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Cada vez mais longe do século XXI 

Eleições 

MÍDIA SEM MÁSCARA, 18 DE SETEMBRO DE 2002 

Máquina do tempo dos candidatos nos leva de volta aos anos 50 

Paulo Diniz Zamboni 

Enquanto  faltam  apenas  algumas escassas semanas para o primeiro turno 


das  eleições  de  6  de outubro, dúvidas mais do que relevantes ainda pairam 
no ar. 

Por  exemplo,  será  que  os  eleitores  brasileiros  já  possuem  candidatos  para 
todos  os  cargos  que  serão  preenchidos  no  próximo  pleito?  Ao  que  parece, 
somente  a  disputa  presidencial  é  que  está  sendo  objeto  de  atenção  da 
mídia  e  dos  eleitores,  embora,  da  parte  destes  últimos,  seja  possível 
afirmar  que  é  uma  atenção  carregada  de  dúvidas,  como  atestam  as 
últimas  pesquisas  de  intenção  de  voto,  onde  cerca  de  30%  dos  eleitores 
não sabem dizer em quem votarão para presidente. 

Outro  ponto  que  chama  a  atenção,  é  o  notório  caráter  eminentemente 


populista  de  todos  os  candidatos,  no  melhor  estilo  Getúlio  Vargas.  Todos 
eles  falam  de  criação  de  empregos,  direitos  sociais,  direitos  trabalhistas, 
apoiar  o  setor  produtivo,  estimular  exportações,  combater  o  capital 
especulativo  etc.,  obviamente  utilizando-se  do  Estado,  já  sobrecarregado 
ao extremo, para conseguir tais proezas. 

Quando  eu  ouço  esses  discursos,  lembro-me  de  um  filme  onde  o  herói 
embarcava  num  carro (na verdade, uma máquina do tempo), e viajava até a 
década  de  1950.  Lá,  em  meio  a  uma  série  de  peripécias,  lutava  o  tempo 
todo para conseguir voltar para o futuro. 

Pois  é,  a  próxima  eleição  parece  que  vai  funcionar como uma "máquina do 


tempo",  onde,  se  dermos  crédito  aos  discursos  dos  candidatos  ao  cargo 
máximo do país, seremos lançados de volta aos anos 50. 
Conversas  sobre  "fixar  o  homem  no  campo",  quando  se  sabe  que  o  futuro 
aponta  para  sociedades  cada  vez  mais  urbanizadas,  com  uma  agricultura 
moderna  e  altamente  produtiva,  é  apenas  mais  uma  das  inúmeras  pérolas 
que esses senhores estão soltando aos quatro ventos. 

Um  candidato  afirmou  que  o  país  deve  "buscar  caminhos  alternativos  no 
mercado  internacional,  aproximando-se  da  China  e  Índia".  Somente 
esqueceu-se  de  dizer  que,  quando  necessitamos  de  crédito  ou  mercado 
consumidor  para  nossos  produtos,  nossos  parceiros  fundamentais  são  os 
EUA  e  os  países  europeus.  Até  porque,  os  referidos  países  asiáticos  já 
estão  envolvidos  em  negócios  com  os  EUA  e  a  Europa,  e  a  participação 
brasileira  nesses  novos  mercados,  embora  desejável,  não  seria  suficiente 
para  substituir  os  tradicionais  parceiros  comerciais.  Esse  mesmo 
candidato  vive  afirmando  que  o  Brasil  precisa  priorizar  o  setor  produtivo, 
em  detrimento  do  especulativo.  Muito  bonito.  Contudo,  quem  vai  dizer 
onde  os  investidores  devem  ou  não  aplicar  seu  próprio  dinheiro?  Pela 
forma  autoritária  como  o  candidato  fala  sobre  o  assunto,  não  há  dúvida 
que  vai  ser,  para  variar,  "a  mãe  dos  ricos",  o  Estado,  quem  vai  definir  isso. 
Claro  que  adotar  políticas  como  diminuição  de  impostos  (para  estimular  o 
setor  produtivo),  e  corte  nos  gastos estatais, fazendo o que qualquer chefe 
de  família  ou  dona-de-casa  responsável  faz  quando  o  orçamento  está 
apertado,  é  algo  totalmente  fora  de  cogitação  para  os  senhores 
candidatos. 

Um  outro  candidato  gaba-se  no  horário  eleitoral  de  que,  quando  era 
ministro  da  saúde,  criou  300  mil  empregos.  Será  que  é  por  isso  que  várias 
epidemias de doenças dadas como controladas aconteceram? Porque o sr. 
ex-ministro,  agora  candidato,  ao  invés  de  cuidar  da  saúde, estava "gerando 
empregos"? 

Fundamentalmente,  todos  os  candidatos  defendem  o  Estado  como  mola 


mestra  do  Brasil.  O  Estado  deve  dizer  onde  as  pessoas  vão  aplicar  seu 
dinheiro,  o  Estado  deve  adotar  políticas  assistencialistas,  o  Estado  deve 
gerar  empregos,  o  Estado  deve,  enfim,  orientar  e  dirigir  da  forma  mais 
completa possível as vidas de todos. 

Para  acentuar  o  clima  "nostálgico"  alguns  candidatos  adotam  discursos 


que  parecem  ter  saído  direto  dos  anos  50  ou  60,  sobre  supostas 
"conspirações  contra  a  soberania  nacional",  como  o  recente  acordo  com  o 
FMI.  A  verdade  é  que  depender  de  dinheiro  do  FMI  pode  não  ser  uma 
maravilha,  mas  não  resta  outra  alternativa,  já  que  não  existem  recursos 
suficientes  dentro  do  país  para  formação  de  poupança  que  permita  saldar 
os  compromissos  externos  e  internos  e  sustentar  o  crescimento.  A 
paranóia  de  certos  candidatos  é  tão  grande  que já estão vendo o dedo dos 
EUA  nas  negociações  para  compra  de  caças  para  a  FAB.  Segundo  a  nova 
teoria  conspiratória  (a  qual  parte  da  imprensa,  para  variar,  endossou), 
haveria  a  tendência  de  se  comprar  caças  de  uma  empresa  ligada  a 
interesses  norte-americanos,  tudo por conta do acordo firmado com o FMI. 
Em  outras  palavras,  o  acordo  do  Fundo  com  o  Brasil  só  teria  sido  fechado 
depois de o governo brasileiro ter se comprometido a comprar os aviões da 
referida  empresa.  Francamente,  agora  só  falta  aparecer  alguém  dizendo 
que a CIA está por trás da alta do dólar no Brasil... 

Mas  pelo  que  os  candidatos  afirmam,  quando  eles  estiverem  sentados  na 
cadeira  presidencial,  as  coisas  serão  maravilhosas.  Todos  prometem 
empregos,  saúde,  educação,  melhorias  sociais  e  econômicas.  Assim, 
parece  que  estamos  de  volta  ao  tempo  em  que  fazer  política  era 
simplesmente  prometer  o  paraíso  na face da Terra. Que eu saiba, apenas o 
condidato  do  ex-"partidão"  explicou  como  pretende  fazer  isso 
tudo:"desonerando  a  cadeia  produtiva  e  combatendo  a  especulação 
financeira".  Entretanto,  quando  indagado  seriamente  sobre  como  vai 
conseguir  isso,  ele  fica  irritado  ou  não  responde.  Nos  tempos  áureos  do 
populismo,  se  a  realidade apontava, como agora, para a impossibilidade de 
se  cumprir  sequer  uma  pequena  fração  das  promessas  eleitorais,  não 
havia problema, pois a realidade era um mero detalhe. 

Acima  de  tudo,  o  que  chama  mais  a  atenção  em  todos  os  candidatos  é  a 
ausência  de algum tipo de proposta que garanta a produtividade, a geração 
de  riquezas  e  o  estímulo  ao  trabalho  e  a  criação  de  empregos,  sem  a 
necessidade  de  subsídios  estatais,  reservas  de  mercado,  impostos 
absurdamente  altos,  em  suma,  que valorize a capacidade e a liberdade das 
pessoas  individualmente.  Os  candidatos  também  nada  falam  sobre 
racionalizar  o  setor  público,  cortando  não  apenas  investimentos,  mas, 
sobretudo  diminuindo  o  tamanho  da  presença  estatal,  privatizando-se 
empresas  falidas  ou  incompetentes.  Aliás,  pelo  discurso  de  um  dos 
candidatos  em  recente  visita  à  Brasília,  os  gastos  do  Estado  com 
funcionalismo deveriam ser aumentados. 

E  é  por  essas  e  outras  que  o  Brasil  caminha  de  volta  para  os  anos  50, 
quando  o  Estado  era  tido  e  havido  como  o  "bem-feitor  nacional"  (e 
principalmente  de  grupos  econômicos  privilegiados  e  do  funcionalismo),  a 
verdadeira  panacéia  que  solucionaria  todos  os  problemas  brasileiros.  E 
parece  que  muitos  empresários  estão  realmente  contando  com  isso,  pois 
as  possibilidades  de  obtenção  de  verbas  estatais  e  subsídios  são 
tentadoras demais para serem deixadas de lado. 

Não  é  por  outra  razão,  por  exemplo,  que  o  candidato  da  extrema-esquerda 
brasileira,  pessoa  notoriamente  despreparada,  que  para  fazer  uma simples 
visita  de  uma  hora  ao  presidente  da  República,  precisou  levar  três 
assessores  e  um  calhamaço  de  anotações,  está  navegando  em  "águas 
calmas" no processo sucessório. 

Apoiando-se  numa  máquina  de  propaganda  que  não  se  via  há  muito 
tempo,  e  na  indisfarçável  simpatia  da  mídia,  que  de  todas  as  formas 
possíveis  e  imagináveis  oculta  ou  minimiza  informações  que  possam 
prejudicá-lo,  como  as  ligações  de  seu  partido  com  extremistas totalitários, 
ou  o  seu  evidente  despreparo  para  o  cargo  que  postula,  o referido cidadão 
assumiu  ares  de  "estadista",  "democrata"  e  "moderado",  ludibriando  os 
incautos  e  indiferentes.  Mas  o  "golpe  de  mestre"  foi  a  aproximação  com 
velhas  raposas  da  política  nacional,  senhores  do  populismo  e  da 
demagogia,  que  lhe  facilitaram  o  acesso  ao  patrocínio  de  muitos 
empresários,  que  a  vida  inteira  somente  tiveram  um  objetivo:  mamar  nas 
tetas  do  Estado,  obtendo  vantagens  e benefícios de todos os tipos, além, é 
claro,  de  barrar  eventuais  concorrentes.  Afinal,  o  Brasil  deve  ser  um  dos 
países  do  mundo  onde  menos  se  admite  concorrência.  Quanto  ao  povo 
brasileiro,  que  precisa  de  serviços  eficientes  e  a  um  bom  custo,  que  se 
dane,  já  que  as  prioridades  dos  candidatos  são:  1  -  O  Estado;  2  -  Os 
funcionários  do  Estado;  3  -  Tomar  dinheiro  do  setor  produtivo,  para 
sustentar  o  Estado;  4  -  Fazer  demagogia,  utilizado o Estado e o dinheiro do 
setor  produtivo,  recursos  esses  eufemisticamente  conhecidos  como 
"impostos",  mas  que  deveriam  ser  chamados  de  "saque",  "derrama",  ou 
coisa que o valha. 
Assim  sendo,  o  país  pode  esperar  pelo  pior,  pois  no  momento  em  que  o 
barco  voltar  a  fazer  água,  pelo  histórico  dos atuais candidatos, corremos o 
risco  de  medidas  de  "impacto",  do  tipo  moratória  da  dívida  interna  ou 
externa, "política externa soberana", (leia-se, aproximação com China, Cuba, 
Venezuela  etc.).  Portanto,  para  levar  o  Brasil  em  direção  ao  futuro,  esses 
senhores  apresentam  propostas  que  são  bem  parecidas  com  as  mesmas 
tentadas  há  pelo  menos  meio  século,  inclusive  com  a  participação  de 
vários  dos  personagens  que  estão  na  atual  disputa  (Leonel  Brizola,  Miguel 
Arraes, PCB). 

Só  resta  torcer  para  que  o  Brasil  e  os  brasileiros  consigam  resistir  ao 
período  turbulento  que  se  aproxima,  e  que  possamos,  como  o  herói  do 
filme, voltar para o futuro, para o século XXI. 

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