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A Visão Psicológica

O Tarô e o Caminho da Individuação


O tarô é considerado o mais complexo de todos os inúmeros sistemas divinatórios de
que se tem conhecimento. E representa, sem dúvida, um inigualável exercício de
imaginação, suscetível de infinitas aplicações.

Não é por acaso que os 22 arcanos maiores do tarô acham-se numerados. Suas cartas,
perfiladas tal qual os capítulos de uma novela, retratam uma história verdadeira, a do ser
humano em sua senda iniciática, repleta de experiências transcendentes e desafios que se nos
apresentam como oportunidades para o autoconhecimento.

Desde a Antigüidade, espalhados por distintas culturas, incontáveis são os mitos que abordam a
imagem do homem colocado à prova, chamado a enfrentar perigos e resolver enigmas, a
ultrapassar seus próprios limites e escolher o rumo certo nas encruzilhadas do caminho.

Foi o médico psiquiatra suíço Carl G. Jung (1875-1961), inicialmente seguidor de Freud, e que
desenvolveu sua própria teoria para a compreensão do psiquismo (a psicologia analítica), quem
cunhou o nome de “individuação” para esse processo ininterrupto de aprimoramento pessoal,
destinado a orientar a personalidade para algo maior e transcendente, a cumprir
psicologicamente o mesmo papel a que se destinavam os rituais de iniciação dos povos antigos.

A questão fulcral da psicologia junguiana esbarra num dos principais mistérios da existência, o
da consciência em busca da fonte primordial, inconsciente em sua essência, de onde se
desprendeu originalmente. Para Jung, o ego poderia ser comparado ao inconsciente na mesma
proporção que uma ilha estaria para o oceano à sua volta. Outra analogia seria a do planeta
Terra, pequenina morada da civilização humana (a consciência), comparado ao universo
desconhecido no qual estamos inseridos (o inconsciente).

Jung chamou de ego o núcleo da consciência, sendo a individuação toda a busca empreendida
por essa diminuta instância em direção ao presumido centro da totalidade psíquica, a abranger
obviamente o mundo inconsciente. A ponto de fusão entre consciência e inconsciente, núcleo
da personalidade total e, ao mesmo tempo, passagem para uma dimensão transcendente e
coletiva, espécie de porta para o psiquismo universal, Jung denominou de Selbst, em inglês
self, que em português melhor ainda se traduz por “si mesmo”.

O si mesmo seria o órgão regulador de todo o psiquismo, dotado de qualidades abissais que
ultrapassam as dimensões do simples ego. Paradoxalmente, o si mesmo, ponto central da
psique, preenche toda a sua circunferência, abarcando todos os fenômenos anímicos possíveis,
a incluir portanto, os do próprio ego. Nicolau de Cusa, monge filósofo do século 15, já usara
imagem semelhante ao referir-se à onisciência divina: “Deus é uma esfera cujo centro está em
toda a parte e cuja circunferência não se delimita em parte alguma.”

Como veremos, as alegorias dos 22 arcanos maiores, ainda que veladas por intrincado
hermetismo, de caráter particularmente medieval no baralho de Marselha, representam nada
mais que as situações comuns, reservadas a todos aqueles que se dediquem a explorar seu
mundo psicológico mais profundo. Os que partem em busca de si mesmos em geral abrem suas
vidas para o amadurecimento pessoal, e sofrem experiências consideradas arquetípicas, de
cunho propriamente iniciático.
Aqui convém explicar: arquétipo é palavra de origem grega, primeiramente usada por Platão, a
significar “padrões arcaicos” (arqui = antigo, arcaico + typos = padrão, matriz). Jung se valeu
do termo para denominar certos padrões registrados no comportamento da humanidade, que
vêm sendo manifestados ao longo de sua história pelas mais diversas culturas. Embora
semelhantes entre si, expressam-se pela variedade dos mitos, religiões, lendas ou folclore; e
através de padrões também identificáveis em nosso mundo onírico, quer no cerne de nossos
sonhos, quer sob a forma das fantasias.

A “leitura” das cartas, quando contemplativa e dinâmica, bem pode transportar-nos


para um mundo psicológico mais profundo.

O arquétipo serve, portanto, como matriz comportamental herdada por todo ser humano, como
arcabouço capaz de selecionar, nas experiências da vida, os elementos significativos que
estejam em sintonia com o processo inato da individuação. Os arquétipos, verdadeiras
potências imateriais, surgem como entidades impalpáveis e incognoscíveis, mas se manifestam
por meio de idéias e imagens, e vestem-se com as mais distintas roupagens de acordo com as
culturas que os representam. Nesse sentido, o tarô os simboliza amplamente, e um mergulho
no mundo dos arcanos permite espelharmos nossa alma. Por isso a “leitura” das cartas, quando
contemplativa e dinâmica, bem pode transportar-nos para um mundo psicológico mais
profundo. Percorramos juntos então, passo a passo, essa estrada pictográfica da individuação.

Comecemos pela figura especial do Louco, que, exceção à regra, não se mostra numerada. O
Louco, por não ter um número que lhe determine a posição, acha-se livre para ser notado em
qualquer parte da jornada, podendo assumir diferentes valores em nossa vida; daí talvez ter
sido preservado sob a efígie do curinga nos baralhos mais comuns. Preferencialmente o
colocamos entre o tudo e o nada de Pascal, isto é, simultaneamente ocupando o início e o fim
da jornada. Feito Jano dos romanos (a divindade de dois rostos que nunca se olham, voltados
que estão para lados opostos), é O Louco quem sabe do porvir tão bem quanto do passado, já
que se acha situado antes do primeiro arcano, O Mago. Ao mesmo tempo ocupa a posição
após o último, O Mundo. O Louco confere assim ao conjunto um caráter rotativo e perene. Ao
assumir duplo papel de fechar e (re) abrir o ciclo, promete a continuidade da individuação.
Representa ainda uma força inconsciente, não personificada, por isso sem número; e a figura
de bobo da corte expressa a ambivalência de sua função, já que os tais bobos medievais, antes
de idiotas, eram sábios, quiçá os únicos capazes de falar verdades ao rei sem o risco de perder
a cabeça.

O Louco nos prende assim em sua mágica, na paradoxal leitura de seu sentido. Se pode ser
visto como um bobo que nada sabe sobre si, caminhando a esmo, por outro lado é ele o sábio
que, tendo mergulhado no abismo de si mesmo, ressurge renascido, disposto a retomar sua
senda. E não há monotonia nem repetição nesse processo; embora as experiências mais fortes
sejam arquetípicas, elas são inusitadas no modo como acontecem e nos propiciam leituras
sempre novas do livro da vida. Também os passos do Louco nunca são lineares, pois a
individuação pressupõe voltas e rodeios até que nos aproximemos do si mesmo, ou até que
tropecemos em algo e caiamos dentro dele.

A carta seguinte, O Mago, é a consciência personificada. Resulta da transformação do impulso


inconsciente do Louco, agora direcionado conscientemente para o trabalho da individuação.
Decididamente, O Mago é o grande herói dessa jornada (ele é cada um de nós), pois a cada
passo nos transformamos, conforme desfilamos pela “estrada real” dos arcanos. Ele está em
pé, sendo portanto ativo; e, feito aprendiz de feiticeiro, opera na mesa à sua frente. Um de
seus braços aponta para cima, o outro para baixo, como se nos lembrasse da primeira máxima
de Hermes Trismegisto, a ensinar que o nível humano da existência apenas reproduz o plano
cósmico da vida; que somos, sim, manifestação da divindade, mas nem por isso privilégio
algum da natureza. O homem precisa trabalhar com o que tem às suas mãos e intuir acerca do
universo à sua volta para que venha a compreender-se.

Consoante os preceitos básicos da magia, O Mago posiciona-se como elo entre os planos
humano e divino, surge como centro e medida de todas as coisas. Quatro objetos, dentre
outros, despertam-nos a atenção. São eles a moeda e a baqueta que traz em suas mãos, além
dos copos e da adaga postos sobre a mesa. Aludem claramente aos quatro naipes do baralho –
ouros, paus, copas e espadas –, que representam a inteireza do caminho ora descortinado. Isso
porque o 4, assim como o 12, é um número que, por excelência, expressa a totalidade, haja
vista serem quatro as estações do ano e 12 o número de seus meses, como também as
constelações do zodíaco. Quatro e 12 sempre nos dão a idéia de algo completo.

Jung escolheu as mandalas (nome sânscrito a designar “círculo mágico”) como símbolos da
integridade psíquica, visto que são geralmente representadas por formas circulares (ou outras
que insinuem a presença de um centro). Do mesmo modo, podemos perceber em cada um dos
22 arcanos uma mandala oculta. No Mago, ela se mostra tanto pelos instrumentos dos quatro
naipes citados como pela mesa de três pés e quatro cantos, números cujo produto nos leva ao
12. É como se O Mago já tivesse diante de si o tesouro que deseja encontrar pelo caminho.
Isso, aliás, lhe permite seguir viagem mesmo que não saia do lugar onde se encontra, até
porque a individuação é processo essencialmente espontâneo de nosso psiquismo.

Pois bem, tendo à frente uma senda que se desdobra em quatro caminhos, O Mago, resoluto,
entende que precisa percorrer simultaneamente todos eles, sob pena de nunca alcançar a
transcendência, razão pela qual se divide ele próprio no quatérnio que lhe sucede, formado
pelos próximos quatro arcanos: A Grã-Sacerdotisa, A Imperatriz, O Imperador e O
Sumo-Sacerdote.

Esses representam uma diferenciação a mais da “ciência dos opostos”, já insinuada pelos
braços do Mago que ligavam o em cima ao embaixo. Observemos que as quatro cartas se
casam muito bem: são duas figuras femininas e duas masculinas; há da mesma forma uma
dupla de imperadores e outra de sacerdotes; e é no equilíbrio de cores de suas vestes que o
baralho de Marselha oculta outros mistérios. O detalhe mostra que as mulheres vestem mantos
azuis sobre os vermelhos, ao passo que os homens trazem a composição contrária, com vestes
vermelhas por cima das azuis. Aqui as cores também têm significado; o vermelho associa-se ao
lado consciente, ao aspecto racional do psiquismo. O azul representa o inconsciente, a
irracionalidade, os processos intuitivos de percepção.

Nas personagens femininas (Grã-Sacerdotisa e Imperatriz), a intuição prevalece sobre a


razão; já na dupla masculina (Imperador e Sumo-Sacerdote), são os processos racionais
que estão por cima. A psicologia analítica identifica, além disso, tanto o aspecto feminino no
interior do psiquismo masculino, ao qual Jung batizou de anima (no caso, definido pela Grã-
Sacerdotisa), bem como a relação contrária, a essência masculina no psiquismo feminino,
denominada animus (no tarô, melhor representado pelo Sumo-Sacerdote).
A Grã-Sacerdotisa é, antes de tudo, o complemento do Mago. Guarda tudo aquilo que lhe
falta, sendo, portanto, o verdadeiro motor de sua busca. Se o mago é movimento, ela é
repouso; se ele é ativo, ela é a receptividade em pessoa. Ele é ação; ela, reflexão. Em suma,
todo o desenrolar do baralho a partir do Mago é A Grã-Sacerdotisa, pois tudo aquilo que
estiver em seu caminho lhe servirá como complemento. A relação Mago/Grã-Sacerdotisa no
tarô é correlata do binômio yang-yin dos chineses; aliás, não poderia faltar no esoterismo do
Ocidente o arquétipo da “ciência dos opostos”.

Havendo O Mago experimentado as diferentes maneiras de perceber o mundo, e consciente da


natureza interminável de seu caminho, pela primeira vez tem nítida noção das dificuldades que
ainda enfrentará. Sua determinação estará sempre à prova.

Na situação arquetípica sucedânea, o herói depara-se com a encruzilhada do Namorado,


quando se encontra dividido entre duas mulheres que cobram dele uma escolha. A que está à
sua direita, para a qual ele volta sua face, toca-lhe o ombro e veste roupas predominantemente
vermelhas. Representa a via racional. A outra moça, aparentemente mais jovem, vestindo
principalmente o azul, toca-lhe o coração, como se quisesse despertar suas emoções, seu lado
intuitivo. No alto, acima da cabeça do herói, em instância que transcende sua consciência, um
anjo direciona sua seta para a via intuitiva, como se quisesse orientá-lo em sua escolha. Enfim,
aí está representado o drama do livre-arbítrio, capaz de atormentar a consciência com o conflito
da eterna dúvida. O personagem acha-se cruelmente dividido entre o racional e o intuitivo,
observe-se suas roupas listradas de azul e vermelho, além do amarelo, seu aspecto pessoal.
Mas pouco importa por onde seguirá nosso herói, até porque razão e intuição encontram-se
mescladas em todas as experiências da vida, apenas predominando ora esta, ora aquela. O
principal é que o herói dê seu próximo passo, para que não reste estagnado em seu caminho.
Siga por onde seguir, desembocará na tríade seguinte, O Carro, A Justiça, e O Ermitão.

Decidindo prosseguir, O Mago experimenta a extroversão das conquistas rápidas, simbolizado


pelo arcano VII, O Carro. O primeiro terço das 21 cartas numeradas se completa. O Mago
está emancipado. Destemido, deixa de ser mero neófito para amadurecer na senda, e, mediado
pelo senso da Justiça, virtude que será assimilada no arcano subseqüente, chega à condição
de maior introversão e capacidade introspectiva. Aí descobre que há sabedoria em seu próprio
poço, a ser buscada por um processo sereno e cuidadoso, como o faz o velho Ermitão.

A carta X, A Roda da Fortuna, traz as vicissitudes da vida, com seus rodopios e reveses. O
herói deve afinal saber tirar proveito do movimento do cosmos. “Há nas lides do homem uma
maré que, se aproveitada enquanto cheia, o levará à fortuna” , diria Shakespeare.

No arcano XI, A Força, alcançamos a metade do caminho, mas prosseguem as vicissitudes,


até que O Mago perceba que, invariavelmente, ações sutis repercutem melhor do que as
atitudes brutas, como nos mostra a figura intuitiva da vestal, que, sob um manto azul, domina
com suas delicadas mãos toda a brutalidade duma besta-fera, contendo-a pela mandíbula. A
fera ocupa a metade inferior da carta e, não fosse sua cor distinta, estaria misturada ao hábito
da personagem. Representam os processos instintivos, aspectos brutos que esperam ser
dilapidados e transformados em algo mais sutil.

Os dois arcanos seguintes nos trazem a experiência da morte. O Enforcado é ela própria, em
seu sentido terminal. A lâmina mostra o herói dependurado, de cabeça para baixo, vendo a vida
por seu outro ângulo; ou como se estivesse num ataúde, cercado por terra e troncos, os dois
verticais com seus 12 ramos podados, a representar o esgotamento da mandala, a morte
aparente do dinamismo psíquico. Mas o herói, se sobrevive à força perturbadora desse
arquétipo que dele exige sacrifícios, comunga pela primeira vez com o mundo transcendente,
representado pelo arcano XIII. Por ser o único sem nome, nem deveria ser chamado Morte.
O esqueleto que ceifa sugere transformações substanciais, a troca do velho pelo novo. É um
momento iniciático de fértil aprendizagem, representada pelos arbustos em quantidade que
brotam neste novo campo da existência. Afinal, o 13 expressa o rompimento da mandala, a
transposição da ordem; a soma de 1+3, entretanto, leva-nos de volta ao 4, à mandala de uma
nova dimensão.

O arcano XIV, A Temperança, é a terceira das quatro virtudes medievais a estar


representada no tarô. As outras três, já vistas, são a justiça (arcano VIII), a prudência
(arcano IX), e a força (arcano XI). Este tema é chave dos alquimistas, e o segundo terço se
completa com O Mago promovido a esta condição. A Temperança se (re) vela no equilíbrio
parcimonioso de seu movimento, e a figura feminina aqui traz azul e vermelho em iguais
proporções. Uma vez feito alquimista, agora nosso herói pode experimentar as provações mais
duras, reservadas aos que penetram no Diabo, arcano XV, ou na Casa de Deus, arcano
XVI.

Tais estações referem-se ao mundo sombrio, aos aspectos mais críticos de nossa
personalidade, produtos que são de partes pouco exploradas ou desconhecidas de nós mesmos.
O demônio nada mais faz do que escravizar a nossa consciência, prendendo-a em seu altar,
exigindo de nós o auto-sacrifício da extinção de nossas buscas. É por meio dele (o intelecto)
que nos sentimos separados da fonte primordial. Por conta dessa mesma consciência é que
podemos refletir acerca da única certeza que temos, a de nossa morte, de onde nasce uma
natural angústia capaz de nos prender em temores pessoais. O Mago descobre que a única
forma de evitar o demônio é enfrentá-lo! Se por um lado não devemos negar os méritos de
nosso intelecto, por outro, de alguma forma, precisamos transcendê-lo.

A Casa de Deus é o arquétipo da destruição, das mudanças avassaladoras em nossas vidas.


Por vezes, somente algo assim tem força capaz de nos arrastar para longe do Diabo que antes
nos prendia. A Torre fulminada mostra o ego abalado pelo grito de um inconsciente incontido,
simbolizado pela labareda de fogo que explode a cúpula da Torre, cuja forma lembra uma
coroa, real adorno de uma consciência que se esquece muitas vezes de perceber a realidade
por detrás da realeza.

O arcano XVII, A Estrela, nos entrega à esperança. Revela à consciência libertada que a
individuação continua a ser possível. Ao menos é o que representam as luzes que brilham no
firmamento. A jovem desnuda não é outra senão o nosso herói, despido dos valores mundanos,
a verter no rio do inconsciente coletivo as próprias águas (azuis) de seu mundo intuitivo, de seu
inconsciente pessoal. As estrelas no céu simbolizam as almas já individuadas. Pela primeira vez
os quatro elementos se agrupam numa mesma lâmina: água, fogo, terra e ar estão aí
representados, este último reafirmado pela presença do pássaro, símbolo da alma inclusive. De
novo descobrimos a mandala disfarçada.

A Lua, arcano XVIII, representa as trevas, os porões da alma; na psicologia junguiana será
chamada de sombra. A sombra representa o lado oculto do psiquismo, fonte de inúmeros
perigos e potenciais que jazem adormecidos. As trevas psicológicas apresentam sérios desafios
à nossa frágil consciência, que precisará pedir ajuda à intuição para vencer a provação noturna.
A Lua é receptiva, absorve a energia (as gotas) do sistema, e demarca a aproximação entre
consciência e inconsciente, aqui representados pela duplicidade de símbolos: dois lobos a serem
vencidos e dois templos a serem alcançados. Jung admitia que, quando os símbolos se
duplicavam em nossos sonhos, provavelmente estaria havendo a assimilação de valores
inconscientes por uma consciência que se aprimora.

Vencida a noite negra, o Sol do arcano XIX é quem traduz o momento áureo da jornada,
quando a consciência comunga do si mesmo, inspirado instante em que ela se ilumina. A
energia agora se espalha pelo sistema, e as duas crianças (consciência e inconsciente), que se
tocam para cá do muro que antes as separava, descobrem-se idênticas, visto que nenhuma
diferença deveria mesmo haver entre instâncias de um mesmo psiquismo. No contato mútuo
das crianças, a ponte para o si mesmo se apresenta, e a iluminação preenche esta mandala.

Mas não por isso o caminho chega ao fim. Restam ainda a análise e a síntese alquímica do
processo, previstos pelos últimos dois arcanos, O Julgamento, XX, e O Mundo, XXI. Juntos
simbolizam o ajuste da mandala pessoal, momento em que o herói procura reorganizar seu
mundo psicológico, transformado que está por tudo aquilo que sofreu. No Mundo, a síntese (a
mandala) se define claramente. O herói está liberto no núcleo da carta, em sintonia com o
universo à sua volta. As figuras nos quatro cantos da lâmina são alusão aos quatro naipes em
que se desdobra o baralho. Mas o Mundo é apenas o fechar de um ciclo. Serve para
impulsionar o herói (nós mesmos) para frente. Afinal, somos sábios apenas em relação àquilo
que vivemos, e completamente Loucos frente ao que nos é desconhecido. Vamos dar outra
volta?
As possibilidades de análise esotérica do tarô exigem a observação atenta e
minuciosa das suas lâminas, devendo se considerar detalhes como cores, objetos e
figuras geométricas.

Para se conhecer o tarô, é necessário seguir um método mais ou menos lógico de análise das
cartas, observando o grafismo, as cores, as figuras, as relações entre as figuras, a maneira
como elas evoluem (um homem e uma mulher, um homem e duas mulheres, várias figuras,
animais, plantas e objetos em geral) e os símbolos por trás disso tudo. Essa análise depende de
uma bagagem intelectual prévia, pois, para quem não entende de psicologia das cores, de
grafismo e símbolos, as cartas vão oferecer muito pouco material. O estudo do jogo é feito, em
geral, em dois níveis: o do conjunto das cartas, que tem relação direta com os métodos de
tiragem, e o da carta individual. A análise individual das cartas baseia-se em conhecimentos do
esoterismo relativos às figuras geométricas, às cores, aos objetos e às direções.

As figuras geométricas

• O ponto e/ou o círculo (e, em alguns casos, o triângulo) geralmente representam o espírito. •
A cruz e/ou o quadrado geralmente representam a matéria. • O leminiscato e/ou os chifres
geralmente representam a alma. • O triângulo com apenas um vértice para cima geralmente
representa o bem; para baixo, o mal.

As cores
• Vermelho: em geral, atividade, agressividade e espiritualidade divina.• Azul: passividade,
docilidade e materialismo. • Amarelo: espiritualidade em desenvolvimento; é considerada uma
cor estimulante a nível intelectual. • Branco: pureza, alma, consciência espiritual e
imortalidade. • Verde: corrupção, putrefação e regeneração.

Os objetos

Embora se deva analisar todos os objetos da carta, reconhecem-se sobretudo quatro objetos
básicos, correspondentes aos naipes do baralho: • Bastão/clava/paus – atividade e poder. •
Copo/cálice – passividade e receptividade. • Faca/espada – atividade e força. •
Moeda/roda/pentágono – passividade e matéria.

As direções

• Para a esquerda: o passado. • De frente: o presente. • Para a direita: o futuro.

Guia de Estudo dos Arcanos Maiores

Arcano I – O Mago

A carta apresenta três partes: o chapéu, formando um leminiscato; o tronco, formando um


círculo; e a mesa, formando o quadrado da matéria. Observar: • A divisão da carta
representando o glifo de Mercúrio. • A inversão cetro/moeda que aparece nas mãos; os braços
formando o Aleph. • O disfarce do potencial dos objetos que aparecem sobre a mesa: faca –
espada; copo – cálice; moeda – círculo; bastão – cetro • O olhar e a direção do olhar do Mago.
• O excesso de vermelho.

Arcano II – A Grã-Sacerdotisa

A carta apresenta três partes: o painel, formando um chifre disfarçado; o tronco e a cabeça da
figura, formando um triângulo do bem; e a parte inferior da carta, formando o sinal da matéria.
Observar: • Os chifres. • O olhar e a direção do olhar da figura. • O livro como fonte de
sabedoria. • A predominância da cor azul. • A cor vermelha losangular (vagina) como atividade
escondida.

Arcano III – A Imperatriz

A carta apresenta três partes: a curva das asas, representando os chifres do poder e da alma; o
tronco e a cabeça, formando o triângulo espiritual do bem; e a parte inferior, formando o
quadrado da matéria. Observar: • A direção do olhar da figura. • A predominância da cor azul.
• A coroa. • O cetro amarelo. • O brasão, entre o céu e a terra, com as asas apontando para
cima. • As asas da figura. • A planta à esquerda.

Arcano IV – O Imperador

A carta divide-se em três partes: a cabeça e as costas, formando o semicírculo potencial do


espírito; o tronco, formando o triângulo do bem e da espiritualidade; e as pernas cruzadas,
formando a cruz da matéria. Observar: • O chapéu, cuja forma é uma evolução do anterior. •
A predominância da cor azul. • O cetro amarelo. • O cinto amarelo. • O medalhão. • O brasão,
com as asas apontando para a terra (bens materiais). • A planta à esquerda, se desenvolvendo
mais em relação à figura anterior.

Arcano V – O Sumo-Sacerdote

A carta apresenta: a cabeça do Sumo-Sacerdote com uma coroa, onde predomina a cor
amarela; o braço esquerdo mais o bordão amarelo, indicados pela mão direita; e o tronco e a
cabeça formando o triângulo do bem e reforçando a situação de predomínio da espiritualidade.
Observar: • O olhar da figura. • As colunas atrás, asas em potencial. • A veste azul, que se
transforma em vermelha. • As mãos formando um novo Aleph, representando o início de um
novo ciclo.

Arcano VI – O Namorado

A carta apresenta três figuras importantes: a mãe ou o vício, à esquerda, apontando para as
partes genitais; a amada ou a virtude, apontando para o coração do Namorado; e o cupido com
a flecha. Observar: • O olhar do Namorado, para a esquerda. •As listas da roupa do
Namorado, onde não há dominância de cor (indecisão). • A cor vermelha predominante à
esquerda e a azul, à direita. • A cor do chão aos pés do Namorado.

Arcano VII – O Carro

A carta pode ser dividida em três partes: no alto, o corpo do homem; a moldura, formada por
quatro mastros; e o carro, com os dois cavalos, no plano inferior. Observar: • A corda
amarela. • O cetro amarelo. • As duas mangas: uma vermelha, a outra amarela. • O azul
central do tórax da figura. • As ombreiras. • A planta central. • O equilíbrio de cores dos quatro
mastros. • A direção do olhar do homem e dos cavalos. • A cor dos dois cavalos: emoções
contraditórias.

Arcano VIII – A Justiça

A carta apresenta duas partes: o corpo, formando o oval do espírito; e o encosto da cadeira,
formando os chifres do espírito (ou alma). Observar: • O equilíbrio entre as cores azul e
vermelha. • A espada (matéria) em posição de atuação (espírito) na mão direita da figura. • O
símbolo do equilíbrio na mão esquerda; a balança amarela. • A figura está de frente e não está
distraída. • A planta à esquerda.

Arcano IX – O Ermitão

A carta representa quase um quadrado, onde há o predomínio da cor azul. Observar: • A


direção da figura. • O chapéu vermelho (atividade psíquica). • A lâmpada vermelha e amarela. •
O bastão que poderá se transformar em cruz ou cetro. • A figura é de idade avançada e dá
idéia de peso e massa.

Arcano X – A Roda da Fortuna


A carta representa três partes: uma figura animalesca, coroada e alada (vitória sobre a “roda da
vida”?); os dois animais presos à roda; e os pés do suporte da roda, formando cruzes
invertidas. Observar: • As bases espirituais da roda, em amarelo. • Não aparece o outro lado
do eixo da roda. • O centro da roda é vermelho e, portanto, ativo. • Os raios em número de
seis e não de oito, envolvidos pelo aro ativo: união do homem com os deuses ou com Deus. • O
animal que sobe, amarelo, espiritual, e o animal que desce, simiesco, vermelho: a luta entre os
espíritos de animais para se apossar do homem.

Arcano XI – A Força

A carta apresenta três partes: o chapéu, representando um leminiscato; a parte superior da


figura, formando um círculo; e os braços cruzados, dominando um leão amarelo e formando
outro leminiscato, de forma ativa. Observar: • O Chapéu. • O equilíbrio entre as cores
amarela, vermelha e azul, que aparecem na parte superior da figura. • A figura parece dominar
o leão com certa facilidade. • A direção do olhar da figura. • O pé da moça em direção ao
futuro. • O leão não tenta fugir.

Arcano XII – O Enforcado

A carta apresenta três partes: os pés cruzados, representando a predominância da matéria


sobre o espírito; o resto do corpo, formando um triângulo invertido; e o quadrado envolvendo a
figura, constituído por partes que poderão reviver. Observar: • Os pés não estão amarrados (a
situação não é incorrigível). • A cor vermelha dos membros inferiores. • O triângulo invertido
(desconhecimento do próprio caos interior). • O olhar sonhador da figura. • As plantas.

Arcano XIII – A Morte

A carta representa o símbolo de Saturno, formado pela cruz dos braços e pela foice. Observar:
• A Morte não é um esqueleto, mas uma parte óssea envolvida ainda de carne. • A foice
vermelha com o cabo amarelo. • O pé esquerdo cortado pela foice. • A direção da figura. • As
cabeças no chão (o Sol e a Lua). • As plantas. • A cor do chão. • O leminiscato disfarçado,
formado pelos braços e pela foice.

Arcano XIV – A Temperança

A carta apresenta uma figura alada e a passagem de água de uma vasilha para outra, indicando
uma transformação de forças. Observar: • A figura é feminina. • O olhar é em direção ao
passado, ou seja, à carta anterior, A Morte. • A disposição das cores geralmente sugere o yin-
yang chinês. • A cor dos vasos e de seus interiores. • Os fluxos da água: a água não se
esparrama. • As plantas e o chão.

Arcano XV – O Diabo

A carta pode ser dividida em duas partes: o corpo do Diabo até o seu pênis, formando um
triângulo invertido e centralizado nas partes genitais; e a parte inferior, formando o quadrado
da matéria. Observar: • As asas formando um semicírculo (vontade de voar, de ser puro). • As
cordas que prendem os dois escravos. • O cinto do Diabo (fixação ativa no sexo). • Asas e
pernas azuis: passividade, preguiça. • O olhar dos escravos: contentes ou indiferentes com a
situação? • A espada quebrada na mão esquerda: possibilidade de se chegar à pureza.

Arcano XII – O Enforcado

A carta apresenta três partes: os pés cruzados, representando a predominância da matéria


sobre o espírito; o resto do corpo, formando um triângulo invertido; e o quadrado envolvendo a
figura, constituído por partes que poderão reviver. Observar: • Os pés não estão amarrados (a
situação não é incorrigível). • A cor vermelha dos membros inferiores. • O triângulo invertido
(desconhecimento do próprio caos interior). • O olhar sonhador da figura. • As plantas.

Arcano XIII – A Morte

A carta representa o símbolo de Saturno, formado pela cruz dos braços e pela foice. Observar:
• A Morte não é um esqueleto, mas uma parte óssea envolvida ainda de carne. • A foice
vermelha com o cabo amarelo. • O pé esquerdo cortado pela foice. • A direção da figura. • As
cabeças no chão (o Sol e a Lua). • As plantas. • A cor do chão. • O leminiscato disfarçado,
formado pelos braços e pela foice.

Arcano XIV – A Temperança

A carta apresenta uma figura alada e a passagem de água de uma vasilha para outra, indicando
uma transformação de forças. Observar: • A figura é feminina. • O olhar é em direção ao
passado, ou seja, à carta anterior, A Morte. • A disposição das cores geralmente sugere o yin-
yang chinês. • A cor dos vasos e de seus interiores. • Os fluxos da água: a água não se
esparrama. • As plantas e o chão.

Arcano XV – O Diabo

A carta pode ser dividida em duas partes: o corpo do Diabo até o seu pênis, formando um
triângulo invertido e centralizado nas partes genitais; e a parte inferior, formando o quadrado
da matéria. Observar: • As asas formando um semicírculo (vontade de voar, de ser puro). • As
cordas que prendem os dois escravos. • O cinto do Diabo (fixação ativa no sexo). • Asas e
pernas azuis: passividade, preguiça. • O olhar dos escravos: contentes ou indiferentes com a
situação? • A espada quebrada na mão esquerda: possibilidade de se chegar à pureza.

Arcano XVI – A Casa de Deus

A carta apresenta uma torre quadrangular com um teto circular, fulminado por um raio. É
impossível ajustar um círculo a um quadrado ou unir coisas que naturalmente não combinam.
Observar: • O teto redondo com ameias amarelas. • O fogo dos céus. • As figuras caindo. • As
pedras vermelhas, azuis e brancas como dádivas do céu. • O chão amarelo. • As plantas.

Arcano XVII – A Estrela

A carta apresenta os quatro elementos, todos nos seus devidos lugares: o fogo (estrela); o ar
(pássaro sobre a árvore); a água (saindo dos jarros); e a terra (onde se encontra a figura
humana). Observar: • Os elementos estão interagindo. • Os braços e cabelos da mulher e a
água que sai dos jarros formam novamente o símbolo yin-yang ou o Ouroboros, a serpente da
vida. • A árvore da vida, onde se encontra o pássaro, está completamente desenvolvida. • Parte
da água cai na água e parte no chão: atos e idéias que se perdem, de um lado, e atos e idéias
férteis, de outro.

Arcano XVIII – A Lua

A carta mostra a Lua sugando a energia da terra; dois animais (emoções) uivando para ela; e
uma lagosta numa poça d’água. Observar: • O aspecto lúgubre da carta. • Os dois castelos
amarelos. • A direção das gotas. • A lagoa de águas paradas (estagnação). • O predomínio da
cor azul (passividade). • As plantas.

Arcano XIX – O Sol

Esta carta é o oposto da anterior e apresenta o Sol derramando sua força para todos os lados e
duas crianças numa atitude amigável. Observar: • Os raios do Sol e as gotas. • O muro. • O
predomínio do amarelo.

Arcano XX – O Julgamento

A carta é dividida em duas partes: o círculo, com o anjo e a trombeta, ativando a matéria
embaixo; e o grupo de figuras, ponto focal da ativação, representando a própria matéria.
Observar: • O anjo segura na mão esquerda uma cruz, enquanto procura “acordar” com a
trombeta os que ainda não estão em processo de desenvolvimento espiritual. • As três figuras
(a mãe, o pai e o filho, este de costas) representam a humanidade. • O filho ainda não se
definiu e emerge de uma putrefação e regeneração (verde). As duas figuras de frente são os
conselheiros e os guias.

Arcano XXI – O Mundo

A carta é uma reunião das outras. Apresenta o triângulo da matéria sendo dominado pelo
círculo do espírito. Este, por sua vez, é rodeado pelos quatro elementos básicos: o anjo (ar), a
águia (água), o leão (fogo) e o touro (terra). Observar: • O equilíbrio dos quatro elementos. •
As cores da guirlanda. • O bastão da mulher. • O equilíbrio entre a mulher (alma) e os quatro
elementos. • As pernas cruzadas numa posição inversa à do Enforcado. • O olhar da mulher.

Arcano 0 – O Louco

A carta mostra uma ausência de grafismo: o homem com um chapéu de bobo, sacola nas
costas, roupa extravagante e rasgada, sendo perseguido por um cão. Observar: • A direção da
figura, iniciando um caminho para o futuro. • A cor da roupa: conflito entre as emoções. • As
plantas no chão. • O bastão: cetro, espada ou o quê? • O cão: emoções, desejos, situações. • A
sacola nos ombros (potencial para se chegar ao Mago ou ao Mundo). • O chapéu amarelo.

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