília, a BR-14 corta
transversalmente êsses vales. Trata-se de um peneplano, em
que o micaxisto, com fortes mergulhos, aflora em diversos
cortes. Recobre-o uma camada de laterita, a qual se comporta
como um capeamento sedimentar, formando ombreiras
(cornichas) e testemunhos.
Os solos variam desde um ·latossolo vermelho, decapitado
(sem horizonte A), perto de Anápolis, até perfis lateríticos,
em que são mais freqüentes aquêles que apresentam espêssa
camada superficial de canga pisolítica.
A vegetação predominante, de modo absoluto, são os
cerrados, na maioria queimados ou transformados em savanas
artificiais de jaraguá. Alguns morros de tôpo chato, que se
elevam até o nível mais alto do relêvo, são revestidos de cam-
pos limpos. Nos vales, observam-se matas ciliares e capões.
Embora os solos sejam, sem dúvida alguma, pobres, não
são raras as terras aradas, sobretudo nos vales. De vez em
quando, um agricultor mais ousado ara terrenos até cobertos
de cerradinhos.
A atividade econômica mais difundida é, no entanto, a
pecuária extensiva, em campos abertos (livre pastoreio). As
lavouras mais comuns são as de banana, café, mandioca,
tôdas em reduzida escala.
A instalação da nova Capital trouxe, porém, nôvo alento
a esta região. As velhas fazendas de criação expandem agora

315
novas pastagens de jaraguá. Entre Alexsânia e Brasília há
mais lavouras em geral, mais hortas, sítios de repouso e
loteamentos.
Onde outrora nada existia, encontram-se agora centros
novos e progressistas, ao longo da estrada, como Alexsânia
e Nova Flórida. É surpreendente o surto do comércio nesses
centros, não apenas vinculado à rodovia- dormitórios, pen-
sões, hotéis de segunda categoria, oficinas mecânicas, lojas de
auto-peças -, mas também lojas varejistas especializadas,
como casas de fazendas, alfaiatarias, barbeiros etc.
Os dois núcleos citados fogem ao padrão Strassendorf,
mas não se deve atribuir isto simplesmente ao progresso dos
lugares. São antes resultados de especulação imobiliária,
revelados pelo traçado perfeito em xadrez.

Flg. 113 - Brasflia - Vista parcial. (Foto R. Mazzola - CNG - 27-8-65) .

316
Brasília foge a essa r egra. Decorre de uma polÍtica deli-
berada, do planejamento de um centro administrativo. O seu
traçado urbano e suas concepções arquitetônicas são portento-
sos (fig. 113) ; mas os bairros operários, como o núcleo
Bandeirantes (por onde se passa, antes de se chegar ao centro
da capital), escapam a tal planejamento.
Zona de Goiânia- A diferença entre esta zona e a anterior
não é tão violenta quanto a que existe entre esta e à da bacia
superior do Almas, desce-se um pouco mais, 169 e os vales se
encaixam mais vigorosamente. O relêvo chega a tornar-se,
em certos trechos, fortemente ondulado.
A vegetação natural se adensa, passando a predominar o
cerradão. Não só por êsse fator indicativo de solos melhores,
mas particularmente devido à maior proximidade do mercado
de Goiânia, as terras são mais cultivadas. São numerosos os
bananais (embora castigados pelo ar frio no inverno), os
pequenos laranjais, as hortas, bem como culturas de milho,
cana, mandioca e algodão herbáceo. Ainda há muitos pequenos
cafezais, todos porém em más condições. Entre essas culturas,
como um fundo comum de vegetação rasteira, estão os pastos
de jaraguá.
Goiânia, capital do Estado, teve um desenvolvimento
espantoso, e absorveu Campinas. Como concepção, a criação
de Goiânia é um empreendimento mais :tímido que o de
Brasília, fato perfeitamente compreensível, se forem conside-
radas as diferentes épocas- 1933 e 1960- e os autores das
iniciativas - govêrno federal e govêrno goiano.
A escolha da posição de Goiânia, relativamente a Goiás,
representa de certo modo, um recuo, pois a nova capital do
Estado está situada a 154 km para sudeste da capital antiga.
A velha cidade de Goiás estava, entretanto, muito isolada e
o velho traçado impedia o desenvolvimento urbano.
Como plano de cidade Goiânia representa um compro-
misso entre os traçados radial e em xadrez.
Brasília, por seu turno, representa uma interiorização
audaciosa da capital do Brasil, e seu plano urbano, uma reali-
zação arrojada, com traçado em forma de avião, â beira de
um lago artificial.
Contudo, Goiânia tem aspecto moderno e florescente, que
lembra uma cidade do interior norte-americano (fig. 114).
Ela é indiscutivelmente a maior cidade do Estado: de acôrdo
'"" Goiânia está a uma alt it ude de 750 m etros sôbre o nível do mar .

317
Flg. 114 - Trecho da Avenida Anhangilera, em ~ilinia. ( Foto Gilson Costa -
CNG - julho de 1965) .

com o censo de 1960 possuia 132.577 habitantes, enquanto


Anápolis, a segunda, tinha sàmente 48.847. Anápolis é, no
entanto, a capital econômica de Goiás e se Goiânia a supera
em população, deve-o à importante função administrativa
que Anápolis não tem.

Conclusões e Sugestões
A Secção Sul da rodovia Belém-Brasília corresponde
àquela que atravessa a região mais rica de todo o seu longo
percurso, já que esta faz parte da região geoeconômica do
Brasil Sudeste, conforme se frisou, logo no início do presente
capítulo.
Sem embargo, a BR-14 não tem aqui o significado relativo
que possui nas outras secções, pois que ela é simplesmente
uma estrada dentro de um sistema. Na Secção Central, bem

318
corno na zona Guajarina, por exemplo, não há outra estrada
de circulação geral; quem quiser entrar ou sair da região tem
que passar pela Belém-Brasília. Êste não é o caso da Secção
Sul da BR-14, porquanto, paralelas a ela, existem outras
estradas (Mapa XXXI). A G0-4 (Goiânia-Goiás) e seu
prolongamento, a G0-29 (Goiás-Aruanã, na margem do Ara-
guaia), têm direção geral sudeste-noroeste, paralela ao
segmento Anápolis-Ceres. A BR-95, Anápolis-Niquelândia, tem
direção geral aproximada norte-sul e se destina a servir
também futuramente, o lado oriental da bacia do médio To-
cantins, capturando da BR-14 os serviços de transportes desta
área. Por êsse motivo, a área de influência da Secção Sul da
rodovia Belém-Brasília é mais estreita que na Secção Central,
onde atinge as próprias fronteiras de Goiás. Embora tendo
condições inferiores, tanto a G0-4 (mais a G0-29) como a
BR-95, conseguem desviar o tráfego da BR-14.
Contudo, não há têrmo de comparação entre o valor das
riquezas que circulam na Belém-Brasília, em sua Secção Sul,
e nas demais Secções. Isto se reflete na própria circulação de
veículos, conforme se verá adiante. A razão fundamental desta
superioridade absoluta da Secção Sul reside no fato de que
aí a BR-14 liga as três maiores cidades situadas dentro de
Goiás-Brasília, Goiânia e Anápolis- ao coração agropastoril
do Estado, que é o Mato Grosso de Goiás. Efetivamente, nos
dias de hoje, Goiás possui sàmente duas importantes regiões
agrícolas e de criação: o vale do Paranaíba, periférica ou rela-
ção ao Estado, e o Mato Grosso de Goiás, central.
Por isto, a Secção Sul da Belém-Brasília é um eixo de
convergência das riquezas, embora drenando uma faixa mais
estreita. Os trechos médio e sul da Secção Central, ao con-
trário, formam um eixo que percorre uma região pobre,
servindo a duas regiões potencialmente ricas: os médios vales
do Araguaia e do Tocantins.
O trecho da BR-14 entre Anápolis e Ceres, e daí por
dentro da Colônia Agrícola até o rio São Patrício, foi construído
em obediência a um plano anterior e bem mais .modesto, de
ligar a C.A.N.G. a Anápolis. Com a abertura da Belém-Brasí-
lia, os objetivos se ampliaram e a circulação aumentou. Houve,
pois, vantagem na transferência da rodovia para a margem
direita do rio das Almas, substituindo o trecho em que ela
atravessava a colônia. O adensamento de população à margem
da estrada representa um perigo para os pedestres, especial-

319
\
RODOVIAS DO '
SUL DE GOIÁS
E DISTRITO FEDERAL

GOIÂS

- - Estrado ni5o Po~iment11do

- _ _ _ Com1nho Corroçó~el

- - - · - D•~i•o Estadual

M a pa XXXI

mente para as crianças. Além do mais, o nôvo traçado permitiu


melhorar as especificações da rodovia, como a largura da
estrada e as curvas de maior raio.
Embora drenando uma faixa mais estreita, o sistema de
ramais da Secção Sul da Belém-Brasília ainda é deficiente,
representando um óbice ao desenvolvimento da região. Com
urgência deve ser aberto o ramal para Goianésia, via Cafe-
lândia, facilitando o escoamento da produção desta rica área.
Também necessários são os ramais para Crixás e Mozarlândia,
que ja~em num injustificado isolamento.
O planejamento correto para a Belém-Brasília, assim
como para o de qualquer rodovia, não pode deixar de ser um
planejamento global, tendo em vista a valorização da própria
região por ela servida. Neste sentido, o Mato Grosso de Goiás,
e particularmente a zona de sitiantes, correspondente à antiga
Colônia Agrícola, têm potencialidades excepcionais. Graças
ao fácil acesso à posse da terra, à fertilidade do solo e à dispo-

320
nibilidade de mercado próximo, constituiu-se na zona de
sitiantes o melhor exemplo de democracia rural na Belém-
-Brasília, em que lavradores pobres e sem terra ascenderam
econômica e socialmente, formando uma sociedade de peque-
nos proprietários, com padrões de vida mais ou menos dignos.
Não deixa, portanto, de ser ridículo o plano do IBRA, que
considera o município de Ceres como uma das áreas priori-
tárias .para reforma agrária. Como realizar nova divisão de
terras numa área tão fracionada (tabela XIII)? Sàmente
a completa ignorância do nosso meio rural poderia, neste
oceano de latifúndios que é o Brasil tropical, aconselhar o
município de Ceres para servir de início a uma reforma
agrária.
Contràriamente às previsões pessimistas, os sitiantes da
região não baixaram seus padrões econômicos, não esgotaram
os solos, nem· abandonaram as terras que lhes foram doadas.
Mantêm agora um padrão de vida médio, produzindo gado
para corte, porcos, arroz, algodão, milho e feijão, aplicando
um sistema rotativo de cultura e pastagens. O que se torna
necessário nessa área, para onde se prevê um breve asfalta-
mento da BR-14, é a atuação de numerosas equipes de exten-
são rural, capazes de orientar os sitiantes na adoção de siste-
mas agrícolas mais racionais e intensivos. Os objetivos essen-
ciais dos trabalhos de tais equipes deveriam ser: o desenvolvi-
mento da horticultura e da pecuária leiteira ; a associação da
pecuária à lavoura através do estímulo à adubação orgânica
e da introdução de culturas forrageiras; o estabelecimento de
um sistema de rotação de culturas (sobretudo para os pro-
dutos agrícolas já tradicionais na região), e finalmente a
organização de cooperativas de lacticínios.
Do ponto de vista teórico da economia rural, o êxito de
tais iniciativas significaria a organização das faixas n. '1 e 3,
0

de Thünen (faixas de hortas e leite líquido), em relação aos


mercados de Anápolis, Goiânia e Brasília, distantes 146, 196 e
284 km de Ceres respectivamente (Mapa 1), à pecuária
de corte ficariam reservadas as áreas mais longínquas, para
o norte. Mas do ponto de vista humano, sociológico, isso
representaria nova ascensão de nível de vida para a população
de sitiantes do Mato Grosso de Goiás. Em menos de duas
gerações, realizar-se-ia o ideal com que foi criada a Colônia
Agrícola Nacional de Goiás: transformar uma população de
caboclos miseráveis e sem terra numa sociedade de pequenos
lavradores experientes, prósperos e felizes .

21 - 37 843 321
A EPOPÉIA DA BR-14
Os grandes domínios florestais constituem um obstáculo
tão difícil de vencer quanto as altas montanhas. Deffontaines,
com sua linguagem pictórica, assim descreve as dificuldades
do homem para penetrar na hiléia amazônica, a mais vasta
superfície de floresta equatorial do mundo:
"Há, ao longo dos afluentes amazônicos, verdadeiras
gargantas vegetais, estreitos e sinuosos desfiladeiros entre
paredes de árvores. O homem aproveitou estas ranhuras
aquáticas para avançar para o interior da massa arbores-
cente; não existem outros caminhos além dos rios; tôda a
penetração humana, tôda a circulação se efetua por êles ...
Fora do rio o homem está perdido, soterrado, sem possibili-
dade de se orientar sob as frondes das árvores, sem pontos de
referência. Numerosas são as expedições que perderam o
rumo no deserto florestal, mais perigoso talvez do que o
deserto árido" 170 .
A ma ta amazônica criou assim verdadeira obsessão para
os estadistas e planejadores brasileiros, pois tendo permitido
a penetração até o âmago do continente, através de sua vasta
rêde navegável, assegurando o domínio luso-brasileiro na
maioria da bacia fluvial, por outro lado isolou quase total-
mente essa região do resto do Brasil, embora adjacente a êste,
porque os trechos encachoeirados dos afluentes e subafluentes
interrompiam a continuidade da navegação. Isto se fazia
sentir particularmente nas bacias do Tocantins, do Madeira
e do Tapajós, principais tributários do Amazonas que davam
acesso ao Planalto Central. As comunicações fluviais eram
possíveis durante as cheias, mas nas águas baixas interrom-
piam a navegação, obrigando a transbordos, que tornavam
antieconômicas as linhas regulares de embarcações.
170 P. Deffontalnes: "A Floresta a Serviço do Homem no Brasll". Bol. Geogr.,
III, n. 0 28, jul. 1945, p. 561.

323
Dêsse modo, o isolamento da região amazônica desafiou
os brasileiros durante mais de quatro séculos e meio.
Porque o problema durou tanto tempo sem solução; por-
que e como poude ser depois ràpidamente resolvido, e,
finalmente, porque encontrou oposição tenaz, mesmo após ter
sido solucionado, são questões compreensíveis em tôdas suas
implicações teóricas, apenas depois de uma breve recapitula-
ção histórica.
No primeiro século de nossa história, a divisão do Brasil
em capitanias hereditárias representa uma medida de des-
centralização, num país de comunicações difíceis, com um
interior inóspito e povoado de selvagens. A instalação do
govêrno geral na Bahia representa a tendência oposta, embora
baseada na circulação periférica; por isso foi escolhida a
localização em 'Salvador, mais ou menos eqüidistante dos
extremos de nosso litoral. Com a capital aí situada fêz-se, até
a primeira metade do século XVIII, a penetração em todo o
Brasil extra-amazônico, onde predomina a vegetação aberta.
Com sua visão geopolítica inigualável, Pombal dividiu
então a colônia em duas administrações básicas, diretamente
subordinadas a Portugal: a do Estado do Maranhão, com sede
em S. Luís e englobando a bacia ámazônica, e a do Estado do
Brasil, sediada no Rio de Janeiro. Tal providência simples-
mente reconhecia o isolamento efetivo, existente entre as
duas áreas, e nenhum resultado trouxe para rompê-lo.
A primeira iniciativa de facto nesse sentido foi tomada
somente no século XIX, quando Couto de Magalhães, em
1865, fundou a Companhia de Navegação do Araguaia e
Tocantins, de duração efêmera. Segundo o testemunho do
ex-deputado JosÉ MAcHADO, 171 as carcassas dos três barcos
jazem na margem do Araguaia, em Aruanã (ex-Leopoldina) .
Ainda no século passado, o projeto da Estrada de Ferro
Central do Brasil, partindo do Rio de Janeiro, deveria alcançar
Belém, passando em Pirapora e na futura Capital da Repú-
blica. Esta idéia matriz determinou inclusive a denominação
da emprêsa estatal. Entretanto faltaram verbas e persistên-
cia aos administradores da Central. A própria linha de Belo
Horizonte a Pirapora já é de bitola estreita, fugindo ao padrão
da linha-tronco, que vai do Rio a Belo Horizonte. A iniciativa
teve fôrças até cruzar o rio S. Francisco, numa ponte de ferro
em Pirapora, extingüindo-se em Buritizeiro, 3 km adiante,
estação sem importância perdida no meio dos cerrados.
171 Separa t a do ' 'Diãrio do Cong r esso", d e 29-12-950 .

324
É óbvio que a causa fundamental do não prosseguimento
do programa residia na sua base antieconômica: a ferrovia
redundava num investimento grande, destinado a servir a
uma região pobre. Assim, o sonho de atravessar o país por
extensos trilhos de aço se desfez. 1 72
Recuaram então os técnicos do nosso govêrno, procu-
rando entrosar os transportes do Brasil num sistema ferro-
-fluvial. Nos grandes eixos navegáveis, trechos isolados de
ferrovia contornavam os obstáculos das cachoeiras e rápidos,
ligando a navegação dos cursos inferiores com a dos cursos
médios dos rios de planalto. Assim, foram instaladas: a E. F .
Piranhas-Jatobá, rodeando as cachoeiras de Paulo Afonso e
Itaparica, no rio S. Francisco; a E. F. Madeira-Mamoré, entre
Guajará-Mirim e Pôrto Velho, no Madeira; a E. F. Tocantins,
evitando a Itaboca, no rio daquele nome.
Ainda uma vez, as conexões ferro-fluviais não resolviam
o problema dos transportes, em bases econômicas: os trechos
ferroviários contornando as cachoeiras e rápidos eram de bai-
xas especificações - bitola estreita, trilhos leves, curvas de
pequeno raio e, por conseguinte, servidas por composições de
pequena capacidade de transporte - diferindo das estradas
que compõem a rêde do Brasil Sudeste; além disso, não com-
punham com as embarcações fluviais um sistema de
"ferry-boats" que evitasse os transbordos.
Assim o sistema de transportes estabelecido permitia
apenas ligações precárias e dispendiosas entre o Brasil Cen-
tral, de um lado, e o Sudeste e o exterior, de outro; era incapaz
de romper a economia quase fechada, reinante no centro do
país, nos vales do Tocantins e Araguaia particularmente.
Com a criação da Colônia Agrícola Nacional de Goiás, no
início da década de 1940, foi construído o prímeiro trecho da
atual rodovia Belém-Brasília, ligando Anápolis a Ceres, de
1941 . a 1944, pelo então diretor da Colônia, o Eng.o BERNARDO
SAIÃ!o DE CARVALHO ARAÚJO. Se bem ·que fôsse agrônomo, o
referido engenheiro não se ateve em cuidar da colonização,
após concluir o trecho de acesso à Colônia Agrícola; muito ao
contrário, atirou-se à tarefa de prosseguir a estrada, em dire-
ção a Uruaçu, recém fundada, sujeitando-se, por isso, as
críticas de certos setores. Saião era bàsicamente um enge-

112 Esta id éia talvez tenh a surgido por comparação com os E stados Unidos.
Lá, porém, as fer rovias t ra n scontinentais atravessaram p rim eiro a vasta região
d as plan icies centrais, com solos m u1t o férteis, onde se f êz u ma colonização m a -
ciça e pla n ej ada. A única semelhança com o nosso Plan alt o Cen t r al era a
imen sidã o d a á r ea.

325
nheiro-rodoviário, e manifestava enfàticamente nas conversas
a necessidade da ligação com Belém.
Até o Plano Nacional de Transportes, de 1947, vinculado
ao Plano SALTE, previa a conjugação da viação rodoviária e
ferroviária com a fluvial. Para o caso da BR-14, a ligação
Anápolis-Belém deveria fazer-se através de Niquelândia, Pei-
xe, Pôrto Nacional, Carolina, Pôrto Franco e Imperatriz. O
aproveitamento do trecho navegável do médio Tocantins torna
óbvio que o percurso de Pôrto Nacional a Imperatriz deveria
fazer-se por embarcações, já que nenhum documento revela
a intenção de se construir a estrada paralela ao rio.
Naquele mesmo ano, o então deputado JALES MAcHADo
apresentava ao Congresso o projeto 1. 21, que previa a orga-
nização de um sistema de ligação rodo-fluvial de Anápolis a
Belém, assim constituído (Mapa XXXII):
"a) Uma rodovia que, partindo de Uruaçu, seguirá
aproximadamente o divisor de águas, entre os rios Araguaia
e Tocantins e atingirá o primeiro trecho navegável dêste,
nas imediações de Tocantínia;
b) as obras e melhoramentos no trecho navegável do
Tocantins, entre Tocantínia e Tocantinópolis;
c) uma rodovia que, partindo de Tocantinópolis, trans-
porá o Araguaia nas imediações de Araguatins, passará por
Marabá e alcançará o extremo norte da E. F. Tocantins, em
Jatobá". 173
~ste projeto, embora contemporâneo ao Plano Rodoviário
Nacional, dêle diferia ligeiramente, conquanto tivesse em mira
o estabelecimento de uma linha diagonal de comunicações
norte-sul, de Belém a Livramento, com o mesmo rótulo que
lhe atribuíra o referido Plano: Rodovia Transbrasiliana.
O plano rodo-fluvial não extirpava os inconvenientes da
concepção ferro-fluvial. A menos que se combinasse um siste-
ma de comboios de caminhões com o de uma navegação por
meio de barcaças de desembarque (do tipo das usadas durante
a Segunda Guerra Mundial), o problema dos transbordos
subsistia. m
A lei que determinava a transferência da Capital do país
para o Planalto Central foi vinculada a construção de uma
rêde de rodovias que ligariam a sede do govêrno às metrópo-
les e regiões da República: a Brasília-Rio de Janeiro (mais
"" op. cit., pág. 6
11• :il;ste recurso não aboliria contudo , o desperdício de espaço a bordo das
embarcações .

326
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MINAS GERAIS

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Mapa XXXII
tarde chamada Rodovia Juscelino Kubitschek) , Brasília-São
Paulo, (via Anhanguera) , Brasília-Livramento, Brasília-For-
taleza, Brasília-Acre e a Belém-Brasília. Tal resolução, tão
audaciosa quanto a própria mudança da Capital, era a única
maneira de consolidar definitivamente sua localização no pla-
nalto.
Por disposição da lei n.o 2.975, de 27 de novembro de
1956, o traçado da BR-14 foi modificado, abandonando o vale
médio do Tocantins e seguindo, tanto quanto possível, o divi-
sor de águas Tocantins-Araguaia, até cruzar aquêle curso
d'água na fronteira Goiás-Maranhão. 175 Pela primeira vez,
resolvia-se oficialmente pôr de lado a ligação rodo-fluvial,
confiando-se totalmente à rodovia a vinculação interior de
Belém com o resto do Brasil.
O decreto n. 0 43.710, de 15 de maio de 1958, exarado por-
tanto quando a construção de Brasília já estava em pleno
andamento, criou a Comissão Executiva da Rodovia Belém-
-Brasília, mais conhecida até hoje pela sua sigla - . . .. . .
RODOBRAS - autarquia subordinada à Superintendência
do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA),
mas com bastante autonomia administrativa e financeira para
desincumbir-se ràpidamente de sua missão precípua.
É possível agora compreender-se a razão dessas medidas
governamentais, que mudaram completamente a orientação
da política dos transportes no Brasil e que foram cobertas
de êxito, embora tenham sido tomadas em curto prazo. Até
a década de 1950, o problema da ligação interior da Amazônia
com as outras regiões do Brasil permaneceu insolúvél por
falta de condições técdcas e econômicas. A construção de
uma ferrovia estava além das possibilidades orçamentárias
do govêrno federal e não interessaria a capitais privados, quer
nacionais, quer estrangeiros. A abertura de uma estrada de
rodagem seria possível, mas a manutenção da mesma, assim
como do fluxo regular dos transportes rodoviários, exigiria,
antes de 1955, uma evasão de divisas que o país não poderia
suportar. Por isso, a única solução viável era a combinação
de trechos mais ou menos curtos de ferrovias e caminhos car-
roçáveis com a navegação fluvial. Esta é a via de circulação,
por excelência, da região amazônica, e o será ainda por muitos
anos. O caminho carroçável o era para o Planalto Central,
onde só raramente, durante a estação sêca, um caminhão ou
17• D a niel d e Car valho: " A m eta Belém-B rasília e a "Estra da das O nças" o u
d as " Cutias". O J orna l , Rio, 11-2-62.

328
jipe ousava penetrar, mas os transportes terrestres regulares
eram feitos em carros de bois, a cavalo ou em tropas de mua-
res. O longo percurso e o encarecimento dos fretes devido aos
transbordos tornavam o Planalto Central uma região de eco-
nomia quase totalmente fechada, com uma estrutura sócio-
econômica semifeudal. O isolamento e a precariedade dos
transportes fluviais faziam da Amazônia, barrada pelo tre-
mendo obstáculo da selva, uma região tipicamente colonial.
A partir da década de 1930, o transporte rápido de pessoas
e mercadorias de alto valor - como ouro, diamantes - foi
resolvido, nas regiões citadas, por meio do transporte aéreo.
Na segunda metade de decênio de 1950, novas perspectivas se
abriram com o surto de desenvolvimento da PETROBRAS e a
implantação da indústria automobilística no Brasil. Estradas
de rodagem longas e com melhores especificações podiam, des-
de então, ser construídas com certo dispêndio de divisas para
aquisição de máquinas, é verdade, mas independentes das
ligações fluviais.
O homem para dirigir a construção da Belém-Brasília em
curto prazo estava ali à mão; sua escolha saltava aos olhos:
o Eng.o BERNARDO SAlÃO.
Colocado na direção da RODOBRAS, "em 1958, com
alguns milhares de trabalhadores, e perto de 400 máquinas
pesadas, Saião atirou-se à gigantesca tarefa atuando em duas
frentes: uma, que partia das nascentes do Tocantins, apro-
veitando as trilhas carroçáveis do alto sertão de Goiás; outra,
que vinha de Belém, desbravando, a partir do rio Guamá,
regiões de mata absolutamente virgem". 17 c
Para uma personalidade da envergadura de SAlÃO, o
raciocínio era simples: "140 quilômetros já estavam prontos.
Para Belém, faltavam "apenas" 2.022". 17 7
É importante salientar aqui o papel essencial que tiveram
os fatôres naturais, especialmente a vegetação, nas técnicas
do traçado e construção da rodovia. No Planalto Central, entre
Uruaçu e Imperatriz, ohde predominam a cobertura de cer-
rados e os divisores de águas aplainados, procurava-se de
preferência o divortium aquarum, embora alongando o trajeto
da estrada, mas barateando a sua construção, pois reduzia o
número de obras de arte. Mais tarde, o próprio Eng.o SAlÃO
reconheceu a necessidade de aperfeiçoar a técnica: obteve um
pequeno avião, adaptado à tiragem de fotografias verticais,
e certa quantidade de filmes virgens, que eram divididos ao
176 Rooerto Menna Barreto: ''Aventura através do progresso", SPVI!:A, julho
de 1965, p , 16, ed. em multlllt.
l77 id., ibid .

329
· Fig. 115 - Fogueiras

com que os mateiros


abriam as primeiras
clareiras na hiléia,
qu~ precediam a pi-

cada da RR-14 e ser -


viam também de <i-

nal pam os aviões


que iogavam alimen-
tos. (Foto existente
na r esidênci a d a RO-
DOBRAS em Uruaçu)

meio, para fornecer duas exposições em cada chapa. Marcado


sôbre um croquis o ponto que se desejava atingir no fim de
cada jornada, a faixa era sobrevoada e fotografada, e o filme
imediatamente revelado. Determinado assim, de maneira
expedita, o mais curto dos traçados econômicos, partia Saião
à frente, com uma "patrol", obedecendo aos azimutes previa-
mente determinados. Seguiam-no as máquinas pesadas,
abrindo o caminho definitivo. Conseguiu êle, assim, com um
ligeiro aprimoramento da técnica e a construção de um
número restrito de obras de arte, reduzir o percurso de cada
jornada de distâncias da ordem até de 47 a 48 km. m
"" Informação verbal do Eng. 0 Gerulewicz Janusz, do DER de Goiás.

330
Na hiléia, isto é, em todo o trajeto desde o vale do Guamá
até Imperatriz, êsse recurso não era válido. A floresta virgem
tudo mascarava, impedindo de se acompanhar com segurança
o divisor de águas. O trabalho pioneiro tinha de ser feito em
terra. Uma equipe de topógrafos e mateiros seguia à frente
e, num ponto em que achavam deveria passar a estrada,
abriam uma clareira (fig.115). Problema sério constituía o
abastecimento da turma de pioneiros: enquanto êles estavam
internados na mata, acendiam fogueiras em determinados
pontos para que, vendo a fumaça, pilotos de teco-teco lhes
atirassem os alimentos. Êstes eram jogados dentro de sacos e
constavam geralmente de feijão, arroz, farinha e enlatados.
Conta-se que houve casos de fornecedores apressados jogarem
galinhas e porcos vivos do avião.
Aos pioneiros seguiam os desbravadores, que iam derru-
bando a mata, cujos despojos, depois de secos, eram incendia-
dos (fig. 116). Seguindo a técnica tradicional dos caboclos
no preparo das roças, abria.-se a primeira "avenida" por
onde deveriam penetrar as moto-niveladoras.
A abertura da estrada dentro da hiléia foi, conforme se
vê, muito mais árdua, mais demorada, de tal modo que a

Flg . 116 - Queimaãa. que abriu a primeira picada n um trecho ela BR-14 , através
da hiléia amazônica (Foto existente n a r esidência d a RODOBRAS, em Uruaçu) .

. 331
junção das turmas de construção, uma vinda do norte, outra
do sul, deu-se dentro da floresta amazônica, no lugar que
recebeu o nome simbólico de Ligação. Não obstante, a ânsia
de vencer o trecho florestal era tão grande que, no Pará,
"tomou-se o traçado de uma obsessão pela reta", no dizer
pitoresco de R. MENNA BARRE'IIO. 1 79 Em conseqüência abri-
ram-se no traçado pioneiro da BR-14, neste trecho, ladeiras
com rampas superiores a 20 %, inadmissíveis numa estrada
moderna. Tôdas elas receberam nomes, dados pelos motoris-
tas: Ladeira da Vovó, Ladeira do Sabão, Ladeira do Trinta
(fig. 117).
Na transição do século passado para o atual, durante o
surto de construções ferroviárias no Brasil, o Eng.o E. ScHNooR,
cuja autoridade ninguém contestava então, assim enunciava
"" op . cit ., pág. 40.

Fig. 117 - Picada

pioneira da rodovia

B elém-Br asília, na

ladeira do Tri nta.

(Foto existente na
residência da RODO-
BRAS , em Uruaçu ) .
o princípio a seguir no lançamento dos trilhos: "Seja neces-
sário... ir assentando logo os trilhos de qualquer modo,
tocando para diante de qualquer forma, fazendo pontes de
madeira no lugar de todo o boeiro, de tôda obra d'arte, para
construir as definitivas depois de assente a linha" 180 .
Tal política, adotada na construção da maioria das · es-
tradas de ferro brasileiras, verifica-se hoje como errada.
Uma vez colocados os trilhos, construídas as estações, sinais,
agulhas, ramais etc., ninguém mais cogitava de um nôvo e
vultoso investimento, requerido por um nôvo traçado, com
novos cortes e aterros, novos dormentes e trilhos, nôvo mate-
rial rodante etc. E, dêste modo, as ferrovias, com baixas espe-
cificações e deficitárias, se mantiveram ad eternum no Brasil.
~sse princípio, falso para a construção ferroviária, com-
provou-se verdadeiro, na abertura da Belém-Brasília. A cons-
trução mecanizada de rodovias de terra, mais versátil,
exigindo obras permanentes menos custosas, permite o me-
lhoramento progressivo do traçado e das especificações, sem
maiores prejuízos.
Após a inauguração simbólica da BR-14, com a viagem da
"Caravana de Integração", constituída de políticos e jornalis-
tas que, partindo de Belém, foram assistir, em abril de 1960,
às cerimônias da fundação de Brasília, prosseguiram as obras
de melhoramento da rodovia. Realmente, a estrada pioneira
era estreita, tinha curvas e rampas excessivas, e durante B.s
chuvas canalizava as águas torrenciais. Gradualmente, nos
diferentes trechos, entregues a várias firmas empreiteiras,
vão-se corrigindo os defeitos !iniciais: evitam-se os aclives
perigosos na floresta amazônica (fig. 118); mesmo nos espi-
gões planos do Planalto Central, o traçado é corrigido e
encurtado, ao mesmo tempo que se ergue o leito da estrada
pouco acima do nível geral do terreno, a fim de facilitar a
drenagem das águas pluviais (fig. 119). Por tôda parte, onde
a estrada era estreita, sua largura está sendo ampliada para
14 metros; atêrros, cortes, valetas estão sendo refeitos, em
diversos lugares, de modo que, quando fôr julgado conveniente
colocar asfalto, já esteja o leito da estrada pronto para receber
revestimento.
Com seu senso de previsão, quando a estrada estava sendo
aberta, o Eng.o SArÃio exigia que as pontes provisórias de ma-
deira fôssem ·construídas ao lado do leito da rodovia, ligando-se
a ela por dois desvios, deixando espaço livre para a constru-
180 V. Corrêa Filho: "Rodovia transbrasll!ana'', Jornal dO Comércio, Rio, 30-8-36.

333
ção da futura ponte definitiva. Tal medida, abandonada pelas
companhias empreiteiras depois da morte de SArÃo, trouxe
muitas dificuldades no acabamento da estrada.

Flg. 118 - O n6vo traçado da Belém-Brasilia, contornando a ladeira do Trinta, que


aparece à direita. (Foto R. Mazzola - CNG - 10-7-65) .

-.
Flg. 119 - N6vo traçado da BR-14 s6bre o espigão plano, a 37 km ao norte de
Alvorada. (Foto R. Mazzola - CNG - 20-3-65) .

De qualquer forma, a construção da Belém-Brasília foi


mais uma prova da capacidade de realização e de improvisação
dos brasileiros. Conta R. MENNA BARRETO que a única proposta
à concorrência internacional realizada pelo govêrno brasileiro
fôra apresentada por uma emprêsa estran~eira, com expe-

334
nencia na África, que se oferecia para abrir a . estrada em
5 anos pelo preço de 6 milhões de dólares. A RODOBRÁS, sob
a chefia de BERNARDO SAIÃo, com a colaboração de várias fir-
mas empreiteiras, possibilitou o tráfego de veículos a partir
do prazo de 2 anos, consumindo apenas 6 bilhões de cruzeiros,
quer dizer, menos da metade do preço. 181

Fig. 120 - Sucata acumulada na residência da RODOBRAS, em Imp eratriz, em


virtude da incorporação dessa autarquia ao DNER, em 1961, e sua conseqüente
paralisação. (Foto R. Mazzo!a - CNG - 12-8-65).

Até 1964, entretanto, o tráfego só era assegurado na


BR-14 durante a estação sêca. A partir do fim daquêle ano,
porém, a RODOBRÁS deliberou manter a circulação, mesmo
no período chuvoso, de modo que, hoje em dia, a BR-14 é uma
estrada excepcional no Brasil, no sentido de que lá os veículos
encontram o mais perfeito apoio logístico, sobretudo relativa-
mente às demais estradas de solo compactado. Nela existem
postos de gasolina, oficinas mecânicas e borracheiros, de 100
em 100 quilômetros, em média; em cada um dos 4 Distritos
Rodoviários da RODO BRÁS (cada um dêles zelando por cêrca
de 500 km da estrada) há 4 estações de telégrafo com serviço de
181 R . Menna Barreto, op. cit., pãgs. 16 e 21.

335
radiofonia; em casos de atolamento, que atualmente se tor-
nam cada vez mais raros, tratores do serviço de conservação e
melhoramento da BR-14 socorrem os veículos, e, na hipótese
de acidentes pessoais graves, o próprio teco-teco da Superin-

Flg. 121 - Caminhão com t6da a carga de algodão virada na BR-14, ao sul de
Uruaçu. ( Foto R . Mazzola - CNG - 23-8-65) .

tendência tem atendido às vítimas. 182 Tôda essa cobertura,


proporcionada pela RODOBRAS, que exige uma organização
complexa, é feita gratuitamente, apenas pelo ideal patriótico
de manter o fluxo dos transportes.
Garantido assim o tráfego regular, foi possível a organiza-
ção de linhas de ônibus confortáveis, com poltronas Pulman,
que fazem, em dias alternados, o trajeto Belém-Brasília,
levando três dias de viagem em cada sentido, viajando apenas
no período diurno e pousando em cidades, durante a noite.
Os sucessivos melhoramentos do leito da estrada vão não
apenas garantind 'J melhores condições de tráfego, pois na
grande maioria do nercurso já se pode viajar, com segurança,
em velocidade médias de até 60 a 80 km por hora, mas tam-
bém encurtando progressivamente os 2.164 km da distância
inicial, através de novos traçados, para cêrca de 2.000 km
apenas. Mesmo assim essa viagem da periferia para o
interior do Brasil realiza um percurso que na Europa
atravessaria diversos países, eqüivalente ao trajeto ferroviá-
rio de Paris a Moscou, por exemplo.
Não obstante, em Belém tornou-se corriqueiro dizer que
se vai por terra para Brasília, Rio ou São Paulo. Das capitais
brasileiras é na paraense que o povo sente, em tôda pleni-
182 op. cit ., págs. 13-14 .

336
Fig . 122 - Busto do

En g . B ernardo Saião

d e C arv al h o A raúio,
con strutor d a roc!ovia

B elém -Br asília, em


frente à residê n cia

da RODOB RA S, em
Ur uaçu. (F o t o R.
Mazzola - CNG
22-8-65 ).

tude, o significado que teve a abertura da Belém-Brasília. Para


o comércio, sobretudo, a construção da rodovia teve um sabor
de libertação: enquanto outrora uma encomenda de merca-
dorias do sudeste levava, na melhor das hipóteses, um mês
para chegar, após numerosas perdas e transbordos, hoje em
dia, os caminhões trazem-as de porta a porta, pràticamente
sem perda.s, com frete mais baixo (embora elevado, por ser
rodoviário), no prazo de uma semana a dez dias.
Semelhante êxito não foi alcançado contudo, sem
dissabores nem contratempos. A construçao - ' da BR-14 sofreu
os efeitos das lutas políticas durante largo tempo. Como o
projeto era considerado como uma das grandes realizações do
govêrno, a oposição o atacou violentamente : apelidou-se a
BR-14 de "estrada das onças"; afirmava-se que, em pouco
22- 37 843 337
tempo, a floresta amazônica recobriria tudo; consideravam-na,
por isso, uma simples manobra demagógica, que para outra
coisa não servia senão para encobrir roubalheiras; a morte
acidental do Eng. 0 SAlÃo foi apregoada como resultante de
um ataque de índios. Qualquer mentira difamatória servia
para fins eleitorais, sem se levar em consideração os interêsses
do Brasil.
A onda de calúnias empolgou inclusive homens de boa
fé, mas que consideravam o problema baseados nas velhas
premissas, optando assim pela solução dos transportes
rodo-fluviais, por exemplo. 183 Ora, se quiséssemos planejar
para o futuro, para _servir a um país em desenvolvimento, de-
veríamos buscar comparações com problemas semelhantes
em países plenamente desenvolvidos. A existência de uma ar-
téria fluvial como o Mississipi, com condições de navegabili-
dade muito superiores às do Tocantins, não foi motivo para
impedir que, nos Estados Unidos, construíssem 4 super-rodo-
vias paralelas ao leito do rio. Também na Alemanha Ociden-
tal, o médio Reno é acompanhado por estradas de ferro e de
rodagem paralelas. Nos países mais avançados o transporte
fluvial foi reservado às mercadorias volumosas, de baixo valor
unitário, que não suportam fretes elevados, nem requerem
urgência para chegar ao destino, como o carvão mineral, o
minério de ferro e as toras de madeira que descem flutuando.
Sem embargo, a oposição obteve uma retumbante vitória
eleitoral e, em conseqüência, sem maior exame, a RODOBRAS
foi extinta em 1961, seu acervo distribuído a diversas entida-
des e as tarefas de manutenção e melhoramento da rodovia,
entregues ao Departamento Nacional de Estradas de Roda-
gem. Sem estar preparado para isso e desprovido da flexibili-
dade administrativa que tinha a RODOBRAS, o DNER deixou
paralisar tôdas as obras na BR-14, onde imediatamente o
tráfego rodoviário entrou em colapso.
Após a renúncia do então Presidente da República, a
RODOBRAS foi restaurada em setembro de 1961, mas foi
necessário um crédito especial de cinco bilhões de cruzeiros
(quase igual ao custo da própria construção) para restabe-
lecer os serviços da autarquia. No entanto, tais serviços não
puderam ser retomados desde logo, porque grande parte da
maquinaria ficara paralisada, exposta ao tempo, transfor-
mando-se em sucata (fig. 120). Para se fazer idéia do que re-
,.. A guisa de ilustração basta reproduzir aqui o fraco final do citado artigo
de Daniel de Carvalho: "Acredito que com menos da quarta parte da despesa
feita podia ser realizada a meta dos técnicos, aproveitando o Tocantins". O Jornal,
Rio, 11-2-62 .

338
presentou em desperdício de divisas, em pura perda, essas me-
didas resultantes do ódio e da incúria política, basta dizer que,
recolhendo as máquinas e peças irrecuperáveis ao longo da
estrada, e vendendo-as como ferro velho, a RODO BRAS espe-
rava apurar, "sem otimismo", um bilhão e duzentos milhões
de cruzeiros. 184
O ápice da desorganização e do desespêro dos motoristas
foi atingido em março-abril de 1964, quando copiosas chuvas
detiveram mais de 200 caminhões ao longo da estrada, ao
mesmo tempo que, dos eventos militares do último dos meses
citados, resultou um inquérito policial-militar na RODOBRAS.
Em pouco tempo, todavia, ficaram comprovados o baixo
preço e a notável rapidez com que se realizou a abertura da
BR-14, bem como seu imenso significado para o Brasil e para
a Amazônia em particular, fatos verificados pessoalmente
pelo nôvo Superitendente da SPVEA e pelo Ministro Especial
de Coordenação dos órgãos Regionais, em viagem de automó-
vel pela rodovia.

"'' R . Menna Barreto, op . cit., pág. 25.

339
SIGNIFICADO POLíTICO E ECONôMICO
DA RODOVIA

A integridade de um país só está assegurada quando as


fronteiras políticas coincidem com as fronteiras econômicas.
Êste princípio de Geografia Política é válido tanto para os
países desenvolvidos, como para os subdesenvolvidos. Nesta
última hipótese, embora o conjunto da economia do país es-
teja na dependência de um ou mais mercados exteriores, é
necessário que a drenagem econômica se faça através de cen-
tros localizados dentro dos limites do mesmo país. De outra
maneira a coesão do país estará seriamente ameaçada.
No caso do Brasil, a captura econômica das diversas par-
tes do território se deu a partir da área de mineração da capi-
tania das Minas Gerais e, ampliada mais tarde, para o Rio de
Janeiro e São Paulo. A partir daí, iniciou-se, por volta de 1730,
a captura do Sul do Brasil com a abertura do "Caminho do
Gado" ou do "Sertão de Viamão", através do qual passaram a
ser transportados a pé bovinos e sobretudo muares. Os primei-
ros iam fornecer principalmente carne e couro; os últimos,
fôrça de trabalho, em particular para os transportes. Com a
abertura dêsse mercado deixou-se de caçar gado alçado ou
"chimarrão", na Campanha gaúcha, passando-se a criá-lo em
estâncias. Organizou-se a economia regional, intensificando-se
o sistema pastoril. A partir de então, em menos de um século,
consolidou-se a fronteira, segundo o mercado a que se desti-
navam os bovinos: a área que estava voltada para o Rio da
Prata veio a constituir a República do Uruguai; a que fluía
para São .Paulo, Minas e Rio ficou para o Brasil. 1 8 5
O Centro-Oeste muito cedo ficou ligado à área-cerne do
Brasil, quando os pláceres auríferos de Goiás e Cuiabá ficaram
ligados a Piratininga no século XVIII. O isolamento do sul
de Mato Grosso ficou entretanto evidenciado na Guerra do
Paraguai, por ocasião da retirada da Laguna. Motivos estraté-
'"" O . Valverde : Planalto M er i dio n al do Brasil. p ágs. 91-105. Cons . Nac . Geog.,
Rlo, 1957 .

341
gicos ditaram, assim, a construção da Estrada de Ferro No~
roeste do Brasil, de Bauru a Pôrto Esperança inicialmente, a
partir de 1905. Como a região em causa possui, até hoje, popu-
lação rarefeita e se dedica principalmente à pecuária extensi-
va, a ferrovia e as estradas boiadeiras, conquanto deficientes,
ainda satisfazem às suas necessidades de circulação econô-
mica.
Os transportes marítimos de cabotagem sempre foram
precários no Brasil, até o dia de hoje.
A razão fundamental dessa fragilidade está na carência
de uma adequada frota mercante e no atraso de nossa indús-
tria de construção naval. De pouco valeu a legislação da Re-
pública reservando aos navios nacionais a exclusividade de
nosso comércio de cabotagem.
Nestas circunstâncias, a Amazônia e o Nordeste jaziam
isolados do núcleo Rio-São Paulo até recentemente. A Segun-
da Guerra Mundial, com o conseqüente ataque aos navios
mercantes brasileiros se fêz sentir especialmente no Nordeste,
patenteando a insuficiência dos transportes tradicionais inte-
riores, através do vale do médio São Francisco. Terminado o
conflito, o govêrno apressou-se em abrir, em 1946, a rodovia
Rio-Bahia, pavimentada em 1963, em regime de urgência.
A situação da Amazônia, contudo, era difícil, porque a
selva barrava totalmente as comunicações terrestres, deixan-
do-a em condições semelhantes a uma colônia ultramarina.
Enquanto a região permanecia com atividade bàsicamente
extrativa e escassamente povoada, o dispendioso transporte
aéreo e a espasmódica navegação marítima e fluvial atendiam
às suas necessidades mais prementes; porém, a começar da dé-
cada de 1950, as condições sócio-econômicas principiaram a
mudar ràpidamente: a industrialização, sobretudo dos
têxteis de fibra dura, o surto agrícola da malva, da juta e da
pimenta, a formação de um importante mercado e entreposto
em Belém, com uma população da ordem de 450.000 habitan-
tes e, por fim, o adensamento demográfico na Bragantina-Sal-
gado, abrangendo áreas significativas com taxas superiores a
15 habitantes por quilômetro quadrado, deixaram evidente a
obsolescência dos velhos sistemas de transportes.
Por outro lado, os impérios coloniais entraram em de-
composição no mundo de após-guerra. Se as próprias potências
secundárias de hoje, como a Inglaterra, a França e a Holanda,
já não podem conter o movimento emancipador de suas an-

342
tigas colônias, com muito maior razão não o poderão os países
subdesenvolvidos.
Assim, a abertura da rodovia Belém-Brasília, em 1960, foi
o primeiro e decisivo passo concreto para a integração da
Amazônia na comunidade brasileira. Aquêles que a combate-
ram ou defenderam o sistema de comunicações mistas (ferro-
-fluvial ou rodo-fluvial), fizeram-no, na maioria dos casos, por
falta da visão do problema, ou pelo conservantismo exagera-
do, próprio da "mentalidade colonial", a que se :t;"efere
N. WERNECK SonRÉ, na Ideologia do Colonialismo.
O comércio entre os mercados do Sudeste e Belém, atra-
vés da BR-14, teve características de verdeira explosão, com
um intercâmbio típico do que se processa entre uma área de-
senvolvida e outra subdesenvolvida. Para o norte vão produ-
tos industriais diversos, como veículos (automóveis novos,
zero quilômetro), tratores, geladeiras e outros eletro-domésti-
cos, ferragens, arame, vergalhões, artefatos de matéria plásti-
ca, ladrilhos, sapatos, alimentos vários, carentes na Amazônia,
tais como batata, farinha de trigo, feijão, café, lacticínios,
cebolas, charque, cerveja e outras bebidas, gado vivo. Para o
sul circulam: produtos agrícolas e extrativos regionais, como
arroz, pimenta, madeiras, borracha (em látex e em pélas),
castanha, algodão, resina; produtos da incipiente indústria
regional ou de outras partes, funcionando Belém como centro
distribuidor: derivados de petróleo (gasolina, óleo diesel,
querosene, gás engarrafado), telhas, sal grosso, açúcar, cimen-
to, medicamentos ... Passageiros e produtos tais como babaçu
(em amêndoas ou em óleo) são registrados na circulação em
ambos os sentidos. Os recipientes regressam vazios, pois não
encontram mercado nas áreas aonde são distribuídos: garra-
fas voltam para o sul e tambores para o norte, vazios.
A maior quantidade e variedade de produtos comerciais
que o Sudeste oferece, faz com que muitos caminhões retor-
nem totalmente vazios para o Sul. :íi:ste é um inconveniente
típico de uma economia não planificada, mas que deveria ser
evitado num país em desenvolvimento. O mal poderia ser sa- .
nado ou reduzido, com o auxílio de pequenos escritórios comer-
ciais, que a RODOBRÃS poderia estabelecer em Belém, Impe-
ratriz, Ceres, Anápolis e Brasília, em colaboração com as Asso-
ciações Comerciais locais, as quais funcionariam como Agên-
cias, atendendo aos interêsses das firmas e dos transportadores
nas redondezas.

343
É até agora difícil avaliar, em sua plenitude, todos os re-
flexos econômicos resultantes da abertura da rodovia Belém-
Brasília. Dezenas de novas cidades foram fundadas ao longo
da estrada; outras, que vegetavam no marasmo, por muitos
decênios, tiveram um desenvolvimento espetacular - como
Imperatriz-; o comércio ampliou-se consideràvelmente na ro-
dovia, nas suas vizinhanças e em quase tôda a Amazônia.
Modernizaram-se os transportes no Pará, enquanto, antes da
abertura da BR-14, apenas 5% dos transportes no Estado
· eram feitos por rodovia, ampliou-se para 89 %, depois
daquele evento. 186 No Brasil Central, enquanto de um lado se
encontra a desorganização econômico-social da velha estrutu-
ra semifeudal do médio Tocantins, de outro uma ampla frente
pioneira agropastoril se abre no vale do Araguaia. A antiga
frente estável de ocupação que, nos mapas demográficos de
outrora, por muito tempo separou a bacia do São Francisco da
do Tocantins pela isaritma de um habitante por quilômetro
quadrado, foi definitivamente rompida. Mais para o norte, na
floresta amazônica, a frente pioneira foi extraordinàriamente
ampliada, abrindo-se nova franja agropastoril para o sul,
conquistando a selva da Guajarina, antes totalmente desabi-
tada.
Não faltaram repercussões longínquas ao longo da pró-
pria calha do Rio Mar: a pecuária do Baixo e Médio Amazonas
se aperfeiçoa ràpidamente graças à introdução - agora fácil
-de reprodutores zebus, provenientes da Belém-Brasília.
A influência da BR-14 não chega, porém, aos extremos da
Amazônia brasileira. Para que o contrôle dos mercados do Su-
deste se faça sentir até os confins do Norte e Nordeste doBra-
sil são indispensáveis certas complementações. Uma delas,
talvez a mais importante, é a Brasília-Acre, que desde dezem-
bro de 1964 está permitindo a passagem de caminhõe3 de São
Paulo até Pôrto Velho. Como num gigantesco movimento de
pinças, a BR-29 e a BR-14 abarcam os extremos da rêde nave-
gável da Amazônia. A BR-16 (Santarém-Cuiabá) ou o ramal
que da BR-14 alcançará Itaquatiara poderá completar, no tre-
cho médio do Amazonas, o tridente das comunicações terres-
tres do Sudeste com a Região Narte. Mas, a partir da margem
esquerda do Amazonas, outras estradas deverão alcançar a
180 Maria do Carmo Corrêa Galvão: "'Aspecto da Geografia dos Transportes
no Bras!!". Tese aJ?resentada à Conferência Regional Latino-Americana da União
Geográfica Internacional , México, agôsto de 1966. Inédito .

344
área fronteiriça. Em má hora permitiu o govêrno brasileiro a
abertura da estrada de Boa Vista (em Roraima) a Letem, na
Guiana Inglêsa, para onde, juntamente com o gado vivo, se
escoa a maior parte do ouro e dos diamantes daquele Territó-
rio, em tráfego ilegal. Enquanto isso a BR-17, ligando Manaus
a Caracaraí, 1 87 está impatriàticamente paralisada, por falta
de verba- dizem- impedindo o escoamento do gado de Ro-
raima para a capital amazonense, durante as águas baixas.
Mais uma vez a "mentalidade colonial" triunfa, à falta de
outro espírito empreendedor da estatura do Eng.o SArÃo.

1• 7 O trech o Caracar ai-Boa Vista, atr avés dos campos, já es tá servido por
es tra da de r od agem.

345
FUNDAMENTOS GEOGRÁFICOS PARA A
POLíTICA RODOVIÁRIA DA BR-14

À luz do presente estudo corológico, várias diretrizes po-


dem ser propostas :R_ara a política rodoviária a ser seguida na
BR-14. Um raciocínio simplista aconselharia liminarmente o
asfaltamento de tôda a estrada, dada sua importância política
e econômica. Sim, esta seria a providência ideal, caso desfru-
tássemos atualmente da mesma conjuntura de euforia econô-
mica que tínhamos na época em que se abriu a Belém-Brasília.
Hoje em dia, no entanto, sem esmorecer o entusiasmo, devem
os nossos a·d ministradores convencer-se de que os recursos
financeiros do país são limitados e devem ser aplicados se-
gundo um escalonamento rigoroso de prioridade. Surge logo
a alternativa: asfaltamento ou construção de ramais? A pri-
meira medida melhoraria imediatamente as condições de trá-
fego; mas a segunda, sendo bem conduzida, concorreria para
o aumento da circulação de veículos, justificando assim,
econômicamente, a pavimentação. Nem uma, nem outra das
duas políticas deve ser encarada de maneira exclusivista.
Segundo o Eng.° Carlos Vásquez, empreiteiro trabalhando
para a RODOBRAS no Estreito, o tráfego mínimo para justi-
ficar o asfaltamento de uma estrada, em condições econômi-
cas, é de 200 carros diários. Ultrapassado êsse limite, a piçarra
do leito da estrada se esburaca, 188 a trepidação dos veículos
aumenta, torna-se difícil governar o carro com velocidade ra-
zoável e os caminhões carregados até o alto ficam ameaçados
de virar. Como para comprovar na prática estas declarações,
um caminhão carregado de algodão que ultrapassou a viatura
da equipe ao sul de Uruaçu, derramou na estrada tôda sua
carga, embora estivesse num trecho retilíneo e sem que lhe
fôsse imprimida velocidade excessiva (fig. 121).
A solução do aspecto principal do problema do asfalta-
mento pode ser ·d ada, graças ao serviço mantido pela RODO-

tss !~formação verbal .

347
BRAS, da estatística do tráfego na sede de cada Distrito Rodo-
viário. O cartograma elaborado com base nesses dados (Mapa
XXXIII) demonstra que o trecho Anápolis-Uruaçu deve ser
imediatamente asfaltado.
Além disso, certos trechos, apresentando dificuldades na
compactação do solo, deverão também ter prioridade para um
revestimento com película asfáltica, como é o caso da faixa de
afloramento de siltitos, ao norte de Imperatriz.
Relativamente à construção de ramais, foi aconselhada
a abertura dos seguintes, nas conclusões parciais do capítulo
II, ·do presente Relatório:

Secção N crte :
1 - para Capitão Poço
2 - Paragominas-Tomé-Açu
3 - Agua Azul-Marabá

Secção Central:
4 - para Tocantinópolis
5 - Estreito-Carolina-BR-24
6 - Araguaína-Xambioá
7 - Guará-Tupirama
8 - Miranorte (ou Cercadinho) - Araguacema
9 - para Brejinho do Nazaré e Pôrto Nacional
1O - para Peixe
11 - Porangatu - São Miguel do Araguaia, com sub-
ramal para Araguaçu
12 - Km 300-Campinaçu
13 - Campinorte-Teresinha-Crixás
14 - Uruaçu-Barro Alto-Brasília

Secção Sul;
15 - Serra Dourada-Hidrolina-Pilar de Goiás-Crixás-
Bandeirante
16 - para Mozarlândia.

Ora, se a construção dessas "costelas" fôsse levada a cabo


no regime de urgência com que se abriu a Belém-Brasília, a
quilometragem a ser rasgada corresponderia a uma obra tal-
vez superior à da própria BR-14 e acarretaria, hoje em dia,

348
despesas, em cruzeiros, muito mais elevadas. Deverão ser, por
isso, selecionados como prioritários os ramais que conduzam
às áreas de alta produção e os que estabeleçam conexões com
outros sistemas rodoviários regionais. ::f!:sses ramais são na
ordem de norte para sul:
1 - Capitão Poço
2 - Paragominas-Tomé-Açu
3 - Agua Azul-Marabá
4 - para Tocantinópolis
5 - Estreito-Carolina-BR-24
6 - Porangatu-São Miguel do Araguaia e Araguaçu
7 - Km 300-Campinaçu
8 Campinorte-Teresinha-Crixás
9 - para Mozarlândia
Duas sugestões de caráter administrativo devem ser
feitas aqui à RODOBRAS, tendo em mira aperfeiçoar os seus
serviços na BR-14. As observações sôbre as precipitações, nas
sedes do distritos rodoviários, têm-se limitado, por ora, a ano-
tações de dias de chuva, total e parcialmente, e dias secos. Por
meio de um pequeno convênio com o Serviço de Meteorologia,
estações termo-pluviométricas deveriam substituir essa tarefa
rudimentar, visto ser importante o registro do total diário de
precipitações, e a temperatura fornecerá um elemento indica-
dor da evaporação. Os postos meteorológicos seriam instala-
dos em local indicado pelo Serviço competente, ao qual ficaria
afeta a responsabilidade total de cada estação, quando a pa-
vimentação da BR-14 atingisse a localidade.
A estatística do tráfego deve ser aperfeiçoada, devendo
buscar, para isso, nova forma de colaboração com o IBGE.
Deverão ser estabelecidos postos em tôdas as bifurcações ro-
doviárias importantes.
A rodovia Belém-Brasília poderá continuar como mo-
dêlo, em muitos aspectos, para os demais grandes eixos rodo-
viários do Brasil, por muito tempo. Nossas estatísticas do co-
mércio interno, por exemplo, só refletirão a reali-dade quando
tais serviços de contrôle da circulação de mercadorias estive-
rem difundidos, pelo menos nas grandes rodovias.
Tôda essa política rodoviária não é fácil de montar no
Brasil, onde raramente se faz um esfôrço pertinaz, contínuo.
É preciso manter acesa a chama que animou o construtor da
Belém-Brasília. Efetivamente, o exemplo do Eng. 0 SAIÃo é

349
in vulgar: êle permitiu apenas sua eleição para vice-governa-
dor de Goiás sob a condição de continuar a construção da
BR-14; quando, infelizmente, a regra em nosso país é o opos-
to: qualquer obra ,de alguma relevância é geralmente aprovei-
tada pelos seus executores para realizarem carreira política.
Seu brusco desaparecimento quando e onde foi completada a
ligação dos dois trechos da rodovia em construção, dão à sua
existência um traço místico: sua missão estava cumprida
(fig. 122)
o

Apenas por ser pouco conhecido, não deram os signatá-


rios ao presente trabalho o título que é a denominação oficial
da estrada: RODOVIA BERNARDO SAlÃO.

350
FUNDAÇAO IBGE
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA
BIBLIOTECA GEOGRAFICA BRASILEIRA
(Série A - Livros)

O Homem e o Brejo - Alberto Ribeiro Lamego - Publicação n. 0 1.


o Homem e a Restinga - Alberto Ribeiro Lamego - Publicação n. 0 2.
Pantanais Mato-Grossense - Virgílio Corrêa Filho- Publicação n .0 3.
A Bacia do Médio São Francisco - Jorge Zarur - Publicação n .0 4.
O Homem e a Guanabara - (2.a edição) Alberto Ribeiro Lamego -
Publicação n.o 5.
Os Solos do Estado de São Paulo - José Setzer - Publicação n .0 6.
Geografia dos Transportes no Brasil - Moacir M. F. Silva - Publi-
cação n .0 7.
O Homem e a Serra - (2.a edição) Alberto Ribeiro Lamego - Pu-
blicação n.o 8.
O "Mato Grosso de Goiás" - Speridião Faissol - Publicação n .0 9.
Estudo Geográfico do Território do Amapá - Antônio Teixeira
Guerra - Publicação n.o 10.
Estudo Geográfico do Território do Acre - Antônio Teixeira Guerra
- Publicação n. 0 11.
Estudos Rurais da Baixada Fluminense - Pedro Pinchas Geiger e
Miriam Coelho Mesquita - Publicação n.o 12.
Estudo Geográfico do Território do Rio Branco - Antônio Teixeira
Guerra - Publicação n.o 13.
O Distrito Federal e seus Recursos Naturais - Silvio Fróis Abreu -
Publicação n.o 14. ·
Geografia do Brasil - Grande Região Norte - Diversos autores -
Volume I - Publicação n .o 15.
Geografia do Brasil - Grande Região Centro-Oeste - Diversos auto-
res - Volume II - Publicação n. 0 16.
Geografia do Brasil - Meio-Norte e Nordeste - Diversos autores -
Volume III- Publicação n. 0 17.
Geografia do Brasil - Grande Região Sul - Diversos autores Vo-
lume IV - Tomo I - Publicação n.o 18.
Geografia do Brasil - Grande Região Leste - Diversos autores -
Volume V - Publicação n. 0 19.
Recursos Minerais do Brasil - Silvio Fróis Abreu - Volume I Pu-
blicação n.o 20.
Dicionário Geológico-Geomorfológico - (2.a edição) Antônio Tei-
xeira Guerra - Publicação n .0 21.
A Rodovia Belém-Brasília - Orlando Valverde e Catharina Vergolino
Dias - Publicação n.o 22.
BIBLIOTECA
GEOGRAFICA
BRASILEIRA

Publicação n.0 22
Série A - "Livros"

RIO DE JANEIRO
19 6 7

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