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Letícia Batista Da Silva: Porto Alegre 2011
Letícia Batista Da Silva: Porto Alegre 2011
PORTO ALEGRE
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
ÁREA: ESTUDOS DE LITERATURA
ESPECIALIDADE: LITERATURA BRASILEIRA
PORTO ALEGRE
2011
Para os três maiores incentivadores
(e melhores ouvintes de “maracatu”)
do (meu) mundo:
Mãe, Leonardo e Will.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador por ter aceito o convite para, mais uma vez, trabalhar
comigo. Obrigada, professor, pelo bom humor e por toda a paciência e generosidade
intelectual que me dispensaste.
À querida amiga Maria Cristina Ferreira dos Santos pela leitura e comentários acerca
do trabalho, e pela companhia amável, inteligente e divertidíssima durante todo o percurso do
mestrado.
Agradeço à minha família por me fazer sentir amada e por sempre apoiar todas as
minhas escolhas. Obrigada pelo carinho, aconchego, calor, compreensão às minhas ausências
e palpites.
Palavras-chave: Chico Science & Nação Zumbi, Nação Zumbi, Manguebeat, Vanguarda,
Canção Popular.
ABSTRACT
The research presented here is focused in the cultural movement known as Movimento
Mangue or Manguebeat, which appeared in the Brazilian city of Recife in the 1990’s. More
specifically, the works of the two most important in the movement bands is studied: Chico
Science & Nação Zumbi and Nação Zumbi. Through its description and study, it is wished to
verify if it is possible to characterize Manguebeat as an Avant-garde movement. In order to
achieve that objective, we will analyze the studies of Guillermo de Torre, Peter Bürger,
Gonzalo Aguilar, Antonio Candido, Ferreira Gullar, and other critics, searching for a
definition to the concept of Avant-garde. Afterwards, we will trace in which ways the
concepts raised will guide the analysis of the thesis. Hereafter, a possible existence of two
sides inside Manguebeat will be verified: one represented by Chico Science & Nação Zumbi
and Nação Zumbi and their concept of Mangue; and another one that groups the other artists
that took part in the movement. By making this distinction, it will be possible to understand
the differences between the work of the two first bands cited and that of the other artists that
also joined the movement. It is observed observed that Chico Science & Nação Zumbi and
Nação Zumbi concentrate in their songs an Avant-garde ideal quite relevant, especially in
what concerns the rejection of what is particular, following the notion of Guillermo de Torre.
A corpus will then be organized, formed by songs of these two bands, in order to verify which
Avant-garde characteristics found in the studies of the theme would be present in their works.
It is also our intention to show some aspects and more relevant works among those that are
part of the second group of artists: those who took part in the movement, but only sharing
with the first two the notion of creative freedom, and not the whole concept of Mangue. It is
intended then to determine whether both the works of Chico Science & Nação Zumbi and
Nação Zumbi and Manguebeat as a whole can be considered Avant-garde, thanks to, among
other aspects, the break they bring to their cultural context.
Keywords: Chico Science & Nação Zumbi, Nação Zumbi, Manguebeat, Avant-garde
movement.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 9
1 SOBRE A DEFINIÇÃO DE VANGUARDA .................................................... 13
2 MANGUE(BEAT) .............................................................................................. 21
2.1 “Oh, Josué, eu nunca vi tamanha desgraça” ................................................. 24
2.2 O manifesto ..................................................................................................... 30
2.3 A oposição ....................................................................................................... 33
2.4 Mangue: uma definição (ou duas) .................................................................. 35
3 A ARTE VANGUARDISTA DE CHICO SCIENCE
& NAÇÃO ZUMBI (OU O MANGUE STRICTO SENSU) ............................ 39
Para Tatit, o mérito de um bom cancionista é conseguir unir letra e melodia de modo
que uma dependa da outra, complementando-se mutuamente. Bem, qualquer pessoa pode
criar um verso e cantá-lo melodicamente. Alguns têm mais talento para isso; outros (como
eu), nenhum. E é isso que diferencia os cancionistas dos demais.
Luís Augusto Fischer, por sua vez, frisa a "eficácia comunicativa" da canção popular,
em entrevista ao Jornal da UFRGS, e comenta: "a canção nasceu dentro da indústria cultural
moderna. A sua forma, de três minutos, foi determinada pelo que cabia no lado de gravação
do disco. Outra virtude é que ela é uma arte portátil, que se leva para qualquer lugar. Além
disso, é rápida de compor, o que dá a ela uma capacidade muito forte de comentar o mundo”
(In: CUNHA, 2011, p.13). Assim, nota-se que a canção popular possui o grande poder de
chegar rapidamente à mídia e, consequentemente, aos ouvintes, veiculando informações
diversas e escrevendo, ao seu modo, a história do país: “sabe-se que um acontecimento
relevante em breve repercute em forma de música” (Idem, ibidem).
Se isso tudo é verdade, é verdade também que uma curiosa sem teoria musical à mão
possa estudar canções e delas retirar informações que considerar relevantes para responder às
perguntas que a ocorrem. É bem verdade que não saberei dizer em qual tom a canção foi
concebida, ou mesmo qual nota é atingida em algum momento em especial de sua execução.
Mas poderei dar minha interpretação a respeito dos efeitos que seus versos geram no ouvinte,
e sob quais aspectos eles enfatizam ou corroboram a teoria que está por trás da concepção da
canção onde estão inseridos.
A semente para a ideia da presente pesquisa apareceu há aproximadamente três anos,
e de modo muito simples: através da audição do CD Nação Zumbi, de 2002. A faixa “Prato de
flores” possuía algo especial. Não era só porque ela era psicodélica, sensual, meio onírica,
delicada. Havia mais alguma coisa nela que me intrigava. Demorei um tempo para entender
que eu estava vendo nela algum tipo de resposta a “Risoflora”, de Da lama ao caos, primeiro
disco lançado por Chico Science & Nação Zumbi, em 1994. O tema das duas canções era
similar: o eu da canção dirigia-se a uma segunda pessoa, silenciosa, e fazia-lhe promessas,
ofertas, e apresentava justificavas para suas ações. Porém, a diferença entre as duas formas de
abordagem era um abismo. Comecei, então, a me perguntar o porquê de a canção mais nova
tocar-me e a antiga não: coloquei-me no lugar do “tu” da canção e percebi que a abordagem
de Chico Science jamais chamaria a minha atenção, enquanto a segunda me encantava. Por
quê?
Porque (dei-me conta mais tarde) eu não sabia o que era “estar de andada”, nem o
significado de “dar bobeira dentro de um caritó” e muito menos o que ou quem era
11
“risoflora”; além de a interpretação ser pungente, para que a amada ficasse com dó do
sujeito... Um exagero sem fim. Em compensação, o vocabulário de “Prato de flores” me era
familiar, falava comigo, além de a ideia de semear um jardim em um ventre feminino ser
muito poética, de uma leveza oposta à complicada vida de caranguejo e às fortes batidas dos
tambores da canção anterior. Depois de muito pensar (e escutar as duas canções), percebi que,
pela primeira vez, eu estava vendo com clareza o que Chico Science havia declarado ser o seu
ideal como cancionista: fazer uma “música universal”, onde os elementos locais e os não
locais estivessem perfeitamente mesclados, de modo que o ouvinte se sentisse, ao mesmo
tempo, familiarizado e intrigado. Dizendo de outro modo, ele desejava que fosse possível
perceber que havia mais de uma influência regendo a canção, mas que uma não se sobrepunha
à outra.
Decidi fazer uma leitura/audição diacrônica de todos os discos de Chico Science &
Nação Zumbi e Nação Zumbi e surpreendi-me com a diferença nas sonoridades. Comecei a
pensar se isso seria efeito da falta de Chico Science: já que ele se dizia um armorial, seu
trabalho sempre esteve bastante ligado às tradições locais pernambucanas. Logo, a Nação
Zumbi estaria, cada vez mais, desamarrando-se desse efeito folclórico. Vi que essa ideia
estava errada quando me voltei, novamente, para o conceito criado por Science: ele dava
margem, exatamente, para uma criação cancionística como “Prato de flores”.
Um conceito a ser seguido, uma obra que se fundamenta nesse conceito e funda uma
nova estética, que por sua vez enfurece a tradição: isso me lembrou uma vanguarda. Eu já
acreditava que o Manguebeat fosse um movimento, agora começava a ver nele características
vanguardistas, mas precisava provar isso: eis meu tema para a dissertação.
De lá para cá, como será visto ao longo desta pesquisa, fui dando-me conta de várias
outras coisas com relação a este tema que ainda me intriga e a estes artistas que ainda me
surpreendem. Estes insights estão descritos aqui e espero que eles sejam úteis a algum outro
curioso sobre Manguebeat, como eu.
Para resumir, digo que o objetivo primordial deste trabalho é mapear as
características vanguardistas que encontrei no trabalho de Chico Science & Nação Zumbi e de
Nação Zumbi. Isso significa que serão trabalhadas aqui tanto as obras lançadas quando Chico
Science estava vivo quanto aquelas desenvolvidas por seus companheiros de banda após o seu
falecimento. Eu acredito que a Nação Zumbi tem conseguido desenvolver o conceito de
12
Science com muita propriedade, trabalhando com ênfase na ideia concebida pelo “mangueboy
malungo”1, e desejo apresentar isso nesta dissertação.
O primeiro capítulo mostra minha pesquisa a respeito do conceito de vanguarda,
onde procurei angariar as opiniões de críticos e teóricos que discutiram o tema e ajudaram-me
a compreender o que eu estava vendo de vanguarda em meu objeto de estudo. O capítulo
seguinte é um panorama do contexto pernambucano em que se desenvolveu o Manguebeat e
algumas de minhas ideias a respeito da caracterização do movimento. O terceiro capítulo
consiste da análise da obra de Chico Science & Nação Zumbi e de Nação Zumbi na busca por
esse cerne vanguardista, corporificado na noção de “música universal” que será discutida com
maior detalhamento. Finalmente, no quarto capítulo, apresento algumas outras manifestações
artísticas que se utilizaram do conceito de Science – Mangue – para organizar sua obra.
Como mencionei, espero que estas anotações sejam relevantes para alguém que vá à
biblioteca pesquisar sobre Manguebeat; e que este alguém se sinta motivado para realizar
pesquisas muito mais audaciosas sobre o tema, contribuindo cada vez mais para o
enriquecimento da fortuna crítica sobre essa manifestação artística tão rica e de consequências
tão positivas para a música brasileira.
1
Trecho de “Malungo”, do disco CSNZ, em referência a Chico Science.
1 SOBRE A DEFINIÇÃO DE “VANGUARDA”
Ainda segundo ele o Stalinismo foi um exemplo forte do uso extremista do termo no
século XX: o pensamento de Stalin "paradoxalmente se identificava com a vanguarda política
ao mesmo tempo que restringia ferozmente qualquer tipo de expressão artística que não se
subordinasse às regras estéticas impostas pelo partido" (idem, ibidem).
Para Schwartz, além dos fatores formais e estéticos, as vanguardas se distinguem
também pelo seu modo de encarar a questão social. Com isso, é importante notar que a
eclosão dos ismos europeus, a partir do início do século XX, deu liberdade para manifestações
artísticas desvinculadas dos partidarismos e preocupações sociais; entretanto,
concomitantemente, anarquistas e comunistas continuaram a utilizar a expressão "vanguarda"
"como sinônimo de uma atitude partidária capaz de transformar a sociedade" (Idem, p. 35).
De acordo com Massaud Moisés (2004) foi Gabriel-Désiré Laverdant, em De la
Mission de l'Art et Du Rôle des Artistes (1848), o primeiro a utilizar o termo "vanguarda" com
a acepção estética moderna, nomeando "determinados movimentos estéticos e literários" (p.
461). Baudelaire também iria referir-se, pouco depois, a "literatos de vanguarda" em seu
diário (Mon coeur mis à nu, 1862-1864)". Com olhar desconfiado, Ferreira Gullar (1969)
comenta que, "a expressão avant-garde – discutível sob inúmeros aspectos – se torna mais
usual a partir do século XX e reflete a pretensão dos movimentos artísticos, de caráter
coletivo, que estariam na 'vanguarda' das artes, abrindo novos domínios à expressão estética"
(p. 14). Para o crítico brasileiro, a questão norteadora desses movimentos seria
14
predominantemente formal. Com isso, "a expressão avant-garde tende a designar obras em
que preponderam a pesquisa e a invenção estilística" (idem, ibidem).
Já Antonio Candido (2002) define "vanguarda" dizendo que se trata da "opção
consciente no sentido de renovar as artes ou a literatura de modo radical e constante, e não
renovar para permanecer" (p. 222). Com essas palavras, Candido mostra, então, a face
efêmera da vanguarda, visto que uma atitude de tamanha transgressão não poderia ser perene.
"Quando uma delas [vanguardas] cumpre o seu périplo, inicia-se uma nova, que igualmente se
extingue ao realizar o seu projeto, e assim sucessivamente", reforça Moisés (2004, p. 461).
Uma definição bastante contundente para o termo pode ser encontrada no livro
História das literaturas de vanguarda (1970), de Guillermo de Torre, reconhecido crítico de
arte de vanguarda e participante do Ultraísmo. Grande promotor das vanguardas hispânicas,
além de ter produzido poemas visuais, Torre ocupou boa parte de sua obra crítica com análise
e reflexão acerca dos movimentos vanguardistas por ele identificados. A introdução do texto
traz trechos e comentários do próprio Torre acerca de uma entrevista dada à Gazeta Literária,
de Madrid, em 1930. Seguem palavras do crítico à publicação:
A vanguarda como eu a entendo, no seu sentido mais lato e mais correto, não foi
uma escola, uma tendência ou uma maneira determinada. Foi o denominador
comum dos diversos ismos que andaram no ar estes últimos anos. A propósito, foi
recentemente publicado um inventário nominal desses ismos literários e artísticos
em Documents internationaux de l’Esprit Nouveau (1929), que os enumera assim:
futurismo, expressionismo, cubismo, ultraísmo, dadaísmo, surrealismo, purismo,
construtivismo, neoplasticismo, abstrativismo, babelismo, zenitismo, simultaneísmo,
suprematismo, primitivismo, panlirismo} igual a um só espírito novo mundial:
descentralização. (Torre, 1970, pp. 24-25. Grifo do autor.)
Através das palavras do crítico, fica clara, portanto, a ideia de ruptura presente na
intenção vanguardista de renovação. O abandono das tradições, bem como a necessidade de
fuga do que é particular, faz com que a comunhão entre a arte produzida pelos grupos que se
autodenominam vanguarda e a arte vinda da tradição se torne impossível. Atente-se, porém,
para a ressalva de Torre quanto a essa característica, frisando que ela é muito mais marcante
no surgimento das vanguardas do que posteriormente. (Esse critério será de grande valia
adiante quando da análise do movimento que norteia este trabalho – o Manguebeat –, visto
que o mesmo, conforme será comentado, baseia-se especificamente nessa contrariedade.)
Seguindo, de certo modo, a mesma direção das ideias de Torre, o alemão Peter Bürger,
em um dos textos mais importantes acerca do tema, o clássico Theory of the avant-garde,
também fornece a sua visão acerca do assunto:
2
Tradução livre. Original: The concept of the historical avant-garde movements used here applies primarily to
Dadaism and early Surrealism but also and equally to the Russian avant-garde after the October Revolution.
Partly significant differences between them notwithstanding, a common feature of all these movements is that
they do not reject individual artistic techniques and procedures of earlier art but reject that art in its entirety, thus
bringing about a radical break with tradition. In their most extreme manifestations, their primary target is art as
an institution such as it has developed in bourgeois society. With certain limitations that would have to be
determined through concrete analyses, thus is also true of Italian Futurism and German Expressionism.
16
artísticas, deixando de lado todas os demais “ismos” (para utilizar a expressão de Guillermo
de Torre) que também promoveram rupturas estéticas bastante consideráveis no contexto
artístico europeu. De qualquer maneira, podemos nos valer do enunciado do crítico porque ele
é iluminador quanto ao caráter radical da vanguarda, mencionado também por Torre (1970),
no que concerne a ruptura com a tradição artística. A necessidade de desprender-se da
tradição e fazer arte a partir de si mesma e de seus próprios critérios mostra-se como a
característica mais forte da vanguarda, denotando, assim, seu caráter, ao mesmo tempo,
excludente e libertador.
Com isso, chega-se à proposta de Gonzalo Aguilar (2005). Sua visão corrobora a de
Bürger em alguns momentos e, em outros, afasta-se dela. Reforça, por exemplo, a marca de
ruptura detectada pelo crítico alemão, afirmando que as vanguardas são “movimentos
deslocadores e de não conciliação” (p. 24). Isso significa que movimentos vanguardistas
historicamente não procuram um entendimento entre a arte existente e a arte que pretendem
produzir. Ao contrário, acreditam que a tradição presente deve ser abandonada para que suas
novas concepções artísticas estabeleçam-se. O forte juízo de valor presente em qualquer
vanguarda, e que a move, implica a existência de um abismo entre a estética vigente e aquela
criada pelos vanguardistas. Argumenta Aguilar que a não conciliação é um aspecto
fundamental em um movimento de vanguarda: “não conciliação com os hábitos do povo, com
a tradição, com as formas recebidas, com as instituições, com o mercado, com os museus ou
com os outros artistas” (pp. 34-36). E rebate o argumento de Guillermo de Torre (1970):
[...] essa reação dos vanguardistas ante aquilo que herdaram não se baseou em uma
‘destruição’ do passado (paradigma que erroneamente as definiu), mas sim dos
interesses do presente. A discriminação decisiva foi entre passado e tradição, e uma
das operações vanguardistas mais bem-sucedidas foi libertar o passado das tradições
dominantes, com seu peso homogeneizador e sua cumplicidade com o poder. As
vanguardas não negam a tradição, simplesmente a transformam de sujeito em
objeto, de diacronia reverenciada em sincronia estratégica, de história necessária em
invenção artificial (p. 40. Grifos meus.)
Porém, a ideia apontada por Aguilar (2005), dadas as devidas ressalvas, ilumina uma
nova perspectiva no momento em que apresenta o caráter de renovação proposto pela atitude
vanguardista a partir do desejo de retirar o passado do jugo da tradição. Conforme será visto
ao longo da discussão proposta nesta pesquisa, o posicionamento de Chico Science e dos
demais fundadores do Manguebeat encontra-se nessa esteira de pensamento; portanto, tal
raciocínio se mostra de grande auxilio para argumentação a ser empreendida aqui.
Voltando aos comentários dos críticos, vemos que tanto Bürger quanto Aguilar
concordam na definição de que a vanguarda é um gesto de ruptura. A diferença está no fato de
que, para o argentino, a caracterização de uma vanguarda deve ser vinculada ao contexto em
que ela se apresenta:
completamente resolvidas e, mesmo nos dias de hoje, são capazes de suscitar discussão. O
movimento concretista brasileiro, por outro lado, é reconhecido como vanguarda graças ao
contexto cultural no qual está inserido. Ao contrário de outras manifestações vanguardistas
que se sustentam na negação de qualquer arte que os precedesse (como os Futuristas), os
concretistas informam, desde seus manifestos, a quais artistas sua arte presta reverência (Ezra
Pound, João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa, Oswald de Andrade etc.). A poesia de
cunho concretista é bastante anterior às experimentações dos irmãos Campos e de Décio
Pignatari; veja-se, por exemplo, as obras de Apollinaire e Mallarmé. Contudo, o contexto
literário dos anos 1950, no Brasil, propiciou o surgimento de uma arte concreta; desse ponto
de vista, então, o grupo Noigrandres pode ser considerado uma vanguarda, não por fazer uma
arte inédita, mas por localizá-la em um momento em que, segundo seus autores, ela se fazia
necessária, provocando uma ruptura estética com a contemporaneidade artística.
A ideia de vanguarda que norteará este trabalho, então, parte das definições de
Gonzalo Aguilar e sua noção de relação entre o momento histórico em que se apresenta e o
gesto de ruptura da arte vanguardista. É necessário chamar a atenção para esta questão porque
os artistas do Movimento Manguebeat, que será estudado adiante, não foram necessariamente
os primeiros a mesclar elementos tradicionais ou folclóricos a itens não locais, pop ou
estrangeiros. A análise dos contextos social e cultural de onde o movimento emergiu, porém,
mostra que houve uma forte necessidade de afastamento da tradição artística por parte dos
articuladores do Manguebeat.
Os conceitos preconizados pelos demais críticos, de qualquer modo, também são
relevantes, pois auxiliam na criação de uma melhor conceituação do tema. Nesse sentido, a
noção de Candido (2002) de "opção consciente" mostra-se indispensável na análise a ser aqui
empreendida, pois indica esta condição racional na criação dos conceitos que regem a
vanguarda: as artes vanguardistas, usualmente, guiam toda a sua produção sob a égide dos
modelos idealizados e propostos por seus fundadores. A questão estilística, também discutida
por Gullar (1969), é imprescindível porque o que caracteriza uma vanguarda é, precisamente,
a "invenção estilística", apontada pelo crítico brasileiro, que é a expressão máxima do seu
ideal de arte, de seu modelo estético. Igualmente importantes na construção da ideia de
vanguarda que regerá este trabalho são as noções de "internacionalismo e antitradicionalismo"
identificadas por Torre (1970), já que são capazes de dar conta desta necessidade da
vanguarda de fugir do particular e do abandono da tradição que a amarra.
Mais uma vez citando o texto de Antonio Candido (2002), é importante ressaltar a
face efêmera da vanguarda: o gesto de contestação e ruptura da arte vanguardista é, por
19
definição, impossível de ser repetido indefinidamente por ela mesma, já que, uma vez
efetuado o choque, a missão da vanguarda está cumprida. Conforme apontou Moisés (2004),
ele será sucedido por outra ideia que procure não necessariamente superar a anterior, mas que
deseje propor o seu modo de encarar a arte.
Pensando-se, então, no contexto brasileiro do final do século XX, mais
especificamente o Brasil pós-tropicalista (NETO, 2009, p. 72), percebe-se que esse é um
tempo-espaço de grande liberdade de criação. Tanto a Tropicália quanto a Bossa Nova, e
outras manifestações musicais dos anos 60 e 70, deram margem às mais diversas mesclas
musicais e culturais, tornando-as não apenas legítimas, como também mostrando o quanto a
mistura de elementos inusitados pode ser fecunda. Os constantes movimentos de triagem e
mistura3 fizeram com que hoje haja algo que se pode chamar de Música Popular Brasileira.
Por outro lado, viver à sombra dos “monstros sagrados” da MPB poderia ser visto como um
grande fardo para os músicos das gerações seguintes. Os artistas que fizeram parte da
chamada geração anos 80 procuraram, então, afastar-se dessa condição, como comenta Leoni,
em entrevista a Alexandre (2002, p. 181): “já havia MPB demais; e quando se é adolescente,
são as diferenças que denotam sua identidade. Rejeitamos muito a música brasileira para
firmar a nossa própria cara”. Herbert Viana, vocalista da banda Paralamas do Sucesso,
reforça esse dado dizendo que “a criançada cresce e tem de contestar os pais. Hoje em dia, sou
louco por Chico Buarque, entendo a fina arte dele como um patamar muito elevado de
qualidade. Mas na época a gente via que esses caras não falavam nada do mundo real” (idem,
ibidem).
No caso do Manguebeat, o problema não era somente o peso de procurar fazer
música depois das façanhas musicais atingidas por artistas de tanto talento e prestígio, como
João Gilberto, Caetano Veloso, Chico Buarque, Cazuza etc., mas ter espaço para fazê-lo. Em
3
A noção de "triagem", também chamada de "gesto bossa-novista", acontece quando o cancionista busca a
supressão de elementos em sua canção. O crítico explica que "a bossa nova de Tom Jobim e João Gilberto
aprumou a canção brasileira expondo o que lhe era essencial. Essa triagem dos traços fundamentais deu origem
ao que hoje podemos chamar de protocanção, uma espécie de grau zero que serve para neutralizar possíveis
excessos passionais, temáticos ou enunciativos” (TATIT, 2004, p. 81). E complementa: “toda vez que um
cancionista [...] sente necessidade de fazer um recuo estratégico para recuperar as linhas de força essenciais de
sua produção, o principal horizonte que tem à disposição é a bossa nova. Ela oferece elementos para decantar o
gesto fundamental dos artistas dos sedimentos passionais, maneiristas, ou mesmo viciosos, que muitas vezes
imobilizam o trabalho musical” (idem, ibidem). Já o gesto tropicalista”, ou de “triagem” faz-se necessário
sempre que há a necessidade de ir contra um gesto de exclusão, ou quando é interessante incluir componentes na
composição. “Caetano e Gil apostaram [...] todas as suas fichas na diversidade, no reconhecimento de todos os
estilos que compuseram a sonoridade brasileira, sem qualquer restrição de ordem nacionalista, política ou
estética” (idem, p. 84). Tatit conclui que “o gesto de recolhimento e depuração da bossa nova e o gesto de
expansão e assimilação do tropicalismo tornaram-se seiva que realimenta a linguagem da canção popular toda
vez que esta claudica por excesso ou por espírito de exclusão” (idem, p. 86). E finaliza seu raciocínio afirmando
que “ tropicalismo e bossa nova tornaram-se a régua e o compasso da canção brasileira” (idem, p. 89).
20
outras palavras, o que os jovens artistas recifenses desejavam era poder dar legitimidade ao
seu ponto de vista artístico, sem necessariamente seguir normas previamente estabelecidas
para produzir arte. Como foi comentado a propósito da crítica de Guillermo de Torre, e será
discutido com maior detalhamento no próximo capítulo, o gesto de ruptura proposto pelo
Manguebeat é para com o contexto tradicionalista pernambucano. Porém, os artistas não
desejavam abandoná-lo por considerarem-no desvalorizado ou irrelevante, mas, sim, porque
discordavam do modelo cultural vigente, extremamente opressor, que procurava impedir que
manifestações artísticas vinculadas ao rock, por exemplo, aparecessem. Identificaram, então
que esta mentalidade estava fazendo, precisamente, com que os jovens perdessem o interesse
pelas tradições locais, o que acabaria ocasionando a perda dessas manifestações.
Nos próximos capítulos serão discutidas com maior detalhamento os traços mais
marcantes do Manguebeat, o contexto cultural pernambucano que ocasionou o seu
surgimento, e a repercussão e influência geradas pelo movimento. Com isso será possível
mostrar porque decidiu-se estudar esta manifestação cultural enquanto movimento de
vanguarda e de que modo as características descritas como fundamentais para uma vanguarda
estão presentes em sua conceituação.
2 MANGUE(BEAT)
a proposta geral dos armoriais era a de produzir uma arte brasileira fundamentada
nas raízes culturais populares sertanejas que fizesse frente ao constante apelo de
compositores e artistas às influências estrangeiras tidas como obstáculo à construção
de uma identidade para a arte nacional (VARGAS, 2007, p. 38).
Pernambuco está velho. [...] Eu estou louco que apareça o novo, mas não está
aparecendo. O que acontece em Pernambuco é que nós somos extremamente
conservadores. A gente quer o forró, mas quer que o forró seja exatamente do
mesmo jeito. Nós amamos Luiz Gonzaga, e nós não temos uma noção de que
Gonzaga morreu [...]. O problema é que Pernambuco não quer a nova ordem,
Pernambuco está morrendo de mofo. [...] Pernambuco é o estado careta, que não
consegue ser contemporâneo [...]. (apud TELES, 2000, p. 254).
pernambucanos nos anos 80 e 90. Iniciativas de manutenção de toda uma tradição cultural no
intuito de mantê-la intocada, inerte, como a Armorial, determinam, por oposição, o
desinteresse para com tais manifestações populares por parte das novas gerações.
Em entrevista à Folha de São Paulo, em 2009, Fred Zero Quatro, jornalista, vocalista
da banda Mundo Livre S/A e um dos idealizadores do Manguebeat, explica o ponto de vista
da juventude que desejava produzir música contemporânea em meio a esse contexto
tradicionalista:
Com base nessas observações, Francisco de Assis França, conhecido pelo nome
artístico de Chico Science, começou a preocupar-se com a estagnação cultural de
Pernambuco, pois sabia que a inércia criativa poderia acarretar, em dado momento, a extinção
dos elementos populares da cultura do estado. A falta de renovação cultural afastava cada vez
mais as novas gerações destas manifestações regionais, pois não estavam mais interessadas
em literatura de cordel, em nações de maracatu e nem em rodas de ciranda. Toda essa tradição
popular, praticamente oral, necessitava do conhecimento – e interesse – das pessoas para
continuar existindo. A juventude, porém, desejava música contemporânea, afastada das
tradições locais.
Chico Science e mais alguns jovens músicos, jornalistas, DJs, web designers entre
outros (tais como Fred Zero Quatro, Renato Lins, Hélder Aragão, H. D. Mabuse e Xico Sá)
decidiram reaproximar a cultura popular pernambucana da juventude, para que ela,
espontaneamente, desse continuidade às tradições locais. Além, é claro, de promover e
divulgar a nova música que estava surgindo no Recife. Criaram, então, o que veio a ser
conhecido como Manguebeat: manifestação cultural baseada, entre outros aspectos, no
conceito de mescla de ritmos inventado por Science – denominado “Mangue”. Este consistia
na junção de ritmos tradicionais pernambucanos (como maracatu, coco, embolada e ciranda)
com ritmos contemporâneos, como pop, hip-hop e rock. Algum tempo depois, o nome
recebeu (de Fred Zero Quatro, segundo uma das lendas) a terminação bit, que
computacionalmente denota a unidade de armazenamento de dados binários; mais tarde,
tornou-se beat (do inglês, “batida”; “compasso”). Estava criado o Manguebeat, cuja imagem
mais famosa – a da antena parabólica fincada na lama – é justificada pelo próprio Science:
23
Se a gente for tocar maracatu do jeito que ele é, a galera vai pegar no nosso pé.
Então, a ideia básica do Manguebeat é colocar uma parabólica na lama e entrar em
contato com todos os elementos que têm para uma música universal, isto fará com
que as pessoas futuramente olhem para o ritmo como ele era antes. (apud TELES,
2000, p. 330. Grifo meu.)
A noção de “música universal” anunciada por Chico Science será central para a
análise a ser empreendida nos próximos capítulos desta pesquisa. Por ora, é importante
ressaltar que a questão que o afligia não recaía apenas na inércia musical pernambucana, mas
o que ela acarretava para os novos músicos. Como comentado, os espaços para apresentações
eram escassos, pois estavam destinados, quase que exclusivamente, a manifestações artísticas
alinhadas com a mentalidade armorial. José Teles, uma testemunha ocular de toda a
movimentação recifense, narra as primeiras impressões causadas pelos mangueboys:
Os escolhidos iriam excursionar por várias cidades lusas. O meu voto a favor de
Chico Science & Nação Zumbi foi solitário. O restante da curadoria posicionou-se
contra a inclusão dos mangueboys. Uma curadora, depois de escutar “A cidade”, em
fita demo, chegou até a descartar aquilo como música: “não tem harmonia”,
decretou. (idem, pp. 9-10)
na música), torna-se uma referência emblemática, pois Recife foi erguida sobre manguezais e
“a relação da população pobre com o mangue, sua flora e fauna, é de grande intimidade”
(TELES, 2000, p. 258).
Em 1992 é lançado o manifesto “Caranguejos com cérebro”, trazendo à luz alguns
dos principais conceitos e ideias do Manguebeat. Dividido em três seções – “Mangue, o
conceito”, “Manguetown, a cidade” e “Mangue, a cena” –, o texto explica de onde vem a
analogia com o mangue como ilustração para suas convicções, a precariedade das condições
de vida no Recife e a necessidade de “um choque rápido ou o Recife morre de infarto” (idem,
p. 255). O tal "choque" seria uma alusão ao objetivo primordial de seus redatores (e
colaboradores): promover uma renovação no contexto musical pernambucano.
Referida desde o título do manifesto, a identificação com a imagem do caranguejo,
do mesmo modo que a noção de mangue e lama, não é gratuita ou acidental. Conforme
explica Herom Vargas, além de o crustáceo promover a “renovação de nutrientes de camadas
mais profundas da lama” (p. 70) quando cava nos manguezais, ele também possui uma função
socioeconômica bastante relevante: “catado por pessoas que afundam pés e mãos na lama (as
‘impressionantes esculturas de lama’, conforme letra da canção Rios, Pontes e Overdrives), é
fonte de alimentação e de sobrevivência de populações ribeirinhas pobres” (idem, ibidem).
Além da imagem da exploração social – já apontada por Josué de Castro, em seu romance
Homens e caranguejos, de 1967, que será motivo de comentário na seção seguinte –, o
caranguejo também representa a renovação dos nutrientes da lama, tão cara aos mangueboys:
efetivar a oxigenação do manguezal é trabalhar por sua fertilidade, o que, na metáfora do
mangue, denota promover a renovação do contexto cultural pernambucano.
A constante menção a Josué de Castro nas canções de Chico Science & Nação
Zumbi denota o grande interesse de Chico Science por sua obra, especialmente pelo seu único
romance publicado, Homens e caranguejos4. O nome e as observações do médico e
4
José Teles (2000, p. 258) afirma que fora ele quem emprestara o romance a Chico e que este fora o único livro
de Josué de Castro que Science chegou a ler.
25
Se a terra foi feita para o homem, com tudo para bem servi-lo, o mangue foi feito
especialmente para o caranguejo. Tudo aí é, foi, ou está para ser, caranguejo,
inclusive a lama e o homem que vive nela. A lama misturada com urina, excremento
e outros resíduos que a maré traz. Quando ainda não é caranguejo, vai ser. O
caranguejo nasce nela, vive dela, cresce comendo lama, engordando com as
porcarias dela fabricando com a lama a carninha branca de suas patas e a geleia
esverdeada de suas vísceras pegajosas.
Por outro lado, o povo vive de pegar caranguejo, chupar-lhe as patas, comer e
lamber os seus cascos até que fiquem limpos como um copo e com sua carne feita
de lama fazer a carne do seu corpo e a do corpo dos seus filhos.
São duzentos mil indivíduos, duzentos mil cidadãos feitos de carne de caranguejos.
O que o organismo rejeita volta como detrito para a lama do mangue para virar
caranguejo outra vez.
Nesta aparente placidez do charco desenrola-se, trágico e silencioso, o ciclo do
caranguejo. O ciclo da fome devorando os homens e os caranguejos, todos atolados
na lama. (CASTRO, 2010, pp.26-27. Grifos meus.)
Para o narrador, o ciclo da fome e o ciclo do caranguejo são a mesma coisa, já que,
como comentado, humanos e crustáceos acabam por alimentar uns aos outros. No início do
romance, é possível perceber que uma das teses do livro é a da impossibilidade de fugir desse
ciclo. Veja-se, por exemplo, a visão do narrador sobre as crianças habitantes da região do
manguezal:
Note-se que o narrador enfatiza a fome que assola até mesmo os mosquitos, em
oposição à condição gorda e, neste contexto, saudável, das folhas do mangue, nutridas pela
5
A partir deste ponto, será utilizada a sigla CSNZ para fazer referência a Chico Science & Nação Zumbi, quando
tratarmos da obra desses músicos como um todo (sete discos, lançados entre 1994 e 2007). Quando se fizer
necessário tratar somente da Nação Zumbi (em sua fase já sem a presença de Chico Science, a partir do disco de
2000, Rádio S.Amb.A), o próprio nome da banda será citado.
26
lama fértil da paisagem. As crianças, por sua vez, se atiram à atividade de catar caranguejos
com total naturalidade, corroborando as observações do narrador na citação anterior: todos, de
alguma forma, identificam-se e abraçam sua condição de ser um pouco caranguejo.
João Paulo, o protagonista, é filho de Zé Luís e Maria, retirantes fugidos da seca
nordestina. Chegaram ao mangue depois que a falta de água matou suas plantações, seus
animais e seu filho mais velho, Joaquim, em 1877. O casal, acompanhado de João Paulo,
então um bebê, passa por toda uma peregrinação até chegar à Aldeia Teimosa, onde ergue seu
mocambo – nome dado às casas feitas no mangue, de barro, palha e chão batido. Entre o
deslumbramento e resignação do pai, que acredita ser o mangue a sua “terra da promissão” (p.
30), e a revolta da mãe para com as atuais condições de vida da família (“lá do outro lado é o
paraíso dos ricos, aqui é o paraíso dos pobres” (idem, ibidem), João Paulo questiona esse ciclo
imutável pensando em “como seria bom viver sentindo o cheiro bom das plantas dos jardins e
pisar de leve naqueles gramados verdes e macios em lugar de sentir o tempo todo o cheiro
podre da maré e andar sempre dentro da lama como se fosse caranguejo!” (p. 29).
As ideias de João Paulo, muito alimentadas por seu amigo Cosme, um paralítico, ex-
seringueiro, assolado pelo beribéri, vão além da imperturbável placidez da vida no mangue. O
menino deseja ardentemente ver-se livre e longe de tal contexto, sendo constantemente
assolado por
Quando veio a cheia, a população foi alertada. Porém “a gente da Aldeia Teimosa
resistia em acreditar nesta ameaça terrível. Mantinha suas esperanças nas rezas fortes capazes
de fazer mudar o tempo e confiava na Providência” (idem, p. 140). Assim, “ninguém pensou
em se mudar para outra região mais alta, ao abrigo das águas. Fatalistas, deixaram que tudo
corresse ao sabor do acaso, depondo suas vidas nas mãos da Providência” (idem, p.141). Ao
seguir, nestes trechos, o ponto de vista da população, o narrador acaba por denunciar a inércia
dos habitantes da região e sua crença em uma entidade superior que os salvará sem que nada
tenham de fazer a não ser rezar. O mesmo tipo de reflexão será abordado posteriormente na
canção gravada por Nação Zumbi “Quando a maré encher”. Por ora, veja-se que o narrador
também mostra a influência da Igreja no pensamento resignado da população:
27
O padre lembrava a toda aquela gente que a paciência é a maior de todas as virtudes.
Evocava a figura de Job, sofrendo um milhão de vezes o sofrimento dos flagelados
da cheia e aceitando sempre o seu sofrimento com resignação. Falou da sabedoria
divina e da justiça eterna. Se hoje sofriam aquele martírio da cheia é porque, na
certa, mereciam esse sofrimento. Que pusesse cada um o dedo na sua consciência.
Que se penitenciassem todos dos erros cometidos. Lembravam-se eles nos domingos
de vir à missa? Poucos! A maioria ficava nos botequins e nas brigas de galos. E
então? (idem, p. 150)
6
Sabe-se que somente na chamada Era Vargas, com o Código Eleitoral de 1932, o voto passou a ser secreto.
Homens e caranguejos passa-se, aproximadamente, na década de 1890, período em que o voto era aberto,
possibilitando e facilitando, assim, a utilização do chamado “voto de cabresto”.
29
“revolução”, contida pela força policial, traz consigo o desespero da família que procura pelo
menino desaparecido em meio à confusão que se instala e dentre os vários corpos que a
comunidade vai encontrando pelo caminho. “Dentre eles, enterrado nos mangues, deve estar,
em qualquer parte, o corpo de João Paulo que, com a sua carne em decomposição, irá
alimentar a lama que alimenta o ciclo do caranguejo” (idem, p. 188), sentencia o narrador,
provando a tese que lançara já nas primeiras páginas do livro.
Depreende-se, então, que várias das balizas que viriam a orientar o Manguebeat
estavam explicitadas nas páginas do romance de Josué de Castro, servindo de grande
inspiração para Chico Science. As observações de Homens e caranguejos, por sua vez, estão
intimamente ligadas aos estudos do médico pernambucano com relação ao problema da
desnutrição. O clássico Geografia da fome, de 1946, por exemplo, apresenta as descobertas
de Josué a respeito do fenômeno da fome e das razões para que ele se estabelecesse nas
diferentes regiões do país. Além disso, mostra o quanto havia de preconceito com relação ao
tema e motivação política para que o mesmo permanecesse despercebido, ou mesmo para que
deixasse de ser trabalhado.
2.2 O manifesto
O 1º Manifesto do Movimento Mangue Bit foi redigido por Fred Zero Quatro e Renato
L. e distribuído à imprensa em 1991. O texto apareceu com o nome Caranguejos com cérebro
somente em sua segunda versão, levemente modificada, no encarte do CD da Lama ao Caos
de Chico Science & Nação Zumbi, de 1994.
O texto é dividido em três partes. Nele estão contidas a justificativa para a necessidade
da criação do Manguebeat, as influências musicais dos artistas fundadores, bem como uma
convocação à juventude para que compartilhe da estética Mangue juntamente com os
mangueboys. Segue o texto, retirado do encarte do CD Da lama ao caos:
Mangue, o conceito
Estuário. Parte terminal de rio ou lagoa. Porção de rio com água salobra. Em suas
margens se encontram os manguezais, comunidades de plantas tropicais ou
subtropicais inundadas pelos movimentos das marés. Pela troca de matéria orgânica
entre a água doce e a água salgada, os mangues estão entre os ecossistemas mais
produtivos do mundo.
Estima-se que duas mil espécies de micro-organismos e animais vertebrados e
invertebrados estejam associados à vegetação do mangue. Os estuários fornecem
áreas de desova e criação para dois terços da produção anual de pescados do mundo
inteiro. Pelo menos oitenta espécies, comercialmente importantes, dependem dos
alagadiços costeiros.
31
Não é por acaso que os mangues são considerados um elo básico da cadeia alimentar
marinha. Apesar das muriçocas, mosquitos e mutucas, inimigos das donas de casa,
para os cientistas os mangues são tidos como símbolos de fertilidade, diversidade e
riqueza.
Manguetown, a cidade
A planície costeira onde a cidade do Recife foi fundada é cortada por seis rios. Após
a expulsão dos holandeses, no século XVII, a (ex)cidade “maurícia” passou a crescer
desordenadamente às custas do aterramento indiscriminado e da destruição dos seus
manguezais.
Em contrapartida, o desvairio (sic) irresistível de uma cínica noção de “progresso”,
que elevou a cidade ao posto de “metrópole” do Nordeste, não tardou a revelar sua
fragilidade.
Bastaram pequenas mudanças nos “ventos” da história, para que os primeiros sinais
de esclerose econômica se manifestassem, no início dos anos 60. Nos últimos trinta
anos, a síndrome da estagnação, aliada à permanência do mito da “metrópole” só
tem levado ao agravamento acelerado do quadro de miséria e caos urbano.
O Recife detém hoje o maior índice de desemprego do país. Mais da metade dos
seus habitantes moram em favelas e alagados. Segundo um instituto de estudos
populacionais de Washington, é hoje a quarta pior cidade do mundo para se viver.
Mangue, a cena
Emergência! Um choque rápido ou o Recife morre de infarto! Não é preciso ser
médico para saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é
obstruindo as suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar (sic) e esvaziar a
alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários. O
que fazer para não afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como
devolver o ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta
injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas
veias do Recife.
Em meados de 91, começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um
núcleo de pesquisa e produção de ideias pop. O objetivo era engendrar um “circuito
energético”, capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial
de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na
lama.
Os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em quadrinhos, tv
interativa, antipsiquiatria, Bezerra da Silva, Hip-Hop, midiota, artismo, música de
rua, John Coltrane, acaso, sexo não virtual, conflitos étnicos e todos os avanços da
química aplicada ao terreno da alteração e expansão da consciência.
7
Há diversas canções dedicadas ou citações à Manguetown nos discos de Chico Science & Nação Zumbi.
“Manguetown”, do disco Afrociberdelia, é certamente a mais famosa. Já “Antene-se”, de Da lama ao caos, cita
o “título” de quarta pior cidade do mundo.
32
interesse estão em maior número: “Teoria do caos, World Music, Legislação sobre meios de
comunicação, Conflitos étnicos, Hip-Hop, Acaso, Bezerra da Silva, Realidade Virtual, Sexo,
Design, Violência e todos os avanços da Química aplicada no terreno da alteração/expansão
da consciência” (TELES, 2000, p. 256). Note-se que na versão de 1991 há mais itens
enumerados ao final do Manifesto; alguns deles muitíssimo importantes para a estética
Mangue, em especial, para o trabalho de Chico Science. É o caso da referência à Teoria do
Caos, que será trabalhada por Science na faixa “Côco dub”. Desconheço a razão para tais
mudanças, mas pode-se especular que seriam alterações voltadas a adequar o texto ao novo
meio em que seria encontra impresso e divulgado.
2.3 A oposição
Chico Science foi me procurar. Tivemos uma conversa extraordinária. Ele me disse,
“Ariano, eu sou um armorial”. Eu disse a ele, “olhe, Chico, você me desculpe, mas
está cometendo um equívoco”. É um equívoco, porque ele parte da ideia de que pega
os elementos da música popular, do maracatu rural etc. e aí, diz ele, para valorizar
essa música, lança mão do rock, do rap. A meu ver, não está valorizando. Está
vulgarizando. Como é que uma música inferior pode melhorar uma superior? A
música brasileira da qual ele parte é de primeiríssima ordem. Quem fazia isso
corretamente era Villa-Lobos, que pegava a música popular e transcendia, na busca
de uma dimensão maior. Chico Science, a meu ver, está em posição equivocada.
Agora, eu digo isso com o maior cuidado, porque eu gosto dele demais.
8
Em entrevista à historiadora Maria Thereza Morais, em 2005 (apud VARGAS 2007, pp. 62-63),verifica-se que
o posicionamento de Ariano Suassuna manteve-se intacto com o passar dos anos: “eu considero deturpação o
que se importa. Agora, eu digo isso com desgosto, porque eu gostava pessoalmente de Chico Science. [...]
Porque eu disse para ele: ‘Chico, você me desculpe, mas está equivocado. Você está sendo colocado a serviço
das piores forças que estão invadindo o Brasil’. Estas forças invadem de outras formas também, mas, no nosso
caso, o que interessava era o aspecto cultural. Aí ele disse: ‘mas professor, olhe, eu estou tentando valorizar o
maracatu rural’. Então, como valorizar o maracatu rural, que é uma coisa boa, introduzindo o rock, que é uma
porcaria? Como é que pode? Uma coisa ruim não pode valorizar uma coisa boa, não!”
35
Entrevistado por Liliane Reis, em vídeo que está disponibilizado no site YouTube,
Jorge Du Peixe, que já fora percussionista e, atualmente, é vocalista da Nação Zumbi, mostra
o posicionamento de seus colegas músicos com relação a esse tipo de pensamento, dizendo
que sua intenção nunca foi a de
Note-se que, para o músico e seus companheiros de banda, a ideia nunca foi a de
entrar em conflito com as demais visões de cultura predominantes em seu estado, mas, sim, a
de ter o direito de fazer algo diferente. O preceito de tolerância reivindicado pelos
mangueboys foi também uma de suas bandeiras: de acordo com o seu pensamento, todas as
manifestações artísticas deveriam ter legitimidade para mostrar o seu ponto de vista e dialogar
com as demais. Nesse sentido, o Manguebeat promoveu um choque cultural bastante forte por
precisar obter praticamente à força este espaço almejado pelos jovens artistas, já que esta
tolerância cultural não era uma prática da elite cultural pernambucana.
9
O trabalho referido vem a ser monografia de conclusão de curso de graduação, defendida em 2007, intitulada
Parabólicas na lama: uma descrição do Movimento Manguebeat, sob orientação do Prof. Dr. Luís Augusto
Fischer.
36
Herom Vargas, por outro lado, afirma que a postura dos articuladores da cena
descarta contundentemente essa visão. Hélder Aragão foi categórico ao dizer ao crítico que
o Mangue nunca foi um movimento. Era um grupo de amigos que se juntava para
fazer festas. Essa é a raiz da coisa. Tem um núcleo inicial com duas bandas – Nação
Zumbi e Mundo Livre S/A – e se encerra nisso. O resto é invenção da mídia. Porque
[o Manguebeat] virou um rótulo e você perde o controle. [...] (apud VARGAS,
2007, p. 86)
produzida pelo grupo. A ordem era misturar, antropofagizar (tal qual a tradição10 brasileira
desde os modernistas de 22, e seguida pela Bossa Nova e Tropicália) e dar visibilidade para
qualquer manifestação musical que quisesse desprender-se das amarras do conservadorismo.
Note-se, então, que já no grupo inicial, formado por Chico Science & Nação Zumbi e
por Mundo Livre S/A, havia diferenças bastante marcantes quanto à sonoridade produzida por
cada banda. Chico Science & Nação Zumbi, desde o início, procuraram incorporar as batidas
do maracatu, da ciranda e do coco, ritmos tradicionais pernambucanos, aos grooves do rap e
do hip-hop. A Mundo Livre, por sua vez, trabalhou com “variações do samba com influência
explícita de Jorge Benjor” (VARGAS, 2007, p. 87). Os artistas que posteriormente foram
sendo agregados à movimentação mantinham ainda maiores diferenças entre si e com os
fundadores. Herom Vargas mostra a grande diversidade de sons que foram saindo da lama
para promover o caos:
há grupos de hardcore, rock e punk rock (Câmbio Negro H. C., Jorge Cabeleira,
Eddie, Querosene Jacaré, Devotos e Matalanamão [...]), grupos de rap (Faces do
Subúrbio), bandas que fundiram tradições regionais com elementos das músicas
globalizadas (Via Sat, Inhame Jam, Severinos Atômicos, Sheik Tosado), outros que
produzem música eletrônica (DJ Dolores) e aqueles que se voltaram a pesquisas com
as próprias músicas regionais [...] – limitando um pouco mais os processos de fusão
musical (Cascabulho, Mestre Ambrósio, Comadre Florzinha e Chão e Chinelo)
(VARGAS, 2007, pp. 87-88)
10
Tatit (2004) identifica uma “tendência brasileira à assimilação” (p. 92, grifo do autor) e comenta: “a mistura é
na verdade um fenômeno universal que adquire especial notoriedade no Brasil provavelmente pelo tratamento
euforizante que sempre lhe foi dispensado a partir de Gilberto Freire” (idem, ibidem).
11
Tanto Dona Selma do Coco quanto Mestre Salustiano foram reconhecidos como Patrimônios Vivos de
Pernambuco (Lei nº 12.196, de 2 de maio de 2002), respectivamente em 2006 e 2008. Fonte: Fundação Joaquim
Nabuco.
38
(idem, ibidem). Dona Selma gravou seu primeiro CD, inédito no Brasil, segundo o site Música
de Pernambuco, na Alemanha. Em 1999 gravou o CD Minha história12, que recebeu o Prêmio
Sharp.
Desse modo, assim como houve a música feita por Chico Science, idealizador do
conceito norteador do Manguebeat, houve grupos de diversos outros gêneros. Em outras
palavras, o conceito de Mangue, que Science criara para nomear sua música, poderia (e
deveria) ser traduzido e transplantado para quaisquer outros contextos, significando
celebração e valorização da diversidade. Veja-se, então, que é notável a diferença existente
entre o trabalho proposto e executado por Chico Science e aquele feito pelos demais artistas
da cena recifense. Com isso, acredita-se que seria possível classificar e analisar as duas
abordagens distintamente.
A primeira, aqui chamada de Mangue stricto sensu, seria a estética scienciana,
fundamentada pelo conceito de Mangue não somente de modo abstrato, mas fazendo dele o
seu ideal cancionístico: a mescla de ritmos (e temas) locais e não locais, tal como Science
anunciara em sua noção de “música universal”. A outra vertente, composta pelos demais
músicos, além de artistas plásticos, estilistas, escritores e cineastas, seria aquela que toma o
conceito de Mangue de modo mais abrangente e abstrato, utilizando suas noções de
celebração da diversidade, necessidade de revitalização da cultura pernambucana e,
especialmente, liberdade criativa – o Mangue lato sensu ou, propriamente, o Manguebeat e a
ideia de cena cultural defendida por seus idealizadores.
Tendo-se isso em mente, deixaremos, por ora, as polêmicas acerca de como a crítica
e os articuladores do Manguebeat interpretam-no para pensar, exclusivamente, no trabalho de
Chico Science & Nação Zumbi como detentor de um cunho vanguardista bastante forte.
Primeiramente, por nortear-se por um conceito articulado e definido – chamado Mangue – e a
partir dele erigir toda uma obra cancionística que passará, posteriormente, a influenciar
diretamente vários artistas nacionais e internacionais. Também, pela sua proposta de
afastamento do contexto cultural local, considerado pelos músicos atrasado e inadequado aos
novos tempos, promovendo uma ruptura estética bastante visível no contexto cultural
Pernambucano.
12
A faixa “Coco para Berlim” parece ser um resquício do disco anterior: “Oh, mamãe, eu queria me banhar / na
bacia de ouro de Ia-iá / Eu vim cantar coco aqui / na cidade bonita de Berlim / Quero ver o povo sambar [...]”.
3 A ARTE VANGUARDISTA DE CHICO SCIENCE & NAÇÃO ZUMBI (OU O
MANGUE STRICTO SENSU)
A ideia desta pesquisa é efetuar uma leitura do trabalho de CSNZ enquanto obra de
cunho vanguardista. Para isso, parte-se, primeiramente, da ideia de que suas canções são
norteadas e realizadas sob a ótica de um conceito definido. Dizendo de outro modo, toda a
obra de CSNZ é vinculada à noção de Mangue, cunhada por Chico Science.
Além do dado de guiar-se por uma estética definida, o trabalho de CSNZ promove
uma ruptura com a realidade cultural de Pernambuco, no intuito de desfazer a barreira entre o
local e o não local, entre o folclórico e o urbano, reciclando e relendo a tradição à luz dos
ritmos contemporâneos e dando visibilidade para a arte vinda “do manguezal”. A já
mencionada resistência de entidades mantenedoras da pureza da tradição cultural é mais uma
prova do impacto que a movimentação Mangue causou no Recife e arredores.
O foco da análise a ser empreendida aqui será a noção de “música universal” almejada
por Science, conforme visto no capítulo anterior. A pretensão (lendo-se “pretensão” sem
qualquer conotação pejorativa) de universalidade13 anunciada por Chico Science e,
posteriormente, conforme será visto, seguida à risca pela Nação Zumbi, faz com que o
trabalho desses cancionistas possa ser lido como um manifestação que possui em sua
concepção um ideal de vanguarda.
Essa ideia deve ser entendida sob dois vieses. Primeiramente, é necessário notar-se
que a vanguarda scienciana é pautada pela pretensão de universalidade no sentido de procurar
afastar-se do exacerbado tradicionalismo presente em sua cultura, dando-se o direito de deixar
de fazer uma canção regional somente por fazer parte daquela região. Dizendo-se de outra
maneira, a teorização scienciana requer liberdade artística para realizar qualquer tipo de
trabalho cancionístico, não importando de onde seja a “batida”, mas sim que ela seja
produtiva musicalmente. E essa é a outra face da questão: para Science, promover a quebra de
barreiras entre a música feita em seu estado e aquela feita em todo o resto do mundo é algo
urgente. Segundo o seu pensamento, ciranda, coco, baião, samba, rock, música eletrônica etc.
seriam todos ritmos legítimos, que poderiam (e deveriam) “conversar” amplamente entre si e
com o que mais viesse a surgir. Essa “conversa” entre beats pode muito bem ser entendida
13
Nenhum elemento ou manifestação cultural pode ser considerado “universal”. Porém, este foi o termo
escolhido para ser aplicado nesta pesquisa por conta de sua utilização por Chico Science em sua teorização. Para
os fins deste trabalho, porém, os termos “universal” e “universalidade” querem somente denotar uma oposição
ao puramente local, ou exótico; ou, mais precisamente, uma ambição cosmopolita.
40
como a “música quântica” prenunciada em “Côco dub (afrociberdelia)”, conforme será visto a
seguir. Assim, essa pretensão de universalidade é a chave para a concepção da obra de CSNZ
enquanto obra de vanguarda, visto que essa urgência em livrar-se das amarras do
conservadorismo, somada à rigidez de seu conceito norteador, promove uma grande ruptura
com a visão estreita de cultura de seu estado, fazendo dela uma manifestação inédita no país.
Com esses dados em mente, a primeira seção deste capítulo será dedicada a uma visão
geral dos sete discos lançados por Chico Science & Nação Zumbi e Nação Zumbi até o
momento, no intuito de promover uma discussão inicial a respeito da obra desses artistas.
Deseja-se, com isso, mostrar de forma mais ampla, antes de partir-se para os casos
específicos, essa expansão no conceito de Mangue e sua consequente consolidação, bem
como a gradativa aproximação da ideia de “música universal” que, como comentado, é o
norte do trabalho desses cancionistas.
3.1 Os discos
Figura
Fi 2 – Imagem do CD Da lama ao caos
Muita coisa está mudando. Depois do deslocamento dos bairros, agora enfrentamos
esses mutantes. De longe a cidade parece normal, mas chegando perto... Aqui em
casa papai foi o único que sucumbiu ao mal. A família está em polvorosa. Nem
levamos ele para o casamento de Joanatária, mas já o aceitamos na mesa.
O texto informa que tais transformações teriam surgido nos cidadãos por conta da
ingestão de cerveja:
Note-se que nem a Organização Mundial de Saúde escapa aos comentários ácidos dos
caranguejos com cérebro: a expressão “respeitada instituição” torna-se bastante irônica
quando os supostos motivos para a epidemia de mutações aparecem. Além disso, o adendo
“sem protetor” simboliza a piada que o texto deseja fazer: a não utilização do filtro solar por
parte dos caranguejos faz deles um pouco culpados (do mesmo modo que os humanos são
instruídos a utilizarem filtro ao se exporem ao sol para não terem doenças de pele) pelo
surgimento da toxidade em sua baba. Assim, a não observância deste preceito básico (!)
efetivou todo um problema para a população consumidora de cerveja da região.
14
Gregor Samsa é o protagonista de A metamorfose, do escritor Franz Kafka.
43
Figura 3 – “Man
anguecartoon” encartado no encarte de Da lama ao caos.
de “multicoloridos homens” que “andam, sentem, amam, acima, embaixo do mundo”: seres
humanos de quaisquer partes do globo. Atente-se para a insistência na condição da
“multicor”, referência não apenas à etnicidade, mas ao respeito à diversidade de pensamentos:
segundo a teoria afrociberdélica (que será estudada adiante) é a convivência com a
diversidade que efetiva a riqueza cultural almejada pelos mangueboys.
Conforme comentado no capítulo anterior, em pesquisa já desenvolvida, dediquei
especial atenção à faixa, dada a sua importância para a compreensão dos propósitos
sciencianos. Em minha análise, percebi que
Esta Teoria [do Caos] parte da análise de partículas cuja direção do movimento é
praticamente impossível prever. Usando esta analogia, temos que, os homens, por
possuírem cérebros e ideias diferentes, possuem comportamentos imprevisíveis,
caóticos. Já a "música quântica" faz referência à Física Quântica, que se ocupa em
tentar explicar, ou prever, aproximadamente, o percurso caótico dessas partículas.
Analogamente, a "música quântica" [...] denota uma maneira de tentar representar as
formas imprevisíveis que a música assume, bem como o comportamento
imprevisível das pessoas e suas reações àquela. No verso “O leito não linear segue
para dentro do universo” a entonação também tem papel primordial: ela é
decrescente, denotando tranquilidade, no intuito de demonstrar que “seguir para
dentro do universo” é algo natural e inevitável, como o curso de um rio (daí a
referência ao leito). A não linearidade está diretamente relacionada ao caos (das
partículas, dos homens, da música) que acaba por convergir a um ponto dentro do
universo. A referência à Teoria Quântica aplicada à música questiona se seria
possível compor uma música quântica, capaz de explicar esses fenômenos. Ou
ainda, se tudo isto estaria nos levando à criação de uma música quântica, universal,
em referência ao Efeito Borboleta. Este, uma das bases da Teoria do Caos, recebe
esse nome exatamente por utilizar como imagem a hipótese de que o bater de asas de
uma borboleta em um ponto da Terra poderia ocasionar uma tormenta no hemisfério
oposto; o que implica que as ações em um lugar provocam reações em outro.
Havendo infinitas variáveis influenciando os fenômenos, chegamos à
impossibilidade de previsão dos mesmos (por isso, um simples bater de asas de uma
borboleta brasileira poderia provocar um furacão no Canadá: dados os inúmeros
fatores que acabam por influenciar esta pequena corrente de ar). Aplicando-se essa
noção à canção, temos que a ideia é fazer uma música que dê conta desses
fenômenos universais: bater um tambor aqui pode causar efeitos inimagináveis do
outro lado do mundo. Principalmente se levarmos em conta as idiossincrasias dos
povos, também apontadas na canção: essas são as variáveis que acabam por
influenciar os fenômenos. (SILVA, 2007, p. 30)
é, precisamente, a “conversa” entre ritmos (ou beats) distintos. É neste sentido que Silva
(2007, p. 30) frisa que bater um tambor no Recife pode fazer (e fez) grande parte do Brasil e
diversas pessoas pelo mundo repensarem o seu jeito de fazer arte. A começar pelos próprios
artistas pernambucanos.
3.1.2 Afrociberdelia
Em 1996 é lançado o trabalho Afrociberdelia, cuja capa (projetada pelo web designer
H. D. Mabuse e por Jorge Du Peixe) conta com uma foto da banda, sobre um fundo branco e
detalhes em laranja (em oposição à anterior, onde o cartão de visitas era o caranguejo, em
fundo preto).
Figura 4 – Afrociberdelia
15
Na seção seguinte, a vinheta introdutória de Da lama ao caos, “Monólogo ao pé do ouvido”, será objeto de
análise.
47
juntamente com uma figura típica do folclore de Pernambuco. Esta noção de mescla entre
moderno e tradicional, folclórico e contemporâneo, em um movimento de mútua
complementação, continuará sendo a tônica do disco, bem como do trabalho de CSNZ como
um todo, já que é o cerne da concepção Mangue de cultura. Veja-se, por exemplo, o título
dado à quarta faixa: “Quilombo grooves” é uma faixa instrumental, tensa, que transporta o
ouvinte para uma cena de fuga e/ou esconderijo, tal qual o título sugere. Mais uma vez,
encontra-se a utilização do termo “grooves” fazendo a junção entre a temática local (do
quilombo) com a não local, visto que um groove pode vir de qualquer lugar, ou de qualquer
tipo de canção.
3.1.3 CSNZ
Figura 5 – CSNZ
Neste ponto, o projeto gráfico (assinado novamente por Jorge Du Peixe, além de
Valentina Trajano e Sonaly Macedo) retorna às origens, voltando a trabalhar com a imagem
do caranguejo. Desta vez, sem estilização, a capa traz a foto de um crustáceo verdadeiro, do
mesmo modo que as imagens impressas nos CD e nos encartes. De luto, no encarte, a Nação
48
Zumbi aparece de costas, tocando já com Jorge como substituto de Chico Science. E, é claro,
deixa a dedicatória: “Este álbum é inteiramente dedicado a Francisco de Assis França (Chico
Science). Sem sua inspiração, suporte, e entusiasmo, nada disso seria possível”.
O disco “Noite” traz dez remixes de diversas canções da banda feitos por DJs do
Brasil e do exterior. As cinco canções inéditas estão localizadas no disco “Dia”, seguidas de
cinco canções ao vivo, gravadas pela própria banda, além de uma regravação de “Samba
makossa”, feita por Planet Hemp. “Malungo”, canção que abre o trabalho e conta com a
participação de Jorge Ben Jor, Marcelo D2, Falcão (O Rappa) e Fred Zero Quatro, é uma
homenagem explícita a Chico, visto que “malungo”, na gíria do Mangue, significa
“companheiro de luta, camarada”. A letra enfatiza a importância do trabalho pioneiro de
Science, frisando que “a ciência conseguiu juntar / O mangue com o mundo / e de lá saiu / o
mangueboy malungo”. “A ciência”, certamente, faz referência a Chico e ao seu insight de unir
a produção artística local às diversas manifestações musicais existentes no planeta.
Os versos iniciais da quarta canção do álbum, “Dubismo”, anunciam o que depois
viria a ser o título do quarto disco da banda: “Mais uma intervenção do / Serviço Ambulante
da Afrociberdelia / Rádio S.Amb.A”.
Após a morte do líder Chico, acreditou-se que a Nação Zumbi tivesse encerrado suas
atividades, apesar de o refrão de “Malungo” repetir insistentemente: “tamo aí mandando
brasa”. Porém, em 2000, aparece Rádio S.Amb.A, disco com uma estrutura bastante
semelhante à encontrada em Da lama ao caos, seja na capa sem fotos, nas cores sóbrias ou
mesmo na presença do ex-vocalista, ainda muito sentida.
49
3.1.6 Futura
Figura 8 – Futura
16
Para a definição de metacanção, vide
v nota 24 à página 66.
52
Joseph Conrad sobre a base de um tema judaico-cristão, em “Inferno” – “no coração das
trevas estou / e já não tenho mais direção”.
O projeto gráfico, feito novamente por Jorge Du Peixe e Valentina Trajano traz uma
“Senhora Fome” (NOGUEIRA, 2007): uma mulher, com as entranhas à mostra, faca em
punho e a estilização de um cabo USB no lugar da língua e outro que é a extensão de suas
vísceras. A fome que a consome deve saciá-la de todas as maneiras: é uma fome física,
mental, espiritual, cultual – de tudo.
3.2 Os temas
Como mencionado, a análise a ser aqui empreendida com vistas a demonstrar que a
obra scienciana possui em seu cerne um ideal vanguardista partirá da noção de “música
universal”, lançada por Chico Science. Decidiu-se que uma maneira produtiva de demonstrar
de que modo essa ideia perpassa e consolida-se no trabalho do grupo seria acompanhando
diacronicamente a mudança no tratamento de temas recorrentes em sua obra. Deste modo
seria possível verificar que, gradativamente, os músicos de CSNZ aproximam-se cada vez
mais da ideia, seja na escolha dos assuntos a serem abordados em suas canções, seja no modo
pelo qual o fazem.
Os temas escolhidos para essa análise, certamente, não o foram por acaso. Alguns
deles representam várias temáticas urgentes no que concerne à estética Mangue. Outros
mostram tópicos comuns nas obras cancionísticas em geral e pareceu ser interessante verificar
a leitura dada a eles por CSNZ em seus trabalhos. Os sete temas são: Personagens, A
manguetown, O baque de arrodeio, A fome, Autorretrato, O eu e o mundo e O amor Mangue.
3.2.1 Personagens
17
No intuito de evitar repetições, durante todo este capítulo, e sempre que for necessário, os títulos dos discos de
CSNZ serão informados de acordo com a seguinte legenda: Da lama ao caos = DLAC; Afrociberdelia = A;
Rádio S.Amb.A = RS; Nação Zumbi = NZ; Futura = F; Fome de tudo = FT. CSNZ já denota uma forma concisa,
logo, não há a necessidade de fazer quaisquer alterações neste caso.
18
As letras de todas as canções aqui transcritas, tanto na íntegra quanto em trechos, foram retiradas dos encartes
dos respectivos CDs, à exceção de Futura, que não as traz em seu encarte. Neste último caso, as letras foram
transcritas pela autora. Quando necessário, a autora tomou a liberdade de efetuar algumas alterações, como em
casos de erros de pontuação ou ortografia que não causassem dano à poeticidade da composição; ou mesmo no
55
Modernizar o passado
É uma evolução musical
Cadê as notas que estavam aqui
Não preciso delas!
Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos
O medo dá origem ao mal
O homem coletivo sente a necessidade de lutar
O orgulho, a arrogância, a glória
Enche a imaginação de domínio (sic)
São demônios os que destroem o poder
Bravio da humanidade
Viva Zapata!
Viva Sandino!
Viva Zumbi!
Antônio Conselheiro
Todos os panteras negras
Lampião sua imagem e semelhança
Eu tenho certeza, eles também cantaram um dia.
intuito de evitar repetições desnecessárias ou de adequar a referência àquilo que é efetivamente dito na gravação
quando houve discrepância entre esta e a letra veiculada no encarte.
19
“Monólogo ao pé do ouvido” e “Banditismo por uma questão de classe” ocupam a mesma faixa no disco.
56
denominação “bandido” para certas figuras históricas, como as citadas, bem como a atuação
violenta e ineficiente da polícia nas periferias.
O maior questionamento encontrado nessa canção está presente em seus dois últimos
versos, procurando fazer com que o ouvinte reflita sobre a questão da bandidagem: os
bandidos o são meramente por má índole ou por motivos de força maior, como a fome?
Para ilustrar essa pergunta, há a citação de duas figuras históricas da cultura
pernambucana: Galeguinho do Coque e Biu do Olho Verde, ambos bandidos perseguidos
pelas autoridades, por volta da década de 1980. A diferença é que Galeguinho era aclamado
no Morro do Coque por ser uma espécie de Robin Hood, roubando dos “ricos” e distribuindo
comida para os necessitados de sua comunidade. Em contrapartida, Biu do Olho Verde
atacava e feria suas vítimas – na maior parte mulheres – com um alicate. Segundo os relatos, o
agressor as perguntava sadicamente se preferiam receber um tiro ou um beliscão... Neste caso,
suas ações geravam somente pânico na população, que o temia terrivelmente.
Note-se, também, a menção à Perna Cabeluda, uma entidade sobrenatural, como a
Mula sem Cabeça ou o Boi da Cara Preta. Segundo a lenda, a tal Perna aparecia subitamente,
chutava as pessoas, e ia embora, pulando, sem maiores explicações.
O uso dessas figuras populares vai ao encontro da proposta Mangue de trazer para a
contemporaneidade o que é folclórico, ressemantizando os elementos da cultura local e
57
a violência sofrida por um ser humano, sua mente, teoricamente, ainda seria capaz de
trabalhar por si só, independentemente do estado de seu corpo. A questão Mangue, como
visto, gira em torno da ideia da necessidade de tomada de consciência por parte do povo, da
importância do pensamento enquanto mola propulsora para a resolução dos problemas.
Note-se, então, que esta questão altamente universal, por assim dizer, é retratada em
meio ao contexto do sertão e junto à questão do cangaço: tem-se aí a junção daquilo que não
possui localização fixa com o localizado, respectivamente. Diz-se que não possui localização
porque acredita-se que qualquer pessoa seria capaz de sensibilizar-se com a temática
apresentada. E não é somente na letra que isso aparece: como mencionado, a canção é
composta pela releitura de um ritmo tradicionalmente nordestino à luz das distorções e peso
do rock; ou seja, é um exemplo fortíssimo da estética do Mangue.
É importante frisar que, ao contrário das canções do disco anterior, em que as citações
eram explícitas, agora, a referência a Lampião é tangenciada, visto que é necessário que se
conheça o contexto onde a canção se apresenta, ou mesmo que se saiba a origem desses
nomes. Também é notável que o local onde a cena se passa é indefinido, ao contrário, por
exemplo, de “Banditismo por uma questão de classe”, onde a ação ocorre em “morro, ladeira,
córrego, beco, favela”, lugares identificados com as periferias das cidades. A ausência da
identificação espacial deixa margem para que a ação ocorra em qualquer lugar, especialmente
por seu caráter ficcional e fantasioso. Assim, há um forte descolamento entre a questão do
cangaço, altamente localizada, e o sentimento universal da autopreservação.
Já em Rádio S.Amb.A, a faixa “João Galafuz” volta a falar de elementos do folclore
pernambucano. Em uma visita bastante forte à tradição, o compositor Jorge Du Peixe baseia
sua canção na lenda pernambucana20 que a intitula: Cascudo (2001) explica que João Galafuz
ou Galafoice seria, segundo a superstição popular, “uma espécie de duende, que diz aparecer
em certas noites, emergido das ondas ou surgindo dos cabelos de pedras submersas, como um
facho luminoso e multicor, prenúncio de tempestade e naufrágios” (p. 1996). De acordo com
o folclorista, acreditam que este ente seria “a alma penada de um caboclo, que morreu pagão,
acaso conhecido por João Galafuz” (idem, ibidem).
Segundo o folclorista, essa crença é comum entre pescadores do norte de Pernambuco
e, principalmente, da Ilha de Itamaracá. Assim, a banda convida a cirandeira Lia para
interpretar a canção junto ao vocalista. A participação de Lia de Itamaracá é um dado
20
Note-se que a utilização de uma lenda do folclore pernambucano é outro indício da similaridade entre os
trabalhos com Chico Science e Rádio S.Amb.A, como já havia sido comentando. Lembre-se que, em Da lama
aos caos, a faixa “Banditismo por uma questão de classe” já havia falado da Perna Cabeluda, por exemplo.
59
importante na história dos músicos, visto que é uma figura emblemática da música
pernambucana e, como foi comentado, nos discos anteriores a Rádio S.Amb.A, somente
artistas não locais e/ou contemporâneos haviam emprestados suas vozes aos trabalhos de
CSNZ: Gilberto Gil, Marcelo D2, Falcão, Jorge Benjor e Fred Zero Quatro.
A canção mostra este eu que pensa no momento da morte, tornando-a mitificada.
E a novidade assustou
Já não é mais assim por mês
Rápido Brasil
Santa antena da transmissão
Da alma pura
No pé do ouvido
No olho do mundo
No canto da boca
Sambo no jazzo
Frevo na sombra
Quente no som
cangaceiro também possuía grande preocupação com o lado social. E isso o colocaria em
linha com Zumbi, uma das maiores referências para os mangueboys.
O que é determinante aqui é o uso que se faz das duas figuras. A aparente simplicidade
na reiteração da alta semelhança entre os dois personagens esconde, todavia, uma
complexidade bastante intrigante. Se um é o outro, o primeiro assume as características do
segundo e vice-versa, em um movimento circular infinito. Logo, é como se não houvesse mais
Lampião e Zumbi separadamente, mas apenas uma figura: a união dos dois. Unindo-se o ideal
libertador de Zumbi à disposição para a luta de Lampião, o resultado seria o herói Mangue
absoluto.
E apesar de a temática da canção voltar a fazer uso explícito do nome das figuras que
discute, a letra, altamente sintética, exime-se de qualquer explicitação acerca daquilo que
afirma. Quer-se dizer com isso que o cancionista escolhe dizer o mínimo necessário para se
fazer entender, quase que propondo um enigma.
Através da análise das cinco canções depreende-se que a citação a personagens
folclóricos ou históricos dentro da obra de CSNZ aparece, em um primeiro momento, como
modo de ação. Eles servem como inspiração e ilustração para seus ideais. Com o passar do
tempo, sua função passa a ser a de servir como enriquecimento para esta ilustração. Ou seja,
eles são a âncora que mantém o trabalho ligado à sua raiz regional, visto que os temas deixam
de ser localizados. É interessante verificar que no último disco lançado pela banda, Fome de
tudo, os personagens desaparecem, dando lugar a citações artísticas e literárias diversas. Um
exemplo é a canção “Bossa nostra” e seu verso “e nessa insustentável leveza de ser / eu
gosto mesmo é de vida real”, em referência ao livro de Milan Kundera21. Outro exemplo, já
comentado, está na faixa “Inferno”, onde o livro de Joseph Conrad22 é citado. Em “Onde
tenho que ir”, há menção à Bíblia (“deixou cair em tentação”) e ao filme de Danny Boyle
(“por uma vida menos ordinária pintamos o chão”). “Toda surdez será castigada” (que será
analisada adiante) brinca com o título da peça de Nelson Rodrigues enquanto, finalmente, “No
Olimpo” fecha o disco atualizando o tema grego ao gosto Mangue: “Todos os dias nascem
deuses / alguns melhores e outros piores do que você”. Isso mostra que há uma ampliação
bastante grande do dos personagens aqui trabalhado, visto que as citações a outras obras
artísticas passam a fazer o papel até então exercido pelas figuras históricas. Porém, não mais
21
O livro A insustentável leveza do ser (The unbearable lightnes of being), do escritor tcheco Milan Kundera, foi
publicado em 1984.
22
O livro de Joseph Conrad, No coração das trevas (Heart of darkness), é de 1902.
62
são o foco da discussão: estão presentes nas canções de forma secundária, mas não
irrelevante, efetivando o almejado diálogo entre o local e o não local.
3.2.2 A manguetown
As imagens escolhidas pelo cancionista, tais como “pedras evoluídas” (os grandes
edifícios), “pedreiros suicidas” (os que os construíram à custa de seu próprio sacrifício),
“cavaleiros” (a polícia) que vigiam a todos e prostituição da cidade criam um quadro
metafórico para efetivar toda a denúncia social que Science deseja empreender.
O famoso refrão “a cidade não para, a cidade só cresce / o de cima sobe e o de baixo
desce” mostra esta noção de crescimento descontrolado sentida pelos cidadãos recifenses,
conforme a descrição de Fred Zero Quatro e Renato L. no Manifesto Caranguejos com
Cérebro, que fez com que a cidade se tornasse, como visto, uma das piores do mundo em
condições de vida. Tal informação é corroborada pelos versos “num dia de sol Recife acordou
/ com a mesma fedentina do dia anterior” que mostram, de forma irônica, a inércia neste
quadro. Do mesmo modo que “sempre uns com mais e outros com menos” explícita a
denúncia deste panorama de grande desigualdade social. A proposta do eu da canção, então, é
a de “fazer uma embolada, um samba, um maracatu / tudo bem envenenado”, ou, em outras
palavras, aplicar a noção de Mangue à realidade social: misturar um ritmo tradicional
(embolada, samba, maracatu) a ritmos contemporâneos, “envenenando”, assim, a canção, de
modo que o resultado seja agradável a todos. Unindo-se em torno de uma cultura não
excludente, que reconheça o valor e a legitimidade de toda e qualquer manifestação cultural,
será possível aos cidadãos saírem da má situação em que se encontram, tanto no âmbito
musical quanto social.
Já em Rádio S.Amb.A, a faixa “Quando a maré encher”23 descreve uma paisagem de
periferia, usando como mote uma brincadeira comum entre a população pobre da região.
23
“Quando a maré encher” não é uma composição de qualquer dos integrantes da Nação Zumbi. Contudo,
reconhece-se sua importância na obra da banda, visto que a simples escolha de gravá-la denota a identificação
sentida por parte dos integrantes para com a temática da canção. Deste modo, decidiu-se que seria interessante
analisá-la nesta pesquisa como uma obra de arte que faz parte do trabalho da Nação Zumbi.
64
Veja-se que o inocente ato de sair à rua para brincar é permeado de questões
negativas, como o uso de entorpecentes. O eu da canção, assumindo o ponto de vista de uma
criança, inicia seu relato informando que saíra de casa para encontrar uma ocupação – brincar.
Porém, o que encontra é a imagem da miséria, exposta nas terceira e quarta estrofes;
praticamente um resumo do relato de Josué de Castro. Convivem, lado a lado, animais
domésticos e parasitas, e o mesmo local em que se come é utilizado, igualmente, como quarto
e banheiro.
O interessante aqui é que a paisagem descrita pelo eu da canção poderia apresentar-
se em qualquer favela ou bairro extremamente pobre brasileiro. Sabe-se que o cancionista
refere-se ao contexto pernambucano por conta da já citada brincadeira de tomar banho de
canal, o que não é possível em qualquer cidade. Porém, o restante do quadro não se mostra
fixado em um espaço definido, podendo aparecer em qualquer lugar do Brasil. Lembra muito,
também, a descrição da miséria encontrada na Aldeia Teimosa, de Homens e caranguejos. É
notável então que a Nação Zumbi passa a visualizar a pobreza em toda e qualquer cidade, e
não somente em sua cidade natal. O problema não é mais localizado, mas generalizado.
E o que mais inquieta é a inércia da população com relação a este quadro, o que está
expresso no último verso da quarta estrofe, onde o eu da canção demonstra o seu desprezo
pela crença excessiva em entidades metafísicas (note-se que a palavra “deus” está grafada em
minúsculas, mesmo denotando a entidade maior da Igreja Católica), quando isto, segundo o
seu ponto de vista, não passa de ilusão. Do mesmo modo em que o narrador de Homens e
Caranguejos, o eu da canção acredita que só haveria alguma possibilidade de melhora em sua
situação se a própria população tomasse algum tipo de atitude.
O disco Fome de tudo também apresenta a sua visão da cidade. É, porém, a primeira
vez que há uma celebração de algum aspecto dessa manguetown. “Carnaval” é uma canção
alegre, leve, como um frevo deve ser – e algo bastante raro no trabalho de CSNZ, onde as
65
canções são pesadas, críticas e, muitas vezes, bastante soturnas, como no disco anterior,
Futura.
Multi-cor
Ultra-som
Multi-cor
Ultra-som
E no meio de tudo
Seu pecado lhe encontra
Solto na buraqueira Olinda-Recife
De ponte pula
Sobe e desce ladeira
Sem cair
Mestre-chão
Sem cair
Mestre-chão
muitas cidades brasileiras sofrem com a desigualdade social: todas as nossas grandes
metrópoles possuem pobres e miseráveis que esperam pela intervenção divina para salvá-los –
como visto em “Quando a maré encher”. Assim, a ideia de que a manguetown é um lugar
ruim perde força, pois não é diferente dos demais. Desse modo, há espaço para tratar de seu
cotidiano sem abordar seus aspectos negativos somente.
Samba maioral!
Onde é que você se meteu antes de chegar na roda, meu irmão?
A responsabilidade de tocar o seu pandeiro
É a responsabilidade de você manter-se inteiro
Por isso chegou a hora dessa roda começar
Samba Makossa da pesada, vamos todos celebrar
Cerebral, é assim que tem de ser
Maioral, é assim que é, bom da cabeça e um foguete no pé
Samba Makossa, sem hora marcada, é da pesada
Samba, samba, samba, samba, samba, samba, samba
24
Para os fins deste trabalho, considera-se metacanção aquela composição que fala sobre o fazer, a execução, a
interpretação ou sobre como deve(ria) ser a recepção da mesma pelo público. A base da metacanção é a
autoconsciência, ou seja, é o pensar e teorizar sobre si mesma.
67
tocar o pandeiro é mesmo que manter-se íntegro, “inteiro”. Além disso, o samba a ser feito
deve ser “cerebral”, ou seja, deve fazer com que seus compositores e ouvintes pensem,
teorizem, dialoguem acerca de seus temas. Assim, participar da execução da canção é mais do
que saber tocar seu instrumento de modo satisfatório, mas, principalmente, demonstrar
comprometimento para com a música que está sendo feita.
Do mesmo modo, em Afrociberdelia, a questão cancionística também será perpassada
pela necessidade de uma literal tomada de posicionamento – esta é a ideia que rege “Samba
do lado”.
O problema
São problemas demais
E não correr atrás da maneira certa de solucionar
perante a (nova) canção que se produz: ele permanecerá ao lado da ordem tradicional, ou
passará a “sambar” junto à novidade?
Veja-se que nas duas canções analisadas o fazer da canção está atrelado à atitude
daquele que a interpreta frente questões de ordem social e cultural. Na primeira, a discussão
recai não apenas na necessidade da presença do sujeito que tocará seu instrumento, mas que o
faça com atenção, esmero. É necessário que o samba (utilizado apenas como referência,
podendo, na verdade, denominar qualquer outro ritmo) seja feito com consciência, tanto no
que concerne ao tema quanto à execução da canção: consciência da importância de fazê-lo e
do quanto este gesto pode ser relevante para a sociedade. Já em “Samba do lado”, a questão é
a escolha do lado ao qual o sujeito deve filiar-se: ele deve escolher entre o samba tradicional e
aquele contaminado por referências contemporâneas, tal qual a teoria de Chico Science
apregoa.
Deixando de lado o convite ou a chamada para tomar parte nesta nova maneira de
fazer música, “Lo-fi dream”, de Rádio S.Amb.A, cuja letra possui trechos em português e em
inglês, fala a respeito de um som agradável, um novo estilo de música feito pelo eu da
canção. Assim, ele não mais convida seu interlocutor a fazer parte daquilo que está propondo,
mas, em uma nova abordagem, tenta mesmo seduzi-lo através da curiosidade.
Lá, lá, lá
A joyful noise
Came into my window
Something like a new Brazilian style
Bringing this explosion
Around me head
It was a great moment
Fat beats, dry and strong
My room is so high now
Like a nightmare
Lá, lá, lá
Lá, lá, lá
Lo-fi dream25
25
Tradução livre dos trechos em inglês: Um barulho alegre / Chegou em minha janela / Algo como um novo
estilo brasileiro / Trazendo esta explosão/ Ao redor de minha cabeça / Foi um momento ótimo / Batidas gordas,
secas e fortes / Meu quarto está tão alto agora / Como um pesadelo [...] / Alguém faz minhas batidas favoritas /
Na noite passada o que estávamos tentado fazer / Era construir um som novo / E agora estamos famintos por
escutá-lo / Não somos responsáveis por alto-falantes danificados / Outro nível, outro sabor / Os androides
sonham com trópicos elétricos? / Batize a batida / Em uma excursão sambadélica brasileira / Você pode me
ouvir? / Quando a batida está lado a lado com a rima / Do subsolo da lama / Brincar com a sua mente, falar
internamente / Então eu lhe mostro o que você quer encontrar / É uma situação frenética / É um louco, louco
maracatu / São Los Sebosos Postizos / Que controlam a rádio no mundo / Sonho Lo-fi.
70
da lama, o eu da canção mostrará ao seu interlocutor aquilo que ele supostamente deseja
encontrar. E finaliza dando uma pista do que o ritmo novo vem a ser: “a mad maracatu”.
Note-se que o eu da canção deixa de conclamar o ouvinte a participar de sua
“revolução musical” e passa a descrevê-la apenas, no intuito de seduzi-lo a participar, não por
achar que deve fazer parte de alguma movimentação ideológica, mas por acreditar que aquele
som lhe será agradável. A canção deixa de ser concebida como algo que descreve a
demarcação de algum posicionamento social, passando a significar um objeto estético com
fim em si mesmo: o próprio ato de fazer esse tipo de canção demonstra em seu cerne qual é a
concepção artística de seu cancionista, não mais sendo necessário que ele se utilize de seus
versos para explicar isso.
“Meu maracatu pesa uma tonelada” traz uma reflexão acerca do fazer da canção. Se
até há pouco era necessário explicar o porquê de fazer canções desse modo e, a seguir, a
explicação desaparece, aqui a questão é definir esse som perante o ouvinte.
A última canção a ser analisada neste item, “Toda surdez será castigada”, do disco
Fome de tudo, se centra nas noções de sutileza e abstração para falar do fazer da canção.
Lalalala
Lalalala
Faz tempo
Esse som vem zunindo bem longe
Além dos suspiros
Até nos ouvidos que escutam
As conversas das torres
Já soltaram as bombas em alto volume
Mesmo assim nem fizeram sombra
Na zuada o silêncio gira
Vagueia e acaba matando a manhã
Lalalala
Lalalala
O foco da canção é o som – um som que ninguém consegue escutar, mas que foi
detectado pelo eu. O “lalalala” é a materialização desse som que se ouve ao longe, conforme a
72
3.2.4 A fome
Da lama ao caos
Do caos à lama
Um homem roubado nunca se engana.
Os quatro primeiros versos mostram esta visão otimista frente aos desafios que são
colocados perante o eu. Como comentado, a canção scienciana assume uma direção contrária
a da perspectiva apresentada no romance de Josué de Castro, procurando mostrar que a
tomada de consciência por parte da população explorada é possível e palpável. Por conta
dessa ideia, Science faz uso do verbo modalizador – “posso” –, no intuito de demonstrar sua
tese a um virtual Josué, que é invocado na canção pelo eu que, em um monólogo, a ele se
queixa da situação que enfrenta.
Essa canção também trabalha com a noção de caos, já mencionado oportunamente.
Assim, note-se que o projeto do eu é o de sair de onde está, para poder vir a organizar-se ou
desorganizar o que encontrará: ambas as possibilidades são, na verdade, uma, visto que se
organizar, para ele, seria o mesmo que desorganizar o lugar para onde vai. Ele sairá da lama
para fazer o caos e, desse caos, fazer a lama. Ou seja, ele levará a fertilidade da lama para
onde ela não existe e, então, do caos formado, fazer lama novamente. Os versos da primeira
estrofe, deste modo, também podem ser interpretados como a deflagração desta
movimentação, desta vanguarda que se organiza e se solidifica no momento em que
desorganiza o contexto do qual discorda.
A temática da fome aparece na cena da feira, onde uma figura feminina e idosa
procura tomar aquilo que o eu da canção já havia roubado de outrem. Aí aparecem suas
teorizações sobre a necessidade de se alimentar adequadamente para conseguir dormir e da
relação entre os nutrientes vindos dos alimentos e a clareza de raciocínio. Ou seja, Chico
Science deseja frisar em sua composição que a fome e a inércia mental das pessoas estão
ligadas indiscutivelmente. Portanto, o eu de sua canção inicia o movimento de combate a essa
condição no momento em que luta para alimentar-se e, com isso, ter condições para pensar em
sua situação e no que pode fazer para mudá-la. Ao mesmo tempo, reforça este dado ao
invocar a fala e o humor popular ao fazer uso de uma imagem sexual e de duplo sentido ao
referir-se à “velha que pega a sua cenoura”.
Sete discos depois, “Fome de tudo” voltará a tratar do tema, porém, de forma mais
direta. Em “Da lama ao caos”, a questão da fome é um dos aspectos da canção, que focaliza
prioritariamente a necessidade e possibilidade de tomada de consciência. Na canção de 2007,
75
Sem fastio
Com fome de tudo
Note-se que a “fome” aparece adjetivada: ela é “universal”, ou seja, assola o mundo
inteiro, passa “por cima de tudo e de todos” e quer “tudo”. Nada escapa ao apetite devastador
dessa fome que, paradoxalmente, é extremamente saudável.
A fome é analisada sob dois aspectos. O primeiro é aquele em que ela aparece
humanizada, querendo algo, tendo saúde etc. Quase como um monstro gigantesco a assustar o
mundo inteiro. O segundo mostra a fome enquanto uma localização espacial, as pessoas estão
na fome, moram na fome e, de lá, observam a devastação que ela proporciona. Seria possível
associar este “viver na fome” com a vida no mangue, descrita por Josué de Castro. Porém, o
contexto da canção refuta tal hipótese, já que não há qualquer dado que efetive esse tipo de
relação. A referência é concreta quando estendida a todos os habitantes do mundo que sofrem
com esse problema.
Ao contrário de “Da lama ao caos”, aqui não há qualquer proposta de solução ou
sugestão de melhoria. O eu da canção apenas apresenta a situação e a analisa, sem tomar um
posicionamento ou sugerir que algo seja feito para que este quadro mude. A preocupação é
em mostrar o quão devastadora é esta fome e de que modo ela se apresenta perante a
sociedade.
76
3.2.5 Autorretrato
confiante, preparado e, o mais importante, não informa de onde vem, pois isso não mais é
importante.
Costas quentes
Dentes acesos
Olhos de espelho
Cabeça de leão
Lançando o perigo na ponta do enfeite
Estica o caminho quem manda no chão
Costas quentes
Dentes acesos
Olhos de espelho
Cabeça de leão
Livrando o perigo na ponta do enfeite
Estica o caminho quem manda no chão
O eu de “Infeste” faz questão de mostrar que não possui raiz. Ao contrário, como o
título, derivado do verbo “infestar”, apresenta-se fluido, chegando, metaforicamente, de todos
os lugares, como uma inundação. Sua autodescrição, também metafórica, mostra-o forte,
quase biônico (como o maracatu que pesa uma tonelada).
Expressões como “nervos de aço”, “corpo fechado”, “costas quentes” e “cabeça de
leão” são de uso corrente e metáforas bastante utilizadas, seja na arte cancionística, seja em
quaisquer outros contextos. Porém, o citado “enfeite” faz parte das peças da indumentária dos
caboclos do maracatu rural. Entre elas estão fitas que são colocadas em suas lanças (note-se o
parentesco morfológico entre as palavras “lançando” e “lança”, efetuando uma escolha de
vocábulos muito feliz por parte do cancionista) para o momento da batalha. Assim, o “perigo”
a ser lançado é, precisamente, essa cultura que carrega consigo e que é capaz de interagir com
as demais – algo muito perigoso na visão purista. De mesmo modo, o mesmo enfeite que
lança o perigo, também o livra do que quer que o eu da canção venha a temer. Especialmente
79
porque ele é confiante, otimista. Ele não somente acredita no futuro, como se enxerga
continuamente a invadir “outras” culturas.
Veja-se, então, o grande afastamento existente nas duas formas de o eu da canção
mostrar-se ao mundo. Na primeira, esse eu se mostra fragilizado, “enfiado na lama” do
manguezal, na sujeira, na pobreza, em uma curiosa negação da visão otimista empreendida
pelo próprio Science. Seu único meio de, por alguns instantes, estar longe desse quadro, é
através da ajuda de urubus, animais agourentos e carniceiros. Sua ausência será para, talvez,
encontrar uma companheira que com ele compartilhe desta péssima experiência; jamais para
deixar de lado este contexto. O próprio refrão afirma que dele é impossível fugir (como
anunciara Josué de Castro).
Na segunda canção, o eu não possui nacionalidade, ou mesmo naturalidade. Não se
sabe ao certo de onde vem, pois vem de todos os lugares. Em vez de se assumir uma atitude
pessimista e inerte com relação àquilo que o incomoda ou prejudica, mostra-se otimista e
ciente da importância de seu papel.
3.2.6 O eu e o mundo
O eu da canção teoriza, sente, observa e interage com o mundo, seja ele concreto ou,
com maior incidência, abstrato. Quer-se verificar neste item de que modo esse eu se coloca
perante o mundo, o que pensa dele e como interage com ele. Suas observações acerca do
contexto no qual está inserido são as informações necessárias para que o ouvinte compreenda
a leitura que o eu está fazendo sobre aquilo que vê e sente. É o espaço para o eu pensar a
respeito de temas que afligem e perpassam o cotidiano de todos, como a passagem do tempo,
medos, desejos, anseios, angústias etc. Quatro canções serão analisadas nesta categoria: “O
cidadão do mundo” (DLAC), “Caldo de cana” (NZ), “Futura” (F) e “Onde tenho que ir” (FT).
O vocabulário, as imagens, as situações e sensações narradas em “O cidadão do
mundo” remetem diretamente a elementos da paisagem e do cotidiano recifenses.
Paradoxalmente, seu título faz menção àqueles indivíduos que, teoricamente, não possuem
raiz, que moram em todos os lugares e em nenhum ao mesmo tempo.
A estrovenga girou
Passou perto do meu pescoço
Corcoviei, corcoviei
Não sou nenhum besta seu moço
A coisa parecia fria
80
Eu decido é agora
Feito caldo de cana
Eu vou admirar
Admiral mundo novo
Eu vou admirar, eu vou, eu vou
Eu decido é agora
Feito caldo de cana
Eu decido é agora
Feito caldo de cana
É a cana caiana
E a verdade insana
O eu da canção conversa consigo a respeito do que pensa de seu destino. Para ele, o
agora é urgente, rápido e irreversível, como a cana que é espremida e, em segundos, dá
origem à saborosa bebida. A associação da urgência ao destino do eu é refletida no ritmo da
canção, um coco cadenciado, cheio de intervenções de scratches, com uma interpretação que,
muitas vezes, aproxima-se do rap, forte referência do vocalista Jorge.
Esse eu pensa em sua vida e em seus princípios, lembrando que nunca fora
“comprado” por ninguém e nem se “vendera”. A citação de (cheque) pré-datado e a de (data
de) vencimento, ambas sendo marcas temporais comuns no cotidiano de qualquer pessoa,
mostram o quanto o tema da passagem do tempo é caro ao eu; do mesmo modo que este
momento de meditação prenuncia uma vitória, o recebimento de um prêmio (marcado pela
aguda exclamação “‘uhuuuu!” de Dona Cila). Compreende-se, então, que toda essa reflexão
dá-se por conta da espera (e, provavelmente, da angústia que ela geralmente traz) pela
confirmação ou refutação da expectativa de premiação.
Note-se que a temática da canção perpassa sensações universais, apesar de o ritmo
(coco), a convidada (Dona Cila) e o próprio mote (o caldo de cana) serem bastante ligados às
tradições pernambucanas, promovendo a mescla de influências preconizada pela estética
Mangue.
Em algumas das canções da Nação Zumbi, devido à técnica de “colagem de frases”,
identificada por Neto (2009, p. 298), a referência onírica é bastante forte, como vê-se em
“Futura”. Sua letra (aparentemente) desconexa, aliada à melodia psicodélica, leva o ouvinte a
um estado quase de transe, se não de sonho:
E se perguntar ao coração
Quanto o tempo lhe emprestou
E pulsando
Ladeira do limiar do gosto pelo infinito
Já querendo o depois
Aqui, o devaneio do eu toma forma por conta da letra abstrata e indefinida, onde céu e
terra confundem-se (veja-se a indefinição no sujeito de “comendo”, que pode tanto se referir a
chão quanto a céu, ou mesmo aos dois) e a “imensidão” é devorada. Tudo isso para anunciar o
amanhecer, em um quadro altamente metafórico em que “o melhor momento” para o eu (a
morte, como “A indesejada das gentes”26 de Bandeira?) entra desavisadamente e gera, por
consequência, trovoadas. Veja-se também o sorriso quente na mão do sol, e o contraponto
deste à escuridão; o frescor da tinta recém-jogada ao papel; a oposição entre o estrondo
causado pelo trovão e o silêncio do não bater da porta. Todo esse conjunto sinestésico
embriaga o eu e emoldura suas reflexões acerca de, mais uma vez, passagem do tempo e
angústia pela espera: o gosto pelo infinito, pelo que não tem fim, e o desejo pelo que vem
depois disso; ou seja, um desejo de maneira alguma alcançável, e, ao mesmo tempo, do qual o
eu não pode fugir, dada a metaforização da ladeira que o obriga a transpor a fronteira por
conta da força da inércia.
Afastando-se um pouco do contexto onírico de “Futura”, “Onde tenho que ir”, de
Fome de tudo, mostra o eu da canção analisando seu cotidiano de forma um pouco mais
concreta, mas não menos teórica.
26
O poema “Consoada” é do livro Opus 10, aqui transcrito das poesias completas do poeta, Estrela da vida
inteira:
Incompletos desejos
Aos pedaços lhe faço existir
Um dia aqui e outro ali
E com fome de tudo
Esperando a hora que diz onde tenho que ir
“Risoflora”, como é bastante comum nessa primeira fase do trabalho de CSNZ, está
permeada de termos regionais: Rhizoflora mangue é uma planta comum na vegetação
ribeirinha dos manguezais recifenses. Ao trazer, então, a temática amorosa (universal) para a
lama (o local), surge a expressão do “amor-caranguejo” por excelência:
86
De acordo com Neto (2009, p. 51), “o papel da mulher na obra scienciana é, de certa
forma, passivo. É como se ela fosse afastada ou, pelo menos, transformada em objeto: ‘que
menina bonitinha / pra poder ficar comigo / tem que saber de cozinha’ (“Macô”, de Chico e
Jorge Du Peixe)”. No exemplo dado pelo crítico, a mulher é apreendida por conta de sua
função na sociedade (machista). De forma análoga, em “Risoflora”, a mulher é praticamente
desumanizada, vista e abordada enquanto flor: quando o eu da canção afirma que
permanecerá de andada27 até encontrá-la, constrói a imagem de que caminha pelo manguezal
tentando localizar essa flor; seu objetivo ao finalmente deparar-se com ela é fazer-lhe
promessas de regeneração e fidelidade, no intuito de obter o perdão do amor perdido. O índice
máximo de passionalização28 na canção (mais ainda do que no refrão, em que a utilização da
interjeição “Oh” denota um pedido lamentoso), encontra-se, compreensivelmente, no 17º
verso, onde o eu concretiza a comparação entre a amada e a planta do manguezal: “em meus
braços te levarei como uma flor”.
À mesma página citada, Moisés Neto comenta que “a pareceria – brodagem – entre os
mangueboys nos remete à milenar prática de cumplicidade entre os homens que exclui a
mulher de certas diversões. [...] O Mangue, de maneira casual, revisita o passado machista
pernambucano” (grifo do autor). Com efeito, as demais canções de Science em que uma
figura feminina aparece mostram que a observação do crítico é plausível. Em “A praieira”
(DLAC), ela dança na roda de ciranda (“você está girando melhor, garota”); em “Da lama ao
27
Na gíria do mangue, quando se diz que os caranguejos estão “de andada” significa que estão na época de
acasalamento: os animais tornam-se mais “elétricos”, correndo pela vegetação do manguezal.
28
“A passionalização melódica é um campo sonoro propício a tensões ocasionadas pela desunião amorosa ou
pelo sentimento de falta de um objeto de desejo” (TATIT, 2002, p. 22).
87
caos”, ela o rouba (“vinha passando uma veia / pegou a minha cenoura); em “Macô”, ela
precisa saber cozinhar, como visto acima; em “Manguetown”. o eu sonha com a mulher que
vá compartilhar da sua experiência (neste caso, o de ser caranguejo); por fim, em “Amor de
muito”, ela, aparentemente, é uma prostituta (“aí ela disse – vai querer?”). Com isso, os dados
mostram que há, sim, certo índice de “coisificação” da figura feminina, exposto na
necessidade de colocá-la em paralelo com elementos culturais ou de acordo com a função que
venha a exercer.
Se a poética de Science “coisifica” e desumaniza a mulher, em “Prato de Flores”, a
letra composta por Jorge Du Peixe faz uma celebração à fertilidade do ventre feminino. Na
canção que segue há também uma aproximação com elementos da natureza. Porém, a sutileza
e o nível de abstração encontrados marcam fortemente a diferença entre uma fase do trabalho
e outra:
E os espinhos
São pra quem pensa em enganar a flor
A beleza rende a prosa da dor
E os espinhos
São pra quem pensa em enganar a flor
A beleza rende a prosa da dor
***
Como fora comentado ao longo deste trabalho, a canção foi o ponto de partida para
toda a movimentação Manguebeat, por conta do conceito de Mangue, inventado por Chico
Science. Este conceito, baseado nas premissas de fertilidade e diversidade da cultura
pernambucana, primava pela liberdade na criação artística e pela possibilidade de exposição
destas expressões, não importando sua procedência. Com isso, diversas bandas que já
91
existiam passaram a ter maior visibilidade para mostrar seus trabalhos, fossem eles vinculados
a algum gênero regional ou não.
Deseja-se aqui tratar especificamente do trabalho de Mundo Livre S/A., banda que
divide com Chico Science & Nação Zumbi o posto de fundadoras do movimento. Seu líder e
vocalista, o jornalista Fred Zero Quatro, conforme visto, foi um dos redatores do “1º
Manifesto Mangue Bit” – que posteriormente viria a ser conhecido como “Caranguejos com
cérebro” – e um dos mais ativos participantes da cena Mangue. Zero Quatro também escreveu
o “Segundo manifesto Mangue”, chamado “Quanto vale uma vida”, com a colaboração de
Renato L. O texto, publicado no Jornal do Comércio, em 21 de fevereiro de 1997, constitui
uma homenagem a Chico Science (que falecera no dia 2 do mesmo mês) e promove uma
reflexão acerca do legado do Manguebeat e do que representara para a produção cultural
pernambucana e brasileira. Vargas (2007, p. 72) ressalta que “sua importância está apenas no
fato de ser uma resposta à nova situação imposta pelo falecimento de Chico, nada
acrescentando ao suposto ideário Mangue”.
Como comentado no capítulo 2, a música feita pela banda liderada por Fred Zero
Quatro é pautada pelas influências do samba, especialmente de Jorge Ben Jor. Seu primeiro
disco, Samba esquema noise (note-se que o título faz referência ao também primeiro trabalho
lançado por Jorge Ben Jor, Samba esquema novo, de 1963), foi lançado em 1994 e traz
diversas canções relacionadas ao movimento.
Sou eu transistor
Recife é um circuito
O país é um chip
Se a terra é um rádio
Qual é a música?
Manguebit (Mangue)
Manguebit (Mangue)
Eletricidade alimenta
Tanto quanto oxigênio
Meus pulmões ligados
Informações entram pelas narinas
E a cultura sai mau hálito
(Mangue)
Manguebit
Ideologia
capítulo. A letra apresenta-se como uma fábula e, apesar de longa, sua transcrição é bastante
relevante para as questões que se deseja discutir aqui.
Gonzagão, Moringueira
precisa o que??
Dona Selma, Adoniran
precisa não!
Chico Science, Armstrong
precisa o que??
Dona Ivone, Dorival
precisa não!
Note-se o quanto a cena, bastante cotidiana, carrega em si, ao mesmo tempo, certa
dose de poeticidade: o eu da canção deseja ardentemente reter em sua memória a visão da
moça que sairá da água com o biquíni molhado, talvez transparente; uma imagem quase
onírica, pela qual valeria a pena da ausência junto ao núcleo familiar, além de prováveis
repreensões por parte do mesmo. Além disso, a expectativa não está somente em vê-la, mas,
especialmente, nas emoções causadas pelo sorriso deixado ao sujeito que narra a sua espera:
receberá ele outro sorriso? Talvez uma palavra? Quem sabe um gesto de afeto da moça que
admira?
“Uma mulher com W... maiúsculo”, do mesmo disco, por sua vez, descreve, de
forma bastante sucinta, a busca do eu pela mulher ideal:
29
“O mistério do samba” já havia sido lançada no disco Por pouco, de 2000.
97
4.2 O cinema
4.3 A literatura
30
Informações obtidas no site da International Movie Database – IMDb.
31
Vargas (2007) cita ainda o documentário O rap do Pequeno Príncipe contra as almas sebosas (2000), dirigido
por Paulo Caldas e Marcelo Luna, com trilha sonora de DJ Dolores, e comenta que “há outros filmes de outros
diretores, o que nos faz pensar em um forte momento do cinema pernambucano” (p. 60).
98
Surpresa foi sacar a mesma intimidade entre Chico e Fred, amigo de telejornal, que
estava à mesa ao lado de Renato – outro parceiro inseparável – e uma pilha de
garrafas. O grupo andava junto feito corda de caranguejo. Bebiam, ouviam rock,
hip-hop, reggae e bolavam revoluções que libertariam o mundo do capitalismo e,
principalmente, dos caretas. [...]
De repente Chico ficou sério, inclinou o corpo sobre a mesa em direção a Renato e
Fred.
- Peguei a batida do maracatu, misturei com hip-hop e umas guitarras pesadas.
- São os impulsos via satélite da globalização se mixando com o manguezal. Podes
crer, Chico. Que viagem!
Fred sacou uma caneta e começou a rabiscar no guardanapo. [...]
Na manhã seguinte, Fred chegou à TV com uma fita cassete na mão, embrulhada em
folha de caderno. Mostrou o som a Negrão que achou esquisito, mas gostou. Havia
na química sonora ingredientes do rock, que ele adorava, e a batida do maracatu que
lhe acompanhava desde os tempos de moleque.
Na folha de caderno, redigido à mão, o Primeiro Manifesto Mangue: “Caranguejos
com Cérebro”.
O embrião do Mangue Beat estava em gestação nos subúrbios recifenses e logo em
seguida ganharia adeptos no interior de Pernambuco e pelo Brasil afora, com os pés,
ou as patolas de caranguejo, fincados no amálgama da cultura popular e do universo
pop, escreveu Pedrão anos depois, em matéria especial sobre o Mangue. (COSTA,
2000)
Dia destes, durante show de várias bandas da cena pernambucana, Pedrão lembrou a
Renato da primeira apresentação de Chico, em um boteco chamado Espaço Oásis.
[...]
- Negão, naquela época, acho que ninguém imaginava que o Mangue fosse detonar.
32
Diz-se isso porque há diversas “lendas” de como o movimento tomou forma.
99
- Sei, não, brother, o pique sempre foi muito grande. Desde aquele show fiquei com
uma pulga atrás da orelha me dizendo que a sacada de juntar maracatu, hip-hop,
embolada, techno e rock daria o que falar.
- Pois é, e a mistura não tem fim, nem limite. O Mangue Beat se espalhou. Lembra
da Soparia?
- A Sopa foi o templo da galera. O Cavern Club dos caranguejos com cérebro.
- Quase todo mundo tocou na Sopa, fazendo um som da pesada. E de lá ganhou o
mundo.
- Por falar em mundo, Renatão, Fred Zero Quatro já voltou da excursão.
- Já vai sair de novo.
- Porra! A banda decolou. Lembro, como se fosse hoje, a primeira vez que foram pra
Sampa de ônibus, só com a grana da ida.
- Muita batalha, Negão.
- Legal é que dá incentivo pra galera que vem detonando. É banda pra tudo que é
banda. Tem o pessoal do Alto José do Pinho com muito hard core e mais uma
porrada de bairro agitando seu som. [...]
- Tem Mangue até na Escócia.
- Qual é, Renatão, pirou?
- Lembra dos caras no carnaval, que saíram com a gente no Maracatu Nação
Pernambuco?
- Os gringos?
- Eles têm uma banda, a Bloco Vomit. Depois daquele carnaval, piraram com o som
daqui. Gravaram um CD independente que tem até música do The Clash e Sex
Pistols com batida de maracatu. [...]
- Depois que Chico arrasou no Central Park eu disse que a gente não parava mais.
Não disse?
- Até os portugas já estão fazendo o Tejo Beat, Pedrão!
- Cara, a parabólica que plugaram na lama do mangue vem ligando os doidos do
planeta inteiro. Que viagem, Renatão!
O suposto diálogo entre Pedrão e Renato L., apesar de bastante artificial, tem a
intenção de expressar o pensamento dos mentores da cena à época de sua explosão. Notem-se
as citações ao Bloco Vomit e ao festival Tejo Beat, que serão comentados posteriormente
neste trabalho, ilustrando a repercussão internacional atingida pela movimentação cultural
empreendida pelos mangueboys.
A estranheza causada pelos trechos citados, entre outros, se acentua, especialmente,
porque a questão Mangue nada acrescenta ao conflito central, que culmina, como já
assinalado, pela morte do personagem principal e da consequente reaproximação de sua ex-
esposa, Guta, e Pedrão, que haviam sido namorados durante a faculdade. O que o autor
procura fazer é utilizar seu texto como veículo para atestar a existência e importância do
Manguebeat, dando, assim, o seu ponto de vista para o modo como ocorreu a movimentação
Mangue.
É interessante reparar que todos os 14 capítulos vêm acompanhados de uma
indicação musical. O primeiro, chamado “Blues”, sugere “Since I’ve been loving you”, da
banda britânica Led Zeppelin. O segundo, já comentado, intitula-se “Moleques do mangue” e
indica “A cidade” de Chico Science & Nação Zumbi, que será citada novamente no capítulo
12, com “Lixo do Mangue”. Dentre os demais capítulos serão encontradas indicações como
100
“Laguna Sunrise” (Black Sabbath), “It’s only Rock and Roll” (Rolling Stones), “Maybe”
(Janis Joplin) e “Samba pa Ti” (Santana). As referências ao rock são bastante fortes, como se
pode perceber pela seleção musical empreendida por Paulo Costa. O texto, porém, perpassa as
manifestações culturais típicas de Recife, tais como as nações de maracatu, como se pode
perceber pelo trecho abaixo transcrito:
Finalmente, é interessante ressaltar que Balada para uma serpente também utiliza-se
do preceito estético mais importante do conceito de Mangue: o da mescla entre elementos
locais e não locais. Basta atentar-se para o fato de que os personagens, com profissões
bastante urbanas e cosmopolitas, circulam por entre os meios de sua cidade, interagindo com
o ambiente e seus componentes. Veja-se, por exemplo, a descrição do trajeto empreendido por
Silva, em mais uma bebedeira, perambulando pelas ruas da cidade, encontrada no primeiro
capítulo:
Silva sai da Rua da Moeda, onde o Mestre dos Maracatus ensaia a abertura do
Carnaval com um mar de batuqueiros que enche a rua de uma ponta à outra. O som
das alfaias ecoa por todo Recife Antigo. Meio cambaleante passa pela enésima vez
101
pela Rua Tomazina, só para ver se cruza com alguém para tomar a saideira. [...]
Dylan, Beatles e Stones dançam na noite, misturados ao som do maracatu.
Note-se que o narrador coloca elementos da cultura de Recife em diálogo com o rock
internacional, de modo que a mescla entre as duas vertentes soa habitual e natural ao leitor.
Apesar dos problemas na construção, o texto propõe uma reflexão interessante a
respeito da movimentação Mangue e procura recontar esta história como uma testemunha
ocular o faria, reafirmando a importância e o impacto positivo que o movimento teve em
Recife e arredores, especialmente no que concerne a valorização da cultura local.
33
Encontra-se disponível no site Youtube um trecho do espetáculo através do endereço eletrônico
http://www.youtube.com/watch?v=6C644-SOIH8.
102
das ideias que uniam herança cultural regional e antenavam-se com o pop mundial,
fez inúmeras coleções, mas, oficialmente, até 1998, havia três carros-chefe em sua
carreira: a Mangue Fashion (onde trabalhou com a religiosidade e os folguedos
nordestinos), a Influência Moura na Cultura Popular e Os Movimentos
Brasileiros de maior importância neste século, a saber: o Regionalismo, o
Moderninsmo, o Armorial, a Tropicália e o Mangue. ‘Observando as ruas do Recife
encontrei tipos e ícones característicos e singulares que refletem nossa variedade
cultural, referências e temas inesgotáveis’, disse Eduardo (NETO, 2001, p. 67.
Grifos do autor).
escritores, estilistas etc. aplicaram Mangue às suas criações e passaram a expressar a sua
reverência à cultura pernambucana utilizando novos pontos de vista.
Citado em Balada para uma serpente, o Bloco Vomit, grupo escocês de “samba
punk”, conforme definição dos próprios integrantes, mescla ritmos como hip-hop, reggae, ska,
maracatu e, é claro, punk e samba. Em entrevista à edição online da revista Isto é gente, os
integrantes explicam que começaram a se interessar por percussão na Escola de Samba de
Edimburgo; porém, foi em 1997, quando foram convidados para tocar no carnaval de Olinda,
que decidiram aproveitar a oportunidade para estudar os ritmos brasileiros com maior afinco.
Seu primeiro disco, Nevermind the bossa nova – here’s Bloco Vomit, lançado em
1997, é dedicado a Chico Science, conforme indicação no encarte. Suas performances35
contam com diversos instrumentos de percussão como surdo, repenique, chocalho e ganzá, ao
lado de baixo e guitarras elétricos, necessários a toda a banda que desejar tocar punk.
35
No site YouTube, há uma apresentação da banda intitulada “Bloco Vomit live at the Wee Red Bar”.
104
CSNZ foram e têm sido os artistas mais celebrados e influentes da cena Mangue.
Mostras de reverência e constante homenagem aos seus trabalhos estão nas regravações para
suas canções por artistas de diversos outros gêneros. São dignas de nota as versões em
formato acústico para a MTV nos discos de Paralamas do Sucesso (“Manguetown”), Cássia
Eller (“Quando a maré encher”, com direito à exclamação “eu vim com a Nação Zumbi!” que
inicia a faixa “Mateus Enter” em Afrociberdelia) e Charlie Brown Jr. (“Samba Makossa”,
com a participação de Marcelo D2). Tais apresentações são muito importantes porque, em
geral, são discos de grande vendagem e, desde o seu surgimento, os Acústicos MTV têm
auxiliado vários artistas a revitalizarem carreiras. Assim, a escolha das canções a serem
interpretadas é de suma importância.
Como mencionado anteriormente, o disco “Dia” de CSNZ conta com uma versão de
“Samba Makossa” por Planet Hemp. Além disso, Gilberto Gil participa da faixa “Macô”, de
Afrociberdelia. Arnaldo Antunes canta “Inclassificáveis”, juntamente com Chico Science em
seu disco “O silêncio”. A última canção deixada por Chico, “Scream Poetry”, parceria com
Herbert Vianna, está registrada no disco de 1998 de Paralamas do Sucesso, Hey na na.
105
especial Ariano Suassuna, para quem Chico Science estava muitíssimo equivocado em suas
ideias.
Science procurou efetuar uma fusão entre a música que os jovens desejavam escutar
e os elementos da cultura popular pernambucana de modo a chamar a atenção para as duas
faces da questão. A ideia era a de fazer uma música que fuja dos rígidos padrões estéticos
impostos pela elite cultural da região e que buscasse a aproximação e o diálogo com
influências não localizadas.
A inventividade no trabalho, porém – e eis outra característica primordial da
vanguarda –, recai na paradoxal negação da tradição para que ela permaneça atuante. Em
outras palavras, o objetivo dos mangueboys partia da necessidade de abandono da pesada
carga de tradicionalismo existente em seu contexto cultual para que as gerações seguintes
pudessem celebrar a riqueza de sua cultura com interesse e entusiasmo. O embate para com
Ariano Suassuna e os demais estandartes da manutenção da cultura pernambucana fez-se
necessário para que os músicos e artistas que desejavam inspirar-se no folclore de seu estado
para produzir arte contemporânea tivessem espaço e oportunidade para isso. Além disso, essa
relação conflituosa para com seus combatentes atesta com veemência o caráter vanguardista
da estética Mangue: ao escolher trabalhar com um pensamento abrangente, em vez de primar
pela exclusão, como preferiam os armoriais, o Manguebeat foi capaz de revitalizar a cultura
de seu estado, especialmente no que concerne à arte não acadêmica, tal como a música pop e a
moda, além de revigorar o cinema pernambucano.
Apesar de Chico Science ser, reconhecidamente, o mentor do conceito Mangue, foram
utilizados como objeto de estudo nesta pesquisa tanto os trabalhos realizados sob sua
liderança quanto aqueles lançados após o seu falecimento. A razão para isso é o fato de eu
acreditar que o conceito de Mangue e a estética sob este rótulo cunhada são levados adiante e
vêm sendo constantemente aprimorados e relidos pelos integrantes da Nação Zumbi. A banda,
com o passar do tempo, deixou de apenas reverenciar Chico (como ocorre em Rádio S.Amb.A)
(o que não significa, sob qualquer hipótese, o seu esquecimento) e passou a fazer muito mais
experimentações a partir de sua ideia inicial. Assim, de manifestação periférica, vanguardista
e, inicialmente, bastante exótica, o trabalho consolidado pela Nação Zumbi caracteriza-se
atualmente como um dos mais respeitados e criativos do Brasil.
Isso se tornou possível por conta da atenuação do posicionamento vanguardista inicial:
como comentado no primeiro capítulo, de acordo com os ensinamentos de Candido (2002) e
Moisés (2004), o gesto da vanguarda é necessariamente efêmero. Com isso, à Nação Zumbi
coube a missão de levar adiante o trabalho iniciado por Science, porém, modalizando o
109
exotismo das composições iniciais, aproximando-se cada vez mais, com isso, da noção de
música universal. Esta, contida na própria formulação do conceito de Mangue, permite que o
trabalho efetivado pela Nação Zumbi ao longo desses anos continue seguindo o ideal de
vanguarda presente na teorização de Chico Science.
Note-se que a ideia de “música universal”, apesar de ser a pedra fundamental do
conceito de Mangue, na verdade, é a consolidação e o ponto de chegada de todo o trabalho
idealizado e efetivado por CSNZ. Dizendo de outro modo, e levando-se em consideração que
o gesto vanguardista, como comentado, é efêmero e súbito, nota-se, por mais paradoxal que
possa parecer, que a vanguarda scienciana realiza-se com maior plenitude quando atenua seu
gesto vanguardista: é assim que a música “com um pé no local e um pé no universal” toma
forma.
Conforme o comentário de Herom Vargas (2007), citado na seção 3, a partir do disco
Rádio S.Amb.A, a Nação Zumbi inicia a busca deste enxugamento musical, fazendo uso de
algo muito próximo de um gesto de triagem (TATIT, 2004), apesar de o conceito de Mangue
ser claramente concebido enquanto mistura (idem). Nesse sentido, é notável o quanto o
elemento mais local, por assim dizer – as alfaias –, dentro da instrumentação utilizada pelo
grupo, passa a ter um papel menos extravagante, chegando, em alguns momentos, a
confundir-se com os demais elementos de percussão. Por outro lado, o peso de seu som, como
anunciado em “Meu maracatu pesa uma tonelada” permanece e é marca registrada da Nação
Zumbi.
Neste trabalho, desejou-se mostrar que uma prova concreta deste avanço – jamais
atingível, já que o “universal”, em sua plenitude, é impossível de ser alcançado – em busca da
universalidade são, conforme pôde-se verificar a partir das análises das canções de CSNZ, as
diferentes maneiras de discutir temas recorrentes e relevantes em se tratando da estética
Mangue. Notou-se que a busca pela universalidade faz-se através da escolha do modo pelo
qual o assunto será abordado, modalizando vocabulário, instrumentação, ritmo, convidados
etc.
A ideia que rege cada disco, e que se faz presente desde, como foi visto, o projeto
gráfico, cada vez mais afasta-se das questões inerentes ao contexto pernambucano e
aproxima-se da abstração necessária à teoria Mangue. Assim, a partir de Rádio S.Amb.A, a
banda deixa de lado os caranguejos e a excentricidade e passa a pesquisar outros temas, sem
abandonar por completo, é claro, as temáticas que deram origem ao seu trabalho. Assim, no
disco de 2000, em vez de referência a homens-caranguejo, o que se vê no encarte são pessoas
com alto-falantes e rádios no lugar das cabeças. A vida urbana toma forma em Nação Zumbi
110
com seus grafites, mensagens contra a propaganda e imagens do cotidiano nas grandes
cidades. Futura prefere a questão onírica, desde o sonho da capa, em que o Capibaribe e os
equipamentos eletrônicos confundem-se em uma inimaginável psicodelia em preto e branco,
até a grande “viagem” interna da canção título, que fecha o disco depois de diversas outras
conversas do eu da canção consigo mesmo. Fome de tudo aparentemente passa a trabalhar
com temas mais concretos. Porém, verificando-se atentamente, percebe-se que a própria fome
de que trata o título é uma fome totalmente abstrata – há algo menos concreto do que “tudo”?
Outra questão a ser aqui avaliada, como visto no capítulo 2, foi a de que os
fundadores e principais participantes negam o rótulo de movimento ao Manguebeat. É
notável, porém, que a estética criada por Science e a movimentação decorrida da
disseminação da mesma tenham influenciado diversos artistas, inclusive de outras vertentes
além da musical. Assim, de outro ponto de vista, é possível dizer que o Manguebeat
caracteriza-se como um movimento porque efetiva a reunião de pessoas em torno de um
mesmo ideal estético, buscando objetivos comuns. Conforme os dados desta pesquisa
procuraram mostrar, o Manguebeat comportou manifestações artísticas diversas, todas
procurando apropriarem-se das noções de fertilidade da cultura local e liberdade criativa
lançadas por Chico Science.
Conforme foi comentado no segundo capítulo, Herom Vargas é um dos críticos que
rejeita a ideia de que o Manguebeat seja um movimento ou uma vanguarda. Porém, ele admite
a relação entre a Cena Recifense e o Tropicalismo:
cultural, como é comum; que fala do povo para o povo; e de efeitos estéticos e sociais muito
bastante duradouros. Um movimento que não pretende destruir nada, nem mesmo a
mentalidade conservadora de Suassuna (a declaração de Jorge Du Peixe à pagina 36 deste
trabalho aponta esse dado) e seus colegas, pois acredita que todas as ideias são legítimas e
devem ter liberdade para se expressar.
Como foi visto ao longo deste trabalho, o Manguebeat apresenta-se como um
movimento de grande importância para a cultura brasileira e pernambucana, a partir da figura
de Chico Science e de seu encanto pela diversidade dos manguezais recifenses. Isso fica
evidente devido à grande repercussão nacional e internacional da Cena Mangue. O desejo de
fazer arte de modo diferente, não por mera rebeldia, mas por acreditar em um ideal, indo
contra todo um contexto opressor, faz com que minha admiração por este tema e estes artistas
seja muito grande. Através da realização desta pesquisa, não apenas foi possível verificar que
o Manguebeat, sob diversos aspectos, configura-se, sim, como uma vanguarda, mas também
me permitiu responder a outras questões que me intrigavam, iniciando pela inquietação acerca
das diferenças e semelhanças entre “Risoflora” e “Prato de Flores”, pergunta que deu origem
a todo este questionamento.
112
REFERÊNCIAS
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__________. Nação Zumbi respira psicodelia em P&B. In: Folha.com. Caderno Ilustrada, 25
de outubro de 2005. Disponível em:
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Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Musica/0,,MUL165336-7085,00.html>. Acesso
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<http://www.terra.com.br/istoegente/42/divearte/musica_vomit.htm>. Acesso em: 02 de
março de 2011.
ZUMBI, Chico Science & Nação. Afrociberdelia. Rio de Janeiro: Chaos / Sony Music, 1996.
1 disco (66 min.)
__________. CSNZ. Rio de Janeiro: Chaos / Sony Music, 1997. 2 discos (105 min.)
__________. Da Lama Ao Caos. Rio de Janeiro: Chaos /Sony Music, 1994. 1 disco (49 min.)
ZUMBI, Nação. Fome De Tudo. São Paulo: Deckdisck, 2007. 1 disco (46 min.)
__________. Nação Zumbi. São Paulo: Trama, 2002. 1 disco (44 min.)
__________. Rádio S.Amb.A. São Paulo: YB Music, 2000. 1 disco (52 min.)
115
Com o objetivo de deixar o texto menos carregado com informações técnicas, porém
relevantes, a autora decidiu organizar todas as canções citadas e respectivos compositores
neste Apêndice. Decidiu-se colocar as canções em ordem alfabética, e não na ordem em que
aparecem no texto, para que o leitor possa facilmente efetuar a consulta. As informações aqui
transcritas foram retiradas dos encartes dos discos e/ou das páginas dos grupos na internet. Os
nomes dos discos serão informados, ao lado dos títulos das canções, também para tornar a
consulta mais útil. No caso dos trabalhos de CSNZ e Mundo Livre S/A., para evitar
repetições, eles aparecerão de acordo com a seguinte legenda: Da lama ao caos = DLAC;
Afrociberdelia = A; Rádio S.amb.A = RS; Nação Zumbi = NZ; Futura = F; Fome de tudo =
FT; Samba Esquema Noise = SEN; Carnaval na obra = CA; O outro mundo de Manuela
Rosário = OMMR; Combat Samba: e se a gente sequestrasse o trem das onze? = CS. CSNZ já
denota uma forma concisa, logo, não há a necessidade de fazer quaisquer alterações neste
caso. Os nomes dos discos dos demais artistas foram mantidos.
Peixe, Eduardo
Bidlovski.
Malungo (CSNZ) Letra: Jorge Du Peixe, 3.1.3 48
Gilmar Bola 8, Fred
Zero Quatro, Marcelo
D2, Falcão; música:
Nação Zumbi.
Manguebit (SEN) Fred Zero Quatro 91,9 2
Manguetown (A) Letra: Chico Science; 3.2.5 76, 77, 87, 104
música: Lúcio Maia;
Dengue.
Maracatu atômico (A) Jorge Mautner, Nelson 3.2.3 71
Jacobina.
Mateus enter (A) Letra: Chico Science; 3.1.2 46
música: Chico Science
& Nação Zumbi.
Maybe (I Got Dem Ol’ Richard Barrett 4.3 100
(Kozmic Blues again
Mama!)
Memorando (F) Letra: Jorge Du Peixe; 3.2.1 54, 55, 60, 61
música: Lúcio Maia,
Dengue, Pupillo, Jorge
Du Peixe.
Metal postcard (mitageisen) Sioux, Severin, Mckay, 4.5 103
(Nevermind the Bossa Morris.
Nova...)
Meu maracatu pesa uma Letra: Jorge Du Peixe; 3.2.3 51, 66, 70, 109
tonelada (NZ) música: Nação Zumbi.
Mistério do samba, O (CS) Fred Zero Quatro 4.1 96
Monólogo ao pé do ouvido Chico Science 3.2.1 9, 54, 81
(DLAC)
Muito obrigado (OMMR) Fred Zero Quatro 4.1 92
Musa da Ilha Grande (SEN) Fred Zero Quatro 4.1
No Olimpo (FT) Letra: Jorge Du Peixe; 3.1.7 52, 62
música: Dengue, Gilmar
Bola 8, Lúcio Maia,
Pupillo, Toca Ogan.
Onde tenho que ir (FT) Letra: Jorge Du Peixe; 3.2.6 61, 79, 83, 85
música: Dengue, Lúcio
Maia, Pupillo.
Praieira, A (DLAC) Chico Science 3.2.7 87
Prato de flores (NZ) Letra: Jorge Du Peixe; 3.2.7 10, 11, 85, 87
música: Jorge Du Peixe,
Toca Ogan, Lúcio Maia,
Dengue, Pupillo.
Propaganda (NZ) Letra: Jorge Du Peixe, 3.1.5 51
Rodrigo Brandão,
Gilmar Bola 8; música:
Nação Zumbi e Marcos
Matias.
118
Quando a maré encher (RS) Letra: Fábio Trummer; 3.2.2 26, 62, 63, 66,
música: Fábio Trummer, 104
Rogerman, Bernardo.
Quilombo grooves (A) Música: Chico Science 3.1.2 47
& Nação Zumbi.
Rios, Pontes e overdrives Chico Science, Fred 2 24
(DLAC) Zero Quatro.
Risoflora (DLAC) Chico Science. 3.2.7 10, 72, 85, 86,
87, 88, 89, 111
Salustiano Song (DLAC) Lúcio Maia, Chico 4.2 98
Science.
Samba do lado (A) Letra: Chico Science; 3.2.3 66, 67, 68
música: Chico Science
& Nação Zumbi,
Samba Makossa (DLAC) Chico Science, 3.2.3 66, 104
Samba pa Ti (Abraxas) Santana 4.3 100
Sangue de bairro (A) Letra: Chico Science, 3.2.1 54, 57, 60, 97
Ortinho; música: Chico
Science & Nação
Zumbi,
Scream Poetry (Hey na na) Chico Science 4.5 104
Should I stay or should I go Strummer; Jones. 4.5 103
(Nevermind the Bossa
Nova...)
Since I’ve been loving you Jimmy page; Robert 4.3 99
(Led Zeppelin III) Plant, John Paul Jones
Toda surdez será castigada Letra: Jorge Du Peixe, 3.2.3 61, 66, 71, 72
(FT) Junio Barreto; música:
Dengue, Lúcio Maia,
Pupillo.
Uma mulher com W... Fred Zero Quatro 4.1 95
maiúsculo (SEN)
119
APÊNDICE B – Lista de canções de Chico Science & Nação Zumbi e de Nação Zumbi
citadas organizadas por disco (em ordem cronologia)
Afrociberdelia (1996)
(faixa 1) Mateus enter
(faixa 2) O cidadão do mundo
(faixa 4) Quilombo grooves
(faixa 5) Macô
(faixa 7) Samba do lado
(faixa 8) Maracatu atômico
(faixa 12) Manguetown
(faixa 15) Sangue de bairro
(faixa 19) Amor de muito
CSNZ (1999)
(faixa 1) Malungo
(faixa 4) Dubismo
Futura (2005)
(faixa 3) Memorando
(faixa 12) Futura
120
ANEXO A – CD
Este anexo compõe-se de dois CDs que contêm algumas das canções apresentadas ao longo
do trabalho. O CD 1 traz todas as canções analisadas nas 6 primeiras categorias, na ordem em
que aparecem no texto. O segundo, além de trazer as duas canções da última categoria, mostra
um pouco do trabalho dos demais artistas comentados aqui. Por fim, algumas outras canções
de CSNZ que foram mencionadas durante o trabalho e que ilustram mais alguns comentários
efetuados durante a pesquisa.
CD 1 CD 2