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SEMINÁRIO TEOLÓGICO DO NORDESTE – STNe

Memorial Igreja Presbiteriana da Coréia

A SEGURANÇA E CERTEZA DA SALVAÇÃO:


A ÊNFASE PASTORAL DOS PURITANOS À DOUTRINA DA SEGURANÇA E CERTEZA
DA SALVAÇÃO NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER

GABRIEL ALEXSANDRO DOS SANTOS

Teresina

2016
GABRIEL ALEXSANDRO DOS SANTOS

A SEGURANÇA E CERTEZA DA SALVAÇÃO:


A ÊNFASE PASTORAL DOS PURITANOS À DOUTRINA DA SEGURANÇA E
CERTEZA DA SALVAÇÃO NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER

Monografia apresentada ao
Seminário Teológico do Nordeste
como requisito para obtenção de grau
de Bacharel em Teologia.

Teresina

2016
GABRIEL ALEXSANDRO DOS SANTOS

A SEGURANÇA E CERTEZA DA SALVAÇÃO:


A ÊNFASE PASTORAL DOS PURITANOS À DOUTRINA DA SEGURANÇA E
CERTEZA DA SALVAÇÃO NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER

Monografia apresentada ao
Seminário Teológico do Nordeste
como requisito para obtenção de grau
de Bacharel em Teologia.

Aprovada em: ____ / ____ / ________ .

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

Rev. Jefté Alves de Assis


Seminário Teológico do Nordeste
Orientador

_________________________________________________

Rev. Francisco Moura


Presbitério Seridó do Rio Grande do Norte – PSRN
Tutor

_________________________________________________

Rev. Renato Morais Sousa


Igreja Presbiteriana
3º. leitor
À minha família maravilhosa, minha
esposa Ivanilda, minha filha Sophia,
e o(a) Bebê que ainda está no ventre,
por todo amor, carinho,
compreensão, paciência, e
dedicação em oração.
AGRADECIMENTOS

Ao meu bondoso e misericordioso Deus, por ter nos sustentado com Sua mão graciosa,
Sua providência, nos assistindo em tudo, tanto espiritualmente como fisicamente.

A minha amada esposa, Ivanilda, que tem sido uma exímia auxiliadora, me apoiando e
suportando em amor, me ajudando e confortando incansavelmente.

A minha amada filha, Sophia Gabrielly, por seu carinho e atenção, por muitas vezes ter
que suportado a ausência nas brincadeiras, e poucas atividades em família.

A minha mãe, Dona Fátima, que, mesmo distante, tem nos suportado com suas orações.

Ao Pastor Paulo Andrade, por seu empenho em nos conduzir a está casa de profetas, e
por nos apoiar naquilo que fora necessário.

Ao irmão e amigo Cláudio Araújo, que, indiretamente me instigou a trabalhar esse


maravilhoso tema, me ajudando a aprender mais sobre essa maravilhosa doutrina, afim
de poder ensinar e consolar aqueles que não nutrem segurança e certeza de salvação.

A Igreja Presbiteriana de Parelhas, que, por todos esses anos, tem nos sustentado com
recursos físicos e espirituais; ao conselho da igreja, pelo suporte e auxílio em todo
tempo; a tesoureira da igreja, irmã Socorro Ribeiro, pelo constante cuidado para
conosco; e a todos os irmãos por suas orações e carinho dispensado a nós.

Ao meu tutor, Pastor Francisco Moura, por acompanhar-nos nesse último ano de
caminhada, bem como aos pastores que nos acompanharam anteriormente, a saber:
Pastor Eugênio Honfi Neto, e Pastor José Pedro.

Ao meu presbitério, Presbitério Seridó do Rio Grande do Norte – PSRN, por atestar a
nossa vocação e enviar-nos para esta casa de profetas, bem como pelo acompanhamento
durante toda a caminhada.
A Igreja Presbiteriana do Calvário e ao Pastor Rogério Cunha, por nos acolher como
filhos e cuidar de nós durante toda essa jornada.

Ao Seminário Teológico do Nordeste, pela excelente qualidade no ensino e condução


dos alunos a uma vida de piedade; por nos acolher e direcionar nos retos caminhos do
Senhor provendo as ferramentas necessárias para trabalharmos para o crescimento do
reino e na condução da igreja à glória do Deus.

A Junta Regional de Educação Teológica (JURET) Norte/Nordeste, por sua dedicação e


zêlo por esta casa.

Ao meu orientador e capelão, Pastor Jefté Alves de Assis, pelo constante cuidado e
atenção, pela solicitude e satisfação em servir em todo tempo.

Aos amigos e irmãos que trilharam juntos comigo essa jornada aqui no STNe.

A todos que contribuíram direta e indiretamente com seus recursos e com suas orações.
“Ora, a certeza é um ato reflexo de
uma alma cheia de graça; por esse
ato a alma crente se vê num estado
benigno, abençoado e feliz; é um
sentimento palpável, um
discernimento experimental do fato
de que o crente está num estado de
graça e de que tem legítimo direito
de receber uma coroa de gloria”.
(Thomas Brooks)
RESUMO
Essa pesquisa, nasceu de um desejo pastoral de resgatar, no púlpito e nos gabinetes de
aconselhamento pastoral, a exposição e aplicação da doutrina da segurança e certeza da
salvação. Tendo em vista o cenário que circunda a Igreja de Cristo, e, a pouca ênfase dada
a essa importante doutrina, vê-se a necessidade de resgatar a urgência que os puritanos
tinham de conduzir a congregação a um estado de consolo e verdadeira segurança. Assim
como se vê na Confissão de Fé, em seu capítulo XVIII, resgatar e dar a doutrina a
proeminência e centralidade dada a ela na reforma e na pós-reforma. Isso por meio de
uma devida fundamentação bíblico-teológica, onde se vê a proeminência e centralidade
dessa doutrina; por meio de uma demonstração histórica do desenvolvimento dessa
importante doutrina; e, por fim, por meio de uma exposição das ênfases pastorais dos
puritanos, como se tem na Confissão de Fé de Westminster e nos escritos dos seus
principais defensores e promotores.

PALAVRAS-CHAVES: Segurança, Certeza, Salvação, Puritanos, Confissão de Fé


ABSTRACT

This research arises from a pastoral desire to rescue, in the pulpit and in the pastoral
counseling offices, the exposition and application of the doctrine of assurance and
certainty of salvation. Given the setting surrounding the Church of Christ, and the little
emphasis given to this important doctrine, one sees the need to rescue the urgency that
the Puritans had to lead the congregation to a state of comfort and true assurance. As we
see in the Confession of Faith in its eighteenth chapter, to rescue and give doctrine the
prominence and centrality given to it in reform and postretirement. This is through a
proper biblical-theological foundation, where the prominence and centrality of this
doctrine is seen; by means of a historical demonstration of the development of this
important doctrine; and, finally, through an exposition of the pastoral emphases of the
Puritans, as in the Westminster Confession of Faith and in the writings of its principal
advocates and promoters.

KEYWORDS: Assurance, Certainty, Salvation, Puritans, Confession of Faith


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 13

1 FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA DA DOUTRINA ............................................... 17

1.1 Introdução ............................................................................................................. 17

1.2 Fundamentação da doutrina da Segurança e certeza da salvação no Antigo


Testamento .................................................................................................................. 18

1.2.1 Fundamentação da doutrina na relação pactual na eternidade ....................... 19

1.2.2 Fundamentação da doutrina na relação pactual temporal .............................. 20

1.2.2.1 Evidência na aliança da criação ............................................................... 20

1.2.2.2 Evidência na aliança da graça .................................................................. 21

1.2.2.3 Evidência na aliança com Noé ................................................................ 22

1.2.2.4 Evidência na aliança com os patriarcas ................................................... 23

1.2.2.5 Evidência na aliança da Lei ..................................................................... 25

1.2.2.6 Evidência na aliança davídica ................................................................. 27

1.2.2.7 Evidência nos escritos proféticos e na promessa da nova aliança ........... 28

1.3 Fundamentação da doutrina da Segurança e certeza da salvação no Novo


Testamento .................................................................................................................. 31

1.3.1 Fundamentação da doutrina nos Evangelhos ................................................. 31

1.3.2 Fundamentação da doutrina no Livros de Atos .............................................. 38

1.3.3 Fundamentação da doutrina nas Epístolas Paulina ........................................ 40

1.3.4 Fundamentação da doutrina nas Epístolas Gerais .......................................... 43

1.3.5 Fundamentação da doutrina no Livros de Apocalipse ................................... 48

1.4 Conclusão.............................................................................................................. 51

2 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO E CONFESSIONAL DA DOUTRINA .... 53

2.1 Introdução ........................................................................................................ 53

2.2 Desenvolvimento histórico da Doutrina da segurança e certeza da salvação .. 53

2.2.1 Período dos Pais Apostólicos ......................................................................... 53


2.2.2 Período da Patrística ....................................................................................... 55

2.2.3 Período dos Pré-reformadores ........................................................................ 57

2.2.4 Período dos Reformadores ............................................................................. 57

2.2.4.1 Reforma na Alemanha ............................................................................. 57

I. Martinho Lutero (1483 – 1546) .................................................................... 57

II. Philip Melanchthon ..................................................................................... 60

2.2.4.2 Reforma na Inglaterra .............................................................................. 61

I. Huldrych Zuínglio ........................................................................................ 61

II. Heinrich Bullinger ....................................................................................... 62

III. João Calvino .............................................................................................. 63

IV. Theodoro Beza ........................................................................................... 68

2.2.4.3 Reforma Católica - Concílio de Trento ................................................... 70

2.2.4.4 Dos reformadores ao Puritanismo Inglês................................................. 72

I. William Perkins ............................................................................................ 72

2.3 Sistematização confessional da doutrina da segurança e certeza da salvação . 76

2.3.1. Considerações quanto às formulações credais .............................................. 76

2.3.2. Considerações quanto às principais manifestações confessionais protestantes e


reformadas ............................................................................................................... 77

I. Os Artigos de Religião – da Igreja Anglicana .............................................. 78

II. O Livro de Concórdia – da Igreja Luterana ................................................ 79

III. As Três Formas de Unidade ....................................................................... 81

III. Os Símbolos de Westminster ..................................................................... 85

2.4 Conclusão......................................................................................................... 88

3 A ÊNFASE PASTORAL DOS PURITANOS À DOUTRINA DA SEGURANÇA E


CERTEZA DA SALVAÇÃO NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER ........... 90

3.1 Introdução ........................................................................................................ 90

3.2 A unidade do pensamento entre os puritanos do século XVII ......................... 91


3.3 A exposição da doutrina na Confissão de Fé de Westminster – capítulo XVIII
91

3.3.1 Seção 1: Três possibilidades de segurança ............................................... 91

3.3.1.1 A possibilidade de falsa segurança .......................................................... 92

3.3.1.2 A possibilidade de verdadeira segurança................................................. 96

3.3.1.3 A possibilidade de falta de consciência de segurança ............................. 97

3.3.2 Seção 2: Os fundamentos da segurança .................................................... 99

3.3.2.1 A certeza da salvação é uma infalível segurança da fé............................ 99

3.3.2.2 A certeza da salvação é fundamentada na divina verdade das promessas de


salvação ............................................................................................................. 101

3.3.2.3 A certeza da salvação é fundamentada na evidência interior da graça .. 103

3.3.2.4 A certeza da salvação é fundamentada no testemunho do Espírito ....... 106

3.3.3 Seção 3: O cultivo da segurança .................................................................. 113

3.3.3.1 A segurança não pertence à essência da fé ............................................ 114

3.3.3.2 O Tempo envolvido na obtenção da segurança e certeza ...................... 116

3.3.3.3 O crente tem o dever de buscar a verdadeira segurança ........................ 118

3.3.3.4 Os frutos próprio da segurança .............................................................. 121

3.3.4 Seção 4: A segurança perdida e renovada .................................................... 123

3.3.4.1 A segurança pode ser abalada, diminuída e interrompida ..................... 124

3.3.4.2 O crente não fica totalmente privado da semente de Deus .................... 125

3.3.4.3 A segurança pode ser renovada ............................................................. 127

3.4 Conclusão....................................................................................................... 129

CONCLUSÃO .............................................................................................................. 130

BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 132


INTRODUÇÃO

O início do século XVII foi marcado por grandes turbulências na Inglaterra. Uma
dessas turbulências foi a guerra civil, travada entre o Rei Carlos I e seu Parlamento,
originada por motivos econômicos, políticos e religiosos, a qual trouxe destruição dos
anos 1642 até 1651. Uma das causas da oposição ao rei era em favor da causa da liberdade
religiosa. O Parlamento sai vitorioso em 1651, e passa a ser liderado por Oliver Cromwell
(1599-1658), dentre outras coisas ele trabalha em prol da liberdade religiosa e por meio
de decretos, trouxe a Inglaterra e ao País de Gales, a maior liberdade religiosa jamais
vista. Em decorrência da morte de Oliver Cromwell, em 1658, seu filho Henrique assume
o governo, mas não consegue dar continuidade a forma de governo de seu pai. Por conta
da falta de alguém capacitado que assumisse o lugar de Cromwell, a Inglaterra estava
sendo conduzida a anarquia por conta dos dois partidos dominantes formados pelos
Presbiterianos e os Independentes. Diante disso eles chamaram de volta Carlos II, que
havia fugido logo depois de assumir o reino, para assumir o comando. Carlos II declarou
que manteria a liberdade religiosa, mas não manteve sua promessa, começando assim
uma grande perseguição as congregações cristãs independentes.1

É nesse contexto, que nos idos de 1628, nasceu em Eslow, Bedford, Inglaterra,
John Bunyan, o qual se tornaria um renomado teólogo batista. Era filho de pais humildes
e foi criado na ignorância. Aprendeu e exerceu o ofício do seu pai, que era funileiro e
teve, por algum tempo, uma vida desregrada e rebelde. Desde criança passou por
problemas relacionados ao peso que sentia por seus pecados, mas mesmo assim passou
um período em total depravação.2 Após a sua conversão dedicou-se ao ministério da
pregação da Palavra, sendo considerado, por conta do seu histórico de vida, um fenômeno
da literatura cristã. Por conta dessa vocação, e por não querer abrir mão dela, foi levado
para prisão, onde viveu por doze anos encarcerado. Produziu obras de grande
importância,3 sendo uma delas “O Peregrino”4, obra que foi e ainda continua sendo de

1
Para mais informações relacionadas ao contexto ver: GONZALEZ, Justos L., A Era dos Dogmas e das
Dúvidas, 1. ed. São Paulo: Mundo Cristão, [s.d.], p. 51–80.
2
BEEKE, Joel R.; PEDERSON, Rendall J., Paixão Pela Pureza: Conheça os Puritanos, 1. ed. São Paulo:
Publicações Evangélicas Selecionadas, 2010, p. 170.
3
Ibid., p. 176–178.
4
BUNYAN, John, O Peregrino, 19. ed. São Paulo: Imprensa Metodista, 1992. O Peregrino, é uma obra
alegórica onde um sonho é narrado. Encontramos vários personagens, sendo o principal deles cristão, um
homem que começa a ler um livro que o faz ter pesadelos e faz crescer um grande fardo em suas costas.
Cristão, por conta do que lê no livro, passa a ver a destruição que virá por conta da infidelidade e
grande valor para literatura cristã. No ano de 1688, Bunyan morre vítima de uma
enfermidade.

Outra obra muito conhecida de Bunyan é “Graça Abundante ao principal dos


pecadores”5, que traz a sua autobiografia. Nesta obra Bunyan mostra suas dificuldades
com a solidão precoce, sua rebeldia, sua família, sua luta com a incerteza da salvação e
medo de não ser digno de perdão da parte de Deus por conta dos seus muitos pecados.6 A
obra também relata um período onde ele, por viver um padrão de devoção elevado, chega
a achar que nenhum homem vivia um padrão tão elevado de devoção como ele,7 o que
demonstra que ele viveu por algum tempo envolto em uma falsa segurança, a qual logo
se foi. Bunyan relata também momentos de grande instabilidade, mesmo depois de
reconhecer que somente em Cristo poderia ser justificado. Ele vivia como se estivesse em
uma montanha russa, sendo assaltado por dúvidas cruéis. Nesta obra ele relata o grande
alívio e paz de espírito que passa a ter quando entende que sua salvação não dependia
dele, mas sim do que Cristo fez por ele, recebendo assim, da parte de Deus, essa certeza.8
É interessante que Bunyan destaca o que o fazia decair da certeza de estar em Cristo,
demonstrando assim, que a negligencia aos meios de graça o enfraqueciam e o deixavam
suscetível as investidas de Satanás, no entanto, estas tentações, uma vez superadas, o
fortaleceram na fé e na certeza da sua união com Cristo.9 Bunyan dedicou-se por inteiro
a causa do Evangelho, sofrendo as duras penas por amor a Cristo.

O que se vê na autobiografia de John Bunyan é o que acontece na vida de muitos


cristãos. Muitos têm nutrido falsa segurança por viver um cristianismo baseado em
cerimonialismo, sacramentalismo, meritocracia, o que na verdade não passa de um
cristianismo sem Cristo, pois o homem passa a buscar a salvação por justiça própria.
Outros cristãos vivem sendo assaltados por constantes dúvidas por conta da profunda
convicção de pecados que os assola, fazendo-os, por alguns momentos, se acharem
imerecedores de algum bem da parte de Deus. Isso pode conduzi-los a uma vida contrita
aos pés do Senhor, ou pode leva-los a uma vida dissoluta de pecado, embora estes, sendo

desobediência dos cidadãos daquela cidade se tornando então um peregrino em busca da Cidade Celestial.
Esta é uma obra prima, escrita há tanto tempo, mas que retrata a caminhada do cristã de forma precisa, com
os autos e baixos, com as disciplinas e recompensas, com as tentações e provações, com o companheirismo
encontrado na igreja.
5
BUNYAN, John, Graça Abundante ao principal dos pecadores, 1. ed. São Paulo: Editora Fiel, 2012.
6
Ibid., p. 51.
7
Ibid., p. 34.
8
Ibid., p. 113–115.
9
Ibid., p. 121–123.

14
eleitos, em tempo oportuno, sejam reconduzidos aos pés do Senhor em arrependimento
sincero. Outro grupo de cristãos é composto por aqueles que possivelmente já passaram
por estas etapas anteriormente citadas, mas agora conseguem viver em paz, certos de que
nada pode os separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus. Esse cristão, que nutre
esta plena e genuína certeza, garantida pelo penhor do Espírito Santo, vive buscando
desenvolver sua salvação com temor e tremor, buscando viver o céu na terra para depois
gozar em plenitude da glória eterna.

A Confissão de Fé de Westminster trata, no capítulo XVIII, da doutrina da


Segurança da graça e Certeza da Salvação. Esse capítulo apresenta a ênfase pastoral dos
puritanos quanto a essa matéria tão importante. Vale notar que essa é uma doutrina que
até o século XVII, não era tratada de maneira tão específica. Geralmente os reformadores
tratavam da segurança e certeza da salvação vinculado ao estudo da fé, uma vez que havia
o entendimento de que a segurança era parte da essência da fé. Como a pesquisa mostrará,
isso acaba gerando algumas tenções, que por sua vez, são desfeitas à luz do ensino dos
puritanos contido nos documentos de Westminster. Pois claramente percebe-se que havia
uma agenda com relação a este assunto, demonstrando o quanto ele foi e continua sendo
importante para a vida da Igreja de Cristo.

A ênfase pastoral puritana coloca essa doutrina como uma doutrina central e
altamente importante para a vida dos crentes. Há um grande destaque para a interação que
há entre essa doutrina e as demais doutrinas soteriológicas, bem como seus maravilhosos
frutos que ajudam o crente nessa árdua jornada da vida cristã. Mas não só isso, a tratativa
dos puritanos a está matéria vem também para desfazer os erros direcionados a ela e
colocar alguns pontos que foram tratados pelos reformadores, de forma que traz consolo
aos crentes mais fracos que são cheios de dúvida e desprovidos de segurança e certeza da
salvação.

Diante do que se observa no presente século, é perceptível a necessidade de que


haja um resgate dessa doutrina, que ela esteja presente nos púlpitos, nos gabinetes
pastorais, que de fato ela esteja presente na vida dos crentes e seja um meio para que Deus
possa conduzir o seu povo em segurança e certeza, dando sobejos frutos, crentes sedentos
por Cristo e por sua volta, que buscam viver o céu na terra enquanto todas as coisas não
são finalmente consumadas.

15
A presente pesquisa, no intento de responder os grandes questionamentos da
maioria dos crentes, como por exemplo, a possibilidade de se ter verdadeira segurança e
certeza, bem como a situação daqueles que não possuem a segurança, também acerca da
situação daqueles que vivem envolto em profundas dúvidas se são verdadeiros crentes ou
não, quanto a perda da segurança e a restauração da mesma. Nesse sentido, a pesquisa irá
apresentar, por meio de um estudo bíblico-teológico, exegético e bibliográfico, as
respostas para esses questionamentos, conduzindo o querido leitor a entender a ênfase
pastoral puritana contida no capítulo XVIII da Confissão de Fé de Westminster.

Sendo assim, o primeiro capítulo da pesquisa apresentará a base objetiva da


segurança e certezas da salvação, apreciando os seguintes aspectos: primeiramente irá
mostrar, nas dispensações do pacto de Deus com seu povo, a relação de segurança
apresentada para os eleitos de Deus, e isso, partindo do Pacto da Trindade à Nova Aliança;
também, ressaltará os atos de Deus e a resposta do Seu povo diretamente envolvido nesse
pacto. Nesse primeiro capítulo a pesquisa intenciona estabelecer essa base objetiva da
segurança e trazer resposta as perguntas supracitadas, mostra as evidências da segurança
e certeza da salvação no progresso da revelação.

O segundo capítulo, trará um estudo histórico e credal da doutrina, partindo da


Igreja Primitiva até os puritanos do século XVI e XVII, apresentando esse
desenvolvimento e destacando os principais proponentes que foram de grande
importância para o estabelecimento e desenvolvimento da doutrina da segurança e certeza
da salvação.

O terceiro e último capítulo, tem como objetivo apresentar uma exposição do


capítulo XVIII da Confissão de Fé de Westminster, apresentando um breve comparativo
com o pensamento dos reformadores, destacando a ênfase pastoral dos puritanos, bem
como, o pensamento de alguns teólogos que vieram posteriormente. Nesse capítulo a
pesquisa irá mostrar as principais distorções aos pensamentos dos reformadores e
apresentará também as perspectivas contraditórias que estão relacionadas a matéria.

A pesquisa tem como objetivo chamar a atenção para a ênfase pastoral puritana
na tentativa de conscientizar o prezado leitor da importância de resgatar essa urgência que
aqueles homens de Deus tiveram no trato dessa matéria, tornando-a cada vez mais
presente e clara na vida da igreja.

16
1 FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA DA DOUTRINA
1.1 Introdução
É possível ter certeza da salvação? Posso dizer que sou salvo? Como eu posso ter
genuína certeza?1 Há tempos essas são algumas das grandes interrogações que costumam
pairar sobre a cabeça de muitos cristãos. Muitos crentes, até mesmo no meio dito
reformado, não são devidamente instruídos acerca dessa doutrina tão importante que, por
sua vez, foi tão bem desenvolvida por homens de Deus ao longo da história da Igreja, em
especial os puritanos do século XVI e XVII, os quais a sistematizaram de forma
maravilhosa na Confissão de Fé de Westminster. Suas obras objetivavam provar que o
eleito de Deus pode, à luz da Escritura e da iluminação do Espírito Santo, gozar desta
segurança e certeza e declarar com base na sua união com Cristo que é salvo e assim viver
como um cidadão do céu.

Visando responder algumas dessas questões e contribuir para o aprimoramento


dos crentes no conhecimento dessa doutrina, o primeiro capítulo desta pesquisa visa
tratar, de maneira panorâmica, a fundamentação bíblica da doutrina da segurança e
certeza da salvação.2 Este primeiro capítulo apresentará os principais fundamentos
bíblicos dessa doutrina encontrados no Antigo e Novo Testamento, apresentando as
principais evidências no progresso da revelação.

No transcorrer destas páginas, ficará nítido que a doutrina da certeza da salvação


está intimamente ligada a outras fundamentais doutrinas. Como bem afirma Joel Beeke:
“A certeza é de escopo muito amplo, é profunda em sua intensidade e gloriosa em sua
altitude. Quase se pode escrever uma teologia sistemática sobre a estrutura da certeza”.3
Diante disso ele declara:

A certeza se entrelaça com a obra do Espírito em cada elo da corrente da


salvação, da vocação à glorificação. Ela está conectada com a doutrina do

1
O grande teólogo puritano William Perkins, referência no desenvolvimento desta doutrina, interagiu muito
bem com estes questionamentos, como mostra Joel Beeke. BEEKE, Joel R., A Busca da Plena Segurança
- O Legado de Calvino e Seus Sucessores, 1. ed. Recife-PE: Os Puritanos, 2003, p. 121, 122.
2
Vale destacar a forma como Calvino trata a ideia de segurança mostrando que ela pode ser objetiva e
subjetiva. Como destaca Paulo Anglada, para Calvino, a certeza da salvação faz parte da essência da fé.
Com isso ele mostra que a segurança objetiva está ligada à veracidade das promessas de Deus e sua
fidelidade em cumpri-las, enquanto a segurança subjetiva está ligada a convicção de que essas promessas
nos dizem respeito. ANGLADA, PAULO R. B., A Confissão de Fé de Westminster é realmente calvinista?
Uma avaliação crítica de “A modificação Puritana da Teologia de Calvino,” de R. T. Kendall, Fides
Reformata, n. 3/2, 1998.
3
BEEKE, Joel R., Espiritualidade Reformada - Uma Teologia Prática para a Devoção a Deus, 1. ed.
São José dos Campos, SP: Fiel, 2014, p. 231.
pecado, da graça, da expiação e da união com Cristo. É inseparável das marcas
e passos da graça. Ela toca a essência da soberania divina e da responsabilidade
humana; é intimamente conectada com a Santa Escritura; flui da eleição, das
promessas de Deus e da aliança da graça. Ela é fortificada pela pregação, os
sacramentos e a oração.4

Assim, vê-se como é importante a tratativa dessa doutrina, que não só se relaciona
com as demais importantes doutrinas soteriológicas, mas também pode ser evidenciada
no decorrer da revelação pactual de Deus.

1.2 Fundamentação da doutrina da Segurança e certeza da salvação no Antigo


Testamento
Como afirma John S. Feinberg, tanto teólogos bíblicos como sistemáticos dedicam
pouca atenção ao tratamento da doutrina da segurança no Antigo Testamento.5 No
entanto, mesmo diante dessa dificuldade é possível fundamentar a doutrina observando
evidências que mostram a ênfase dada, no progresso da revelação, a imutabilidade de
Deus, uma vez que quando Deus decreta algo ele não muda, por isso, a salvação é
garantida aos eleitos; assim como a observação da forma providencial com que Deus trata
o seu povo, mantendo sempre a sua semente intacta; e também, a fidelidade do Senhor ao
seu pacto, independente da infidelidade do homem.6

Nesta seção, a pesquisa visa pontuar os principais textos que apontam para a
fundamentação da doutrina da segurança e certeza da salvação, observando de forma
progressiva o desenvolvimento bíblico, acerca da doutrina e suas implicações para o povo
da aliança dentro da sua relação pactual.

Vários textos que fundamentam a segurança e certeza da salvação podem ser


apontados no Antigo Testamento. O Povo de Deus, escolhido antes da fundação do
mundo e denominado depois da queda como “os da semente da mulher” (Gn 3.15), dá
evidências, por meio da sua esperança, de que confiava plenamente no Deus soberano
que o havia criado e que o sustentaria em todo tempo, conduzindo-o para Ele mesmo por
amor do Seu próprio Nome por meio de uma relação pactual.

4
Ibid.
5
FEINBERG, John S., Salvation in the Old Testament Tradition and Testament. Essays in Honor of
Charles Lee Feinberg, Chicago: Moody Press, 1981, p. 39. JOHN S. Feinberg (MA, Ph.D., University of
Chicago; M. Div, Talbot Theological Seminary, Th.M., Trinity Evangelical Divinity School) é professor
de teologia sistemática na Liberty Seminário Batista, Lynchburg, Virginia.
6
CHAMBLESS, Jeff, Testamentum Imperium an international Theological Jornal, Evidence of the
Security of the Believer in the Old Testament, v. 1, n. 2005-2007, .

18
1.2.1 Fundamentação da doutrina na relação pactual na eternidade
O ponto de partida para entender essa relação pactual, que gera segurança e certeza
de salvação, está no pacto feito desde toda a eternidade pelas três pessoas da trindade, o
qual é conhecido como “pactum salutis” - conselho da redenção. Como declara Kuiper,
a verdade expressa no conselho da redenção é que “o Pai, o Filho e o Espírito Santo, antes
que o mundo existisse, planejaram juntos a salvação dos pecadores”. 7 Kuiper mostra
ainda que essa doutrina está fundamentada na Escritura, apontando textos que mostram
que houve, de fato, esse conselho da redenção. Em 1Jo 4.10, ele destaca que o Pai é
mencionado como tendo enviado o Filho; em Jo 17.4, o Senhor Jesus fala de uma
comissão que lhe fora dada pelo Pai; Is 53.12 menciona a recompensa dada pelo Pai ao
Filho pela realização da Sua obra; Jo 14.26; 15.26, mostram que o Espírito Santo é
enviado pelo Pai e pelo Filho.8 Kuiper resume dizendo:

Antes que o mundo existisse, o Trino Deus elaborou um plano de salvação para
ser executado em várias partes, reciprocamente distribuídas pelo Pai como
Enviante e Diretor, pelo Filho como Enviado, Mediador e Enviante, e pelo
Espírito Santo como Enviado e Aplicador.9

Morton H. Smith também apresenta evidências desse pacto na Escritura. Em João


17.21a, ele destaca o empenho do Pai em resgatar e purificar os pecados dos eleitos,
reunindo-os para Ele mesmo; em Jo 12.2, ele pontua que Jesus recebeu autoridade sobre
toda a carne; em Jo 6.44, o autor mostra que Jesus fora enviado pelo Pai; ainda em Jo 3.5,
ele mostra a ação do Espírito Santo.10 Quanto a esse pacto Smith declara que:

O pacto da redenção era o eterno pacto em que Deus, o Pai escolheu um


número de homens para a glória eterna com ele mesmo. Deus Filho concordou
em resgatar estes depois de terem caído, e Deus o Espírito Santo concordaram
em aplicar a obra de Cristo para os eleitos. O Pai prometeu dar os eleitos para
o Filho como uma recompensa por sua obra de salvação (Is 53.12). O Espírito
Santo foi prometido para o Filho para que ele pudesse vir e aplicar a redenção
realizada por Cristo para os eleitos, para a Igreja.11

Partindo desse pressuposto, é possível olhar para a relação pactual de Deus com
seu povo escolhido desde antes da fundação do mundo, e ver a segurança que esse povo
demonstra, que, por sua vez, é fruto da graça e misericórdia de Deus que concede o dom
da fé para que essa certeza da salvação seja real.

7
KUIPER, R. B., Evangelização Teocêntrica, 2. ed. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas,
2013, p. 9.
8
Ibid., p. 9–10.
9
Ibid., p. 10.
10
A Puritan’s Mind » Smith on Covenant Theology – by Dr. Morton Smith.
11
Ibid. (Tradução do google).

19
1.2.2 Fundamentação da doutrina na relação pactual temporal
Aqui observar-se-á, dentro dessa relação pactual de Deus com seu povo, desde
Adão até Davi e o anúncio da nova aliança nos profetas, as evidências que fundamentam
a doutrina da segurança e certeza da salvação no Antigo Testamento.

1.2.2.1 Evidência na aliança da criação


Começamos a ver essa relação que gera segurança e certeza da salvação na aliança
que Deus fez com Adão no jardim do Éden, conhecida como a aliança da criação. A
maioria dos teólogos ressalta que o termo aliança (‫ )ברית‬não aparece nos primeiros cinco
capítulos de Gênesis, deixando claro que isso não indica que não havia uma relação de
aliança entre Deus e o homem antes de ser usado o termo. Van Groningen, falando sobre
isso, declara que: “não se deve entender com isso que a ideia de aliança era um conceito
posterior na mente de Deus e na sua revelação concernente a sua relação com o que ele
tinha criado”.12 Ele continua mostrando que esse laço pactual é revelado na realidade
abençoada em que Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e, que Ele os fez e
manteve um laço de amor e vida com eles de maneira que eles poderiam representá-lo em
todas as esferas da vida e aspectos cósmicos. O autor mostra ainda que Deus instruiu
Adão e Eva naquilo em que deveriam fazer como vice-gerentes.13 Logo, vê-se nessa
relação uma clara relação pactual. O homem tinha não só obrigações claras para com o
seu criador, mas também havia sanções bem especificadas nessa relação, que é
denominada pelos teólogos de pacto das obras.

O não cumprimento dessas obrigações, ou seja, desse pacto, por parte do homem,
o levou a sofrer as sanções que Deus havia colocado anteriormente caso houvesse quebra
do pacto das obras. Essa desobediência trouxe consequências eternas terríveis para a
humanidade. Mas, mesmo diante dessa situação, Deus, por sua misericórdia e amor, dá
ao homem a promessa de redenção por meio daquele que viria da semente da mulher e
esmagaria a cabeça da serpente (Gn 3.15). Entra em cena, no tempo e no espaço a aliança
da graça. Essa é a promessa central, conhecida como o protoevangelho. Van Groningen
diz que na mensagem, em Gênesis 3.15, encontra-se a primeira revelação redentora no

12
GRONINGER, Gerard Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, 1. ed. São
Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 23.
13
Ibid., p. 24.

20
Antigo Testamento.14 A partir daí pode-se observar, na vida daqueles que são alvo dessa
relação graciosa com Deus, atitudes que demonstram segurança e certeza de salvação.

1.2.2.2 Evidência na aliança da graça


Comentando um dos primeiros eventos pós-queda, Van Groningen mostra que o
nome dado por Adão a sua esposa “Eva” (vida), demonstra sua segurança na promessa da
semente, ou seja, que Deus daria continuidade à semente da mulher. Eva, ao dar à luz a
Caim, seu primogênito, assim como seu marido, demonstra segurança na promessa da
semente. Ela faz sua própria declaração de fé, achando que aquele filho era, de fato, o
redentor, o filho da promessa que esmagaria a cabeça da serpente (Gn 4.1). Van
Groningen comentando esse versículo faz uma análise exegética propondo uma tradução
mais literal para a expressão de Eva “‫ְהוָֽה‬ ִ ִ‫” ָקנ‬: “Adquiri um homem, o Senhor”.
ָ ‫יתי ִאיׁש אֶ ת־י‬
O autor vai deixar claro que essa expressão tem sido traduzida de pelo menos três formas.
Diante disso, ele declara que “a importância principal da exclamação é clara. O Senhor
estava envolvido na geração de seu filho. De fato, seu marido a tinha ‘conhecido’ e ela
havia concebido e dado à luz um filho. Mas o Senhor o tinha causado”.15 Caim não
comungou da mesma fé e segurança de seus pais, uma vez que Abel é considerado como
comungante da esperança dessa esperança.16 Com o pecado de Caim e a morte de Abel,
a esperança de Eva é renovada com o nascimento de Sete. Na ocasião do nascimento de

14
Ibid., p. 134.
15
GRONINGEN, Gerard Van, Revelação Messiânica no Antigo Testamento, 2. ed. São Paulo: Cultura
Cristã, 2003. Existem interpretações divergentes com relação ao verdadeiro sentido desse texto,
principalmente quanto à tradução da expressão “‫”אֶ ת־יְ הוָֽה‬. João Calvino, comentando esse texto apresenta
alguns desses posicionamentos. O primeiro deles traduz essa expressão da seguinte maneira: “com o
SENHOR”, isto é, pela bondade ou pelo favor do SEHOR, a ideia é que Eva remete a bênção recebida da
prole ao SENHOR, como é dito no Sl 127.3. O segundo grupo traduz da seguinte forma: “do SENHOR”, e
a versão de Jerônimo traz: “através do SENHOR”. Diante dessas três possíveis traduções destacadas por
Calvino ele vai dizer: “Estas três leituras, eu digo, tendem a este ponto, que Eva dá graças a Deus por ter
começado a levantar uma posteridade através dela, embora ela era merecedora de esterilidade perpétua,
bem como de destruição total”. Calvino ainda destaca a ideia de outros que, com maior sutileza, tentaram
explicar a expressão “‫יתי ִאיׁש אֶ ת־יְ הוָֽה‬
ִ ִ‫ ”קנ‬da seguinte forma: “eu tenho obtido o homem do Senhor”; como
se Eva tivesse compreendido que ela já possuía aquele conquistador da serpente, que tinha sido divinamente
prometido a ela. Diante dessa proposta Calvino diz que “eles celebram a fé de Eva, porque ela abraçou,
pela fé, a promessa relativa ao esmagador da cabeça do diabo através de sua descendência; apenas eles
pensam que ela estava enganada na pessoa ou o indivíduo, vendo que ela restringiria a Caim que havia sido
prometido a respeito de Cristo. Calvino posiciona-se da seguinte maneira: “Para mim, no entanto, este
parece ser o sentido genuíno, que, enquanto Eva felicita-se pelo nascimento de um filho, ela lhe oferece a
Deus, como os primeiros frutos de sua raça. Portanto, eu acho que deveria ser traduzido, ‘tenho obtido um
homem do Senhor’, o que se aproxima mais de perto da frase hebraica. Além disso, ela chama de um recém-
nascido um homem, porque ela viu a raça humana renovada, que tanto ela e seu marido tinham arruinado
por sua própria culpa”. CALVINO, João, Genesis 4 Calvin’s Commentaries, disponível em:
<http://biblehub.com/commentaries/calvin/genesis/4.htm>, acesso em: 14 maio 2016.
16
GRONINGER, Gerard Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, 1. ed. São
Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 143.

21
Sete (Gn 4.25), mais uma vez, Eva expressa gratidão a Deus ao dizer que “Deus me
concedeu outro descendente em lugar de Abel, que Caim matou”. Aqui percebe-se que
Eva não perde a esperança na promessa da semente, e que ela vê na pessoa de Sete a
continuação dessa semente. Na genealogia de Adão, apresentada por Moisés, é
interessante notar que a descendência de Adão parte de Sete, e não de Caim (Gn 5.3).
Moisés coloca da seguinte forma: “Viveu Adão cento e trinta anos, e gerou um filho à sua
semelhança, conforme a sua imagem, e lhe chamou Sete”. Logo, Sete é aquele que dará
continuidade à semente da mulher, a promessa de Deus foi preservada e, agora, Adão e
Eva podiam descansar seguramente no SENHOR vendo o fruto da fidelidade de Deus à
sua frente.

1.2.2.3 Evidência na aliança com Noé


Olhando para o relato do nascimento de Noé vê-se a confiança do seu pai, que por
ser descendente de Adão, da linhagem de Sete, era detentor da promessa da semente.
Lameque faz uma declaração, em Gênesis 5.29, que expressa essa segura esperança: “pôs-
-lhe o nome de Noé, dizendo: Este nos consolará dos nossos trabalhos e das fadigas de
nossas mãos, nesta terra que o SENHOR amaldiçoou”. Olhando para o relato da história
de Noé vê-se que de fato ele foi um tipo de Cristo. Gênesis 6 – 10, mostra Noé como o
homem que “achou graça diante do SENHOR” (Gn 6.8); mostra Noé como alguém que
também teve confiança na promessa do SENHOR; como um homem que gozava de
segurança; mostra, nos atos de obediência de Noé que ele age como quem tem certeza da
sua salvação, obedecendo cabalmente às ordens do SENHOR (Gn 7.5)17 e, por isso goza
da segurança proporcionada por Ele. Logo após o dilúvio, Deus, tendo preservado a Noé
e sua família,18 estabeleceu uma aliança com Noé (Gn. 8.20-22). Van Groningen faz uma
análise exegética desse texto que mostra com precisão a tratativa de Deus com Noé, a
qual fundamenta a sua segurança. Ele afirma que:

As Escrituras mostram claramente ao leitor que Deus continuaria a manter seu


reino cósmico; wayyo'mer yehwâ 'el-libbô (e Yahweh disse em seu coração).
Esta declaração afirma que uma resolução divina foi feita. Ela não seria
quebrada: lo' 'asip (não, enfático, novamente). A maldição não seria executada
novamente sobre ha'adamâ (o solo). Esta resolução foi tomada e seria

17
GRONINGER, Gerard Van, O progresso da revelação no Antigo Testamento, 1. ed. São Paulo:
Cultura Cristã, 2006, p. 34.
18
LAWSON, Steven J., Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., 1. ed. São José dos Campos, SP:
Editora Fiel, 2012, p. 97–98.

22
sustentada mesmo se o reino parasita satânico se tornasse, novamente,
poderosamente influente nas vidas dos descendentes de Noé. 19

É de grande importância observar que a promessa de Deus é incondicional, não


depende da fidelidade do homem, e sim da fidelidade do próprio Deus. Noé poderia
descansar seguro na continuidade da semente. Essa aliança com Noé é ratificada por meio
de um selo, ou seja, o arco que apareceu no céu (Gn 9.13, 14, 16), reafirmando a aliança
da criação e, Noé vive de acordo e em função dessa aliança. 20 Em Noé, Deus dá
continuidade à Sua santa semente.

1.2.2.4 Evidência na aliança com os patriarcas


Olhando para os patriarcas é possível encontrar manifestações de segurança e
certeza da salvação advinda da confiança nas promessas de Deus e da forma pessoal e
paternal com que Ele cuida dos seus eleitos. É possível ver isso na resposta de Abraão ao
mandato do SENHOR (Gn 12.1-9). Deus promete a Abraão que sua descendência seria
como as estrelas no céu e a Palavra diz que ele “creu” (Gn 15.5,6) e logo depois Deus
firma um pacto com Abraão (Gn 15.18).21 Mais à frente, Deus testa Abraão pedindo-lhe
que entregasse Isaque, o filho da promessa, em sacrifício. Mais uma vez a atitude de
Abraão demonstra sua segurança e total confiança em Deus (Gn 22.1-19).22 É interessante
a fala de Abraão aos seus servos, no versículo 5, quando ele diz: “voltaremos”,
demonstrando convicção de que Deus, de alguma forma, preservaria a vida do filho da
promessa. Van Groningen, comentando essa passagem, com bastante propriedade
destaca: “Abraão, ao obedecer a seu Senhor da Aliança, também se submeteu a Ele. A
obediência, caracterizada por submissão, expressou confiança e esperança total em Deus.

19
GRONINGER, Gerard Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, 1. ed. São
Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 480.
20
VOS, Geerhardus, Teologia Bíblica: Antigo e Novo Testamento, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010,
p. 72.; GRONINGER, Gerard Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, p. 170–
171.
21
Os termos utilizados neste texto, ‫כרת ברית‬, são os mesmos utilizados nas demais situações em que o
SENHOR entra em aliança com o seu povo, e também para reafirmar a aliança de Deus com seu povo no
decorrer de toda a história da redenção. O termo ‫( כרת‬cortar, fazer) aparece praticamente em todos os livros
do Antigo Testamento, em 246 ocorrências e o termo ‫( ברית‬aliança, pacto) aparece por 277 vezes,
normalmente, quando aparecem vinculados têm o propósito de caracterizar o pacto de Deus com o seu
povo. O Termo ‫כרת‬, também indica o sentido de cortar o prepúcio, cortar uma árvore, eliminar do meio do
povo. O sentido do termo é bem abrangente. HOLLADAY, William L., Léxico Hebraico e Aramaico do
Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 233. O termo ‫ברית‬, também é usado para dirigir-se a
acordos entre homens, bem como para caracterizar a aliança de Deus com o homem. Ibid., p. 65,66.
22
GRONINGER, Gerard Van, O progresso da revelação no Antigo Testamento, p. 41.

23
Ele sabia e creu que ‘Deus era poderoso até para ressuscitá-lo dentre os mortos’ Hb
11.19”.23

À semelhança do selo, ou sinal, dado a Noé, a circuncisão, selo estabelecido por


Deus (Gn 17.9-14), é uma dessas grandes manifestações de segurança nas promessas de
Deus. Palmer Robson vai diz que esse selo que é estabelecido por Deus deve ser aplicado
e, mostra que a palavra original de Deus, que estabelece o selo, aponta claramente na
direção da responsabilidade pessoal, deixando claro que o fato de ser selado não garante
que a criança seria salva, mas aponta para necessidade daquela aliança ser guardada. 24
Robertson diz que: “Pela circuncisão, um testemunho era dado ao mundo, e uma pessoa
era selada em sua comunhão com a comunidade organizada da aliança”25. Robertson
ressalta ainda que:

A circuncisão era efetiva ao selá-los em consagração a Deus conforme


ministrado pelo Espirito. Se essa pessoa nasceu ou não novamente do Espirito
de Deus na época de sua circuncisão, ela estava, pela circuncisão, selada na
possessão certa da promessa de Deus. Aquele que foi designado por Deus para
a salvação eterna antes da fundação do mundo foi selado pela circuncisão na
certeza da possessão final das promessas. 26

As promessas de Deus são ratificadas aos patriarcas. Deus ratifica a promessa da


semente a Isaque (Gn 26.2-5; 24), o qual fora obediente a seu pai não tomando mulher
canaanita e, mesmo tendo demonstrando medo de ser morto em face a beleza da sua
esposa, permaneceu no lugar que Deus lhe ordenara, sendo grandemente abençoado por
Deus. Em Gênesis 25.5, Isaque é apontado como o herdeiro de toda a riqueza de Abraão.
Jacó, mesmo tendo agido por meio de estratagema para com o seu irmão e com o seu pai,
Deus graciosamente o assiste com a ratificação da promessa feita a seus pais (Gn 28.13-
15). Tendo o Senhor ratificado a promessa, Jacó (vs. 21 e 22) faz o seguinte voto a Deus:
“Se Deus for comigo, e me guardar nesta jornada que empreendo, e me der pão para
comer e roupa que me vista, de maneira que eu volte em paz para a casa de meu pai,
então, o SENHOR será o meu Deus”. Retornando Jacó para sua terra, depois de ter lutado
com Deus e prevalecido a salvo, sem deixar que Ele fosse embora antes de abençoá-lo,
ele adquire uma porção de terra e cumpre assim o voto que havia feito: “e levantou ali um
altar e lhe chamou Deus, o Deus de Israel” (Gn 33.20). Deus abençoou grandemente a

23
Ibid., p. 45.
24
ROBERTSON, O. Palmer, Alianças, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 42.
25
Ibid., p. 43.
26
Ibid.

24
Jacó, dando-lhe doze filhos, preservando sua semente, conduzindo-o ao Egito com toda
sua família, pela mediação de seu filho José, considerado também como um tipo de Cristo,
que, pela sua fé e segurança no SENHOR, foi exaltado no Egito com o propósito de trazer
preservação ao povo de Israel.27 Vê-se, portanto, que ambos também demonstram, por
meio das suas atitudes de obediência, essa segurança e certeza da salvação no SENHOR
do pacto.

1.2.2.5 Evidência na aliança da Lei


O próximo passo é olhar para Moisés. A fé dos pais de Moisés fez com eles o
ocultassem para que não fosse morto (Êx 2.3; Hb 11.23), assim como o próprio Senhor
Jesus ao nascer (Mt 2.13-18), pois Deus havia escolhido Moisés para ser o libertador de
Israel, tipificando assim o Senhor Jesus. Embora, inicialmente relutante, Moisés obedece
ao chamado do Senhor para ir libertar o Seu povo. A intrepidez de Moisés ante o faraó
mostra a sua segurança no SENHOR todo poderoso que o assegurara de que estaria com
ele (Êx 3.12), e que o havia enviado para aquela missão. Em Moisés, entra em cena a
aliança da lei. Deus, após libertar o seu povo do cativeiro egípcio, dá a sua Lei para
ratificar os seus preceitos ao seu povo. A primeira declaração do decálogo já expressa
bem essa ideia – “Eu sou o SENHOR teu Deus que te tirei da terra do Egito, da casa da
servidão” (Êx 20.1). Deus salva depois dá a Lei para que os crentes possam demonstrar,
por meio da obediência, sua gratidão, fé e segurança nele.

Geerhardus Vos, trabalhando com essa ideia, diz que “A Lei foi dada depois que
a redenção de Israel foi efetuada, e o povo já havia entrado no gozo de muitas das bênçãos
do berith”.28 Ele mostra ainda que “a guarda da Lei não consta naquela conjuntura, como
base meritória para herdar a vida eterna. Ela é baseada na graça somente, e, de modo não
menos enfático Paulo baseia nela a Salvação”.29 A segurança do povo de Israel não estava
nas suas próprias obras, mas sim nas promessas de Deus, as quais são mantidas
independente da desobediência do povo. A condução do povo ao cativeiro por conta da
apostasia é a grande prova disso. Depois de ser o povo disciplinado e tratado, conduzido
ao arrependimento, Deus o conduziu de volta ao seu favor. Diante disso, Vos, declara que

27
GRONINGER, Gerard Van, O progresso da revelação no Antigo Testamento, p. 46.
28
VOS, Geerhardus, Teologia Bíblica: Antigo e Novo Testamento, p. 159–160.
29
Ibid., p. 160.

25
“essa é a prova mais convincente de que a observância da Lei não é a base meritória da
bênção”.30

Van Groningen destaca que, diante da Lei de Deus que fora exposta ao povo, esse
povo agora, tinham uma responsabilidade de responder positivamente à Lei, uma vez que
ela fora dada pelo próprio Deus. E foi isso que o povo fez, respondendo, a uma só voz
dizendo que tudo que o SENHOR falou iria fazer (Êx 19.8), embora não tivesse cumprido
esse compromisso, o que também aponta para incondicionalidade de Deus manter o pacto.
Yahweh estava iniciando com Israel o sistema de Teocracia regulamentado pela Sua
Lei.31

A segurança e certeza da salvação, nesse período, é vista na resposta à lei do


SENHOR, uma vez que, ao obedecer a Lei declarava-se gratidão e submissão ao
SENHOR que promulgou a Lei. Essa relação entre obediência e segurança fica evidente
não só na aliança da Lei, mas também na relação de Deus com Abraão, Isaque, Jacó,
Moisés, Josué, Davi e com tantos outros servos de Deus no decorrer da história da
redenção, e que fica mais clara ao se observar, no progresso da revelação, mesmo não
sendo condicional para a salvação.

Depois da morte de Moisés, Deus coloca Josué para dirigir o seu povo, e a
promessa de Deus para o seu servo é a seguinte: “como fui com Moisés, assim serei
contigo; não te deixarei, nem te desampararei”. (Js 1.5). Josué também demonstra
segurança e certeza de salvação por meio da sua obediência às ordenanças do SENHOR,
bem como a sua firmeza diante daqueles que estavam se afastando do SENHOR (Js
24.15), e Deus, o SENHOR, demonstra sua fidelidade, graça e misericórdia para com ele
e para com o seu povo.

Com a morte de Josué, o povo de Israel acaba se distanciando de Deus, e por conta
da desobediência e rebeldia acaba sofrendo duras consequências. Entra em cena o período
dos Juízes, os quais eram levantados por Deus para libertar o povo por causa da opressão
sofrida por causa da constante apostasia do povo. Deus demonstra sua graça e
misericórdia, levando homens para trazerem o povo à lucidez e retorná-los à submissão
ao SENHOR. O fato é que, por não haver um rei em Israel, cada um fazia o que achava

30
Ibid., p. 161.
31
GRONINGER, Gerard Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, p. 365–366.

26
mais reto (Jz 21.25). Todo esse quadro aponta para a necessidade de que a monarquia
fosse implantada.

1.2.2.6 Evidência na aliança davídica


O SENHOR já havia deixado transparecer a ideia de uma monarquia por meio de
um rei, como fica claro na promessa feita a Abraão – “reis procederão de ti” (Gn 17.6) e
na reiteração feita a Judá – “o cetro não se arredará de Judá” (Gn 49.8-12).32 Com isso,
diante da constante solicitação do povo diante de Samuel (1Sm 8.5), tem início o período
monárquico, o qual por meio da aliança davídica, é eternizado. Aprouve a Deus pactuar
com Davi, fazendo com ele aliança de um reinado eterno por meio da sua descendência
(2Sm 7.14-16), na qual o SENHOR deixa expresso que o Seu amor não lhe seria tirado
ao declarar: “Mas a minha misericórdia se não apartará dele” (2Sm 7.15). Assim fica claro
a incondicionalidade desse pacto como visto no Sl 89. A certeza e segurança da salvação
de Davi fica evidente em 2Sm 23.5 onde ele declara: “Não está assim com Deus a minha
casa? Pois estabeleceu comigo uma aliança eterna, em tudo bem definida e segura. Não
me fará ele prosperar toda a minha salvação e toda a minha esperança? ” Além disso, Is
55.3 ainda demonstra os benefícios desse pacto aplicado à nação de Israel.33 Como declara
Van Groningen, “sua salvação estava assegurada por causa da continuidade da semente e
do reino eterno da semente/filho”.34 O fato é que ainda que o filho de Davi viesse a
transgredir, o SENHOR preservaria Sua semente, para que, em tempo oportuno viesse o
“Filho de Davi” que daria continuidade ao seu reinado eterno, Cristo Jesus, o qual é
chamado de Filho de Davi por diversas vezes no Novo Testamento (Mt 9.27; 12.23;
15.22; 20.30; 20.31; 21.9; 21.15; Mc 10.47,48; 12.35; Lc 1.32; 18.38,39; 20.41; Rm 1.3).

Van Groningen destaca ainda evidências que mostram que Davi tinha segurança
em Deus, uma vez que ele estava ciente do relacionamento de Deus Yahweh com ele
(2Sm 23.5), com isso ele mostra que Davi confiava totalmente no cuidado protetor de
Yahweh sobre si, destacando eventos como a luta de Davi contra o gigante filisteu. Os
Salmos escritos por Davi estão repletos de evidências dessa segurança e certeza de
salvação, a saber: Segurança na proteção de Deus – Sl 3; 18.2; segurança na certeza de
que Deus o ouve – Sl 4.3; 116.1, por isso ele podia clamar, como se vê em Sl 5.2; 6.4;
segurança na certeza de que o SENHOR não desampara os que o buscam – Sl 9.7-10; 27.

32
Ibid., p. 539–542.
33
VANGEMEREN, Willem, The progress of redemption: The story of salvation from creation to the
New Jerusalem, 1. ed. Grand Rapids, MI: Baker Books, 1988, p. 230.
34
GRONINGER, Gerard Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, p. 550.

27
Destacam-se também outros Salmos como o Sl 16.8-11, que traz uma das mais belas
declarações de segurança da Escritura, a qual aponta para Cristo Jesus, o Salvador. No Sl
18, é reiterado o aspecto da segurança e certeza da salvação com base na promessa do
reinado eterno de Davi por meio da sua posteridade. Ainda nos Salmos 23, 24 e 27, tem-
se expressões belíssimas da segurança e certeza de Davi em sua salvação e que Deus o
manteria seguro em cada circunstância da vida.35 Assim também, vê-se a segurança
expressa por Davi no Sl 46, bem como na maioria dos Salmos de sua autoria.

1.2.2.7 Evidência nos escritos proféticos e na promessa da nova aliança


Olhando para os Escritos proféticos, também é possível encontrar evidências da
doutrina da segurança e certeza da salvação. O livro do profeta Isaías é um desses escritos
que se encontra repleto de passagens dessa natureza. No capítulo 6, na descrição da visão
de Isaías, Deus fala com o profeta e declara a sua imutabilidade e fidelidade em cumprir
as promessas demonstradas até aquele momento, sobre a preservação da semente: “Mas,
se ainda ficar a décima parte dela, tornará a ser destruída. Como terebinto e como
carvalho, dos quais, depois de derribados, ainda fica o toco, assim a santa semente é o seu
toco”. (Is 6.13). No capítulo 12, versículo 2, o profeta declara sua segurança em Deus:
“Eis que Deus é a minha salvação; confiarei e não temerei, porque o SENHOR Deus é a
minha força e o meu cântico; ele se tornou a minha salvação”. No capítulo 25, o profeta
aponta para fidelidade do SENHOR em cumprir suas promessas trazendo livramento para
o seu povo, revelando também uma perspectiva escatológica. Dentre outras passagens
encontram-se as que falam do Messias que viria para trazer descanso final ao povo de
Deus.

No Livro do profeta Jeremias, Deus fala por boca do profeta que estabeleceria
uma Nova Aliança (Jr 31.31), ou seja, como pontua VanGemeren: “uma mensagem de
conforto e restauração para comunidade pós-exílica e no tempo do nosso Senhor Jesus
Cristo”.36 VanGemeren afirma ainda que, na Nova Aliança, Deus reafirma Sua intenção
de restaurar a humanidade para si mesmo e também os céus e a terra, como fica claro nos
textos de (Mt 11.28; 26.28; 1Co 11.25; 2Co 3.6; Hb 8.8-12).37 O profeta Jeremias profere
uma aliança eterna que o SENHOR faz com seu povo, de nunca deixar de fazer o bem
para ele e, colocar nos corações de cada um deles o temor para que nunca se afastasse

35
Ibid., p. 551.
36
VANGEMEREN, Willem, The progress of redemption: The story of salvation from creation to the
New Jerusalem, p. 272.
37
Ibid.

28
dEle (Jr 32:40). Os termos utilizados neste texto, ‫כרת ברית‬, são os mesmos utilizados nas
demais situações em que O SENHOR entra em aliança com o seu povo, e também para

reafirmar a aliança de Deus com seu povo no decorrer de toda a história da redenção. Isso

mostra que Deus se empenha em cumprir suas promessas apesar da infidelidade do


homem. C. H. Spurgeon, conhecido como “O Príncipe dos Pregadores” pregou no dia
06 de outubro de 1889, no Tabernáculo Metropolitano, Newington, um sermão intitulado:
“Perseverança na Santidade”38. Nesse sermão, ele expõe o texto de Jeremias 32: 40. Em
sua exposição, Spurgeon direciona sua congregação à segurança eterna e a descansar no
fato de a aliança da graça ter sido concebida de maneira divina, por ela ser realizada de
maneira Divina e ainda por ela ser mantida de maneira Divina. Ele expressa ainda que
Deus envolve sua honra na salvação do seu povo, portanto não desfalecerá. Por fim, ele
mostra que Deus coloca temor no coração dos seus para que sejam conduzidos pelo
Espírito em perseverança até o fim.39 Em Lamentações, o profeta expressa sua segurança
na infinda misericórdia de Deus e na sua fidelidade (Lm 3.22,23). 40

O profeta Ezequiel Também traz essa mensagem de Nova Aliança, denominada


Aliança da Paz. No capítulo 34, Deus mesmo garante buscar e apascentar suas ovelhas
(vv. 11-15), além da restauração da terra é também garantida a restauração da dinastia
davídica (v. 24), bem como a bênção na colheita (vv. 26-27) e na proteção (vv. 25-29). O
restante do livro traz ênfases relacionadas à: renovação da relação pactual do SENHOR
com o seu povo (36.20-36; 37.23, 26; 39.25); o retorno de Israel à terra (36.1-15, 24; 37.
14-23; 39.27); transformação espiritual do povo (36.25-27; 37.14; 39.29); as bênçãos do
pacto (36.8-12, 29-30, 33-35; 37.26); restauração de um rei da linhagem de Davi, o
Messias (37.24-25); por fim a restauração do Templo (37.26-27). Aqui estão envolvidas
a renovação de todas as Alianças – Abraãmica, Mosaica e Davídica.41 Todas essas
promessas conduziram o povo de Deus a segurança e certeza de salvação, uma vez que
esse povo tinha profundo conhecimento da imutabilidade de Deus.

Ainda olhando para os escritos proféticos, vê-se nos escritos do profeta Malaquias
grande ênfase em um dos grandes pilares dessa doutrina, que é a o atributo da

38
Perseverança na Santidade, disponível em: <http://www.romans45.org/spurgeon/sermons/2108.htm>,
acesso em: 16 nov. 2015.
39
Ibid.
40
LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 287.
41
VANGEMEREN, Willem, The progress of redemption: The story of salvation from creation to the
New Jerusalem, p. 274.

29
imutabilidade de Deus (Malaquias 3:6). O próprio SENHOR, por boca do profeta, declara
sua imutabilidade, ressaltando que, por conta dessa imutabilidade, os filhos de Jacó não
eram consumidos. Diante de um contexto onde o povo estava sendo infiel, deixando de
cumprir com suas obrigações no que toca a manutenção da casa do SENHOR, ele mesmo
faz esta declaração que atesta sua imutabilidade. O texto faz referência à promessa que o
SENHOR fez a Jacó (Gn. 28.10-17)42, a qual fora repetida em (Gn. 35.11-12). Por conta
dessa promessa os filhos de Jacó poderiam descansar certos de que não seriam
abandonados pelo SENHOR. Outro texto que expressa o atributo da imutabilidade de
Deus e traz segurança ao seu povo é Números 23.19. Comentando esse texto, Wenhan
ressalta que pelo fato de não ser homem, “Deus não pode ser manipulado por mágica,
nem recebe ordens videntes”.43 Van Groningen declara a invencibilidade do povo por
causa da presença de Deus no meio deles em decorrência da Sua aliança. 44 João Calvino
comentando este texto vai mostrar a disparidade entre Deus e o Homem. Ele aponta, na
figura de Balaque, a tendência errada que o homem tem de formar suas estimativas de
Deus a partir de suas próprias disposição e hábitos.45 Louis Berkhof, ao tratar o atributo
da “veracidade de Deu”, declara: “Ele é também a verdade num sentido ético e, como tal,
revela-se como realmente é, de modo que a sua revelação é absolutamente confiável”.46

Logo, o fato de Deus não mentir nem se arrepender traz total segurança nas Suas
promessas. A mesma ideia é encontrada em 1Samuel 15.29 quando Samuel declara a
sentença de Saul, por haver ele transgredido a Lei, declarando a fidelidade de Javé em
cumprir suas promessas. O Ellicott's Commentary for English Readers aponta uma
tradução possível para “A Força de Israel” como: “O imutável de Israel”.47 A qual reforça
a ideia da imutabilidade no texto. Diante disso, a declaração do profeta emana e inspira

42
Van Groningen, falando a respeito de aliança diz: “O Deus Yahweh garantiu aos patriarcas que ele seria
seu Deus, e Deus dos seus descendentes, de geração em geração (Gn 17.7). Ele havia prometido a Abraão
que lhe daria muitos descendentes e que, por meio deles, as nações seriam abençoadas (Gn 22.17, 18). O
Deus Yahweh havia dito a Jacó que todos os povos da terra seriam abençoados por seus descendentes. Jacó
foi assegurado de que o Deus Yahweh estaria com ele e cuidaria dele (Gn 28.14, 15). Essas promessas
haviam sido repetidas aos descendentes em várias circunstâncias. GRONINGER, GERARD VAN, Criação
e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, p. 480.
43
WENHAN, Gordon J., Números introdução e comentário, São Paulo: Edições Vida Nova e Editora
Mundom Cristão, 1991, p. 183.
44
GRONINGER, Gerard Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, p. 442.
45
Números 23 Comentários de Calvino, disponível em:
<http://biblehub.com/commentaries/calvin/numbers/23.htm>, acesso em: 19 nov. 2015.
46
BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 4. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 67.
47
1 Samuel 15 Ellicott’s Commentary for English Readers, disponível em:
<http://biblehub.com/commentaries/ellicott/1_samuel/15.htm>, acesso em: 7 dez. 2015.

30
total segurança e certeza de que a salvação viria para o povo de Deus, o SENHOR do
pacto.

Depois dessa vista panorâmica nas evidências da doutrina da segurança e certeza


da salvação, no Antigo Testamento, a pesquisa segue mostrando o resultado progressivo
no Novo Testamento, onde as bases estabelecidas da fidelidade de Deus ao Pacto, a saber,
a imutabilidade de Deus, a incondicionalidade na realização dos decretos de Deus e os
exemplos deixados pelos servos de Deus envolvidos na Aliança serão demonstrados na
instauração da Nova Aliança em Cristo Jesus.

1.3 Fundamentação da doutrina da Segurança e certeza da salvação no Novo


Testamento
Depois de trazer algumas das principais evidências que fundamentam a doutrina
da segurança e certeza da salvação, no Antigo Testamento, agora serão pontuadas essas
evidências nos textos que fundamentam a doutrina no Novo Testamento. Será observado,
dentro do progresso da revelação, uma grande ligação com o que fora destacado no Antigo
Testamento, no que toca à fundamentação da doutrina. A pessoa de Cristo e sua obra,
demonstram e atestam sua divindade, portanto, nele e por meio dele se cumprem todas as
promessas do Antigo Testamento e, sendo ele o próprio Deus, suas promessas também
são totalmente verdadeiras e conduzem à segurança e certeza da salvação.

Quanto à fundamentação da doutrina da segurança e certeza da salvação,


encontram-se no Novo Testamento confirmações da promessa universal e incondicional
de Deus e a demonstração do seu infinito, imutável e gratuito amor, bem como a aplicação
do mérito infinito da satisfação de Cristo e da sua contínua intercessão, bem como a
aplicação do pacto da redenção e a ação e testemunho do Espírito Santo na vida do
crente.48

Primeiramente, serão pontuados os fundamentos da doutrina no Evangelho de


Mateus com maior riqueza de detalhes e, depois, alguns outros eventos nos demais
Evangelhos, bem como em Atos, nas Epístolas e no Livro de Apocalipse.

1.3.1 Fundamentação da doutrina nos Evangelhos


Logo no início do Evangelho segundo Mateus é possível encontrar evidências que
fundamentam a doutrina da segurança e certeza da salvação. Ao analisar a genealogia de

48
HODGE, Charles, Teologia Sistemática, 1. ed. São Paulo, SP: Hagnos, 2001, p. 1105,1106.

31
Jesus, em Mt 1.1-16,49 vê-se a fidelidade e incondicionalidade de Deus em manter o seu
pacto, independente dos pecados cometidos por aqueles que são listados na genealogia e
pelos prosélitos que foram convertidos, como é o exemplo de Raabe e Rute. Também
percebe-se claramente a providência de Deus na preservação do seu povo no Egito, no
deserto, na posse da terra, no cativeiro, no retorno, até a chegada do Messias prometido,
cumprindo assim o que fora dito em (Gn 3.15), o chamado “Protoevangelho”.50 O Cristo
é apresentado como Filho de Abraão - filho da promessa por meio de quem a promessa a
Abraão seria concretizada, Filho de Davi – por meio de quem o Reinado Perpétuo seria
concretizado.51 O próprio Evangelho Segundo Mateus, na sua estrutura, mostra o
cumprimento das promessas do Senhor por meio da frase que se repete por todo Livro
dando ideia de cumprimento do que fora dito por intermédio dos profetas acerca do
Messias.52 Com isso, vê-se o progresso da revelação do Antigo Testamento, tendo sua
culminância no Novo Testamento com a vinda do Messias e a instauração do reino. Tudo
isso atesta a imutabilidade de Deus e sua fidelidade em cumprir suas promessas, trazendo
plena segurança e certeza de salvação aos eleitos.

Em Mt 6.9, o Senhor Jesus ensina os seus discípulos a orar, e vê-se que Ele os
manda orar ao Pai que está nos céus. Logo, ter o Deus todo poderoso como Pai, saber que
está sendo guardado por Ele, traz plena segurança aos seus filhos. 53 De posse dessa
segurança, os eleitos precisam descansar inteiramente no Senhor, assim como Mateus
mostra no restante do capítulo. Na narrativa do jovem rico e em seguida, quando o Senhor
fala do perigo das riquezas (Mt 19.16-30), observam-se evidências da doutrina da
segurança, pois a declaração de Jesus aos discípulos mostra que a salvação é uma obra

49
Van Groningen apreciando esta porção destaca que Jesus era o descendente de Davi. Ele apresenta um
breve resumo da obra de Cristo: “Veio como Mediador real que exerceu seu poder real, sua soberania sobre
a água vinho, peixes e pão, as tempestades no mar, a ressurreição dos mortos, a expulsão de demônios, ao
pisar a cabeça de Satanás na cruz e tendo ele próprio ressuscitado dentre os mortos”. GRONINGER, Gerard
Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, p. 536.
50
GRONINGER, Gerard Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, p. 134.
51
Matthew 1 Barnes’ Notes, disponível em: <http://biblehub.com/commentaries/barnes/matthew/1.htm>,
acesso em: 9 dez. 2015.; Matthew 1 Gill’s Exposition, disponível em:
<http://biblehub.com/commentaries/gill/matthew/1.htm>, acesso em: 9 dez. 2015; Matthew 1 Jamieson-
Fausset-Brown Bible Commentary, disponível em:
<http://biblehub.com/commentaries/jfb/matthew/1.htm>, acesso em: 9 dez. 2015.
52
Mt 1.22; 2.5, 15, 17, 23; 3.3; 4.14; 8.17; 12.17; 13.35; 21.4; 27.9. Bíblia de Estudo de Genebra, 2. ed.
Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil; Cultura Cristã, 2009.
53
Matthew 6 Matthew Poole’s Commentary, disponível em:
<http://biblehub.com/commentaries/poole/matthew/6.htm>, acesso em: 9 dez. 2015.; Matthew 6
Jamieson-Fausset-Brown Bible Commentary, disponível em:
<http://biblehub.com/commentaries/jfb/matthew/6.htm>, acesso em: 9 dez. 2015.

32
impossível ao homem (Mt 19.26); essa obra é diretamente realizada pelo próprio Deus,
ou seja, não depende do homem. Em seguida, Jesus mostra que aqueles que foram
chamados herdarão a vida eterna (Mt 19.29). Certamente, essa fala do Mestre trouxe plena
segurança para aqueles discípulos, pois diante da fala de Cristo eles puderam ver a
incondicionalidade da salvação, assim como demonstrado acima (Nm 23.19).54 Outro
evento que, dentre outros, também demonstra essa maravilhosa doutrina é a Ceia do
Senhor (Mt 26.26-28), onde o Senhor Jesus declara para os discípulos que eles haveriam
de beber de novo com Ele no reino do Seu Pai (Mt 26.29)55. Em seguida vem a
ressurreição de Cristo, que é o evento tido como uma das maiores evidências da doutrina
da segurança e certeza da salvação. Sandy Wilson declara acerca da ressurreição de Jesus:

A ressurreição de Cristo é o evento que coroa todas as poderosas obras da


redenção de Deus – mais magnifica do que o partir o Mar Vermelho, mais
surpreendente do que o terremoto no Monte Sinai, mais tremendo do que a
derribadas dos muros de Jericó, mais impressionante do que o triunfo de Davi
sobre Golias. O futuro de toda ordem criada repousa sobre este grande ato de
Deus. A esperança de todo verdadeiro crente repousa sobre a realidade
histórica deste evento.56

Ainda no Evangelho de Mateus, outro evento que fundamenta e evidencia a


doutrina da segurança e certeza da salvação é a grande comissão (Mt 28.18-20). Antes de
ser assunto aos céus, o Senhor Jesus faz uma declaração crucial para os discípulos: “Eis
que estou convosco todos os dias da minha vida até a consumação dos séculos”. Essa
segurança é tanto temporal, como também se vê na declaração no Sl 23 “todos os dias da
minha vida”, bem como eterna. A presença do Senhor é a garantia de segurança
primordial para o crente. Assim como no Antigo Testamento, como visto em Números
23.19,57 o que garantia a vitória do povo era a presença de Deus no meio do arraial, bem
como se vê nos Salmos de Davi58.

O Evangelho Segundo Marcos, já inicia com a expressão que aponta para a


culminância do progresso da revelação – εὐαγγέλιον, que quer dizer: Boas novas (Mc 1.1).
Essas boas novas apontam para o cumprimento das promessas pactuais do Antigo

54
Ver 1.2.2.6 p.27,28
55
Henry E. Dosker, comentando esse evento, diz que “ele estava apontando para a plena realização e
consumação do Reino de Deus no fim dos tempos, quando a refeição seria retomada no ‘banquete
messiânico’”. Lord’s Supper | Free online library at BiblicalTraining.org, disponível em:
<https://www.biblicaltraining.org/library/lords-supper>, acesso em: 9 ago. 2016.
56
CARSON, D. A.; KELLER, Timothy, O Evangelho no Centro: Renovando nossa fé e retomando
nossa prática ministerial, São José dos Campos, SP: Fiel, 2013, p. 184.
57
Ver 1.2.2.6 p. 27
58
Ver 1.2.2.5 p. 25,26

33
Testamento, bem como para a fidelidade de Deus em cumprir Suas promessas de maneira
incondicional. O evangelista, escrevendo para um público, em sua maioria, gentia, tem
como objetivo apresentar a verdadeira identidade de Jesus. Por meio de suas ações, o
autor busca atestar sua divindade. Ele mostra que Jesus tem o poder de perdoa pecados
(Mc 2.7,10), mostra que Jesus se apresenta como o noivo da nação de Israel (Mc 2.19,20)
e também mostra Jesus declarando-se Senhor do Sábado (Mc 2.28).59 Em Mc 10.45, o
próprio Senhor Jesus declarou sua missão messiânica da seguinte maneira: “Pois o
próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em
resgate por muitos”. Tem-se, aqui, o cumprimento da profecia de Isaías, como se vê em
Is 53.60

O evangelista, ainda com o intuito de mostrar e atestar a divindade de Jesus e


quem Ele é, intenciona ressaltar, em diversos textos, algo que muitas vezes é
desconsiderado por muitos, que é o “Segredo Messiânico”61. Em várias passagens se
percebe que Jesus, normalmente, ao realizar milagres, pede que não se declare nada
acerca da sua pessoa. Por exemplo, em Mc 1.25 ele dá essa ordem aos espíritos malignos;
em 1.34 a ordem é dada aos demônios; em 1.44 ao leproso, depois de realizar a conhecida
“troca maravilhosa”62; 3.12, mais uma vez aos espíritos malignos; no capítulo 5, ele
recomenda o silêncio ao ressuscitar a menina; em 7.36 a ordem é ao surdo mudo; em 8.26
ao cego de Betsaida; por fim em 8.30, ele adverte os próprios discípulos na ocasião da
confissão de Pedro e depois na ocasião da trasfiguração, em 9.30,31. Todos esses milagres
atestavam sua divindade e que, de fato, ele era o Messias prometido, o novo Moisés. No
capítulo 12, o Senhor Jesus passa a ensinar no templo sobre o Messias, fazendo uso do Sl
110.63 Por vezes, Marcos mostra Jesus declarando-se como o “Filho do Homem”, que em

59
DEVER, Mark, A mensagem do Novo Testamento, 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Casa Publicadora das
Assembleias de Deus, 2009, p. 66.
60
Ibid., p. 72.
61
MACGREGOR, K. R., Mark, Gospel of, in: The Bible Dictionary Lexham, 1. ed. Bellingham, WA:
Lexham Press, 2016. Nesse artigos encontra-se uma apresentação crítica, que vem sendo questionada desde
1901, relacionada a esse Segredo Messiânico, apontando como uma ideia que teria sido inventada por
Marcos para suprir a lacuna deixada por Jesus por Ele não ter declarado para ninguém que era o Messias.
Por sua vez, essa teoria acaba sendo desmentida por estudos mais recentes que apontam que a
intencionalidade de Jesus em querer manter sua identidade messiânica em segredo era para que Ele pudesse
desempenhar com tranquilidade seu ministério e em tempo oportuno revelar-se a todos como o messias
prometido e esperado.
62
O ato de Cristo, de tocar no leproso, apontava para sua obra redentiva, para aquilo que Ele veio para
fazer, tomar sobre si a miséria e enfermidade e, em trocar, dar Sua abundante vida.
63
DEVER, A mensagem do Novo Testamento, p. 66,67.

34
consonância com Dn 7, aponta para figura do Messias, como se vê em Mc 14.61,62.64
Como ressalta Beale e Carson, quanto a identidade de Jesus no Evangelho de Marcos lê-
se:

Vindo ao mundo para levar a efeito o novo êxodo de Isaías, esperado havia
tanto tempo (1.2,3), ele não apenas é o Messias e Servo dos judeus, segundo
Davi e Isaías, o qual encarna tudo que se esperava de Israel (1.10,11), mas
também, como as palavras de abertura de Marcos dão a entender de maneira
misteriosa, a presença do próprio Deus (1.2,3).65

O fundamento da doutrina da segurança e certeza da salvação no Evangelho de


Marcos, está expresso no cumprimento glorioso da promessa do Messias, demonstração
da fidelidade e misericórdia do Senhor para com Israel e todas as nações.

No Evangelho segundo Lucas, também encontramos muitas evidências que


fundamentam a doutrina da segurança e certeza da salvação por meio do cumprimento
das promessas. A começar pelo anúncio do nascimento de Jesus (Lc 1.32, 33), quando o
anjo diz a Maria: “Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor
lhe dará o trono de Davi, seu Pai; ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu
reinado não terá fim”. Temos aqui, a semelhança do que encontramos no Evangelho
segundo Mateus, a promessa feita a Davi (2Sm 7.12-13, 16), sendo cumprida em Cristo
Jesus, clara demonstração da fidelidade de Deus. O cântico de Maria aponta sua segurança
e certeza da salvação no cumprimento da promessa feita a Abraão (Lc 1.46-53). Maria
declara que Deus é o seu salvador, demonstrando assim segurança e certeza da salvação
por meio daquele que haveria de nascer dela. O cântico de Zacarias (Lc 1.67-80) é uma
das expressões de segurança e certeza da salvação das mais belas no Novo Testamento,
onde Zacarias bendiz ao Senhor pela sua fidelidade em suprir a salvação para o Seu povo.
Temos aqui o cumprimento da promessa feita ao profeta Isaías (Is 40.3) acerca daquele
que viria e prepararia o caminho do Senhor. Outro cântico é proferido por Simeão (Lc
2.20-32), também evidenciando plena segurança na fidelidade do Senhor em cumprir suas
promessas.

A declaração de Jesus na casa de Zaqueu, o publicano, também traz segurança no


que toca a salvação ser direcionadas aos perdidos, dos quais aquele homem também o
era, mesmo sendo um filho de Abraão (Lc 19.10). Outro evento célebre que aponta para

64
Ibid., p. 69.
65
BEALE, G. K.; CARSON, D. A., Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento,
1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 141.

35
segurança no Livro de Lucas são as aparições do Senhor aos seus discípulos, após sua
ressurreição. O diálogo de Jesus com os discípulos no caminho de Emaús é um relato que
comprova a veracidade da Escritura e conformidade de Jesus com os relatos contidos nela
(Lc. 24-48),66 bem como a Sua ascensão (Lc 24.53), atestando a veracidade de todas as
suas Palavras. Todas essas evidências deixam mais do que firmes as bases da segurança
e certeza da salvação para os discípulos, que puderam atestar sua divindade e ver a
veracidade das suas promessas, comprovando assim a sua divindade e autenticando todas
as suas Palavras. Isso fica evidente na atitude obediente dos discípulos ante a ordem dada
por Jesus de que eles permanecessem na cidade (v. 49) até que fossem revestidos de
poder, e eles prontamente foram para Jerusalém (v. 52).

O Evangelho segundo João traz também muitas evidências que fundamentam a


doutrina da certeza da salvação. A começar pela descrição da encarnação do Verbo (Jo
1.1-3) e da seguinte declaração: “Mas, a todos quanto o receberam, deu-lhes o poder de
serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome; os quais não nasceram
do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”. (Jo 1.12,
13). Aqui vê-se a grandeza da graça de Deus, a fidelidade em salvar incondicionalmente,
independente da vontade do homem, e também a ampliação a todos aqueles que crerem
independente de fazerem parte do povo de Israel ou não, os quais são caracterizados por
nascer da vontade de Deus.

Isso é explicado mais à frente na conversa de Jesus com Nicodemos, pois esse é o
tema da conversa, “novo nascimento”, ou seja, é preciso nascer do Espírito. (Jo 3.3-7).
João 3.16, uma das passagens mais conhecidas e citadas da Escritura, também atesta esta
necessidade de crer para que se seja salvo. Caso se perca essa informação inicial de João,
que o homem precisa nascer da vontade de Deus criar-se-á um problema. Ao ver a
repetição da frase “todo aquele que nele crer” ou “todo aquele que crê”, na Escritura,
relacionada à salvação, pode-se achar que isso é algo que vem do homem, mas o ato de
crer para salvação é algo que só é possível por meio da fé que é dada por Deus como um
dom. Por tanto, é uma ação totalmente monergística, uma vez que aquele que crer para
salvação é aquele que foi escolhido desde antes da fundação do mundo e foi regenerado
por Deus e capacitado a crer nele, ou seja, aquele que nasceu do Espírito.

66
Ibid., p. 644.

36
Um evento de grande importância também é o encontro de Jesus com a mulher
samaritana (Jo 4). Nesse encontro o Senhor apresenta-se como Aquele que veio cumprir
as promessas da Antiga Aliança e inaugurar a Nova Aliança – “Eu sei, respondeu a
mulher, que há de vir o Messias, chamado Cristo; quando ele vier, nos anunciará todas as
coisas. Disse-lhe Jesus: Eu o sou, eu que falo contigo”. (Jo 4.24,25). Essa forte declaração
de Jesus fundamenta e confere segurança e certeza da salvação aos eleitos.

Outro evento marcante que evidencia a doutrina da segurança e certeza da


salvação está na narrativa onde Jesus explica sua missão aos judeus que, por sua vez, o
ignoravam por ele ter realizado uma cura no sábado (Jo 5). Jesus aqui dá total segurança
aqueles que verdadeiramente creem nele, declarando: “Em verdade, em verdade vos digo
que vem a hora e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que
a ouvirem viverão” (Jo 5.25). Mais uma vez o Senhor aponta para o novo nascimento, ou
seja, aqueles que forem nascidos do Espírito, os que passarão da morte para vida por meio
da Palavra, do Verbo de Deus. Em seguida Jesus, ainda em debate com os judeus, dá mais
evidências que conduzem o eleito à plena segurança, pois em Jo 6.37-5167, a própria
estrutura do grego aponta para isso, através do uso das partículas que juntas indicam uma
forte ênfase οὐ μὴ68 (“jamais”), seguida pelo verbo ἐκβάλω69 (“lançarei fora”) – essa forte
asseveração de Jesus trouxe plena segurança aos eleitos; nos vv. 38-39, Jesus declara que
tem descido para fazer a vontade do Pai, e que a vontade do Pai é que nenhum daqueles
que Ele lhe tem dado se perca, mas ele o ressuscitará no último dia. Mais uma vez, aqui,
temos a relação do πᾶν70 (“todos”), relacionado com o αὐτὸ71 (“eles”), expressando que
todos serão, de fato, ressuscitados no último dia. Essa expressão, marcante por suas
repetições, traz uma carga enorme de significado, uma vez que, assevera, pelo uso do
pronome “ἐγὼ”72, que é Ele mesmo, aquele que outrora falava com eles, apontando para
uma visão escatológica do último dia. O fato é que no versículo 44, o Senhor Jesus ainda
ressalta: “Ninguém pode vir a mim se o Pai, o que me enviou, não o trouxer.” Mais uma

67
LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 426.
68
MOUCE, William D., Léxico Analítico do Novo Testamento Grego, São Paulo: Vida Nova, 2013,
p. 450. Mouce vai explicar essa construção que visa dar uma forte ênfase. MOUCE, WILLIAM D.,
Fundamentos do Grego Bíblico, São Paulo: Vida Nova, 2009, p. 354. Daniel, também cometa este tipo
de construção. WALLACE, Daniel B., Gramática Grega: Uma sintaxe exegética do Novo Testamento,
São Paulo: Editora Batista Regular do Brasil, 2009, p. 468–469.
69
MOUCE, William D., Léxico Analítico do Novo Testamento Grego, p. 214.
70
MOUCE, William D., Fundamentos do Grego Bíblico, p. 100.
71
Ibid., p. 118.
72
Ibid., p. 110.

37
vez, ele aponta para o fato de a salvação vir inteiramente de Deus, incondicionalmente,
dependendo apenas da sua Santa vontade.

Destaca-se, ainda, outra célebre expressão do Senhor Jesus, “ἐγώ εἰμι”. Essa
expressão é bem recorrente no livro de João e, por sua vez, aponta maravilhosamente para
segurança. Em 4.25, ele declara ἐγώ εἰμι – “Eu sou messias”; em 6.35 ἐγώ εἰμι – “Eu sou
o pão da vida”; em 6.41 ἐγώ εἰμι – “Eu sou o pão que desceu do céu”; em 8.12 ἐγώ εἰμι
– “Eu sou a luz do mundo”; em 8.24, 28,58 e 13.19 ἐγώ εἰμι – “EU SOU” (referência a
Êx 3.14; At 7.32); em 10.7,9 ἐγώ εἰμι – “Eu sou a porta”; em 10.11,14 ἐγώ εἰμι – “Eu sou
o bom pastor”; em 11.25 ἐγώ εἰμι – “Eu sou a ressurreição e a vida”; em 13.13 ἐγώ εἰμι
– “Eu sou Mestre e Senhor”; em 14.6 ἐγώ εἰμι – “Eu sou o caminho, e a verdade, e a
vida”; em 15.25 ἐγώ εἰμι – “Eu Sou a videira”. Todas essas referências conferem
evidências à doutrina da segurança e certeza da salvação.

Vê-se, no Evangelho de João, que as evidências da doutrina da segurança da


salvação estão relacionadas com a doutrina da regeneração com a relação com o novo
nascimento e a doutrina da fé, uma vez que por várias vezes aparece no livro a expressão:
“aquele que crer em mim”, o verbo “Πιστεύω” (crer) nos diversos tempos, aparece no
livro de João por (98 vezes).73 A intenção do autor é enfatizar a necessidade de crer em
Jesus para salvação, mostrando que não depende do homem, mas inteiramente e
incondicionalmente do próprio Deus realizar o novo nascimento pelo Espírito naquele
que verdadeiramente virá a crer, o qual estará totalmente assegurado de sua salvação.

1.3.2 Fundamentação da doutrina no Livros de Atos


Sendo uma continuação do Evangelho de Lucas, o livro dos Atos dos Apóstolos
intenciona mostrar o reinado de Cristo por meio do Espírito, da Palavra e da Igreja. O
referido livro também apresenta evidências que fundamentam a doutrina da segurança e
certeza da salvação. É possível perceber nas narrativas de Lucas que os discípulos haviam,
em Cristo, presenciado o cumprimento de muitas promessas, e, agora, além das promessas
que ainda estavam por se cumprir, eles passam a viver em função das promessas dadas e
ratificadas pelo próprio Deus encarnado. De posse dessas promessas, eles passam a viver
os últimos dias com a expectativa do último dia, ou seja, da consumação final de todas às

73
Strong’s Greek: 4100. πιστεύω (pisteuó) -- 244 Occurrences, disponível em:
<http://biblehub.com/greek/strongs_4100.htm>, acesso em: 10 dez. 2015.

38
coisas, trabalhando assim, com intrepidez, por meio da ação do Espírito Santo, para a
propagação e expansão do Reino inaugurado de Cristo Jesus.

Lucas retoma sua narração pela ascensão de Jesus (At 1.6-11), cumprimento de
Daniel 7.13 e 14, o que, por sua vez, é confirmado na visão de Estêvão (At 7.56). Lucas
intenciona mostrar continuidade com o que havia narrado no seu Evangelho a respeito da
assunção do Senhor (Lc 9.51). No evento da Sua assunção, o Senhor confirma e ratifica
a promessa do envio do consolador. Tem-se nessa profecia o cumprimento da profecia de
Joel (Jl 2.28,29), a qual tem o seu cumprimento no dia de Pentecostes (At 2.1-4, 33). Esse
evento, em menor proporção, acontece novamente com a casa de Cornélio, o qual era
gentil (At 10.44). Veem-se, portanto, as evidências da fidelidade de Deus mais uma vez
presentes no cumprimento das promessas, bem como o tema da universalização da
promessa feita a Abraão, atingindo todas as nações, como se percebe no itinerário dado
pelo Senhor de como Sua Palavra deveria progredir (At 1.8).

Há também fortes evidências que fundamentam a doutrina da segurança e certeza


da salvação na pregação dos Apóstolos, pela forma corajosa com que eles enfrentam as
perseguições. Isso pode ser visto no evento do primeiro discurso de Pedro no dia de
pentecostes (At 2.14-36). Esse sermão pregado por Pedro está repleto de evidências que
fundamentam a segurança do crente, pois Pedro inicia confirmando o cumprimento da
promessa de Joel; em seguida faz uma exposição panorâmica da vida e obra de Jesus (At
2.22-24), mostrando-o como “varão aprovado por Deus”, o qual fora “entregue pelo
determinado desígnio e presciência de Deus”, e que por Deus fora ressuscitado, venceu a
morte, comprovando a fala de Davi no Sl 16.8-11; fora exaltado por Deus, e também lhe
fora dado todo domínio, cumprindo assim o que fora dito em passagens como: Gn 1.28,
Sl 8, Sl 110 e Dn 7, sendo também feito por Deus como Senhor e Cristo.

No cap. 3 e 4 de Atos, vê-se que mesmo em situação de perseguição, Pedro e João,


capacitados e movidos pelo Espírito, continuavam a pregar com intrepidez a Palavra do
Senhor, lembrando àquele povo as profecias dadas por intermédio dos profetas e assim
cumpridas em Cristo (vv. 18-26) e, assim, fazendo conhecido o Evangelho por onde
passavam. Outro discurso digno de nota que também reforça essa fundamentação da
doutrina da segurança e certeza da salvação é o discurso de Estevão, sua defesa e seu
martírio (At 7), onde mais uma vez, de forma bíblico-teológica, a Escritura é apresentada
para centralizar o progresso da revelação em Cristo Jesus. Lucas dedica ainda boa parte
do livro à narração sobre a ação do Espírito na vida de Paulo. Vê-se, nessa narrativa a
39
demonstração da incondicionalidade e misericórdia de Deus na vida daquele homem que
se torna um ícone, ou seja, um grande exemplo de segurança e certeza da salvação. Um
grande exemplo da segurança do apóstolo Paulo no cumprimento das promessas de Deus
está em At 27.25, onde ele declara: “Portanto, senhores, tende bom ânimo! Pois eu confio
em Deus que sucederá do modo por que me foi dito”. Nas suas epístolas Paulo deixa bem
evidente a sua segurança e certeza da salvação, exemplificando e testemunhando para que
todo discípulo possa também buscar e evidenciar essa segurança e certeza.

A direção dada pelo Senhor no decorrer de todo o Livro, acerca do progresso da


Palavra, a providência, a inclusão e salvação dos gentios, são acontecimentos que dão
cumprimento de promessas. Logo, isso fortalece o fundamento da doutrina, pois aponta
para a imutabilidade de Deus e sua fidelidade em cumprir, incondicionalmente suas
promessas, mostrando para o povo de Deus que a segurança da salvação se encontra no
próprio Deus provedor e mantenedor do seu povo escolhido.

1.3.3 Fundamentação da doutrina nas Epístolas Paulina


As epístolas paulinas estão repletas de evidências que fundamentam a doutrina da
segurança e certeza da salvação. Diante disso, serão destacadas as principais delas.
Começando pela Epístola de Paulo aos Romanos, já no início é possível identificar os
fundamentos da doutrina da segurança e certeza da salvação. Paulo inicia apontando para
fidelidade de Deus em cumprir suas promessas, mostrando o evangelho de Deus que fora
“prometido por intermédio dos Seus profetas nas Sagradas Escrituras”. O Apóstolo
estabelece a condição do homem caído e nivela tanto judeus quanto gentios a uma
condição de condenação – “pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” – mostrando
a necessidade e carência que todos têm de salvação. Ele mostra que a salvação está em
Cristo Jesus (Rm 3.25,26). No capítulo 4, ele apresenta o testemunho de Abraão e Davi,
os quais, como já fora mostrado, demonstraram por meio das suas obras de obediência e
fé, plena confiança e segurança nas promessas do SENHOR para eles, que
incondicionalmente os salvou.

No capítulo 5, o Apóstolo mostra a segurança e certeza que ele tem na justificação


por meio de Cristo, por meio de quem, o homem, é reconciliado com o Pai (vv. 8-11).
John Murray declara que Romanos 5: 5 tem um notável exemplo de combinação das bases
objetivas e da certeza subjetiva da esperança do crente.

Neste versículo, somos informados das razões por que a esperança é firme e
segura. Não se trata de uma esperança que nos envergonhará, tampouco é uma

40
esperança na qual precisemos nutrir qualquer vergonha. Pelo contrário, é uma
esperança da qual podemos nos gloriar e protestar contra todos os adversários.
Ela jamais nos desapontará e se mostrará ilusória. Por quê? Por que o amor de
Deus é derramado em nosso coração, pelo Espírito Santo que nos foi
outorgado.74

Murray vai ainda enfatizar que esse amor de Deus (v.5) é o que vai garantir a
eficácia e dar plena segurança ao homem, pois se dependesse do amor do homem para
com Deus essa certeza e segurança seriam destruídas. E quem propicia essa certeza é o
Espírito Santo que nos foi dado, e por esta razão Ele nos governa. E, assim, ele testemunha
com o espírito dos crentes que estes são filhos de Deus (Rm 8: 16).75

Fica totalmente clara a segurança de Paulo por meio das suas exposições e
aplicações do Evangelho às doutrinas da regeneração, justificação e santificação. No
capítulo 6, o Apóstolo mostra que o homem é liberto do pecado pela graça, apontando,
na doutrina da Justificação, a doutrina da segurança. No versículo 23, Paulo enfatiza que
por merecimento o homem merece a morte, mas Deus, inteiramente de graça lhe dá a
salvação. Isso mostra que a vida eterna é um dom de Deus, o que confirma o ponto de
que o crente pode sentir-se seguro porque a salvação vem inteiramente de Deus.76 No
capítulo 8, Paulo diz que “nenhuma condenação há para os que estão em Cristo”. Aqui
vê-se a doutrina da justificação pela fé conduzindo o eleito à plena segurança. O Apóstolo
Paulo também direciona o eleito à plena segurança, mostrando o paralelo antitético entre
aquele que procede da carne e aquele que está no Espírito, assim ele declara que “o
próprio Espírito testifica com o nosso Espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8: 16).77
Ainda neste capítulo dos versículos 31 ao 39, encontram-se os principais fundamentos da
doutrina da segurança.78 Aqui ele mostra o progresso da revelação, no que toca à
fidelidade de Deus no curso da história da redenção, mostrando que se Deus está do lado
daqueles a quem ele escolhe, nada poderá abalá-los. Com isso ele vai mostrar que nada
poderá separá-los do amor de Deus, que está em Cristo Jesus. Assim como já visto na
declaração de Jesus no Evangelho de João 6: 37, aqui o Apóstolo atesta essa verdade. No

74
MURRAY, John, Romanos, São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2012, p. 190–191.
75
Ibid., p. 191.
76
BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, p. 498.
77
Garantia, disponível em: <http://biblehub.com/library/watson/a_body_of_divinity/6_assurance.htm>,
acesso em: 9 dez. 2015.
78
LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 209.

41
versículo 38, Paulo expressa sua certeza na intenção de nutrir certeza nos seus leitores.
Tudo isso fiado no amor de Cristo para com os seus eleitos.79

A carta aos Efésios, também é outra carta onde o apóstolo apresenta muitas
evidências que fundamentam a doutrina da segurança e certeza do crente. No capítulo
primeiro (vv. 3-14), Paulo mostra a necessidade que a Igreja tem de bendizer ao Senhor,
ressaltando a ação monergística de Deus na salvação.80 A Economia da Trindade é
destacada, quando se apresenta a função de cada pessoa da Trindade na salvação81: O Pai
elege; o Filho redime; o Espírito Santo aplica, sendo o Espírito o selo e penhor que dá a
garantia de segurança e plena certeza da salvação para o crente.82 Nos versículos 15-23,
o Apóstolo ora para que os crentes pudessem ser iluminados para ver a obra da Trindade
aplicada às suas vidas, e os resultados de estarem unidos a Cristo. As doutrinas
enfatizadas nessa perícope conduzem à plena segurança, pois mostram que aquele que
está unido a Cristo foi ressuscitado com Ele, foi entronizado com Ele, exaltado com Ele,
tudo que Cristo conquistou é herança do eleito.

Os temas desenvolvidos pelo Apóstolo na epístola aos Efésios são trabalhados por
ele nas demais epístolas com maior ou menor ênfase. Contudo, o que se percebe é o
cuidado do Apóstolo em fortalecer os crentes para que, de posse das verdades do
Evangelhos, pudessem descansar no Senhor e nutrir a verdadeira certeza da salvação, não
fiados em si mesmos, mas na obra gloriosa da Trindade.

Na carta de Paulo aos Filipenses também é possível encontrar evidências dessa


doutrina. Já no início do capítulo primeiro, vê-se o Apóstolo demonstrando sua plena
certeza de salvação, a qual está depositada na fidelidade e imutabilidade de Deus (v. 6).
Analisando essa passagem, Baner mostra que o verbo “πείθω” (persuadir), encontra-se
no particípio, voz média, dando a ideia de ser total e firmemente persuadido e confiante.83
Logo, o Apóstolo estava firmemente persuadido de que aquela obra não era dependente
dos irmãos de Filipos, mas claramente e inteiramente essa obra dependia do próprio Deus.
Lloyd-Jones demonstra bem isso mostrando que a confiança de Paulo é explicada pela

79
Ibid., p. 21.
80
LLOYD-JONES, D. M., O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 1996, p. 50–51.
81
LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 50.
82
Ibid., p. 608.
83
Philippians 1 Barnes’ Notes, disponível em:
<http://biblehub.com/commentaries/barnes/philippians/1.htm>, acesso em: 11 abr. 2016.

42
sua “clara compreensão da natureza da vida cristã, seu entendimento quando um homem
se torna cristão e do poder e da vida que constituem a Igreja Cristã. É seu profundo
conhecimento do plano divino de salvação que leva a essa sua confiança”.84 Paulo conduz
aqueles irmãos à certeza de que foram salvos e que eles podiam descansar nessa certeza.
O termo “πείθω” traz ainda a ideia de estar tranquilo e estar confiante.85 Pelo exemplo o
Apóstolo ensina aqueles irmãos a confiarem na fidelidade e imutabilidade de Deus,
demonstrando assim a sua plena segurança e certeza da salvação. Isso fica evidente em
tantas passagens dos seus escritos, como por exemplo em Fl 1.21; 2Tm 1.1286.

1.3.4 Fundamentação da doutrina nas Epístolas Gerais


À semelhança das epístolas paulinas, nas epístolas gerais também é possível
encontrar sobejas evidências que fundamentam a doutrina da segurança e certeza da
salvação. Começando pela epístola aos Hebreus, observa-se no verso primeiro a
progressividade que há entre o Antigo e o Novo Testamento, Deus continua se revelando,
agora por meio do seu Filho. Vale notar que no versículo segundo o autor ressalta que
Cristo é o herdeiro e destaca também sua exaltação e superioridade aos anjos.

A supremacia de Cristo é testificada, por diversas vezes nessa carta, para mostrar
que ele é maior do que os anjos (Hb 1), maior do que Moisés (Hb 3), do que os profetas
e sacerdotes (Hb 5; 7). Sendo Ele a expressão perfeita do ser de Deus, é também o antítipo
perfeito de todos aqueles que apontaram para Ele desde Adão até o Seu nascimento (Hb
8; 9). As bases da segurança estão lançadas na obra de Cristo Jesus e o autor da epístola
deixa isso muito evidente por meio da sua exposição cristocêntrica (Hb 2.14-18). O autor
exalta a justiça e a imutabilidade de Deus (Hb 6.13-20). Os teólogos de Westminster
destacaram esse atributo de Deus de maneira gloriosa. O Catecismo Maior de
Westminster, na sua pergunta de número sete, cita vários atributos de Deus e entre os
atributos citados, encontra-se o atributo da imutabilidade. Johannes Geehardus Vos, em
seu comentário do CMW87, levanta a grande questão que está relacionada a esta
afirmação: “Se Deus é imutável, então por que a Bíblia fala que ele ‘se arrependeu’ ou

84
LLOYD-JONES, D. Martyn, A Vida de Alegria comentário sobre Filipenses, 1. ed. São Paulo:
Publicações Evangélicas Selecionadas, 2008, p. 37.
85
MOUCE, William D., Fundamentos do Grego Bíblico, p. 475.
86
LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 658.
87
VOS, Johannes Geehardus, Catecismo Maior de Westminster Comentado, 1. ed. São Paulo: Os
Puritanos, 2007, p. 49–54.

43
que mudou de ideia, como por exemplo no caso da cidade de Nínive (Jn 3: 10)?”88 Ele
vai mostrar que Deus não muda o seus decretos, mas apenas a forma de tratar com o seu
povo. No caso dos ninivitas a narrativa mostra que eles mudaram o seu modo de agir, se
convertendo ao SENHOR.89

A Confissão de Fé de Westminster, em seu capítulo segundo, na sessão primeira,


falando de Deus e da Santíssima Trindade, ressalta o atributo da imutabilidade.90 Hodge,
vai dizer que:

Seu conhecimento, que jamais pode sofrer qualquer mudança, eternamente


reconhece sua criatura e suas ações em seus diversos lugares no tempo; e suas
ações sobre suas criaturas fluem dele nos momentos precisos predeterminados
em seu imutável propósito. Daí Deus ser absolutamente imutável em seu ser e
em todos os modos e estados dele. Em seu conhecimento, suas emoções, seus
propósitos, e consequentemente em seus envolvimentos com suas criaturas, ele
é o mesmo ontem, hoje e eternamente.91

O autor vai mostrar, nessa porção, que, de fato, a segurança do eleito está na
Palavra que Deus empenhou ao pactuar com os Seus. Ele começa citado o pacto de Deus
com Abraão, no qual fica clara a incondicionalidade para o cumprimento, uma vez que o
próprio Deus “se interpôs com juramento” (v.17). Nos versos 17-20, temos o ápice da
fundamentação da segurança e certeza da salvação na carta:

Por isso, Deus, quando quis mostrar mais firmemente aos herdeiros da
promessa a imutabilidade do seu propósito, se interpôs com juramento, para
que, mediante duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta,
forte alento tenhamos nós que já corremos para o refúgio, a fim de lançar mão
da esperança proposta; a qual temos por âncora da alma, segura e firme e que
penetra além do véu, onde Jesus, como precursor, entrou por nós, tendo-se
tornado sumo sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque.92

Ao tratar de Cristo Jesus como mediador da Nova Aliança (Hb 8.6), o autor aponta
mais um aspecto que fundamenta a segurança e certeza do crente. Aqui o autor remete os
seus leitores à profecia dada por intermédio de Jeremias (Jr 31.31-34). A forma como o
autor coloca a suficiência do sacrifício é também outro fundamento para a segurança e
certeza do crente (Hb 9.11-14). Mais uma vez é ratificado que Cristo Jesus é o Mediador
da nova aliança, o qual confere segurança e esperança àqueles que têm sido chamados
por meio da promessa de herança (v.15), por fim ele ressalta a segunda vinda de Cristo o
último dia. Os que são alvo dessa “expiação limitada” (v.28) podem descansar seguros de

88
Ibid., p. 51.
89
Ibid., p. 52.
90
HODGE, A. A., Confissão de Fé de Westminster Comentada, São Paulo: Os Puritanos, 1999, p. 75.
91
Ibid., p. 81.
92
Bíblia de Estudo de Genebra, p. 1652.

44
que o sacrifício apresentado por Cristo santifica-os de uma vez por todas (Hb 10.10),
mostrando assim a incondicionalidade da salvação, mostrando também a impossibilidade
de o verdadeiro crente perder a salvação, tema que será tratado nesta pesquisa com mais
apreço posteriormente. Ainda no capítulo 10, partindo verso 19, é conferida ao crente o
privilégio de achegar-se à presença gloriosa de Deus. Nessa porção, o eleito, mais uma
vez, encontra firme fundamento para a segurança e certeza da salvação, tanto que dele é
requerido que apresente certeza de fé93:

Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue
de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela
sua carne, e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus, aproximemo-nos,
com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má
consciência e lavado o corpo com água pura. Guardemos firme a confissão da
esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel. (Hb 10.19-22)94

Outro capítulo que confere fundamentação para a doutrina, mostrando a tratativa


de Deus para com o seu povo e a resposta positiva dos verdadeiros crentes, é o capítulo
11, o qual apresenta a galeria dos heróis da fé, confirmando assim aqueles crentes que
manifestaram fé operante no Antigo Testamento. No capítulo 12, o autor mostra que na
disciplina o Pai espiritual demonstra seu amor para com os seus filhos, para mantê-los no
caminho. Aqui, vê-se a ligação da doutrina da segurança com a doutrina da perseverança
dos santos, o que mostra para o crente que a salvação é dada e mantida pelo Pai, por meio
do Filho e pela ação do Espírito Santo, conferindo segurança e certeza ao crente. Lawson,
tratando dessa relação declara: “Todos os que Deus escolhe e chama soberanamente para
si na salvação, ele mantém em segurança eterna”.95

Nas outras Epístolas também aparecem evidências que fundamentam a doutrina


da segurança e certeza da salvação. Na Epístola de Tiago, já na saudação vê-se o
progresso da redenção, no que toca à preservação do Israel de Deus. O autor cita as 12
tribos de Israel (v.1), apontando para todo o povo de Deus, ou seja, todo o Israel de Deus,
agora composto de judeus e gentios. No versículo 12, Tiago aponta, na doutrina da
perseverança, a garantia da coroa da vida, deixando claro que essa capacitação à
perseverança vem do Senhor. Isso aponta para a incondicionalidade da salvação. Deus
age do início ao fim na salvação do homem.

93
Esse tema também será desenvolvido pela pesquisa com maior atenção posteriormente.
94
Bíblia de Estudo de Genebra, p. 1661.
95
LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 96.

45
Ao olhar para a porção que se encontra em Tiago 2.14-26, é necessário entender
a ação das obras na segurança e certeza do crente. As obras, como colocado por Tiago,
não contrariam a doutrina da salvação pela fé somente, ensinada por Paulo. É preciso que
a forma como Tiago coloca seja vista em paralelo, com o que Paulo ensina, entendendo
as obras como resultado da verdadeira fé. Como será desenvolvido no decorrer da
pesquisa as boas obras são frutos da certeza do verdadeiro crente. Outro ponto na carta
que aponta o fundamento da doutrina é a certeza demonstrada pelo autor de que o Senhor
vem. A declaração de que “a vinda do Senhor está próxima”, confere total segurança e
certeza ao verdadeiro crente.

As epístolas de Pedro também são de grande importância para a fundamentação


da doutrina da segurança e certeza da salvação. Já no início da sua primeira carta Pedro
apresenta os fundamentos da sua segurança e certeza. Pedro não apresenta um novo
discurso, na verdade, reitera e desenvolve tudo quanto já fora mostrado nos seus primeiros
discursos destacados em Atos dos Apóstolos.96 Algumas doutrinas ligadas a segurança e
certeza do crente são destacadas nos primeiros versos, a saber: a eleição; a presciência de
Deus; a santificação; expiação; regeneração para uma viva esperança pela eficácia da
ressurreição; herança incorruptível do crente. Depois de citar todas essas doutrinas, Pedro,
no versículo 5, afirma que os eleitos são “guardados pelo poder de Deus, mediante a fé,
para salvação preparada para revelar-se no último tempo”, apontando assim para a
perseverança dos santos como uma obra monergística, ou seja, que depende e é realizada
por Deus.97 Isso fundamenta a segurança e certeza dos crentes, fazendo-os seguir adiante
tendo uma fé confirmada e sendo conduzidos ao “louvor, glória e honra na revelação de
Jesus Cristo” (v.7). A partir do verso 10, Pedro aponta para o cumprimento das promessas,
dadas por intermédio dos santos profetas, em Cristo Jesus. Essa consciência que é gerada
no crente deve conduzi-lo a uma vida de santidade, a qual é um dos frutos da segurança
e certeza que a pesquisa desenvolverá posteriormente com mais detalhes.

De forma maravilhosa Pedro assegura aos eleitos que sua salvação não dependia
da obediência deles, mas daquilo que o Senhor Jesus fez – já antes da fundação do mundo
– derramando seu sangue para remir os pecados dos escolhidos (v.19,20). Aqui Pedro
estabelece um forte argumento da salvação pela graça, mediante o sangue do cordeiro

96
Ver argumentação em Atos...
97
LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 468,482.

46
derramado antes da fundação do mundo, o qual é aplicado pela fé, tanto no Antigo
Testamento como no Novo Testamento.98 Logo no verso 25, ele ressalta a fidelidade e
imutabilidade de Deus em cumprir suas palavras: “a palavra do Senhor permanece para
sempre”. De maneira maravilhosa Pedro, usado pelo Espírito Santo, fortalece a segurança
e certeza dos seus leitores ao declarar as seguintes palavras (2.9,10) 99:

Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade
exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou
das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas,
agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora,
alcançastes misericórdia.

Pedro ainda fundamenta a segurança do crente mostrando Cristo como “o pastor


e bispo da vossa alma” (2.25); mostrando a eficácia da morte de Cristo para conduzi-lo a
Deus (3.18), bem como as benesses de sua ressurreição e exaltação. Pedro também, no
capítulo 4, aponta para o juízo que virá sobre os ímpios e exorta os líderes para que sejam
modelo do rebanho, declarando que o Supremo Pastor há de vir, e quando Ele vier eles
receberão a imarcescível coroa da glória. Pedro não fala de maneira insegura – se Ele vier
– percebe-se a segurança de Pedro ao declarar tais verdades, o que conduz os seus leitores
à segurança e certeza de que tudo se cumprirá, por que o próprio Senhor o disse.

Em sua segunda epístola, Pedro continua desenvolvendo temas importantes que


são fundamentais à segurança e certeza do crente. Um dos pontos a destacar é o
testemunho do Apóstolo (v.16), que foi agraciado com a oportunidade de ver as
promessas se cumprindo e agora testemunhava aos crentes para lhes conferir segurança e
plena certeza da eficácia da obra realizada por Cristo para a salvação dos eleitos. Pedro
ressalta ainda a fidelidade de Deus em cumprir suas promessas deixando claro que o
Senhor virá, e mostrando a plena segurança de que os novos céus e nova terra estão
garantidos aos eleitos, os quais não se perderão (3.9-13). Ele finaliza apontando para
necessidade de o crente evidenciar essa segurança e certeza por meio de uma vida piedosa,
como a pesquisa buscará mostrar mais adiante.

98
Calvino comentando está porção vai dizer que: “Uma vez mais, ele (Pedro), por meio de uma comparação,
amplia a graça de Deus, com a qual ele favorece peculiarmente os homens daquela época. Porquanto não
era um favor comum e pequeno o fato de Deus deferir a manifestação de Cristo àquele tempo, quando no
conselho eterno ele já o havia ordenado para salvação do mundo. Entretanto, ao mesmo tempo, ele os
lembra que algo não era algo novo nem repentino para Deus que Cristo entrasse em cena como Salvador;
e é especialmente isto que deve ser conhecido”. CALVINO, JOÃO, Epístolas Gerais, 1. ed. São José dos
Campos, SP: Fiel, 2015, p. 167,168.
99
Ibid., p. 191–194.

47
Nas epístolas gerais, escritas por João, também estão presentes evidências que
fundamentam a doutrina da segurança e certeza da salvação. Uma vez seguro e certo de
sua salvação o crente goza de completa alegria. Logo, João mostra que essa alegria é
possível por meio da comunhão do crente, proporcionada por Cristo, com o Pai (vv. 1-4).
Mais uma vez, a incondicionalidade da salvação é colocada apontando para uma obra
monergística que, ao mesmo tempo, é irrevogável. João declara que Cristo é o advogado
dos crentes junto ao Pai, e que se o crente pecar Ele advogará a sua causa. João vai
também estabelecer diretrizes para o verdadeiro crente aferir sua verdadeira eleição. O
cristão que está seguro e certo da sua salvação vai buscar viver de acordo com um cidadão
do céu. No capítulo 3, João apresenta os benefícios que o crente tem em ser filho de Deus,
bem como na verdade da glorificação que ocorrerá no último dia. Outro aspecto muito
forte nessa Epístola é a exposição que João faz acerca do amor de Deus para com o eleito.
Aqui se tem mais um dos grandes fundamentos da doutrina da segurança e certeza da
salvação (3.7-21). João declara que “no amor não existe medo; antes o perfeito amor lança
fora o medo” (v.8a). Logo, diante dessa afirmação o crente repousa seguro no perfeito
amor de Deus, o qual nos faz amar a Ele.

A Epístola de Judas também, logo no início contribui para fortalecer os crentes


que foram “chamados, amados em Deus Pai, e guardados em Cristo Jesus” (v.1)100,
verdade que é repetida no final da epístola, no verso 24, mostrando que o crente é
guardado por Cristo e apresentados por Ele com exultação, imaculados diante de sua
glória. Essas palavras fundamentam sobejamente a segurança e certeza do crente.101

1.3.5 Fundamentação da doutrina no Livros de Apocalipse


O Livro do Apocalipse pode ser considerado um compêndio da doutrina da
segurança e certeza da salvação. O livro coroa a revelação de Deus, deixando claro o
caráter progressivo da Escritura, com o maior número de alusões ao Antigo Testamento,
o que, por sua vez, mostra ao leitor que “a redenção em Cristo é o cumprimento dos planos
eternos de Deus.”102 No livro encontram-se, além de literatura profética, também alusões
ao Pentateuco, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, Salmos, Provérbios, Cântico dos Cânticos,
Jó, Profetas maiores e menores, sendo que metade das referências vem de Salmos, Isaías,

100
LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 751.
101
Ibid., p. 752.
102
BEALE; CARSON, Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento, p. 1318.

48
Ezequiel e Daniel.103Dentre outros, os principais temas que se harmonizam com a
pesquisa são o tema do novo céu e nova terra e o tema do triunfo e vitória sobre a besta,
onde se vê fortemente a ligação da literatura profética, como por exemplo, Dn 7, com Ap
12.104 A universalização do cumprimento profético também é um tema que interessa a
nossa pesquisa, uma vez que aponta para o cumprimento da promessa feita a Abraão –
“Em ti serão benditas todas as famílias da terra.” Beal e Carson, com relação a essa
universalização, dizem que:

Uma característica particular de Apocalipse é a universalização do


cumprimento profético. Designações ou descrições (“de todas as tribos da terra
se lamentarão por causa dele”; “seu povo”) e promessas (autoridade sore
nações; o templo do final e sua restauração e o final dos tempos) antes
associadas apenas com Israel, são agora aplicadas ao povo de Deus de todas as
nações (v., nessa ordem, Ap 1.7; 21.3; 2.26-28; 7.19-17; 21.1-22.5).105

É importante observar também as analogias destacadas por Beal e Carson, as quais


também são de grande importância para a fundamentação da doutrina da segurança e
certeza do crente. Eles destacam: a proteção divina, onde as principais analogias são a
arvore da vida (Gn 2.9 – Ap 2.7; 22.2,14,19), os israelitas “selados” (Ez 9 – Ap 7.2-8),
as asas da águia (Êx 19.4; Dt 32.11 – Ap 12.14) e também o Espírito Divino com poder
para o povo (Zc .1-6 – Ap 1.12-20; 11.4).106

No Livro de Apocalipse encontram-se todos os fundamentos da doutrina da


segurança e certeza da salvação. Já no prólogo do livro vê-se a autenticação do Senhor
Jesus, o qual revelou a João por intermédio do seu anjo, que por sua vez atestou a Palavra
de Deus e o testemunho do Senhor Jesus quanto a tudo que viu. O povo de Deus é
conclamado a ouvir e guardar as palavras das profecias, bem como Moisés o fez em
Deuteronômio com o povo de Israel.

A forma como João apresenta Jesus (v.5-8), a saber: a Fiel Testemunha, o


Primogênito dos mortos e o Soberano dos Reis da terra, aponta para o cumprimento fiel
das promessas de Deus no Antigo Testamento. No (v.5), o amor de Deus é apontado, bem
como, a eficácia da obra expiatória do Senhor, assim como seus benefícios na vida dos
crentes (v.6). No verso 7, vê-se a ratificação da promessa feita pelos anjos na ascensão de
Jesus e no versículo 8, a eternidade do Senhor e Seu infindo poder são também

103
Ibid., p. 1319.
104
Ibid.
105
Ibid., p. 1322–1323.
106
Ibid., p. 1323.

49
ressaltados. Diante desses primeiros versos do livro, o crente verdadeiro é conduzido a
segurança e certeza salvação ao ver a ratificação das promessas, bem como a confirmação
da eficácia da obra de Cristo ao seu favor, sendo assim, conduzido à certeza da
entronização obtida, na escatologia inaugurada, em Cristo Jesus, sua morte, e
ressurreição. Ainda no capítulo primeiro, nos versos 17 e 18, as palavras de Jesus a João
são altamente confortadoras: “...Não temas; eu sou o primeiro e o último e aquele que
vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da
morte e do inferno”. Essa declaração do Senhor confere total segurança e certeza da
salvação ao verdadeiro crente.

Olhando para as sete cartas, escrita as sete igrejas, percebe-se uma repetição ao
final de cada carta – à igreja em Éfeso é dito: “Ao vencedor, dar-lhe-ei que se alimente
da árvore da vida que se encontra no paraíso de Deus” (2.7); à igreja em Esmirna é dito:
“o vencedor de maneira alguma sofre dano da segunda morte”. (2.11); à igreja em
Pérgamo é dito: “Ao vencedor, dar-lhe-ei do maná escondido, bem como lhe darei uma
pedrinha branca, e sobre essa pedrinha escrito um nome novo, o qual ninguém conhece,
exceto aquele que o recebe”. (2.17); à igreja em Tiatira é dito: “Ao vencedor, que guardar
até ao fim as minhas obras, eu lhe darei autoridade sobre as nações” (2.26); à igreja em
Sardes é dito: “O vencedor será assim vestido de vestiduras brancas, e de modo nenhum
apagarei o seu nome do Livro da Vida;” (3.5); à igreja em Filadélfia a dito: “Ao vencedor,
fá-lo-ei coluna no santuário do meu Deus, e daí jamais sairá;” (3.12); à igreja em
Laodiceia é dito: “Ao vencedor, dar-lhe-ei sentar-se comigo no meu trono, assim como
também eu venci e me sentei com meu Pai no seu trono.” (3.21). Cada expressão dessa é
acompanhada da exortação para ouvir o que o Espírito diz. O fato é que, em cada uma
dessas declarações de recompensa, vê-se a segurança do crente de que ele receberá sua
herança, uma vez que esse “vencedor” é o mesmo que fala, o próprio Senhor Jesus, o
representante federal, Ele que venceu e conquistou tudo isso para o seu povo, e também
é Ele quem garante que o crente prevaleça no caminho até o fim.

Nos capítulos 12 e 13, há o desenvolvimento do tema da preservação da semente,


o qual é desenvolvido em todo o progresso da revelação, bem como o tema da batalha
final contra o inimigo final, Satanás. Ainda no capítulo 13, mais uma vez a expiação é
trazida a cena, como um evento ocorrido deste a fundação do mundo (13.18), onde se vê
mais uma vez destacada a eficácia da expiação conferindo segurança e certeza ao
verdadeiro crente. No capítulo 17, verso 14, João assegura ao eleito, a condução a

50
perseverar na fé.107 Ainda na perspectiva de fundamentação da doutrina da segurança ao
olhar para o capítulo 19, João mostra o triunfo e júbilo no céu por conta da vitória do
Senhor (vv. 7-10); no capítulo 20 ele mostra a vitória final sobre Satanás (vv. 11-15), bem
como a aplicação do juízo sobre os ímpios.

Para finalizar, os dois últimos capítulos do livro de Apocalipse trazem ainda mais
evidências que fundamentam a segurança e certeza do crente, uma vez que, João mostra
o cumprimento final, bem como o cumprimento do novo céu e nova terra. No versículo 5
e 6 do capítulo 21, percebe-se um retorno ao que fora dito no início do livro, o Senhor
testifica a veracidade das Suas palavras (21.5 – 1.1,2) e o tema do vencedor é retomado
mais uma vez (21.6,7 – 2.7,11,17,26; 3.5,12,21). No capítulo 22, João descreve a Nova
Jerusalém, destacando suas características de templo, onde se percebe uma forte alusão
ao Éden, ao citar a presença da árvore da vida, dos rios. No verso 4, tem-se a gloriosa
promessa de que os crentes verão a face do Senhor e no verso 6, tem-se a coroação da
segurança e certeza do crente, a saber a autenticação do Senhor às suas palavras: “Disse-
me ainda: Estas palavras são fiéis e verdadeiras. O Senhor, o Deus dos espíritos dos
profetas, enviou seu anjo para mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem
acontecer”.

1.4 Conclusão
Ao finalizar esta investigação em busca da fundamentação da doutrina da
segurança e certeza da salvação no Antigo e Novo Testamento, a pesquisa encontra em
todo o cânon, sobejas evidências que apontam para essa maravilhosa doutrina.
Respondendo assim os questionamentos levantados inicialmente e mostrando que a
segurança e certeza da salvação é possível de ser obtida à luz da Palavra de Deus, observa-
se a fidelidade do SENHOR em manter o seu pacto eterno; bem como de manter o pacto
com o homem nas suas dispensações com Adão, Abraão, Isaque, Jacó, Moisés, Davi,
Cristo e a igreja; observa-se também a imutabilidade do SENHOR e a incondicionalidade
da realização das bênção redentivas do pacto; o grande amor de Deus e a tratativa com o
seu povo; o cumprimento das promessas em Cristo, bem como a obediência de Cristo e a
perfeita execução da sua obra da redenção, a saber sua vida, morte, ressurreição e
ascensão; a garantia do descanso final e o selo do Espírito Santo. Tudo isso é visto em

107
LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 789.

51
toda à Escritura e, totalmente, suficiente para conduzir o crente a gozar da segurança e
certeza da sua salvação.

52
2 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO E CONFESSIONAL DA DOUTRINA
2.1 Introdução

Depois de responder os principais questionamentos quanto à segurança e certeza


da salvação trazendo a fundamentação bíblica da doutrina, a pesquisa se propõe a mostrar
o desenvolvimento histórico e confessional da doutrina da segurança e certeza da
salvação. Assim como fora demonstrado no capítulo da fundamentação bíblica, ver-se-á
nesse desenvolvimento histórico e confessional a ligação existente entre a doutrina da
segurança e certeza da salvação com outras fundamentais doutrinas da sotereologia,
principalmente com as doutrinas da fé, da eleição e da perseverança dos santos.

Este capítulo mostrará, de forma panorâmica, os principais expoentes e defensores


dessa doutrina. Serão apresentadas também as principais manifestações credais e
sistematizações confessionais, de linha protestante e reformada, que por fim, fornecerão
a base para a tratativa da doutrina da segurança e certeza da salvação na visão puritana
demonstrada nos símbolos de fé de Westminster, a ser explanada no próximo capítulo da
pesquisa.

2.2 Desenvolvimento histórico da Doutrina da segurança e certeza da


salvação

2.2.1 Período dos Pais Apostólicos


À semelhança de outras doutrinas, a doutrina da segurança ou certeza da salvação
começa a ser desenvolvida e consolidada a partir da reforma protestante. No período dos
Pais Apostólicos, como explica Berkhof, as verdades dadas de forma inspiradamente,
passavam a ser reproduzida por homens falíveis, sendo que, o foco era direcionado às
verdades básicas da fé. Esses ensinos eram caracterizados por certa pobreza, embora
houvesse concordância com o todo da Escritura, não havia uma sistematização dos
ensinos. Várias dificuldades contribuíram para isso. Uma delas é o fato de o próprio cânon
não estar totalmente estabelecido. Segundo ele, outro fator contribuinte para isto era a
falta de precisão na pregação, uma vez que se tinha as influências paulina, joanina e
petrina, que embora estivessem em acordo, não apresentavam as mesmas ênfases. Outro
fator era a influência da cultura judaico-helênica. A forte relação com o moralismo pagão
trouxe influência para o ensino dos pais da igreja; a salvação, passa a ser comunicada
através das ordenanças, pois, o batismo passa a ser o meio para o novo nascimento e
perdão de todos os pecados e a Ceia passa a ser o meio de se transmitir ao homem a vida
eterna.1

Assim declara Berkhof:

O cristão se apossa de Deus pela fé, a qual consiste de verdadeiro


conhecimento de Deus, de confiança nEle e de auto entrega a Ele. É dito que
o homem é justificado pela fé, mas não é claramente entendida a relação entre
a fé e a justificação, entre a fé e a nova vida. Com isso toma-se manifesta uma
tendência legalista anti-paulina. A fé é apenas o primeiro passo no caminho da
vida, do qual caminho depende o desenvolvimento moral do indivíduo.
Todavia, recebido o perdão de pecados, no batismo, obtido pela fé, em seguida
o homem merece tal bênção por suas boas obras, as quais se tomam, então,
num princípio secundário e independente, paralelo à fé. O cristianismo é
muitas vezes apresentado como a nova lex, e o amor, que conduz a uma nova
obediência, toma o lugar principal. O que aparece em primeiro plano não é a
graça de Deus, e sim, às vezes, as boas obras.2

Steven Lawson, escrevendo acerca do pai apostólico Clemente de Roma (10 –


100), aponta sua posição quanto à salvação, demonstrando que Clemente entendia que o
eleito podia gozar de segurança e certeza da salvação. Lawson diz: “Clemente asseverava
que a salvação que Deus concede a seus eleitos é uma obra perene da graça, nunca será
revertida ou desfeita”.3 Ainda quanto a leitura de Clemente, Lawson complementa: “Deus
mantém seus eleitos eternamente seguros por sua onipotente vontade”.4 Outro Pai
Apostólico destacado por Lawson é Inácio de Antioquia (67 – 110), que por sua vez,
também deixa transparecer segurança e confiança a ponto de ir enfrentar os leões.
Lawson, fazendo a leitura desse pai, diz que “Inácio cria que todos os crentes serão para
sempre preservados em graça”.5 Ambos demonstram segurança por meio da perseverança
produzida por Deus no crente, entendendo a incondicionalidade da salvação, a qual não
parte nem depende do homem.

Com o crescimento das seitas e heresias que tentavam invadir a igreja, foram
surgindo as formulações de fé. Nesse período levantaram-se homens, os chamados
apologistas. Um destaque é dado aos pais anti-ginósticos, Irineu (130 – 202), Hipólito
(170 – 236) e Tertuliano (160 – 220). Esses formularam doutrinas sobre Deus, o homem
e a história da redenção, sobre a pessoa e obra de Cristo e sobre a salvação, a igreja e as

1
BERKHOF, Louis, A História das Doutrinas Cristãs, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas,
1992, p. 38–40.
2
Ibid., p. 40.
3
LAWSON, Steven J., Pilares da graça: AD 100 - 1564, 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel,
2013, p. 84.
4
Ibid.
5
Ibid., p. 100.

54
últimas coisas. No que toca à salvação, que é o nosso maior foco nesta pesquisa, vê-se
que: Irineu enfatizou a necessidade da fé como pré-requisito para o batismo, a qual incluía
rendição da alma e, conduzia a uma vida santa e, por sua vez, o homem seria regenerado
pelo batismo. Tertuliano, não apresenta muitas mudanças quanto ao que fora
desenvolvido por Irineu, mas foca no ponto de vista de que o homem, através do
arrependimento, obtém a salvação, levando ao desenvolvimento da penitência como
forma de expurgar os pecados, ou seja, para que os pecados fossem satisfeitos diante de
Deus.6

Assim também foram os Pais Alexandrinos, esses também formularam suas


doutrinas, escrevendo sobre: Deus e o homem, as pessoas e a obra de Cristo, e sobre a
salvação, a igreja e a obra de Cristo. Quanto a salvação destaca-se no ensino dos pais
alexandrinos, a aceitação do livre-arbítrio. Logo, com base nesse pensamento, eles
entendiam que Deus oferece a salvação, e o homem, tem o direito de escolher abraça-la
ou não. Orígenes (185 – 255) vai falar em salvação por dois modos, um por fé (esotérico)
e outro por conhecimento (exotérico). Orígenes vai valorizar a questão do
arrependimento, mas não como os pais Ocidentais, ele defende algo mais íntimo, uma vez
que o homem é depravado.7

2.2.2 Período da Patrística


No período da patrística destacam-se ainda nomes como Cipriano († 258) e
Ambrósio († 397), que junto com Tertuliano, vão defender que o homem é totalmente
depravado. Quanto a Cipriano, Lawson vai mostra que “o verdadeiro crente nunca pode
separar-se de Cristo. Sua salvação está eternamente segura”.8 Acerca de Ambrósio de
Milão, Lawson declara que Ambrósio via o Espírito Santo como o selo assegurador do
crente e mostra ainda que “Ambrósio via em Jo.27-30 a verdade de que Deus Pai e Deus
Filho mantêm todos os crentes eternamente seguros em suas mãos salvíficas”.9

Pelágio (354 – 430)10 é um nome que tem grande destaque pelas distorções às
doutrinas quanto à aplicação da redenção. Berkhof diz que: “Sua concepção do pecado e
seus resultados levaram-no a negar a absoluta necessidade da graça de Deus em Cristo

6
BERKHOF, Louis, A História das Doutrinas Cristãs, p. 63.
7
Ibid., p. 68–69.
8
LAWSON, Pilares da graça: AD 100 - 1564, p. 180.
9
Ibid., p. 266.
10
LOPES, Edson, Fundamentos da teologia da salvação, 1. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2009, p. 15–
20.

55
para a salvação e a considerar ser perfeitamente possível a um homem atingir a salvação
mediante a guarda da lei”.11 Para ele, a graça, consiste no bem da natureza, bem como da
pregação e o exemplo de Cristo, sendo o primeiro essencial e o segundo não tão
necessário à salvação, embora pudesse facilitar a condução do homem.

Agostinho (354 – 430) surge como um grande opositor às doutrinas de Pelágio.12


Agostinho defende a depravação total do homem. Seu entendimento de graça diverge de
Pelágio, pois ele entende que objetivamente a graça consiste em Evangelho, batismo,
perdão de pecados, bem como na necessidade de uma ação interna proporcionada pelo
Espírito Santo. Berkhof destaca que Agostinho defende que:

O homem receberia, pelo batismo, as primeiras bênçãos da graça, a saber, a


regeneração ou renovação inicial do coração e o perdão dos pecados. Ambas
essas bênçãos, poderiam ser perdidas; de fato, nem uma nem outra poderia ser
retida, a menos que a graça da perseverança fosse igualmente recebida.13

Nessa leitura de Berkhof a cerca de Agostinho vê-se claramente a ligação da


doutrina da segurança e certeza da salvação com a doutrina da perseverança dos santos.
Agostinho também confere grande destaque à fé. No que toca a segurança, ele a confere
àquele que crer de fato em Cristo, ou seja, aquele que ama a Cristo, sendo essa uma
evidência da segurança verdadeira. Mas, a doutrina da segurança na teologia de
Agostinho fica apenas implícita, ele não chega a fixar o entendimento direto da doutrina.14

Berkhof destaca na teologia de Agostinho, que tudo ele atribuía à graça de Deus,
no que toca a seu sistema doutrinário. Entre as doutrinas agostinianas e pelagianas, surgia
a posição intermediária, que ficou conhecida como semi-pelagianismo. Quanto às
posições semi-pelagianas, Berkhof mostra que suas posições intermediárias negavam a
total incapacidade do homem para realizar o bem, ao mesmo tempo que admitiam serem
incapazes em cumprir obras salvadoras sem a assistência da graça. Segundo o pensamento
deles, a graça de Deus dá o apoio necessário sem jamais comprometer o livre-arbítrio do
homem. Com isso, o que prevalece, no final, é a vontade do homem determinando o

11
BERKHOF, Louis, A História das Doutrinas Cristãs, p. 185.
12
MCGRATH, Alister E., Teologia Histórica: Uma introdução à história do pensamento cristão, 1. ed.
São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 49–51. O autor vai apresentar os contrastes entre o pensamento de
Agostinho e as posições heréticas de Pelágio.
13
BERKHOF, Louis, A História das Doutrinas Cristãs, p. 186.
14
BEEKE, Joel R., A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, 1. ed. Recife-
PE: Os Puritanos, 2003, p. 29.

56
resultado, crer e continuar na fé, sendo que a graça se faz mister apenas para fortalecer a
fé. Com esse tipo de pensamento se nega por completo a graça irresistível.15

2.2.3 Período dos Pré-reformadores


Lawson em sua investigação histórica apresenta ainda o pensamento de homens
como Thomas Bradwardine (1290 – 1349), que afirmava que “a eterna segurança do
crente repousa sobre a eterna vontade de Deus na salvação”;16 Wycliffe (1320 – 1384),
um dos grandes pré-reformadores “entedia também que, se a salvação é inteiramente de
Deus, então a graça nunca pode ser perdida. Graça salvífica é graça preservadora – Deus
guardará os predestinados antes da fundação do mundo seguros por todas as eras
porvir”;17 John Hus (369 – 1415), outro pré-reformador, é descrito como um defensor da
segurança do crente por meio da predestinação e da perseverança dos santos, sendo essas,
obras exclusivas de Deus.18 Mais uma vez vê-se a amplitude da doutrina da segurança e
certeza da salvação em contato direto com outras doutrinas da sotereologia.

2.2.4 Período dos Reformadores


Nesse ponto a pesquisa apresentará o desenvolvimento da doutrina dentro do
período da Reforma, a começar pela Alemanha, berço da Reforma Protestante, seguindo
até a transição a manifestação puritana com William Perkins.

2.2.4.1 Reforma na Alemanha

I. Martinho Lutero (1483 – 1546)

Como bem se vê, a doutrina da segurança é tratada apenas de forma muito tímida
e, de certa forma, indefinida, deixando margem para uma insegurança que mais tarde vai
ser substituída por o “Cativeiro Babilônico da Igreja”, como trata Lutero em seu livro que
carrega esse título, mostrando as atrocidades cometidas pela Igreja na Idade Média.19
McGrath declara acerca dessa obra:

Nesse texto vigoroso, Lutero argumenta que o evangelho havia se tornado


cativo da igreja institucional. De acordo com ele, a igreja medieval havia
aprisionado o evangelho num sistema complexo de sacerdotes e sacramentos.

15
BERKHOF, Louis, A História das Doutrinas Cristãs, p. 187.
16
LAWSON, Pilares da graça: AD 100 - 1564, p. 440.
17
Ibid., p. 464.
18
Ibid., p. 485,486.
19
LUTERO, Martinho, Do Cativeiro Babilônico da Igreja, São Paulo: Martin Claret Ltda., 2006.

57
A igreja havia se transformado em senhora do evangelho quando, na verdade,
devia ser sua serva.20

A Igreja Católica Romana vai associar a segurança, diretamente, ao fato do


indivíduo estar coligado à Igreja, obtendo dela os benefícios de segurança da sua salvação,
declarando, portanto que: “Fora da Igreja não há salvação nem remissão de pecados”.21
Isso conduziu a Igreja a desenvolver a certeza eclesiástica e sacramental, ao invés de uma
certeza fundamenta cristologicamente.22 Essa digressão levanta a necessidade de reforma.

Martinho Lutero é um dos grandes expoentes que vai surgir para lutar contra as
distorções doutrinárias que imperavam naquele período.23 No que toca à doutrina da
segurança e certeza da salvação, vê-se que a segurança de sua salvação era algo que o
preocupava profundamente. Edson Lopes, fazendo uma leitura de Lutero, diz: “Sua
preocupação central na vida era com a salvação de sua alma”.24 Beeke aponta o insucesso
de Lutero ao procurar segurança por meio da igreja, isto é, dos sacramentos e do sistema
penitencial, mostrando que ele só consegue encontrar na “graça de Deus em Cristo,
mediante quem o perdão dos pecados é pleno e não depende do mérito humano”.25 Entre
as noventa e cinco teses afixadas por Lutero está a tese de número 52, onde o reformador
combate a doutrina herética da “segurança por carta de perdão (indulgência)”26 dizendo:
“A certeza da salvação por cartas de perdão é vã, mesmo que o comissário, ou melhor,
mesmo que o próprio papa desse sua alma sobre ela.”27

Beeke segue mostrando, em sua leitura de Lutero, que sua doutrina da segurança
é pautada na experiência religiosa, ou seja, “a abordagem de Lutero à fé e à segurança
centrada em Cristo, tinha raízes na experiência pessoal”.28 Nisso vê-se que na teologia de
Lutero a doutrina da segurança está intimamente e imediatamente ligada à doutrina da fé.
Beeke, declara que “Lutero apresentou o Cristianismo como uma crença segura no Deus
vivo, que revela a si mesmo e abre o seu coração, em Cristo, aos pecadores”. 29 A

20
MCGRATH, Teologia Histórica, p. 183.
21
BETTENSON, Henry (Org.), Documentos da Igreja Cristã, 5. ed. São Paulo: Aste, 2007, p. 192.
22
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 31.
23
Ibid., p. 40.
24
LOPES, Fundamentos da teologia da salvação, p. 24.
25
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 39,40.
26
MCCRATH, Alister E., Teologia sistemática, histórica e filosófica: Uma introdução a teologia cristã,
1. ed. São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 97–98.
27
LUTHER, Martin; JACOBS, Henry Eyster; SPAETH, Adolph, Works of Martin Luther, with
introductions and notes, [s.l.]: Philadelphia, A.J. Holman company, 1915, p. 34.
28
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 40.
29
Ibid.

58
semelhança de Agostinho que desafiou o pelagianismo, Lutero também desafiou o semi-
pelagianismo, resultado da junção feita pela Igreja Católica das posições de Pelágio e
Agostinho, afirmando que “a segurança reside no direito inato de todo cristão, uma vez
que é privilégio do crente saber subjetivamente que Deus é gracioso para com ele em Seu
Filho”.30

Ainda dentro dessa leitura, Beeke mostra que além da doutrina da fé, está também
atrelada à segurança a doutrina da predestinação, as quais, por sua vez, são inseparáveis
das promessas de Deus.31 Com relação à fé ele mostra que “a fé se apega à promessa de
Deus, concorda com ela e assegura ao crente que Deus é graciosamente inclinado a ele
em Cristo Jesus”.32 Outro ponto importante do entendimento de Lutero quanto a essa
doutrina é também destacado por Beeke em sua tese, que é a postura firme de Lutero de
que “a falta de segurança é incompatível com o fato de ser um cristão autêntico”.33
Embora tenha essa posição, Lutero evitava dizer que o duvidoso não era um cristão, mas
aponta a o comportamento do duvidoso como um comportamento semelhante ao de um
incrédulo, quando esse não tem segurança.34 Lutero entedia também que essa segurança
ou certeza podia ser, por causa do pecado contumaz na vida do crente, enfraquecida e até
mesmo perdida.35 Lutero ainda faz uma distinção entre segurança (securitas) e certeza
(certitude). Quanto à segurança, ele mostra que “visa ao conforto à parte de Deus”36 e,
com isso, “poderia significar uma falta de cuidado, uma vez que a preocupação com a
justiça e a glória divina seriam secundárias”.37 Com relação à certeza, ele diz que “é um
dom divino recebido pela fé”.38 Mesmo com esse posicionamento experimental, Lutero
evitou dizer que “a falta de segurança poderia ameaçar, muito menos destruir a graça
salvadora”.39 Por fim, Beeke ainda destaca a relação que Lutero faz entre a segurança e
as obras, mostrando que ele entendia que “a segurança deve também ser apoiada pelo

30
Ibid.
31
Ibid., p. 41.
32
Ibid.
33
Ibid., p. 42.
34
Ibid., p. 43.
35
Ibid., p. 43,44.
36
Ibid., p. 43.
37
Ibid., p. 44.
38
Ibid.
39
Ibid., p. 45.

59
testemunho de uma boa consciência baseada nas obras”,40 sem que isso fira a
proeminência da fé.

Lawson vai também fazer uma leitura da teologia de Lutero e destacar a relação
da segurança com as doutrinas da eleição e da perseverança dos santos.41 Ele declara que
“Lutero era confiante sobre a eterna preservação de cada crente. Ele entedia que nenhum
dos eleitos pode ser arrebatado da mão do Pai”.42 Lawson afirma também que Lutero
sabia que “os que estão em Cristo jamais perderão sua salvação”,43 bem como sabia que
os eleitos são mantidos seguros por Deus, uma vez que “a eleição faz o povo de Deus
eternamente seguro, por que Deus completa o que começa”.44

II. Philip Melanchthon

Ainda nessa fase inicial da Reforma, na Alemanha, entra em cena Philip


Melanchthon (1497-1560), sucessor de Lutero, o qual não foi tão fiel a alguns pontos
doutrinários defendidos pelo reformador. Melanchthon em seus ensinos mostra divergir
do monergismo de Lutero.45 Consequentemente, ele se afasta da proposta de segurança
pessoal de Lutero, o que, por sua vez, leva o luteranismo a afastar-se dessa doutrina
defendida por Lutero. Isso teve início com a negação de Melanchthon às doutrinas básicas
da dupla predestinação e da salvação monergística, e foi mantida pela negação de
Melanchthon à doutrina da perseverança.46 Consequentemente surgem, em decorrência
disso, grupos distintos dentro do luteranismo. De um lado estão os que se mantinham
firmes ao pensamento de Lutero e, dou outro, aqueles que aceitavam as inovações
propostas por Philip Melanchthon.47

40
Ibid., p. 45,46.
41
LAWSON, Pilares da graça: AD 100 - 1564, p. 532,533.
42
Ibid., p. 532.
43
Ibid.
44
Ibid., p. 533.
45
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 48.
46
Ibid., p. 49.
47
Livro de concórdia, 6. ed. Porto Alegre: Concórdia, 2006, p. 548. Já na introdução à fórmula de
concórdia essa divisão fica evidente, onde lê-se: “Na esteira da morte de Lutero (1546) e com a derrota
militar dos príncipes luteranos (1547), uma série de controvérsias sobre a pura doutrina da Reforma
ameaçava dividir os luteranos em dois partidos: um partido cada vez mais isolado, o gnesioluterano (gnesio,
do grego: autêntico), que se pretendia defensor dos ensinamentos originais de Martinho Lutero,
inicialmente liderado por Mathias Flacius, e o outro, o filipista, composto por seguidores de Filipe
Melanchthon, que levaram a extremos as coisas discernidas por seu mentor.”

60
2.2.4.2 Reforma na Inglaterra

I. Huldrych Zuínglio

A pesquisa segue mostrando, agora, na Inglaterra, na Suíça alemã, outro


reformador que teve grande influência no desenvolvimento da doutrina da segurança e da
certeza da salvação, Huldrych Zuínglio (1484-1531).48 Ao contrário de Melanchthon,
Zuínglio foi bem fiel à doutrina de Lutero quanto a segurança e certeza da salvação,
embora traga algumas ênfases que não foram tão expressivas no reformador. Ele se alinha
com Lutero no que toca à “segurança pessoal de salvação”;49 também no que toca à ideia
de interação da segurança com a fé, assevera que “Zuínglio afirmou que a segurança era
essencial à fé”.50 Zuínglio também enfatiza o ponto da humilhação pessoal e abandono
do mérito pessoal, gerado pelo ensino errado do livre-arbítrio.51 Esse alinhamento
também fica evidente na relação da segurança com as boas obras 52, a qual também fora
defendida por Lutero.

As grandes ênfases de Zuínglio, como destaca Beeke em sua tese, começa a


aparecer na relação das doutrinas da fé e da segurança com a doutrina da eleição. Beeke
diz que “até mais do que Lutero, Zuínglio baseou fé e segurança na eleição soberana de
Deus e na obra de Cristo no cumprimento do pacto da graça”.53 Outra ênfase de Zuínglio,
destacada por Beeke, está na:

[...] impossibilidade de separar a eleição, as promessas de Deus, Cristo, a fé e


a segurança, da doutrina da providência de Deus. A fé na expiação de Cristo
se evidencia como confiança asseguradora em Deus por meio das experiências
do dia-a-dia.54

Há ainda outra forte ênfase que caracteriza a teologia de Zuínglio, que é a ação do
Espírito Santo nessa interação de segurança e certeza do crente, também destacada por
Beeke. A leitura feita por Beeke mostra que Zuínglio além de mostrar a ação do Espírito
testificando as verdades salvíficas no coração do crente, também fortalece a segurança
por meio da santificação e das boas obras.55

48
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 49.
49
Ibid.
50
Ibid., p. 50.
51
Ibid.
52
Ibid., p. 53.
53
Ibid., p. 50.
54
Ibid., p. 51.
55
Ibid., p. 52.

61
II. Heinrich Bullinger

Seguindo a linha da história, outro nome que se destaca no desenvolvimento da


doutrina da segurança e certeza da salvação é Heinrich Bullinger (1504-1575).56 Ele fora
um grande ícone da reforma na Suíça, sendo o sucessor direto de Zuínglio e tornando-se
o principal ministro de Zurique.57 Trouxe também uma grande contribuição literária,
sendo que suas obras excedem as de Lutero, Calvino e Zuínglio juntas.58 A doutrina da
segurança e certeza da salvação na teologia de Bullinger também está ligada a outras
importantes doutrinas da sotereologia, tais com a predestinação, providência, eleição, fé.
Como afirma Beeke: “Tal como seu predecessor, Zuínglio, Bullinger foi diretamente da
predestinação e da providência à segurança pessoal dentro de um contexto centrado em
Cristo”.59 Em sua grande obra intitulada “Segunda Confissão Helvética”,60 Bullinger
falando da predestinação e da eleição deixa claro que: “Teremos um testemunho bastante
claro e seguro de que estamos inscritos no Livro da Vida, se tivermos comunhão com
Cristo, e se ele for nosso e nós dele em verdadeira fé”.61 A Segunda Confissão Helvética
foi escrita por Heinrich Bullinger em 1562, e posteriormente “publicada em 1566 por
Frederico III, da Palatina, adotada pelas Igrejas Reformadas da Suíça, França, Escócia,
Hungria, Polônia e outras”.62 Embora não se encontre no documento um tópico especifico
acerca da segurança e da certeza da salvação, é possível encontrar várias declarações de
Bullinger que aponta para essa doutrina.

Beeke, em sua leitura de Bullinger, mostra que fé e segurança se baseiam na


mesma fundação, os quais são: Palavra de Deus, o Filho de Deus e as promessas de Deus,
assim, vê-se que ele entende a segurança como parte essencial da fé. 63 Com relação à
dúvida, Bullinger vai admitir que a fé é crescente fornecendo, à medida que cresce,
segurança ao crente duvidoso.64 Está também presente na teologia da segurança e da

56
LAWSON, Pilares da graça: AD 100 - 1564, p. 608–614.
57
Ibid., p. 612.
58
Ibid., p. 614.
59
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 54.
60
LAWSON, Pilares da graça: AD 100 - 1564, p. 607.
61
Documentos históricos do protestantismo, disponível em: <http://www.anglicandiocese.com.br/wp-
content/uploads/2015/04/Documentos-Historicos-do-Protestantismo.pdf>, acesso em: 5 set. 2016, p. 208.
62
BULLINGER, Heinrich, Segunda Confissão Helvética, disponível em:
<http://www.monergismo.com/textos/credos/seg-confissao-helvetica.pdf>, acesso em: 3 out. 2016.
63
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 56.
64
Ibid., p. 58.

62
certeza de Bullinger o aspecto das boas obras como evidência da fé. Beeke diz que para
Bullinger “a fé é a fonte de toda graça; isso se evidencia na prática de boas obras”. 65

III. João Calvino

A pesquisa agora chega ao grande reformador de Genebra, João Calvino (1509-


1564)66. A doutrina da segurança e certeza da salvação, na teologia de Calvino, alinha-se
bem com os princípios abordados por Lutero e Zuínglio, os quais são reafirmados por
Calvino e acrescidos de ênfases particulares de grande importância para o
desenvolvimento da doutrina.67 À semelhança do que já fora mostrado até aqui, na
teologia de Calvino também há forte interação da doutrina da segurança e certeza da
salvação com as principais doutrinas soteriológicas. Calvino, em pleno acordo com
Lutero e Zuínglio, mostra a fé como sendo muito mais do que um simples assentimento,
tendo, por tanto, a necessidade de conhecimento e confiança.68 Em sua obra magma,
conhecida como Institutas da Religião Cristã, Calvino traz, de forma sistematizada e clara,
essa forte relação:

Ora, visto que o conhecimento da bondade de Deus nos serve bem pouco, a
não ser que nela nos faça descansar, excluído deve ser o conhecimento
misturado de dúvida, o qual não esteja firmemente em acordo consigo próprio;
pelo contrário, se põe em conflito consigo próprio. Com efeito, mui longe está
a mente do homem, visto ser cega e entenebrecida, de penetrar e se elevar até
o ponto de perceber a vontade de Deus! E também o coração, uma vez que
flutua em perpétua hesitação, longe está de permanecer seguro nesta
convicção! Daí importa, de outro lado, não só que a mente nos seja iluminada,
mas também que nos seja firmado o coração, para que a Palavra de Deus
obtenha pleno crédito entre nós.69

Calvino diz que “a segurança é parte integrante da fé”.70 Essa relação fica explicita
em sua definição de fé, onde se percebe a forte interação entre fé e segurança:

Portanto, podemos obter uma definição perfeita de fé, se dissermos que ela é o
firme e seguro conhecimento da divina benevolência para conosco, fundado
sobre a veracidade da promessa graciosa feita em Cristo, não só é revelado à
nossa mente, mas é também selado em nosso coração mediante o Espírito
Santo.71

65
Ibid.
66
LAWSON, Pilares da graça: AD 100 - 1564, p. 6637–648.
67
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 61.
68
Ibid.
69
CALVINO, João, As Institutas, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 31.
70
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 65.
71
CALVINO, As Institutas, p. 31.

63
Daí já se veem algumas das ênfases dadas pelo reformador quanto à relação – fé
e segurança atrelada, também, a outras essenciais doutrinas. McWilliams72 destaca essa
íntima interação apontando também para outro ponto onde Calvino define que “a fé é uma
confiança firme e sólida do coração, por meio do qual nós descansamos certamente na
misericórdia de Deus, que nos é prometido através do Evangelho”.73 McWilliams foca
nesse entrelaçamento da fé e segurança e passa a mostrar as interações disso com as outras
doutrinas, a saber: fé e a Palavra; fé e os sacramentos; o testemunho do Espírito;
segurança e eleição; a interação com a ação do homem, trabalhando aqui o silogismo
prático de Calvino; a interação da doutrina de Calvino e a Confissão de Fé de
Westminster.74 Beeke comentando essa definição de fé, proposta por Calvino, diz que
“nessa definição, Calvino asseverou uma estrutura trinitariana. A fé é a certeza da
promessa de Deus em Cristo, aplicada pelo Espírito”.75

Diante das definições apresentadas, observa-se algumas ênfases claras do


reformador de Genebra. A primeira ênfase a ser destacada é a necessidade do
conhecimento. Beeke assevera, partindo da sua leitura de Calvino, que esse conhecimento
fundamental à fé é o conhecimento da Palavra de Deus, sendo esta a sua Sagrada
Escritura, bem como a proclamação do Evangelho.76 Em resumo Beeke vai mostrar que
para Calvino a fé repousa na Palavra de Deus. Sendo assim, a segurança deve ser buscada
na Palavra e flui da Palavra de Deus.77 Como diz o próprio Calvino: “Primeiramente,
devemos estar lembrados de que há uma relação permanente da fé com a Palavra; ela não
pode separar-se desta, da mesma forma como os raios do próprio sol não podem separar-
se dele, do qual se originam”.78

Beeke enfatiza também que, para Calvino “a fé é inseparável de Cristo e das


promessas de Cristo”79 e, segue mostrando que “essa fé repousa sobre o conhecimento da
Escritura e sobre as promessas dirigidas a Cristo e centradas nele”.80 Calvino declara

72
MCWILLIAMS, David B., Calvin’s Doctrine of the Assurance of Faith, disponível em:
<http://www.sounddoctrine.net/Modern_Day_Reform_Teaching/David%20B.%20McWilliams/Calvin_as
suarance_of_faith.htm>, acesso em: 6 set. 2016.
73
CALVIN, John, Instruction in Faith (1537), [s.l.]: Westminster John Knox Press, 1949, p. 40.
74
MCWILLIAMS, Calvin’s Doctrine of the Assurance of Faith.
75
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 64.
76
Ibid., p. 61.
77
Ibid., p. 61,62.
78
CALVINO, As Institutas, p. 29.
79
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 62.
80
Ibid.

64
também: “Portanto, a fé, apreendendo o amor de Deus, tem as promessas da vida presente
e da vida futura [1Tm 4.8], bem como a firme certeza de todas as coisas boas, a qual,
porém, pode ser depreendida da Palavra”.81 Essa interação com as promessas centradas
em Cristo conduzem e fundamentam a fé, segurança e certeza do crente, uma vez que
Calvino expressa que “a fé se concentra nas promessas de Deus e é expressão do seu
amor, cujo cumprimento se acha em Cristo”.82

Beeke mostra também que Calvino confere forte ênfase ao testemunho do Espírito
Santo.83 Calvino afirma que o Espírito não só inicia a fé, mas também faz com que ela
crença.84 Beeke, em sua leitura de Calvino acerca da essência da fé, diz que:

Mais especificamente, Calvino argumentou que a fé envolve algo mais do que


crer objetivamente na promessa de Deus. Envolve uma segurança pessoal e
subjetiva. Crendo nas promessas de Deus aos pecadores, o verdadeiro crente
reconhece e celebra que Deus é gracioso e benevolente, particularmente para
com ele mesmo.85

Nessa perspectiva da aplicação da obra do Espírito, ele ainda afirma que: “Para
Calvino, a confiança objetiva de um crente, posta sobre as promessas de Deus como base
primária da segurança, deve ser subjetivamente selada pelo Espírito Santo”.86 Quanto a
esse selo, Calvino diz: “[...] o Espírito faz as vezes de um selo para marcar em nosso
coração estas mesmas promessas cuja certeza antes nos imprimiu à mente e ele toma o
lugar de um penhor para confirmá-las e estabelecê-las”.87

Depois de analisar as ênfases da doutrina da segurança e certeza do crente com


base na definição de fé proposta por Calvino, a pesquisa conduz a outras interações
importantes na teologia do reformador de Genebra. Há, na teologia de Calvino, quanto à
doutrina da segurança e certeza da salvação, pontos que são bastante rebatidos. Um desses
pontos é a tratativa de Calvino para com o duvidoso. As ênfases destacadas acima, levam
Calvino a expressar fortes convicções que geraram muito debate. Como já citado, para
Calvino a segurança é parte integrante da fé, logo, diante dessa proposição e, do que já
fora destacado acerca da interação do Espírito nesse processo, Beeke aponta para a
conclusão de Calvino de que “se alguém crê, mas não tem convicção de que é salvo por

81
CALVINO, As Institutas, p. 52.
82
Ibid., p. 57.
83
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 63.
84
CALVINO, As Institutas, p. 59.
85
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 64.
86
Ibid., p. 93.
87
CALVINO, As Institutas, p. 62.

65
Deus, esse não é um crente verdadeiro”.88 Calvino diz “[...] os fiéis bem sabem ser filhos
de Deus [1Jo 3.2]. E de fato o sabem com certeza, porém firmados mais pela persuasão
da verdade divina do que instruídos por demonstração racional”.89 Mais adiante Calvino
diz que:

Em suma, não há nenhum outro verdadeiramente fiel senão aquele que,


persuadido por sólida convicção de que Deus é seu Pai propício e benévolo,
por sua benignidade lhe promete todas as coisas; e aquele que, confiando nas
promessas da divina benevolência para consigo, antecipa infalível expectativa
de salvação. Como o Apóstolo assinala nestas palavras: “Se tão-somente
conservarmos confiança até o fim, e a glória da esperança” [Hb 3.6]. Porque,
ao expressar-se assim, declara que ninguém espera no Senhor como deve senão
aquele que se gloria confiadamente de que é herdeiro do reino celeste. 90

Afirmo que ninguém é fiel senão aquele que, arrimado na certeza de sua
salvação, zomba confiadamente do Diabo e da morte... somente
compreendemos realmente a bondade de Deus quando estamos plenamente
seguros dela.91

Essas asseverações de Calvino, como afirma Beeke, são motivo para controvérsias
e ataques incautos contra o reformador de Genebra da parte de William Cunningham 92 e
Robert Dabney93. Ambos afirmam categoricamente que Calvino errou ao fazer tais
asseverações. No entanto, Calvino também apresenta em seus escritos várias asseverações
qualificadoras que acabam lançando luz a esse ponto. Isso, portanto, dá ideia de uma
possível contradição. Para resolver essa questão basta olhar para a forma como Calvino
as sistematiza.94 Primeiramente, é importante observar que Calvino vai admitir que a
segurança é constantemente assaltada por dúvidas, tentações, lutas e provas normais, por
Satanás e a carne, e ainda, que a confiança em Deus é restringida pelo medo. 95 Calvino
também admite que não existe segurança perfeita nesta vida, isso ocorre por conta da
perseguição da dúvida. Nessa perspectiva ele vai admitir também variáveis graus de fé.
Sendo assim Calvino mostra que “a fé, o arrependimento, a santificação e a segurança são
progressivos”.96 Por admitir tais posições depois de ter asseverado que “se alguém crê,

88
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 64.
89
CALVINO, As Institutas, p. 39.
90
Ibid., p. 41.
91
Ibid.
92
CUNNINGHAM, William I., The reformers; and the theology of the reformation: Edited by his
literary executors, [s.l.]: Clark. London: Hamilton, Adams & C., 1862, p. 119–122.
93
DABNEY, Robert Lewis, Discussions: Evangelical and Theological, [s.l.]: Banner of Truth Trust,
1967, p. 216.
94
BEEKE, A Busca da Plena Segurança - O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 67.
95
Ibid., p. 67.
96
Ibid., p. 68.

66
mas não tem convicção de que é salvo por Deus, esse não é um crente verdadeiro”,97 surge
a acusação de ser contraditório, como defendido por Cunningham.98

Para resolver essas aparentes contradições, Calvino usa alguns princípios


importantes. O primeiro deles é “fé e experiência”,99 onde ensina que, por mais que
Calvino quisesse manter a estreita relação entre fé e segurança, ele reconhecia que o
cristão cresce gradualmente até uma fé plena nas promessas de Deus, por meio de uma
real experiência.100 Em segundo lugar, vem a luta da “carne versus Espírito”.101 Beeke
destaca que “Calvino colocou a firme consolação do espírito lado a lado com a
imperfeição da carne, pois isso é o que o crente encontra dentro de si mesmo”.102 O ponto
é que, enquanto na carne, o homem continuará sendo assaltado por dúvidas, uma vez que
“o perene conflito do coração crente, dividido entre o poder do Espírito e a tentação da
carne, é decorrência da imperfeição da fé”.103 Essa perfeição só será alcançada na glória.
Calvino aponta os meios de graça como sendo armas para fortalecer essa fé e garantir
vitória para o crente. Quanto a isso Beeke, com base na sua leitura de Calvino, diz que:

Mesmo quando os crentes são atormentados por dúvidas carnais, seu espírito
confia na misericórdia de Deus, invocando-o em oração e descansando nele
por meio dos sacramentos. Especialmente pela oração e pelos sacramentos que
serve como instrumento para a segurança, a fé é fortalecida nas lutas contra a
descrença.104

Em seguida vem a “semente da fé e a consciência de fé”.105 Nesse ponto, à luz da


teologia de Calvino, vê-se que a semente da fé verdadeira é indestrutível, mesmo que o
crente não tenha consciência plena dessa fé. Diante disso, Beeke mostra que “Calvino e
os calvinistas concordam que a segurança pode ser possuída sem ser sempre
conhecida”.106 Por fim, a “estrutura trinitariana”,107 destacada na teologia de Calvino, que
visa animar os crentes que eram tendentes à dúvida. Nesse ponto, o que se vê, em linhas
gerais, é a aplicação da obra redentiva por meio da ação econômica da trindade. Ainda
nesse ponto está incluso a interação da fé asseguradora com essenciais doutrinas

97
Ibid., p. 64.
98
Ibid., p. 70.
99
Ibid., p. 71.
100
Ibid.
101
Ibid., p. 73.
102
Ibid., p. 74.
103
CALVINO, As Institutas, p. 43.
104
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 76.
105
Ibid., p. 79.
106
Ibid., p. 82.
107
Ibid., p. 85.

67
soteriológicas que promovem a segurança e certeza na vida do crente, a saber: a eleição
e preservação do Pai em Cristo; bem como a união do crente com Cristo; e ainda a
confirmação das promessas de Deus em Cristo por meio da ação do Espírito.108

O último elemento a ser destacado na teologia do reformador de Genebra é o


“silogismo prático”.109 Por silogismo prático entende-se “uma conclusão derivada de uma
ação”.110 Esse ponto trata do enquadramento da resposta do homem, ou seja, da obra do
homem na obtenção da segurança. De acordo com sua leitura de Calvino, Beeke diz que
“Calvino deixou implícito que as boas obras se prestam a um papel à posteriori no cultivo
da segurança de salvação mediante o reconhecimento de que as boas obras fortalecem a
fé e são evidências da eleição”.111 É importante entender que “as promessas e as obras
salvadoras de Deus em Cristo permanecem primárias para Calvino”.112 Beeke assevera
que “na teologia de Calvino o silogismo ocasional não desmereceu a Cristo. As marcas
da graça no crente só provam que estes se uniram a Cristo, uma vez que ninguém poderia
ser obediente à parte dele”.113 Daí ao olhar para a forma como Calvino coloca, é
claramente entendido que aquele que foi agraciado por Deus e fora regenerado,
naturalmente evidenciará boas obras e essas boas obras, estando de acordo com a Palavra
de Deus e sendo fruto do Espírito Santo, irão conferir segurança à medida que testificadas
pelo Espírito.

IV. Theodoro Beza

Depois de uma investigação mais detalhada na teologia de João Calvino, a


pesquisa segue mostrando o seu sucessor imediato, Theodoro Beza (1519-1605).114
Gonzalez assevera que apesar de Beza se considerar um continuador dos ensinos de
Calvino, ele na verdade os distorceu de forma sutil e decisiva e, portanto, levou o sistema
calvinista às últimas consequências indo além de onde Calvino havia ido em seus

108
Ibid., p. 85–91.
109
Ibid., p. 97.
110
BEEKE, Joel R., William Perkins sobre a predestinação, a pregação e a conversão, in: Calvinismo na
prática, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 141.
111
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 100.
112
Ibid., p. 102.
113
Ibid., p. 103.
114
MCCRATH, Alister E., Teologia sistemática, histórica e filosófica: Uma introdução a teologia
cristã, p. 115,116; GONZALEZ, Justos L., Uma história do pensamento cristão: da reforma
protestante ao século 20, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 273,274.

68
ensinos.115 McGrath, por sua vez, afirma que Beza, em sua obra composta de três volumes
“Tratados Teológicos”, produzida entre 1570 – 1582, afirma que, nessa obra, Beza “faz
uma exposição bem fundamentada e racionalmente defensável da teologia de Calvino, na
qual algumas pendências dessa teologia (principalmente a doutrina da predestinação e
expiação) são esclarecidas”.116 Beeke, por sua vez, diz que Beza foi um apoiador
incondicional da teologia de Calvino. Embora isso fosse verdade Beza, por ser mais
racionalista do que Calvino, estava disposto a ir além do mesmo.117

Como é de interesse dessa pesquisa focar no desenvolvimento da doutrina da


segurança e certeza da salvação, vê-se que Beza é de grande importância nesse período
de consolidação da ortodoxia reformada. Uma das ênfases de Theodoro Beza fora
desenvolver as evidências secundárias da segurança. Beeke, em sua leitura de Beza,
afirma que entre Calvino e Beza havia ligeiras discordâncias quanto aos elementos da fé.
Assim, ele destaca que:

Pra Calvino, fé conhecimento – conhecimento salvífico, sobrenatural; para


Beza, o elemento do conhecimento não é suficiente porque uma parte do
conhecimento é apenas conhecimento histórico, que mesmo os demônios
possuem. Beza enfatizou o perigo de se possuir apenas conhecimento histórico,
que é a casca, mas não o grão da fé.118

No que toca ao conhecimento, Beza, ao contrário de Calvino, acaba


desvalorizando o conhecimento como elemento de fé. Embora sua ênfase estivesse em
uma análise mais voltada para as considerações do próprio coração e a vida em vez de
considerar as promessas e a Palavra de Deus, ele também ensinou que a Palavra e as
promessas de Jesus eram pontos centrais da fé e da segurança. Outro ponto de
discordância era que Beza não considerava a verdade como elemento necessário da fé
salvadora.119 Quanto à base da segurança, Beza concorda com Calvino e a Assembleia de
Westminster, asseverando três meios de segurança, a saber: a promessa do evangelho em
Jesus Cristo, o testemunho interior do Espírito e a santificação. Dessa forma, ele acaba
promovendo um sistema trinitário onde o crente obtém a sua segurança. Com relação ao

115
GONZALEZ, Justos L., Uma história do pensamento cristão: da reforma protestante ao século 20,
p. 274.
116
MCGRATH, Teologia Histórica, p. 191. Embora faça essa asseveração, McGrath também aponta que
essa questão gera controvérsias entre os historiadores, uma vez que alguns, como Gonzalez, afirmam que
Beza na verdade distorceu a teologia de Calvino, enquanto que outros dizem que ele apenas concluiu
questões que Calvino deixou em aberto.
117
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 106,107.
118
Ibid., p. 108.
119
Ibid., p. 108,109.

69
faltoso, Beeke destaca que para Beza “os crentes cuja a fé é fraca não obtêm segurança
porque são incapazes de responder à questão: ‘Como posso saber se sou eleito’”.120 Com
isso ele vai além do estabelecido por Calvino dando mais ênfase no testemunho exterior
de santificação e do testemunho interior do Espírito, colocando-os como dois pilares
equiparando-os a aplicação das promessas de Deus em Cristo, sendo portanto, maior a
ênfase no testemunho exterior de santificação.121 Logo, Beeke diz que, quanto ao
duvidoso, com base na sua leitura de Beza, o que se tem é:

O crente duvidoso que não pode negar que ama a Deus e ao próximo, e que
odeia o pecado e deseja a justiça, pode ser assegurado de sua eleição por causa
da continua obra de Deus em sua vida, mesmo quando não sente qualquer
recurso pela fé nas promessas de Deus ou pelo testemunho direto do
Espírito.122

Quanto ao uso do silogismo prático, Beza se utiliza com mais liberdade do mesmo,
conferindo assim uma ênfase mais aprofundada do que Calvino nas boas obras quanto
evidências da eleição eterna para encorajar e trazer segurança e certeza ao crente
duvidoso.123

2.2.4.3 Reforma Católica - Concílio de Trento


Faz-se necessário, neste ponto da pesquisa, observar a reação da Igreja Católica à
Reforma Protestante, uma vez que a mesma toma partido quanto à doutrina da segurança
e certeza da salvação. Esse movimento surgiu em resposta à Reforma Protestante para
tentar reconquistar os territórios dominados pelo protestantismo, restaurar e fundamentar
os pontos doutrinários da Igreja Católica Romana, em 1540, conhecido como Contra-
Reforma.124 O ponto de grande interesse da pesquisa é o Concílio de Trento, onde as
decisões quanto aos posicionamentos doutrinários foram sistematizadas. O mesmo foi
convocado pelo papa Paulo III, em1545, aconteceu na pequena cidade de Trento, sendo
assim o XIX Concílio Ecumênico a ser realizado. O Concílio de Trento é tido como um
concílio que fora muito bem-sucedido, uma vez que fortaleceu o catolicismo e estimulou
e sua revitalização.125

120
Ibid., p. 111.
121
Ibid.
122
Ibid., p. 113.
123
Ibid., p. 114.
124
MATOS, Alderi Souza, Fundamentos da Teologia Histórica, 2. ed. São Paulo, SP: Mundo Cristão,
2008, p. 171.
125
Ibid., p. 173.

70
O Concílio de Trento, em resposta à doutrina da justificação defendida por Lutero,
apresentou quatro seções que versavam respectivamente quanto à natureza da
justificação, à natureza da justiça justificadora, à natureza da fé justificadora e por fim, à
certeza da salvação.126 No que toca ao último ponto, a certeza da salvação, como bem
resume McGrath, Lutero e os reformadores defendiam que:

Uma pessoa podia ter certeza da sua salvação. A salvação era alicerçada na
fidelidade de Deus às suas promessas de misericórdia; deixar de ter certeza da
salvação era, na verdade, o mesmo que duvidar da confiabilidade de Deus. E,
no entanto, essa certeza não deve ser vista como uma confiança suprema de
Deus sem nenhum traço de dúvida. Fé não é o mesmo de certeza; apesar do
alicerce teológico da fé cristã permanecer firme, a percepção humana desse
alicerce e seu compromisso com o mesmo podem vacilar. 127

A doutrina da certeza da salvação defendida pelos protestantes foi considerada


pelo Concílio de Trento como sendo um grande ceticismo. O documento apresenta na
seção 6, no capítulo 9, sob o título de “Refutação da falsa confiança dos hereges”,128 sua
defesa apologética à doutrina defendida pelos reformadores. O Concílio assevera que com
relação à certeza do perdão “a ninguém é lícito dizer que se perdoam ou foram perdoados
os pecados àqueles que presume confiada e seguramente de perdão dos pecados e tão
somente com isto se tranquiliza”;129 asseveram também quanto à certeza de justificação:

Também não se deve afirmar que os verdadeiramente justificados devem estar


firmemente, sem sombra de qualquer dúvida, convencidos de sua justificação,
e que ninguém é absolvido e justificado, a não ser aquele que seguramente crer
que foi absolvido e justificado, e que somente por esta fé se efetua a absolvição
e a justificação [cân. 14], como se aquele que não cresse nisto, duvidasse das
promessas de Deus, da eficácia da morte e da ressurreição de Cristo. 130

No que toca à dúvida os mesmos, até apresentam a tolerância em face da fraqueza


do ser humano, no entanto asseveram firmemente que

[...]quando cada qual olha para si mesmo e para sua fraqueza e falta de
preparação, pode recear e temer pela sua remissão [cân. 13], visto ninguém
poder saber com certeza de fé, a qual não pode estar sujeita a erro algum, que
sele conseguiu a graça de Deus.131

Beeke apresenta uma rápida comparação do pensamento de Calvino e as


definições de Trento. Ele destaca que para o Concílio de Trento a certeza é sempre

126
MCGRATH, Teologia Histórica, p. 210.
127
Ibid., p. 213.
128
Concílio Ecumênico de Trento - MONTFORT, disponível em:
<http://www.montfort.org.br/bra/documentos/concilios/trento/#sessao6>, acesso em: 26 set. 2016.
129
Ibid.
130
Ibid.
131
Ibid.

71
revelada de maneira especial e rara, enquanto que para Calvino é especial e normativa,
por ser essência da fé; para o Concílio e Trento ela é separada da Palavra, enquanto que
para Calvino ela está sempre envolvida com a Palavra.132

Percebe-se, por tanto, que as asseverações da Igreja Católica contra os


reformadores é uma tentativa de promover a insegurança e manter os fiéis em constante
incerteza para que não busquem à verdadeira certeza proposta pelos reformadores à luz
da Palavra Santa de Deus e da ação do Espírito Santo.

2.2.4.4 Dos reformadores ao Puritanismo Inglês


Outro movimento fruto da reforma foi o movimento puritano no final do século
XVI,133 o qual é de grande importância para o desenvolvimento histórico da doutrina da
segurança e certeza da salvação. Nesse ponto a pesquisa irá apresentar a doutrina à luz do
pensamento daquele que é considerado o elo de transição entre a doutrina dos
reformadores e as definições futuras dos puritanos, sendo assim considerado o precursor
do movimento puritano, a saber, William Perkins. No próximo capítulo a pesquisa focará
nos grandes nomes desse movimento que foram de fundamental importância para o
fortalecimento e desenvolvimento da doutrina da segurança e certeza da salvação nesse
período, os quais foram sistematizados nos símbolos de fé de Westminster e têm grande
relevância para os dias de hoje.

I. William Perkins

William Perkins (1558 – 1602),134 foi um grande teólogo e escritor prolífico, que
mesmo tendo tido uma morte prematura, aos 44 anos, por doença renal, deixou um legado
literário que suplantava a obra de Calvino, Beza e Bullinger combinados. É considerado
como um elo de transição da teologia dos reformadores ao pensamento puritano que
posteriormente é sistematizado na Confissão de Fé de Westminster. Em especial, ele
promove esse diálogo entre o pensamento de Beza e a Confissão de Westminster.135
Perkins ficou conhecido por sua preocupação com a salvação dos homens pecadores
promovendo a ligação da segurança e certeza da salvação com a doutrina da

132
BEEKE, Joel R., Espiritualidade Reformada - Uma Teologia Prática para a Devoção a Deus, 1. ed.
São José dos Campos, SP: Fiel, 2014, p. 80.
133
Para mais sobre os Puritanos ver: MCCRATH, Alister E., Teologia sistemática, histórica e filosófica:
Uma introdução a teologia cristã, p. 117,118; MATOS, Fundamentos da Teologia Histórica, p. 87–91;
MCGRATH, Teologia Histórica, p. 193; GONZALEZ, Justos L., Uma história do pensamento cristão:
da reforma protestante ao século 20, p. 295–302.
134
BEEKE, William Perkins sobre a predestinação, a pregação e a conversão, p. 121–145.
135
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 119.

72
predestinação, a qual fora o seu carro chefe. Beeke escrevendo acerca de Perkins e esse
compromisso diz:

Perkins acreditava que uma concepção bíblica da soberana graça de Deus, era
vital para o consolo e a segurança espiritual. Ele acreditava que a predestinação
que operava experimentalmente na alma dos crentes era inseparável da
predestinação soberana em Cristo. Longe de ser severa e insensível, a
predestinação soberana era a base para sobre a qual a fé experimental poderia
ser construída. Ela era a esperança, a expectativa e a garantia de salvação para
o verdadeiro crente.136

Perkins foi grandemente influenciado por Beza. Ele fez uso do método de Beza
para tratar de forma confortante pessoas em situação de dúvida quanto à sua salvação.
Assim como Beza em relação a Calvino, Perkins vai mais além, chegando a desenvolver
uma ordo saluts (ordem da salvação) experiencial que dava ao duvidoso a capacidade de
examinar seu coração quanto à fé e à dúvida para assim poder buscar uma mínima
evidência de predestinação, baseada no fundamento da obra de Cristo.137 Essa ordem da
salvação proposta por Perkins, a qual é um desenvolvimento da doutrina proposta
inicialmente por Beza, fica conhecida como supralapsarianismo,138 a qual propõe que
“Deus primeiramente decidiu o fim – a manifestação de sua glória na eleição e na
reprovação – antes de considerar os meios, tais como criação e queda”.139 Como citado
acima, Perkins desenvolve essa doutrina asseverando sempre a centralidade de Cristo. Ele
também dá grade ênfase na pregação como sendo o meio de quebrar o coração do pecado,
bem como assevera a teologia do pacto mostrando, como diz Beeke, que “o principal
meio que Deus usa para executar seus decretos é a aliança”.140

Quanto às bases da segurança, é importante ressaltar que Perkins, por apresentar


alguns pontos diferentes, acaba se distanciando dos reformadores, tendo em vista que ele
tendeu a divorciar fé e segurança. Faz-se necessário ressaltar também que Perkins faz uso
do termo segurança de duas maneiras, a saber:

136
BEEKE, William Perkins sobre a predestinação, a pregação e a conversão, p. 123.
137
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 120,121.
138
GONZALEZ, Justos L., Uma história do pensamento cristão: da reforma protestante ao século 20,
p. 280–281. Nesse ponto Gonzalez destaca os mais importantes teólogos da ortodoxia calvinista, da Suíça,
os quais surgiram com a morte de Beza. São eles Benedito e Francisco Turretin (pai e filho). Turretin vem
a ser o grande opositor a ordem dos decretos proposta pelo supralapsarianismo e sustenta a posição de que
Deus decretou primeiro criar a humanidade; depois permitir a queda; em seguida eleger alguns da massa
de perdição, enquanto permitindo a outros permanecer em sua corrupção e miséria; depois enviar Cristo ao
mundo como salvador do eleito; e por fim chamar estes para fé, justificação, santificação e final
glorificação. A posição é chamada de infralapsarianismo.
139
BEEKE, William Perkins sobre a predestinação, a pregação e a conversão, p. 125.
140
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 121.

73
Segurança objetiva habilita o pecador a ver seus pecados como perdoáveis à
parte do entendimento pessoal de tal perdão. O segundo tipo, a segurança
subjetiva, é a plena segurança que habilita o crente a crer que Deus, por causa
de Cristo, pessoalmente nos perdoa de todo os pecados. 141

Tendo assumido que a segurança é intrínseca à natureza da fé salvadora, Perkins


apresenta uma distinção entre fé fraca e forte, mostrando que na fé fraca a segurança é
vista somente nas promessas de Deus e não experimentalmente na vida do crente,
enquanto que na fé forte a plena segurança surge como um benefício, ou fruto de fé, que
é totalmente assegurado pelo testemunho do Espírito, levando o crente a uma apreensão
pessoal de todos os benefícios da fé.142 Diante disso, Beeke diz que “Perkins afirma que
a segurança é da essência da fé (isto é, inerente mesmo à fé fraca), e é fruto da fé acima e
além de sua essência (isto é, fé forte)”.143 Sendo assim ele mostra que a primeira está em
todo crente, ou seja, todo crente possui, no entanto, é necessário que se busque a
segunda.144

Daqui partimos para a análise do silogismo prático. O silogismo prático de Perkins


é fruto de sua corrente dourada que se move da “segurança de Deus quanto à salvação
desde à eternidade até à segurança do eleito no tempo”145. Logo, esse silogismo prático
que resulta na segurança na alma do eleito é resultado dos seguintes componentes:
“corrente da soberania divina, o estabelecimento do pacto (ou aliança), a satisfação
mediada, a fé em Cristo e a corroboração do testemunho do Espírito”.146 Beeke inda
destaca que “para Perkins o silogismo prático e aquilo que foi depois chamado de ato
reflexo da fé, jamais apontam para longe de Cristo, do Espírito ou da fé salvadora”147.
Deixado mais clara ainda essa relação da responsabilidade do homem, Beeke assevera
que para Perkins, assim como para Calvino, “as obras jamais podem ser bem-sucedidas
na salvação do eleito. Não obstante, elas proveriam algum tipo de segurança”.

Analisando o silogismo prático de Perkins percebe-se que ele dá forte ênfase na


base secundária (resposta do homem)148 da salvação que, por sua vez, é fundamentada na

141
Ibid., p. 124.
142
Ibid., p. 129.
143
BEEKE, Espiritualidade Reformada - Uma Teologia Prática para a Devoção a Deus, p. 129.
144
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 129.
145
BEEKE, William Perkins sobre a predestinação, a pregação e a conversão, p. 141.
146
Ibid.
147
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 131.
148
KEDDIE, Gardan J., Unfallible Certenty of the Pardon of Sinne and Life Everlasting, The Evangelical
Quarterly, p. 230–244, p. 243. Nessa publicação o autor destaca que por conta dessa ênfase dada por

74
base primária da salvação, a saber, a obra soberana do Pai, a obra redentora do Filho e a
obra aplicativa do espírito.149 Reconhecendo a fraqueza e falta de fé do crente, Perkins
declara acerca da segurança que “pouco a pouco é concebida em uma forma de raciocínio
ou silogismo prático enquadrado na mente pelo Espírito Santo”150. Segue-se um exemplo
do silogismo prático de Perkins:

Premissa maior: Todo aquele que crer é filho de Deus

Premissa menor: Eu creio

Conclusão: Portanto eu sou filho de Deus. 151

Perkins vai pontuar ainda o lugar dos frutos (ou boas obras) na vida do eleito,
deixando claro que são fruto do decreto divino e da segurança pessoal. Dentro desses
frutos ele coloca: Arrependimento, obediência e oração. Como agentes fortalecedores ele
destaca a importância dos sacramentos na vida do eleito. Contudo, assim como é visto em
Calvino, Perkins também admite a possibilidade de enfraquecimento da certeza por
decorrência de forte tentação na vida do crente.

Diante do panorama apresentado quanto ao pensamento de Perkins, vê-se muitos


pontos de contatos com os reformadores, bem como se percebe nas suas ênfases uma
progressão na tratativa da doutrina da segurança e certeza da salvação que começam a
levar a doutrina à uma tratativa mais clara e direta por conta da separação proposta de fé
salvadora e certeza da salvação, como será bem pontuado e sistematizado na Confissão
de fé de Westminster. Conclui-se que Perkins não difere dos reformadores em sua
essência, apenas apresenta ênfases diferentes dos mesmos, sendo assim considerado um
grande divisor de águas.

Tendo em vista o foco dessa pesquisar, que é mostra a doutrina da segurança e


certeza da salvação na visão puritano sistematizada na Confissão de Fé de Westminster,
a qual será tratado no próximo capítulo, a pesquisa seguirá mostrando o desenvolvimento
confessional da doutrina da segurança e certeza da salvação, onde será possível observar
as principais definições acerca dessa maravilhosa doutrina até chegar nos símbolos de fé
de Westminster.

Perkins a experiência é interpretada por alguns teólogos como um “pietismo incipiente”, uma vez que a
premissa menor aponta um sentimento ou convicção sobre a condição própria do sujeito.
149
BEEKE, William Perkins sobre a predestinação, a pregação e a conversão, p. 141.
150
PERKINS, William, The work of William Perkins, 1. ed. London: John Legatt, 1626, p. 547.
151
Ibid.

75
2.3 Sistematização confessional da doutrina da segurança e certeza da
salvação

Como fora pontuado inicialmente, a doutrina da segurança e certeza da salvação


só é sistematizada de fato no período da reforma. Tendo apresentado o desenvolvimento
histórico e o posicionamento dos principais proponentes, agora, a pesquisa irá trazer as
principais manifestações confessionais que tratam dessa doutrina de forma mais incisiva
e clara. Essa apresentação se dará partindo de uma breve consideração as formulações
credais, seguida da pontuação da doutrina contida nos Artigos de Religião (Igreja
Luterana), na Confissão Belga e no Catecismo de Heidelberg, passando pela oposição à
doutrina por parte dos arminiano na formulação dos artigos dos remonstrantes e a
condenação nos Cânones de Dort, chegando, por fim, aos Símbolos de Westminster.

2.3.1. Considerações quanto às formulações credais


Os credos produzidos pela igreja, tomando como base o credo apostólico, podem
ser considerados verdadeiros tratados de segurança, uma vez que são pautados nas
promessas de Deus, em sua fidelidade, veracidade e soberania, bem como na pessoa e
obra de Cristo e por fim na pessoa e obra do Espírito Santos. Além disso, os credos
também tinham a importante função de firmar as posições teológicas ortodoxas da Igreja
ante as doutrinas heréticas que surgiram o longo da História. Dentre esses credos faz-se
necessário destacar os seguintes: o credo apostólico, o credo Niceno e Niceno-
constantinopolitano e o credo atanasiano.

O Credo Apostólico152 fora “composto pelos apóstolos em Jerusalém e conservado


pela Igreja Romana como profissão de fé em seus rituais de batismo”.153 Carl Trueman
diz que “a primeira referência a ele como Credo Apostólico ocorre em uma carta de
Ambrósio de Milão a Roma, em 389”.154 Trueman aponta também a importância desse
credo por ser ele uma representação linguisticamente formalizada da Regra de Fé.

O Credo Niceno, que por sua vez, sofre alterações para suprir algumas questões
de cunho apologético, o qual fora primeiramente apresentado no Concílio de Nicéia (325)
por Eusébio de Cesaréia, como sendo o credo de sua própria igreja; nesse concílio é

152
TRUEMAN, Carl R., O imperativo confessional, 1. ed. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2012,
p. 120–123.
153
BETTENSON, Henry (Org.), Documentos da Igreja Cristã, p. 60–61.
154
TRUEMAN, O imperativo confessional, p. 121.

76
apresentado, por fim, como Credo de Nicéia, sendo assim um aperfeiçoamento do credo
proposto por Eusébio com a finalidade de combater a heresia do arianismo; por fim tem
sua formulação final em 451, no Concílio de Constantinopla, onde fora lido e aprovado,
ficando conhecido como Credo Niceno-constantinopolitano. 155

O Credo Atanasiano,156 embora diferindo dos outros credos por não ter sido
formalizado em um concílio ecumênico, o credo atanasiano tem grande importância para
a cristandade, tanto na igreja do Oriente quanto na igreja do Ocidente. Schaff destaca
nesse credo que “ele começa e termina com a declaração solene de que a fé católica na
Trindade e da Encarnação que aqui se apresenta é a condição indispensável de salvação,
e que aqueles que o rejeitam serão perdidos para sempre”157. A ideia de Schaff é mostrar
que o credo atanasiano “requer de todo aquele que seria salvo a crença no único Deus
verdadeiro e, Pai, Filho, e Espírito Santo, um em essência, três em pessoas, e em um Jesus
Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem vivendo em uma pessoa”158.

2.3.2. Considerações quanto às principais manifestações confessionais


protestantes e reformadas
Assim como os credos, as manifestações confessionais se fazem necessário para
apresentar os posicionamentos teológicos, de maneira sistematizada, acerca das crenças
de cada seguimento denominacional, tendo em vista o grande número de pensamentos e
denominações que surgiram no período da Reforma. Trueman aponta ainda dois
elementos de grande importância quantos às formulações confessionais, a saber, um
caráter de identificação doutrinária que os distinguisse de grupos emergentes, e, por outro
lado, um caráter político, uma vez que os territórios e as cidades tinham que definir-se
em relação aos outros. Daí surgirem tantas formulações confessionais nos séculos XVI e
XVII.159

As principais formulações confessionais protestantes e reformadas desse período


foram: Os Artigos de Religião, da Igreja Anglicana; o Livro de Concórdia, da Igreja

155
BETTENSON, Henry (Org.), Documentos da Igreja Cristã, p. 61–64.
156
TRUEMAN, O imperativo confessional, p. 139–141.
157
PHILIP SCHAFF, Creeds of Christendom, with a History and Critical notes. Volume I. The History
of Creeds. - Christian Classics Ethereal Library, disponível em:
<https://www.ccel.org/ccel/schaff/creeds1.iv.v.html>, acesso em: 6 out. 2016, p. 39.
158
PHILIP SCHAFF, Creeds of Christendom, with a History and Critical notes. Volume I. The History
of Creeds. - Christian Classics Ethereal Library.
159
TRUEMAN, O imperativo confessional, p. 47–48.

77
Luterana; as Três formas de unidade, das Igrejas Reformadas; os Símbolos ou Padrões de
Westminster, da Igreja Presbiteriana.

I. Os Artigos de Religião – da Igreja Anglicana

Como destaca Trueman, o anglicanismo da reforma, “não era um meio termo entre
o protestantismo e o catolicismo, mas entre o catolicismo e o movimento anabatista”160.
Logo, “os Trinta e Nove Artigos da Religião, foram estabelecidos, em 1563, e estão
definindo a doutrina anglicana, em relação às controvérsias da Reforma Inglesa” 161. No
que toca à segurança e certeza da salvação, como é o foco dessa pesquisa, observa-se a
ligação dessa doutrina a duas fundamentais doutrinas, a saber, a doutrina da justificação
e a doutrina da predestinação.

No artigo de número XI, da Justificação do homem, lê-se:

Somos reputados justos perante Deus, somente pelo mérito de nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo pela Fé, e não por nossos próprios merecidos e obras.
Portanto, é doutrina mui saudável e cheia de consolação que somos justificados
somente pela Fé, como se expõe mais amplamente na Homilia da
Justificação.162

No Artigo XVII, da Predestinação e eleição, lê-se:

A PREDESTINAÇÃO à vida é o eterno propósito de Deus, pelo qual (antes


de lançados os fundamentos do mundo) Ele tem constantemente decretado por
seu conselho, a nós oculto, livrar da maldição e condenação os que elegeu em
Cristo de entre todos os homens, e conduzi-los por Cristo à salvação eterna,
como vasos feitos para honra. Portanto, os que se acham dotados de um tão
excelente benefício de Deus, são chamados, segundo o propósito de Deus, por
seu Espírito, que opera no tempo devido; pela graça obedecem ao
chamamento; são justificados livremente; são feitos filhos de Deus por adoção;
são formados à imagem do seu Unigénito Filho Jesus Cristo; vivem
religiosamente em boas obras, e, pela misericórdia de Deus, chegam
finalmente à felicidade eterna.163

Assim como a piedosa consideração da predestinação e da nossa eleição em


Cristo, é cheia de um conforto doce, suave e inefável para as pessoas piedosas
e para as que sentem em si mesmas a operação do Espírito de Cristo, que vai
mortificando as obras da carne e os seus membros terrenos, e arrebatando o
pensamento às coisas altas e celestiais, não só porque muito estabelece e
confirma a sua fé na salvação eterna que hão de gozar por meio de Cristo, como
lhes torna mais fervorosa a natureza do seu amor para com Deus; 164

160
Ibid., p. 152.
161
CRANMER, Thomas, Os 39 Artigos da Igreja Anglicana.
162
Ibid.
163
Ibid.
164
Ibid.

78
É interessante também a observação quanto à adoção dos credos, tal qual se vê no
artigo 8, onde diz que os credos “devem ser inteiramente recebidos e cridos; porque se
podem provar com autoridades inegáveis das Sagradas Escrituras”.165 Isso aponta para
preocupação de ligar-se a herança credal católica da igreja primitiva.166

II. O Livro de Concórdia – da Igreja Luterana

O Livro de Concórdia, é na verdade, uma grande compilação de diferentes e


fundamentais escritos. Diante da necessidade de posicionamento confessional, o mesmo
foi adotado em 1580 “por um grupo de clérigos, príncipes, nobres e conselhos municipais
proeminentes no luteranismo, como forma de assumir sua aliança confessional no
contexto político da Europa no fim do século XVI”.167 Os documentos que compõem o
Livro de Concórdia são: O credo apostólico; o credo Niceno; o credo atanasiano; a
Confissão de Augsburgo (1530); a apologia da Confissão Augsburgo (1531); os artigos
de Esmalcalde (1537); tratado sobre o poder e primado do papa (1537); o Catecismo
menor (1529); o Catecismo maior (1529); a Fórmula de Concórdia (1577).

O artigo 20, da confissão de Augsburgo, da fé e das boas obras, no que toca à


segurança declara:

Conquanto essa doutrina seja muito desprezada entre pessoas não


experimentadas, verifica-se, todavia, que é muito consoladora e salutar para as
consciências tímidas a apavoradas. Porque a consciência não pode alcançar
descanso e paz mediante obras, porém somente pela fé, quando chega à segura
conclusão pessoal de que por amor de Cristo possui um Deus gracioso,
conforme também diz Paulo Rm 5: "Justificados mediante a fé, temos descanso
e paz com Deus".168

No Catecismo Menor, na segunda parte, Lutero passa a tratar do Credo


Apostólico. No segundo artigo, ele trata da salvação, tratando especificamente da oba de
Cristo, Lutero declara:

Creio que Jesus Cristo, verdadeiro Deus, gerado do Pai desde a eternidade, e
também verdadeiro ser humano, nascido da virgem Maria, é meu Senhor. Ele
perdoou a mim, pessoa perdida e condenada, e me libertou de todos os pecados,
da morte e do poder do diabo. Fez isto não com dinheiro, mas com seu santo e
precioso sangue e sua inocente paixão e morte. Fez isto para que eu lhe
pertença, seja obediente a ele em seu reino e lhe sirva em eterna justiça,

165
Ibid.
166
TRUEMAN, O imperativo confessional, p. 154.
167
Ibid., p. 155.
168
Confissão de Fé de Augsburgo, disponível em:
<http://www.monergismo.com/textos/credos/confissao_augsburgo.htm>, acesso em: 7 out. 2016.

79
inocência e felicidade, assim como ele ressuscitou da morte, vive e governa
eternamente. Isto é certamente verdade.169

A Fórmula de Concórdia, é na verdade, um documento apologético em defesa das


crenças da igreja luterana ante os vários grupos opositores que surgiram naquele período.
O mesmo apresenta a confirmação daquilo que já fora dito nos outros documentos e faz
a asseveração dos erros dos que contrariam sua doutrina.170 No que toca à segurança e
certeza da salvação, à semelhança dos demais documentos, é possível deslumbrar de
forma implícita na interação com outras doutrinas, como se vê:

Dentro do capítulo 3, que trata da justiça da fé diante de Deus, na parte das


afirmativas, com relação à interação com a fé e firmeza do crente é dito:

4. Cremos, ensinamos e confessamos que essa fé não é mero conhecimento da


história de Cristo, mas uma espécie de dom de Deus por meio de que
reconhecemos retamente a Cristo nosso Salvador, na palavra do evangelho e
nele confiamos que somente por causa de sua obediência temos, de graça,
perdão dos pecados, somos considerados santos e justos por Deus e somos
eternamente salvos.171

6. Cremos, ensinamos e confessamos, outrossim, que, não obstante, o fato de


muitas fragilidades e defeitos se apegarem aos crentes genuínos e
verdadeiramente renascidos, até a sepultura, ainda assim, não devem, por causa
disso, duvidar nem de sua justiça, que lhes foi atribuída pela fé, nem da
salvação de suas almas, porém, devem considerar coisa certa que, por causa de
Cristo, segundo a promessa e a palavra do santo evangelho, têm um Deus
gracioso.172

Outro exemplo encontra-se no capítulo XI, da eterna presciência e eleição de


Deus, onde se percebe a doutrina da segurança implicitamente aplicada na afirmativa
seguinte:

[...] sabermos que fomos eleitos em Cristo para a vida eterna puramente
de graça, sem qualquer mérito nosso, e que ninguém pode arrancar-nos de sua
mão. Essa graciosa eleição, ele não apenas a promete com meras palavras, mas
também a protesta com juramento, e a selou com os santos sacramentos, dos
quais podemos lembrar-nos em nossas maiores tentações, com eles podemos
consolar-nos e, assim, apagar os dardos inflamados do diabo. 173

169
Documentos históricos do protestantismo, p. 46.
170
Para mais informações quanto ao contexto histórico ver introdução em: Livro de concórdia, p. 498–
501.
171
Ibid., p. 510.
172
Ibid.
173
Ibid., p. 534.

80
Ainda tratando de trazer esclarecimento por conta das antíteses e doutrinas
contrárias, falando da Justiça da fé, no capítulo III, é dito acerca da relação do Espírito
com a fé e consequentemente, de forma implícita, a segurança e certeza do crente:

O Espírito Santo nos oferece esses tesouros na promessa do santo evangelho,


e a fé é o único meio pelo qual os apreendemos, aplicamo-los a nós e os
tornamos nossos. Essa fé é dom de Deus pelo qual, acertadamente, chegamos
a conhecer a Cristo, nosso Salvador, na palavra do evangelho, e nele confiamos
que somente por causa da sua obediência, por graça, temos perdão dos pecados,
somos considerados piedosos e justos por Deus Pai e nos salvamos
eternamente.174

Nessas asseverações, fica clara a presença da doutrina da segurança e certeza da


salvação na teologia da Igreja Luterana, proveniente dos ensinos do reformador Lutero, e
da continuação do seu legado.

III. As Três Formas de Unidade

Entre as três formas de unidade estão a Confissão Belga (1561), o Catecismo de


Heidelberg (1563) e os Cânones de Dort (1619).

Começando com a Confissão Belga, escrita em 1561, observa-se que sua origem
parte de um único homem, a saber, o protestante francês Guido de Brès. Essa confissão
fora adota como um dos padrões confessionais das igrejas reformadas continentais no
Sínodo de Dort, que aconteceu entre 1618-1619. Aqui encontram-se asseverações
importantes quanto à doutrina da segurança e certeza da salvação. Como visto nas demais
confissões apresentadas, há também uma aceitação integral aos credos ecumênicos, como
posto no artigo 9, que diz: “Por isso aceitamos de boa vontade, nessa matéria, os três
credos ecumênicos, a saber: o Apostólico, o Niceno e o Atanasiano; e aceitamos também
o que a igreja antiga determinou em conformidade com esses credos”175.

A forma como a confissão é composta já remete o leitor à segurança, uma vez que
os artigos são, em sua maioria, escritos em forma de credo, iniciando com a expressão
“cremos”. Diante disso, ao ler esse documento e fazer dele uma confissão pessoal, o
crente expressa plena confiança, segurança e certeza de salvação.

O que se aproxima mais de uma declaração explicita quanto à segurança e certeza


da salvação está no artigo 24, falando da santificação, vai mostrar a interação da

174
Ibid., p. 580.
175
DE BRÈS, Guido; URSINUS, Zacarias, Confissão Belga e Catecismo de Heidelberg, 3. ed. São Paulo:
Cultura Cristã, 2011, p. 12.

81
segurança com base nas obras, onde é dito: “[...] sempre duvidaríamos da nossa salvação,
levados de um lado para outro, sem certeza alguma, e nossa pobre consciência estaria
sempre aflita, a não ser que se apoiasse no mérito do sofrimento e da morte de nosso
Salvador”.176 Também no artigo 26, mostrando a eficácia de Cristo como advogado do
crente, ele cita textos que são chave para segurança e ponta para a necessidade que o
crente tem de dirigir-se a Deus com plena certeza do favor dele para com os seus filhos.177

O segundo documento confessional a integrar as Três Formas de Unidade, fora o


Catecismo de Heidelberg, encomendado por Felipe III, composto em 1563, também foi
obra de Zacarias Ursinus e Caspar Olevianus. Além de ter sido adotado por vários sínodos
no século XVI, fora igualmente adotado pelo Sínodo de Dort como padrão doutrinário
das igrejas reformadas do continente.178 Trueman destaca que “o Catecismo de
Heidelberg deveria fornecer base para unidade confessional, um modelo para o
treinamento da juventude, e um guia para professores e pastores que os impediria de atorar
mudanças doutrinárias à vontade”.179

Em sua exposição, principalmente na primeira pergunta, vê-se sua acentuada


percepção pastoral quanto à segurança como experiência normal de todo crente.180 Na
primeira pergunta é dito:

Pergunta 1. Qual é o seu único conforto, na vida e na morte?


Resposta. O meu único conforto é que – corpo e alma, na vida e na morte(1) –
não pertenço a mim mesmo,(2) mas ao meu fiel Salvador Jesus Cristo,(3) que,
ao preço do seu próprio sangue, pagou(4) totalmente por todos os meus pecados
e me libertou de todo o domínio do pecado. (5) Ele me protege tão bem(6) que,
contra a vontade de meu Pai do céu, não perderei nem um fio de cabelo.(7) Na
verdade tudo coopera para o meu bem e o seu propósito é para minha
salvação.(8) Portanto, pelo seu Espírito Santo ele também me garante a vida
eterna(9) e me torna disposto a viver para ele, daqui em diante, de todo o
coração.(10)181

Tem-se nessa resposta uma maravilhosa asseveração da segurança e certeza da


salvação. A resposta da pergunta 39 também afirma à segurança e certeza do crente ao
dizer: “[...] pela crucificação tenho certeza que ele tomou sobre si a maldição que pesava
sobre mim, pois a morte na cruz era maldita por Deus”.182 Na pergunta 44, mais uma vez

176
Ibid., p. 23.
177
Ibid., p. 23–25.
178
TRUEMAN, O imperativo confessional, p. 164.
179
Ibid.
180
Ibid., p. 168.
181
DE BRÈS; URSINUS, Confissão Belga e Catecismo de Heidelberg, p. 39.
182
Ibid., p. 50.

82
tem-se asseveração de certeza, a saber: “[...] até nas minhas mais duras tentações tenho a
certeza de que ele me libertou da angústia e do tormento do inferno”.183 A pergunta 86,
traz em sua resposta a essa asseveração pela manifestação das obras como fruto da certeza
da fé verdadeira: “[...] para que, pelos frutos da fé, tenhamos a certeza de que nossa fé é
verdadeira”.184

Portanto, percebe-se claramente o quanto o tema da certeza está envolto no


pensamento dos reformadores, e o quanto esse pensamento se mostra firme e categórico,
estando totalmente interligado com as principais doutrinas soteriológicas.

Agora faz-se necessário que se abra um parêntese para trazer uma breve fala
acerca do que foram as reações por parte dos arminianos, que por sua vez, resultou nos
artigos dos remonstrantes.

O Arminianismo, de maneira geral, é mais uma ramificação do cristianismo


protestante. Trueman destaca que o movimento era considerado muito favorável ao
catolicismo romano, além das implicações com relação à doutrina protestante da
predestinação, o Arminianismo era controverso também com relação as implicações das
suas políticas domésticas e externas.185 Jacó Armínios (1560 – 1609), era de posição
contrária à doutrina calvinista da predestinação. Em 1610, seus seguidores estabeleceram
os cinco artigos dos remonstrantes. Como resume Trueman, em linhas gerais, esses
artigos “afirmavam uma forma de eleição condicional, expiação universal, um
entendimento modificado da depravação e a resistibilidade da graça, junto com um artigo
que questionava a perseverança”.186

Em resposta a esses artigos foi criado o documento conhecido como Cânones de


Dort (1619), os quais foram produzidos no próprio Sínodo de Dort, que por sua vez, havia
sido convocado para resolver as distorções levantadas pelos arminianos. A resolução do
Sínodo em resposta aos cinco artigos remonstrantes deu origem aos cinco pontos do
calvinismo. Nessa ocasião fora afirmado pelo Sínodo a depravação total, a eleição
incondicional, a expiação limitada, a graça irresistível e a perseverança dos santos.187

183
Ibid., p. 51.
184
Ibid., p. 65.
185
TRUEMAN, O imperativo confessional, p. 164–165.
186
Ibid., p. 165.
187
Ibid., p. 164–165.

83
Com relação à segurança e certeza da salvação, percebe-se, como nos outros
documentos, a interação com outras doutrinas essenciais da sotereologia, como a eleição
e perseverança. No capítulo 1, artigo 12, é posto quanto à eleição:

Os eleitos recebem, no devido tempo, a certeza da sua eterna e imutável eleição


para salvação, ainda que em vários graus e em medidas desiguais. Eles não a
recebem quando curiosamente investigam os mistérios e profundezas de Deus.
Mas eles a recebem, quando observam em si mesmos, com alegria espiritual e
gozo santo, os infalíveis frutos de eleição indicados na Palavra de Deus - tais
como uma fé verdadeira em Cristo, um temor filial para com Deus, tristeza
com seus pecados segundo a vontade de Deus, e fome e sede de justiça. 188

Em oposição ao erro dos ensinos arminianos no que toca à eleição, como posto a
seguir: “Erro 7 - Nesta vida não há fruto, consciência ou certeza da eleição imutável para
glória, exceto a certeza que depende de uma condição mutável e incerta”,189 o documento
apresenta as seguintes refutações, as quais são de grande importância para promoção da
segurança e certeza do crente:

Refutação - Falar acerca de uma certeza incerta é não apenas absurdo, mas
também contrário à experiência dos santos. Sentindo sua eleição, eles se
regozijam junto com o apóstolo e glorificam este benefício de Deus (cf. Ef
1:12). Conforme o mandamento de Cristo, se regozijam junto com os
discípulos por seus nomes estarem escritos nos céus (Lc 10:20). Eles colocam
a consciência de sua eleição contra os dardos inflamados das tentações do
diabo, quando perguntam: Quem intentará acusação contra os eleitos de
Deus? (Rom 8:33).190

No capítulo 5, os artigos de 9 ao 12, tratam acerca da certeza da perseverança dos


santos, sendo de grande importância para a doutrina da segurança e certeza, destaca-se o
que é dito no artigo 9:

Os crentes podem estar certos, e estão certos, desta preservação dos eleitos para
salvação e da perseverança dos verdadeiros crentes na fé. Esta certeza ocorre
de acordo com a medida de sua fé, pela qual eles creem, com certeza, que são
e permanecerão verdadeiros e vivos membros da Igreja, e que têm o perdão
dos pecados e a vida eterna.191

Os artigos que seguem são, na verdade, consequência desse entendimento, bem


como os frutos do mesmo. São de igual modo valiosos para o entendimento e apreensão
da doutrina.

188
Bíblia de Estudo de Genebra, 2. ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil; Cultura Cristã, 2009,
p. 1775.
189
Ibid., p. 1777.
190
Ibid.
191
Ibid., p. 1783.

84
Seguindo a estrutura do documento, ele apresenta os erros relacionados a essa
afirmativa de que haja certeza de perseverança dos santos, isso como destacado a seguir:
“Erro 6 - Por sua própria natureza a doutrina da certeza da perseverança e da salvação
causa falsa segurança e prejudica a piedade, os bons costumes, orações e outros santos
exercícios. Ao contrário, é louvável duvidar desta certeza”.192 Para mais esse erro o
documento apresenta sua refutação:

Refutação - Esta falsa doutrina ignora o efetivo poder da graça de Deus e a


atuação do Santo Espírito, que habita em nós. Contradiz o apóstolo João que,
em palavras explícitas, ensina o contrário: Amados, agora somos filhos de
Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser: Sabemos que, quando
ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque havemos de vê-Lo como
ele é. E a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança, como ele é
puro. (1 Jo 3:2,3) Ainda mais, ela é refutada pelos exemplos dos santos tanto
no Antigo como no Novo Testamento, os quais, não obstante estarem certos
de sua perseverança e salvação, continuaram em oração e outros exercícios de
piedade.193

Vê-se nesses documentos que compõem as Três Formas de Unidade, grande


importância, tendo em vista que eles foram, juntamente com outros importantes
documentos, altamente influentes para o que se tem nos Padrões de Westminster.194

III. Os Símbolos de Westminster

Nesse ponto, tendo em vista a apreciação mais cuidadosa que será feita no
próximo capítulo, a pesquisa pontuará apenas as principais declarações contidas nesses
documentos que apontam diretamente para a doutrina da segurança e certeza da salvação.

Os símbolos de Westminster, ou padrões como alguns preferem chamar, foram


fruto do que ficou conhecido como Assembleia de Westminster, a qual teve início em
julho de 1643, na Abadia de Westminster, tendo sido convocada pelo Parlamento Inglês,
para que assim fosse preparada uma nova base doutrinária para igreja do Estado, tendo
sido composta pelos maiores teólogos reformados daquele tempo.195 Os Símbolos de fé
de Westminster receberão influência direta de documentos como os 39 Artigos da Igreja
Anglicana, composto por Thomas Cranmer, com a adição dos Artigos de Lambeth196,

192
Ibid., p. 1784.
193
Ibid.
194
Ibid., p. 1749.
195
Ibid., p. 1785.
196
WHITAKER, William, Os Artigos de Lambeth (1595), Monergismo, disponível em:
<http://www.monergismo.com/textos/credos/artigos-lambeth.pdf>, acesso em: 11 out. 2016. Nos Artigos
de Lambeth (1595) vê-se a doutrina da segurança e certeza da salvação sendo tratada com muita semelhança
ao que se tem nos Cânones de Dort. O Artigo 5, lê-se: “Uma fé verdadeira, viva e justificadora, e a

85
foi também grandemente influenciado pelo documento produzido por John Knox, a saber,
a Confissão Escocesa.197. De forma não tão direta percebe-se a consonância marcante
com as Três formas de Unidade da Igreja Holandesa. O fato é que o que se tem nos
Símbolos de Westminster é o suprassumo da teologia Reformada.

O primeiro documento a ser apreciado é a Confissão de Fé de Westminster. Nessa


confissão percebe-se que a doutrina da segurança e certeza da salvação é tratado em um
capítulo à parte, o que não se vê nas demais confissões. Isso expressa a preocupação
pastoral daqueles irmãos em dar ênfase a essa doutrina. Ainda assim, percebe-se a
interação da doutrina com as demais doutrinas soteriológicas.

No capítulo XIV, seção III, Da fé salvadora, percebe-se claramente a interação


entre fé e segurança: “Essa fé é de diferentes graus: é fraca ou forte, pode ser, muitas
vezes e de muitos modos, perturbada e enfraquecida, mas sempre alcança vitória;
atingindo em muitos, perfeita segurança em Cristo, que é tanto autor como consumador
da fé”.198

O capítulo XVIII, da certeza da graça e da salvação, traz a sistematização da


doutrina, de forma mais completa, tratando desde a falsa segurança até a questão
concernente aos que têm a certeza abalada. A confissão dedica 4 seções para expor a
doutrina. A primeira delas trata mais especificamente da falsa segurança que os hipócritas
e os demais não regenerados têm, em contraste coma verdadeira segurança dos que são
verdadeiramente regenerados:

I. Ainda que os hipócritas e os demais não regenerados podem iludir-se, em


vão, com falsas esperanças e carnal presunção de se acharem no favor de Deus
e em estado de Salvação, esperança essa que perecerá, contudo, os que
verdadeiramente creem no Senhor Jesus e o amam com sinceridade,
procurando andar diante dele em toda a boa consciência, podem, nesta vida,
certificar-se de se acharem em estado de graça e podem regozijar-se na
esperança da glória de Deus, essa esperança que nunca os envergonhará. 199

santificação do Espírito de Deus, não são perdidas nem extinguidas total ou finalmente do eleito”; e no
Artigo 6, lê-se: “O homem verdadeiramente fiel – isto é, alguém que recebeu a fé justificadora, está certo,
pela plena certeza de fé (‘plerophoria fidei’), da remissão dos pecados e da sua salvação eterna por meio
de Cristo”.
197
MATOS, Alderi Souza, Portal Mackenzie: História da Confissão de Fé de Westminster, disponível
em: <http://www.mackenzie.br/7060.html>, acesso em: 11 out. 2016. Nesse artigo o Dr. Alderi apresenta
um histórico bastante esclarecedor da composição dos Símbolos de Fé de Westminster, lançando luz ao
contexto histórico-político que, de certa forma, influenciou grandemente as resoluções principalmente pela
inclusão ativa dos escoceses.
198
Bíblia de Estudo de Genebra, p. 1793.
199
Ibid., p. 1795.

86
A segunda seção trata do fundamento da segurança:

II. Esta certeza não é simples persuasão conjectural e provável, fundada numa
falsa esperança, mas uma infalível segurança da fé, fundada na divina verdade
das promessas de salvação, na evidência interior daquelas graças nas quais
essas promessas são feitas, no testemunho do Espírito de adoção que testifica
com os nossos espíritos sermos nós filhos de Deus, sendo esse Espírito o
penhor da nossa herança e por quem somos selados para o dia da redenção.200

A terceira seção, por sua vez, traz a ideia da responsabilidade do crente buscar a
certeza, bem como a necessidade de gerar frutos provenientes dessa certeza. Aqui tem-se
o ponto de tenção entre a teologia dos reformadores e a teologia de Westminster, no que
toca a segurança da salvação ser ou não da essência da fé.201 Assim lê-se:

III. Esta segurança infalível não pertence de tal modo à essência da fé, que um
verdadeiro crente, antes de possuí-la, não tenha de esperar muito e lutar com
muitas dificuldades; contudo, sendo pelo Espírito habilitado a conhecer as
coisas que lhe são livremente dadas por Deus, ele pode alcançá-la sem
revelação extraordinária, no devido uso dos meios ordinários. É, pois, dever de
cada crente fazer toda a diligência para tornar certas a sua vocação e eleição, a
fim de que, por esse modo, seja o seu coração, no Espírito Santo, confirmado
em paz e deleite, em amor e gratidão para com Deus, em firmeza e alegria nos
deveres da obediência, que são os frutos próprios desta segurança. Este
privilégio está, pois, muito longe de predispor os homens à negligência. 202

Por fim, o último ponto tratado pela Confissão, diz respeito aos que podem ter a
segurança abala, estabelecendo que o eleito nunca ficará privado da semente de Deus e
da vida de fé, e será devidamente restaurado pelo Espírito Santo, em tempo oportuno,
como se lê:

IV. Por diversos modos, os crentes podem ter a sua segurança de salvação
abalada, diminuída e interrompida – negligenciando a conservação dela,
caindo em algum pecado especial que fira a consciência e entristeça o Espírito
Santo, cedendo a fortes e repentinas tentações, retirando Deus a luz do seu
rosto e permitindo que andem em trevas e não tenham luz mesmo os que
temem; contudo, eles nunca ficam inteiramente privados daquela semente de
Deus e da vida da fé, daquele amor a Cristo e aos irmãos, daquela sinceridade
de coração e consciência do dever; dessas bênçãos, a certeza de salvação
poderá, no tempo próprio, ser restaurada pela operação do Espírito, e por meio
delas eles são, no entanto, suportados para não caírem no desespero
absoluto.203

No que toca à segurança e certeza da salvação, no Catecismo Maior de


Westminster, perguntas 80 e 81, também é tratado acerca dessa doutrina, como se vê:

200
Ibid.
201
Esse ponto será explicado e desenvolvido no próximo capítulo, onde a teologia de Westminster será
melhor explanada.
202
Bíblia de Estudo de Genebra, p. 1795.
203
Ibid.

87
Pergunta 80: Os crentes verdadeiros poderão ter certeza infalível de que estão
no estado da graça e de que, neste estado, perseverarão até a salvação?
Resposta: Aqueles que verdadeiramente creem em Cristo, e se esforçam por
andar perante Ele com toda a boa consciência, podem, sem uma revelação
extraordinária, ter a certeza infalível de que estão no estado de graça e de que,
neste estado, perseverarão até a salvação, pela fé, baseada na verdade das
promessas de Deus, e pelo Espírito, que os habilita a discernir em si aquelas
graças às quais são feitas as promessas da vida, testificando ao seu espírito que
eles são filhos de Deus.204

Pergunta 81: Todos os crentes sempre têm a certeza de que estão no estado da
graça e de que serão salvos?

Resposta: A certeza da graça e salvação, não sendo da essência da fé, os crentes


verdadeiros podem esperar muito tempo antes de consegui-la; depois de
desfrutar dela podem senti-la enfraquecida e interrompida por muitas
perturbações, pecados, tentações e deserções; contudo nunca são deixados sem
a presença e apoio do Espírito de Deus, que os guarda de caírem em desespero
absoluto.205
Os símbolos de Westminster apresentam de forma clara e objetiva a doutrina da
segurança da graça e certeza da salvação, de maneira que o crente pode, com facilidade
entender e ser direcionado a um estado de consolo no Senhor.

Por fim, no Breve Catecismo, pergunta 36, vê-se a segurança e certeza da salvação
em conexão direta com a santificação:

PERGUNTA 36: Quais são as bênçãos que nesta vida acompanham a


justificação, a adoção e a santificação, ou delas procedem?

RESPOSTA: As bênçãos que nesta vida acompanham a justificação, a adoção


e a santificação, ou delas procedem, são: certeza do amor de Deus, paz de
consciência, alegria no Espírito Santo, aumento de graça, e perseverança nela
até ao fim.206

2.4 Conclusão

Tendo chegado ao final dessa investigação histórica, credal e confessional, certo


de que ainda há muito a ser acrescentado, vê-se nessa trajetória o quanto a doutrina da
segurança e certeza da salvação foi sendo desenvolvida e à medida que se aproxima da
reforma ela vai tomando um lugar mais central. É na Reforma que a doutrina da segurança
e certeza da salvação é mais diretamente tratada, normalmente entrelaçada a outras
importantes doutrinas da soteriológia, e, principalmente para suprir necessidades
pastorais. É interessante a forma como essa doutrina passa por ataques e sofre com

204
Ibid., p. 1811.
205
Ibid.
206
Ibid., p. 1830.

88
controvérsias, tanto por parte da Igreja Católica Romana como por grupos dissidentes do
protestantismo, como é o caso do Arminianismo. Contudo, é também animador ver como
ela foi tão bem defendida por sínodos e concílios que trabalharam para sedimentar o
entendimento correto da mesma.

Por fim, vê-se a sistematização mais detalhada, fruto de uma profunda


preocupação pastoral, sendo apresentada na Confissão de Fé de Westminster, a qual faz
uma exposição diferente do que se tinha, separando a segurança da graça e certeza da
salvação da fé salvadora, e estabelecendo a questão da segurança enquanto essência da
fé, mostrando que a segurança não é essencial à fé, isso de forma mais detalhada e
objetiva. Essa perspectiva também é amplamente confirmada no Catecismo Maior,
finalizado com o breve catecismo que fortalece a perspectiva do crente mostrando a
ligação da doutrina com outras essenciais doutrinas da soteriológia, a saber: justificação,
adoção e santificação.

Tudo isso corrobora para responder positivamente às perguntas levantas quanto a


possibilidade de que o verdadeiro crente possa ter ou não à verdadeira segurança e certeza
da salvação, bem como para colocar, até mesmo, os mais fracos na fé em posição
confortável e de grande consolo nesta vida.

89
3 A ÊNFASE PASTORAL DOS PURITANOS À DOUTRINA DA
SEGURANÇA E CERTEZA DA SALVAÇÃO NA CONFISSÃO DE FÉ
DE WESTMINSTER
3.1 Introdução

Tendo apresentado a fundamentação bíblica e o desenvolvimento histórico, credal


e confessional da doutrina da segurança e certeza da salvação, a pesquisa agora propõe-
se a mostrar a visão puritana e sua ênfase pastoral, de maneira mais específica, como
explicitada na Confissão de Fé de Westminster, em seu capítulo XVIII. Além de um breve
comparativo entre a visão dos reformadores e a visão de alguns dos grandes teólogos que
contribuíram para a composição deste capítulo, a pesquisa também trará o pensamento de
importantes teólogos que vieram depois, e, também, se dedicaram a desenvolver essa
importante doutrina. Nessa exposição a pesquisa apresentará ainda algumas controvérsias
que surgiram com o passar do tempo, isso objetivando chegar a aplicação experiencial e
pastoral intencionada pelos puritanos neste maravilhoso capítulo da Confissão de Fé de
Westminster.

Assim sendo, neste capítulo final, a pesquisa trará considerações quanto a unidade
de pensamento que havia entre os puritanos acerca da segurança e certeza da salvação;
em seguida, seguirá com uma exposição de cada seção do capítulo XVIII da Confissão
de Fé de Westminster, apresentando um breve comparativo com o pensamento dos
teólogos protestantes e reformados; pontuado as suas ênfases com base no pensamento
de puritanos como Antony Burgess, Thomas Goodwin, os quais foram delegados na
Assembleia de Westminster, Thomas Brooks, John Owen e Thomas Watson, que também
contribuíram grandemente para o desenvolvimento da doutrina; trará ainda apresentação
do pensamento de teólogos que foram importantes para o desenvolvimento dessa
doutrina; e, por fim, exibirá uma breve apresentação da interação prática e pastoral da
doutrina proposta pelos puritanos.

A semelhança do quem vem sendo mostrado, mesmo a Confissão de Fé trazendo


um capítulo específico para a tratativa da doutrina, a grande interação com outras
doutrinas soteriológicas fica bastante evidente. De igual modo, sua forte ligação com as
proposições dos escritos e confissões reformadas, em alguns casos com leves ajustes e
leves divergências com intenção de promover as ênfases pastorais, também ficam
evidentes nesse documento. A exposição do capítulo, da segurança da graça e certeza da
salvação, se dará em quatro partes, como segue: A possibilidade de segurança (18.1); o
fundamento da segurança (18.2); o cultivo da segurança (18.3); e, por fim, a renovação
da segurança (18.4).

3.2 A unidade do pensamento entre os puritanos do século XVII

A unidade de pensamento foi de grande importância para que o produto final


contido nesse capítulo da Confissão ficasse tão claro e objetivo. Beeke, diante das suas
intensas pesquisas quanto a matéria, diz que “na década de 1640, o pensamento puritano
inglês era quase unânime aos distintivos da segurança...”.1 Essa unidade é vista
principalmente nos seguintes pontos, os quais serão melhor explorados na exposição
abaixo: primeiro, os puritanos ensinavam que a fé salvadora deve ser distinguida da
segurança; segundo, eles ensinavam que é, especialmente, mediante a obra do Espírito
Santo que os crentes obtêm a segurança pessoal; terceiro, ensinavam ainda que, essa obra
asseguradora do Espírito tem como base o pacto da graça e a obra salvadora de Cristo, a
qual baseia-se no soberano propósito e amor de Deus na eleição eterna; quarto, ensinavam
também que ainda que essa segurança não fosse completa nesta vida, ela deveria ser,
pelos meios de graça, buscada com todo empenho.2

É exatamente isso que é posto no capítulo XVIII da Confissão, que é o fruto dessa
unidade e urgência pastoral para o ensino e tratamento do povo de Deus. Em seguida a
pesquisa mostrará de forma mais detalhada essas ênfases, as quais estão diluídas nas
quatro seções do referido capítulo, em paralelo com o pensamento dos reformadores e
dos que vieram posteriormente.

3.3 A exposição da doutrina na Confissão de Fé de Westminster – capítulo


XVIII

3.3.1 Seção 1: Três possibilidades de segurança


Assim diz a primeira seção do Capítulo XVII:
I. Ainda que os hipócritas e os demais não regenerados podem iludir-se, em
vão, com falsas esperanças e carnal presunção de se acharem no favor de Deus
e em estado de Salvação, esperança essa que perecerá, contudo, os que
verdadeiramente creem no Senhor Jesus e o amam com sinceridade,
procurando andar diante dele em toda a boa consciência, podem, nesta vida,
certificar-se de se acharem em estado de graça e podem regozijar-se na
esperança da glória de Deus, essa esperança que nunca os envergonhará. 3

1
BEEKE, Joel R., A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, 1. ed. Recife-
PE: Os Puritanos, 2003, p. 155.
2
Ibid., p. 155–163.
3
Bíblia de Estudo de Genebra, 2. ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil; Cultura Cristã, 2009,
p. 1795.

91
A primeira seção desse capítulo começa apresentando três possibilidades de
segurança. A intenção, proposta nessa seção, é direcionar o povo de Deus a fugir da falsa
segurança e buscar à verdadeira segurança, bem como, direcionar aqueles que vivem sem
essa segurança e, conduzi-los ao consolo, à medida que, apresenta ao crente que é possível
que ele seja verdadeiramente salvo, embora não tenha consciência de segurança.

3.3.1.1 A possibilidade de falsa segurança4

A primeira possibilidade apresentada nessa primeira seção é a possibilidade de


falsa segurança. Esse ponto foi exaustivamente tratado pelos protestantes e reformados.
É possível dizer que essa matéria foi uma das “molas propulsoras” que moveram
Martinho Lutero a dar os primeiros passos para a reforma protestante.5 Não foi diferente
com João Calvino, que dedicou boas porção dos seus escritos ao trato da matéria,
mostrando que existem muitos que vivem em falsa segurança, como se vê a seguir:

Há também aqueles que vão além, porque não só têm a Palavra de Deus por
oráculo certíssimo, nem negligenciam totalmente seus preceitos, mas até de
certa forma se deixam afetar pelas ameaças e promessas. A tais, na verdade,
atribui-se o testemunho da fé, mediante κατάχρησιν [Katáchrēsin – uso
impróprio], uma vez que não resistem à Palavra de Deus em manifesta
impiedade, nem a rejeitam nem a desprezam; pelo contrário, antes lhe exibem
certa aparência de obediência.6

Em seguida, Calvino assevera que essa fé é indigna do título de fé trazendo a


lembrança o relato de Simão, O Mago (At 8.13,18,19).7 Calvino fala acerca dessa falsa
fé, a qual não chega ao coração, e aponta a ineficácia dela:

Compreendam, pois, os que se gloriam de tais aparências e simulacros de fé


que, neste aspecto, em nada lucram aos diabos. Aqueles de quem primeiro
falamos lhes são de fato muito inferiores, os quais, apalermados, ouvem e
compreendem coisas por cujo conhecimento os diabos estremecem [Tg 2.19];
os outros nisto lhes são pares: qualquer que seja a natureza do sentimento de
que são tocados, termina, afinal, em terror e consternação. 8

Ainda falando da aparente e ineficaz fé dos réprobos, que conduz a falsa


segurança, Calvino diz:

[...] enquanto são levados de súbito impulso de zelo, enganam-se a si próprios


com uma opinião falsa. Nem há dúvida de que deles se assenhoreie a

4
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 164.
5
LEOPOLDO HEIMANN (Org.), Lutero o escritor, 1. ed. Canoas: Editora da ULBRA, 2005, p. 32. Aqui
o autor assevera que para Lutero, Tetzel representa uma figura antitética à figura do pastor verdadeiro, uma
vez que o mesmo, ao invés de pregar a reforma e o arrependimento, pregava falsa segurança espiritual.
6
CALVINO, João, As Institutas, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 33.
7
Ibid., p. 34.
8
Ibid.

92
displicência, de sorte que não examinam devidamente o próprio coração, como
seria de esperar. É provável que tais tenham sido aqueles em quem, conforme
o testifica João, ‘Nem mesmo Jesus confiava neles, porque conhecia a todos;
e não necessitava de que alguém testificasse do homem, porque ele bem sabia
o que havia no homem’ [Jo 2.24, 25].9

Turretine, considerado o campeão da ortodoxia calvinista no século XVII, também


escrevendo sobre está matéria, atenta para o perigo dessa falsa persuasão, dizendo: “[...]
falsa presunção da carne pode fingir a verdadeira persuasão dada pela fé”.10

Vê-se, portanto, nessa proposição inicial apresentada nessa seção, acerca da


possibilidade de falsa segura, que há ampla consonância entre o pensamento dos
reformadores e o pensamento dos puritanos. O Puritano Anthony Burgess (m. 1664),11
sensível a esta matéria, deixa claro a necessidade de se distinguir verdadeira segura de
falsa presunção, dedicando um dos seus sermões em 2Co 13.5 para trazer esse importante
tema, identificando as características de uma pessoa envolta em falsa segurança.12
Burgess fala também acerca dos homens que vivem com a consciência cauterizada e não
expressam temor diante de Deus por seus pecados, mostrando que eles tratam como
simples melancolia, (nos nossos dias – depressão), buscando tratamento por meio de
remédio e buscando conforto dissociado da Escritura.13

Thomas Brooks (1606-1680),14 em seu tratado sobre segurança, também se dedica


a essa matéria. Brooks faz um breve comentário sobre a fala de Jesus em Mt. 7.22-23 e
26-27, um dos principais textos acerca dessa matéria, dizendo que é preciso “considerar
que muitos que agora estão no inferno, anteriormente presumiam ir para o céu”. 15 Logo
em seguida ele faz menção às 10 virgens que achavam que iriam com o noivo, mas
acabaram ficando (Mt 25.10-12).16 Thomas Watson (c. 1620-1686),17 tratando acerca
dessa matéria, assim como Burgess, destaca um ponto que evidencia a falsa segurança, a

9
Ibid., p. 37.
10
TURRETINI, François, Compêndio de teologia apologética: volume 2, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã,
2011, p. 742.
11
BEEKE, Joel R.; PEDERSON, Rendall J., Paixão Pela Pureza: Conheça os Puritanos, 1. ed. São Paulo:
Publicações Evangélicas Selecionadas, 2010, p. 183–186.
12
BURGESS, Anthony, Spiritual refining: or A treatise of grace and assurance, [s.l.: s.n.], 2006, p. 27–
31.
13
Ibid., p. 31.
14
BEEKE; PEDERSON, Paixão Pela Pureza, p. 164–165.
15
BROOKS, Thomas, Céu na terra: um tratado sobre a certeza cristã, 1. ed. São Paulo: Publicações
Evangélicas Selecionadas, 2014, p. 151.
16
Ibid.
17
BEEKE; PEDERSON, Paixão Pela Pureza, p. 722–724.

93
saber, a falta de humilhação de espírito, ou seja, o réprobo não sente peso pelo seu pecado,
mas vive tranquilamente, não há arrependimento genuíno nele.18

Lloyd-Jones, também se dedicou a tratar essa matéria destacando aspectos


práticos, através dos quais essa falsa segurança é promovida. De maneira bem prática,
Lloyd-Jones mostra que a falsa segurança é uma arma que o Diabo usa para manter as
pessoas em suas ciladas. Diante disso ele declara: “A primeira coisa que ele faz é tentar
dar-nos uma falsa segurança, uma falsa tranquilidade, uma falsa paz e uma falsa
alegria”.19 Jones chama atenção para uma lista de características que apontam falsa
segurança na vida de um indivíduo, a saber: a pessoa não apresenta mudança de vida, não
há transformação substancial nele, o que se vê são falsas evidências que podem ser
imitadas; essa pessoa nunca fica preocupada consigo mesma quanto a sua salvação;
sempre tem grande aversão pelo autoexame, pois eles estão sempre muito bem; outro
problema é que essas pessoas nutrem uma forma de antinomianismo, ou seja, suas ações
não condizem com suas grandes reivindicações.20 Tendo apresentado as características
concernentes a falsa segurança, Jones resume maravilhosamente o contraste entre essas
características dizendo:

Não há maior “marca” do verdadeiro santo do que a humilde. Portanto, se não


há esse elemento em nossa paz e alegria; se, ao contrário, esta é caracterizada
por jactância, confiança própria e fanfarronice, não é genuína. É, de fato, uma
horrível falsificação, um artifício fabricado pelo Diabo.21

J. C. Ryle, dedica algumas páginas do seu livro “Santidade” para tratar o assunto
da falsa segurança trazendo a memória “A mulher de Ló”. Nesse capítulo, ele faz um
grande alerta, principalmente aqueles que gozam de privilégios religiosos, que vivem
envoltos em uma capa de piedade, mas que, na verdade, não são nascidos de novo.22

R. C. Sproul, também traz, de forma prática, algumas colocações acerca da falsa


segurança, apontando três problemas causados pelo fato que as pessoas não entendem o
que é requerido para salvação, os quais acabam levando-os a viver em estado de falsa
segurança. O primeiro problema é o universalismo, corrente de pensamento que ensina

18
WATSON, Thomas, A fé cristã: estudos baseados no Breve Catecismo de Westminster, 1. ed. São
Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 291.
19
LLOYD-JONES, D. Martyn, O Combate Cristão, 1. ed. São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 1991, p. 199.
20
Ibid., p. 200–203.
21
Ibid., p. 205.
22
RYLE, J. C., Santidade: sem a qual ninguém verá o Senhor, 2. ed. São José dos Campos, SP: Editora
Fiel, 2009, p. 218–238.

94
que todos são salvos e vão para o céu. Ele mostra a inconsistência dessa corrente
apontando para realidade do julgamento final (Hb 9.27). O segundo problema é o
legalismo, que, por sua vez, ensina que basta viver uma vida boa e cumprir a Lei de Deus
para ir para o céu. De igual modo, Sproul combate o Legalismo, apontando para Escritura
lembrando que ninguém pode ser salvo por obras da Lei (Rm 3.20; Gl 3.11). O terceiro e
último problema destacado por Sproul é sacerdotalismo, corrente que ensina que a
salvação é realizada por meio do sacerdote, por meio dos sacramentos e ou, por meio da
igreja. Combatendo esse ponto, Sproul aponta para os fariseus, que se apegavam as
ordenanças, mas agiam de maneira que demonstrava um mero cuidado com a forma, ou
seja, com o exterior.23

A. A. Hodge, aponta algumas formas de distinguir a falsa segurança da verdadeira


certeza. Na primeira forma ele diz que: “a verdadeira segurança gera humildade sem
fingimento; a falsa segurança gera orgulho espiritual. 1Co15.10; Gl 6.14”.24 Na segunda:
“a verdadeira conduz a crescente diligência na prática da santidade; a falsa conduz a
indolência e a permissividade. Sl 51.12,13,19”.25 Na terceira forma ele mostra que: “a
verdadeira conduz ao sincero autoexame, e ao desejo de ser sondado e corrigido por Deus;
a falsa conduz a uma disposição de se satisfazer com a aparência e de se evitar a acurada
investigação. Sl 139.23,24”.26 Por fim, na quarta forma ele mostra que: “a verdadeira
conduz a perenes aspirações por mais íntima comunhão com Deus. 1Jo 3.2,3”.27

Vê-se que acerca da falsa segurança, os puritanos sintetizaram de maneira clara e


objetiva essa grande preocupação pastoral, em consonância com o pensamento dos
reformadores, para advertir e tratar aqueles que, dentro da igreja verdadeira, têm nutrido
essa falsa segurança. Vê-se também a consistência desse ensino que perdura e conta com
a concordância de importantes teólogos ortodoxos, que por sua vez, trabalharam para
promover esses ensinos.

23
SPROUL, R. C., Posso Saber se Sou Salvo?, 1. ed. São José dos Campos, SP: Fiel, 2013, p. 40–51.
24
HODGE, A. A., Confissão de Fé de Westminster Comentada, São Paulo: Os Puritanos, 1999, p. 324.
25
Ibid.
26
Ibid.
27
Ibid., p. 325.

95
3.3.1.2 A possibilidade de verdadeira segurança28

Tendo advertido quanto ao grande problema da falsa segurança, os puritanos


referendaram a possibilidade de verdadeira segurança. Geralmente os que combateram a
falsa segurança também levantaram a bandeira da verdadeira segurança. Os reformadores
deixaram bem clara essa possibilidade de verdadeira segurança. Como se vê, essa
possibilidade fica bastante evidente na definição de fé proposta por Calvino.29 Calvino
atesta essa possibilidade, em detrimento da falsa segurança dos réprobos, e faz um alerta
aos eleitos para que não se deixem enganar pela confiança da carne. Diante disso ele diz:

[...] embora seja grande a semelhança e afinidade entre os eleitos de Deus e os


que são dotados por algum tempo de fé transitória, contudo somente nos eleitos
viceja aquela confiança que Paulo celebra, de modo que clamem em alta voz:
Abba, Pai [Rm 8.15; Gl 4.6]. Portanto, assim como somente aos eleitos Deus
regenera para sempre com uma semente incorruptível [1Pe 1.23], de sorte que
jamais pereça a semente de vida implantada em seu coração, assim também
neles sela solidamente a graça de sua adoção, para que ela seja estável e
confirmada... Não obstante isto, os fiéis são ensinados a examinar-se a si
próprios cuidadosa e humildemente, para que a confiança da carne não se
insinue sorrateira em lugar da certeza da fé.30

Vê-se nas palavras de Turretini a mesma perspectiva de Calvino, a qual confirma


a possibilidade de verdadeira segurança, apontando para fora do homem como obra
monergística de Deus.

Os crentes podem não só ter certeza de sua fé e de sua confiança e certeza, com
uma certeza não humana e falível, mas divina e infalível (que é maior ou menor
conforme a fé se veja mais forte ou mais fraca); mas tanto podem como devem
estar certos da graça de Deus e da remissão dos pecados, visto que, em sincera
contrição por seus pecados mediante fé genuína, apreendem a promessa da
misericordiosa graça em Cristo, repousam nele fiducialmente e assim tornam
seguros seus corações.31

Essa possibilidade de verdadeira segurança, como está posto nesta proposição, é


fruto de um consenso entre os puritanos, uma vez que para eles, além de crer nessa
verdade ela precisava ser transmitida e estabelecida na vida do verdadeiro crente. Thomas
Brooks declara: “Os crentes podem alcançar, nesta vida, uma bem fundada certeza da sua
eterna felicidade e bem aventurança”.32 Ele segue com várias provas disso, como a
pesquisa mostrará à frente. Anthony Burgess, além de identificar as características dos

28
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 166.
29
CALVINO, As Institutas, p. 31.
30
Ibid., p. 35.
31
TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 739.
32
BROOKS, Céu na terra, p. 21.

96
que vivem envoltos em falsa presunção, logo em seguida, dedica um sermão a solução
para resolver esse problema, mostrando evidências que atestam a verdadeira segurança.33

John Owen (1616-1683),34 assumindo essa possibilidade de verdadeira segurança,


também fortalece esse ponto, mostrado que há uma relação orgânica entre fé e segurança,
mas deixando claro que não se confundem.35 Lloyd-Jones comentando Ef 1.18, mostra
como o Apostolo Paulo está rogando por aqueles irmãos para que eles, iluminados pelo
Espírito, pudessem atentar para a possibilidade de verdadeira segurança.36 Comentando
2Tm 4.6-8, Ryle defende a veracidade da segurança, a qual “não é mera fantasia ou
sentimento”37, mostrando também que “trata-se de um dom que todo crente em Cristo
deveria buscar e ter como alvo”.38 A. A. Hodge, acerca dessa verdadeira possibilidade de
segurança estabelece: “Os verdadeiros crentes podem, nesta vida, alcançar a certeza com
respeito às suas próprias relações pessoais com Cristo”.39

Diante disso, vê-se que a preocupação pastoral dos puritanos quanto a verdadeira
segurança do crente, é fruto de uma preocupação que vem de longe, fundamenta-se na
Escritura e toma seus exemplos dela, bem como alinha-se com o pensamento dos
reformadores. O cristão precisa crer que, de fato, a segurança é verdadeira e, assim, venha
usufruir dessa bênção maravilhosa e exclusiva dos verdadeiros eleitos.

3.3.1.3 A possibilidade de falta de consciência de segurança40

A terceira possibilidade expressa nessa primeira seção é a possibilidade de falta


de consciência de segurança. Nesse ponto os reformadores também discorreram bastante.
Lutero expressou sua dificuldade em absolver a ideia de um verdadeiro crente em situação
de dúvida, deixando estabelecido que “a falta de segurança é incompatível com o fato de
ser um cristão”.41 Ele classificou esse comportamento como um comportamento de
incrédulo. Calvino se apresenta bastante duro com relação a essa matéria, chegando a
fazer duras asseverações direcionadas aos duvidosos, as quais chegam a ser motivo de

33
BURGESS, Spiritual refining, p. 33–37.
34
BEEKE; PEDERSON, Paixão Pela Pureza, p. 558–565.
35
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 254.
36
LLOYD-JONES, D. M., O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 1996, p. 354.
37
RYLE, Santidade: sem a qual ninguém verá o Senhor, p. 146.
38
Ibid.
39
HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 325.
40
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 167.
41
Ibid., p. 42.

97
acusações contra o reformador. Em Calvino lê-se: “Afirmo que ninguém é fiel senão
aquele que, arrimado na certeza de sua salvação, zomba confiadamente do Diabo e da
morte”.42 No que o pensamento do reformador se desenvolve, vê-se que há nos seus
escritos uma atenção para os qualificativos da segurança, assumindo que a fé tem graus
diferentes, ou seja, pode ser fraca ou forte, sendo assim podem existir pessoas que, por
terem uma fé fraca, não se sintam seguras como outras que tem a fé mais forte. Calvino
mostra ainda a impossibilidade de que alguém consiga, por causa da incidência do pecado,
uma segurança infalível e que nunca vacila, como já citado nessa pesquisa.43

Turretini dirige-se também ao duvidoso, no intento de consolar e direcionar ao


cultivo da verdadeira segurança e certeza da salvação. Para ilustrar essa verdade ligada
com a dúvida, ele chama atenção para os exemplos bíblicos de homens que expressaram
essa dúvida e, mesmo assim, não deixaram de nutrir verdadeira fé. Ele cita o exemplo de
Davi e suas declarações no Sl 22.1 e no Sl 31.22.44

Expressando o pensamento puritano e sua ênfase pastoral, Thomas Brooks, para


o alívio de muitos, diz que: “O homem que não tem certeza do amor e do favor de Deus,
ou da remissão dos pecados e da salvação de sua alma, pode, contudo, ter a verdadeira
graça da redenção”.45 Thomas Watson diz ainda que: “Quem tem a alma santificada tem
aquilo que não deixa o coração afundar, que é possuir atração pelo Espírito a tal ponto de
não trocá-lo pelos prêmios mais caros do mundo”.46 Com isso ele mostra que a dúvida
faz parte da caminhada do crente, e que “no céu os santos terão segurança ininterrupta e
sempre estarão com o Senhor”.47

Sproul, apresenta quatro grupos com relação a essa consciência de salvação: no


primeiro grupo estão aqueles que são salvos e tem plena consciência disso; no segundo
grupo estão aqueles que estão salvos, mas não sabem; no terceiro grupo estão as pessoas
que não são salvas e sabem disso; e no quarto grupo estão aqueles que não são salvas e
não sabem disso.48 No que toca a esse segundo grupo, Sproul declara ainda que: “em

42
CALVINO, As Institutas, p. 41.
43
Ibid., p. 43.
44
TURRETINI, François, Compêndio de teologia apologética: volume 1, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã,
2011, p. 486.
45
BROOKS, Céu na terra, p. 49.
46
WATSON, A fé cristã, p. 290.
47
Ibid., p. 291.
48
SPROUL, Posso Saber se Sou Salvo?, p. 25–36.

98
nenhuma de suas passagens, a Escritura diz que temos que saber o tempo exato de nossa
conversão”.49 Ele desenvolve seu argumento mostrando que a exortação de Pedro, em
1Pe 1.3-11, está indicando que: “pessoas podem estar em um estado de salvação sem
terem realmente a segurança de salvação”.50

Mais uma vez o que se tem é uma consistência contagiante do ensino dos
puritanos, mostrando que é possível que a pessoa esteja em estado de graça mesmo que
ela não tenha consciência disso em sua vida. A ênfase dos puritanos nesse ponto é, além
de consolar os duvidosos, motivar o crente de fé fraca a obter, no Senhor, a plena certeza
e gozar dos seus benefícios nessa vida.

3.3.2 Seção 2: Os fundamentos da segurança

A segunda seção desse capítulo diz:

II. Esta certeza não é simples persuasão conjectural e provável, fundada em


uma falsa esperança, mas uma infalível segurança da fé, fundada na divina
verdade das promessas de salvação, na evidência interior daquelas graças nas
quais essas promessas são feitas, no testemunho do Espírito de adoção que
testifica com os nossos espíritos que somos filhos de Deus, sendo esse Espírito
o penhor da nossa herança e por quem somos selados para o dia da redenção.51

A segunda seção de proposições encontrada no capítulo XVIII da Confissão de Fé


de Westminster aborda mais um ponto muito importante que é o estabelecimento das
bases da segurança e certeza da salvação. O primeiro capítulo dessa pesquisa apresenta
uma abordagem bíblico-teológica da fundamentação da doutrina da segurança e certeza
da salvação com base nos principais fundamentos apresentados aqui nesta seção. Para
melhor apreciação a pesquisa tratará separadamente cada um desses fundamentos.

3.3.2.1 A certeza da salvação é uma infalível segurança da fé

Diante dessa primeira afirmação proposta nessa segunda seção, os reformadores


foram bastante atacados, tanto por parte dos papistas como dos arminianos, como foi
mostrado no capítulo anterior, nas asseverações do Concílio de Trento e nas asseverações
dos Remonstrantes. Calvino, em seu comentário de 1 Coríntios, comentando o versículo

49
Ibid., p. 30.
50
Ibid., p. 32.
51
Bíblia de Estudo de Genebra, p. 1795.

99
12, diz que os papistas torcem esse versículo “com o fim de estabelecer seu ímpio dogma
de que devemos viver sempre num estado de incerteza no tocante a fé”.52

Turretini destaca as acusações dos papistas e dos arminianos quanto a negativa


dessa segurança infalível, mostrando que os papistas negam com veemência a
possibilidade de o homem declarar que está finalmente justificado, embora que o homem
pode até nutrir boa esperança de que é eleito, mas sem declarar com certeza, nem ter
certeza de fé. Os arminianos, apresentam uma visão bem próxima da visão dos papistas,
onde eles argumentam que essa certeza é impossível de ser obtida e, além disso ela é
maléfica para o crente, uma vez que pode conduzi-lo a uma estagnação espiritual e
relaxamento na perseverança, em última instância responsabiliza o homem pela sua
salvação.53

Positivamente Turretini mostra que o eleito deve expressar essa certeza infalível.
Assim ele declara:

Ou ele deve (não com base numa consideração de sua dignidade pessoal, mas
da estima de Deus e de sua custódia poderosa) expressar um ato de certeza,
não apenas provável e conjetural (que admite engano), mas de fé genuína
acerca de sua eleição e salvação.54

Ainda de maneira bem clara e objetiva, ele afirma que: “os crentes podem saber
que são filhos de Deus e crentes; portanto, podem saber que são eleitos, porque a adoção
e a fé são os efeitos e frutos infalíveis da sua salvação e eleição”.55

Os puritanos se mantêm firmes e unanimes nesse pensamento de que a segurança


é infalível. Isso fica perfeitamente evidente na obra de Brooks, Céu na Terra, onde ele
dedica o primeiro capítulo a apresentar “provas de que os crentes podem, nessa vida,
alcançar uma bem fundada certeza de sua eterna alegria e bem-aventurança”.56

J. C. Ryle, escrevendo sobre essa matéria diz que “a segurança é algo verdadeiro
e bíblico”. E dedica-se a discorrer sobre a matéria para estabelecer essa importante
verdade de que se trata de algo infalível.57 Lloyd-Jones, em seu comentário de Efésios,

52
CALVIN, Jean, Gálatas - Efésio - Filipenses - Colossenses, 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora
Fiel, 2015, p. 353. Vê-se essa argumentação também em Jones: LLOYD-JONES, O Combate Cristão,
p. 209–210.
53
TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 479.
54
Ibid., p. 481.
55
Ibid.
56
BROOKS, Céu na terra, p. 21.
57
RYLE, Santidade: sem a qual ninguém verá o Senhor, p. 146.

100
chama a atenção para o pensamento de John Wesley e como a doutrina da segurança e
certeza da salvação era central para ele e os metodistas, no que toca sua infalibilidade:

John Wesley disse muitas vezes que Deus tinha levantado os metodistas em
grande parte para pregar essa doutrina especial da certeza. Ele cria tão
intensamente nessa verdade, que a princípio, tendia a dizer que se você não
tem certeza, você não é um cristão.58

Comentando 2Pedro 1.10, Jones mais uma vez afirma essa ênfase no ensino do
apóstolo, mostrando a força dessa doutrina.59

Diante disso, percebe-se, de maneira muito contundente, que há um consenso


quanto a esse ponto, tanto por parte dos reformadores quanto dos puritanos, consenso esse
que é confirmada pelos seus pós cursores, de que a certeza é uma infalível segurança da
fé. Esse consenso gerou uma firmeza tal, que os levou a defenderem com todas as forças
o seu ensino e aplicação.

3.3.2.2 A certeza da salvação é fundamentada na divina verdade das


promessas de salvação

Observa-se também na teologia dos reformadores esse consenso de que uma das
bases da segurança são as divinas verdades das promessas de salvação. Lutero não
enfatiza muito esse fundamento, mas Zuínglio dá forte ênfase a esse ponto em sua
teologia. Como já citado, Beeke diz que “até mais do que Lutero, Zuínglio baseou fé e
segurança na eleição soberana de Deus e na obra de Cristo no cumprimento do pacto da
graça”.60 Beeke coloca também que na teologia de Zuínglio, no que toca essa base, existe
uma “impossibilidade de separar a eleição, as promessas de Deus, Cristo, a fé e a
segurança, da doutrina da providência de Deus”.61 Calvino coloca às promessas em total
ligação com a ação do Espírito que a autentica, para assim afastar a insegurança do
coração do eleito. Quanto a isso ele diz: “o Espírito Santo enaltece com tão nobres títulos
a autoridade da Palavra de Deus, a fim de fornecer remédio a esta enfermidade e para que
demos total crédito a Deus em suas promessas”.62 Ele também deixa claro em seus
escritos a importância de olhar para as promessas de Deus, a quais conferem segurança

58
LLOYD-JONES, D. M., O Supremo Propósito de Deus, p. 271.
59
LLOYD-JONES, D. Martyn, 2 Pedro Sermões Expositivos, 1. ed. São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 2009, p. 51.
60
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 50.
61
Ibid., p. 51.
62
CALVINO, As Institutas, p. 39.

101
ao crente.63 Em seu Comentário de 1Coríntios, versículo 12, ele afirma que a base
primária da segurança está nas promessas de Deus, encorajando o crente a enfrentar
Satanás e o pecado, mostrando, por fim, Rm 8.33.64 Turretini aponta as promessas como
sendo a base primária e objetiva, onde o Espírito aponta, externamente, por meio da
Palavra essa veracidade e confere segurança ao crente.65

Quanto ao pensamento dos puritanos Beeke declara: “Burgess e a maioria criam


que as promessas de Deus em Cristo são a base primária da salvação”.66 As promessas de
Deus em Cristo, ocupam um lugar muito importante nas bases da certeza. Beeke resume
o pensamento quanto as promessas na perspectiva de Burgess e seus colegas dizendo:

Burges e seus colegas, consistentemente, lembram os crentes de que a


promessa objetiva, abraçada pela fé é infalível, porquanto ela é uma
compreensível e fiel promessa pactual de Deus... Todos os exercícios da fé
salvífica apreendem, em algum gral, as bases primárias da promessa divina em
Cristo.67

Brooks credita forte ênfase as promessas como base para a segurança do crente.
Tomando como base o Salmo 84.11, ele escreve: “Deus, mediante promessas,
comprometeu-se a assegurar a seu povo a sua felicidade e bem-aventurança”.68 Diante
disso ele conclui: “Se ele não nega bem algum, certamente nunca negará certeza, que é o
grande bem, o único, o principal, o bem peculiar que os crentes buscam”.69

Lloyd-Jones, destaca a base primária da segurança, ou seja, a base objetiva, a qual


está fundamentada na aliança, consequentemente na promessa de Deus de redimir o seu
povo, assim como foi trabalhado no primeiro capítulo dessa pesquisa. Maravilhosamente,
Jones começa a apontar para o pacto da trindade, ou aliança da salvação; nessa perspectiva
ele destaca as alianças de Deus com os homens sendo renovadas e ainda dá grande ênfase
no fato de Deus ter feito aliança e até juramento para ajudar-nos. Jones aponta para a
realidade de que Deus empenhou a sua Palavra e jurou por si mesmo. Portanto, quanto

63
Ibid., p. 40.
64
CALVIN, Gálatas - Efésio - Filipenses - Colossenses, p. 353.
65
TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 145.
66
BEEKE, Joel R., Espiritualidade Reformada - Uma Teologia Prática para a Devoção a Deus, 1. ed.
São José dos Campos, SP: Fiel, 2014, p. 239.
67
Ibid., p. 242.
68
BROOKS, Céu na terra, p. 25.
69
Ibid.

102
mais o homem entende as alianças de Deus, olha para suas promessas, sua segurança é
fortalecida.70

Hodge, de maneira bem prática, diz que a segurança repousa sobre essas verdades
divinas das promessas de salvação.71 O ponto central aqui nesta matéria é olhar para o
fato de que a o soberano e imutável Senhor, que fez as promessas, irá certamente cumpri-
las. O crente verdadeiro descansa nessa verdade e, consequentemente gera a esperança
que conduz a plena certeza. Beeke afirma categoricamente que: “as promessas de Deus
devem ocupar sempre o primeiro lugar porque são a base primária e final da segurança
mediante uma fé viva”.72

O fato de que a base primária da segurança repousa na divina verdade das


promessas de salvação direciona mais uma vez para fora do crente, e de certa forma, ajuda
a preservar o crente de tentar buscar em si a segurança da salvação. Essa base primária
repousa em Deus, em sua fidelidade, graça, imutabilidade e na obediência ativa e passiva
de seu Filho Jesus, que, perfeitamente, cumpre essas promessas, bem como na ação do
Espírito que abre os olhos dos eleitos para apreenderem essas promessas. Os puritanos
sintetizaram de forma prática essa verdade afim de conduzir o crente a olhar para a
necessidade de descansar nas promessas de salvação daquele que é fiel para cumprir.

3.3.2.3 A certeza da salvação é fundamentada na evidência interior da


graça

Esse é um ponto que precisa estar bem estabelecido no coração dos crentes, o que
fica evidente na preocupação dos puritanos em trazê-lo e enfatiza-lo neste capítulo. Há
de se notar a grande interação entre esse fundamento com os demais, bem como a
interação do pensamento dos reformadores com as proposições posteriores dos puritanos.

Calvino, ainda falando das promessas, estabelece que elas são fundamento tanto
externo como interno. Calvino declara:

Aqui se revolve o principal gonzo da fé, a saber, que não julguemos que as
promessas de misericórdia que o Senhor nos oferece são verdadeiras somente
fora de nós; ao contrário, que antes as façamos nossas, abraçando-as
interiormente.73

70
LLOYD-JONES, D. M., O Supremo Propósito de Deus, p. 358–359.
71
HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 326.
72
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 173.
73
CALVINO, As Institutas, p. 40.

103
O fato de Cristo habitar no interior do crente, e isso ser apreendido por ele, confere
ao eleito essa evidência interior de que ele está devidamente unido a Cristo. Calvino
coloca isso da seguinte maneira:

E isso é tão certo que de modo algum devemos apartar Cristo de nós, nem nós
dele, mas manter solidamente esta comunhão pela qual intimamente nos uniu
a si. Desta forma nos ensina o Apóstolo: ‘O corpo, na verdade, está morto por
causa do pecado, mas o Espírito de Cristo, que habita em vós, é vida por causa
da justiça’ [Rm 8.10]... Cristo não está fora de nós, mas habita em nós; não só
se nos apega por um laço indiviso de associação, mas, mediante certa
comunhão maravilhosa, dia a dia, mais e mais se une em um só corpo conosco,
até que se faça conosco inteiramente um. 74

Dentro dessa matéria, vê-se fortemente entre os reformadores e também entre os


puritanos a necessidade de demonstrar essa interação quanto a apreensão interna de Cristo
e suas promessas conferindo a segurança e certeza ao crente. Aqui entra em cena a questão
do silogismo prático e do silogismo místico. Quanto aos reformadores, observa-se que
Calvino não dá muita ênfase ao silogismo prático, embora seja percebido em seus escritos,
enquanto que Theodoro Beza trata com mais ênfase do assunto,75 o qual é seguido por
William Perkins. Perkins foi bastante inquerido por dar grande ênfase no silogismo
prático, especificamente por se tratar da base secundária da segurança, a qual diz respeito
a resposta do homem. Com isso ele é acusado de dar mais ênfase nas bases secundárias
do que nas bases primárias da segurança.76 Nesse seguimento de pensamento vê-se que
Turretini, apresenta bem a ideia do silogismo prático e seu objetivo:

[...] é possível extrair um argumento sólido para a consolação dos crentes pelo
uso de um silogismo prático (cuja premissa maior se fundamenta na Escritura
e a menor é elaborada no testemunho do coração dos crentes) nestes termos:
as promessas evangélicas pertencem a todos os crentes e a cada um deles; ora.
eu creio; logo, elas pertencem também a mim. 77
Beeke, em sua tese, expõe essa fundamentação de forma bastante interessante.
Beeke começa dizendo que os puritanos tinham grande anseio por evidenciar a presença
interior de Cristo em suas vidas e que, além disso, “os puritanos criam que tudo o que
Cristo fez no exterior do crente tem sua contraparte no seu interior”; logo de forma

74
Ibid., p. 49.
75
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 114.
76
KEDDIE, Gardan J., Unfallible Certenty of the Pardon of Sinne and Life Everlasting, The Evangelical
Quarterly, p. 230–244, .
77
TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 267.

104
maravilhosa acontece uma troca entre o objetivo e o subjetivo, ou seja, entre Cristo e o
Cristão, em relação as promessas de Deus.78 Ele sintetiza a questão dizendo:

Quando os teólogos de Westminster consideraram a presença interior de Cristo


como a base da segurança, eles não queriam dizer que o crente é justificado
pelo ‘Cristo nele’; antes a presença interior de Cristo representa o assento da
segurança como fruto da justificação, como evidência da união vital com
Cristo. A segurança apreende a presença interior de Cristo pelo gozo dos
benefícios de sua morte e ressurreição justificadoras.79

Diante dessa verdade Beeke passa a discorrer acerca do método da segurança,


mais precisamente os silogismos prático e místico. Era uma grande prática entre os
teólogos fazerem uso de silogismo para aplicar algumas verdades. Esses silogismos, por
sua vez, fazem uso do ato reflexo, ou reflexivo de fé.80 Quanto a esse ato reflexivo,
Burgess explica que há distinção entre os atos diretos da alma, que é o que acontece, por
exemplo, quando a alma crê em Deus, arrepende-se dos seus pecados; e os atos reflexos,
que é quando a alma considera e observa os atos feitos, ou seja, quando o indivíduo sabe
que crê e que se arrependeu.81 “O silogismo prático baseava-se na santificação do crente
e nas boas obras do cotidiano”.82 Por sua vez, “o silogismo místico, baseava-se nos
exercícios interiores do crente e no seu progresso nos passos da graça”.83 É importante
estabelecer quanto aos silogismos e os atos reflexos, que eles são usados para promover
a segurança no crente, uma vez que eles são arraigados em Deus, repousam na Palavra de
Cristo e devem ser considerados obra do Espírito, sendo assim, não dá lugar para o mérito
humano, sendo, portanto, um meio secundário de obtenção de segurança.84

Hodge, defende que a certeza é promessa de Deus para o crente. Ele coloca a
questão da seguinte forma:

[...] as Escrituras prometem que todo aquele que crê terá a vida eterna. O crente
cuja a fé é vigorosa e inteligente tem uma evidência distinta em sua própria
consciência de que ele, pessoalmente, crê. Daí ser obvia a conclusão de que ele
terá a vida eterna.85

Aqui percebe-se claramente um silogismo prático sendo aplicado para demonstrar


essa base secundária da segurança por meio das evidências internas.

78
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 177–178.
79
Ibid., p. 178.
80
Ibid.
81
BURGESS, Spiritual refining, p. 672.
82
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 179.
83
Ibid.
84
Ibid., p. 85–88.
85
HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 326.

105
Portanto, é exatamente isso que se observa na ênfase pastoral dos puritanos que
trabalharam para conduzir o crente ao consolo verdadeiro e, afastá-lo da falsa presunção
de confiar em si mesmo. Thomas Watson, na sua definição de certeza faz uso do silogismo
para explicar, de forma prática, essa verdade. Ele diz:

A certeza consiste de um silogismo prático no qual a Palavra de Deus tem o


papel principal, a consciência tem um pequeno papel e o Espírito de Deus tem
a conclusão. A Palavra diz que quem teme e ama a Deus é amado de Deus.
Essa é a proposição principal, então a consciência faz o papel secundário, ‘mas
eu temo e amo a Deus’, então, o Espírito faz a conclusão: ‘Portanto és amado
de Deus’. Isso é o que o apóstolo chama de testificação: ‘O próprio Espírito
testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus’ (Rm 8.16).86

3.3.2.4 A certeza da salvação é fundamentada no testemunho do Espírito

O testemunho do Espírito como fundamento da segurança, a semelhança de outros


pontos, foi bastante debatido, o que por sua vez, acabou gerando opiniões divergentes
entre alguns teólogos.

Zuínglio dá forte ênfase na ação do Espírito Santo nessa interação de segurança e


certeza do crente. A leitura feita por Beeke mostra que Zuínglio, além de mostrar a ação
do Espírito testificando as verdades salvífica no coração do crente, também fortalece a
segurança por meio da santificação e das boas obras.87 Fica perceptível na teologia de
Calvino que há grade interação entre a evidência interior da graça e o testemunho do
Espírito. Calvino também fala acerca da importância do testemunho do Espírito Santo
conferindo segurança e certeza ao coração do crente. Quanto a isso, ele diz: “[...] o
Espírito Santo é o eterno ensinador, pela operação de quem à mente nos penetra a
promessa da salvação, promessa que, de outra sorte, apenas feriria o ar ou nossos
ouvidos”.88 Diante disso percebe-se que Calvino dá grande ênfase na ação do Espírito
como sendo essencial nesse processo de condução do crente à segurança.

Sobre esse ponto, Turretini mostra a perfeita interação do Espírito, tanto nas bases
primárias quanto nas secundárias, interagindo ativamente na segurança e certeza do
crente. Sendo assim, acerca do testemunho do Espírito, ele resume de forma clara e
objetiva dizendo que:

A resolução da fé, objetivamente considerada (quanto às coisas a serem cridas),


é diferente de sua consideração subjetiva e formal (quanto ao ato de crer). O
primeiro elemento está na Escritura e no testemunho externo do Espírito Santo

86
WATSON, A fé cristã, p. 290.
87
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 52.
88
CALVINO, As Institutas, p. 22.

106
expresso na Escritura; o segundo, em seu testemunho interno impresso na
consciência e falando no coração. Pois, como duas coisas são necessárias à
geração da fé (a apresentação da verdade na Palavra e sua aplicação no
coração), o Espírito Santo opera em ambos (i.e., na Palavra e no coração).
Portanto, lemos que ele testifica apropriadamente na Palavra, objetivamente,
segundo o método de um argumento em virtude do qual cremos. No coração,
lemos também que ele (mas com menos propriedade) testifica eficientemente
e segundo o método de um primeiro princípio, por cujo poder cremos. 89

Beeke, falando acerca do fundamento da segurança com base no testemunho do


Espírito, diz que “os escritos da Confissão de Westminster sabiam que a base da
segurança mais difícil de ser compreendida era a do testemunho do Espírito Santo”.90
Beeke apresenta divergentes posicionamentos entre os próprios delegados de
Westminster, destacando que haviam aqueles que defendiam que as evidências internas
da graça e a evidência do testemunho do Espírito estavam intimamente ligadas,
direcionando o leitor para o texto de Rm 8.15,16 como sinônimos;91 enquanto que outros
defendiam que se tratava de duas bases distintas, apontando no mesmo texto, diferença
entre o testemunho do Espírito no versículo 15 e o testemunho no versículo 16.92 Embora
houvesse essa diversidade de opiniões, Beeke afirma que “os teólogos da Assembleia,
contudo, unanimemente afirmavam que o testemunho do Espírito está sempre ligado a
Palavra de Deus e jamais pode ser contradito”.93

Percebe-se quanto a essa matéria, que há também uma preocupação em definir a


relação do “selo do Espírito” e seu lugar na segurança. Como se verá mais adiante, há
divergentes interpretações que vão dos reformadores aos teólogos da pós-reforma no trato
dessa matéria.

Lawson declara que Ambrósio via o Espírito Santo como o selo assegurador do
crente e mostra ainda que “Ambrósio via em Jo 10.27-30 a verdade de que Deus Pai e
Deus Filho mantêm todos os crentes eternamente seguros em suas mãos salvífica”.94
Quanto ao pensamento dos reformadores, em Calvino vê-se que há um entendimento
acerca dessa prerrogativa do Espírito. Calvino diz:

Consequentemente, o Espírito faz as vezes de um selo para marcar em nosso


coração estas mesmas promessas cuja certeza antes nos imprimiu à mente e ele

89
TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 145.
90
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 192.
91
Ibid.
92
Ibid., p. 193.
93
Ibid., p. 197.
94
LAWSON, Steven J., Pilares da graça: AD 100 - 1564, 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel,
2013, p. 266.

107
toma o lugar de um penhor para confirmá-las e estabelecê-las. “Depois que
crestes”, diz o Apóstolo, “fostes selados com o Santo Espírito da promessa, o
qual é o penhor de nossa herança” [Ef 1.13]. Vês como nesta passagem Paulo
ensina que os corações dos fiéis são gravados pelo Espírito, como se por um
selo, e que o chama Espírito da promessa, porque ele nos faz o evangelho
indubitável?95

Fica claro o posicionamento de Calvino, quanto a tratativa acerca da questão do


selo do Espírito, em seu comentário da Epístola de Paulo aos Efésios, ao comentar o
versículo 13, onde percebe-se claramente que Calvino coloca o selo como procedente da
fé, ou seja, ele coloca o selo do Espírito sujeito à fé. Assim ele declara: “Aqui, porém, o
apóstolo parece sujeitar à fé a selagem do Espírito. Se for este o caso, então a fé precede
o ato de selar”.96 Na interpretação de Calvino, essa ação do Espírito é dupla, ou seja, ele
diz que “a ação do Espírito na fé é dupla, correspondendo às duas partes principais das
quais a fé consiste. Ela ilumina o intelecto (mens) e também confirma o pensamento
(animus)”.97 Comentando 2Coríntios 1.22, Calvino diz:

Como o Espírito é a nossa segurança, porque testifica acerca de nossa adoção,


e 0 selo (σφραγίς), porque estabelece a fé genuína nas promessas, assim Ele é
chamado de nosso penhor, porque é obra sua ratificar o pacto de Deus de
ambas as partes; e, sem o penhor, o pacto pairaria suspenso no ar.98

Fica evidente que no pensamento de Calvino, a relação do selo está intimamente


ligada com as promessas. Em outro lugar ele ainda declara:

[...] é chamado Penhor e Selo de Nossa Herança [2Co 1.22; Ef 1.13, 14],
porque a nós, peregrinos no mundo e semelhantes a mortos, assim do céu nos
vivifica, para que estejamos certos de que sob a fiel custódia de Deus em
segurança nos está a salvação.99

Turretini, entende de forma ampla a ação do Espírito Santo e Sua prerrogativa de


selar o crente. Logo, acerca do testemunho do Espírito, quanto ao selo, ele faz
interessantes colocações, a saber:

[...]ela é confirmada pelo testemunho e “selo do Espírito Santo”, o qual não


apenas testifica que somos filhos de Deus (Rm 8.16), mas também que fomos
“selados para o dia da redenção” (Ef 4.30). Porém, como poderia ele testificar
realmente que somos filhos de Deus e herdeiros do reino do céu, ou selar-nos
para o dia da redenção, se não tivéssemos nenhuma evidência disso, e se seu
testemunho fosse falso e sua selagem, enganosa? Mas o contrário se prova pela
palavra “selo”, a qual designa algo certo e inalterável, sendo até mesmo

95
CALVINO, As Institutas, p. 62.
96
CALVIN, Gálatas - Efésio - Filipenses - Colossenses, p. 221.
97
Ibid.
98
CALVIN, Jean, 2 Coríntios, 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2008, p. 55.
99
CALVINO, As Institutas, p. 21.

108
chamadas de invioláveis os que são selados com a primeira chancela. Daí os
pais chamarem esse selo indissolúvel (akatalyton).100

Percebe-se, contudo, que não há uma preocupação em distinguir o tempo que o


selo é administrado, se imediatamente ou posteriormente. No pensamento dos
reformadores percebe-se uma maior inclinação para algo concomitante. Mas, esse é um
debate que acaba surgindo acompanhado de divergentes posições.

Um grande representante dessa matéria, é o puritano Richard Sibbes (1577-


1635).101 Discípulo de Paul Baynes – sucessor de Perkins na igreja de St. Andrews, em
Cambridge – Sibbes, sendo um grande nome de seu tempo, teve grande influência na vida
de grandes teólogos, como Thomas Goodwin e tantos outros que estiveram na Assembleia
de Westminster.102 No que toca a ação do Espírito Santo na vida do crente, Sibbes
estabelece alguns princípios importantes, a saber: na ocasião da conversão o Espirito
passa imediatamente a habitar aquela pessoa;103 é também, função Espírito, apresentar o
crente ao Pai e ao Filho e torna-lo íntimo de ambos;104 o Espírito além de habitar no crente
é responsável por lhe dar vitória nas suas batalhas, sendo, também, aquele que sela a alma
do crente.105

No tocante a esse selo, Sibbes vai desenvolver seu ensino com base na perspectiva
de que “o papel do Espírito como selo da alma dos Crente é muito parecido com examinar
o trabalho dele em favor da segurança pessoal de fé e salvação”.106 Sibbes via o selo do
Espírito como duas questões distintas, a saber: “Ele distinguia entre o oficio ou função do
Espírito como selo dado ao pecador na regeneração, de um lado, e, de outro, a obra em
que o Espírito aplica aquele selo à consciência do crente”.107 Sendo assim, ele imagina o
selamento do Espírito de duas maneiras: primeiramente o selamento em um único ato; e
segundo, um selamento que ocorreria mais tarde, de acordo com a obtenção da maturidade
da vida cristã. Dessa maneira, o selo inicial serve para sinal de autenticidade, enquanto
que o segundo aspecto está relacionado a um processo, ou seja, aponta uma
progressividade.108 De acordo com ele, esse selo fortalecedor, dá aos crentes a

100
TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 482.
101
BEEKE; PEDERSON, Paixão Pela Pureza, p. 645–648.
102
BEEKE, Joel R.; JONES, Mark, Teologia Puritana, 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 817.
103
Ibid., p. 819.
104
Ibid., p. 820.
105
Ibid., p. 822.
106
Ibid., p. 823.
107
Ibid.
108
Ibid., p. 824.

109
possibilidade de se “apropriarem da plena certeza mediante a obra de cada pessoa da
Trindade, mesmo a ênfase estando no Espírito e em sua obra salvadora”.109 Ele descreve
essa relação trinitária, mostrando que o Pai estabelece o decreto sobre a obra da salvação,
o Filho executa e o Espírito aplica e atesta, levando a alma do crente a nutrir a certeza da
salvação.110

O pensamento de Sibbes é fruto do desenvolvimento da matéria por parte de


Perkins e seu sucessor Baynes. Em Perkins vê-se uma ênfase maior na atividade do
Espírito no selamento das promessas, ou seja, na ação de atestar as promessas. Baynes,
por sua vez, propõe uma junção do pensamento de Calvino com o pensamento de Perkins,
ensinando que o selamento se aplicava tanto a habitação no íntimo quanto as
consequências externas na vida do crente.111 Com isso vê-se que Sibbes concorda com o
pensamento de Baynes, mas enfatizava que o selamento era uma obra adicional e
confirmatória da fé do crente.112

John Owen, por sua vez, discordava da distinção proposta por Sibbes. Owen
defendia que o crente é selado na hora em que é regenerado. Nesse sentido, o pensamento
de Owen está alinhado ao de Calvino.113 Como destaca Ferguson, Owen inicialmente
defendia que eram as promessas e não as pessoas que estavam em vista nesse selo.114
Posteriormente, como ressalta Beeke, Owen vai definir que o selo se aplica diretamente
a pessoa e não às promessas, diferentemente do que Calvino defendia.115 Sendo assim o
selo serve como base da segurança e certeza do crente. Logo, ele coloca que o selo não é
a segurança em si, mas produz segurança.116

Lloyd-Jones escreve amplamente acerca desse tema em seu comentário de


Efésios, analisando o versículo 13.117 Basicamente, Jones começa mostrando as
utilizações do termo “selo” em seu uso comum, depois mostra sua aplicação no que foi
direcionado ao Senhor Jesus Cristo (Jo 6.27), e, em seguida, passa a mostrar essa relação

109
Ibid., p. 825.
110
Ibid., p. 25–26.
111
Ibid., p. 823.
112
Ibid., p. 824.
113
Ibid., p. 823.
114
FERGUSON, Sinclair B., A devoção trinitária de John Owen, 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora
Fiel, 2015, p. 103.
115
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 273.
116
Ibid., p. 274.
117
LLOYD-JONES, D. M., O Supremo Propósito de Deus, p. 234–267.

110
para com os crentes. Nessa primeira parte, quanto a aplicação do termo, ele mostra qual
o significado de estar selado:

Obviamente deve significar para nós o que significou para o Senhor. Significa
que podemos ser autenticados, que pode ser estabelecido por sinais inteligíveis
que realmente somos filhos de Deus, herdeiros de Deus e coerdeiros com o
nosso bendito Senhor e Salvador Jesus Cristo. 118

Jones segue tratando o assunto com o propósito de estabelecer quando,


exatamente, ocorre essa selagem na vida do crente e quais as implicações disso, também,
no que toca a segurança e certeza do crente. Diante disso Jones lança a pergunta: “este
selo do espírito Santo é uma experiência distinta e separada na vida cristã, ou é algo que
acontece inevitavelmente com todos os cristãos, de maneira que não se pode crer sem este
selo?”119 Jones destaca que a posição mais aceita é a segunda, ou seja, que acontece
imediatamente e não se pode crer sem este selo. Mas, Jones declara que não defende essa
posição. Ele fundamenta sua posição no ensino dos puritanos do século dezessete, no
ensino de Thomas Goodwin e seu contemporâneo John Owen, bem como no ensino de
Charles Simeon e Charles Hodge, que “traçam aguda distinção entre crer (ato de fé) e a
selagem com o Espírito Santo”.120 Quanto a esse ensino ele diz:

Eles asseveram que as Escrituras ensinam que, conquanto seja verdade que
ninguém pode crer sem a influência do Espírito Santo, não obstante, não é a
mesma coisa que ser selado com o Espírito, e que o ser selado com Espírito
nem sempre acontece imediatamente quando a pessoa crê. 121

Jones fundamenta sua argumentação em passagens como: João 14; 16; 20.20; At
1.4,5; At 2; At 8.2,12,16; At 9; At 15; At 19.2,4-5,6; Ef 1.13. Nessas passagens, ele mostra
várias experiências onde pessoas que já eram crentes receberam posteriormente o selo do
Espírito Santo.122 Quanto as implicações de estar selado com o Espírito Santo, Jones
começa estabelecendo que o crente é selado com o Espírito Santo da promessa (Is 40; Ez
37 e 38; Jl 2; Lc 3.16-17; Jo 7.37-39; 14; 15;16; At 1.4-8; 2.33; Gl 3.14) – Jones mostra
que todas estas passagens apontam para a intenção do apóstolo acerca do Espírito Santo
da Promessa.123 Jones esclarece que isso não quer dizer que o Espírito Santo não estava
nos santos antes de pentecostes, pelo contrário, ele esclarece que o Espírito Santo estava

118
Ibid., p. 239.
119
Ibid.
120
Ibid., p. 239–240.
121
Ibid., p. 240.
122
Ibid., p. 240–244.
123
Ibid., p. 246–248.

111
em todos os santos do Antigo Testamento, e, com isso, declara que: “Nenhum homem
pode estar no reino de Deus a não ser que seja filho de Deus; e não pode ser filho de Deus
sem o Espírito”.124 Entretanto, Jones volta-se para o fato de que o Espírito Santo da
Promessa ainda não havia sido derramado, da forma que havia sido prometido, antes de
Pentecostes, onde essa promessa é cumprida.

De forma mais direta, Jones passa a mostrar as implicações na vida do crente. Ele
começa mostrando o que o selo do Espírito não é: primeiro ele estabelece que o Selo do
Espírito não é regeneração;125 em seguida ele mostra que o selo do espírito não é uma
unção;126 esclarece também que não é santificação;127 em seguida mostra que o selo do
Espírito não é um fruto do Espírito;128 bem como estabelece que não é a certeza da
salvação resultante de fé na Palavra, bem como de argumentos extraídos dela;129 também
esclarece que não é plenitude do Espírito.130 No que toca a certeza da salvação, como é o
foco dessa pesquisa, é importante notar que Jones destaca os meios de obtenção da certeza
– promessas e silogismo – mostrando que os dois dão forte base para a segurança; depois
ele sugere que o selo do Espírito está muito acima do que tem sido considerado até esse
ponto. Ele diz que o selo do Espírito

[...] é uma forma de certeza mais forte e mais elevada. Inclui as bênçãos
mencionadas, mas vai além delas. É o Espírito em nós que nos capacita a fazer
o que já descrevi; no entanto, o selo do Espírito é algo adicional a isso, e é algo
que nos é feito pelo Espírito”.131

A. A. Hodge, opta, a semelhança dos reformadores, por uma abordagem mais


ampla acerca da ação do Espírito Santo. Isso fica evidente em seu comentário nessa seção
da Confissão, onde ele diz que:

O Espírito Santo é o autor direto da fé em todos os seus graus, tanto quanto do


amor e da esperança. Plena certeza, portanto – que é a plenitude da esperança
descansando sobre a plenitude de fé – é um estado mental que é a função do
Espírito Santo a induzir nossa mente em conexão ao caráter supra declarado.
Seja qual for a forma, ou ele opere em nós o querer e o realizar, segundo o seu
beneplácito (Fp 2.13), ou derrame o amor de Deus em nossos corações (Rm
5.5), ou nos gere novamente para uma viva esperança (1Pe 1.3), é assim que
ele dá início à graça de perfeita segurança – não com um sentido cego e

124
Ibid., p. 249.
125
Ibid., p. 250.
126
Ibid.
127
Ibid., p. 250–251.
128
Ibid., p. 251.
129
Ibid., p. 252.
130
Ibid., p. 253.
131
Ibid., p. 252.

112
fortuito, mas com uma conclusão legítima indubitável de evidência para um
determinado fim.132

Herminsten Maia, expressando o pensamento da maioria dos reformados


contemporâneos, diz que:

Todos os que creem em Cristo como seu Senhor e Salvador pessoal recebem
definitivamente o Espírito Santo, o ‘Santo Espírito da Promessa’, sendo
selados para o dia do juízo. A fé é selada pelo Espírito. Ele, que fora prometido
pelo Pai e pelo Filho, e agora habita em nós, sendo o agente do cumprimento
das promessas (Ef 1.13; At 1.4-5; 2.33) e parte do cumprimento daquilo que
Jesus Cristo prometeu (Jo 14.26; 16.7).133

De maneira geral, quanto as bases da segurança, o grande ponto dá ênfase dos


puritanos é que a segurança não é obtida unicamente pela confiança nas promessas, ou
nas evidências interiores, ou no testemunho do Espírito Santos.134 Trata-se, portanto, de
uma ação em conjunto, ou seja, todas essas bases trabalhando em conjunto para conferir
saldável segurança ao crente.

3.3.3 Seção 3: O cultivo da segurança


Na terceira seção desse capítulo encontram-se as seguintes asseverações:

III. Esta segurança infalível não pertence de tal modo à essência da fé, que um
verdadeiro crente, antes de possuí-la, não tenha de esperar muito e lutar com
muitas dificuldades; contudo, sendo pelo Espírito habilitado a conhecer as
coisas que lhe são livremente dadas por Deus, ele pode alcançá-la sem
revelação extraordinária, no devido uso dos meios ordinários. É, pois, dever de
cada crente fazer toda a diligência para tornar certas a sua vocação e eleição, a
fim de que, por esse modo, seja o seu coração, no Espírito Santo, confirmado
em paz e deleite, em amor e gratidão para com Deus, em firmeza e alegria nos
deveres da obediência, que são os frutos próprios desta segurança. Este
privilégio está, pois, muito longe de predispor os homens à negligência.135

Essa seção apresenta uma das questões que foram motivo de grandes debates
quanto a Confissão de Fé ser ou não ser um documento calvinista. Nessa seção fica claro
a urgência pastoral dos puritanos em esclarecer pontos importantes e fundamentar
devidamente a questão da segurança. Não só isso, mas também se vê nessa seção, a ênfase
puritana em conduzir o crente na busca pela verdadeira certeza e gozar dos seus frutos
em sua vida.

132
HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 328.
133
COSTA, Herminsten M. P. da, O Deus bendito. 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 114.
134
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 197.
135
Bíblia de Estudo de Genebra, p. 1795.

113
3.3.3.1 A segurança não pertence à essência da fé

Como supracitado, esse ponto é um dos pontos de tenção entre a doutrina dos
reformadores que por muito tempo trataram a segurança como parte da essência da fé.
Lloyd-Jones, analisando a posição de Lutero e dos reformadores protestantes, quanto a
matéria, diz que o Diabo usa de estratagema para tentar conduzir o crente de um extremo
a outro, e nesse caso, tenta persuadir o crente a pensar que “não se pode ser cristão se não
se tem segurança da salvação”.136 Ele ressalta que Lutero, como já fora destacado no
capítulo anterior, ensinava que “não se pode ter fé sem segurança da salvação, que
verdadeiramente não se pode ver tal doutrina e crer nela sem automaticamente regozijar-
se nela e ter absoluta certeza dela”.137 Jones, por sua vez propõe uma refutação ao
pensamento dos reformadores protestantes com base em 1Jo 5.13, mostrando, por fim,
que “é possível uma pessoa ser verdadeiramente crente, e, todavia, por diversas razões,
não ter segurança da salvação”.138

Antes mesmo de Calvino, Bullinger, segundo mostra Beeke, entende a segurança


como parte essencial da fé.139 Na teologia de Calvino esse entrelaçamento entre segurança
e fé salvadora, à ponto de haver essa relação de essência, também fica evidente. Como já
mostrado, vê-se na conclusão de Calvino: “se alguém crê, mas não tem convicção de que
é salvo por Deus, esse não é um crente verdadeiro”.140 Fica claro que para Calvino, assim
como para a maioria dos reformadores, a segurança é parte integrante da fé. Embora possa
ser visto na teologia de Calvino esse posicionamento, de certo ponto, extremista, vê-se
que ele não desconsidera totalmente a condição do duvidoso, uma vez que ele cria
categorias para incluir o duvidoso em categorias de diferentes graus de fé.141

Turretini, já apresenta um pensamento mais alinhado com o dos puritanos e com


relação a proposição da Confissão. Ele apresenta sua posição dizendo que:

Ainda que essa certeza seja necessária para a consolação dos crentes, quanto à
veracidade da fé propriamente dita, não há necessidade de seu ato explícito a
todo momento, nem se deve dizer que está sem fé quem ainda não está
confirmado nessa certeza.142

136
LLOYD-JONES, O Combate Cristão, p. 211.
137
Ibid., p. 212.
138
Ibid.
139
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 56.
140
Ibid., p. 64.
141
Ibid., p. 67–68.
142
TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 486.

114
A seguinte fala de Turretini expressa bem essa ideia: “Nossa segurança não
consiste no afeto de nossa disposição, mas no efeito infalível da graça divina”.143

A grande preocupação pastoral dos puritanos fez com que, praticamente um século
depois, essa proposição surgisse para trazer paz aos mais fracos, apontando para a
segurança como sendo fruto da fé salvadora invés de essência da fé salvadora, embora a
segurança seja, organicamente, parte da fé.144 Brooks declara abertamente que “a certeza
não pertence à essência do cristão”.145 Em seguida, ele coloca em termos bem práticos
essa ênfase pastoral dos puritanos com respeito a essa matéria, dizendo: “É necessário
para o bene esse (o bem-estar), o conforto e a alegria do cristão – não é indispensável para
que alguém seja cristã. Um homem pode ser um verdadeiro crente, e toda via, daria o
mundo inteiro, se pudesse, para saber que realmente é crente”.146

John Owen também concorda com essa proposição. Como demonstrado por
Beeke, para ele aqueles que veem “a segurança da salvação e os seus fenômenos
acompanhantes de alegria e de gloriar-se no Senhor, como a essência da fé, resultaria em
engano”147. J. C. Ryle, também sustenta essa verdade dizendo: “Uma pessoa pode ser
possuidora da fé salvadora, e, no entanto, nunca usufruir de uma firma esperança”.148 Ryle
destaca em seu ensino sobre essa matéria, que é muito importante deixar estabelecida essa
distinção entre fé e segurança.149 Ele enfaticamente declara:

Defendo a ideia, repito, de que a simples fé em Cristo é suficiente para salvar


um homem, embora ele talvez nunca venha a obter o senso de segurança; não
defendo que isso será suficiente para conduzi-lo no caminho para céu com
fortes e abundantes consolações.150

Lloyd-Jones também assevera essa verdade com grande ênfase em sua teologia,
considerando estratagema do Diabo fazer com que o crente pense que sem certeza ele não
pode ser um cristão verdadeiro.151

Berkhof desenvolve bem essa matéria demonstrando as visões diferentes quanto


ao assunto. Ele começa mostrando a distinção que há entre a segurança objetiva e

143
Ibid., p. 484.
144
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 156–157.
145
BROOKS, Céu na terra, p. 20.
146
Ibid.
147
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 254.
148
RYLE, Santidade: sem a qual ninguém verá o Senhor, p. 152.
149
Ibid., p. 154.
150
Ibid.
151
LLOYD-JONES, O Combate Cristão, p. 211.

115
subjetiva, estabelecendo que a certeza objetiva da fé é parte integrante da essência da fé,
enquanto que a certeza subjetiva, ou segurança da graça e da salvação, não é da essência
da fé. Em seguida Berkhof destaca o pensamento dos reformadores que tinha a segurança
e certeza como um elemento mais importante da essência da fé, tomando o cuidado de
fazer a ressalva de que eles também admitiam graus diferentes de fé, que por sua vez
poderia levar a pessoa a sofrer grandemente com dúvidas quanto a sua salvação. Berkhof
mostra também a variação de pensamento contido nos padrões confessionais, destacando
que o Catecismo de Heidelberg admite a segurança como essência da fé; os Cânones de
também comungam dessa posição, deixando a abertura para aqueles que tem dificuldades
e sofrem com dúvidas; a Confissão de fé de Westminster, assevera que a segurança não é
da essência da fé. Berkhof ainda mostra o posicionamento de três grupos que apresentam
pensamentos divergentes, começando pelos antinomistas, que defendiam que a segurança
é parte da essência da fé; seguido pelos nomistas pietistas que defendiam que esta não
fazia parte da essência da fé; os metodistas também não defendem essa posição, tendo em
vista que eles creem que os santos podem decair totalmente da graça, ou seja, perder a
salvação. Por último, ele ressalta que entre os teólogos reformados, ainda há diferentes
opiniões quanto a matéria.152

Um ponto importante a ser estabelecido aqui, quanto a ênfase dada pelos puritanos
a essa matéria, é que, como declarado por A. A. Hodge, essa proposição está diretamente
relacionada a segurança subjetiva, a qual confere ao crente uma certeza pessoal de que de
fato ele está em Cristo, seus pecados foram perdoados e que ele está realmente salvo.153
Com isso a declaração de Beeke lança luz ao pensamento puritano ao dizer que:
“Felizmente, a certeza da salvação não depende do crente... Pastoralmente, é crucial
afirmar que a dúvida pode acompanhar até mesmo a fé justificadora”.154

3.3.3.2 O Tempo envolvido na obtenção da segurança e certeza

A Confissão de Fé, depois de estabelecer a questão da segurança em relação a


essência da fé, estabelece que o fator tempo é algo variável e que alguns precisaram
labutar bastante e enfrentar sofrimentos para obter esse precioso dom; daí passa a mostrar
os meios pelos quais o crente pode obter essa consoladora segurança e certeza da
salvação.

152
BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 4. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 467–468.
153
HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 331.
154
BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 157.

116
Calvino trata dessa questão mostrando que de fato muitos crentes precisam lutar
para serem persuadidos daquilo que professam: “Ora, a incredulidade tão profunda e
arraigadamente se nos apega ao coração e a tal ponto lhe somos propensos, que sem árduo
embate cada um não se persuade daquilo que todos confessam com a boca: que Deus é
fiel”.155 Outra demonstração na teologia de Calvino está no seu desenvolvimento acerca
da fé crescente, onde ele ensina que a fé cresce em contínuo vigor e certeza:

Quando inicialmente é instilada em nossa mente, mesmo que seja apenas uma
gota mínima de fé, começamos então a contemplar a face de Deus, plácida,
serena e propícia para conosco. É verdade que isto à distância; contudo, com
visão de tal modo segura, saibamos que de maneira alguma estamos sofrendo
de alucinação. Além disso, quanto mais avançamos – uma vez que nos importa
avançar continuamente –, atendendo a um progresso de antemão estabelecido,
mais nos vamos aproximando da visão dele; e já um tanto mais segura, e até
pela própria continuidade, mais familiar ele se nos torna.156

Turretin, falando acerca desse desenvolvimento, onde pode-se aferir a ideia de


tempo, vai mostrar esse estado de ondulação sofrido pelo crente em decorrência do seu
amadurecimento apontando para o uso dos meios de graça como meios para desenvolver
essa experiência e manter-se em crescente estado de santificação. Assim diz ele:

Mas não é assim com a certeza que o crente tem sobre a remissão de seus
pecados. Isto não é imediatamente revelado na Palavra, mas provém da
experiência interior e do senso do coração. Depende de nós e às vezes pode ser
duvidoso e incerto, não menos que o princípio sobre o qual ela repousa. Daí
ser falso que o verdadeiro crente por certo tempo pode e deve estar certo da
remissão de seus pecados, mesmo quando esteja em pecado e se entregue às
luxúrias da carne, porque (como já dissemos) a certeza não é outorgada sem o
uso de meios.157

A ênfase puritana não contraria o que inicialmente é visto na teologia dos


reformadores. Vê-se nos escritos dos puritanos essa preocupação de mostrar que o
caminho à segurança é um caminho árduo e calamitoso, mas também, gratificante e
frutifico.

Nota-se nos escritos de Thomas Watson essa preocupação pastoral em direcionar


as ovelhas para que pacientemente aguardem por esse precioso dom. Assim ele mostra a
necessidade de esperar pacientemente (Jr 13.27), pois a certeza é “doce e preciosa” (Jr

155
CALVINO, As Institutas, p. 39.
156
Ibid., p. 42.
157
TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 753.

117
18.4), e, montra ainda, que o crente deve esperar também, porque Deus prometeu a certeza
aos seus filhos (Is 49.23).158

Thomas Brooks, dedica-se a mostrar os principais motivos porque Deus priva, ou


nega por algum tempo, a certeza a alguns crentes.159 Quanto a esses motivos ele destaca
que: Deus nega, por algum tempo, a certeza para o exercício da graça neles, ou seja, para
que seja exercitado o amor, esperança, paciência, etc.; Deus também nega, por algum
tempo, a certeza para os manter nos exercícios religiosos; para convencimento da
magnitude e maledicência de seus pecados, para que ele se afaste cada vez mais deles;
para que essa segurança tão almejada seja fruto de motivações corretas, ou seja, mais
direcionada à glória de Deus do que a si mesmo; para que quanto a segurança for recebida,
seja devidamente apreciada, guardada, aperfeiçoada; para que o crente se mantenha em
caráter de humilhação, pois a falta de certeza tende a humilhar e dobrar a alma do crente
orgulhoso; para mantê-los firmados em Cristo e para que Ele seja tudo em suas vidas.160

Aqui também é possível identificar o cuidado na teologia dos puritanos em


esclarecer para os crentes que essa jornada rumo a segurança não é fácil, mas é altamente
gratificante, podendo não ser rápida, pelo contrário, podendo durar até o último dia da
vida de alguns crentes.

3.3.3.3 O crente tem o dever de buscar a verdadeira segurança

Esse imperativo está presente na teologia dos reformadores. Em Calvino vê-se


implicitamente essa ênfase, diante de tudo que já fora mostrado, uma vez que se entende
que para Calvino e a maioria dos reformadores a segurança é parte da essência da fé,
então é imperativo para o crente buscar e evidenciar essa segurança e certeza em sua vida.

Com relação a esse ponto, Turretine, demonstra que existe uma grande
necessidade de cada crente atentar para essa questão tão importante. Diante das diversas
situações em que o crente pode se encontrar, por causa de diversos motivos,
principalmente situações de pecado, o crente que se vê nessa situação deve, não só busca,
mas implorar a Deus por plena segurança. Quanto a isso ele declara:

Caso algumas vezes ele (o crente) fique sem esse senso dela, não deve
considerar-se pertencente ao rol dos réprobos e nutrir dúvidas sobre a

158
WATSON, A fé cristã, p. 296.
159
BROOKS, Céu na terra, p. 41–47.
160
Ibid.

118
misericórdia divina. Antes, deve buscá-la e implorar por ela com o máximo
ardor junto a Deus, e (de sua parte) é obrigado a usar todos os esforços com o
fim de estimulá-la e enraizá-la mais e mais fundo em seu coração pela prática
da fé e das boas obras.161

Não diferente dos reformadores, os puritanos apresentavam a necessidade de


buscar a segurança e certeza da salvação. Não só isso, mas também, incentivavam suas
ovelhas nessa busca, apontando o caminho por onde elas deveriam seguir nessa jornada
para uma vida de mais e mais consolação no Senhor.

Anthony Burgess, assevera que o crente pode possuir a segurança, e deve buscar
obtê-la, embora haja severa acusação por parte dos papistas, ou seja, dos grandes
opositores à doutrina.162 Outro puritano que se empenha na tarefa de impulsionar as suas
ovelhas nessa busca é Thomas Watson. Watson, além de incentivar o crente a buscar a
segurança e certeza da salvação, assevera que essa busca deve ser árdua. Quanto a isso
ele diz: “Lute para obter a certeza”.163 Sendo assim, ele vai direcionar o crente a aferir
algumas questões cruciais, a saber: se tem a verdadeira obra da graça em sua vida; se de
fato tem grandes sentimentos por Cristo; se tem a presença do Espírito Santo em sua
vida.164

Thomas Watson, afim de direcionar o crente nessa luta pela obtenção da certeza,
vai mostrar algumas coisas que o crente deve buscar fazer nessa caminhada:
primeiramente o crente deve manter sua consciência pura (Hb 10.22); Em segundo lugar
o crente precisa se exercitar na piedade (1Tm 4.7); o crente precisa alegrar-se no Espírito
do Senhor, pois “o Espírito é o consolador que sela a certeza” (Sl 51.11; 2Co 1.22);
precisa também, fazer correto uso dos meios de graça, pois “o sacramento é uma
ordenança seladora”.165

Brooks, de igual modo, não deixa de trazer à tona o imperativo para que os crentes
busquem a segurança e certeza da salvação. Para isso ele aponta o texto de 1Pe 1.10, para
dizer que o Espírito Santo exorta os crentes por meio dessa passagem. Ele assevera essa
verdade dizendo: “É especialmente necessário; é de importância interna e eterna fazer
firme e segura diligência por sua alma, irmão”.166 Brooks ainda instiga os crentes a

161
TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 486.
162
BURGESS, Spiritual refining, p. 17.
163
WATSON, A fé cristã, p. 295.
164
Ibid.
165
Ibid., p. 297–298.
166
BROOKS, Céu na terra, p. 30.

119
buscarem a certeza uma vez que Deus assim promete em sua Palavra.167 Com isso ele
defende que “é propósito das Escrituras ajudar os crentes a obter a certeza”.168 Assim ele
assevera essa verdade dizendo ainda que: “É propósito da Escritura em geral levar as
almas, primeiro, a um conhecimento de Cristo, depois, a aceitarem a Cristo, e depois, a
edificarem em uma serena certeza do seu real interesse por Cristo”.169 Ele mostra inda as
fontes para obtenção dessa certeza, destacando com isso que todos os crentes podem obter
a certeza. Quanto a isso, ele ensina que a fé cristã é uma das fontes da certeza, seguida
pela esperança, a boa consciência e o verdadeiro amor aos santos.170 Depois de mostrar
as fontes ele também mostra os meios, destacando textos chave como: 2Pe 1.5; 1Co 11.28;
2Co 13.5.171 Brooks não deixa de apontar para o sacramento da Ceia do Senhor um
instrumento para conduzir o crente a fortalecer a certeza. Nesse sentido ele diz: “O
principal fim para o qual Cristo instituiu a ordenança da Ceia foi que a mesma torne os
crentes certos e seguros do Seu amor, e ponha neles o selo do perdão dos seus pecados,
da aceitação divina de suas pessoas e da salvação de suas almas (Mt 26.27-28)”.172

Lloyd-Jones, não só assevera que é possível ser cristão sem ter certeza da salvação,
mas juntamente com essa asseveração, ele declara positivamente o dever de o cristão
buscar nutrir essa gloriosa certeza:

Você pode ser cristão sem segurança de salvação, mas deve tê-la, e não deve
dar-se por satisfeito enquanto não a tiver. Você dar-se conta de que é um cristão
muito defeituoso sem ela, defeituoso do ponto de vista de sua experiência
pessoal e mais defeituoso ainda do ponto de vista do seu testemunho. 173

Jones, apresenta ainda forte ênfase nesse ponto em seu comentário da segunda
Epístola de Pedro, capítulo 1, versículo 10. Nesse comentário ele declara: “Bem, que
exortação é essa? É que eu e você estejamos certos de nossa salvação”174. Jones assevera
que aqui Pedro está exortando os cristãos a terem plena certeza. Jones aponta também
para 1Jo 5.13, onde o apóstolo declara “Estas coisas vos escrevi, para que saibais que
tendes a vida eterna”.175 Ele ainda aponta, acertadamente e concordemente com o ensino

167
Ibid., p. 25.
168
Ibid., p. 22.
169
Ibid.
170
Ibid., p. 26–30.
171
Ibid., p. 32.
172
Ibid., p. 33.
173
LLOYD-JONES, O Combate Cristão, p. 213.
174
LLOYD-JONES, 2 Pedro Sermões Expositivos, p. 51.
175
Ibid.

120
dos puritanos, que o crente deve buscar a certeza porque o próprio Deus oferece essa
certeza aos seus filhos, ou seja não é uma invenção do homem. Jones diz ainda: “Podemos
argumentar com muita facilidade no sentido de que o objetivo de cada particular epístola
do Novo Testamento é dar certeza e às pessoas, dar-lhes o conhecimento dessa
segurança”.176

Ryle, acerca dessa matéria, dedica-se a mostrar a grande importância desse ponto.
Em concordância com a ênfase dos puritanos ele também declara sua urgência em
conduzir o crente no dever de buscar a plena segurança:

De todo coração desejo que a segurança seja buscada pelos crentes, muito mais
do que tem sido. Um grande número daqueles que creem começa a duvidar e
continuará duvidado, viverá e morrerá na dúvida, e assim irá para o céu como
que em meio a uma névoa.177

A. A. Hodge, em consonância com esse pensamento, mostra que alcançar a


segurança e certeza é tanto um dever quanto uma graça para a vida dos crentes. Com isso
ele completa que: “Tudo aquilo referente a ela (segurança) deve ser diligentemente
buscado, e tudo aquilo que a obstrui deve ser cuidadosamente evitado”.178

De forma esplêndida a ênfase dos puritanos nessa proposição é de grande valia


para o povo de Deus, uma vez que esclarece a importância de se buscar e empenhar-se
diligentemente nesse propósito para glória de Deus. E não só isso, percebe-se nessa ênfase
uma grande urgência para que esse ponto seja aplicado na vida do crente.

3.3.3.4 Os frutos próprio da segurança

Dentro desse ponto, como já mostrado anteriormente, vê-se na teologia dos


reformadores que há uma agenda para tratar essa matéria. Os reformadores, mais
precisamente e enfaticamente em Beza e Perkins, faziam sobejo uso dos silogismos para
mostrar por meio da resposta, ou frutos visíveis na vida dos crentes, que os mesmos
estavam apontando para uma subjetiva certeza.

Nesse sentido, há também uma forte demonstração e cuidado pastoral, por parte
dos puritanos, de que a certeza do crente seja evidenciada por meio de frutos. Isso fica
bem evidente na obra de Thomas Watson. Ele mostra alguns frutos ou evidências que
acompanham de perto aqueles que tem a plena segurança e certeza em suas vidas. Diante

176
Ibid., p. 55.
177
RYLE, Santidade: sem a qual ninguém verá o Senhor, p. 156.
178
HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 332.

121
disso, Watson, destaca os seguintes frutos que a segurança e certeza vão gerar na vida do
crente:

Primeiro, a certeza nos fará amar a Deus e louvá-lo... Segundo, a certeza


contagiará todas as demais alegrias da criatura... Terceiro, certeza nos fará
ativos e vivos no serviço a Deus; estimulará nossa oração e aguçará nossa
obediência contagiante alegria e certeza... Quarto, a certeza será um escudo
dourado para vencer a tentação e ajudará a triunfar sobre ela... Quinto, a certeza
nos fará contentes, embora tenhamos pouca coisa no mundo. Aquele que tem
o suficiente está contente... Sexto, a segurança apoiará o coração nos
sofrimentos, fará o cristão suportar problemas com paciência e com alegria...
Sétimo, a segurança trará paz a uma consciência agitada... Oitavo, a segurança
nos fortalecerá contra os medos da morte...179

Sendo assim, na perspectiva de Watson, o crente seguro deve andar da seguinte


maneira: primeiramente ele deve buscar não desprezar essa certeza vivendo em pecados
e descuidado das suas obrigações; ele deve ser extremamente grato a Deus e admirar sua
misericórdia dispensada em sua vida; deve admirar o amor de Deus em sua vida; deve
também desenvolver essa certeza a cada dia fazendo com que ela aumente mais e mais, e
isso, para glória de Deus, de maneira que possa encorajar outros, ajudar outros a aumentar
o consolo em suas vidas e ainda andar de maneira celestial; além disso, ele deve desejar
um estado glorifica e cuidar em cultivar essa segurança e certeza da salvação para que
não a perca.180

Thomas Brooks, também apresenta alguns frutos que são evidenciados na vida
daqueles que nutrem plena segurança e certeza da salvação. Ele começa sua empolgante
lista dizendo que a segurança produz “o céu na terra”, ou seja, “a segurança espiritual fará
o céu descer a seus corações”.181 Em seguida, ele mostra que a segurança espiritual
abranda as mudanças que ocorrem nesta vida (2Co 4.16-18). E, quanto a isso ele declara:
“Enquanto o homem viver consciente e seguro do amor de Deus derramado em seu
coração, nenhuma mudança externa ou circunstancial poderá causar considerável
mudança em sua vida”.182 Outras vantagem cita por Brooks é que essa segurança freia o
desejo do homem pelas coisas deste mundo; ajuda na comunhão com Deus; impede que
o crente se desvie; produz santa ousadia; prepara o crente para a morte; dá às
misericórdias o sabor de misericórdias; dá vigor ao crente no serviço cristão; e por fim,
conduz a alma do crente ao gozo de Cristo.183

179
WATSON, A fé cristã, p. 291–295.
180
Ibid., p. 298–300.
181
BROOKS, Céu na terra, p. 167.
182
Ibid.
183
Ibid., p. 168–175.

122
Lloyd-Jones, enfatiza que a certeza na vida do crente gera alguns desejáveis frutos.
Primeiramente ele mostra que a certeza gera regozijo. Diante disso, ele declara que: “se
não temos certeza, não podemos nos regozijar-nos, de modo que a obra de Deus em nós,
pela graça, está incompleta, a não ser que tenhamos certeza”.184 Em segundo lugar, ele
mostra que a certeza faz com que o crente se torne uma melhor testemunha de Cristo.185

Ryle também vai apresentar importantes benefícios e frutos da segurança na vida


do crente, sendo os principais deles: a capacidade de suportar pobreza e prejuízos sofridos
olhando para as riquezas no céu (Ha 3.17-18); sustento em meio as piores calamidades
(2Rs 4.26; Hb 13.8; Rm 6.9; 2Sm 23.5); capacidade de louvar ao Senhor e mostrar-lhe
gratidão nas adversidades (Jó 35.10; Sl 42.8); capacidade de dormir em paz, mesmo que
esteja esperando a morte (Sl 4.8); capacita o homem a rejubilar-se ao ter de sofrer afrontas
por amor a Cristo (At 5.41); também, capacita o homem a enfrentar a morte (At 7.59); dá
forças ao crente em seu leito de morte (2Co 5.1; Fp 1.23; Sl 73.26). Além disso tudo, faz
com que o crente se torne consolado, atuante, resoluto e cada vez mais santo em Cristo.186

A. A. Hodge também vai apontar alguns frutos decorrentes da genuína certeza na


vida do crente. Assim ele declara: “paz e alegria permanentes, amor e gratidão a Deus; e
estes à luz das próprias leis de nosso ser, a um maior ânimo, energia e alegria na prática
da obediência em cada departamento do dever”.187

Diante dessas sobejas declarações, vê-se a importância da ênfase pastoral dos


puritanos nessa seção. O cultivo da segurança envolve o desejo diligente do crente, o
trabalho árduo, embora possa, em alguns casos, ser demorada para ser obtida, é altamente
gratificante. Mesmo não sendo essencial à salvação, os puritanos vão mostrar o quanto a
segurança e certeza da salvação é fundamental para a consolação do crente, conduzindo-
o a uma vida frutífera e desejosa por estar cada vez mais próximo de Cristo.

3.3.4 Seção 4: A segurança perdida e renovada


Na quarta e última seção desse capítulo lê-se:

IV. Por diversos modos, os crentes podem ter a sua segurança de salvação
abalada, diminuída e interrompida – negligenciando a conservação dela,
caindo em algum pecado especial que fira a consciência e entristeça o Espírito
Santo, cedendo a fortes e repentinas tentações, retirando Deus a luz do seu
rosto e permitindo que andem em trevas e não tenham luz mesmo os que

184
LLOYD-JONES, 2 Pedro Sermões Expositivos, p. 56.
185
Ibid., p. 56–57.
186
RYLE, Santidade: sem a qual ninguém verá o Senhor, p. 156–163.
187
HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 333.

123
temem; contudo, eles nunca ficam inteiramente privados daquela semente de
Deus e da vida da fé, daquele amor a Cristo e aos irmãos, daquela sinceridade
de coração e consciência do dever; dessas bênçãos, a certeza de salvação
poderá, no tempo próprio, ser restaurada pela operação do Espírito, e por meio
delas eles são, no entanto, suportados para não caírem no desespero
absoluto.188

Nessa seção, mais um ponto importante é tratado e devidamente esclarecido de


maneira pastoral pelos puritanos. A questão da perda da certeza é algo que facilmente
pode ser confundido com a errada ideia proposta pelos remonstrantes de que é possível
um crente verdadeiro perder a salvação, o que foi devidamente combatido pelo Sínodo de
Dort, como já demonstrado nesta pesquisa. O que se tem aqui é essa asseveração por parte
dos puritanos trazendo nesse documento esse ensino com clareza, intencionando o
consolo e fortalecimento dos verdadeiros crentes.

3.3.4.1 A segurança pode ser abalada, diminuída e interrompida

Como já mostrado anteriormente, a teologia dos reformadores mostrou-se dura


em referência a este ponto. Isso causou acusações a Calvino e gerou tenção com algumas
proposições esse capítulo da Confissão. O ponto é que mesmo apresentando certa dureza,
Calvino admite que de fato a segurança da fé no crente pode ser abalada. Ele demonstra
o misto de sentimentos que inundam o coração de crente, os altos e baixos sofridos pelo
crente em sua jornada. Calvino admite esses abalos por conta de uma fé fraca. Assim ele
declara em seus escritos:

Ora, o coração piedoso sente em si tal distinção, uma vez que, em parte, é
inundado de dulçor ante o reconhecimento da bondade divina; em parte é
sufocado pelo amargor ante o senso de sua calamidade; em parte, reclina-se na
promessa do evangelho; em parte, se inflama pelo testemunho de sua
iniquidade; em parte, exulta com a expectação da vida; em parte, se apavora
com a morte. Variação esta que decorre da imperfeição da fé, uma vez que no
curso da presente vida nunca as coisas vão tão bem conosco que, curados de
todo ataque de desconfiança, somos plenamente plenificados e possuídos de
fé. Daqui esses conflitos: quando a desconfiança que se apega aos
remanescentes da carne se insurge para atacar a fé que foi interiormente
concebida.189

Turretini, em total consonância com Calvino e com a Confissão de Fé de


Westminster, assume essa possibilidade de que o crente passe por momentos de resvalar
os pés na caminhada. Esse resvalar os pés, por sua vez, conduz o homem a um estado de

188
Bíblia de Estudo de Genebra, p. 1795.
189
CALVINO, As Institutas, p. 43.

124
abalo da segurança e certeza. Sendo assim ele diz: “[...] (é) possível que o senso do amor
divino por algum tempo se entorpeça e seja suprimido nos filhos de Deus”.190

Thomas Brooks demonstra com clareza essa ênfase pastoral da teologia puritana,
expressando que a possibilidade de abalo, diminuição e perda, são totalmente reais. É
importante notar que esse ponto Ele diz: “As almas seletas que têm a certeza da fé cristã
podem perdê-la”.191 Brooks mostra ainda que todos os crentes então sujeitos a isto, até
mesmo os melhores crentes. Alguns motivos são elencados por ele, dentre os quais os
principais deles são: dúvidas e temores.192

Ryle também destaca esse ponto dizendo que o crente não deve “sentir-se
surpreendido se for assaltado por dúvidas ocasionais, mesmo após haver obtido a
segurança da salvação”.193 Ryle traz à lembrança que, até mesmo “o crente mais
animado”, pode perder a segurança da salvação, se não tomar os devidos cuidas.194

A. A. Hodge, também se coloca favorável a essa proposição. Ele declara que o


crente pode cair em pecado e perder o exercício da plena segurança.195

Com isso, vê-se que a ênfase pastoral dos puritanos nesse ponto, começa por
assumir a possibilidade de que um crente verdadeiro pode ter a sua segurança e certeza
abaladas por diversas ocasiões que assaltam diretamente a fé dos crentes. Os puritanos,
deixam bem clara essa possibilidade da perda da segurança, para, assim, direcionar o
crente ao entendimento que que a negligencia ao que foi posto, quanto ao dever de buscar
a segurança, é um passo para a insegurança e incerteza. Uma grande luz de alerta é acesa
aqui para que o povo de Deus esteja em plena segurança, confiado e consolado pelo
Senhor.

3.3.4.2 O crente não fica totalmente privado da semente de Deus

É importante notar esse ponto, uma vez que, aquilo que é estabelecido aqui nessa
proposição dos puritanos é algo que já estava bem estabelecido nos reformadores. O ponto
central aqui é a grande ênfase consoladora que se mostra entrelaçada com a doutrina da
perseverança. Apesar do que já foi mostrado quanto ao posicionamento firme e duro da

190
TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 484.
191
BROOKS, Céu na terra, p. 60.
192
Ibid., p. 61.
193
RYLE, Santidade: sem a qual ninguém verá o Senhor, p. 172.
194
Ibid., p. 173.
195
HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 333.

125
maioria dos reformadores, nota-se que essa situação se firma grandemente na providência
e imutabilidade de Deus. Calvino, demonstra bem essa verdade entendendo que, por mais
que seja abalado sua fé não é arrancada totalmente de seu coração. Quanto a isso ele
afirma que:

Jamais se pode arrancar a raiz da fé do coração piedoso; antes, cravada em seu


mais íntimo recesso, aí adere, por mais que pareça inclinar-se sacudida para cá
ou para lá: sua luz a tal ponto jamais se extingue ou se deixa sufocar, que não
se deixa esconder nem mesmo debaixo de cinza; e, com este exemplo, se
evidencia que a Palavra, que é uma semente incorruptível, produz fruto
semelhante a si mesma, cujo gérmen nunca fenece nem de todo perece. E isto
é tão certo, que os santos jamais encontram maior motivo e ocasião de
desespero do que quando sentem, ao julgar pelos acontecimentos, que a mão
de Deus se ergue para destruí-los.196

Percebe-se também esse entendimento nos escritos de Turretini. Ele demonstra


essa possibilidade partindo do ponto que, por mais que o crente verdadeiro seja abalado
e passe por angústias profundas, isso não o faz decair totalmente da fé. Ele assevera que
chega um momento em que o crente é liberto totalmente dessa situação, e demonstra
também o seu entendimento que há um estreito envolvendo com a perseverança do crente
advinda da misericórdia e graça de Deus, em não deixar que o verdadeiro crente chegue
a uma situação de degradação tal. Logo, diante dessa verdade, Turretini diz que:

Embora seja possível que o senso do amor divino por algum tempo se
entorpeça e seja suprimido nos filhos de Deus (quanto ao segundo ato, nos
maus por falta ou castigo, de modo que sejam perturbados com várias dúvidas),
jamais se abala quanto ao primeiro ato. Por fim, certamente se desvencilham
daquelas tribulações pela graça de um Deus que elege e sustém, pelo que
sucede que Deus restaura neles a alegria de sua salvação e tomam a regozijar-
se os ossos quebrados (SI 51.8,12). Visto que Deus é fiel, ele deveras deseja
provar os crentes, porém não deseja que sejam vencidos. Ele tolera que
resvalem, porém não permite que sejam destruídos. Se ele julga conveniente
que, às vezes, sejam premidos, jamais deseja que sejam oprimidos, porém
sustenta e soergue aqueles que resvalam (2Co 4.8,9).197

Ao considerar os escritos dos puritanos, observa-se que esse é um ponto que não
deixa de ser trabalhando. Thomas Goodwin, discorrendo sobre esse ponto, também vai
demonstrar em sua teologia, essa ênfase, declarando que:

Embora o crente caia em severos pecados, como os maiores luzeiros têm o seu
eclipse, ainda assim a certeza de fé não é totalmente perdida; porque, como a
semente da fé permanece nele, como ainda não sacudidos (1Jo 3.9), o firme
estabelecimento da fé permanece também inabalável (1Jo 2.1).198

196
CALVINO, As Institutas, p. 46.
197
TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 484.
198
GOODWIN, Thomas, The Works of Thomas Goodwin, 1. ed. Carlisle, Pennsylvania: Banner of Truth,
1985, p. 396.

126
Vê-se nesse posicionamento de Goodwin, que a ênfase pastoral puritano ressalta
essa verdade para trazer consolo a alma que anda sofrendo, assaltada por temores e
tentações. Esse ponto é um perfeito desdobramento do que foi estabelecido no ponto que
mostra que a segurança e certeza é parte integrante da essência da fé. Logo, é possível
assumir que mesmo sem nutrir essa segurança, ainda assim a semente da fé salvífica
permanece no crente, a tal ponto de ela sofrer amargamente por causa das dúvidas, mas
não é totalmente abandonado por Deus, sendo, em tempo oportuno, reconduzido a um
estado de graça e segurança.

Esse é também um ponto pacífico entre os teólogos reformados que vieram


posteriormente. Isso fica claro na declaração de A. A. Hodge, onde diz que essa
segurança, mesmo em decorrência da queda em pecado, não é totalmente perdida e o
crente não perde jamais o princípio do qual ela emana.199

3.3.4.3 A segurança pode ser renovada

Tudo isso que vem sendo tratado até agora nessa última seção, vai conduzir a essa
possibilidade que se vê nesse último ponto. Os puritanos vão encerrar essa seção,
mostrando que a segurança pode ser restaurada. Nos reformadores, vê-se que há esse
entendimento, e percebe-se que eles já defendiam esse ponto. Calvino demonstra esse
entendimento ao declarar que:

Aquele que, deveras, lutando com a fraqueza pessoal, em suas ansiedades


porfia para com a fé, em larga medida já é vencedor. O que é lícito concluir
desta citação e similares: “Espera no Senhor. Sê forte; ele te fortalecerá o
coração. Espera no Senhor” [Sl 27.14]. Davi a si mesmo se acusa de desânimo
e, repetindo o mesmo duas vezes, se confessa seguidamente sujeito a muitos
sobressaltos. Entrementes, não apenas se desagrada a si próprio nessas falhas,
mas aspira e se esforça em corrigi-las.200

Essa citação de Calvino, mostra mais uma vez, que esse processo de renovação da
segurança, envolve um diligente trabalho por parte do crente. O coração do crente é
movido por Deus a trabalhar diligentemente afim de reverter o dano causado pelo pecado
e a negligência aos meios de graça, os quais, como já mostrado, são os principais motivos
que corroboram para que o crente perca a segurança.

Em consonância com o pensamento de Calvino, Turretine expressa um


pensamento alinhado ao do reformador de Genebra. Mais uma vez percebe-se a forte

199
HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 333–334.
200
CALVINO, As Institutas, p. 42.

127
ênfase no empenho diligente do crente em lutar para sair desse abismo que é a vida de
insegurança por causa da fraqueza demonstrada por muitos crentes. Assim fica evidente
nas seguintes palavras:

Embora o senso da graça presente e da confiança futura possa, por algum


tempo, adormecer nos filhos de Deus, contudo afirmamos que a alma crente
certamente luta para sair daquele abismo de tentações baseada na graça de
Deus que elege, redime, guarda e ressuscita (que lhe restaura a alegria de sua
salvação e a faz afinal [mais lenta ou mais rapidamente] suscitar aquele senso
para sua consolação).201

Fica evidente, portanto, que o pensamento puritano não se afasta daquilo que foi
proposto pelos reformadores. O que há é uma ênfase acentuada nessas questões como se
vê em seguida no pensamento de Thomas Brooks que, representando os demais,
desenvolve tão bem essa verdade.

Brooks, de maneira bem direta apresenta não só a raiz do problema, mas também
a solução para o mesmo. Ele mostra, primeiramente, que não ter ou perder a esperança de
se obter misericórdia é um dos principais motivos que trazem problemas a vida do crente.
Para esse primeiro problema ele propões, à luz da Escritura, fazer com que o crente que
está enfrentando tal situação olhe para a misericórdia de Deus dispensada na vida de
tantos homens que cometeram pecados horrendos, assim como o rei Manassés, o qual
Brooks se refere como sendo “um monstro, um demônio encarnado” – Manassés, mandou
cerrar o profeta Isaías ao meio, abandonou Deus e praticou idolatria, ofereceu seus filhos
aos deuses pagãos, fez com que sangue inocente fosse derramado em Jerusalém (2 Cr
33.1-15).202

Depois de citar outros exemplos de homens e mulheres que agiram sobejamente


de modo ímpio e foram alvo da misericórdia, ele confronta o crente que está em tal
situação para olhar para esses exemplos e ver que de igual modo a graça e misericórdia
de Deus é estendida a ele. Quanto a isso ele diz:

Levante a cabeça, ó pecador em desespero! Jesus Cristo é um indescritível dom


da graça de Deus. Considerar Seu amor livre, ilimitado, insondável e infindável
pode fornecer a você muitos motivos para admiração e consolação, mas
nenhum para desespero”.203

201
TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 742.
202
BROOKS, Céu na terra, p. 109–111.
203
Ibid., p. 113.

128
Depois de discorrer amplamente sobre o crente cujo a alma está em desespero,
Brooks também apresenta outros empecilhos que, por sua vez, também são a causa de
abalo, interrupção e da perda da segurança e certeza na vida do crente. Para cada uma
delas Brooks apresenta a solução para renovação do coração desse crente.204

Ainda acerca dessa matéria, de maneira bastante consoladora, Hodge apoia essa
afirmativa da confissão, dizendo que: “Através da bênção de Deus no diligente uso dos
meios apropriados, ela (a segurança) pode ser fortalecida quando enfraquecida, e
recobrada quando perdida”.

Aqui nesse último ponto dessa seção, vem o consolo mais substancial para os
crentes que enfrentam tais crises e tais sofrimentos, mostrando assim a graciosa
possibilidade de renovação na vida daquele que é verdadeiro crente. Observa-se aqui que,
esse recobrar da segurança, é algo que é fruto da ação do Espírito que move o crente a
buscar, diligentemente, essa restauração. Vê-se também, que a ênfase dada pelos
puritanos nessa seção final, revela a urgência pastoral em direcionar a alma daqueles
crentes que sofrem assaltados por constantes dúvidas de que realmente são alvo da
misericórdia de Deus e conduzi-los a um estado de consolo e segurança e certeza, para
que eles possam gozar cada vez mais da graça de Deus em suas vidas e, como fruto dessa
certeza restaurada, prestarem uma adoração sincera e cada vez mais graciosa a Deus.

3.4 Conclusão

Esse último capítulo revela a consonância, em grande parte das proposições, entre
o pensamento reformado e o pensamento puritano. Percebe-se como as ênfases pastorais
dos puritanos, expostas no capítulo XVIII da Confissão de Fé de Westminster, expressam
a urgência em ensinar e fortalecer os crentes, conduzindo-os a atentar paras as bases
primarias e secundárias, e, assim, confiados no Senhor e na sua fidelidade, fiados em
Cristo e auxiliados pelo Espírito, buscar diligentemente essa segurança e certeza. E ainda
consolam os fracos na fé, os quais ainda não possuem essa certeza plena de salvação ou
estão sendo constantemente abalados por pecados e tentações constantes, encorajando-os
a correr pra Cristo, a Rocha eterna que dá total segurança aos Seus.

204
Conf. Ibid., p. 123–178.

129
CONCLUSÃO

John Bunyan, escritor prolífico, grande servo de Deus, exímio representante do


puritanismo do século XVI, cuja obra perdura até hoje com grande impacto mundial,
apresenta em sua jornada de vida tudo aquilo que muitos cristãos, se ainda não passaram,
certamente passarão, no que toca a sua segurança e certeza da salvação. Como mostrado
introdutoriamente, Bunyan, viveu altos e baixos na sua caminhada de peregrino, sofrendo
até mesmo o cárcere por amor a Cristo e a Sua Palavra. Quando se olha para vida desse
homem de Deus, sua jornada, suas lutas, seus temores, sua insegurança temporária, e,
observa-se a guinada em sua vida depois da obtenção da plena segurança, vê-se o quão
precioso é esse maravilhoso dom concedido por Deus aos seus eleitos que o buscam
diligentemente.

Olhar para Escritura e deparar-se com a história da redenção, a infinita


misericórdia de Deus, Seus decretos, Sua providência, Suas promessas, Sua fidelidade,
imutabilidade, bondade, infinito amor, e, ver essas promessas serem cumpridas ao longo
do progresso da revelação, conduz o crente a um estado de plena segurança. Segurança
objetiva, subjetiva, plena certeza de que tudo que foi prometido para cada crente
individualmente, foi perfeitamente cumprido e conquistado por Cristo, e, de maneira
maravilhosa, aplicado pelo Espírito Santo, o selo e penhor de Deus na vida de cada crente,
conduzindo-o a um estado de grande consolo e segurança.

Olhar para o modo como Deus conduziu a história e, na sua providência, preservou
Sua semente e Seu povo, a igreja, conduz o crente a plena segurança. Mesmo em meio a
perseguições, lutas e tormentos, o povo de Deus é vitorioso. E a garantia dessa vitória,
dada por Deus, selada pela obra gloriosa de Cristo, conduz o crente à verdadeira
segurança e certeza de salvação.

Diante disso, essa pesquisa, que nasceu motivada pela observação de tão pouca
ênfase nessa doutrina, a qual se mostra tão central na Escritura que, embora não seja
essencial para salvação é tão essencial para consolação do crente. Tendo apresentado esse
panorama bíblico-teológico, esse panorama histórico, credal e confessional, a pesquisa
chama a atenção para a urgência e dedicação dos puritanos em trazer assa doutrina para
o seu devido lugar, mostrando sua importância e a necessidade de ser ensinada e
consolidada da mente e no coração de todo o povo de Deus.

130
Falsas doutrinas têm invadido os púlpitos das igrejas, os gabinetes pastorais de
aconselhamento, a psicologia tem tomado cada vez mais espaço, cada vez mais os crentes
estão ansiosos, depressivos, apresentando apego as coisas desse mundo, inseguros quanto
a salvação, insatisfeitos e desorientados. Essa é a agenda do Diabo, não é interesse dele
que o povo de Deus esteja em plena segurança de sua salvação, pois, assim sendo, o povo
de Deus fica fraco e vulnerável, tornando-se presas fáceis para o inimigo cirandar.

O plano de Deus para o Seu povo é que cada crente seja conduzido nessa jornada
em segurança e certeza de sua salvação. Deus ordenou em Sua Palavra que assim fosse,
e não só isso, Ele prometeu a segurança ao Seu povo. É necessário que essa doutrina
esteja presente no púlpito das igrejas de Cristo, que ela esteja sedimentada na vida dos
pregadores, que ela esteja nos gabinetes pastorais, que ela direcione o crente, à luz da
Escritura e na dependência do Espírito, em plena segurança, para que assim, o povo de
Deus seja fortalecido e plenamente munido para a batalha. Afim de que o povo de Deus
possa gozar dos frutos dessa certeza e viver o céu na terra, em quanto aguarda o grande
Dia do Senhor.

Os puritanos entenderam isso, e por esse motivo, essa doutrina foi enfatizada na
Confissão de Fé de Westminster e nos escritos de tantos homens piedosos, e é por isso
que tantos homens piedosos derramaram seu sangue por amor a Cristo com um sorriso na
face, louvando e exaltando a Deus certos de que seriam recebidos em Seus braços. É
preciso resgatar esse ensino na igreja contemporânea, essa confiança plena nas promessas
de Deus, na aplicação interna da obra de Cristo e no testemunho do Espírito Santo, para
conduzir os crentes em firmeza e total consolo, mesmo que, por um momento ou outro,
essa segurança possa vacilar, mas certamente ela será renovada e, de novo, esse crente se
regozijará grandemente na segurança e certeza de sua salvação.

Só a Deus a Glória.

131
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