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MULHER E SOCIALISMO

Maria Lygia Quartim de Moraes1

“Foi Rosa de Luxemburgo quem durante a Primeira Guerra Mundial pôs a alternativa:
“socialismo ou barbárie”. Para ouvidos pós-modernos o slogan poderia ser refeito. Nosso
dilema não é uma civilização capitalista – global ou plural: mas capitalismo ou
civilização, entendida como um universo de uma diversidade e igualdade ainda
escassamente vislumbrada”.2

Este texto foi escrito tendo em vista um debate com militantes do PT em 2001 tendo em
vista a elaboração do programa político do então candidato Lula.

1.Socialismo ou barbárie

Fico contente que tenha sido de uma marxista feminista a melhor definição das alternativas de nosso tempo:
socialismo ou barbárie. Não se trata de negar a dimensão profundamente transformadora do capitalismo e as
amplas possibilidades tecnológicas por ele engendradas. Mas de constatar o caráter cada vez mais
irreconciliável entre as condições de vida da esmagadora maioria da humanidade e a riqueza bilionária de
um punhado. Na verdade, vinte por cento da população mundial consome cerca de oitenta por cento dos
bens e serviços produzidos no planeta, com tem sido fartamente denunciado.

A opressão das mulheres é a primeira forma de dominação em termos históricos e permanece, mantido pela
força do que chamaremos, sem maiores definições de “patriarcado”. O capitalismo ao universalizar as
relações mercantis o Em termos históricos a questão da mulher e a emergência das correntes e doutrinas
socialistas são contemporâneas. O pano de fundo desta convergência é o processo de transformação
capitalista da economia e sociedade europeias,

1
2
ANDERSON, Perry. A civilização e seus significados IN Praga n.2 de 1997,p.39.

1
“Onde quer que a burguesia tenha chegado ao poder, ela destruiu todas as relações feudais,
patriarcais, idílicas. Ela rompeu os variegados laços locais que atavam o homem ao seu
superior natural, não deixando outro laço entre os seres humanos senão o interesse nu e cru,
senão o insensível “pagamento à vista”.(Manifesto Comunista)

Assim, o movimento socialista é a resposta de classe ao desenvolvimento capitalista e no seu seio a questão
da mulher da trabalhadora recebeu especial atenção. A superação das desumanas condições de vida do
proletariado do século XIX faz parte do ideário socialista emergente.

1.a. De Karl Marx a Juliet Mitchell

O marxismo e a psicanálise constituem as duas maiores revoluções teóricas do milênio. Ambas, à sua
maneira, provocaram profundas e irreversíveis mudanças no campo das ideias e no campo das práticas
sociais. A grande obra teórica do marxismo persiste sendo O Capital. A análise da dinâmica da luta de
classes e a especificidade de funcionamento do modo de produção capitalista – a contradição entre o
crescente desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção – permanecem válidas em todos
os seus pressupostos e desdobramentos. A tendência avassaladora do capitalismo; o impulso ao
aperfeiçoamento técnico; o inexorável crescimento da magnitude do capital e sua centralização nas mãos de
um número menor de bilionários, estão entre as leis definitivamente estabelecidas por Marx.

No tocante à "questão da mulher, “a perspectiva marxista assume uma dimensão de crítica radical ao
pensamento conservador. Em A origem da família, da propriedade privada e do Estado3 a condição social
da mulher ganha um relevo especial pois a instauração da propriedade privada e a subordinação das
mulheres aos homens são dois fatos simultâneos, marco inicial das lutas de classes. Nesse sentido, o
marxismo abriu as portas para o tema da “opressão específica”, que seria retomado e retrabalhado pelas
feministas marxistas dos anos 1960-70. Na Ideologia alemã, de 1846, a instituição da família aparece como
um dos momentos de passagem para a sociedade de classes. Esta hierarquização processa-se no interior do
próprio processo de trabalho pois, como assinalam, Marx e Engels:

3
ENGELS, Frederick. A Origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo. Ed. Civilização Brasileira, 1977.

2
a divisão do trabalho repousa sobre a divisão natural do trabalho na família e sobre
a separação da sociedade em famílias isoladas e opostas umas as outras, – e esta
divisão do trabalho implica ao mesmo tempo na repartição do trabalho e de seus
produtos; distribuição desigual, na verdade, tanto em quantidade como em
qualidade; ela implica pois na propriedade; assim, a primeira forma, o germe
reside na família, onde a mulher e as crianças são escravas do homem. A
escravidão, ainda latente e muito rudimentar na família, é a primeira propriedade.4

No Manifesto Comunista, de 1848, Marx e Engels reafirmam a mesma identidade entre a opressão da
mulher, família e propriedade privada, preconizando a abolição da família como meta dos comunistas.5
Assim, a ênfase na historicidade das instituições humanas permitiu a compreensão da família como
fenômeno social em que a divisão social do trabalho é também uma divisão sexual entre funções femininas
e masculinas. Mais do que isso: abriu espaço para novos tipos de projetos e relações entre os sexos. Com
Engels e Marx, as feministas da esquerda europeia, nos anos 1960-70, puderam construir uma "teoria da
opressão" e partir para a luta.

A inegável influência marxista nas formulações feministas não significa, por outro lado, que o marxismo
possa dar conta por completo da "questão da mulher". No seu livro Women's Estate, cuja primeira edição
data de 1966, Juliet Mitchell, jovem intelectual inglesa do grupo da New Left Review, parte da dialética
entre os ditames da produção econômica e as contingências do processo de reprodução da espécie para
explicar a situação da mulher na sociedade. A dialética "produção-reprodução social", nos termos da autora,
define o lugar da mulher nas sociedades de classe. A mulher é explorada no trabalho e confinada à casa.
Sua submissão e seu lugar subalterno na vida econômica seriam compensadas pela seu poder na família:

A situação das mulheres é diferente da de outros grupos sociais oprimidos: elas


são a metade da humanidade (…) … à mulher é oferecido um mundo próprio: a
família. Exploradas no trabalho, relegadas à casa: estas duas posições compõem
sua opressão.6

O pensamento conservador toma a família como uma entidade supra-histórica, uma instituição sempre
idêntica, na qual as funções e papéis são "naturalmente" como masculinos e femininos. A ideologia do

4 MARX, K. e ENGELS, F. L’idéologie allemande. Paris, Editions Sociales, 1970, p.47.


5 MARX, K. Oeuvres. Paris, Pléiade, 1965, p.178.
6 MITCHELL, Juliet.Woman's Estate.England:Penguin Books, 1971, p.99.

3
“natural, ressalta Juliet Mitchell, visa justamente obscura a historicidade da família e das funções nela
desempenhadas pelas mulheres:

“Fala-se da mulher, da família como se fossem sempre as mesmas.... Assim, a


análise da feminilidade e da família devem se um todo monolítico: mãe e filho,
lugar de mulher. . . seu destino natural”.7

A ideia de destino natural tem de ser "desconstruída" e, nesse sentido, a teoria socialista do passado não
chegou a isolar os diferentes elementos da condição feminina que formam uma estrutura complexa e não
uma unidade simples. Não é possível reduzir a opressão da mulher a uma única dimensão, como formula
Engels, nem mesmo equacioná-la como símbolo da opressão geral, como afirma Marx em seus primeiros
escritos. “É preciso pensá-la como uma estrutura específica, isto é, como unidade de elementos
diferenciados", preconiza Mitchell8”.

De fato, as vicissitudes da condição feminina decorrem da complexa dialética entre os papéis e lugares
socialmente atribuídos às mulheres e que dizem respeito, especialmente, ao lugar na produção dos bens (a
esfera da produção), à sexualidade e ao cuidar das crianças. Juliet Mitchell constata os limites do marxismo
para o entendimento das diferenças sexuais e seus componentes psíquicos concluindo que só a psicanálise,
como ciência do inconsciente, fornece a chave teórica para a questão das diferenças sexuais. Freud, com a
descoberta do inconsciente, revelou a importância da dimensão psíquica, criando um novo continente
teórico9. A psicanálise, na sua dupla dimensão de teoria e de prática clínica, nos ajuda a entender como "a
mulher torna-se mulher". E o "ser mulher “passa pela subjetividade, por processos psíquicos através do qual
construímos um "eu", mais ou menos estruturado.10 Desta maneira, o feminismo radical dos anos 70
apropriou-se não somente do marxismo como teoria revolucionária – falava-se da "libertação feminina" –
quanto da psicanálise e do amplo caminho aberto pela descoberta dos processos do inconsciente humano.

7 Idem, p.100.
8
Idem p.167
9
ALTHUSSER, Louis:Freud e Lacan e Marx e Freud 3ºed. São Paulo, Graal, 1991.
O feminismo também colaborou em novas orientações para o estudo da psicanálise, especialmente referidas ao esclarecimento do "continente
negro" da feminilidade. Hoje existe uma extraordinária pletora de bons estudos sobre o tema, como é o caso de Emilce Bleichmar e seu livro O
feminismo espontâneo da histeria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.
10
Foge do escopo desta exposição a questão da psicanálise, como teoria e como prática clínica. No entanto, constitui, a meu ver, uma
contribuição indispensável para pensarmos a questão da "opressão específica da mulher".

4
1.b. As mulheres e a renovação do marxismo

Cumpre ressaltar também a importância das contribuições teóricas de intelectuais do sexo feminino. O
acesso ao conhecimento – fruto de suas lutas e conquistas nos últimos cinquenta anos – permitiu que as
mulheres entrassem nos campos da ciência institucional, das universidades e academias, bem como
desenvolvessem novas abordagens e problemáticas. No campo dos estudos da subjetividade, por exemplo, o
volume e a qualidade dessa contribuição ainda não foi devidamente valorizada. De Melanie Klein á Piera
Aulagnier, confirma-se o refinamento e aprofundamento das questões relativas à criança e à sexualidade
feminina.
Também no campo do marxismo ocorre o mesmo fenômeno. Na vanguarda do marxismo, capaz de pensar a
realidade contemporânea sem cair em esquematismos nem em positivismos, destaca-se a contribuição de
Ellen Meiksins Wood. Seus estudos lançam novas luzes sobre o processo histórico do aparecimento do
capitalismo na Inglaterra11 e enfrentam questões de nossa atualidade política. Com respeito ao tema da
globalização da economia, seus pressupostos e consequências a análise de Wood nos ajuda a pensar os
dilemas da esquerda brasileira, dividida entre os que acreditam que a "globalização" constitui um uma nova
era, instaurada a partir dos anos setenta, e seus opositores que estão convencidos de que a lógica
fundamental do capitalismo permanece a mesma. .

Os defensores da globalização como mudança de qualidade apontam a internacionalização do capital –


mercado mundial, a internacionalização da economia e transferência da soberania da nação-estado para as
grandes corporações internacionais – como evidência desta ruptura com relação ao capitalismo anterior.
Para a autora, essa posição define especialmente as correntes ligadas à socialdemocracia, que acreditavam
nas possibilidades de uma "transição pacífica" do capitalismo para o socialismo a partir da ampliação do
Welfare Estate.

Do outro lado alinham-se todos que enxergam na "globalização “a continuidade da lógica capitalista e, mais
do que isso, a lógica do capitalismo que se universaliza e chega à maturidade. Dito de outro modo, as
mudanças ocorridas enquadram-se no processo de desenvolvimento capitalista, de expansão global e

11
Vide o artigo "As origens agrárias do capitalismo", publicado no número 10, de .junho de 2000 da Crítica Marxista.

5
permanente alteração das condições sociais. Não existe pois ruptura mas a continuidade "da lógica
sistêmica que governa desde o começo seus constantes processos de mudança"12.

As consequências políticas destas duas posições são evidentes e podem também ser reconhecidas no Brasil.
Os defensores da nova era globalizada consideram que o triunfo do capitalismo é definitivo e, nesta
medida, tornam-se dóceis instrumentos das políticas neoliberais. Os marxistas apontam para as contradições
da expansão capitalista e suas nefastas consequências sócias, reconhecendo a força de seu poder corrosivo e
a necessidade de superá-lo. Desta maneira, o marxismo continua atual e atuante.

II. A “nova esquerda” e a revolução dos jovens dos anos sessenta.

A grande onda revolucionária dos anos sessenta congregou duas aspirações juvenis: a libertação
pessoal da opressão familiar e a transformação da realidade social. A dimensão romântica dos jovens
e a dimensão utópica de seus projetos já foi apontada em muitos trabalhos e reflexões sobre o tema. O
ponto em comum das revoltas juvenis é a urgência e a radicalidade de seus propósitos. Nesse sentido,
a influência de Ernesto “Che” Guevara foi e continua sendo fortíssima, pois, como todo herói,
morreu por um ideal generoso e, mais do que isso, com um apelo à dimensão afetiva da política
porque hay que endurecerse sin perder la ternura. O rompimento com o comunismo oficial, a
renovação teórica e a busca de novas e mais eficientes formas de atuação política constituem um
legado comum da “Nova Esquerda” que se desenvolveu nos anos sessenta. Flacks et alii(1989), no
Beyond the Barricades, sintetizam bem as principais características de seus participantes:
Como não relembrar que, nos anos 1960, o exemplo da resistência do Vietnã à invasão americana, bem a
derrocada do ditador Fulgência Batista, em Cuba, serviram de bandeira de luta para os jovens de várias
partes do mundo ocidental ? As revoltas estudantis, nos Estados Unidos, na França, na Alemanha e outros
países democráticos colocavam na ordem do dia o duplo desejo revolucionário: sexual e social. Romper
com o moralismo e a hipocrisia e, ao mesmo tempo, revolucionar o mundo. A famosa prédica de Marx a
respeito da necessidade da práxis, da transformação da sociedade na prática e não somente em teoria traduz
bem o estado de espírito de muitos da geração dos anos sessenta.

12
WOOD, Ellen Meiksins "Capitalist change and generational shift". Monthly Review, vol 50, n5, 1998,p.3.

6
Na América do Sul, a repercussão das manifestações estudantis assumiu a dimensão de uma luta política
contra as ditaduras militares, repressivas e moralizadoras. Os tupamaros, no Uruguai e os montoneros na
Argentina atraiam jovens intelectuais, vanguardas sindicais e velhos militantes políticos. No Brasil, os
estudantes universitários e secundaristas aderiram às teses da luta armada como meio de derrubar a
ditadura militar, desiludidos com aquilo que lhe parecia ser o imobilismo da esquerda tradicional..

III. O feminismo brasileiro e a conquista da democracia

A tortura é o método de interrogatório usual das ditaduras e o fato de ser exercida por
psicopatas sádicos não lhe tira o caráter de instrumento para um determinado fim. Ao
contrário: sempre se entrega a tarefa a um especialista com as melhores
qualificações.(…) O sadismo perverso não é visto como doença que inabilite um
sargento, um oficial ou um policial para torturar. Ao contrário, é o credencial para
torná-lo apto a torturar.
É uma condição básica – sina qua non–, tal qual a um classificador de perfumes
se exige olfato apurado.13

O Brasil, a Argentina, o Uruguai e outros países da América Latina foram vítimas de ditaduras militares
sanguinárias nos anos 1960 e 1970. É difícil uma avaliação exata do número de pessoas atingidas no
período das ditaduras militares dado que a repressão político-militar desenvolveu o método de desaparecer
com os corpos. Em termos quantitativos, a ditadura argentina superou os recordes, com cerca de 30 mil
casos de mortos e desaparecidos. O terrorismo imposto pela direita militar argentina e seus inúmeros e
inescrupulosos aliados foi particularmente cruel com as mulheres e crianças. São mais de quinhentas
crianças "desaparecidas", sequestradas pelos torturadores e entregues a famílias desejosas de adotar
crianças, especialmente entre os próprios militares. Quem caminha hoje na capital da Argentina, Buenos
Aires lerá o "Ni olvido,ni perdón" gravados nos muros. Sempre impressiona a visão da Plaza de Mayo,
onde as mães e familiares dos mortos e desaparecidos criaram um dos mas longos, tenazes e importantes

13
Idem,p.265.

7
movimentos de denúncia das atrocidades cometidas, ao caminharem em torno da praça exibindo cartazes
com os nomes e as circunstâncias do desaparecimento de seus filhos e filhas. Elas constituem um exemplo
da capacidade de resistência e de denúncia de um grupos de mulheres unidas pela morte comum e do mais
importante movimento de massas na Argentina. Hoje, as mães exercem uma influência que extrapola as
fronteiras argentinas e continuam extremamente lúcidas

3.a . Engendrando” a democracia

Um das dimensões mais importante do feminismo no Brasil foi ter contribuído para a construção de uma
nova experiência de cidadania, forjada na prática da reivindicação na arena pública. Sem jamais abdicar de
suas “questões específicas” – aborto, direitos da maternidade, igualdade salarial, etc. – o movimento de
mulheres foi o primeiro a levantar a bandeira da anistia política, atuando em conjunção com as demais
forças e movimentos que compunham a oposição à ditadura militar brasileira. Mais do que isso, foi uma das
forças que inovaram o campo das lutas sociais e renovaram as práticas políticas.
O reconhecimento da importância do feminismo no processo de redemocratização brasileiro, levou a
pesquisadora norte-americana Alvarez (1990) a cunhar a expressão “engendering” a democracia no Brasil,
para acentuar a dimensão “gender” no processo de redemocratização do país. Como outros estudiosos do
tema,14 ela observa o impacto que o feminismo e outros movimentos sociais exercem no país, criando
outras esferas de atuação na sociedade civil e novas formas de “fazer política” através de redes de
solidariedade e intercâmbio. Em estudo mais recente, Alvarez (1997) ressalta os benefícios da
interpenetração entre feminismo e movimentos populares dizendo que “the manifold implications of the
feminists with popular women’s organization significantly re/shaped the discourses and practices of both
movements”.

O movimento feminista desde seu início aparece comprometido com a luta pelas “liberdades democráticas” e
inicia, em 1975, a a campanha nacional pela anistia. Durante a Década da Mulher, nos Estados de São Paulo
e Rio de Janeiro, as feministas conseguiram organizar-se em torno de seus problemas específicos, pondo em
contato mulheres de diferentes setores sociais. Dadas as profundas diferenças culturais e sociais dentro da

14
MORAES, GOLDBERG, etc.

8
sociedade brasileira, a qualidade e o alcance do movimento de mulheres variou enormemente, sendo que seu
desenvolvimento mais forte concentrou-se nos principais centros urbanos

As restrições impostas pela diradura militar ao direito de organização política e sindical forçaram a
oposição a limitar seus objetivos a questões locais, como os movimentos contra o custo de vida,os clubes
de mães e asssociações de vizinhos, movimentos por creches e postos de saúde. O contato direto entre
militantes políticos e movimentos populares e sua interpenetração transformaram radicalmente a prática
política no país. Ademais de estimularem a criação das futuras “organizações não–governamentais”que têm,
atualmente, uma presença muito forte na arena política brasileira, uma parcela importante da oposição criou
um novo partido político, o Partido dos Trabalhadores. Fundado oficialmente em 1980, adotou um
avançado programa feminista.

O processo de redemocratização fortaleceu os grupos ativistas dos direitos sociais e políticos e promoveu
algumas vitórias sensíveis com respeito aos direitos da mulher. Campanhas nacionais denunciando a morte
de mulheres por crimes “de honra”; a denúncia do sexismo nos livros escolares e as campanhas contra o
assédio sexual são algumas das conquistas que marcaram o final da Década da Mulher. Por ocasião das
primeiras eleições livres, em 1982, a oposição ganhou o governo do Estado de São Paulo e, pela primeira
vez, foi criado o Conselho da Condição Feminina que teve importante atuação na luta pelos direitos da
mulher. Esses são alguns dos fatos que ajudam a contextualizar a importância do movimento de mulheres
na reconquista da democracia e a especificidade de sua participação que gerou novas formas de militância.

3. b. O feminismo brasileiro

Os movimentos feministas tiveram força política suficiente para impor a década da mulher instituída pela
ONU (1975/85) e de manter a questão da desigualdade como tema na chamada "pauta dos direitos
humanos". O feminismo dos anos 60-70 enfrentou a Igreja Católica e aos conservadores, na Itália e França,
conquistando o direito ao divórcio e ao aborto por plesbicito nacional, com o apoio da esquerda socialista e
comunista. Ao mesmo tempo, o feminismo ganhou visibilidade quando as mulheres passaram a organizar-
se autonomamente, no quadro da nova esquerda, à margem dos partidos tradicionais .

9
No Brasil, a importância do feminismo marxista/socialista refletiu-se na grande recepção que suas teses
tiveram junto aos movimentos sociais. As feministas atuavam nos clubes de mães, nos movimentos de base,
via de regra em parceria com a ala progressista da Igreja católica. Além do trabalho "junto às bases
populares", no jargão político daquele momento, as feministas que militavam em S.Paulo, Rio de Janeiro
e Recife lutavam também pela anistia, pelas liberdades democráticas e pelo fim do regime militar.

As feministas marxistas brasileiras incluiam em sua bibliografia obrigatória autores como Marx, Engels,
Alexandra Kollontai, Simone de Beauvoir e Juliet Mitchell. As preferências literárias das feministas
revelam a preocupação com certas questões centrais para as quais o marxismo fornecia um modelo
explicativo. Urgia enfrentar o discurso conservador que preconizava a conformidade da mulher com seu
destino de mãe e esposa. A defesa da “família” como instituição universal e supra-histórica fazia parte do
ideário patriarcal que era preciso combater. Além do mais, era importante lutar pela emancipação
econômica da mulher, pelo direito ao trabalho e, concomitantmente, contra as desigualdades sofridas em
termos de salários e postos. Igual salário para igual trabalho era a primeira das reivindicações com relação
à esfera econômica. A análise dos editoriais e temas da imprensa feminista, especialmente o jornal paulista
Nós Mulheres (76/79) revela a influência do marxismo – o discurso da opressão específica da mulher, com
sua dupla jornada de trabalho – e a primazia de artigos sobre trabalho e política.

A década dos anos 80 inicia-se com duas importantes vitórias das forças de oposição à ditadura militar: a
anistia política e o retorno ao voto, com as eleições de 82. As sementes plantadas pelas feministas deitaram
raízes, como se observa tanto no tocante às creches quanto nas importantes mudanças da legislação,
especialmente na área da família, que foram incorporadas à Constituição de 1988. Ao mesmo tempo, os
anos 80 também marcam a consolidação da hegemonia dos Estados Unidos e da retórica neoliberal. A
crítica ao projeto do Estado de bem-estar social vem acompanhada de ataques a seus defensores, que são
chamados de "anti-modernizantes".

O solapamento das conquistas históricas dos trabalhadores e o agravamento da crise social constituem o
resultado mais evidente das políticas monetaristas e de privatização do patrimônio público encetadas pelo
neoliberalismo à brasileira de Fernando Henrique Cardoso. O processo de desmonte dos direitos dos
trabalhadores passa pela "flexibilizacão"do trabalho, vale dizer, pelo incremento do número de
trabalhadores sem carteira de trabalho e sem direitos. Pelos dados da Pesquisa nacional de amostra a

10
domicílio, entre 1990 e 1998, a porcentagem de trabalhadores sem carteira, nas regiões metropolitanas,
passou de 42% para 55%, enquanto que os níveis de desemprego cresceram de 5% para 8%. Cerca de 50
milhões de brasileiros (33% da população total) vivem abaixo da linha de pobreza enquanto 1% dos mais
ricos concentra uma parcela da renda superior aos 50% dos mais pobres.

Nesse quadro de desigualdade a situação das mulheres é ainda mais precária. Desta maneira as mulheres,
que constituem atualmente de 40 a 50% da força de trabalho, continuam ganhando menos do que os homens
e segregadas em alguns nichos profissionais, especialmente relacionados ao "cuidar". Estudo recente de
Lena Lavinas revela que, hoje, no país, cerca de 400 mil meninas de 10 a 15 anos trabalham como
domésticas, em condições precárias – baixos salários, dificuldades para continuar os estudos e com poucas
perspectivas para o futuro. Ademais da desvantagens que enfrentam no trabalho as mulheres são também as
grandes responsáveis pela esfera familiar. Entre 20% a 25% das famílias são chefiadas por mulheres sós o
que dá a medida do peso dos encargos domésticos e familiares. Nessas condições, como negar que as
mulheres continuam sofrendo os efeitos combinados da exploração de classe e da discriminação sexual?

IV. TEMAS PARA DISCUSSÃO :

*Qual o programa ? (do feminismo socialista)

O movimento de mulheres organizou-se a partir de um conjunto de reivindicações comuns a todas as


mulheres, tendo com base a opressão específica do gênero feminino. Ele mobiliza as mulheres em função
de uma proposta progressista que é a igualdade de direitos económicos, sociais e políticos. Mas a questão
que se coloca é a seguinte: todas as mulheres caminharão juntas na conquista de sua emancipação? Além
disso, pode o movimento de mulheres, isoladamente, conquistar todas as condições que permitam superar
as determinações económicas e ideológicas de sua opressão? Não existe feminismo consequente sem uma
resposta clara a essas questões.
Existem reivindicações comuns a todas as mulheres, tais como a igualdade de direitos (abrangendo os
direitos trabalhistas – igualdade no acesso ao trabalho, à qualificação profissional, salários, etc; os direitos
civis – igualdade de direitos na família, divisão das tarefas domésticas) e a abolição de leis retrógradas

11
(concernentes por exemplo ao direito ao aborto, entre outras) que podem ser colocadas e atendidas dentro
do sistema capitalista. Trata-se de reivindicações que vão no sentido da conquista de reformas que
indiscutivelmente melhoram a qualidade de vida das mulheres mas que não são suficiente para implicar no
término de sua opressão. A emancipação das mulheres depende, em última instância, de uma revolução
socialista. Assim como o socialismo sem feminismo não emancipa a mulher, o feminismo liberal restringe
ou impossibilita o exercício dos direitos por parte da população pobre, desprovida de um mínimo de
suporte material.

A opressão da mulher precede o capitalismo. O patriarcalismo e a submissão do gênero feminino ao


masculino – assumindo formas diferentes segundo cada sociedade concreta e em cada período histórico –
há muito se instauraram na história da humanidade. As mulheres, mesmo desfrutando de direitos iguais ao
homem, como trabalhadora e cidadã, continuará oprimida enquanto a sociedade não for renovada por uma
profunda transformação cultural, de maneira a suprimir as diversas formas sutis de violência e de
depreciação do feminino. Mas, enquanto vivermos sob a mercantilização das relações sociais, com a
miséria de muitos contrastando com a riqueza de poucos, dificilmente a violência deixará de existir. Sem a
radical transformação da situação social, sem o fim da exploração do trabalho, as conquistas serão
localizadas e sempre sujeitas a retrocessos, como bem observamos nos dias atuais, de perdas de direitos
trabalhistas, de aumento da exploração do trabalho e de redução das políticas sociais. É por isso que o
feminismo socialista , objetivamente interessado em uma série de reformas sociais , luta, ademais, por uma
transformação revolucionária de nossa sociedade, isto é, não abdica do anti-capitalismo.

Entre os diferentes feminismos que a experiência histórica registra existe uma convergência muito grande
com respeito a algumas premissas. A primeira delas parte do reconhecimento de que toda realidade é
síntese de múltiplas determinações., tal como afirma Marx e não perder tempo tentando definir se o que
pesa é a classe social ou o gênero. .As feministas marxistas, como Heleieth Saffiot, Mary Castro, entre
outras, dedicam grande parte de seu esforços teórico nessa linha. “A sociedade não comporta uma única
contradição. Há três fundamentais, que devem ser consideradas: a de gênero, a de raça/etnia e a de classe”,
afirma H.Saffioti. (Quem tem medo dos esquemas patriarcais de pensamento? Crítica Marxista
2000,n.11p.72. No mesmo sentido, completa M.Castro (p.75):
…..citação

12
Em resumo:
O marxismo forneceu um quadro teórico em que as instituições sagradas -tipo família – foram questionadas
e o conflito na relação homem mulher foi denunciado. As origens da família tem um nome que lembra A
origem das espécies de Darwin.
O feminismo marxista enriqueceu-se com a psicanálise e construiu um projeto de transformação radical das
relações sociais de gênero.
O feminismo não nega as diferenças mas quer abolir a assimetria e a desigualdade de gênero.

Assim, acho que existe um consenso acerca dos seguintes pontos:


A questão da mulher não é mais uma abstração ela é a questão das mulheres que questionam a atual ordem
social assim, por definição a questão de gênero diz respeito a um complexa construção em que várias
matrizes identifica tórias estão em jogo: a identidade de classe, a identidade nacional, a identidade de sexo
sendo que todas elas se condicionam mutuamente.?
A questão de gênero concerna a esse universal: os homens dominam o poder político, econômico e social e
A era Bush é a era machista, militarista. A direita sempre foi contra a mulher. Assim a resolução das
grandes contradições que afetam as sociedades atuais implicam na superação do modelo social que
vivemos.Supressão do capitalismo.
Temos de partir da experiência das últimas décadas.
A questão de gênero se coloca claramente : as mulheres entraram maciçamente no mercado de trabalho
capitalista mas em desigualdade de salários. Ainda cerca de 30 por cento, uma estimativa mundial.
Também, segundo as estatísticas continuam minoritárias na esfera da política profissional. No Congresso,
no Brasil e em praticamente o mundo todo : as mulheres representam cifras muito modesta, dos 10 aos
24%. Também s Forças Armada continuam um reduto do poder masculino, bem como as Finanças.
As armas, as riquezas materiais e os órgãos de poder político estão concentradas em mãos masculinas.
É uma grande obviedade da qual não se fala. Essas são provas de que os existem fortes redutos de gênero,

Na esfera da vida privada, familiar, as mulheres predominam. São as maiores responsáveis pelas crianças
pequenas, são as “chefes” (provedoras) da de quase um quarto das famílias, são a maior parte das
empregadas domesticas, das professoras, das enfermeiras.

13
Mas isto não quer dizer que as mulheres não estejam ativas mas atuando em outros nichos. Elas estão mais
nas tarefas de cuidar, regenerar, educar, reproduzir, em uma palavra

ANEXOS:

1. As mulheres e a nova ordem internacional

Que a guerra é antes de mais nada uma questão de gênero basta olhar as imagens das várias guerras sendo
travadas atualmente em toda a parte do mundo. A maior parte das vítimas das guerras contemporâneas,
diferentemente das anteriores, tem na população civil seu principal alvo. As mulheres e as crianças
continuam sendo brutalmente tratadas em várias partes do mundo e, mesmo no mundo ocidental, uma
série de direitos civis e conquistas estão ameaçadas.
Na medida em que o feminismo foi sempre pacifista, atuando através de protestos e manifestações, a cultura
política que se desenvolveu no seu interior refletia uma mesma busca de “uma forma nova de fazer
política”. Os grupos de reflexão, a sempre florescente literatura feminista, em que a dimensão biográfica
sempre foi muito importante.
A defesa intransigente dos direitos humanos e a luta pela paz com justiça social (o exemplo das Mães da
Plaza de Mayo)

Na política, as mulheres inovaram : Não queremos vingança: queremos justiça!

1) >DECLARACION DE LAS MADRES DE PLAZA DE MAYO


>La Asociacion Madres de Plaza de Mayo se dirige al presidente de
Estados>Unidos, al pueblo norteamericano, a los integrantes de la OTAN, las>Naciones Unidas, la OEA; al
Vaticano; al parlamento Europeo, al Knesset >(parlamento Israeli), para que escuchen nuestro grito: ?NO A LA
GUERRA!
?NO A LA MASACRE QUE GENERA LA GUERRA! ?NO A LA VENGANZA! ?NO A UN NUEVO
GENOCIDIO!
>La suerte del mundo no puede quedar en las exclusivas manos del>imperialismo norteamericano. En nombre del
interes y el valor que tiene la>vida para la humanidad, todos debemos decir NO A LA GUERRA.
A la responsabilidad de Estados Unidos en todas las dictaduras de Latinoamerica, durante las cuales se asesino a mas
de 150 mil hombres y >mujeres, no se le respondio con venganza; se pidio y se pide justicia.
> Las >madres de todos los paises latinoamericanos saben que el genocidio fue
la >aplicacion de planes economicos que trajeron a nuestros pueblos hambre,>desocupacion, miseria y muerte.
Estados Unidos y los paises que integran la OTAN tienen el armamento

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massofisticado, armas quimicas y misiles de alcance incalculable. Todos
saben que las consecuencias que el uranio empobrecido de las guerras deja en
el suelo, los pueblos las pagan anos y anos. La prepotencia del presidente
Bush raya en la locura. Un solo hombre no puede ni debe poner a toda la
>humanidad en peligro. Por los ninos, por las madres, por todos: ?NO A
LA GUERRA!
2) > >Buenos Aires, 15 de septiembre de 2001

No dia 11 de setembro de 2001, quando muitos recordavam com tristeza e amargura o golpe de estado que
contra o governo do Salvador Allende, quase 30 anos atrás, aviões suicidas mudaram o rumo da história, ou
melhor, impuseram Menos pelos efeitos materiais de seus atos ( nem as vidas humanas imoladas nem os
prejuízos financeiros sofrido são de ordem a colocar o mínimo risco para o capitalismo internacional. Qual
a força de seu impacto? Mudou o estilo da relação: houve uma disfunção nas regras do jogo. E, ao obrigar
ao povo americano a enfrentar o horror da guerra contra civis indefesos na própria pele, como milhares de
palestinos, iranianos e outros sofrem e, como os chilenos e todos os latino-americanos que lá tinham
encontrado refúgio perderam.

2. O capitalismo ontologicamente masculino ou o machismo intrínseco ao capitalismo


O feminismo, como muitos movimentos políticos de vanguarda, foi sempre objeto do ataque e da
desqualificação por parte de seus opositores. Ridicularizando suas defensoras como um bando de mulheres
mal amadas ou reduzindo seus objetivos à “luta contra os homens”, os poderes dominantes nunca
demonstraram qualquer tolerância com o feminismo.
Em meados dos anos sessenta, as mulheres brasileiras viviam sob uma ditadura militar repressiva e
impiedosa, constituíam menos de 20% da força-de-trabalho remunerada , tinham cerca de 6 filhos morando
em pequenas cidades ou localidades rurais, só saiam da casa paterna para casar, reprimidas sob os
fundamentos conservadores do catolicismo, com sua ideia de pecado, condenação do sexo e casamento
indissolúvel. O divórcio não existia, as mulheres separadas eram estigmatizadas e o grande pavor de
qualquer mulher era cair na boca do povo, pois sua “reputação” poderia por em risco sua carreira ou a
guarda dos filhos. O exame do DNA ainda não tinha sido inventado e poucos assumiam a paternidade dos
filhos não desejados
No limiar do século XXI as brasileiras têm menos filhos, constituem cerca de 40% da força-de-trabalho,
dedicam-se mais à vida profissional e desfrutam de um grau de liberdade impensável nas gerações
anteriores. Superaram a segregação educacional dos colégios de freira para as meninas os colégios de

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padres para os meninos. Apesar da permanência de guetos profissionais as mulheres vêm desalojando os
homens, especialmente com a diversificação produtiva e a criação de novos postos de trabalho que exigem
versatilidade
A Constituição de 1988, em que a participação das feministas foi decisiva, pode se considerada uma das
mais avançadas do mundo no tocante aos direitos das uniões consensuais15, dos filhos e da mulher. Também
no campo dos direitos trabalhistas, com o reconhecimento dos direitos de um profissão em que as mulheres
predominam, que são as empregadas domésticas. Nesse sentido, é inegável uma melhoria na condição das
mulheres.
Muitas das mulheres que ainda hoje se apressam a esconjurar as feministas deveriam parar um pouco e
refletir como seria sua vida atual se não fossem as conquistas obtidas pelos movimentos de mulheres. O
ativo movimento feminista brasileiro de meados dos anos setenta foi uma da forças progressistas de
oposição à ditadura militar e de defesa dos direitos humanos.
É o reconhecimento da importância das transformações ocorridas na situação da mulher e no afã de evitar
que as rodas da história andem em marcha ré que nos leva a colocar o feminismo como questão prioritária.
Nesse sentido, o objetivo do presente dossiê é recuperar as propostas e projetos do movimento feminista
através de um balanço de seus impactos e desdobramentos.

Fui educada ouvindo que guerra não é coisa de mulher. Os brinquedos para meninos eram rigidamente
distinto do das meninas e armas e brinquedos para meninas não deveriam ser agressivos. Como dominantes
na ordem sexual os homens sempre detiveram o poder da violência. E, com isso o poder das sociedades.
Esse é um fato social, como diria Durkheim. Destinadas ao “cuidar”, as mulheres são socializadas para
aman, reparar e, basicamente, desempenhar o papel crucial na preservação da vida. Como mulher, fico
contente com essa função e espero ter o reconhecimento social por e para exerce-la. Acho que o
reconhecimento da importância da infância , com o amplo programa que tal prioridade introduzi, teria um
impacto extraordinário sobre nossa sociedade, pois nos levaria a ver até que ponto a desigualdade social é
um agravante da desigualdade sexual e racial.
O patriarcado, afinal, não se nos depara apenas como mecanismo externo; nós mesmos, homens e mulheres, somos o patriarcado,
e o confronto direto entre os sexos . Atílio Borón comenta que o capitalismo pode resolver a questão da mulher mas não a
questão social. Acho um pensamento simplista pois a questão da mulher está posta como questão da mulher no mundo capitalista
e numa ordem simbólica falocrática. A questão que se coloca cada vez mais é da dimensão patriarcal (de

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A informalidade brasileira do “casar é morar junto” vem da dupla conjunção da inexistência do divórcio (em 1978 o ditador
Geisel, protestante, teve a coragem de enfrentar a Igreja e introduzir o divórcio) e da pobreza para pagar papéis.

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predomino masculino. Como diz Roswhithas Scholz :“O valor é o homem” não o homem como ser
biológico, mas o homem como depositário histórico da objetivação capitalista.

O feminismo, como muitos movimentos políticos de vanguarda, foi sempre objeto do ataque e da
desqualificação por parte de seus opositores. Ridicularizando suas defensoras como um bando de mulheres
mal amadas ou reduzindo seus objetivos à “luta contra os homens”, os poderes dominantes nunca
demonstraram qualquer tolerância com o feminismo.
Em meados dos anos sessenta, as mulheres brasileiras viviam sob uma ditadura militar repressiva e
impiedosa, constituíam menos de 20% da força-de-trabalho remunerada , tinham cerca de 6 filhos morando
em pequenas cidades ou localidades rurais, só saiam da casa paterna para casar, reprimidas sob os
fundamentos conservadores do catolicismo, com sua ideia de pecado, condenação do sexo e casamento
indissolúvel. O divórcio não existia, as mulheres separadas eram estigmatizadas e o grande pavor de
qualquer mulher era cair na boca do povo, pois sua “reputação” poderia por em risco sua carreira ou a
guarda dos filhos. O exame do DNA ainda não tinha sido inventado e poucos assumiam a paternidade dos
filhos não desejados
No limiar do século XXI as brasileiras têm menos filhos, constituem cerca de 40% da força-de-trabalho,
dedicam-se mais à vida profissional e desfrutam de um grau de liberdade impensável nas gerações
anteriores. Superaram a segregação educacional dos colégios de freira para as meninas os colégios de
padres para os meninos. Apesar da permanência de guetos profissionais as mulheres vêm desalojando os
homens, especialmente com a diversificação produtiva e a criação de novos postos de trabalho que exigem
versatilidade
A Constituição de 1988, em que a participação das feministas foi decisiva, pode se considerada uma das
mais avançadas do mundo no tocante aos direitos das uniões consensuais16, dos filhos e da mulher. Também
no campo dos direitos trabalhistas, com o reconhecimento dos direitos de um profissão em que as mulheres
predominam, que são as empregadas domésticas. Nesse sentido, é inegável uma melhoria na condição das
mulheres.
Muitas das mulheres que ainda hoje se apressam a esconjurar as feministas deveriam parar um pouco e
refletir como seria sua vida atual se não fossem as conquistas obtidas pelos movimentos de mulheres. O

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A informalidade brasileira do “casar é morar junto” vem da dupla conjunção da inexistência do divórcio (em 1978 o ditador
Geisel, protestante, teve a coragem de enfrentar a Igreja e introduzir o divórcio) e da pobreza para pagar papéis.

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ativo movimento feminista brasileiro de meados dos anos setenta foi uma da forças progressistas de
oposição à ditadura militar e de defesa dos direitos humanos.
É o reconhecimento da importância das transformações ocorridas na situação da mulher e no afã de evitar
que as rodas da história andem em marcha ré que nos leva a colocar o feminismo como questão prioritária.
Nesse sentido, o objetivo do presente dossiê é recuperar as propostas e projetos do movimento feminista
através de um balanço de seus impactos e desdobramentos.

QUAL NOSSOS PROJETO (Socialismo democrático)


A questão está na prática e no sucesso das políticas sociais. Vide o exemplo da França.
Distinguir o grande legado teórico dos clássicos do socialismo – tanto nas suas correntes “utópicas” quanto
de suas correntes “científicas” (derivadas de Marx e Engels) da análise das sociedades produzidas pelas
revoluções de 1917 na Rússia, de 1949 na China e de 1959 em Cuba.
Reconhecer a importância dessas 2 dimensões no debate proposto.
Como pensar o socialismo hoje à luz do marxismo e da concepção da sociedade como fruto da lutas de
classes? Esse é o enfoque?
Partimos do predomínio do capitalismo de sua extraordinária força revolucionária e da hegemonia norte-
americana. E aí se coloca o primeiro divisor de águas: qual a nossa análise da situação internacional? De
que lado estamos? Nossa análise política vai ser estar de acordo com o pensamento de george bush de que
os eua encarnam o bem supremo e quem não estiver a favor é inimigo?
As mulheres socialistas têm de estar decididamente do lado da paz que é inseparável da justiça.
Diferentemente das grandes guerras em que oitenta por cento dos mortos eram homens no dias atuais as
grandes vítimas.
Assim, a questão política do momento é o esforço pela paz e pela mediação dos organismos internacionais.
(A esquerda democrática tem de assumir uma inequívoca posição contra a violência armada que atinge
especialmente a população civil. Não pode apoiar atos terroristas ˜transformem as populações civis ( por
isso não pode apoiar os pittbuls do sionismo que vitimam especialmente os palestinos

O PT e o feminismo
• Com respeito ao feminismo das feministas do PT :

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.Existe uma dupla presença das feministas do PT : elas atuam quer individualmente (através das ongs que
criaram, por ex.) ou como representantes do seu partido. 1) O PT , indiscutivelmente, é o partido político
que maior espaço reservou às mulheres e ao feminismo. É o partido em que mulheres de esquerda ganharam
espaço quer seja na imagem mais popular e voltada aos direitos dos pobres, como foi o caso de Luiza
Erundina, quer na imagem de Marta Suplicy, uma feminista dos direitos civis, com um programa mais
“moderno” sem, por outro lado defender o socialismo. Assim, pode-se dizer que ainda não apareceu uma
candidata com a dupla dimensão anticapitalismo com feminismo. As feministas do PT pertencem às
diferentes correntes que atuam no partido e, nessa medida, também conseguem atuar mais facilmente nos
espaços profissionais e políticos que conformam o movimento de mulheres.

Com respeito ao feminismo do PT


A participação das mulheres na estrutura interna é um elemento importante de avaliação e a proposição e
execução daquele conjunto de medidas através das políticas sociais de gênero. Na medida em que a
cidadania é uma prática social é função do poder publico a execução de políticas sociais que afetem a
desigualdade social resulta primordialmente da desigualdade na distribuição de rendas.
Aplicação de políticas sociais de gênero (Coordenadorias das Mulheres, programas de reproduz=cão , via
de regra, programas que amparem as crianças (creches, parques infantis, centros culturais, espaços públicos,
etc.
A porcentagem de mulheres filiadas é bastante elevada, em termos dos outros partidos, variando de 38,8%
em S.Paulo até 44,8% em Pernambuco ( há que ponderar a importância relativa do partido em cada um dos
Estados). A desigualdade dentro do poder partidário fazia com que , no mesmo ano, apenas 5 mulheres
(6%) pertencessem ao Diretório Nacional dos Partidos dos Trabalhadores. Para sanar tais diferenças foi
instituído o sistema de cotas mínimas que, cumprindo seu objetivo, elevou a dita participação das mulheres
nos órgãos de poder do PT para cerca de 30%.
( Qual o impacto em termos de programa e percepção dos problemas que tal aumento implicou? )
De qualquer maneira, acho positiva a iniciativa pois implicou num maior convívio entre homens e
mulheres)
• Com respeito ao feminismo das feministas do PT :

Questões para a mesa:


CLARA CHARFF:

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*Balanço das experiências socialistas:

No projeto e nas primeiras tentativas de reformas revolucionárias houve uma enorme melhora na situação
das mulheres em todas as revoluções socialistas do século 20 : a russa de 17, a chinesa de 49 e a cubana de
59.
É interessante ressaltar que o rompimento na União Soviética foi especialmente sustentado pelos jovens que
não tinham os termos de comparação dos mais velhos e ansiavam por viver em uma sociedade mais aberta.
A degeneração soviética atrasou tragicamente a condição feminina, transformando a prostituição de luxo
em expectativa de vida de muitas mulheres.
Na China de hoje predomina um sistema de economia mista sob tutela do Estado que, por sua vez, depende
de militantes do Partido Comunista. Como em todos os lugares em que existe um partido único as
divergências políticas surgem na forma de grupos dentro do próprio partido. Assim, as mudanças são mais
lentas e muitas vezes imperceptíveis mas é evidente a ruptura entre o modelo da “revolução cultural” ( o
fundamentalismo político) e o modelo de bem estar social que impera hoje na China. Assim, a condição da
mulher na China mudou radicalmente com o advento da revolução chinesa e permanece melhorando com a
maior liberdade civil que vem sendo conquista pelo povo chinês

Tatu Godinho : Qual o balanço que faz da política de cotas e quais os limites? (As feministas estão
num sistema de “apartheid”).

Vera Soares : acho seu balanço otimista demais e sem distinguir movimento de mulheres, feminismo e
feminismo socialista. Não é a mesma coisa. Vejo uma despolitização muito grande do feminismo (a
institucionalização implicou em problemas : hoje, a sexualidade reduziu-se aos direitos reprodutivos
e das uniões civis. Enquanto isso, a violência de gênero e familiar não param de aumentar.

b) O sectarismo e o autoritarismo do PT são seus piores inimigos . A radicalidade do programa, ao


contrário, corresponde

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O PT não se diferencia na mídia dos partidos tradicionais. Cada vez querendo ficar mais em cima do muro,
o partido não propõem temas alternativos de discussão, não assume nenhuma proposta de vanguarda nas
área cultural ou artística, ficando cada vez mais parecido com um PSDB de esquerda. A importância
assumida pelos economistas na formulação dos destinos do país é a maior prova do economicismo
apoliticista. O PT não inverteu sequer o tema da violência : mostrando que a violência doméstica é um dos
maiores problemas , por exemplo. O PT não consegue mostrar porque não conhece bem seu eleitor: esse é
almeja o Estado de bem estar .
• As mulheres são as que mais participam do movimento popular e são com elas que o PT tem de
dialogar.

As experiências positivas em termos de políticas sociais : renda mínima, violência contra mulher,
prefeituras padrões de excelência.

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--------- Psycoanalysis and Feminism..Allen Lane and Pantheon Books,1974.
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