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07/30-01/27

Rev. bras. alerg. imunopatol.


Copyright © 2007 by ASBAI
ARTIGO ORIGINAL

Acurácia da espirometria na classificação da gravidade


da asma em crianças e adolescentes
Accuracy of pulmonary function test in pediatric
and adolescent asthma classification
Mariana Malucelli1, Nelson A Rosário2, Carlos5 A Riedi3
Loreni Kovalhuk , João A de Barros
4

Resumo Abstract
Objetivo: Este estudo teve como objetivo verificar a rela- Objective: The aim of this study was to verify the relation-
ção entre gravidade da asma e valores de espirometria em ship between asthma clinical severity and pulmonary function
crianças e adolescentes asmáticos. testing (PFT) in asthmatic children and adolescents.
Método : Foi realizado estudo retrospectivo com pacientes Method: Asthmatic children and adolescents were submit-
asmáticos submetidos a espirometria, em aparelho Collins GS ted to PFT, using Collins GS 4G PFT System, according to Pul-
4G PFT, de acordo com os critérios estabelecidos pelas Diretri- monary Function Guidelines (2002). Physical examination and
zes para Teste de Função Pulmonar (2002). A partir de dados a detailed medical history were performed in order to determi-
de anamnese e exame físico foi determinada a classificação clí- ne their asthma severity category (GINA 1995). Data were
nica da asma (GINA 1995). Os dados foram analisados por analyzed by means of parametric and non-parametric ANOVA
meio de teste ANOVA paramétrico e não paramétrico. tests.
Resultados: Um total de 234 pacientes foi incluído no estu- Results: A total of 234 patients (142 males) were enrolled,
do, com mediana de idade de 10,3 anos (5 a 18 anos), 142 pa- and their mean age was 10.3 years (5-18 years). Mild persis-
cientes (60%) eram do sexo masculino. A asma foi classificada tent asthma was observed in 114 (48,7%) subjects, mean pre-
como de leve intensidade em 114 pacientes (48,7%), com mé- dicted FEV1 110,2 ± 20,6%; moderate asthma in 101
dia de VEF1 de 110,2±20,6% do previsto. Asma moderada (43,1%), mean FEV1 103,6 ± 23,7%; and severe asthma in 19
persistente foi encontrada em 101 (43,1%) pacientes, com (8,1%), mean FEV1 88,4 ± 24,1%. Asthma severity was not
VEF1 médio de 103,6±23,7% do previsto. Asma grave foi ob- related to airway obstruction. We found a significant associa-
servada em 19 (8,1%) pacientes, e nestes a média de VEF1 tion between asthma severity (moderate and severe) and im-
previsto era 88,4±24,1%. Houve tendência não significativa à provement in FEV1 after administration of a short-acting bron-
associação entre grau de obstrução das vias aéreas (VEF1) e chodilator (r=-0,41).
gravidade da asma. Houve associação significativa entre a gra- Conclusions: In this group, baseline FEV1 was not associa-
vidade da asma (moderada ou grave) e resposta broncodilata- ted with severity of asthma, but response to short-acting beta2
dora após administração de beta-2 agonista por via inalatória agonist was present in moderate and severe cases. Post-bron-
(r=-0,41). chodilator response might be a marker of asthma severity.
Conclusão : Neste grupo de pacientes, os valores de VEF1
basal não estavam associados à gravidade da asma, porém
houve associação com a resposta broncodilatadora nas formas
moderada e grave. A resposta broncodilatadora pode ser um
indicador da gravidade da asma.
Rev. bras. alerg. imunopatol. 2007; 30(1):27-31 espirome- Rev. bras. alerg. imunopatol. 2007; 30(1):27-31 spirome-
tria, asma, criança, adolescente. try, asthma, children, adolescence.

1. Pós-Graduanda em Saúde da Criança e do Adolescente, Uni- avaliados, com orientação das metas de controle e indivi-
2.
versidade Federal do Paraná (FPR).
Professor Doutor, Titular de Pediatria, UFPR.
dualização do tratamento . A classificação da asma é fun-
1

3. Médico do Serviço de Alergia, Imunologia e Pneumologia Pe- damental para que sejam realizados o tratamento e acom-
diátrica, UFPR. panhamento adequados, e tem sido periodicamente revisa-
4. Especialista em Alergia e Mestre em Pediatria pela UFPR da . A graduação da asma em intermitente, persistente
1,2

5. Professor Adjunto, Departamento de Clínica Médica, UFPR. leve, persistente moderada ou persistente grave está base-
Serviço de Alergia, Imunologia e Pneumologia do Departamento de ada em critérios clínicos (freqüência de sintomas durante o
Pediatria do Hospital de Clínicas da UFPR, Curitiba, PR, Brasil. dia, freqüência de sintomas noturnos e limitação de ativi-
Artigo submetido em 04.01.2007, aceito em 16.02.2007.
dade física) e critérios espirométricos .
1,3,4

Os melhores parâmetros espirométricos para verificar


distúrbios ventilatórios obstrutivos são VEF1 (volume expi-
Introdução ratório forçado no primeiro segundo de uma expiração com
As diretrizes para o diagnóstico e manejo da asma intro- esforço máximo), CVF (capacidade vital forçada) e a rela-
duziram o conceito de classificar a gravidade da asma para ção VEF1/CVF, ou Índice de Tiffeneau. A medida de VEF1
escalonar o tratamento farmacológico. Pacientes com do- pré-broncodilatador tem sido utilizada como marcador da
enças crônicas como a asma devem ser periodicamente gravidade da asma em diversos estudos clínicos, principal-

27
28 Rev. bras. alerg. imunopatol. – Vol. 30, Nº 1, 2007 Acurácia da espirometria na asma

mente devido à sua objetividade e reprodutibilidade, po- as Diretrizes para Teste de Função Pulmonar segundo a
dendo inclusive estar associado ao risco de futuras exacer- American Thoracic Society (ATS). Os exames espirométri-
bações de crises agudas de asma . Deve-se analisar tam-
5
cos foram efetuados utilizando-se o espirômetro selado em
bém a resposta após administração de broncodilatador água Collins Survey Plus®, com calibração verificada dia-
(salbutamol 400mcg) inalado para caracterizar a reversibi- riamente .
14

lidade do processo obstrutivo das vias aéreas na asma . 6


Os valores espirométricos avaliados foram CVF, VEF1,
Muitas vezes os sintomas de asma são subestimados expressos em percentual do valor previsto, de acordo com
pelos pacientes ou por seus responsáveis, o que pode re- os valores de referência de Polgar e Promadaht , a relação
15

sultar em tratamento inadequado da doença, se levados VEF1/CVF foi calculada a partir dos valores obtidos de cada
em conta apenas os aspectos clínicos . Nesses casos, a es-
7
paciente. A resposta broncodilatadora foi demonstrada por
pirometria é um importante recurso para se estabelecer o variações de VEF1 após administração de 400 mcg de sal-
diagnóstico, avaliar a gravidade e dar início ao tratamento butamol em aerossol com espaçador valvulado. A resposta
indicado . 8
broncodilatadora foi considerada positiva quando, a partir
Os valores espirométricos nem sempre estão associados de uma espirometria normal, houve aumento de 10% ou
à classificação clínica da asma em crianças . As medidas de
9
mais de VEF1 em relação ao valor basal após inalação de
função pulmonar, sintomas e qualidade de vida podem se broncodilatador; na presença de distúrbio ventilatório obs-
correlacionar pouco entre si, pois os valores de função pul- trutivo, a prova broncodilatadora foi considerada positiva,
monar representam informação independente e pontual no quando houve variação absoluta de VEF1 de 200 mL ou
tempo . Contudo, a medida da função pulmonar na infân-
10
mais e incremento superior a 7% de VEF1, em relação ao
cia pode auxiliar no diagnóstico precoce de doença obstru- valor previsto, após a inalação do broncodilatador . 6

tiva das vias aéreas . 11,12


Os testes cutâneos alérgicos por puntura foram realiza-
O acompanhamento com avaliação seriada da função dos utilizando-se extratos glicerinados da IPI-ASAC Brasil,
pulmonar é um recurso objetivo para a avaliação da res- de ácaros domésticos (Dermatophagoides pteronyssinus,
posta ao tratamento e a progressão da doença. Ao se optar Dermatophagoides farinae ou Blomia tropicalis) e a puntu-
por não realizar um teste de função pulmonar, pode-se es- ra com agulhas descartáveis BD 13,0x4,5.
tar deixando de fazer diagnóstico de obstrução de vias aé- Na análise estatística foram utilizados os testes estatísti-
reas .
13
cos ANOVA, ANOVA de Kruskal-Wallis, Teste t de student,
Este estudo teve por objetivo avaliar a relação entre Qui-quadrado e Tukey.
classificação clínica de gravidade da asma e valores espiro-
métricos em crianças e adolescentes. Resultados
Dos 234 pacientes que preencheram os critérios de in-
Métodos clusão, 142 (60,6%) eram do sexo masculino. Os sintomas
Foi realizado estudo transversal retrospectivo de crian- de asma iniciaram entre 1 mês a 14 anos de idade (media-
ças e adolescentes com asma em acompanhamento ambu- na 2,6 anos). Na primeira consulta no serviço de Alergia
latorial no serviço de Alergia Pediátrica do Hospital de Clíni- Pediátrica da UFPR, os pacientes apresentavam idade de
cas da UFPR, em Curitiba, no período de 1994 a 2004. 2,8 a 16,2 anos (mediana 9,1 anos). Do total de pacientes,
Foram incluídos no estudo pacientes em acompanha- 222 (94%) tinham teste cutâneo positivo para pelo menos
mento regular no ambulatório, com consultas trimestrais e uma das espécies de ácaros domésticos (Dermatophagoi-
cujo critério clínico de classificação da asma obedecia o I des pteronyssinus, Dermatophagoides farinae ou Blomia
Consenso Brasileiro no Manejo da Asma . Para classificação
1
tropicalis). A média de intervalo entre a primeira consulta
da asma no momento da consulta médica, foram levados no Serviço e a realização da espirometria foi de 13,3 me-
em conta critérios clínicos que o paciente apresentava na- ses.
quele momento, independentemente dos valores obtidos Na ocasião da espirometria, os pacientes tinham de 5 a
em teste de função pulmonar. Foram incluídos os pacientes 18 anos de idade (mediana 10,3 anos). Sessenta pacientes
que haviam realizado uma ou mais espirometrias naquele (25,6%) encontravam-se assintomáticos no momento da
período. espirometria, e 177 (75,6%) faziam uso de corticosteróide
Os pacientes com idade abaixo de cinco anos foram ex- inalado na ocasião. Quanto à classificação clínica da asma,
cluídos, bem como aqueles que não obtiveram critérios 114 (48,7%) pacientes apresentavam asma intermitente
aceitáveis para as curvas espirométricas . 5,14
ou persistente leve, 101 (43,1%) persistente moderada e
Os dados de anamnese e exame físico foram registrados 19 (8,1%) persistente grave (tabela 1). Como se trata de
em prontuário de avaliação clínica do serviço, em consultas ambulatório terciário, havia somente onze pacientes com
ambulatoriais trimestrais. asma leve intermitente, o que não permitia análise estatís-
Todas as espirometrias foram feitas no Laboratório de tica adequada, portanto foram incluídos no grupo de asma
Função Pulmonar de Hospital de Clínicas da UFPR, seguindo leve.

Tabela 1 - Número de pacientes e valores de Volume expiratório forçado em um segundo (VEF1) em percentual do previsto (média ± DP) e do
Índice de Tiffeneau (VEF1/CVF) de acordo com a classificação da gravidade da asma.
Classificação n (%) VEF1% VEF1/CVF

Intermitente / Leve 114 (48,7) 110,2 ± 20,6 91,9 ± 9,6


Persistente
Moderada Persistente 101 43,1 103,6 ± 23,7 87,7 ± 11,3
Grave Persistente 19 (8,1) 88,4 ± 24,1 89,3 ± 10,8

A média dos valores percentuais de VEF1 basal dos pa- 80% e >80% do previsto), observou-se maior ocorrência
cientes com asma intermitente ou persistente leve foi de valores abaixo de 80% do previsto nos pacientes com
110,2%, asma persistente moderada 103,6% e asma per- asma persistente grave (gráfico 1). Houve uma tendência,
sistente grave 88,4% (tabela 1). Ao se estratificar os valo- embora não significativa, de associação entre o grau de
res percentuais de VEF1 basal em três faixas (<60%, 60- obstrução das vias aéreas (VEF1) e gravidade da asma.
Acurácia da espirometria na asma Rev. bras. alerg. imunopatol. – Vol. 30, Nº 1, 2007 29

Gráfico 1 -Distribuição dos casos pela gravidade em relação ao tente ou persistente leve (p>0,005). Ao se comparar a du-
VEF1% basal. ração da doença com os valores percentuais de VEF1 basal,
no grupo com até dois anos de doença, o valor médio de
VEF1 percentual basal foi de 118%, enquanto que naqueles
com mais de oito anos de doença o VEF1 foi de 99%.

Gráfico 3 - Freqüência de resposta broncodilatadora (RBD) e


%
classificação clínica da asma.
1
100

1
80

1
60 VEF1<60%

VEF1 60-80%
0
40 VEF1>80%
80

0
20

%RBD
70

60
p = 0,0017
0
0
50
Leve Moderada Grave
40 RBD ausente
n=114 n=101 n=19
RBD presente
30

20

Os valores obtidos de VEF1/CVF foram menores nos pa- 10

cientes com asma persistente moderada e persistente gra- 0

ve, em relação aos pacientes com asma intermitente ou Leve Moderada Grave

persistente leve (p<0,005) (tabela 1). Ao se estratificar os n=114 n=101 n=19


valores do índice de Tiffeneau em três faixas (abaixo de
60%, entre 60 e 80%, e acima de 80%), houve maior fre-
qüência de valores acima de 80% em pacientes com asma
intermitente ou persistente leve (gráfico 2). Discussão
Os valores de VEF1% previsto obtidos na infância po-
Distribuição dos casos pela classificação clínica da as- dem indicar como será a função pulmonar na idade adul-
Gráfico 2 -
ma em relação ao VEF1/CVF basal (Índice de Tiffeneau) ta . No grupo de asmáticos graves, apesar de terem apre-
16

sentado valores menores de VEF1, ainda mantiveram a


média acima de 80% do predito, o que é considerado satis-
fatório. Outros estudos já demonstraram baixa relação en-
tre sintomas de asma e VEF1 em crianças, apesar do valor
de VEF1% previsto ser de grande utilidade para prever fu-
turas exacerbações . Bacharier et al avaliaram um gru-
7,17,18

po de 219 crianças asmáticas, com faixa etária similar a


% este estudo, porém com maior percentual de asma leve.
100 Não foi encontrada relação entre valores de VEF1 e gravi-
dade da asma . Achados similares ocorreram no estudo de
1
2

801 Verini et al que avaliaram 100 crianças com asma leve e


moderada . Segundo relato de Nakaie et al houve baixa
19

601 VEF1/CVF<60%
relação entre classificação clínica da asma e valores obti-
400
VEF1/CVF 60-80%
dos de VEF1 em um grupo de 59 crianças e adolescentes
brasileiros asmáticos . Medidas isoladas de VEF1 têm pou-
VEF1/CVF>80%
20

200
co valor para determinar a gravidade da asma, especial-
00 mente em pacientes recebendo medicação de controle, ao
Leve Moderada Grave
p< 0,05
passo que o Índice de Tiffeneau é útil se avaliado repetida-
n=114 n=101 n=19 mente ao longo do tratamento . 21

Em relação ao índice de Tiffeneau (VEF1/CVF), obser-


vou-se que quanto mais grave a asma, menores eram os
valores de VEF1/CVF. De acordo com as diretrizes para
A freqüência de resposta broncodilatadora positiva foi teste de função pulmonar, o VEF1/CVF deve estar acima de
maior nos casos de asma persistente grave (p<0,005), 90% para ser considerado normal no grupo pediátrico . Os 6

73,7% dos pacientes apresentaram resposta broncodilata- pacientes com asma persistente moderada e grave tiveram
dora positiva (r=-0,41). Nos casos de asma intermitente médias de VEF1/CVF abaixo de 90%, o que demonstra ha-
ou persistente leve houve 40,4% de resposta broncodilata- ver nesses grupos um grau leve de obstrução das vias aé-
dora positiva, e 54,5% dos casos de asma persistente mo- reas. Poucos estudos avaliaram relação ente classificação
derada (gráfico 3). de asma e índice de Tiffeneau. Bacharier et al encontraram
Para avaliar a relação entre a duração dos sintomas da índices reduzidos de VEF1/CVF nos três grupos de asmáti-
asma e sua classificação clínica, o tempo de doença foi es- cos, com média de 81,9% para os asmáticos leves , en- 2

tratificado em faixas com intervalos de dois anos. No grupo quanto no presente estudo encontrou-se média de índice
de pacientes com até dois anos de duração da doença de Tiffeneau de 91,9% no grupo com asma persistente
(n=16) não houve nenhum caso de asma persistente grave grave. Ao estudar a gravidade da asma em 2728 crianças,
e 56% tinham asma intermitente ou persistente leve. No Paull et al concluíram que o índice de Tiffeneau mostrou
grupo com seis a oito anos de evolução da asma (n=54), maior acurácia para classificação da gravidade da asma,
11% tinham asma persistente grave e 35% asma intermi- quando comparado a valores de VEF1, naquele grupo . 22
30 Rev. bras. alerg. imunopatol. – Vol. 30, Nº 1, 2007 Acurácia da espirometria na asma

Embora a resposta broncodilatadora não esteja prevista Uma das possíveis razões para crianças asmáticas, mes-
como um parâmetro para classificação da asma, houve mo aquelas com doença grave, apresentarem valores nor-
maior freqüência de resposta positiva em pacientes asmá- mais de espirometria, é o fato de que a asma é uma doen-
ticos graves (p<0,005). Nos asmáticos graves, mais de ça lentamente progressiva, já que nos adultos asmáticos é
70% dos pacientes apresentaram resposta positiva bem claro o declínio progressivo de VEF1 . Paul et al atri-
32

(p<0,005), o que faz da prova broncodilatadora um bom buem as diferenças no comprometimento da função pulmo-
parâmetro para classificação clínica da asma neste estudo. nar, nos grupos de crianças e adultos asmáticos, aos níveis
Verini et al encontraram maior prevalência de resposta das vias aéreas afetadas e ao grau de seu comprometi-
broncodilatadora positiva em pacientes com asma modera- mento nos dois grupos. As crianças têm maior comprome-
da quando comparados a pacientes com asma leve. Os au- timento de pequenas vias aéreas, ao passo que no adulto
tores sugerem que a resposta broncodilatadora após salbu- as vias aéreas intermediárias e de grosso calibre estão
tamol inalatório correlaciona-se melhor à classificação clíni- mais afetadas . Valores de VEF1 significativamente reduzi-
22

ca da asma do que os valores de VEF1 e VEF1/CVF . A 19


dos na infância são a exceção, e não a regra, e podem
resposta broncodilatadora permite a previsão da função identificar crianças com risco aumentado de desenvolver
pulmonar futura de crianças asmáticas . Além disso, asso-
23
doença obstrutiva irreversível ao longo do tempo . 33

ciada a critérios clínicos, contribui para confirmar o diag- Neste estudo, a presença de resposta broncodilatadora
nóstico de asma, porém não há estudos de sensibilidade e mostrou ser um bom parâmetro para a classificação clínica
especificidade da prova broncodilatadora em crianças . 24
da asma. Observaram-se valores normais de VEF1 e VEF1/
Em relação à duração da doença, não se observou asso- CVF, mesmo naqueles portadores de asma persistente mo-
ciação significativa entre tempo de doença e classificação derada ou grave. O fenômeno de redução da função pul-
clínica da asma ou entre tempo de doença e valores de monar ao longo do tempo, demonstrando presença de do-
VEF1 percentual basal. Em caso clínico apresentado por ença obstrutiva, parece acometer uma parte das crianças
Covar et al houve queda progressiva de VEF1 percentual asmáticas estudadas.
predito ao longo de cinco anos de evolução de asma grave Johannessen et al ao determinar novos valores de refe-
em uma adolescente de 13 anos de idade, apesar do trata- rência em provas de função pulmonar após uso de bronco-
mento adequado. Os autores afirmam que a progressão da dilatadores em 2235 pacientes, demonstrou que ocorre
asma e perda da função pulmonar ocorrem, em alguns pa- queda da resposta broncodilatadora ao longo do tempo. Os
cientes, independentemente do uso de altas doses de corti- autores enfatizam a importância de se revisar periodica-
costeróide inalado, o que sugere haver outros fatores e mente os valores utilizados como referência em espirome-
mecanismos envolvidos neste fenômeno . No estudo 25
tria, que devem ser adequados à população estudada, bem
START (Inhaled Steroid Treatment as Regular Therapy in como à faixa etária .
34

Early Asthma) foram acompanhadas crianças com asma O fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da CVF
leve em uso de corticóide inalatório, por três anos, e tam- (FEF25-75%) é parâmetro sensível para avaliação da gra-
bém houve queda dos valores percentuais preditos de vidade da doença e obstrução das vias aéreas periféricas.
VEF1 ao longo do tempo em todas as faixas etárias . No 26
As alterações de FEF25-75% podem ocorrer precocemente
estudo CAMP, que incluiu tratamento e controle de um na asma .35

grande grupo de crianças asmáticas, foi avaliada função Estudos recentes mostram a importância de outros exa-
pulmonar. A maioria dos pacientes com perda progressiva mes complementares no diagnóstico de asma, além da es-
de função pulmonar não apresentavam evidência clínica de pirometria, tais como medida de óxido nítrico exalado e
doença grave, durante o período de quatro anos. Os auto- contagem de eosinófilos no escarro, que ainda não estão
res sugerem que não há associação absoluta entre sinto- disponíveis rotineiramente em nosso meio, mas já são bas-
mas de asma e função pulmonar ao longo do tempo . 27,28
tante utilizados em estudos clínicos .36

Bumbacea et al compararam um grupo com obstrução crô- A espirometria permanece sendo um exame comple-
nica ao fluxo aéreo a um grupo com função pulmonar nor- mentar acessível e que deve ser realizado sempre que pos-
mal, e o grupo com VEF1 baixo tinha doença de mais longa sível, para monitorização da doença e de seu tratamento
duração . 29
em crianças e adolescentes.
Stout et al avaliaram dois coortes (n=540) de crianças
asmáticas de oito a onze anos de idade e observaram que Referências
cerca de 32% dos pacientes teriam sua doença reclassifica-
da para uma categoria mais grave se fossem levados em 1. Naspitz CK, Holanda MA, Solé D. I Consenso Brasileiro no Ma-
conta os valores de função pulmonar (VEF1 e pico de fluxo nejo da Asma, 1ª ed, São Paulo, 1994.
expiratório) além dos parâmetros clínicos, porém os auto- 2. Bacharier LB, Strunk RC, Mauger D, White D, Lemanske Jr RF,
res avaliaram apenas crianças asmáticas instáveis clinica- Sorkness CA. Classifying asthma severity in children: mis-
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menor no grupo de 48 pacientes instáveis clinicamente, em 347-355.
média 77,9%. Neste grupo, 48% das crianças obtiveram 6. Diretrizes para teste de função pulmonar. J Pneumol 2002;28
resposta broncodilatadora positiva, com aumento de (Supl 3):S1-S238.
17,3% do VEF1, contra 10% do grupo de crianças estáveis, 7. Teeter JG, Bleecker ER. Relationship between airway obstruc-
as quais apresentaram 5,7% de variação do VEF1 pós tion and respiratory symptoms in adult asthmatics. Chest
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trica .
31
Acurácia da espirometria na asma Rev. bras. alerg. imunopatol. – Vol. 30, Nº 1, 2007 31

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