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CHATELET Francois As Concepcoes Politicas Do Seculo XX Preliminares
CHATELET Francois As Concepcoes Politicas Do Seculo XX Preliminares
Evelyne Pisier-Kouchner
Professora de Direito Público e de Ciência Política, Universidade de Paris I
AS CONCEPÇÕES POLÍTICAS
DO SÉCULO XX
1983
Direitos para a língua portuguesa adquiridos por ZAHAR EDITORES S.A.
Caixa Postal 207 (ZC-00) Rio de Janeiro que se reservam a propriedade desta versão
Impresso no Brasil
ÍNDICE
Apresentação ..................................................................................... 9
................................................................................................... 21
1/ Nietzsche contra o Estado ................................................................ 21
2/ Freud contra a Moral ........................................................................ .35
3/ A racionalidade científica contra a Razão ......................................... 49
4/ A Arte contra o peso das Coisas ........................................... 60
Indicações bibliográficas ............................................................................ 72
Capitulo I. O Estado-Gerente ............................................................... 75
1/ O HUMANISMO ............................................................... 83
1. O humanismo cristão ................................................................ 85
2. O humanismo republicano ........................................................... 95
3. O humanismo socialista ............................................................... 101
4. Humanismo e pacifismo ............................................................... 105
5. Humanismo c direitos do homem ........................................... 106
2/ O PLURALISMO POLÍTICO ............................................................. 112
1. O governo da sociedade é necessário ....................................... 112
2. O governo é necessariamente separado da sociedade ............ 124
3/ O REFORMISMO ........................................................................... 143
1. A prevenção do risco social ..................................................... 147
2. Os novos parceiros ........................................................................ 157
3. Sobre o “fim das ideologias” ..................................................... 164
Bibliografia selecionada ................................................................... 182
Capítulo II’. O Estado-Partido .................................................................... 187
1/ A CRÍTICA DO ESTADO (BURGUÊS) ........................................ 198
1. Um sistema de exploração econômica ..................................... 199
a) A crise do capitalismo ............................................................ 200
b) O capitalismo monopolista de Estado ................................... 209
2. Um sistema de dominação política........................................212
a) A questão das supra-eslruluras................................................213
b) As formas políticas ..............................................................218
2/ A GÊNESE DO ESTADO (SOCIALISTA)........................228
1. A extinção do Estado ......................................................232
a) A atualidade da revolução ...............................................233
b) A teoria da organização ..................................................240
c) A ditadura do proletariado ..............................................249
2. O fortalecimento do Estado ...........................................254
a) O socialismo num só país ............................................255
b) A desestalinizaçâo e suas ilusões.......................................265
c) Dissidência ..................................................................272
Bibliografia Selecionada .....................................286
NOTAS:
1. Cf. Jean Touchard et aí Histoire des idées politiques, 2 vol Paris, PUF, 1959, col. “Thémis” (6.a cd 1978);
Jean-Jacques Chevallier, Histoire de la pensée politique, 2 vol. publicados, Paris, Payot, 1979; e George H.
Sabine, A history of political theory (1937), Hindsale, Illinois, Dryden Press, 4.a ed revised by Thomas Laudon
Thorson, 1973.
2. Os autores referem à coleção “Thémis”, da Presses Universitaires de France
Preliminares
Estas apresentam concepções que não pertencem ao domínio que habitualmente se designa com
a expressão “política”. Portanto, se elas são brevemente analisadas, não é enquanto intervêm
diretamente no ordenamento dos poderes ou na organização das sociedades; não figuram aqui
nem como construções políticas teóricas nem como discursos relativos à gestão. Obras de
cultura, a característica que lhes é comum é apresentarem uma visão inesperada da realidade,
fora da tradição, subversiva (no sentido próprio da expressão): uma visão que, precisamente,
subverte os hábitos mentais e os “lugares comuns” a partir dos quais foram edificados poderes e
instituições e se explicitaram os discursos de legitimação. Trata-se, essencialmente, de
Nietzsche e de Freud, por um lado, e, por outro, da crise das ciências e, de maneira mais alusiva,
dos abalos artísticos que assinalaram a passagem do século XIX para o XX. Sobre Nietzsche e
Freud, o leitor não deve esperar nenhuma análise dialética; a referência às ciências e às artes não
tem a menor pretensão de ser uma exposição epistemológica ou estética. Busca-se apenas
mostrar aqui que as concepções políticas — quer sejam doutrinárias, teóricas ou programáticas
— estão inseridas no contexto não apenas de uma história social com que elas se defrontam,
mas ainda de uma dinâmica da cultura, da qual as invenções da filosofia, da pesquisa científica
e da arte são ao mesmo tempo expressão e motor.
1 / Nietzsche contra o Estado
“Em algum lugar há ainda povos e rebanhos, mas não entre nós, meus irmãos: aqui há Estados.
Estado? O que é isso? Pois bem! Agora abri-me vossos ouvidos, pois agora vos direi minha
palavra sobre a morte dos povos. Estado chama-se o mais frio de todos os monstros frios.
Friamente, também, ele mente; e essa mentira rasteja de sua boca: ‘Eu, o Estado, sou o povo’. É
mentira! Criadores foram os que criaram os povos e suspenderam uma crença e um amor sobre
eles: assim serviam à vida. Aniquiladores são os que armam ciladas para muitos e as chamam de
Estado: suspendem uma espada c cem apetites sobre eles. Onde ainda há povo, alo povo não
entende o Estado c o odeia como um mau-olhado e um pecado contra os costumes e as leis” 2.
Assim, para Nietzsche, o que se apresenta como guardião dos povos — que pretende assegurar,
sob sua tutela e graças à fortaleza das leis, a fusão de todos no seio da nação — é o Leviatã. Mas
ele é um monstro, não um Deus: e um monstro mentiroso e usurpador. Ele é apenas o que
proclama ser: nisso consiste sua soberania. Seu funcionamento é frio, o de uma máquina, a
máquina dos poderes. Sua função é clara: oprimir os povos e destruir a vida. Sua prática se
reduz a uma cega dominação. Ora, não se trata de parar nessa constatação e denunciar esse
triunfo das forças regressivas X É preciso tornar evidente o processo através do qual um tal
escândalo se impôs, a ponto de parecer normal tanto aos que dele se aproveitam quanto aos que
sofrem e morrem por sua causa.
Nietzsche, portanto, liga-se em primeiro lugar a uma “genealogia”, que é como que a antítese
das filosofias da história — e da mais bem-sucedida delas, a de Hegel — e que revela os
“momentos”, os acasalamentos que permitiram a essas forças se comporem para tomar a
dianteira sobre a potência da vida e da criatividade. A investigação genealógica é como uma
pesquisa sobre o abastardamento político. Somente então é que se pode retornar à denúncia
empírica dos traços característicos do Estado contemporâneo, de seus componentes reais, e
revelar a natureza perniciosa dos nacionalismos, da democracia, do socialismo, dos tipos e das
técnicas de governo.
O primeiro momento que marca fortemente o Crepúsculo dos ídolos é o da astúcia socrática,
que inverte o sentido do helenismo. O helenismo, em seu período dito arcaico, guerreava
corajosamente, atravessado pelos clamores profundos de Dioniso e das iluminações apolíneas.
Sócrates, nascido do “populacho”, irá denunciar como ilusório e perigoso esse povo de deuses e
de heróis. Mas nem por isso reconhecerá a nova civilização democrática, que se alimenta do
mais ou menos e toma como critério o peso da maioria. Depois de ter ridicularizado os
sentimentos nobres, ele ironiza os necessitados que acreditam nas virtudes formadoras das
técnicas materiais ou políticas. A ironia que ele pratica, desse modo, leva diretamente à
desvalorização da vida sob todas as suas formas: é essa, segundo A gaia ciência4, a significação
da última frase de Sócrates: “Oh, Críton, eu devo um galo a Esculápio”. “Essa ridícula e terrível
‘última palavra’ significa, para quem sabe entendê-la, Oh, Críton, a vida é uma doença! É
Possível? Um homem como ele. . . era um pessimista”.
Platão irá se fazer administrador desse gênero de pessimismo. Mais precisamente: ele o utiliza,
não certamente para edificar uma nova alegria, ou seja, para superá-lo efetivamente, mas para
construir a triste serenidade filosófica, patamar do que será doravante chamado de Saber e
Razão. Nos diálogos destrutivos, ele substituo diálogo didático pela ironia da contestação, o
ensinamento pela contestação. Ora, essa mudança de tom, de estilo, implica graves
consequências.
Sócrates constatava as contradições, as lacunas, a ineficiência da opinião comum; Platão, ao
contrário, busca suas causas e suas razões. E, a partir disso, o que ele ensina é, antes de mais
nada, que o mundo sensível —por sua natureza incoerente e lacunosa, pelo fato de ser arrastado
pelo fluxo incessante do devir — não poderia de nenhum modo ser objeto de um saber qualquer,
a não ser de modo aproximativo e sempre provisório; ele ensina, ao mesmo tempo, que a
percepção — graças à qual experimentamos esse mundo e desfrutamos dele — é enganadora,
particularmente na medida em que suscita as paixões, multiplica as necessidades e exalta os
“maus” impulsos. Em suma, tudo o que se refere ao corpo, prazeres e desejos, 6 condenado
como pernicioso, como causa de erros na conduta individual, de desordens na política. Mais em
suma ainda: como causa da imoralidade e da infelicidade.
É a isso que o homem se vê reduzido se não aceitar a única hipótese que pode assegurar sua
“salvação” pessoal e a satisfação que é possível obter neste mundo. Essa hipótese é apresentada
pelo autor de A República como sendo necessária; é justificada com todos os meios, desde a
análise teórica até o mito, passando pela alegoria. Ela consiste simplesmente nisto: esse “baixo”
mundo não é o verdadeiro mundo; é apenas uma cópia, deformada, e que não cessa de se
desfazer. O verdadeiro mundo só pode ser a própria Verdade (que é também o Verdadeiro, o
Belo, o Bem e o Uno) imutável, transparente, constituída de Ideias sistematicamente articuladas,
perceptível unicamente por quem, através de duras provas materiais e espirituais, venceu seu
corpo e as solicitações dele.
Se descrevemos aqui esquematicamente esse núcleo da doutrina platônica, não é apenas para
analisar suas implicações políticas explícitas; é também porque ele constitui o pano de fundo
conceituai, a ordem dos princípios que irá doravante governar o funcionamento da racionalidade
ocidental até Nietzsche, inclusive até nossos dias. Contradita, refutada por múltiplas outras
doutrinas, essas terminam por se situar finalmente, no mais das vezes, no terreno platônico.
Essa concepção da Verdade continuará dominante na maioria dos , casos, ainda que algumas
atenuações tenham sido feitas; e, mesmo quando recusada, ela continua a ser uma referência
constante (até e inclusive nas ciências experimentais e nas chamadas teorias materialistas,
empiristas ou positivistas). Com efeito, salvo algumas exceções, como Spinoza, as rupturas
decisivas só surgem, precisamente, com Marx (ainda que não de modo completo) e com
Nietzsche.
De qualquer modo, essa lição filosófica que conclui pela existência das Essências eternas,
contrapartida teórica da negação do corpo e dos valores sensíveis, possui uma consequência
política exemplar. Platão recusa todos os regimes existentes em seu tempo; a razão da
imoralidade dos mesmos, de seu caráter maligno, reside no fato de que os governos que deles
resultam estão, por assim dizer, infestados de corporeidade e, por isso, seus discursos e seus atos
tornaram-se obtusos. Trata-se assim, para ele, a fim de garantir a independência e a
sobrevivência da Cidade, a autarquia dela, de libertar a alma dos dirigentes do peso da
materialidade, de livrá-los de qualquer paixão, a fim de que possam “ver” a Ideia da Cidade
justa, decidir o emprego de práticas corretas, comandar com consciência os guerreiros e exigir
dos que têm a missão de alimentar os corpos a mais estrita obediência. O necessário é que “o
filósofo seja rei ou o rei seja filósofo”.
Instaura-se assim, tanto contra a tradição do guerreiro aristocrata que descende de heróis quanto
contra a cultura do retórico democrata, filho da palavra, uma nova ordem fundada sobre uma
estrita bipartição: os dominantes, selecionados em função do seu Saber, que detêm todos os
poderes; e os outros, os dominados, cuja única função é permanecer no lugar que lhes foi
indicado e obedecer. Uns e outros são devotados à Cidade, que é sua salvaguarda “cá embaixo”
e que lhes dita o comportamento que permitirá um destino melhor no “além”. Eis aqui, pela
primeira vez em nossa cultura, o Estado: “o mais frio dos monstros frios”. Como o demonstra
Hegel, a Calípolis platônica é a Verdade da Cidade grega; porém, ainda mais profundamente, ela
esboça — em seu tempo — a estrutura do poder tecnoburocrático, que é, por sua vez, a Verdade
do Estado tecnoburocrático em seu funcionamento.
Nietzsche — em Humano, demasiado humano (1876-1879), em A gaia ciência (1882), em Para
além do hem e do mal (18851886), em A genealogia da moral (1887) — analisa as forças que
constituem c mantêm o Estado. E isso porque, neste mundo, não é possível suprimir
sistematicamente os corpos vivos dos homens, em suas exultações e sofrimentos materiais,
fontes de “desordem” aos olhos da Razão: è preciso substituí-lo. E essa a função do Leviatã:
colocar as individualidades corporais em seu lugar hierarquicamente determinado, de tal modo
que tais individualidades — expressões do tumulto imanente à vida — tornem-se inatuantes
(obedecer não é agir, mas somente efetuar segundo a norma): (comandam os que não são mais
do que almas; executam os que tiveram aniquilada toda força inventiva,;»
Portanto, qual é, em última análise, o objetivo de tais dispositivos? Reduzir a vida a seu
exercício biológico mínimo; destruir os prazeres c os sofrimentos intensos em proveito da
segurança e do bem-estar médio; privilegiar a mitologia da Razão — em nome da prudência —
em detrimento da potência passional; educar os músculos para que aprendam a se dominar ou a
só efetuar gestos predeterminados. . . E qual é a paixão oculta que anima o platonismo? O medo,
o medo da vida, que é excessivo B.
É assim que Platão propõe substituir a vivacidade dos corpos singulares pelo corpo mecânico do
“monstro frio”. A ordem da Verdade, desta verdade, começa. . . e ela conduz ao Estado
moderno.
O segundo momento sobre o qual Nietzsche insiste começa com a história da nação judaica e a
pregação de Cristo. De acordo, nisso, com São Paulo, o autor de O Anticristo (1888) aceita uma
espécie de relação ambígua de continuidade e de descontinuidade entre o helenismo e o
cristianismo. Tal relação se caracteriza pelo fato de que aparecem então noções novas que vão
pesar sobre o pensamento europeu: em particular a do Eu concebido como interioridade, a do
pecado e a da separação entre domínio político e domínio moral. Nem por isso deixa de ser
verdade que o cristianismo continua a operação anunciada por Platão (e, inclusive, reforça-a
graças precisamente às noções supracitadas) de desvalorização do carnal.
O problema tem início, no povo judeu, quando a casta dos sacerdotes passa a predominar sobre
a dos guerreiros: “Os juízos de valor da aristocracia guerreira são fundados numa poderosa
saúde corporal, uma saúde florescente, sem esquecer o que é necessário à manutenção desse
vigor transbordante: a guerra, a aventura, a caça, a dança, os jogos e o exercício físico, e, em
geral, tudo o que implica uma atividade livre, robusta e alegre. O modo de apreciação da alta
classe sacerdotal apoia-se em outras condições primeiras: pior para ela quando se trata da
guerra. Os padres, como todos sabem, são os inimigos mais malvados. E por quê? Porque são os
mais incapazes. A impotência faz crescer neles um ódio monstruoso, sinistro, intelectual e
venenoso. Os grandes vingativos, na historia, foram sempre padres...”
A palavra de Cristo — e sua história contada pelos evangelistas — “só pode ser compreendida a
partir do solo que a alimentou”. O cristianismo “não é uma reação contra o instinto judeu, mas a
própria coerência de sua progressão, o próximo passo de sua temível lógica”7. Contra o
particularismo e o egoísmo da casta sacerdotal, ele busca uma aliança mais ampla: “Os instintos
dos servos, dos oprimidos passam a primeiro plano: são as camadas mais baixas que buscam sua
salvação no cristianismo”8. Por isso, a recusa do corpo — que permanecia teórica no
platonismo e que conseguira dar forma ao real — irá doravante invadir a própria existência:
“[...] para se ocupar, para remediar o tédio, pratica-se a casuística do pecado, a autocrítica, a
inquisição da consciência; [. . . ] o afeto diante de um poderoso chamado ‘Deus’ é
constantemente encontrado (através da oração); [...] o que há de mais elevado aparece como
inacessível, um presente, uma ‘graça’ [. . . ]. Cristão é um certo sentimento de crueldade para
consigo mesmo e para com os outros, o ódio contra os que pensam diferentemente: a vontade de
perseguir. Em primeiro plano, têm-se imagens lúgubres feitas para emocionar [...]. Cristão é a
animosidade mortal contra os senhores da terra [...]. Cristão é o ódio contra o espirito, contra o
orgulho, a coragem, a liberdade, a libertinagem', cristão é o ódio contra os sentidos, contra a
alegria dos sentidos, contra a alegria [... ]”9.
É essa a pretensa “boa nova”; ou, pelo menos, o que ela se tornou sob os cuidados dos bons
apóstolos, da nova casta sacerdotal e de seu chefe de fila, Paulo, sob os cuidados da Igreja. Essa
domina a Europa, submete os bárbaros através de urna conquista adocicada, leva-os a entrarem
em decadência. Afasta os povos de si mesmos e de sua orgulhosa despreocupação. Sob os traços
do amor ao próximo, da humildade, da caridade, da fraternidade das criaturas de Deus — todos
produtos do ódio instintivo contra a realidade10 —, ela faz crer na ideia da pseudo-igualdade
das pessoas e de seus direitos. O que ela igualiza, na verdade, é a mediocridade; o que ela
transforma em hábito é a cotidianidade laboriosa. A noção de pecado original, de culpa, do
resgate necessário, da feiura do mundo: tudo isso mantém a inelutabilidade da obediência, mas
a transforma em obrigação. O cristianismo interioriza a submissão.
Ora, “a resolução cristã de considerar o mundo como feio e mau tornou o mundo feio e mau”11.
É essa a eficiência de tal mentira. Pois trata-se, na verdade, de urna mentira institucionalizada:
“Chamo de mentira: não querer ver algo que se vê, não querer ver uma coisa tal como ela é
vista; é indiferente se a mentira tem lugar diante de testemunhas ou sem testemunhas”12. O
crepúsculo dos ídolos estuda os “grandes erros” sobre os quais repousa a moral. Desses erros, os
dois mais conhecidos consistem no fato de que a moral pressupõe causas imaginarias?) assim, a
moral “explica” que as dores físicas, ou morais, “dependem de ações irrefletidas que têm
consequências desagradáveis (as paixões e os sentidos considerados como causas, como
culpados; as calamidades psicológicas transformadas em punições ‘merecidas’, com a ajuda de
outras calamidades)”; ela “explica” os sentimentos gerais agradáveis: “[Estes] resultam da
confiança cm Deus [.. .] do sentimento de boas ações (o que se chama de ‘consciência
tranquila’, um estado psicológico que se assemelha, a ponto de por vezes se confundir, com uma
boa digestão .). Na realidade, todas essas pretensas explicações são consequências de estados de
prazer e de desprazer, transcritos numa espécie de linguagem errada: tem-se condições de ter
esperança porque o sentimento fisiológico dominante é novamente forte e abundante; tem-se
confiança em Deus porque o sentimento da plenitude e da força vos proporciona repouso”13.
O segundo “erro”, o segundo “esforço teológico” de pior fama que existe — no sentido de
tornar a humanidade “responsável” ao modo dos teólogos ou seja, de tornar a , humanidade
dependente dos teólogos14 —, foi invenção da ideia do “livre arbítrio”. Essa tem por função
impor a noção de responsabilidade. Ora, “sempre que procuram responsabilidades, é geralmente
o instinto de punir e de julgar que está em ação. Retira-se o devir de sua inocência quando se
relaciona um estado de coisas qualquer à vontade, às intenções, aos atos de responsabilidade: a
doutrina da vontade foi inventada principalmente com a finalidade de punir, ou seja, com a
intenção de considerar culpado [...]. Os homens foram considerados como ‘livres’ para
poderem ser julgados e punidos — para poderem ser culpados...”15.
. Poder-se-ia pensar — como o fez Hegel — que essa descrição só tem valor para o cristianismo
romano e que a Reforma reencontrou, indo além da Igreja, algo do Cristo. Para não falar do fato
de que isso não alteraria essencialmente nada, cabe lembrar que Lutero não fez mais do que
reconstituir com maior habilidade as forças do ressentimento: “Lutero viu a corrupção do
papado, mas era justamente o contrário que deveria ser apontado: a velha corrupção, o pecado
original, o cristianismo não mais ocupava a sede papal! E sim a vida! E sim o triunfo da vida! O
grande ‘sim’ dito a tudo o que é elevado, belo, temerário! [...]. E Lutero reconstituiu a Igreja: ele
a invadiu. .. O Renascimento: um evento insignificante, uma grande coisa para nadal”16.
Em suma, a “30 de setembro de 1888 do falso calendário”, Nietzsche declara guerra de vida ou
morte contra o vicio —• o vicio é o cristianismo — e edita o artigo primeiro: “É vicio toda
espécie de contra natureza. A espécie de homem mais vicioso é o padre: ele ensina a contra
natureza. Contra o padre, não se tem razões a opor: tem-se a casa de correção”17. E declarar
essa guerra é minar um dos fundamentos mais sólidos do Estado atual, tanto autoritário quanto
“democrático”, já que “o interesse do governo tutelar e o interesse da religião vão de braços
dados, de modo que. — se esse último começa a perecer — também o fundamento do Estado
será abalado”18. ' ' .
O objetivo declarado do cristianismo — em seu desejo de melhor submeter as “almas” — é
tornar a humanidade “melhor”; nisso consiste sua chamada tarefa moral. Ora, “a domesticação
do animal humano, assim como a criação de uma espécie de homens determinados, é um
‘melhoramento’: esses termos zoológicos, por si só, expressam realidades. Mas são realidades
sobre as quais o ‘melhorador’ típico, o padre, não sabe efetivamente nada: sobre as quais ele não
quer saber nada. . . Chamar de “melhoramento a domesticação de um animal é, para nossos
ouvidos, quase uma piada... O animal é enfraquecido, tornado menos perigoso. [...] faz-se dele
um animal doente. Não ocorre outra coisa com o homem cativo que o padre tornou ‘melhor’”
Ora, em nossa época, como observa Nietzsche (e em virtude da coalizão a que acabamos de nos
referir), o Estado tomou o lugar da Igreja. Sob o termo cultura — cuja difusão é monopolizada
pelo Estado, em particular através do sistema de ensino —, ele assume, sob aspectos
“modernos”, “laicos”, essa missão de domesticação sistemática. A Terceira consideração
intempestiva estuda os poderes que, desse modo, abusam da cultura e a reduzem à servidão. “O
primeiro desses poderes é o egoísmo das classes comerciais, que precisam da ajuda da cultura e
desejam ajudá-la em troca, mas que, naturalmente, também lhe prescrevem fins e limites”20.
Assim, “o objetivo das instituições modernas de cultura deve ser o de levar cada pessoa — na
medida em que sua natureza lhe permita — a reproduzir o tipo ‘corrente’, a prepará-lo para
extrair de seu nível próprio de conhecimento e de saber o máximo possível de felicidade e de
lucro [...]. O indivíduo deve aprender, com a ajuda dessa cultura geral, a se conhecer em seu
justo valor, a fim de saber o que pode exigir da vida; e, por fim. afirma-se que existe uma
aliança natural e necessária entre a ‘inteligência’ e a ‘propriedade’, ' a riqueza e a cultura, e
mesmo que essa aliança é uma necessidade moral”21. “O segundo poder [...] é o egoísmo do
Estado' Em todos os países onde se fala atualmente das ‘tarefas culturais do Estado’, vemos que
se pede à cultura que libere as forças espirituais de uma geração, na medida em que elas possam
servir às instituições estabelecidas e lhes serem úteis [...]. Essa liberação [serve], ao contrário,
para forjar cadeias”22. Finalmente, “a cultura encontra protetores entre todos os que têm
consciência de sua feiura e de seu tédio e que querem se iludir por meio do que se chama de ‘a
beleza da forma' [...]. Eles pedem a seus artistas que os arranjem e os apresentem como iguarias
apimentadas e temperadas; eles se inundam com todos os perfumes do Oriente e do Ocidente
[...]. Há perfumes para todos os gostos, odores suaves e nauseabundos, formas refinadas ou
grosseiras e rústicas, arte grega ou chinesa, tragédia ou pequenas porcarias domésticas”23.
Assim, a arte serve à abjeção atual, inclusive sob a forma — aparentemente imoral — da Arte
pela Arte. Não basta afirmar: é melhor não ter objetivo do que ter um objetivo moral. É preciso
perguntar o que é afirmado em e pela arte: “O instinto do artista dirige-se para a arte, ou, ao
contrário, no sentido da arte, dirige-se para a vida, para um desejo de sobrevivência. A arte é o
grande estimulante da vida”21.
Entretanto, o desenvolvimento da arte, de uma certa arte — e, mais geralmente, de uma cultura
servil —, encontra em nosso tempo outros instrumentos de domesticação. Há também o sentido
histórico — c, também aqui, um certo sentido histórico. A Segunda consideração intempestiva
analisa “a utilidade e os inconvenientes da arte para a vida”25. Nietzsche argumenta — ora de
modo feroz, ora de modo minucioso — contra a mania histórica que invadiu o século XIX.
Decerto, não é o conhecimento do passado que ele ataca: como tal, esse conhecimento pode ser
um estimulante para o homem ativo, que saberá descobrir nele, se não sempre modelos, .pelo
menos “genealogias” que lhe permitirão não somente captar a origem da miséria
contemporânea, mas ainda dirigir eficientemente suas armas contra o inimigo atual e derrotá-lo.
O que ele denuncia é, em seu conjunto e em algumas formas que ela assume, a investigação que
opera uma separação entre o devir e os homens, entre a vida e os instintos que a animam; é o
fato de que, quer se apresente como erudita, descritiva ou como filosofia da história (à maneira
de Hegel ou à maneira de Spencer), essa investigação considera o passado como morto, como
algo concluído ou inteiramente acabado. Aparentemente, o que governa uma tal mentalidade são
os fatos. Não é evidente que o passado é passado? A realidade é que essa concepção
corresponde ao instinto de difamação da vida, do que é atual e forte. Mata-se o passado porque
se considera que o presente está morto.
O Segundo eixo, ainda mais importante e sobretudo mais poderoso e presente em suas
consequências materiais, é a ciência experimental e seus corolários técnicos. Sabe-se hoje como
c estreita a relação que une, nas próprias instituições, o Estado e a Ciência. Embora ele tenha
tratado apenas da ciência do seu tempo, fortemente marcada pelo positivismo e ainda
razoavelmente ignorante de seus poderes sócio-políticos, Nietzsche pressentiu que ela era a
nova Deusa e que faria uma aliança com o Leviatã. Ela não fornece, do modo mais diretamente
evidente, mais organizado, mais amplo, mais repressivo também e mais eficaz, os meios de
submeter os povos? Não proporciona — aqui por fragmentos — e não promete — para amanhã
— o fim dos males que pesam sobre a humanidade, algo que os padres deixam para o além?
Não garante uma forma de segurança ao afirmar que seus progressos indefinidos vão permitir
uma racionalização da existência, que consiste, ao mesmo tempo, numa “boa” administração e
numa redução do trabalho, numa extensão quantitativa e qualitativa das necessidades, numa
satisfação maior dessas últimas, numa regulamentação geral das sociedades? Não anuncia,
finalmente, tanto no domínio coletivo quanto no individual, o “êxito” conjunto dos programas
platônico e cristão?
Tratando dessa ciência conquistadora, Nietzsche pergunta também o que ela pretende e qual o
seu funcionamento. Ora, sobre isso, é fácil constatar quo, por mais grandiosos que sejam seus
projetos de conhecimento e de transformação da natureza, seus efeitos políticos e sociais são
deletérios. Embora Nietzsche não insista sobre suas terríveis possibilidades de destruição,
destaca — antes de mais nada — a constituição de uma “elite” científica que cada vez mais se
distancia dos povos e da realidade viva20. Em seguida, ele sublinha o fato de que o suposto
bem-estar cotidiano a ser trazido pelo progresso é constituído de mediocridades, de falsas
novidades, de sobrevivências artificiais: “Que dizer? O fim último da ciência seria o de
proporcionar ao homem o máximo prazer possível e de lhe evitar todo o desprazer? Mas como
seria isso, se prazer e desprazer formam um só núcleo, de modo que quem deseja ter o máximo
de prazer possível deve sofrer pelo menos uma quantidade semelhante de desprazer? Se quem
deseja ‘chegar ao céu’ deve se preparar para ‘ser triste até a morte’? E as coisas talvez sejam
assim!”27
Há algo mais grave: o desenvolvimento das ciências experimentais, além de contribuir para
tornar ainda mais frio o “monstro frio”, engendra uma nova piedade, que c uma outra mentira.
Com efeito, mentirosa é essa pretensão à positividade, que devia sacudir as imaginações
religiosas e as construções do saber metafísico. Em sua realidade social, a ciência não faz mais
do que dar sequência a esse tipo de crenças. É o que se diz em A gaia ciência, no texto
intitulado “Em que medida nós também somos ainda devotos”: “Na ciência, as convicções não
têm nenhum direito de cidadania, como se diz com bons fundamentos: somente quando elas se
resolvem a rebaixar-se à modéstia de uma hipótese, de um ponto de vista provisório, de um
ensaio experimental, de uma ficção regulativa, é que pode lhes ser concedido o ingresso e até
mesmo um certo valor no interior do domínio do conhecimento [...]. Só resta perguntar se, para
essa disciplina poder começar, já não tem de haver uma convicção; e, aliás, tão imperiosa e
incondicional que sacrifica a si mesma todas as outras convicções. Ora, também a ciência se
funda em uma crença; não há nenhuma ciência ‘sem pressupostos’. A questão de saber se é
preciso verdade não só já tem de estar de antemão respondida afirmativamente, mas afirmada
em tal grau que nela alcança expressão esta proposição, esta crença, esta convicção: ‘Nada é
mais necessário do que a verdade [...]. Esta incondicionada vontade de verdade: o que é ela?”28
O que é ela? O que ela esconde? Nietzsche formula aqui os princípios críticos da ideologia da
ciência, 1 essa “ideologia” que recusa, sob o pretexto do progresso, da marcha para a frente,
colocar o problema do querer que a governa. Pois, em última instância, afirma O Anticristo20,
“o progresso é apenas uma ideia moderna, ou seja, uma ideia falsa [...]. Não existe uma lei
segundo a qual o desenvolvimento seria forçosamente elevação, crescimento, fortalecimento”.
Talvez resida nisso o essencial do questionamento nietzschiano. O que, há três séculos, é
apresentado como um crescimento dos conhecimentos e dos poderes — quantitativo, à maneira
de Condorcet (e da tecnocracia economicista) ou qualitativo, à maneira de Comte e de Spencer
(e da tecnocracia social), ou ainda como conquista necessária, mas dramática, à maneira de
Hegel — é, do ponto de vista da vontade, do ponto de vista da vida, decadência. São sucessivas
vitórias obtidas pelas forças reativas sobre as forças ativas, pelos cristãos sobro os pagãos, pelos
padres sobre os povos, pelos escribas da ciência sobre os artistas criadores, pelos funcionários
sobre os produtores.
Por sua natureza, as forças ativas são descontínuas, sem filiação, sem história: elas existem
apenas por sua presença. Por sua natureza, também, as forças reativas se instalam na
continuidade: do platonismo ao cristianismo, do cristianismo à ciência positiva, dessa ciência ao
fortalecimento do Estado-Nação, a consequência é clara. É dessa degenerescência que se
escreve a história, chamando-a de história da humanidade. É à luz dela que se devem
compreender “os juízos políticos” de Nietzsche sobre as doutrinas de seu tempo, que tão
frequentemente chocaram pela sua brutalidade.
Desse modo, são ridicularizados os nacionalismos, quaisquer que sejam, tanto os que se
prevalecem de seu poder atual como os que apelam para o próprio passado. As nações — que,
sob a égide dos Estados, mataram a coragem dos povos — não são mais do que um aglomerado
arrogante de mediocridades. A atividade política se reduz a um conjunto de manipulações:
qualquer que seja o objetivo que finge perseguir, ela se contenta em gerir o que existe. Quanto
às doutrinas em que se apoia, são insignificantes: “Toda filosofia que crê afastar ou mesmo
resolver, com a ajuda de um evento político o problema da existência é uma caricatura ou um
sucedâneo de filosofia. Como poderia uma inovação política ser suficiente para, de uma vez por
todas, tomar felizes os homens da terra?”30
Quer o monstro estatal pretenda adotar uma aura liberal, quer se “democratize”, ele cai sempre
em contradição: “Uma leque determina ser a maioria que, em última instância, decide sobre o
bem de todos não pode ser edificada sobre uma base conquistada precisamente por essa lei; é
preciso, necessariamente, uma base mais ampla e essa base é a unanimidade de todos os
sufrágios [...]. Por isso, a contradição de uma pequena minoria já basta para torná-la
impraticável”31. E, se ele apelar (como o faz frequentemente hoje) para a opinião pública,
confessa que seu verdadeiro material é a incultura e o egoísmo: “[...] Vamos repetir mais uma
vez: opiniões públicas, preguiças privadas”32. Sabe-se que “o cristianismo é um
desnaturamento da moral do rebanho [...]. A democratização é uma forma natural dessa moral,
uma forma menos mentirosa”33. Autoritário ou liberal-democrático, o Estado não muda
absolutamente de natureza: a de administrador das massas envilecidas por um poder que nivela
e embrutece.
O remédio socialista, segundo Nietzsche, não altera em nada o problema: “O socialismo é o
fantástico irmão mais moço do despotismo [...], cuja herança pretende recolher; seus esforços,
portanto, são — no sentido mais profundo — reacionários. Pois ele deseja uma tal plenitude de
potência do Estado que o despotismo por si só jamais possuiu; ele supera mesmo tudo o que nos
mostra o passado, já que trabalha no sentido de aniquilar formalmente o individuo”34.
Poderíamos prosseguir, ao longo das páginas, a lista dessas denuncias abertas e claras. Essas
últimas, com frequência, serviram como justificação para as interpretações fascistas, nacional-
socialistas, bem como para os individualismos estatizantes e desabusados. Aristocratismo,
niilismo de Nietzsche? Gilles Deleuze mostrou corretamente, por exemplo, que aquilo que
Nietzsche odiava com mais vigor c a própria raiz do nazismo: o ressentimento dos escravos, o
ódio contra a vida™. E é também absurdo fazer do autor de Zaratustra um doutrinário!
Niilismo? Certamente. Mas trata-se de uma constatação. A civilização atual — quer se trate da
administração da sociedade, da organização do trabalho ou da ordem da cultura — tem como
tema a aniquilação de todas as forças criadoras; o nivelamento dos homens em torno de um
mesmo modelo; a instalação de uma liberdade puramente formal, que consiste apenas em
aparência de liberdade, em escolher entre desejos e objetos intercambiáveis. O platonismo é um
niilismo teórico (pois o que é a essência que não faz parte deste mundo, se não um nada?38). O
cristianismo, denegrindo a vida, prepara a abolição das diferenças. O Estado-Nação realiza
progressivamente esses dois programas conjuntos: o que ele destrói é a vontade, o que ele
prescreve é o deserto superpovoado da indústria...
Aristocratismo? Sim. Mas aqueles a quem Nietzsche se dirige não são os resíduos da classe dos
nobres, nem os funcionários encarregados de conduzir os exércitos, nem os detentores da nova
cultura, nem menos ainda os que possuem o poder do dinheiro. Esses são apenas os medíocres
que “tiveram êxito”. Humano, demasiado humano mostra claramente que o aristocrata é,
segundo a etimologia, o melhor no que se refere à vontade e à vida, o que atua para além do
bem e do mal, valores enviltecedores.
Nietzsche não tem esperança em novos tempos: no momento mesmo em que os quer, adivinha e
decifra os seus sinais: “Nós, ‘espíritos livres’, ao anúncio de que ‘o velho deus morreu’,
sentimo-nos como que tocados pelos raios de uma nova aurora: nosso coração, diante desse
anúncio, transborda de reconhecimento, de espanto, de pressentimento, de expectativa — eis o
horizonte novamente desimpedido [. . . ]”37. E a morte de Deus requer uma outra: “[...] cedo
irromperá com ainda maior energia o grito de combate: [ . . . ] o menos de Estado possível’'''
A natureza das afirmações nietzschianas, o falo constantemente afirmado de que as forças ativas
são, por definição, descontínuas, sem filiação e sem história, excluem a possibilidade de que se
possa jamais constituir uma doutrina, um campo, até mesmo uma orientação dita
“nietzschianismo”. Todavia, visto que o que está inscrito no que as Considerações
intempestivas chamam de cultura tende à dogmática e à didática, essa infelicidade deveria
acontecer. A contrafação começa com a publicação, aos cuidados da própria irmã de Nietzsche,
da obra póstuma intitulada Vontade de potência, na qual a seleção e a classificação dos textos
induzem à imagem de um pensador reacionário, nacionalista alemão e apóstolo das mais varonis
virtudes exaltadas pelo nacional-socialismo. Ao lado, contudo, dessa notória contrafação,
quantas foram as interpretações abusivas e as traições de menor importância! Do literato tomado
pela mania de grandeza e de heroísmo ao aventureiro político obcecado por fantasmas de
violência, passando pelos que creem que o desprezo basta para criar um aristocrata, os furores
nietzschianos forneceram fórmulas que — separadas de seu contexto e desligadas do
movimento de conjunto do pensamento que as engendra — alimentam as cabeças duras e os
retóricos do apocalipse.
Essas aproximações não têm nenhuma importância. Mais sintomática é uma atitude como a de
Oswald Spengler, o qual — da leitura de Nietzsche — extrai uma filosofia da história que se
atualiza como teoria da decadência e da regeneração. Publicado dois anos depois do fim da
Primeira Guerra Mundial, A decadência do Ocidente retoma a distinção feita por W. Dilthey
entre os fatos naturais, analisáveis pela explicação, e os fatos humanos, que requerem ser
compreendidos, ou seja, que neles se introduzam o significado e a interioridade; e, por
conseguinte, a distinção entre a civilização (que se refere ao conjunto dos elementos materiais
constitutivos de uma sociedade) e a cultura (que é uma entidade viva, que cresce e morre como
um organismo). Munido dessas noções, que deixam pleno espaço à interpretação mais livre, o
pensador define “essências” culturais: o apolinismo mediterrâneo, que floresceu outrora na
Grécia e em Roma, e cuja decadência se confirma com o declínio, na época moderna, da
Espanha e da França; o espírito “mágico” dos árabes; a cultura fáustica da Alemanha, que se
anuncia com a Renascença e a Reforma. O meio de que dispõe uma cultura para reagir à
decadência é, por um lado, desconfiar da civilização (a qual, por exemplo, dominou a França
com a Revolução de 1789 e desencadeou seu enfraquecimento); e, por outro, conservar-se pura
de qualquer contaminação. Como se vê, estão postas todas as peças que podem servir à
fabricação de uma retórica da grandeza germânica. Do questionamento fundamental de todos os
valores em torno dos quais se articularam os nacionalismos do século XIX e suas consequências
imperialistas ou coletivistas, essa metafísica da história infere uma apologia desses mesmos
valores, no que eles têm de mais monstruosamente limitado.
Convém também exercer uma atenta crítica diante das tentativas — hoje frequentes — de
reencontrar a potência profética de Nietzsche. O texto nietzschiano não tem equivalente em
nosso século.
Desses três exemplos, parece emergir claramente que as filosofias da ciência — entendendo-se com essa
expressão tanto as que confiam na ciência quanto as reflexões sobre as ciências visando a compreendê-las
melhor do que elas mesmas o fazem — enganaram-se sobre o estatuto do desenvolvimento científico. Na
maioria das vezes, esse desenvolvimento foi entendido como acumulação. Uma vez completada a mutação
decisiva do século XVI, supunha-se que as ciências progrediriam acrescentando novos resultados aos
resultados já adquiridos, aduzindo aos terrenos conquistados terrenos complementares e outros a esses,
aperfeiçoando a linguagem, multiplicando as aplicações abstratas e técnicas; o processo se estenderia do
mesmo modo como se desenvolve a história, onde aos eventos passados se somam elementos novos e de igual
natureza, ou tal como se processa a exploração de um território. E a ideia subjacente a essa perspectiva — ideia
herdada da teologia das religiões monoteístas — é que chegaria um momento em que a acumulação seria
suficiente para que se pudesse supor que ela terminou, que a história chegou a seu fim e o território foi
conhecido. È isso para que o homem chegasse a ser o proprietário onipotente e feliz do local onde reside. ..
Ora, as crises que acabamos de evocar estabelecem que, se há um progresso dos conhecimentos,
um domínio cada vez maior da natureza, esses não consistem num amontoamento de verdades,
mas resultam de uma série de rupturas, de transformações dos sistemas conceituais e dos
materiais de investigação; estabelecem que, a partir desse fato, a ideia de um fim (ou de um
desenvolvimento suficiente) é inadmissível Cada descoberta é índice de uma nova pesquisa, que
levará a uma outra descoberta, ou exigirá uma reelaboração completa da teoria, arrastando a
investigação para novos setores. Se a ciência parar um dia, não é porque terá chegado a seu
termo (ou porque será “suficiente’’), mas porque se terá tomado uma decisão nesse sentido.
Porque se terá tomado uma decisão nesse sentido. . . Essas crises — que marcam o terceiro
tempo do século passado e a primeira década deste século — manifestam uma surda
inquietação. Essa só fez se desenvolver, especialmente depois da grande depressão dos anos
trinta e do fim da Segunda Guerra Mundial. As questões propriamente epistemológicas
referentes à natureza da racionalidade científica se multiplicam; a famosa questão das relações
de incerteza estabelecidas por Heisenberg — segundo as quais é impossível, dada a natureza
mesma do processo experimental que revela o objeto, medir exata e conjuntamente a posição e a
quantidade de movimento de um corpúsculo, e, por conseguinte, é impossível aplicar
estritamente à realidade microfísica o determinismo clássico — renova a interrogação referente
à unidade da física e à transparência da ciência. Os desenvolvimentos mais recentes da biologia
tendem a mostrar que o trabalho do investigador consiste menos em constituir campos
unificados submetidos a leis simples do que em diversificar as abordagens, em definir ângulos
de incidência singulares e em aprofundar suas capacidades de investigação, reconhecendo assim
a extraordinária diversidade da esfera do vivo e levando em conta a resistência que a realidade
opõe aos modelos que a preocupação metodológica apressadamente tentou impor. É com uma
diversidade semelhante, ao que parece, que se deparam os desenvolvimentos da astrofísica,
concomitantes ao empreendimento da conquista espacial: essa última, embora seja bastante
decepcionante no plano teórico, revela pelo menos o fato de que os espaços interplanetários,
longe de se reduzirem a alguma substância homogênea c quase vazia, são superpovoados de
objetos misteriosos c diversos, e de que neles tem lugar sopros, ventos e correntes múltiplas...
Nesse domínio epistemológico, tudo se passa como se a potência do que pode continuar a ser
chamado de a ciência tivesse aberto à sua ação domínios tão complexos que ela tem de
renunciar a pretensões unificadoras; É preciso admitir, para poder continuar a trabalhar, que a
inteligibilidade,, é plural e que o ideal cartesiano da mathesis universalis é perigoso. E isso não
porque se tenha regressado à serenidade preguiçosa do positivismo, mas porque os cientistas —
em suas práticas — percebem que não há nenhuma razão para que o real seja simples; e que,
sendo posta a exigência de racionalidade, os processos de inteligibilização são múltiplos. Ora,
às sociedades e à política, esse ensinamento permanece estranho. Com efeito, os dirigentes e os
assessores dos dirigentes continuam a se reclamar prazerosamente do pensamento científico: em
geral, eles se pretendem racionalistas — ao modo das ciências — e progressistas — ao modo e
com os instrumentos da técnica de inspiração científica. Mas é relevante constatar que eles se
mantiveram presos, no mais das vezes, seja à ciência clássica, seja à sua versão positivista.
Sendo assim, também nesse caso, como no de Nietzsche, de Freud ou de Einstein, a
consideração do estatuto atual das ciências faz ruir essas certezas pretensamente fundamentais e
profetiza a entrada em ação de uma racionalidade inteiramente diferente, em seu
funcionamento, da que guiou os séculos clássicos.
Todavia, a evolução contemporânea das ciências intervém de outra maneira; ou seja, na medida
em que a atividade científica tornou-se parte decisiva da vida social (e não somente na medida
em que, combinada à indústria, integra-se às forças produtivas, mas também e sobretudo em que
sob o aspecto da economia política, da informática e das ciências da administração c da
comunicação, torna-se um elemento constitutivo da administração da coletividade), nessa
medida, ela é afetada por modificações significativas. A institucionalização das ciências como
forças sociais, as perturbações de ordem epistemológica que disso resultam, as sujeições que
essa situação provoca constituem indicações sobre a dogmática que os poderes públicos tendem
a instaurar, valendo-se precisamente da racionalidade científica como modelo e como
instrumento. Um dos aspectos mais marcantes dessa dependência em que se encontra a ciência
reside na própria exigência de realização técnica, que emerge da obrigação da rentabilidade. O
que a ciência, ao fazer aliança com o Leviatã, ganhou em poder perdeu em liberdade. Como
estamos hoje distantes da alegre ciência que faz frequentemente pensar em Jules Verne! Existe
assim, no interior da atividade de pesquisa, uma tensão entre a ciência preocupada cm servir e a
ciência empenhada em descobrir e inventar; de certo modo, essa tensão expressa e duplica uma
oposição que atravessa nossas sociedades, a oposição entre os que temem permanentemente que
não se tenha o poder e os meios para exercê-lo e os que, ao contrário, pensam que há sempre
poder em excesso e que um dos meios de pôr fim à sua ineficiência é revelar seus mecanismos.
Nessa mesma perspectiva, não é possível deixar de evocar a “rebelião” ecológica, que contesta
o poder da ciência sublinhando a irracionalidade profunda que presidiu a realização do famoso
programa cartesiano de dominação e controle da natureza. Não será uma leviandade condenável
pressupor uma ordem global da natureza quando se trata de garantir sua apropriação
cognoscitiva, c, ao mesmo tempo, subestimar essa ordem quando a urgência da conquista impõe
a apropriação efetiva de um setor ou de uma região da natureza? Não será uma criminosa
inconsequência acreditar que é possível degradar todo um território sem pensar que, desse
modo, se afeta gravemente os que o habitam e até os homens que se pretende servir?
NOTAS:
1. Esse título — precisamente em sua simplicidade um pouco agressiva — indica que não se trata aqui de
apresentar a política de Nietzsche (que, de resto, não existe). De acordo com o espírito destas páginas , temos
apenas como objetivo pôr em evidência uma intuição desse pensador que nos parece significativa de um tipo de
concepção crítica que — sob outras formas — será novamente encontrada nos capítulos seguintes. Basta dizer
que não queremos de modo algum nem exaltar o valor dessa intuição, nem entrar nas querelas de interpretação
relativas a essa ou aquela tomada de posição de um autor que, por exemplo, criticava ferozmente a religião de
Cristo e não hesitava em assinar alguns de seus textos como “o crucificado”.
2. Friedrich Nietzsche, Ainsparlait Zarathoustra (1883-1884), Paris, Mcrcure de France, 1924, p. 66 [ed.
brasileira: Assim Falou Zaratustra, São Paulo, Edições e Publicações Brasil, 1950
3. Cf. G. Deleuze, Nietzsche et la philosophie, Paris, PUF, 1962.
4. Nietzsche, Le gai savoir (1881-1882), Paris, NRF, 1967, 340, reedição UGE, “10/18”, 1974, p. 329.
5. Cf por exemplo, a seguinte frase de A gaia ciência, 372: “Com cera nos ouvidos: era essa, outrora, quase a
condição preliminar ao ato de filosofar. Um autêntico filósofo não tinha mais ouvidos para a vida: na medida
em que a vida é música, ele negava a música da vida — e é uma péssima superstição de filósofos pensar que
toda música é música de sereias” (ibid p. 395).
6. Nietzsche, Généalogie de la morale (1887), Paris, Mercure de France, 1948, pp, 4243 [ed. brasileira: A
genealogia da moral, Rio de Janeiro, Simões, 1953].
7. Nietzsche, L’Antéchrist (1888), Paris, UGE, “10/18”, 1967, 21, p. 36 [ed. brasileira: O Anticristo, Rio de
Janeiro. Simões, 1953].
8. Ibid 21, p. 32.
9. Ibid.
10. Ibid 30, p. 47.
11. Nietzsche, Le gasavoir, cit 130, p. 214.
12. Nietzsche, L’Antéchrist, cit p. 92.
13. Nietzsche, Le crépuscule des idoles (1888), Paris, Mercure de France. 1952, pp. 122-123 [ed. brasileira: O
crepúsculo dos ídolos. Rio de Janeiro, Vecchi, 1934],
14. Ibid p. 123.
15. Ibid.
16. L’Antéchrist, cit p. 67.
17. Ibid p. 115.
18. Nietzsche, Humain, trop humain (1876-1880), Paris, NRF, 1968, I, 472. p. 257.
19. Le crépuscule des idoles, cit p. 127.
20. Nietzsche, Considérations intempestives (1873-1876), Paris, Aubier, 1970, III-IV, p. 101.
21. Ibid p. 103.
22. Ibid pp. 103-105.
23. Ibid p. 105.
24. Le crépuscule des idoles, cit p. 155.
25. Considérations intempestives, cit I-II, p. 197,
26. Cf. a terceira Considération intempestive, consagrada ao “caráter” dos cientistas, op. cit.. p. 115-121.
27. Le gasavoir, cit 12, p. 87
28. Ibid 344, pp. 337-338.
29. L’Antéchrist, cit,, 4, p. 11.
30. Considérations intempestives, cit III-IV, p. 63.
U. Nietzsche, Le Voyageur et son ombre (1879-1880), Paris, Le Mercure de
France, 1909, p. 379 [ed. brasileira: O viandante e sua sombra, Rio de
Janeiro, Tecnoprint, 1967],
32. Humain, trop humain, cit 482, I, p. 265.
33. Nietzsche, La volonté de puissance (fragmentos póstumos), Paris, Le
Mercure de France, 1918, p. 201 ' brasileira: Vontade de potência,7 0
Porto Alegre, Globo, 1945]. Citamos essa tradução francesa, feita a partir de uma versão lacunosa e falsificada,
para comodidade do leitor. Mas a tradução que deve ser agora utilizada 6 a estabelecida a partir das Oeuvres
Complètes de Nietzsche, editadas por Collc Montinari, tomos XII, XIIe XIV, Paris, NRF, 1976-1979.
34. Humain trop humain, cit 473, I, p. 258.
35. Cf. G. Deleuze, op. cit.
36. Cf. Le crépuscule des idoles, cit pp. 106-107.
37. Le gasavoir, cit 343, pp. 336-337.
38. Humain, trop humain, cit 473, I, p. 258.
39. Oswald Spengler, Le déclin de l'Occident (1920), Paris. Payot, 1931; NRF, 1948 [ed. brasileira parcial; A
decadência do Ocidente, Rio de Janeiro, Zahar, 1960].
40. Cf por exemplo, Émile Durkheim, mais adiante, cap. IV, pp. 460-464.
41. Robert Castel, Le psychanalysme, Paris, Maspero, 1973. [ed. brasileira: O psicanalismo, Rio de Janeiro,
Graal].
42. Mais adiante, cap. V, pp. 593-594.
43. Cf. Carta a Lou-Andréas Salomé (28 de julho de 1929), citada por E. Jones, La vie e l'oeuvre de Sigmund
Freud, Paris, PUF, 1969, tomo III, p. 505 [ed. brasileira: Vida e o!\ra de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Zahar,
1975],
44. S. Freud, Malaise dans la civilisation (1929), Paris, PUF. 1971, p. 9 [ed. brasileira: Mal-Estar na
civilização, Rio de Janeiro, Imago, 1973].
45. Ibid.
46. Ibid p. 11.
47. Ibid p. 15.
48. Ibid p, 60.
49. Ibid.
50. Ibid p. 21.
51. Ibid p. 31.
52. Ibid p. 33.
53. Ibid.
54. Ibid p. 34.
55. Ibid.
56. Ibid p. 36.
57. Ibid pp. 46-47.
58. Ibid p. 45.
59. Ibid p. 48.
60. Ibid p. 51.
61. Ibid p. 55.
62. Ibid.
63. Ibid p. 57.
64. Ibid pp. 64-65.
65. Ibid p. 66.
66. Ibid pp, 67-68.
67. S. Freud, Nouvelles conférences sur la psychanalise (1932), Paris. NRF, 1971, p. 238.
68. Ibid pp. 238-239.s
69. Ibid p. 239.
70. Ibid p. 240.
71. Und.
72. Malaise dans la civilisation, cit p. 69.
73. Ibid p. 73.
74. Ibid p. 77.
75. Ibid p. 79.
76. /¿/</.( p. 80.
77. /Wrf p. 90.
78. Ibid p. 99.
79. Ibid p. 91.
80. Ibid p. 98.
81. Cf sobre esse ponto, as análises de Louis Althusser, Pour Marx, Paris, Maspero, 1965 [ed. brasileira: Ein
Favor de Marx, Rio de Janeiro, Zahar,
2.a edição, 1978],
82. Para essas pesquisas, cf. as indicações bibliográficas apresentadas no fim do presente capítulo.
83. Para tudo isso, cf em particular, Gaston Bachelard, Le pluralisme cohérent de la chimie moderne, Paris,
Vrin, 1932.
84. Ferdinand de Saussure, Cours de linguistique générale (1906-1911), Paris, Payot, 1916; rced 1960 [ed.
brasileira: Curso de lingüística geral, São Paulo, Cultrix, 1969].
85. Roman Jacobson, Essais de linguistique générale, I. Les fondements du langage, Paris, Minuit, 1963.
86. Castoriadis, L’institution imaginaire de la société, Paris, Editions du Seuil, 1975.
87. Cf. A. Hamilton, L'illusion fasciste, les intellectuels et fascisme (19191945), Paris, NRF, 1971.
88. Cf. J.-P. Faye, Langages totalitaires, Paris, Hermann, 1972.
89. Cf. J.-M. Palmier, textos de Lênin reunidos e apresentados sob o título Sur l’art et la littérature, 3 vols
Paris, UGE, “10/18”, 1976.
90. AndreZhdânov, Sur la littérature, la philosophie e la musique (1949), Paris, Ed. de la Nouvelle Critique,
1950.
INDICAÇÕES BIBLIOGRAFICAS
A extensão e a diversidade dos temas evocados nestas páginas impedem qualquer bibliografia sistemática,
ainda que seletiva. Assim, resolvemos dar aqui apenas indicações de leitura.
No que se refere a Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud, são citados apenas os textos onde se trata diretamente
de questões políticas, excluindo-se toda obra de comentário ou de crítica.
No que se refere às atividades cientificas e artísticas, escolhemos — dentre muitos livros importantes -—
alguns dos que sublinham a força de ruptura que é introduzida na cultura estabelecida pelos cientistas e artistas
da primeira metade do século XX.
F. NIETZSCHE
Friedrich Nietzsche, Considérations intempestives (1873-1876), 2 vols Paris. Aubier, 1954.
— Humain, trop humain (première partie) (1876-1878), 2 vo's.. Paris, NRF. 1968; (deuxième partie, Le
Voyageur et son ombre) (1879-1880), Paris, NRF, 1968. [Ed. brasileira da segunda parte: O viandante e sua
sombra. Rio de Janeiro, Tecnoprint, 1967].
— Le gasavoir (1881-1882), Paris, NRF, 1967.
— Ainsparlait Zarathoustra (1883-1884), Paris, Aubier, 1962 [cd. brasileira: Assim faiou Zaratustra, São
Paulo. Ed. e Publicações Brasil, 3.a edição, 1950].
— Par-délà le bien e le mal (1884-1885), Paris, Aubier, 1951 [cd. brasileira: Além do bem e do mal, São Paulo,
Sagitário, s.d.].
— Généalogie de la morale (1887), Paris, Mercure de France, 1948 [ed. brasileira: A genealogia da moral, Rio
de Janeiro, Simões, 1953],
— L'Antéchrist (1888), Paris, UGE, “10/18”, 1967 [cd. brasileira: O Anticristo, Rio de Janeiro, Simões, 1953].
— La volonté de puissance (póstumo), 2 vols Paris, NRF, 1947-1948 [cd. brasileira: Vontade de potência, Porto
Alegre, Globo, 1945].
S. FREUD
Sigmund Freud, Totem et tabou (1912), Paris, Payot, 1947 [cd. brasileira: Totem e tabu, Rio de Janeiro, Delta,
1959]
— Au-delà du principe de plaisir (1919), in Essais de psychanalyse, Paris, Payot, 1951 [ed. brasileira: Mais
além do princípio de prazer, Rio de Janeiro, Delta, 1959].
— L’avenir d’une illusion (1927), Paris, PUF, 1971 [ed. brasileira: Futuro de uma ilusão, Rio de Janeiro,
Imago, 1973].
— Malaise dans la civilisation (1929), Paris, PUF, 1971 [ed. brasileira: Mal, Estar na civilização, Rio de
Janeiro, Imago, 1973].
•— “D’une conception de l’Univers”, in Nouvelles conférences sur la psychanalyse (1932), Paris, NRF, 1936;
reeditado na coleção “Idées”.
A INVENÇÃO CIENTÍFICA
Cf. a Bibliografia selecionada do cap. IV, “O Estado-Cientista”, e, cm particular, a rubrica “Ciências”, infra,
pp. 557-58.
Pierre Duhem, La théorie physique, son objet, sa structure, Paris, Marcel Rivière, 1914.
Gaston Bachelard, Le pluralisme cohérent de la chimie moderne, Paris, Viin, 1932.
— Le nouvel esprit scientifique, Paris, PUF, 1934 [ed. brasileira: O novo espírito científico, São Paulo, Abril,
coleção “Os Pensadores”, vol. XXXVIII, 1974, pp. 247-337],
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