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STATUS APRESENTA

UMA NOVELA ATRIBUÍDA A


Alexandre Von Baumgarten
YELLOW CAKE

Editoras:
Domingo Alzugaray
Cátia Alzugaray

1985 - EDITORA TRÊS

FOTO DA CAPA Antônio R. Monteiro


OS INGREDIENTES
- Seiscentos m i l h õ e s de cruzeiros? E m c o n t a d o ? E u n ã o p o s s o pagar
isso, general.
- E por que, general?
- P o r q u e , m e s m o sendo presidente d a e m p r e s a , tenho u m C o n s e l h o
Diretor para d a r contas.
- O q u e a sua e m p r e s a vai c o n t r a b a n d e a r apenas e m m a d e i r a , p a r a
não se falar nas afloráções d e o u r o e pedras preciosas, c o b r e tudo isso fa-
cilmente.
- Acontece, general, q u e o s e n h o r q u e r isso adiantado e eu n ã o t e n h o
de o n d e tirar a g o r a . Se ficasse p a r a depois, p o d e r í a m o s até estudar c o r r e -
ção para o m o n t a n t e .
- N ã o h á c o n d i ç õ e s ! M i n h a candidatura t e m q u e ser posta a r o d a r e eu
não posso desviar esse dinheiro d o S N I .
- O q u e n ó s precisamos fazer e n t ã o é estudar u m c o n t r a t o q u a l q u e r d e
alguma firma de prestação d e serviços c o m a C a p e m i . Essa é a única m a -
neira q u e eu vejo p a r a lhe repassar esse d i n h e i r o . A c h o , aliás, q u e essa
li 11 na t a m b é m p o d e r á servir p a r a acertar as contas p a r a a c o n c e s s ã o d a
carta patente d o b a n c o , q u e t a m b é m v a m o s pagar a d i a n t a d a m e n t e .
- Isso vai envolver m a i s gente, general, eu n ã o gosto. T e n h o tido êxito
.ué aqui graças à m i n h a discrição.
- A c h o q u e o s e n h o r n ã o deve se p r e o c u p a r , m e s m o p o r q u e , daqui
para a frente, o senhor vai ter q u e aumentar sua equipe e mais gente de-
vera participar disso tudo. Essas coisas, infelizmente, c h e g a m a u m p o n t o
em q u e n ã o é m a i s possível se fazer a sós.
- V o l t o a l h e dizer q u e isso n ã o m e agrada, general.
- E u n ã o vejo o u t r a m a n e i r a , general. N ã o h á c o n d i ç õ e s de se dar
saída e m 6 0 0 m i l h õ e s d e cruzeiros d a f o r m a q u e o s e n h o r pretende. O se-
n h o r n ã o deve se esquecer q u e eu n ã o m a n i p u l o verbas secretas. Se para
<» senhor, q u e m a n i p u l a essas verbas, é difícil desviar esse m o n t a n t e , i m a -
gine só p a r a mim'.
- N ó s p r e c i s a m o s estudar isso m e l h o r . D e m o m e n t o n ã o m e o c o r r e
quem eu possa usar p a r a m o n t a r essa firma.
- P o d e deixar, general. E u v o u ver isso e depois submeterei tudo a o se-
nhor.
- N ã o se esqueça q u e 2 a . feira v o u levar a c o n c o r r ê n c i a p a r a o presi-
dente. A t é lá isso t e m q u e estar resolvido, senão, n a d a feito c o m a m a -
deira e c o m o b a n c o .
- E u v o u a i n d a h o j e p a r a o R i o . T e m o s e n t ã o m e n o s de 10 dias, já q u e
não p o d e m o s c o n t a r c o m o s feriados. M a s creio q u e poderei registrar
essa firma e m 72 horas. P o r u m a q u e s t ã o d e estratégia, a c h o conveniente
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q u e a sede da e m p r e s a seja a q u i e m Brasília. Assim tudo isso ticará m a i s
fechado.
- O s e n h o r é q u e sabe, general. Eu sei q u e preciso desses recursos, e m
espécie, v o l t o a repetir, até d o m i n g o à noite. N u n c a se esqueça q u e t e n h o
c o n d i ç õ e s de fazer esse a c e r t o c o m o s franceses. E l e s ' e s t ã o aqui e m
Brasília e estão feito loucos.
- M a s o s q u e estão aqui são a p e n a s intermediários. A coisa toda deve
ser acertada e m Paris.
- O presidente vai p a r a a F r a n ç a e eu estou n a sua comitiva. Se for o
caso, farei o a c e r t o lá.
- N ã o se p r e o c u p e , general. N a d a disso vai ser necessário. Nos p r ó x i -
m o s seis dias t e r e m o s tudo a c e r t a d o e o senhor estará c o m o dinheiro e m
mãos.
- Assim espero. B o a tarde, general. Espero notícias suas. M a s antes de
q u a l q u e r providência, é i m p o r t a n t e q u e eu aprove o s n o m e s dos h o m e n s
q u e v ã o a p a r e c e r c o m o diretores da íirma.
- S e m dúvida, general. Nestas 4 8 h o r a s íhe submeterei o s n o m e s . B o a
tarde.

C e r c a das 3 h o r a s da m a n h ã , o c o r o n e l e m p u r r o u a papelada q u e es-


tava n a frente n a sua mesa. Esticou o s b r a ç o s "e e n c o s t o u a c a b e ç a n o
t a m p o frio d e vidro da m e s a .
- Preciso esfriar m i n h a c a b e ç a . E l a parece q u e está p e g a n d o f o g o .
L o g o depois tocou o telefone v e r m e l h o . E r a o chefe da Agência e q u e -
ria s a b e r c o m o estava a o p e r a ç ã o .
- Y e l l o w C a k e j á foi iniciada, general. Até a q u i vai tudo b e m , respon-
deu Ary.

A essa m e s m a h o r a , o chefe d o Mossad e m Brasília enviou u m cifrado


p a r a T e l Aviv. O Brasil vai vender u r â n i o p a r a o I r a q u e . A transação foi
c o n c l u í d a esta m a d r u g a d a . A g u a r d o instruções. Serguei G o l g , cel. In.

O g o v e r n a d o r d o Estado d e S ã o P a u l o estava e u f ó r i c o . M a n d o u c o n -
v o c a r às pressas o secretário d a Indústria e T e c n o l o g i a . L o g o c e d o ele h a -
via sido i n f o r m a d o p o r Brasília de q u e suas gestões j u n t o a o g o v e r n o d o
I r a q u e p a r a venda de u r â n i o h a v i a m sido aprovadas e q u e tudo a g o r a de-
p e n d i a a p e n a s de p e q u e n o s detalhes.
- P a l m a , a c a b a m o s de dar u m g r a n d e salto. A c h o q u e a partir de a g o r a
as coisas estão c o m e ç a n d o a ficar irreversíveis.
- S a l t o ? Irreversíveis? Desculpe, m a s n ã o estou e n t e n d e n d o n a d a .
- E u v o u explicar. L e m b r a - s e q u a n d o f o m o s a o O r i e n t e M é d i o a pre-
texto d e a u m e n t a r a e x p o r t a ç ã o n a c i o n a l e q u e v o c ê a c h o u tudo u m a
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loucura?
- S i m , m a s e daí ? V o c ê disse q u e u m dia eu iria e n t e n d e r e q u e se tra-
tava d e u m a das m a i o r e s j o g a d a s j á feitas p e l o Brasil. É isso ?
- É isso m e s m o . A g o r a p o s s o lhe c o n t a r . Q u a n d o s a í m o s daqui foi
p a r a vender urânio.
- V o c ê e n l o u q u e c e u de vez!
- D e i x e eu a c a b a r . A transação foi feita e a venda autorizada pela Presi-
dência da R e p ú b l i c a .
- A t r o c o de q u e eles haveriam de dar isso a v o c ê se eles têm b e m à
m ã o a q u e l e j a p o n ê s da P e t r o b r á s q u e se d á t ã o b e m c o m toda a q u e l a
g e n t e de l á ?
- É q u e se saísse a l g u m a coisa e r r a d a o risco era só m e u e n ã o haveria
e n v o l v i m e n t o d o G o v e r n o Federal.
- O q u e é q u e v o c ê vai levar e m t r o c a ?
- T o d a s as facilidades p a r a a c a m p a n h a presidencial, c o m o , p o r e x e m -
p l o , e n t r e outras coisas, a a p r o v a ç ã o d o p r o g r a m a da Paulipetro.
- Q u e m vai entregar o u r â n i o e a o n d e ?
- N ó s é l ó g i c o , n o a e r o p o r t o militar de S ã o J o s é dos C a m p o s . S e r á
u m a o p e r a ç ã o secreta e m nível d o gal. M e d e i r o s e d o presidente da R e -
pública.
- Isso é p e r i g o s o . E u n ã o estou g o s t a n d o . N ó s v a m o s n o s e x p o r de-
mais.
- N ã o diga b o b a g e m . O q u e v o c ê t e m q u e fazer é acertar tudo p a r a a
entrega ser feita o m a i s breve possível.
- C o n t i n u o a lhe dizer q u e esse n e g ó c i o t o d o está m e c h e i r a n d o m u i t o
m a l . A m u d a n ç a de Brasília e m r e l a ç ã o à gente foi m u i t o rápida e m u i t o
drástica. H á q u a l q u e r j o g a d a p o r trás disso tudo..
- F i q u e c a l m o . Se eles fizerem sujeira e u c o n t o t u d o !
- E u q u e r o é saber c o m o é q u e Israel vai reagir a isso. Até aqui você,
m e s m o s e n d o á r a b e , conseguiu conviver b e m c o m a judeuzada. E u q u e r o
só ver c o m o vai ser q u a n d o eles s o u b e r e m disso e v o c ê p o d e ficar b e m
t r a n q ü i l o q u e eles v ã o s a b e r disso tudo b e m antes d o q u e v o c ê possa se-
quer imaginar. .
- N ã o se p r e o c u p e . V o c ê é u m pessimista. V o c ê acha q u e eu faria isso
s e m ter tido luz verde d o P l a n a l t o ?
- Esse pessoal d o P l a n a l t o vive d e i x a n d o t o d o m u n d o c o m a b r o c h a n a
m ã o . E u repito. N ã o estou g o s t a n d o disso. O risco é m u i t o grande. H á
q u a l q u e r j o g a d a p o r trás disso.
- B o b a g e m , P a l m a . V á lá providenciar tudo e m e avise o mais c e d o
possível.
- P o d e deixar q u e até o fim da tarde de a m a n h ã eu t e n h o toda a posi-
ç ã o , m a s n ã o se e s q u e ç a q u e eu o avisei. Esse n e g ó c i o vai a c a b a r m a l para
a gente. N ã o é n o r m a l tanta c o l h e r de c h á . Eles n ã o g o s t a m da gente.
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T e m sujeira n o m e i o .
- D e i x e p r a lá, Palma. D o j e i t o q u e eu cheguei a o governo d o Estado,
q u e n e m v o c ê acreditava, chegarei a Presidência.
- T u d o b e m , m a s não diga q u e eu n ã o avisei. F a l o c o m você a m a n h ã .
Até l o g o .
- F a ç a tudo depressa. Até l o g o .

A N u c l e b r á s é u m a empresa h e r m é t i c a . C o m o p r e t e x t o da S e g u r a n ç a
N a c i o n a l , n i n g u é m sabe m u i t o b e m o q u e se passa lá p o r dentro. O pre-
sidente, e m b a i x a d o r de carreira, fraco e m u i t o a m b i c i o s o , tem c o n s e -
g u i d o sobreviver a vários g o v e r n o s . S u a técnica, p o r ser simples, é efi-
ciente. E l e n ã o deixa n i n g u é m decidir nada. T o d a s as decisões devem
passar p o r seu " d e a c o r d o " .
Assim, q u a n d o se p r o g r a m o u u m a m a n o b r a d e situação de emergên-
cia, e f o r a m ligadas todas as entradas e saídas de força da Usina A n g r a I,
q u e n ã o resistiram às cargas de corrente, n i n g u é m sabia b e m o q u e fazer,
j á q u e o p r i n c í p i o de incêndio e a destruição d e b o a parte das grandes
barreiras d e c o n c r e t o e das paredes de c h u m b o a c a b a r a m p o r c h e g a r até
o c o n h e c i m e n t o d o chefe d o C o r p o de B o m b e i r o s d o Estado do R i o .
O e m b a i x a d o r Paulo N o g u e i r a Baptista ficou s a b e n d o d o acidente da
pior forma possível. O chefe d o C o r p o de Bombeiros, c o m o b o m coronel d o
Exército q u e é, logo informou a o seu chefe imediato, o general secre-
tário da S e g u r a n ç a Pública e o C o m a n d a n t e d o I E x é r c i t o , sob cuja j u r i s -
dição se e n c o n t r a a Usina A n g r a I. Nessa altura, o presidente da N u c l e -
brás foi localizado n a ante-sala d o general chefe da Casa Militar da Presi-
dência d a R e p ú b l i c a , que t a m b é m é secretário d o C o n s e l h o de Segurança
Nacional. C o m o ele estava conversando c o m o ministro d o Planeja-
m e n t o , a m b o s f o r a m postos a p a r d o acidente p e l o p r ó p r i o general V e n -
turini, q u e , i n t e r r o m p e n d o u m a audiência, saiu p a r a a sala de espera.
A p r i m e i r a p r e o c u p a ç ã o d o e m b a i x a d o r presidente foi c o m u m p r e -
sumível escândalo.
- Precisamos segurar a imprensa. Isto é capaz de virar u m escândalo
daqueles.
J á o m i n i s t r o d o P l a n e j a m e n t o , Delfim Netto, civil mais p r a g m á t i c o
q u e o a t u r d i d o general adó embaixador:
- V a m o s j á falar c o m o e m b a i x a d o r da A l e m a n h a . Isso p o d e ser b o m
p a r a o b t e r m a i s empréstimo e m B o n n e facilitará o r e e s c a l o n a m e n t o d a
nossa dívida externa.

Após o d e s p a c h o n o r m a l c o m o chefe d o C I E , o ministro d o E x é r c i t o


se deteve e m u m a análise da situação nacional, t e n d o e m vista todas as fa-
cilidades q u e o Planalto vinha d a n d o a o m e i o político. O general W a l t e r
Pires, l í d i m o representante da linha dura d o E x é r c i t o , n ã o via c o m b o n s
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o l h o s o p r o c e s s o da a b e r t u r a política. E l e disse a seu auxiliar q u e achava
q u e o p r o s s e g u i m e n t o dessa linha de c o n d u t a d o presidente a c a b a r i a p o r
levar o s oficiais q u e f u n c i o n a r a m n a repressão até o p a r e d ã o e q u e ele
n ã o p o d i a , p o r risco de p e r d e r sua liderança, consentir q u e as coisas c o n -
tinuassem desse j e i t o .
- B r a g a , é b o m você estudar a l g u m a s c o n t r a m e d i d a s q u e n ã o a f r o n t e m
a autoridade d o presidente, m a s q u e n o s d ê e m c o n d i ç õ e s de m o d i f i c a r o
fluxo d a m a r é . O G o l b e r y , a c o n t i n u a r isso d o j e i t o q u e vai, a c a b a r á por
n o s atirar n u m a b i s m o sem volta. E u n ã o v o u permitir r e v a n c h e .

O ex-presidente da R e p ú b l i c a r e c e b e u H e i t o r Ferreira de A q u i n o a o
fim d a tarde n o seu gabinete n a N o r q u i s a .
- Presidente, o general G o l b e r y p e d i u - m e q u e viesse a t o d a pressa as-
sim q u e s o u b e de suas p r e o c u p a ç õ e s .
- N ã o p o d e m o s permitir q u e o Delfim N e t t o liquide c o m a a b e r t u r a

3 ue fizemos p a r a a E u r o p a e o J a p ã o . A c h o q u e a estratégia e c o n ô m i c a
o Figueiredo está supeivalorizando o capital n o r t e - a m e r i c a n o e a in-
fluência de Israel.
- P o s s o lhe dizer q u e o gal. G o l b e r y t a m b é m a n d a p r e o c u p a d o c o m
isso, m a s se estabeleceu u m e n t e n d i m e n t o p r o f u n d o entre o Delfim e o
Medeiros. A n o s s a p o s i ç ã o n o Planalto j á n ã o é tão sólida q u a n t o antes.
- Diga a o G o l b e r y p a r a dar j e i t o d e vir até a q u i o R i o para a n a l i s a r m o s
isso. A i n d a n ã o falei c o m ele, m a s sei q u e o Mediei t a m b é m a n d a m u i t o
p r e o c u p a d o c o m essa guinada e c o n ô m i c a .
- A gente p o d e r i a telefonar p a r a Brasília a g o r a e assim a c e r t a r í a m o s a
vinda d o general.
- Isso n ã o é b o m . V o c ê já se esqueceu que a turma do Figueiredo che-
g o u até a b o t a r escuta n o m e u gabinete q u a n d o eu era p r e s i d e n t e ?
- Sim, s e n h o r .
- V e j a se dá p a r a o G o l b e r y chegar até aqui n o p r ó x i m o fim de se-
m a n a . P o d e r í a m o s conversar e m Petrópolis. L á é m a i s sossegado.
- C o m o é q u e o s e n h o r q u e r q u e eu lhe avise?
- V o c ê p o d e ligar p a r a o H u m b e r t o E s m e r a l d o e dizer a ele q u e o c o n -
vidado vai chegar dia tal.

O p r i m e i r o - m i n i s t r o c u m p r i m e n t o u efusivamente o chefe d o M o s s a d e
passou a discutir o p r o s s e g u i m e n t o da o p e r a ç ã o :
- O difícil agora, general, vai ser convencer o ministro da Defesa. Ele,
a i n d a q u e seja u m grande militar, n ã o vê c o m b o n s o l h o s o c o m p r o m e t i -
m e n t o d a p o s i ç ã o de Israel.
- M a s s e m esse b o m b a r d e i o , s e n h o r ministro, t e m o q u e p e r c a m o s as
eleições. J á n ã o t e m o s mais m u i t o t e m p o p a r a modificar o fluxo da o p i -
n i ã o pública. O u c r i a m o s u m i m p a c t o , o u então S h i m o n Peres g a n h a a
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eleição.
- V o c ê t e m razão. V o u c o n v o c a r j á o chefe d o E s t a d o - M a i o r .

NOS CORREDORES DA CAPEMI


O edifício sede da C a p e m i fica n o R i o de J a n e i r o , n a rua S ã o Cle-
m e n t e , n o b a i r r o de B o t a f o g o . T r a t a - s e de u m c o n g l o m e r a d o de empre-
sas, f u n d a d o h á mais de 2 0 a n o s . U m g r u p o de militares da reserva, todos
ligados a o espiritismo e p r e o c u p a d o s c o m suas aposentadorias, resol-
veu c r i a r u m a caixa d e pecúlios, cujos lucros reverteriam, originaria-
m e n t e , p a r a asilos e o b r a s beneficentes, inclusive de e d u c a ç ã o .
H o j e se transformou n u m dos mais p o d e r o s o s grupos privados, que
ainda q u e c o n t i n u e a m a n t e r asilos e escolas, se dedica mais a o l u c r o e à
multiplicação dos dividendos de seus associados e pensionistas. O s dire-
tores d a C a p e m i dizem, c o m justificado o r g u l h o , q u e o n ú m e r o d e pen-
sionistas da caixa de pecúlios ultrapassa a casa dos c i n c o m i l h õ e s , quase
cinco por c e n t o d a p o p u l a ç ã o d o Brasil.
O edifício, de vidro fume e de c o n s t r u ç ã o m o d e r n a , n ã o c h e g a a ser
i m p o n e n t e . S u a arquitetura se p e r d e entre a s o b r i e d a d e i m p o s t a pelos
militares seus diretores e o s a r r o u b o s m o d e r n i s t a s de u m a r q u i t e t o que
deve ter se p e r d i d o nas concessões q u e fez a o s seus clientes, sacrificando
sua personalidade artística à p r a g m á t i c a a r g u m e n t a ç ã o de u m a b o a conta
bancária.
A vida d e n t r o da C a p e m i e espartana. F u n c i o n á r i o s de t o d o s o s níveis
se a c o t o v e l a m e m u m restaurante, m o d e s t o , p o r é m l i m p o , p a g a n d o vinte
cruzeiros p o r a l m o ç o , dedutíveis n o fim d o m ê s de seus salários. N ã o sc
c o n h e c e , p e l o m e n o s ostensivamente, q u a l q u e r e x a g e r o d o seu g r u p o tra-
dicional de dirigentes, q u e são o s c o m p o n e n t e s d o seu C o n s e l h o D i r e t o r ,
conhecidos c o m o Os Velhinhos.
A e x p a n s ã o das atividades da C a p e m i , todavia, f o r ç o u O s V e l h i n h o s a
a d m i t i r e m e m seus q u a d r o s u m n o v o g r u p o de executivos d e s e g u n d o es-
calão, q u e c o m seu d i n a m i s m o e desenvoltura, p e l o m e n o s t e ó r i c o s , f o -
r a m c o n t r a t a d o s p a r a fazer frente aos n o v o s desafios da e m p r e s a . Esses
executivos n ã o freqüentam o c o n h e c i d o B a n d e j ã o , c o m o é d e s i g n a d o o
restaurante da empresa. Preferem fazer suas refeições e m restaurantes três
estrelas, sendo freqüentemente e n c o n t r a d o s n o N i n o , M o n t e C a r i o , An-
t o n i o ' s , A n t o n i n o e o u t r o s d e p r i m e i r a linha d o R i o de J a n e i r o . Esses
executivos, p o r o u t r o lado, a b o l i r a m o m o d e s t o h á b i t o dos V e l h i n h o s de
freqüentarem linhas aéreas comerciais. Eles se d e s l o c a m e m j a t i n h o s fre-
tados, q u e ficam t o d o o t e m p o da viagem à disposição, n a e s p e r a n ç a
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e t e r n a d e ter q u e atender u m a e m e r g ê n c i a , q u e n o s últimos a n o s nunca
aconteceu. • •
É b e m verdade q u e entre O s V e l h i n h o s , alguns n ã o c o n c o r d a r a m c o m
a situação dita m o d e r n a da e m p r e s a e, p e l a p r i m e i r a vez e m 2 0 a n o s de
existência, n a última eleição se a p r e s e n t o u u m a c h a p a de o p o s i ç ã o . O seu
presidente, general intendente de f o r m a ç ã o e carreira, c o m habilidade e
várias concessões, conseguiu, n o dia da eleição, c o n t o r n a r as dificuldades,
se r e e l e g e n d o p a r a u m terceiro m a n d a t o , a i n d a q u e t e n h a sido f o r ç a d o a
a b r i r a l g u m a s vagas n o C o n s e l h o de A d m i n i s t r a ç ã o .
O gabinete do presidente é espartano, traduzindo b e m a impressão causada
p o r seu presidente. Nordestino, c o m mais de 6 0 anos, c o m muita vitalidade,
estatura m e d i a n a , m a g r o , atlético e q u e i m a d o de sol. Dizem o s
biógrafos d o presidente q u e ele n ã o a b r e m ã o d o esporte, s e n d o e n c o n -
trado t o d a m a n h ã , a partir de 5 horas, fazendo seu c o o p e r n a av. Atlân-
tica, o n d e aliás vive e m u m b o m a p a r t a m e n t o .
As divisões n o s andares são de m a d e i r a c o m p e n s a d a e vidro. Isso faz
c o m q u e as pessoas desenvolvam o h á b i t o de falar b a i x o e de se m o v e r e m
c o m m u i t a sobriedade, n a esperança de n ã o c h a m a r a a t e n ç ã o dos chefes.
T o d o s os acessos são c o n t r o l a d o s p o r guardas de segurança. O s funcio-
nários, inclusive o s de nível d e diretoria, p a r a dar o e x e m p l o , a p e n a s p o -
d e m se deslocar d e n t r o d o edifício e x i b i n d o crachás de identificação. O s
visitantes são o b r i g a d o s a deixar carteira d e identidade n a p o r t a r i a e ape-
nas são admitidos n o edifício a p ó s a c o n f i r m a ç ã o da h o r a m a r c a d a p e l o
funcionário responsável. A o sair são o b r i g a d o s a devolver u m a ficha e m
q u e fica registrado seu n o m e , o f u n c i o n á r i o c o m q u e m esteve, d u r a n t e
q u a n t o t e m p o e q u a l o assunto tratado.
Q u a s e t o d o s o s níveis d e gerência s ã o o c u p a d o s p o r c o r o n é i s d o E x é r -
cito. Alguns p o u c o s civis c o n s e g u e m se m a n t e r d e n t r o dessa estrutura. N o
g r u p o n o v o , é b e m verdade, h á alguns civis, todavia a m a i o r i a c o n t i n u a
sendo de militares. U l t i m a m e n t e , dadas as d i m e n s õ e s dos n o v o s n e g ó c i o s
empreendidos pela Capemi, as novas gerências e diretorias executivas, aos
poucos, estão sendo transformadas e m designações políticas. Isso tem dado
ensejo a o , por- exemplo, todo-poderoso ministro d o Planejamento
fazer a designação de a l g u m a s gerências e de diretores executivos p a r a ad-
m i n i s t r a r e m os p r o g r a m a s m a i s diretamente ligados às c o n c e s s õ e s e a u t o -
rizações de e m p r é s t i m o s q u e d e p e n d a m d a Seplan.
O general A r a g ã o , c o m o de h á b i t o , c h e g o u às primeiras h o r a s d a m a -
n h ã . C o n v o c o u o diretor d a A g r o p e c u á r i a , u m dos executivos da n o v a
f o r n a d a de funcionários, q u e é l ó g i c o lá n ã o estava. C e r c a das 10 h o r a s
ele se apresentou a o general. N ã o se p o d e dizer q u e o general gostasse de
F e r n a n d o Pessoa. Aceitava-o, n o entanto, j á q u e ele, desde o c o m e ç o , es-
tava envolvido c o m a c o n c o r r ê n c i a de T u c u r u í .
O general reprovava sua g o r d u r a , seu h á b i t o de b e b e r , sua i n c o n s t â n -
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cia de h o r á r i o e os gastos i m o d e r a d o s c o m representação. Para o g e n e r a l ,
era incomprensível q u e Pessoa ficasse viajando p o r vezes até 10 dias c o m
u m j a t i n h o fretado. É verdade q u e seu t r a b a l h o produzia resultados.
Aliás t o d o o e s q u e m a de T u c u r u í n o nível d o I n c r a e do Ministério da
Agricultura havia sido m o n t a d o p o r Pessoa. M e s m o assim, o general ha
sitava e m confiar mais nele. E l e se sentia demais p r e s o às m a q u i n a ç õ e s de
Pessoa e c o m e ç a v a a se p r e o c u p a r . Talvez se ele o prendesse a o M e d e i r o s ,
se sentiria mais à vontade. Ele ficaria mais e m suas m ã o s . O g e n e r a l ,
ainda q u e sua aparência n ã o o dissesse, era m u i t o mais; esperto d o q u e
parecia e era b e m mais c u i d a d o s o d o q u e a m a i o r i a das pessoas sequei
desconfiava. Ele tinha u m a habilidade inata e m c o l o c a r a seu favor o
espírito de c o r p o . Ele sempre conseguia lazer c o m q u e a c o n h e c i d a leal
dade dos militares, desenvolvida desde os b a n c o s da Escola Militar, resul
tasse e m vantagem pessoal p a r a si.
- Pessoa, precisamos dar o s arremates finais à c o n c o r r ê n c i a de T u
curuí.
- Pois n ã o , general. O q u e é q u e o s e n h o r q u e r q u e eu f a ç a ?
- Estive e m Brasília o n t e m c o m o nosso a m i g o e precisamos lazer o re-
passe p a r a ele.
- Pois n ã o , general. E c o m o o senhor pretende lazer isso?
- É justamente esse o p r o b l e m a . Precisamos m o n t a r unia firma de
prestação de serviços q u e p o s s a assinar recibos e q u e e n c o n t r e c a m i n h o s
p a r a dar saída n o q u e receber.
- Isso n ã o é difícil general, desde q u e se tenha as pessoas certas.
- É j u s t a m e n t e isso o q u e m e p r e o c u p a .
- N ó s j á u s a m o s p a r a o repasse d o L o u r e n ç ã o a Guavira d o Gustavi
n h o Faria.
- E l e n ã o serve. Ele é u m chantagista. Ele n o s custou 150 m i l h õ e s .
- P o d e - s e usar o Abyssamra.
- V o c ê a c h a ? Ele é fraco, b e b e demais, vive envolvido e m escândalos
c o m m u l h e r e s . Fala demais.
- E u tomei conta dele, general. D e mais a mais ele é casado c o m u m a
s o b r i n h a d o Nini e o seu s o g r o é m e u funcionário na Agropecuária.
- A c h o o F e r n a n d o M á r i o m u i t o fraco.
- M a s assim m e s m o o s e n h o r o c o n t r a t o u e p o r u m salário m u i t o alto.
- É lógico. E l e é i r m ã o d o general Newton.
- É isso aí, general. T u d o e m família. T u d o d e n t r o d o S N I . N i n g u é m
n u n c a vai p o d e r dizer nada. S e o Medeiros confia n o Nini p a r a lhe entre-
gar a A g ê n c i a Central, pOr q u e n ã o confiar nele t a m b é m para lazer o re-
passe?
- M a s c o m o ? V o c ê pretende q u e o N e w t o n entre nessa firma?
- N ã o , general. N ã o ele. O irmão dele e o genro d o irmão dele. O se-
n h o r vê, assim fica tudo e m casa. D e mais a m a i s , ele n o s auxiliou m u i t o
desde o c o m e ç o disso tudo.
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- É , m a s eu paguei b e m p o r esse auxílio.
- O s e n h o r n ã o p o d e se queixar. Foi tudo m u i t o discreto e diieiti i n h o .
- É , m a s foi ele q u e m enfiou esse tal de Gustavinho C a p e m i adeuntro.
- N ã o havia escolha, general. E r a a ú n i c a m a n e i r a de d o b r a r o L ò u -
rençp e acertar a p o s i ç ã o dentro d o Incra.
- B e m , eu vou consultar o M e d e i r o s . P r o m e t i q u e s u b m e t e r i a o , n o - s

m e s a ele.
- E u t e n h o a impressão q u e ele vai aceitar. Andei s a b e n d o d e a l g e m a s
histórias d o M e d e i r o s c o m o A b y s s a m r a n o H o t e l Everest.
- Q u e histórias, P e s s o a ?
- B e m , o s e n h o r sabe, general, o M e d e i r o s n ã o é p r o p r i a m e n t e u m a

virgem. Histórias de m u l h e r e s e b e b i d a s .
- N ã o q u e r o saber disso. V o c ê n ã o m e disse n a d a a respeito. Vout c o n -
sultar o M e d e i r o s e volto a falar c o m você. E s p e r o q u e você n ã o vá v i a j a r .
- Eu pretendia ir a B e l é m , general. J á estou iniciando e n t e n d i m e n t o s
p a r a aquisição de e q u i p a m e n t o s , m a s ficarei à espera de suas d e t e r r n i n a -
ções.

OS INIMI60S SE ALIAM
Decisões s e m p r e são difíceis de s e r e m t o m a d a s . A i n d a m a i s q u a n d o se
envolvem nelas interesses dos últimos escalões da R e p ú b l i c a . P a r a Pessoa,
depois da conversa c o m o general A r a g ã o , era crucial t o m a r a decisão
certa. A partir dos e n t e n d i m e n t o s entre o presidente da C a p e m i e mi- 0

nistro chefe d o S N I , sua p o s i ç ã o n a A g r o p e c u á r i a p o d e r i a se consolidar


de vez o u , o q u e é pior, deteriorar p o r c o m p l e t o .
P a r a ele, essa avaliação ficou a i n d a m a i s clara depois de ter d a d u m Q

relance de o l h o s n o seu gabinete, sentindo pela p r i m e i r a vez o choque d o


contraste entre a s instalações d o seu d e p a r t a m e n t o e a m o d é s t i a das insta-
lações d a Presidência d a empresa. C o m o q u e surpreso, c o m e ç o u a n o t a r
qi[ue a suntuosidade e o fausto da A g r o p e c u á r i a era a demonstração m a i s
coi q u e evidente de q u e sua p o s i ç ã o d e n t r o d a estrutura estava ameaçada
e, a m e n o s q u e fizesse a l g u m a coisa, seria fatalmente e n g o l i d o pelos acon-
tecimentos e, e m seguida, sacrificado p a r a aplacar a inveja e o despeito de
todos o s c o r o n é i s da C a p e m i q u e se a c o t o v e l a v a m n o b a n d e j ã o e t) e ti-
U

n h a m q u e se s u b m e t e r à m o d é s t i a das instalções da sede.


Levantou-se de trás de sua m e s a e c a m i n h o u l e n t a m e n t e p a r a a janela.
Seus sapatos italianos se afundavam n o carpete. O s estofados d e couro, os
q u a d r o s caros, as três secretárias, c o m as quais d o r m i a alternadamente,
t u d o soava c o m o u m sinal de a l a r m e . M a i s d o q u e n u n c a , ele se sentiu
u m c o r p o indesejado dentro d a q u e l a estrutura, t o d a ela falsa e Henti-
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rosa. P a r a Pessoa, c o m e ç a v a a ficar claro a g o r a q u e seu c o m p o r t a m e n t o
e r a u m a afronta aos V e l h i n h o s , q u e n ã o aceitavam sua ostentação, e p a r a
o s outros, q u e n ã o c o n c o r d a v a m c o m seus v ô o s altos. E n q u a n t o os V e -
l h i n h o s a c h a v a m q u e suas despesas p o d e r i a m ser reduzidas é m proveito
d o s asilos e escolas, a m a i o r parte dos gerentes se c o n t o r c i a c o m o s ru-
m o r e s das comissões q u e ele r e c e b i a p o r t o r a . E n q u a n t o p a r a c a d a u m
daqueles coronéis era necessário u m a autorização especial p a r a levar al-
g u é m para almoçar n u m restaurante de segunda, Pessoa gastava e m u m único
jantar a verba de pelo m e n o s dois meses de cada u m deles. Pessoa sabia q u e se
tratava de u m a luta entre u r a corrupto de alto coturno e u m grupo de apa-
n h a d o r e s de gorjetas e falsificadores de p e q u e n a s notas de
despesa. Ele estava fora d o t e m p o e d a h o r a d e n t r o da C a p e m í , n ã o a u e
e l e n ã o estivesse c e r t o e a C a p e m i errada. E l e estava n a frente. E r a o p i o -
n e i r o e teria q u e p a g a r o p r e ç o p o r isso. O u as coisas se modificavam, o u
ele seria destruído p e l a avalanche.
E r a crucial a decisão q u e deveria t o m a r nas p r ó x i m a s duas h o r a s . Falar
c o m ÍSÍini o u c h a m a r o A b y s s a m r a ?
P a r a falar c o m Nini, teria q u e ir a Brasília. A i n d a n ã o p o d i a c h a m a r o
general. Ele sabia q u e chegaria até lá, se tomasse a decisão acertada
agora. Sua certeza disso vinha do êxito que tivera, muito rapidamente, nas
áreas militares. Sua técnica, ainda que ousada, era bastante eficiente. A o se en-
contrar c o m qualquer general, m e s m o os que não conhecia, imedia-
t a m e n t e a b r a ç a v a - o n a frente de todos, d e m o n s t r a n d o u m a intimidade
q u e n a verdade n ã o tinha, m a s q u e o c o l o c a v a n a m e s m a p o s i ç ã o d o ge-
neral. D a í a dividir o p o d e r e o prestígio e r a u m salto simples. A i n d a q u e
fosse g o r d o , b a i x o , q u a s e calvo e c o m p o u c o mais de 4 0 a n o s , Pessoa era
h á b i l e inteligente. E l e havia s a b i d o dar esses saltos m u i t o b e m .
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N a j a n e l a d o 2 0 a n d a r , tinha u m a visão p a n o r â m i c a de b o a p a r t e da
B a í a cia G u a n a b a r a . Imperceptivelmente seus o l h o s d e s c e r a m p a r a o
edifício sede da C a p e m i , o n d e m e i a h o r a atrás havia sido c o m u n i c a d o
p e l o general A r a g ã o q u e o m o m e n t o havia c h e g a d o . Ele n ã o gostava do
p r é d i o d a Capemi. A c h a v a - o grosseiro n a q u e l a mistura de p r e s u n ç ã o e x -
cessiva e servilismo total, t â o característica dos oficiais d o E x é r c i t o . Pre-
potentes c o m os s u b o r d i n a d o s e servis c o m o s superiores. O seu desprezo
p e l o s militares às vezes « r a difícil d e ser disfarçado, p r i n c i p a l m e n t e
q u a n d o tinha q u e participar das reuniões d o C o n s e l h o de A d m i n i s t r a ç ã o ,
o u e n t ã o q u a n d o ia a o S N I falar c o m Nini. Ele sempre ficava c h o c a d o
c o m as grosserias d e Nini c o m seus s u b o r d i n a d o s , q u e contrastavam
c o m a h u m i l d a d e d o general toda vez q u e se via ante u m superior, princi-
p a l m e n t e q u a n d o se tratava de M e d e i r o s . E r a c o n s t r a n g e d o r a a m u -
d a n ç a . N ã o havia dignidade e m n a d a d a q u i l o .
E l e t o m o u a decisão. V o l t o u à mesa. M a n d o u ligar p a r a A b y s s a m r a e m
Brasília e c o n v o c o u F e r n a n d o M á r i o .
M a n d o u A b y s s a m r a vir i m e d i a t a m e n t e p a r a o R i o e m a n d o u Fer-
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n a n d o M á r i o viajar p a r a Brasília. P a r a o p r i m e i r o , iria explicar c o m o f a -
zer p a r a falar c o m A r a g ã o . C o m F e r n a n d o M a n o , sua conversa foi dife-
rente. E x p l i c o u q u e p a r a todos eles era i m p o r t a n t e n ã o p e r d e r a o p o r t u -
nidade de m o n t a r a firma de p r e s t a ç ã o de serviços e q u e dependeria d a
a p r o v a ç ã o de M e d e i r o s a aceitação d e seus n o m e s n a n o v a empresa. C a -
b e r i a a F e r n a n d o M á r i o c o n v e n c e r o i r m ã o da necessidade de intervir n o
assunto. Ele tentou explicar q u e essa conversa era u m risco m u i t o grande,
m a s q u e era calculado e q u e se eles n ã o detivessem o c o n t r o l e da e m -
presa, p e r d e r i a m sua força d e n t r o d a C a p e m i e q u e o general A r a g ã o se
aproveitaria d a a b e r t u r a de M e d e i r o s p a r a liquidá-los a todos. F e r n a n d o
M á r i o seguiu direto p a r a o a e r o p o r t o .
Havia c o m e ç a d o o j o g o b r u t o . Pessoa sempre ficava m u i t o nervoso
nessas horas. C h a m o u sua secretária, Aparecida, t r a n c o u a porta, a c e n -
deu a luz vermelha, sinal d e q u e todas as ligações e c o n t a t o s deveriam ser
suspensos e q u e n i n g u é m deveria p e r t u r b á - l o . Giselda e N o r m a , as o u -
tras duas secretárias, suspiraram aliviadas. N ã o i n c u m b i a a elas tranqüili-
zar o g o r d o . E r a a vez da Cida. Aliás, nesses m o m e n t o s de angústia, ele
s e m p r e preferia a Cida. E l a era m a i s devassa.
Ele praticamente n ã o deu t e m p o a Cida de tirar a r o u p a . J o g o u - a b r u -
talmente s o b r e o sofá e c o m e ç o u a possuí-la c o m r o u p a e tudo. A b l u s a
v o o u para u m lado. O vestido foi levantado. O soutien a r r a n c a d o e as
calcinhas rasgadas. A violência e o peso do gordo provocavam ódio e m
Cida, m a s apenas c o m ó d i o ela conseguia c h e g a r a o o r g a s m o . A d o r
física e o ó d i o e r a m u m a constante n a q u e l e r e l a c i o n a m e n t o q u e j á durava
mais de u m a n o . A dificuldade d a q u i l o era às vezes explicar a o m a r i d o os
h e m a t o m a s q u e c o n s t a n t e m e n t e m a r c a v a m seu c o r p o .
M a i s c a l m o , Pessoa resolveu iniciar e n t e n d i m e n t o s c o m J o ã o Luiz.
C o m o ele, J o ã o Luiz era d a n o v a fornada de executivos. S u a especiali-
dade era o m e r c a d o de capitais e u l t i m a m e n t e ele v i n h a m e l h o r a n d o
m u i t o sua p o s i ç ã o a o lado de A r a g ã o . A g o r a ele e r a i m p o r t a n t e . Até a q u i
Pessoa o tinha evitado, se m a n t e n d o a u m a distância prudente. A cupidez
de J o ã o Luiz assustava Pessoa. E l e achava q u e o e c o n o m i s t a ia c o m m u i t a
sede a o pote, q u e fatalmente iria a c a b a r q u e b r a n d o . A i n d a q u e se c u m -
primentassem cordialmente, eram inimigos. Agora, n o entanto, c o m a anteci-
pação dos acontecimentos, coisa q u e ninguém tinha previsto, era necessário
atrair J o ã o Luiz para o grupo. Ele ainda n ã o sabia c o m o , m a s usando a Agro-
pecuária imaginava poder c o m p r a r o novo aliado.
N ã o se p o d e dizer q u e J o ã o Luiz tenha r e c e b i d o c o m satisfação o c o n -
vite p a r a a l m o ç a r . Ele n ã o gostava d o g o r d o . N ã o aprovava suas m a n e i -
ras e o q u e é pior, via s e m p r e e m Pessoa u m a a m e a ç a potencial a o seu fu-
turo dentro d a C a p e m i . P a r a J o ã o Luiz, as ligações de Pessoa n a área d o
S N I n ã o p r e n u n c i a v a m n a d a d e b o m . Ele, n a realidade, n ã o sabia b e m
até q u e p o n t o essas ligações e r a m profundas. E l e n ã o p o d i a i m a g i n a r
Pessoa c o m a intimidade q u e se apregoava c o m M e d e i r o s . Ele achava o
general d o S N I m u i t o fechado, n ã o d a d o a conversas n e m liberdades,
mas n ã o tinha certeza. Ele raciocinava q u e c o m essa fonte de informa-
ções as pessoas realmente n ã o s a b e m n u n c a o q u e esperar e, c o m o toda a
e n g r e n a g e m a J a A g r o p e c u á r i a girava e m t o r n o de T u c u r u í e c o m o era n o -
tório q u e a c o n c o r r ê n c i a seria entregue à C a p e m i pelo. gal. Medeiros e
p o r i n t e r m é d i o d a Agropecuária, ele ficava e m dúvida. E m b o r a o convite
o tenha d e i x a d o p r e o c u p a d o , d e i x o u - o t a m b é m otimista. Esse convite r e -
presentava d a parte de Pessoa o r e c o n h e c i m e n t o de sua i m p o r t â n c i a d e n -
tro da estrutura d o gal. A r a g ã o .
J o ã o Luiz era u m h o m e m prudente. A m b i c i o s o , c o r r u p t o , m a s m u i t o
prudente. C o m o muitas vezes manifestara a o gal. A r a g ã o sua desaprova-
ç ã o a o c o m p o r t a m e n t o de Pessoa, a c h o u prudente consultar o seu chefe
s o b r e esse convite, j á q u e isso e r a c o m p l e t a m e n t e inusuai e m a i s ainda,
se a l g u é m o s visse j u n t o s e fosse c o n t a r a o gal. A r a g ã o , ele p o d e r i a perder
a confiança d o presidente da C a p e m i . Ele sabia q u e o presidente n ã o t o -
lerava Pessoa, m a s tinha q u e a g ü e n t á - l o , j á q u e o desenvolvimento de
toda p r o b l e m á t i c a de T u c u r u í girava e m t o r n o d o g o r d o . J o ã o Luiz viu
nisso a possibilidade de c o n s o l i d a r ainda mais a sua p o s i ç ã o j u n t o d o ge-
neral. N a m e d i d a e m q u e ele levasse p a r a o general as coisas q u e lhe inte-
ressavam, p o d e r i a até fazer c o m q u e o general encorajasse seus e n c o n t r o s
c o m Pessoa. Era desse encorajamento oficial que ele precisava. A Agrope-
cuária estava ficando m u i t o g r a n d e p a r a q u e ele a desconhecesse e para
ele era a i n d a m a i s i m p o r t a n t e tentar entrar nos e n t e n d i m e n t o s feitos na
França p a r a se o b t e r financiamentos p a r a a e x t r a ç ã o da m a d e i r a . Ele se
considerava o m e l h o r entendido e m finanças dentro da C a p e m i , m a s es-
tava c o m suas a ç õ e s limitadas à distribuidora de valores d o grupo. Se ele
conseguisse se envolver nesses p r o g r a m a s de financiamentos externos, e r a
certo q u e daria u m grande salto d e n t r o da organização e p o d e r i a até c h e -
gar a o C o n s e l h o de A d m i n i s t r a ç ã o .
Conversar c o m o general n ã o e r a fácil p a r a J o ã o Luiz. Eles diferiam e m
tudo. A simplicidade, q u e J o ã o Luiz sabia ser intencional, d o general e a
sua m o d é s ü a se c h o c a v a m c o m a m a n e i r a de ser de J o ã o Luiz. Até
m e s m o n o detalhe das r o u p a s o c o n f r o n t o era c h o c a n t e . E n q u a n t o u m
era elegante a p o n t o de chegar à empáfia, o outro era modesto a ponto de
chegar a o constrangimento. Nesses dois anos e m qüe ele conhecia o general,
n ã o c o n s e g u i r a c o n t a r m a i s d e três ternos q u e ele tivesse tro-
c a d o . As gravatas então e r a m u m desastre total. N ã o tinham a ver c o m o
resto d a r o u p a , principalmente c o m as camisas c o r - d e - r o s a q u e o general
usava, cuja c o r lembrava a r o u p a íntima das m u l h e r e s d o M a n g u e .
C o m seus q u a r e n t a anos, m u i t o b e m vestido, m a g r o e b e m - f a l a n t e ,
J o ã o Luiz até se considerava b o n i t o . Perdia bastante t e m p o ajeitando seus
cabelos castanhos q u e fazia cair s o b r e a testa de f o r m a artificial, m a s p a r a
dar a impressão de descuido e naturalidade q u a n d o o s ajeitava c o m a
m ã o . Às vezes o s cabelos n ã o voltavam p a r a a testa n e m c a í a m s o b r e sua
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s o b r a n c e l h a direita. Q u a n d o isso a c o n t e c i a d u r a n t e a l g u m a r e u n i ã o e m
q u e ele queria deixar impressão p a r t i c u l a r m e n t e b o a , era u m verdadeiro
suplício fazê-los deslizar.
E n q u a n t o ele n ã o conseguia isso, se sentia inseguro, ficava desatento e
c o m e t i a erros. Aliás, era a isso q u e ele atribuía sua desgraça d e n t r o d o
c o n g l o m e r a d o e c o n ô m i c o d o B C N . F o i n u m a dessas reuniões q u e o pre-
sidente d o B a n c o teve sua a t e n ç ã o despertada p a r a o j o v e m e a m b i c i o s o
executivo e, tendo;lhe facilitado as coisas, ele c h e g o u r a p i d a m e n t e a o nível
de diretor da distribuidora de valores. N o e n t a n t o , a sua cupidez foi m a i s
forte q u e a prudência e~ tendo c o m e ç a d o a o p e r a r n o paralelo p o r c o n t a
própria, foi interpelado p e l o presidente d o b a n c o e m u m a das reuniões
semanais. Foi j u s t a m e n t e nessa r e u n i ã o q u e os seus c a b e l o s
e n c a r a c o l a r a m - s e e n ã o c a í r a m s o b r e a testa. E l e se a t r a p a l h o u nas res-
postas. Das respostas n ã o convincentes a u m a fiscalização e j o à o Luiz de-
mitido c o m desonra, m a s felizmente sem escândalos. Isso o m a r c o u p r o -
fundamente e o p r o b l e m a dos cabelos se t r a n s f o r m o u e m verdadeiro fe-
tiche. Ele atribuía a esse fetiche o seu êxito n a p r i m e i r a entrevista c o m
A r a g ã o e daí p a r a frente s e m p r e c u i d o u p a r a q u e seus c a b e l o s ficassem
d e s a r r u m a d o s a p o n t o de n ã o ter m a i s dificuldades para, c o m u m sim-
ples m o v i m e n t o de c a b e ç a , j o g á - l o s p a r a frente.
O e n c o n t r o c o m o general, a i n d a q u e p e n o s o , foi u m ê x i t o . A r a g ã o
n ã o apenas ficou m u i t o interessado c o m o incentivou a conversa c o m
Pessoa. P a r a ele, era i m p o r t a n t e u m e n t e n d i m e n t o entre todos os executi-
vos d o c o n g l o m e r a d o e q u e ele via c o m b o n s o l h o s a troca de i n f o r m a -
ções entre os altos escalões c o m o , t a m b é m , o b o m e n t e n d i m e n t o entre
todos o s funcionários, j á q u e todos faziam p a r t e d e u m a única família, a
g r a n d e família espírita da C a p e m i . E q u e a ele, A r a g ã o , c o m o presidente,
cabia a o r i e n t a ç ã o de todos e de tudo e particularmente o esclarecimento
de todas as dúvidas. Q u e J o ã o Luiz fizesse o favor de p r o c u r á - l o a p ó s es-
se a l m o ç o e q u e n ã o havia necessidade de dizer a Pessoa q u e ele havia
sido inteirado desse e n c o n t r o , j á q u e o diretor da A g r o p e c u á r i a , p o r sua
m a n e i r a peculiar de ser, p o d e r i a n ã o e n t e n d e r b e m o espírito e as inten-
ções de J o ã o Luiz a o c o m u n i c a r - l h e esse convite.
J o ã o Luiz entendeu b e m o r e c a d o . C o m a a l m a mais leve v o l t o p a r a
a cidade, j á q u e a distribuidora funcionava t o r a d a sede. T i n h a instalações
n a rua da Q u i t a n d a , b e m longe, o mais l o n g e possível, de A r a g ã o e dos
seus Velhinhos. Q u a n d o J o ã o Luiz implantou a distribuidora, conseguiu con-
vencer Aragão que ele deveria ficar n o centro bancário da cidade, j á
q u e a atividade era m u i t o nervosa, h a v e n d o casos q u e necessitavam de
u m a interferência quase imediata, q u e a distância física desse c e n t r o atra-
palharia algumas vezes o êxito de a l g u m a o p e r a ç ã o e q u e isso p o d e r i a r e -
presentar até perdas substanciais p a r a a C a p e m i . Esse a r g u m e n t o foi deci-
sivo.
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EM PALPOS DE ARANHAS
P a l m a n â o a l m o ç o u b e m a q u e l e dia. D e p o i s q u e deixou o gabinete d o
g o v e r n a d o r se deteve c o m o chefe da Casa Civil e a i n d a foi a o gabinete d o
vice-governador. Na saída, passou pela sala de imprensa. Era i m p o r t a n t e
m a n t e r a b o a i m a g e m de h o m e m p ú b l i c o e a m i g o dos jornalistas. Fazia
q u e s t ã o q u e o c h a m a s s e m de você. Dava-lhes toda liberdade e intimi-
dade, ainda q u e n o fundo d a a l m a nutrisse u m profundo desprezo p o i
todos eles. Considerava todos chantagistas b a r a t o s , facilmente c o m p r á -
veis c o m u m simples c a r g o de assessor, m a s assim m e s m o era i m p o r t a n t e
ser tido c o m o b o a praça, que sempre estava disposto a lazer u m pequeno
favor a q u i e o u t r o ali. Assim c o m o n o B a n c o d o Estado, o n d e c o n s e g u i a
e m p r é s t i m o s para o s repórteres.
Ele resolveu a l m o ç a r e m casa; assim n ã o teria q u e aturar n e n h u m da-
queles chatos q u e se acotovelavam a o seu lado n a h o r a d o a l m o ç o n a es-
p e r a n ç a de serem convidados p e l o chefe e assim d e m o n s t r a r e m prestígio
d e n t r o da Secretaria. D e m a i s a mais, precisava pensar b e m nessa história
de u r â n i o p a r a o I r a q u e . O g o v e r n a d o r positivamente tinha e n l o u q u e -
c i d o e iria arrastá-los t o d o s p a r a u m g r a n d e desastre. N ã o entrava n a
sua c a b e ç a q u e o Planalto desse u m a possibilidade t ã o grande a o turco,
q u e e r a c o m o ele c h a m a v a o g o v e r n a d o r n a intimidade.
Essa história de m i n e r a i s estratégicos n u n c a a g r a d o u m u i t o a o secre-
tário. E m b o r a fossem repartições d o G o v e r n o d o Estado q u e faziam t o d o
o p r o c e s s a m e n t o , q u e m c o n t r o l a v a tudo e r a o G o v e r n o Federal, j á q u e
e r a ele o p o d e r q u e indicava todos o s diretores e o s h o m e n s d o s e g u n d o
escalão q u e o p e r a v a m nessa área. O G o v e r n o d o Estado se limitava a e n -
trar c o m o s recursos, q u e t e o r i c a m e n t e deveriam voltar a seus cofres c o m
lucro, u m a vez que, pelos contratos, o G o v e r n o Federal pagava pelo for-
n e c i m e n t o d o mineral. M a s o G o v e r n o Federal n ã o pagava e n i n g u é m
n u n c a c o b r a v a . Essa história tinha sido s e m p r e u m a p e d r a e m seu sapato.
A coisa o i n c o m o d a v a a tal p o n t o q u e j á havia até feito u m estudo q u e
pretendia submeter a o governador, passando tudo isso para o Ministério
das M i n a s e Energia. A g o r a , p e l o visto, esse p r o j e t o iria ficar d e n t r o da
gaveta, j á q u e para o turco isso virará u m t r a m p o l i m p a r a iniciar sua ca-
m i n h a d a r u m o à Presidência da R e p ú b l i c a .
A o c h e g a r e m casa, se a b o r r e c e u de saída. E l e tinha duas filhas. Cris-
9
thiane, de 2 2 anos, e Lavínia, de 19. A mais velha, que cursava o 4 a n o de
Filosofia n a USP, era f o c o p e r m a n e n t e de p r e o c u p a ç õ e s . A l é m da in-
fluência nitidamente de esquerda q u e sofria n a Faculdade, u l t i m a m e n t e
estava c o m e ç a n d o a ficar excessivamente liberal e m assuntos de sexo, b e -
20
bidas e maconha. Palma suspeitava q u e ela já n ã o era virgem há muito
t e m p o e q u e suas atividades etílicas j á a t i n h a m levado à m a c o n h a e talvez
até m e s m o à c o c a í n a . Ele havia p e r d i d o sua a u t o r i d a d e c o m essa filha
q u a n d o ela o surpreendera n o O t h o n Palace h o s p e d a d o c o m u m a de
suas muitas aventuras femininas. Nesse dia, a i n d a q u e n i n g u é m tivesse
dito n a d a a n i n g u é m , h o u v e c o m o q u e u m e n t e n d i m e n t o tácito: eu n ã o
m e m e t o na sua vida, m a s v o c ê n ã o vai m a i s se m e t e r n a m i n h a . É esse o
p r e ç o d o m e u silêncio o u e n t ã o eu c o n t o tudo à m a m ã e .
Para P a l m a , a m a m ã e era i m p o r t a n t e . A i n d a q u e ele fosse presidente
das empresas d o g r u p o , as a ç õ e s e r a m da família d e sua m u l h e r e ele n a
verdade n ã o p o d i a se dizer a m i g o de seus c u n h a d o s e c u n h a d a s . Isso sig-
nificava q u e u m a r u p t u r a c o m a m u l h e r seria u m a d e b a c l ê e c o n ô m i c a e
isso, nessa q u a d r a dos a c o n t e c i m e n t o s , e r a s i m p l e s m e n t e intolerável. Ele
estava m o n t a n d o sua libertação, m a s precisava de p e l o m e n o s mais dois
a n o s p a r a c o n c l u i r alguns n e g ó c i o s q u e realizava à s o m b r a da sua Secre-
taria, e c o m o o turco dava m u i t a i m p o r t â n c i a às aparências d e u m lar
c o r r e t o p a r a seus secretários, ele n ã o p o d i a a g o r a c o r r e r n e n h u m risco.
Pois j u s t a m e n t e nesse m a l d i t o dia, sua filha havia d o r m i d o fora pela pri-
m e i r a vez sem dar q u a l q u e r satisfação o u e x p l i c a ç ã o à m ã e . Q u a n d o ele
e n t r o u n a sala, foi engolfado p o r u m a verdadeira b a t a l h a entre m ã e e fi-
lha. Cristhiane explicava a Edith q u e ela j á era m a i o r , q u e tinha renda
p r ó p r i a deixada p e l o avô e q u e n ã o via n e n h u m a razão p a r a n ã o sair c o m
q u e m quisesse e até d o r m i r e m q u a l q u e r m o t e l o u a p a r t a m e n t o à sua es-
c o l h a , m e s m o p o r q u e n i n g u é m p o d i a r e c r i m i n á - l a d e n a d a , pois até n o s
estudos ela ia muito bem, obrigada.
Foi u m custo aplacar o s â n i m o s . N ã o p o d i a investir c o n t r a a filha, q u e
o tinha nas m ã o s n e m afrontar a autoridade de Edith, q u e e r a m u i t o ze-
losa de sua c o n d i ç ã o de m ã e . P a r a consertar a situação, f o r a m gastas
quase duas p e n o s a s horas, e m q u e P a l m a p r i m e i r a m e n t e conseguiu fazer
a filha ir p a r a o q u a r t o . E r a i m p o r t a n t e separar as c o n t e n d o r a s fisica-
m e n t e . Deus o livre e guarde q u e u m a palavra m a l dita desencadeasse
u m a r e a ç ã o incontrolável d a m e n i n a q u e , n o estado e m q u e se e n c o n -
trava, facilmente entregaria à m ã e as atividades extraconjugais d o pai.
Feita a separação, foi u m d r a m a a c a l m a r sua m u l h e r e p r o m e t e r ter u m a
conversa séria c o m a filha. C o n v e r s a ? Q u e conversa q u e ele p o d i a ter
c o m a filha? M a s enfim, a p ó s serenar a m ã e e fazê-la p a r a r c o m o p r a n t o
histérico, conseguiu ir a o q u a r t o da filha, q u e o r e c e b e u c o m u m ar de
riso e curiosidade: mais u m a c o r d o . Mais u m a c o n c e s s ã o . A g o r a era ele
q u e tinha q u e fazer u m p a c t o c o m a filha e lhe p r o m e t e r c o b e r t u r a j u n -
to da m ã e toda vez que ela resolvesse se divertir u m p o u c o mais.
O p o u c o q u e a i n d a havia de espírito de tamília e de respeito m ú t u o
a c a b o u n a q u e l e dia n a q u e l a casa. F o i u m a decisão d r a m á t i c a p a r a P a l m a ,
m a s ele c o l o c o u o s seus interesses a c i m a disso t u d o e daí p a r a a frente, se
tudo ficou mais fácil de u m lado, d o o u t r o ficou t u d o m u i t o mais difícil,
2;
tão difícil q u e n e m m e s m o u m h o m e m trio, vivido e inteligente, c o m o
P a l m a , naquele m o m e n t o poderia imaginai c o m o tudo isso iria a-
cabar.
Foi c o m esse estado de espírito que ele loi paia a Secretaria e m a n d o u
c o n v o c a r o c o r o n e l q u e manipulava com o urânio.

PLANOS ISRAELENSES
ii | » i » i il M I M I L I I I I . I I In i n i I I i n.ido assim q u e entrou n o g a b i n e t e d o
I \ iltlipll iil i •' ii< .1 il<> general Zivi, diretor do M o s s a d , n ã o lhe
l i I M . . . n . . i v N o s seus 63 a n o s , M o r d a c h a i já tinha visto m u i -
i Kln'N ct ilfgn ili' premier desde as é p o c a s da H a g a n a e, se ad-
lllll [\ i i I I . Mgem, ultimamente vinha r e p r o v a n d o alguns de seus
• '•ni| 1 1 1 I I I O H , principalmente q u a n d o Beguin colocava a serviço de
I || llili M .(•. políticos Ioda a estrutura d o G o v e r n o . Para M o r d a c h a i ,
MI i nln .mu- v c i , p o r e x e m p l o , c o m o o p r e m i e r se servia de tudo q u e
IM D .i nua m ã o para alcançar seus p r o p ó s i t o s pessoais.
< i c o m p o r t a m e n t o d o general Zivi q u e , a o c u m p r i m e n t á - l o , a b a i x o u
01 o l l n i s , llie deu a certeza de q u e havia se desenvolvido u m entendi-
i i i i n i i i marginal entre o p r e m i e r e o diretor d o Mossad. L e m b r o u - s e en-
I . I O (|uc, quando da escolha de Zivi para a tunção, ibra u m dos que mais
s< opusera à n o m e a ç ã o . A i n d a q u e considerasse Zivi u m b o m soldado,
sabia q u e caráter n ã o e r a o seu forte e q u e n a posição q u e iria o c u p a r , se-
ria làcilmente c o r r o m p i d o pelos políticos e p e l o s interesses e c o n ô m i c o s
q u e giravam e m t o r n o de Israel e q u e n ã o e r a m p e q u e n o s . As primeiras
indicações dessa c o r r u p ç ã o ele teve uns seis meses a p ó s a n o m e a ç ã o . O
M o s s a d c o m e ç o u a p r o m o v e r investigações dentro de Israel, n a área polí-
tica, fugindo assim de suas finalidades de defesa d o país c o n t r a ataques
externos. A pretexto de levantar infiltrações de interesses da O L P e dos
árabes, o serviço de informações c o m e ç o u a pressionar políticos c o n -
trários a o premier. P a r a ele, esse p r o c e d i m e n t o era simplesmente repul-
sivo. Ele n ã o aceitava q u e militares descessem tão b a i x o , a p o n t o de
p r o m o v e r e m c h a n t a g e m p a r a favorecer o G o v e r n o . Ele sabia e aceitava a
necessidade d o G o v e r n o de ter informações internas; o q u e ele n ã o acei-
tava, de forma n e n h u m a , era q u e oficiais das forças a r m a d a s se prestas-
sem a esse serviço. Ele achava q u e isso tirava a dignidade da farda e, per-
dida essa dignidade, p a r a ele era o princípio d o fim, já q u e m i l i t a r m e n t e
Israel conseguia se i m p o r a seus inimigos árabes principalmente graças a o
respeito q u e todos tinham p o r suas forças a r m a d a s e esse respeito termi-
n a r i a assim q u e as atividades d o serviço de informações entrassem e m
u m a faixa m e n o s digna, q u e era e x a t a m e n t e o q u e estava c o m e ç a n d o a
22
o c o r r e r . Até m e s m o os russos t i n h a m mais dignidade nisso. L á havia dois
serviços: o G R U , q u e era exclusivamente militar, e o K G B , q u e cuidava
do resto. C o m isso até m e s m o os comunistas salvaguardavam a dignidade
de suas forças a n n a d a s , q u e s a b i a m ser fundamental p a r a salvá-las c o m o
u m a estrutura digna e respeitada. Isso, infelizmente, estava a c a b a n d o e m
Israel e e m alguns o u t r o s países d o m u n d o ocidental.
- General, t e m o s i n f o r m a ç õ e s seguras de q u e o I r a q u e está se p r e p a -
r a n d o para produzir sua p r i m e i r a b o m b a a t ô m i c a , disse o p r e m i e r e m
voz formal e grave.
- Isso é grave, premier. M a s n ã o vejo c o m o será possível, já q u e a l é m
de n ã o d i s p o r e m de u r â n i o e m q u a n t i d a d e suficiente, a t e c n o l o g i a deles
n ã o chega a isso, respondeu.
- O q u e s a b e m o s , general, é q u e o u r â n i o eles já v ê m r e c e b e n d o c o m
a l g u m a regularidade e, q u a n t o à tecnologia, p o s s o lhe assegurar q u e a l -
guns dos franceses q u e t r a b a l h a m n a usina vêm fazendo grandes depósi-
tos e m suas contas bancárias n a Suíça, volveu o p r e m i e r .
- Talvez fosse e n t ã o o c a s o de d e n u n c i a r m o s isso à A g ê n c i a I n t e r n a c i o -
nal de C o n t r o l e A t ô m i c o . P a r e c e - m e q u e eles são m u i t o ciosos d a aplica-
ç ã o pacífica d a energia a t ô m i c a .
- Eles n ã o farão nada, disse o premier, já c o m e ç a n d o a se irritar. Ulti-
m a m e n t e o r e l a c i o n a m e n t o entre os dois estava se azedando de f ô r m a
m u i t o rápida. B e g u i n n ã o conseguia entender c o m o M o r d a c h a i v i n h a
m u d a n d o . Ele se l e m b r a v a b e m d o general q u a n d o era jovem. U m d o s
mais c o r a j o s o s da H a g a n a . S e m p r e n a p r i m e i r a linha, n ã o hesitando a n t e
n e n h u m a m i s s ã o , tendo inclusive muitas vezes até se e x p o s t o e m arrisca-
das o p e r a ç õ e s terroristas. O q u e s e m p r e o impressionara e m M o r d a c h a i
era o fogo de seus o l h o s , n o qual se lia u m a b r a v u r a s e m limites. Esse
fogo ainda estava lá, m a s a g o r a parecia diferente. E r a u m fogo i n c o m -
preensível p a r a o premier.
- A c h o , excelência, q u e devemos dar u m crédito de confiança à A g ê n -
cia. T e n h o conversado c o m alguns de seus funcionários e eles têm se de-
m o n s t r a d o m u i t o firmes e b e m intencionados. D e m a i s a mais, c o m essa
denúncia, c e r t a m e n t e p r o v o c a r e m o s reações internacionais e d a r e m o s
condições a o s G o v e r n o s dos Estados U n i d o s e Rússia d e pressionarem o
Iraque. C o m o o s e n h o r sabe, se eles suspenderem o f o r n e c i m e n t o de m a -
terial bélico p a r a o Iraque, o Irã a c a b a r á c o m o I r a q u e e aí o p r o b l e m a se
resolverá p o r si.
- N e m Rússia n e m Estados Unidos farão coisa alguma, general. O se-
n h o r sabe da c h a n t a g e m d o p e t r ó l e o . S ó isso j á faz c o m q u e os Estados
U n i d o s fiquem fora disso tudo. Q u a n t o à Rússia, ela jamais fará q u a l q u e r
coisa q u e a desgaste a i n d a mais "no O r i e n t e M é d i o . N ã o , general. Esse
p r o b l e m a n ó s t e m o s q u e resolver a nossa m a n e i r a .
- C o m o assim, m i n i s t r o ?
- O s e n h o r deve estudar u m p l a n o p a r a destruição da usina a t ô m i c a
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do Iraque.
- M a s isso é u m a temeridade, s e n h o r ministro. O s e n h o r avaliou b e m
as conseqüências de u m a agressão dessa o r d e m ?
- N ó s n ã o t e m o s escolha, general. J á pensei nisso m u i t o e à luz das in-
f o r m a ç õ e s q u e o general Zivi t e m trazido a este gabinete, n ã o vejo o u t r o
caminho.
- É estranhável, e m p r i m e i r o lugar, s e n h o r ministro, q u e o Ministério
a t é a g o r a n ã o tenha r e c e b i d o q u a l q u e r u m a dessas informações. E m se-
g u n d o lugar, excelência, a c h o q u e o s e n h o r n ã o p o d e t o m a r essa decisão
sozinho.
- A instrução para q u e todas essas i n í ó r m a ç õ e s fossem entregues e x -
clusivamente a m i m , general, é m i n h a e tendo c h e g a d o à c o n c l u s ã o q u e
era o m o m e n t o de dar ciência disso a o Ministério da Defesa, m a n d e i
c h a m á - l o e é o q u e estou fazendo nesse preciso m o m e n t o . Q u a n t o à deci-
são, n ã o se preocupe, general. Mais do que ninguém, sou cioso da m a n u -
tenção d a o r d e m e d o respeito à autoridade. Essa decisão,.se for adotada,
o será p e l o G a b i n e t e reunido, d o qual o s e n h o r faz parte, general. T e n h o
certeza de q u e todos os ministros estarão interessados e m suas o b j e
ções.
Até lá o s e n h o r deve estudar a m e l h o r m a n e i r a de destruir essa usina. O
general Zivi lhe entregará t o d o material q u e o M o s s a d tem a respeito e eu
q u e r o q u e o s e n h o r se apresente à r e u n i ã o d o G a b i n e t e c o m u m p l a n o
e l a b o r a d o e c o m várias alternativas. Até lá isso é secreto. N ã o deve ser
discutido c o m n i n g u é m q u e n ã o esteja envolvido diretamente n o planeja-
m e n t o d o ataque. Passe b e m , general.
- Zivi, c o m e ç a r a m as hostilidades c o m o ministro, disse o p r i m e i r o -
ministro assim q u e M o r d a c h a i saiu d o gabinete. As despedidas f o r a m
Irias e q u a s e hostis.
- E u lhe avisei, ministro, q u e M o r d a c h a i estava na linha dos m o d e r a -
dos. E l e h o j e e m dia é u m dos mais liberais das nossas Forças A r m a d a s .
- É u m a p e n a q u e o D a y a n esteja d o lado de lá. S e ele estivesse c o m a
gente eu poderia pô-lo n o lugar de Mordachai. N ã o vejo outro general
q u e t e n h a p e s o p a r a substituir M o r d a c h a i . E l e é tido entre os nossos
c o m o u m h e r ó i . Sua substituição, politicamente, p e l o m e n o s agora, é i m -
possível. E u n ã o tenho c o n d i ç õ e s de sofrer m a i s u m desgaste grande. Se
eu tirar M o r d a c h a i , n e m a libertação de todos judeus dissidentes russos
m e salvará politicamente.
- E o q u e é q u e n ó s v a m o s fazer?, p e r g u n t o u Zivi.
- T e m o s q u e esperar e ter m u i t a paciência e habilidade. A c h o q u e você
deve freqüentar mais o Ministério. A g o r a c o m o p r e t e x t o de passar todas
as i n f o r m a ç õ e s sobre a usina a t ô m i c a você p o d e r á fazer isso n o r m a l -
mente.
- Eles n ã o v ê e m lá c o m m u i t o b o n s o l h o s depois q u e ficaram s a b e n d o
das o p e r a ç õ e s internas.
- N ã o se p r e o c u p e c o m isso. E u lhe darei toda c o b e r t u r a .
- H á u m a corrente m u i t o forte n o Ministério q u e a c h a q u e eu, a l é m de
c o m p r o m e t e r o M o s s a d , deixei as F o r ç a s A r m a d a s n u m a situação m u i t o
ruim.
- Isso é b o b a g e m . Eles n ã o p a s s a m de simples soldados q u e n ã o têm
visão política dos p r o b l e m a s . Isso é coisa de M o r d a c h a i . S e o ministro
fosse o u t r o , n a d a disso estava a c o n t e c e n d o .
- B e m ministro, m a s essa realidade existe e n ã o h á n a d a q u e p o s s a m o s
fazer.
- H á sim, Zivi. C o l o q u e M o r d a c h a i s o b a m a i s estreita vigilância, in-
clusive telefônica.
- Isso é m u i t o arriscado, m i n i s t r o . V a i a c a b a r transpirando e aí sim é
q u e ficaremos m a l de vez.
- N ã o Zivi, n ã o vai transpirar. E u estou a u t o r i z a n d o - o a usar o esqua-
d r ã o especial. Assim n i n g u é m s a b e r á de n a d a .
- P a r a isso. m i n i s t r o ?
- É . E x a t a m e n t e p a r a isso. Isso é m u i t o mais i m p o r t a n t e d o q u e v o c ê
possa imaginar.

N a q u e l e dia o cel. Neiva levantou-se m a i s tarde. Cerca de 1 i h o r a s .


M a s n e m p o r isso seu h u m o r estava b o m . A o c o n t r á r i o d o q u e fazia t o d o
fim de semana, n ã o iria n e m a o Guarujá n e m a o Rio. Desde que ele havia
sido transferido para a Agência d o S N I e m S. Paulo, havia a d o t a d o o
h á b i t o de n ã o ficar n u n c a n a cidade n o s fins de semana. C a d a 15 dias, r e -
c e b i a u m a cortesia da V A S P , e m p r e s a de aviação d o G o v e r n o d o Estado,
u m a passagem de ida e volta p a i a o R i o . Se fosse general, r e c e b e r i a todo
fim de semana. E r a u m e s q u e m a m o n t a d o p e l o g o v e r n a d o r P a u l o Maluf,
q u e se esforçava a o m á x i m o p a r a ser simpático c o m q u e m ele a c h a v a q u e
lhe poderia ser útil e o cel. Neiva, q u e e r a chefe de o p e r a ç õ e s d o S N I n o
Estado, é evidente q u e e r a c o n s i d e r a d o c o m o pessoa q u e p o d e r i a ser
m u i t o útil.
Neiva sabia que, se insistisse, conseguiria r e c e b e r u m a passa-
g e m cada fim de semana, m a s qual, isso n ã o ficava b e m , p r i n c i p a l m e n t e
para ele c ue r e c e b i a as passagens a q u e tinha " d i r e i t o " c o m m u i t a relu-
tância. Nos o u t r o s fins de semana, ele ia p a r a casa de a m i g o s n o G u a r u j á .
Assim ele ia levando sua vida.
Ele foi p a r a o b a n h e i r o e c o m o de h á b i t o se pesou. 1 1 0 q u i l o s . P a r a
1,92 metro até que n ã o era muito. C o m 4 5 anos de idade, até q u e n ã o
estava mal. C o n c l u í d a a higiene matinal, lez seu cate p a r a depois se esten-
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der na cadeira d o terraço para a p a n h a r u m p o u c o de sol. Fazia c a l o r e o
dia estava m u i t o b o n i t o . D o terraço d o seu a p a r t a m e n t o , na al. Santos (o
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mais alto espigão da cidade), n o 1 2 andar, avistava toda a zona sul da ci-
dade. Ele não se cansava n u n c a de a d m i r a r a grandiosidade dessa cidade
tão cheia de contradições e conflitos. O a p a r t a m e n t o era b o m . D o i s dor-
mitórios c o m u m a suíte, u m a b o a sala, dependências de e m p r e g a d a e c o -
zinha bastante espaçosa e u m a vaga n a g a r a g e m . C o m o n ã o tinha q u e pa-
gar pensão para a e x - m u l h e r - ela era m u i t o rica - conseguia sobreviver
bastante bem, principalmente e m c o m p a r a ç ã o c o m outros colegas de
profissão. Eventualmente recebia n o seu a p a r t a m e n t o algumas m o ç a s ,
casos seus, n o entanto, sem m a i o r c o m p r o m i s s o o u profundidade. Ele sa-
bia q u e agradava às mulheres, principalmente as paulistas, j á q u e , a l é m
d e ser bastante alto, era, p o d e - s e dizer, m u i t o b e m apessoado, c o m c a b e -
los castanhos bastos e o n d u l a d o s . U m o n d u l a d o suave q u e s e m p r e lhe
dava u m ar de displicência elegante. Afeito a o s esportes, nadava, jogava
bola a o cesto e vôlei, o q u e mantinha seu estado físico sempre e m b o a
forma. A d e c o r a ç ã o d o apartamento, p o r o u t r o lado, traduzia b e m o
temperamento d o c o r o n e l . Era uma mistura suave e m u i t o a c o l h e r á d o r a
d o clássico c o m o moderno. O c o r o n e l detestava o espalhafato. E r a u m
h o m e m recatado e m o d e s t o , mas m u i t o firme. E r a b e m e d u c a d o e m u i t o
mais lido e culto d o q u e seria lícito se i m a g i n a r e m u m oficial d o E x é r c i t o
brasileiro. A primeira impressão q u e ele causava era sempre b o a e isso o
ajudava muito, j á q u e q u a n d o queria o u precisava, conseguia m a n t e r
u m a conversação interessante e m quase todos os níveis.
O coronel, p o r o u t r o lado, ainda q u e n ã o fosse u m gênio, tinha u m a
inteligência b e m a c i m a d o nível n o r m a l . Isso t a m b é m facilitava m u i t o a
sua vida, principalmente se considerando q u e atualmente ele d e s e m p e -
nhava a importante e difícil função de i n f o r m a ç õ e s n o Estado mais c o m -
plicado da U n i ã o . Após dar u m a ligeira lida n o jornal O Estado de S.
Paulo, imperceptivelmente ele c o m e ç o u a analisar algumas modificações,
ainda que sutis, n o relacionamento d o SNI c o m o governador d o Estado.
Desde que Paulo Maluf chegara a o Governo contra a vontade d o presi-
dente da República, o q u e n o Brasil, nessa é p o c a , h á q u e se r e c o n h e c e r ,
era u m a façanha e tanto, ele havia sido d e c l a r a d o inimigo j u r a d o d o Sis-
tema e tudo q u e fosse possível se fazer p a r a atrapalhar o " t u r q u i n h o " ,
c o m o era designado n o Serviço o g o v e r n a d o r paulista, era feito. M a s o
h o m e m resistia a tudo e a todos. A i n d a q u e Neiva n ã o gostasse dele, o a d -
mirava pela capacidade q u e ele tinha de sempre conseguir dar a volta p o r
cima. Havia q u e se r e c o n h e c e r q u e o h o m e m e r a u m a p o t ê n c i a e e m ter-
m o s de política era u m a verdadeira raposa. J a m a i s passava r e c i b o p o r
pior q u e fosse a coisa. E l e r e a l m e n t e tinha m u i t o e s t ô m a g o . D e uns três
o u quatro meses para cá, n o entanto, a i n d a q u e n ã o houvesse n a d a d e
oficial, ele j á sentia u m a m o d i f i c a ç ã o da cúpula d o S N I c o m r e l a ç ã o a o
governador. J á n ã o se faziam mais coisas c o m o passar informações detur-
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Mldas |>ara alguns jornalistas a m i g o s d a c a s a ; n ã o se pedia m a i s p a r a de-
s n u d o s d a o p o s i ç ã o , m a s ligados a o Sistema, q u e fizessem discursos c o n -
tundentes na Assembléia e n o Congresso. O senador Franco M o n t o r o
I I.I via p a r a d o de r e c e b e r material c o n t r a o g o v e r n a d o r que, a b e m da ver-
d a d e , liá q u e se r e c o n h e c e r , o s e n a d o r n e m desconfiava de o n d e vinha. E
.ig< >ia, linalmente, a instrução de sempre, enviar u m oficial de patente superior
às m e p ç õ e s e homenagens que se prestavam a todo m o m e n t o a o
governador. E r a seu c a s o h o j e à noite. E l e tinha q u e ir representar o SN1
n.i ( a s a de u m libanês m i l i o n á r i o q u e ia oferecer u m a badaladíssima r e -
c e p ç ã o e m h o m e n a g e m a P a u l o Maluf. É , sem dúvida, a l g u m a coisa es-
tava m u d a n d o . M a s p a r a q u e e p o r q u e ele n ã o sabia e c o m o sabia q u e
não devia fazer perguntas n e m deixar n i n g u é m p e r c e b e r q u e ele havia de-
tectado isso, ficava q u i e t o .
Foi nesse j a n t a r q u e c o n h e c e u a filha de P a l m a . J o v e m b o n i t a , inteli-
gente, bastante culta e m u i t o irreverente, p r i n c i p a l m e n t e c o m os milita-
res. Ele ficou b o a parte da n o i t e c o n v e r s a n d o c o m ela, j á q u e haviam sido
c o l o c a d o s na m e s m a mesa. E r a m m e s a s de o i t o lugares e a sua era b e m
p r ó x i m a da d o governador, q u e t o d a h o r a o m i m o s e a v a c o m u m sorriso
o u c o m a l g u m dito gentil. A o fim d o jantar, vários convidados se dispu-
seram a ir u m a boate e o coronel foi convidado. A filha de Palma tam-
b é m ia. C o m o ele n ã o tinha o q u e fazer n o d o m i n g o , resolveu aceitar. E
assim c o m e ç o u u m r o m a n c e q u e iria ter trágicas c o n s e q ü ê n c i a s p a r a
m u i t a gente. N a s e m a n a seguinte, foi convidado p a r a u m j a n t a r n a casa
de P a l m a . N ã o e r a m m u i t o s convidados, m a s o g o v e r n a d o r lá estava.
T a m b é m estava a filha d o anfitrião. Novas gentilezas d o governador, o
q u e irritava Neiva, j á q u e M a l u f n ã o tinha n e m sutileza n e m finesse. Essa
irritação a c a b o u p o r cativar a m o ç a , q u e praticamente i n t i m o u o c o r o n e l
a levá-la p a r a j a n t a r dois dias depois. Daí p a r a frente p a s s a r a m a estar
j u n t o s p e l o m e n o s três vezes p o r s e m a n a e n o s fins d e s e m a n a era s e m p r e
certo q u e ela dava u m j e i t o de a p a r e c e r n o R i o o u n o G u a r u j á .
O conflito e n t r e árabes e j u d e u s n u n c a sensibilizou m u i t o o c o r o n e l .
Ele a c o m p a n h a v a isso profissionalmente. P e s s o a l m e n t e achava q u e
q u a n t o mais uns m a t a s s e m aos o u t r o s m e l h o r seria p a r a o m u n d o e par-
ticularmente p a r a o Brasil. Ele sabia, inclusive p o r força d e atividade p r o -
fissional, que tanto uns c o m o o u t r o s faziam m u i t o m a l a o país e que, a se
r o l o n g a r essa ascendência dos dois grupos sobre o Brasil, dentro e m
E reve p o u c o haveria a ser feito p a r a p o d e r se livrar d o p r e d o m í n i o e c o -
n ô m i c o que eles i a m i m p o n d o à N a ç ã o . Ele n ã o aceitava e n ã o c o n c o r -
dava c o m a passividade d o G o v e r n o ante essa situação e n ã o via c o m
b o n s olhos a impunidade de muitos testas-de-ferro que agiam dentro do país
e m n o m e dos dois grupos. T a m b é m n ã o aprovava o crescimento desabusado
da atividade sionista apoiada p o r quase todos os bancos brasileiros nem con-
cordava c o m o constante fortalecimento dos grupos eco-
n ô m i c o s árabes, q u e se fixavam c a d a vez mais a p o i a d o s pela c h a n t a g e m
27
d o p e t r ó l e o . Ele tinha consciência q u e tanto o s judeus c o m o o s á r a b e s ,
q u e afinal de contas e r a m primos, e r a m dois g r u p o s predadores e segre-
gacionistas. Eles é q u e n ã o se diluíam, n e m a b s o r v i a m a cultura e a p o p u -
lação local, a o c o n t r á r i o d o p o v o brasileiro, q u e n o r m a l m e n t e n ã o levan-
tava restrições a n e n h u m a das duas etnias. E foi p o r causa desses seus
>ontos de vista q u e ele ficou m u i t o p r e o c u p a d o q u a n d o e m u m desses
f ins de semana, n o R i o de J a n e i r o , n o seu a p a r t a m e n t o , e m I p a n e m a ,
J O U C O antes de irem p a r a a praia, n o m e i o d e u m a conversa, Cristhiane
[he disse q u e estava sendo e l a b o r a d o u m c o n t r a t o para f o r n e c i m e n t o de
u r â n i o a o Iraque. A q u i l o foi u m c h o q u e e ele n ã o acreditou. Manifestou
seu ceticismo, m a s quase caiu p a r a trás q u a n d o e l a lhe disse q u e dois dias
atrás seu pai e mais três advogados haviam v a r a d o a noite, na sua casa, fa-
zendo u m a m i n u t a q u e tinha q u e ser e n t r e g u e a o g o v e r n a d o r ' p a u l i s t a
t r a t a n d o j u s t a m e n t e desse f o r n e c i m e n t o .
N a segunda-feira c e d o , Neiva foi direto a o gabinete d o chele da Agên-
cia, u m general da ativa, q u e n ã o era dos m a i s brilhantes, m a s q u e n ã o
criava m a i o r e s p r o b l e m a s , j á q u e , c o m o ele m e s m o sempre dizia, estava
n o p o s t o apenas à espera da terceira estrela e q u e depois, c o m o m a i o r
prazer de sua vida, teria m u i t a satisfação e m s;er transferido p a r a q u a l q u e r
o u t r o lugar q u e n ã o tivesse n a d a a ver c o m informações. O c o r o n e l n ã o
p o d i a dizer q u e respeitava o u q u e gostava m u i t o d o gal. M a r c o n d e s . P a r a
o seu gosto, o general era m u i t o tímido. N u n c a assumia u m a responsabi-
lidade. A c h a v a - o m u i t o submisso e subserviente aos superiores. E m b o r a
entendesse essa subserviência, sem a qual j a m a i s M a r c o n d e s teria c h e g a d o
a general n e m seria p r o m o v i d o a g o r a , a reprovava. Para ele, devia haver
u m m í n i m o de decência entre os oficiais e assistia impotente e incapaz
esse p a d r ã o m o r a l ser p a u l a t i n a m e n t e l i q u i d a d o dentro das F o r ç a s Ar-
m a d a s . S e m isso era m u i t o difícil se c h e g a r à s platinas d o generalato. As
c a r o n a s q u e ele j á tinha visto nas p r o m o ç õ e s ; dos c o r o n é i s p a r a general o
d e i x a v a m m u i t o assustado. Foi p o r isso q u e ele relutou m u i t o e m ir falar
c o m o chefe da Agência antes de d e t e r m i n a r u m a investigação c o m p l e t a
e m t o r n o da i n f o r m a ç ã o q u e r e c e b e r a n a véspera. O assunto era m u i t o
q u e n t e p a r a ser m a n t i d o n o seu nível. Ele p o d e r i a ter falado direto c o m o
seu chefe e m Brasília, o cel. Ary, m a s consi derou isso u m a deslealdade
c o m o seu chefe i m e d i a t o . A conversa, c o m o ele previra, n ã o foi b o a . O
general p u l o u . N ã o q u e r i a confusão na á r e a . Isso era u m a b o m b a de
m u i t o s m e g a t o n s e ele n ã o estava disposto a explodir c o m ela. P r o i b i u
Neiva de fazer q u a l q u e r coisa p o r escrito e diisse q u e iria se e n t e n d e r c o m
o gal. Newton, chefe da A g ê n c i a Central, e cque depois daria instruções.
À tarde, o gal. M a r c o n d e s c o n v o c o u Neiiva p a r a seu gabinete. Disse
q u e havia falado c o m o gal. N e w t o n e q u e e s t e ficara m u i t o irritado, m a s
c o m o o ministro-chefe do S N I n ã o estava e m Brasília, n ã o havia outra instm-
ção q u e manter o silêncio e que o chefe da A g e n d a Central queria saber qual
era a fonte. Isso j á era demais para Neiva, principalmente face a o
23
Lu u n e n t o e m o c i o n a l c o m Cristhiane. Ele se r e c u s o u a a b r i r a
I ici.i primeira vez teve u m a a l t e r c a ç ã o violenta c o m o gal. M a r c o n -
i ..(• insistia n a tese de q u e e r a u m a o r d e m d o chefe d a A g ê n c i a C e n -
II i i i t i f <l(-veria ser c u m p r i d a . Neiva insistia e m q u e esse tipo de o r d e m
• •. ... i i l c i n l b r m a ç õ e s n ã o resistia a u m a r e p r e s e n t a ç ã o . N o final, depois
i i.i ü . de duas h o r a s de discussão, eles se despediram m u i t o m a l , inclu-
iu M a r c o n d e s a m e a ç a n d o o c o r o n e l de i n s u b o r d i n a ç ã o e de todas
ii ,tVs |)ossíveis e inimagináveis.
i ml»' il.i noite, q u a n d o j á d o r m i a , Neiva r e c e b e u u m t e l e f o n e m a de
.1.1 I' i ,i o chefe de o p e r a ç õ e s da A g ê n c i a Central, cel. Ary, c o n h e c i d o
III \ i y/.inho, q u e pediu a Neiva q u e voasse n o dia seguinte c e d o p a r a
llln c ( | i i e mantivesse a c a l m a . Neiva e x p l i c o u q u e e r a p r a x e n ã o se
|| i , lumes e q u e fora a m e a ç a d o p e l o general de ser e n q u a d r a i j o n o
. ii|-i i Militar, n o parágrafo de i n s u b o r d i n a ç ã o , e q u e ele, infelizmente
I |(ti 1. M a r c o n d e s , n ã o aceitava esse tipo de c h a n t a g e m . Aryzinho
< tu n.mqüilizá-lo, dizendo q u e n ã o era n a d a disso, q u e M a r c o n d e s
l i o m e d r o s o e q u e j a m a i s ele seria e n q u a d r a d o e m q u a l q u e r p a r á -
i l i . <l. q u a l q u e r c ó d i g o , m u i t o m e n o s o disciplinar, m a s q u e esse caso
I . imillo especial e q u e ele deveria se p o r t a r c o m m u i t o c u i d a d o e q u e
i •.. . t m i o era i m p o r t a n t e q u e ele fosse a Brasília. Neiva, m a i s p o r ins-
i ilo q u e p o r q u a l q u e r o u t r a coisa, pediu q u e a sua c o n v o c a ç ã o fosse
i || • ulli i.iluiente, isto é, c o m o d e h á b i t o , p o r telex, | á q u e ele n ã o q u e r i a
i . i l i i H t e c e r c o m M a r c o n d e s . E assim eles se despediram, a m b o s
llttllln !>••-• >• upados. Ary c o m m e d o q u e Neiva chegasse a o assunto, j á
. |i sabia da c o m p e t ê n c i a d o h o m e m e Neiva, c e r t o m a i s d o q u e
. . de i | i i e havia u m a t r e m e n d a sujeira n o m e i o disso t u d o e q u e tal-
l J I I K . I S S C a m o d i f i c a ç ã o n o c o m p o r t a m e n t o d o G o v e r n o Federal
... n Lu,io a Paulo Maluf. O certo é q u e ele n ã o conseguiu mais dormir
. jlli 11 u i i i i c . L o g o c e d o p r e p a r o u a m a l e t a q u e usava p a r a essas viagens
... i • > lni para a Agência. P a r a sua surpresa, d u r a n t e t o d o o dia n ã o
lll . .ii n e n h u m a c o n v o c a ç ã o c h a m a n d o - o a Brasília n e m ele conseguiu
(

I.I. ii M.ircondes. O q u e foi m a i s estranho a i n d a é q u e da ú l t i m a vez


i... In i .nu c m se avistar c o m o chefe da A g ê n c i a de S. P a u l o , o general
•.. .ili l. Hi lhe dizer q u e falaria c o m ele depois d o a l m o ç o . Saiu p a r a a l m o -
I N voltou m a i s . E l e ficou n a dúvida se ligava p a r a Aryzinho o u
. i >r< i i l i u p e l a negativa. E m vez disso ligou p a r a Cristhiane. Ele tinha
|... nr N Í i u a r m e l h o r .
iJfll p o u c o antes d o fim d o e x p e d i e n t e ele r e c e b e u a n o v a lista de b e -
H . In i.n ms da o p e r a ç ã o B a n e s p a . C o m o ele tinha t e m p o , j á q u e apenas
. i i i o n t r a r c o m Cristhiane depois das 21 h o r a s , resolveu dar u m a
n. • . . I I I I . K I . I e m t o d o s o s n o m e s das o p e r a ç ã o . Às vezes, q u e m sabe. T a l -
• • i lista explicasse a l g u m a s coisas q u e ele n ã o entendia. Essa o p e r a -
i. • . i. iis u m a das invenções d o g o v e r n a d o r e q u e b e m fazia j u s t i ç a à
. H i i i licencia. A i n d a q u e a c o i s a fosse temerária, e r a b r i l h a n t e e, a i n d a
q u e terrivelmente perigosa, e r a íantasticamente eficiente.
O g o v e r n a d o r , através d o B a n c o d o Estado, m o n t a r a u m e s q u e m a
perfeito de corrupção, muito eficiente e de difícil comprovação. C o m o
tudo q u e é eficiente, esse sistema era simples. S e g u n d o o grau de i m p o r -
tância dos h o m e n s , eles t i n h a m direito a fazer e m p r é s t i m o s n o B a n c o . O
m o n t a n t e desses e m p r é s t i m o s variava entre u m e trinta m i l h õ e s , ás vezes
até mais. O prazo era de 9 0 dias, dentro da m e l h o r p r a x e b a n c á r i a , c o m
juros a b a i x o da tabela geral dos b a n c o s privados, coisa de 496 a o mês, j á
que o Banespa dispensa toda a reciprocidade tão exigida por todos os ban-
queiros, c o m o saldo m é d i o , c o m p r a de ações, seguros, c o m p r a de passa-
gens nas agências de turismo d o b a n c o , etc. A c o n t e c e q u e esses privilegia-
dos clientes d o B a n e s p a n ã o levantavam o d i n h e i r o . Eles faziam as p r o -
missórias, c o m dois avais, tudo direitinho, e assinavam e m seguida u m a
autorização p a r a a financeira d o B a n e s p a aplicar esse dinheiro. As aplica-
ções e r a m sempre feitas a 1096 a o mês, o q u e dava u m a diferença de 696,
o u seja, u m a suplementação salarial p a r a o favorecido n u n c a m e n o r d o
q u e 6 0 mil cruzeiros p o r m ê s . N a lista havia de tudo. Senadores c o m até
2 0 m i l h õ e s , deputados federais c o m até 15 m i l h õ e s , deputados estaduais
c o m até 10 m i l h õ e s , vereadores da Capital c o m até 8 m i l h õ e s e o u t r o s d e
cidades p e q u e n a s c o m a p e n a s u m m i l h ã o . Havia ministros c o m até 3 0
m i l h õ e s . T i n h a uns 10 generais c o m 10 m i l h õ e s cada um. O u t r o s g e n e -
rais c o m 5. C o r o n é i s e m a j o r e s variando entre 3 e 15 milhões, depen-
d e n d o da função. Ele se l e m b r o u q u e u m a vez, de m a n e i r a m u i t o sutil,
u m dos assessores d o g o v e r n a d o r , esse sim era inteligente, havia até sido
diretor da Ericsson, lhe havia insinuado q u e ele p o d e r i a levantar 15 m i -
lhões, c o m o aliás o seu colega d o Rio, da m e s m a função havia levantado.
O genial disso, n o entanto, e r a o prazo e a garantia d o b a n c o . Ele n u n c a
perdia o d i n h e i r o j á q u e ficava n a financeira. O beneficiado sim é q u e es-
tava eternamente preso. Q u a n d o ele não atendia aos desejos do governa-
d o r q u e , diga-se a b e m d a verdade, n ã o e r a m p o u c o s , ele o u n ã o conse-
guia r e n o v a r o e m p r é s t i m o o u e n t ã o via, n a r e n o v a ç ã o , sua taxa de risco
ser reduzida c o n f o r m e a gravidade da falta q u e c o m e t i a . O grau d a taxa
de risco, na renovação, e havia muitas delas todos os dias, era s e m p r e ar-
b i t r a d o p e l o p r ó p r i o governador. Assim, de u m a lista p a r a outra, n ã o era
surpreendente se e n c o n t r a r alguns e m p r é s t i m o s a u m e n t a d o s e o u t r o s di-
m i n u í d o s . H o u v e u m general, p o r e x e m p l o , q u e apareceu n a p r i m e i r a
lista c o m 10 m i l h õ e s . N a segunda caiu p a r a 5 e n a terceira conseguiu vol-
tar aos 10. Isso significava q u e ele havia c o m e t i d o u m a falta c o n s i d e r a d a
grave p e l o governador, m a s q u e depois conseguiu se redimir. C o m o era
u m general q u e influía m u i t o s o b r e transferências de oficiais d o Exército,
n ã o e r a difícil de se i m a g i n a r o q u e poderia ter a c o n t e c i d o . C o m o nessa
o p e r a ç ã o o general recebia 6 0 0 mil cruzeiros p o r fora, o q u e significava
p e l o m e n o s o d o b r o de t u d o q u e ele recebia d o Exército, inclusive as
m o r d o m i a s , era perfeitamente compreensível o r e c u o d o militar. Esse
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n u n c a m a i s daria d o r de c a b e ç a a o g o v e r n a d o r . O u t r o s , p o r o u t r o lado,
haviam saído das listas p a r a n u n c a m a i s voltar. E r a m o s q u e passavam
p a r a a reserva o u q u e e r a m transferidos p a r a funções q u e p r e c e d i a m
suas reformas, principalmente q u a n d o t i n h a m p o r u m a razão o u o u t r a
c a í d o e m desgraça j u n t o dos d o n o s da c o r p o r a ç ã o . Q u a n d o o s transferi-
dos para a reserva tinham prestígio e conceito n o meio militar, n o Planalto
e n o m e i o político, e apresentavam p o t e n c i a l , e r a m i m e d i a t a m e n t e c o n -
tratados p o r u m a o u o u t r a empresa d o G o v e r n o d o Estado, q u a n d o n ã o
a q u i n h o a d o s diretamente c o m u m c o n t r a t o de assessoria p o r a l g u m ó r -
g ã o d a administração direta. Às vezes isso n ã o interessava n e m a o militar
n e m a o governador, j á q u e u m r e l a c i o n a m e n t o mais a b e r t o deixaria a
d e s c o b e r t o q u a l q u e r j o g a d a q u e pudesse ser feita e m beneficio d o gover-
n a d o r . Para isso, havia o e s q u e m a das empreiteiras o u de outras firmas
q u e d e p e n d i a m de u m a f o r m a o u de o u t r a dos favores d o E s t a d o . Nesses
casos havia até alguns c o r o n é i s e generais q u e e n t r a r a m direto n o q u a d r o
da diretoria de algumas dessas empresas. Havia a i n d a o e s q u e m a de c o n -
tratar filhos o u esposas o u s o b r i n h o s o u irmãs de a l g u m militar cuja d o -
cilidade era i m p o r t a n t e .
O cel. Neiva e x a m i n o u l o n g a m e n t e a s listas. Elas e r a m muitas e ele se
surpreendeu c o m o havia p e r d i d o a n o ç ã o da q u a n t i d a d e de pessoas en-
volvidas nesses favores. A coisa, de h á m u i t o , j á passava da casa dos dois
mil. Isso e r a r e a l m e n t e surpreendente e m a i s surpreendente a i n d a é q u e
todas as autoridades e t o d o s os serviços de i n f o r m a ç õ e s s a b i a m disso e
n ã o acontecia nada. Havia gente d e m a i s envolvida n o assunto e a o n d a
q u e se seguiria a q u a l q u e r providência m a i s séria seria m u i t o forte p a r a o
Governo Federal resistir. Ele se lembrou q u e logo que isso foi levantado pelo
SISA - Serviço de Informações e Segurança da Aeronáutica - foi u m verda-
deiro Deus nos acuda. Mas acabou d a n d o e m nada e o argumento
final n a r e u n i ã o d a c ú p u l a d o S N I foi d e q u e o pessoal da A e r o n á u t i c a
havia feito isso p o r q u e eles estavam fora d o e s q u e m a . R e a l m e n t e n ã o h a -
via m u i t o s da F A B n a lista. D a M a r i n h a t a m b é m n ã o havia quase nin-
g u é m . P o r isso é q u e se dizia q u e era u m a o p e r a ç ã o exclusiva d o E x é r c i t o
à qual tinham acesso apenas alguns p r o t e g i d o s das outras duas armas.
P o r mais q u e ele examinasse a lista e p o r mais q u e crescesse sua r e -
volta a o ver os n o m e s , ficou frustrado. N ã o conseguiu localizar n a d a q u e
ligasse a l g u é m a u m a presumível o p e r a ç ã o de m i n é r i o estratégico. É l ó -
gico q u e havia m u i t o s oficiais d o S N I n a lista, inclusive de S. Paulo, m a s
n e n h u m deles, q u e ele se lembrasse, c o m acesso a essa área. O s oficiais
q u e cuidavam disso especificamente, a l é m de ..técnicos razoavelmente
competentes, sempre haviam mostrado u m a linha b o a de comportamento
e principalmente o chefe d o setor, u m c o r o n e l da F A B q u e , m a i s p o r for-
m a ç ã o d o q u e p o r q u a l q u e r outra coisa, levava u m a vida bastante m o -
desta. Frustrado ele foi a o e n c o n t r o d e Cristhiane.
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MEDEIROS DIANTE DO ESPELHO
O gal. Medeiros passou b o a parte da manhã examinando o Almanaque do
9
Exército. Ele era o 1 9 na lista de promoções para general de Exército e era
mais d o q u e evidente q u e ele jamais chegaria à quarta estrela
antes de 1984 e isso limitava m u i t o ou, p o d e - s e m e s m o dizer, liquidava
suas esperanças de ser o futuro presidente da R e p ú b l i c a . E r a d e m a i s pre-
tender q u e se repetisse a m a n o b r a feita para p r o m o v e r J o ã o Figueiredo e
assim permitir sua ascensão à Presidência. As c o n d i ç õ e s h o j e e r a m dife-
rentes e o s presidentes n e m se fala. E m fim de m a n d a t o , n e n h u m alto c o -
m a n d o iria se vergar a o desejos de J o ã o Figueiredo, c o m o o c o r r e r a antes
c o m Geisel. Figueiredo h o j e , n a m e t a d e d o seu m a n d a t o , já estava n a
descendente, a o passo q u e seu antecessor, principalmente p o r sua esta-
tura m o r a l e dignidade, e x e r c e r a o p o d e r até o ú l t i m o dia de seu m a n -
d a t o e foi e x a t a m e n t e essa força pessoal, tão ausente d o seu sucessor, q u e
lhe permitira fazer tudo q u e fez para indicar seu sucessor.
P o r mais q u e ele procurasse c a m i n h o s , só via u m a m a n e i r a . E r a neces-
sário modificar as regras d o j o g o da expulsória. C i n c o generais de divisão
q u e estavam na sua frente deveriam ser afastados. S e m isso, ele jamais
chegaria à estrela q u e p o d e r i a lhe assegurar o Planalto. Ele vinha e x a m i -
n a n d o c o m muita a t e n ç ã o as fichas dos 19 generais q u e estavam n a sua
frente. E r a m trabalhos bastante b o n s s o b r e a vida desses 19 h o m e n s q u e
o S N I m a n t i n h a trancados e m seus arquivos mais secretos. Ali tinha de
tudo. Casos a m o r o s o s extraconjugais, deslizes n a carreira, e m p r e g o s c o n -
seguidos p a r a parentes através de tráfico de influências, viagens graciosas
a o interior e exterior, e m p r é s t i m o s e m b a n c o s particulares o u oficiais, d e -
clarações de i m p o s t o de r e n d a até de familiares e afins b e m esmiuçadas.
Ali havia de tudo p a r a t o d o s os gostos.
Antes de começar a m a n o b r a para tirar das m ã o s do Alto C o m a n d o d o
Exército o poder de decisão sobre a escolha dos nomes, tinha que esco-
lher o s c i n c o q u e deveriam ser afastados. D e n t r o d o seu r a c i o c í n i o , c o r -
r e t o d e n t r o da c o n j u n t u r a e m q u e ele vivia, e r a importante q u e esses
c i n c o fossem o s m e l h o r e s , o s q u e tivessem fichas mais limpas. C o m o s
o u t r o s seria mais fácil c o m p o r , inclusive e m t e r m o s de oferecer c o m p e n -
sações e c o n ô m i c a s traduzidas p o r n o m e a ç õ e s de filhos, parentes, a m a n -
tes, o u dos próprios interessados p a r a e m b a i x a d a s , tribunais o u m e s m o
e m p r e g o s m u i t o b e m r e m u n e r a d o s e m e m p r e s a s civis q u e d e p e n d e s s e m
d o G o v e r n o . Finalmente, depois de m u i t o relutar, ele separou c i n c o fi-
chas. A i n d a n ã o era a escolha final, m a s j á e r a u m princípio de triagem.
U m p o u c o mais satisfeito, t r a n c o u tudo n a gaveta da direita da sua m e s a .
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A c e n d e u u m cigarro e c o m e ç o u a analisar a conversa q u e tinha tido c o m
o gal. Newton a respeito d o Abyssamra. A ficha dele estava a sua frente.
N ã o era lá essas coisas. Havia até u m processo de estelionato a r q u i v a d o
pela 13* V a r a Criminal d o R i o de J a n e i r o . Ele c o n h e c i a a figura: J a n t a r a
c o m ele algumas vezes e inclusive, p o r duas delas, e m excessos .dos quais
h o j e se arrependia, havia se envolvido e m p r o g r a m a s d e m u l h e r e s n o
H o t e l Everest, n o R i o de J a n e i r o . Esse era o h o m e m q u e havia sido indi-
c a d o pela C a p e m i p a r a m o n t a r a firma q u e lhe iria repassar os 6 0 0 m i -
lhões de cruzeiros. O Nini, c o m o era c o n h e c i d o n a intimidade o gal.
Newton, lhe assegurara a total confiabilidade de Abyssamra, q u e entre
outras coisas, era casado c o m u m a s o b r i n h a d o chefe da A g ê n c i a Central.
E r a u m a decisão difícil de ser t o m a d a , m e s m o p o r q u e já n ã o havia mais
m u i t o t e m p o . A c o n c o r r ê n c i a de T u c u r u í estava p a r a sair, b e m c o m o " a
carta patente d o b a n c o de investimento, q u e lhe valeria o u t r o s 150 m i -
lhões de cruzeiros. Ele precisava desesperadamente desse dinheiro p a r a
dar a n d a m e n t o a sua c a m p a n h a . S u a p r e o c u p a ç ã o era a i n d a m a i o r de-
pois de ter r e c e b i d o i n f o r m a ç õ e s de q u e o gal. Costa Cavalcanti,,presi-
dente d a Eletrobrás de Itaipu, finalmente havia decidido t a m b é m tentar a
Presidência e desssa c o n c o r r ê n c i a M e d e i r o s tinha m e d o . A sua intuição
dizia p a r a n ã o a c e i t a r o n o m e , m a s a p r e s s a o a c o n s e l h a v a a se d e c i -
dir a favor. M o n t a d a a firma, e m c i n c o dias ele receberia o s 6 0 0 m i l h õ e s e
l o g o depois os o u t r o s 150. O Nini inclusive p r o p u s e r a c o m o segundo
n o m e p a r a a e m p r e s a a m u l h e r o u o s o g r o de Abyssamra, q u e era seu ir-
m ã o . Isso p o d i a ser inclusive u m a garantia extra de segurança. A i n d a q u e
relutante, s e m p r e a sua intuição lhe dizendo p a r a n ã o fazer, resolveu
aprovar os n o m e s , m a s o segundo seria o da m u l h e r , j á q u e o pai dela, a
essa altura, j á havia sido c o n t r a t a d o p a r a u m alto c a r g o n a C a p e m i
Agroindustrial. N ã o era b o m m i s t u r a r funções.

Ele m e s m o resolveu fazer a ligação p a r a a A g ê n c i a Central. Pelo tele-


fone v e r m e l h o , q u e era u m a central telefônica privada, l i g a n d o t o d o pri-
m e i r o escalão d o g o v e r n o , tentou falar c o m o Nini. N i n g u é m atendia n a
sala d o chefe da A g ê n c i a Central. Ele j á se irritou. M a n d o u seu chefe de
gabinete localizar o gal. Newton. N i n g u é m achava o h o m e m . Estava e m
h o r a de a l m o ç o . L o g o depois veio a i n f o r m a ç ã o de q u e ele estava j o -
gando peteca. C o m o ele se achava muito gordo, e m vez de almoçar, ia
j o g a r peteca c o m a l g u m infeliz q u e escalava a seu bel prazer. M a n d o u al-
g u é m ir i n t e r r o m p e r o j o g o de peteca. L o g o depois N i n i estava n o tele-
fone. A i n d a irritado, autorizou o início das atividades da e m p r e s a , ressal-
v a n d o q u e o n o m e d o o u t r o sócio seria o da m u l h e r . A m á q u i n a daí p a r a
frente c o m e ç o u a andar.
À tarde, M e d e i r o s foi a o g a b i n e t e d o presidente. T i n h a q u e c o m e ç a r a
m a n i p u l a r o p r o b l e m a d a e x p u l s ó r i a e, p a r a sua sorte, o chefe d o G a b i -
nete Militar, gal. D a n i l o Venturini, e r a u m dos que, pelos critérios atuais,
seria atingido pela c o t a dos generais de b r i g a d a e a p a r e n t e m e n t e , n a d a
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havia p a r a se fazer a respeito, a m e n o s q u e se modificasse a lei e era isso
q u e ele tentaria fazer c o m m u i t a habilidade. O pretexto e r a excelente.
- Figueiredo, eu estou p r e o c u p a d o c o m o futuro d o Venturini.
- O V e n t u r i n i ? O q u e é q u e n á c o m e l e ? Está d o e n t e ?
- N ã o . N ã o é n a d a disso. É q u e ele cai n a expulsória n a p r ó x i m a c o t a .
- É m e s m o . C o m o é q u e n ó s v a m o s fazer?
- O q u e p r e o c u p a é q u e trocar u m h o m e m nesse c a r g o nesta altura
c o m p l i c a muitas coisas.
- N ã o t e m saída, M e d e i r o s . V o c ê vê a l g u m c a m i n h o ?
- N ã o sei, eu vou p e n s a r e depois eu falo c o m você.
A p r i m e i r a pedra havia sido m e x i d a e c o m ê x i t o , h á q u e se r e c o n h e c e r .
M e d e i r o s a m a n h e c e u o dia seguinte n o R i o . C o m o de h á b i t o c h e g o u à
a g ê n c i a antes das 9 h o r a s . A g ü e n t o u c o m galhardia o b e i j a - m ã o . Desde
q u e assumira as funções d e ministro-chefe d o S N I , havia instituído o
h á b i t o de fazer todos o s chefes da seção c u m p r i m e n t a r e m - n o pessoal-
m e n t e t o d a vez q u e se e n c o n t r a v a e m a l g u m a das n u m e r o s a s agências d o
Serviço espalhadas p e l o País. E l e achava q u e isso a p r o x i m a v a o s s u b o r d i -
n a d o s e desenvolvia neles u m sentido m a i s p r o f u n d o de fidelidade.
Achava t a m b é m q u e c o m isso ia c o n h e c e n d o m e l h o r os seus c o l a b o r a d o -
res. E l e sempre interferia p e s s o a l m e n t e e m designações, transferências e
novas contratações p a r a o S N I . Ele era m u i t o c i o s o de suas prerrogativas,
b e m c o m o queria saber q u e m e r a m os h o m e n s q u e c o m a n d a v a . Acredi-
tava q u e assim fazendo p o d i a tirar de cada u m deles o m á x i m o possível.
D e p o i s se deteve e m conversa de q u a s e u m a h o r a c o m o chefe d a
Agência. Era u m general de brigada, da ativa, que n ã o era da área de infor-
mações. Havia sido chefe d o Estado-Maior d o III Exército à época e m
q u e e r a c o m a n d a d o p e l o gal. A n t ô n i o B a n d e i r a e havia firmado u m a b o a
r e p u t a ç ã o de c o r r e ç ã o e lealdade. Ele estava a t u a l m e n t e n a função a p e n a s
à espera d a terceira estrela. A p ó s a p r o m o ç ã o , deixaria o Serviço p a r a as-
sumir a l g u m c o m a n d o n a tropa. E m b o r a n ã o fosse h o m e m de sua c o n -
fiança, M e d e i r o s achava b o a a presença de D o m i n g u e z , j á q u e a l é m de
n ã o atrapalhar, u m a vez q u e n o r m a l m e n t e n ã o se envolvia m u i t o , e m -
prestava sua respeitabilidade q u e servia d e c o b e r t u r a p a r a muitas coisas
n ã o m u i t o o r t o d o x a s q u e a c o n t e c i a m n a Agência, principalmente n a á r e a
de o p e r a ç õ e s . A área de o p e r a ç õ e s era u m p r o b l e m a p a r a o m i n i s t r o . E l e
já havia c o m e ç a d o a separá-la d o c o r p o das agências. E m Brasília, j á h a - .
via c o n s e g u i d o c o l o c a r Aryzinho, chefe de o p e r a ç õ e s , c o m seu pessoal e m
u m edifício separado d a A g ê n c i a Central, a i n d a q u e construído a o l a d o
do. edifício principal, m a s fisicamente j á separada. Ele sabia q u e n o s Esta-
dos seria mais difícil. Alguns chefes n ã o iriam gostar. E l e e n t ã o i m a g i n o u
iniciar o processo p e l o R i o e passou essa h o r a inteira e x p l i c a n d o , c o m
muito cuidado, a sua tese a Dominguez. Medeiros partia do princípio que
c o n s e g u i n d o isso n o R i o , p e l o e x e m p l o , ficaria mais fácil p r o c e d e r a o p e -
r a ç ã o n o resto d o Brasil. Satisfeito cie ter c o n s e g u i d o convencer D o m i n -
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guez, q u a n d o esse saiu d o seu gabinete, m a n d o u c h a m a r o cel. Aguiar,
chefe de o p e r a ç õ e s locais.
A i n d a q u e M e d e i r o s gostasse de Aguiar, n ã o tinha m u i t a confiança
nele. Sabia q u e o c o r o n e l tinha desenvolvido p a r a l e l a m e n t e a o seu traba-
l h o da a g ê n c i a três o p e r a ç õ e s t o t a l m e n t e particulares. E l e operava m u i t o
ativamente n o a e r o p o r t o internacional d o G a l e ã o , o n d e m a n t i n h a u m a
equipe p a r a d e s e m b a r a ç a r b a g a g e n s . C o m isso, desenvolvia u m lucrativo
n e g ó c i o de c o n t r a b a n d o , q u e m e s m o sendo m o d e s t o , dava-lhe u m b o m
reforço de caixa n ã o contabilizado n e m declarado. C o m isso, ele tinha a
sua disposição cerca de 10 h o m e n s , q u e m e s m o sem s e r e m d o S N I , even-
tualmente prestavam serviços q u e n ã o p o d i a m a p a r e c e r n o s relatórios da
agência. A segunda o p e r a ç ã o e r a e m t o r n o d a c a i x i n h a d o j o g o de b i c h o .
C o m a indicação d o gal. Muniz p a r a secretário da S e g u r a n ç a Pública d o
Estado, o c o r o n e l havia c o l o c a d o alguns h o m e n s de sua confiança e m
postos-chaves da Polícia e m a n t i n h a u m a discreta a r r e c a d a ç ã o dos
bicheiros e m u m escritório d a av. Churchill, q u e oficialmente pertencia
a seu filho, u m e t e r n o estudante d e e n g e n h a r i a . S u a terceira atividade
era ligada a o g o v e r n a d o r paulista. T e n d o se introduzido n a intimidade
d o g e n r o de P a u l o Maluf, representava a c o n s t r u t o r a A n d r a d e Gutierrez
j u n t o a o G o v e r n o d a q u e l e E s t a d o . C o m esse c o n t r a t o , A g u i a r havia c o r -
tado muitas de suas atividades a n t e r i o r m e n t e centradas e m tráfico de in-
fluência e q u e às vezes o deixavam m u i t o e x p o s t o , c o m o e m u m caso
o c o r r i d o n a V A S P , e m q u e se envolveu u m aventureiro c h a m a d o V i c e n t e
B o n n a r d i , q u e e m sociedade c o m A g u i a r havia m o n t a d o u m a e m p r e s a
e m New York, de n o m e Hemisfeer e q u e custara à c o m p a n h i a de aviação
a p r o x i m a d a m e n t e 3 0 0 m i l dólares. A coisa esteve a p o n t o de se transfor-
m a r e m u m g r a n d e escândalo, m a s fora tudo resolvido pela interferência
direta de Aryzinho j u n t o à diretoria d a empresa. M e d e i r o s estava mais
o u m e n o s tranqüilo c o m r e l a ç ã o a isso tudo, j á q u e o c o r o n e l , sendo in-
teligente, sabia m a n t e r a p r o p o r ç ã o devida desses n e g ó c i o s e p o r causa
deles estava p r a t i c a m e n t e de pés e m ã o s atados, n ã o h a v e n d o assim m u i t o
risco d e indiscrições o u m e s m o de traições.
- Aguiar, era b o m v o c ê ir a S. P a u l o e falar c o m o Maluf. A história d o
"yellow c a k e " transpirou.
- C o m o assim, g e n e r a l ? Essa o p e r a ç ã o está fechadíssima. N e m o pes-
soal da agência d e S. P a u l o s a b e disso.
- Pois é, m a s o Neiva, n ã o sei c o m o , c h e g o u a o assunto e o levou a o
c o n h e c i m e n t o d o M a r c o n d e s . Esse c o m u n i c o u a o Nini. O Nini a l o p r o u e
q u a s e p õ e t u d o a perder.
- Esse Neiva é u m perigo. E u j á falei a o gal. N e w t o n q u e tinha q u e ti-
r a r ele d a q u e l a área. E l e é m u i t o independente.
A diferença entre Aguiar e Neiva era antiga. Desde a é p o c a da revolu-
ç ã o de 1 9 6 4 . O c o m p o r t a m e n t o d o e n t ã o tenente Aguiar n ã o fora b o m e
Neiva n ã o fizera mistérios disso. A o l o n g o dos a n o s novas divergências
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os afastaram ainda mais. Q u a n d o Neiva loi p a i a o S N I , aí é q u e tudo se
c o m p l i c o u de vez.
- É , m a s a g o r a ele tem q u e iicar p o r lá. S e m a n a q u e vem ele vai sei
c h a m a d o a Brasília. Nós v a m o s dar u m jeito na sua curiosidade.
- O q u e é q u e o s e n h o r q u e r q u e eu diga a o g o v e r n a d o r ?
- Diga a ele q u e o vazamento foi na área dele e q u e isso é intolerável.
Deve haver u m c o n t r o l e ainda mais r i g o r o s o disso tudo daqui para
frente. E u preciso saber q u e m são o s h o m e n s d o M a l u f q u e estão a p a r
disso para tentar ver de o n d e saiu a i n f o r m a ç ã o .
- N ã o é mais fácil p e r g u n t a r a o Neiva, general ?
- Ele se recusou a a b r i r a fonte e o M a r c o n d e s pressionado pelo Nini
fez u m a verdadeira confusão. A m e a ç o u - o inclusive de i n s u b o r d i n a ç ã o .
Isso foi u m a besteira das grandes. Eu q u e r o q u e você vá ainda h o j e para
S. P a u l o .
- Pois n ã o , general. O s e n h o r q u e r q u e eu vá á Agência e m S. P a u l o ?
- N ã o . V o c ê deve inclusive viajar c o m os m e i o s próprios, aqueles q u e
v o c ê usa às vezes.
Aguiar n ã o acusou o g o l p e m a s sorriu. Eles se entendiam b e m .
Praticamente na mesma hora e m que o gal. Medeiros mandou avisar seu
filho que ia almoçar na Petrobrás, o cel. Neiva recebeu a informação de que o
cel. Aguiar havia desembarcado n o aeroporto de Congonhas, onde
fora r e c e b i d o p o r u m tenente da Casa Militar d o G o v e r n o d o E s t a d o e
seguido e m carro oficial p a r a a casa do g e n r o d o governador. A escuta n o
telefone d o j o v e m Fuad era p e r m a n e n t e , m a s as gravações, salvo instru-
ções específicas, só eram entregues n o dia seguinte. Neiva mandou colocar fi-
tas cassete e deu ordens para serem encaminhadas imediatamente para seu ga-
binete. Foi assim que ele ficou sabendo que o coronel tinha u m as-
sunto urgente e i m p o r t a n t e p a r a tratar c o m o governador, da parte d o
gal. M e d e i r o s e q u e o e n c o n t r o p o d e r i a ser feito à conveniência d o gover-
n a d o r , e m q u a l q u e r lugar, e x c e t o o Palácio dos Bandeirantes. C e r c a de
u m a h o r a depois P a u l o M a l u f c h e g o u à casa d o seu genro.
E n q u a n t o isso, M e d e i r o s iniciava o seu difícil passe de m á g i c a c o m o
presidente da Petrobrás. M e d e i r o s n ã o gostava de Shigeaki Ueki, m a s n ã o
havia c o m o derrubar o "enfant g a t é " d o ex-presidente Geisel. N ã o p o -
d e n d o destruí-lo, conseguiu c o l o c a r seu filho c o m o assessor d o j a p o n ê s .
Este, c o m o e r a m u i t o m a i s inteligente q u e o general, n ã o teve dúvidas e m
c o l o c a r o j o v e m n a chefia d o seu gabinete. Daí p a r a frente, a convivência
d o general e do presidente ficou mais fácil. A c o m i d a n o restaurante d a
Petrobrás, a m a i o r e m p r e s a d o Brasil e u m a das m a i o r e s d o m u n d o , n ã o
ficava n a d a a dever p a r a q u a l q u e r restaurante de c i n c o estrelas. As b e b i -
das estrangeiras e r a m da m e l h o r qualidade e os vinhos sempre m u i t o
b e m escolhidos. Aquele dia, p a r a a c o m p a n h a r o e x t r a o r d i n á r i o entrecote
à Daniel, foi servido u m esplêndido Nuits de San G e o r g e s . A q u e l e al-
m o ç o era importante p a r a fechar todas as c o m p o r t a s da o p e r a ç ã o "yel-

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low calce" j á q u e M e d e i r o s a i n d a n ã o sabia da e x t e n s ã o n e m da o r i g e m
d o vazamento o c o r r i d o e m S. P a u l o . D u r a n t e mais de u m a h o r a , ele ficou
e x p l i c a n d o a Ueki das vantagens dessa o p e r a ç ã o , já q u e daí p a r a frente o
Brasil receberia todas as garantias de f o r n e c i m e n t o de p e t r ó l e o p a r a o
País a preços privilegiados. Ele e x p l i c o u t a m b é m q u e a transação fora
leita p o r intermédio d o g o v e r n a d o r paulista p a r a salvaguardar o G o -
verno Federal de q u a l q u e r eventual fracasso. É lógico q u e Ueki se m o s -
trou e n c a n t a d o c o m isso, mas q u a n d o Luiz Carlos a c o m p a n h o u seu pai
até a g a r a g e m p a r a c o l o c á - l o n o c a r r o , M e d e i r o s disse-lhe q u e n ã o ficara
c o n v e n c i d o da r e a ç ã o da Ueki. Luiz Carlos reagiu defendendo o j a p o n ê s .
O general se irritou e disse:
- Q u a n t a s vezes eu t e n h o q u e lhe repetir q u e os japoneses t ê m sete fa-
ces e apenas m o s t r a m a p r i m e i r a e isso n ã o sou eu q u e m inventou. Eles
m e s m o s a d m i t e m o fato e c o m m u i t o o r g u l h o .
J á n o carro, v o l t a n d o p a r a a agência, p e n s o u q u e estava n a h o r a de ti-
rar o g a r o t o de lá. O j a p o n ê s r e a l m e n t e havia feito u m b o m trabalho.
C o n s e g u i r a d e s l u m b r a r o m e n i n o c o m toda a m o r d o m i a q u e tinha posto
a sua disposição, c u l m i n a n d o c o m a viagem a o J a p ã o e m q u e tinha le-
vado Luiz Carlos é sua m u l h e r e p r o p o r c i o n a d o h o n r a s a a m b o s q u e a c a -
b a r a m p o r liquidar c o m q u a l q u e r reserva q u e pudesse haver e m relação à
amizade pessoal d o presidente p a r a c o m seu chefe de g a b i n e t e e sua pre-
sunçosa m u l h e r .

iAÇÃO JAPONÊS;
J á era quase n o i t e e Ueki ainda n ã o havia digerido a q u e l e a l m o ç o . In-
tuitivamente ele s e m p r e s o u b e r a q u e havia q u a l q u e r coisa m a i s a l é m do
q u e a u m e n t a r as e x p o r t a ç õ e s de S. P a u l o , p r e t e x t o u s a d o oficialmente
p o r P a u l o M a l u f p a r a ir a vários países, inclusive o I r a q u e . Essa certeza
cresceu q u a n d o Ueki alertou o presidente da R e p ú b l i c a e o p r ó p r i o M e -
deiros p a r a o risco da viagem assim q u e s o u b e d o p r o j e t o e n ã o sentiu
q u a l q u e r r e a ç ã o o u p r e o c u p a ç ã o . A p e n a s o chefe d o S N I o tranqüilizou
dizendo q u e tudo estava s o b c o n t r o l e e q u e n ã o haveria q u a l q u e r risco
de o turco se envolver e m assuntos da P e t r o b r á s o u q u a l q u e r u m a de suas
muitas subsidiárias. A g o r a n ã o só M e d e i r o s vinha lhe dar u m a série de
explicações, c o m o ficara evidente q u e ele lhe havia m e n t i d o antes. Al-
g u m a coisa de m u i t o grave havia a c o n t e c i d o nisso t u d o e p o r qualquer
razão q u e Ueki n ã o sabia, s u b i t a m e n t e seu envolvimento n o assunto se
t o r n a r á necessário. N ã o havia o u t r a e x p l i c a ç ã o p a r a esse a l m o ç o . O ge-
neral fora gentil demais, inclusive, c o n t r a r i a n d o toda sua m a n e i r a de ser,
tentando se t o r n a r í n t i m o .
37
Q u a n d o H i d e o O n a g a e n t r o u n o seu gabinete, Ueki resolveu discutir o
assunto. Ele precisava desesperadamente descobrir o q u e havia atrás disso
tudo. O s riscos e r a m m u i t o grandes para u m a c o m p e n s a ç ã o t ã o pe-
u e n a . H i d e o O n a g a , t a m b é m filho de japoneses, e r a o assessor principal
e Ueki e h o m e m de sua m a i o r confiança. N ã o havia n a d a de sua vida
q u e esse n ã o conhecesse. Inclusive todos os n e g ó c i o s acertados por' fora e
os c o n t r o l e s dos vultosos depósitos q u e os dois m a n t i n h a m n o e x t e r i o r
e r a m c o n t r o l a d o s p o r H i d e o . A o saber o q u e tinha se passado n o ai-
m o ç p , H i d e o ficou terrivelmente assustado.
- M a s Ueki, isso é u m a loucura, a m a i o r q u e j á ouvi e m toda m i n h a
vida.
- É isso m e s m o , m a s o q u e estará n a verdade p o r trás disso t u d o ? Di-
n h e i r o n ã o é, senão n ó s j á teríamos sabido.
- V o c ê j á p e n s o u o q u e vai a c o n t e c e r c o m os créditos d o Brasil n o E x -
terior n a h o r a q u e isso for divulgado - e você n ã o tenha dúvida q u e será.
- O s j u d e u s vão fechar t o d o s os b a n c o s p a r a n ó s . N ã o c o n s e g u i r e m o s
n e m d i n h e i r o p a r a p a g a r o s juros da nossa dívida externa.
- A coisa realmente deve ser m u i t o grande o u e n t ã o ficaram todos l o u -
cos.
- N ó s precisamos descobrir o q u e acontece, m a s c o m m u i t o c u i d a d o .
Se n ã o f o r m o s hábeis, o M e d e i r o s saberá i m e d i a t a m e n t e q u e e s t a m o s in-
vestigando. Essa história n ã o entra.na m i n h a c a b e ç a . N ã o tem sentido dar
tanta força a o Maluf. Eles p r a t i c a m e n t e ficaram devendo a a l m a a o turco.
- A gente precisa ir m u i t o devagar. A l é m d o S N I , h á t a m b é m o
D E O P S de S ã o Paulo q u e é m u i t o b o m e o seu diretor é o u t r o turco, o
tal d o R o m e u T u m a .
- A l g u m a coisa saiu e r r a d a , senão ele n ã o vinha m e c o n t a r t o d a essa
história, ficando inclusive d e m e n t i r o s o .
- É l ó g i c o q u e você n ã o disse isso a ele.
- E u n ã o . E l e é m u i t o b u r r o . Assim n ã o fosse, n ã o chegaria a general.
S a b e q u e mais. O q u e m e assusta c o m esses m i l i c o s é q u e n a última h o r a
eles s e m p r e a c a b a m fazendo u m a besteira. O m a l d o militar é q u e ele
passa p e l o m e n o s 3 0 a n o s d e sua vida sendo c o n d i c i o n a d o a o b e d e c e r e a
r e c e b e r o r d e n s e p o r causa disso p e r d e a c o n d i ç ã o de ser o recurso final.
Q u a n d o n ã o tem n i n g u é m p a r a lhe dizer o q u e e c o m o fazer é a q u e l e
desastre. É só você o l h a r p a r a o q u e eles fizeram n o Brasil. Estão q u a s e
c o n s e g u i n d o liquidar c o m o País e n e m estão se a p e r c e b e n d o disso. E u
t e n h o m u i t o m e d o q u a n d o essa gente se m e t e a resolver p r o b l e m a s .
- E u estava p e n s a n d o j u s t a m e n t e nisso. A c h o q u e há alguém m a n o -
b r a n d o isso tudo p o r trás e p ã o é o P a u l o M a l u í . E l e n ã o é sutil a esse
p o n t o . T e m q u e ser u m o u t r o .
É, p o d e ser q u e você tenha razão. A gente precisa descobrir, senão isso
tudo a i n d a a c a b a s o b r a n d o p a r a n ó s .
- E como?
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- E c o m o é q u e eu vou s a b e r ? É intuitivo. L e m b r a q ú c eu lhe disse
q u a n d o o turco viajou q u e o assunto n ã o m e estava c h e i r a n d o b e m . Pois
b e m . Sinto a m e s m a sensação. Se n ã o for tudo, p e l o m e n o s parte disso é
capaz de s o b r a r p a r a a gente.
- É preciso descobrir isso de q u a l q u e r forma. M a s c o m o ? É p e r i g o s o
m e x e r nisso.
- A c h o q u e você deveria d a r u m a volta p o r L o n d r e s , Paris, I r a q u e e
A r á b i a Saudita. C o m j e i t o , é capaz de se ficar s a b e n d o a l g u m a coisa.
- V o c ê a c h a q u e eu p o s s o falar c o m aqueles nossos a m i g o s q u e tran-
sam c o m a judeuzada? ,
É p e r i g o s o . O M e d e i r o s foi a d i d o militar e m Israel p o r dois a n o s .
T o d o m u n d o s a b e q u e ele s e m p r e fez as j o g a d a s d o M o s s a d n o Brasil.
- É , m a s esse pessoal é c o n t r a o atual p r i m e i r o - m i n i s t r o judeu.
- Esse n e g ó c i o de c o n t r a o u favor, H i d e o , e m área de i n f o r m a ç õ e s n ã o
funciona. Eles n ã o t ê m o m e n o r senso d e lealdade e ética c o m as pessoas.
O n e g ó c i o deles é i n f o r m a ç õ e s e n ã o i m p o r t a a q u e custo. E u m a gente
e m q u e m n ã o d e v e m o s confiar. T e m o s q u e usá-los, p o r q u e n o fundo eles
n ã o passam de milicos e c o m o tal são facilmente manipuláveis. N ó s te-
m o s m a n i p u l a d o eles a o l o n g o desses a n o s todos e t e m o s tido êxito e x a -
tamente p o r q u e n ã o a c r e d i t a m o s n e m c o n f i a m o s e m n e n h u m deles.
- E n t ã o c o m o é q u e v a m o s fazer? Às tontes árabes n ã o são lá essas coi-
sas e você m e l h o r d o q u e n i n g u é m sabe disso. V o c ê q u a s e cai da P e t r o -
brás p o r q u e acreditou n a q u e l e pessoal da Líbia.
- E , você t e m razão. V o c ê faça o seguinte: invente u m a história q u a l -
q u e r e leve o filho d o M e d e i r o s nessa viagem c o m você. Ele participou d o
a l m o ç o e eu percebi q u e ele sabe m a i s desse assunto d o q u e aparenta.
M a s n ã o diga q u e vocês v ã o p a r a o O r i e n t e M é d i o . Q u a n d o você estiver
n a E u r o p a , eu d o u u m a o r d e m p a r a vocês resolverem q u a l q u e r p r o -
b l e m a n a A r á b i a e n o I r a q u e . Precisa é inventar u m a história q u a l q u e r
q u e seja plausível.
- N ã o precisa nada. Esse m o l e q u e p o r u m a viagem íaz q u a l q u e r n e g ó -
cio.
- É , m a s a g o r a o pai dele está n o m e i o e o assunto é m u i t o sério p a r a
q u e c o r r a m o s riscos desnecessários.
- P o d e deixar q u e eu vou p e n s a r e nesses dois dias a c e r t a m o s tudo.

Naquela tarde, q u a n d o Neiva soube que Medeiros estava n o Rio, logo en-
tendeu a presença de Aguiar e m S. Paulo e o encontro c o m Paulo Maluf.
Aliás, após seu último encontro c o m Cristhiane, ele chegou à conclusão de que
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o assunto era realmente sério e q u e ele se havia m e t i d o e m u m vespeiro.
O silêncio de Brasília e a evidente intenção de Aryzinho e m evitado e r a m
sintomas perfeitamente diagnosticáveis de q u e p o r u m acaso infeliz ele
havia e n t r a d o e m u m a área de m u i t a turbulência e q u e certamente as suas
asas é q u e seriam as q u e i r i a m se q u e b r a r . Até o gal. M a r c o n d e s estava
evitando-o, n ã o que o general fizesse falta n o p r o s s e g u i m e n t o d o traba-
lho, m a s é q u e t a m b é m era o u t r a indicação de q u e as coisas n ã o i a m
b e m . Crises ela j á tinha tido antes, até m e s m o c o m o Nini, m a s n o fim, o
Aryzinho, q u e era q u e m m a n d a v a n o Nini, acabava ajeitando tudo. Essa
n ã o ! Essa estava c o m todas as características de ser coisa m u i t o séria.
Neiva sentiu q u e precisava a n d a r m u i t o depressa, senão iria ser a t r o p e -
lado pelos a c o n t e c i m e n t o s . M a s c o m o ? Ele se sentia ilhado, c o m o se ti-
vessem erigido a o seu d e r r e d o r m u r o s intransponíveis. Foi p o r isso que,
q u a n d o Cristhiane ligou ele resolveu i n t e r r o m p e r contatos. O seu c a s o
c o m a filha de P a l m a , mais c e d o o u mais tarde, e o q u e era grave, prova-
velmente b e m mais cedo, a c a b a r i a p o r levar o pessoal de Medeiros à sua
fonte. M a s c o m o interromper, sem m a g o a r a m o ç a e sem perder "essa
f o n t e ? E r a mais u m dilema q u e se p u n h a p a r a sua solução nessa tarde
chuvosa de S. Paulo. Ele p e g o u u m a folha de papel e c o m e ç o u a traçar o
o r g a n o g r a m a d o p r o b l e m a c o m os p o u c o s d a d o s de q u e dispunha. F o i
só n o fim d o expediente q u e c h e g o u o telex c o n v o c a n d o - o p a r a ir a
?
Brasília n a p r ó x i m a 2 feira. J á tarde da noite, ele r e c e b e u a i n f o r m a ç ã o
de q u e o cel. Aguiar, e m vez de e m b a r c a r p a r a o R i o , havia seguido n o
v ô o das 21 h o r a s da V A S P p a r a Brasília. O q u e Neiva n ã o sabia é q u e ele
levava a m i n u t a d o p r o t o c o l o a ser assinado entre o governo d o E s t a d o
de S. P a u l o , c o m anuência d o Itaramati, c o m o I r a q u e , reatando as c o n -
dições de venda de urânio.
N o dia seguinte pela m a n h ã , Neiva recebeu u m a ligação do cel. Hei -
nani A m o r i m , superintendente d o Instituto de Pesquisas Energéticas e
Nucleares, a q u e m j á conhecia h á muito, e que lhe pedia u m encontro c o m
urgência. Resolveu encontrar-se c o m o técnico fora d o S N I , era mais seguro.
Marcaram ü m almoço e m pequeno restaurante da rua Basííio da G a m a ,
onde, além da discrição, a b o a comida era outro atrativo. Durante o almoço,
Neiva ficou sabendo que o I P E N tinha recebido instruções de trabalhar 24
horas por dia para produzir no m e n o r prazo possí-
vel de t e m p o 70 toneladas de d i ó x i d o de urânio e que, p a r a isso, havia r e -
c e b i d o , de u m a só vez, e m 4 8 h o r a s , n u m e r o s a s peças sem as quais o la-
b o r a t ó r i o d o Instituto n ã o teria c o n d i ç õ e s de processar a e n c o m e n d a .
J u n t o c o m a e n c o m e n d a , o cel. H e r n a n i havia r e c e b i d o instruções taxati-
vas de m a n t e r sigilo q u a n t o a o assunto, b e m c o m o armazenar o m i n é r i o
e m d e t e r m i n a d o lugar q u e n e m ele sabia qual era, já q u e o transporte e r a
feito p o r c a m i n h õ e s n ã o identificados. O a c o n d i c i o n a m e n t o d o m i n é r i o
era feito e m toneis, j á que ele saía do laboratório e m pó. Neiva ficou t a m b é m
sabendo que esse tipo de urânio é o mais indicado para ser enriquecido, e,
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p o r t a n t o , q u e m o estava c o m p r a n d o c e r t a m e n t e estava se prepa-
r a n d o p a r a produzir b o m b a s a t ô m i c a s o u )á as estava p r o d u z i n d o . A i n d a
q u e Neiva n ã o tenha dito a H e r n a r i s o b r e a venda d o m i n é r i o a o I r a q u e ,
sentiu q u e seu a m i g o estava m u i t o p r e o c u p a d o e o q u e é m a i s grave, e m
face das ordens recebidas, s e m c o n d i ç õ e s de formular consultas o u inda-
gações a q u e m q u e r q u e seja. T a n t o assim q u e lhe pediu sigilo s o b r e o
e n c o n t r o . I n v o c a n d o a amizade q u e os unia, disse q u e se dispôs a alertar
o S N I s o b r e isso, j á q u e n o seu e n t e n d e r isso feria frontalmente todos os
a c o r d o s internacionais assinados p e l o Brasil e q u e a divulgação disso p o -
deria significar o c a n c e l a m e n t o p u r o e simples de todos o s a c o r d o s a t ô -
m i c o s brasileiros assinados c o m outras n a ç õ e s , inclusive c o m a A l e m a -
n h a . Neiva licou s a b e n d o t a m b é m q u e c o m essa q u a n t i d a d e de u r â n i o
era possível se produzir p e l o m e n o s 2 0 b o m b a s a t ô m i c a s , n u m p r o c e s s o
relativamente simples de irradiação q u e d e t e r m i n a a possibilidade de e x -
tração d o p l u t ô n i o 2 3 9 , material a l t a m e n t e físsil. F o i i n f o r m a d o t a m b é m
q u e o processo de transporte é relativamente fácil, j á que, esse u r â n i o é
apenas levemente irradiado, o q u e p e r m i t e segurança total, b e m c o m o
q u e u m a tonelada eqüivale apenas a o v o l u m e de 5 0 litros.
E n q u a n t o Neiva voltava à agência e digeria, m u i t o p r e o c u p a d o , as in-
f o r m a ç õ e s q u e r e c e b e r a de H e r n a n i , o gal. M e d e i r o s r e c e b i a e m seu gabi-
nete o presidente d a Nuclebrás, e m b a i x a d o r P a u l o N o g u e i r a Baptista.
A q u e l e e n c o n t r o era relativamente fácil. O e m b a i x a d o r e r a m u i t o a m b i -
cioso e desde q u e fosse m a n t i d o n o c a r g o , jamais criaria q u a l q u e r p r o -
blema.
- B e m e m b a i x a d o r , a sua situação está difícil a p ó s esse fiasco d o aci-
dente lá e m Angra, disse o general, sem sequer se dar a o t r a b a l h o de
c u m p r i m e n t a r o visitante.
- M a s o q u e é isso, g e n e r a l ? Esse tipo de coisa a c o n t e c e . É u m risco a
q u e q u a l q u e r instalação está su eita. (

- N ã o é b e m assim, e de mais a mais, a p o s i ç ã o d o G o v e r n o é difícil.


N ã o p o d e m o s m a i s n o s e x p o r a desgastes políticos. P a r a n ó s , é m u i t o
mais fácil entregá-lo às feras e sairmos b e m de t o d a essa confusão.
- O q u e é q u e o s e n h o r q u e r dizer c o m isso, g e n e r a l ?
- Q u e r o dizer, e m b a i x a d o r , q u e v a m o s ter q u e tirá-lo d a N u c l e b r á s e
c o l o c a r o u t r a pessoa.
- M a s c o m o g e n e r a l ? Posso perfeitamente explicar o q u e o c o r r e u .
- N ã o p o d e n ã o e m b a i x a d o r , sei b e m q u e o s e n h o r n ã o vai n e m ten-
tar fazer isso.
- O q u e é q u e lhe dá essa certeza g e n e r a l ?
- B e m , p e l o m e n o s , a l é m de todas as besteiras q u e o s e n h o r t e m feito
n a á r e a a t ô m i c a , o n ú m e r o destas contas n a Suíça e n a A l e m a n h a . D i -
zendo isso, M e d e i r o s passou-lhe todos o s d a d o s de duas de suas contas
mantidas n o exterior, o n d e e r a m religiosamente depositadas as c o m i s s õ e s
q u e r e c e b i a de todas as c o m p r a s feitas p e l a Nuclebrás e suas subsidiárias.
41
( ) N l l l l l l I <'l il I

(• 11« i lenho certeza q u e n ó s c o n s e g u i r e m o s c h e g a r a u m en-


Ill |n< poupará todos n ó s e o G o v e r n o de c o n s t r a n g i m e n t o s ,
li i i i U I H . K I O I q u e r e n d o g a n h a r t e m p o . E l e precisava d e s c o b r i r o

m u i |ni 11,1 ( i general, talvez até participar de suas comissões, q u e m s a b e ?


r . Io •..•Ido, ele viu que os d a d o s e r a m de três meses atrás; isso queria dizer
qUC 0 SNI já dispunha h á t e m p o das i n f o r m a ç õ e s e se as estava u s a n d o
apenas a g o r a era p o r q u e o p r o b l e m a n ã o e r a esse. Havia o u t r a coisa
q u a l q u e r q u e u m a simples m e d i d a punitiva. Havia, ele p e r c e b e u nitida-
m e n t e , outros interesses. M a s quais e r a m ? T i n h a q u e ser hábil p a r a d e s c o -
brir. Resolveu esperar o general e n c a m i n h a r o assunto p a r a o p o n t o ne-
vrálgico e foi o q u e a c o n t e c e u i m e d i a t a m e n t e e m seguida, ferindo dessa
m a n e i r a a vaidade d o e m b a i x a d o r q u e gostava de se considerar i m p o r -
tante e q u e a grosseria d o general derrubava de u m a m a n e i r a c h o c a n t e .
- V e j a e m b a i x a d o r , estou disposto a i g n o r a r sua falta de capacidade,
sua falta de escrúpulos e sua desonestidade desde q u e o senhor, c a s o seja
necessário, assuma a responsabilidade d o f o r n e c i m e n t o de 70 toneladas
de urânio para o Iraque.
- C o m o general?
Era isso então. Mas que diabo esses generais estão tentando arrumar, rumi-
nava de si para si o embaixador sem entender muito b e m o que es-
tava a c o n t e c e n d o . É u m risco terrível isso, m a s p o r o u t r o lado, q u e o p ç ã o
q u e ele t i n h a ? C o m essa e n c o m e n d a , ele s e m p r e p o d e r i a invocar os inte-
resses da S e g u r a n ç a N a c i o n a l e escapar d e q u a l q u e r p r o b l e m a e, o q u e
era m e l h o r , continuava n o c a r g o e mais p r ó x i m o de M e d e i r o s q u e s e m
dúvida vinha p i n t a n d o c o m o o possível futuro presidente da R e p ú -
blica.
- É simples. N ó s autorizamos o g o v e r n o d e S. P a u l o a n e g o c i a r esse
f o r n e c i m e n t o e m t r o c a de várias vantagens n a área da Petrobrás, inclusive
p e t r ó l e o a preços m a i s b a i x o s q u e os de h o j e . N o entanto, se a m a n h ã ,
p o r a l g u m a razão a coisa transpirar e a o p o s i ç ã o c o m e ç a r a fazer escânda-
los, é necessário q u e toda a área a t ô m i c a brasileira oficial t e n h a u m a p o -
sição sólida e m t o r n o d o assunto. É s ó isso o q u e eu q u e r o .
- Pois n ã o , general. N ã o h á dúvidas, desde q u e seja e m defesa dos inte-
resses nacionais, t e n h o certeza q u e m a n t e r e m o s u m a p o s i ç ã o coesa.
- É lógico q u e é e m defesa dos interesses nacionais, o u o s e n h o r pensa
q u e eu t a m b é m t e n h o contas n o E x t e r i o r ?
- O q u e é q u e o s e n h o r q u e r q u e eu faça, g e n e r a l ?
- P o r e n q u a n t o n a d a . C a s o h a j a a l g u m a consulta de S. P a u l o , da á r e a
d e H e r n a n i , diga-lhe q u e a Nuclebrás está a p a r d o assunto.
- H o u v e a l g u m p r o b l e m a c o m e l e ? E l e é difícil.
- N ã o . N ã o houve p r o b l e m a a l g u m . A p e n a s estou t o m a n d o cautelas.
- M u i t o b e m , general. Mais a l g u m a c o i s a ?
- N ã o , apenas a g u a r d e instruções e é lógico, se o s e n h o r s o u b e r de
42
algo, avise-me i m e d i a t a m e n t e .
- P o d e estar tranqüilo, general. Devo viajar n a s e m a n a q u e vem c o m o
ministro Delfim Netto para a Alemanha para arrumar novos emprésti-
m o s , m a s deixarei o m e u c h e t e de gabinete atento. Q u a l q u e r coisa ele l h e
avisará.
- N ã o ! N ã o q u e r o esse c o n t a t o direto. E l e lhe avisa n a E u r o p a e o se-
n h o r m e i n f o r m a p a r a cá. O u t r a coisa e m b a i x a d o r : isso é secreto! N i n -
g u é m deve saber de coisa n e n h u m a É assunto de segurança n a c i o n a l !
t

N e m o p r ó p r i o Delfim deve s a b e r disso p o r e n q u a n t o . B o a viagem, e m -


baixador!

INICIATIVA ISRAELENSE
H á vários dias q u e o gal. Zivi n ã o d o r m i a direito. As suas relações c o m
o gal. M o r d a c h a i iam de m a l a p i o r . E m vez d e c o n s e g u i r se insinuar
j u n t o dos oficiais d o Ministério c o m o q u e r i a o p r e m i e r , as relações ti-
n h a m c h e g a d o simplesmente a u m a situação de c o m p l e t a d e t e r i o r a ç ã o .
A i n d a q u e todos o tratassem de m a n e i r a polida, jamais conseguia c h e g a r
à intimidade de n e n h u m deles. O s relatórios feitos p o r seus agentes da-
v a m contas de q u e aqueles oficiais, assim c o m o o chefe deles, n ã o c o n c o r -
davam c o m as transformações q u e haviam sido feitas n o s m é t o d o s d e
o p e r a ç ã o d o M o s s a d . Eles n ã o c o n c o r d a v a m q u e esse serviço de inteli-
gência tivesse sido desvirtuado p a r a p r o p ó s i t o s políticos internos e a c h a -
v a m q u e essa atividade tirava a dignidade das F o r ç a s A r m a d a s . D e n a d a
valeram o s a r g u m e n t o s q u e de m a n e i r a hábil o general tentara c o l o c a r
entre a q u e l a equipe. O s e x e m p l o s de q u e e m outras n a ç õ e s esse p r o c e d i -
m e n t o era c o n s i d e r a d o n o r m a l n ã o os sensibilizava. Zivi e todos os seus
e r a m tidos n a q u e l e círculo c o m o oportunistas, a m o r a i s , e intrinsicamente
desonestos.
Havia u m sentido nesse c o m p o r t a m e n t o , o da sobrevivência d o E s t a d o
de Israel. O s oficiais faziam suas projeções a prazo mais longo que o efê-
m e r o m a n d a t o de Beguin, daí o c h o q u e . N o fundo, Zivi sabia q u e eles ti-
n h a m razão, m a s ele t a m b é m sabia q u e n ã o p o d i a lazer n a d a se quisesse
sobreviver n a á r e a d o p r e m i e r e que, p o r incrível q u e pareça, h o j e e r a a
única q u e lhe sobrava. R e p u d i a d o p o r seus c o m p a n h e i r o s , de farda, m e r -
gulhava c a d a vez m a i s n o c u m p r i m e n t o das tarefas determinadas p e l o
ministro e c o m isso se afastava a i n d a m a i s d o seu m e i o . Seu c a m i n h o j á
estava delineado. E r a a política -e n ã o tinha c o m o escapar disso e a p e n a s
B e g u i n p o d e r i a dar-lhe c o n d i ç õ e s de se fixar e m u m p a r t i d o e até possi-
velmente, q u e m s a b e mais tarde, disputar u m a cadeira legislativa. S e c h e -
gasse a esse p o n t o , estaria salvo. C a s o c o n t r á r i o , n a d a m a i s p o d i a fazer, j á
43
q u e sua p e r m a n ê n c i a n o E x é r c i t o , p o r total ialta de a m b i e n t e , era im-
possível. Zivi havia deslizado da área d e i n f o r m a ç õ e s p a r a a área de polí-
cia e isso n i n g u é m aceitava n o m e i o militar. E quanto' mais se afastavam
dele, mais ele m e r g u l h a v a n o c a m i n h o da d a n a ç ã o .
As notícias q u e ele ia levando nesse fim de tarde p a r a o p r e m i e r n ã o
eram boas. Além de seus problemas na área das Forcas Armadas, tinha re-
c e b i d o os resultados n a ultima pesquisa q u e a p o n t a v a m u m p r e o c u p a n t e
crescimento das preferências eleitorais e m t o r n o d o n o m e de S h i m o n P e -
res. Sua eleição iria significar u m a m o d i f i c a ç ã o radical e m t u d o q u e havia
sido feito até e n t ã o e o m a i s grave é q u e o m e i o militar c o m e ç a v a a se vol-
tar r a p i d a m e n t e a a v o r d o líder trabalhista, m e s m o e m se s a b e n d o sua
v o c a ç ã o antimilitarista. A explicação p a r a isso era a de q u e o s líderes d o
E x é r c i t o o preferiam, m e s m o s a b e n d o de suas restrições, a c o r r e r o risco
de u m a desmoralização das Forças A r m a d a s . A a r g u m e n t a ç ã o desenvol-
vida naquele m e i o e r a de q u e a dignidade de S h i m o n Peres superava de
m u i t o o seu antimilitarismo e q u e j u s t a m e n t e p o r isso n ã o haveria o risco
da desmoralização, coisa q u e a g o r a se estava t o r n a n d o c a d a vez m a i s
evidente, p r i n c i p a l m e n t e depois d o fracasso de u m a o p e r a ç ã o interna d o
M o s s a d e cujo e s c â n d a l o c o m m u i t a dificuldade fora a b a f a d o .
- E n t ã o Zivi, quais s ã o as n o v i d a d e s ? I n d a g o u o m i n i s t r o .
- B e m excelência, t e n h o os resultados da última pesquisa.
- E daí?
- S ã o ainda piores q u e os da previsão q u e fizemos. É m e l h o r o s e n h o r
ver p o r si, disse o general, passando p a r a o ministro a pasta c o m todas as
tabulações e interpretações. O m i n i s t r o franziu a testa e c o m e ç o u a m e x e r
n o s óculos. Esse c o m p o r t a m e n t o n ã o prenunciava n a d a de b o m . Zivi
c h e g o u à c o n c l u s ã o q u e deveria antes ter falado n o s p r o b l e m a s q u e estava
tendo c o m Mordachai. Se levantasse o problema agora, o ministro iria
descarregar s o b r e ele t o d a sua raiva, q u e ia ficando cada vez m a i s evidente
à m e d i d a q u e lia o s d a d o s da pesquisa.
- N ó s estamos q u a s e sem t e m p o . Se n ã o invertermos a expectativa, n ã o
haverá c o m o fazê-lo, Zivi.
- É, parece q u e sim, excelência.
- C o m o é q u e estão as coisas n o Ministério da D e f e s a ?
- O p l a n e j a m e n t o está. sendo feito. H á , é evidente, a m á vontade de
M o r d a c h a i , m a s a a r g u m e n t a ç ã o da b o m b a a t ô m i c a parece q u e neutrali-
zará o s outros oficiais.
- A impressão q u e eu t e n h o é q u e M o r d a c h a i n ã o está a c r e d i t a n d o
m u i t o nessa história da b o m b a , n ã o é Zivi?
- E u n ã o diria isso. Diria que ele t e m dúvidas. P a r e c e - m e q u e ele an-
d o u conversando c o m o adido militar francês s o b r e as possibilidades d o
I r a q u e fazer a b o m b a , m a s c o n t i n u o u e m dúvida. O pessoal da C I A disse
q u e ele tentou u m c o n t a t o , m a s n ã o foi b e m - s u c e d i d o .
- Mas ele c h e g o u a falar da b o m b a c o m os a m e r i c a n o s ?
44
- N ã o . N ã o houve o p o r t u n i d a d e .
a
- O chefe d o escritório da C I A aqui é ain<f a q u e l e p a t r í c i o ?
- É , sim s e n h o r .
5 S O
- É b o m e n t ã o você b l o q u e a r esse canal. S e í chegar a W a s h i n g t o n ,
nós v a m o s ficar m a l e eles são capazes de a b o í & r ° n e g ó c i o n o B r a s i l .
e a
- P o d e d e i x a r excelência, farei isso ainda h o i noite. V o u jantar c o m
J
ele.
J
- Ó t i m o . E n o Brasil, c o m o estão as coisas
- B e m , o p r o t o c o l o da venda d o urânio já foi a p r o v a d o . A g o r a é a p e -
nas u m a q u e s t ã o de detalhes.
- Quanto tempo?
- B e m , as coisas p o r lá são m e i o complicada*' Sabe c o m o é, n ã o ? E l e s
são lentos e i n c o m p e t e n t e s , e n t ã o sempre h á fiscos e m apressá-los.
- Mesmo o Medeiros?
Ele t a m b é m , e o q u e é pior, ele é terriveliflente p r e s u n ç o s o , o q u e
t o r n a as coisas a i n d a m a i s difíceis.
- M a s você n ã o disse q u e estava tudo arrumado c o m ele e q u e n ã o h a -
veria m a i o r e s p r o b l e m a s ?
- R e a l m e n t e eu disse, m a s é q u e a previsão c)ue t í n h a m o s e r a de m a i s
tempo.
- B e m , a g o r a você s a b e q u e o t e m p o está f i c a d o c u r t o e é b o m s e fa-
zer algo a respeito.
- Pois n ã o excelência, eu v o u ver o q u e é possível.
v a e s s e
- N ã o , você n ã o vai ver o q u e é possível. V o c ê i fazer urânio c h e -
gar a Bagdá e m 30 dias. É isso o que você vai fazer e n ã o quero d e s c u l -
pas. Q u a n d o isso foi iniciado, eu lhe perguntei b e m o grau de c o n f i a b i l i -
dade da o p e r a ç ã o e você garantiu q u e era nível A; a g o r a , você se a r r u m e .
- M a s eu n ã o estou n o Brasil. As coisas lá não são c o m o a q u i o u na
Europa.
- Eu n ã o q u e r o saber. É a sua c a b e ç a q u e va< r o l a r o u você p e n s a q u e
,,
eu* n ã o sei da sua situação d e n t r o d o Exércitc'•
- M a s excelência, eu estou fazendo o q u e é possível.
s o m a e
- Pelo visto o seu possível n ã o basta. É p r e c í fazer i s > p o r f a l a r
s ?
nisso", c o m o é q u e esse u r â n i o vai sair d o B r a ' "
- O n o s s o p l a n e j a m e n t o , j á entregue a o Medeiros, prevê dois a v i õ e s .
s
U m 747 e u m Iullinicli, d e c o l a n d o de S . J o s é d o C a m p o s , e m v ô o d i r e t o
para o Iraque.
- P a r a q u e dois aviões, se são apenas 70 tornadas, e ainda m a i s -um
russo?
- M a s é isso m e s m o excelência. Eles têm que retirar material b é l i c o de
1 61 u m
lá e u m avião russo, n a eventualidade de ocoi " " imprevisto q u a l -
quer, n o s e x i m e de responsabilidade.
- E esse v ô o quantas h o r a s leva?
u e e e s n
- Mais o u m e n o s 17. É q u e h á algumas área» R ' ã o p o d e m so-
45
b r e v o a r já q u e a nossa F o r ç a Aérea é capaz de interceptá-los e é b o m q u e
nada disso ocorra para n ã o vazar a informação. N i n g u é m aqui haveria de
e m e n d e i qual a razão de d e i x a r m o s esses aviões seguirem direto, n ã o é
excelência!'
- K isso m e s m o . A g o r a você laça o seguinte. M a n d e alguém para o
Brasil para apressar esse tal de Medeiros e é b o m q u e fique b e m claro
p a i a ele q u e se a coisa n ã o sair a c o n t e n t o , nós n ã o teremos dúvida e m
divulgar isso tudo e trancar os b a n c o s para eles. A u m escândalo desses
n e m aqueles vagabundos agüentam. É preciso ser m u i t o claro nisso
tudo.
- O senhor acha q u e devemos lazer o c o n t a t o d i r e t o ?
- N ã o , de forma a l g u m a . V o c ê continuará u s a n d o o Klabin e o Midlin,
m a s se eles sentirem m u i t a resistência, é b o m ter alguém de nível para
conversar diretamente c o m Medeiros.
- M a s isso é difícil excelência. Ele, além de general, tem nível de minis-
tro.
- Q u a l nada, ele é general p o r b o m c o m p o r t a m e n t o . O q u e eu disse é
q u e q u e m for para o Brasil tem que estar a par de tudo para p o d e r
pressioná-lo.
- T u d o , excelência?
- O acordo final não, é lógico. As vezes, duvido da sua capacidade,
m e n t a l Zivi. B e m , t a m b é m se assim n ã o fosse, c e r t a m e n t e você jamais se-
ria um general. Seria u m político o u u m c o m e r c i a n t e m u i t o rico. Eu sem-
p r e m e esqueço da sua limitação.
- S i m senhor, excelência. E n t ã o eu vou m a n d a r o Mendel. E l e é inteli-
gente, está a par de q u a s e tudo, se dá b e m c o m o G o l g e sabe ser particu-
l a r m e n t e . . . (Aqui o texto apresenta um salto de 14 páginas, onde, se presume,
o autor "romanceou" a preparação do atentado do Riocentro) . . . que a ope-
r a ç ã o R i o c e n t r o havia vazado. I m e d i a t a m e n t e ele c o m e ç o u a t o m a r m e -
didas de segurança extra, o q u e a c a b o u p o r alertar o Cisa e o C e n i m a r de
q u e o c o r r i a m coisas estranhas n o C I E . L o g o depois, o S N I t a m b é m ficou
s a b e n d o q u e o Exército estava-se agitando. P a r a sentir-se a i n d a m a i s se-
g u r o , o gal. B r a g a , n o m e s m o dia, p r o m o v e u dois e n c o n t r o s m u i t o c o m -
licãdos. A l m o ç o u c o m o cel. G o l g e j a n t o u c o m J o e . É lógico q u e a m -
os, sem entender m u i t o b e m o q u e acontecia, t a m b é m ficaram p r e o c u -
pados. O c o r o n e l e m b a r c o u para o R i o a o fim da tarde, sem entender
m u i t o b e m o q u e havia a c o n t e c i d o . Ele ia a o e n c o n t r o de M e n d e l q u e
chegaria às primeiras h o r a s da m a n h ã seguinte procedente de Paris. J o e
voltou para seu a p a r t a m e n t o depois d o j a n t a r e c o m e ç o u a r e e q u a c i o n a r
tudo, j á q u e ele t a m b é m ficou sem entender o q u e aconteceu durante o
j a n t a r e principalmente p o r q u e R i b e i r o , c o n t r a r i a n d o todos os seus h á b i -
tos, n ã o aceitou as tradicionais passagens de ida e volta para o R i o .
A chegada d o m a j o r M e n d e l foi detectada a o m e s m o t e m p o pela C I A e
pela K G B . O s dois serviços e n t r a r a m e m parafuso. E r a a b s o l u t a m e n t e

46
tora de q u a l q u e r p a d r ã o u m oficial i m p o r t a n t e c o m o o c o r o n e l , sub-
chefe de o p e r a ç õ e s d o M o s s a d , se deslocar para u m país c o m o o Brasil.
T a n t o J o e c o m o o cel. Ilukin c o l o c a r a m alerta as suas estruturas e a m -
bos imediatamente chegaram à m e s m a conclusão: alguma coisa de muito
grande estava envolvendo o Brasil e Israel, m a s o q u ê ? O russo estava
mais perto da verdade que o americano. A K G B tinha dados de Bagdá
q u e a C I A n ã o tinha. E n q u a n t o J o e partia r a p i d a m e n t e atrás de Dirceu,
Ilukin c o n v o c o u n o v a m e n t e o seu h o m e m de S. P a u l o a o m e s m o t e m p o
q u e m a n d a v a u m cifrado p a r a M o s c o u . E n q u a n t o esperava p o r Dirceu,
J o e m a n d o u u m a m e n s a g e m p a r a W a s h i n g t o n c o b r a n d o o escritório da
CIA e m T e l Aviv. Dessa vez, o supervisor de Langley p a r a a A m é r i c a d o
Sul se interessou m a i s pelo assunto e resolveu agitar o p r o b l e m a . P r o m o -
veu u m a r e u n i ã o e m seu gabinete entre o s e n c a r r e g a d o s das regionais d o
Brasil e de Israel. Ele q u e r i a saber q u e d i a b o M e n d e l estava fazendo n o
Brasil e p o r q u e até a q u e l a altura o escritório de Dickstein se m a n t i n h a si-
lencioso.
O gal. B r a g a j a m a i s c o r r e r i a o risco de ser a c u s a d o d e ser u m h o m e m
brilhante. T e n d o c h e g a d o à c o n c l u s ã o de q u e sua o p e r a ç ã o n ã o tinha
vazado, resolveu n ã o apenas prosseguir, c o m o t a m b é m , decidiu n ã o levar
a o c o n h e c i m e n t o d o ministro o q u e havia o c o r r i d o . M e s m o estando
certo q u a n t o à o p e r a ç ã o R i o c e n t r o , n ã o avaliou b e m o q u e havia o c o r -
rido, n e m n o t o u q u e o s o u t r o s serviços haviam p e r c e b i d o q u a l q u e r
coisa de e r r a d o n a sua área. Assim, sem i m a g i n a r o q u e r e a l m e n t e p o d e -
ria o c o r r e r depois, d e t e r m i n o u q u e tudo continuasse, sem a o m e n o s se
dar a o trabalho de tranqüilizar seus homens n o Rio, que c o m o alerta,
q u e havia saído de Brasília, ficaram m u i t o nervosos e c o m e ç a r a m a p r o -
m o v e r diversas modificações n o p l a n e j a m e n t o feito a n t e r i o r m e n t e . Isso, é
lógico, iria sacrificar a m a r g e m de êxito da o p e r a ç ã o e m troca de u m a
m a i o r faixa de segurança p a r a os envolvidos. E m vez dos cinco h o m e n s
iniciais q u e estavam envolvidos n o t r a b a l h o de c a m p o , f o r a m escalados
apenas dois: u m capitão e u m sargento, c o m a p e n a s u m c a r r o . U m pe-
q u e n o P u m a de m o t o r e n v e n e n a d o p a r a dar fuga m a i s rápida aos envol-
vidos.

HORA DA VERDADE
Para t o d o h o m e m de i n f o r m a ç õ e s , c o m o de resto p a r a todos nós, ape-
nas q u e e m c o n d i ç õ e s m e n o s dramáticas, c h e g a a h o r a d a verdade. Se ele
é u m a pessoa n o r m a l , c o m r e a ç õ e s h u m a n a s , sem grandes d e f o r m a ç õ e s
mentais o u espirituais, nessa h o r a ele se defronta c o m u m p r o b l e m a m o -
i .il grave, q u e é o c h o q u e entre a ética e a lei. P e l o seu t r a b a l h o , isso é ter-
47
rivelmente d o l o r o s o p o r q u e ele deve t o m a r u m a o p ç ã o : o u ele se p r o h s -
sionaliza, e c o m isso p o d e passar a o largo de toda a imundície e m q u e
vive atolado, o u e n t ã o ele e n l o u q u e c e e para n ã o e n l o u q u e c e r ele tem
q u e sair. T e m q u e d e i x a r o serviço. T e m q u e a b a n d o n a r tudo. M a s nessa
altura ele j á é o u t r o h o m e m . Ele n ã o tem ilusões. Ele n ã o acredita mais
n o s semelhantes n e m alimenta q u a l q u e r esperança e assim é niuito difícil
a ele o p t a r pelo r e t o r n o a u m a vida q u e se c o n v e n c i o n o u c h a m a i ' de n o r -
m a l . É essa angústia da o p ç ã o que q u e b r a a m a i o r i a dos h o m e n s . S e m
c o r a g e m para o r e t o r n o , eles se profissionalizam e, se profissionalizando,
eles, na realidade, se t r a n s f o r m a m e m m e r c e n á r i o s e, se n ã o se transfor-
m a r e m e m m e r c e n á r i o s , n ã o serão b o n s profissionais e, n ã o sendo b o n s
profissionais, n ã o têm n a d a a fazer na á r e a de informações e, tendo feito a
o p ç ã o de ficar na área de informações, eles c o m e ç a m a vender seus servi-
ços a q u e m pagar m a i s e c o m isso t e r m i n a t o d o e q u a l q u e r r e l a c i o n a -
m e n t o c o m tudo a q u i l o q u e se refere à pátria, làmília, a m i g o s e fideli-
dade de u m a m a n e i r a geral. A partir desse p o n t o , só liá a fidelidade
c o n s i g o m e s m o e essa fidelidade se traduz e m prestar seiAiços a q u e m
p a g a mais e assim o h o m e m fica n o b a l c ã o das olertas à espera da sorte
de u m a c h a n c e .
Foi nesse p o n t o q u e Neiva c h e g o u n a q u e l a noite. Após dois dias de an-
gústias terríveis, ele se viu n o m o m e n t o da verdade e realmente n ã o sabia
p a r a o n d e se virar. E r a de o r i g e m de u m a lamília de classe m é d i a alta.
E r a a quarta geração de militares, o q u e e m termos de Brasil, já era u m a
tradição. A partir dessa noite, foi q u e ele c o m e ç o u a e n t e n d e r b e m as ra-
zões que levaram seu pai, já velho general, a verberar sua decisão de entrar
n a área de i n f o r m a ç õ e s . Seu pai, c o m o ele se l e m b r o u , s e m p r e lhe dizia,
p a r o d i a n d o o cel. W a l t e r Nicolai, chefe dos serviços de i n f o r m a ç õ e s ale-
m ã e s durante a P r i m e i r a G u e r r a M u n d i a l , q u e o serviço de i n f o r m a ç õ e s é
o apanágio dos nobres; se confiado a outros, desmorona e que, infeliz-
mente, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, ele havia sido entre-
g u e nas m ã o s da c a n a l h a e q u e era p o r isso q u e ele n ã o q u e r i a ver seu fi-
l h o sacrificar a n o b r e carreira das a r m a s , t r o c a n d o - a pela vida secreta
dentro de u m v a l h a c o u t o q u e era e x a t a m e n t e n o q u e se t i n h a m transfor-
m a d o todos os serviços de informações d o m u n d o . Foi aí t a m b é m q u e ele
se l e m b r o u d o oficial q u e o iniciou n a carreira de informações, m a s q u e
a o lhe dar a chefia d a segunda seção d o r e g i m e n t o , r e c o m e n d o u m u i t o
q u e ele n ã o se mantivesse n a especialização. A q u e l e c o r o n e l repetiu-lhe
m a i s de u m a vez q u e era necessário p a r a u m b o m oficial c o n h e c e r infor-
m a ç õ e s , mas q u e e r a ainda mais i m p o r t a n t e p a r a u m b o m oficial, saber
n ã o ficar n a á r e a de i n f o r m a ç õ e s e q u e a p e n a s os fortes e b o n s t i n h a m o
p o d e r íntimo de a b a n d o n a r a t e m p o as ilusões e os e n g o d o s da área de
informações. Foi nessa h o r a q u e ele saiu d o a p a r t a m e n t o p a r a telefonar
p a r a M a n a u s . E l e tinha t o m a d o a sua decisão e n ã o queria q u e n i n g u é m
soubesse q u e ele iria à p r o c u r a d o velho c o r o n e l q u e o iniciara n a carreira

48
de informações e q u e hoje, c o m o general de divisão, cheiiava o C o m a n d o
Militar da Amazônia. Foi assim q u e ele s o u b e q u e L e ô n i d a s Pires G o n -
çalves estava de férias n o R i o de J a n e i r o . I
Ele resolveu passar o fim da s e m a n a n o R i o , m a s n ã o iria pelos q á m i \
n h o s n o r m a i s . Se e m b a r c a s s e e m C o n g o n h a s , seria detectado p e l o
D E O P S e p e l o p r ó p r i o Serviço. Isso, à q u e l a altura n ã o interessava. N o
dia seguinte, saiu p a r a a l m o ç a r , dizendo q u e iria atrasar-se. A p a n h o u u m
ô n i b u s para C a m p i n a s e u m p o u c o antes de e m b a r c a r pela T A M p a r a o
R i o , ligou p a r a a agência e n c a r r e g a n d o seu imediato de lechar o e x p e -
diente, t o m a n d o todas as providências da m a ç a n t e rotina d o S N I . Disse
q u e estava n a fazenda de a m i g o s e q u e c o m o n ã o tinha telefone, falaria
para o oficial de p l a n t ã o p e l o m e n o s três vezes p o r dia n o s á b a d o e n o
d o m i n g o e q u e ainda n a q u e l a n o i t e voltaria a c h a m a r p a r a saber se havia
algo. L o g o depois e m b a r c o u p a r a o R i o , sem a o m e n o s desconfiar q u e ali
c o m e ç a v a u m a nova etapa de sua vida, a mais perigosa e a mais difícil q u e
já atravessara.

COM A GRANA NA MÃO


O a l m o ç o foi mais fácil d o q u e M e d e i r o s imaginara. T o d o s consegui-
r a m salvar a face. E n q u a n t o e r a m c o l o c a d o s os p r o b l e m a s de Venturini e
C o e l h o N e t o p a r a o ministro, este partiu p a r a n e g o c i a r u m a u m e n t o dos
vencimentos. C o m o os três e r a m militares e a coisa interessava a t o d o s
eles, se c h e g o u a u m a u m e n t o de 110%, mais o salário indireto q u e ficou
em t o r n o de u m m i l h ã o e duzentos mil cruzeiros mensais p a r a general d e
brigada; u m m i l h ã o e seiscentos p a r a general d e divisão e dois m i l h õ e s
para general de exército. C o m o s o b r e m e s a , M e d e i r o s serviu o texto d o
decreto-lei, q u e foi a p r o v a d o p o r todos. C o m b i n o u - s e m a n d á - l o p a r a o
Congresso e, h a p i o r das hipóteses, p r o m o v e r sua a p r o v a ç ã o p o r d e c u r s o
de prazo. S a i n d o d o T o r t o , o m i n i s t r o foi direto p a r a o a e r o p o r t o , o p r e -
sidente'foi d o r m i r e M e d e i r o s prosseguiu n a sua p e r e g r i n a ç ã o . A pri-
meira visita foi p a r a Venturini, a q u e m a n u n c i o u sua salvação m e d i a n t e a
p r o m o ç ã o p a r a general de divisão. A segunda visita foi a C o e l h o N e t o , a
q u e m ele t a m b é m assegurou sua p r o m o ç ã o , p o r t a n t o , a c o n t i n u i d a d e n a
n i v . i e até, talvez q u e m sabe, mais tarde, o c a r g o de m i n i s t r o . E r a i m p o r -
i . n i i e assegurar a fidelidade desses dois h o m e n s n o s e m b a t e s q u e se iriam
• i i i <' loi o q u e ele teve a i m p r e s s ã o de ter c o n s e g u i d o .
|.i . n u liiceendo, ele c h e g o u e m casa, n o L a g o Sul, e m a n d o u c o n v o c a r
i inii q u e m o r a v a na casa a o lado. Na véspera, não havia conseguido falar
" M u rir e na queria se inteirar de l u d o q u e a c o n t e c e r a . Ficou s a b e n d o
(.IlH u i . i «Io p r o t o c o l o , salvo p e q u e n a s modificações feitas p e l o Ita-
49
marati, havia sido aprovada e o p r ó p r i o Aguiar a tinha levado de volta
p a r a S. P a u l o . F o i inteirado d a c h e g a d a de Mendel, o q u e lhe causou es-
pécie, m a s foi tranqüilizado p o r Nini, que assegurou q u e tudo estava
b e m . S o u b e t a m b é m q u e o I P E N estava t r a b a l h a n d o 2 4 h o r a s p o r dia
p a r a produzir à t e m p o e à h o r a as 70 toneladas de u r â n i o e q u e a r e m o -
ç ã o cio m i n é r i o d o Brasil ficava p o r c o n t a e risco dos iraquianos e q u e da
parte d o Brasil apenas deveria ser l i b e r a d o o espaço a é r e o p a r a a entrada
de dois aviões.
- M a s n ó s n ã o p o d e m o s fazer isso Nini. T o d o m u n d o vai. saber q u e
houve essa l i b e r a ç ã o .
- Q u e n a d a m e u velho. O s dois aviões vêm oficialmente p a r a a p a n h a r
material b é l i c o q u e eles c o m p r a r a m da Engesa. O u r â n i o vai ser e m b a r -
c a d o e m toneis sem q u e n i n g u é m saiba o q u e eles c o n t ê m . Se você quiser,
p o d e r e m o s até rotulá-los c o m o m u n i ç ã o , o q u e n o fundo, n ã o deixa' de
ser verdade.
- C u i d a d o c o m isso. O risco é m u i t o grande.
Nini n ã o a c h o u i m p o r t a n t e i n f o r m a r Medeiros da agitação na área d o
C I E . N o final das contas, ele n ã o tinha e m alta c o n t a n e m o B r a g a , n e m o
p r ó p r i o m i n i s t r o , m a s a n u n c i o u c o m grande satisfação q u e o F e r n a n d o
Pessoa e o Abyssamra estavam n a sua casa c o m q u a t r o m a l a s c o n t e n d o
os 6 0 0 m i l h õ e s da Capemi. O general A r a g ã o havia c u m p r i d o o c o m p r o -
misso.
- V o c ê n ã o pretende q u e eu vá c o n t a r esse d i n h e i r o todo, n ã o é ?
- N ã o , j á está c o n t a d o . O q u e eu q u e r o é q u e v o c ê r e c e b a o s dois rapi-
d a m e n t e p a r a q u e eles lhe e n t r e g u e m as malas.
- Ô , Nini, você n ã o p o d e r e c e b e r isso p o r m i m ? E u estou estourado.
Tive u m a s e m a n a terrível.
- N ã o . Eles fazem questão de lhe entregar p e s s o a l m e n t e .
- V á lá q u e seja, m a s espere u m p o u c o . Nós n ã o tratamos de dois as-
suntos i m p o r t a n t e s . O Neiva e a data d o e m b a r q u e d o urânio.
- E o que é que tem?
- O u r â n i o deve seguir p a r a o I r a q u e depois q u e eu viajar c o m o presi-
dente p a r a a França.
- Tudo bem.
- E o N e i v a ? C o m o é q u e você vai conduzir o a s s u n t o ? L e m b r e - s e q u e
é i m p o r t a n t e c o n h e c e r a fonte q u e ele tem. Essa o p e r a ç ã o é m u i t o arris-
c a d a p a r a q u e n ã o a c o n t r o l e m o s diretamente. N ó s t e m o s q u e saber
c o m o ele c h e g o u a essa história.
í
- N ã o se p r e o c u p e . Ele chega 2 - f é i r a cedo. Este fim de s e m a n a ele está
e m u m a fazenda n o interior de S. P a u l o . O Aryzinho vai a m a c i á - l o e de-
pois eu c o n v e r s o c o m ele. N ã o vai ser difícil, n ã o . O q u e eu a c h o é q u e ,
a o fim de t u d o v o c ê p o d e r i a r e c e b ê - l o , sabe c o m o é, esse pessoal gosta d e
paparico d o chefão.
- O A g u i a r n ã o a c h a isso, n ã o . Ele a c h a o Neiva c o m p l i c a d o e m u i t o
50
independente.
- N ã o é n a d a disso. O s dois tiveram u m d e s e n t e n d i m e n t o q u a n d o
e r a m tenentes o u capitães e o Aguiar n ã o gosta dele até h o j e . P o d e d e i x a r
q u e o Neiva n ó s c o n t r o l a m o s . S ó v a m o s precisar de sua c h a n c e l a n o fim e
tudo b e m .
- M a n d e e n t ã o c h a m a r esses dois artistas da C a p e m i .
A entrega das malas foi rápida. O general n ã o quis c o n t a r o d i n h e i r o e
c o m o estava c a n s a d o , Nini levou o s dois d e volta à sua casa o n d e t o d o s
j a n t a r i a m j u n t o s mais tarde. M e d e i r o s n ã o foi a o jantar. F i c o u d o r -
m i n d o até a m a n h ã de d o m i n g o e a c o r d o u m u i t o b e m disposto.

DOIS ALMOÇOS E UM CONSELHO


E n q u a n t o Cristhiane procurava inutilmente pelo cel. Neiva, o g o v e r n a -
dor, c o n t r a r i a n d o seus h á b i t o s , discutia assuntos d e G o v e r n o n a sua casa
c o m P a l m a . Desde q u e entrara n a vida pública, e já fazia m u i t o t e m p o ,
primeiro c o m o presidente da C a i x a E c o n ô m i c a Federal e m S. P a u l o , de-
pois c o m o prefeito da cidade e finalmente c o m o secretário dos T r a n s p o r -
tes, cargo q u e precedeu seu fantástico salto p a r a g o v e r n a d o r , P a u l o Maluf
sempre evitou misturar sua vida privada c o m as coisas d o E s t a d o e até ali
ubtivera u m êxito b e m mais d o q u e razoável. M a s o assunto q u e ele dis-
• Utia c o m seu secretário de T e c n o l o g i a e Cultura merecia, p o r sua i m p o r -
».i i u ia, u m a exceção. Tratava-se da entrega d o u r â n i o a o I r a q u e e, e m
1 I iiisrqüência, o início de sua c a m i n h a d a p a r a a Presidência da R e p ú b l i c a ,
n.i sucessão de J o ã o Figueiredo.
0 I P E N está t r a b a l h a n d o 2 4 h o r a s p o r dia, e m três turnos ininter-
PUDlos para produzir as 7 0 toneladas e p o r m a i s estranho q u e eu a c h e , a
'" lebrás n ã o criou n e n h u m caso.
talei c o m você. E u o tranqüilizei. N ã o h á n a d a fora d o planeja-
IIli i i i o . O Planalto está p o r dentro e n i n g u é m vai criar n e n h u m p r o -
lil< I I I . I . Mas o q u e eu preciso saber é dentro de q u a n t o s dias t e r e m o s a e n -
l|IU'iitla pronta.
1 lns 15 a 2 0 dias e tudo estará a r m a z e n a d o n o a e r o p o r t o de S. J o s é
• i .impôs.
\ d o c u m e n t a ç ã o seguiu p a r a a E m b a i x a d a p a r a ser a s s i n a d a ?
|.i Mandei aquele rapaz q u e trabalha n o c e r i m o n i a l d o P a l á c i o , o tal
!
• litoln 1,1c é á r a b e e tudo deve ficar m a i s fácil.
|ti i n . ( ui.io é conveniente você fazer c h e g a r a i n f o r m a ç ã o à E m b a i -
I I (| n 20 dias eles p o d e m retirar tudo.
;
i i . u s lácil lazer isso pelo G o v e r n o Federal, P a u l o ?

ilo l l> , u . i i i q u e r e m c o n t a t o direto s o b r e o assunto, o q u e aliás eu


51
acho muito bom.
- E n t ã o é m e l h o r você m e s m o falar c o m o e m b a i x a d o r e avisar o M e -
deiros q u e a coisa está praticamente concluída. O s iraquianos vão preci-
sar de autorização especial d o Ministério da A e r o n á u t i c a para entrar n o
Brasil, j á q u e eles vão retirar as coisas p o r via aérea.
- O u r â n i o vai misturado c o m material b é l i c o . Eu a c h o q u e essa a u t o -
rização j á foi dada, mas de q u a l q u e r forma eu avisp. V o u esperar a c h e -
gada d a p a p e l a d a assinada c o m a anuência d o Itamarati. Depois é q u e eu
vou d a r a data da entrega.
- B e m , e n t ã o n ã o h á mais n a d a a fazer, n ã o é ? É só esperai' a g o r a q u e
as coisas sigam seu c a m i n h o n o r m a l .
- Parece, m a s temos q u e ficar e m c i m a . Essa j o g a d a é m u i t o i m p o r -
tante p a r a deixá-la a o léu.
- N i n g u é m vai deixar n a d a sem fiscalização, m a s parece q u e a parte
m a i s difícil está concluída.
Foi a essa h o r a que c h e g o u a filha d o g o v e r n a d o r c o m o m a r i d o . O al-
m o ç o foi alegre. O governador estava muito b e m - h u m o r a d o e licou brin-
c a n d o c o m o genro à respeito dos netos que n ã o vinham. Paulo tinha
m u i t a vaidade de ter sido o prefeito mais j o v e m da cidade, de ser o gover-
n a d o r m a i s j o v e m d o Estado e q u e seria o presidente mais jovem d o País,
logo poderia dar-se a o luxo de ser avô, já que seria avô por merecimento
e n ã o p o r antigüidade. O a l m o ç o decorreu e m c l i m a alegre e festivo. T o -
dos estavam m u i t o satisfeitos consigo m e s m o s .

J á o a l m o ç o do ex-presidente Geisel c o m o gal. Golbei-y n ã o foi tão


alegre assim. N e n h u m dos dois estava gostando dos c a m i n h o s pelos quais
se estava e n c a m i n h a n d o o g o v e r n o J o ã o Figueiredo.
- Veja, G o l b e r y , eu n ã o c o m p r e e n d o b e m q u e o Delfim esteja fe-
c h a n d o o s c a m i n h o s q u e a b r i m o s na E u r o p a e na Ásia. Eles estão vol-
t a n d o n o v a m e n t e a o d o m í n i o dos a m e r i c a n o s e c o m isso p e r d e n d o o p -
ções. Nós- tivemos tanto t r a b a l h o e m abrir esses c a m i n h o s e fico c o n t r a -
feito a o vê-los serem fechados u m a u m .
- Estamos perdendo a força junto a o Figueiredo. O pessoal do S N I a
cada dia a u m e n t a sua influência e a c h o q u e nossa convivência vai c h e -
g a n d o r a p i d a m e n t e a o fim.
- M a s o Medeiros n ã o é brilhante. Q u a n d o n ó s alastamos o Castro e
b o t a m o s o Medeiros n a chefia foi e x a t a m e n t e p o r isso.
- R e a l m e n t e , mas ele a p r e n d e u depressa e, e m b o r a eu n ã o saiba a o
certo, sinto q u e h á gente estranha a o serviço e a o p r ó p r i o G o v e r n o q u e
vêm assessorando o M e d e i r o s . Ele tem feito a l g u m a s coisas q u e n ã o são
e x a t a m e n t e as coisas q u e seu Q I aconselharia.
- Será que é o Delfim?
- N ã o acredito, n ã o . Ele j a m a i s correria o risco de u m c o n f r o n t o c o m
a gente. Ele é nosso i n i m i g o , m a s é m u i t o p r u d e n t e .
52
- Será o pessoal dos b a n c o s ?
- P o d e até ser, mas as características das jogadas e m desenvolvimento
n ã o a p o n t a m nesse c a m i n h o , n ã o . H á u m a grande parcela de i m p o n d e -
rável n o q u e se tem feito e o q u e eu c o n h e ç o de b a n q u e i r o sei q u e eles j a -
mais c o r r e m riscos n ã o calculados e eu a c h o q u e h á m u i t o s riscos n ã o
calculados nisso tudo.
- M a s o q u e é q u e h á de c o n c r e t o p a r a levá-lo a a c h a r i s s o ?
- O mais grave é q u e n ã o h á n a d a a n ã o ser a a m b i ç ã o d o M e d e i r o s de
ser presidente. É o m e u feeling q u e diz isso. Se você m e pedir a l g o de
c o n c r e t o , n ã o tenho nada p a r a lhe dar.
- Q u e r dizer q u e você a c h a q u e n ã o devemos ir p a r a o c o n f r o n t o ?
- E u a c h o q u e n ã o . N ã o n o s sinto c o m força p a r a isso.
- E se o Mediei n o s a p o i a r ? ,
- N e m assim, e duvido m u i t o q u e ele o laça. Sabe, ele n ã o lhe p e r d o o u
até h o j e a m i n h a indicação p a r a a Casa Civil n e m a m i n h a m a n u t e n ç ã o
nas funções c o m o Figueiredo.
- V o c ê a c h a q u e vale a p e n a eu falar c o m o J o ã o ?
- O que m e preocupa é que você tenha u m a decepção. Ele m u d o u
m u i t o e a conversa c o m ele n ã o é m a i s t ã o fácil c o m o antes.
- A l g u é m m e disse que ele está envolvido c o m u m a m u l h e r e p o r causa
disso a n d a se e x p o n d o m u i t o .
- É u m a tal de V e r a G i m e n e z e foi p o r causa dela q u e ele fez a o p e r a -
ç ã o plástica. R e a l m e n t e , essa ligação é u m escândalo e m perspectiva. Ele
está-se p o r t a n t o feito u m g a r o t o a p a i x o n a d o .
- N ã o há c o n d i ç ã o de alertá-lo p a r a i s s o ?
- E u tentei u m a vez, de m a n e i r a sutil, m a s a r e a ç ã o foi m u i t o violenta.
A c h o , aliás, q u e foi a partir daí q u e c o m e c e i a perder a força. Ele se en-
c o n t r a c o m ela e m u m sítio p r ó x i m o d o m e u e o Venturini fica c o m o ver-
dadeiro l e ã o - d e - c h á c a r a n a entrada da propriedade.
- E u v o u estar c o m o J o ã o d e n t r o de u m a s e m a n a e sou capaz de tocar
nesse assunto. Afinal, ele m e deve a i n d i c a ç ã o e a eleição.
- V o c ê perdeu a c o n d i ç ã o de fiscal q u a n d o n ã o quis o p i n a r s o b r e a
anistia. L e m b r a - s e q u e eu insisti m u i t o , m a s v o c ê resistiu?
- Ê , talvez você tenha razão. M a s ele a c a b o u fazendo c o m o a gente q u e -
ria e n ã o c o m o o M e d e i r o s p r o p ô s .
- M a s você n ã o m a r c o u presença e infelizmente o nosso J o ã o n ã o é tão
sutil q u a n t o você gostaria q u e ele fosse.
- Q u a l é a sua sugestão e n t ã o ?
- É esperar. V o c ê sabe q u e política e p o d e r é tudo u m p r o b l e m a de pa-
clência. A gente tendo, chega, n ã o tendo, c o m o se diz n a gíria, c o m e
i iii.

- Mas se estamos p e r d e n d o força e sua previsão é de q u e v a m o s perder


.111 ii Ia mais, a espera n ã o m e parece u m a b o a política, p e l o m e n o s a g o r a .
Não sei n ã o , m a s h o n e s t a m e n t e , p e l o m e n o s a g o r a , n ã o v i s l u m b r o
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outro caminho.
- E o Heitor?
- Está sendo hostilizado a b e r t a m e n t e p e l o S N I , m a s tem-se p o r t a d o
muito bem.
- Ele tem cabeça. Foi u m b o m investimento q u e fizemos. N a m e d i d a
e m q u e ele n ã o passar r e c i b o , ele fica c a d a vez mais forte.
- E u tenho a impressão q u e estamos n a curva descendente e n a d a há a
fazer até q u e o c o r r a a reversão da expectativa.
- E o Ueki?
- Ele vem t e n t a n d o b l o q u e a r essas ligações c o m os a m e r i c a n o s , m a s ele
está fraco. T o d o dia ele tem u m a b r i g a c o m o Cais e c o m o Oziel. A posi-
ç ã o dele t a m b é m n ã o é b o a e o J o ã o c o n t i n u a a n ã o gostar dele. É ver-
d a d e q u e desde q u e ele c o l o c o u o filho d o M e d e i r o s n a chefia d o gabi-
nete, p e l o m e n o s n a área d o S N I ele se tranqüilizou u m p o u c o , m a s n ã o
p o d e m o s esperar m u i t a coisa dele.
- E n t ã o a nossa estratégia é e s p e r a r ?
- É , n ã o vejo o u t r a solução, a m e n o s , é evidente, q u e o c o r r a u m fato
n o v o e i m p o r t a n t e a p o n t o de p r o v o c a r u m a virada n a situação geral,
m a s eu a c h o difícil. Eles c o n s e g u i r a m a c o m o d a r muitos interesses e v ã o
a t e n d e n d o às pressões n a m e d i d a e m q u e elas vão sendo exercidas. É , n ã o
vejo m u i t a possibilidade nisso.
N a h o r a e m q u e se despediam, n e n h u m dos dois p o d i a s e q u e r imagi-
n a r q u e o Brasil vivia as antevésperas de a c o n t e c i m e n t o s importantes q u e
iriam virar toda a situação política n a c i o n a l . Se eles soubessem, n ã o te-
riam nem almoçado.

- O q u e eu a c h o condenável nisso tudo Neiva, e p o r favor n ã o entenda


q u e m e c o l o c o c o m o d o n o da verdade a o dizer o q u e vou lhe dizer, é q u e
e m m u i t o p o u c o t e m p o se tirou a dignidade d o cargo de presidente da
R e p ú b l i c a e se t r a n s f o r m o u as Forças A r m a d a s e m u m a g u a r d a preto-
r i a n a dos interesses de algumas pessoas. E u n ã o p o s s o aceitar q u e E x é r -
cito, M a r i n h a e A e r o n á u t i c a sejam a g e n d a r m e r i a de p r o p ó s i t o s discutí-
veis e de intenções obscuras.
Eles estavam conversando h á já mais de u m a h o r a . Neiva tentara falar
c o m o gal. Leônidas logo que acordou, mas ele já tinha ido paia a praia.
C o m o era pessoa de hábitos conservadores, n ã o foi difícil Neiva localizá-
lo n o L e b l o n , e m frente à rua Anita Ludoff, trecho da praia q u e ele fre-
qüentava desde q u e c o m p r a r a u m a p a r t a m e n t o na rua Aperanas. Neiva
foi r e c e b i d o efusivamente, o q u e t o r n o u mais fácil a c o l o c a ç ã o de suas
dúvidas. A conversa fluíra n o r m a l m e n t e , sem c o n s t r a n g i m e n t o s o u difi-
culdades. E m b o r a o general ainda n ã o soubesse d o p r o b l e m a d o u r â n i o ,
Neiva o c o l o c o u a p a r depois de ter i n f o r m a d o q u e se d i s p u n h a a deixar
a área de informações, j á que estava colocado ante u m problema moral
grave, p a r a o qual, ressaltou, havia sido a n t e r i o r m e n t e prevenido p o r seu
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pai e p e l o p r ó p r i o general, c o m o e l e b e m haveria de se recordar.
- Essa história d o u r â n i o é grave, Neiva, <• pela r e a ç ã o do Maic Ics,
c h e g o a acreditar q u e c o n t é m implicações q u e nem ( h e g a m O I .1 dCICOD
liar. Eu a c h o , p o r p a r a d o x a l q u e lhe possa p a r e c e i , q u e tlfli > Ntá U 11 < > 1.•
de você deixar o S N I . É preciso q u e c o n h e ç a m o s Ioda a extensão desse
assunto. P o s s o lhe assegurar q u e o Alto C o m a n d o d o Exército nem d e i
confia de u m a coisa dessas e p o r isso m e s m o sou levado a c r e r q u e algu
mas pessoas estão colocando, p o r interesses próprios, a estabilidade na
cional e m risco e isso é ainda m a i s sério a o se s a b e r q u e o governado! de
S. Paulo está envolvido. D o P a u l o M a l u f n ó s n u n c a p o d e m o s esperar
n a d a de b o m .
- Segunda-feira, eu vou ter q u e m e definir, general. E sei que a minha
conversa e m Brasília n ã o vai ser b o a .
- A c h o q u e vão o c o r r e r duas coisas lá. P r i m e i r o , v ã o tentar c o m p r á - l o .
Se n ã o conseguirem, vão a m e a ç á - l o . O q u e eu t e n h o certeza é que, p e l o
seu envolvimento n o assunto e pelo c o m p o r t a m e n t o d o M a r c o n d e s , a
única coisa que eles n ã o irão fazer é afastá-lo da área. V o c ê a distância
agora, fora d o c o n t r o l e , é u m p e r i g o .
- O s e n h o r a c h a q u e devo c o m p o r ?
- V o c ê deixa tentar d e s c o b r i r t u d o q u e se refere a isso e se p a r a isso f o r
necessário c o m p o r , a c h o q u e v o c ê deve c o m p o r , m a s , veja b e m , essa d e -
cisão é sua. Isso é m u i t o subjetivo. D e q u a l q u e r f o r m a , agradeceria se
você m e mantivesse i n f o r m a d o d o q u e o c o r r e r . E u v o u ficar n o R i o p e l o
m e n o s mais 2 5 dias. P o d e r e m o s n o s avistar s e m p r e q u e for conveniente.
- Combinado, general. Na segunda-feira à noite, o senhor terá a m i n h a
posição e as i n f o r m a ç õ e s d o q u e o c o r r e u .
- Gostei de estar c o m você, Neiva, e fico satisfeito de ver q u e n ã o m e
enganei na avaliação que fiz do h o m e m , quando você ainda era apenas
u m tenente.
- Estou h o n r a d o c o m isso, general. Até segunda. E u lhe telefono.

A CONEXÃO ISRAELENSE
N ã o se p o d e dizer q u e Sergei G o l g estivesse feliz. E l e n ã o gostava d e
Mendel. Seu relacionamento c o m o coronel era equívoco. E m b o r a hie-
rarquicamente ele fosse superior, n a estrutura d o M o s s a d o o u t r o estava
ftCima. G o l g achava M e n d e l d e s u m a n o , frio, cruel, carreirista, a m b i c i o s o
e, o q u e é p i o r , sem n e n h u m tipo de lealdade pessoal. E r a u m típico ofi-
1 ial de informações da nova g e r a ç ã o e essa g e r a ç ã o , q u e chegara a o p o d e r
DO s e r v i ç o secreto de Israel levado p e l o gal. Zivi, era f o c o p e r m a n e n t e d e
suas preocupações. Ele achava que até e m informações havia alguns limi-

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tes e esses jovens, c o m o que incentivados pelo chele, laziam questão de
desconhecer qualquer limite e parece que se divertiam c o m a peiplexidade
dos oficiais mais antigos ante as coisas q u e faziam. G o l g , desde q u e rece-
b e r a a c o m u n i c a ç ã o de T e l Aviv s o b r e a chegada de M e n d e l , a c h o u q u e
isso n ã o prenunciava nada de b o m .
Desde a véspera, q u a n d o Klabin lhe c o m u n i c a r a q u e M i n d l i n n ã o se
dispunha a vir a o R i o para falar c o m o c o r o n e l , as coisas n ã o t i n h a m ca-
m i n h a d o b e m . Ele p e r c e b e u na conversa de Klabin a l g u m a censura
q u a n t o a o c o m p o r t a m e n t o d o M o s s a d e m toda a a r m a ç ã o da t r a m a d o
urânio. Ainda q u e de m a n e i r a m u i t o gentil e educada - Klabin era m u i t o
e d u c a d o - , este lhe explicara q u e desde o início toda a o p e r a ç ã o l o r a c o n -
cebida e criada p o r ele Klabin e p o r M i n d l i n é que n e n h u m dos dois,
a g o r a , via c o m b o n s o l h o s o envolvimento excessivo d o serviço n o as-
sunto, inclusive o risco de se deslocar M e n d e l para o Brasil, lato q u e cer-
tamente alertaria a C I A e a K G B e, u m a vez alertados os dois serviçcís,
n i n g u é m sabia m u i t o b e m o q u e p o d e r i a acontecer. E m b o r a G o l g sou-
besse q u e a C I A e o K G B estavam sem m o v i m e n t o , lace a o teor da c o n -
versa, a c h o u p r u d e n t e n ã o alertar o e m p r e s á r i o sobre o assunto. Seu ra-
ciocínio é q u e c o m cautelas e medidas de segurança extras eles consegui-
r i a m c o n t o r n a r as dificuldades e o risco e p o r isso n ã o via conveniência
e m t o r n a r as coisas ainda mais difíceis d o q u e estavam.
Q u a n d o ele e x p l i c o u a Mendel q u e M i n d l i n n ã o viria de S. P a u l o , sen-
tiu a irritação do coronel. Mendel n ã o tinha b o a impressão de nenhum
dos dois empresários e fazia questão de não escondei- isso. Ele traduziu
sua irritação c o m c o m e n t á r i o s p o u c o lisongeiros sobre empresários que.
a pretexto de prestar serviços a o E s t a d o de Israel, n a verdade ficavam
cada vez mais ricos, u s a n d o o prestígio de Israel e a solidariedade interna-
cional dos judeus. M e n d e l era u m sabra e n ã o via c o m b o n s o l h o s o s ju-
deus q u e resistiam à idéia de se fixar na n a ç ã o judaica.
A casa de Klabin ficava na av. Niemeyer, u m a estrada sinuosa, m u i t o
b o n i t a , que levava à B a r r a da Tijuca, u m n o v o e florescente b a i r r o d o R i o
de J a n e i r o . O s dois c o m b i n a r a m u m e n c o n t r o n o saguão d o hotel Shera-
ton, na av. Niemeyer, p r ó x i m o da casa de Klabin. M e n d e l p o d e r i a apa-
n h a r u m ô n i b u s c o m o q u e m fosse lazer u m giro turístico pela B a r r a .
C o m o o ô n i b u s s e m p r e parava n o S h e r a t o n p a r a a p a n h a r o u t r o s passa-
geiros, ele p o d e r i a saltar e dali a m b o s p o d e r i a m ir c o m mais tranqüili-
dade para a casa o n d e e r a m esperados p a r a o s acertos finais da remessa
d e urânio p a r a o I r a q u e . E assim foi feito. N e n h u m dos dois, n o entanto,
percebeu q u e tanto a C I A c o m o ca K G B os haviam a c o m p a n h a d o até a
entrada da suntuosa m a n s ã o e m q u e m o r a v a u m dos chefes d o sionismo
n o Brasil.
- N ã o a c h o q u e a sua presença n o Brasil seja u m a coisa m u i t o pru-
dente, disse Klabin, à guisa de c u m p r i m e n t a r o visitante. A antipatia entre
a m b o s foi instantânea.
- Isso é o q u e o s e n h o r p o d e achar, m a s os especialistas e m avaliar ris-
56
cos s o m o s n ó s e n ã o o s e n h o r
- A o p e r a ç ã o q u e o r a se desenvolve ioi criada e c o o r d e n a d a aqui n o
Brasil e felizmente tem-se desenvolvido a c o n t e n t o até a g o r a , assim n ã o
vejo razões p a r a interferências externas.
- Eu estou aqui exclusivamente p a r a assegurar q u e as coisas c o n t i n u e m
a se desenvolver dessa f o r m a e apenas vou intervir c a s o o c o r r a a l g u m a
coisa de e r r a d o .
- Foi só para isso q u e o s e n h o r veio até o B r a s i l ?
- H á m a i s u m m o t i v o . P o r razões q u e n ã o n o s c u m p r e discutir, a faixa
de t e m p o foi encurtada. O p r i m e i r o - m i n i s t r o q u e r a entrega feita, e m
B a g d á , n o prazo m á x i m o de 2 5 dias, n e m u m a h o r a a mais.
- O p r o b l e m a de prazo n u n c a foi levantado. N ã o sei se p o d e r i a apres-
sar as pessoas q u e devem ser apressadas para q u e se c u m p r a essa n o v a e-
xigència.
- N ã o se trata de saber se p o d e o u n ã o . T r a t a - s e , isto sim, é de fazer o
q u e deve ser feito.
- O s e n h o r precisa e n t e n d e r várias coisas. A p r i m e i r a delas é q u e esta-
m o s n o Brasil e q u e as coisas a q u i são feitas à brasileira. S e g u n d o , q u e as
pessoas aqui são muito ciosas de suas prerrogativas e de suas posições e c o m o
nisso se envolvem os últimos escalões da República, n ã o há condições de sair
por aí pressionando as pessoas a torto e a direito.
- Posso lhes dizer s e n h o r q u e se p o d e sair sim e q u e p o r entender e x a -
tamente q u e estamos n o Brasil e q u e as pessoas são m u i t o ciosas de suas
prerrogativas foi q u e eu fui enviado p a r a cá.
- O senhor n ã o pretende que u m simples coronel saia por aí a apertar
um general, p r i n c i p a l m e n t e q u a n t o ele tem status de ministro.
- Pois é isso m e s m o que pretendemos. Veja b e m que estou colocando
no plural. A decisão n ã o é m i n h a . É de T e l Áviv. O q u e o s e n h o r deve fa-
zer é o seguinte: ir a q u e m de direito e dar a data limite. Se h o u v e r r e a ç ã o
negativa é apenas m e c o l o c a r e m c o n t a t o c o m essa pessoa e o s e n h o r terá
A surpresa de ver c o m o tudo vai resolver-se a c o n t e n t o .
- O s e n h o r n ã o a c h a q u e está superestimando uns e s u b e s t i m a n d o o u -
|os?!
- N ã o estou n ã o . O s e n h o r c u m p r i n d o as instruções tudo sairá b e m .
- E se eu m e r e c u s a r ?
- O s e n h o r n ã o tem escolha. N e m o s e n h o r n e m o seu associado M i n -
dlln,
- E q u e m lhe disse i s s o ?
- Eü sei q u e n e n h u m dos dois, aliás n i n g u é m q u e está envolvido nisso,
ria condições de resistir a u m e s c â n d a l o .
Isso é c h a n t a g e m ?
I ii n ã o e n t e n d o assim. E n t e n d o q u e eu t e n h o m i n h a s instruções e
• |ui devo cumpri-las e p a r a cumpri-las eu t e n h o a u t o n o m i a até o p o n t o
• Ho em q u e lhe c o l o q u e i o p r o b l e m a . F o r a daí é especulação e eu, infe-
|j| ile, n ã o estou a c o s t u m a d o a raciocinar e m t e r m o s de especulações
57
o u até m e s m o de vaidades feridas. L a s t i m o senhor, m a s a situação é essa e.
n ã o h á n a d a q u e o s e n h o r o u eu p o s s a m o s íàzer p a r a m u d a r as coisas.
Certo ?
Caiu u m silêncio c o n s t r a n g e d o r n o salão e m q u e conversavam. Du-
rante c e r c a d e 3 0 segundos, Klabin ficou c o n s i d e r a n d o M e n d e l e assimi-
l a n d o a grosseria. Ele r e a l m e n t e n ã o gostava d o c o r o n e l , m a s sentia q u e a
aversão q u e o o u t r o sentia p o r ele era ainda m a i o r e ele n ã o entendia p o r
quê. Fazia tudo q u e estava a seu alcance p o r essa gente; e eles n u n c a esta-
v a m satisfeitos e s e m p r e e x i g i a m mais. P o r q u ê ? Resolveu q u e falaria
c o m B e g u i n a respeito na p r i m e i r a o p o r t u n i d a d e e t a m b é m t o m o u a de-
cisão d e n ã o passar q u a l q u e r r e c i b o . Pelo m e n o s p o r o r a teria q u e tolerar
a grosseria. O s interesses e m j o g o e r a m m a i o r e s q u e sua vaidade e d o q u e
q u a i s q u e r ressentimentos de o r d e m pessoal. Ele duvidou q u e o c o r o n e l
o u q u e o p r ó p r i o M o s s a d s o u b e s s e m o q u e se jogava e m t e i m o s de fu-
t u r o d o Brasil nessa o p e r a ç ã o . Assim resolveu ser conciliador.
- B e m , v o u c o l o c a r os p r o b l e m a s para as pessoas de direito e informa-
rei o cel. G o l g .
- L a s t i m o senhor. P o r m e d i d a de segurança, o c o r o n e l deve ser posto
fora desse circuito. Aliás, as instruções q u e t e n h o é de q u e o s e n h o r leia
esta d o c u m e n t a ç ã o a g o r a e depois m e devolva p a r a q u e eu a destrua i m e -
d i a t a m e n t e . O c o r o n e l p o r sua vez deve r e t o r n a r a i n d a h o j e p a r a Brasília
p a r a q u e sua ausência da Capital n ã o levante suspeitas entre a c o n c o r r ê n -
cia. E u ficarei n o R i o e n ó s e l a b o r a r e m o s u m sistema de c o m u n i c a ç õ e s
c o m o m á x i m o de segurança possível.
Klabin leu c o m c a l m a o d e s p a c h o q u e lhe havia sido enviado p e l o pre-
m i e r de Israel e c o m e ç o u a e n t e n d e r m e l h o r o p r o b l e m a da pressa. Havia
q u e se i m p e d i r de q u a l q u e r f o r m a q u e a curva da o p i n i ã o p ú b l i c a c h e -
gasse a u m ponto irreversível. D a leitura, ele também tirou a certeza de
q u e o M o s s a d n e m de leve desconfiava d o a c e r t o q u e ele e M i n d l i n ti-
n h a m feito c o m M e d e i r o s . E l e p e r c e b e u q u e o s militares a c h a v a m q u e se
tratava d e m a i s u m a grosseira m a n o b r a de c o r r u p ç ã o q u e deveria se tra-
duzir p o r u m depósito e m a l g u m a c o n t a n a Suíça. Ele respirou aliviado
q u a n d o devolveu os papéis a o coronel, que p o r sua vez, sem a m e n o r ceri-
mônia, os incinerou dentro de u m a belíssima peca de prata. Positiva-
vamente, o coronel n ã o tinha finesse, nem entendia nada de coisas finas.
Klabin p e r c e b e u o c o n s t r a n g i m e n t o d o cel. G o l g , m a s deu-lhe u m sorriso
tranqüilizador. Ele gostava d a q u e l e c o r o n e l . E l e era b e m e d u c a d o e culto.
Positivamente n ã o tinha n a d a a ver c o m a q u e l e sabra m a l - e d u c a d o e pre-
s u n ç o s o . Se e r a m esses os h o m e n s q u e h o j e e m dia d o m i n a v a m Israel e
cuja ascendência iria crescer cada vez mais, ele se c o n g r a t u l o u p o r nunca
ter sido e m b a í d o p e l o c a n t o da sereia de Israel. E l e sabia q u e Isarel c o m o
E s t a d o era i m p o r t a n t e p a r a determinadas coisas, c o m o t a m b é m sabia
q u e s e m h o m e n s c o m o M e n d e l j a m a i s a q u e l e estado haveria de se c o n s o
lidar e a c o n s o l i d a ç ã o era importante.
58
0 relatório das atividades de M e n d e l , n o R i o , c h e g o u à C I A e à K G B
c o m m e n o s de u m a h o r a de diferença. J o e r e c e b e u antes j á q u e p a r a os
a m e r i c a n o s era mais fácil o p e r a r n o Brasil d o q u e p a r a os soviéticos.
O s a m e r i c a n o s analisou l o n g a m e n t e a situação. R e a l m e n t e estavam
o c o r r e n d o coisas estranhas n a área d o M o s s a d . N ã o era n o r m a l q u e u m
subchefe de o p e r a ç õ e s se deslocasse desde T e l Aviv exclusivamente para
falar c o m Israel Klabin. Ele sentiu m a i s u m a vez q u e o s judeus estavam
p r e p a r a n d o a l g u m a coisa de grande. M a s o q u ê ? A l g u m seqüestro p a r a
u m j u l g a m e n t o político sensacionalista? E r a possível. As eleições estavam
c h e g a n d o e pelo q u e ele sabia, a m e n o s q u e ocorresse a l g o de espetacu-
lar, era certo q u e B e g u i n perderia a eleição. M a s seqüestrar q u e m n o B r a -
sil? N ã o havia n e n h u m c r i m i n o s o de guerra aqui q u e produzisse u m
circo à altura das necessidades. Havia gente assim n a Argentina, n o Para-
guai e n o Chile. Talvez n a Bolívia. M a s m o n t a r o Q G de u m a o p e r a ç ã o
assim n o Brasil, n o R i o de J a n e i r o , tão l o n g e da fronteira ? N ã o parecia
verossímil, m a s c o m o as coisas d o M o s s a d , principalmente p o r sua ousa-
dia, s e m p r e t i n h a m lances surpreendentes e os riscos c o r r i d o s e r a m sem-
pre m u i t o grandes, resolveu considerar até essa possibilidade e alertou
para isso W a s h i n g t o n e os escritórios da C o m p a n h i a n o Chile, Paraguai e
Argentina.
J á o cel. Ilukin, q u e dispunha dos d a d o s de B a g d á q u e a C I A desco-
nhecia, evoluiu p a r a o u t r a f o r m a de r a c i o c í n i o . E r a c e r t o q u e iria haver
. i l g o de grande entre o Brasil e o I r a q u e e era t a m b é m c e r t o , d e n t r o de
u,i ótica, q u e o M o s s a d havia d e s p a c h a d o p a r a o Brasil u m dos seus mais
I li< ientes h o m e n s de o p e r a ç õ e s p a r a frustrar o q u e q u e r q u e fosse q u e se
I Itava pretendendo fazer. C o m o ele n ã o sabia o q u e era, e n t r o u e m para-
l u s o . C o m e ç o u a i m a g i n a r q u e se conseguisse frustrar o s p r o p ó s i t o s de
l II .icl marcaria p o n t o s m u i t o altos e m M o s c o u , j á q u e daria c o n d i ç õ e s a o
H n governo de a u m e n t a r sua influência e m B a g d á . Isso c e r t a m e n t e r e -
H iiitaria u m a p r o m o ç ã o , até possivelmente a chefia d o setor d a
\ i i li i ica d o Sul da K G B . Essa chefia significaria u m a p r o m o ç ã o p a r a g e -
1 i l , uma datcha n o M a r N e g r o , u m a lirnousine Zil c o m m o t o r i s t a , u m
i i m r n t o considerável n o s seus v e n c i m e n t o s e u m salto q u e c o l o c a r i a n o
i n i i i i l i i ) seguro e tranqüilo d o alto escalão da c o m u n i d a d e de segurança
l i URSS, de o n d e dificilmente a l g u é m p o d e r i a d e r r u b á - l o . E n t r a n d o
i l.iixa, ele estaria c o m seu futuro assegurado e o q u e é m a i s i m p o r -
llli , i.i da área de intrigas e traições q u e caracterizavam o escalão se-
llllli Ia K G B . Seria enfim a sua tranqüilidade p a r a u m a velhice
luilti i respeitada.
I . M « « K I » esse estado de espírito q u e o chefe da K G B n o Brasil instruiu

ii Imediato para q u e fosse a S. P a u l o , assumisse a chefia das o p e r a ç õ e s


n, utliu maneira m u i t o c o n t u n d e n t e de d e m o n s t r a r seu desagrado
i " i g . i i n / . K . ã o de lá, e apressasse o a n d a m e n t o das coisas. F o i p o r
(li i dei isão q u e tudo c o m e ç o u a s e precipitar e jamais o cel. Ilukin
59
conseguiria imaginar q u e ele, sem querer, d e t e i m i n a r a o início dos a c o n -
tecimentos tão graves, q u e a o final a c a b a r i a m p o r se refletir s o b r e a estru-
tura d e todos os serviços de informações q u e o p e r a v a m n o País, b e m
c o m o c o m terríveis repercussões inclusive na Presidência da República
d o Brasil.

PRIMEIRO ROUND EM BRASÍLIA


J á n o a e r o p o r t o p e r c e b e u q u e n ã o ia ser fácil. A o contrário d o habi-
tual, e m vez d o motorista, teve o desprazer de ver o cel. Dirceu à sua es-
pera. Esse era b e m o estilo de Aryzinho. Q u e r i a dar solenidade a sua c h e -
gada e c o m isso d e m o n s t r a r seu desprazer pelas coisas q u e tinham a c o n -
tecido e m S ã o Paulo. Aryzinho achava q u e c o m isso já enfraquecia o in-
terlocutor, q u e desde o a e r o p o r t o até a chegada a o edifício da Agência
Central fica-se a t o r m e n t a n d o e sendo espicaçado p o r Dirceu. Dirceu era o
c ã o de fila de Aryzinho. E l e se prestava a q u a l q u e r papel. Desde q u e pas-
sara p a r a a reserva, j á q u e n ã o tinha c o n s e g u i d o fazer a Escola de C o -
m a n d o e Estado-Maior, se submetia a todos os papéis para q u e t o d o fim
de a n o seu contrato de prestação de serviços c o m o S N I fosse r e n o v a d o .
A aversão de Neiva p o r Dirceu era física e m o r a l . O cel. Dirceu e r a u m
oficial a m a r g o , c o m p r o b l e m a s c o m a m u l h e r e as duas filhas. Padecia de
u m a enfermidade cutânea, aparentemente sem cura, q u e fazia c o m q u e se
escamasse o t e m p o t o d o . O s colegas de t r a b a l h o diziam q u e era fácil sa-
b e r p o r o n d e andava Dirceu, era só seguir as caspas q u e ele ia soltando
pelo c a m i n h o . A o q u e se l e m b r e , Neiva n u n c a vira Dirceu de r o u p a es-
porte. E l e sempre usava ternos escuros, de c o n f e c ç ã o barata, camisa b e g e -
clara, q u e Neiva imaginava fosse para disfarçar o líquido q u e as feridas
dele dissoravam p e r m a n e n t e m e n t e , e u m a gravata b e m fina q u e h á m u i t o
perdera a definição de suas cores, se é q u e algum dia tivera essa definição.
A aversão m o r a l era mais intuitiva, já q u e n e m Neiva, n e m n i n g u é m den-
t r o d o S N I sabia que Dirceu era assalariado da C I A . A conversa de saída
n ã o foi b o a .
- O Aryzinho p e d i u - m e q u e viesse r e c e b ê - l o .
- Hum.
1
- E l e parece p r e o c u p a d o c o m você. O q u e é q u e houver
- P o r q u e você n ã o pergunta a ele, h e i m D i r c e u ?
- V o c ê está n e r v o s o ?
- N ã o , p o r q u e é q u e haveria de e s ta r ?
- É a sua m a n e i r a de responder as coisas.
- V o c ê foi instruído a irritar-me, D i r c e u ?
- C l a r o q u e n ã o . V o c ê está m a l u c o . É u m a deferência vir recebe I"
60
- V o c ê q u e r saber de u m a coisa, Dirceu ? Eu dispenso a deferência e a
sua c o m p a n h i a .
- Está vendo s ó ? V o c ê está m e s m o n e r v o s o , Neiva. O q u e é q u e está
havendo ?
- V á a m e r d a , Dirceu, e cale a b o c a , t á ?
A sede d o A C d o S N I fica a uns quinze m i n u t o s d o a e r o p o r t o de
Brasília, n o Setor Policial U r b a n o . O ediiicio de 4 andares foi c o n s t r u í d o
e m u m a grande á r e a o n d e t a m b é m se a c o m o d a a sede d a E s c o l a N a c i o -
nal de I n f o r m a ç õ e s , o n d e todos o s funcionários são o b r i g a d o s a fazer u m
de seus m u i t o s cursos antes d e serem a d m i t i d o s n o q u a d r o efetivo de fun-
cionários d o Serviço. T o d o s t r a b a l h a m p o r c o n t r a t o , c o m prazo m á x i m o
de u m a n o . Isso só n ã o se aplica a o s oficiais das Forças A r m a d a s da ativa
q u e p r e s t a m serviços n o S N I . Q u a n d o v ã o p a r a o S N I eles e n t r a m n o
q u a d r o de agregados da c o r p o r a ç ã o a q u e p e r t e n c e m .
- C o m o vão seus filhos?
- V ã o b e m , Aryzinho. T e m uns 10 dias q u e n ã o os vejo. Eles vivem
c o m a m ã e e se n ã o m e p r o c u r a r a m deve estar t u d o b e m . È o seu pessoal,
sua m u l h e r , sua filha e seu g e n r o ? A l g u é m m e disse q u e v o c ê vai ser avô.
E verdade?
- Vai tudo b e m . Essa história de avô deve ser s a c a n a g e m de alguém.
Ainda é c e d o . A m e n i n a é m u i t o assentada. Ela q u e r definir a l g u m a s
"lisas antes de t o m a r a decisão de ter filhos.
- E n t ã o é c o m o o pai, disse Neiva p r o v o c a d o r a m e n t e . Q u e r t u d o certi-
tlho para depois t o m a r a g r a n d e decisão.
- Por falar e m t u d o c e r t i n h o , é b o m a gente esclarecer fogo o p r o -
lilnna que você criou e m S. Pauto, e depois o Nini quer falar c o m você.
I',u n ã o criei n e n h u m p r o b l e m a . E u m e recusei a a b r i r a fonte de m i -
lllllis informações e, c o m o oficial de i n f o r m a ç õ e s q u e se supõe você seja,
lli --<• saber q u e isso é u m privilégio m e u .
Mas você recebeu u m a o r d e m p a r a a b r i r d i r e t a m e n t e de u m general,
i>i< |»>i acaso é chefe da sua Agência.
Eu c o n c o r d o p l e n a m e n t e q u e p o r acaso ele é chefe da Agência. S ó
" H iii aso é que poderia levar u m m u a r daqueles para a chefia de u m a
.1 c o m o a de S P .
H< i n q u e o Dirceu m e disse q u e v o c ê estava m u i t o nervoso. V e j a se
I o m o d o s de se referir a u m general e, o q u e é pior, q u e é seu chefe.
I n n.io estou nervoso p o r r a n e n h u m a . V o c ê sabe q u e eu n ã o g o s t o
tl Dliicti c m a n d o u - o ir r e c e b e r - m e s ó p a r a m e irritar. P a r a a alegria
1
iqin li leproso eu deixei a impressão de q u e ele, c o n f o r m e v o c ê m a n -
ii l i i v u conseguido irritar-me.
I ) I )n< eu é b o a pessoa. E l e é d o e n t e . E eu n ã o o m a n d e i r e c e b ê - l o
p i i i i I I i n n.II .
|)rl ' I V . I I para lá, Aiyzinho. E u o c o n h e ç o m e l h o r q u e t o d a essa pu-
l o ( i mie histórias p a r a m i m q u e n ã o vai adiantar. V o c ê g u a r d e es-
61
sas histórias p a r a o Nini e o M e d e i r o s . N ã o p a r a m i m , q u e n ã o adianta.
- V a m o s deixar isso p a r a lá antes q u e você tale m a i s b o b a g e m . V o c ê
está nervoso m e s m o . Nós p r e c i s a m o s saber qual é a sua fonte e p o n t o fi-
nal.
- Para q u e Aryzinho ? V a i haver m a i s algum a t r o p e l a m e n t o , mais u m
assalto n ã o esclarecido o u u m a superdose?
- Eu n ã o estou brincando, Neiva. A fonte, e é para j á .
- V o c ê n ã o m e assusta n ã o Aryzinho. N e m você n e m n i n g u é m deste
Serviço; eu o s c o n h e ç o m u i t o b e m e sou b e m m e l h o r d o q u e todos vocês
j u n t o s . N ã o v o u a b r i r a fonte até a h o r a e m que você consiga m e conven-
cer de suas razões. Fora daí n a d a feito.
- A coisa t o d a é m u i t o quente e está e m nível m u i t o superior a o n o s s o .
E u estou m e limitando a c u m p r i r ordens, t á ?
- N ã o está, n ã o . Se a coisa é t ã o alta q u a n t o você diz é b o m q u e você e
esses altos s a i b a m que está m u i t o malfeita e os d a d o s q u e eu tenho n ã o
d e i x a m as pessoas envolvidas n a d a b e m , t á ?
- Que d a d o s são esses? V o c ê n ã o passou tudo q u e você t e m ?
- Não. É lógico que não.
- E p o r que, se m a l lhe p e r g u n t o ?
- P o r três razões principais e várias outras secundárias. A p r i m e i r a de-
las foi o a t a q u e histérico d o j u m e n t o lá de S. P a u l o ; a segunda, foi o seu
c o m p o r t a m e n t o e a terceira, total e absoluta falta de confiança e m vocês.
A g o r a v o c ê está satisfeito?
- O q u e e e x a t a m e n t e q u e você q u e r dizer c o m isso, Neiva?
- A c h o a g o r a , Aryzinho, q u e q u e m está nei"voso é você e n ã o eu. E u
queria q u e o Dirceu visse isso.
- V á à m e r d a , Neiva. N ã o está n a h o r a de brincadeiras. O gal. N e w t o n
está e s p e r a n d o .
- E u n ã o estou b r i n c a n d o e o general, pelo visto, vai esperar m u i t o .
- O q u e . é q u e você q u e r q u e eu diga a e l e ?
- E x a t a m e n t e o q u e eu lhe disse.
- Isto é, q u e você se está i n s u b o r d i n a n d o , n ã o é ?
- N ã o Aryzinho. N ã o foi isso q u e eu disse. E u disse q u e só a b r o a fonte
se você o u sei lá q u e m mais c o n v e n c e r - m e dessa necessidade, e o q u e eu vi
até aqui n ã o apenas n ã o m e c o n v e n c e u c o m o , m u i t o p e l o c o n t r á r i o , tez
c o m q u e eu acredite ter sido m u i t o prudente e m n ã o a b r i r a fonte.
- O u ç a , Neiva. Esse n e g ó c i o está m u i t o a c i m a da gente. N e m eu t e n h o
todos os dados.
- E n t ã o é b e m mais grave d o q u e eu pensava. S ã o a m a d o r e s m e x e n d o
c o m dinamite. Isso vai estourar n a cara de t o d o m u n d o , inclusive n a sua,
Aryzinho.
- Até o n d e você c h e g o u nisso, Neiva?
- Se a o p e r a ç ã o está a c i m a de você, é evidente q u e eu n ã o posso al i] n
62
p a r a v o c ê , n ã o é ? É u m p r o b l e m a de nível de segurança, n ã o é ? V o c ê s
prezam isso tanto a q u i e c o m o é q u e laz a g o r a ?
- L a r g a m ã o de dizer besteiras, Neiva.
- N ã o é besteira, n ã o , Aryzinho, o u v o c ê está m e n t i n d o p a r a m i m ?
- V o c ê sabe q u e eu n ã o m i n t o , Neiva.
- S ó q u a n d o está d o r m i n d o e n ã o p a r e c e ser o caso a g o r a .
- V o c ê está b r i n c a n d o o u t r a vez, Neiva.
- E u n ã o estou b r i n c a n d o , n ã o . V o c ê s é q u e estão b r i n c a n d o e v ã o a c a -
b a r se m a c h u c a n d o c o m isso.
- N ã o tem jeito. E u vou falar c o m o gal. Newton. V o c ê espera a q u i , t á ?
- N ã o está, n ã o . E u vou a l m o ç a r n a c i d a d e e depois volto. M a n d e u m
ferro ficar a m i n h a disposição, assim v o c ê fica s a b e n d o o n d e fui e c o m
q u e m fui.
- V o c ê está b r i n c a n d o o u t r a vez. E u pensei q u e a gente fosse a l m o ç a r
juntos, c o m o a gente faz s e m p r e .
- A g o r a é diferente de s e m p r e . V o c ê s estão q u e r e n d o j o g a r - m e p a r a
cima eu n ã o q u e r o ser j o g a d o p a r a c i m a . E u n ã o vou a l m o ç a r c o m v o c ê .

SEGUNDO ROUND: NEIVA X NINI


<) gabinete d o gal. Newton de Araújo Oliveira e Cruz fica n o terceiro
Httkr do edificio-sede da AC. É luxuosamente mobiliado. U m a mesa a o
llindo, a o lado dos telefones, inclusive o v e r m e l h o , à direita, o triturador
lll | u | ) c l . T r ê s cadeiras, estofadas, c o m p l e t a m esse j o g o . À e s q u e r d a da
lltl, uma grande m e s a de reuniões, q u e o general usava p a r a d e s p a c h a r
M I i . i l m e n t e , c o m 10 cadeiras. À direita, a o lado das janelas, t o d a a pa-
Iftlc, c o m o de resto t o d o o edifício, e r a de vidro à p r o v a de balas dan-
1
lima vista sobre u m g r a n d e d e s c a m p a d o , u m j o g o d e p o l t r o n a s de
> m a r r o m , u m a tripla e duas individuais, c o m u m a m e s a d e c e n t r o .
I iiil.i d o general n ã o havia q u a s e n e n h u m a d e c o r a ç ã o , à e x c e ç ã o das
1 1
ri.ili-is de t o d o s o s ex-chefes da A C , a l g u m a s placas de p r a t a c o m
IH.iVs especiais a o S N I o u t o r g a d a s p o r alguns G o v e r n o s da A m é r i c a
lll ul, notadamente o a r g e n t i n o e o c h i l e n o . O lambris de m a d e i r a , e m
1
i I n .ii de sobriedade e seriedade c o m o deve ter p r e t e n d i d o o d e c o -
lilui dava àquela sala u m a r lúgubre.
1
lliiiiiiiiiii Neiva a l m o ç a v a sossegado, o gal. N e w t o n teve p e l o m e n o s
iii A primeira, q u a n d o Aryzinho lhe transmitiu a c o n v e r s a q u e
• I n Neiva. A segunda, l o g o depois, q u a n d o se preparava p a r a ir j o -
I.. i . . i ( ) general n u n c a a l m o ç a v a . Ele estava m u i t o g o r d o e n a h o r a
lliiini i i j o g a v a peleca c o m a l g u m infeliz q u e ele escalava s e m p r e de
63
véspera. É q u e o gal. M e d e i r o s , após conversar c o m Israel Klabin, lhe
dera a data fatal da entrega d o urânio e m B a g d á , d e t e r m i n a n d o q u e to-
das as providências fossem apressadas para n ã o haver nenhuma dificulda-
de de última hora e finalmente quando tentou localizar o governador Paulo
M a l u f e descobriu q u e ele apenas voltaria a S. P a u l o na quinta-feira, j á
q u e , n a c o m p a n h i a de vários secretários, inclusive o da T e c n o l o g i a e Cul-
tura, p r o m o v i a u m a vilegiatura política p e l o interior, i n a u g u r a n d o u m a
série de o b r a s públicas, c o m as quais esperava angariar o s votos neces-
sários p a r a modificar a expectativa eleitoral d o Estado, à q u e l a altura,
francamente favorável à o p o s i ç ã o , c o m o aliás, de resto, e m q u a s e t o d o o
Brasil.
Assim, quando Neiva voltou à AC, teve de ficar mais de u m a h o r a à es-
pera de Aryzinho n a seção de operações. Ele n ã o se a b o r r e c e u . M u i t o
p e l o c o n t r á r i o . Aproveitou o t e m p o p a r a aperfeiçoar a técnica q u e pre-
tendia desenvolver e m sua conversa c o m o general. Teve oportunidade de
conversar e desta feita divertir-se m u i t o c o m o cel. Dirceu, ]á q u e p o r mais
de m e i a h o r a ficou g o z a n d o - o , n ã o apenas c o m a agitação q u e ele p r o v o -
cara, m a s q u e c e r t a m e n t e Ary n ã o havia transmitido a D i r t e u . A aflição
d a q u e l a cara de fuinha divertia Neiva. N ã o bastasse isso, repisou mais de
u m a vez o p r o b l e m a da E C E M E . Dirceu n ã o tolerava q u e seu nível inte-
lectual fosse posto e m que pelo simples fato de ele não ter feito a Escola
e foi exatamente, c o m m u i t a habilidade e d e s c o n t r a ç ã o , o q u e Neiva c o n -
seguiu fazer. Ele a g o r a tinha certeza q u e tinha estragado o dia de p e l o
m e n o s três e se d i s p u n h a a levar o gal. N e w t o n a o ridículo m e d i a n t e a
p r o v o c a ç ã o d o seu t e m p e r a m e n t o m u i t o explosivo. O general perdia o
c o n t r o l e r a p i d a m e n t e e toda vez q u e ficava nervoso fazia besteiras e h a b i -
tualmente falava demais, é era e x a t a m e n t e isso o q u e Neiva queria.
- E n t ã o você está-se i n s u b o r d i n a n d o , disse, praticamente aos gritos o
gal. Newton, assim q u e Neiva e n t r o u n a sua sala. Ele e Ary estavam senta-
d o s e n e n h u m dos dois se l e m b r o u de m a n d á - l o sentar-se.
- N ã o general, n ã o m e estou i n s u b o r d i n a n d o n ã o . Estou m e limitando
a exercer o direito de guardar o sigilo da m i n h a fonte de informações, res-
p o n d e u Neiva, j á s a b e n d o q u e o general tinha partido sem m a i s delon
gas p a r a a técnica da intimidação. Vai ser mais fácil q u e eu pensei, disse
Neiva p a r a si m e s m o .
- Direito p o r r a n e n h u m a . O direito d o militar é o b e d e c e r . V o c ê é o >
r o n e l e eu sou general. E u estou lhe d a n d o u m a o r d e m e v o c ê t e m qufl
cumpri-la. Entendeu?
- Entendi, general.
- E então?
- E n t ã o o que, g e n e r a l ?
- Q u e r o saber q u a l é a fonte.
- L a s t i m o general, m a s n ã o v o u a b r i r .
64
- Eu lhe p r e n d o seu d e s g r a ç a d o , v a g a b u n d o , c o r o n e l z i n h o de m e r d a .
- H á duas coisas general q u e o s e n h o r parece q u e se esquece. O R D E
m e assegura o direito de n â o ter q u e m e s u b m e t e r à i n c o n t í n ê n c i a verbal
de nenhum superior, e, quanto à prisão, quero informar-lhe que irei a o
C o n s e l h o de Justificação e n ã o sei c o m o é q u e o s e n h o r vai explicar nesse
C o n s e l h o q u e o S N I foi envolvido e m u m a aventura c o m u m b u c a n e i r o
á r a b e p a r a vender u r â n i o p a r a o I r a q u e . E tem m a i s general. É b o m q u e
o senhor saiba que eu n ã o tenho m e d o dós seus gritos, de sorte que se a
gente n ã o conversar direito e eu n ã o ficar c o n v e n c i d o q u e isso t u d o n ã o
passa de mais u m a t r a m e c a e m q u e se m e t e u o Serviço é b o m q u e o se-
nhor mande prender-me j á .
F o i n e s s a h o r a q u e A r y z i n h o a c h o u c o n v e n i e n t e e n t r a r c o m sua
política m o d e r a d o r a . Para Neiva e p a r a todos os graduados do S N I ,
era u m mistério o p o d e r q u e A r y t i n h a s o b r e N i n i .
- C a l m a , N e i v a . U m m o m e n t o , g e n e r a l . N ó s j á f i z e m o s tanta c o i s a
juntos q u e n ã o h á razão p a r a u m d e s e n t e n d i m e n t o m a i s grave.
- M e r d a n e n h u m a - a t a l h o u o g e n e r a l - esse c a r a e s t á p e n s a n d o
que é o q u ê ?
- Não é b e m assim - prosseguiu pacientemente Aryzinho - V a m o s
ver e x a t a m e n t e a p o s i ç ã o d o N e i v a . N o final das c o n t a s , e l e é n o s s o
' n i i i p a n h e i r o d e m u i t a s j o r n a d a s . E l e deve ter suas r a z õ e s p a r a e s t a r
Dl « o c u p a d o . A l i á s g e n e r a l , a t é e u , d e v o dizer-lhe, n ã o sei b e m c o m o é
t o d a essa o p e r a ç ã o e p o r n ã o s a b e r b e m c o m o e l a é q u e n ã o p u d e
• onversar m e l h o r c o m ele lá n o m e u gabinete h o j e c e d o .
<) g e n e r a l Ticou o l h a n d o p a r a o s d o i s , d e p o i s , c o m o q u e a c o r -
Uilldo de u m s o n h o , p e r g u n t o u a N e i v a :
- P o r q u e é q u e v o c ê está d e p é a t é a g o r a ?
Só p o r q u e o s e n h o r n ã o m e m a n d o u s e n t a r a t é a g o r a .
I n i ã o e s t o u m a n d a n d o , o r a p o r r a . V ê se s e n t a l o g o e a c a b a c o m
i frescura.
Neiva se s e n t o u a o l a d o d e A r y z i n h o , d e f r e n t e p a r a o g e n e r a l n a
i < abeceira da m e s a , e o a m b i e n t e c o m e ç o u a ficar m a i s sereno.
II rinlio s o r r i u e N e i v a p e n s o u c o n s i g o m e s m o : c o m o é p o s s í v e l e u
i b e r a g o r a q u e t i p o d e g e n t e é essa e c o m o é q u e o p a í s se
In c o m eles m a n d a n d o e m t u d o e todos.
General, prosseguiu Aryzinho c o m m u i t a h a b i l i d a d e - , h o j e de
III inliiH I I Neiva m a n i f e s t o u p r e o c u p a ç ã o c o m a m a n e i r a c o m o t o d a
i " i< > csiá s e n d o c o n d u z i d a . E l e , p o r a l g u m a r a z ã o q u e a i n d a n ã o
• L I a d i a n d o q u e t u d o isso vai e x p l o d i r n a n o s s a c a r a .
.1 está s e n d o m u i t o b e m c o n d u z i d a , i n t e r r o m p e u o g e n e r a l ,
a n d o ,i exaltar-se o u t r a vez.
y ' j.i f í c i i n a l , disse N e i v a , d a m a n e i r a c o m o isso c h e g o u a m i m
illlii il < | I K u n h a c h e g a d o a o u t r a s p e s s o a s . E u n ã o f i c a r i a s u r -
65
preso se o Mossad, a C I A e a K G B j á n â o estivessem, p o r dentro. T u d o
vazou de m a n e i r a m u i t o fácil.
- É p o r isso q u e n ó s precisamos saber da sua fonte, p a r a a c a b a r c o m os
vazamentos, volveu o general.
- A m i n h a fonte n â o é a única q u e tem acesso a isso, portanto, m e s m o
q u e eu a b r a , os vazamentos v ã o continuar.
- A r y z i n h o , p o r r a , c o m o esse c a r a é t e i m o s o . E x p l i q u e as c o i s a s
p a r a e l e j á q u e t u d o vai sair d a á r e a d e l e e e l e vai a c a b a r s a b e n d o d e
u m a m a n e i r a o u d e o u t r a e é b o m q u e ele c o n h e ç a a v e r s ã o c o r r e t a .
- É difícil p a r a m i m g e n e r a l . E u n ã o c o n h e ç o t o d a a h i s t ó r i a . S ó sei
de partes dela e todas operacionais, respondeu Aryzinho.

O general ficou quieto p o r quase u m m i n u t o . O l h a v a para um, o r a


p a r a o u t r o e às vezes m e x i a e m a l g u n s p a p é i s . F o i n e s s a h o r a q u e t o -
c o u o telefone v e r m e l h o . Nini levantou-se r a p i d a m e n t e da m e s a e foi-
se b a l a n ç a n d o p a r a o f u n d o d a sala p a r a a t e n d e r . P a r a Neiva, o ta-
m a n h o d a b u n d a d o g e n e r a l , q u a n d o ele a n d a v a m a i s d e p r e s s a , s e m -
p r e e r a m o t i v o d e r i s o e foi c o m m u i t a d i f i c u l d a d e q u e se c o n t e v e
para n ã o cair n u m a gargalhada. O general atendeu o telefone, res-
p o n d e n d o c o m evidente m a u h u m o r a o m i n i s t r o :
- N ã o , M e d e i r o s , n ã o c o n s e g u i falar. A q u e l e t u r c o filho d a p u t a
está v i a j a n d o p e l o I n t e r i o r e só vai v o l t a r 5* feira.
- O P a l m a está c o m e l e M e d e i r o s , p r o s s e g u i u r e s p o n d e n d o o g e -
neral.
- E u j á m a n d e i avisar q u e e r a u r g e n t e . V a m o s v e r se e l e t o c a . E u
a c i o n e i o p e s s o a l d o D E O P S . O T u m a disse q u e iria c u i d a r d i s s o p e s -
soalmente.
- E l e está a q u i n a m i n h a frente. E s t a m o s c o n v e r s a n d o .
- E u a c h o q u e d e v e m o s a b r i r p a r a ele t u d o , vai s e r lá n a á r e a d e l e e
e l e vai a c a b a r s a b e n d o d e t u d o m e s m o . A s s i m é b o m . É m a i s u m e m
q u e m p o d e m o s apoiar-nos.
- O v a z a m e n t o foi n a á r e a d o g o v e r n a d o r , c o m certeza.
- N ã o , a i n d a n ã o sei a o c e r t o , m a s eu c h e g o n a f o n t e d e l e , p o d e li
car calmo.
- E v o c ê a c h a q u e eu t e n h o c u l p a q u e esse t u r c o f i l h o d a p u t a fale
d e m a i s ? E u avisei d e s d e o c o m e ç o q u e o M a l u f n ã o e r a c o n f i á v e l . Ele
v e n d e a t é a m ã e . E u sei c o m o é isso.
- Está b o m . E u d o u n o t í c i a s . A t é l o g o .
V i r a n d o - s e para os dois, Nini desabafou:
- D e s d e q u e c o m e ç o u e s t a m e r d a q u e e u e s t o u a v i s a n d o q u e esifl
t u r c o ia a r r u m a r u m a c a g a d a . Aí está.
F o i a s s i m q u e N e i v a foi i n t e i r a d o d e t u d o o q u e N i n i e Aryzinhfl
s a b i a m s o b r e a " o p e r a ç ã o Yellow C a k e " e q u e p o r alguma razão mil
66
teriosa o prazo da entrega do m i n é r i o tinha sido subitamente a b r e -
viado p a r a 2 5 dias. E r a m 70 toneladas d e u r â n i o , a ser entregues aos
iraquianos n o aeroporto militar de S ã o J o s é dos Campos e que eles as
r e t i r a r i a m de lá e m d o i s a v i õ e s q u e v i r i a m a o B r a s i l c o m o p r e t e x t o
oficial d e t r a n s p o r t a r m a t e r i a l b é l i c o c o m p r a d o p o r i n t e r m é d i o d a
I N B E L e q u e c o m o c o m p e n s a ç ã o o B r a s i l teria a s s e g u r a d o p r e ç o s
p r i v i l e g i a d o s e q u a n t i d a d e s c a d a vez m a i o r e s d e p e t r ó l e o . Q u e o g o -
vernador Paulo M a l u f fora envolvido na o p e r a ç ã o para,na eventuali-
dade de o c o r r e r algum imprevisto, p o u p a r o G o v e r n o Federal d ç
constrangimentos.
- Q u e m c o n d u z i u esses e n t e n d i m e n t o s g e n e r a l ? , p e r g u n t o u N e i v a .
- Foi o Medeiros.
- E o M a l u f c o n c o r d o u e m fazer isso, c o r r e r o r i s c o , s e m m a i s a-
quela ?
- C o m o assim?
- Qual o compromisso que temos c o m o governador agora, gene-
ral? O u será q u e o s e n h o r a c h a q u e ele fez tudo isso d e g r a ç a ?
- Nenhum compromisso, é lógico. Q u e tipo de compromisso que
poderia haver?
- Ah, eu n ã o sei. Facilidades p a r a as pretensões dele, eu a c h o .
- N ã o . N ã o tem n a d a disso. M a s a conversa d o general soava falso.
0 a m b i e n t e n o g a b i n e t e c o m e ç o u a ficar r u i m o u t r a vez. O s três e n -
tenderam, sem sequer terem que falar, intuitivamente, q u e era melhor
nuspender a r e u n i ã o , j á q u e t o d o s e l e s e s t a v a m s e n d o l o g r a d o s , o u
p e l o g o v e r n a d o r , o u e n t ã o , o q u e é m a i s grave, p e l o p r ó p r i o m i n i s -
i i o . As d e s p e d i d a s n ã o f o r a m b o a s e o g e n e r a l , a p a r e n t e m e n t e , n ã o
quis m a i s s a b e r q u a l e r a a f o n t e de N e i v a .
No gabinete de Aryzinho, a conversa entre os dois c o n t i n u o u , já
Duc , n n b o s p a r e c i a m insatisfeitos c o m as e x p l i c a ç õ e s d o g e n e r a l e o
m n s i i a n g i m e n t o de Nini fora tão evidente q u e n ã o p o d e r i a ser i g n o -
1 iclii

A g o r a v o c ê está satisfeito, N e i v a ? F i c o u s a b e n d o d e t u d o e n ã o a-
lu.
liido, Aryzinho?
Bem, p e l o m e n o s e u a c h o q u e tudo o q u e o N i n i s a b e .
i n o p o d e ser, m a s p e l o q u e e u vi e l e s a b e b e m p o u c o , n ã o é ?
I' P a r e c e q u e s i m .
i voiè o que acha disso?
Sabe, eu desde h á m u i t o t e m p o m e acostumei a c u m p r i r ordens e
«VHiiçar sinais. H á coisas q u e estão a c i m a de nossa p o s i ç ã o e entendi-
,,,,
li não acho isso n ã o , A r y z i n h o . E u a c h o é q u e h á c o i s a s q u e e s -
" i n i . i de nossas f u n ç õ e s , m a s , por p r o f i s s i o n a l i s m o , n ó s d e v e m o s

67
e m p e n h a r - n o s a o m á x i m o p a r a conhecê-las p o r inteiro e q u e r o dizer-lhe
q u e n ã o estou nada satisfeito c o m essa história d o u r â n i o . '
- N ã o h á n a d a q u e p o s s a m o s fazer. E l e s d e c i d e m e d e t e r m i n a m .
Nós obedecemos.
- N e m s e m p r e é a s s i m , s a b e A r y z i n h o . Às vezes, e n ã o f o r a m p o u -
cas, nós tivemos q u e interferir para evitar grandes cagadas.
- M a s c o m o é q u e p o d e m o s c o l o c a r esse p r o b l e m a ? V o c ê n ã o viu
o q u e quase dá a sua teimosia c o m o N i n i ?
- O r a A r y z i n h o , n ó s d o i s s a b e m o s q u e n ã o ia d a r e m n a d a . V ê se
e l e é l o u c o de c h e g a r c o m u m a b o m b a dessas a u m C o n s e l h o d e J u s -
tificação
- M a s ele d e m o n s t r o u c o n f i a n ç a e m v o c ê , N e i v a .
- E l e ficou s e m e s c o l h a A r y z i n h o , o u a c e r t a v a o u c o r r i a o s r i s c o s e
ele s a b e b e m , c o m o v o c ê t a m b é m s a b e , q u e e u n ã o t e n h o m e d o d e
chave de galão.
- A c o n v e r s a c o m v o c ê está f i c a n d o difícil.
- N ã o é a c o n v e r s a q u e está f i c a n d o difícil. É q u e eu s o u d i f e r e n t e
de vocês dois. Isso t u d o m e p r e o c u p a tanto q u a n t o a vocês dois, mas
e u n ã o c o l o c o m i n h a s f u n ç õ e s a c i m a de d e t e r m i n a d a s c o i s a s .
- E u p o s s o i n t e r p r e t a r isso c o m o o f e n s i v o , N e i v a . T e n h a c u i d a d o
c o m o q u e v o c ê fala.
- Q u a n d o e u e s t o u c e r t o , n ã o t e n h o é q u e ter c u i d a d o c o m n a d a .
V o c ê e e l e é q u e d e v e m ter c u i d a d o . V o c ê s e s t ã o s a b e n d o d e s s a h i s -
t ó r i a d o u r â n i o d e s d e o p r i n c í p i o e se m a n t i v e r a m , a i n d a q u e e n g a j a -
dos n o assunto, a u m a distância prudente. Eu n ã o . Eu entrei n o ne-
g ó c i o s e m s a b e r e a g o r a q u e fui c o l o c a d o p o r d e n t r o , p r a t i c a m e n t e à
força, vou até o fim. Q u e r o deixar b e m claro q u e n ã o t e n h o c o n -
f i a n ç a n o M a l u f e e s t o u d e s c o n f i a d o d e t u d o isso. As e x p l i c a ç õ e s q u e
recebi, longe de serem convincentes, n a verdade foram assustadoras e
eu v o u c h e g a r a o â m a g o d o p r o b l e m a p o r c o n t a p r ó p r i a .
- V o c ê está s e n d o d e s n e c e s s a r i a m e n t e a g r e s s i v o e isso t u d o p o d e
ser m u i t o p e r i g o s o .
- A r y z i n h o , é b o m q u e v o c ê s a i b a e q u e m m a i s v o c ê a c h a r d e di-
r e i t o q u e eu n ã o t e n h o m e d o d e p e r i g o s n e m de p e r d e r m i n h a fun-
ç ã o . O c a r g o n a A g ê n c i a S P está a sua d i s p o s i ç ã o e v o c ê p o d e b o t a r lá
u m D i r c e u desses d a vida, a s s i m v o c ê j a m a i s t e r á p r o b l e m a s c o m o os
q u e v o c ê está t e n d o a g o r a .
- M a s q u a l é a sua, N e i v a ? V o c ê q u e r b r i g a m e s m o ?
- E u n ã o q u e r o b r i g a , m a s t a m b é m n ã o a c e i t o ser e m p u l h a d o Kn
j á e s t o u c a n s a d o dessas c o n v e r s a s t o d a s q u e n ã o l e v a m a n a d a . N ó s ,
n a v e r d a d e , e s t a m o s feito b a r a t a s t o n t a s f a z e n d o b e s t e i r a a t r á s d e b e s
t e i r a e n q u a n t o esses s e n h o r e s q u e a r r o t a m a u t o r i d a d e e d i g n i d a d e d l
« f u n ç ã o e s t ã o d i l a p i d a n d o a N a ç ã o . E s t o u c h e i o de l e v a n t a r a s s u n i o i
q u e q u a n d o c h e g a m a o nível d e a l g u m c o r o n e l b e m c o l o c a d o , u m
general ou u m político qualquer c o m ligações n o Planalto, param e a
l a d r o e i r a c o n t i n u a . N e s s e c a s o d o u r â n i o , e u n ã o sei se é o M e d e i r o s ,
mas que há a l g u é m b e m situado que está fazendo u m a j o g a d a q u a l -
q u e r , isso h á e n e m v o c ê n e m n i n g u é m m e c o n v e n c e d o c o n t r á r i o .
- Eu acho que você está nervoso. É melhor você ir refrescar sua ca-
beça em SP.
- E é o q u e e u v o u fazer.
A d e s p e d i d a e n t r e o s d o i s foi m u i t o r u i m . Q u a n d o o c e l . D i r c e u
apareceu para a c o m p a n h á - l o ao aeroporto, Neiva p u r a e simples-
m e n t e m a n d o u e l e à m e r d a e d i s p e n s o u sua c o m p a n h i a . F o i e m b o r a
apenas c o m o motorista, deixando o outro constrangido e aturdido
na g a r a g e m d a A C . F o i a s s i m q u e N e i v a e n t r o u n a lista d o s n ã o -
confiáveis d o S N I .

A BOMBA EXPLODE
Enquanto Neiva ainda voava n o 727 da VASP, Aryzinho, n o despacho
normal d o fim de tarde, chegava à c o n c l u s ã o c o m o gal. N e w t o n q u e o
coronel de SP havia p e r d i d o a confiança d o Serviço. I m e d i a t a m e n t e foi
enviado u m telex d e t e r m i n a n d o a Neiva q u e entrasse e m férias, e ele ti-
ni ia duas atrasadas.
Neiva s o u b e da m o r t e de Cristhiane assim q u e saltou n o a e r o p o r t o d e
(tongonhas. O adjunto lhe c o n t o u q u e n o s á b a d o à tarde o c o r p o d e l a
fbra localizado e m m o t e l q u e alugava chalés, n a r o d o v i a dos Imigrantes.
* >•. médicos t i n h a m atestado u m a super d o s e de d r o g a e q u e t u d o d e m o -
I . I I . I p o r q u e a identificação tinha sido feita n a q u e l a m a n h ã . Parece q u e

I li unha ido a u m a festa n a 6* feira e c o m o ela, viajava m u i t o sem avisar,a


I.ih.i lòra d a d a apenas n a n o i t e de d o m i n g o . Neiva a c h o u e s t r a n h o a
" i i inortis, j á que a m o ç a n ã o era dada a bebidas e muito m e n o s a
lIlogíts.Quis saber q u e m era o m é d i c o e os dois seguiram d i r e t a m e n t e
I' " i .1 Polícia T é c n i c a . L á foi difícil. E l a era filha d e u m secretário de E s -
i.II I n l o d o - p o d e r o s o . N o e n t a n t o , a p ó s m u i t a pressão, ficaram s a b e n d o
1
jtli n atava de sucinileolina, u m p r o d u t o q u í m i c o q u e leva as pessoas a
1
i ' i nulo e q u e era m u i t o p e r i g o s o , até m e s m o fatal, q u a n d o a p l i c a d o
i esso e q u e esse fora o caso. C h e g a n d o a o escritório ainda n a q u e l a
In iii<. d e leve c o n h e c i m e n t o d ó telex q u e p r a t i c a m e n t e o afastava d o S N I .
M I M I I I I indo claro. O s filhos da puta, p o r i n c o m p e t ê n c i a , haviam assassi-

lln < ii islhiane e n q u a n t o ele estava n o R i o . E n q u a n t o eles conversavam


i Hi i-.ilia, todos eles sabiam q u e ela estava m o r t a e n e n h u m deles disse-
69
r a n a d a . A g o r a todos iam negar. Iriam fazer investigações rigorosíssimas
q u e a rigor j a m a i s conduziriam a q u a l q u e r lugar e tudo ficaria c o m o an-
tes. Positivamente essa gente tinha q u e ser afastada d o p o d e r e punida.
O enterro tòi cedo, n o dia seguinte. Neiva n ã o precisou representar seu
pesar. Ele realmente sentia a m o r t e de Cristhiane e o q u e é mais grave, se
achava culpado. Depois do cemitério, foi para a Agência. Não comentou
nada c o m ninguém. Passou a considerá-los todos inimigos. Passou o dia
r e c o l h e n d o suas coisas pessoais, t o m a n d o as últimas providências e p o r
três vezes n ã o entendeu o telefonema de Ary. A i n d a q u e n i n g u é m dissesse
nada, todos p e r c e b i a m q u e o fim da carreira de Neiva nesse g o v e r n o ti-
n h a finalmente c h e g a d o . N u m a m b i e n t e de c o n s t r a n g i m e n t o s ele se des-
pediu d o seu pessoal e foi p a r a casa. O s noticiosos d e r a m a i n f o r m a ç ã o
da b o m b a d o R i o c e n t r o , e m edições extras, p o r volta de 2 3 horas. T u d o
ainda muito confuso. Mas pelo que se inferia das notícias, a coisa era real-
m e n t e grave. Ele desceu e ligou de u m telefone p ú b l i c o p a r a a casa d o
gal. L e ô n i d a s e aí ficou s a b e n d o d o resto. U m capitão m u t i l a d o , u m sar-
gento morto, ambos do D O I - C O D I , e todas as características de u m aci-
dente de trabalho. M a r c o u u m e n c o n t r o c o m o general p a r a o dia se-
guinte, a o fim da tarde, n o R i o . O telefone t o c o u várias vezes m a d r u g a d a
a d e n t r o . Ele n ã o atendeu. T i n h a sido p o s t o c o m p u l s i v a m e n t e e m férias.
F o d a m - s e . J u n t o u suas coisas mais importantes e fez duas malas. L o g o
c e d o c h a m a r i a u m m o t o r i s t a de sua confiança p a r a levar seu c a r r o p a r a o
R i o e e m b a r c a r i a , pela ponte-aérea, a i n d a antes d o a l m o ç o . Ele queria
situar-se e m alguns problemas na área carioca e testar alguns contatos n a
c o m u n i d a d e q u e lhe p a r e c i a m fiéis e m t e r m o s pessoais.
Ele c h e g o u a o R i o p o r volta de dez e m e i a . Eles estavam todos l o u c o s .
M e s m o assim conseguiu avistar-se c o m o pessoal d o C I E , d o S I S A e d o
C E N I M A R . Até dois a m i g o s seus d o S N I haviam estado c o m ele, m a s
fora da Agência. N ã o havia dúvidas. F o r a r e a l m e n t e u m acidente d e tra-
b a l h o e as ordens t i n h a m vindo de u m escalão m u i t o alto, s e n ã o c o m o
explicar o enterro i m e d i a t o d o sargento, c o m h o n r a s de herói e c o m a
p r e s e n ç a até d o c o m a n d a n t e d o I Exército ? O p r o b l e m a a g o r a era evitar
o e s c â n d a l o até o n d e era possível. Depois d a b o m b a , fora tudo a m a d o r í s -
tico e o q u e é pior, a T V G l o b o e alguns fotógrafos haviam c o n s e g u i d o
fotografar mais três b o m b a s dentro d o P u m a semidestruído. A p r e o c u -
p a ç ã o de todos era' c o m o salvaguardar as F o r ç a s A r m a d a s e principal-
m e n t e o Exército. Neiva sentiu entre diversos oficiais, inclusive e m nível
de general, q u e n i n g u é m estava aceitando c o m tranqüilidade a situação.
Alguns estavam até m e s m o histéricos, n ã o aceitando q u e u m p e q u e n o
g r u p o encastelado n o G o v e r n o continuasse a fazer cagadas e tudo desa-
basse s o b r e os militares. Havia c o m e ç a d o a se f o r m a r u m a corrente de
o p i n i ã o , q u e parecia m u i t o forte, n o sentido de salvaguardar as institui-
ç õ e s militares a q u a l q u e r p r e ç o , m a s q u e t a m b é m pretendia a p u n i ç ã o


I

dos culpados e m q u a l q u e r nível q u e eles estivessem. O s oficiais c o m e ç a -


vam a dar mostras de n ã o aceitar mais a situação de g u a r d a p r e t o r i a n a
q u e lhes havia sido imposta. S e isso germinasse c o m o p r o m e t i a , o c o r r e -
riam fatos para o s quais o g o v e r n o n ã o estava p r e p a r a d o . F o i c o m essas
i n f o r m a ç õ e s q u e ele foi p a r a a rua Aperanas, n o L e b l o n , a o e n c o n t r o d o
gal. L e ô n i d a s .
- Está tudo m u i t o ruim, disse o general q u a n d o c u m p r i m e n t o u Neiva.
Ele estava a b a t i d o fisicamente r i c v o l i a d o c o m i n d o a q u i l o q u e tinha
a c o n t e c i d o . Neiva sentiu q u e p o d e i i. ,n i velho L e ô n i d a s l o g o
nas p r i m e i r a s palavras. Ele* trocara! i . . , e n t r e
M si s o b r e a
b o m b a . Salvo p e q u e n a s dilemiçuíi, . . . . . . <••• • De u m lado, per-
plexidade e revolta. D o o u i i o . .1 qui I Ullll 111 para a . o p e r a ç ã o
viera e m nível de c o m a n d a i i i c 11< Kxéít'1 ImI i 1 ulto. Disso t a m -
b é m n ã o havia dúvida algumu. A l Ni Ivm r> n n a l a história d o
u r â n i o e as c o n d i ç õ e s d a m o r t e da llllui dl 1 llllt I I o i nesse m o m e n t o
q u e L e ô n i d a s lhe p e r g u n t o u o q u e <l< ,ii il 1 i i h i i | p o sença d e M e n d e l
n o Brasil. Neiva n ã o sabia d e n a d a . M.is illllliti li N llMM essa presença
m u i t o sintomática e indicativa d e q u e colüftl n m i i o ui.ii', graves d o q u e
eles p o d i a m s u p o r estavam a c o n t e c e n d o n o pfld i !<•, se p u s e r a m de
a c o r d o s o b r e p r o c e d i m e n t o s c o m u n s .1 s r i r l l l UilolAtloi, b e m c o m o de
c o n t a t o s a s e r e m feitos e m áreas militares o n u prollsilonais c o r r e t o s q u e
n ã o c o n c o r d a v a m c o m o q u e eslava acontei endl > Ficou I o m b i n a d o que,
p e l o m e n o s p o r h o r a , n ã o havia m a i o r e s iis< 1 >s d e elei serem vistos j u n t o s
j á q u e todos estavam m u i t o p r e o c u p a d o s c o m o Riocentro p a r a se dete-
r e m e m e n c o n t r o s de dois velhos a m i g o s , que p o r o «incidência estavam
de férias n o R i o de J a n e i r o . Foi assim q u e nasceu, d a conversa desses dois
h o m e n s angustiados e revoltados c o m a situação, o q u e mais tarde ficou
s e n d o c o n h e c i d o c o m o a C o n s p i r a ç ã o d o s T u r c o s e que p r o v o c o u gran-
des e graves m o d i f i c a ç õ e s e m t o d a estrutura nacional, inclusive c o m a
q u e b r a d o p a c t o social e e c o n ô m i c o .
A n o i t e da b o m b a e m Brasília havia sido m u i t o agitada. O m i n i s t r o j u -
r a r a a o presidente q u e n ã o sabia de n a d a e j á havia despachado p a r a o
Rio o gal. B r a g a . É evidente q u e as instruções eram secretas. T o d o s os
, vestígios d e q u a l q u e r ligação d o G a b i n e t e c o m o Riocentro deveriam ser
destruídos, até m e s m o , se necessário, c o m a supressão física d o capitão.
A p r e o c u p a ç ã o e r a q u e ele, e m u m m o m e n t o a e fraqueza, contasse para
alguém que a operação fora coordenada pelo chefe do D Q I - C O D I . Daí
até o chefe d o C I E e o m i n i s t r o era u m simples p r o b l e m a de t e m p o . O
i c m p o m o s t r o u q u e o gal. B r a g a , se n ã o se saiu tão b e m q u a n t o era n e -
1 < ssário, n ã o foi t ã o m a l q u a n t o e r a t e m i d o e q u e m e s m o c o m todas as
'.uspeitas levantadas, n i n g u é m teria c o r a g e m de levar a coisa adiante e
que para surpresa geral o c a p i t ã o , a o c o n t r á r i o d o q u e se esperava, n ã o
tipenas se p o r t o u m u i t o b e m , c o m o t a m b é m , m e s m o meio m u t i l a d o
soube n e g o c i a r seu silêncio.
Pela m a n h ã d o dia seguinte, o presidente reuniu o m i n i s t r o d o E x é r -
cito, o chefe d o S N I , o chefe da C a s a Civil e o chefe da C a s a Militar, p a r a
tentar situar-se n o p r o b l e m a e traçar u m a estratégia d e ' c o m p o r t a m e n t o
face a o escândalo. Nessa r e u n i ã o ficou evidente u m a divisão. O chefe d a
Casa Civil, gal. G o l b e r y d o C o u t o e Silva, q u e foi o fundador d o S N I , q u e
havia sido chefe da Casa Civil d o G o v e r n o anterior e q u e fora m a n t i d o
n o cargo p o r Figueiredo c o m o parte dos compromissos assumidos c o m
seu antecessor e principal eleitor, divergia frontalmente da o p i n i ã o de t o -
dos o s o u t r o s . E n q u a n t o eles q u e r i a m abafar tudo, ele exigia u m a a p u r a -
ç ã o r i g o r o s a d o atentado e a p u n i ç ã o de todos o s culpados. Para G o l -
bery, era a ú n i c a m a n e i r a de lavar a face ante a o p i n i ã o p ú b l i c a n a c i o n a l e
internacional e o q u e era m a i s i m p o r t a n t e , j u n t o a o p ú b l i c o interno, o u
seja, o s militares, o n d e ele sentia q u e o presidente e todos os seus m i n i s -
tros p e r d i a m substância de u m a m a n e i r a rápida e m u i t o perigosa. E l e in-
sistia n a tese de q u e esse a t e n t a d o deveria ser usado p a r a a r e d e n ç ã o d o
G o v e r n o e m todas as áreas, inclusive nas da o p o s i ç ã o política. A tese dele,
q u e depois se viu ter sido a certa, e r a d e q u e o R i o c e n t r o deveria ser
usado p a r a fortalecer o G o v e r n o , a i n d a que, a p a r e n t e m e n t e sacrificando
alguns d o s envolvidos. Ele a c h a v a q u e todos eles seriam facilmente c o l o -
c a d o s e m empresas particulares q u e d e p e n d i a m d o G o v e r n o , n o t a d a -
m e n t e as empreiteiras e q u e a o fim e a o c a b o , todos ficariam b e m .
A sua tese foi derrotada pelas reações até m e s m o violentas dos generais
Pires, M e d e i r o s e Venturini. A reunião t e r m i n o u m u i t o m a l ,
estabelecendo-se, a partir daí, u m a g r a n d e divisão n o G o v e r n o . Particu-
larmente o r e l a c i o n a m e n t o c o m o chefe d o S N I se azedou face aos t e r m o s
pesados e m p r e g a d o s p o r M e d e i r o s e as respostas inteligentes de G o l b e r y ,
u e d e i x a r a m o h o m e m d o S N I e m verdadeiro ridículo ante todos. O s
S ois saíram dali inimigos irreconciliáveis. T e n d o p r e d o m i n a d o a linha de
i e n s a m e n t o da m a i o r i a , o G o v e r n o c o m e ç o u a se m o v i m e n t a r p a r a a b a -
f àr o e s c â n d a l o e o fez, c o m a sua n o t ó r i a falta de sensibilidade. A saída
de Golbery, a contar desse dia, entrou e m contagem regressiva. E c o m ela
toda a e s t r u t u r a d o G o v e r n o , a i n d a q u e n e n h u m dos presentes, n a q u e l e
m o m e n t o , o ^tenha p e r c e b i d o .
Para o cçl-. Ilukin a q u e l e fim d e s e m a n a havia sido b o m . A i n d a q u e ele
n ã o tivesse a p r o v a d o a m o r t e d a m o ç a , q u e ele a c h a r a u m risco desneces
sário, ele havia conseguido i n f o r m a r a M o s c o u q u e o Brasil ia fazer uma
entrega d e u r â n i o a o I r a q u e e q u e o M o s s a d devia estar ativo n o Brasil
juntamente para impedir isso, e foi justamente dentro dessa ótica que ele
interpretou a b o m b a d o R i o c e n t r o . A i n f o r m a ç ã o foi de q u e o s j u d e u s ,
através d e interpostas pessoas, o u p o r agentes s u b o r n a d o s , haviam tentai l( >
d e m o n s t r a r a o G o v e r n o b r a s i l e i r o q u e essa transação n ã o seria digerida
c o m facilidade p o r T e l Aviv, m a s c o m o o s h o m e n s escolhidos e r a m incli
72
cientes, t u d o se transformara e m u m g r a n d e fiasco, q u e a g o r a se e n c a m i -
nhava p a r a u m escândalo de grandes p r o p o r ç õ e s .
J á p a r a a C I A , q u e n ã o dispunha d o s d a d o s s o b r e a v e n d a de u r â n i o ,
tudo n ã o passou de u m a o p e r a ç ã o m a l f e i t a , p o r radicais d o E x é r c i t o , q u e
n ã o c o n c o r d a v a m c o m o p r o c e s s o de r e d e m o c r a t i z a ç ã o q u e se tentava
i m p l a n t a r n o Brasil. J o e i n f o r m o u q u e essa b o m b a p o d e r i a r e p r e s e n t a r o
início d e u m a grande cisão d e n t r o d o G o v e r n o , u m a vez q u e n ã o havia
dúvidas q u e a decisão de j o g á - l a havia partido de escalões m u i t o altos e
q u e o p r ó p r i o m i n i s t r o d o Exército, se n ã o estava envolvido d i r e t a m e n t e ,
p r o c u r a v a a g o r a a c o b e r t a r o s autores p a r a c o m isso tentar c o n s o l i d a r a
sua i m a g e m j u n t o a o p ú b l i c o interno. Q u a n d o J o e a p e r t o u o cel. D i r c e u ,
p e r c e b e u q u e ele n ã o tinha idéia da o r i g e m d a coisa, m a s estava p r e o c u -
p a d o c o m a repercussão negativa d e n t r o d a tropa. Isso p o d i a t a m b é m
significar o início de u m a g r a n d e divisão n o m e i o das F o r ç a s A r m a d a s e,
a b o c o r r e r isso, J o e n ã o tinha dúvidas q u e o presidente F i g u e i r e d o n ã o se
agüentaria n o Planalto.
M e n d e l , n a m e s m a n o i t e e m q u e e s t o u r o u a b o m b a , p r o c u r o u Israel
Klabin p a r a fazer u m a avaliação s o b r e as repercussões q u e isso p o d e r i a
ter s o b r e a e x p o r t a ç ã o d o u r â n i o e p a r a s a b e r até o n d e isso t u d o p o d e r i a
levar de r o l d ã o a o l i g a r q u i a q u e a t u a l m e n t e m a n d a v a n o Brasil. N a
m e s m a h o r a e m q u e Neiva estava n a casa de L e ô n i d a s , o c o r o n e l enviava
u m a l e n t a d o r e l a t ó r i o p a r a seu chefe, tranqüilizando T e l Aviv q u a n t o a
q u a l q u e r risco. P a r a o M o s s a d , m e s m o q u e o c o r r e s s e q u a l q u e r m o v i -
m e n t o de insatisfação entre o s militares, o p r o c e s s o t o d o a p e n a s e c l o d i r i a
em 6 0 dias, o q u e significava q u e a essa altura n ã o apenas o u r â n i o estaria
entregue, c o m o t a m b é m a força aérea j á teria construído a usina a t ô m i c a
iraquiana. T e l Aviv r e s p o n d e u , i n s t r u i n d o - o p a r a q u e se fizessem rela-
tórios diários s o b r e a e v o l u ç ã o d a situação militar e política e q u e esses
relatórios, antes de serem enviados, deveriam ser submetidos a K l a b i n o u
a Mindlin. Havia u m a r e c o m e n d a ç ã o expressa nessas instruções n o senti-
do de q u e ele evitasse m a i o r e s c o n t a t o s c o m o cel. G o l g , q u e neste m e s -
m o m o m e n t o estava s e n d o instruído p a r a o p e r a ç õ e s específicas e espe-
ciais, as quais e m hipótese a l g u m a deveriam ser baralhadas c o m as suas
atividades. Isso, p a r a M e n d e l , significava u m a limitação de atividade e
mais, u m a s u b o r d i n a ç ã o a duas pessoas q u e ele n ã o gostava n e m respei-
tava; n o ' e n t a n t o , o simples fato d e i n s t r u í r e m - n o p a r a p e r m a n e c e r n a á-
íca, significava q u e T e l Aviv esperava a c o n t e c i m e n t o s graves e q u e p o d e -
ii.im c o m p l i c a r a entrega d o m i n é r i o físsil. O j e i t o e r a esperar.
COMEÇA A CONSPIRAÇÃO
Foi u m a decisão m u i t o difícil, n o entanto, o gal. L e ò n i d a s resolveu
c o r r e r o risco, j á q u e n ã o via outra s o l u ç ã o o u recurso, j á q u e as provas e
as informações q u e se haviam a c u m u l a d o e m suas m ã o s n ã o indicavam
o u t r o c a m i n h o q u e aquele. E r a m 10 os participantes d o e n c o n t r o , inclu-
sive o p r ó p r i o L e ò n i d a s . O i t o oficiais generais das Forças Armadas, to-
dos da reserva, n o entanto, os mais conceituados do Exército, M a r i n h a e
Aeronáutica, e dois coronéis. Eles foram c h e g a n d o discretamente u m a
u m e, por volta das 21 horas, lá estavam todos. Alguns demonstrando cu-
riosidade, outros p r e o c u p a ç ã o e terceiros até a l g u m a irritação. M a s c o m o
o convite fora praticamente u m a c o n v o c a ç ã o , todos vieram.
O salão d o a p a r t a m e n t o a c o m o d a v a todos c o m c o n f o r t o . A d e c o r a ç ã o
era discreta, m i s t u r a n d o o tradicional, c o m algumas peças m o d e r n a s ,
d a n d o u m e q u i l í b r i o agradável e q u e demonstrava o b o m g o s t o dos p r o -
prietários. Havia peças de arte de várias partes d o m u n d o , p r i n c i p a l m e n t e
de países o n d e L e ò n i d a s havia servido e m diversas comissões oficiais d o
Exército. O a m b i e n t e estava b e m i l u m i n a d o , a o c o n t r á r i o d o q u e o c o r r i a
n o r m a l m e n t e . É q u e p a r a L e ò n i d a s e r a i m p o r t a n t e avaliar b e m as rea-
ções dos presentes a o q u e se iria dizer e lhes dar c o n d i ç õ e s de e x a m i n a r
b e m os dois coronéis e a ele próprio, a quem, conforme programara, in-
c u m b i r i a abrir e techar a reunião.
- M e u senhores, é u m a grande h o n r a r e c e b ê - l o s e m m i n h a casa, c o m e -
çou Leònidas. T o r n e i a l i b e r d a d e d e convidá-los a vir até aqui p a r a q u e
o u ç a m de viva voz dois depoimentos e u m relato sobre coisas que estão o-
correndo n o Brasil e que n o meu entender comprometem de forma irreme-
diável as nossas Forças Armadas, maculando as nossas tradições e c o m -
p r o m e t e n d o as c o r p o r a ç õ e s de m a n e i r a m u i t o perigosa. E u pedi a p r e -
sença dos senhores aqui p o r q u e h o n e s t a m e n t e , após u m e x a m e deta-
l h a d o , d e m o r a d o e m u i t o p o n d e r a d o d e t u d o o q u e eu s o u b e e de t u d o < >
q u e c h e g o u às m i n h a s m ã o s , r e a l m e n t e n ã o sei mais a q u e m recorrer,
n e m o q u e fazer p a r a enfrentar essa situação. Q u e r o q u e o s senhores se-
j a m juizes d o q u e se d i r á aqui e q u e p o n h a m a experiência, tradição e
c o n c e i t o q u e t ê m a serviço da N a ç ã o m a i s u m a vez p a r a evitar q u e che-
g u e m o s a u m desastre q u e nos atirará a todos p o r c a m i n h o s sem volta c
q u e certamente engolfarão o Brasil n u m verdadeiro b a n h o de sangue.
- Peço-lhes t a m b é m indulgência p a r a os dois coronéis q u e vão prestai
seus d e p o i m e n t o s ante nós. T r a t a - s e de dois oficiais dignos e decentes e
que se se dispuseram a lazer o que vão fazer é porque chegaram à conclu
74
são de que as coisas foram longe demais e eles a c h a m que a lealdade q u e
devem à Pátria está acima da lealdade que devem a seus chefes. Acho, h o -
nestamente, q u e a o fim d o s d e p o i m e n t o s , os senhores e n t e n d e r ã o b e m o
q u e q u e r o dizer. P r i m e i r a m e n t e q u e r o lhes a p r e s e n t a r o cel. Luiz C a r l o s
Araújo, chefe d o D O I - C O D I , d o R i o de J a n e i r o , q u e vai lhes n a r r a r e x a -
tamente o que ocorreu e c o m o ocorreu o atentado do Riocentro, o n d e
u m sargento m o r r e u e u m c a p i t ã o ficou aleijado.
N a m e d i d a e m q u e o c o r o n e l discorria s o b r e o a t e n t a d o , L e ô n i d a s foi
r e c o m p o n d o na sua m e n t e a dificuldade q u e tivera e m c o n v e n c e r o c o r o -
nel a c h e g a r a o p o n t o e m q u e estava. Ele agora, c o m o c o r r e r d a disserta-
ç ã o , tinha a certeza de q u e se A r a ú j o n ã o se tivesse visto a m e a ç a d o de ser
atirado às feras, j a m a i s se disporia a fazer o q u e estava fazendo. A pusila-
nimidade d o gal. B r a g a é q u e havia a b e r t o o c a m i n h o p a r a o entendi-
m e n t o entre a m b o s . F o r a Neiva q u e levara A r a ú j o a ele. T a n t o Neiva
c o m o A r a ú j o e r a m da c o m u n i d a d e e, e m u m j a n t a r a dois, depois de b e -
ber a l é m da c o n t a , A r a ú j o a c a b a r a p o r se a b r i r c o m Neiva, d e m o n s -
trando t o d o o m e d o de, n o desenvolvimento d o I P M , ser a t i r a d o às feras
e a c a b a r c o m o ú n i c o responsável p e l o atentado. A g o r a a situação e r a di-
ferente. H a v i a m afastado o chefe d o I P M e c o l o c a d o o u t r o c o r o n e l mais
dócil, m a s j á era tarde. A r a ú j o j á estava i r r e m e d i a v e l m e n t e c o m p r o m e -
tido e, a i n d a q u e ele tivesse t e n t a d o à última h o r a n ã o c o m p a r e c e r à reu-
nião, n ã o havia c o m o fugir. A ú n i c a p r e o c u p a ç ã o de L e ô n i d a s é q u e pelo
m e d o das c o n s e q ü ê n c i a s , o d e p o i m e n t o de A r a ú j o n ã o fosse convincente.
Fie havia enfatizado m u i t o a o c o r o n e l q u e se limitasse a o s fatos, sem p r o -
curar justificar-se, d e i x a n d o isso, p a r a ele, L e ô n i d a s , q u e havia a s s u m i d o
o c o m p r o m i s s o de n ã o a p e n a s m a n t e r sigilo de t u d o a q u i l o , c o m o tam-
bém, de isentá-lo d e q u a l q u e r c o n s e q ü ê n c i a posterior, inclusive e m ter-
mos de p r o m o ç ã o . E r a u m c o m p r o m i s s o i m o r a l , m a s a n t e a c o n j u n -
tura . . .
O d e p o i m e n t o estava c h e g a n d o a o fim. A i n d a q u e n ã o tivesse sido bri-
lhante, fora bastante b o m , e n ã o havia dúvidas de q u e i m p r e s s i o n a r a os
presentes. Salvo u m o u o u t r o detalhe q u e s t i o n a d o pelos ouvintes, t u d o
il< o n e r a sem apartes. E a g o r a q u e A r a ú j o terminara, u m silêncio opres-
s i v o pairava n o salão. T o d o s estavam c o m o q u e a t ô n i t o s .

t' 111 seguida foi a vez de Neiva. O d e p o i m e n t o foi b r i l h a n t e e impres-


I O I I O U m u i t o . P a r a os ouvintes, era simplesmente incrível q u e esse tipo

• Ir ci >isas estivesse o c o r r e n d o n a R e p ú b l i c a e, o q u e é m a i s grave, a c o -


I" i i o das Forças A r m a d a s . Sentia-se n o a r a i n d i g n a ç ã o c o m t u d o aquilo.
11 'I dentro desse c l i m a q u e L e ô n i d a s r e t o m o u a palavra. E l e c o n h e c i a to-
• I' w eles. Havia servido vários a n o s c o m p e l o m e n o s 4 d o s presentes e, os
itlios, de e n c o n t r o s a o l o n g o da carreira. Ele sabia, m e s m o antes de for-
.llltil.tr a p r o p o s i ç ã o , q u e ela seria a p r o v a d a . Havia q u e se fazer a l g o para
i ii i tudo a q u i l o . A sua principal p r e o c u p a ç ã o q u a n d o c o m e ç o u a falar
75
e r a n ã o se deixar e m o c i o n a r . A frieza c o m q u e se apresentasse n a q u e l a
h o r a e r a decisiva. Ele havia p r e p a r a d o u m a r e l a ç ã o de d a d o s e i n f o r m a -
ç õ e s e a c h o u m e l h o r se a t e r a o d o c u m e n t o . D a v a u m a i m p r e s s ã o mais
séria.
D u r a n t e cerca de 15 m i n u t o s L e ô n i d a s , c o m fala pausada, c a l m a e
m u i t o fria, sem d e m o n s t r a r o m e n o r tipo de e m o ç ã o , desfiou u m impres-
sionante rosário de casos de c o r r u p ç ã o e de atos praticados p o r oficiais
das Forças A r m a d a s , q u e r da ativa, q u e r da reserva, q u e de u m a m a n e i r a
o u de o u t r a estavam ligados a o p o d e r federal o u estaduais e q u e c o m p r o -
m e t i a m de f o r m a irremediável a respeitabilidade das c o r p o r a ç õ e s milita-
res. - " B e m senhores, a m i n h a i n t e n ç ã o a o p r o m o v e r esta r e u n i ã o foi,
a l é m de c o l o c a r à c o n s i d e r a ç ã o os fatos q u e a c a b a m de. ser n a r r a d o s , ten-
tar d e m o n s t r a r q u e n o c o r r e r destes a n o s e m q u e estivemos n o m a n d o da
N a ç ã o , q u e r q u e i r a m o s o u n ã o , f o m o s n ó s o s militares q u e estivemos n o
m a n d o n a c i o n a l até a g o r a , c o n s e g u i m o s , o u p o r participação direta, o u
p o r o m i s s ã o , permitir q u e o militar, a n t e a o p i n i ã o pública se transfor-
masse, sucessivamente, e m torturador, assassino, c o r r u p t o e a g o r a , final-
m e n t e , e m desleal. P e r d e m o s a respeitabilidade, a a d m i r a ç ã o q u e antes as
Forças A r m a d a s despertavam n o p o v o . A coisa é tão grave q u e até
m e s m o se a n d a r fardado nas ruas de nossas cidades é h o j e u m risco. M u i -
tos oficiais, e os senhores s a b e m disso tão b e m q u a n t o eu, t ê m v e r g o n h a
de usar seus u n i f o r m e s fora das corporações e m que servem. Posso asse-
gurar-lhes, p o r outro lado, que c o m o eu, há muitos de nossos companhei-
ros que não concordam c o m o que ocorre, b e m c o m o se mostram dispos-
tos a tomar iniciativas para recolocar as coisas nos seus devidos lugares e
p r o m o v e r ações c o m as quais p r e t e n d e m reconquistar o respeito geral e a
acbriiração nacional, antes q u e seja m u i t o tarde. C o l o c a d o s esses fatos,
antes de encerrar, gostaria de dizer q u e a m i n h a intenção é evitar q u e
o c o r r a m fatos isolados, p o r parte de c o m p a n h e i r o s q u e n ã o a c e i t a m essa
situação e q u e a ú n i c a m a n e i r a de evitar q u e isso o c o r r a é e s c o l h e r m o s
u m chefe p a r a c o o r d e n a r isso tudo, i n c u m b i n d o a ele f o r m a r u m g r u p o a
seu l a d o q u e funcionará c o m o seu E s t a d o - M a i o r . Sei q u e essa decisão
p o d e p a r e c e r precipitada, m a s pelo q u e lhes foi d a d o ouvir, b e m c o m o ,
p o r coisas q u e cada u m dos senhores c o n h e c e , t e n h o a c o n v i c ç ã o de q u e
n ã o estou n e m sendo precipitado, n e m sedicioso, j á q u e a c h o q u e a nossa
fidelidade se deve antes à Pátria e apenas depois aos superiores hierárqui-
cos e q u a n d o eles Çêm u m a posição condizente c o m o s interesses m a i o r e s ,
o q u e positivamente, p o r mais inafortunado q u e isso seja, n ã o é o caso
dos chefes atuais. E s t o u à disposição dos senhores p a r a q u a i s q u e r esclare-
c i m e n t o s e p e ç o - l h e s q u e desculpem a rudeza de algumas coisas q u e a q u i
f o r a m ditas, m a s todas elas são verdadeiras e p o r t a n t o devem ser apresen-
tadas c o m o são e n ã o c o m o n ó s g o s t a r í a m o s q u e elas fossem.
D u r a n t e a l g u m t e m p o u m silêncio opressivo r e i n o u n a sala. N i n g u é m
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dizia nada, n e m se m e x i a . F i n a l m e n t e , o m a i s velho deli y,.<\ M u
des, m u i t o respeitado n o m e i o militar p o r sua correçàu >. • I • • | g , iniill
sionalismo e e q u i l í b r i o , a c e n d e u u m cigarro. Descruzou a s i)crilAN MJi lltHI a

o c a b e l o b r a n c o , tirou os ó c u l o s e p e r g u n t o u se L e ò n i d a s a c h a v a qui 11
presidente estava a p a r desses fatos.
- É difícil, general, ele n ã o estar a par. C o m o o s e n h o r p ô d e ouvir, e m
m u i t o s dos fatos a q u i n a r r a d o s se envolvem a sua m u l h e r e seus dois li-
lhos. Depois, é b o m n ã o se e s q u e c e r q u e antes da presidência ele foi chefe
d o S N I . o q u e t o r n a a possibilidade d o seu d e s c o n h e c i m e n t o a i n d a m a i s
inadmissível, m a s e u a c h o q u e , m e s m o q u e ele d e s c o n h e ç a , ele se cercou
de tal tipo de pessoas, q u e fica difícil isentá-lo da responsabilidade. G o s -
taria, n o entanto, q u e os outros m e m b r o s desta reunião expusessem seus
p o n t o s de vista a r e s p e i t o . "
U m a u m eles f o r a m c o n c o r d a n d o c o m a e x p o s i ç ã o de L e ò n i d a s .
Mas M a r c o n d e s n ã o se deu p o r satisfeito. O s seus o l h o s azuis d e m o n s -
travam u m a p r o f u n d a angústia e t o d a sua expressão, de n o r m a l g e n e r o s a
e c o m p l a c e n t e , c o m o a de u m avô b e n é v o l o e tolerante, estava c a r r e g a d a
p o r u m a e x p r e s s ã o de p e r p l e x i d a d e e dúvida. V i a - s e c l a r a m e n t e q u e era
difícil para ele aceitar o q u e tinha acabado de ouvir. Ele desabo toou o bla-
zer m a r r o m - e s c u r o , virou-se p a r a o gal. T o r r e s , o s e g u n d o e m idade, e
perguntou:
- V o c ê acredita nisso tudo, T o r r e s ?
- É difícil a gente aceitar, m a s p a r e c e q u e é verdade. T e n h o de m i n h a
parte o u v i d o m u i t a coisa e p a r e c e q u e as i n f o r m a ç õ e s se cruzam. A c h o
q u e o L e ò n i d a s fez b e m e m n o s reunir. Talvez c h e g u e m o s a a l g o de p r á -
tico.
- H á q u e se r e c o n h e c e r - disse o gal. C a m p o s , q u e e r a o m a i s n o v o d o s
o i t o e o mais i m p e t u o s o - q u e o n o s s o descrédito n u n c a c h e g o u a tal
p o n t o . N e m m e s m o n a guerra d o Paraguai c o n s e g u i m o s ficar t ã o m a l ,
n u m a clara a l u s ã o às b a r b a r i d a d e s e violências praticadas pelos brasilei-
ros a p ó s terem d e r r o t a d o S o l a n o L o p e z .
- V o c ê está e x a g e r a n d o , C a m p o s .
- N ã o estou m e s m o , M a r c o n d e s . E u t e n h o a n d a d o p o r aí, coisa q u e
você n ã o faz. S e o fizesse talvez fosse v o c ê q u e m p r o m o v e r i a esta reunião e
n ã o o L e ò n i d a s . A c h o q u e v o c ê t e m q u e reativar alguns contatos para ver
q u e temos razão.
- N a A e r o n á u t i c a a situação n ã o é m e l h o r , a c r e s c e n t o u o brigadeiro
L e o m i l . T e n h o conversado c o m vários colegas e a c h o o q u a d r o real-
m e n t e m u i t o difícil. P e l o q u e e u sei, o d e s c o n t e n t a m e n t o entre o s iu mios
é a i n d a m a i o r q u e n o Exército.
L e o m i l se levantou p a r a se servir de whisky. C o m m a i s de I p80m d e dl-
tura, e r a m a g r o , b e m elegante. N ã o aparentava os setenta U 1 0 I q u e )•< li-
n h a vivido. A p e n a s suas cãs b r a n c a s , s e m p r e revoltas, davam uma Idéia
d e sua idade. Q u e i m a d o d o sol, era freqüentador assíduo da praia n a al-
tura da gal. Mitre, n o L e b l o n , o n d e se c o n c e n t r a v a u m g r a n d e n ú m e r o de
oficiais d a F A B .
- T e n h o conversado m u i t o c o m o m e u pessoal n a praia - prosseguiu -
e p o s s o dizer-lhe, M a r c o n d e s , q u e r e a l m e n t e é p r e o c u p a n t e o p o n t o a q u e
chegamos.
C o m o q u e a p r o v e i t a n d o a deixa, o a l m i r a n t e Ferraz, a p ó s se m e x e r
m u i t o n a poltrona, p a r a ajeitar seus q u a s e 9 0 quilos, m u i t o m a l distribuí-
d o s n o s seus l , 6 0 m de altura e q u e lhe d a v a m u m ar p e r m a n e n t e de des-
m a z e l o e deselegância, s e n t e n c i o u :
- A c h o q u e t e m o s q u e fazer algo antes q u e a l g u é m o faça. Conversei
s e m a n a passada c o m o chefe d o C E N I M A R e ele a c h a q u e o princípio da
autoridade j á foi c o m p r o m e t i d o e q u e c o m as eleições d e n o v e m b r o o
G o v e r n o perderá a m a i o r i a e depois disso é inevitável a eleição direta
p a r a presidente e o c o r r e n d o isso n ó s v a m o s perder o c o n t r o l e d a situa-
ção.
- M a s , Ferraz, o q u e n ó s q u e r e m o s , o u p e l o m e n o s o q u e eu entendi
até aqui, é ver c o m o c o n s e g u i m o s sair dessa situação e evitar de en-
volver-nos mais c o m política e políticos, aparteou o gal. Morais, então
esse n e g ó c i o d e p e r d e r o c o n t r o l e n ã o é e x a t a m e n t e o q u e se está p r o -
p o n d o aqui.
- V e j a M o r a i s , r e s p o n d e u Ferraz, a p e n a s falo e m p e r d a de c o n t r o l e
p o r q u e a c h o q u e c o m e t e m o s o e r r o de sacrificar todas as lideranças civis
válidas e sem b o n s líderes é fatal q u e o país seja atirado a o caos.
- P e l o q u e eu ouvi aqui, Ferraz, e p e l o q u e sei de ouvir p o r aí, n o caos,
t a t i c a m e n t e , n ó s j á estamos e n ã o vejo n e n h u m civil envolvido mais
Í ü n d o nisso. A responsabilidade é dos militares e tentar tirar esse q u e aí
está p a r a c o l o c a r o u t r o n ã o sei se é u m a b o a .
' - C o m licença, disse o gal. Mattos e se levantou. E u creio q u e t o d o s vo-
cês t ê m razão. O c o r r e q u e eu e n t e n d o q u e , se t e m o s q u e fazer a l g o , esse
a l g o deve ser radical, m e s m o p o r q u e , até a g o r a n ã o ouvi s e q u e r u m a pa-
lavra d a q u e d a d o nível nas escolas militares. Q u a n d o passei p a r a a r e -
serva, o m e u ú l t i m o p o s t o foi de D i r e t o r d o E n s i n o d o E x é r c i t o ; entrega-
m o s , os diretores de E n s i n o das três a r m a s , a cada u m de nossos minis-
tros u m estudo d e m o n s t r a n d o q u e a e r o s ã o d o nível nas escolas e a fre-
q ü ê n c i a cada vez m a i o r de oficiais nas faculdades estavam c o m p r o m e -
t e n d o seriamente a estrutura das F o r ç a s A r m a d a s e até h o j e , a o q u e eu
saiba, n a d a foi feito nesse sentido. M u i t o p e l o c o n t r á r i o , a coisa ficou
a i n d a pior. E n t ã o p a r a m i m , a l é m disso t u d o q u e eu ouvi e q u e é terrível,
é preciso q u e se faça algo d e r e a l m e n t e radical, se é q u e p r e t e n d e m o s efe-
tivamente envolver-nos e m a l g u m a coisa m a i s séria, pois n a h o r a e m q u e
a oficialidade estiver c o m seus p a d r õ e s de análise e c o m p o r t a m e n t o c o m -
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pletamente d e f o r m a d o s , n ã o haverá n a realidade m a i s n a d a q u e possa-
m o s fazer. A c h o q u e a sugestão d o L e ô n i d a s é a c o r r e t a . D e v e m o s esco-
lher u m chefe a q u i e a g o r a e m o n t a r u m E s t a d o - M a i o r p a r a e q u a c i o n a r
tudo isso o u e n t ã o deixar c o m o está, m e s m o p o r q u e n ó s j á passamos da
idade de b r i n c a r de c o n s p i r a ç ã o . P a r a m i m a última b r i n c a d e i r a foi e m
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