Gomes
O DIABO
EO
FILÓSOFO
O Diabo e o Filósofo
Capítulo 2. O encontro
Capítulo 10. Fé na fé
Esta é uma história de um jovem filósofo que teve uma conversa com o
Diabo, só isso. Não é um tratado filosófico sobre o entendimento humano ou a
verdade, longe disso. No diálogo são abordados os seguintes assuntos: o livre
arbítrio, fé, razão, o bem e o mal e outros, tendo somente como base cientifica
os questionamentos do jovem filósofo juntamente com os do seu amigo e as
respostas do Diabo e do mesmo modo o contrário.
O que deve ser notado além das reflexões é que mesmo empolgado
com o que consegue o jovem filósofo sempre decide questionar e comparar as
verdades do Diabo com as suas próprias e quando possível, com as de Deus
para verificar se o que ele diz é realmente verdadeiro. Não que o Diabo seja
mentiroso, mas talvez seja uma boa ideia em todo caso dar aquela verificada.
A dor fez com que descobrisse que o que desejava era algo mais
intenso e original, pois muitas das respostas que encontrou lhe pareciam
meras respostas a outras respostas. Ao intensificar mais sua busca,
percebeu que já não se sentia tão perdido, ela finalmente o levara a algum
lugar.
Consciente que o que tinha obtido até o momento lhe soava mais
como meras opiniões, estas por sua insuficiência foram suficientes para lhe
impulsionar na tomada de decisão sobre a busca do seu desejo de alcançar
algo diferente, e tão rápido como um gato quando leva um susto, teve a
estranha ideia de ter uma conversa com o Diabo.
Amigo: Que foi? Parece que você não está muito bem.
Filósofo: Sabe, é que as coisas realmente não estão bem para mim.
Filósofo: Não, não é isso, é sobre mim mesmo. Não sei se gosto de ser
quem eu sou, acho que não sou normal.
Amigo: Como assim? Você é uma das pessoas mais incríveis que
conheço!
Filósofo: Você acha mesmo que eu não percebo que todos me chamam
assim por zombaria?
Amigo: Não exagere, não são todos. Eu por exemplo, te chamo assim
porque realmente acho você um grande pensador, está certo que é meio
estranho às vezes, também parece meio doido, mas no fundo você é incrível.
Amigo: É isso aí, esse é meu amigo filósofo, sempre respondendo com
enigmas que quase ninguém na face da terra entende.
Filósofo: Ok.
Amigo: Mas me diz aí, é só por isso que você está chateado? Você
sempre viveu meio afastado e pensativo e nunca foi de ligar muito para o que
os outros pensam de você, porque isso agora?
Amigo: Não diga uma coisa dessas, homem! Como eu já disse antes,
você é um grande pensador, eu mesmo que sou inteligentíssimo muitas vezes
não consigo entender quase nada do que você diz.
Filósofo: É...
Amigo: Deixe disso meu amigo, sei que você consegue. Você tem
muitos livros e também conhece outros filósofos e pensadores. O que lhe
impede?
Filósofo: Sim, tenho o sonho de algum dia produzir uma obra filosófica.
Amigo: Olha, mesmo que você ainda não tenha nada, um verdadeiro
sonho faz com que você consiga, pois te mantem focado sempre observando
seu objetivo com uma atenção fora do normal, você já não andara como um
bêbado com atenção dispersa, porque nada é tão importante quanto ele.
Amigo: Ele te faz uma pessoa fora do comum porque te coloca para
caminhar em trilhas onde outras pessoas jamais se imaginarão caminhando.
Filósofo: Nossa!
Amigo: Não existe nada na vida mais forte do que o seu sonho, ele é o
principal influenciador da sua vida. Um pensamento pode lhe mover, mas um
sonho é a fonte da realização, seu modo de sonhar é a chave que abre as
portas do sucesso.
Amigo: Não, claro que não, só estou dizendo que o sonho é a base
principal. Comece acreditando que seu sonho é possível e automaticamente
seu corpo reagirá positivamente em relação ao seu pensamento, o contrário
também é verdadeiro, mas o melhor é pensar positivo, que é possível, e então
algo incrível começará a acontecer. Em seguida você levanta disposto a
realizar os seus sonhos e entra em ação, depois é só ir adequando o que dá
certo ou não.
Amigo: Pois é, isso serve para você notar que eu também evoluí e não
só você. O que acontece é que eu estava em uma sala de espera para ganhar
um benefício do governo e lá não tinha nada, nem televisão e estava
demorando tanto que eu resolvi fazer o que quase nunca fiz em minha vida, lê
um livro.
Amigo: Não sei, só li até essa parte. Sabe, eu queria muito ler, só que a
minha vista cansou, deu uma dor na costa, câimbra nos dedos e aí eu acabei
dormindo.
Filósofo: Tudo bem, mas o que você falou me fez pensar algo: o sonho
muitas vezes é produzido por influência de nossos momentos acordados e
passa a fazer morada em nosso inconsciente, e o ato de realizar talvez possa
ser um sonho consciente.
Filósofo: Mas, podemos realizar algo que nunca foi sonhado? Existiria
um sonhar por sonhar em que o próprio sonho seja em si o realizar? O sonhar
para realizar acorda dificuldades e o não desistir as adormecem? Anular os
seus sonhos é aceitar viver os sonhos alheios por não existir uma maneira de
viver fora dos sonhos? A pior realidade que podemos viver é a de um sonho
que só nos faz sonhar e nada realizar?
Amigo: É isso aí, esse é o meu bom e velho amigo filósofo voltando das
cinzas. Você tem razão, também vejo assim, a coisa está feia mesmo... Vamos
lá!
Filósofo: É...
Amigo: Que foi? Por que parou? Logo agora que estávamos para
elaborar reflexões mais profundas.
Filósofo: É claro que tenho sonhos. Só estou tentando lhe dizer que no
meu caso é mais uma questão de libertação do que de realização. Também
porque penso que existe um grande problema com o sonho de realização de
uma vida; ninguém veio aqui para esta vida para sonhar, viemos para viver.
Amigo: Você está dizendo que sonhar com uma vida, não é o mesmo
que ter essa vida.
Filósofo: É por aí. Para muitos o sonho de uma vida está tão distante
que se algum dia o conquistarem, talvez já não lhes reste vida para vivê-lo.
Filósofo: Não é para tanto, pois não podemos viver sem sonhar.
Amigo: Por que você não se decide logo? A final, devemos ou não
sonhar?
Filósofo: Não estou dizendo que sonhar é ruim, para ser mais específico,
estou me referindo ao exagero nos sonhos, já que quem sonha em ter uma
vida dos sonhos, mesmo estando vivo, sente que não está. Pois vivo, vive
sonhando em viver um sonho e não viver seu sonho para ele não é viver.
Amigo: Também porque não são todos que conseguem ir além da
prática de sonhar. Acredito que muitos viveram toda a vida apenas sonhando
em um dia viverem a vida de seus sonhos.
Filósofo: Isso.
Filósofo: Acredito que em parte isso seja verdade, mas só para quem
depois de uma difícil caminhada consegue alcançar seus grandes objetivos.
Para quem só caminhou e não alcançou, é mais difícil valorizá-la da mesma
forma.
Amigo: Sei.
Filósofo: É por isso que digo que não sou um sonhador obstinado.
Amigo: Mas é claro que você não é, você é louco e os loucos não tem
sonhos obstinados porque eles mesmos são a obstinação dos seus sonhos.
Amigo: Não sei, só sei que tentei dizer que você é capaz.
Filósofo: Queria lhe contar sobre uma decisão meio louca que tomei.
Amigo: Não estou não. Sei de alguns que foram falar com esse sujeito e
nunca mais voltaram.
Filósofo: Qual é? Anda me fala, eu sei que você sabe. Por nossa
amizade.
Filósofo: Não exagere. Dizem que ele só leva para o inferno quando o
contrato se cumpre.
Amigo: Como disse antes, desta vez não irei com você.
Filósofo: Tudo bem eu entendo, também não quero mais envolver você
em encrencas. Agora me diz.
Aquilo tudo poderia ser apenas o tempo avisando sobre uma chuva
ou qualquer outra coisa do tipo. Foi então neste momento que ouviu em
meio à vegetação o barulho de passos, passos que lentamente ao se
deslocar em sua direção, quebravam alguns galhos pelo caminho.
Amigo: Bem, de início tenho que lhe responder que; sendo idiota.
Depois, que eu vim ajudá-lo e lhe pedir desculpas por ter feito você de idiota.
Amigo: Sabe, não foi por mal, mas é que fiz isso para lhe dar uma lição.
Amigo: Sabe meu amigo, essa história de Diabo foi eu que inventei.
Ninguém vem aqui neste local realmente para conversar com o Diabo, e a
propósito, saiba que ele também não existe.
Amigo: (Gritando) Eu fiz isso para o seu bem, porque vi que você
precisava de ajuda, que estava enlouquecendo e precisava de um choque de
realidade.
Filósofo: Não preciso de sua ajuda, sei muito bem me virar sozinho.
Amigo: Há sim, claro. Vou fingir que não vi você correndo desesperado
de medo em meio aos espinhos parecendo uma gazela no cio.
Filósofo: Seu idiota! Saiba que gazelas no cio não saem correndo
desesperadas em meio aos espinhos.
Amigo: Deve ser porque são bem mais corajosas do que certas pessoas
que conheço.
Susto: Páh!!!
Diabo: Sim sou eu, e parem de gritar eu não sou surdo. O que vocês
querem comigo?
Diabo: Você já notou o tanto de espinhos que tem no meio desse mato?
Diabo: Eu não tenho o mesmo costume que vocês de rolar em meio aos
espinhos. Mas diga o que você quer?
Filósofo: É que eu tenho um propósito, por isso quero lhe fazer uma
proposta, mas a proposta a propósito, não é o propósito, é apenas um
propósito menor para o meu propósito.
Filósofo: Alguns dizem que sou e muitos outros que não. Na verdade,
na parte que dizem que sou, são apenas dois e um ainda duvida.
Diabo: Saiba que não gosto de filosofia, por isso, ou apresenta logo de
modo claro essa sua proposta que não é o seu propósito, ou irei embora de
propósito. Não vou ficar perdendo o meu precioso tempo com baboseiras
filosóficas.
Amigo: Ele não quer nada de mais, só quer fazer umas perguntinhas,
só isso seu Diabo.
Diabo: É isso mesmo que ele falou? Você não me parece diferente dos
outros que me procuraram.
Filósofo: Sei o que você quer dizer. Está se referindo a igualdade dos
interesses, mas lhe digo que; com certeza o muito igual é o que produz o
diferente.
Diabo: Muito bom, mas todo o agir humano se resume a algum tipo de
interesse e geralmente econômico.
Filósofo: Sim, e como sei que também não faz nada de graça e que o
seu interesse ao me atender é ganhar a minha alma, minha proposta é que: lhe
darei a minha alma se honestamente me der às respostas que preciso.
Diabo: Como é? Deixa ver se entendi bem. Você só quer que eu lhe
responda algumas perguntas?
Filósofo: Sim, por isso lhe peço que analise com atenção a minha
proposta.
Diabo: Rapaz, de todos que já vieram me pedir algo confesso que você
é o mais esquisito. É até absurdo você não pedir Dinheiro, fama ou alguma
outra forma de poder. Tem certeza de que não está mesmo interessado em ter
algum bem material?
Diabo: E então?
Diabo: Nossa, que gênio! Garanto que mais tarde você verá o que é
realmente brilhante.
Amigo: Ué, ele não vai ter que fazer um corte no dedo e assinar com
sangue?
Amigo: Obrigado pelo elogio, mas só para lembrar; é só ele que está
negociando a alma. Eu só estou aqui para garantir que ele vai cumprir o que
prometeu.
Diabo: Ok.
Diabo: Sim, mas antes iremos para um lugar melhor, mais adequado
para termos nossa conversa.
Diabo: E não se preocupe com o acordo, lhes dou minha palavra que
ele será cumprido. Apenas concentrem-se em seus brilhantes
questionamentos.
Filósofo: Certo.
Diabo: Por favor, você quer parar com essa baboseira de inferno, aqui
não é o inferno.
Diabo: Obrigado, mas não fui eu que fiz essa decoração. Ela é
resultado de um contrato com um certo inventor e artista do século XV
muitíssimo famoso até os dias de hoje. Mas, fique à vontade, só vou sair por
um instante e já volto.
Filósofo: Quer ficar quieto! Olá, por favor, queiram desculpar o meu
amigo, é que ele não é muito normal.
Amigo: Á tá, e você e esses cachorros esquisitos que falam é que são
normais?
Demônios: O que?
Filósofo: Como assim o que? Quero saber sobre o que pensam sobre
estes milhares de anos de batalhas infindáveis contra Ele e o seu exército de
anjos.
Demônios: Realmente.
Filósofo: Está certo, já notei pelo nosso dialogo que não é bem assim.
Partiremos então para coisas mais simples.
Demônios: Ok.
Filósofo: Vocês sabem que vocês e os anjos são eternos, não sabem?
Demônios: Sim.
Filósofo: Mas não são? Não vejo nenhuma corrente em vossos pés.
Diabo: E aí?
Amigo: Acredito que não. Acho que somente no momento que não
existir mais nenhuma forma de questionamento em você é que você será
totalmente cristão.
Diabo: Confesso que ainda não encontrei ninguém assim.
Diabo: Tudo bem então, continuemos enquanto você crê que tem
razão.
CONFLITOS SUPERIORES
Diabo: Ok.
Diabo: O que?
Amigo: É, e parece que Ele várias vezes preferiu não planejar nada
superior à guerra, pois muitas vezes guerreou junto e contra os humanos que
ama e quer salvar.
Diabo: Interessante.
Amigo: Capeta!
Diabo: Oi.
Diabo: Ok.
Filósofo: E quanto a vocês? Digo, quanto à guerra no mundo espiritual
superior, também estão achando melhores respostas para acabar com ela? Ela
está diminuindo?
Filósofo: Sabe, não o vejo ou escuto sua voz literalmente, mas sei que
Ele existe por causa de seus sinais.
Diabo: Para mim, quanto mais se tentar divinizar o não divino, com o
tempo claramente menos divino ele se mostra.
Amigo: Deixa ver se entendi. Quer dizer que tudo se divide em três
níveis? Sobrenatural, natural meio sobrenatural e totalmente natural?
Filósofo: Humm... Talvez isso se confirme pelo efeito meio confuso que
causa em nós humanos, pois como são misturados e não totalmente puros,
sempre necessitam que nos esforcemos em racionalizações teológicas brutais
para os divinizarmos totalmente, mesmo que eles em si não sejam totalmente
divinos.
Filósofo: Sim.
Diabo: Estaria o divino mostrando com esse tipo de ação que pode
aperfeiçoar a qualquer momento o imperfeito não importando seu nível de
imperfeição, já que o sobrenatural consegue sempre o aperfeiçoar?
Filósofo: Realmente.
Diabo: Sim, mas durante toda a história, Deus sempre divinizou o fogo,
raio, barro, madeira, animais... Etc. E como o divino é sempre superior ao
natural, quando os humanos naturais que eram o alvo da divinização das
coisas desrespeitavam qualquer uma dessas coisas (seres, leis, dias ou
lugares divinizados) eram condenados à morte. Ou seja; as coisas divinizadas
permaneciam e os humanos que eram o alvo da divinização das coisas, eram
eliminados por serem inferiores as coisas que deviam lhe servir para a
divinização.
Amigo: Interessante.
Amigo: Nossa!
Amigo: Capeta!
Amigo: ok.
Diabo: Mas não é assim com Deus que deveria ser exemplo para
todos. Ele faz as coisas e quando não dão certo, Ele as culpa e nunca se
responsabiliza por nenhuma que apresente defeito. A culpa é sempre da coisa
criada, nunca do criador.
Filósofo: Mas Deus não nos culpa por todas nossas imperfeições,
apenas por aquelas que estiverem abaixo do perfeito nível de imperfeição
planejado para nós agirmos perfeitamente.
Amigo: Tá doido? Deus misericórdia! Por favor, perdoe ele porque ele
não sabe o que fala.
Amigo: Maluco eu? Você penhora a sua alma com esse sujeito, para e
conversa com uns cachorros esquisitos e agora chama Deus de burro e eu que
sou maluco?
Filósofo: Não é nada disso, não estou chamando Deus de burro, pelo
contrário. Estou dizendo que planejar é inferior ao que Ele faz e que eu não sei
o que é, pois, planejar é cogitar possibilidades e estas por sua vez á acertos e
erros.
Amigo: Humm...
Filósofo: Note que quem planeja compara planos com planos para
escolher um superior e descartar o inferior, pois logicamente o inferior não dar
conta de alcançar o objetivo desejado, ou seja, o descartado é o plano
imperfeito, mas o certo concernente a Deus seria que Ele sempre planejasse
planos perfeitos.
Filósofo: Note o absurdo; Deus não pode ter planos inferiores a outros,
pois todos os seus planos são igualmente divinos, então é inútil para Deus ter
planos se o último plano é igualmente divino ao primeiro.
Filósofo: Deus exige que o amemos, mas para que isso aconteça
acredito que seja necessário um excelente conhecimento sobre Ele.
Diabo: Realmente.
Diabo: Verdade.
Diabo: Sim.
Diabo: Lógico.
Filósofo: Ai está o problema, pois se esse conhecimento não vir
diretamente de quem se faz conhecer, se sofrer algum tipo de modificação, já
não poderá ser dito verdadeiro, já que tudo que muda não é verdadeiro.
Diabo: Realmente.
Diabo: Certamente.
Filósofo: Mais alta que a voz dos outros é a voz da minha consciência.
Diabo: Vai com calma, às vezes você é muito duro consigo mesmo.
Diabo: Tenho.
Filósofo: Sim, mas esses planos não são os planos de Deus para você,
são? Digo; são planos contra os planos Dele.
Filósofo: Bem, suponho que ninguém faria tais planos se não houvesse
possibilidades, sei lá... Algum ponto fraco que enxergasse em seu inimigo,
pois, penso que ninguém em seu pleno juízo arriscaria atacar a Deus sem no
mínimo saber mensurar suas capacidades e as dele.
Diabo: Sabe, é que na verdade eu não luto contra Deus, não dá.
Amigo: Para mim o maior dos poderes seria o de soltar raios, ter super-
força ou garras que cortam tudo e outras coisas do mesmo tipo, por ai...
Diabo: Sim, mas e se tivesse tudo isso e não pudesse usar? Entenda
que aqui não existe democracia, não posso realizar o que quero se tenho
apenas um pouco de controle.
Diabo: E quem não gostaria de ter tudo sobre controle? Para quem é
pequeno, coisas normais são grandes e coisas pequenas são normais.
Diabo: Não é isso, só estou dizendo que o único propósito que pode
ser realizado aqui é o de quem detém todo o poder. De acordo com este
esclarecimento não estou lhe dizendo que não tenho um propósito.
Amigo: Legal.
Filósofo: Que absurdo! Preste atenção no que você está falando, se for
mesmo assim como você diz, quando tomo uma decisão na verdade a estou
tomando sob decisões que outros já decidiram, desse modo a minha liberdade
estaria determinada.
Diabo: É quase isso. Quem faz o jogo também faz as regras do jogo e
estas são para os jogadores, logo, como poderão ser totalmente livres os
jogadores?
Filósofo: Quer dizer que você não tem planos? Que nem sequer pensa
em planejar, pois já está tudo planejado de antemão?
Diabo: Está louco? É claro que tenho planos e muito bem elaborados.
Só estou dizendo que aqui, para um plano dar certo cem por cento, você tem
que ser totalmente livre e para que isso aconteça tudo terá que estar somente
sobre a sua própria influência e isso é impossível. A total liberdade é apenas
um sonho de ser livre.
Filósofo: Quer dizer que somos livres apenas para sonhar com a
liberdade?
Diabo: Sim, pois uma ideia de liberdade não liberta, pelo contrário,
prende. A ideia de liberdade que o labirinto proporciona até funcionaria se não
existisse uma mensagem a incomodar muito o âmago de quem está nele,
mostrando que no lugar da liberdade existe apenas um desejo que evidencia
sua falta, um tipo de vazio do objetivo não alcançado. A mensagem diz: não
existe saída, não existe saída, não existe saída.
Amigo: Mas o ser humano, digo; o rato, ele é livre para fazer o que
quiser dentro do labirinto, certo?
Diabo: Olha, quase fui obrigado a retirar o que disse, mas, não o farei.
Diabo: Também.
Diabo: Ok.
Diabo: Seu idiota, você mesmo se contradiz quando fala que só não
está condicionado aqui pela guerra, porque aqui não há guerra.
Diabo: Notem que qualquer ação ou movimento que é feito, tipo; ficar
parado, cantar, lutar pela paz ou mesmo se suicidar para não obedecer ao
contexto da guerra, não os tornam livres, nem na guerra ou em qualquer outro
lugar.
Diabo: Estaria apenas confirmando saber que não é livre, mesmo tendo
várias alternativas no momento para escolher.
Amigo: Mas ele não era livre para escolher o que queria?
Diabo: Espero que percebam que não estou falando apenas sobre
esse contexto, notem que, quem escolhe o faz de acordo com o que lhe é dado
para escolher e se é uma liberdade que lhe é pressuposta, mesmo escolhendo
seu poder de escolha não o torna livre.
Amigo: Não sei, só sei que o que vocês falaram me fez lembrar de um
jogo de xadrez. Não sei quem inventou o jogo, as peças e as regras, só sei que
apesar de tudo isso jogo como eu quero jogar e quando quero, pois quando
não estou afim nem mesmo pensar no jogo eu penso, mesmo que ele exista
para ser jogado.
Amigo: Obrigado.
Diabo: Olha, vejo esperança para você, por isso, vou fazer algo por
você que jamais fiz por humano algum, só para ver se você alcança um nível
maior de esclarecimento.
Amigo: Verdade? Olha, acho que me enganei julgando que você era
um mau sujeito.
Diabo: Sim, iremos todos, mas antes tenho que lhes alertar sobre
algumas regras a fim de evitarmos problemas.
Diabo: Primeiro; teremos que ser rápidos porque esse poder é muito
limitado. Segundo; não interfiram na história tentando mudá-la.
Amigo: Maravilha! Como é bom ser livre para podermos explorar outros
contextos como bem entendermos.
Diabo: Não é bem assim e não pense que não entendi a indireta. Só
estou fazendo isso para vocês não ficarem muito abalados emocionalmente
quando se depararem com a verdade.
Filósofo: Guarde essa sua falsa piedade para você mesmo. Não ajuda
em nada tentar valorizar um conceito com um da mesma categoria.
Diabo: Logo que cheguei aqui notei que estava treinando, então
gostaria de saber se foi você mesmo quem escolheu estar aqui treinando para
uma guerra?
Samurai: Não importa onde esteja, a guerra sempre virá até você.
Amigo: Nossa!
Samurai: Sim, e lhe digo que das formas mais variadas possíveis, por
isso se quiser ser realmente livre prepare-se para ela.
Amigo: Não.
Samurai: Ou talvez você só esteja enganado, não vejo como viver essa
vida sem ser um guerreiro, algumas vezes até podemos escapar da morte, mas
da vida nunca escapamos.
Diabo: Falou tudo mestre.
Filósofo: Isso porque sempre o pior mal que nos acontece é o mal que
é feito por nós mesmos.
Samurai: Olha, se serve de consolo para vocês saibam que eu não luto
só com a espada, antes de lutar com ela tenho que lutar com as palavras.
Todos os dias tenho que encontrar as melhores para me vencer. Se eu não me
vencer não luto e se não luto, não venço.
Amigo: Não esquenta mestre, acredito que não faremos nada de boa
vontade enquanto não o fizermos segundo nossa vontade.
Filósofo: Sim, tudo isso que o senhor nos ensina é muito valioso, mas
não se preocupe mestre, como pode notar nós valorizamos a única “coisa” que
pode aperfeiçoar nossa existência; o conhecimento.
Samurai: Isso é maravilhoso rapaz, mas lembre-se: de nada adiantará
o conhecimento se não houver coragem, pois do que adianta a arma mais
poderosa do mundo nas mãos de um covarde? Tomem cuidado; ao adquirirem
essa capacidade não fiquem confiando cegamente nela e desconfiem até
mesmo de certas coisas certas.
Diabo: Nossa! Tenho que vim aqui mais vezes para conversar com
esse velhote.
Samurai: Sim você tem razão, mas não se engane. Ver é importante,
mas o importante não está só em vê, está em entender o que vê.
Samurai: O vício de ser o mesmo sempre; esse sempre será o pior dos
vícios.
Diabo: Muito obrigado mestre por seus ensinamentos, era isso que
precisávamos saber. Boa luta pela liberdade para você.
Filósofo: E o que é?
Filósofo: Realmente.
Amigo: Não!
Jovem noiva: Que absurdo! Todos sabem que não temos esse direito,
o direito de escolha pertence a nossos pais, assim, fomos dados em
casamento um para o outro quando ainda erámos crianças.
Jovem noiva: Sim muito feliz. Quem não ficaria? É um privilégio ser
escolhida para casar com alguém.
Diabo: Mas você não gostaria de ter escolhido o seu futuro marido?
Jovem noiva: Escolhido? De onde você tirou esse absurdo? Isso não
existe. Mulher alguma pode escolher seu futuro marido, isso seria antinatural e
uma verdadeira desonra para com a sua família.
Diabo: Desculpe, mas não vimos. E falando nisso, onde está o inútil do
seu amigo?
Diabo: Senhorita foi um prazer a conversar, mas agora temos que ir. É
que temos que procurar uma certa pessoa.
Diabo: Essa encrenca é nossa, então vamos ter que resolver sozinhos.
Diabo: Mas você é tapado mesmo, em? Já não lhe falei que meus
poderes estão limitados?
Filósofo: E agora?
Diabo: Não seja idiota, não vê que estão nos perseguindo por causa da
irmã da Jovem noiva?
Diabo: Estou achando que isso tudo tem haver com o idiota do seu
amigo.
Filósofo: Eu não acredito, ele não seria capaz de fazer uma coisa
dessas, não ele, jamais sequestraria alguém.
Diabo: Sim, também acho, mas isso não está parecendo sequestro.
Diabo: Olha...
Pai da irmã da Jovem noiva: Vocês não me enganam. Levem eles para
a praça principal.
Diabo: Se eu pegar o seu amigo vou levá-lo diretamente pro inferno por
ter colocado a gente nessa enrascada.
Filósofo: Calma, acredito que se foi mesmo ele, deve ter uma boa
razão para isso.
Diabo: Maldita hora que aceitei esse pacto com esses dois idiotas.
Filósofo: A culpa é sua, mas eu te perdoo.
De repente um silêncio.
Amigo: Eu? Mas como se foi ela quem me obrigou a fugir com ela.
Irmã da Jovem noiva: Não precisa, deixa que eu explico. Papai é tudo
minha culpa, fui eu que o convenci a fugir.
Pai da irmã da Jovem noiva: Mas como isso é possível? Tenho certeza
que foi ele quem enganou você contando mentiras.
Irmã da Jovem noiva: Não, não foi papai. Fui eu que ao vê-lo pela
primeira vez Já o amei, então conversamos e concordamos em vivermos juntos
para sempre.
Diabo: Que loucura! E eu que nunca acreditei em amor a primeira vista.
Filósofo: Cale a boca, você não vê que estou tentando tirar a gente
dessa encrenca.
Pai da Irmã da Jovem Noiva: É verdade isso que ele falou? Diga! Se for
mesmo verdade ainda estou disposto a reconsiderar e esquecer tudo, mas de
outra forma, para não magoar mais minha filha você terá que se casar com ela.
Diabo: Ferrou.
Filósofo: Meu senhor; peço sua permissão para falar com o meu amigo
em particular por um momento.
Filósofo: O que foi, ficou maluco? O que eu fiz para você me tratar
assim?
Amigo: Você ainda pergunta? Não reparou que em todas as suas falas,
nenhuma única vez você se preocupa com o que eu sinto? Com o que é
importante para mim?
Amigo: Prove.
Diabo: É, prove.
Diabo: Que lindo, eu sabia que o que sentiam um pelo outro era muito
mais que simples amizade.
Filósofo: É claro que sim, mas como irmão, na verdade você é muito
mais que um irmão para mim... É a única família que eu tenho.
Diabo: Nossa isso foi lindo. Agora ouça seu irmão e volte para casa
seu idiota.
Amigo: Não, porque ele disse que o que nós sentimos não é amor
verdadeiro. Eu vou ficar aqui, podem ir sozinhos.
Filósofo: Nós não iremos sem você. E seja sincero com você mesmo,
você sabe mesmo o que é o amor verdadeiro? Tem certeza que o que você
sente não é algum tipo de força ou fraqueza que o domina? Ou até mesmo um
tipo de vício, virtude, prazer ou paixão?
Amigo: olha, o que sei a respeito dessas coisas é o que aprendi com
você.
Filósofo: Mas de que lado você está? Não vê que podemos ficar presos
aqui para sempre.
Pai da irmã da Jovem noiva: Ainda tem alguma coisa a falar? Pois se
não tiverem, já vamos indo.
Pai da irmã da jovem noiva: Seja breve, não suporto mais ficar aqui
ouvindo tanta besteira.
Amigo: Se nossa missão é amar, não nos frustremos pelo resto então,
já que uma vida conduzida pelo amor não se limita as circunstâncias.
Filósofo: Desisto; agora eu sei que é realmente impossível definir a
alma de outra pessoa. Ele está preso nesta ilusão.
Filósofo: O que?
Filósofo: Tudo bem, eu admito minha derrota. Que seja feito como
deseja meu amigo, mas nunca esqueça que jamais me esquecerei de você.
Amigo: Igualmente, mas antes tenho algo importante para lhe dizer.
Saiba que você é muito inteligente, mas não tente parecer brilhante a todo
instante, isso só acabará colocando mais escuridão em sua vida. Só podemos
em parte brilhar, mas não totalmente. Não queremos, mas quando refletimos
honestamente admitimos que até no mais brilhante dos homens, ainda há
escuridão.
Pai da irmã da jovem noiva: Não, não é isso. Eu acho que o amor
transforma idiotas em poetas geniais.
Diabo: Está?
Amigo: Guerra?
Amigo: Sim, luto na vida pra sobreviver. Quer luta maior que essa!
Amigo: Ai que dor no coração. Muitos dizem que a alma está dentro do
corpo, mas eu discordo. Ela está fora, pois ao perder você, perdi também a
minha alma meu amor. Todos morrem, mas nem todos ao viver, vivem.
Diabo: Enlouqueceu de vez.
Diabo: Chegamos?
Pai da irmã da Jovem noiva: De que vocês devem morrer. Matem eles!
Filósofo: Corram!
Filósofo: Sim.
Amigo: Não.
Diabo: Não seja tão dramático. O problema é que você ainda não
conhece bem as mulheres.
Amigo: Sei, mas não sei se posso continuar sabe, é que estou
realmente muito mal.
Filósofo: Meu amigo sei que esta possivelmente é a maior dor que já
enfrentou, eu entendo, mas entendo também que você é a pessoa que possui
a maior capacidade de perdoar que eu conheço.
Diabo: Ora, no final tudo o que importara mesmo para você, foi que
você realmente amou.
Filósofo: Reaja meu amigo, note que as pessoas podem nos ferir e de
várias formas nos fazer o mal e a culpa realmente é delas, mas a
responsabilidade por se reconstruir, superar todo o mal e ser feliz é nossa.
Filósofo: Olhem!
Diabo: Quer dizer que é isso que você gostaria de ser, um ferreiro?
Diabo: Muito obrigado jovem. Era só isso que queríamos saber, adeus.
E mais uma vez viajando no tempo, desta vez foram parar em uma
época mais atual no mesmo continente.
Diabo: Vejam só, aqui estamos, lar doce lar!
Amigo: É o inferno?
Diabo: Ok, agora parem, eu não os trouxe até aqui para isso; apenas
para ver roupas extravagantes e coloridas.
Amigo: Não?
Diabo: É claro que não. Esse modo de se vestir e falar não é só uma
moda, é muito mais que isso, sacou bicho.
Amigo: Á, tá.
Diabo: Sim.
Diabo: Legal bicho. Então, esse teu jeito de se vestir; foi você mesmo
quem escolheu? Blusa amarela toda estampada com flores, calça boca de sino
e sapato plataforma... Por aí.
Diabo: Falou e disse, é claro que eu manjo bicho! E é por isso que é só
isso mesmo que eu queria te perguntar, valeu.
Diabo: E, aí?
Amigo: E, aí o que?
Amigo: Não sei ele, mas eu achei a maior doidera vocês dois bicho.
Filósofo: Lógico, como poderia afirmar por você? Para mim liberdade é
o ordenado que posso modificar e a falta que posso preencher. É o ordenado
que reordeno de acordo com minha própria ordem, pois para mim, mesmo que
já esteja de antemão ordenado é aleatório até que eu mesmo dê o sentido e a
ordem das coisas, reorganizando-as do meu jeito, mesmo em meio a uma
guerra no labirinto.
Amigo: Mas é claro que ele é! Meu amigo não ligue para o que o Diabo
está dizendo, ele é um invejoso que não pode dar razão pra ninguém. Ele só
está tentando lhe confundir assim como fez comigo.
Filósofo: Bem, meu amigo diz que eu sou então eu acredito nele.
Diabo: Está vendo? Como pode alguém usar a liberdade para se tornar
livre?
Filósofo: Faz sentido, mas para mim o ser humano não deseja ser livre,
pois já é. O que acontece é que o mundo a todo instante tenta lhe tirar a
liberdade e ele luta constantemente para não perdê-la. O que ele não admite é
perder algo que ele já tem.
Filósofo: O que noto a respeito dessa afirmação do ser humano não ser
livre é que na verdade o que você chama de desejo de ser livre, não passa do
uso normal de sua liberdade para continuar livre do que não deseja, para
sempre ter o que tem; sua liberdade. O que você chama de busca é apenas o
exercer normal, tipo; antes de colocá-la em prática no mundo externo, ele á
pratica no seu mundo interior através da verificação, mesmo que não coloque
muitas vezes em prática no mundo exterior.
Diabo: Como pode ser livre alguém que está sempre preso na
incerteza e na dúvida? Poderia me dar o exemplo de alguém que chegou ao
ponto de ter plena certeza de quem ele é? Os seres humanos diante das
experiências de nível de identidade não estão sempre perguntando para si
mesmo, perdidos; esse sou eu ou será que sou apenas alguém que está sendo
para um dia ser quem realmente é?
Amigo: Realmente, inclusive estou muito perdido agora; não sei mais o
que quero, onde estamos e sobre o que vocês estão falando.
Filósofo: Mas...
Diabo: Ou seja; outro diz para ele quem ele deve ser e ele acredita
nesse outro plenamente. Olha, a liberdade é como a felicidade; nunca existiu,
não existe e nunca existirá um ser humano plenamente feliz.
Diabo: Mas você é teimoso mesmo, em? Não vê que do mesmo modo
que a felicidade plena não existe, também não existe e nunca existirá ser
humano plenamente livre? Isso não passa de um idealismo idiota formulado
por uma pobre alma angustiada que desejava si ver livre de sua própria
angustia. Basta perguntar para qualquer ser humano que se diz livre, se ele
sofre de alguma angustia, e ele lhe dirá que sofre e que deseja si ver livre dela.
Filósofo: Sabe como é né? É que pega mal pra caramba um cristão
ficar trocando umas ideias com o Diabo. Se minha mãe souber disso ela me
mata.
Amigo: Você é maluco? Tem medo de sua mãe e não tem desse
sujeito?
Amigo: Verdade.
Filósofo: Ok.
Diabo: Tudo bem, você tem razão. Concordo que o exterior às vezes
possa ser apenas um fator condicionante, mas o problema maior não está fora
do ser humano, está dentro dele. Deixe um ser humano sozinho sem nada
exterior que lhe domine, e garanto que mesmo assim se sentirá dominado.
Amigo: Só isso?
Diabo: Sim, todo o agir humano é reduzível a uma infindável busca por
algo que o confirme como um ser de grande importância, de incalculável valor.
Sem essa dinâmica externa sente que não é nada e que precisa
desesperadamente ser alguém. É capaz até mesmo de negociar a alma para
alcançar esse objetivo de prazer.
Amigo: Triste.
Amigo: Nossa!
Diabo: Sim, e digo mais. Por fim, se sentirão dominados pela falta do
que nunca conseguem alcançar.
Diabo: Mas é claro! Quando você ouvir o ser humano declarando que
está livre de alguma coisa é porque já se prendeu a outra, e a essa nova prisão
dá o nome de liberdade.
Amigo: Concordo.
Amigo: Agora fiquei com medo. Você ouviu isso? Ele considera você
como um discípulo.
Diabo: Mas é claro que é. Imagine que lhe desse todas as respostas
prontas como se fosse preencher a um recipiente vazio, a isso não poderíamos
denominar dinâmica de aprendizagem, já que você estaria apenas adquirindo
algo pronto e acabado e sem elaborar suas próprias respostas.
Filósofo: Verdade.
Amigo: Não se preocupe com isso, nesta área ele não precisa de suas
dicas. Ele sempre escreve para aqueles que possuem mentes de eternos
aprendizes, que não querem algo pronto e acabado, mas algo que os coloque
a caminho.
Amigo: É complicado.
Diabo: É, mas não pense que foi tudo fácil ou divertido, ele como amigo
é um amor de pessoa, mas como mestre na hora de passar as sementes do
conhecimento, nunca vi homem mais bruto! Só de lembrar meus olhos
lacrimejam.
Amigo: Continuo não entendendo.
Diabo: E aí que só fui ficar melhor bem mais tarde, quando conheci
Freud. Mas deixa isso pra lá, voltemos ao que realmente interessa.
Filósofo: Deste modo, Deus quis dizer; ajam sem mim, sem minha
interferência?
Filósofo: Mas, será que Deus agiria assim? Digo, Ele não sabia que o
ser humano não daria conta? Que não tinha capacidade para arcar com tão
grande responsabilidade? O que Ele poderia esperar? Que saísse tudo perfeito
sem Ele?
Diabo: Então, suas respostas são interessantes, mas notem que vocês
não estão sabendo mensurar a grandeza de tudo isso nem contextualizar
direito. Digamos que pelo poder da guerra, eu conquistasse todo o mundo, mas
Deus não é Deus porque conquista, Ele é Deus porque tem o poder de fazer e
desfazer o que bem entender, e isso se aplica a tudo e a todos sendo que nada
do que existe, existe para si e por si. Deus criou tudo.
Amigo: Nossa! Então, para que diabos você serve, apenas para colocar
o mal nos seres humanos?
Amigo: Então me diga de onde veio o mal que habita nos seres
humanos? Não me diga que é do livre arbítrio.
Amigo: Senhor Diabo, poderia então nos dizer qual a verdadeira origem
do mal?
Filósofo: Ora, é obvio que ele está falando sobre o mal metafísico,
aquele que é a causa de todos os outros tipos; do natural, do moral e outros.
Ou seja, ele está falando sobre o mal primeiro.
Diabo: Ok. Que efeito positivo teria certas ações de alguém que não
passa de um enganador malvado?
Diabo: Pois é, muitos acreditam que sou assim, mas não sou.
Filósofo: Á é isso? Não se preocupe, pois mesmo que você seja mau,
nós vamos ouvi-lo.
Diabo: O que?
Amigo: Então, porque você fica tão chateado comigo se sempre sou
verdadeiro com você?
Amigo: Sim, com certeza. Mas quem mente não está sendo falso?
Filósofo: Como disse antes; não mentimos por mentir, mentimos para
realizar nossas verdades.
Diabo: Era exatamente isso o que eu estava tentando dizer até os dias
de hoje, mas ninguém me entende. Todos pensam que sou totalmente
mentiroso.
Amigo: Nossa que triste, mas não se preocupe nós acreditamos em
você. Não é?
Amigo: Viu? Já não precisa ficar tão triste. Poderia então voltar a nos
explicar o que pretendia?
Diabo: Não é bem assim. Saiba que aquela árvore nem era minha, era
de Deus, e Ele jamais colocaria algo que era meu no jardim Dele, pois se o
fizesse teria que me considerar cocriador juntamente com Ele.
Amigo: Nossa!
Diabo: Mas, não é assim? Desse modo, quero lhe dizer sem desvios
que só existe uma fonte do mal: a árvore de Deus.
Diabo: Mas, como isso seria possível? Para ensinar eu teria que saber
o que é o mal, e como eu já lhe disse; só tem o conhecimento sobre o mal
quem comeu do fruto da árvore proibida, e eu não comi.
Filósofo: Sim.
Amigo: Cara, se não fosse você falar eu nunca teria percebido isso.
Diabo: Mas, já que ele lhe fez o mal, porque você não pede para Deus
lhe vingar? Aliás, se eu fosse você pediria justiça agora mesmo, por isso, não
perca tempo, peça justiça de Deus.
Amigo: Poxa, que Diabo legal.
Filósofo: Não!
Filósofo: Quem perdoa já não necessita que sempre a justiça seja feita
para que se sinta em paz, pois o perdão nesse caso é superior à justiça.
Diabo: Neste sentido que você fala, quando alguém clama por justiça é
porque simplesmente ainda não consegue perdoar?
Amigo: Viu?
Diabo: Olha, tudo isso é muito bonito e chega até á ser poético, mas,
por exemplo: se alguém roubar, matar ou cometer qualquer outro crime grave e
não pagar pelo seu erro, recebendo só o perdão sempre, isso é justo?
Filósofo: É...
Diabo: E se o juiz responsável pelo julgamento não der a sentença na
medida certa, de modo que perdoasse sempre sem cobrar nada, seria ele
justo?
Filósofo: Até podia ser, se Jesus não tivesse morrido na cruz pagando
o supremo preço por todo erro e pecado, seja de quem for, contanto que se
arrependa verdadeiramente e aceite que Ele pague. Do contrário, pagará por si
mesmo o preço. Nada fica impune diante de Deus.
Diabo: Tudo bem, mas lhe digo que ainda estamos longe de atingir o
nosso propósito, pois logicamente os demônios não são a origem do mal.
Filósofo: Explique.
Diabo: Vocês já ouviram em algum lugar sobre Deus dar ordens aos
demônios?
Diabo: Quem você acha que dá ordens aos demônios para que não
destruam tudo, permitindo assim que destruam só um pouco? Certamente não
sou eu.
Filósofo: Deus?
Diabo: Sim.
Diabo: Sim, não é absurdo o que estes idiotas fazem? Não podemos
confiar mais em ninguém hoje em dia.
Filósofo: Não meu amigo, por esse problema não ser simplesmente
uma questão de ação, mas de natureza. Quando estes sujeitos não estão
fazendo uma ação maligna, não quer dizer exatamente que estão fazendo ao
mesmo tempo o bem, pois dentro deles não há o bem, mas sim fora, em quem
os manda parar.
Amigo: Certo, Deus jamais daria ordens para que fizessem o mal.
Diabo: Calma, não queiram ser inocentes. Entendam que quando Deus
dá ordens aos demônios, eles sempre obedecem por Ele está sempre
presente, nunca ausente.
Amigo: É... Então quer dizer que nada está distante de Deus e Deus
não está distante de nada?
Filósofo: Isso.
Amigo: Mas se é assim, continuo sem entender.
Diabo: Verdade.
Amigo: É isso que não entendo, porque Ele fica dando apenas algumas
ordens temporárias que só param o mal por alguns instantes, em vez de dar
ordens definitivas.
Diabo: Verdade.
Diabo: É justamente nessa hora que dá ordens aos anjos para que
combatam os demônios para que não façam o mal. Por isso, revelo agora para
vocês mais um grande segredo: no mundo superior espiritual, Deus nunca
deixa que o mal aconteça, mesmo que exista.
Amigo: E mais uma vez, nós temos mais uma mentira contada pelo
tataravô da mentira.
Amigo: Absurdo!
Diabo: Você já ouviu falar sobre a morte de algum anjo ou demônio por
causa dessas eternas batalhas? Você pensa desta forma porque é mortal,
nasceu á pouco tempo e muita coisa lhe é novidade, mas para quem é eterno
com o tempo não há mais o que se inventar, então ficamos sempre repetindo
as mesmas coisas.
Amigo: Da maneira que você fala faz parecer que os demônios nunca
conseguem fazer o mal, mas no tempo em que Jesus esteve na terra, eles
agiram.
Filósofo: Qual?
Diabo: Vou dar um exemplo para que entendam: como alguém prova
que é realmente um médico? Quando apenas fala que é ou quando cura
alguém através da medicina?
Diabo: Do mesmo modo aconteceu. Como poderia Ele provar que tinha
poder sobre as doenças, sem doenças? De ressuscitar sem a morte? E
evidentemente, como poderia provar que tinha poder sobre os demônios sem
demônios?
Amigo: Quer dizer que tudo não passa de uma peça de teatro?
Diabo: O que você acha? Nunca ouviu falar que tudo está sob o
controle de Deus?
Diabo: Sei como é eu entendo. Mas tudo isso que está sentindo é por
causa de sua programação religiosa que o deixa em conflito, isso é normal, e
lhe digo que daqui você não passa. Sua programação de medo que produz
culpa não deixará.
Diabo: É isso ai é assim que se fala garoto, vamos em frente você tem
garra. O que mais quer saber?
Diabo: Sim.
Amigo: Mas como? Já que Ele é contra o mal?
Amigo: E como quer que larguemos o uso de algo que Ele mesmo
ainda considera útil? Digo; se Ele quisesse já o teria eliminado de vez.
Amigo: Então algo não está certo, pois, se Ele mesmo que é puro bem,
não descartou o mal de vez, como espera que descartemos se Ele mesmo não
dá o exemplo.
Filósofo: De certa forma não, pois o mal é inútil, mas nada que é inútil
continua inútil nas mãos de Deus. Explico: às vezes nos apegamos a coisas
inúteis quando não temos nenhum objetivo importante em mente, deste modo,
continuamos a tornar o inútil, inútil.
Amigo: Logicamente.
Amigo: Não.
Filósofo: Note que os úteis só são úteis porque sabem lidar bem com o
inútil. Nas mãos de Deus nada fica inútil, Ele faz com que o inútil tenha
utilidade. É por isso que neste sentido digo que para Deus não existe o Mal.
Amigo: Verdade, então é por isso que o que o Diabo mais quer é a
minha alma.
Amigo: E não é?
Diabo: Já disse que não. Diria que para mim ela é inútil.
Amigo: Interessante.
Filósofo: Também significaria que já não era Deus, pois essa dinâmica
externa o havia mudado, e Deus para ser Deus não pode mudar porque Deus
não muda.
Amigo: Nossa!
Filósofo: E digo mais; Ele não poderia mais ser Deus, pois já não
controlava mais a si mesmo, mas sim outro. Ora; um Deus que entristece por
causa do que o outro lhe fez, não está sendo controlado por esse outro? E o
que faria alguém que fosse lhe pedir para curar sua tristeza e percebesse que
Deus estava triste, sem curar a tristeza que outro lhe causara.
Amigo: Absurdo!
Filósofo: Também.
Filósofo: Para mim é apenas um lugar, mas quem vai para lá? Pessoas
boas e criancinhas inocentes? Porque se for, então Deus é realmente mal. Mas
acredito que não é bem assim, não é?
Diabo: Depende.
Amigo: Certo.
Filósofo: E agora?
Filósofo: Simples; o mal passou a não ser mais utilizado por mim.
Filósofo: Bem, para provar isso, basta você me mostrar onde ele
continua existindo em mim, já que tudo que não é inutilizado continua. Em que
lugar ele está, será que foi transmitido para outro? Parece que não.
Filósofo: Sim, e nesse caso, digo; do mal inútil, é muito útil quando
continua inútil.
Amigo: Sim, queremos. Mas ainda continuo sem entender como todas
as coisas estão sob o controle de Deus, já que Ele não poderia ser Deus se
não controlasse todas as coisas.
Filósofo: Ora meu amigo, mas isso é muito fácil de entender, veja bem;
o controle de Deus se dá conforme a sua vontade, certo?
Amigo: Certo.
Filósofo: Logo, Ele segundo sua vontade controla o que quer e não
controla o que não quer também, tudo isso segundo sua vontade que controla
tudo. Com isso, percebemos que o que não está sendo controlado só assim
está porque é de sua vontade que assim esteja, por isso, também não deixa de
estar sob seu controle. Logicamente que o que assim está é porque também
está sob controle. Se algo está descontrolado é porque Ele assim decidiu
controlá-la.
Amigo: Certo.
Diabo: Seu maluco desorientado! Ele não sabe o que diz e nem eu
mesmo entendi o que ele disse agora. Quer um concelho garoto, pare de dar
ouvidos ao seu amigo.
Amigo: Já?
Diabo: É claro que não seu idiota metido! Nunca dariam conta. O
problema do mal vai muito além dos demônios.
Filósofo: Você também quer dizer que vai além dessa sua narrativa,
não é?
Filósofo: Sim.
Diabo: Seria porque Deus envia mais anjos para certos lugares os
defendendo mais do á outros? Ou será porque existem mais demônios em uns
lugares do que em outros?
Diabo: Digo-lhes que não, e que estando preparados ou não desta vez
vou lhes revelar verdadeiramente qual é a fonte de todo o mal na terra.
Diabo: Quase seu idiota. Na verdade, tudo que disse antes era só uma
preparação para esse momento.
Amigo: Sei.
Amigo: Sim.
Filósofo: Interessante.
Amigo: Desculpa! Você agindo assim parece até que está falando de si
mesmo.
Diabo: Não peguei não. Note que por serem extremamente limitados
de conhecimento, quando se deparam com alguma situação um pouco mais
difícil, já pensam logo em desistir da vida.
Diabo: É, mas tenho que admitir que alguns desses comuns quando
notam seu nível comum, digo, quando percebem que é desse nível que provem
seus sofrimentos, pelo esforço se superam e deixam de sofrer os males dessa
categoria, tornando-se mais inteligentes e até geniais.
Diabo: Mas não fique tão animado, esses casos são raros.
Amigo: Maravilha!
Filósofo: Já acabou?
Diabo: Não, ainda existe outro nível, o das pessoas geniais. O mal
quase não as afeta por estarem nesse nível, eles são aqueles sujeitos
obcecados por seus supremos objetivos, quase não enxergam o mal. Suas
visões são superiores as das demais pessoas. O importante para eles é
sempre uma vida superior, isso faz com que não se envolvam nos problemas
em que a maioria está envolvida, excluindo assim todos os tipos de empecilho
que possam atrapalhá-los em seu caminho. Evitam distrações emocionais a
todo custo. O que não contribui é automaticamente excluído.
Diabo: Note que estas pessoas alcançam este nível por saberem que o
problema do mal é normal, e que o perfeito em um mundo imperfeito é que
existam mesmo as imperfeições. Nada mais natural para elas.
Amigo: Nossa!
Filósofo: Mas sendo assim o mal varia de acordo com cada nível de
conhecimento, como cada um o enxerga.
Diabo: Sim, esse mal que só você consegue enxergar desse modo,
esse é o seu mal que é somente seu e de mais ninguém.
Diabo: É um tipo de visão que serve de base para uma ação. Cada um
o enxerga de um modo diferente e ninguém consegue enxergá-lo da mesma
forma e em sua totalidade.
Amigo: Como assim que pergunta? A que eu fiz á pouco: qual a origem
do mal?
Diabo: E como eu disse; para mim você tem um problema. Você quer
conversar um pouco sobre sua infância? Qual o sentimento ruim que mais lhe
incomoda? Quando dorme a noite, você sente que uma sombra sempre tenta
lhe agarrar?
Filósofo: Não queira ser esperto tentando nos tapear com essa
conversa cheia de sofismas e falsas premissas, nós sabemos que a árvore que
Deus deixou no jardim não era a fonte do mal, era apenas uma fonte de
informação e conhecimento. Tão poucas essas outras afirmações que você fez
são a fonte do mal.
Amigo: É isso mesmo. A fonte do mal é outra coisa.
Diabo: Veja bem o que fala, pois só é possível esse mal gerado por
esse amor se existir o objeto no qual deva ser amado juntamente com ele.
Filósofo: Para essa teoria ser verdadeira o dinheiro e o mal teriam que
ter surgido ao mesmo tempo, mas como nós sabemos, o mal é bem mais
antigo.
Diabo: Gênio!
Amigo: Sério mesmo que você concorda com a gente? Essa foi fácil.
Religioso: Quero dizer que faz sentido vocês pensarem assim, pois não
entendem os mistérios da palavra de Deus, por isso interpretam tudo errado.
Diabo: Poderia então por gentileza nos iluminar com sua interpretação
divina?
Religioso: Mas é claro! A interpretação divina diz que não devo andar
no meio de pessoas como vocês e que não devo dar nada de valor a quem não
reconhece. Adeus!
Amigo: Ué, mas Jesus não fez isso? Teria Ele errado?
Diabo: Seus idiotas, ele não está falando de dinheiro em si, mas sim de
poder.
Diabo: Mas agora voltemos para onde havíamos parado. Como dizia
antes, eu só estava fazendo um teste para verificar o nível de atenção de
vocês, se estão mesmo interessados no assunto, só isso, não precisam ficar
tão chateados.
Filósofo: Olha meu amigo, ele não quer responder então deixa comigo.
O Diabo falou de algumas prováveis fontes do mal e afirma ser á árvore a
principal, mas nós sabemos que enquanto ela estava no jardim sem a presença
dele, nenhum mal aconteceu. O mal só veio a atingir o ser humano e o mundo
depois de suas ações no jardim. Por isso, ele é a fonte de todo o mal.
Diabo: Não é isso, vocês estão entendendo tudo errado. Mas não se
preocupem, nós vamos chegar a uma solução juntos.
Filósofo: Mas não acredito que você não saiba, na verdade tenho
certeza que você é á fonte do mal.
Diabo: Olha, será que você não está me confundindo com outro ser
não, ao querer que eu saiba de tudo?
Filósofo: É...
Diabo: E você está maluco, achando que eu sou a fonte do mal. Antes
de ser promovido a Diabo eu era querubim da guarda real, e se já existia uma
guarda real antes de toda aquela confusão no jardim, da queda do ser humano
é porque já existia um mal muito antigo a ser combatido.
Amigo: Nossa!
Diabo: Pensando bem, quem deveria saber sobre esse assunto é você
mesmo.
Filósofo: Eu?
Amigo: Verdade.
Diabo: Ótimo!
Filósofo: Pronto!
Diabo: Preste muita atenção na questão e no que diz. Você acha que
consegue fazer isso?
Diabo: Então, quando você declara que é bom, com isso você quer
dizer que só pratica o bem e nunca o mal?
Filósofo: Não, espera. Sou bom, mas ás vezes faço um pouco o mal.
Diabo: Humm... Note então que você não é bom, apenas quer ser bom,
pois quem é não faz o mal. Quem realmente é bom, não quer mais ser bom,
porque já é.
Diabo: Se quer ser bom é porque ainda não é, pois se é, não deseja
ser. Lembre-se: só desejamos ser o que ainda não somos.
Filósofo: Discordo, pois quem é mal não faz o bem, não tem
capacidade de fazer o bem e eu faço.
Filósofo: Ok.
Filósofo: Olha...
Diabo: Quando alguém lhe faz um mal, qual a sua primeira reação?
Perdoa logo de primeira ou fica indignado questionando a injustiça
sentindo um tipo de mal estar, talvez até pensando em uma pequena
vingança que algumas vezes você nomeia de justiça? Quando alguém
lhe faz o mal, suas indignações duram, segundos, minutos, horas, dias
ou anos? E quanto dura o seu amor pelo próximo quando este te
decepciona?
Filósofo: É que...
Amigo: Valei-me...
Diabo: Calma! Quando você faz o bem, sente-se bem por quanto tempo
até se sentir mal e precisar novamente praticar o bem para poder se sentir
bem? Ou o bem é tão natural em você que você nem nota quando faz? Você
pratica o bem porque faz bem pra você ou porque é bom para todos? Você se
preocupa tanto com a questão de ser bom que ás vezes se sente um pouco
mal por não ser tão perfeitamente bom como deveria?
Filósofo: Olha; você só está enrolando com essas perguntas, pois elas nos
distanciam de nosso objetivo.
Filósofo: É claro que não! E por favor, você poderia deixar de enrolar?
Diabo: Não estou enrolando. Você sabia que estas questões são muito
importantes?
Filósofo: Sim, é claro que são. Mas não levam ao que precisamos descobrir.
Amigo: Isso.
Diabo: Ok, considerando que nem eu e nem a árvore são as fontes do mal, o
que ou quem poderia ser então?
Diabo: Para mim, onde se encontra o mal, ali também está á fonte do mal.
Amigo: Não que eu mais uma vez não tenha entendido, mas, poderia explicar
melhor?
Filósofo: Sim.
Diabo: Se o mal provém de uma natureza, jamais poderá ser causado por algo
que não seja essa natureza, ou seja, de modo algum poderá ser causado por
algo diferente e externo a ela.
Filósofo: Lógico.
Diabo: O ato deve ser atribuído a quem tem a natureza e a mais ninguém, não
podendo variar ou transformar-se no seu contrário.
Diabo: Podemos dizer que quem pratica este ato o faz pela natureza maligna
que está nele?
Diabo: Poderia ter o mesmo ato quem tem uma natureza boa dentro de si,
dizendo que esse ato foi um bem e não um mal?
Filósofo: De modo algum, pois o ato mal deve pertencer a quem tem a natureza
má. Como o bom poderá ser chamado bom se adotar um ato contrário à sua
natureza, ou seja, um ato mal?
Diabo: Vou dar um exemplo; Deus várias vezes deu ordens aos seus para que
matassem, e estes assim o fizeram.
Amigo: Mas como pode isso? Deus não é contra essa prática?
Filósofo: Você quer dizer que praticaram tal ato, não segundo a alguma
natureza maligna que estava neles, mas segundo uma ordem externa, não é
isso?
Filósofo: Aparentemente sim, mas desse modo não estaríamos dizendo que o
mal e o bem estariam fora do ser humano por acontecer não de acordo com a
natureza que está nele, mas sim, de acordo com uma lei que está fora
determinando o que é o mal e o que é o bem segundo sua vontade?
Diabo: Você finalmente entendeu. Não é a natureza que está no ser humano
quem determina alguma coisa, pois no final das contas, quem é o ser humano
para determinar alguma coisa? É lhe dado algum direito de legislador?
Diabo: O matar não é um ato segundo uma natureza maligna, já que pode
também ser um bem segundo a decisão de Deus.
Filósofo: Segundo esta maneira de pensar o mal não possui natureza definida
até que Deus á defina, ou seja, quando Deus decide se o matar é um bem ou
um mal, está ignorando qualquer natureza que possa existir dentro do ser
humano, já que a verdadeira causa determinante está fora dele.
Filósofo: Sim.
Diabo: Mas não é assim que acontece? Já vi Deus nomear ao contrário quando
lhe convém, independentemente da natureza que está dentro do ser humano.
Amigo: Explique.
Diabo: Deus já ordenou a alguém bom que não estava sobre efeito de uma
natureza maligna e que não pretendia matar, a matar?
Diabo: Podemos dizer que esse homem que não desejava matar, mas matou,
era bom?
Filósofo: Sim.
Diabo: Quando obedece a Deus e mata, seu ato foi determinado por alguma
natureza que está nele ou por uma ordem externa a ele?
Diabo: Este pobre homem não parece que está agindo contra sua própria
natureza boa, que não deseja matar?
Amigo: Nossa!
Filósofo: Sim.
Diabo: Logo, percebemos que no ser humano não está á natureza
determinante do mal, mas apenas como na arvore algum tipo de informação,
pois para ser verdadeiramente uma natureza deve ser imutável e única fonte
determinante, mas o que está no ser humano não é uma natureza imutável e
determinante, já que sua ação pode ser moldada de acordo com leis externas.
Diabo: Muito bom, também podemos verificar essa mesma dinâmica em Deus.
Amigo: Prove.
Diabo: Estou falando sobre Ele somente agir segundo sua própria natureza,
sem ter nunca outra fonte determinante de suas ações, pois se tiver, isso quer
dizer que a fonte que há nele é insuficiente, incompleta ou que Ele não é
totalmente autodeterminante De si mesmo.
Filósofo: Sim, mas o que ele quer dizer é que; não há todo o momento e por si
mesmo.
Diabo: Isso, pois quem é bom a todo o momento, sempre faz apenas o bem á
todo instante, sem que precise que outro peça para que faça porque parou de
fazer.
Amigo: Interessante.
Diabo: E mais uma vez tratando-se de Deus, digo; de sua natureza boa.
Parece que enquanto alguém não se desesperar de dor e clamar por Ele, Ele
não atende. Novamente segundo a lógica de natureza, o certo seria que
ninguém precisasse se preocupar quanto a isso, pois ele sempre estaria agindo
bem segundo sua natureza boa incessante, sem que ninguém precisasse pedir
para Ele fazer algum bem.
Amigo: Odeio admitir, mas desta vez tenho que concordar com o Diabo.
Amigo: Sim.
Amigo: Geralmente eu oro para que Deus faça o bem pra mim.
Diabo: Então você ora para que Ele faça o bem certo?
Amigo: Certo.
Diabo: Logo, se você ora para que Ele faça o bem é porque o bem não está
sendo feito, correto?
Amigo: Sim, mas o que tem de errado nisso? Por acaso é errado orar?
Diabo: Não, é claro que não! Orar faz muito bem e eu mesmo oro muito. Sabe,
orar alivia o estresse.
Amigo: Então o que você quer falar com esse trocadilho, se não é errado orar
para que Deus me responda?
Diabo: Orar não é errado, errado é ter que orar para que Deus lhe responda
com o bem.
Amigo: Continuo sem entender. Não consigo encontrar erro algum, pois por
respeitar nossas escolhas é que Deus só atende quem ora.
Diabo: Não. Não porque Deus não age no nível de comportamento, Ele age no
nível de natureza.
Diabo: Veja bem, o agir no nível de comportamento sugere algo adquirido, algo
que pode ser mudado e desfeito. Algo que é diferente e inferior a uma natureza
e que possui causa determinante externa. Tipo algo que se adquire por causa
de outra coisa.
Amigo: Brilhante!
Diabo: E assim são todos os demais seres, Eles jamais se desfazem de suas
naturezas, não importando qualquer que seja a influência externa. Você
sempre e inconfundivelmente os achará as exercendo.
Amigo: Sim.
Amigo: Como eu disse antes, muito interessante, mas o que isso tudo tem
haver com Deus?
Diabo: Como podem os animais que são seres infinitamente inferiores a Deus
manterem-se totalmente fiéis as suas naturezas mediante todas e quaisquer
influências externas e Deus não? Sendo que, para que Ele exerça a sua
própria natureza sejam necessárias influências externas, tipo; oração, jejum,
campanhas e muitas outras?
Amigo: É também me parece esquisito.
Diabo: O certo não seria que Ele fizesse tudo segundo sua natureza sem que
precisasse de nossa influência? Digo, mesmo que ninguém nunca orasse,
jejuasse ou qualquer coisa do tipo, Ele continuasse a fazer o bem?
Diabo: Parece que não. Se for assim mesmo como você pensa, então faça o
teste. Faça algum tipo de mal terrível e veja se o tratamento Dele a seu
respeito não muda ou continua sendo o mesmo sempre. Ele sempre muda de
acordo com a mudança de vocês.
Filósofo: Calma! Eu não disse que concordo, apenas falei que estão bem
elaboradas.
Amigo: Concordo.
Amigo: Concordo.
Filósofo: Se Deus agisse sempre nesse tipo de natureza que você afirmou que
Ele deveria ter, isso seria agir contrário a sua natureza.
Filósofo: Tudo bem. Imaginemos a seguinte situação: uma pessoa que faz
sempre o bem e assim sempre recebe o bem de Deus, tipo; prosperidade,
proteção, amor, saúde, paz e muitos outros que lhe causam imensa felicidade.
Amigo: Porque é injusto que ele sendo agora mau, continue a receber o bem.
Filósofo: E o que significa para você esse receber sempre o bem da parte de
Deus mesmo sendo mal?
Amigo: Um mal.
Amigo: Sim, porque nesse caso, o bem para mim é que Deus lhe desse o mal,
já que ele o escolheu.
Amigo: Um bem.
Amigo: Sim.
Filósofo: Desse modo, podemos concluir então que Deus é sempre bom.
Diabo: São vocês que fazem o bem ou é Deus quem faz através de vocês? Se
for Ele quem faz, então não são vocês, e se não são vocês é porque vocês não
são bons, ora, percebam que quem não é bom é mal, e quem é mal vai para o
inferno.
Diabo: Simplesmente para serem bons, vocês terão que impedir que Deus faça
o bem através de vocês para poderem começar a fazer vocês mesmo.
Filósofo: Mais uma vez peço que vá com calma meu amigo, pois existe um
problema nesta afirmação; Deus é o próprio bem e não existe bem
independente Dele, logo quem o deixar, deixa o bem, e quem deixar o bem é
porque é mal, e quem é mal vai para o inferno.
Filósofo: Pare com isso, deixe de dar tanto crédito ao que ele diz. Já esqueceu
quem ele é?
Diabo: Isso nunca! Agora falando sério; De onde veio todo o mal?
Amigo: Desculpe-me, mas é que talvez ainda não tenha percebido que eu não
sei!
Diabo: Ok. Desta vez vou falar toda á verdade doa a quem doer; O mal veio da
imperfeição e a imperfeição veio de Deus.
Filósofo: Que absurdo!
Amigo: Poxa; então quer dizer que se Ele tivesse ficado quietinho sem fazer
nada, nada seria imperfeito?
Diabo: Perfeito! Já que a imperfeição não se criou por si mesma, mas Deus á
criou.
Amigo: Mas como é possível que um Deus perfeito crie algo tão imperfeito
como a imperfeição? Para que faria isso?
Filósofo: Um dos possíveis motivos é que a imperfeição é perfeita para que Ele
mostre sua perfeição, outro é porque só Ele pode ser perfeito.
Filósofo: Não meu amigo, não estamos. A saída é procurarmos ser sempre
semelhantes a Ele.
Diabo: Á sim; isso faz você pensar que esse modo de agir o faria sentir como
um pai orgulhoso a qual o filho deseja ser semelhante a ele.
Diabo: Mas não foi exatamente o que eu tentei fazer? Digo; desejei ser
semelhante ao Altíssimo, e olha o que aconteceu comigo!
Filósofo: Mas você sabe que, quem deseja ser semelhante, logicamente tem
que parecer com quem deseja ser, ou seja, tem que se comportar como Ele e
fazer as coisas que Ele faz, pois como poderia ser semelhante fazendo o
contrário?
Diabo: Mas é claro! De outro modo, se achasse que o ser semelhante não
fosse o melhor, diria: serei totalmente diferente do Altíssimo, pois ser diferente
é melhor que ser semelhante.
Amigo: Isso.
Diabo: Mas tenho que confessar mais uma coisa para vocês.
Amigo: Novidade.
Diabo: Estou só brincando com vocês sobre esta história de ser semelhante.
Amigo: Está?
Diabo: Sim, estou. Gostaria de saber de onde tiraram essa história que Ele me
castigou e rejeitou justamente por querer ser semelhante a Ele.
Diabo: Fico pensando sobre o que acham que Ele queria se me castigasse por
tentar me parecer com Ele. Iria então querer que eu fosse totalmente o
contrário? Digo, em nada parecido com Ele? Por acaso querer ser semelhante
a Deus é ruim? É um mal querer ser semelhante a Deus?
Filósofo: Claro que não é um mal. Quanto mais semelhantes a Ele, melhor nos
tornamos. É impossível alguém que se torne semelhante a Deus ser mal, já
que ser mal é o contrário.
Diabo: Esse é meu questionamento; por que acham que fui castigado por isso?
Digo novamente; por desejar ser semelhante a Ele? Não é o que todos os
seres humanos tementes a Ele desejam?
Amigo: Desisto.
Filósofo: Calma meu amigo, não seja tão inocente. Perceba que esse sujeito
não está só nos dando simples informações; está também nos tentando para
que desanimemos do caminho.
Diabo: Sim, e não deveria, mas vou lhes ensinar, isso é, se assim desejarem.
Diabo: E o que você está fazendo buscando tantas informações objetivas? Está
tentando ter fé através da razão?
Filósofo: Confesso que é quase isso, mas não estou tentando ter fé, estou
apenas tentando fortalecê-la.
Diabo: Como assim? Você quer ter como base de sua fé a razão? Creio que
você não alcançará seu objetivo.
Filósofo: Eu utilizo a razão sim, mas de modo diferente do que você pensa.
Diabo: Não importa, saiba que esta sua busca ainda está no início e é uma
tortura por estar com ela constantemente em sua mente.
Amigo: Vai com calma meu amigo, você não quer irritar esse sujeito, não é?
Diabo: Na verdade você tem fé garoto, mas não tem quem deseja ter.
Amigo: O que ele quis dizer com isso? Será que é o que estou entendendo?
Que, quem tem fé não tem á Deus? É isso?
Amigo: Isso é um absurdo! Como algo que me leva a Deus, pode ao mesmo
tempo me afastar Dele?
Diabo: Parece absurdo, mas não é. Note que, quando você tem fé, tem apenas
a esperança que um dia terá o que deseja, mas ainda não tem o que deseja,
logo quem tem fé, não tem á Deus, tem apenas uma esperança de um dia tê-
lo.
Diabo: Para vocês entenderem melhor, vou dar um exemplo. Olhem para esse
cetro que está em minha mão, preciso ter fé para tê-lo?
Diabo: Isso! Do mesmo modo Deus. Se realmente Ele estivesse aí do seu lado
agora, você ainda precisaria de fé?
Diabo: Mas é claro que não, já que a fé é uma busca e só continua a buscar
quem ainda não tem o que busca, pois quando tem, a busca cessa.
Filósofo: Entendo.
Diabo: A fé é uma coisa e Deus outra. Ter fé é só ter fé, e isso não é o mesmo
que ter Deus. Quem busca ou procura a Deus é porque ainda não o tem, ou
seja, tem apenas fé.
Diabo: Você gosta mesmo de á todo momento só ter fé? Ter fé é o mesmo que
ter Deus?
Amigo: Pra ser sincero, não. O que eu quero mesmo é a presença de Deus, e
não somente fé.
Diabo: Pois é né, realmente é triste. Já conheci muitas pessoas que de tanto
terem somente fé, acabaram perdendo a fé.
Filósofo: Para mim ela é mais que isso, ela é o caminho para encontrá-lo, é a
condição e não há nada mais natural que isso.
Amigo: Concordo, esse Diabo confunde muito as coisas, não consigo botar um
pingo de fé no que ele diz.
Filósofo: Não foi assim que aconteceu com todos os grandes homens de fé,
que tiveram um encontro com Deus ao longo da história? Partiram da confusão
ilógica pela fé aos poucos até que um dia o encontraram.
Amigo: Que tal mais uma viajem no tempo para refrescar a memória?
Diabo: De jeito nenhum, já esqueceu o que você fez da ultima vez? O trabalho
que deu pra gente?
Amigo: Prometo não fazer besteira dessa vez, mas, por favor, só mais uma
viagem.
Filósofo: Por mim tudo bem, mas só se eu puder escolher o destino, se não
nada feito.
Filósofo: Como estamos falando sobre fé, proponho que visitemos o pai da fé.
O que acham?
Amigo: Meu Deus! É quem eu penso que seja? Você está falando de Abraão?
Filósofo: Sim, e tem que ser no momento exato do sacrifício de Isaque, pois
não vejo momento melhor para aprendermos sobre a fé.
Diabo: Tudo bem, mas lembrem-se das regras; não interfiram na história. E
dessa vez faremos diferente. Ficaremos á distância apenas observando.
Filósofo: Ele não está falando de Abraão revidar, está falando do amigo que o
protege.
Diabo: Estamos falando de Deus seu idiota! É dele que estamos falando.
Diabo: Chegamos.
Diabo: Mas porque você está tão nervoso e dramático, não acha que está
exagerando?
Filósofo: É claro que não, você não reconhece à importância que a fé tem para
o entendimento do próprio indivíduo para consigo mesmo e sua vida em
sociedade? Estou assim porque aqui posso investigar sua relação com a razão
e provar sua superioridade.
Filósofo: Ok, para você pode ser, mas para mim a prática é o grande divisor
destes dois caminhos, levando em consideração que; com a razão é possível
teorizar sobre qualquer coisa ao mesmo tempo em que não se é obrigado ser
um praticante ou adepto, enquanto que pela via da fé não é possível sem ser
um praticante.
Filósofo: Sim com certeza! Vamos lá, já que sem o exemplo dele por mais que
eu fale, não passará de mera racionalização.
Filósofo: Vou lhe provar que a fé é o nível mais alto que o homem pode
alcançar e que está além até mesmo do próprio ideal de vida ética, que
geralmente é considerado como o melhor nível a ser alcançado.
Filósofo: O nível ético pode até proporcionar um bem viver, mas por ser apenas
uma realização alcançada através do cumprimento da lei moral, possui grande
limitação e esta é um dos principais impedimentos para alcançar o nível da fé.
Amigo: Vejam; ele está subindo o monte com o garoto. Então é mesmo
verdade o que falam sobre a fé deste homem. Meu Deus! É de partir o coração,
olhem atentamente e notarão lagrimas em seus olhos.
Diabo: Ridículo.
Amigo: Sinto muito meu amigo, mas ele está indo sacrificar o próprio filho. E,
olhando por esse ponto de vista, fica difícil.
Filósofo: Jamais a razão foi o limite máximo do ser humano, seu desejo sempre
o impulsiona para além dela, pois no intimo sabe que essa nunca o satisfaz
plenamente. Ele á usa apenas como meio para alcançar um nível mais
elevado.
Filósofo: Olhe para Abraão ele é o exemplo, mas lhe digo que não pode ser
compreendido de uma maneira comum, sua existência incomum é tomada
como algo singular, esta não pode ser conceituada por outra existência que
também é do mesmo modo singular e muito menos por todas as outras em
geral. Sua fé o separou, tornando-o incompreensível para o entendimento
natural.
Diabo: Sei.
Amigo: Olhem novamente para ele, está se preparando para sacrificar o filho.
Filósofo: Sim, olhemos para ele. Diga-me senhor sabe tudo, super-racional; o
que se passa na mente de Abraão nesse instante?
Diabo: O agir dele parece nobre mais não é, pois não se trata de fé, é apenas
cumprimento de um dever, simples assim. A individualidade de Abraão foi
suprimida totalmente e absolvida pelo pensamento geral de moralidade, e é por
está que ele age. Ele não tem essa capacidade de fé através da escolha que
você afirma. O agir dele é segundo a moralidade e isso tira a liberdade de
qualquer um.
Filósofo: Desculpe meu amigo é que nos empolgamos um pouco mais com
esse assunto. Mas voltemos a olhar para Abraão.
Diabo: O que?
Amigo: Como o que? Vocês com toda essa conversa fizeram com que eu
perdesse todo o acontecimento do sacrifício.
Filósofo: Não importa; o importante mesmo é que nós sabemos que realmente
aconteceu e depois o resultado concreto da fé de Abraão.
Filósofo: Não podemos negar seu agir pela fé dizendo que foi por algum tipo de
razão. O absurdo da ação evidencia isso deixando claro que de maneira
alguma pode ser entendido, senão, de outro modo não seria um absurdo. Ora,
e convenhamos; o que não pode ser entendido, também não pode ser
executado pela razão. Nisto, há uma crise na instância da razão ao tentar
entender tal ação absurda.
Diabo: Como saber se o que tinha Abraão era mesmo fé? Não seria este o
caso de um louco assassino? Quem não diria que tal perdeu a razão em vez de
confirmar que estaria apenas agindo por fé?
Filósofo: O mal estar que teve antes do ato é uma das provas. Á pratica do ato
isolado em si pode ser fonte de infinitas interpretações, mas quando
analisamos de modo minucioso o que o antecede elucidamos de modo
assertivo a questão. Não notou os olhos tristes de Abraão, cheios de lagrimas e
suas pernas e mãos tremulas?
Filósofo: Ora, isso evidencia que o ato praticado por Abraão não era de modo
algum um indicativo de que ele estava louco destituído de razão neste
processo.
Amigo: Mas você não disse que ele agiu por fé?
Amigo: Mas como, se você agora está dizendo que ele não estava destituído
de razão? Não seria esta afirmação uma contradição?
Diabo: Prove.
Filósofo: Notem que sem razão, não seria possível ele alcançar a fé naquele
momento, pelo menos para nós é assim, a fé dele nos é perceptível justamente
por esse movimento.
Amigo: Sim.
Amigo: Realmente.
Filósofo: O momento de crise é o que nos mostra mais claramente o que seria
este partir da razão para a fé. Abraão antes da prova refletiu, e isso indica que
ele fez uso de sua razão momentos antes de utilizar a sua fé,
Amigo: Continue, pois agora que perdi de acompanhar todo o processo, sua
explicação é tudo o que tenho para tentar entendê-lo.
Filósofo: Notem o quanto lhe parecia ser contraditória a missão a qual aceitara;
no mesmo instante em que era um servo fiel era também o assassino do
próprio filho. Como era difícil para ele olhar para o filho e lembrar que sempre
foi um pai dedicado e amoroso e agora sua atitude parecia de alguém cruel e
indiferente aos olhos do filho, que de modo algum podia entender tal atitude do
pai. Diante de tal situação, fica claro que Abraão possuía e fazia uso da razão,
e que a esta abandonou mediante a fé.
Filósofo: Contei tudo isso para mostrar que a fé não tirou a capacidade que
Abraão tinha de raciocinar e escolher, mesmo porque esta situação era uma
escolha ainda a ser feita pelo cogitar de sua razão, ainda que não entendesse
claramente um dos caminhos a serem escolhidos, escolheu a fé.
Filósofo: Veja que a qualquer momento ele poderia tomar outra decisão que
fosse contrária à missão que Deus lhe dera, nada o impediria se assim
decidisse, já que para a realização da missão não existia outra coerção a não
ser a sua própria para si mesmo; foi justamente nesse nível que teve suas
maiores crises, naquele momento era o autor de seus próprios atos, era o
único que poderia coagir a si mesmo, era livre e sentia nos seus ombros o peso
de tão grande responsabilidade.
Filósofo: Para concluir só quero dizer que o ato de Abraão jamais foi uma ação
segundo as virtudes morais, que na verdade são totalmente contrárias a este
tipo de ação. Logo é bem claro seu agir pela fé e esta foi capaz de levá-lo mais
longe que sua razão, por ela não poder levá-lo além de si mesma, eis ai a
superioridade da fé.
Filósofo: Sim.
Diabo: Bem, então é isso. Acredito que chegou a hora de cumprir o nosso
acordo.
Diabo: Ok; diga mais não demore muito. Tenho outros contratos que se não me
engano, estão em atraso.
Filósofo: Notei que todas as suas respostas são tendenciosas, além de serem
sempre tentativas mal sucedidas de denegrir a Deus a todo custo.
Filósofo: Não, você pode ser sincero, mas não é verdadeiro e o nosso acordo
exige que você seja verdadeiro.
Diabo: Está certo, não posso levá-lo, mas a ele sim. Levarei seu amigo para
não dizer que minha derrota foi grande. É quase nada, mas já é alguma coisa.
Filósofo: Cale a boca! Você está nervoso e por isso não sabe o que está
dizendo. É claro que você é cristão.
Amigo: Não sou não, quer dizer; lembro que eu era, mas deixei de ser a muito
tempo.
Amigo: Sabe, é que a cada vez que eu parava para ouvir as reflexões de
vocês, principalmente as suas, minha pequena fé foi aos poucos sumindo até
que um dia acabou de vez. Mas o importante é que nossa amizade se
fortaleceu ainda mais.
Filósofo: O que você está dizendo? Eu que ganhei a sua vida para Jesus,
lembra? E deu um tremendo trabalho e agora você me diz que eu mesmo botei
tudo a perder?
Amigo: Não se preocupe meu amigo, não é sua culpa. No fundo eu nunca tive
muita fé mesmo. Eu aceitei mais foi para lhe agradar mesmo, porque admirava
o seu esforço.
Filósofo: Não leve tão a sério estes questionamentos, eles são apenas para
refletir, não são verdades inquestionáveis. Quer ver? Vou refutar tudo o que eu
disse agora mesmo.
Diabo: Já terminou?
Filósofo: Não, não terminei. O que posso fazer para que você não o leve?
Diabo: Ora, pensei que você não ia perguntar. Basta assinar outro contrato.
Filósofo: Mas isso eu já ia fazer! Mesmo porque ainda tenho muitos outros
questionamentos.
Diabo: Se é assim, estão me desculpe por esse vexame, prometo que não
acontecerá novamente.
Diabo: E você!
Amigo: Desculpe é que eu estava tão atento ao que ele ia dizer que nem
percebi. Sabe, é que ele tem sempre algo interessante para falar.
Diabo: Eu sei, eu sei...
Amigo: Assim diz o esquisito que tem muitas marcas no corpo e em volta da
cabeça, e grandes cicatrizes nas mãos. Por que você não olha primeiro para
você? Não notou isso?
Amigo: Desculpe.
Filósofo: Você está assim porque entrou no meio dos espinhos para nos salvar,
não foi?
Estranho: Sim, e vocês não foram os únicos, estou sempre tirando quantos Eu
puder dentre os espinhos, mas agora tenho que ir. Cuidem-se e lembrem
sempre de ficar bem longe dos espinhos.
Filósofo: Não se preocupe Senhor, de agora em diante deixarei eles para quem
realmente entende.
Amigo: Será que tudo não passou de alucinação?
Assim, o Diabo não pode levar o filósofo nem o seu amigo, mas o filósofo
tendo outro plano em mente não resistiu e assinou um novo contrato para
novos questionamentos, mas isso é outra história.
Fim
REFERÊNCIAS
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 13ª Ed. São Paulo: Ática, 2006.
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