Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Editoras:
Domingo Alzugaray
Cátia Alzugaray
O g o v e r n a d o r d o Estado d e S ã o P a u l o estava e u f ó r i c o . M a n d o u c o n -
v o c a r às pressas o secretário d a Indústria e T e c n o l o g i a . L o g o c e d o ele h a -
via sido i n f o r m a d o p o r Brasília de q u e suas gestões j u n t o a o g o v e r n o d o
I r a q u e p a r a venda de u r â n i o h a v i a m sido aprovadas e q u e tudo a g o r a de-
p e n d i a a p e n a s de p e q u e n o s detalhes.
- P a l m a , a c a b a m o s de dar u m g r a n d e salto. A c h o q u e a partir de a g o r a
as coisas estão c o m e ç a n d o a ficar irreversíveis.
- S a l t o ? Irreversíveis? Desculpe, m a s n ã o estou e n t e n d e n d o n a d a .
- E u v o u explicar. L e m b r a - s e q u a n d o f o m o s a o O r i e n t e M é d i o a pre-
texto d e a u m e n t a r a e x p o r t a ç ã o n a c i o n a l e q u e v o c ê a c h o u tudo u m a
8
loucura?
- S i m , m a s e daí ? V o c ê disse q u e u m dia eu iria e n t e n d e r e q u e se tra-
tava d e u m a das m a i o r e s j o g a d a s j á feitas p e l o Brasil. É isso ?
- É isso m e s m o . A g o r a p o s s o lhe c o n t a r . Q u a n d o s a í m o s daqui foi
p a r a vender urânio.
- V o c ê e n l o u q u e c e u de vez!
- D e i x e eu a c a b a r . A transação foi feita e a venda autorizada pela Presi-
dência da R e p ú b l i c a .
- A t r o c o de q u e eles haveriam de dar isso a v o c ê se eles têm b e m à
m ã o a q u e l e j a p o n ê s da P e t r o b r á s q u e se d á t ã o b e m c o m toda a q u e l a
g e n t e de l á ?
- É q u e se saísse a l g u m a coisa e r r a d a o risco era só m e u e n ã o haveria
e n v o l v i m e n t o d o G o v e r n o Federal.
- O q u e é q u e v o c ê vai levar e m t r o c a ?
- T o d a s as facilidades p a r a a c a m p a n h a presidencial, c o m o , p o r e x e m -
p l o , e n t r e outras coisas, a a p r o v a ç ã o d o p r o g r a m a da Paulipetro.
- Q u e m vai entregar o u r â n i o e a o n d e ?
- N ó s é l ó g i c o , n o a e r o p o r t o militar de S ã o J o s é dos C a m p o s . S e r á
u m a o p e r a ç ã o secreta e m nível d o gal. M e d e i r o s e d o presidente da R e -
pública.
- Isso é p e r i g o s o . E u n ã o estou g o s t a n d o . N ó s v a m o s n o s e x p o r de-
mais.
- N ã o diga b o b a g e m . O q u e v o c ê t e m q u e fazer é acertar tudo p a r a a
entrega ser feita o m a i s breve possível.
- C o n t i n u o a lhe dizer q u e esse n e g ó c i o t o d o está m e c h e i r a n d o m u i t o
m a l . A m u d a n ç a de Brasília e m r e l a ç ã o à gente foi m u i t o rápida e m u i t o
drástica. H á q u a l q u e r j o g a d a p o r trás disso tudo..
- F i q u e c a l m o . Se eles fizerem sujeira e u c o n t o t u d o !
- E u q u e r o é saber c o m o é q u e Israel vai reagir a isso. Até aqui você,
m e s m o s e n d o á r a b e , conseguiu conviver b e m c o m a judeuzada. E u q u e r o
só ver c o m o vai ser q u a n d o eles s o u b e r e m disso e v o c ê p o d e ficar b e m
t r a n q ü i l o q u e eles v ã o s a b e r disso tudo b e m antes d o q u e v o c ê possa se-
quer imaginar. .
- N ã o se p r e o c u p e . V o c ê é u m pessimista. V o c ê acha q u e eu faria isso
s e m ter tido luz verde d o P l a n a l t o ?
- Esse pessoal d o P l a n a l t o vive d e i x a n d o t o d o m u n d o c o m a b r o c h a n a
m ã o . E u repito. N ã o estou g o s t a n d o disso. O risco é m u i t o grande. H á
q u a l q u e r j o g a d a p o r trás disso.
- B o b a g e m , P a l m a . V á lá providenciar tudo e m e avise o mais c e d o
possível.
- P o d e deixar q u e até o fim da tarde de a m a n h ã eu t e n h o toda a posi-
ç ã o , m a s n ã o se e s q u e ç a q u e eu o avisei. Esse n e g ó c i o vai a c a b a r m a l para
a gente. N ã o é n o r m a l tanta c o l h e r de c h á . Eles n ã o g o s t a m da gente.
9
T e m sujeira n o m e i o .
- D e i x e p r a lá, Palma. D o j e i t o q u e eu cheguei a o governo d o Estado,
q u e n e m v o c ê acreditava, chegarei a Presidência.
- T u d o b e m , m a s não diga q u e eu n ã o avisei. F a l o c o m você a m a n h ã .
Até l o g o .
- F a ç a tudo depressa. Até l o g o .
A N u c l e b r á s é u m a empresa h e r m é t i c a . C o m o p r e t e x t o da S e g u r a n ç a
N a c i o n a l , n i n g u é m sabe m u i t o b e m o q u e se passa lá p o r dentro. O pre-
sidente, e m b a i x a d o r de carreira, fraco e m u i t o a m b i c i o s o , tem c o n s e -
g u i d o sobreviver a vários g o v e r n o s . S u a técnica, p o r ser simples, é efi-
ciente. E l e n ã o deixa n i n g u é m decidir nada. T o d a s as decisões devem
passar p o r seu " d e a c o r d o " .
Assim, q u a n d o se p r o g r a m o u u m a m a n o b r a d e situação de emergên-
cia, e f o r a m ligadas todas as entradas e saídas de força da Usina A n g r a I,
q u e n ã o resistiram às cargas de corrente, n i n g u é m sabia b e m o q u e fazer,
j á q u e o p r i n c í p i o de incêndio e a destruição d e b o a parte das grandes
barreiras d e c o n c r e t o e das paredes de c h u m b o a c a b a r a m p o r c h e g a r até
o c o n h e c i m e n t o d o chefe d o C o r p o de B o m b e i r o s d o Estado do R i o .
O e m b a i x a d o r Paulo N o g u e i r a Baptista ficou s a b e n d o d o acidente da
pior forma possível. O chefe d o C o r p o de Bombeiros, c o m o b o m coronel d o
Exército q u e é, logo informou a o seu chefe imediato, o general secre-
tário da S e g u r a n ç a Pública e o C o m a n d a n t e d o I E x é r c i t o , sob cuja j u r i s -
dição se e n c o n t r a a Usina A n g r a I. Nessa altura, o presidente da N u c l e -
brás foi localizado n a ante-sala d o general chefe da Casa Militar da Presi-
dência d a R e p ú b l i c a , que t a m b é m é secretário d o C o n s e l h o de Segurança
Nacional. C o m o ele estava conversando c o m o ministro d o Planeja-
m e n t o , a m b o s f o r a m postos a p a r d o acidente p e l o p r ó p r i o general V e n -
turini, q u e , i n t e r r o m p e n d o u m a audiência, saiu p a r a a sala de espera.
A p r i m e i r a p r e o c u p a ç ã o d o e m b a i x a d o r presidente foi c o m u m p r e -
sumível escândalo.
- Precisamos segurar a imprensa. Isto é capaz de virar u m escândalo
daqueles.
J á o m i n i s t r o d o P l a n e j a m e n t o , Delfim Netto, civil mais p r a g m á t i c o
q u e o a t u r d i d o general adó embaixador:
- V a m o s j á falar c o m o e m b a i x a d o r da A l e m a n h a . Isso p o d e ser b o m
p a r a o b t e r m a i s empréstimo e m B o n n e facilitará o r e e s c a l o n a m e n t o d a
nossa dívida externa.
O ex-presidente da R e p ú b l i c a r e c e b e u H e i t o r Ferreira de A q u i n o a o
fim d a tarde n o seu gabinete n a N o r q u i s a .
- Presidente, o general G o l b e r y p e d i u - m e q u e viesse a t o d a pressa as-
sim q u e s o u b e de suas p r e o c u p a ç õ e s .
- N ã o p o d e m o s permitir q u e o Delfim N e t t o liquide c o m a a b e r t u r a
3 ue fizemos p a r a a E u r o p a e o J a p ã o . A c h o q u e a estratégia e c o n ô m i c a
o Figueiredo está supeivalorizando o capital n o r t e - a m e r i c a n o e a in-
fluência de Israel.
- P o s s o lhe dizer q u e o gal. G o l b e r y t a m b é m a n d a p r e o c u p a d o c o m
isso, m a s se estabeleceu u m e n t e n d i m e n t o p r o f u n d o entre o Delfim e o
Medeiros. A n o s s a p o s i ç ã o n o Planalto j á n ã o é tão sólida q u a n t o antes.
- Diga a o G o l b e r y p a r a dar j e i t o d e vir até a q u i o R i o para a n a l i s a r m o s
isso. A i n d a n ã o falei c o m ele, m a s sei q u e o Mediei t a m b é m a n d a m u i t o
p r e o c u p a d o c o m essa guinada e c o n ô m i c a .
- A gente p o d e r i a telefonar p a r a Brasília a g o r a e assim a c e r t a r í a m o s a
vinda d o general.
- Isso n ã o é b o m . V o c ê já se esqueceu que a turma do Figueiredo che-
g o u até a b o t a r escuta n o m e u gabinete q u a n d o eu era p r e s i d e n t e ?
- Sim, s e n h o r .
- V e j a se dá p a r a o G o l b e r y chegar até aqui n o p r ó x i m o fim de se-
m a n a . P o d e r í a m o s conversar e m Petrópolis. L á é m a i s sossegado.
- C o m o é q u e o s e n h o r q u e r q u e eu lhe avise?
- V o c ê p o d e ligar p a r a o H u m b e r t o E s m e r a l d o e dizer a ele q u e o c o n -
vidado vai chegar dia tal.
O p r i m e i r o - m i n i s t r o c u m p r i m e n t o u efusivamente o chefe d o M o s s a d e
passou a discutir o p r o s s e g u i m e n t o da o p e r a ç ã o :
- O difícil agora, general, vai ser convencer o ministro da Defesa. Ele,
a i n d a q u e seja u m grande militar, n ã o vê c o m b o n s o l h o s o c o m p r o m e t i -
m e n t o d a p o s i ç ã o de Israel.
- M a s s e m esse b o m b a r d e i o , s e n h o r ministro, t e m o q u e p e r c a m o s as
eleições. J á n ã o t e m o s mais m u i t o t e m p o p a r a modificar o fluxo da o p i -
n i ã o pública. O u c r i a m o s u m i m p a c t o , o u então S h i m o n Peres g a n h a a
11
eleição.
- V o c ê t e m razão. V o u c o n v o c a r j á o chefe d o E s t a d o - M a i o r .
m e s a ele.
- E u t e n h o a impressão q u e ele vai aceitar. Andei s a b e n d o d e a l g e m a s
histórias d o M e d e i r o s c o m o A b y s s a m r a n o H o t e l Everest.
- Q u e histórias, P e s s o a ?
- B e m , o s e n h o r sabe, general, o M e d e i r o s n ã o é p r o p r i a m e n t e u m a
virgem. Histórias de m u l h e r e s e b e b i d a s .
- N ã o q u e r o saber disso. V o c ê n ã o m e disse n a d a a respeito. Vout c o n -
sultar o M e d e i r o s e volto a falar c o m você. E s p e r o q u e você n ã o vá v i a j a r .
- Eu pretendia ir a B e l é m , general. J á estou iniciando e n t e n d i m e n t o s
p a r a aquisição de e q u i p a m e n t o s , m a s ficarei à espera de suas d e t e r r n i n a -
ções.
OS INIMI60S SE ALIAM
Decisões s e m p r e são difíceis de s e r e m t o m a d a s . A i n d a m a i s q u a n d o se
envolvem nelas interesses dos últimos escalões da R e p ú b l i c a . P a r a Pessoa,
depois da conversa c o m o general A r a g ã o , era crucial t o m a r a decisão
certa. A partir dos e n t e n d i m e n t o s entre o presidente da C a p e m i e mi- 0
PLANOS ISRAELENSES
ii | » i » i il M I M I L I I I I . I I In i n i I I i n.ido assim q u e entrou n o g a b i n e t e d o
I \ iltlipll iil i •' ii< .1 il<> general Zivi, diretor do M o s s a d , n ã o lhe
l i I M . . . n . . i v N o s seus 63 a n o s , M o r d a c h a i já tinha visto m u i -
i Kln'N ct ilfgn ili' premier desde as é p o c a s da H a g a n a e, se ad-
lllll [\ i i I I . Mgem, ultimamente vinha r e p r o v a n d o alguns de seus
• '•ni| 1 1 1 I I I O H , principalmente q u a n d o Beguin colocava a serviço de
I || llili M .(•. políticos Ioda a estrutura d o G o v e r n o . Para M o r d a c h a i ,
MI i nln .mu- v c i , p o r e x e m p l o , c o m o o p r e m i e r se servia de tudo q u e
IM D .i nua m ã o para alcançar seus p r o p ó s i t o s pessoais.
< i c o m p o r t a m e n t o d o general Zivi q u e , a o c u m p r i m e n t á - l o , a b a i x o u
01 o l l n i s , llie deu a certeza de q u e havia se desenvolvido u m entendi-
i i i i n i i i marginal entre o p r e m i e r e o diretor d o Mossad. L e m b r o u - s e en-
I . I O (|uc, quando da escolha de Zivi para a tunção, ibra u m dos que mais
s< opusera à n o m e a ç ã o . A i n d a q u e considerasse Zivi u m b o m soldado,
sabia q u e caráter n ã o e r a o seu forte e q u e n a posição q u e iria o c u p a r , se-
ria làcilmente c o r r o m p i d o pelos políticos e p e l o s interesses e c o n ô m i c o s
q u e giravam e m t o r n o de Israel e q u e n ã o e r a m p e q u e n o s . As primeiras
indicações dessa c o r r u p ç ã o ele teve uns seis meses a p ó s a n o m e a ç ã o . O
M o s s a d c o m e ç o u a p r o m o v e r investigações dentro de Israel, n a área polí-
tica, fugindo assim de suas finalidades de defesa d o país c o n t r a ataques
externos. A pretexto de levantar infiltrações de interesses da O L P e dos
árabes, o serviço de informações c o m e ç o u a pressionar políticos c o n -
trários a o premier. P a r a ele, esse p r o c e d i m e n t o era simplesmente repul-
sivo. Ele n ã o aceitava q u e militares descessem tão b a i x o , a p o n t o de
p r o m o v e r e m c h a n t a g e m p a r a favorecer o G o v e r n o . Ele sabia e aceitava a
necessidade d o G o v e r n o de ter informações internas; o q u e ele n ã o acei-
tava, de forma n e n h u m a , era q u e oficiais das forças a r m a d a s se prestas-
sem a esse serviço. Ele achava q u e isso tirava a dignidade da farda e, per-
dida essa dignidade, p a r a ele era o princípio d o fim, já q u e m i l i t a r m e n t e
Israel conseguia se i m p o r a seus inimigos árabes principalmente graças a o
respeito q u e todos tinham p o r suas forças a r m a d a s e esse respeito termi-
n a r i a assim q u e as atividades d o serviço de informações entrassem e m
u m a faixa m e n o s digna, q u e era e x a t a m e n t e o q u e estava c o m e ç a n d o a
22
o c o r r e r . Até m e s m o os russos t i n h a m mais dignidade nisso. L á havia dois
serviços: o G R U , q u e era exclusivamente militar, e o K G B , q u e cuidava
do resto. C o m isso até m e s m o os comunistas salvaguardavam a dignidade
de suas forças a n n a d a s , q u e s a b i a m ser fundamental p a r a salvá-las c o m o
u m a estrutura digna e respeitada. Isso, infelizmente, estava a c a b a n d o e m
Israel e e m alguns o u t r o s países d o m u n d o ocidental.
- General, t e m o s i n f o r m a ç õ e s seguras de q u e o I r a q u e está se p r e p a -
r a n d o para produzir sua p r i m e i r a b o m b a a t ô m i c a , disse o p r e m i e r e m
voz formal e grave.
- Isso é grave, premier. M a s n ã o vejo c o m o será possível, já q u e a l é m
de n ã o d i s p o r e m de u r â n i o e m q u a n t i d a d e suficiente, a t e c n o l o g i a deles
n ã o chega a isso, respondeu.
- O q u e s a b e m o s , general, é q u e o u r â n i o eles já v ê m r e c e b e n d o c o m
a l g u m a regularidade e, q u a n t o à tecnologia, p o s s o lhe assegurar q u e a l -
guns dos franceses q u e t r a b a l h a m n a usina vêm fazendo grandes depósi-
tos e m suas contas bancárias n a Suíça, volveu o p r e m i e r .
- Talvez fosse e n t ã o o c a s o de d e n u n c i a r m o s isso à A g ê n c i a I n t e r n a c i o -
nal de C o n t r o l e A t ô m i c o . P a r e c e - m e q u e eles são m u i t o ciosos d a aplica-
ç ã o pacífica d a energia a t ô m i c a .
- Eles n ã o farão nada, disse o premier, já c o m e ç a n d o a se irritar. Ulti-
m a m e n t e o r e l a c i o n a m e n t o entre os dois estava se azedando de f ô r m a
m u i t o rápida. B e g u i n n ã o conseguia entender c o m o M o r d a c h a i v i n h a
m u d a n d o . Ele se l e m b r a v a b e m d o general q u a n d o era jovem. U m d o s
mais c o r a j o s o s da H a g a n a . S e m p r e n a p r i m e i r a linha, n ã o hesitando a n t e
n e n h u m a m i s s ã o , tendo inclusive muitas vezes até se e x p o s t o e m arrisca-
das o p e r a ç õ e s terroristas. O q u e s e m p r e o impressionara e m M o r d a c h a i
era o fogo de seus o l h o s , n o qual se lia u m a b r a v u r a s e m limites. Esse
fogo ainda estava lá, m a s a g o r a parecia diferente. E r a u m fogo i n c o m -
preensível p a r a o premier.
- A c h o , excelência, q u e devemos dar u m crédito de confiança à A g ê n -
cia. T e n h o conversado c o m alguns de seus funcionários e eles têm se de-
m o n s t r a d o m u i t o firmes e b e m intencionados. D e m a i s a mais, c o m essa
denúncia, c e r t a m e n t e p r o v o c a r e m o s reações internacionais e d a r e m o s
condições a o s G o v e r n o s dos Estados U n i d o s e Rússia d e pressionarem o
Iraque. C o m o o s e n h o r sabe, se eles suspenderem o f o r n e c i m e n t o de m a -
terial bélico p a r a o Iraque, o Irã a c a b a r á c o m o I r a q u e e aí o p r o b l e m a se
resolverá p o r si.
- N e m Rússia n e m Estados Unidos farão coisa alguma, general. O se-
n h o r sabe da c h a n t a g e m d o p e t r ó l e o . S ó isso j á faz c o m q u e os Estados
U n i d o s fiquem fora disso tudo. Q u a n t o à Rússia, ela jamais fará q u a l q u e r
coisa q u e a desgaste a i n d a mais "no O r i e n t e M é d i o . N ã o , general. Esse
p r o b l e m a n ó s t e m o s q u e resolver a nossa m a n e i r a .
- C o m o assim, m i n i s t r o ?
- O s e n h o r deve estudar u m p l a n o p a r a destruição da usina a t ô m i c a
23
do Iraque.
- M a s isso é u m a temeridade, s e n h o r ministro. O s e n h o r avaliou b e m
as conseqüências de u m a agressão dessa o r d e m ?
- N ó s n ã o t e m o s escolha, general. J á pensei nisso m u i t o e à luz das in-
f o r m a ç õ e s q u e o general Zivi t e m trazido a este gabinete, n ã o vejo o u t r o
caminho.
- É estranhável, e m p r i m e i r o lugar, s e n h o r ministro, q u e o Ministério
a t é a g o r a n ã o tenha r e c e b i d o q u a l q u e r u m a dessas informações. E m se-
g u n d o lugar, excelência, a c h o q u e o s e n h o r n ã o p o d e t o m a r essa decisão
sozinho.
- A instrução para q u e todas essas i n í ó r m a ç õ e s fossem entregues e x -
clusivamente a m i m , general, é m i n h a e tendo c h e g a d o à c o n c l u s ã o q u e
era o m o m e n t o de dar ciência disso a o Ministério da Defesa, m a n d e i
c h a m á - l o e é o q u e estou fazendo nesse preciso m o m e n t o . Q u a n t o à deci-
são, n ã o se preocupe, general. Mais do que ninguém, sou cioso da m a n u -
tenção d a o r d e m e d o respeito à autoridade. Essa decisão,.se for adotada,
o será p e l o G a b i n e t e reunido, d o qual o s e n h o r faz parte, general. T e n h o
certeza de q u e todos os ministros estarão interessados e m suas o b j e
ções.
Até lá o s e n h o r deve estudar a m e l h o r m a n e i r a de destruir essa usina. O
general Zivi lhe entregará t o d o material q u e o M o s s a d tem a respeito e eu
q u e r o q u e o s e n h o r se apresente à r e u n i ã o d o G a b i n e t e c o m u m p l a n o
e l a b o r a d o e c o m várias alternativas. Até lá isso é secreto. N ã o deve ser
discutido c o m n i n g u é m q u e n ã o esteja envolvido diretamente n o planeja-
m e n t o d o ataque. Passe b e m , general.
- Zivi, c o m e ç a r a m as hostilidades c o m o ministro, disse o p r i m e i r o -
ministro assim q u e M o r d a c h a i saiu d o gabinete. As despedidas f o r a m
Irias e q u a s e hostis.
- E u lhe avisei, ministro, q u e M o r d a c h a i estava na linha dos m o d e r a -
dos. E l e h o j e e m dia é u m dos mais liberais das nossas Forças A r m a d a s .
- É u m a p e n a q u e o D a y a n esteja d o lado de lá. S e ele estivesse c o m a
gente eu poderia pô-lo n o lugar de Mordachai. N ã o vejo outro general
q u e t e n h a p e s o p a r a substituir M o r d a c h a i . E l e é tido entre os nossos
c o m o u m h e r ó i . Sua substituição, politicamente, p e l o m e n o s agora, é i m -
possível. E u n ã o tenho c o n d i ç õ e s de sofrer m a i s u m desgaste grande. Se
eu tirar M o r d a c h a i , n e m a libertação de todos judeus dissidentes russos
m e salvará politicamente.
- E o q u e é q u e n ó s v a m o s fazer?, p e r g u n t o u Zivi.
- T e m o s q u e esperar e ter m u i t a paciência e habilidade. A c h o q u e você
deve freqüentar mais o Ministério. A g o r a c o m o p r e t e x t o de passar todas
as i n f o r m a ç õ e s sobre a usina a t ô m i c a você p o d e r á fazer isso n o r m a l -
mente.
- Eles n ã o v ê e m lá c o m m u i t o b o n s o l h o s depois q u e ficaram s a b e n d o
das o p e r a ç õ e s internas.
- N ã o se p r e o c u p e c o m isso. E u lhe darei toda c o b e r t u r a .
- H á u m a corrente m u i t o forte n o Ministério q u e a c h a q u e eu, a l é m de
c o m p r o m e t e r o M o s s a d , deixei as F o r ç a s A r m a d a s n u m a situação m u i t o
ruim.
- Isso é b o b a g e m . Eles n ã o p a s s a m de simples soldados q u e n ã o têm
visão política dos p r o b l e m a s . Isso é coisa de M o r d a c h a i . S e o ministro
fosse o u t r o , n a d a disso estava a c o n t e c e n d o .
- B e m ministro, m a s essa realidade existe e n ã o h á n a d a q u e p o s s a m o s
fazer.
- H á sim, Zivi. C o l o q u e M o r d a c h a i s o b a m a i s estreita vigilância, in-
clusive telefônica.
- Isso é m u i t o arriscado, m i n i s t r o . V a i a c a b a r transpirando e aí sim é
q u e ficaremos m a l de vez.
- N ã o Zivi, n ã o vai transpirar. E u estou a u t o r i z a n d o - o a usar o esqua-
d r ã o especial. Assim n i n g u é m s a b e r á de n a d a .
- P a r a isso. m i n i s t r o ?
- É . E x a t a m e n t e p a r a isso. Isso é m u i t o mais i m p o r t a n t e d o q u e v o c ê
possa imaginar.
36
low calce" j á q u e M e d e i r o s a i n d a n ã o sabia da e x t e n s ã o n e m da o r i g e m
d o vazamento o c o r r i d o e m S. P a u l o . D u r a n t e mais de u m a h o r a , ele ficou
e x p l i c a n d o a Ueki das vantagens dessa o p e r a ç ã o , já q u e daí p a r a frente o
Brasil receberia todas as garantias de f o r n e c i m e n t o de p e t r ó l e o p a r a o
País a preços privilegiados. Ele e x p l i c o u t a m b é m q u e a transação fora
leita p o r intermédio d o g o v e r n a d o r paulista p a r a salvaguardar o G o -
verno Federal de q u a l q u e r eventual fracasso. É lógico q u e Ueki se m o s -
trou e n c a n t a d o c o m isso, mas q u a n d o Luiz Carlos a c o m p a n h o u seu pai
até a g a r a g e m p a r a c o l o c á - l o n o c a r r o , M e d e i r o s disse-lhe q u e n ã o ficara
c o n v e n c i d o da r e a ç ã o da Ueki. Luiz Carlos reagiu defendendo o j a p o n ê s .
O general se irritou e disse:
- Q u a n t a s vezes eu t e n h o q u e lhe repetir q u e os japoneses t ê m sete fa-
ces e apenas m o s t r a m a p r i m e i r a e isso n ã o sou eu q u e m inventou. Eles
m e s m o s a d m i t e m o fato e c o m m u i t o o r g u l h o .
J á n o carro, v o l t a n d o p a r a a agência, p e n s o u q u e estava n a h o r a de ti-
rar o g a r o t o de lá. O j a p o n ê s r e a l m e n t e havia feito u m b o m trabalho.
C o n s e g u i r a d e s l u m b r a r o m e n i n o c o m toda a m o r d o m i a q u e tinha posto
a sua disposição, c u l m i n a n d o c o m a viagem a o J a p ã o e m q u e tinha le-
vado Luiz Carlos é sua m u l h e r e p r o p o r c i o n a d o h o n r a s a a m b o s q u e a c a -
b a r a m p o r liquidar c o m q u a l q u e r reserva q u e pudesse haver e m relação à
amizade pessoal d o presidente p a r a c o m seu chefe de g a b i n e t e e sua pre-
sunçosa m u l h e r .
iAÇÃO JAPONÊS;
J á era quase n o i t e e Ueki ainda n ã o havia digerido a q u e l e a l m o ç o . In-
tuitivamente ele s e m p r e s o u b e r a q u e havia q u a l q u e r coisa m a i s a l é m do
q u e a u m e n t a r as e x p o r t a ç õ e s de S. P a u l o , p r e t e x t o u s a d o oficialmente
p o r P a u l o M a l u f p a r a ir a vários países, inclusive o I r a q u e . Essa certeza
cresceu q u a n d o Ueki alertou o presidente da R e p ú b l i c a e o p r ó p r i o M e -
deiros p a r a o risco da viagem assim q u e s o u b e d o p r o j e t o e n ã o sentiu
q u a l q u e r r e a ç ã o o u p r e o c u p a ç ã o . A p e n a s o chefe d o S N I o tranqüilizou
dizendo q u e tudo estava s o b c o n t r o l e e q u e n ã o haveria q u a l q u e r risco
de o turco se envolver e m assuntos da P e t r o b r á s o u q u a l q u e r u m a de suas
muitas subsidiárias. A g o r a n ã o só M e d e i r o s vinha lhe dar u m a série de
explicações, c o m o ficara evidente q u e ele lhe havia m e n t i d o antes. Al-
g u m a coisa de m u i t o grave havia a c o n t e c i d o nisso t u d o e p o r qualquer
razão q u e Ueki n ã o sabia, s u b i t a m e n t e seu envolvimento n o assunto se
t o r n a r á necessário. N ã o havia o u t r a e x p l i c a ç ã o p a r a esse a l m o ç o . O ge-
neral fora gentil demais, inclusive, c o n t r a r i a n d o toda sua m a n e i r a de ser,
tentando se t o r n a r í n t i m o .
37
Q u a n d o H i d e o O n a g a e n t r o u n o seu gabinete, Ueki resolveu discutir o
assunto. Ele precisava desesperadamente descobrir o q u e havia atrás disso
tudo. O s riscos e r a m m u i t o grandes para u m a c o m p e n s a ç ã o t ã o pe-
u e n a . H i d e o O n a g a , t a m b é m filho de japoneses, e r a o assessor principal
e Ueki e h o m e m de sua m a i o r confiança. N ã o havia n a d a de sua vida
q u e esse n ã o conhecesse. Inclusive todos os n e g ó c i o s acertados por' fora e
os c o n t r o l e s dos vultosos depósitos q u e os dois m a n t i n h a m n o e x t e r i o r
e r a m c o n t r o l a d o s p o r H i d e o . A o saber o q u e tinha se passado n o ai-
m o ç p , H i d e o ficou terrivelmente assustado.
- M a s Ueki, isso é u m a loucura, a m a i o r q u e j á ouvi e m toda m i n h a
vida.
- É isso m e s m o , m a s o q u e estará n a verdade p o r trás disso t u d o ? Di-
n h e i r o n ã o é, senão n ó s j á teríamos sabido.
- V o c ê j á p e n s o u o q u e vai a c o n t e c e r c o m os créditos d o Brasil n o E x -
terior n a h o r a q u e isso for divulgado - e você n ã o tenha dúvida q u e será.
- O s j u d e u s vão fechar t o d o s os b a n c o s p a r a n ó s . N ã o c o n s e g u i r e m o s
n e m d i n h e i r o p a r a p a g a r o s juros da nossa dívida externa.
- A coisa realmente deve ser m u i t o grande o u e n t ã o ficaram todos l o u -
cos.
- N ó s precisamos descobrir o q u e acontece, m a s c o m m u i t o c u i d a d o .
Se n ã o f o r m o s hábeis, o M e d e i r o s saberá i m e d i a t a m e n t e q u e e s t a m o s in-
vestigando. Essa história n ã o entra.na m i n h a c a b e ç a . N ã o tem sentido dar
tanta força a o Maluf. Eles p r a t i c a m e n t e ficaram devendo a a l m a a o turco.
- A gente precisa ir m u i t o devagar. A l é m d o S N I , h á t a m b é m o
D E O P S de S ã o Paulo q u e é m u i t o b o m e o seu diretor é o u t r o turco, o
tal d o R o m e u T u m a .
- A l g u m a coisa saiu e r r a d a , senão ele n ã o vinha m e c o n t a r t o d a essa
história, ficando inclusive d e m e n t i r o s o .
- É l ó g i c o q u e você n ã o disse isso a ele.
- E u n ã o . E l e é m u i t o b u r r o . Assim n ã o fosse, n ã o chegaria a general.
S a b e q u e mais. O q u e m e assusta c o m esses m i l i c o s é q u e n a última h o r a
eles s e m p r e a c a b a m fazendo u m a besteira. O m a l d o militar é q u e ele
passa p e l o m e n o s 3 0 a n o s d e sua vida sendo c o n d i c i o n a d o a o b e d e c e r e a
r e c e b e r o r d e n s e p o r causa disso p e r d e a c o n d i ç ã o de ser o recurso final.
Q u a n d o n ã o tem n i n g u é m p a r a lhe dizer o q u e e c o m o fazer é a q u e l e
desastre. É só você o l h a r p a r a o q u e eles fizeram n o Brasil. Estão q u a s e
c o n s e g u i n d o liquidar c o m o País e n e m estão se a p e r c e b e n d o disso. E u
t e n h o m u i t o m e d o q u a n d o essa gente se m e t e a resolver p r o b l e m a s .
- E u estava p e n s a n d o j u s t a m e n t e nisso. A c h o q u e há alguém m a n o -
b r a n d o isso tudo p o r trás e p ã o é o P a u l o M a l u í . E l e n ã o é sutil a esse
p o n t o . T e m q u e ser u m o u t r o .
É, p o d e ser q u e você tenha razão. A gente precisa descobrir, senão isso
tudo a i n d a a c a b a s o b r a n d o p a r a n ó s .
- E como?
38
- E c o m o é q u e eu vou s a b e r ? É intuitivo. L e m b r a q ú c eu lhe disse
q u a n d o o turco viajou q u e o assunto n ã o m e estava c h e i r a n d o b e m . Pois
b e m . Sinto a m e s m a sensação. Se n ã o for tudo, p e l o m e n o s parte disso é
capaz de s o b r a r p a r a a gente.
- É preciso descobrir isso de q u a l q u e r forma. M a s c o m o ? É p e r i g o s o
m e x e r nisso.
- A c h o q u e você deveria d a r u m a volta p o r L o n d r e s , Paris, I r a q u e e
A r á b i a Saudita. C o m j e i t o , é capaz de se ficar s a b e n d o a l g u m a coisa.
- V o c ê a c h a q u e eu p o s s o falar c o m aqueles nossos a m i g o s q u e tran-
sam c o m a judeuzada? ,
É p e r i g o s o . O M e d e i r o s foi a d i d o militar e m Israel p o r dois a n o s .
T o d o m u n d o s a b e q u e ele s e m p r e fez as j o g a d a s d o M o s s a d n o Brasil.
- É , m a s esse pessoal é c o n t r a o atual p r i m e i r o - m i n i s t r o judeu.
- Esse n e g ó c i o de c o n t r a o u favor, H i d e o , e m área de i n f o r m a ç õ e s n ã o
funciona. Eles n ã o t ê m o m e n o r senso d e lealdade e ética c o m as pessoas.
O n e g ó c i o deles é i n f o r m a ç õ e s e n ã o i m p o r t a a q u e custo. E u m a gente
e m q u e m n ã o d e v e m o s confiar. T e m o s q u e usá-los, p o r q u e n o fundo eles
n ã o passam de milicos e c o m o tal são facilmente manipuláveis. N ó s te-
m o s m a n i p u l a d o eles a o l o n g o desses a n o s todos e t e m o s tido êxito e x a -
tamente p o r q u e n ã o a c r e d i t a m o s n e m c o n f i a m o s e m n e n h u m deles.
- E n t ã o c o m o é q u e v a m o s fazer? Às tontes árabes n ã o são lá essas coi-
sas e você m e l h o r d o q u e n i n g u é m sabe disso. V o c ê q u a s e cai da P e t r o -
brás p o r q u e acreditou n a q u e l e pessoal da Líbia.
- E , você t e m razão. V o c ê faça o seguinte: invente u m a história q u a l -
q u e r e leve o filho d o M e d e i r o s nessa viagem c o m você. Ele participou d o
a l m o ç o e eu percebi q u e ele sabe m a i s desse assunto d o q u e aparenta.
M a s n ã o diga q u e vocês v ã o p a r a o O r i e n t e M é d i o . Q u a n d o você estiver
n a E u r o p a , eu d o u u m a o r d e m p a r a vocês resolverem q u a l q u e r p r o -
b l e m a n a A r á b i a e n o I r a q u e . Precisa é inventar u m a história q u a l q u e r
q u e seja plausível.
- N ã o precisa nada. Esse m o l e q u e p o r u m a viagem íaz q u a l q u e r n e g ó -
cio.
- É , m a s a g o r a o pai dele está n o m e i o e o assunto é m u i t o sério p a r a
q u e c o r r a m o s riscos desnecessários.
- P o d e deixar q u e eu vou p e n s a r e nesses dois dias a c e r t a m o s tudo.
Naquela tarde, q u a n d o Neiva soube que Medeiros estava n o Rio, logo en-
tendeu a presença de Aguiar e m S. Paulo e o encontro c o m Paulo Maluf.
Aliás, após seu último encontro c o m Cristhiane, ele chegou à conclusão de que
39
o assunto era realmente sério e q u e ele se havia m e t i d o e m u m vespeiro.
O silêncio de Brasília e a evidente intenção de Aryzinho e m evitado e r a m
sintomas perfeitamente diagnosticáveis de q u e p o r u m acaso infeliz ele
havia e n t r a d o e m u m a área de m u i t a turbulência e q u e certamente as suas
asas é q u e seriam as q u e i r i a m se q u e b r a r . Até o gal. M a r c o n d e s estava
evitando-o, n ã o que o general fizesse falta n o p r o s s e g u i m e n t o d o traba-
lho, m a s é q u e t a m b é m era o u t r a indicação de q u e as coisas n ã o i a m
b e m . Crises ela j á tinha tido antes, até m e s m o c o m o Nini, m a s n o fim, o
Aryzinho, q u e era q u e m m a n d a v a n o Nini, acabava ajeitando tudo. Essa
n ã o ! Essa estava c o m todas as características de ser coisa m u i t o séria.
Neiva sentiu q u e precisava a n d a r m u i t o depressa, senão iria ser a t r o p e -
lado pelos a c o n t e c i m e n t o s . M a s c o m o ? Ele se sentia ilhado, c o m o se ti-
vessem erigido a o seu d e r r e d o r m u r o s intransponíveis. Foi p o r isso que,
q u a n d o Cristhiane ligou ele resolveu i n t e r r o m p e r contatos. O seu c a s o
c o m a filha de P a l m a , mais c e d o o u mais tarde, e o q u e era grave, prova-
velmente b e m mais cedo, a c a b a r i a p o r levar o pessoal de Medeiros à sua
fonte. M a s c o m o interromper, sem m a g o a r a m o ç a e sem perder "essa
f o n t e ? E r a mais u m dilema q u e se p u n h a p a r a sua solução nessa tarde
chuvosa de S. Paulo. Ele p e g o u u m a folha de papel e c o m e ç o u a traçar o
o r g a n o g r a m a d o p r o b l e m a c o m os p o u c o s d a d o s de q u e dispunha. F o i
só n o fim d o expediente q u e c h e g o u o telex c o n v o c a n d o - o p a r a ir a
?
Brasília n a p r ó x i m a 2 feira. J á tarde da noite, ele r e c e b e u a i n f o r m a ç ã o
de q u e o cel. Aguiar, e m vez de e m b a r c a r p a r a o R i o , havia seguido n o
v ô o das 21 h o r a s da V A S P p a r a Brasília. O q u e Neiva n ã o sabia é q u e ele
levava a m i n u t a d o p r o t o c o l o a ser assinado entre o governo d o E s t a d o
de S. P a u l o , c o m anuência d o Itaramati, c o m o I r a q u e , reatando as c o n -
dições de venda de urânio.
N o dia seguinte pela m a n h ã , Neiva recebeu u m a ligação do cel. Hei -
nani A m o r i m , superintendente d o Instituto de Pesquisas Energéticas e
Nucleares, a q u e m j á conhecia h á muito, e que lhe pedia u m encontro c o m
urgência. Resolveu encontrar-se c o m o técnico fora d o S N I , era mais seguro.
Marcaram ü m almoço e m pequeno restaurante da rua Basííio da G a m a ,
onde, além da discrição, a b o a comida era outro atrativo. Durante o almoço,
Neiva ficou sabendo que o I P E N tinha recebido instruções de trabalhar 24
horas por dia para produzir no m e n o r prazo possí-
vel de t e m p o 70 toneladas de d i ó x i d o de urânio e que, p a r a isso, havia r e -
c e b i d o , de u m a só vez, e m 4 8 h o r a s , n u m e r o s a s peças sem as quais o la-
b o r a t ó r i o d o Instituto n ã o teria c o n d i ç õ e s de processar a e n c o m e n d a .
J u n t o c o m a e n c o m e n d a , o cel. H e r n a n i havia r e c e b i d o instruções taxati-
vas de m a n t e r sigilo q u a n t o a o assunto, b e m c o m o armazenar o m i n é r i o
e m d e t e r m i n a d o lugar q u e n e m ele sabia qual era, já q u e o transporte e r a
feito p o r c a m i n h õ e s n ã o identificados. O a c o n d i c i o n a m e n t o d o m i n é r i o
era feito e m toneis, j á que ele saía do laboratório e m pó. Neiva ficou t a m b é m
sabendo que esse tipo de urânio é o mais indicado para ser enriquecido, e,
40
p o r t a n t o , q u e m o estava c o m p r a n d o c e r t a m e n t e estava se prepa-
r a n d o p a r a produzir b o m b a s a t ô m i c a s o u )á as estava p r o d u z i n d o . A i n d a
q u e Neiva n ã o tenha dito a H e r n a r i s o b r e a venda d o m i n é r i o a o I r a q u e ,
sentiu q u e seu a m i g o estava m u i t o p r e o c u p a d o e o q u e é m a i s grave, e m
face das ordens recebidas, s e m c o n d i ç õ e s de formular consultas o u inda-
gações a q u e m q u e r q u e seja. T a n t o assim q u e lhe pediu sigilo s o b r e o
e n c o n t r o . I n v o c a n d o a amizade q u e os unia, disse q u e se dispôs a alertar
o S N I s o b r e isso, j á q u e n o seu e n t e n d e r isso feria frontalmente todos os
a c o r d o s internacionais assinados p e l o Brasil e q u e a divulgação disso p o -
deria significar o c a n c e l a m e n t o p u r o e simples de todos o s a c o r d o s a t ô -
m i c o s brasileiros assinados c o m outras n a ç õ e s , inclusive c o m a A l e m a -
n h a . Neiva licou s a b e n d o t a m b é m q u e c o m essa q u a n t i d a d e de u r â n i o
era possível se produzir p e l o m e n o s 2 0 b o m b a s a t ô m i c a s , n u m p r o c e s s o
relativamente simples de irradiação q u e d e t e r m i n a a possibilidade de e x -
tração d o p l u t ô n i o 2 3 9 , material a l t a m e n t e físsil. F o i i n f o r m a d o t a m b é m
q u e o processo de transporte é relativamente fácil, j á que, esse u r â n i o é
apenas levemente irradiado, o q u e p e r m i t e segurança total, b e m c o m o
q u e u m a tonelada eqüivale apenas a o v o l u m e de 5 0 litros.
E n q u a n t o Neiva voltava à agência e digeria, m u i t o p r e o c u p a d o , as in-
f o r m a ç õ e s q u e r e c e b e r a de H e r n a n i , o gal. M e d e i r o s r e c e b i a e m seu gabi-
nete o presidente d a Nuclebrás, e m b a i x a d o r P a u l o N o g u e i r a Baptista.
A q u e l e e n c o n t r o era relativamente fácil. O e m b a i x a d o r e r a m u i t o a m b i -
cioso e desde q u e fosse m a n t i d o n o c a r g o , jamais criaria q u a l q u e r p r o -
blema.
- B e m e m b a i x a d o r , a sua situação está difícil a p ó s esse fiasco d o aci-
dente lá e m Angra, disse o general, sem sequer se dar a o t r a b a l h o de
c u m p r i m e n t a r o visitante.
- M a s o q u e é isso, g e n e r a l ? Esse tipo de coisa a c o n t e c e . É u m risco a
q u e q u a l q u e r instalação está su eita. (
INICIATIVA ISRAELENSE
H á vários dias q u e o gal. Zivi n ã o d o r m i a direito. As suas relações c o m
o gal. M o r d a c h a i iam de m a l a p i o r . E m vez d e c o n s e g u i r se insinuar
j u n t o dos oficiais d o Ministério c o m o q u e r i a o p r e m i e r , as relações ti-
n h a m c h e g a d o simplesmente a u m a situação de c o m p l e t a d e t e r i o r a ç ã o .
A i n d a q u e todos o tratassem de m a n e i r a polida, jamais conseguia c h e g a r
à intimidade de n e n h u m deles. O s relatórios feitos p o r seus agentes da-
v a m contas de q u e aqueles oficiais, assim c o m o o chefe deles, n ã o c o n c o r -
davam c o m as transformações q u e haviam sido feitas n o s m é t o d o s d e
o p e r a ç ã o d o M o s s a d . Eles n ã o c o n c o r d a v a m q u e esse serviço de inteli-
gência tivesse sido desvirtuado p a r a p r o p ó s i t o s políticos internos e a c h a -
v a m q u e essa atividade tirava a dignidade das F o r ç a s A r m a d a s . D e n a d a
valeram o s a r g u m e n t o s q u e de m a n e i r a hábil o general tentara c o l o c a r
entre a q u e l a equipe. O s e x e m p l o s de q u e e m outras n a ç õ e s esse p r o c e d i -
m e n t o era c o n s i d e r a d o n o r m a l n ã o os sensibilizava. Zivi e todos os seus
e r a m tidos n a q u e l e círculo c o m o oportunistas, a m o r a i s , e intrinsicamente
desonestos.
Havia u m sentido nesse c o m p o r t a m e n t o , o da sobrevivência d o E s t a d o
de Israel. O s oficiais faziam suas projeções a prazo mais longo que o efê-
m e r o m a n d a t o de Beguin, daí o c h o q u e . N o fundo, Zivi sabia q u e eles ti-
n h a m razão, m a s ele t a m b é m sabia q u e n ã o p o d i a lazer n a d a se quisesse
sobreviver n a á r e a d o p r e m i e r e que, p o r incrível q u e pareça, h o j e e r a a
única q u e lhe sobrava. R e p u d i a d o p o r seus c o m p a n h e i r o s , de farda, m e r -
gulhava c a d a vez m a i s n o c u m p r i m e n t o das tarefas determinadas p e l o
ministro e c o m isso se afastava a i n d a m a i s d o seu m e i o . Seu c a m i n h o j á
estava delineado. E r a a política -e n ã o tinha c o m o escapar disso e a p e n a s
B e g u i n p o d e r i a dar-lhe c o n d i ç õ e s de se fixar e m u m p a r t i d o e até possi-
velmente, q u e m s a b e mais tarde, disputar u m a cadeira legislativa. S e c h e -
gasse a esse p o n t o , estaria salvo. C a s o c o n t r á r i o , n a d a m a i s p o d i a fazer, j á
43
q u e sua p e r m a n ê n c i a n o E x é r c i t o , p o r total ialta de a m b i e n t e , era im-
possível. Zivi havia deslizado da área d e i n f o r m a ç õ e s p a r a a área de polí-
cia e isso n i n g u é m aceitava n o m e i o militar. E quanto' mais se afastavam
dele, mais ele m e r g u l h a v a n o c a m i n h o da d a n a ç ã o .
As notícias q u e ele ia levando nesse fim de tarde p a r a o p r e m i e r n ã o
eram boas. Além de seus problemas na área das Forcas Armadas, tinha re-
c e b i d o os resultados n a ultima pesquisa q u e a p o n t a v a m u m p r e o c u p a n t e
crescimento das preferências eleitorais e m t o r n o d o n o m e de S h i m o n P e -
res. Sua eleição iria significar u m a m o d i f i c a ç ã o radical e m t u d o q u e havia
sido feito até e n t ã o e o m a i s grave é q u e o m e i o militar c o m e ç a v a a se vol-
tar r a p i d a m e n t e a a v o r d o líder trabalhista, m e s m o e m se s a b e n d o sua
v o c a ç ã o antimilitarista. A explicação p a r a isso era a de q u e o s líderes d o
E x é r c i t o o preferiam, m e s m o s a b e n d o de suas restrições, a c o r r e r o risco
de u m a desmoralização das Forças A r m a d a s . A a r g u m e n t a ç ã o desenvol-
vida naquele m e i o e r a de q u e a dignidade de S h i m o n Peres superava de
m u i t o o seu antimilitarismo e q u e j u s t a m e n t e p o r isso n ã o haveria o risco
da desmoralização, coisa q u e a g o r a se estava t o r n a n d o c a d a vez m a i s
evidente, p r i n c i p a l m e n t e depois d o fracasso de u m a o p e r a ç ã o interna d o
M o s s a d e cujo e s c â n d a l o c o m m u i t a dificuldade fora a b a f a d o .
- E n t ã o Zivi, quais s ã o as n o v i d a d e s ? I n d a g o u o m i n i s t r o .
- B e m excelência, t e n h o os resultados da última pesquisa.
- E daí?
- S ã o ainda piores q u e os da previsão q u e fizemos. É m e l h o r o s e n h o r
ver p o r si, disse o general, passando p a r a o ministro a pasta c o m todas as
tabulações e interpretações. O m i n i s t r o franziu a testa e c o m e ç o u a m e x e r
n o s óculos. Esse c o m p o r t a m e n t o n ã o prenunciava n a d a de b o m . Zivi
c h e g o u à c o n c l u s ã o q u e deveria antes ter falado n o s p r o b l e m a s q u e estava
tendo c o m Mordachai. Se levantasse o problema agora, o ministro iria
descarregar s o b r e ele t o d a sua raiva, q u e ia ficando cada vez m a i s evidente
à m e d i d a q u e lia o s d a d o s da pesquisa.
- N ó s estamos q u a s e sem t e m p o . Se n ã o invertermos a expectativa, n ã o
haverá c o m o fazê-lo, Zivi.
- É, parece q u e sim, excelência.
- C o m o é q u e estão as coisas n o Ministério da D e f e s a ?
- O p l a n e j a m e n t o está. sendo feito. H á , é evidente, a m á vontade de
M o r d a c h a i , m a s a a r g u m e n t a ç ã o da b o m b a a t ô m i c a parece q u e neutrali-
zará o s outros oficiais.
- A impressão q u e eu t e n h o é q u e M o r d a c h a i n ã o está a c r e d i t a n d o
m u i t o nessa história da b o m b a , n ã o é Zivi?
- E u n ã o diria isso. Diria que ele t e m dúvidas. P a r e c e - m e q u e ele an-
d o u conversando c o m o adido militar francês s o b r e as possibilidades d o
I r a q u e fazer a b o m b a , m a s c o n t i n u o u e m dúvida. O pessoal da C I A disse
q u e ele tentou u m c o n t a t o , m a s n ã o foi b e m - s u c e d i d o .
- Mas ele c h e g o u a falar da b o m b a c o m os a m e r i c a n o s ?
44
- N ã o . N ã o houve o p o r t u n i d a d e .
a
- O chefe d o escritório da C I A aqui é ain<f a q u e l e p a t r í c i o ?
- É , sim s e n h o r .
5 S O
- É b o m e n t ã o você b l o q u e a r esse canal. S e í chegar a W a s h i n g t o n ,
nós v a m o s ficar m a l e eles são capazes de a b o í & r ° n e g ó c i o n o B r a s i l .
e a
- P o d e d e i x a r excelência, farei isso ainda h o i noite. V o u jantar c o m
J
ele.
J
- Ó t i m o . E n o Brasil, c o m o estão as coisas
- B e m , o p r o t o c o l o da venda d o urânio já foi a p r o v a d o . A g o r a é a p e -
nas u m a q u e s t ã o de detalhes.
- Quanto tempo?
- B e m , as coisas p o r lá são m e i o complicada*' Sabe c o m o é, n ã o ? E l e s
são lentos e i n c o m p e t e n t e s , e n t ã o sempre h á fiscos e m apressá-los.
- Mesmo o Medeiros?
Ele t a m b é m , e o q u e é pior, ele é terriveliflente p r e s u n ç o s o , o q u e
t o r n a as coisas a i n d a m a i s difíceis.
- M a s você n ã o disse q u e estava tudo arrumado c o m ele e q u e n ã o h a -
veria m a i o r e s p r o b l e m a s ?
- R e a l m e n t e eu disse, m a s é q u e a previsão c)ue t í n h a m o s e r a de m a i s
tempo.
- B e m , a g o r a você s a b e q u e o t e m p o está f i c a d o c u r t o e é b o m s e fa-
zer algo a respeito.
- Pois n ã o excelência, eu v o u ver o q u e é possível.
v a e s s e
- N ã o , você n ã o vai ver o q u e é possível. V o c ê i fazer urânio c h e -
gar a Bagdá e m 30 dias. É isso o que você vai fazer e n ã o quero d e s c u l -
pas. Q u a n d o isso foi iniciado, eu lhe perguntei b e m o grau de c o n f i a b i l i -
dade da o p e r a ç ã o e você garantiu q u e era nível A; a g o r a , você se a r r u m e .
- M a s eu n ã o estou n o Brasil. As coisas lá não são c o m o a q u i o u na
Europa.
- Eu n ã o q u e r o saber. É a sua c a b e ç a q u e va< r o l a r o u você p e n s a q u e
,,
eu* n ã o sei da sua situação d e n t r o d o Exércitc'•
- M a s excelência, eu estou fazendo o q u e é possível.
s o m a e
- Pelo visto o seu possível n ã o basta. É p r e c í fazer i s > p o r f a l a r
s ?
nisso", c o m o é q u e esse u r â n i o vai sair d o B r a ' "
- O n o s s o p l a n e j a m e n t o , j á entregue a o Medeiros, prevê dois a v i õ e s .
s
U m 747 e u m Iullinicli, d e c o l a n d o de S . J o s é d o C a m p o s , e m v ô o d i r e t o
para o Iraque.
- P a r a q u e dois aviões, se são apenas 70 tornadas, e ainda m a i s -um
russo?
- M a s é isso m e s m o excelência. Eles têm que retirar material b é l i c o de
1 61 u m
lá e u m avião russo, n a eventualidade de ocoi " " imprevisto q u a l -
quer, n o s e x i m e de responsabilidade.
- E esse v ô o quantas h o r a s leva?
u e e e s n
- Mais o u m e n o s 17. É q u e h á algumas área» R ' ã o p o d e m so-
45
b r e v o a r já q u e a nossa F o r ç a Aérea é capaz de interceptá-los e é b o m q u e
nada disso ocorra para n ã o vazar a informação. N i n g u é m aqui haveria de
e m e n d e i qual a razão de d e i x a r m o s esses aviões seguirem direto, n ã o é
excelência!'
- K isso m e s m o . A g o r a você laça o seguinte. M a n d e alguém para o
Brasil para apressar esse tal de Medeiros e é b o m q u e fique b e m claro
p a i a ele q u e se a coisa n ã o sair a c o n t e n t o , nós n ã o teremos dúvida e m
divulgar isso tudo e trancar os b a n c o s para eles. A u m escândalo desses
n e m aqueles vagabundos agüentam. É preciso ser m u i t o claro nisso
tudo.
- O senhor acha q u e devemos lazer o c o n t a t o d i r e t o ?
- N ã o , de forma a l g u m a . V o c ê continuará u s a n d o o Klabin e o Midlin,
m a s se eles sentirem m u i t a resistência, é b o m ter alguém de nível para
conversar diretamente c o m Medeiros.
- M a s isso é difícil excelência. Ele, além de general, tem nível de minis-
tro.
- Q u a l nada, ele é general p o r b o m c o m p o r t a m e n t o . O q u e eu disse é
q u e q u e m for para o Brasil tem que estar a par de tudo para p o d e r
pressioná-lo.
- T u d o , excelência?
- O acordo final não, é lógico. As vezes, duvido da sua capacidade,
m e n t a l Zivi. B e m , t a m b é m se assim n ã o fosse, c e r t a m e n t e você jamais se-
ria um general. Seria u m político o u u m c o m e r c i a n t e m u i t o rico. Eu sem-
p r e m e esqueço da sua limitação.
- S i m senhor, excelência. E n t ã o eu vou m a n d a r o Mendel. E l e é inteli-
gente, está a par de q u a s e tudo, se dá b e m c o m o G o l g e sabe ser particu-
l a r m e n t e . . . (Aqui o texto apresenta um salto de 14 páginas, onde, se presume,
o autor "romanceou" a preparação do atentado do Riocentro) . . . que a ope-
r a ç ã o R i o c e n t r o havia vazado. I m e d i a t a m e n t e ele c o m e ç o u a t o m a r m e -
didas de segurança extra, o q u e a c a b o u p o r alertar o Cisa e o C e n i m a r de
q u e o c o r r i a m coisas estranhas n o C I E . L o g o depois, o S N I t a m b é m ficou
s a b e n d o q u e o Exército estava-se agitando. P a r a sentir-se a i n d a m a i s se-
g u r o , o gal. B r a g a , n o m e s m o dia, p r o m o v e u dois e n c o n t r o s m u i t o c o m -
licãdos. A l m o ç o u c o m o cel. G o l g e j a n t o u c o m J o e . É lógico q u e a m -
os, sem entender m u i t o b e m o q u e acontecia, t a m b é m ficaram p r e o c u -
pados. O c o r o n e l e m b a r c o u para o R i o a o fim da tarde, sem entender
m u i t o b e m o q u e havia a c o n t e c i d o . Ele ia a o e n c o n t r o de M e n d e l q u e
chegaria às primeiras h o r a s da m a n h ã seguinte procedente de Paris. J o e
voltou para seu a p a r t a m e n t o depois d o j a n t a r e c o m e ç o u a r e e q u a c i o n a r
tudo, j á q u e ele t a m b é m ficou sem entender o q u e aconteceu durante o
j a n t a r e principalmente p o r q u e R i b e i r o , c o n t r a r i a n d o todos os seus h á b i -
tos, n ã o aceitou as tradicionais passagens de ida e volta para o R i o .
A chegada d o m a j o r M e n d e l foi detectada a o m e s m o t e m p o pela C I A e
pela K G B . O s dois serviços e n t r a r a m e m parafuso. E r a a b s o l u t a m e n t e
46
tora de q u a l q u e r p a d r ã o u m oficial i m p o r t a n t e c o m o o c o r o n e l , sub-
chefe de o p e r a ç õ e s d o M o s s a d , se deslocar para u m país c o m o o Brasil.
T a n t o J o e c o m o o cel. Ilukin c o l o c a r a m alerta as suas estruturas e a m -
bos imediatamente chegaram à m e s m a conclusão: alguma coisa de muito
grande estava envolvendo o Brasil e Israel, m a s o q u ê ? O russo estava
mais perto da verdade que o americano. A K G B tinha dados de Bagdá
q u e a C I A n ã o tinha. E n q u a n t o J o e partia r a p i d a m e n t e atrás de Dirceu,
Ilukin c o n v o c o u n o v a m e n t e o seu h o m e m de S. P a u l o a o m e s m o t e m p o
q u e m a n d a v a u m cifrado p a r a M o s c o u . E n q u a n t o esperava p o r Dirceu,
J o e m a n d o u u m a m e n s a g e m p a r a W a s h i n g t o n c o b r a n d o o escritório da
CIA e m T e l Aviv. Dessa vez, o supervisor de Langley p a r a a A m é r i c a d o
Sul se interessou m a i s pelo assunto e resolveu agitar o p r o b l e m a . P r o m o -
veu u m a r e u n i ã o e m seu gabinete entre o s e n c a r r e g a d o s das regionais d o
Brasil e de Israel. Ele q u e r i a saber q u e d i a b o M e n d e l estava fazendo n o
Brasil e p o r q u e até a q u e l a altura o escritório de Dickstein se m a n t i n h a si-
lencioso.
O gal. B r a g a j a m a i s c o r r e r i a o risco de ser a c u s a d o d e ser u m h o m e m
brilhante. T e n d o c h e g a d o à c o n c l u s ã o de q u e sua o p e r a ç ã o n ã o tinha
vazado, resolveu n ã o apenas prosseguir, c o m o t a m b é m , decidiu n ã o levar
a o c o n h e c i m e n t o d o ministro o q u e havia o c o r r i d o . M e s m o estando
certo q u a n t o à o p e r a ç ã o R i o c e n t r o , n ã o avaliou b e m o q u e havia o c o r -
rido, n e m n o t o u q u e o s o u t r o s serviços haviam p e r c e b i d o q u a l q u e r
coisa de e r r a d o n a sua área. Assim, sem i m a g i n a r o q u e r e a l m e n t e p o d e -
ria o c o r r e r depois, d e t e r m i n o u q u e tudo continuasse, sem a o m e n o s se
dar a o trabalho de tranqüilizar seus homens n o Rio, que c o m o alerta,
q u e havia saído de Brasília, ficaram m u i t o nervosos e c o m e ç a r a m a p r o -
m o v e r diversas modificações n o p l a n e j a m e n t o feito a n t e r i o r m e n t e . Isso, é
lógico, iria sacrificar a m a r g e m de êxito da o p e r a ç ã o e m troca de u m a
m a i o r faixa de segurança p a r a os envolvidos. E m vez dos cinco h o m e n s
iniciais q u e estavam envolvidos n o t r a b a l h o de c a m p o , f o r a m escalados
apenas dois: u m capitão e u m sargento, c o m a p e n a s u m c a r r o . U m pe-
q u e n o P u m a de m o t o r e n v e n e n a d o p a r a dar fuga m a i s rápida aos envol-
vidos.
HORA DA VERDADE
Para t o d o h o m e m de i n f o r m a ç õ e s , c o m o de resto p a r a todos nós, ape-
nas q u e e m c o n d i ç õ e s m e n o s dramáticas, c h e g a a h o r a d a verdade. Se ele
é u m a pessoa n o r m a l , c o m r e a ç õ e s h u m a n a s , sem grandes d e f o r m a ç õ e s
mentais o u espirituais, nessa h o r a ele se defronta c o m u m p r o b l e m a m o -
i .il grave, q u e é o c h o q u e entre a ética e a lei. P e l o seu t r a b a l h o , isso é ter-
47
rivelmente d o l o r o s o p o r q u e ele deve t o m a r u m a o p ç ã o : o u ele se p r o h s -
sionaliza, e c o m isso p o d e passar a o largo de toda a imundície e m q u e
vive atolado, o u e n t ã o ele e n l o u q u e c e e para n ã o e n l o u q u e c e r ele tem
q u e sair. T e m q u e d e i x a r o serviço. T e m q u e a b a n d o n a r tudo. M a s nessa
altura ele j á é o u t r o h o m e m . Ele n ã o tem ilusões. Ele n ã o acredita mais
n o s semelhantes n e m alimenta q u a l q u e r esperança e assim é niuito difícil
a ele o p t a r pelo r e t o r n o a u m a vida q u e se c o n v e n c i o n o u c h a m a i ' de n o r -
m a l . É essa angústia da o p ç ã o que q u e b r a a m a i o r i a dos h o m e n s . S e m
c o r a g e m para o r e t o r n o , eles se profissionalizam e, se profissionalizando,
eles, na realidade, se t r a n s f o r m a m e m m e r c e n á r i o s e, se n ã o se transfor-
m a r e m e m m e r c e n á r i o s , n ã o serão b o n s profissionais e, n ã o sendo b o n s
profissionais, n ã o têm n a d a a fazer na á r e a de informações e, tendo feito a
o p ç ã o de ficar na área de informações, eles c o m e ç a m a vender seus servi-
ços a q u e m pagar m a i s e c o m isso t e r m i n a t o d o e q u a l q u e r r e l a c i o n a -
m e n t o c o m tudo a q u i l o q u e se refere à pátria, làmília, a m i g o s e fideli-
dade de u m a m a n e i r a geral. A partir desse p o n t o , só liá a fidelidade
c o n s i g o m e s m o e essa fidelidade se traduz e m prestar seiAiços a q u e m
p a g a mais e assim o h o m e m fica n o b a l c ã o das olertas à espera da sorte
de u m a c h a n c e .
Foi nesse p o n t o q u e Neiva c h e g o u n a q u e l a noite. Após dois dias de an-
gústias terríveis, ele se viu n o m o m e n t o da verdade e realmente n ã o sabia
p a r a o n d e se virar. E r a de o r i g e m de u m a lamília de classe m é d i a alta.
E r a a quarta geração de militares, o q u e e m termos de Brasil, já era u m a
tradição. A partir dessa noite, foi q u e ele c o m e ç o u a e n t e n d e r b e m as ra-
zões que levaram seu pai, já velho general, a verberar sua decisão de entrar
n a área de i n f o r m a ç õ e s . Seu pai, c o m o ele se l e m b r o u , s e m p r e lhe dizia,
p a r o d i a n d o o cel. W a l t e r Nicolai, chefe dos serviços de i n f o r m a ç õ e s ale-
m ã e s durante a P r i m e i r a G u e r r a M u n d i a l , q u e o serviço de i n f o r m a ç õ e s é
o apanágio dos nobres; se confiado a outros, desmorona e que, infeliz-
mente, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, ele havia sido entre-
g u e nas m ã o s da c a n a l h a e q u e era p o r isso q u e ele n ã o q u e r i a ver seu fi-
l h o sacrificar a n o b r e carreira das a r m a s , t r o c a n d o - a pela vida secreta
dentro de u m v a l h a c o u t o q u e era e x a t a m e n t e n o q u e se t i n h a m transfor-
m a d o todos os serviços de informações d o m u n d o . Foi aí t a m b é m q u e ele
se l e m b r o u d o oficial q u e o iniciou n a carreira de informações, m a s q u e
a o lhe dar a chefia d a segunda seção d o r e g i m e n t o , r e c o m e n d o u m u i t o
q u e ele n ã o se mantivesse n a especialização. A q u e l e c o r o n e l repetiu-lhe
m a i s de u m a vez q u e era necessário p a r a u m b o m oficial c o n h e c e r infor-
m a ç õ e s , mas q u e e r a ainda mais i m p o r t a n t e p a r a u m b o m oficial, saber
n ã o ficar n a á r e a de i n f o r m a ç õ e s e q u e a p e n a s os fortes e b o n s t i n h a m o
p o d e r íntimo de a b a n d o n a r a t e m p o as ilusões e os e n g o d o s da área de
informações. Foi nessa h o r a q u e ele saiu d o a p a r t a m e n t o p a r a telefonar
p a r a M a n a u s . E l e tinha t o m a d o a sua decisão e n ã o queria q u e n i n g u é m
soubesse q u e ele iria à p r o c u r a d o velho c o r o n e l q u e o iniciara n a carreira
48
de informações e q u e hoje, c o m o general de divisão, cheiiava o C o m a n d o
Militar da Amazônia. Foi assim q u e ele s o u b e q u e L e ô n i d a s Pires G o n -
çalves estava de férias n o R i o de J a n e i r o . I
Ele resolveu passar o fim da s e m a n a n o R i o , m a s n ã o iria pelos q á m i \
n h o s n o r m a i s . Se e m b a r c a s s e e m C o n g o n h a s , seria detectado p e l o
D E O P S e p e l o p r ó p r i o Serviço. Isso, à q u e l a altura n ã o interessava. N o
dia seguinte, saiu p a r a a l m o ç a r , dizendo q u e iria atrasar-se. A p a n h o u u m
ô n i b u s para C a m p i n a s e u m p o u c o antes de e m b a r c a r pela T A M p a r a o
R i o , ligou p a r a a agência e n c a r r e g a n d o seu imediato de lechar o e x p e -
diente, t o m a n d o todas as providências da m a ç a n t e rotina d o S N I . Disse
q u e estava n a fazenda de a m i g o s e q u e c o m o n ã o tinha telefone, falaria
para o oficial de p l a n t ã o p e l o m e n o s três vezes p o r dia n o s á b a d o e n o
d o m i n g o e q u e ainda n a q u e l a n o i t e voltaria a c h a m a r p a r a saber se havia
algo. L o g o depois e m b a r c o u p a r a o R i o , sem a o m e n o s desconfiar q u e ali
c o m e ç a v a u m a nova etapa de sua vida, a mais perigosa e a mais difícil q u e
já atravessara.
A CONEXÃO ISRAELENSE
N ã o se p o d e dizer q u e Sergei G o l g estivesse feliz. E l e n ã o gostava d e
Mendel. Seu relacionamento c o m o coronel era equívoco. E m b o r a hie-
rarquicamente ele fosse superior, n a estrutura d o M o s s a d o o u t r o estava
ftCima. G o l g achava M e n d e l d e s u m a n o , frio, cruel, carreirista, a m b i c i o s o
e, o q u e é p i o r , sem n e n h u m tipo de lealdade pessoal. E r a u m típico ofi-
1 ial de informações da nova g e r a ç ã o e essa g e r a ç ã o , q u e chegara a o p o d e r
DO s e r v i ç o secreto de Israel levado p e l o gal. Zivi, era f o c o p e r m a n e n t e d e
suas preocupações. Ele achava que até e m informações havia alguns limi-
55
tes e esses jovens, c o m o que incentivados pelo chele, laziam questão de
desconhecer qualquer limite e parece que se divertiam c o m a peiplexidade
dos oficiais mais antigos ante as coisas q u e faziam. G o l g , desde q u e rece-
b e r a a c o m u n i c a ç ã o de T e l Aviv s o b r e a chegada de M e n d e l , a c h o u q u e
isso n ã o prenunciava nada de b o m .
Desde a véspera, q u a n d o Klabin lhe c o m u n i c a r a q u e M i n d l i n n ã o se
dispunha a vir a o R i o para falar c o m o c o r o n e l , as coisas n ã o t i n h a m ca-
m i n h a d o b e m . Ele p e r c e b e u na conversa de Klabin a l g u m a censura
q u a n t o a o c o m p o r t a m e n t o d o M o s s a d e m toda a a r m a ç ã o da t r a m a d o
urânio. Ainda q u e de m a n e i r a m u i t o gentil e educada - Klabin era m u i t o
e d u c a d o - , este lhe explicara q u e desde o início toda a o p e r a ç ã o l o r a c o n -
cebida e criada p o r ele Klabin e p o r M i n d l i n é que n e n h u m dos dois,
a g o r a , via c o m b o n s o l h o s o envolvimento excessivo d o serviço n o as-
sunto, inclusive o risco de se deslocar M e n d e l para o Brasil, lato q u e cer-
tamente alertaria a C I A e a K G B e, u m a vez alertados os dois serviçcís,
n i n g u é m sabia m u i t o b e m o q u e p o d e r i a acontecer. E m b o r a G o l g sou-
besse q u e a C I A e o K G B estavam sem m o v i m e n t o , lace a o teor da c o n -
versa, a c h o u p r u d e n t e n ã o alertar o e m p r e s á r i o sobre o assunto. Seu ra-
ciocínio é q u e c o m cautelas e medidas de segurança extras eles consegui-
r i a m c o n t o r n a r as dificuldades e o risco e p o r isso n ã o via conveniência
e m t o r n a r as coisas ainda mais difíceis d o q u e estavam.
Q u a n d o ele e x p l i c o u a Mendel q u e M i n d l i n n ã o viria de S. P a u l o , sen-
tiu a irritação do coronel. Mendel n ã o tinha b o a impressão de nenhum
dos dois empresários e fazia questão de não escondei- isso. Ele traduziu
sua irritação c o m c o m e n t á r i o s p o u c o lisongeiros sobre empresários que.
a pretexto de prestar serviços a o E s t a d o de Israel, n a verdade ficavam
cada vez mais ricos, u s a n d o o prestígio de Israel e a solidariedade interna-
cional dos judeus. M e n d e l era u m sabra e n ã o via c o m b o n s o l h o s o s ju-
deus q u e resistiam à idéia de se fixar na n a ç ã o judaica.
A casa de Klabin ficava na av. Niemeyer, u m a estrada sinuosa, m u i t o
b o n i t a , que levava à B a r r a da Tijuca, u m n o v o e florescente b a i r r o d o R i o
de J a n e i r o . O s dois c o m b i n a r a m u m e n c o n t r o n o saguão d o hotel Shera-
ton, na av. Niemeyer, p r ó x i m o da casa de Klabin. M e n d e l p o d e r i a apa-
n h a r u m ô n i b u s c o m o q u e m fosse lazer u m giro turístico pela B a r r a .
C o m o o ô n i b u s s e m p r e parava n o S h e r a t o n p a r a a p a n h a r o u t r o s passa-
geiros, ele p o d e r i a saltar e dali a m b o s p o d e r i a m ir c o m mais tranqüili-
dade para a casa o n d e e r a m esperados p a r a o s acertos finais da remessa
d e urânio p a r a o I r a q u e . E assim foi feito. N e n h u m dos dois, n o entanto,
percebeu q u e tanto a C I A c o m o ca K G B os haviam a c o m p a n h a d o até a
entrada da suntuosa m a n s ã o e m q u e m o r a v a u m dos chefes d o sionismo
n o Brasil.
- N ã o a c h o q u e a sua presença n o Brasil seja u m a coisa m u i t o pru-
dente, disse Klabin, à guisa de c u m p r i m e n t a r o visitante. A antipatia entre
a m b o s foi instantânea.
- Isso é o q u e o s e n h o r p o d e achar, m a s os especialistas e m avaliar ris-
56
cos s o m o s n ó s e n ã o o s e n h o r
- A o p e r a ç ã o q u e o r a se desenvolve ioi criada e c o o r d e n a d a aqui n o
Brasil e felizmente tem-se desenvolvido a c o n t e n t o até a g o r a , assim n ã o
vejo razões p a r a interferências externas.
- Eu estou aqui exclusivamente p a r a assegurar q u e as coisas c o n t i n u e m
a se desenvolver dessa f o r m a e apenas vou intervir c a s o o c o r r a a l g u m a
coisa de e r r a d o .
- Foi só para isso q u e o s e n h o r veio até o B r a s i l ?
- H á m a i s u m m o t i v o . P o r razões q u e n ã o n o s c u m p r e discutir, a faixa
de t e m p o foi encurtada. O p r i m e i r o - m i n i s t r o q u e r a entrega feita, e m
B a g d á , n o prazo m á x i m o de 2 5 dias, n e m u m a h o r a a mais.
- O p r o b l e m a de prazo n u n c a foi levantado. N ã o sei se p o d e r i a apres-
sar as pessoas q u e devem ser apressadas para q u e se c u m p r a essa n o v a e-
xigència.
- N ã o se trata de saber se p o d e o u n ã o . T r a t a - s e , isto sim, é de fazer o
q u e deve ser feito.
- O s e n h o r precisa e n t e n d e r várias coisas. A p r i m e i r a delas é q u e esta-
m o s n o Brasil e q u e as coisas a q u i são feitas à brasileira. S e g u n d o , q u e as
pessoas aqui são muito ciosas de suas prerrogativas e de suas posições e c o m o
nisso se envolvem os últimos escalões da República, n ã o há condições de sair
por aí pressionando as pessoas a torto e a direito.
- Posso lhes dizer s e n h o r q u e se p o d e sair sim e q u e p o r entender e x a -
tamente q u e estamos n o Brasil e q u e as pessoas são m u i t o ciosas de suas
prerrogativas foi q u e eu fui enviado p a r a cá.
- O senhor n ã o pretende que u m simples coronel saia por aí a apertar
um general, p r i n c i p a l m e n t e q u a n t o ele tem status de ministro.
- Pois é isso m e s m o que pretendemos. Veja b e m que estou colocando
no plural. A decisão n ã o é m i n h a . É de T e l Áviv. O q u e o s e n h o r deve fa-
zer é o seguinte: ir a q u e m de direito e dar a data limite. Se h o u v e r r e a ç ã o
negativa é apenas m e c o l o c a r e m c o n t a t o c o m essa pessoa e o s e n h o r terá
A surpresa de ver c o m o tudo vai resolver-se a c o n t e n t o .
- O s e n h o r n ã o a c h a q u e está superestimando uns e s u b e s t i m a n d o o u -
|os?!
- N ã o estou n ã o . O s e n h o r c u m p r i n d o as instruções tudo sairá b e m .
- E se eu m e r e c u s a r ?
- O s e n h o r n ã o tem escolha. N e m o s e n h o r n e m o seu associado M i n -
dlln,
- E q u e m lhe disse i s s o ?
- Eü sei q u e n e n h u m dos dois, aliás n i n g u é m q u e está envolvido nisso,
ria condições de resistir a u m e s c â n d a l o .
Isso é c h a n t a g e m ?
I ii n ã o e n t e n d o assim. E n t e n d o q u e eu t e n h o m i n h a s instruções e
• |ui devo cumpri-las e p a r a cumpri-las eu t e n h o a u t o n o m i a até o p o n t o
• Ho em q u e lhe c o l o q u e i o p r o b l e m a . F o r a daí é especulação e eu, infe-
|j| ile, n ã o estou a c o s t u m a d o a raciocinar e m t e r m o s de especulações
57
o u até m e s m o de vaidades feridas. L a s t i m o senhor, m a s a situação é essa e.
n ã o h á n a d a q u e o s e n h o r o u eu p o s s a m o s íàzer p a r a m u d a r as coisas.
Certo ?
Caiu u m silêncio c o n s t r a n g e d o r n o salão e m q u e conversavam. Du-
rante c e r c a d e 3 0 segundos, Klabin ficou c o n s i d e r a n d o M e n d e l e assimi-
l a n d o a grosseria. Ele r e a l m e n t e n ã o gostava d o c o r o n e l , m a s sentia q u e a
aversão q u e o o u t r o sentia p o r ele era ainda m a i o r e ele n ã o entendia p o r
quê. Fazia tudo q u e estava a seu alcance p o r essa gente; e eles n u n c a esta-
v a m satisfeitos e s e m p r e e x i g i a m mais. P o r q u ê ? Resolveu q u e falaria
c o m B e g u i n a respeito na p r i m e i r a o p o r t u n i d a d e e t a m b é m t o m o u a de-
cisão d e n ã o passar q u a l q u e r r e c i b o . Pelo m e n o s p o r o r a teria q u e tolerar
a grosseria. O s interesses e m j o g o e r a m m a i o r e s q u e sua vaidade e d o q u e
q u a i s q u e r ressentimentos de o r d e m pessoal. Ele duvidou q u e o c o r o n e l
o u q u e o p r ó p r i o M o s s a d s o u b e s s e m o q u e se jogava e m t e i m o s de fu-
t u r o d o Brasil nessa o p e r a ç ã o . Assim resolveu ser conciliador.
- B e m , v o u c o l o c a r os p r o b l e m a s para as pessoas de direito e informa-
rei o cel. G o l g .
- L a s t i m o senhor. P o r m e d i d a de segurança, o c o r o n e l deve ser posto
fora desse circuito. Aliás, as instruções q u e t e n h o é de q u e o s e n h o r leia
esta d o c u m e n t a ç ã o a g o r a e depois m e devolva p a r a q u e eu a destrua i m e -
d i a t a m e n t e . O c o r o n e l p o r sua vez deve r e t o r n a r a i n d a h o j e p a r a Brasília
p a r a q u e sua ausência da Capital n ã o levante suspeitas entre a c o n c o r r ê n -
cia. E u ficarei n o R i o e n ó s e l a b o r a r e m o s u m sistema de c o m u n i c a ç õ e s
c o m o m á x i m o de segurança possível.
Klabin leu c o m c a l m a o d e s p a c h o q u e lhe havia sido enviado p e l o pre-
m i e r de Israel e c o m e ç o u a e n t e n d e r m e l h o r o p r o b l e m a da pressa. Havia
q u e se i m p e d i r de q u a l q u e r f o r m a q u e a curva da o p i n i ã o p ú b l i c a c h e -
gasse a u m ponto irreversível. D a leitura, ele também tirou a certeza de
q u e o M o s s a d n e m de leve desconfiava d o a c e r t o q u e ele e M i n d l i n ti-
n h a m feito c o m M e d e i r o s . E l e p e r c e b e u q u e o s militares a c h a v a m q u e se
tratava d e m a i s u m a grosseira m a n o b r a de c o r r u p ç ã o q u e deveria se tra-
duzir p o r u m depósito e m a l g u m a c o n t a n a Suíça. Ele respirou aliviado
q u a n d o devolveu os papéis a o coronel, que p o r sua vez, sem a m e n o r ceri-
mônia, os incinerou dentro de u m a belíssima peca de prata. Positiva-
vamente, o coronel n ã o tinha finesse, nem entendia nada de coisas finas.
Klabin p e r c e b e u o c o n s t r a n g i m e n t o d o cel. G o l g , m a s deu-lhe u m sorriso
tranqüilizador. Ele gostava d a q u e l e c o r o n e l . E l e era b e m e d u c a d o e culto.
Positivamente n ã o tinha n a d a a ver c o m a q u e l e sabra m a l - e d u c a d o e pre-
s u n ç o s o . Se e r a m esses os h o m e n s q u e h o j e e m dia d o m i n a v a m Israel e
cuja ascendência iria crescer cada vez mais, ele se c o n g r a t u l o u p o r nunca
ter sido e m b a í d o p e l o c a n t o da sereia de Israel. E l e sabia q u e Isarel c o m o
E s t a d o era i m p o r t a n t e p a r a determinadas coisas, c o m o t a m b é m sabia
q u e s e m h o m e n s c o m o M e n d e l j a m a i s a q u e l e estado haveria de se c o n s o
lidar e a c o n s o l i d a ç ã o era importante.
58
0 relatório das atividades de M e n d e l , n o R i o , c h e g o u à C I A e à K G B
c o m m e n o s de u m a h o r a de diferença. J o e r e c e b e u antes j á q u e p a r a os
a m e r i c a n o s era mais fácil o p e r a r n o Brasil d o q u e p a r a os soviéticos.
O s a m e r i c a n o s analisou l o n g a m e n t e a situação. R e a l m e n t e estavam
o c o r r e n d o coisas estranhas n a área d o M o s s a d . N ã o era n o r m a l q u e u m
subchefe de o p e r a ç õ e s se deslocasse desde T e l Aviv exclusivamente para
falar c o m Israel Klabin. Ele sentiu m a i s u m a vez q u e o s judeus estavam
p r e p a r a n d o a l g u m a coisa de grande. M a s o q u ê ? A l g u m seqüestro p a r a
u m j u l g a m e n t o político sensacionalista? E r a possível. As eleições estavam
c h e g a n d o e pelo q u e ele sabia, a m e n o s q u e ocorresse a l g o de espetacu-
lar, era certo q u e B e g u i n perderia a eleição. M a s seqüestrar q u e m n o B r a -
sil? N ã o havia n e n h u m c r i m i n o s o de guerra aqui q u e produzisse u m
circo à altura das necessidades. Havia gente assim n a Argentina, n o Para-
guai e n o Chile. Talvez n a Bolívia. M a s m o n t a r o Q G de u m a o p e r a ç ã o
assim n o Brasil, n o R i o de J a n e i r o , tão l o n g e da fronteira ? N ã o parecia
verossímil, m a s c o m o as coisas d o M o s s a d , principalmente p o r sua ousa-
dia, s e m p r e t i n h a m lances surpreendentes e os riscos c o r r i d o s e r a m sem-
pre m u i t o grandes, resolveu considerar até essa possibilidade e alertou
para isso W a s h i n g t o n e os escritórios da C o m p a n h i a n o Chile, Paraguai e
Argentina.
J á o cel. Ilukin, q u e dispunha dos d a d o s de B a g d á q u e a C I A desco-
nhecia, evoluiu p a r a o u t r a f o r m a de r a c i o c í n i o . E r a c e r t o q u e iria haver
. i l g o de grande entre o Brasil e o I r a q u e e era t a m b é m c e r t o , d e n t r o de
u,i ótica, q u e o M o s s a d havia d e s p a c h a d o p a r a o Brasil u m dos seus mais
I li< ientes h o m e n s de o p e r a ç õ e s p a r a frustrar o q u e q u e r q u e fosse q u e se
I Itava pretendendo fazer. C o m o ele n ã o sabia o q u e era, e n t r o u e m para-
l u s o . C o m e ç o u a i m a g i n a r q u e se conseguisse frustrar o s p r o p ó s i t o s de
l II .icl marcaria p o n t o s m u i t o altos e m M o s c o u , j á q u e daria c o n d i ç õ e s a o
H n governo de a u m e n t a r sua influência e m B a g d á . Isso c e r t a m e n t e r e -
H iiitaria u m a p r o m o ç ã o , até possivelmente a chefia d o setor d a
\ i i li i ica d o Sul da K G B . Essa chefia significaria u m a p r o m o ç ã o p a r a g e -
1 i l , uma datcha n o M a r N e g r o , u m a lirnousine Zil c o m m o t o r i s t a , u m
i i m r n t o considerável n o s seus v e n c i m e n t o s e u m salto q u e c o l o c a r i a n o
i n i i i i l i i ) seguro e tranqüilo d o alto escalão da c o m u n i d a d e de segurança
l i URSS, de o n d e dificilmente a l g u é m p o d e r i a d e r r u b á - l o . E n t r a n d o
i l.iixa, ele estaria c o m seu futuro assegurado e o q u e é m a i s i m p o r -
llli , i.i da área de intrigas e traições q u e caracterizavam o escalão se-
llllli Ia K G B . Seria enfim a sua tranqüilidade p a r a u m a velhice
luilti i respeitada.
I . M « « K I » esse estado de espírito q u e o chefe da K G B n o Brasil instruiu
A g o r a v o c ê está satisfeito, N e i v a ? F i c o u s a b e n d o d e t u d o e n ã o a-
lu.
liido, Aryzinho?
Bem, p e l o m e n o s e u a c h o q u e tudo o q u e o N i n i s a b e .
i n o p o d e ser, m a s p e l o q u e e u vi e l e s a b e b e m p o u c o , n ã o é ?
I' P a r e c e q u e s i m .
i voiè o que acha disso?
Sabe, eu desde h á m u i t o t e m p o m e acostumei a c u m p r i r ordens e
«VHiiçar sinais. H á coisas q u e estão a c i m a de nossa p o s i ç ã o e entendi-
,,,,
li não acho isso n ã o , A r y z i n h o . E u a c h o é q u e h á c o i s a s q u e e s -
" i n i . i de nossas f u n ç õ e s , m a s , por p r o f i s s i o n a l i s m o , n ó s d e v e m o s
67
e m p e n h a r - n o s a o m á x i m o p a r a conhecê-las p o r inteiro e q u e r o dizer-lhe
q u e n ã o estou nada satisfeito c o m essa história d o u r â n i o . '
- N ã o h á n a d a q u e p o s s a m o s fazer. E l e s d e c i d e m e d e t e r m i n a m .
Nós obedecemos.
- N e m s e m p r e é a s s i m , s a b e A r y z i n h o . Às vezes, e n ã o f o r a m p o u -
cas, nós tivemos q u e interferir para evitar grandes cagadas.
- M a s c o m o é q u e p o d e m o s c o l o c a r esse p r o b l e m a ? V o c ê n ã o viu
o q u e quase dá a sua teimosia c o m o N i n i ?
- O r a A r y z i n h o , n ó s d o i s s a b e m o s q u e n ã o ia d a r e m n a d a . V ê se
e l e é l o u c o de c h e g a r c o m u m a b o m b a dessas a u m C o n s e l h o d e J u s -
tificação
- M a s ele d e m o n s t r o u c o n f i a n ç a e m v o c ê , N e i v a .
- E l e ficou s e m e s c o l h a A r y z i n h o , o u a c e r t a v a o u c o r r i a o s r i s c o s e
ele s a b e b e m , c o m o v o c ê t a m b é m s a b e , q u e e u n ã o t e n h o m e d o d e
chave de galão.
- A c o n v e r s a c o m v o c ê está f i c a n d o difícil.
- N ã o é a c o n v e r s a q u e está f i c a n d o difícil. É q u e eu s o u d i f e r e n t e
de vocês dois. Isso t u d o m e p r e o c u p a tanto q u a n t o a vocês dois, mas
e u n ã o c o l o c o m i n h a s f u n ç õ e s a c i m a de d e t e r m i n a d a s c o i s a s .
- E u p o s s o i n t e r p r e t a r isso c o m o o f e n s i v o , N e i v a . T e n h a c u i d a d o
c o m o q u e v o c ê fala.
- Q u a n d o e u e s t o u c e r t o , n ã o t e n h o é q u e ter c u i d a d o c o m n a d a .
V o c ê e e l e é q u e d e v e m ter c u i d a d o . V o c ê s e s t ã o s a b e n d o d e s s a h i s -
t ó r i a d o u r â n i o d e s d e o p r i n c í p i o e se m a n t i v e r a m , a i n d a q u e e n g a j a -
dos n o assunto, a u m a distância prudente. Eu n ã o . Eu entrei n o ne-
g ó c i o s e m s a b e r e a g o r a q u e fui c o l o c a d o p o r d e n t r o , p r a t i c a m e n t e à
força, vou até o fim. Q u e r o deixar b e m claro q u e n ã o t e n h o c o n -
f i a n ç a n o M a l u f e e s t o u d e s c o n f i a d o d e t u d o isso. As e x p l i c a ç õ e s q u e
recebi, longe de serem convincentes, n a verdade foram assustadoras e
eu v o u c h e g a r a o â m a g o d o p r o b l e m a p o r c o n t a p r ó p r i a .
- V o c ê está s e n d o d e s n e c e s s a r i a m e n t e a g r e s s i v o e isso t u d o p o d e
ser m u i t o p e r i g o s o .
- A r y z i n h o , é b o m q u e v o c ê s a i b a e q u e m m a i s v o c ê a c h a r d e di-
r e i t o q u e eu n ã o t e n h o m e d o d e p e r i g o s n e m de p e r d e r m i n h a fun-
ç ã o . O c a r g o n a A g ê n c i a S P está a sua d i s p o s i ç ã o e v o c ê p o d e b o t a r lá
u m D i r c e u desses d a vida, a s s i m v o c ê j a m a i s t e r á p r o b l e m a s c o m o os
q u e v o c ê está t e n d o a g o r a .
- M a s q u a l é a sua, N e i v a ? V o c ê q u e r b r i g a m e s m o ?
- E u n ã o q u e r o b r i g a , m a s t a m b é m n ã o a c e i t o ser e m p u l h a d o Kn
j á e s t o u c a n s a d o dessas c o n v e r s a s t o d a s q u e n ã o l e v a m a n a d a . N ó s ,
n a v e r d a d e , e s t a m o s feito b a r a t a s t o n t a s f a z e n d o b e s t e i r a a t r á s d e b e s
t e i r a e n q u a n t o esses s e n h o r e s q u e a r r o t a m a u t o r i d a d e e d i g n i d a d e d l
« f u n ç ã o e s t ã o d i l a p i d a n d o a N a ç ã o . E s t o u c h e i o de l e v a n t a r a s s u n i o i
q u e q u a n d o c h e g a m a o nível d e a l g u m c o r o n e l b e m c o l o c a d o , u m
general ou u m político qualquer c o m ligações n o Planalto, param e a
l a d r o e i r a c o n t i n u a . N e s s e c a s o d o u r â n i o , e u n ã o sei se é o M e d e i r o s ,
mas que há a l g u é m b e m situado que está fazendo u m a j o g a d a q u a l -
q u e r , isso h á e n e m v o c ê n e m n i n g u é m m e c o n v e n c e d o c o n t r á r i o .
- Eu acho que você está nervoso. É melhor você ir refrescar sua ca-
beça em SP.
- E é o q u e e u v o u fazer.
A d e s p e d i d a e n t r e o s d o i s foi m u i t o r u i m . Q u a n d o o c e l . D i r c e u
apareceu para a c o m p a n h á - l o ao aeroporto, Neiva p u r a e simples-
m e n t e m a n d o u e l e à m e r d a e d i s p e n s o u sua c o m p a n h i a . F o i e m b o r a
apenas c o m o motorista, deixando o outro constrangido e aturdido
na g a r a g e m d a A C . F o i a s s i m q u e N e i v a e n t r o u n a lista d o s n ã o -
confiáveis d o S N I .
A BOMBA EXPLODE
Enquanto Neiva ainda voava n o 727 da VASP, Aryzinho, n o despacho
normal d o fim de tarde, chegava à c o n c l u s ã o c o m o gal. N e w t o n q u e o
coronel de SP havia p e r d i d o a confiança d o Serviço. I m e d i a t a m e n t e foi
enviado u m telex d e t e r m i n a n d o a Neiva q u e entrasse e m férias, e ele ti-
ni ia duas atrasadas.
Neiva s o u b e da m o r t e de Cristhiane assim q u e saltou n o a e r o p o r t o d e
(tongonhas. O adjunto lhe c o n t o u q u e n o s á b a d o à tarde o c o r p o d e l a
fbra localizado e m m o t e l q u e alugava chalés, n a r o d o v i a dos Imigrantes.
* >•. médicos t i n h a m atestado u m a super d o s e de d r o g a e q u e t u d o d e m o -
I . I I . I p o r q u e a identificação tinha sido feita n a q u e l a m a n h ã . Parece q u e
7»
I
o c a b e l o b r a n c o , tirou os ó c u l o s e p e r g u n t o u se L e ò n i d a s a c h a v a qui 11
presidente estava a p a r desses fatos.
- É difícil, general, ele n ã o estar a par. C o m o o s e n h o r p ô d e ouvir, e m
m u i t o s dos fatos a q u i n a r r a d o s se envolvem a sua m u l h e r e seus dois li-
lhos. Depois, é b o m n ã o se e s q u e c e r q u e antes da presidência ele foi chefe
d o S N I . o q u e t o r n a a possibilidade d o seu d e s c o n h e c i m e n t o a i n d a m a i s
inadmissível, m a s e u a c h o q u e , m e s m o q u e ele d e s c o n h e ç a , ele se cercou
de tal tipo de pessoas, q u e fica difícil isentá-lo da responsabilidade. G o s -
taria, n o entanto, q u e os outros m e m b r o s desta reunião expusessem seus
p o n t o s de vista a r e s p e i t o . "
U m a u m eles f o r a m c o n c o r d a n d o c o m a e x p o s i ç ã o de L e ò n i d a s .
Mas M a r c o n d e s n ã o se deu p o r satisfeito. O s seus o l h o s azuis d e m o n s -
travam u m a p r o f u n d a angústia e t o d a sua expressão, de n o r m a l g e n e r o s a
e c o m p l a c e n t e , c o m o a de u m avô b e n é v o l o e tolerante, estava c a r r e g a d a
p o r u m a e x p r e s s ã o de p e r p l e x i d a d e e dúvida. V i a - s e c l a r a m e n t e q u e era
difícil para ele aceitar o q u e tinha acabado de ouvir. Ele desabo toou o bla-
zer m a r r o m - e s c u r o , virou-se p a r a o gal. T o r r e s , o s e g u n d o e m idade, e
perguntou:
- V o c ê acredita nisso tudo, T o r r e s ?
- É difícil a gente aceitar, m a s p a r e c e q u e é verdade. T e n h o de m i n h a
parte o u v i d o m u i t a coisa e p a r e c e q u e as i n f o r m a ç õ e s se cruzam. A c h o
q u e o L e ò n i d a s fez b e m e m n o s reunir. Talvez c h e g u e m o s a a l g o de p r á -
tico.
- H á q u e se r e c o n h e c e r - disse o gal. C a m p o s , q u e e r a o m a i s n o v o d o s
o i t o e o mais i m p e t u o s o - q u e o n o s s o descrédito n u n c a c h e g o u a tal
p o n t o . N e m m e s m o n a guerra d o Paraguai c o n s e g u i m o s ficar t ã o m a l ,
n u m a clara a l u s ã o às b a r b a r i d a d e s e violências praticadas pelos brasilei-
ros a p ó s terem d e r r o t a d o S o l a n o L o p e z .
- V o c ê está e x a g e r a n d o , C a m p o s .
- N ã o estou m e s m o , M a r c o n d e s . E u t e n h o a n d a d o p o r aí, coisa q u e
você n ã o faz. S e o fizesse talvez fosse v o c ê q u e m p r o m o v e r i a esta reunião e
n ã o o L e ò n i d a s . A c h o q u e v o c ê t e m q u e reativar alguns contatos para ver
q u e temos razão.
- N a A e r o n á u t i c a a situação n ã o é m e l h o r , a c r e s c e n t o u o brigadeiro
L e o m i l . T e n h o conversado c o m vários colegas e a c h o o q u a d r o real-
m e n t e m u i t o difícil. P e l o q u e e u sei, o d e s c o n t e n t a m e n t o entre o s iu mios
é a i n d a m a i o r q u e n o Exército.
L e o m i l se levantou p a r a se servir de whisky. C o m m a i s de I p80m d e dl-
tura, e r a m a g r o , b e m elegante. N ã o aparentava os setenta U 1 0 I q u e )•< li-
n h a vivido. A p e n a s suas cãs b r a n c a s , s e m p r e revoltas, davam uma Idéia
d e sua idade. Q u e i m a d o d o sol, era freqüentador assíduo da praia n a al-
tura da gal. Mitre, n o L e b l o n , o n d e se c o n c e n t r a v a u m g r a n d e n ú m e r o de
oficiais d a F A B .
- T e n h o conversado m u i t o c o m o m e u pessoal n a praia - prosseguiu -
e p o s s o dizer-lhe, M a r c o n d e s , q u e r e a l m e n t e é p r e o c u p a n t e o p o n t o a q u e
chegamos.
C o m o q u e a p r o v e i t a n d o a deixa, o a l m i r a n t e Ferraz, a p ó s se m e x e r
m u i t o n a poltrona, p a r a ajeitar seus q u a s e 9 0 quilos, m u i t o m a l distribuí-
d o s n o s seus l , 6 0 m de altura e q u e lhe d a v a m u m ar p e r m a n e n t e de des-
m a z e l o e deselegância, s e n t e n c i o u :
- A c h o q u e t e m o s q u e fazer algo antes q u e a l g u é m o faça. Conversei
s e m a n a passada c o m o chefe d o C E N I M A R e ele a c h a q u e o princípio da
autoridade j á foi c o m p r o m e t i d o e q u e c o m as eleições d e n o v e m b r o o
G o v e r n o perderá a m a i o r i a e depois disso é inevitável a eleição direta
p a r a presidente e o c o r r e n d o isso n ó s v a m o s perder o c o n t r o l e d a situa-
ção.
- M a s , Ferraz, o q u e n ó s q u e r e m o s , o u p e l o m e n o s o q u e eu entendi
até aqui, é ver c o m o c o n s e g u i m o s sair dessa situação e evitar de en-
volver-nos mais c o m política e políticos, aparteou o gal. Morais, então
esse n e g ó c i o d e p e r d e r o c o n t r o l e n ã o é e x a t a m e n t e o q u e se está p r o -
p o n d o aqui.
- V e j a M o r a i s , r e s p o n d e u Ferraz, a p e n a s falo e m p e r d a de c o n t r o l e
p o r q u e a c h o q u e c o m e t e m o s o e r r o de sacrificar todas as lideranças civis
válidas e sem b o n s líderes é fatal q u e o país seja atirado a o caos.
- P e l o q u e eu ouvi aqui, Ferraz, e p e l o q u e sei de ouvir p o r aí, n o caos,
t a t i c a m e n t e , n ó s j á estamos e n ã o vejo n e n h u m civil envolvido mais
Í ü n d o nisso. A responsabilidade é dos militares e tentar tirar esse q u e aí
está p a r a c o l o c a r o u t r o n ã o sei se é u m a b o a .
' - C o m licença, disse o gal. Mattos e se levantou. E u creio q u e t o d o s vo-
cês t ê m razão. O c o r r e q u e eu e n t e n d o q u e , se t e m o s q u e fazer a l g o , esse
a l g o deve ser radical, m e s m o p o r q u e , até a g o r a n ã o ouvi s e q u e r u m a pa-
lavra d a q u e d a d o nível nas escolas militares. Q u a n d o passei p a r a a r e -
serva, o m e u ú l t i m o p o s t o foi de D i r e t o r d o E n s i n o d o E x é r c i t o ; entrega-
m o s , os diretores de E n s i n o das três a r m a s , a cada u m de nossos minis-
tros u m estudo d e m o n s t r a n d o q u e a e r o s ã o d o nível nas escolas e a fre-
q ü ê n c i a cada vez m a i o r de oficiais nas faculdades estavam c o m p r o m e -
t e n d o seriamente a estrutura das F o r ç a s A r m a d a s e até h o j e , a o q u e eu
saiba, n a d a foi feito nesse sentido. M u i t o p e l o c o n t r á r i o , a coisa ficou
a i n d a pior. E n t ã o p a r a m i m , a l é m disso t u d o q u e eu ouvi e q u e é terrível,
é preciso q u e se faça algo d e r e a l m e n t e radical, se é q u e p r e t e n d e m o s efe-
tivamente envolver-nos e m a l g u m a coisa m a i s séria, pois n a h o r a e m q u e
a oficialidade estiver c o m seus p a d r õ e s de análise e c o m p o r t a m e n t o c o m -
78
pletamente d e f o r m a d o s , n ã o haverá n a realidade m a i s n a d a q u e possa-
m o s fazer. A c h o q u e a sugestão d o L e ô n i d a s é a c o r r e t a . D e v e m o s esco-
lher u m chefe a q u i e a g o r a e m o n t a r u m E s t a d o - M a i o r p a r a e q u a c i o n a r
tudo isso o u e n t ã o deixar c o m o está, m e s m o p o r q u e n ó s j á passamos da
idade de b r i n c a r de c o n s p i r a ç ã o . P a r a m i m a última b r i n c a d e i r a foi e m
64.
79