Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo Privacao e Deliquencia PDF
Resumo Privacao e Deliquencia PDF
Winnicott)
Caros colegas,
Introdução (Clare)
Donald Winnicott foi nomeado psiquiatra consultor do plano de evacuação
governamental na Inglaterra durante a segunda grande guerra mundial. As crianças que
passavam à responsabilidade de Winnicott eram aquelas que necessitavam de providencias
especiais porque não podiam mais ser instaladas em lares comuns. Em outras palavras, já
estavam em dificuldades em seus próprios lares antes da guerra. A guerra foi quase
secundária para elas, colocando-as numa situação em que poderiam encontrar – e
freqüentemente encontraram – ajuda e alívio.
Esta experiência teve um efeito profundo em Winnicott, pois teve que enfrentar a
confusão gerada pela desintegração maciça da vida familiar e teve de vivenciar o efeito da
separação e perda – e da destruição e morte.
Durante este trabalho Winnicott teve a oportunidade de trabalhar com um grupo de
5 alojamentos para crianças difíceis. Acompanhou profundamente 285 crianças, tendo sido
a maioria delas observada num período de vários anos.
O trabalho foi coordenado pelo Ministério da Saúde que subvencionava em 100% a
prefeitura dos Condados. Nomeou-se um assistente social em tempo integral (Clare) para
colaborar com Winnicott que realizava uma visita semanal ao Condado. A equipe consistia
de uma série de supervisores que não eram profissionais de saúde, geralmente professores,
orientados por Winnicott. Havia uma reunião semanal para discussão pormenorizada de
cada um dos casos.
Os membros da equipe que viviam nos lares recebiam o impacto pleno da confusão
e desespero das crianças e dos problemas de comportamento resultantes. Gradualmente, foi
reconhecido que todos nós devíamos assumir a responsabilidade por fazer o melhor que
pudéssemos com cada criança nas situações que surgiam no dia a dia. Após estas sessões
Winnicott e eu elaborávamos algumas teorias provisórias a respeito. Era uma tarefa
totalmente absorvente porque mal uma teoria tinha sido formulada, já tinha que ser
abandonada ou modificada. Não há duvida de que este trabalho deu uma dimensão
inteiramente nova ao pensamento de Winnicott e a sua pratica; e afetou seus conceitos
básicos sobre crescimento e desenvolvimento emocional. Gradualmente, novas abordagens
e atitudes foram sendo estabelecidas e tentativas foram sendo feitas para se chegar a
inocência que estava por trás das defesas e dos atos delinqüênciais. Tratava-se de uma
experiência com crianças evacuadas de seus lares em Londres, sob intenso bombardeio, que
foram enviadas para o interior da Inglaterra. Deveríamos passar pelas crises ao invés de
reagir a elas, para ser possível aliviar a tensão e renovar a confiança e a esperança. Para
nós, uma das lições importantes da experiência foi de que atitudes não podem ser ensinadas
com palavras, mas podem ser captadas unicamente por assimilação com relações vivas.
Como era trabalhar com Winnicott? Era estar numa relação de completa reciprocidade em
que dar e receber não se distinguiam, em que papeis e responsabilidades eram pontos
pacíficos e jamais disputados. Nisso se baseava a segurança e liberdade necessárias para
que o trabalho criativo emergisse do caos e da devastação da guerra. O ponto de interação
entre os que prestam e os que recebem cuidados é sempre o foco para a terapia neste campo
de trabalho. Hoje, como sempre, a questão prática é como manter um ambiente que seja
suficientemente humano e suficientemente forte para conter os que prestam assistência e os
destituídos e delinqüentes, que necessitam desesperadamente de cuidados e pertencimento,
mas fazem o possível para destruí-los quando os encontram.
5 - A criança evacuada
(Palestra radiofônica dirigida a pais adotivos 1945)
Quando existe um sentimento de “estar em família” as relações entre as crianças e
os adultos podem sobreviver aos períodos de desentendimento. Assim, se você manteve
uma criança evacuada por um longo período é porque a acolheu em seu lar e usou o seu lar
como um lar. E a criança transferiu certos sentimentos da mãe para você, que passou a ser
temporariamente a mãe dela. Neste processo é muito importante a presença da professora,
que já conhece bem as crianças. Assim é impossível pensar no primeiro plano de evacuação
sem estas professoras.
O que acontecia então, dependia da idade da criança e do tipo de lar de onde
vinham, mas todas tiveram que enfrentar o mesmo problema: ou a criança se adaptava e
aceitava o novo lar, ou então apegava-se a lembrança de seu próprio lar.
Podia haver facilmente uma aceitação artificial das novas condições e em alguns
casos esta ausência de saudades acabou por revelar uma artimanha e uma ilusão.
As crianças provenientes de áreas bombardeadas tendiam a manter-se afastadas,
arredias, e se mantinham a poder de cartas bem como de visitas ocasionais, muitas vezes
tão perturbadores que os pais adotivos desejavam que fossem raras.
Talvez haja algum ursinho de pelúcia ou boneca em relação ao qual a criança
continua tendo algum sentimento e isto torna-se por conseguinte tremendamente importante
para ela. Vocês, como guardiões das crianças, tiveram de lidar com todos os tipos de
sintomas como a enurese noturna, males e dores de um tipo ou outro, irritações cutâneas,
hábitos desagradáveis, etc.
Mais cedo ou mais tarde, suponho, a criança adquiriu a necessária confiança no
novo lar e na maneira como você a geria para torna-la capaz de integrar-se a ele.
Finalmente ela se terá tornado um novo membro da família.
Não terá tudo isto um valor enorme, alem do bem real feito a cada criança?
Certamente, um valor a ser extraído da evacuação é que todos os pais adotivos que
abrigaram com sucesso uma criança evacuada passaram a conhecer as dificuldades bem
como as recompensas que envolvem cuidar dos filhos de outras pessoas e poderão ajudar
outras famílias que estão fazendo a mesma coisa.
Quando se trata de cuidar totalmente de uma criança, a experiência é a única coisa
que conta. E acho que seu trabalho não terá terminado com a volta de seu filho adotivo a
seus pais verdadeiros.
O programa cresce
Em virtude da guerra, podiam-se requisitar casas e, em poucos meses, havia cinco
alojamentos no grupo, assim como relações amistosas com muitos outros. Seria errado
dizer que, em questões humanas, a demanda gera oferta. As necessidades das crianças não
produzem bom tratamento, e agora que a guerra acabou, é muito difícil obter, por exemplo,
albergues especiais para as mesmas crianças cujas necessidades foram satisfeitas em tempo
de guerra. Em tempo de paz, as crianças problemáticas já não são um “incômodo” tão
grande e a opinião pública adquire uma sonolenta indiferença.
Equipe psiquiátrica
Nesta experiência de guerra, a composição da comissão voluntária manteve-se
constante e, assim, ela se desenvolveu com o próprio plano.
Gradualmente, adotou-se a idéia de nomear casais, de modo que ambos os cônjuges
atuassem conjuntamente na supervisão. Os supervisores eram geralmente professores.
Quanto ao castigo corporal, a regra era a comissão confiar no supervisor nomeado e
conceder-lhe o direito de aplicar punições corporais. Se a comissão se desagradava, o
remédio era arranjar um novo supervisor. Os excessos passíveis de castigo puderam ser
freqüentemente evitados e em alguns grupos, durante longos períodos de tempo, a punição
corporal foi, de fato, rara.
Furto
O furto esta no centro da tendência antissocial, associado a mentira. A criança que
furta um objeto não esta desejando o objeto roubado, mas a mãe, sobre quem ela tem
direitos. Estes direitos derivam do fato de que (do ponto de vista da criança) a mãe foi
criada por ela.
Será possível unir as duas tendência, o furto e a destruição, a busca de objeto e
aquilo que a provoca, as compulsões libidinais e agressivas? Na minha opinião, a união das
duas tendências está na criança e representa uma tendência para a auto cura, a cura de uma
dissociação de instintos (?)
Quando há, na época da privação original, alguma fusão de raízes agressivas (ou
motilidade) com raízes libidinais, a criança reclama a mãe por uma combinação de furto,
agressividade e sujeira. Quando existe menos fusão, a busca de objeto e a agressão estão
mais separadas uma da outra e há um maior grau de dissociação.
Isto leva a proposição de que o valor de incomodo da criança antissocial é uma
característica essencial, e também é, sob o aspecto positivo, uma característica favorável
que indica uma potencialidade de recuperação da fusão dos impulsos libidinais e da
motilidade.
Ao cuidar da criança, a mãe está constantemente lidando com o valor de incomodo
do seu bebê. Assim, é comum o bebê urinar no colo da mãe enquanto é amamentado. Mais
tarde isto aparece como uma regressão momentânea durante o sono e resulta enurese.
Qualquer exagero do valor de incomodo de um bebê pode indicar existência de um certo
grau de privação e tendência antissocial.
A manifestação da tendência antissocial inclui roubo, mentira, incontinência, e de
modo geral, uma conduta desordenada, caótica.
Psicologia do luto
O luto indica maturidade no indivíduo. O mecanismo do luto é complexo e inclui o
seguinte: um indivíduo sujeito a perda de um objeto introjeta este que é submetido ao ódio
dentro do ego. Clinicamente existe um amortecimento variável do objeto introjetado,
conforme este objeto seja mais odiado ou mais amado. Assim, no decorrer do luto, o
indivíduo pode ser temporariamente feliz. Mais cedo ou mais tarde a depressão retorna em
virtude de eventos fortuitos ou aniversários que recordem a relação com o objeto. Num
dado momento, o individuo recupera a capacidade de ser feliz, a despeito da perda do
objeto.
O ambiente deve permanecer sustentador enquanto a elaboração ocorre e o
indivíduo também deve estar livre da atitude que torna a tristeza impossível. Pode haver
também uma carência de compreensão intelectual quando por exemplo, na vida de uma
criança, existe uma conspiração de silencio em torno de uma morte.
Obviamente, quando a criança está perto da capacidade para o luto, há mais
esperança de que ela possa ser ajudada, ainda que exista uma séria doença clínica. A perda
pode ir mais fundo e envolver toda a capacidade criativa do indivíduo, criando uma
desesperança baseada na incapacidade de sair em busca de um objeto.
O isolamento do indivíduo
O adolescente é essencialmente um isolado. Ele está repetindo uma fase essencial da
infância, pois o bebê também é um isolado, pelo menos até que seja capaz de estabelecer
relacionamentos com objetos.
São geralmente coleções de pessoas isoladas, tentando formar um agregado através
da adoção de idéias, ideais, modos de viver e de vestir comuns.
As atividades heterossexuais ou homosexuais compulsivas também podem servir ao
propósito de livrar-se da tensão sexual numa época em que ainda não se desenvolveu a
capacidade de união com seres humanos totais. Um bom ponto para aqueles que pesquisam
esta questão seria: quem faz perguntas deve esperar que lhe respondam com mentiras.
saúde e doença
Aquilo que se mostra no adolescente normal está relacionado com o que ocorre em
várias espécies de doenças. Por exemplo, a idéia do repúdio as soluções falsas corresponde
à dificuldade do esquizofrênico em transigir. Em contraste com tudo isto, existe a
ambivalência neurótica e também o fingimento e a autosugestão em pessoas saudáveis.
Existe um fenômeno a que se poderia dar o nome de “depressões adolescentes”. A
sociedade precisa enfrentá-la mas não a curar. Pergunta: a nossa sociedade terá saúde para
isto? Não obstante, existe um tipo de doença que não pode ser posta de lado em qualquer
estudo sobre a adolescência: delinqüência.
Na raiz da tendência antissocial existe sempre uma privação. Pode ser simplesmente
que a mãe num momento crítico encontrava-se em estado de depressão, ou talvez a família
tenha se dissolvido. Até uma privação menor, ocorrendo num momento difícil da vida de
uma criança, pode ter um resultado duradouro ao forçar excessivamente as defesas.
Os membros mais extremos de um grupo são aqueles que atuam pelo grupo todo.
Todos os tipos de coisas, o furto, a navalha, a fuga e o arrombamento, tudo isto tem que
estar contido na dinâmica deste grupo sentado para ouvir jazz. Todos serão leais e apoiarão
o indivíduo que agirá pelo grupo, embora nenhum deles tivesse aprovado o que o
antissocial fez. Do mesmo modo a tentativa de suicídio de um dos membros é muito
importante para todos os outros.
Tudo isto se resume num problema: como ser adolescente durante a adolescência?
É uma coisa magnífica para qualquer um ser. Não significa porém que nós adultos
tenhamos que andar dizendo: devemos suportar e tolerar tudo, e deixar que quebrem nossas
janelas.
Qualquer coisa que digamos ou façamos está errado. Damos apoio e estamos
errados, retiramos o apoio e também estamos errados. Mas, com o passar do tempo,
descobrimos que este adolescente superou a fase de depressão e está agora preparado para
identificar-se com a sociedade, com os pais e com os grupos mais amplos. E a fazer tudo
isto sem ameaça de extinção pessoal.