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Unidade III
5 A SINTAXE E A ORGANIZAÇÃO TEXTUAL
Um dos aspectos a se considerar na organização sintática das frases, e destas no texto, é se não
produz ambiguidades. Dependendo do texto, isso pode ser intencional, mas em outros constitui erro no
uso dos termos.
No exemplo, o sintagma “sem noção” produz a ambiguidade, pois não podemos entender se a festa é “sem
noção” ou se todos estavam “sem noção”. É uma questão referente ao que se denomina sintaxe de colocação.
Comprei uma calça para meu irmão com uma perna curta.
(quem tem a perna curta: o irmão ou a calça?).
É preciso considerar que a ordem direta da língua é S V C, ou seja, sujeito + verbo + complementos.
Destes, primeiro os obrigatórios, depois os acessórios. Por exemplo, em:
O sujeito é oculto (eu), o verbo transitivo tem como complemento “minha amiga” (objeto direto) e o
sintagma “na rua” é uma circunstância de lugar, portanto um complemento acessório e não obrigatório
como o objeto.
Dependendo da intenção no texto, esses elementos podem assumir outras posições. Se a intenção é
enfatizar o objeto, por exemplo, temos:
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Morfossintaxe da língua portuguesa
Trata‑se da topicalização do objeto. Veja, entretanto, que o deslocamento foi do sintagma todo, o
qual representa o complemento do verbo. Poderia haver outra inversão, como:
Nesse caso, como o adjunto adverbial foi deslocado do final para o início da oração, deve ser isolado
pela vírgula. Falaremos sobre o uso da vírgula mais adiante.
Veja que há duas orações e que o sintagma que corresponde ao objeto da segunda oração foi
deslocado para o início da oração.
Essa inversão pode ocorrer no interior do sintagma, por exemplo, como em:
Nos exemplos (6) e (7), o sintagma “um pouco aberta”, que tem a função de predicativo do sujeito,
teve uma inversão de seus termos; e, nessa mudança, houve alteração tanto de sentido quanto de
função sintática.
Veja que, na oração (6), a estrutura sintática é sujeito “a janela” + verbo de ligação “ficou” + predicativo
do sujeito “um pouco aberta”. Já na oração (7), a estrutura passa a ser de sujeito “a janela” + verbo de
ligação “ficou” + predicativo do sujeito “aberta” + adjunto adverbial “um pouco”.
Entende‑se, nessa alteração, que na primeira estrutura (6) o advérbio “pouco” modifica o adjetivo
“aberta”, produzindo o sentido de que a abertura da janela era de menor quantidade. Já na segunda
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estrutura (7), o sentido produzido é do quanto ficou aberta, pois o advérbio está articulado ao verbo.
As frases se diferenciam porque uma delas tem um dos termos colocado no início da oração,
frequentemente separado por vírgula.
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Unidade III
Essas frases descrevem a mesma situação, mas fazem isso tomando elementos diferentes como
ponto de partida.
Observação
Perini (2005) aponta que outro recurso da língua portuguesa para colocar termos em realce é a
clivagem. Perceba, a seguir, como as estruturas clivadas se formam com o auxílio do verbo “ser” mais
“que” (às vezes quem), além da anteposição do termo clivado.
Certos advérbios podem ocorrer em diversas posições na oração. Veja as diversas posições do advérbio
“aparentemente” nas orações a seguir:
Portanto, vimos que a organização sintática em uma oração e/ou em um período guia a produção
de sentido no texto a ser produzido, por isso é importante que seu produtor pense nas possibilidades
oferecidas pela língua e em qual a melhor forma de dizer o que pretende.
As estratégias de inversão podem ser utilizadas por várias razões, entre elas está o efeito expressivo
no texto. É o que observamos geralmente em textos poéticos – “De tudo ao meu amor serei atento
antes” (fragmento do Soneto de fidelidade, de Vinícius de Moraes).
Observação
Saiba mais
Veja algumas reflexões de Sírio Possenti sobre a importância da colocação das palavras nas frases e
as mudanças de significação no texto:
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Unidade III
Nesse caso, o sujeito é “muitas pessoas interessadas no assunto”, cujo núcleo é o substantivo
“pessoas”, que se encontra no plural, o que leva o verbo a concordar com ele, passando a “entraram”.
Esse tipo de “erro” ocorre bastante, principalmente na língua falada, situação comunicativa em
tempo real, na qual, muitas vezes, o falante não elabora bem o pensamento e, portanto, não organiza a
sintaxe com rigor.
Além da posposição do sujeito ao verbo, há outras situações em que o risco de não haver concordância
é grande. É o caso, por exemplo, de sintagmas muito extensos ou da tendência em concordar com o
elemento mais próximo. Vejamos os exemplos a seguir:
(9) As pesquisas de opinião pública sobre a eleição no Brasil indica que haverá segundo turno.
(10) Toda pessoa com boas intenções em relação aos outros agem dessa maneira.
Veja, a seguir, como Possenti mostra um ponto de vista conservador em relação à concordância:
Outra questão a se considerar é a de regência. Em muitos casos, não se observa a regência do verbo,
principalmente quando há o relator “que” e não se utiliza a preposição que deve acompanhar o verbo,
como em:
O correto seria: O amigo em que confio é esse. O verbo “confiar” é transitivo indireto, regido pela
preposição, pois quem confia, confia “em”. Nesse caso, o “que”, pronome relativo que introduz a segunda
oração, deve ser acompanhado da devida preposição.
Assistir:
Em qual das duas orações o verbo está utilizado com a devida regência? Na primeira, pois quando
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tem o sentido de socorrer, prestar auxílio, esse verbo é transitivo direto e quando tem o sentido de ver,
presenciar, torna‑se transitivo indireto.
Nos exemplos dados, analisando a regência, não se pode dizer “assistir ao enfermo”, visto que, se isso
ocorrer, não haverá humanidade na ação, pois aquele morrerá sem a piedade dos que o cercam, o que
seria inadmissível em uma situação como essa.
Aspirar:
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No primeiro caso, o verbo é transitivo direto e tem o sentido de sorver, inspirar o ar, enquanto no
segundo tem o sentido de desejar, almejar algo.
Agradar:
Agradar, no sentido de ser agradável, causar agrado, é transitivo indireto, por isso é regido pela
preposição “a”.
Chegar:
O verbo chegar é transitivo indireto e a preposição “em” é exclusiva diante da palavra casa.
Ir:
O verbo ir é transitivo indireto e, seguido da preposição “a”, tem o sentido de ir e voltar logo, ou seja,
sem se fixar no lugar, ao passo que seguido da preposição “para” a ideia é contrária, é de permanência
e intenção de se fixar no local.
Morar:
O verbo morar é transitivo indireto e, quando seguido do substantivo rua, deve‑se utilizar a preposição
“a”.
Namorar:
(23) Joana namorou Sérgio por muito tempo.
O verbo namorar é transitivo direto, por isso não deve ser seguido de preposição.
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Morfossintaxe da língua portuguesa
Obedecer:
(24) Obedecemos às leis do país.
O verbo obedecer é transitivo indireto, regido pela preposição “a” e tem o sentido de submeter‑se. O
verbo desobedecer deve ser usado da mesma forma.
Pagar:
(25) Paguei a conta ao farmacêutico.
O verbo pagar é transitivo direto e indireto. O objeto que tem o sentido do que se deve é direto e o
que indica a quem se deve é indireto.
Preferir:
(26) Prefiro cinema a televisão.
Esse verbo é transitivo direto e indireto e tem o sentido de dar prioridade a um elemento em vez do
outro.
Querer:
(27) Quero uma resposta agora.
(28) Quero a minha amiga como a uma irmã.
Com o sentido de objetivar, querer algo, é transitivo direto, ao passo que com o valor de estimar,
querer bem, é transitivo indireto.
Visar:
(29) Visamos ao sucesso.
(30) O chefe visou todos os documentos.
Observação
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Unidade III
Veja um exemplo em relação a essas mudanças apresentado por Celso Pedro Luft (2008):
A regência originária (transitiva indireta) “assistir a algo” está ligada ao traço “estar presente, junto”.
O obscurecimento desses traços levou à troca para “presenciar, ver”, que regem a construção transitiva
direta “assistir algo, assisti‑lo”. Por isso, um dicionário dedicado à regência da língua culta deve levar em
conta essas inovações.
Apresentamos alguns verbos, os quais são comumente usados em textos que circulam na sociedade.
Entretanto, há muitos outros verbos. Para conhecê‑los, procure um dicionário de regência verbal, como
o de Celso Luft, por exemplo.
6 O uso da vírgula
Sobre a vírgula
E vilões.
Esse, juiz, é corrupto.
Esse juiz é corrupto.
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Morfossintaxe da língua portuguesa
A pessoa que consegue exprimir verbalmente o que quer dizer também sabe escrever e pontuar
corretamente. Dessa forma, o sistema de pontuação é a base da organização da língua escrita. Mas
como isso acontece?
O sistema de pontuação deve auxiliar o sentido de um texto. Portanto, decorre daí que todo sinal
de pontuação serve para separar as unidades sintático‑semânticas de um enunciado. Mas a pontuação
não poderá romper a indivisibilidade natural das unidades sintático‑semânticas ao separar os elementos
linguísticos.
Observação
Caro aluno, como você pode verificar, a pontuação está ligada à estrutura sintático‑semântica da
frase. Assim, aquela frase “Vírgula é pausa para respirar”, dita por muitos, não tem fundamento. O uso
da vírgula pode prejudicar o entendimento de um texto se não for empregada adequadamente, e isso
pode ser observado a partir da estrutura sintática na construção do texto.
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Veja esses exemplos de diferenças de sentido nos pares de frases apresentados por Luft (1996) em
relação ao emprego da vírgula:
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Unidade III
Saiba mais
Um método que pode auxiliar‑nos é verificar que a vírgula separa normalmente a informação básica
das informações secundárias. Assim, podemos observar em:
Veja que a informação principal está na oração “A noite foi serena e alegre”, a outra oração, “que
estava apenas começando”, apresenta‑se como informação secundária no período. No entanto, o
exemplo anterior é de um período composto, em que há mais de uma oração. Vejamos em um período
simples, quer dizer, que tem apenas uma oração, o que ocorre.
Primeiramente, não podemos nos esquecer de que a organização sintática de nossa língua é S V C
(sujeito + verbo + complementos), e, nessa ordem, o que for complemento obrigatório não pode ser
separado, assim como não se pode separar o sujeito do predicado. Então, temos:
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(32) O povo brasileiro consciente e bem informado deverá votar em um dos candidatos à presidência
do país.
No exemplo, há três sintagmas: “o povo brasileiro consciente e bem informado” + “deverá votar”
+ “em um dos candidatos à presidência do país”. O primeiro é o sujeito, o segundo, o verbo transitivo
indireto e o último, o objeto indireto. Portanto, não há vírgula na oração, pois nenhum elemento pode
ficar isolado.
Quando o sintagma corresponder a um complemento não obrigatório, ele poderá ser isolado por
vírgula. Então, poderíamos ter:
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Morfossintaxe da língua portuguesa
(33) Surpreendidos pela notícia do aumento do combustível, os motoristas correram para os postos
de gasolina.
No exemplo, o sintagma “sob o sol quente” é um adjunto adverbial, que, pela ordem direta, estaria
no final da oração. Então, como foi deslocado, deve ser isolado pela vírgula. Se esse raciocínio for sempre
utilizado, não haverá mais dúvida quanto ao uso da vírgula ao se construir orações, períodos, textos.
Resumo
Não se devem fazer inversões sem que exista intenção de realçar algum
sintagma ou de produzir relevância sobre determinados elementos da
oração.
poderá ser separado, assim como não se pode separar o sujeito do predicado.
Já quando o sintagma corresponder a um complemento não obrigatório,
ele poderá ser isolado por vírgula.
Exercícios
Questão 1. Uma mesma frase pode ter sentidos diferentes em situações distintas. Por exemplo, uma
frase como “Eu estou com fome” é percebida de diferentes maneiras quando dita por uma adolescente
de classe alta em um shopping center ou por uma criança subnutrida que não se alimenta há dias no
sertão nordestino. Em outras palavras, isso quer dizer que:
E) A mudança na ordem dos sintagmas internos de uma frase não altera o seu sentido.
RESPOSTA
Alternativa correta: C.
A) Alternativa incorreta.
Justificativa:
O próprio enunciado explicita que uma mesma frase pode ter sentidos diferentes em situações
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distintas. Dessa forma, para entendê‑la não basta apenas decifrar as palavras presentes no eixo
sintagmático.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa:
A fome está diretamente associada à classe social do sujeito. A alternativa B, portanto, é incorreta.
C) Alternativa correta.
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Justificativa:
O próprio enunciado explicita que uma mesma frase pode ter sentidos diferentes em situações
distintas. O linguístico está diretamente associado à situação comunicativa, ou seja, ao contexto.
D) Alternativa incorreta.
Justificativa:
O idioma português tem clareza linguística. A exemplo de outros idiomas, a língua está diretamente
associada a um contexto, que pode explicar fenômenos naturais como ambiguidade, metáfora,
eufemismo etc.
E) Alternativa incorreta.
Justificativa:
A alteração na ordem dos sintagmas numa oração possibilita, também, a alteração de sentido.
Jean‑Paul Sartre
(...) Eu ainda não sabia ler, mas já era bastante esnobe para exigir os meus livros. Meu avô foi ao patife de seu
editor e conseguiu de presente Os Contos do poeta Maurice Bouchor, narrativas extraídas do folclore e adaptadas
ao gosto da infância por um homem que conservava, dizia ele, olhos de criança. Eu quis começar na mesma
hora as cerimônias de apropriação. Peguei os dois volumezinhos, cheirei‑os, apalpei‑os, abri‑os negligentemente
na “página certa”, fazendo‑os estalar. Debalde: eu não tinha a sensação de possuí‑los. Tentei sem maior êxito
tratá‑los como bonecas, acalentá‑los, beijá‑los, surrá‑los. Quase em lágrimas, acabei por depô‑los sobre os joelhos
de minha mãe. Ela levantou os olhos de seu trabalho: “O que queres que eu te leia, querido? As Fadas?” Perguntei,
incrédulo: “As Fadas estão aí dentro?” A história me era familiar: minha mãe contava‑a com frequência, quando
Ao cabo de um instante, compreendi: era o livro que falava. Dele saíam frases que me causavam
medo: eram verdadeiras centopeias, formigavam de sílabas e letras, estiravam seus ditongos, faziam
vibrar as consoantes duplas: cantantes, nasais, entrecortadas de pausas e suspiros, ricas em palavras
desconhecidas, encantavam‑se por si próprias e com seus meandros, sem se preocupar comigo: às vezes
desapareciam antes que eu pudesse compreendê‑las, outras vezes eu compreendia de antemão e elas
continuavam a rolar nobremente para o seu fim sem me conceder a graça de uma vírgula.
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A passagem “outras vezes eu compreendia de antemão e elas continuavam a rolar nobremente para
o seu fim sem me conceder a graça de uma vírgula” tem, por objetivo, afirmar que a vírgula:
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