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Privação e Delinqüência (D.W.

Winnicott)

Caros colegas,

Este é um resumo do livro Privação e delinqüência, de Winnicott, no qual ele trata


das raízes da delinqüência social tema que acredito que nos interessa por lidarmos com
crianças desajustadas.
Lares coletivos e lares adotivos. Uma contribuição de Clare e Donald Winnicott
sobre a psicologia da criança, do adolescente e sobre a natureza da tendência antissocial.

Introdução (Clare)
Donald Winnicott foi nomeado psiquiatra consultor do plano de evacuação
governamental na Inglaterra durante a segunda grande guerra mundial. As crianças que
passavam à responsabilidade de Winnicott eram aquelas que necessitavam de providencias
especiais porque não podiam mais ser instaladas em lares comuns. Em outras palavras, já
estavam em dificuldades em seus próprios lares antes da guerra. A guerra foi quase
secundária para elas, colocando-as numa situação em que poderiam encontrar – e
freqüentemente encontraram – ajuda e alívio.
Esta experiência teve um efeito profundo em Winnicott, pois teve que enfrentar a
confusão gerada pela desintegração maciça da vida familiar e teve de vivenciar o efeito da
separação e perda – e da destruição e morte.
Durante este trabalho Winnicott teve a oportunidade de trabalhar com um grupo de
5 alojamentos para crianças difíceis. Acompanhou profundamente 285 crianças, tendo sido
a maioria delas observada num período de vários anos.
O trabalho foi coordenado pelo Ministério da Saúde que subvencionava em 100% a
prefeitura dos Condados. Nomeou-se um assistente social em tempo integral (Clare) para
colaborar com Winnicott que realizava uma visita semanal ao Condado. A equipe consistia
de uma série de supervisores que não eram profissionais de saúde, geralmente professores,
orientados por Winnicott. Havia uma reunião semanal para discussão pormenorizada de
cada um dos casos.
Os membros da equipe que viviam nos lares recebiam o impacto pleno da confusão
e desespero das crianças e dos problemas de comportamento resultantes. Gradualmente, foi
reconhecido que todos nós devíamos assumir a responsabilidade por fazer o melhor que
pudéssemos com cada criança nas situações que surgiam no dia a dia. Após estas sessões
Winnicott e eu elaborávamos algumas teorias provisórias a respeito. Era uma tarefa
totalmente absorvente porque mal uma teoria tinha sido formulada, já tinha que ser
abandonada ou modificada. Não há duvida de que este trabalho deu uma dimensão
inteiramente nova ao pensamento de Winnicott e a sua pratica; e afetou seus conceitos
básicos sobre crescimento e desenvolvimento emocional. Gradualmente, novas abordagens
e atitudes foram sendo estabelecidas e tentativas foram sendo feitas para se chegar a
inocência que estava por trás das defesas e dos atos delinqüênciais. Tratava-se de uma
experiência com crianças evacuadas de seus lares em Londres, sob intenso bombardeio, que
foram enviadas para o interior da Inglaterra. Deveríamos passar pelas crises ao invés de
reagir a elas, para ser possível aliviar a tensão e renovar a confiança e a esperança. Para
nós, uma das lições importantes da experiência foi de que atitudes não podem ser ensinadas
com palavras, mas podem ser captadas unicamente por assimilação com relações vivas.
Como era trabalhar com Winnicott? Era estar numa relação de completa reciprocidade em
que dar e receber não se distinguiam, em que papeis e responsabilidades eram pontos
pacíficos e jamais disputados. Nisso se baseava a segurança e liberdade necessárias para
que o trabalho criativo emergisse do caos e da devastação da guerra. O ponto de interação
entre os que prestam e os que recebem cuidados é sempre o foco para a terapia neste campo
de trabalho. Hoje, como sempre, a questão prática é como manter um ambiente que seja
suficientemente humano e suficientemente forte para conter os que prestam assistência e os
destituídos e delinqüentes, que necessitam desesperadamente de cuidados e pertencimento,
mas fazem o possível para destruí-los quando os encontram.

Primeira Parte - Crianças sob estresse: experiência em tempo de


guerra
1 - Evacuação de crianças pequenas (1939)
É um pequeno trabalho assinado por John Bowlby, Emanuel Miller e D. W. Winnicott.
A evacuação de crianças mais velhas tem sido suficientemente bem sucedida para
mostrar, se já não se soubesse antes, que muitas crianças acima dos 5 anos podem suportar
a separação do lar e até beneficiar-se disso, mas não se pode concluir que a evacuação de
crianças menores, sem suas mães, possa ter o mesmo êxito ou seja isenta de perigo. Isto
pode equivaler a um black out emocional e levar facilmente a um distúrbio grave do
desenvolvimento da personalidade, distúrbio este que poderá persistir por toda a vida.
Assistentes sociais falam do modo extraordinário como crianças pequenas se
acostumam a uma nova pessoa e parecem muito felizes ao passo que outras, um pouco mais
velhas, com freqüência mostram sinais de aflição. Porém esta felicidade pode facilmente
ser ilusória, é freqüente as crianças não reconhecerem suas mães ao voltarem para casa.
Verifica-se assim que houve um dano radical e o caráter da criança foi seriamente
deformado.
Por isto segue-se que a evacuação de crianças pequenas sem suas mães pode
conduzir a distúrbios psicológicos sérios e de amplo alcance. Por exemplo, pode levar a um
grande aumento da delinqüência juvenil na próxima década.

Crianças e suas mães


Escreve uma funcionária pública: “estou convicta de que, para crianças de dois a
cinco anos as escolas maternais são muito preferíveis a que a criança esteja com a sua
mãe... dos dois aos cinco anos elas necessitam de cuidados e companhia e a maioria das
mães pode dar em excesso uma coisa ou outra, ou ambas”.
Pergunta Winnicott: será isto verdade?
O fato é que quanto menor for uma criança, maior será o perigo de separa-la de sua
mãe. Quanto mais jovem for a criança, menor será a sua capacidade para manter viva em si
mesma a idéia de uma pessoa; quer dizer, se ela não vir uma pessoa, ou não tiver provas
tangíveis de sua existência em x minutos, horas ou dias, esta pessoa estará morta. Outra
maneira de dizer isto tem a ver com a depressão. Pessoas depressivas de qualquer idade tem
dificuldade em manter viva a idéia daqueles a quem amam, talvez até quando estão vivendo
com eles no mesmo quarto.
Escreve um pai comum, da classe trabalhadora: “estou respondendo a sua carta de 4
de dezembro. Minha mulher foi evacuada para Carpenderes Park com John de cinco anos e
seu irmão caçula Phill. Diz ela que John parece estar muito feliz e saudável. Mas agora ele
insiste em querer ver a avó, isto é, a minha mãe. Ela foi evacuada para Dorset mas poderá
regressar num futuro próximo. Prometi-lhe que veria a avó se e quando ela regressasse...”
A seguir, Winnicott apresenta dois casos, longos, o de Tony Banks, de quatro anos e
de Eddie de 21 meses de idade que é o primeiro e único filho de pais de inteligência
comum. Conclui dizendo que a investigação mostrou que não era fácil para Eddie
reencontrar a mãe, visto que na época da separação ele a odiara, não sendo capaz de extrair
da presença e do sorriso dela a certeza de que ela podia continuar viva e carinhosa, apesar
do ódio dele.
O fato de o distúrbio ter sido resolvido com ajuda não altera o fato de que a criança
não se recupera facilmente do trauma da separação de sua mãe.
Sem negar, de forma alguma, que o dano físico pode vitimar crianças em ataques
aéreos e sem minimizar o dano que pode resultar do fato de eles testemunharem o medo em
adultos, ou destruições concretas a sua volta, é importante continuar apresentando o lugar
comum de que a unidade familiar é mais do que uma questão de conforto e conveniência.

2 - Resenha sobre “The Cambridge evacuation survey: a wartime study


in social welfare and education” (Revisto por Suzan Isaacs, 1941)
A evacuação tinha de ser feita. Numa tentativa equivocada de minorar os males
inerentes ao exílio, muitos se empenharam em fazer parecer que a evacuação é realmente
uma boa coisa, uma medida razoável, sensata, bastando haver guerra para que seja colocada
em prática. Mas, para mim, a evacuação é uma história de tragédias; ou as crianças estão
emocionalmente perturbadas, talvez alem dos limites que permitiriam sua recuperação, ou
então as crianças sentem-se felizes e são os pais que sofrem, com a implicação de que não
são necessários nem mesmo aos seus próprios filhos. Entretanto, foi minha tarefa observar
os fracassos e as tragédias. Em “The Cambridge evacuation survey” temos a opinião de
uma equipe de pesquisadores que realizaram uma investigação sistemática in loco e esse
livro merece estudo. A opinião coletiva dos coordenadores não é inteiramente pessimista,
embora críticas intensas sejam apresentadas aqui e ali. Ele abrange um período que vai
desde a eclosão da guerra até o final do período que precedeu o inicio do bombardeio de
cidades abertas. Nunca perdemos de vista as crianças, os pais, os pais adotivos e os
professores como seres humanos totais. “A nossa conclusão mais ampla e mais geral, ou
seja que o primeiro grande plano de evacuação poderia ter sido um fracasso muito menor,
um êxito muito maior, se tivesse sido elaborada com uma compreensão maior da natureza
humana... em especial a força do vínculo familiar e a necessidade de compreensão
especializada de cada criança. “Esta lição contundente sobre a ineficácia e o desperdício de
um abordagem parcial de uma grande questão humana, ... de nenhum modo se aplica
apenas a crise temporária de dispersão de populações humanas durante uma guerra.”
Um médico poderá lamentar o fato de se ter considerado que sua profissão estava
tão despreparada para o tipo de problema apresentado pela evacuação, que ninguém pensou
em solicitar a ajuda de médicos... o peso da responsabilidade recaiu todo sobre os
professores, que, na medida em que as condições lhes permitiram , empreenderam com
extraordinária dedicação a tarefa de cuidar das crianças como seres totais. Nessa pesquisa
aparece o nome do Dr John Bowlby que forneceu uma classificação de crianças em seis
grupos definidos de anormalidade variável:
a) crianças ansiosas, podendo ser deprimidas ou não;
b) crianças “fechadas” em si mesmas, tendendo a afastar-se de todo e qualquer
relacionamento com outras pessoas;
c) crianças ciumentas e briguentas;
d)crianças hiperativas e agressivas;
e) crianças apresentando estados alternantes de exaltação e depressão;
f) crianças delinqüentes.

As crianças também foram classificadas segundo três graus de perturbação:


grau 1(ligeira dificuldade);
grau 2 (desajustamento razoavelmente sério);
grau 3 (distúrbio emocional profundo)

3 - Crianças na guerra (escrito para professores, 1940)


As crianças muito pequenas só são afetadas pela guerra indiretamente. O estrondo
de canhões dificilmente as desperta do sono. Os piores efeitos provem da separação da mãe
e da perda de contato com o pai. No entanto, é provável que elas tenham um contato muito
maior com o corpo da mãe.
Logo, porém, as crianças começam a pensar e a falar em termos de guerra e a mente
infantil fica povoada de aviões, bombas e crateras. Na criança mais velha surge o
apogeu do professor sobre o que é certo e bom e sobre o que deve ser repudiado
como mau e errado. Uma dificuldade especial é a das crianças que estão no período
de latência, onde estão aqueles a quem cabe selecionar e ampliar o lado não violento
da guerra.
Uma criança desta faixa etária não entende uma luta pela liberdade e pode ver uma
grande virtude num regime fascista ou nazista, no qual alguém que é idealizado
controla e dirige tudo.
Enquanto que é perfeitamente normal uma criança de nove anos gostar de ser
controlada e dirigida por uma autoridade idealizada, isto é muito menos saudável
numa criança de quatorze anos. As crianças que estão se defrontando com a
puberdade começam a lidar com um maior potencial de destruição e construção e
podem encontrar alguma ajuda na guerra e nos noticiários de guerra. Em tempos de
guerra somos todos tão maus e tão bons quanto o adolescente em seus sonhos e isto
lhe dá segurança. O adolescente pode um dia tornar-se capaz de se dedicar
facilmente às artes da paz, embora então já não seja um jovem. Finalmente ele
descobre que tem a capacidade para desfrutar da guerra e da crueldade tal como se
apresentam em sua fantasia.
Para as crianças com uma tendência antissocial a alternativa é ouvirem a respeito
das terríveis aventuras de outras pessoas. A história sensacional, o thriller, é para
elas um soporífero e o mesmo pode ser dito dos noticiários de guerra.
Num outro grupo está a criança tímida, passiva-masoquista, ou que sofre de uma
capacidade para sentir-se perseguida. Elas têm uma idéia fixa de que o bem perde,
é derrotado.
Num outro grupo está a criança que tende a sentir-se deprimida. Para estas crianças
a simples idéia da guerra é terrível, pois já a vivenciaram em seu próprio íntimo.
Acho que estas crianças sofrem mais em decorrência da variabilidade do estado de
espírito dos adultos do que dos caprichos da própria guerra.
Quando observamos o que se passa sob a superfície de mente de uma criança iremos
descobrir que ela já tem conhecimentos sobre cobiça, ódio e crueldade, sobre amor e
remorso, sobre o impulso para fazer o bem e sobre a tristeza. As crianças pequenas
compreendem muito bem as palavras “bom” e “mau”.
Devemos entender primeiramente o mundo interior imensamente rico de cada
criança, que constitui o pano de fundo para tudo o que for pintado a partir do
noticiário da realidade externa.

4 - A mãe separada do filho


(palestra radiofônica transmitida em 1939, na época da primeira evacuação)
As mães perguntam: por que de fato as crianças estão sendo subtraídas aos riscos
dos ataques aéreos as custas de tanta inquietação e de tanto transtorno? Por que se pede aos
pais que façam sacrifícios tão grandes?
Existem respostas alternativas.
Ou os pais realmente querem que seus filhos sejam levados para longe do perigo,
sejam quais forem os seus próprios sentimentos, ou então o estado atribui mais valor ao
futuro do que ao presente e decidiu assumir os cuidados e a manutenção das crianças.
Nada pode compensar os pais comuns pela perda de contato com os
filhos pequenos e da responsabilidade pelo desenvolvimento físico e
intelectual desta criança. (lar primário)
Porém, a evacuação continuará envolvendo um milhão de problemas humanos e
individuais, cada um diferente de todos os outros e cada um de suprema importância para
alguém.
É uma crença comum, inclusive dos próprios pais, que tudo estaria bem se, pelo
menos, os filhos fossem bem assistidos e cuidados, suficientemente desenvolvidos para
suportar a separação e ter talvez, um contato saudável com a vida do campo.
Não adianta negar, porém, que a situação é complexa e que não se pode confiar, de
forma alguma, em que os pais se sintam seguros do bem estar dos seus filhos. As
reclamações das crianças, ao serem averiguadas, raramente levam à descoberta de
residências para convalescentes que sejam realmente ruins.
Pode-se esperar que a mãe deteste qualquer pessoa que cuide de seu
filho melhor que ela mesma, pois este tratamento gera na mãe inveja
ou ciúme.
A criança geralmente está num conflito de lealdades e sente-se confusa: o que é
melhor, em casa ou fora? Em alguns casos a defesa contra este conflito tem sido preparada
por uma recusa de alimento no lar onde está alojada, e assim a desconfiança da mãe vai se
consolidando, até que, finalmente, ela decide apresentar uma queixa.
Nada pode despertar maior ciúme na mãe do que saber que seu filho esta sendo
excepcionalmente bem cuidado. Ela teme que ele se habitue a altos padrões que não
podem ser mantidos depois que voltar ao seio da família.
Conclui-se então que não é prudente ficar falando para as mães da comida
maravilhosa que os filhos estão recebendo e de todas as outras vantagens especiais
que o alojamento pode apresentar.
As mães gostam de ser continuamente importunadas pelas necessidades gritantes
dos seus filhos, mesmo que se queixem abertamente de suas obrigações familiares
como sendo uma amolação.
Há um período além do qual as mães não conseguem mais passar sem alguém que
sinta merecer seus cuidados e seu cansaço; e exercer seu poder de modo útil.

5 - A criança evacuada
(Palestra radiofônica dirigida a pais adotivos 1945)
Quando existe um sentimento de “estar em família” as relações entre as crianças e
os adultos podem sobreviver aos períodos de desentendimento. Assim, se você manteve
uma criança evacuada por um longo período é porque a acolheu em seu lar e usou o seu lar
como um lar. E a criança transferiu certos sentimentos da mãe para você, que passou a ser
temporariamente a mãe dela. Neste processo é muito importante a presença da professora,
que já conhece bem as crianças. Assim é impossível pensar no primeiro plano de evacuação
sem estas professoras.
O que acontecia então, dependia da idade da criança e do tipo de lar de onde
vinham, mas todas tiveram que enfrentar o mesmo problema: ou a criança se adaptava e
aceitava o novo lar, ou então apegava-se a lembrança de seu próprio lar.
Podia haver facilmente uma aceitação artificial das novas condições e em alguns
casos esta ausência de saudades acabou por revelar uma artimanha e uma ilusão.
As crianças provenientes de áreas bombardeadas tendiam a manter-se afastadas,
arredias, e se mantinham a poder de cartas bem como de visitas ocasionais, muitas vezes
tão perturbadores que os pais adotivos desejavam que fossem raras.
Talvez haja algum ursinho de pelúcia ou boneca em relação ao qual a criança
continua tendo algum sentimento e isto torna-se por conseguinte tremendamente importante
para ela. Vocês, como guardiões das crianças, tiveram de lidar com todos os tipos de
sintomas como a enurese noturna, males e dores de um tipo ou outro, irritações cutâneas,
hábitos desagradáveis, etc.
Mais cedo ou mais tarde, suponho, a criança adquiriu a necessária confiança no
novo lar e na maneira como você a geria para torna-la capaz de integrar-se a ele.
Finalmente ela se terá tornado um novo membro da família.
Não terá tudo isto um valor enorme, alem do bem real feito a cada criança?
Certamente, um valor a ser extraído da evacuação é que todos os pais adotivos que
abrigaram com sucesso uma criança evacuada passaram a conhecer as dificuldades bem
como as recompensas que envolvem cuidar dos filhos de outras pessoas e poderão ajudar
outras famílias que estão fazendo a mesma coisa.
Quando se trata de cuidar totalmente de uma criança, a experiência é a única coisa
que conta. E acho que seu trabalho não terá terminado com a volta de seu filho adotivo a
seus pais verdadeiros.

6 - O regresso da criança evacuada (palestra radiofônica, 1945)


Se a criança foi levada a se lembrar sempre de você, dos irmãos e de outros
parentes, seu trabalho tornou-se muito mais fácil.
Há um limite para a capacidade da criança para manter viva a idéia de alguém a
quem ama quando não tem contato com esta pessoa. O mesmo pode ser dito a respeito dos
pais, e em certa medida, de qualquer ser humano. Neste sentido as mães tem quase tanta
dificuldade quanto os filhos. Logo começam a sentir dúvidas acerca dos filhos, a ter
pressentimentos de que eles estão em perigo ou de que estiveram doentes ou tristes, ou de
que foram maltratados. É muito natural que as pessoas precisem ver, estar perto daqueles a
quem amam.
Quando o contato estreito entre pessoas tem sua utilidade e quando é subitamente
rompido, as pessoas, crianças ou adultos, sofrerão temores e dúvidas.
A recuperação significa que com o tempo a mãe deixa de sentir-se
responsável por seu filho. Este é o aspecto detestável da evacuação: ter
obrigado os pais a se desinteressarem do que estava acontecendo com seus
próprios filhos.
A única coisa que a mãe pode fazer, neste caso, é encher a mente com outros
interesses, trabalhar ou assumir alguma responsabilidade na defesa civil, ou desenvolvendo
uma vida privada que lhe tenha possibilidade de esquecer, por alguns momentos sua grande
mágoa. Além de sua preocupação com seus filhos pequenos, também estava
freqüentemente preocupada com o marido, servindo nas forças armadas.
Em comparação com tudo isso como parece insignificante a explosão de uma
bomba.
Assim que as crianças partiram, deixaram uma grande lacuna, mas esta foi sendo
preenchida e o buraco começou a ser esquecido. Muitas mulheres foram trabalhar e outras
tiveram novos bebês. Conheço até algumas que tem dificuldade em recordar onde estão
seus filhos evacuados. Mãe e filho tornaram-se capazes de se separar um do outro e quando
se reencontrarem terão de partir da estaca zero para voltarem a se conhecer. Será inútil a
mãe precipitar-se para o filho e lançar os braços em volta do seu pescoço. As crianças
podem ser brutalmente sinceras e a frieza pode machucar.
Em dois ou três anos de separação, mãe e filho mudaram, mas especialmente a
criança, para quem três anos é uma grande parte da vida.
Talvez a mãe sempre ache que quando o filho se queixa esta fazendo a comparação
entre ela e os pais adotivos. De fato ela estará comparando o lar tal como o encontrou com
o que arquitetara em sua imaginação durante sua ausência.
Num período de separação registra-se uma considerável dose de idealização.
Vejo que meninos e meninas alojados em lares ruins imaginam que algum lugar
tenha um lar absolutamente maravilhoso e só lhes falta encontra-lo. Esta é a principal razão
porque tendem a fugir.
Assim, quando as crianças reclamam depois de voltar para casa, estão mostrando
que, enquanto estiveram ausentes, tinham construído um lar melhor em sua imaginação, um
lar que não lhe negava nada, que não tinha problemas financeiros, um lar onde só faltava
uma coisa: realidade. No entanto, o lar real também tem suas vantagens e as crianças tem
tudo a ganhar se acabarem por aceita-lo tal como é.
Não são raros os casos de crianças que ao voltarem para casa necessitarão de
supervisão especializada; talvez até tenham de voltar a uma residência para menores,
durante um certo período, onde tenham orientação de uma equipe experiente. Finalmente,
nao devemos esquecer que, para crianças com mães difíceis, problemáticas, a evacuação foi
quase uma benção de Deus.
Será maravilhoso saber que as crianças das grandes cidades estão de volta aos seus
lares e eu ficarei feliz por ver as ruas, os parques e jardins, novamente repletos de crianças.
A educação será então retomada. Mas sempre haverá o momento do regresso. Mas eu
gostaria de deixar bem claro que a renovação de contato leva tempo e que cada regresso
deverá receber atenção especial.

7 - De novo em casa (palestra radiofônica para pais em 1945)


Com o término oficial da evacuação e com as mães regressando das fabricas para
cuidar dos seus lares, muitas famílias estão acolhendo seus filhos de volta às grandes
cidades. Neste momento, muitas pessoas estão olhando para seus filhos, imaginando o que
eles devem estar pensando e sentindo, e perguntando se serão capazes de dar as crianças
tudo o que elas querem e necessitam. As escolas estão reabrindo, os parques recebendo seus
antigos fregueses, as ruas de pouco trânsito converteram-se em quadras de futebol ou de
críquete. O mais comovente é que na hora das refeições essas crianças correm para casa
para comer alimentos preparados pelas suas próprias mães. Comer em casa significa muito.
E há ainda a hora do banho, a hora de ir para a cama e o beijo da meia noite.
O vasto mundo é um excelente lugar para os adultos buscarem o tédio mas
geralmente as crianças não sabem o que seja o tédio. E podem ter todos os sentimentos de
que são capazes entre as quatro paredes do seu quarto ou em sua própria casa. O mundo
será mais importante e satisfatório se for crescendo para cada individuo a partir da porta de
casa ou do quintal dos fundos.
Algumas pessoas não podem ver a evacuação como a grande tragédia de modo que
a encaram como uma das bênçãos ocultas das guerras. Mas nunca poderia ser bom tirar
crianças de lares decentes: os quartos, que ficaram associados na mente da criança ao pai e
a mãe, as outras crianças e ao gato. E há ainda as prateleiras ou os armários em que são
guardados os brinquedos.
Quando a criança está em casa ela sabe realmente o que é um lar e por isto está livre
para fazer de conta que ele é o que ela quiser, para se encaixar nas suas brincadeiras. E
brincar não é só um prazer, é essencial ao seu bem estar. Porém, quando a criança está
longe, não tem nenhuma possibilidade de saber como é o seu lar e suas idéias perdem o
contato com a realidade, de um modo que amedronta.
Uma coisa é, para uma criança que está em seu lar, travar batalhas na esquina do
prédio onde mora e depois, a uma hora em ponto, entrar e almoçar. É muito diferente ser
evacuada e fora de contato com a realidade, sonhar com assassinatos na cozinha. Uma coisa
é estar plantando bananeira na rua e logo ficar novamente em pé e outra coisa muito
diferente é estar a 300 km de distancia e ter a certeza de que seu lar está em chamas ou
desmoronando.
O que acontece quando a criança começa a sentir-se livre, para brincar do que lhe
vier à cabeça? Por certo, ela também começa a agir livremente, a descobrir impulsos que
tinham permanecidos adormecidos enquanto ela esteve ausente. Começa a ficar insolente, a
fazer birra, a desperdiçar comida, a tentar encher os pais de preocupações. É bem possível
que ela tente um pequeno roubo, para testar se é verdade que você é realmente a mãe dela,
no sentido de que o que é da mãe é dela também. Tudo isto pode ser um sinal de avanço no
desenvolvimento da criança. Mas enquanto esteve ausente a criança teve que ser seus
próprios pais rigorosos, teve que ser super rigorosa consigo mesma. A menos que tenha se
visto em apuros no lar adotivo, agora, porém, em casa com os pais, ela pode dar férias ao
autocontrole pois deixará o controle por conta dos pais. Algumas crianças viveram sob um
autocontrole excessivo durante anos e é de se esperar que quando começam a deixar que as
mães reassumam o controle, virem umas pestes de tempos em tempos. Por isto seria bom se
o pai também pudesse estar em casa agora.
Será que o lar pode competir com os alojamentos dirigidos por administradores
experientes, onde havia jogos organizados, coelhos proliferando em casinholas construídas
pelas crianças, médicos que cuidavam do corpo e da mente das crianças? Sei que
freqüentemente as coisas eram bem feitas, tanto nos lares adotivos quanto nas residências,
mas não são muitas as pessoas que afirmariam que um bom lar comum pode ser superado.
Estou certo de que, por mais simples que seja o lar de uma criança, valerá para ela mais do
que qualquer outro lugar.
Mesmo que as coisas sejam fornecidas em abundância, o essencial estará faltando se
os próprios pais ou os pais adotivos não forem pessoas que assumam responsabilidade pelo
seu desenvolvimento. Alguém terá que ser desafiado e até por vezes detestado; e quem se
não os próprios pais poderá ser detestado sem haver o perigo de um rompimento completo
do relacionamento?
Os pais assumiram juntos, a responsabilidade pela vinda dos filhos ao mundo e
acredito que estejam ansiosos para assumir juntos, uma vez mais, esta responsabilidade,
mas desta vez para torná-los capazes de se desenvolverem como cidadãos.
Como vimos esta questão de lar e família não consiste só em sorrisos e beijos; o
regresso do filho não significa que agora haja alguém disposto a ajudá-los indo fazer
compras em seu lugar. O regresso deles significa que sua vida será mais rica, mas haverá
poucas recompensas imediatas.
Às vezes os pais chegam a desejar que os filhos sejam evacuados de novo.
Entendemos esses pais e às vezes as coisas ficam tão difíceis que eles precisarão de ajuda.
É compreensível: algumas crianças foram tão magoadas pela evacuação que está muito
além do poder dos pais controla-las. É maravilhoso ver os filhos crescerem e adquirirem
independência, estabelecerem seus próprios lares, fazerem um trabalho de que gostam,
dentro da profissão que escolheram e gozarem dos frutos da civilização que devem
defender e continuar. Os pais terão que ser capazes de mostrar força e firmeza e também
compreensão e amor; e se vão ser fortes, podem muito bem começar. Não é nada razoável
fortalecer-se de repente, quando já é tarde demais, quando a criança já começou a testar os
pais e a sondar até que ponto eles são confiáveis.

8 - Tratamento em regime residencial para crianças difíceis (escrito


com Clare Britton, 1947)
É preciso dizer que não houve a menor intenção de fazer deste programa um caso
especial ou modelo piloto. Não se teve a pretensão de dizer que o plano foi bom, ou bem
sucedido. Na verdade, as medidas tomadas neste condado teriam sido inadequadas para
qualquer outro condado. Assim, para cada região, o ministério da saúde se adaptou as
necessidades locais e a oportunidade de adaptação teve mais valor do que as previsões. Isto
suscitou uma originalidade criativa.
Em todo o trabalho que envolve cuidar de seres humanos são necessárias pessoas
dotadas de originalidade e de um senso agudo de responsabilidade. Quando estes seres
humanos são crianças, a pessoa que tem preferência por seguir um plano rígido não é
adequada a tarefa. Qualquer plano que envolva cuidados com crianças privadas de uma
vida familiar adequada deve, por conseguinte, permitir e facilitar ao máximo, a adaptação
local e atrair pessoas de mente aberta para trabalhar nele.
O problema do desenvolvimento:
As crianças evacuadas das grandes cidades, foram enviadas para lares de pessoas
comuns. Uma parte destas crianças era difícil de alojar e alguns lares eram inadequados
como lares adotivos.
Os colapsos daí resultantes degenerariam rapidamente em casos de comportamento
antissocial. Assim, um número grande de mudanças de alojamento indicava situação de
deterioração.
Houve alarme público e acionamento dos tribunais que representavam as atitudes
usuais em relação a delinqüência. Mas havia interesse do ministério da saúde para que as
crianças não chegassem aos tribunais.
Nos casos de fracasso os sintomas eram de todos os tipos: enurese noturna,
incontinência fecal, roubos em bandos, depredações de trens, evasão escolar, fuga dos
alojamentos e ligações com soldados.
Também houve, é claro, as provas mais óbvias de angústia como explosões
maníacas, fases depressivas e crises de mau humor, comportamento excêntrico e insano.
Havia obviamente um fracasso ecológico do novo lar adotivo. Essa situação era
complicada pelo processo natural de escolha mútua que levou as crianças psicologicamente
e saudáveis a encontrar os melhores alojamentos.
Era importante que a gestão apropriada fosse prática, pois teria que ser exercida por pessoas
relativamente despreparadas.
Foi o psiquiatra (Winnicott) que chamou a atenção para o fato de que estas crianças
estavam seriamente afetadas pela evacuação e que quase todas tinham razões pessoais para
não poderem achar que os bons alojamentos fossem bons. Em sua maioria, provinham de
lares instáveis, e nunca tinham tido em seus próprios lares um exemplo de bom ambiente.
Elas precisavam portanto menos de substitutos para seus próprios lares de que de
experiências de um lar primário que fossem satisfatórias.
Por experiências de lar primário entendem-se a experiência de um ambiente adaptado as
necessidades especiais da criança. Sem alguém especificamente orientado para as suas
necessidades, a criança não pode encontrar uma relação operacional com a realidade
externa.
Sem alguém que lhe proporcione satisfações instintivas a criança
não pode descobrir seu corpo nem desenvolver uma personalidade
integrada. Sem uma pessoa a quem possa amar e odiar a criança
não pode chegar a saber amar e odiar a mesma pessoa e assim não
pode descobrir seu sentimento de culpa nem o seu desejo de
restauração.
Sem um ambiente humano e físico limitado que ela possa conhecer, a criança não
pode descobrir ate que ponto suas idéias agressivas não conseguem realmente destruir. E
portanto, não pode discernir a diferença entre fantasia e fato. Sem um pai e uma mãe que
estejam juntos e assumam juntos a responsabilidade por ela, a criança não pode encontrar e
expressar seu impulso para separa-los nem sentir alivio por não conseguir faze-lo.
Para terem valor, essas experiências de lar primário fornecidas tardiamente nos
alojamentos teriam que ter uma estabilidade de anos e não de alguns meses.
Assim, um bom trabalho no alojamento deve necessariamente aproveitar tudo o que
tiver restado do bom do lar verdadeiro da criança.
A tarefa
Existem várias maneiras de descrever o problema real:
1- A proteção do público contra o incômodo causado por crianças difíceis
2- A resolução de sentimentos públicos conflitantes de irritação e de apreensão
3- A tentativa de impedir a delinqüência
4- A tentativa de tratamento e cura destas crianças “incômodas”
5- A tentativa de ajudar as crianças por terem sentimentos ocultos
6- A tentativa de descobrir a melhor forma de tratar este tipo de caso psiquiátrico
Poderíamos responder em relação a cada iten:
1- Quanto a diminuição do “incomodo” 285 crianças foram alojadas e cuidadas em
albergues e isto foi feito com sucesso exceto no caso de cerca de uma dúzia de
crianças, que fugiram
2- Quanto a irritação pública, muitas pessoas sentem-se frustradas, por vezes, pelo fato
de os “delitos” de crianças serem tratados como sinais de sofrimento, em vez de
indicações para punição.
3- Na grande proporção de casos, houve realmente prevenção da delinqüência
4- Se considerarmos o problema como doença, uma pequena proporção de crianças
recuperou a saúde e uma proporção razoável obteve melhoras de sua condição
psicológica.
5- Do ponto de vista das crianças, descobriu-se intenso sofrimento em muitas delas,
assim como loucura encoberta ou, de fato, manifesta. Em alguns casos foi possível
acrescentar psicoterapia pessoal apenas para mostrar a grande necessidade de uma
terapia pessoal mais intensa.
6- Do ponto de vista sociológico, o funcionamento do programa forneceu indicações
quanto ao modo de lidar com crianças potencialmente antissociais e crianças
insanas, que sofriam de distúrbios não produzidos pela guerra.

O programa cresce
Em virtude da guerra, podiam-se requisitar casas e, em poucos meses, havia cinco
alojamentos no grupo, assim como relações amistosas com muitos outros. Seria errado
dizer que, em questões humanas, a demanda gera oferta. As necessidades das crianças não
produzem bom tratamento, e agora que a guerra acabou, é muito difícil obter, por exemplo,
albergues especiais para as mesmas crianças cujas necessidades foram satisfeitas em tempo
de guerra. Em tempo de paz, as crianças problemáticas já não são um “incômodo” tão
grande e a opinião pública adquire uma sonolenta indiferença.

Equipe psiquiátrica
Nesta experiência de guerra, a composição da comissão voluntária manteve-se
constante e, assim, ela se desenvolveu com o próprio plano.
Gradualmente, adotou-se a idéia de nomear casais, de modo que ambos os cônjuges
atuassem conjuntamente na supervisão. Os supervisores eram geralmente professores.
Quanto ao castigo corporal, a regra era a comissão confiar no supervisor nomeado e
conceder-lhe o direito de aplicar punições corporais. Se a comissão se desagradava, o
remédio era arranjar um novo supervisor. Os excessos passíveis de castigo puderam ser
freqüentemente evitados e em alguns grupos, durante longos períodos de tempo, a punição
corporal foi, de fato, rara.

Classificação para fins de alojamento


Foram desenvolvidos e adotados os seguintes princípios:
1- Em muitos casos um diagnostico adequado só foi possível depois que a criança foi
observada durante um certo tempo
2- Se há a possibilidade de se obter a historia do desenvolvimento da criança, a
existência ou não de um lar razoavelmente estável é um fato de importância
primordial
3- Se existe um lar de qualquer tipo, então é importante ter conhecimento de
anormalidades que eventualmente haja nele: pai ou mãe que seja um caso
psiquiátrico, irmão ou irmã prepotente ou antissocial, ou condições habitacionais
que são, em si mesmas, um vexame.
4- É importante saber se a criança desfrutou ou não de uma relação mãe-bebê
satisfatória. Se houve a experiência de uma boa relação inicial, ela poderá ser
recuperada na relação pessoal com algum membro do alojamento.
5- Durante o período de observação, existem certas indicações especialmente valiosas:
habilidade para jogos, perseverança, capacidade para fazer amigos. Se uma criança
pode brincar, este é um sinal muito favorável.
6- Deverão existir acomodações separadas para as crianças de baixa inteligência.
O comportamento bizarro ou “desligado” e as características extravagantes
distinguem algumas crianças que em seu todo, não são material promissor para terapia em
regime residencial.

A idéia terapêutica central


A idéia central do plano era proporcionar estabilidade, que as crianças pudessem
conhecer, testar, em que aos poucos pudessem confiar e em função da qual pudessem viver.
As crianças só poderão colher benefícios se suas relações com os supervisores se
estes se sentirem felizes, satisfeitos e estáveis em suas funções. Portanto, o fundamental
era, fornecer estabilidade e sobretudo estabilidade emocional ao pessoal dos alojamentos,
embora isto nunca pudesse ser plenamente conseguido. Empregávamos casais de
supervisores. Esses casais as vezes tinham filho e então seguiam-se imensas complicações.
O pessoal do alojamento deve desfrutar de tempo livre, férias adequadas e em tempos de
paz deve receber uma remuneração financeira condigna.
Somente os participantes que são suficientemente confiantes para serem eles
mesmos e para agirem de modo natural podem atuar coerentemente todos os dias. Os
supervisores são submetidos a uma prova tão severa pelas crianças que só os que são
capazes de serem sempre eles mesmos conseguem suportar a tensão.
Também consideramos importante que a pessoa tenha alguma habilidade especial
como música, pintura, cerâmica, etc. E gostem sinceramente de crianças.
A reação usual de uma criança colocada num bom alojamento, pode ser descrita
como tendo 3 fases: na primeira, bastante curta, a criança é notavelmente “normal”. Quase
todas as crianças passam por um breve período de bom comportamento logo que chegam.
Mais cedo ou mais tarde, a criança entra na segunda fase: o colapso deste ideal.
Primeiramente, dispõe-se a testar fisicamente o prédio e as pessoas. Quer saber que danos
poderá e até que ponto poderá causa-los impunemente. Quando um alojamento está sendo
administrado de forma insatisfatória, é esta segunda fase que se torna uma característica
quase constante.
Se o alojamento passa sem problemas por estes testes, a criança entra na terceira
fase: acalma-se, dá um suspiro de alívio e adere a vida do grupo como um membro comum.
É preciso lembrar que os primeiros contatos reais com as outras crianças se farão
provavelmente sob forma de uma briga. E temos notado que, com freqüência, a primeira
criança a ser atacada por uma criança nova torna-se depois a sua primeira amiga.
Os alojamentos devem ser pequenos, os supervisores não devem ser
sobrecarregados com nenhuma criança a mais do que podem suportar em qualquer
momento. Assim, ele se verá obrigado a proteger-se expulsando alguém que não esteja
preparado para isto.

9 - Alojamento para crianças em tempo de guerra e em tempo de paz


(Fevereiro de 1946)
O Conselho Municipal de Londres ou o Ministério faz a distribuição de casos a
partir de um escritório central que se mantém em contato com os vários grupos de
alojamento. Se na minha clínica há uma criança necessitando de alojamento devo enviar um
relatório. Mas eu não entro neste jogo, nem os pais, exceto quando a criança é tão terrível
que a única necessidade é livrar-se dela imediatamente. Deve ser permitido aos médicos e
pais que participem na colocação de suas crianças poder verificar e comprovar que aquilo
que se oferece é realmente bom.
É evidente que os nossos “lares para convalescentes” são inadequados para estas
crianças, em geral fisicamente saudáveis, que necessitam ser cuidadas a longo prazo por
supervisores especialmente escolhidos e apoiados pelo assistente social e pelo psiquiatra.
Em 16 casos, pude encaminhar pacientes ambulatoriais de Londres para alojamentos que eu
havia visitado como psiquiatra. O valor deste trabalho não esta apenas no grau de alivio da
doença psiquiátrica da criança. Está também no fato de oferecer um lugar onde o médico
possa cuidar daquelas crianças que, sem isto, ficariam degenerando num hospital ou em
casa.
É triste pensar que muitos dos alojamentos, criados durante a guerra, tenham sido
fechados e não haja agora qualquer tentativa séria no sentido de criar urgentemente as
acomodações residenciais necessárias para crianças que constituem casos antissociais.
Quanto as crianças insanas, não existe praticamente qualquer dispositivo referente a elas.
Oficialmente, não existem.

Segunda parte - Natureza e origem da tendência antissocial


10 – Agressão e suas raízes (escrito para professores, 1939)
De todas as tendências humanas, a agressividade, em especial, é escondida,
disfarçada, desviada e atribuída a agentes externos.
Um menino bastante tímido, de quatro anos, tem ataques de irracionalidade. Grita
para a babá ou para a mãe ou o pai: “vou por fogo na casa de vocês”
Mas ele fere realmente seus pais quando é incapaz de manifestar agrado pelos
presentes que lhe dão.
Acontece que ele só magoa aqueles de quem gosta muito. Agride principalmente a
avó materna, que é inválida, e de quem ele geralmente cuida como um adulto, colocando a
cadeira no lugar que ela pede.
Segundo Winnicott, “ele só morde quando está excitado, e não sabe, simplesmente,
o que fazer de sua excitação”.
Sabe-se que os bebes mordem os seios da mãe, tirando até sangue. Quando nascem
os primeiros dentes, podem chegar a machucar muito.
Disse-me uma mãe, quando o bebe investiu contra o seu seio de um modo
selvagem: “levei muito tempo para me recuperar do ódio que surgiu em mim contra a
pequena fera e acho que esta uma das principais razoes porque este bebê nunca
desenvolveu verdadeira confiança quanto ao bom alimento”
Na verdade, o que geralmente ocorre é que, em duzentas ou trezentas mamadas o
bebê morde menos de uma dúzia de vezes. E morde principalmente quando está excitado e
não quando está frustrado.
Se admitirmos que o bebê pode machucar, e sente um impulso para isto, teremos de
admitir também a existência de uma inibição dos impulsos agressivos.
Pouco depois do nascimento, os bebês já diferem quanto ao grau em que
manifestam ou escondem a expressão direta de sentimentos. As mães de bebês coléricos,
podem consolar-se sabendo que os bebês dóceis de outras mães, que dormem quando não
estão mamando e mamam quando não estão dormindo, não estão necessariamente
estabelecendo bases melhores para a saúde mental.
Se é verdade, portanto, que o bebê tem uma grande capacidade para destruição, não
é menos verdadeiro que ele também tem uma grande capacidade para proteger o que ama.
É importante assinalar que embora a agressividade do bebê possa ser mobilizada a serviço
do ódio, é originalmente uma parte do apetite, ou de alguma outra forma de amor instintivo.
Talvez a palavra voracidade (Melanie Klein) expresse melhor do que qualquer
outra a idéia de fusão original de amor e agressão.
O objetivo do bebê é a satisfação do corpo e do espírito. A satisfação acarreta a paz,
mas o bebê percebe que para sentir-se gratificado, põe em perigo o que ama. Normalmente
ele chega a uma conciliação, mas em certa medida frustra-se; assim, deve odiar alguma
parte de si mesmo, a menos que possa encontrar alguém fora de si para frustra-lo e que
suporte ser odiado.
Morder, por exemplo, pode ser desfrutado separadamente das pessoas que ama,
através de mordidas em objetos que não podem sentir.
Vemos agora que há aí um jogo de forças destrutivas no interior da personalidade da
criança e podemos encontrar de fato as forças boas e más em plena força.
Ser capaz de tolerar tudo o que podemos encontrar em nossa realidade interior é
uma das grandes dificuldades humanas. Quando as forças cruéis ou destrutivas ameaçam
dominar as forças do amor, o individuo tem que faze alguma coisa para salvar-se e uma das
coisas que ele faz é por para fora o seu intimo, dramatizar exteriormente o mundo interior.
Pode também provocar seu controle por uma autoridade externa, ao passo que o
controle interno necessitaria ser geralmente aplicado e resultaria num estado de coisas
conhecido como depressão. Se a destruição for excessiva e incontrolável, muito pouco
podemos fazer no intuito de ajudar.
Outro método de controlar a agressividade é por meio de jogos ou trabalho que
envolvam uma ação distinta que possa ser desfrutada com prazer: um menino que luta Box
ou chuta bola sente-se melhor com o que está fazendo, em parte porque gosta de agredir e
dar pontapés e também porque inconscientemente está expulsando a maldade através dos
punhos e dos pés.
Outro método importante para lidar com a agressão na realidade interna é o método
masoquista, por meio do qual o individuo encontra o sofrimento e ao mesmo tempo
expressa agressividade, é punido e aliviado de sentimentos de culpa.
Também há o controle da agressão orientada pelo medo, a versão dramatizada de
um mundo interno terrível demais. É tarefa do adulto impedir que esta agressão fuja ao
controle, proporcionando uma autoridade confiante. Também há o lugar (e neste caso o
sexo faz diferença) para o controle da agressividade madura que se observa em
adolescentes motivando a competição em jogos e no trabalho. Nesta condição a potencia
envolve que se tolere a idéia de matar um rival, o que leva o problema do valor da idéia da
guerra.

Raízes da agressão (1964)


Às vezes a agressão se manifesta plenamente e se consome através de alguém que
possa enfrenta-la e impedir os seus danos. Pode ser que uma criança tenda para a
agressividade e outra dificilmente revele qualquer sintoma de agressividade, desde o
principio, embora ambas tenham o mesmo problema.
Em seguida, Winnicott nos coloca a sua visão da agressividade, de todo criativa.
Diz ele:
“Se tentarmos observar o inicio da agressividade o que encontraremos é o fato de
um movimento do bebê. Este ocorre até antes do nascimento, não só nas evoluções do bebê,
mas também nos movimentos bruscos das pernas, que fazem a mãe dizer que sentem o filho
dando pontapés. Uma parte da criança movimenta-se e dá de encontro com algo. Um
observador poderia chamar a isto de pancada ou pontapé, mas a substancia destas pancadas
e pontapés está faltando porque o bebê (antes de nascer ou recém nascido) ainda não se
converteu numa pessoa que possa ter uma razão clara para uma ação.
Por conseguinte, existe em toda criança esta tendência para movimentar-se e obter
alguma espécie de prazer muscular. Em adição poderíamos descrever o desenvolvimento de
uma criança anotando a progressão desde um simples movimento até as ações que
denunciam ódio.
No desenvolvimento sadio, tudo isso pode mostrar a maneira como as idéias
destrutivas e as reações a tais idéias aparecem nos sonhos e brincadeiras da criança. Ao
mesmo tempo podemos compreender que estas primeiras pancadas infantis levam a uma
descoberta do mundo que não é o eu da criança e ao começo de uma relação com objetos
externos.
Também temos o contraste entre a criança ousada e a tímida. Na primeira, a
tendência a obter um alívio que faz parte da manifestação aberta da agressão e na outra, há
uma tendência a encontrar essa agressividade não no eu mas em outro lugar e a ter medo
dela na expectativa de que se volte para a própria criança.
Ao mesmo tempo, encontramos crianças que estão sempre na expectativa de
perseguição e se autodefendendo contra ataques imaginados. Isto é uma doença, mas pode
ser encontrado numa fase do desenvolvimento de todas as crianças.
Uma criança que não seria capaz de fazer mal a uma mosca pode ter explosões de
raiva ou uma ação perversa e isto não tem valor positivo para ninguém, ainda menos para a
criança. Tudo o que pais podem fazer é encontrar um meio de sair deste episódio e esperar
que a criança, ao crescer, possa desenvolver uma expressão mais significativa de agressão.
Outra alternativa mais madura para o comportamento agressivo é a criança sonhar.
Nos sonhos, a destruição e o assassínio são instrumentados na fantasia. Se sobrevier o caos
então a criança acordará gritando.
Na criança em amadurecimento surge outra alternativa importante à destruição. É a
construção. Para isto é necessário que a criança se responsabilize pelo aspecto destrutivo de
sua natureza. Um dos mais importantes sinais de saúde é o surgimento da capacidade de
brincar. Isto não pode ser implantado, como também a confiança. Por “contribuir” entendo
que isto é uma necessidade para a felicidade da mãe ou para o andamento do lar.
Por fim, o impulso para morder (a partir dos 5 meses de idade) integra-se ao prazer
que acompanha o ato de comer qualquer espécie de alimento.
Disse Oscar Wilde: “todo homem mata aquilo que ama”. Cuidando de crianças,
observamos que elas tendem a amar aquilo que machucam.
Por outro lado está a destruição mágica que caminha lado a lado com criação
mágica. A criança cria e destrói o mundo num abrir e fechar de olhos. Dando-se tempo para
os processos de maturação a criança será capaz de ser destrutiva, em vez de aniquilar
magicamente o mundo. Desta maneira a agressão concreta é uma realização positiva.

11 – desenvolvimento da capacidade de envolvimento


A palavra “envolvimento” é usada para cobrir de modo positivo um fenômeno que é
coberto de modo negativo pela palavra culpa. O sentimento de culpa é angústia vinculada
ao conceito de ambivalência. O envolvimento implica maior integração e relaciona-se de
modo positivo com o centro de responsabilidade do indivíduo, em especial nas relações em
que se introduziram pulsões instintuais.
O envolvimento está ligado a existência normal e saudável e merece atenção dos
profissionais de saúde mental.
Emerge no começo do desenvolvimento emocional da criança, num período anterior
ao do complexo de Édipo que implica uma relação entre 3 pessoas.
A capacidade de se envolver é uma questão de saúde e pressupõe uma complexa
organização do ego e uma proeza em termos dos processos de crescimento interno do bebê
e da criança.
No impulso agressivo-destrutivo como um todo também está contido um tipo de
relação com o objeto em que o amor envolve destruição. Parto do principio de que o bebê
tornou-se capaz de combinar a experiência erótica e agressiva em relação a um único
objeto. Foi alcançada a ambivalência.
O desenvolvimento implica um ego que começa a ser independente do ego auxiliar
da mãe e pode se dizer que existe um lado de dentro do bebê como também um lado de
fora. O esquema corporal adquiriu existência e rapidamente desenvolveu complexidade. De
agora em diante o bebê possui uma vida psicossomática.
Winnicott descreveu a “ mãe-ambiente” e a “mãe-objeto”
A mãe-ambiente é aquela que satisfaz as necessidades do bebê, que afasta o
imprevisível e cuida ativamente da criança. É a mãe ambiente quem recebe tudo o que pode
ser chamado afeição e coexistência sensual.
Já a mãe objeto se converte no alvo para a experiência excitada, apoiada pela
rudimentar tensão do instinto.
Minha tese (Winnicott) é que o envolvimento surge na vida do bebê como uma
experiência de integração na mente do bebê da mãe objeto com a mãe ambiente.
Pode ocorrer uma proteção tão grande da mãe ambiente que a criança se torne
inibida ou se retraia. Eis um elemento positivo na experiência infantil do desmame e uma
das razoes porque algumas crianças se desmamam espontaneamente.
Além disso, há a oportunidade de dar e de fazer uma reparação (conceito
desenvolvido por Melanie Klein), oportunidade que a mãe ambiente oferece através de sua
presença confiável. Isto capacita o bebê a tornar-se cada vez mais audacioso na vivencia de
suas pulsões do id. Desse modo, a culpa não é sentida, mas permanece adormecida e só
aparece como tristeza ou estado de ânimo deprimido se a oportunidade de reparação não
aparecer.
A marcha do tempo é mantida pela mãe e esse é um aspecto do funcionamento do
seu ego auxiliar; mas o bebê passa a ter um senso pessoal de tempo que no inicio tem uma
amplitude muito pequena. O período de tempo pelo qual a criança pode manter viva a
imago da realidade psíquica interna depende dos processos de amadurecimento e em parte
do estado de organização de defesa interna.
Esbocei alguns aspectos das origens do envolvimento nos estágios iniciais em que a
presença contínua da mãe tem valor específico para o bebê. Porém este equilíbrio tem que
ser obtido sempre de novo.
Veja-se por exemplo o caso óbvio da adolescência ou o caso do paciente
psiquiátrico para quem a terapia ocupacional é freqüentemente o ponto de partida para uma
relação construtiva com a sociedade.
A não sobrevivência da mãe objeto ou o fracasso da mãe ambiente leva a perda da
capacidade de envolvimento e sua substituição por angustias cruas, tais como a clivagem ou
a desintegração.

12 – Ausência de um sentimento de culpa (1966)


A criança madura ainda gosta ou necessita de poder confrontar tudo com o código
aceito. Essa é uma característica permanente dos adultos maduros.
Nesse tipo de discussão surgirá a pergunta: até que ponto o código moral é ensinado
e em que medida ele é inato? A resposta a este tipo de indagação exige um estudo do
interjogo entre as tendências herdadas, os processos de maturação, e o ambiente facilitador
representado pelos seres humanos que se adaptam as necessidades da criança.
Existem duas escolas de pensamento:
a) não podemos correr riscos, precisamos plantar um código moral antes que a
criança tenha idade suficiente para resistir ao que fazemos. Então, com sorte,
a moralidade aparecerá em todos aqueles que não estão dotados de um
excesso de algo a que poderíamos chamar de „pecado original”.
b) A única moralidade que conta é aquela que provem do próprio individuo.
Afinal, a moralidade “revelada” foi construída ao longo dos séculos, por
milhares de gerações de indivíduos, ajudados por um punhado de profetas. É
melhor aguardar que por processos naturais cada criança passe a ter um
senso de certo e errado que seja pessoal.
Agrada-me pensar que haja um modo de vida que parte do pressuposto de que a
moralidade vinculada a submissão acaba tendo pouco valor; ao lado de tudo o mais que se
desenvolve por causa dos processos herdados que levam a todos os tipos de crescimento.
Neste texto Winnicott se refere a um conceito por ele utilizado: “a moralidade inata
do bebê”.
Ao mesmo tempo, cada filho é diferente do outro, no sentido de que aquilo que é
herdado é pessoal. Até mesmo gêmeos idênticos não são idênticos quanto as tendências
herdadas, embora talvez semelhantes.
A seguir Winnicott descreve o caso de uma mãe que não teve problemas com seus
primeiros dois bebês, mas com o terceiro falhou, porque escorregou e quase quebrou um
pulso no tombo. Teve que cuidar disto antes de responder a sutil comunicação do bebê
indicando a necessidade que ela teria satisfeito naturalmente se não estivesse preocupada
com o seu próprio problema.
Nós freqüentemente dizemos: você está mimando demais o seu filho. Deste modo
estamos reproduzindo o que o público reprova no psicoterapeuta que consente uma certa
medida de liberdade a uma criança durante a hora de terapia, ou reprovamos aqueles que
tem um comportamento antissocial.
Assim como Freud assinalou o valor do conceito de superego como uma área da
mente muito influenciada pelas figuras parentais, Melanie Klein desenvolveu conceitos de
formações precoces do superego que são relativamente independentes das introjeções dos
pais.
Tentei apresentar um resumo do conceito kleiniano de “Posição Depressiva”, um
nome inadequado.
Como uma criança pequena torna-se às vezes uma coisa total, alguém que poderia
dizer “eu sou”, também ocorre um estado de coisas pelo qual existe um senso de
responsabilidade pessoal e quando as relações da criança tem idéias destrutivas (eu te amo,
eu te como) então verifica-se um começo natural de um sentimento de culpa.
Se o sentimento de culpa da criança está ausente instala-se então o medo e a criança
se inibe em relação a todo o sentimento que se constrói em torno deste impulso.
Gostaria de chamar a atenção para o caso especial da criança afetada pela tendência
antissocial. Existe um estágio anterior a chegada dos ganhos secundários, isto é a
delinqüência quando a criança se sente louca porque de dentro dela vem uma compulsão
para roubar, para destruir.
Qualquer pai, ou mãe, que tenha muitos filhos sabe que a reparação mediante o
emprego de técnicas adaptativas especiais ocorre repetidamente e com sucesso.
Precisamos abandonar totalmente a teoria de que as crianças podem ser inatamente
amorais.
Finalmente desejo apresentar algumas coisas que os nossos pacientes esquizóides
nos ensinam. Estes pacientes são, em alguns aspectos, mais morais do que nós, porém é
claro sentem-se terrivelmente desconfortáveis. Talvez prefiram continuar desconfortáveis a
serem “curados”.
A sanidade implica conciliação. Isto é o que eles sentem como pernicioso. As
relações extra conjugais não tem importância para eles em comparação com a traição do eu.
E é verdade que as pessoas mentalmente sãs relacionam-se com o mundo através do que eu
chamo impostura.
Para alguns pacientes, o único comer real tem como base o não comer. É a partir de
não ser criativo, de estar isolado, que a criação de objetos e do mundo passa a ter um
significado. O prazer da companhia só existe como um desenvolvimento a partir do
isolamento essencial, o isolamento que reaparece quando o individuo morre.
Há pessoas que passam toda a vida não sendo, num esforço desesperado para
encontrar uma base para ser.
No final, chego ao conceito de um sentimento de culpa que é tão fundamental para a
natureza humana que há bebês que morrem dele, ou, se não podem morrer, organizam um
falso eu que pode inclusive ser bem sucedido.
Seus filhos adolescentes estão mais preocupados em não traírem a si mesmos do que
com fumar ou não, ou dormir fora ou não.
Se vocês querem a vida tranqüila, recomendo que não tenham filhos. Ou então que
mergulhem de cabeça logo de inicio quando o que vocês fizerem poderá com sorte levar
estes indivíduos a superarem a fase de impostura, antes de chegarem a idade de enfrentar o
princípio de realidade.

13 – alguns aspectos psicológicos da delinqüência juvenil (1946)


A contribuição de Freud foi realmente útil. Ele mostrou que se substituímos o
sentimento pela reflexão, não podemos deixar de fora o inconsciente sem cometer sérios
erros. O homem que pensa ainda não se deu conta de que pode pensar e também, ao
mesmo tempo, incluir o inconsciente em seu pensamento.
Não há economistas que deixam de levar em conta a ganância inconsciente, ou
políticos que ignoram o ódio recalcado, médicos que são incapazes de reconhecer a
depressão ou a hipocondria subjacentes a varias doenças.
Todo magistrado sabe perfeitamente que os ladrões tem motivos inconscientes.
Uma das maiores ameaças a um avanço nesta direção provem da adoção de uma
atitude sentimentalista em relação ao crime. No sentimentalismo existe ódio recalcado ou
inconsciente e este recalcamento não é saudável. Mais cedo ou mais tarde, o ódio vem a
tona.
O crime produz sentimentos de vingança pública. Esta redundaria em algo perigoso,
se não fosse a lei e aqueles que tem por missão implementa-la. O magistrado expressa os
sentimentos de vingança pública e só assim podem ser estabelecidas as bases para um
tratamento humano do infrator.
Como é a criança normal? Ela simplesmente come, cresce e sorri. Não, não é assim.
Uma criança normal, se tem a confiança do pai e da mãe, usa de todos os meios possíveis
para se impor e põe a prova o seu poder de desintegrar, destruir, assustar, manobrar,
consumir e apropriar-se.
Tudo o que leva as pessoas aos tribunais tem seu equivalente normal na infância, na
relação da criança com o seu próprio lar. Testes tem que ser feitos, especialmente se a
criança tiver alguma dúvida quanto a estabilidade parental e do lar.
A idéia corrente é que, vendo-se “livre”, a criança passa a fazer tudo o que lhe dá
prazer. Isto está muito longe da verdade. Ao constatar que o quadro de referencias de sua
vida se desfez ela deixa de se sentir livre. Torna-se angustiada e se tem alguma esperança
trata de procurar um outro quadro de referencias fora do lar. Assim ela busca fora da casa
as quatro paredes e recorre aos avós, tios e tias, amigos da família, escola. Procura uma
estabilidade externa sem a qual poderá enlouquecer. Fornecida em tempo oportuno, esta
estabilidade poderá ter crescido na criança como os ossos em seu corpo. É freqüente a
criança obter em suas relações e na escola o que lhe faltou no próprio lar.
Quando uma criança rouba açúcar, ela está procurando a boa mãe de quem ela tem o
direito de tirar toda a doçura. Quando a criança rouba fora de casa, ainda está procurando a
mãe, mas ao mesmo tempo, a autoridade paterna que pode por um limite ao seu
comportamento impulsivo.
Na delinqüência plenamente desenvolvida o que chama a atenção é a necessidade
aguda que a criança tem de um pai rigoroso, severo, que proteja a mãe quando ela é
encontrada.
A menos que se veja em apuros, o delinqüente só poderá tornar-se cada vez mais inibido no
amor e cada vez mais deprimido e despersonalizado.
Entre estes dois extremos – crianças normais e crianças doentes, antissociais – estão
as crianças que podem ainda vir a acreditar na estabilidade de uma experiência contínua de
controle por pessoas extremosas, durante um período de anos.
Se a criança entrar em tratamento e tudo correr bem terá que se controlar e controlar
as suas relações com adultos e com outras crianças. Assim, terá que começar a enfrentar
complicações, como a mãe que é deprimida, um pai com episódios maníacos, um irmão
com tendências cruéis, uma irmã com desmaios histéricos. Ou então nos obrigarão mais
tarde a fornecer-lhes estabilidade sobre a forma de um reformatório ou, como ultimo
recurso, das quatro paredes de uma cela de prisão.

14 - a tendência antissocial (1956)


Decidi discutir não a delinqüência, mas a tendência antissocial. A razão é que a
defesa antissocial organizada está sobrecarregada de ganhos secundários e reações sociais
que tornam difícil ao investigador atingir seu âmago.
Para minha primeira analise, escolhi um delinqüente. Em numerosas ocasiões fui
seriamente mordido nas nádegas. Certa vez um menino fugiu para cima do telhado; outra
vez, derramou tanta água que o andar térreo ficou inundado. Arrombou meu carro trancado
e arrancou em primeira. A clínica ordenou que o tratamento cessasse, para o bem de outros
pacientes. Ele foi para um reformatório.
Hoje ele está com 36 anos, e tem ganho a vida no emprego que se adapta a sua
natureza irrequieta. Está casado e tem vários filhos. No entanto, não quero envolver-me de
novo com um psicopata e prefiro que a sociedade continue se encarregando de cuidar dele.
Fui solicitado por uma amiga a examinar o caso de seu filho, o primogênito de uma família
de quatro. Ela não podia trazer-me o paciente porque o marido fazia objeções a psicologia
por motivos religiosos. Propus termos uma conversa sobre a compulsão do menino para
roubar, o que estava se tornando um problema muito sério. Ele roubava em grande escala,
em lojas e em casa. Tivemos um único contato num restaurante onde ela me contou o seu
problema e pediu o meu conselho. Expliquei-lhe o significado do roubo e sugeri que ela
encontrasse um bom momento em suas relações com o menino e lhe desse uma
interpretação. Eles tinham alguns momentos de boas relações a noite depois que ele ia para
a cama e falavam sobre as estrelas e a lua.
Sugeri: “por que não dizer a John que você sabe que ele não está querendo as coisas
que rouba mas procura algo a que tem direito: está protestando contra o pai e a mãe porque
se sente privado do amor de ambos.
Eu conhecia suficientemente esta família, em que os pais são músicos, para perceber
como este menino sofrera privação, embora tivesse um bom lar.
Algum tempo depois, ela me disse numa carta que fizeram o que eu havia sugerido.
“Disse-lhe o que ele realmente queria quando roubava dinheiro, alimentos e outras coisas,
era sua mãe; devo dizer que realmente não esperava que entendesse isto, mas parece que
entendeu. Então eu lhe disse para nunca, nunca mais duvidar e disse-lhe que, se alguma vez
sentisse dúvida me fizesse lembra de dizer outra vez”. E, até agora, não houve mais
nenhum roubo.
Devo lembrar que eu conhecera muito bem esta mãe durante a adolescência e vira-a
superar uma fase antissocial. Ela era a primogênita de uma família numerosa. Tinha um lar
muito bom, mas o pai exercera uma disciplina férrea, especialmente na época em que ela
era pequena. Portanto, o que eu fiz teve o efeito de uma dupla terapia, tornando esta mulher
capaz de adquirir insight sobre suas próprias dificuldades através da ajuda que pode prestar
ao filho.

Natureza da tendência antissocial


A tendência antissocial não é um diagnostico. Não se compara com outros termos
diagnósticos como neurose e psicose. Pode ser encontrada no individuo normal, ou no
neurótico ou psicótico.
Uma criança sofre privação quando passam a lhe faltar certas características
essenciais da vida familiar. Torna-se manifesto o que poderia ser chamado de “complexo de
privação”. O comportamento antissocial será manifesto no lar ou numa esfera mais ampla.
Em virtude da tendência antissocial, a criança poderá ter que ser considerada desajustada e
receber tratamento num alojamento para crianças desajustadas, ou pode ser levada aos
tribunais como criança incontrolável. Agora, delinqüente a criança pode tornar-se um
individuo em liberdade condicional sob mandado judicial. Ou se enviada para um
reformatório. Caso todas estas medidas fracassem, o jovem será considerado um
psicopata e remetido para um instituto correcional para jovens delinqüentes ou para uma
prisão.
A tendência antissocial se caracteriza por um elemento que compele o meio
ambiente a ser importante. O paciente, através de pulsos inconscientes, compele alguém a
encarregar-se de cuidar dele. É tarefa do terapeuta envolver-se com a pulsão inconsciente
do paciente e o trabalho é realizado em termos de administrar, tolerar e compreender.
A tendência antissocial implica esperança. A ausência de esperança é a
característica básica da criança que sofreu privação, que não está sendo antissocial o tempo
todo. Isto pode ser constrangedor para a sociedade em geral e para você se a sua bicicleta
foi roubada, mas aqueles que não estão pessoalmente envolvidos podem discernir a
esperança subjacente na compulsão para roubar. Vemos constantemente um momento de
esperança ser desperdiçado, ou desaparecer, por causa de má administração ou intolerância.
Deve-se predominantemente a John Bowlby o fato de haver hoje um
reconhecimento das relações entre a tendência antissocial e a privação, tipicamente no
período que vai até a idade em que a criança começa a dar os primeiros passos.
Quando existe uma tendência antissocial, houve um verdadeiro desapossamento, não
uma simples carência, quer dizer, houve perda de algo bom que foi positivo na experiência
da criança até uma certa data e que foi retirado. A retirada estendeu-se por um período
maior do que aquele em que a criança pode manter viva a lembrança da experiência.
Existem sempre duas direções na tendência antissocial, embora as vezes uma seja
mais acentuada do que a outra. Uma direção é representada pelo roubo e outra é
representada pela destrutividade, numa direção, a criança procura alguma coisa, em algum
lugar, e não a encontrando, busca-a em outro lugar, quando tem esperança. Na outra, a
criança está procurando a estabilidade ambiental que suporte a tensão do comportamento
impulsivo.
É sobretudo por causa da segunda tendência que a criança provoca reações
ambientais totais, como que buscando uma moldura cada vez mais ampla, um circulo que
tem como primeiro exemplo os braços da mãe ou o corpo da mãe. É possível discernir uma
série – o corpo da mãe, os braços da mãe, a relação parental, o lar, a família, (incluindo
primos e parentes próximos) a escola, a localidade com suas delegacias policiais, o pais
com suas leis.

Furto
O furto esta no centro da tendência antissocial, associado a mentira. A criança que
furta um objeto não esta desejando o objeto roubado, mas a mãe, sobre quem ela tem
direitos. Estes direitos derivam do fato de que (do ponto de vista da criança) a mãe foi
criada por ela.
Será possível unir as duas tendência, o furto e a destruição, a busca de objeto e
aquilo que a provoca, as compulsões libidinais e agressivas? Na minha opinião, a união das
duas tendências está na criança e representa uma tendência para a auto cura, a cura de uma
dissociação de instintos (?)
Quando há, na época da privação original, alguma fusão de raízes agressivas (ou
motilidade) com raízes libidinais, a criança reclama a mãe por uma combinação de furto,
agressividade e sujeira. Quando existe menos fusão, a busca de objeto e a agressão estão
mais separadas uma da outra e há um maior grau de dissociação.
Isto leva a proposição de que o valor de incomodo da criança antissocial é uma
característica essencial, e também é, sob o aspecto positivo, uma característica favorável
que indica uma potencialidade de recuperação da fusão dos impulsos libidinais e da
motilidade.
Ao cuidar da criança, a mãe está constantemente lidando com o valor de incomodo
do seu bebê. Assim, é comum o bebê urinar no colo da mãe enquanto é amamentado. Mais
tarde isto aparece como uma regressão momentânea durante o sono e resulta enurese.
Qualquer exagero do valor de incomodo de um bebê pode indicar existência de um certo
grau de privação e tendência antissocial.
A manifestação da tendência antissocial inclui roubo, mentira, incontinência, e de
modo geral, uma conduta desordenada, caótica.

Primeiros sinais da tendência antissocial


Na minha opinião, os primeiros sinais de privação são tão comuns que passam por
normais.
Um sintoma antissocial muito comum é a avidez estreitamente relacionada a
inibição do apetite. Se um bebê é ávido, existe um certo grau de privação e alguma
compulsão para buscar uma terapia para esta privação através do meio ambiente. O fato de
que a própria mãe esta disposta a satisfazer a avidez do bebê facilita o êxito terapêutico na
grande maioria dos casos. Avidez num bebê não é a mesma coisa que voracidade. A
palavra voracidade é usada na explicação das imensas reivindicações instintivas que um
bebê faz a mãe no inicio, quando está apenas começando a permitir que a mãe tenha uma
existência separada.
A mãe pode ser completamente bem sucedida em “não decepcionar o bebê” em
satisfazer as necessidades do ego até que o bebê tenha uma mãe suporte do ego (mãe
ambiente). A mãe que é alvo das pulsões instintivas do ego Winnicott chamou de mãe
objeto. A mãe se aproxima de uma cura porque torna o ódio do bebê capaz de expressar-se,
embora ela, a terapeuta, seja de fato a mãe privadora. A terapia pela mãe pode curar, mas
isto não é amor materno. O amor materno é freqüentemente considerado em termos de uma
indulgência que é de fato uma terapia a respeito de uma omissão de amor materno.
Esta terapia é uma segunda oportunidade dada às mães, das quais nem sempre se
pode esperar que tenham tido êxito em sua tarefa inicial de dar amor primário. (Balint). Se
esta terapia é uma formação reativa resultante de seus próprios complexos, então o que ela
faz chama-se mimar.
Assim como a avidez pode ser uma reação a privação, e uma tendência antissocial,
o mesmo pode ser dito da sujeira (defecar, urinar) e da destrutividade compulsiva. Na
enurese noturna, existe a compulsão para reivindicar o direito de molhar o corpo da mãe.
Num estudo mais completo do furto, eu teria que me referir a compulsão para sair e
comprar alguma coisa, como observamos em nossos pacientes psicanalíticos. Na mesma
categoria de sair para fazer compras encontramos uma “saída” sem objetivo, a “vadiagem”,
uma tendência centrifuga que substitui o gesto centrípeto do roubo.
Na base da tendência antissocial está uma boa experiência inicial que se perdeu.
Sem dúvida, é uma característica essencial que o bebê tenha atingido a capacidade de
perceber que a causa do desastre reside numa falha ambiental. O estado de maturidade do
ego, possibilitando uma percepção deste tipo, determina o desenvolvimento de uma
tendência antissocial, em vez de uma doença psicótica.
O ambiente deve ser testado repetidamente para suportar a agressão, para impedir
ou reparar a destruição, para tolerar o incomodo, para fornecer e preservar o objeto que é
procurado e encontrado (o roubo)
Num caso favorável, quando não existe excesso de loucura ou compulsão
inconsciente ou organização paranóide, as condições favoráveis podem com o tempo
habilitar a criança a encontrar e amar uma pessoa. No estágio seguinte, a criança precisa
estar apta a sentir desespero em vez de esperança apenas. Comumente, os pais fazem este
trabalho completo com um dos seus próprios filhos. Mas há pais que são incapazes de obter
êxito com alguns de seus filhos que manifestem uma tendência antissocial.
O tratamento da tendência antissocial não é a psicanálise. É o provimento de
cuidados a criança, é a estabilidade do novo suprimento ambiental que dá a terapêutica.

15 – a psicologia da separação (1958)


É importante relacionar a reação a perda com o desmame, com o luto e a depressão.
Um primeiro princípio necessário é que a ocorrência da perda exista num estágio de
desenvolvimento emocional em que a criança ainda não é capaz de uma reação madura a
ela. Assim, tudo o que se possa dizer sobre privação e angústia de separação deverá basear-
se numa compreensão do luto.

Psicologia do luto
O luto indica maturidade no indivíduo. O mecanismo do luto é complexo e inclui o
seguinte: um indivíduo sujeito a perda de um objeto introjeta este que é submetido ao ódio
dentro do ego. Clinicamente existe um amortecimento variável do objeto introjetado,
conforme este objeto seja mais odiado ou mais amado. Assim, no decorrer do luto, o
indivíduo pode ser temporariamente feliz. Mais cedo ou mais tarde a depressão retorna em
virtude de eventos fortuitos ou aniversários que recordem a relação com o objeto. Num
dado momento, o individuo recupera a capacidade de ser feliz, a despeito da perda do
objeto.
O ambiente deve permanecer sustentador enquanto a elaboração ocorre e o
indivíduo também deve estar livre da atitude que torna a tristeza impossível. Pode haver
também uma carência de compreensão intelectual quando por exemplo, na vida de uma
criança, existe uma conspiração de silencio em torno de uma morte.
Obviamente, quando a criança está perto da capacidade para o luto, há mais
esperança de que ela possa ser ajudada, ainda que exista uma séria doença clínica. A perda
pode ir mais fundo e envolver toda a capacidade criativa do indivíduo, criando uma
desesperança baseada na incapacidade de sair em busca de um objeto.

16 – agressão, culpa e reparação


Foi graças a Melanie Klein que se ocupou da destrutividade da natureza humana e
começou a dar-lhe um sentido em termos psicanalíticos que permitiu a evolução da teoria
psicanalítica.
Creio que o tema culpa é de importância vital para qualquer pessoa pensante, à
medida que enriquece a nossa compreensão, juntando o sentimento de culpa, à
destrutividade por um lado e à atividade por outro.
Seria possível, certamente, pensar nos primórdios da infância como o estado em que
o individuo não possui capacidade para sentir culpa. Posteriormente, pode existir culpa (na
saúde) sem que seja registrado como tal na consciência. Entre estas duas coisas, existe um
período em que a capacidade de sentir culpa está em processo de se estabelecer.
De passagem, podemos dizer que as pessoas não tem apenas sua própria idade; elas
tem em certa medida, todas as idades ou nenhuma idade. O difícil para cada individuo é
assumir plena responsabilidade pela destrutividade que lhe é pessoal e que pertence a
relação com um objeto sentido como bom.
A integração é uma palavra que aqui cabe porque uma pessoa possa assumir plena
responsabilidade por todos os sentimentos e idéias que acompanham o estar vivo. É
característica da pessoa saudável não ter que usar, em grande escala, a técnica da projeção
para lidar com seus próprios impulsos destrutivos.
A seguir Winnicott descreve 4 casos clínicos.
Caso 1:
provém da análise de um indivíduo que é ele próprio psicoterapeuta. Winnicott
descreve com detalhes a análise deste indivíduo dizendo que interpretou o seu sadismo oral,
do qual tinha provas abundantes com uma antecipação de dez anos.
Caso 2:
se baseia na questão da inveja que o paciente sentia de Winnicott por ele ser
razoavelmente bom como analista
Caso 3:
Baseia-se numa frase do paciente: “agora sinto que o odeio por seu insight; tenho
impulso de roubar de você tudo o que o torna capaz de realizar este trabalho”
Caso 4:
O importante é o fato do paciente necessitar de oportunidade para contribuir, com a
vida do dia a dia. Estamos lidando com um aspecto do sentimento de culpa. Resulta da
tolerância dos impulsos destrutivos, no amor primitivo. Isto resulta numa coisa nova, a
capacidade de desfrutar de idéias e das excitações corporais que as acompanham.
Esse desenvolvimento propicia amplo espaço para a experiência de envolvimento,
que é a base para tudo o que é construtivo.
Ver-se-á que vários pares de palavras podem ser usados de acordo com o estágio de
desenvolvimento emocional que está sendo descrito
Aniquilar Criar
Destruir Recriar
Odiar Amor reforçado
Ser cruel Ser terno
Sujar Limpar
Danificar Reparar

Damos a oportunidade a alguém para contribuir e podemos obter 3 resultados:


1. é justamente o que se fazia necessário
2. a oportunidade é falsamente usada
3. a oportunidade é sentida como uma recriminação e o resultado é desastroso
Winnicott assinala que aqui está falando do sentimento de culpa que é silencioso,
não consciente. É um sentimento de culpa potencial, anulado pelas atividades construtivas.
A destrutividade, embora compulsiva e enganadora é mais honesta do que a
construtividade, quando esta última não está fundada no sentimento de culpa decorrente da
aceitação dos impulsos destrutivos para o bom objeto.
Finalmente chegamos a pergunta fascinante e filosófica: é possível ao mesmo tempo
comer o doce e guarda-lo?

17 – a luta para superar depressões – 1963


Desejarão os rapazes e mocas adolescentes ser compreendidos? Penso que a
resposta é não. É essencialmente um período de descoberta pessoal. De fato, existe somente
uma cura real para a adolescência: o amadurecimento.

O isolamento do indivíduo
O adolescente é essencialmente um isolado. Ele está repetindo uma fase essencial da
infância, pois o bebê também é um isolado, pelo menos até que seja capaz de estabelecer
relacionamentos com objetos.
São geralmente coleções de pessoas isoladas, tentando formar um agregado através
da adoção de idéias, ideais, modos de viver e de vestir comuns.
As atividades heterossexuais ou homosexuais compulsivas também podem servir ao
propósito de livrar-se da tensão sexual numa época em que ainda não se desenvolveu a
capacidade de união com seres humanos totais. Um bom ponto para aqueles que pesquisam
esta questão seria: quem faz perguntas deve esperar que lhe respondam com mentiras.

O tempo para a adolescência


Atualmente, em nossa sociedade, os adultos estão sendo formados por processos
naturais, a partir de adolescentes que avançam em virtude do crescimento. Isto pode
significar que os novos adultos de hoje tenham vigor, estabilidade e maturidade. É penoso
para os adultos que foram privados da adolescência observar rapazes e moças em volta
deles em estado de viçosa adolescência.
A seguir Winnicott descreve os principais desenvolvimentos sociais que alteraram
todo o clima para os adolescentes:
1. a doença venérea deixou de ser um impedimento
2. contracepção
3. um fim de luta (a bomba de hidrogênio)

A pólvora já simbolizara antes os aspectos mais profundos da loucura e o mundo foi


alterado ha muito tempo pela invenção da pólvora, que deu realidade a magia.
Na vida imaginativa do homem a potencia inclui a idéia da vitória do homem sobre
o homem e da admiração da jovem pelo vencedor. Tudo isto pode levar a mística da
lanchonete e as ocasionais brigas de faca. A adolescência tem agora de conter-se como
nunca tinha feito antes e nós temos de levar em conta que a adolescência tem um potencial
bastante violento.

A luta para sentir-se real


É uma característica primordial dos adolescente não aceitarem soluções falsas. É
uma moralidade que vem da infância e tem como divisa: “sê verdadeiro para com teu
próprio eu”. Desde que ele possa admitir que a conciliação é possível, ele descobrirá várias
maneiras de atenuar a inexorabilidade da verdade essencial. Eles tem que atravessar o que
poderíamos chamar de “área de depressão”, uma fase em que eles se sentem inúteis.
Estou pensando num rapaz que vive com a mãe num pequeno apartamento. Ele toca
jazz e tem amigos que as vezes chegam em bandos. Há uma considerável participação de
sexo.
Ele carece de uma figura paterna, mas de fato não sabe disso. As oportunidades
surgem, mas ele as despreza. Não pode deixar a mãe, embora estejam cansados um do
outro.
Podemos ver adolescentes lutando para começar tudo de novo como se nada
houvesse a receber e aproveitar dos outros. Podemos vê-los em busca de uma forma de
identificação que não os decepcione em sua luta, a luta pela identidade.
A sociedade se vê apanhada neste aspecto curioso dos adolescentes: a mistura de
desafio e dependência que os caracteriza. Além disto, os pais vêem-se gastando dinheiro
para que os filhos possam ser contestadores, embora sejam os pais que sofrem o desafio.
Necessidades dos adolescentes
1. a necessidade de evitar soluções falsas
2. necessidade de desafiar
3. necessidade de espicaçar constantemente a sociedade

saúde e doença
Aquilo que se mostra no adolescente normal está relacionado com o que ocorre em
várias espécies de doenças. Por exemplo, a idéia do repúdio as soluções falsas corresponde
à dificuldade do esquizofrênico em transigir. Em contraste com tudo isto, existe a
ambivalência neurótica e também o fingimento e a autosugestão em pessoas saudáveis.
Existe um fenômeno a que se poderia dar o nome de “depressões adolescentes”. A
sociedade precisa enfrentá-la mas não a curar. Pergunta: a nossa sociedade terá saúde para
isto? Não obstante, existe um tipo de doença que não pode ser posta de lado em qualquer
estudo sobre a adolescência: delinqüência.
Na raiz da tendência antissocial existe sempre uma privação. Pode ser simplesmente
que a mãe num momento crítico encontrava-se em estado de depressão, ou talvez a família
tenha se dissolvido. Até uma privação menor, ocorrendo num momento difícil da vida de
uma criança, pode ter um resultado duradouro ao forçar excessivamente as defesas.
Os membros mais extremos de um grupo são aqueles que atuam pelo grupo todo.
Todos os tipos de coisas, o furto, a navalha, a fuga e o arrombamento, tudo isto tem que
estar contido na dinâmica deste grupo sentado para ouvir jazz. Todos serão leais e apoiarão
o indivíduo que agirá pelo grupo, embora nenhum deles tivesse aprovado o que o
antissocial fez. Do mesmo modo a tentativa de suicídio de um dos membros é muito
importante para todos os outros.
Tudo isto se resume num problema: como ser adolescente durante a adolescência?
É uma coisa magnífica para qualquer um ser. Não significa porém que nós adultos
tenhamos que andar dizendo: devemos suportar e tolerar tudo, e deixar que quebrem nossas
janelas.
Qualquer coisa que digamos ou façamos está errado. Damos apoio e estamos
errados, retiramos o apoio e também estamos errados. Mas, com o passar do tempo,
descobrimos que este adolescente superou a fase de depressão e está agora preparado para
identificar-se com a sociedade, com os pais e com os grupos mais amplos. E a fazer tudo
isto sem ameaça de extinção pessoal.

18 – a juventude não dormirá –1964


Hitler resolveu da noite para o dia o problema do adolescente oferecendo aos jovens
o papel de superego da comunidade.
Quando a violência começa num bando por causa das atividades compulsivas de
jovens que realmente sofreram privação, então há sempre a violência potencial do
adolescente leal ao grupo, aguardando a chegada da idade que Shakespeare define como 23
anos. Hoje em dia, desejaríamos que “o jovem dormisse dos 12 aos 20 anos e não dos 16
aos 23” mas o jovem não dormirá.
Devemos também evitar as falsas soluções morais causadas pela inveja da
adolescência.
Ou, novamente citando Shakespeare, há pessoas que não tem juventude nem
envelhecem.
(aqui termina a segunda parte do resumo preparado
para EBBS por JMF. Leia também o resumo da terceira
e quarta parte)

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