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CURSO BÁSICO

DE HERMENÊUTICA
PASTOR KENNETH EAGLETON
1

Esboço

1. Algumas noções de base


A. Revelação
B. Inspiração
C. Iluminação
D. As duas naturezas da Bíblia: humana e divina
E. A Bíblia – a Palavra de Deus
F. A infalibilidade da Bíblia
G. A autoridade da Bíblia
H. A unidade da Bíblia
I. Cânon bíblico
J. A transmissão da Bíblia
L. Traduções da Bíblia

2. Definições:
A. Hermenêutica
B. Exegese
C. Teologia bíblica
D. Teologia sistemática

3. A necessidade da hermenêutica

4. Aplicação dos princípios hermenêuticos

1º Princípio: Observe a passagem como um todo.

2º Princípio: Pesquise as situações histórica, física e cultural.

3º Princípio: Observe a relação que o texto tem com o contexto.

4º Princípio: Identifique o gênero literário e aplique os princípios específicos para


cada gênero.
o As narrativas (história)
o A(s) lei(s)
o Os profetas
o As cartas (epístolas)
o As parábolas
o Os salmos
o A poesia hebraica

5º Princípio: Faça um estudo das palavras-chaves do texto (análise morfológica).

6º Princípio: Faça uma análise sintática do texto a estudar.

7º Princípio: Compare esta passagem a outras passagens na Bíblia.

Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton


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8º Princípio: Observe como o texto contribui ao ensino bíblico da doutrina com a


qual está relacionada.

9º Princípio: Quando existir uma contradição aparente com o restante das Escrituras,
procure uma explicação plausível.

10º Princípio: Identifique quem são os eestinatários da Palavra de Deus.

11º Princípio: Identifique a aplicação que Deus almeja.

Conclusão

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Algumas Noções de Base

A. Revelação
A revelação, no seu sentido bíblico, é o ato pelo qual Deus se faz conhecer ao homem: Sua pessoa,
Sua natureza, Sua palavra, Sua vontade e Seus preceitos.
O Deus de poder e de amor deseja ser conhecido e amado por suas criaturas.

Revelação geral
A revelação de Deus na natureza (Rm 1:19-21; Sl 19:1-5; At 14:15-17).
A voz de Deus dentro da consciência (Rm 2:14-16).

A revelação pessoal e específica de Deus


Deus nos deu uma revelação específica de Si mesmo através das Escrituras, a Bíblia. A Bíblia não nos
foi dada de uma só vez. Ela foi formada durante um período de cerca de 1.500 – 1.600 anos. Durante
esse tempo Deus usou várias maneiras para Se revelar. A revelação foi progressiva.

B. Inspiração
A inspiração é a influência exercida pelo Espírito Santo sobre o espírito daqueles que escreveram a
Bíblia para que anunciassem e redigissem de maneira exata e autorizada a mensagem recebida de
Deus. A inspiração diz respeito ao registro da verdade revelada por Deus. 2 Tim 3:16, 17; 1Pe 1:10-
12; 1Pe 1:19-21; Hb 1:1, 2; Jo 8:28; 17:6-8.

Nós cremos na inspiração plena e verbal das Escrituras.


Inspiração plena – significa que a inspiração abrange a Bíblia toda e sem nenhuma restrição.
Inspiração verbal – uma inspiração plena deve ser até sobre as palavras (nas línguas originais). As
palavras são inseparáveis da mensagem. Seu conteúdo não pode ser expresso sem palavras.

C. Iluminação
A iluminação é o processo pelo qual o Espírito Santo concede ajuda sobrenatural para compreender
a Palavra de Deus para aquele que a lê e a estuda. Ele (Espírito Santo) faz essa obra em todo leitor
cristão, em todas as gerações.

D. As Duas Naturezas da Bíblia: Humana e Divina


As Escrituras são ao mesmo tempo divinas e humanas, da mesma forma que Jesus Cristo era ao
mesmo tempo Deus e homem.

Natureza divina – por um lado a Bíblia foi inspirada por Deus através do seu Espírito Santo. Ela é,
portanto, digna de confiança e sem erro. Por ser a própria comunicação de Deus para a humanidade,
ela tem toda autoridade.

Natureza humana – Deus passou por seres humanos para transpor a sua revelação por escrito. Não
foi um simples ditado. Deus usou a própria personalidade, estilo e vocabulário do autor humano. A
Bíblia também reflete a cultura humana do autor humano e da sua audiência.

E. A Bíblia – A Palavra de Deus


Os cristãos evangélicos afirmam que a Bíblia é a Palavra de Deus. A questão de saber se a Bíblia vem
de Deus ou não, terá evidentemente uma grande influência em nossa fé em Cristo e em Suas
palavras.

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F. A Infalibilidade da Bíblia
Por infalibilidade nós compreendemos que a Bíblia não é capaz de errar e não contém erros em sua
forma original. Ela é justa, verdadeira e exata.

G. A Autoridade da Bíblia
Por ser a Bíblia a Palavra de Deus e sem erros, entendemos que ela é a palavra final e autoritária no
que diz respeito a toda questão de doutrina e prática, seja moral ou espiritual. Sua autoridade é uma
conseqüência imediata da inspiração. Se Deus inspirou completamente as Escrituras, elas estão
revestidas de Sua autoridade.

H. A Unidade da Bíblia
Na verdade, a Bíblia é mais que um só livro. Ela é uma coleção de 66 livros escritos por mais de 40
autores (+/-45). Os autores humanos do texto sagrado apresentavam uma grande variedade. A Bíblia
foi escrita durante um período de cerca de 1.600 anos, sendo terminada há quase 2.000 anos. Esse
período compreende aproximadamente 40 gerações. É maravilhoso ver todos os grandes temas da
Bíblia se desenrolarem de Gênesis ao Apocalipse, de uma forma coerente e sempre mais completa.

I. Cânon bíblico
Um livro é canônico se a Sinagoga judaica ou a Igreja cristã o reconheceu como portador da
revelação comunicada pelo Espírito de Deus. Por definição, a Palavra de Deus deve conter apenas os
textos inspirados pelo Espírito Santo. Os escritos que não possuem essa qualidade não têm lugar no
cânon.

O cânon não foi decretado por uma pessoa ou por um grupo de pessoas de uma mesma fé. Ele foi
sendo reconhecido na medida em que os livros inspirados apareceram.

O cânon é o fruto da inspiração divina e não de decisões humanas. O cânon existe desde a sua
redação, pois os escritos dos profetas e dos apóstolos têm valor canônico intrínseco. O cânon não foi
dado de uma só vez. Ele começou a se formar assim que as primeiras escrituras inspiradas foram
colocadas nas mãos do povo de Deus.

Cinco Critérios básicos para determinar a canonicidade de um livro:

Antigo Testamento
1. O livro é autorizado - afirma vir da parte de Deus?
2. O livro é profético - foi escrito por um servo de Deus?
3. O livro é digno de confiança - fala a verdade acerca de Deus, do homem, etc.?
4. O livro é dinâmico - possui o poder de Deus que transforma vidas?
5. O livro é aceito pelo povo de Deus para o qual foi originalmente escrito – é reconhecido
como proveniente de Deus?

Novo Testamento
1. O livro tem autoridade apostólica – o autor do livro foi um apóstolo ou alguém
próximo, associado a um apóstolo?
2. O livro foi autorizado - afirma vir da parte de Deus?
3. O conteúdo foi aceito pela igreja?
4 . O livro foi lido e usado nas igrejas?
5. O livro foi reconhecido e usado pelas próximas gerações depois da igreja primitiva,
especialmente pelos primeiros pais da igreja (Justino Mártir, Clemente de Alexandria,
Orígenes, Cipriano)?

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J. A Transmissão da Bíblia
Nós cremos que Deus, pela sua providência e seu cuidado especial, guardou sua Palavra pura através
de todas as épocas.

A Transmissão do texto do Antigo Testamento.


O Antigo Testamento foi escrito em hebraico (com alguns trechos em aramaico) no período de mais
ou menos 1.500 a 400 anos antes do nascimento de Jesus Cristo. Os livros mais antigos foram
escritos há 3.500 anos.

Os livros sagrados foram recopiados à mão durante 3.000 anos, de Moisés à invenção da imprensa
(em 1453). A transcrição do texto hebraico era bastante delicada pois, a princípio, essa língua só
possuía consoantes. Já por volta do ano 100 d.C. os sábios judeus se esforçaram para estabelecer um
texto consonantal hebraico padrão, que deu a base aos trabalhos posteriores dos massoretas. Estes
eram rabinos de Tiberíades e da Babilônia, que do quinto ao décimo séculos depois de Jesus Cristo
completaram uma obra extraordinária. Eles acabaram de fixar o texto do Antigo Testamento
escolhendo o melhor manuscrito entre aqueles que tinham disponíveis.

A Transmissão do Texto do Novo Testamento


O Novo Testamento foi escrito na maior parte em grego (com alguns fragmentos em aramaico) entre
os anos 49 e 95 de nossa era. No caso também do Novo Testamento, nenhum dos escritos originais
sobreviveu. Temos, porém, um grande número de cópias antigas (mais de 5.000), com algumas de
idade bem próximas aos originais. Esses documentos foram escritos em folhas de papel e agrupados,
como se fossem um fichário.

L. Traduções da Bíblia
A versão dos Setenta (Septuaginta ou LXX) – É a tradução em grego de todo o Antigo
Testamento, feita pelos judeus de Alexandria entre 250 e 150 a.C.

A Vulgata – É uma tradução em latim dos Antigo e Novo Testamentos feita por Jerônimo no
quinto século d.C. Esta tradução passou a ser considerada a tradução oficial da Bíblia pela
Igreja Católica Romana. Durante muito tempo Bíblias em outras línguas nem eram
permitidas pela igreja romana. Até recentemente, as traduções da Bíblia em português,
feitas pela igreja romana, eram feitas a partir da Vulgata e não das línguas originais da
Bíblia.

Principais traduções (protestantes) da Bíblia


em português do Brasil usadas na atualidade

A Bíblia Sagrada – João Ferreira de Almeida, Edição Revista e Corrigida (COR ou ARC)
Não é a mesma traduzida por João Ferreira de Almeida e impressa em 1753. É na realidade uma
edição brasileira onde foram tirados os lusitanismos e adaptado para o português do Brasil. Ela foi
publicada em 1898 pela Sociedade Bíblica Britânica. A 2ª edição foi publicada pela Sociedade Bíblica
do Brasil em 1969. A 3ª edição foi publicada em 1995. A 4ª edição data de 2009 (ARC).

A Bíblia Sagrada – João Ferreira de Almeida, Edição Revista e Atualizada no Brasil (ATU ou ARA)
É uma revisão de Almeida, independente da Revista e Corrigida, que foi encomendada a uma equipe
de tradutores brasileiros e publicada pela SBB em 1956. Ela conserva as características principais da
tradução à equivalência formal de Almeida. Sua revisão foi feita à luz dos manuscritos mais antigos
que não estavam à disposição de Almeida. Em 1993 ela passou por uma 2ª revisão pela SBB (ARA).
Publicada também pelas Edições Vida Nova (edição de 1976 com muitas referências e notas

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explicativas) e pela Imprensa Batista Regular do Brasil (“Bíblia de Scofield” com referências e
anotações lançada em 1983).

A Bíblia Sagrada – Versão Revisada (VRe)


Publicada pela Imprensa Bíblica Brasileira primeiramente em 1967 e na sua 2ª edição em 1986. É
baseada na tradução de Almeida. Ela segue mais a forma da COR, porém mais natural.
Em 2005 foi lançada Almeida Século 21, baseada na Versão Revisada. É publicada por um consórcio
formado por Imprensa Bíblica Brasileira/JUERP, Edições Vida Nova, Editora Hagnos e Editora Atos.

Edição Contemporânea Almeida (ECA ou AEC)


Publicada pela Editora Vida em 1990, é uma atualização da Almeida Revista e Corrigida, buscando
eliminar arcaísmos e ambiguidades do texto original de Almeida.

Almeida Corrigida, Fiel (ACF)


O nome original é Almeida Corrigida e Revisada, Fiel ao Texto Original. Publicada pela Sociedade
Bíblica Trinitariana, baseada 100% no Textus Receptus (TR). Pequena revisão em 1995.

Nova Versão Internacional (NVI)


Publicada em 2001 pela Sociedade Bíblica Internacional. Ela segue um princípio intermediário entre
o da equivalência dinâmica e o da tradução literal.

A Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH)


A Bíblia na Linguagem de Hoje (BLH) foi publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil no fim de 1988
com uma linguagem contemporânea e simples. Ela segue o princípio de tradução da equivalência
dinâmica. A tradução do Novo Testamento foi aprovada pela Igreja Católica. Em 2000 foi feita uma
revisão profunda e o nome mudou para a Nova Tradução da Linguagem de Hoje.

A Bíblia Viva (VIV)


Publicada em 1981 pela Editora Mundo Cristão. A versão em inglês foi concebida para ser entendida
pelas crianças. Ela foi tão bem recebida que foi traduzida para muitas outras línguas. Ela não é na
realidade uma tradução, mas sim, uma paráfrase; ou seja, ela toma muitas liberdades na tradução e
insere algum comentário. Em certos trechos ela foge um pouco das regras de tradução geralmente
aceitas.

Definições

Algumas definições básicas


Hermenêutica: “a ciência e arte de interpretação bíblica”1 Ciência, porque ela tem normas ou regras,
e essas podem ser classificadas num sistema ordenado. Arte, porque a comunicação é flexível.

Exegese: “a aplicação dos princípios da hermenêutica para chegar-se a um entendimento correto do


texto.”2

1 Virkler, Henry A. – Hermenêutica Avançada, (São Paulo: Editora Vida), 1987, p. 9


2 Ibid, p. 11

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Teologia Bíblica: “é o estudo da revelação divina no Antigo e no Novo Testamentos.”3 Ela tenta
mostrar o desenvolvimento do conhecimento teológico através dos tempos do Antigo e do Novo
Testamentos.

Teologia Sistemática – “organiza os dados bíblicos de uma maneira lógica ao invés de histórica. Ela
tenta reunir toda a informação sobre determinado tópico... de sorte que possamos entender a
totalidade da revelação de Deus a nós sobre esse tópico.”4

A NECESSIDADE DA HERMENÊUTICA

Processo de Interpretação Bíblica

A hermenêutica é, em essência, uma codificação dos processos que normalmente empregamos em


um nível consciente para entender o significado de uma comunicação. Quanto mais bloqueios à
compreensão espontânea, tanto maior a necessidade da hermenêutica.

Os Bloqueios à Compreensão

H i s t ó r i c o - no fato de nos encontrarmos grandemente distanciados no tempo, tanto dos


escritores quanto dos primitivos leitores. (Exemplo: Dn. 1:1-2)

Cultural - diferença significante entre a cultura dos antigos hebreus, gregos, romanos e a nossa.

L i n g ü í s t i c o - a bíblia foi escrita em hebraico, aramaico e grego - três línguas que possuem
estruturas e expressões idiomáticas muito diferentes da nossa própria língua.

F i l o s ó f i c o – a visão de mundo (cosmovisão) acerca da vida, das circunstâncias e da natureza


do Universo diferem entre as várias culturas.

A hermenêutica é necessária por causa das lacunas históricas, culturais, lingüísticas e filosóficas que
obstruem a compreensão espontânea e exata da Palavra de Deus.

“A interpretação que visa à originalidade, ou que prospera com ela, usualmente pode ser atribuída
ao orgulho... ao falso entendimento da espiritualidade... ou a interesses escusos...”.5

“A primeira razão por que precisamos aprender como interpretar é que, quer deseje quer não, todo
leitor é ao mesmo tempo um intérprete; ou seja, a maioria de nós toma por certo que, enquanto
lemos, também entendemos o que lemos”.6

Às vezes, aquilo que levamos para o texto, sem o fazer deliberadamente, nos desencaminha ou nos
leva a atribuir ao texto idéias que lhe são estranhas”.7

“A tradução (da Bíblia)... é em si mesma uma forma (necessária) de interpretação”.8

3 Ibid, p. 11
4 Ibid, p. 11
5 Fee, Gordon e Stuart, Douglas, Entendes o Que Lês? (São Paulo: Edições Vida Nova, 1984), p. 13-14.
6 Ibid., p. 14
7 Ibid., p. 14
8 Ibid., p. 15

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APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS

INTRODUÇÃO

Neste curso básico não nos propomos a estudar todos os princípios em detalhes, mas passaremos
mais tempo em alguns que julgamos mais importantes neste nível básico.
A Bíblia foi escrita por seres humanos e deve ser tratada como qualquer outra comunicação
humana. Devemos determinar o significado pretendido pelo autor. É necessário, então, desenvolver
nossas habilidades na arte de comunicação e compreensão humanas.


Observe a passagem como um todo.
Pr
in Leia a passagem com seu contexto imediato – pelo menos um parágrafo antes e um
cí parágrafo depois da passagem alvo. (Exemplo: 1 Cor. 8:7  expandir para todo o capítulo 8.)
pi Anote qualquer pergunta que surja quanto à passagem, seu conteúdo e seu contexto. Não
o procure responder ainda as questões que surgirem! (Só levante poeira.)

2º Pesquise a situação histórica, física e cultural.


Pr
in
A situação é o contexto que formou a mensagem original. Sem entender esta situação, a

comunicação do significado será difícil, se não, impossível.
pi
o
Situação Histórica

A Bíblia é revelação em história, distinta dos ensinos de muitas religiões. A maioria das religiões
está arraigada em mitologia, como o Xintoísmo ou o Hinduísmo. Em contraste, a Escritura está
arraigada em história e reivindica ser um documento histórico, o registro da revelação de Deus.
Assim, devemos entender esta revelação no contexto de sua história. 1 Coríntios está lidando com
situações reais, históricas.

Situação pessoal do Autor


 Quem é o autor do livro? Revise as circunstâncias do autor no momento em que o livro foi
escrito. Estas informações podem ser obtidas consultando um manual bíblico ou um livro de
introdução ao Antigo ou Novo Testamento. Muitas Bíblias de estudo também têm artigos de
introdução para cada livro da Bíblia. (1 Coríntios  Paulo é o autor, escrevendo por causa de
problemas e perguntas na igreja de Corinto).
 Como podem as circunstâncias da autoria do livro me ajudar na interpretação do significado
desta passagem?
 Exemplos: Salmo 51:4 - a confissão de Davi do seu pecado com Bate-Seba; Filipenses 4:4-7, 13-
18 - Paulo estava na prisão.
 A situação do autor frequentemente traz entendimento ao significado de uma
passagem. Exemplo: Paulo escreveu 1 Coríntios quando estava em Éfeso em 56 ou
57 dC.

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Referências históricas nas Escrituras

1. É necessária uma compreensão da história do Antigo Testamento para entender o Novo


Testamento.
Exemplos:
 Livro de Hebreus
 Jesus com Nicodemos - João 3:14-15 (Nm. 21:8-9)
 Jesus comparado com Elias e Jeremias - Mateus 16:14

2. É necessária uma compreensão da história do Antigo Testamento para esclarecer o próprio


Antigo Testamento.

É útil organizar a história dos livros históricos cronologicamente e colocar os profetas nos
devidos tempos em que profetizaram.
Exemplo:
 A restauração da terra prometida para Israel – Ezequiel 37:11-12

3. É necessária uma compreensão da história do Novo Testamento para entender certas passagens
do Novo Testamento.

Exemplo:
 Paulo estava na prisão quando escreveu para os efésios e filipenses - Atos 28:30-31; Efésios
6:19, 20; Filipenses 1:20, 21, 24-25; Filipenses 4:22.

É de suma importância que as passagens usadas sejam verdadeiramente paralelas. Atos 28


não explica as condições que Paulo enfrentou em 2 Timóteo (cap. 1). Paulo está na prisão por
uma segunda vez, não a mesma de Atos 28. Desta segunda vez ele seria decapitado sob Nero
em 64 dC.

Informação histórica providenciada pelas Escrituras pode ser encontrada em:


A. Referências paralelas
B. Concordâncias bíblicas
C. Dicionário da bíblia, enciclopédias bíblicas ou manuais bíblicos.

Informação histórica providenciada por fontes suplementares sobre a história antiga:


A. Livros da história dos tempos bíblicos;
B. Livros que apresentam uma introdução à Bíblia e materiais introdutórios em comentários
críticos bíblicos.

Exemplos:
 Daniel 2:31-45 – referências à Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma.
 Apocalipse 1-3 – as sete igrejas na Ásia Menor.
 Atos 18:2 – O imperador Cláudio expulsou a comunidade judaica de Roma por volta do
ano 49, provavelmente por causa de disputas entre os judeus e os cristãos com relação ao
Messias.

4. Para achar o significado de qualquer passagem, o intérprete deve, em primeiro lugar, descobrir o
máximo possível sobre o autor - quem ele era, onde e quando ele escreveu e as circunstâncias em
que ele escreveu. Além disso, o intérprete deve buscar informações sobre o(s) destinatário(s) - para

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quê ou para quem foi escrita a passagem e a colocação histórica na qual eles a leram. Se há
referência a algum evento, esse evento deve ser estudado para entender o significado pretendido.
Exemplo: Mt. 11:23-24 (cf. Gen. 18 e 19).

Situação Física
Referências geográficas
A situação geográfica é útil para se entender uma passagem.

Exemplos:
Oséias: 1, 3, 8, 13 - localizações geográficas.
Juizes 4-5 - referência às tribos que ajudaram e às que não ajudaram

Os recursos disponíveis para se entender a situação geográfica:


1. Atlas da Bíblia
2. Atlas geográfico
3. Dicionários da Bíblia e enciclopédias

Referências à Vida Animal


A situação física também pode exigir uma compreensão dos animais na Bíblia

Exemplo: Estude as características da ovelha para entender Salmo 23, Is 53, Ezequiel 34, João10.

Referências à Vida Vegetal


Uma passagem pode ser mais clara para nós quando estudamos as características das plantas
do Israel antigo.

Exemplo: Marcos 11:12-14 - figueira.

Situação Cultural

O modo como as pessoas viveram, os costumes sociais e religiosos da época bíblica são muito
importantes para se obter o significado desejado.

Cultura aprendida na Bíblia:


Certas informações culturais podem ser encontradas na própria Bíblia.
Exemplo: Mateus 15:2; Marcos 7:3-4 - Fariseus que lavavam as mãos antes de comer.
Cultura aprendida de fontes suplementares:
Fontes suplementares fora da Bíblia são úteis para se entender o significado de muitas
passagens, porém deve-se ter muito cuidado com o seu uso. (Exemplo: A situação geográfica
de Corinto levou à instalação de uma multidão de povos e religiões pagãs diferentes. Uma
grande relação entre a idolatria e a ingestão de carne. A cidade era dedicada à Vênus – a
deusa do amor. Havia muita prostituição relacionada com a adoração de Vênus – mil
prostitutas no templo).

Recursos para o estudo Cultural:


1. Passagens paralelas
2. Bíblias de estudo
3. Livros sobre culturas da Bíblia
4. Dicionários da Bíblia
5. Enciclopédias da Bíblia

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6. Comentários bíblicos
Mesmo para o estudante experiente da Bíblia é melhor consultar o comentário depois de haver
feito o seu próprio estudo. Há várias razões para isto:
1. Nenhum comentarista é infalível;
2. Nenhum comentarista é perito em todas as passagens das Escrituras;
3. O comentarista providencia uma verificação das próprias conclusões do estudante;
4. O comentarista providencia uma perspectiva adicional antes de o estudante finalizar o seu
estudo.


P Observe a relação que o texto tem com o contexto 9
ri
Precisamos examinar o texto em questão com relação ao seu contexto imediato, ao seu contexto
n amplo e tomando em consideração o livro como um todo. Dividiremos esta fase em três
mais
cí O propósito do livro bíblico, a organização do livro, e o contexto imediato.
partes:
pi
OoPropósito do Livro Bíblico
Descubra o propósito do livro bíblico.
 Alguns livros citam claramente qual é o propósito do livro.
Exemplos: João (20:31); Lucas (1:1-4).
 Outros livros não citam claramente o seu propósito. Neste caso é necessário ler o livro
inteiro procurando descobrir o tema do livro.
Exemplo: Gálatas – o propósito é corrigir os erros da influência judaizante na igreja da
Galácia. Este conhecimento nos ajuda a determinar o sentido da palavra “lei” usada no
livro de Gálatas.
 Uma dica para achar o tema: muitos livros dão indícios do tema no começo ou no fim do
livro.

Alguns livros têm mais de um propósito. É o caso do livro de 1 Coríntios. Neste livro o Apóstolo
Paulo trata de vários temas diferentes. O texto estudado precisa ser relacionado com o tema sendo
tratado naquele contexto.

A Organização do Livro
Os livros bíblicos são organizados de maneiras bastante diversas e precisamos reconhecer a maneira
de organização:
 Alguns são organizados por uma seqüência cronológica de eventos. Exemplo: 1 Samuel;
Atos.
 Alguns livros são organizados como um arranjo poético para causar um impacto emocional.
Exemplo: Cântico dos Cânticos.
 Outros podem apresentar um argumento lógico bem construído, onde um argumento
depende do outro. Exemplo: Romanos.
 Outros podem ser uma coletânea de visões e/ou oráculos (não necessariamente em ordem
cronológica). Exemplo: Amós
 Outros podem simplesmente ser coletâneas soltas de provérbios ou salmos, sem relação
entre si. Exemplos: Salmos; Provérbios.
 O conteúdo de um livro, dependendo da sua organização, não aparece sempre em ordem
cronológica. Isto tem muita importância para a interpretação. Exemplo: O livro de Mateus
parece estar organizado mais por temas do que por ordem cronológica.

9 McQuilken, Robertson, Understanding and Applying the Bible (Chicago: Moody Press, 1982), cap. 11, p. 153-
163

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A organização do autor do livro influencia grandemente a interpretação do seu texto. Um


pensamento específico no texto não pode ser interpretado isoladamente da organização e do tema
do livro.

Esboço – Para melhor compreender a organização de um livro é necessário que se faça um esboço
dele.
 Não use automaticamente as divisões de capítulos e versículos para fazer um esboço. Estes
nem sempre correspondem às mudanças de pensamento.
 Procure mudanças no assunto. Uma mudança brusca de assunto constitui um novo item no
esboço principal.
 Note que uma mudança entre doutrina e prática constitui uma mudança radical no
pensamento.
 Mudanças mais sutis e menos radicais podem constituir subitens no esboço.

O Contexto Imediato
O contexto imediato é o fator mais importante para se determinar o significado de uma passagem.

Exemplo: 1 Tessalonicenses 5:2 – “ o dia do Senhor virá como ladrão à noite” – será que isto significa
que Ele virá quietinho e em segredo, como faz um ladrão? O contexto nos ajuda. Os versículos
seguintes, 3 e 4, mostram que o sentido é que Cristo virá repentinamente e não será quietinho por
causa do contexto anterior de 4:16.

4º Identifique o gênero literário e aplique os princípios


P específicos para cada gênero.
ri
n
Identifique o tipo de literatura do texto e use os princípios de hermenêutica específicos para aquele
cí Os diferentes tipos de literatura são:
gênero.
pi
o  As narrativas (história)
 A(s) lei(s)
 Os profetas
 As cartas (epístolas)
 As parábolas
 Os Salmos
 A poesia

As Narrativas (história)
“A Bíblia contém mais do tipo de literatura chamado “narrativa” do que qualquer outro tipo
literário.” “Mais de 40 por cento do Antigo Testamento é narrativa.”10

As narrativas são histórias inspiradas por Deus. Portanto, não são quaisquer histórias, mas histórias
que nos contam como Deus agiu na história da humanidade e o seu relacionamento com os povos.
Nem sempre somos informados de todos os detalhes da história e frequentemente não somos

10 Fee e Stuart, p. 63

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informados dos motivos ou de como Ele fez tal ou tal coisa. As narrativas também são geralmente
de um ponto de vista limitado.

“Todas as narrativas têm um enredo, uma trama, e personagens (sejam divinas, humanas, animais,
vegetais, etc.).”11

Princípios Para a Interpretação de Narrativas12


1. Geralmente, uma narrativa do Antigo Testamento não ensina diretamente uma
doutrina.
2. Uma narrativa do Antigo Testamento geralmente ilustra uma doutrina ou doutrinas
ensinadas de modo proposicional noutros lugares. (Exemplo: Elias e os profetas de Baal
– 1 Reis 18:20ss)
3. As narrativas registram o que aconteceu – não necessariamente o que deveria ter
acontecido ou o que deve acontecer todas as vezes. Devemos nos lembrar disto
especialmente no livro de Atos. (Exemplo: At. 10:44-46 – Cornélio e sua casa falando em
línguas.)
4. A não ser que a Escritura explicitamente nos mande fazer alguma coisa, aquilo que é
meramente narrado ou descrito nunca pode funcionar de modo normativo.
5. O que as pessoas fazem nas narrativas não é necessariamente um bom exemplo para
nós. (Exemplo: Jacó ganha o direito de primogenitura – Gn. 25:27-34)
6. A maior parte dos personagens nas narrativas do Antigo Testamento está longe de ser
perfeita, bem como suas ações. (Exemplo: Simeão e Leví [Gn. 34]; Samuel; Davi, etc.)
7. Nem sempre somos informados no fim de uma narrativa se aquilo que aconteceu foi
bom ou mau.
8. Todas as narrativas são seletivas e incompletas. Nem sempre todos os pormenores
relevantes são dados (João 21:25).
9. As narrativas não são escritas para responderem a todas as nossas perguntas teológicas.
10. As narrativas podem ensinar, ou explicitamente (ao declarar alguma coisa de modo
claro – o tratamento de José pelos seus irmãos – Gn. 50:19-20), ou implicitamente (ao
subentender claramente alguma coisa sem chegar a declará-la – Pedro andando sobre
as águas – Mt. 14:27-33). Isto não significa que existem sentidos místicos ou particulares
escondidos nas narrativas.
11. “As histórias dos milagres... não são registradas para oferecer morais nem para servir de
precedentes. Pelo contrário, funcionam nos Evangelhos como ilustrações vitais do poder
do reino irrompendo através do ministério do próprio Jesus.”13

É importante notar que existe muita narrativa nos quatro evangelhos. Numa lida rápida, pode
parecer que existem contradições entre as narrativas de eventos específicos nos diferentes
evangelhos. Precisamos nos lembrar de que estas narrativas são feitas de pontos de vista diferentes.
Cada autor humano escreve o seu evangelho com um propósito em mente que é bastante diferente
de outro autor. Os evangelhos não se contradizem, mas se complementam.

11 Ibid., p. 64
12 Ibid., p. 69
13 Ibid., p. 116

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14

A(s) Lei(s)

“O Antigo Testamento contém mais de seiscentos mandamentos que os israelitas deviam guardar
como evidência da sua lealdade a Deus. Apenas quatro dos 39 livros do Antigo Testamento contêm
essas leis: Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.”14

Muitas vezes o Antigo Testamento se refere aos cinco primeiros livros da Bíblia como sendo “os livros
da Lei”, apesar de Gênesis não conter nenhum mandamento e dos outros livros conterem outras
matérias além de mandamentos. Há algumas referências a estes cinco livros como sendo um só
(Exemplo: Josué 1:8).

“Na maioria das ocasiões em que “a Lei” é mencionada na Bíblia, significa a coletânea de matéria que
começa em Êxodo 20 e continua até ao fim de Deuteronômio.”15

Entre os evangélicos não existe um consenso quanto à hermenêutica da lei mosaica no que tange à
sua utilização, hoje, para o cristão. A posição abaixo é a que me parece mais coerente. Em se tratando
da lei mosaica, precisamos levar algumas coisas em consideração: 1) A lei mosaica caracteriza um
período no progresso da redenção e da revelação progressiva de Deus. Antes de Moisés (e, portanto,
antes da lei mosaica) Deus já tratava com seu povo. 2) Jesus Cristo é o personagem central da história
da Bíblia. Tudo no Antigo Testamento apontava adiante para a vinda de Cristo e, após o ministério
terreno dele, tudo aponta para trás – para a pessoa e obra de Cristo. 3) Existem fatores de
continuidade e de descontinuidade entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento.

Os Cristãos e a Lei do Antigo Testamento16


1. A lei do Antigo Testamento é uma aliança, um contrato firmado entre Deus e o povo de
Israel.
2. As leis mosaicas expressam o caráter de Deus e a sua vontade para o seu povo Israel. Com
o povo vivendo sob uma teocracia (governo direto de Deus), as leis civis regulamentavam
estas questões e organizavam a nação. As leis rituais (cerimoniais), com as festas
obrigatórias, foram usadas por Deus para ensinar o monoteísmo (um só Deus), a
necessidade da separação da impureza e do pecado, e o conceito da necessidade da
expiação do pecado através do sistema sacrifical. Todas estas leis rituais eram altamente
simbólicas e apontavam para a obra redentora de Jesus Cristo. As leis morais (éticas)
apontam para o próprio caráter de Deus e o que ele espera do seu povo para viverem em
santidade.
3. Algumas estipulações da Antiga Aliança claramente não foram renovadas na Nova Aliança.
Estas são (1) as leis civis israelitas (Ex. 21 e 22) e (2) as leis rituais israelitas (Lv. cap. 1-7 –
comparar com o livro de Hebreus). Estas últimas constituem-se no maior bloco único de
leis do Antigo Testamento.
4. Parte da Velha Aliança é renovada na Nova Aliança. Alguns aspectos da lei ética (moral) do
Antigo Testamento realmente são reafirmados no Novo Testamento como sendo
aplicáveis aos cristãos. Jesus leva esta ética, em alguns casos, até além do que o Antigo
Testamento fazia (Mateus 5:21-48).
5. A lei mosaica não tinha o intuito de salvar o povo de Israel. As suas funções eram:
abençoar o povo, explicar como se deve viver a vida de fé e agradar a Deus, expor a
realidade, a gravidade e a culpa do pecado (Rm 7:7-11), e, finalmente, servir como tutor

14 Ibid., p. 137
15 Ibid., p. 137
16 Ibid., p. 138-141 – com adaptações

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15

do povo de Israel até a vinda do Messias (Gal. 3:23-25).


6. Como cristãos, nós não vivemos debaixo da tutela direta da rígida lei mosaica (Rm 6:14-
15). Nós vivemos debaixo da “lei de Cristo” (Gal. 6:2), que é o conjunto de princípios
ensinados por Jesus. Jesus veio “cumprir” a lei mosaica. Ele foi o auge da lei mosaica que
serviu para preparar o povo de Israel para a vinda do Cristo. Não existe contradição entre
a lei mosaica e a lei de Cristo. Os dois têm a mesma fonte (Deus) baseada no mesmo
caráter divino. A vinda de Cristo inicia uma nova era, um novo “testamento”, uma nova
aliança. E com a nova aliança existe uma nova ênfase: o amor e a graça.
7. A totalidade da lei do Antigo Testamento ainda é a Palavra de Deus para nós, ainda que
não continue sendo o mandamento de Deus para nós. A lei mosaica serve para nos
esclarecer muitos pontos do Novo Testamento e ainda nos revela o caráter santo de Deus.

Resumo: Alguns “faça” e “não faça”17


1. Veja a lei do Antigo Testamento como a palavra plenamente inspirada de Deus para você.
Não veja a lei do Antigo Testamento como o mandamento direto de Deus dirigido a você.
2. Veja a lei do Antigo Testamento como a base da Antiga Aliança e, portanto, da história de
Israel. Não veja a lei do Antigo Testamento como obrigatória para os cristãos da Nova
Aliança, a não ser onde for especificamente renovada, mas como base da nossa conduta
moral e ética.
3. Veja a justiça, o amor e os altos padrões de Deus revelados na Lei do Antigo Testamento.
Não se esqueça de ver que a misericórdia de Deus é feita igual à severidade dos padrões.
4. Não veja a lei do Antigo Testamento como completa. Não é tecnicamente abrangente.
Veja a lei do Antigo Testamento como um paradigma que fornece exemplos para a gama
inteira do comportamento que se espera.
5. Não espere que a lei do Antigo Testamento seja frequentemente citada pelos profetas
nem pelo Novo Testamento. Lembre-se de que a essência da Lei (os Dez Mandamentos e
as duas leis principais) é repetida pelos profetas e renovada no Novo Testamento.
6. Veja a lei do Antigo Testamento como uma dádiva generosa a Israel, trazendo muitas
bênçãos quando é obedecida. Não veja a lei do Antigo Testamento como um
agrupamento de regulamentos arbitrários e irritantes que limitavam a liberdade das
pessoas.

17 Ibid., p. 151-152 – com adaptação

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16

Os Profetas18
Considerações gerais:
 Mais livros individuais da Bíblia enquadram-se neste gênero de literatura do que em qualquer
outro.
 Os livros proféticos estão entre as partes mais difíceis da Bíblia para serem interpretados ou
lidos com entendimento.
 Os profetas eram, antes de tudo, porta-vozes de Deus. Sua função primária era falar em prol
de Deus para seus próprios contemporâneos. A palavra hebraica para “profeta” significa
“chamado”. Eles eram chamados por Deus para esta função. Tudo que anunciavam e diziam
era da parte de Deus, inclusive as bênçãos, as maldições e as previsões. Vemos uma
preocupação constante dos profetas em dizer “assim diz o Senhor” ou algum outro
equivalente. O Antigo Testamento declara 3.808 vezes que o autor transmite as palavras
expressas de Deus: Isaías – 120 vezes; Jeremias – 430 vezes; Ezequiel – 329 vezes; Amós – 53
vezes; Ageu – 27 vezes em apenas 38 versículos.
 Os profetas eram mediadores para fazer cumprir a aliança. É por isto que vemos nos profetas
a ênfase das constantes advertências. Bênçãos são prometidas para a nação se cumprirem a
aliança e maldição se não a cumprirem. (Lev. 26; Dt. 4; e cap. 28-32)
 Os profetas tinham também a função secundária de anunciar o futuro, mas na maioria das
vezes este futuro era o futuro imediato de Israel, de Judá e dos países que os cercavam.
Menos de 2% da Profecia do Antigo Testamento é messiânica, menos de 5% descreve
especificamente a era da Nova Aliança e menos de 1% diz respeito a eventos ainda vindouros.
 Existem dois propósitos para a profecia que previa o futuro: 1. O propósito principal era
influenciar a conduta dos que ouviam a profecia (Jer. 3:12-15; Oséias 14:1-2). 2. O segundo
propósito só se realizava quando a profecia se cumpria – e isto era de fortalecer a fé e
estabelecer uma confiança no Deus que predisse os eventos (João 13:19; 14:29; 16:4).
 A mensagem dos profetas não era original. Eram essencialmente as advertências e promessas
da aliança. Os profetas não foram inspirados para ensinar quaisquer lições ou anunciar
quaisquer doutrinas que já não estivessem contidas na aliança do Pentateuco. Mesmo as
profecias messiânicas não eram novas na sua essência, pois Deus trouxe a noção de um
Messias pela primeira vez através da Lei. Os profetas só acrescentaram os pormenores.

Princípios Para a Interpretação dos Profetas


1. No estudo dos profetas, observe o contexto histórico no qual o profeta escreve, mas também o
contexto mais específico do oráculo sendo estudado.

2. Determine onde começa e onde termina o oráculo que forma o contexto imediato do texto a
estudar. Os livros proféticos geralmente podem ser divididos em oráculos. Estes oráculos não foram
normalmente proferidos na mesma época e podem não estar em ordem cronológica.

3. Identifique a forma literária sendo usada pelo profeta. As três formas mais comuns são:
 O Processo jurídico. Exemplo: Is. 3:13-26. Deus é retratado, de modo imaginário, como sendo o
demandante, o promotor público, o juiz e o oficial da justiça num processo jurídico contra o réu,
Israel. A forma completa do processo jurídico contém uma carta rogatória, uma acusação, as
evidências e um veredicto (nem sempre todas as partes são explícitas).
 O ai. “Ai” era a palavra que os antigos israelitas exclamavam quando enfrentavam a desgraça ou a
morte, ou quando lamentavam num enterro. Três elementos que caracterizam de modo sem igual
esta forma: um anúncio da aflição (a palavra “ai”, por exemplo), a razão da aflição e uma predição
da desgraça. (Exemplo: Hab. 2:6-8)
 A Promessa ou “oráculo da salvação”. Seus elementos são: a referência ao futuro, a menção de
mudanças radicais e a menção de bênçãos. Exemplo: Amós 9:11-15

18 Ibid., p. 153-174

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17

4. Determine se o profeta está usando linguagem poética. Frequentemente os profetas usavam


prosa poética como uma maneira de facilitar o aprendizado e a memorização da mensagem, como
também para causar um impacto emocional no auditório.

5. Nas passagens que fazem uma predição do futuro, devemos usar as seguintes diretivas:
 Interprete o texto no seu sentido mais simples, direto e ordinário – a não ser que exista
alguma razão forte para não o fazer.
 Identifique passagens figuradas usando as regras normais da linguagem para diferenciar entre
o que é literal e o que é figurado.
o Às vezes a linguagem é obviamente figurada, senão, seria absurda. (Exemplo: Is. 11:1)
o Outras vezes a linguagem figurada é identificada no contexto. (Exemplo: João 2:19,
21)
o Outras vezes as Escrituras podem identificar uma afirmação aparentemente literal
como sendo figurada. (Exemplo: Gen. 3:15 com Gal. 3:16)

6. O Espírito Santo e os autores humanos são os únicos que têm autoridade para interpretar
uma passagem literal como figurada. Nós, como intérpretes, não temos essa autoridade.
Como intérpretes, temos a iluminação do Espírito Santo mas, somos também sujeitos a erros
de interpretação. É criticamente importante que identifiquemos o significado pretendido pelos
autores.

7. Observe novamente que a linguagem figurada não é mística. As verdades mais profundas
podem ser expressas de modo não literal. Na interpretação deve-se descobrir para onde o
figurado aponta, porque o figurado deve ter uma verdade literal. Os intérpretes não têm a
liberdade de designar figuras ou significados espirituais para profecias. Somente a própria
Escritura tem esta autoridade e não os intérpretes.

8. Mesmo que o NT dê a aparência de alegorizar uma passagem específica no AT, isto não dá o
direito ao intérprete de interpretar outras passagens do mesmo modo. (Exemplo: 1 Cor. 10:1-4)
Se um autor no NT estabelece que uma passagem no AT seja figurada, outras referências no AT
referentes ao mesmo assunto podem ter características figuradas. Por exemplo, o tabernáculo é
citado especificamente como um tipo, então, o intérprete pode legitimamente examinar outras
passagens referentes ao tabernáculo com isto em mente.

Tipologia
 Os tipos são muito comuns na Bíblia e bem pouco compreendidos. Pessoas, ritos e cerimônias,
atos e eventos, objetos e cargos (como profeta, sacerdote e rei) são usados nas Escrituras
como tipos. Um tipo pode ser definido como um "símbolo profético".
 Um símbolo é alguma coisa que representa uma outra. Muitas vezes um objeto material é
usado para representar uma coisa imaterial. Como exemplo, a Bíblia é representada por
carne, leite, pão, fogo, água, semente, espada e luz.
 A linguagem simbólica usa objetos para designar uma característica comum à coisa
simbolizada. A responsabilidade do intérprete é identificar o ponto de referência usando a
Bíblia e não a sua própria experiência ou cultura.
 As Escrituras usam números, várias matérias, animais e pessoas. Os símbolos na Bíblia devem
ser compreendidos de acordo com as regras normais de interpretação; porém quando um
símbolo é usado para predizer uma coisa futura, o mesmo assume uma característica
profética. Os princípios usados para se compreender uma profecia são aplicados quando os
símbolos proféticos são usados nas Escrituras.

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18

 Observe que um tipo muitas vezes contém um símbolo. O tabernáculo é tratado no NT como
um tipo da redenção de Cristo. Porém, dentro do tabernáculo existiam muitos símbolos como a
água, que figurava uma lavagem espiritual.
 Um tipo, por definição, é especificamente uma profecia divina planejada. Devemos estar cientes
da tentação de espiritualizar palavras e versículos. Caindo nesta tentação abre-se a porta para
um abuso ilimitado. Para designar uma ilustração ou aplicação como um tipo é tomar para si
uma autoridade que não é nossa.

Distinção entre Símbolo e Tipo


Símbolo Tipo

Alguma coisa usada para representar outra coisa. Simbolismo profético.


Muitas vezes um objeto material representa
alguma coisa imaterial.

Essência

Um símbolo normalmente representa alguma coisa Um tipo pode ser diferente em essência daquilo
diferente em essência daquilo que é representado. que é representado como no caso de um símbolo.
Livro e pão são distintos em essência, porém, pão é Pode também ser alguma coisa semelhante ou até
usado para simbolizar a Bíblia. mesmo igual. O sacrifício de animais e o sistema
sacrificial foram projetados para prever o sacrifício
de Jesus na cruz. Morte é semelhante em ambos os
tipos e aquilo que representa Melquizedeque e
Davi são vistos como tipos de Cristo. O tipo e o
objeto representados são seres humanos.

Relacionamento Com O Tempo

Um símbolo é ilimitado. Pode simbolizar algo no Um tipo, por definição, aponta para o futuro. É
passado, presente e futuro. geralmente um tipo no AT que prefigura alguma
coisa sobre a redenção no NT.

Referência

A coisa simbolizada pode se referir a mais que uma Um tipo se refere a um só significado. Geralmente
coisa. Uma semente pode se referir à Palavra tipologia bíblica se refere à redenção. O
(Mateus 13:19) ou aos filhos do reino (Mateus tabernáculo é usado dessa forma no livro de
13:38). A água pode se referir à lavagem, Hebreus.
satisfação, à Bíblia, ou a Jesus. Uma ovelha pode
simbolizar humildade ou falta de entendimento,
vulnerabilidade ou sacrifício. Uma pomba pode
simbolizar a paz, o poder de Deus ou o Espírito
Santo. A serpente pode simbolizar o mal, Satanás,
ou sabedoria.

Elementos Paralelos

Geralmente existe um só paralelo entre o símbolo e Um tipo pode ter vários paralelos. A páscoa é uma
o que o símbolo representa. Um símbolo pode ser foto que detalha muitos elementos da redenção.
usado como paralelo para várias outras coisas. Também o sistema sacrificial e o tabernáculo. Esses
dois tipos contêm paralelos com a verdade do NT.

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 Como podemos determinar o significado de um símbolo ou tipo nas Escrituras? Deve-se


observar o seguinte:
1. Considerar o contexto. Em contextos diferentes um símbolo pode ter significados
diferentes (Mt. 16:6 – fermento representa falsa doutrina (ver v. 12) que
corrompe os ouvintes; Mt. 13:33 – fermento, como elemento positivo que faz
crescer o pão, representa o reino dos céus que, quando “leveda” os cristãos, faz
crescer o reino).

2. Referir-se a outras passagens. A revelação no NT pode identificar alguma


coisa simbólica que não foi identificada no AT.
Se outras passagens usam uma palavra como simbólica, é legítimo considerá-
la simbólica nas passagens em que o significado não é claro. Mesmo neste
caso o contexto deve determinar se o significado simbólico é aceitável em
uma passagem. Por exemplo, o número seis pode representar o número do
homem (Apocalipse 13:18), mas o contexto nem sempre dá este significado. O
contexto deve determiná-lo. Em Isaías 53, ovelhas simbolizam seres humanos e
na mesma passagem a ovelha representa Jesus. Então, quando o termo
"ovelha" é usado de um modo simbólico, é legítimo se perguntar qual dos dois
significados (ou mesmo algum outro) foi a intenção do autor.

3. Deixar o autor controlar a intenção.

Múltiplas Referências

 As profecias referem-se ao futuro. As profecias no AT referentes a Jesus Cristo podem ser para
sua primeira ou segunda vinda. Algumas profecias no AT que se referem a eventos logo após
a proclamação da profecia são também aplicadas no NT com respeito ao Messias centenas de
anos depois.

 Existe a possibilidade de que um versículo ou passagem possa ter mais de um significado.


Entretanto, esta determinação só pode ser feita pelo Espírito Santo e os autores das Escrituras.
Exemplos: Mt. 1:22-23 (Is. 7:14); Mt. 2:15 (Os. 11:1); Mt. 2:17-18 (Jr. 31:15); Jo. 12:15 (Zc.
9:9).

As Cartas (epístolas)19
As epístolas não são uma coletânea homogênea. Algumas foram verdadeiras cartas endereçadas
a destinatários específicos; às vezes indivíduos, às vezes uma igreja e outras vezes um grupo de
igrejas. Outras foram escritas mais como um compêndio de doutrina ou instruções para as igrejas
em geral.

Todas são o que tecnicamente se chama de documentos ocasionais (i.é, surgindo de uma ocasião
específica e visando a mesma) e são do século I.

A forma das cartas antigas:


1. o nome do escritor (e.g., Paulo)
2. o nome do destinatário (e.g., à igreja de Deus em Corinto)
3. a saudação (e.g., Graça a vós outros e paz da parte de Deus nosso Pai...)

19 Fee e Stuart, p. 29-59

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4. oração (opcional): um desejo ou ações de graça (e.g., Sempre dou graças a Deus a vosso
respeito...)
5. o corpo da carta
6. a saudação final e despedida (e.g., A graça do Senhor Jesus seja convosco)

A maior parte dos nossos problemas em interpretar as epístolas deve-se ao fato de estas serem
ocasionais. Temos as respostas mas nem sempre sabemos quais eram as perguntas ou os
problemas, ou até mesmo se havia algum problema. É muito semelhante a escutar um lado de
uma conversa telefônica e tentar descobrir quem está no outro lado e o que aquela pessoa
invisível está dizendo.

Apesar de as epístolas estarem carregadas de teologia, sempre se deve conservar em mente que
não foram escritas primariamente para fazer uma exposição da teologia cristã. É sempre teologia
ao serviço de uma necessidade específica.

Princípios Para a Interpretação das Epístolas


1. Devemos começar com uma reconstrução provisória, porém bem fundamentada, da
situação para a qual o autor está falando.
2. Ler a carta inteira, do começo ao fim, sem interrupções, como se faria com uma carta
dos nossos dias. Durante esta leitura fique atento aos dados que podem identificar:
 os destinatários, suas características e problemas
 as atitudes do autor
 a ocasião específica da carta
 as divisões naturais da carta
3. Siga o argumento desenvolvido pelo autor para responder as perguntas que lhe
haviam sido feitas ou para lidar com os problemas. É importante aprender a pensar
em parágrafos. De modo resumido, declare o conteúdo de cada parágrafo. Depois
procure explicar por que o autor diz isto exatamente nesta altura do argumento.
4. Aplicação do ensino das epístolas para os cristãos de nossos dias:
 Regra básica: um texto não pode significar aquilo que nunca poderia ter
significado para seu autor ou seus leitores originais.
 Segunda regra: sempre que compartilhamos de circunstâncias comparáveis (i.e.,
situações de vida específicas semelhantes) com o âmbito do século I, a Palavra de
Deus para nós é a mesma que Sua Palavra para eles.
o Onde há características comparáveis e contextos comparáveis na igreja de
hoje, seria legítimo estender a aplicação do texto a outros contextos, ou
fazer um texto aplicar-se a um contexto totalmente estranho ao âmbito
do século I? Quando há situações comparáveis e características
comparáveis, a Palavra de Deus para nós em tais textos deve sempre ser
limitada à sua intenção original.
o Os textos que falam de questões do século I que não têm equivalentes no
século XXI têm algum valor para nós? (Exemplo: 1 Cor. 8:10; 9:1-23;
10:23-11:1) Na resposta do autor, se um princípio claro foi articulado que
transcende a particularidade histórica, este princípio poderá ser aplicado
hoje. O princípio não se torna intemporal para ser aplicado aleatória e
caprichosamente a todo e qualquer tipo de situação, mas deve ser
aplicado a situações genuinamente comparáveis.
 Diretrizes para distinguir entre os ítens que são, de um lado, culturalmente
relativos e, por outro lado, aqueles que transcendem seu contexto original e são
normativos para todos os tempos.

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o Devemos, primeiramente, distinguir entre o âmago central da Bíblia e


aquilo que é dependente ou periférico.
o Distinguir entre aquilo que o próprio NT vê como sendo inerentemente
moral e aquilo que não o é. Aqueles ítens que são inerentemente morais
são, portanto, absolutos e permanecem para cada cultura; aqueles que
não são inerentemente morais são, portanto, expressões culturais e
podem ser alterados entre uma cultura e outra. As listas de pecados que
Paulo compõe, por exemplo, nunca contêm ítens culturais.
o Devemos tomar nota especial de ítens em que o próprio NT tem um
testemunho uniforme e consistente e onde reflete diferenças. Onde há
diferenças, pode ser que sejam exemplos de questões culturalmente
relativas.
o Devemos saber distinguir, dentro do NT, entre o princípio e a aplicação
específica.
o Devemos exercer a caridade cristã e a tolerância onde cristãos não
chegam todos às mesmas conclusões. Devemos amar aqueles com os
quais não concordamos.

As Parábolas
Muitos dos ensinamentos e discursos de Jesus foram feitos através de parábolas. É importante
compreender essa forma de literatura. A parábola é uma história curta que expressa uma
verdade.

Há três razões pelas quais a parábola é eficaz:


1) ensina uma verdade,
2) responde a uma pergunta, e
3) obscurece a verdade para aqueles que não têm interesse no evangelho de Cristo.

A parábola é aparentada à metáfora porque geralmente a comparação é implícita e não explícita.

É importante distinguir entre uma parábola e um evento histórico. Um evento histórico muitas
vezes é usado como uma ilustração; mas, uma parábola é uma forma histórica especial. Por
definição a parábola não registra um evento histórico, no entanto, ela expressa uma experiência
válida na vida diária dos ouvintes. Por isso a parábola difere das figuras de comparação, como a
alegoria e o simbolismo profético, que nem sempre expressam uma experiência válida.

Seis diretrizes para se entender as parábolas:

1. Comece com o Contexto Imediato

 Procure a resposta para as seguintes perguntas:


o quem é o personagem principal?
o qual é o ponto (lição) principal da história?
 Neste tipo de literatura existem dois elementos importantes:
o a ocasião em que a parábola foi apresentada e
o a explicação do seu significado.
 Às vezes a explicação do significado da parábola é dada em forma de aplicação,
como em Mateus 24:44; 25:13. Nem todas as parábolas têm uma explicação do
seu significado; mas, quando Cristo dá a explicação ou a aplicação, não podemos
impor nenhum outro significado para ela.

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2. Identifique o Ponto Principal

 Ter um ponto principal é a distinção mais pronunciada entre uma parábola e uma
alegoria. Uma alegoria terá muitas significações paralelas entre a história e as
verdades representadas. No caso da parábola, não podemos tratar cada detalhe
como uma aplicação espiritual.

3. Identifique os Detalhes Insignificantes

 As parábolas contêm muitos detalhes que não têm o objetivo de ensinar


verdades. Esses detalhes não têm significância espiritual e devem ser colocados
de lado. Qualquer tentativa de espiritualizá-los será desastrosa.

4. Identifique os Detalhes Significantes

 Aqueles detalhes dados na parábola com a intenção de ensinar verdades


devem ser notados, interpretados corretamente e aplicados. Esses detalhes
podem ser identificados pelo fato de que eles realçam o propósito principal
da parábola.

Contraste entre Parábolas e Eventos Históricos

o As verdades apresentadas em parábolas têm o mesmo peso que as verdades


apresentadas numa forma literária. A diferença entre as duas formas está na
aplicação. Numa narrativa histórica todos os detalhes são fatos literais.
Quando Jesus usou uma narrativa histórica, ele usou os fatos como
ilustrações e definiu quais aplicações foram legítimas.

o A parábola é uma história estruturada usando uma experiência humana e o


narrador tem a liberdade de determinar quais os detalhes que serão usados
para transmitir o que ele tem em mente.

o Devemos reconhecer que a interpretação de uma parábola não deve


enfraquecer o seu significado. A parábola não é um mito. Ela é baseada
numa verdadeira experiência humana e é dada para ensinar uma verdade
de Deus.

Contraste entre Parábolas e Alegorias

o As parábolas e alegorias são semelhantes em que as duas formas literárias são


designadas para ensinar verdades espirituais usando comparações entre alguma
coisa literal com uma realidade espiritual.

o Elas se diferenciam das seguintes maneiras:


1. A parábola é realística, mas a alegoria nem sempre. Numa alegoria,
Cristo pode ser a porta ou a videira. Os crentes podem ser ovelhas ou
ramos.
2. Mesmo que ambas tenham um propósito principal, a parábola é criada
para apresentar um ensinamento principal, mas, a alegoria pode ser
criada para ensinar muitas verdades.

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5. Compare Passagens em Contraste e Passagens Paralelas

 As parábolas em Lucas 19:11-23; Mateus 25:14-30; Mateus 24:45-51 e Lucas 12:35-48


têm um tema principal: Esteja Preparado! Existe um contraste em Lucas 19:11-23 e
Mateus 25:14-30. A parábola em Lucas ensina que quem é fiel no muito terá
maiores responsabilidades. A parábola em Mateus assegura que os nossos galardões
não são baseados no nosso sucesso por causa das variações em habilidades.

6. Baseie Doutrina Nas Passagens Literais e Claras

 Isso não quer dizer que a parábola nunca poderá contribuir para uma maior
compreensão de uma doutrina. Quando uma parábola é interpretada, ela pode ser
usada como qualquer outra passagem literal e clara na construção de doutrina. Mas,
geralmente, a linguagem figurada não é o melhor ingrediente para se construir
doutrinas.

Os Salmos20
O Livro dos Salmos é uma coletânea inspirada de orações e hinos hebraicos. Este livro exige algumas
considerações hermenêuticas especiais, pois, ao contrário do restante dos livros da Bíblia, os salmos
são palavras faladas para Deus ou acerca de Deus ,e que estas palavras, também, são a Palavra de
Deus.

Os Salmos nos ajudam a nos expressarmos diante de Deus. São de grande ajuda para o crente que
deseja ter ajuda da Bíblia para expressar alegrias e tristezas, sucessos e fracassos, esperanças e
pesares.

Davi escreveu quase metade dos Salmos: 73 ao todo. Moisés escreveu um (o Salmo 90), Salomão
escreveu dois (o 72 e o 127), os filhos de Asafe escreveram vários e os filhos de Coré também.

Princípios Para a Interpretação dos Salmos


1. O mais importante que se deve lembrar ao ler ou interpretar os Salmos é que são poemas
– poemas musicais.
 Na poesia, boa parte da linguagem é intencionalmente emotiva. Não se deve colocar
muito peso na escolha das palavras a ponto de achar significados especiais em toda
palavra ou frase.
 Um poema musical não pode ser lido da mesma forma com que se lê uma carta. É
perigoso ler um Salmo como se ensinasse um sistema de doutrina.
 O vocabulário da poesia é deliberadamente metafórico.
2. Os Salmos são de vários tipos diferentes. Cada tipo tem a sua própria forma.
 Lamentações. É o maior grupo de Salmos (mais de 60). Existem lamentações
individuais e lamentações coletivas. Ajudam a pessoa a expressar diante do Senhor as
suas lutas, os seus sofrimentos, ou a sua decepção.
 Salmos de ações de graça. Expressam alegria diante do Senhor por alguma bênção.
 Hinos de louvor. Centralizam-se no louvor a Deus por causa de quem Ele é.
 Salmos de história da salvação. Têm como enfoque o programa da história das obras
salvíficas de Deus entre o povo de Israel.

20 Ibid., p. 175-195

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24

 Salmos de celebração e afirmação. Estes dizem respeito à renovação da aliança do


povo com Deus, louvam a importância da escolha que Deus fez da linhagem de Davi,
os Salmos que tratam da monarquia e da entronização, e os Salmos que louvam Sião
ou a cidade de Jerusalém.
 Salmos de sabedoria. Louvam os méritos da sabedoria e da vida sábia (36, 37, 49, 73,
112, 128, 133).
 Cânticos de confiança. Pode-se confiar em Deus e mesmo em tempos de desespero,
Sua bondade e Seu cuidado para com Seu povo devem ser expressos.
3. Os Salmos cumpriam a função crucial de fazer uma conexão entre o adorador e Deus.
4. Os salmistas frequentemente se deleitavam em certos arranjos ou repetições de palavras
e sons, bem como os jogos estilísticos com palavras. Alguns Salmos são acrósticos
(Exemplo: Salmo 119).
5. Cada Salmo deve ser lido como uma unidade literária. Cada um deve ser tratado como
uma obra completa. Devemos tomar cuidado para não tirar versículos individuais fora do
seu contexto no Salmo.
6. Os Salmos imprecatórios (os que pedem desgraça sobre os outros) são uma expressão dos
sentimentos do salmista, dando uma oportunidade de vazão à sua ira e frustração. Eles
ajudam-nos, quando sentimos ira, a não praticarmos a ira. Devemos expressar
honestamente a nossa ira diante de Deus, por mais amarga e odiosamente que sintamos,
e deixar Deus cuidar da justiça contra aqueles que abusam de nós.

A Poesia Hebraica21
Sendo a poesia cheia de linguagem figurada, devemos usar as diretrizes que estudamos para
entender o significado da linguagem não literal. A poesia se diferencia da prosa na sua estrutura
lingüística.

A poesia de certas línguas ou idiomas é distinguida pelo ritmo sonoro que ocorre com o uso de certas
palavras. O número determinado das sílabas dá uma qualidade musical. Tradicionalmente existe
uma rima entre as palavras.

A marca de distinção da poesia hebraica é a correspondência de pensamento (paralelismo) entre


uma linha e a seguinte, ou entre um trecho com o seguinte. Esta correspondência é fundamental
para se entender a poesia hebraica.

O hebreu se orgulhava da sua habilidade em expressar um pensamento de várias maneiras. Milton


Terry conclui que aproximadamente 50 % do AT foi escrito em forma poética, mas uma porção
desta qualidade poética foi perdida na tradução.

Paralelismo Na Poesia Hebraica

Existem três tipos básicos de pensamento paralelo na poesia hebraica:

Paralelismo Sinônimo - um pensamento pode ser expresso uma segunda ou terceira vez
de modo diferente em cada linha (Provérbios 1:20, 22, 28, 30-31). A repetição de uma
idéia usando palavras diferentes é muito útil quando se está procurando o sentido
desejado pelo autor.

21 McQuilken, p. 199-205

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25

Paralelismo Sintético – o poeta adiciona mais pensamentos baseados no conceito original


com um efeito cumulativo (Salmo 1:1-2; Isaías 55:6, 7). Observe que os pensamentos
paralelos poderão ser simples e ocorrer logo após, ou poderão ocorrer num modo
complexo e separados do pensamento paralelo.

Paralelismo Antitético - o poeta contrasta duas idéias (Provérbios 15:2). Este


contraste também ajuda a entender o significado de certas palavras.


Faça um estudo das palavras-chave do texto.
P
ri ANÁLISE MORFOLÓGICA
n
A cí
meta é pesquisar cada palavra-chave, palavras repetidas e palavras de sentido obscuro. Palavras são
ospiblocos para se construir um entendimento do significado da passagem. Para se compreender o
significado
o desejado pelo autor temos que considerar os significados das palavras individuais.

Por que as palavras são tão problemáticas? Porque elas raramente têm um significado idêntico em
todos os contextos. Uma palavra pode ter uma variedade de significados de forma que somos
dependentes do contexto para entender o significado pretendido. Em tradução o problema é que
raramente uma palavra, num idioma, significa a mesma coisa em um outro. Assim, a tarefa de um
tradutor é definir o significado de uma palavra no contexto original para procurar uma palavra ou
expressão no seu idioma que dê o significado mais semelhante possível ao original. Considerando-se
que a tarefa é basicamente de interpretação, o estudante fará um estudo direto de todas as palavras
que tenham importância para identificar o significado específico que o autor tinha em mente.

Palavras Bíblicas Usadas De Um Modo Especial

Por serem usadas de um modo especial, palavras técnicas como justificação e palavras figuradas
como morte devem ser estudadas. Assim também, palavras profundas como pecado e amor
devem receber muita atenção nos nossos estudos.

Palavras que Têm Mais De Um Significado

Uma palavra que tenha uma grande variação de significado nem sempre é entendida
completamente ou imediatamente.
Exemplo: Vários usos da palavra “morte” (Leia Colossenses 2:12, 13, 20; 3:5).
1) morte física de Cristo (v.12)
2) as pessoas estão "mortas" antes de se tornarem cristãs (v. 13)
3) as pessoas "que morreram" quando se tornaram cristãs (v.20)
4) um crente deve fazer morrer a natureza terrena (3:5)

É de extrema importância conhecer todos os possíveis significados para se entender o significado


específico de uma passagem.

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26

Palavras Obscuras por causa de Problemas de Tradução

Várias palavras no original podem ser traduzidas por uma só palavra no português. Talvez a palavra
traduzida como "amor" em João 21:15-19 seja a ilustração mais famosa desse exemplo. Quando Cristo
perguntou a Pedro se ele o amava, Pedro respondeu com uma palavra diferente, sendo que essa
diferença é difícil de se traduzir em português.
"
Novo " é outra palavra importante nesta categoria. No texto grego, neos fala de uma existência
nova e kainos se refere a um aspecto novo ou uma profundidade nova. Jesus usou kainos em João
13:34.

O uso da palavra perfeito é um outro exemplo de dificuldade em tradução. Reconhecemos


imediatamente a grande importância teológica em se saber que perfeito nem sempre significa
absolutamente sem qualquer falha.

Exemplo: A palavra perfeito


Leia Mt 5:48; 2 Cor 12:9; Gal 3:3; 2 Tim 3:17
Nas passagens acima é traduzida de palavras diferentes no grego.

Uma Palavra no Original pode Ser traduzida De Modo Diferente em Português

Quando lemos somente o texto em português é difícil imaginar que uma palavra no grego
pudesse ter tantas variações no português.
Exemplo:
Mateus 4:21 - consertando
Lucas 6:40 - instruído
Romanos 9:22 - preparados
Gálatas 6:1 - corrigi-o
1 Pedro 5:10 – aperfeiçoar

Uso de Uma Palavra em Português

Em primeiro lugar, para achar todas as vezes que uma palavra ocorre na Bíblia, use uma
concordância bíblica:
1. Procure a palavra na concordância;
2. Ache e leia todos os versículos onde a palavra é encontrada;
3. Ao mesmo tempo, faça anotações de como a palavra foi usada (anote o contexto do
versículo e o significado que lhe foi dado);
4. Organize todos os versículos de acordo com seus significados;
5. Escreva um sumário sobre os vários significados e a importância de cada um.

Uso de Repetição de Palavras

Muitas vezes um autor pode usar o recurso da repetição de uma palavra importante para
dar ênfase. Mt. 28:18-20 – uso da palavra “todo(a)” –usado 4 vezes.

Traçando o Significado de uma Palavra


1. Como foi que o autor de um livro usou a palavra?
2. Como foi que o mesmo autor usou a palavra em outros livros?

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27

3. Como foi que um outro autor usou a mesma palavra?


4. Como é que a palavra foi usada no Velho Testamento?
5. Como é que a palavra é usada no contexto não-bíblico?
6. Qual é a morfologia da palavra?
7. Quais são os antônimos e sinônimos da palavra no original e na língua portuguesa?
Nem sempre um dicionário em português poderá dar o sentido de uma palavra bíblica, pois
historicamente o significado de uma palavra pode ser diferente da sua morfologia.
8. O que um dicionário bíblico e uma enciclopédia bíblica dizem sobre a palavra?

Figuras de Linguagem
(as mais importantes)

I. Figuras de Comparação
A. Símile – Duas coisas diferentes são explicitamente comparadas.
1. Metáfora – a comparação está subentendida (Is. 48:4).
B. Representação – Uma coisa é tomada para representar alguma outra.
1. Símbolos – geralmente um objeto material representando um abstrato. É uma
metáfora mais universal e emblemática.
a) Tipo – um símbolo profético.

II. Figuras de Associação


A. Metonímia – o nome de um objeto ou conceito é usado para o de outro ao qual ele está
relacionado.
B. Sinédoque – parte de alguma coisa é falada como se fosse o todo ou o todo pode
representar apenas uma parte dele.

III. Figuras de Humanização


A. Antropomorfismo – usa uma característica humana como atributo de Deus.
B. Personificação – usa uma característica das pessoas como atributo de um objeto.

IV. Figuras de Ilusão


A. Ironia – uma expressão que diz o oposto daquilo que significa na realidade.
B. Hipérbole – um exagero para causar impressão.

V. Perguntas retóricas – perguntas para a afirmação de uma verdade; a resposta é óbvia para os
ouvintes.

VI. Expressões Idiomáticas – próprias de um grupo, pessoa, ou língua específica – não podem ser
bem traduzidas.
A. Omissão
B. Charadas
C. Fábulas
D. Eufemismo – narração incompleta

Identificação da Linguagem Figurada

Primeira regra: A linguagem bíblica deve ser tomada o mais literal possível, a menos que exista uma
dessas três fortes razões para ser considerada figurada:
1. Se a passagem for obviamente irracional, não razoável ou absurda, se tomada literalmente,
pode-se inferir que seja uma figura de linguagem.

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28

2. O contexto pode indicar se a linguagem for figurada.


3. Se houver uma contradição com passagens mais claras e fortes das Escrituras, é bom se
perguntar se a passagem deve ou não ser tomada literalmente.

Segunda regra: o ponto de vista do autor e dos “receptores” originais, não a nossa própria
percepção, devem controlar nossa compreensão daquilo que seja apropriadamente literal ou
figurado.

6º Faça uma análise sintática do texto a estudar.


P
ri ANÁLISE SINTÁTICA
n
Palavras
cí individuais não são suspensas no ar isoladamente, mas ligadas a outras palavras para
expressar
pi idéias. O estudo morfológico é importante para se determinar o significado de uma
passagem. Porém, junto com a morfologia deve haver também a análise sintática.
o
Existem dois elementos na análise sintática: a sentença e o contexto. A unidade básica numa
estrutura de idéias completas é a oração ou sentença. Porém essa sentença é ligada a outras.
Então, para se determinar a idéia de cada sentença, devemos considerar o contexto em que elas
se encontram.

As idéias na Bíblia não são determinadas pela estrutura gramatical da língua portuguesa e sim da
língua original (no Novo Testamento, o grego; no Velho Testamento, o hebraico). Na maioria das
vezes, a leitura do texto em português é suficiente para analisar a estrutura gramatical e identificar
como fluem as idéias.

A estrutura básica de uma sentença é composta por sujeito e predicado.

Para se saber como as idéias fluem numa passagem é importante fazer-se várias perguntas sobre
toda a unidade de pensamento:
1. O quê ou quem é o sujeito principal (o agente de ação)?
2. Que ação fez o sujeito (o verbo)?
3. O quê ou quem é o recipiente da ação (objeto direto ou indireto)?
4. Como as diferentes partes da idéia têm sido modificadas por uma palavra ou frase
(adjetivos - toda palavra que modifica a compreensão do substantivo - e advérbios - toda
palavra que modifica a compreensão do verbo, do adjetivo ou outro advérbio).
5. Quais são os relacionamentos entre as várias partes do pensamento? Preposições (para,
antes, depois, por), conjunções (e, mas, entretanto, se, porém, “agora, porém”, também,
da mesma forma, portanto, assim pois, etc.) e interjeições indicam relacionamento.
Conjunções são extremamente importantes. Alguns indicam continuidade de pensamento,
outros contraste e ainda outros, condição.
“Se” – condição – Dt 28:1-3, 13, 15
Quando vemos uma frase que se inicia por uma conjunção, devemos voltar ao contexto
anterior para interpretarmos corretamente a sentença. Alguns exemplos:
“entretanto”, “porém”, “agora, porém”, “mas” – contraste – Jo. 8:1  cf. 7:32b, 45; Rm.
7:6; Mt. 1:19 (ARA); Mt. 6:20 (NVI)
“também”, “da mesma forma” – continuidade – Rm. 8:26)
6. Como a idéia-chave se relaciona com as idéias antes ou depois?

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29

Compare esta passagem a outras passagens na Bíblia.



O Pmelhor intérprete da Bíblia é ela mesma. Para melhor entender um texto precisamos
ri
compará-lo com outros textos que possam esclarecer aquele que estamos estudando.
n 1. Existe algum outro texto paralelo a este que pode nos dar mais informações ou nos ajudar a
cí melhor entender o texto?
 Nos evangelhos encontramos muitos textos paralelos. Estudando estes paralelos
pi
nos dará mais informações e uma visão mais ampla.
o Veja a cura de um paralítico em Mt. 9:1-8; Mc. 2:1-12 e Lc. 5:17-26. As diferentes
passagens dão informações suplementares.
 Existem muitos trechos paralelos entre os livros de Crônicas e os livros de Samuel
e Reis.
2. Existe algum outro texto que se contrasta com este?
 Exemplo: veja a obediência e coragem de Saul no capítulo 11 de 1 Samuel
contrastada com a desobediência e temor de Saul em 1 Samuel 13:1-15.
3. Existe algum outro texto que nos dá um pano de fundo ou informações suplementares
sobre o nosso texto?
 Exemplo: Para melhor compreender o texto de Hebreus 7:18 – 8:6 é necessário
conhecer a Antiga Aliança do Antigo Testamento, o sistema de sacerdotes e
sacrifícios desta aliança, e conhecer a morte de Jesus, detalhada nos Evangelhos.

Para se achar outras passagens relacionadas com o texto em questão é necessário usar ajudas tais
como: chave bíblica, dicionário bíblico, enciclopédia bíblica, Bíblias de estudo, etc.

8º Observe como o texto contribui ao ensino bíblico da


P doutrina com a qual está relacionado.
ri
Não podemos formular uma doutrina baseada em uma só passagem. Precisamos entender o que a
n toda ensina a respeito de um determinado assunto. Para compreendermos isto, precisamos
Bíblia
cí todas as passagens bíblicas que lidam com este assunto e depois poderemos articular uma
estudar
pi doutrinária.
posição
o
Organizar o estudo bíblico por assuntos é o que chamamos de teologia sistemática.

Objetivo do estudo da teologia sistemática: O objetivo da teologia sistemática não é para


adquirirmos mais conhecimento, mas para mudarmos o nosso comportamento. Deus não está
tão interessado no que eu sei, mas em como vivo.

Motivação para o estudo da teologia sistemática: A motivação do nosso estudo deve ser a aplicação
do que aprendemos à nossa vida.

A atitude que devemos ter no estudo da teologia sistemática: humildade. Esta humildade em relação
às doutrinas bíblicas é o resultado do reconhecimento de que: 1) a revelação de Deus é somente
parcial (Ele não nos revelou tudo que Ele sabe), 2) nós somos finitos (e temos dificuldades para
entendermos o que é infinito), 3) somos seres pecadores e imperfeitos, 4) precisamos de uma
mente aberta, e 5) devemos estar prontos a obedecer.

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30

Princípios para a construção de uma teologia sistemática:


1. Baseie a doutrina em uma exegese sólida de cada texto.
2. Baseie a doutrina na Bíblia toda.
 As passagens bíblicas devem ser localizadas e organizadas.
 A doutrina deve ser sistematizada, levando em consideração a sua relação com outras
doutrinas bíblicas.
 As passagens não têm todas a mesma importância na formação de uma doutrina.
o As passagens claras têm prioridade sobre as passagens obscuras.
o Maior peso é dado a um ensinamento que é repetido diversas vezes.
o A preferência deve ser dada às passagens que contêm ensino direto e literal.
o Revelação posterior tem preferência sobre revelação anterior na construção de
uma doutrina. Devemos lembrar que a revelação de Deus foi progressiva.
Ensinamentos mais tardios tendem a ser mais completos.
3. Baseie a doutrina somente na Bíblia. Somente a Bíblia contém verdade e autoridade absolutas.
 Não se baseie em inferências; isto é, presumir que a Bíblia ensina tal ou tal coisa que não é
expressamente dito, ou seja, “ler entre as linhas”.
 Não se baseie na tradição. Às vezes a tradição pode ser útil ao nosso estudo, mas não deve
servir como nossa base.
 Não se baseie em dados obtidos de outras fontes extra bíblicas. Elas não são inspiradas
por Deus.
 Doutrina bíblica deve refletir os destaques dados pela própria Bíblia.

9 Quando existir uma contradição aparente com o resto das


º Escrituras, procure uma explicação plausível.
P cremos que a Bíblia é inspirada por Deus e verdadeira em todas as suas partes, quando
Como
ri uma afirmação na Bíblia que aparenta estar em contradição com outras passagens bíblicas,
surge
n que procurar uma explicação plausível.
temos

Nós
p podemos usar a Bíblia com confiança, pois Jesus também usou as Escrituras com confiança.
i
Problemas históricos:
o
Algumas passagens paralelas, tanto no Antigo Testamento quanto nos Evangelhos, parecem ter
narrativas contraditórias.
1. Não é necessário que as palavras em passagens paralelas sejam idênticas para que sejam corretas.
Diferentes autores podem ter usado palavras diferentes com o mesmo sentido.
2. O propósito de um autor pode ser diferente de outro, portanto um autor pode relatar alguns
detalhes que outro autor não menciona.
3. Jesus disse e fez coisas semelhantes em ocasiões diferentes. Às vezes estas diferentes ocasiões
podem ser confundidas.
4. Os costumes para a redação de registros históricos nas épocas bíblicas não são os mesmos dos
nossos hoje em dia.
5. Existem erros de copistas nos manuscritos, apesar de serem relativamente poucos. Estes erros
que poderiam afetar o significado de uma passagem caberiam todos em uma só pagina e
nenhuma delas afeta qualquer doutrina fundamental.
6. Existem citações do Antigo Testamento no Novo Testamento que não batem com a passagem
citada.
 A maioria das citações provem da Septuaginta (uma tradução das Escrituras hebraicas em
grego) que era a forma mais popular das escrituras nos dias de Jesus.

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31

 Às vezes não existe uma intenção de citar palavra por palavra do versículo do Antigo
Testamento; simplesmente citavam a idéia do versículo.
 Deus, como inspirador da Bíblia, tem o direito de dar o seu próprio sentido para as
passagens do Antigo Testamento.

Possíveis Discrepâncias com Outros Documentos Históricos:


Quando a Bíblia e outro documento histórico não concordam, temos que dar preferência à Bíblia por
várias razões:
1. Os outros documentos históricos não são inspirados.
2. Existem muitos mais manuscritos antigos (cópias) da Bíblia que atestam à sua autenticidade do
que de qualquer outro documento histórico.
3. A arqueologia vem constantemente confirmando as afirmações da Bíblia.

Alegação de Discrepância com a Teoria Científica:


Como Deus é o Criador e o “Pai da ciência”, não pode existir discrepância real entre a Bíblia e a
ciência.
1. A Bíblia não foi dada como um livro texto. Muitas coisas relatadas na Bíblia que tocam na área da
ciência estão corretas, porém não necessariamente completas. (Exemplo: uso da palavra
“lepra”.)
2. Nem todas as teorias científicas já foram provadas. Muitas destas teorias ainda são suposições
não comprovadas. (Exemplo: Teoria da Evolução.)
3. Quando existe uma discrepância aparente entre a Bíblia e a ciênciaexistem duas possibilidades: os
fatos relativos à natureza são mal-entendidos ou então a interpretação bíblica não foi bem feita.

Mesmo após verificarmos todas as possibilidades para darmos uma explicação plausível às
contradições aparentes, nem sempre conseguiremos. Isto não significa que exista realmente uma
contradição. Só significa que nós não conhecemos a explicação.

10º Identifique quem são os destinatários da Palavra de Deus


Pri
Será que tudo que está escrito na Bíblia é para ser aplicado e obedecido por nós nos dias de hoje? A
ncí é não. Toda Bíblia é a Palavra de Deus, mas nem tudo se aplica a nós hoje em dia. Um bom
resposta
pi
exemplo disto é o sistema de sacrifícios do Antigo Testamento. Este sistema foi para uma
determinada
o época, mas não para os dias de hoje. Como podemos então saber o que deve ser
aplicado e o que não deve ser aplicado?

Primeiramente, podemos considerar os ensinamentos de Jesus como tendo autoridade suprema,


pois os apóstolos assim o consideraram. Além disto, o Novo Testamento considera repetidamente os
salmos como sendo a revelação da vontade de Deus. Os Salmos, os ensinos de Jesus e as epístolas
devem ser considerados como ensinamentos universais na sua aplicação e normativas para os dias
de hoje. A única exceção seria se existir uma restrição óbvia que se aplica unicamente a uma
situação específica.

Nem todo o ensino do Antigo Testamento se aplica ao cristão do Novo Testamento. Mas a própria
Bíblia deve determinar qualquer mudança na aplicação. Um exemplo é o sistema de sacrifícios de
animais que foi substituído pelo sacrifício de Jesus. Isto inclui também as leis cerimoniais que eram
relacionadas com o Templo (que já não existe mais). As leis civis do Antigo Testamento relacionadas
à nação de Israel como estado não se aplicam mais, pois o Reino de Cristo não é deste mundo, mas é
um reino espiritual.

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32

A regra de base é esta: Toda Bíblia deve ser aceita como norma de fé e prática para todos, em todas
as culturas, em todas as épocas, a não ser que a própria Bíblia coloque limites em como ela deve ser
aplicada. Estes limites podem se encontrar no contexto imediato ou em outras partes da Bíblia.

11º Identifique a aplicação que Deus almeja


Pri
O alvo de todos os estudos bíblicos é a aplicação das verdades das Escrituras em nossa vida. Se a
ncí não é feita, todo o esforço de interpretar uma passagem de acordo com o significado
aplicação
pio
intencionado pelo autor é inválido.

Infelizmente, muitos estudantes querem compartilhar de uma bênção da Palavra de Deus por
meio de impressões subjetivas sem considerar o significado intencionado pelo autor. Assim, eles
pensam que as impressões são mensagens autorizadas por Deus.

Devemos pagar o preço para nos dedicar ao trabalho de compreender as Escrituras para que o
que nós acreditamos e obedecemos seja realmente a vontade de Deus e não apenas idéias nossas.

Há outros, porém, que são cuidadosos em investigar o significado pretendido pelo autor, mas que
não aplicam as verdades em suas vidas. Seus estudos não incluem uma reflexão nas aplicações
que Deus deseja.

Como podemos progredir do entendimento para a aplicação?


Devemos determinar em primeiro lugar se o ensinamento da Bíblia é intencionado para uma
obediência contemporânea. A nossa regra é que toda a Escritura é para nossa aplicação, de um
modo ou outro, a não ser que a própria Bíblia delimite o ensinamento para um grupo específico.

Deus deseja fé e obediência, porém o conteúdo doutrinário e o caminho da obediência nem


sempre são imediatamente claros. Deus revela sua vontade de duas maneiras: 1) declarações
explícitas e 2) princípios genéricos.

Declarações Explícitas

Quando a doutrina bíblica é explicitamente declarada, a única ação aceita por Deus é a aplicação e a
obediência por meio da fé. Quando a doutrina é claramente ensinada, somos chamados a exercitar
nossa fé. Isso significa mais do que concordar com a verdade. É uma aplicação onde encaramos as
implicações de cada doutrina e aprendemos a usá-las em nossa vida.

Observemos que existem verdades, promessas e mandamentos para se crer e obedecer. No caso
de promessas, a Bíblia está repleta de promessas para o povo de Deus, mas enquanto nossas
mentes não estiverem tranqüilas e refletirem contentamento, nós não as temos verdadeiramente
aplicado.

E se os ensinamentos não são explícitos? Têm menos autoridade? Não! A Bíblia é um livro de
princípios gerais e não somente de declarações explícitas. Observe os seguintes pontos:
1. Os princípios na Bíblia têm a mesma autoridade que as declarações explícitas. Exemplo: Em Mt.
5:22 o que está explícito é usar “racá” ou “louco”, mas o princípio se aplica para outras formas
de insultos também.
2. Não há um princípio (como, por exemplo, o amor) que pode ser usado para enfraquecer uma
declaração explícita.

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33

Princípios Gerais

Um princípio genérico é uma norma que pode ser aplicada em mais de uma situação. Deve ser
tratada da mesma forma que uma declaração explícita: fé e obediência.

Existem quatro meios para se determinar princípios bíblicos:

1. Princípios declarados explicitamente. Exemplo: amar o nosso próximo como a nós mesmos (Lv.
19:18).
O objetivo é poder determinar todas as implicações do mandamento às situações
contemporâneas.

2. Princípios gerais derivados por dedução lógica de ensinamentos explícitos. Exemplo: Existe
ensino explícito contra o adultério (Ex. 20:14) e contra olhar para uma mulher com intenções
impuras (Mt. 5:28). O princípio que se deduz destes e outros ensinamentos é a necessidade da
pureza sexual. Apesar da pornografia não ser mencionada explicitamente na Bíblia, é uma
aplicação deste princípio.

3. Princípios gerais derivados pelas deduções de passagens históricas.


Um evento histórico pode ter implicações para se deduzir princípios gerais. Muitas vezes a
própria Bíblia interpreta o evento histórico e dessa interpretação podemos determinar um ou
vários princípios. Quando a Bíblia não providencia a interpretação de uma passagem, esta não
deverá ser usada para se criar uma doutrina ou norma de conduta.

As Escrituras deixam muitos eventos históricos sem interpretação, mas em muitos deles elas
providenciam julgamentos: a conduta é condenada ou incentivada. Em alguns casos as
Escrituras vão mais além, dando razão para a condenação ou o incentivo.

Porém, se as Escrituras não indicam se o evento histórico é recomendado ou não, não


podemos extrair um princípio ou aplicação para circunstâncias consideradas paralelas usando
as circunstâncias bíblicas como autoridade para estabelecer uma norma. Se a Bíblia não
confirma que Deus aprovou ou condenou uma conduta, nós não temos a liberdade de usá-la
como modelo.

Livros da Bíblia que não são considerados históricos podem oferecer princípios para serem
aplicados. Orações e hinos registrados nas Escrituras podem providenciar princípios para
aplicação em nossa vida. Porém, esses devem ter a autoridade da inspiração como a de Davi e
Paulo.

4. Princípios gerais derivados de passagens que não se aplicam diretamente à vida


contemporânea.
Algumas verdades que refletem características de Deus estão por trás dos mandamentos e
ensinamentos que foram dados para uma situação específica, mesmo que não seja a vontade
de Deus que todos a obedeçam. Se o propósito de um mandamento ou ensinamento é dado
nas Escrituras, ele é aplicável, mesmo que o ensinamento não seja universal. Quando o
propósito é dado, este serve de base para determinar um princípio.
Se o propósito de um mandamento de Deus não é revelado, podemos usar o ensinamento como
uma ilustração da vontade de Deus. Mas essa ilustração não poderá ser usada com a mesma
autoridade.

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34

CONCLUSÃO

Neste estudo temos visto a importância de uma interpretação cuidadosa da Palavra de Deus. Sem
uma interpretação cuidadosa, corremos o risco de sermos manipulados por pessoas que ensinam
uma falsa doutrina. Corremos também o risco de ensinarmos nós mesmos coisas que a Bíblia
nunca tinha intenção de ensinar.

“Contudo, os perversos e impostores irão de mal a pior, enganando e sendo


enganados. Quanto a você, porém, permaneça nas coisas que aprendeu e das
quais tem convicção, pois você sabe de quem o aprendeu. Porque desde criança
você conhece as Sagradas Letras, que são capazes de torná-lo sábio para a
salvação mediante a fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil
para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça,
para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa
obra.” 2 Timóteo 3:13-17

Lembre-se de que o diabo foi o primeiro intérprete da Palavra de Deus. Ele, através da serpente,
disse a Eva: “Foi isto mesmo que Deus disse: ‘Não comam de nenhum fruto das árvores do
jardim’?” Ora, sabemos que esta interpretação era errônea. Na tentação de Jesus, o diabo usou
uma passagem bíblica para tentar Jesus. Mas ele usou um texto incompleto e o tirou do seu
contexto imediato, aplicando-o de forma incorreta à situação em que Jesus se achava. Jesus não
foi enganado. Nós também precisamos ficar de sobreaviso.

Bibliografia: Livros usados na preparação desta apostila ou sugeridas para um estudo


mais aprofundado.

McQuilkin, Robertson. Understanding and Applying the Bible (Chicago: Moody Press, 1992). Este
livro serviu como base para a confecção desta apostila.
Fee, Gordon e Stuart, Douglas. Entendes o que Lês? (São Paulo: Vida Nova, 2ª edição, 1997).
Virkler, Henry. Hermenêutica Avançada (São Paulo: Vida, 1987).
Lund, Eric e Nelson, P.C. Hermeneutique (Deerfield: Vida, 1985).
Henrichsen, Walter. Princípios de Interpretação da Bíblia (São Paulo: Mundo Cristão, 1978).

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Site Luz para o Caminho - www.luz.eti.br
Lâmpada para os meus pés é tua palavra, e luz para o meu caminho. (Salmo 119:105 ACF)

Interpretando a Bíblia Hoje*


Autor: Isaltino Gomes Coelho Filho**
Revisão: Walter Andrade Campelo

Introdução
Há uma terrível mistura doutrinária no cenário evangélico contemporâneo. Isto é tão óbvio que dizê-
lo soa banal. Mas tenho que começar por aqui. A multiplicidade de igrejas neopentecostais
autônomas, isto é, desvinculadas de qualquer denominação, sem quaisquer outras como parâmetro,
e cultivando uma postura monárquica e arrogante ("Deus nos levantou como único porta-voz da sua
Palavra") liquidou a possibilidade de uma interpretação bíblica no cenário evangélico que se possa
chamar de uniforme. Tempos atrás recebi um e-mail zangado de uma pessoa que discordava de
uma interpretação que fiz no Antigo Testamento. Discordar de mim é um direito e é até normal. Mas
o que me intrigou foi o título que a pessoa se atribuiu: "rabino judaico-cristão". Em resposta a ele
apenas perguntei o que era um "rabino judaico-cristão" e quem era Jesus para ele. Não me veio
resposta.
Usa-se muito a Bíblia, mas isso não é garantia alguma de que o usuário está certo. Isto traz certa
confusão, pois estão acontecendo muitos equívocos na interpretação bíblica que desnorteiam nossas
igrejas, tanto na doutrina como na prática. Neste trabalho quero abordar alguns aspectos que nos
ajudarão a entender um pouco mais esta questão.

1. O Mau Uso da Bíblia


1
No artigo "Reflexões sobre o púlpito brasileiro" mencionei um pregador que pregou contra o parto
cesariana sem dor, com base em Gênesis 3.16 ("com dor darás à luz filhos"). Uma senhora da sua
igreja contra-argumentou, lembrando que ele tinha ar condicionado no gabinete e a Bíblia diz "No
suor do teu rosto comerás o teu pão". Outro pregou contra a prática de esportes, baseando-se em 1
Timóteo 4.8: "o exercício corporal para pouco aproveita". Um outro pregou em 2 Samuel 11.2 ("E viu
do terraço a uma mulher que se estava lavando"). Falou contra a televisão. Nela, vemos o que não
devemos ver. Veio um outro e pregou sobre "e todo olho o verá" (Ap 1.7) e mostrou o valor da
televisão via satélite. E aí, compro televisão ou não? Essas questiúnculas ridicularizam a Bíblia. Seu
uso deve ser coerente e obedecer a certos parâmetros. A Bíblia deve ser respeitada e nunca usada
para autorizar esquisitices.
As questões do parágrafo acima podem até ser vistas com certa dose de humor, mas o que dizer de
pregadores que usam a Bíblia para enviar recados aos discordantes, que se valem do sermão para
fortalecer sua posição ("sou o ungido do Senhor, quem estende a mão contra mim morre") e para a
obtenção de vantagens pessoais? E o que dizer de exegeses muito mais discutíveis, algumas até
mesmo falsas? Hagin, em seu livro O Extraordinário Crescimento da Fé, tenta provar uma tese bem
discutível, de que fé é fazer as coisas acontecerem. Usa o texto de Hebreus 11.1 ("Ora, a fé é a
certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que não se vêem" - esta é a versão
empregada em seu livro). Não tendo como provar seu argumento, que segue na linha das seitas
metafísicas de Boston, de que a palavra humana faz as coisas acontecerem, emite a seguinte
observação: "Ainda outra tradução diz: 'A fé é certidão da garantia, a coisa em que esperamos até ao
2
fim acaba sendo nossa'" . Esta declaração confirma a posição de Hagin, mas não é bem isto que o
texto grego quer dizer, aliás bem visível nas traduções. Mas a palavra de Hagin me suscitou uma
questão. Anotei ao lado, no livro: "Que tradução é esta?". Se ela realmente existe, por que não a
identifica?
Em outras ocasiões, vemos com abundância o uso de versículos fora do contexto, de passagens
sem conexão com o todo da Bíblia, no que chamamos de "leitura fragmentária", e a ignorância do
contexto cultural. Pode-se usar a Bíblia e ainda assim estar errado. Citar a Bíblia não é garantia de
se estar certo. Quando questionei um mórmon sobre poligamia, ele respondeu biblicamente, com os
exemplos de Abraão, Isaque, Jacó, Davi e outros. Certa vez, em Brasília, uma senhora me
interpelou, em um estudo bíblico, discordando de posição que eu expunha. Quando fiz a exegese do
versículo (e fiz de maneira correta), ela respondeu que não aceitava o que eu estava fazendo. Eu
estava torcendo a Bíblia. Ela não queria saber de grego e hebraico nem de voltinhas hermenêuticas
para justificar posição. Ela era literalista. O que estava escrito devia ser lido como estava e
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obedecido como estava. Então eu lhe disse que se sentasse, ficasse calada, nada dissesse, e
deixasse para perguntar em casa (não na igreja) e ao marido (não a mim). Porque está escrito na
Bíblia: "As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas
estejam sujeitas, como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em
casa a seus próprios maridos; porque é vergonhoso que as mulheres falem na igreja" (1Co 14.34-
35). A interpretação bíblica sem análise do contexto cultural e exegético, como ela queria, me
autorizava a agir assim. Cuidado, portanto, com versículos sem conexão com o todo e sem o uso de
regras hermenêuticas, para provar posições.

2. O Abandono da Bíblia como Normativa


O mais gritante mau uso da Bíblia está na forma de exposição que lhe tira o caráter de normativa e a
deixa como indicativa, apenas. Esta utilização da Bíblia vem se tornando cada vez mais comum no
cenário evangélico, principalmente entre os neopentecostais. E vem sendo assumida por igrejas
batistas. Por ignorância de regras de hermenêutica e pela vontade de terem autoridade em suas
posições, não querendo correção, mas apoio, muitos pastores adotam tal postura. Isto é sério. É um
péssimo uso da Bíblia. As pessoas não querem se subordinar a ela, mas querem que ela se
subordine às suas idéias. Ora, na perspectiva fragmentária podemos usar a Bíblia para suporte do
que quisermos... E na forma indicativa, ela deixa de ser Palavra de Deus e se torna um depósito de
cenas, histórias e eventos que podemos alegorizar como quisermos, para as campanhas que
idealizarmos. Com isto, a historicidade do evento perde seu impacto. O valor não é mais o que Bíblia
diz, mas é como a Bíblia autoriza minha visão de vida. Isto é um perigo pois o caráter de Escritura
Sagrada se esvai e a Bíblia se torna apenas um depósito de histórias, com lições alegorizadas,
podendo ou não ser real.
Quando dizemos que ela é normativa, estamos apenas explicitando o que diz a Declaração
Doutrinária da Convenção Batista Brasileira: "A Bíblia é a autoridade única em matéria de religião, fiel
3
padrão pelo qual devem ser aferidas a doutrina e a conduta dos homens" . Isto é ser normativa. Ela é
a nossa norma de fé e prática. Ela é o padrão aferidor e seu caráter é autoritativo. Ele deve reger e
analisar nossas posições, devendo ser entendida globalmente. Ela é um todo e assim deve ser
entendida. Uma parte só pode ser entendida à luz do todo, e é o todo que interpreta a parte, e não o
contrário.
As denominações neopentecostais afirmam-na como regra de fé e prática, mas usam-na como
indicativa. Ela apenas indica, em algumas passagens, algumas práticas do grupo. Ela não é
autoritativa. A autoridade final, em termos de decisão, é a palavra do líder ou do dono do grupo.
Geralmente sua autoridade é legitimada por ser "apóstolo", "primaz" e coisa parecida. Em termos de
doutrina e prática, a autoridade são sonhos e revelações. Mas a autoridade do dono da seita é tão
grande que Jorge Tadeu, da Igreja Maná, "se autodenomina Apóstolo e escreve cartas semanais aos
seus pastores com o título de 'St.' (São) Jorge Tadeu. Um dos pastores dissidentes garante: 'Hoje, a
4
palavra de Jorge Tadeu na igreja Maná é equiparada à Palavra de Deus'" . Ainda Paulo Romeiro nos
cita uma declaração, registrada na revista Visão, de Portugal (10 a 16 de fevereiro de 1994), nestes
termos: "Temos de deixar a nossa religiosidade no chão para sermos mais utilizados por Deus.
Recebi isto por revelação divina: Deus me disse que hoje o Senhor permite que um homem tenha
5
várias mulheres, desde que com isso sirva mais a Deus" . Jorge Tadeu alega pregar a Bíblia, que é
contra a poligamia, mas a autoridade não é dela. É dele.
Na perspectiva indicativa, a Bíblia serve apenas de suporte e apoio para práticas que o grupo venha
a assumir, na orientação de sua liderança. Ela não rege as idéias, mas apenas dá suporte às idéias.
Esta questão deve nos alertar. Que uso fazemos da Bíblia? Ela é autoritativa para nós, que assim
crendo procuramos entendê-la globalmente, ou é indicativa, sendo usada em frases e versículos
soltos, legitimando posições? Usamo-la para analisar nossas práticas ou pegamos trechos seus para
validar o que queremos?

3. O Critério Hermenêutico para Uso da Bíblia


Nesta apostila segue um anexo intitulado "Uma nova reforma" para o qual peço sua atenção. Por
favor, leia-o com atenção. Nele menciono algumas formas de desvio na interpretação das Escrituras.
Assim, posso me centrar no critério correto. Temos um princípio hermenêutico chamado "revelação
progressiva". Isto significa que Deus se revelou progressivamente aos homens. Não significa sair
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do erro para a verdade, mas do obscuro para o claro. Se a revelação é progressiva, isto é, caminha
para frente, deve haver um ponto final. E há. É o clímax. Lemos em Hebreus 1.1-2: "Havendo Deus
antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos
nestes últimos dias pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo, por quem fez também o mundo". A
palavra final de Deus foi dada por Jesus Cristo. Ele é o ponto final, a chave hermenêutica para se
entender toda a Bíblia.
Isto nos faz entender claramente que o Novo Testamento, o ensino sobre Jesus, é a palavra final. O
Novo interpreta o Antigo. Lemos em Lucas 16.16: "A lei e os profetas duraram até João; desde então
é anunciado o reino de Deus, e todo o homem emprega força para entrar nele". O tempo antigo
passou. Quando Pedro, na transfiguração, equiparou Moisés e Elias a Jesus, colocando-os como
dignos de atenção, Deus interveio. Retirou Moisés e Elias de cena, e declarou: "Este é o meu amado
Filho, em quem me comprazo; escutai-o" (Mt 17.5). A Igreja não ouve a Moisés e a Elias, e sim a
Jesus. Quando pregamos no Antigo Testamento devemos ter isto em mente: que aspecto de Jesus
este texto mostrará? Pois a pregação da Igreja deve ter Jesus como tônica. Neste sentido, a
interpretação bíblica que faça Jesus desaparecer ou ficar em segundo plano é equivocada.
O uso correto da Bíblia é este: o Novo Testamento é a revelação final de Deus, sendo Jesus "o
cânon dentro do cânon", como Lutero gostava de dizer. Isto é aceito pela nossa Declaração
6
Doutrinária: "Ela (a Bíblia) deve ser interpretada sempre à luz da pessoa e dos ensinos de Jesus" .
"Isto é óbvio!", dirá alguém. Mas nos chama a atenção para dois pontos. O primeiro é que devemos
estar atentos à tentativa de rejudaizar a teologia cristã, como temos visto. Evito-me de mais tempo
aqui, pedindo que leiam o anexo aludido anteriormente, "Uma nova reforma", principalmente o tópico
"A rejudaização, um produto tanto teológico quanto comercial". O segundo é que se Cristo é o cânon
dentro do cânon e a palavra final de Jesus, temos que ser muito reticentes quanto às revelações que
surgem amiúde no cenário evangélico. Já citei o episódio de Jorge Tadeu, mas outros, tão ruins
quanto aquele. Segundo o movimento neopentecostal, vivemos na "era do Espírito". Um exemplo
bem claro disto vemos na logomarca da Universal do Reino de Deus. Não é mais uma cruz,
tipificando o ministério de Jesus. Nem uma Bíblia, tipificando a revelação total de Deus. É uma
pomba, tipificando o Espírito. Neste sentido, a revelação, obra do Espírito, continua. A Bíblia é um
depósito de experiências religiosas que pode ser interpretada como se deseja, principalmente pelas
novas revelações, que a ultrapassam.
É preciso considerar que há um equívoco entre dois conceitos: livre exame das Escrituras e livre
interpretação das Escrituras. O livro exame das Escrituras é um direito pela qual a Reforma se bateu
e que nós sustentamos. Todos têm o direito de examinar as Escrituras, de estudá-la. Mas ninguém
pode alegar-se o direito de interpretá-la como quiser. Ao examinarmos a Bíblia, descobrimos que
Jesus vai voltar. Isto é livre exame. Todos podem ler a Bíblia, e ler nela sobre a segunda vinda de
Jesus. Na obra citada de Paulo Romeiro, ele transcreve um sermão de Valnice Coelho, em que ela
marca a volta de Jesus para 2007. Ela tomou a palavra de Jesus "não passará esta geração sem que
todas estas coisas aconteçam", aplicou esta frase à geração que viu Israel retomar Jerusalém
(1967), afirmou que uma geração dura 40 anos, e somou 1967 mais 40 e chegou a 2007. E disse,
textualmente: "Deus me trouxe isso no espírito agora em Israel quando eu estava às margens do
7
Jordão" . Agora, ela saiu do livre exame para a livre interpretação. Qual a base para se dizer que o
versículo citado se aplica à geração que viu Jerusalém voltar às mãos dos judeus? Qual a base para
se dizer que uma geração dura 40 anos? E o que fazer desta declaração de Jesus: "Mas daquele dia
e hora ninguém sabe, nem os anjos que estão no céu, nem o Filho, senão o Pai" (Mc 13.32). Nem
Jesus sabe, mas uma pessoa, interpretando a Bíblia como quer, ultrapassa Jesus. Pelo menos já
sabe o ano. A livre interpretação é uma postura arrogante. Nunca, jamais, em tempo algum, alguém
viu na Bíblia o que aquela pessoa vê, agora. Ela se coloca como fonte autorizada e continuada da
revelação divina. Despreza toda a herança teológica de 2.000 anos de cristianismo. Ela ultrapassa a
própria Bíblia.
Uma questão mais: o movimento neopentecostal tem confundido a psiquê, a interioridade humana,
com o ruah, o Espírito do Senhor. Assim, o que a pessoa sente passa a ser verdade. Como se ouve
a frase: "Eu senti em meu coração!". Isto não quer dizer nada. Quando eu tinha 18 anos senti no meu
coração que deveria me casar com a cantora Wanderléia. Ela nem sabe que eu existo. E casei
melhor do que se tivesse casado com ela. Os próprios crentes tradicionais têm confundido seu íntimo
com a voz de Deus. Devemos nos lembrar de Jeremias 17.9: "Enganoso é o coração, mais do que
todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?".
Essa atitude é perigosa. Ela internaliza a verdade, coloca a verdade dentro de nós, ao invés de
colocá-la como externa a nós. Neopentecostais se valem deste recurso, e assim confundem sua voz
interna com a voz do Espírito. Não estou divagando. Estou chamando a atenção para um perigo: tirar

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a fonte de autoridade das Escrituras e colocar na pessoa (peço, mais uma vez, que leiam a matéria
"Uma nova reforma").

4. Uma Volta à Bíblia


Uso um trecho, um pouco longo, de um trabalho que apresentei, sob o título "Sou batista! Tenho uma
8
identidade!" . É um tópico sobre a nova hermenêutica. Dispenso as aspas porque sou o autor das
idéias a seguir:
A nova hermenêutica é o aspecto mais preocupante no uso das Escrituras. Com a Igreja Católica, a
fonte de autoridade era a Igreja, subsidiada pela Tradição e pelo Magistério. Lutero tirou a fonte de
autoridade da Igreja e a colocou na Bíblia. O movimento pentecostal a tirou da Bíblia e colocou na
experiência. O movimento neopentecostal está construindo outro eixo hermenêutico: a de gurus, de
pessoas com mais experiência com Deus. É o início de um retorno ao eixo católico. Isto vai trazer
conseqüências danosas para o evangelho, mais à frente, embora já esteja trazendo agora. É que
nesta postura, a Bíblia fica subordinada às declarações humanas. Em vez de reger a teologia da
igreja, ela passa a ser explicada pela teologia da igreja. Esta nova hermenêutica é muito perigosa
porque além de mudança de eixo mudou também o critério de interpretação. No protestantismo
histórico e entre os evangélicos históricos, o critério de interpretação da Bíblia sempre foi a pessoa
de Cristo, com base no conceito de na revelação progressiva, que depreendemos bem de Hebreus
1.1-2. É o Novo Testamento que interpreta o Antigo e este não pode se sobrepor ao Novo. Hoje o
critério de interpretação é o Espírito Santo. Um pastor neopentecostal dizia pela televisão que "Jesus
é o canal para nos trazer o Espírito Santo". Antes era o Espírito Santo quem nos levava a Cristo.
Agora Cristo nos traz o Espírito. Cristo é o meio para se chegar ao Espírito, que é o final. A Igreja
Universal do Reino de Deus, por exemplo, não tem a cruz como seu símbolo, mas uma pomba,
significando o Espírito Santo. É a chamada "onda do Espírito", que é, na realidade, uma pretensão à
nova revelação. É aqui que reside o perigo maior: o Espírito Santo é um eufemismo para as
impressões pessoais do intérprete, que se tornam uma palavra inspirada. O que ele acha é revelação
do Espírito. Assim, a Bíblia deixa de ser normativa e passa a ser indicativa. A normativa é a palavra
do líder. O uso que as campanhas da Universal fazem das Escrituras, particularmente o uso do
Antigo Testamento, mostra isso. A Bíblia apenas legitima as práticas do grupo, em vez de regê-las. E
o Espírito Santo se tornou propriedade dos iluminados da seita. O Espírito Santo fala quando
alguém, líder, "sentiu" uma nova verdade. Na nova hermenêutica, o sentir vale mais que o que é, o
que está escrito. Jesus é uma pessoa histórica, objetiva, e seu ensino está na Bíblia. O Espírito
Santo não é uma pessoa histórica, embora seja uma pessoa, e seu ensino passa a ser o que as
pessoas sentem. Isto cria um clero, pessoas especiais, com revelações do Espírito. Há, então, um
clero que determina o credo e a prática para o povo. Tanto que muitos desses grupos não ligam a
mínima para educação religiosa, EBD, etc. Basta-lhes um salão para realizar seus cultos, carregados
de emoção e muitos deles manipuladores das pessoas.
Esta nova hermenêutica tem privilegiado o domínio de revelações, visões e sonhos sobre a Bíblia.
Uma pastora neopentecostal dizia, pela televisão, ter um mapeamento das potestades demoníacas.
Quem era o demônio regente de cada território, os chamados demônios territoriais. Quando
perguntada sobre onde conseguiu isto, disse com toda simplicidade que foi de demônios postos sob
juramento. Não sei se um demônio mesmo jurando estará dizendo a verdade. Mas me impressiona
que uma pessoa diga com todas as letras que está ensinando uma revelação de demônios e as
pessoas que a ouvem ainda exultem com isso.
Nossa identidade batista parte daqui: zelo pelas Escrituras. Nada de mais, nada de menos. Quando
ela fala, nós falamos. Quando ela cala, nós calamos. Todo material que produzimos, toda e qualquer
postura eclesiológica, deve ser avaliada por ela. Não é se deu certo em algum lugar ou se está
enchendo alguma igreja em algum lugar, ou se foi proferida por algum teólogo ou pastor muito
consagrado e zeloso pela doutrina, mas se não colide com a Bíblia. Aliás, todas as heresias
nasceram de pessoas muito espirituais e zelosas. Não de mundanos. É o que Paulo disse dos
judeus: "têm zelo de Deus, mas não com entendimento". O entendimento das Escrituras é
fundamental para uma denominação sadia.
Até a última linha, o trecho da palestra. Agora, a questão, como ter uma hermenêutica sadia, uma
volta à Bíblia. Atrevo-me a alistar algumas sugestões;

1. Reconhecendo-a como normativa, autoritativa, palavra última, definitiva e cabal de Deus.


Não há o que lhe acrescentar.

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2. Trazendo os ensinos humanos ao seu crivo, subordinando-os a ela. Todo profeta, todo
pregador, deve ser avaliado à luz das Escrituras. Se ele falar e não se cumprir, ele é falso (Dt
18.22). Se ele falar, cumprir-se o que ele falar e ele desviar o povo da Palavra, deve ser
morto (Dt 13.1-5). O padrão é sempre a Palavra falada de Deus.
3. O bom senso recomenda que se fuja das interpretações que jamais alguém viu, do
ineditismo. Quem se coloca sob holofotes deve ser rejeitado imediatamente.
4. Os batistas não surgiram ontem e têm uma herança teológica coerente, uma teologia
fechada (no sentido de ser completa, de abarcar todas as áreas da vida). Cuidado com
visões fragmentárias, em que toda a Bíblia é analisada à luz de uma parte.
5. Cuidado com o experiencialismo, aquela atitude em que as experiências humanas são
válidas e julgam a Bíblia. É a Bíblia que deve julgar nossas experiências, e não o oposto. A
ordem é FATO > FÉ > EMOÇÃO. Existe um FATO: Deus e sua Palavra. Eu tenho FÉ neste
fato. Como conseqüência de minha FÉ neste FATO experimento a EMOÇÃO de ser salvo,
de ter direção na minha vida, etc. Quando a ordem é invertida, em vez da Bíblia reger minha
vida, minha vida rege a Bíblia. Isto é uma variação da neo-ortodoxia: a Bíblia se torna a
Palavra de Deus pela minha experiência.
6. Como conseqüência, o ensino bíblico criterioso, a hermenêutica correta e a exegese bem
feita devem ser objetos de estudo do pastor, para alimentar sadiamente sua igreja.

Conclusão
Terminar é mais difícil que começar. Mas espero terminar de maneira pelo menos satisfatória. Tenho
visto que o ensino da Bíblia tem sido feito de maneira espetaculosa e pouco sóbria. Não quero ser
juiz, mas por vezes, assistindo programas evangélicos na televisão, surpreendo em ver a Bíblia
sendo esgrimida, mas pouco dela aparecendo, e muito do pregador sendo mostrado. Lembro-me de
uma antiga oração dos crentes, pedindo pelo pregador: "Esconde o teu servo atrás da cruz de
Cristo". Bonita oração! Parece-me que hoje se ora assim, em alguns círculos: "Esconde a cruz de
Cristo atrás do teu servo!". Quem deve brilhar é a Bíblia. Se os trejeitos do pregador brilham mais, se
ele chama a atenção para suas idéias, de modo que elas brilhem, e não a Palavra, algo está errado.
Disse o Batista sobre Jesus: "É necessário que ele cresça e que eu diminua" (Jo 3.30). O bom uso
da Bíblia é aquele em que o pregador diminui e ela cresce. O povo aprende da Bíblia. Quando
aprende das idéias do pregador, algo está errado.
Isto não é hermenêutica, mas o princípio vale. A boa hermenêutica é aquela em que Jesus brilha, a
cruz resplandece, Deus é glorificado. Se a esquisitice triunfa e o culto à personalidade aparece, fuja
do esquema. A síntese é esta: quando examinar a Bíblia, procure por Jesus em suas páginas. E veja
o que sua vida deve absorver do estudo. Se a exegese, produto da hermenêutica, destoa do ensino
da Igreja, do testemunho dos séculos, fique desconfiado. Até mesmo de si próprio. Nenhum outro
fundamento pode ser posto: "Porque ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto,
o qual é Jesus Cristo" (1Co 3.11). É bom firmar as raízes no que conhecemos.

* Preparado para a Convenção Batista Fluminense, em março de 2005, e originalmente encontrado no site da Igreja Batista do
Cambuí, disponibilizado sob autorização
** Isaltino Gomes Coelho Filho é pastor batista, pastoreando a Igreja Batista do Cambuí – Campinas – SP desde 12 de fevereiro de
2000. É natural do Rio de Janeiro – RJ, nascido em 10 de fevereiro de 1948. É Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista
do Sul do Brasil, Bacharel em Filosofia pela Faculdade 9 de Julho e tem formação em Psicanálise Clínica pela Sociedade Brasileira de
Psicanálise Cristã. É Pós-Graduado em Educação com especialização em Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Católica
de Brasília e Mestre em Teologia com especialização em Antigo Testamento pelo Seminário Teológico Batista Equatorial.
1 COELHO FILHO: "Reflexões sobre o púlpito brasileiro", in HORREL, Scott (coord.). Vox Scrpturae, vol. IV, número 1, março de 1994,
p. 4.
2 HAGIN, Kenneth. O Extraordinário Crescimento da Fé. Rio de Janeiro: Graça Editorial, s/d, p. 17
3 Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, item I - "Escrituras Sagradas"
4 ROMEIRO, Paulo. Evangélicos em crise. S. Paulo: Mundo Cristão, 1995, p. 59.
5 Ib. ibidem, p. 48.
6 Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, item I - "Escrituras Sagradas"
7 ROMEIRO, op. cit, p. 183.
8 Trabalho apresentado em Congresso Doutrinário na PIB de S. Vicente, SP.

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Nome do aluno: ____________________________________________ Data: ___________

Exercício de Figuras de Linguagem

Identifique cada figura de linguagem grifada nos versículos abaixo usando uma das seguintes letras:
a. = símile
b. = metáfora
c. = hipérbole
d. = antropomorfismo
e. = personificação
f. = eufemismo
( ) “Muitos touros me cercam, sim, rodeiam-me os poderosos de Basã.
( ) Como leão voraz rugindo, escancaram a boca contra mim.
( ) Como água me derramei,
( ) e todos os meus ossos estão desconjuntados.
( ) Meu coração se tornou como cera; derreteu-se no meu íntimo”.
Salmo 22:12-14

( ) “Foram as tuas mãos que me formaram e me fizeram”. Jó 10:8 (Jó falando com Deus).
( ) “Nosso amigo Lázaro adormeceu, mas vou até lá para acordá-lo.” João 11:11
( ) “...e todas as árvores do campo baterão palmas.” Is. 55:12

( ) “Então tirarei a minha mão e você verá as minhas costas: mas a minha face ninguém poderá
ver”. Ex. 33:23 (O SENHOR falando a Moisés)

( ) “Por que, ó montes escarpados, estão com inveja do monte que Deus escolheu para sua
habitação?” Sl. 68:16

( ) “Ainda que o número dos filhos de Israel seja como a areia do mar, o remanescente é que será
salvo.” Rm. 9:27b

( ) “Vendo Raquel que não dava filhos a Jacó, teve ciúmes de sua irmã e disse a Jacó: Dá-me filhos,
senão morrerei.” Gn. 30:1

Em Rm. 11:17-21 (se necessário, uso o verso para as respostas):


a) Identifique as expressões que são figuras de linguagem.

b) De que tipos são as figuras?

c) O que representam estas figuras de linguagem (interpretação)?

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