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SOCIOLOGIA

ORGANIZACIONAL
AULA 4

Prof.ª Carolina Esther Kotovicz Rolon


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, vamos pensar as relações entre tecnologia e sociedade. As


novas tecnologias estão cada vez mais presentes em nosso dia a dia: celulares,
tablets e relógios estão conectados à internet e nos permitem utilizar aplicativos
que facilitam as mais variadas tarefas, desde pedir um carro para levá-lo(a) ao
seu destino até reformar o apartamento. As novas tecnologias favorecem o
contato entre pessoas e organizações de diversas partes do mundo,
aprofundando o processo de globalização. Este processo, por um lado, gera
imensos avanços e nos abre à diversidade cultural, mas, por outro, acarreta
novos riscos ambientais e sociais, como o risco da precarização. Nesta aula,
vamos refletir sobre as mudanças sociais introduzidas pelas novas tecnologias.

CONTEXTUALIZANDO

Imagine esta situação: dois engenheiros criaram um produto inovador que


permite purificar e refrigerar o ar em ambientes fechados utilizando energia solar.
O objetivo deles é vender este produto para outros países da América Latina e
da África. Você foi contratado como gestor(a) da empresa e deve levar a cabo
este processo de internacionalização. Como as novas tecnologias da informação
e da comunicação viabilizam o projeto? Quais os riscos envolvidos na fabricação
e utilização do produto que a empresa está produzindo? O conhecimento sobre
as culturas locais será necessário para realizar com sucesso o projeto de
internacionalização da empresa? Tenha estas questões em mente nas
discussões sobre sociedade e tecnologia; voltaremos a elas ao final da aula.

TEMA 1 – MUDANÇAS SOCIAIS INTRODUZIDAS PELAS NOVAS


TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

Hoje você pode receber em seu celular notícias dos principais jornais do
mundo, fotos, áudios da família e dos amigos. As notícias circulam rapidamente,
para o bem e para o mal – veja a desinformação e confusão que as fake news
criam. Com a rapidez em que o contexto muda, você, gestor(a), precisa estar
conectado e reagir às mudanças com a mesma rapidez. O dinamismo, o ritmo e
a abrangência das mudanças sociais desencadeadas pelas novas tecnologias
são intensos, e nenhuma sociedade viveu estas mudanças tão rápidas.

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As tecnologias da comunicação e da informação se desenvolveram
vertiginosamente nas últimas décadas. Na década de 1940, logo após a
Segunda Guerra Mundial, a comunicação telefônica era por sinal analógico, que
precisava de cabos e fios. Gradativamente, ela foi substituída por cabos de fibra
ótica, que suportam muito mais canais de voz. No início da década de 1960, uma
nova invenção, o satélite, permitiu a comunicação não apenas por som, mas por
imagem. A internet corou esta revolução das comunicações. A primeira rede que
conectava computadores de algumas universidades e centros de pesquisa nos
EUA foi lançada no final dos anos 1960, e as primeiras trocas de
correspondência eletrônica via e-mail foram na década seguinte. Em 1991, foi
lançado o primeiro website, inaugurando a world wide web. A partir de então, o
desenvolvimento da comunicação pela internet foi vertiginoso: em 1998, havia
140 milhões de utilizadores de internet no mundo; três anos depois, em 2001,
eram 700 milhões de pessoas conectadas à internet (Giddens, 2008).
Qual o impacto dessas inovações tecnológicas em seu dia a dia? Você se
lembra como era sua vida social e profissional dez anos atrás? Você utilizava
aplicativos? Redes sociais? Aparelhos celulares conectados à internet?

1.1 Desenvolvimento das comunicações

O sociólogo britânico Anthony Giddens (2008) estuda os efeitos das


transformações tecnológicas nas diversas esferas de nossas vidas, inclusive
nossa percepção de tempo e espaço. Antigamente, o mundo era muito maior do
que é hoje, afinal, para viajar, por exemplo, de Curitiba ao Rio de Janeiro,
demorava meses. Devido às dificuldades, as pessoas viajavam menos, grande
parte da população nascia e morria num mesmo pedaço de terra, e poucos
sabiam o que se passava na região vizinha, quem dirá as últimas notícias de
Pequim, Nova York ou Beirute. Hoje sabemos o que acontece nas mais diversas
regiões do planeta, conhecemos a culinária, a música, o cinema de vários
países, e viajar se tornou muito mais fácil.
Giddens destaca que o desenvolvimento da comunicação digital e da
internet permitiram comprimir o tempo e o espaço: você pode, por exemplo, viajar
a trabalho para uma sede localizada a milhares de quilômetros de distância do
seu escritório e continuar se comunicando com sua equipe por meio de
chamadas de vídeo, e enviar documentos e relatórios por e-mail. As distâncias
não impedem nem retardam a comunicação.
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A transformação na percepção do tempo e espaço tem impacto direto em
você, gestor(a), e levanta questões importantes. Como estar ligado(a) e reagir
rapidamente às mudanças? Como se comunicar com sua equipe de forma
eficiente e, ao mesmo tempo, respeitar seu tempo de descanso?
As trocas e a interdependência entre pessoas ao redor do mundo se
intensificam com as novas tecnologias. Podemos trocar informações com um
gestor na Finlândia, no Sri Lanka ou nas Ilhas Maurício. Uma guerra no Oriente
Médio tem efeitos na sua vida cotidiana, seja porque sua vizinha é síria e fugiu
da guerra e abriu um restaurante onde você almoça com frequência, seja na
crise econômica que leva à recessão e ao desemprego em massa. A
intensificação das trocas em escala mundial é a base de um fenômeno muito
falado já há algum tempo: a globalização. Giddens destaca que “os sociólogos
usam o termo globalização quando se referem a estes processos que
intensificam cada vez mais a interdependência e as relações sociais a [sic] nível
mundial" (2008, p. 51).
Vamos pensar em um exemplo de interconectividade. Digamos que você
é gestor(a) em uma fábrica da Renault em São José dos Pinhais, no Paraná.
Estoura uma crise na Colômbia. Como isso pode afetá-lo(a)? Bom, a Renault
exporta carros fabricados em São José de Pinhais para a Colômbia, e uma crise
neste país pode causar queda de vendas de carros Renault produzidos no
Paraná e você terá de reestruturar a produção pensando em alternativas para
compensar a queda das vendas na Colômbia. Você também terá de justificar
suas decisões para a diretoria da Renault na França, sede da empresa. Este
exemplo demonstra a interconectividade potencializada pelos avanços
tecnológicos.
Os avanços tecnológicos mudaram e, em muitos aspectos, melhoraram as
nossas vidas. Por outro lado, criaram riscos que antes não existiam. A poluição
é um exemplo da globalização dos riscos: a latinha de refrigerante que você
deixou na areia da praia pode ser levado por centenas de milhares de
quilômetros pelas correntes marinhas e acabar na barriga de uma baleia na costa
do Japão. Nós vamos analisar mais de perto os efeitos dos avanços tecnológicos
na globalização, mas antes, vamos analisar seus efeitos perversos: a produção
de riscos sociais e ambientais.

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TEMA 2 – RISCOS DO AVANÇO TECNOLÓGICO

Os avanços tecnológicos promoveram inúmeros benefícios, mas com eles


surgiram novos riscos. Os desastres ambientais causados pelo rompimento de
barragens recentemente em Brumadinho e em Mariana são exemplos trágicos
dos riscos da exploração de minério – que, por outro lado, possibilita a produção
de bens que são hoje indispensáveis para nós.
Segundo o sociólogo alemão Ulrich Beck (2011), vivemos numa
sociedade do risco, pois a produção de riquezas está ligada à produção de riscos
e à tomada de consciência dos riscos. A poluição do ar, das águas e do solo
afeta a todos, mesmo que de maneira desigual. Por mais que o presidente
Donald Trump diga que o aquecimento global é uma invenção, todos os anos
americanos são vítimas de ciclones no sul e de queimadas no oeste dos Estados
Unidos. A poluição do ar causa doenças pulmonares em crianças de todas as
origens, seja em São Paulo, na cidade do México ou em Paris. Todavia, as
crianças em situação social mais vulnerável terão menos recursos para tratar
essas doenças e sofrerão mais. Ao afirmar que vivemos hoje em uma sociedade
do risco, Beck chama a atenção para estes aspectos da sociedade moderna. A
tomada de consciência desses riscos pode nos levar a produzir e viver de forma
mais responsável.

2.1 Os riscos da modernização

Observando os riscos na época em que vivemos, Beck afirma que eles


são sistemáticos. Os riscos aos quais ele se refere não são os riscos pessoais –
risco de ser assaltado ou atropelado, por exemplo. Beck pensa os riscos sociais
gerados pelo próprio processo de modernização, que podem trazer danos e
insegurança. O canudo plástico é um caso emblemático: nós o usávamos
sempre em restaurantes e lanchonetes. No entanto, recentemente, campanhas
para abolir o canudo plástico se multiplicaram e nos sensibilizaram para os danos
desse objeto ao ser descartado: muitos são jogados no mar causando danos à
vida marinha. Este é um pequeno exemplo de como não sabemos quais são os
riscos das mercadorias e bens que nós próprios inventamos e produzimos.
Os riscos existem desde o momento em que o processo de produção
começa, mas apenas se a sociedade tem consciência deles. Se nós, como
cidadãos comuns, não temos consciência dos riscos – por exemplo, o risco dos

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agrotóxicos à saúde. – eles não existem para nós. Por este motivo, Beck chama
a atenção para a importância da informação em nossa sociedade e diz que, ao
tomar conhecimento dos riscos, é preciso divulgá-los a toda a população. Beck
afirma que o papel dos cientistas, dos juristas e da mídia é importantíssimo, pois
estes profissionais devem alertar a sociedade dos riscos inerentes às variadas
atividades industriais e sociais, legislar e buscar soluções para atenuá-los.
Quanto à sua empresa, é sua a responsabilidade de, na condição de
gestor(a), conhecer os riscos envolvidos nas atividades da organização, divulgar
e promover debates sobre as medidas para prevenir acidentes e atenuar riscos.
Retomando o caso dos agrotóxicos: se você é gestor(a) de uma rede de
supermercados que vende frutas e legumes, é importante saber se estes utilizam
agrotóxicos e quais os riscos para a saúde de quem os consome. A gestão dos
riscos implica uma nova organização e distribuição do poder e autoridade dentro
das organizações e dos governos.
Outro aspecto dos riscos gerados pelo avanço tecnológico é que eles
afetam a todos. Uma criança da periferia que brinca perto de um córrego está
mais exposta aos riscos da contaminação das águas que uma criança que brinca
na piscina de casa. A produção e difusão dos riscos não quebra completamente
a lógica capitalista: as pessoas mais vulneráveis são as mais afetadas. Todavia,
os riscos podem ter um efeito bumerangue e atingir quem os produziu.

2.2 Beck, Giddens e Ortiz – sociólogos da globalização

O sociólogo Ulrich Beck presenciou o acidente nuclear de Chernobyl na


Ucrânia, em 1986. Um dos reatores da usina nuclear explodiu e causou um
incêndio que durou dez dias. Uma nuvem de fumaça radioativa se formou e
ameaçou outros países europeus com material tóxico. Chernobyl ocorreu meses
depois Beck ter publicado seu livro A sociedade do risco, e sua teoria foi
tristemente confirmada pelo acidente nuclear na Ucrânia.
Beck, sociólogo alemão, dialoga com o britânico Anthony Giddens:

Nos seus estudos sobre a globalização e modernidade, Anthony


Giddens refere-se a um novo período histórico que designa por
modernidade tardia (Giddens, 1994); retendo a aceleração das
mudanças decorrentes da revolução do digital, Ulrich Beck fala em
segunda modernidade (Beck; Grande, 2010). Estes dois teóricos da
globalização, referem-se essencialmente à passagem da sociedade
industrial para a sociedade da informação, para a constituição de uma
sociedade em rede, uma sociedade mais reflexiva e assente numa
ordem pós-tradicional. (Lourenço, 2014, p. 3)

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Já o sociólogo Renato Ortiz pensa as questões ligadas à globalização
tomando como base o Brasil, uma nação periférica. A representação do Brasil –
e das nações latino-americanas – como não completamente concretizada é
corrente. Nesse contexto, as mudanças introduzidas pela mundialização – Ortiz
prefere o termo mundialização em vez de globalização – tem efeitos mais
profundos, sobretudo na cultura e identidade nacionais. Voltaremos a este tema
nesta aula, ao estudarmos os efeitos das novas tecnologias no trabalho.

TEMA 3 – NOVAS TECNOLOGIAS E TRANSFORMAÇOES NO MUNDO DO


TRABALHO

Imagine que você é consultor(a) em gestão empresarial. Você trabalha


por projeto, in loco, na empresa que o(a) contratou, mas também gosta de
trabalhar em coworking, para organizar as ideias e planejar as ações. O
ambiente do coworking traz comodidade e possibilita trocas com outras pessoas
que também trabalham lá. Este tipo de trabalho é muito distante daquele de
carteira assinada, no qual se deve bater o cartão de segunda à sexta. O trabalho
do consultor que descrevemos é flexível: quando tem um projeto, trabalha horas
a fio para realizá-lo; já nos períodos entre um projeto e outro, tem mais tempo
livre. Contrapor estas duas figuras do trabalhador – o assalariado e o flexível –
ilustra as transformações pelas quais o trabalho está passando com a
incorporação de novas tecnologias, pois, com um computador conectado à
internet, é possível trabalhar de qualquer lugar, a qualquer hora. Os contratos
por projeto estão mais difundidos e a flexibilização do horário possibilitou ter
múltiplos empregos.
Ao discutir as mudanças no trabalho introduzidas pelas novas tecnologias
é importante ter em mente que elas não atingem todos os trabalhadores
brasileiros, afinal, muitos estão sem emprego atualmente. O Boletim de Políticas
Sociais do IPEA (2018) mostra a elevação da taxa de desemprego e a retração
dos níveis de ocupação e de renda no Brasil em 2016, comparado com 2014. No
quarto trimestre de 2014, a taxa de desemprego era de 6,5%, no mesmo período
de 2016, 12,03%. Em torno de 3 milhões de empregos formais foram destruídos
entre 2015 e 2016, e o nível de informalidade da população ocupada ficou em
torno de 45,5% em 2016. Já o rendimento médio real do trabalhador brasileiro
foi de R$1.985,24 em 2016 (IPEA, 2018).

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As novas tecnologias abrem possibilidades aos trabalhadores: aplicativos
como Uber e Ifood são novos campos de trabalho. No entanto, são empregos
informais, sem garantias sociais. Retomando a discussão de Beck sobre os
riscos da modernização, o lado negativo destas mudanças é justamente a falta
de proteção social. A flexibilização foi associada à precarização, ou seja, o
trabalhador não tem garantias sociais nem renda mínima, gerando grande
insegurança.

3.1 Multinacionais e internacionalização de micros, pequenas e médias


empresas brasileiras

As multinacionais, empresas que produzem bens e serviços comerciais


em mais de um país, começaram a se desenvolver após a Segunda Guerra
Mundial. Nos anos 1970, empresas europeias e japonesas também começaram
a investir no estrangeiro. Giddens mostra a importância das transnacionais já na
década de 1990: 400 multinacionais realizaram vendas acima de 10 bilhões de
dólares em 1996; neste ano, 70 países tinham o Produto Interno Bruto de, no
mínimo, este valor – o que mostra o peso dessas empresas.
Hoje, a globalização não está restrita às gigantes multinacionais: micro,
pequenas e médias empresas (MPME) também se internacionalizam e
participam do mercado global. Segundo Guimaraes e Azambuja (2018), a
abertura do mercado mundial e a inovação permitiram este fenômeno. As
empresas oferecem vantagens competitivas baseadas na oferta de produtos e
serviços inovadores, complexos e/ou sofisticados, e são, na maior parte,
especializadas em pesquisa e desenvolvimento (P&D).
A internacionalização de MPMEs é um fenômeno forte em diversos
países. No Brasil, desde os anos 1990 existem políticas para transferir
conhecimento científico e/ou tecnológico e, assim, fomentar a inovação e
internacionalização das empresas. Todavia, o resultado destas políticas é
pequeno: em 2017, o Brasil ficou em 67° lugar no índice global de inovação, que
compara 127 países.
Guimaraes e Azambuja destacam as dificuldades em obter financiamento
e se inserir no mercado global das MPMEs inovadoras que eles pesquisaram.
Casos bem-sucedidos de MPME brasileiras internacionalizadas são a
WaveTech, que desenvolve aparelhos auditivos, e a Altave, que fabrica
aeróstatos para monitoramentos e telecomunicações. A inovação aliada ao
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conhecimento de ponta e às novas tecnologias abrem novas perspectivas aos
empreendedores.
A globalização da economia nos anos 1990 estava muito ligada às
transnacionais, as quais ainda dominam grande parte da produção e da
comercialização dos mais diversos produtos: de alimentos a carros. O mesmo
processo de globalização que favoreceu o desenvolvimento das multinacionais
também favorece as MPMEs de se internacionalizarem.

TEMA 4 – GLOBALIZAÇÃO E CULTURA

Milhões de pessoas ao redor do mundo compartilham suas fotos e vídeos


no Instagram. Com esta rede, entramos na intimidade de celebridades do mundo
do cinema, da música e do esporte, e, com ela, também surgiu uma nova
profissão: os influenciadores, pessoas que postam fotos e dicas sobre os mais
variados assuntos: moda, viagem, estilo de vida fitness ou bodypositive. Os
canais no YouTube também são visualizados por milhares – ou milhões – de
pessoas ao redor do mundo. Estas e outras redes sociais favorecem trocas
globais. Será que elas têm efeito de homogeneização cultural? Será que
assistimos a uma mundialização da cultura?
Os efeitos das novas tecnologias nas relações entre o local e o global são
controversos no que diz respeito à cultura, e entender as relações entre culturas
no contexto da globalização é importante para o gestor. Vimos como as trocas
comerciais se intensificam com a globalização – não importa se é
microempreendedor(a) ou gestor(a) de uma multinacional, você terá de lidar com
questões sobre diversidade cultural e etnocentrismo.

4.1 Conceitos de cultura, etnocentrismo e relativismo cultural

Filmes, peças de teatro e esculturas são o que normalmente associamos


à cultura. Outras vezes associamos uma pessoa culta àquela que conhece muito
sobre literatura ou música erudita, por exemplo. No primeiro caso, estamos
falando de artefatos culturais, no segundo, de conhecimento: ambos são cultura,
mas o conceito de cultura não se restringe a eles. O antropólogo britânico
Edward Tyler definiu cultura como “todo complexo que inclui conhecimentos,
crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos
adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (Laraia, 1996, p. 25).

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O antropólogo Alfred Kroeber foi além e afirmou que graças à cultura o homem
se distanciou do mundo animal, estando acima de suas limitações orgânicas. Se
o homem pode habitar desde os desertos africanos até as terras geladas do
Canadá é porque ele desenvolveu uma cultura – vestimentas, casas, caça,
agricultura, organização social – que permitiu tal adaptação.
O choque entre diversas culturas não é uma novidade do mundo
globalizado. No século XIX, os viajantes e exploradores traziam notícias de tribos
distantes com costumes e vestimentas exóticas. Este contato com pessoas de
culturas tão diferentes às dos europeus levou muitos antropólogos (tais como
Tylor, Spencer e Morgan) a considerar a cultura desses povos como primitiva. A
oposição entre civilizado e primitivo surgiu, sendo o civilizado considerado
melhor e mais evoluído do que o primitivo. O conceito que descreve esta atitude
é etnocentrismo, ou seja, quando julgamos outras culturas com base em
nossos próprios padrões culturais, o que, por sua vez, perpetua o preconceito.
O antropólogo alemão radicado nos EUA Franz Boas deu um passo
importante em combater o etnocentrismo ao refutar o princípio do evolucionismo
cultural. Boas e seus alunos realizaram várias pesquisas em comunidades
diferentes e defenderam que não há cultura mais avançada ou mais primitiva,
cada uma é única. De acordo com o contexto, a cultura muda e se adapta de
forma particular, e é preciso compreender a sua lógica interna. Esta é base da
perspectiva do relativismo cultural, segundo o qual cada cultura deve ser
avaliada apenas em seus próprios termos.
O relativismo cultural é muito importante para os dias de hoje. Como
mostramos nesta aula, as trocas entre pessoas de origens diferentes é cada vez
mais intensa e é comum organizações contratarem funcionários de outras
nacionalidades. Para desenvolver o relativismo cultural, é preciso conhecer
diversas culturas, o que é fácil de fazer mesmo sem sair de casa, por meio de
filmes, literatura, música etc. Este conhecimento mostra que há várias formas de
pensar, sentir e interpretar os diversos aspectos de nossas vidas, e é assim que
combatemos o etnocentrismo e desenvolvemos um olhar plural para o mundo e
as pessoas.

4.2 Culturas nacionais e mundialização da cultura

O conhecimento de outras culturas é importante para as organizações,


não apenas na gestão de pessoas, mas no desenvolvimento de novos negócios.
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Lourenço lembra o caso emblemático do McDonald’s, que não vende
hambúrguer de carne bovina na Índia, pois, para os indianos hindus, a vaca é
um animal sagrado. Contudo, ele também chama a atenção para as armadilhas
de adaptação das multinacionais à cultura local: o da homogeneização cultural.
Nem todos os indianos são hindus: muçulmanos e cristãos formam parte
significativa deste país, e o McDonald’s, ao tratar a Índia como um todo
homogêneo, deixa de entender e atender especificidades de parte da população.

Tal como ele é utilizado estratégica e operacionalmente pelas grandes


multinacionais, local refere-se a grandes áreas geográficas, que
podem ultrapassar as fronteiras nacionais ou referirem-se a países
continentes como o caso da Índia e da China, numa homogeneização
cultural baseada numa ideia construída, frequentemente ideologizada,
de local. (Lourenço, 2014, p. 6)

A origem desta atitude equivocada está na definição do que é a cultura de


uma nação. Renato Ortiz relembra que nação é uma construção social que
surgiu com a modernidade na Europa e os diversos processos de unificação de
países como Itália e Alemanha mostram o quanto ele é complexo. As nações
modernas são unidades territoriais político-administrativas, com organização
social determinada, integradas a um todo. De acordo com Ortiz, é a cultura que
dá a forma de coesão há uma nação: “não há nação sem cultura nacional” (2005,
p. 145), por isso o espírito nacional é fundamental, já que remete ao simbólico.
No Brasil, a construção da nação também passou pela construção de diversos
símbolos nacionais. Quando um atleta sobe ao pódio em uma competição
internacional, o hino brasileiro toca e a bandeira brasileira é hasteada, você não
sente orgulho de ser brasileiro? Para Ortiz, estes símbolos são essenciais para
construir a identidade nacional. Apesar da diversidade que existe no seio de toda
nação, a cultura nacional atua como símbolo para todos.
Com a globalização, a cultura nacional tem perdido sua força. De um lado,
as culturas locais se fortalecem e, de outro, identidades transnacionais se tornam
possíveis. Um jovem do interior do Paraná pode se identificar com rappers
americanos, escutar suas músicas, se vestir no mesmo estilo, compartilhar
valores e atitudes. O interesse de ter consumidores mundiais para determinadas
músicas e vestimentas é maior que o apelo ao produtor e estilo de vida local.
Nos últimos anos, vimos aumentar o número de movimentos que se
opõem à globalização justamente para defender a cultura nacional. Será que a
nação está perdendo força? Ou culturas locais vão resistir e se fortalecer? Veja
como diversas correntes interpretam as consequências da globalização.
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TEMA 5 – PERSPECTIVAS DA GLOBALIZAÇÃO

A globalização é um processo imprevisível e conturbado. Migrações em


massa, crises econômicas, crises humanitárias, entre outros eventos levam
muitos a adotar posturas diversas diante do fenômeno da globalização. Giddens
destaca três tendências neste debate: os cépticos, os hiperglobalizadores e os
transformacionalistas.
Os cépticos argumentam que a ideia de globalização é exagerada: eles
dizem que não há novidade nas trocas e que os níveis de interdependência não
são inéditos: no século XIX já havia trocas mundiais. Eles concordam que estas
são mais intensas hoje, todavia, a economia não está tão integrada a ponto de
constatar sua globalização. Para eles, a centralidade dos governos nacionais
está na regulação e coordenação da atividade econômica. São os governos que
adotam políticas para impulsionar certos setores ou liberalizar a economia.
Contrapondo as análises dos cépticos em relação à globalização, há um
grupo de teóricos que Giddens chama de hiperglobalizadores. Estes
argumentam que os fluxos de comércio e de produção conduzem a um mundo
sem fronteiras, no qual as forças do mercado têm mais poder do que os governos
nacionais. Os países deixam de controlar suas economias e o mercado
financeiro e organismos internacionais como a OMC e o FMI, por exemplo,
impõem agendas e diretrizes para as políticas públicas.
Já os transformacionalistas adotam uma perspectiva entre os cépticos e
os hiperglobalizadores; eles observam mudanças profundas introduzidas pelo
processo de globalização – e estas não são apenas econômicas, mas também
políticas e culturais. Os transformacionalistas concebem a globalização como um
processo aberto e dinâmico que incorpora tendências contraditórias. Não há um
sentido único ou um centro do processo de globalização, e os países se
reestruturam em resposta a ela.
Estas três perspectivas da globalização atestam a complexidade do
fenômeno, que permite interpretações divergentes.

NA PRÁTICA

Imagine que você é gestor(a) de uma multinacional que recebe muitos


funcionários de outros países – e os diretores são, inclusive, estrangeiros. Como
você promove a diversidade cultural dentro da organização? Que atividades

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propiciam trocas entre pessoas de origens e visões de mundo diversas? Como
as trocas contribuem para o respeito mútuo? De que forma a diversidade cultural
transforma a organização?

TROCANDO IDEIAS

Leia a matéria da BBC Brasil esclarecendo o que é globalismo:


 <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-46786314> (acesso em: 17
abr. 2019).

Com base no que discutimos nesta aula, como a organização em que


você trabalha tem se inserido no mercado globalizado? Quais ações
favoreceriam sua internacionalização?

FINALIZANDO

Nesta aula analisamos sociologicamente as transformações sociais


desencadeadas pelas novas tecnologias. A partir da segunda metade do século
XX, as tecnologias da informação e da comunicação evoluíram numa velocidade
e intensidade incríveis, e a inovação continua a pleno vapor. O avanço
tecnológico fomentou o processo de globalização que favorece as trocas e a
interdependência entre pessoas e organizações do mundo inteiro.
Retomando nossa problematização no início da aula, vimos que as novas
tecnologias da informação e da comunicação favorecem trocas entre pessoas,
intensificando o processo de globalização. É frequente associar a globalização
à ação de multinacionais, mas o processo de globalização permite igualmente
que micro, pequenas e médias empresas internacionalizem seus negócios.
Beck argumenta sobre a sociedade do risco e a importância do
conhecimento e debate acerca dele. Os produtos e serviços desenvolvidos
utilizando tecnologia avançada introduzem novos riscos sociais: as novas
tecnologias, por exemplo, permitem a flexibilização do trabalho, mas, por outro
lado, há o risco da precarização do trabalhador se este não contar com uma
renda mínima e proteção social.
Neste mundo em que contatos interculturais são cada vez mais frequentes
e intensos, é preciso refletir sobre as atitudes em relação à diversidade cultural,
estimulando a compreensão entre pessoas de culturas diferentes. Por fim, as

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interpretações sobre o fenômeno da globalização colocam em evidência a sua
complexidade e a importância de se discuti-lo.

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REFERÊNCIAS

BARBOSA, A. L. N.; de H.; CAMPOS, A. G.; AMORIM, B. M. F. Trabalho e renda.


In: IPEA políticas sociais: acompanhamento e análise. Brasília: IPEA, 2017.

BECK, U. Sociedade do risco: rumo a outra modernidade. São Paulo: Editora


34, 2011.

GIDDENS, A. Um mundo em mudança. Lisboa: Fundação Calouste


Gulbenkian, 2008.

GUIMARAES, S. K.; AZAMBUJA, L. R. Internacionalização de micro, pequenas


e médias empresas inovadoras no Brasil: desafios do novo paradigma de
desenvolvimento. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 33, n. 97, 2018.

LARAIA, R. de B. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar,


1986.

ORTIZ, R. Um outro território: ensaio sobre a mundialização. São Paulo: Olho


D’água, 2005.

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