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Cristiano C.

Gomes

O DIABO
EO
FILÓSOFO

Muito além do crer


O DIABO E O FILÓSOFO
Cristiano C. Gomes

O Diabo e o Filósofo

Muito além do crer


Sumário

Capítulo 1. Uma conversa sincera

Capítulo 2. O encontro

Capítulo 3. Conflitos superiores

Capítulo 4. Deus existe

Capítulo 5. A culpa e o culpado

Capítulo 6. Planos implanejáveis

Capítulo 7. A livre vontade de liberdade

Capítulo 8. Uma viagem esclarecedora

Capítulo 9. O problema do mal e o mau do problema

Capítulo 10. Fé na fé

Capítulo 11. A razão da fé

Capítulo 12. Adeus


INTRODUÇÃO

Esta é uma história de um jovem filósofo que teve uma conversa com o
Diabo, só isso. Não é um tratado filosófico sobre o entendimento humano ou a
verdade, longe disso. No diálogo são abordados os seguintes assuntos: o livre
arbítrio, fé, razão, o bem e o mal e outros, tendo somente como base cientifica
os questionamentos do jovem filósofo juntamente com os do seu amigo e as
respostas do Diabo e do mesmo modo o contrário.

O que deve ser notado além das reflexões é que mesmo empolgado
com o que consegue o jovem filósofo sempre decide questionar e comparar as
verdades do Diabo com as suas próprias e quando possível, com as de Deus
para verificar se o que ele diz é realmente verdadeiro. Não que o Diabo seja
mentiroso, mas talvez seja uma boa ideia em todo caso dar aquela verificada.

Mesmo sendo essa uma história verídica e digna de todo o crédito,


tenho que confessar que não é quem vos conta que teve tal conversa, não
mesmo, Deus me livre. O que acontece é que um amigo que ouviu de outro o
que outro lhe contou, veio e me contou do mesmo jeito que lhe contaram e
agora estou contando igualmente para os outros, mas não se preocupe, pois
quem ouviu o outro que falava com o outro, me afirmou que ele confirmou que
esta é a mais pura verdade.

Mas, vamos á história.


Certo dia um jovem pretendente a pensador decidiu avaliar sua vida
através de uma longa lista de questionamentos e respostas. Á medida que
prosseguia ia notando uma grande quantidade de mesmice. Indignado e
tomado subitamente por uma total falta de sentido, decidiu que queria algo
diferente. Reagindo a tamanha frustração colocou-se a caminho
dedicando-se a investigar como poderia transcender o costumeiro, já que a
muito estava trilhado esse caminho.

Novamente leu sobre os grandes e renomados pensadores a fim de


encontrar respostas para os seus questionamentos, mas desta vez já não
conseguia entende-los bem e quando entendia alguma coisa, percebia que
não entendia bem a si mesmo. Estava em crise e cada vez mais uma grande
angustia tomava conta do seu ser.

A dor fez com que descobrisse que o que desejava era algo mais
intenso e original, pois muitas das respostas que encontrou lhe pareciam
meras respostas a outras respostas. Ao intensificar mais sua busca,
percebeu que já não se sentia tão perdido, ela finalmente o levara a algum
lugar.

Consciente que o que tinha obtido até o momento lhe soava mais
como meras opiniões, estas por sua insuficiência foram suficientes para lhe
impulsionar na tomada de decisão sobre a busca do seu desejo de alcançar
algo diferente, e tão rápido como um gato quando leva um susto, teve a
estranha ideia de ter uma conversa com o Diabo.

Depois que decidiu ter a tal conversa, passou a dedicar-se a uma


longa pesquisa de como poderia conseguir. Todos os dias visualizava tal
situação imaginando-se diante do Diabo fazendo perguntas e obtendo as
respostas que desejava, porém, mais uma vez os dias foram se passando e
nada. Começou a pensar que essa era a maior das idiotices a qual já tinha
feito.
Com receio, imaginou como seus amigos iriam lhe tratar desta vez,
pois sempre era motivo de brincadeiras por causa de suas ideias pra lá de
estranhas que até o momento só lhe tinham trazido constrangimento e um
tipo de fama que não queria ter. Já estava novamente partindo para o
velho e costumeiro desânimo quando a dica que um amigo lhe dera
pareceu a melhor.
UMA CONVERSA SINCERA

Amigo: Bom dia filósofo!

Filósofo: Já vai começar cedo?

Amigo: Não estou zombando de você, realmente considero você um


cara inteligente.

Filósofo: Hum... Está certo.

Amigo: Que foi? Parece que você não está muito bem.

Filósofo: Sabe, é que as coisas realmente não estão bem para mim.

Amigo: Não me diga que o problema é dinheiro, porque aí, não é só


você que está mal não.

Filósofo: Não, não é isso, é sobre mim mesmo. Não sei se gosto de ser
quem eu sou, acho que não sou normal.

Amigo: Como assim? Você é uma das pessoas mais incríveis que
conheço!

Filósofo: Não, não sou.

Amigo: Sim você é! Além de um grande amigo você é um filósofo.

Filósofo: Você acha mesmo que eu não percebo que todos me chamam
assim por zombaria?

Amigo: Não exagere, não são todos. Eu por exemplo, te chamo assim
porque realmente acho você um grande pensador, está certo que é meio
estranho às vezes, também parece meio doido, mas no fundo você é incrível.

Filósofo: Muito bem, prometo que se você parar de tentar me animar, eu


me animo.

Amigo: É isso aí, esse é meu amigo filósofo, sempre respondendo com
enigmas que quase ninguém na face da terra entende.

Filósofo: Ok.
Amigo: Mas me diz aí, é só por isso que você está chateado? Você
sempre viveu meio afastado e pensativo e nunca foi de ligar muito para o que
os outros pensam de você, porque isso agora?

Filósofo: É que na verdade eu estou muito entediado, triste ou


decepcionado, talvez até deprimido, não sei. Estou tão confuso que realmente
não sei direito o que tenho. Parece que trabalhei muito para chegar a lugar
nenhum, não vejo resultados. Será que estou me enganando sobre mim
mesmo? Amo a filosofia, mas acho que não sou realmente um filósofo, parece
que aqueles que zombam de mim tem razão.

Amigo: Não diga uma coisa dessas, homem! Como eu já disse antes,
você é um grande pensador, eu mesmo que sou inteligentíssimo muitas vezes
não consigo entender quase nada do que você diz.

Filósofo: Olha, realmente você é um grande amigo, mas o problema é


que se eu sou mesmo um filósofo, então deveria conseguir produzir alguma
obra filosófica, e isso, eu ainda não fiz.

Amigo: Mas ainda pode fazer. Você morreu por acaso?

Filósofo: É...

Amigo: Deixe disso meu amigo, sei que você consegue. Você tem
muitos livros e também conhece outros filósofos e pensadores. O que lhe
impede?

Filósofo: Uma pequena limitação é o que me impede. Tenho muitos


livros e conheço muitas pessoas inteligentes, mas percebi á algum tempo que
o meu intelecto não me coloca a um nível em que possa me considerar um
filósofo.

Amigo: Mas, você tem um sonho?

Filósofo: O que? Não entendi, poderia repetir.

Amigo: Perguntei se você possui um sonho.

Filósofo: Sim, tenho o sonho de algum dia produzir uma obra filosófica.

Amigo: Então, você já tem o que precisa para realizá-la.


Filósofo: Como assim?

Amigo: Olha, mesmo que você ainda não tenha nada, um verdadeiro
sonho faz com que você consiga, pois te mantem focado sempre observando
seu objetivo com uma atenção fora do normal, você já não andara como um
bêbado com atenção dispersa, porque nada é tão importante quanto ele.

Filósofo: Interessante, me fale mais.

Amigo: Ele te faz uma pessoa fora do comum porque te coloca para
caminhar em trilhas onde outras pessoas jamais se imaginarão caminhando.

Filósofo: Nossa!

Amigo: Não existe nada na vida mais forte do que o seu sonho, ele é o
principal influenciador da sua vida. Um pensamento pode lhe mover, mas um
sonho é a fonte da realização, seu modo de sonhar é a chave que abre as
portas do sucesso.

Filósofo: Você está me dizendo que só preciso sonhar?

Amigo: Não, claro que não, só estou dizendo que o sonho é a base
principal. Comece acreditando que seu sonho é possível e automaticamente
seu corpo reagirá positivamente em relação ao seu pensamento, o contrário
também é verdadeiro, mas o melhor é pensar positivo, que é possível, e então
algo incrível começará a acontecer. Em seguida você levanta disposto a
realizar os seus sonhos e entra em ação, depois é só ir adequando o que dá
certo ou não.

Filósofo: Nossa isso é incrível! Não sabia que você tinha um


conhecimento tão profundo sobre essa área, sempre só ouvi você falar de
futebol, novela e da vida dos outros. O que aconteceu?

Amigo: Pois é, isso serve para você notar que eu também evoluí e não
só você. O que acontece é que eu estava em uma sala de espera para ganhar
um benefício do governo e lá não tinha nada, nem televisão e estava
demorando tanto que eu resolvi fazer o que quase nunca fiz em minha vida, lê
um livro.

Filósofo: Há, eu já devia saber.


Amigo: Na verdade era uma revista. Ela estava ao meu lado, acho que
alguém tinha esquecido.

Filósofo: E o que mais a revista dizia?

Amigo: Não sei, só li até essa parte. Sabe, eu queria muito ler, só que a
minha vista cansou, deu uma dor na costa, câimbra nos dedos e aí eu acabei
dormindo.

Filósofo: Tudo bem, mas o que você falou me fez pensar algo: o sonho
muitas vezes é produzido por influência de nossos momentos acordados e
passa a fazer morada em nosso inconsciente, e o ato de realizar talvez possa
ser um sonho consciente.

Amigo: É... Parece ser isso mesmo.

Filósofo: Mas, podemos realizar algo que nunca foi sonhado? Existiria
um sonhar por sonhar em que o próprio sonho seja em si o realizar? O sonhar
para realizar acorda dificuldades e o não desistir as adormecem? Anular os
seus sonhos é aceitar viver os sonhos alheios por não existir uma maneira de
viver fora dos sonhos? A pior realidade que podemos viver é a de um sonho
que só nos faz sonhar e nada realizar?

Amigo: É isso aí, esse é o meu bom e velho amigo filósofo voltando das
cinzas. Você tem razão, também vejo assim, a coisa está feia mesmo... Vamos
lá!

Filósofo: É...

Amigo: Que foi? Por que parou? Logo agora que estávamos para
elaborar reflexões mais profundas.

Filósofo: Essa coisa de sonho me parece merecer algum crédito, posso


até elaborar algo a respeito, mas é que...

Amigo: Mas é o que? Estava começando a ficar bom e logo tenho


certeza que ficaria excelente, mas você sempre para e desiste. O que há de
errado com você?

Filósofo: Sabe, é que não sou um sonhador obstinado.


Amigo: Como assim? Você está me dizendo que não tem sonhos?

Filósofo: É claro que tenho sonhos. Só estou tentando lhe dizer que no
meu caso é mais uma questão de libertação do que de realização. Também
porque penso que existe um grande problema com o sonho de realização de
uma vida; ninguém veio aqui para esta vida para sonhar, viemos para viver.

Amigo: Sim é claro.

Filósofo: Ninguém gosta de ficar sonhando em viver, tudo que queremos


mesmo é viver. Um sonho de vida nos tira a vida á colocando muito distante,
tendo que primeiro ser sonhada e depois conquistada para poder ser vivida.

Amigo: Você está dizendo que sonhar com uma vida, não é o mesmo
que ter essa vida.

Filósofo: É por aí. Para muitos o sonho de uma vida está tão distante
que se algum dia o conquistarem, talvez já não lhes reste vida para vivê-lo.

Amigo: Poxa, mas eu quero mesmo é viver e não sonhar em viver.

Filósofo: É meu amigo, quem inventou a vida a ser realizada somente


através dos sonhos nos matou. Sonhar não é o mesmo que ter, quem
realmente vive não sonha em viver um sonho de vida. Quem sonha em um dia
ter a vida dos sonhos é porque não a tem. É o não ter que mantem o sonho de
ter.

Amigo: De hoje em diante não quero mais sonhar!

Filósofo: Não é para tanto, pois não podemos viver sem sonhar.

Amigo: Por que você não se decide logo? A final, devemos ou não
sonhar?

Filósofo: Não estou dizendo que sonhar é ruim, para ser mais específico,
estou me referindo ao exagero nos sonhos, já que quem sonha em ter uma
vida dos sonhos, mesmo estando vivo, sente que não está. Pois vivo, vive
sonhando em viver um sonho e não viver seu sonho para ele não é viver.
Amigo: Também porque não são todos que conseguem ir além da
prática de sonhar. Acredito que muitos viveram toda a vida apenas sonhando
em um dia viverem a vida de seus sonhos.

Filósofo: Isso.

Amigo: O sonho enquanto sonho, não é real, mas toda caminhada me


parece ser. É por isso que alguns dizem que o importante mesmo é a
caminhada, os momentos difíceis e até insignificantes.

Filósofo: Acredito que em parte isso seja verdade, mas só para quem
depois de uma difícil caminhada consegue alcançar seus grandes objetivos.
Para quem só caminhou e não alcançou, é mais difícil valorizá-la da mesma
forma.

Amigo: Não entendi.

Filósofo: Quem alcança acredita que a vitória é resultado do percurso e


quem não alcança também acredita que a derrota é resultado do percurso. Por
isso, acredito que em todos os casos é importante desde o início valorizarmos
as pequenas vitórias do percurso e não apenas o resultado final, pois talvez
elas sejam as únicas.

Amigo: Sei.

Filósofo: É por isso que digo que não sou um sonhador obstinado.

Amigo: Mas é claro que você não é, você é louco e os loucos não tem
sonhos obstinados porque eles mesmos são a obstinação dos seus sonhos.

Filósofo: O que você disse?

Amigo: Não sei, só sei que tentei dizer que você é capaz.

Filósofo: Olha, é melhor deixarmos de lado esse assunto sobre os


sonhos.

Amigo: Concordo, mesmo porque minha cabeça já está doendo.

Filósofo: Queria lhe contar sobre uma decisão meio louca que tomei.

Amigo: Há novidade, mais uma.


Filósofo: Desta vez é diferente, não vou tentar falar com algum autor
importante, pinchar prédios ou pular de um avião em pleno voo pelado
segurando um cartaz; eu vou é falar com o Diabo.

Amigo: Não seria mais fácil falar com um psiquiatra primeiro?

Filósofo: Eu estou falando sério.

Amigo: E porque eu não estaria?

Filósofo: Olha, você vai me ajudar ou não?

Amigo: Você me conhece, estou sempre com você; já apanhamos,


fomos presos, outras vezes quase morremos e já passamos as mais
vergonhosas, vergonhas da terra juntos, mas dessa vez, acredito que você
passou dos limites.

Filósofo: Você está exagerando.

Amigo: Não estou não. Sei de alguns que foram falar com esse sujeito e
nunca mais voltaram.

Filósofo: Então é verdade! Ele existe mesmo e você sabia a respeito e


nunca me falou?

Amigo: Você nunca me perguntou.

Filósofo: Preciso de mais informações. Onde posso encontrá-lo?

Amigo: Não sei e se soubesse não diria.

Filósofo: Qual é? Anda me fala, eu sei que você sabe. Por nossa
amizade.

Amigo: Você já se deu conta do absurdo que está me pedindo? Está me


pedindo para mandá-lo para o inferno!

Filósofo: Não exagere. Dizem que ele só leva para o inferno quando o
contrato se cumpre.

Amigo: E o que me parece, ele sempre se cumpriu.

Filósofo: Para outros pode até ser, mas eu tenho um plano.


Amigo: Pense bem no que está fazendo.

Filósofo: Já pensei e já decidi. Agora me diz onde posso encontrá-lo.

Amigo: Como disse antes, desta vez não irei com você.

Filósofo: Tudo bem eu entendo, também não quero mais envolver você
em encrencas. Agora me diz.

Amigo: Olha, é por sua conta e risco.

Filósofo: Sim é claro.

Amigo: Dizem que ele costuma atender meia noite na encruzilhada da


velha estrada do moinho, perto da cidade abandonada.

Filósofo: Mas são dois dias de viagem a pé saindo da estrada principal,


e a vegetação já tomou conta de boa parte daquele caminho.

Amigo: Pois é né, é melhor desistir.

Filósofo: De jeito nenhum! Eu irei de qualquer jeito custe o que custar.

Amigo: Para quem disse que não é um sonhador obstinado, você me


parece bem obstinado.

Filósofo: Só estou decidido, é isso e nada mais que isso.

Amigo: Tudo bem senhor decidido, agora tenho que ir.

Filósofo: Ok, meu amigo, até logo e muito obrigado.

Amigo: De nada, mas acho que desta vez é adeus!

Filósofo: Deixe de drama, vou falar com ele e se realmente existir,


depois lhe conto.

Amigo: Assim espero.


O ENCONTRO

Decidido, em uma noite de lua cheia o filósofo arrumou-se e partiu


para o lugar indicado. Ao chegar, olhou para a paisagem e notou que
parecia um grande deserto, a sensação de vazio enchia todo o local, havia
pouca vegetação e as poucas árvores que restavam estavam ressequidas e
só serviam de poleiro para algumas corujas.

Tendo passado um bom tempo explorando o local e já começando a


ficar frustrado, percebeu que subitamente o som parou, tudo ficara em um
silêncio ensurdecedor. As corujas ficaram estáticas, não se ouvia mais
nada, até o vento parou de soprar, tudo parou.

Ao perceber o que tinha acontecido, rapidamente tratou de combater


o medo e as superstições, pois o objetivo que o movia era maior até mesmo
que o velho e arraigado instinto de sobrevivência. Passou á lembrar e a
repetir para si mesmo o que tinha ido fazer ali, que o que estava
acontecendo era normal.

Aquilo tudo poderia ser apenas o tempo avisando sobre uma chuva
ou qualquer outra coisa do tipo. Foi então neste momento que ouviu em
meio à vegetação o barulho de passos, passos que lentamente ao se
deslocar em sua direção, quebravam alguns galhos pelo caminho.

Rapidamente percebeu que estava equivocado e corajosamente


começou a rezar para ter coragem de conversar com o Diabo. Depois de
alguns segundos começou a gritar bem alto que precisava ter uma
conversa com ele, que tinha uma proposta a fazer.

E não demorou muito para que algo acontecesse...

Grande barulho: Trrráaaaah!


Filósofo: (Gritando) Diaaaabo!

Amigo: (Salta gritando de dentro do mato todo envolvido por galhos e


cipós) aaaahhh!

Começam a correr desesperadamente, mas depois de três segundos


ambos caem.

Filósofo: (Gritando) Diaaaboooo!

Amigo: (Gritando) Ooooonnnndeeee?

Filósofo: Mas é você?

Amigo: Sim, esperava que fosse quem, o Diabo?

Filósofo: É, né. O que você acha que estou fazendo aqui?

Amigo: Bem, de início tenho que lhe responder que; sendo idiota.
Depois, que eu vim ajudá-lo e lhe pedir desculpas por ter feito você de idiota.

Filósofo: Como assim?

Amigo: Sabe, não foi por mal, mas é que fiz isso para lhe dar uma lição.

Filósofo: Fez o que? Continuo sem entender.

Amigo: Sabe meu amigo, essa história de Diabo foi eu que inventei.
Ninguém vem aqui neste local realmente para conversar com o Diabo, e a
propósito, saiba que ele também não existe.

Filósofo: (Gritando) Seu amigo da onça!

Amigo: (Gritando) Eu fiz isso para o seu bem, porque vi que você
precisava de ajuda, que estava enlouquecendo e precisava de um choque de
realidade.

Filósofo: Como você pôde fazer isso comigo?

Amigo: Mas, foi para o seu bem.

Filósofo: Não preciso de sua ajuda, sei muito bem me virar sozinho.

Amigo: Há sim, claro. Vou fingir que não vi você correndo desesperado
de medo em meio aos espinhos parecendo uma gazela no cio.
Filósofo: Seu idiota! Saiba que gazelas no cio não saem correndo
desesperadas em meio aos espinhos.

Amigo: Deve ser porque são bem mais corajosas do que certas pessoas
que conheço.

Filósofo: Ora seu... (Começam a brigar no chão entre os espinhos)

Diabo: Ei, Calma rapazes! O que vocês querem ao me chamar?

Filósofo: Não se meta! O problema é só entre nós dois...

Amigo: É isso mesmo Diabo, não se meta...

Susto: Páh!!!

Filósofo e Amigo: (Gritando) Diaaaboooo!

Diabo: Sim sou eu, e parem de gritar eu não sou surdo. O que vocês
querem comigo?

Amigo: Eu não quero nada! Quem quer é ele. (Apontando para o


filósofo)

Diabo: Isso é verdade?

Filósofo: Sim, mas é que você estava demorando, aí eu...

Diabo: Você já notou o tanto de espinhos que tem no meio desse mato?

Filósofo: Sim claro.

Diabo: Eu não tenho o mesmo costume que vocês de rolar em meio aos
espinhos. Mas diga o que você quer?

Filósofo: É que eu tenho um propósito, por isso quero lhe fazer uma
proposta, mas a proposta a propósito, não é o propósito, é apenas um
propósito menor para o meu propósito.

Diabo: Calma rapaz! Pare com essa redundância e vá direto ao


assunto. Você é filósofo?

Filósofo: Alguns dizem que sou e muitos outros que não. Na verdade,
na parte que dizem que sou, são apenas dois e um ainda duvida.
Diabo: Saiba que não gosto de filosofia, por isso, ou apresenta logo de
modo claro essa sua proposta que não é o seu propósito, ou irei embora de
propósito. Não vou ficar perdendo o meu precioso tempo com baboseiras
filosóficas.

Amigo: Ele não quer nada de mais, só quer fazer umas perguntinhas,
só isso seu Diabo.

Diabo: É isso mesmo que ele falou? Você não me parece diferente dos
outros que me procuraram.

Filósofo: Sei o que você quer dizer. Está se referindo a igualdade dos
interesses, mas lhe digo que; com certeza o muito igual é o que produz o
diferente.

Diabo: Muito bom, mas todo o agir humano se resume a algum tipo de
interesse e geralmente econômico.

Filósofo: Sim, e como sei que também não faz nada de graça e que o
seu interesse ao me atender é ganhar a minha alma, minha proposta é que: lhe
darei a minha alma se honestamente me der às respostas que preciso.

Amigo: Não faça isso, deixa ele falar primeiro.

Diabo: Como é? Deixa ver se entendi bem. Você só quer que eu lhe
responda algumas perguntas?

Filósofo: Sim, por isso lhe peço que analise com atenção a minha
proposta.

Diabo: Rapaz, de todos que já vieram me pedir algo confesso que você
é o mais esquisito. É até absurdo você não pedir Dinheiro, fama ou alguma
outra forma de poder. Tem certeza de que não está mesmo interessado em ter
algum bem material?

Filósofo: Sim tenho. É que bens materiais já tenho o bastante, como já


tive e deixei de ter e provavelmente ainda terei outros quando estes que tenho
se forem.
Diabo: Sabe, é que de todos que já atendi você me parece o mais
miserável.

Filósofo: Entendo, mas muitas de nossas misérias também nos


enriquecem.

Amigo: Se for assim mesmo, então nós dois somos milionários.

Filósofo: Olha, não estou negando o bem que os bens materiais


proporcionam, eu mesmo já busquei e possui muitos e sempre pulando de uns
para outros, mas nunca me sentindo muito bem, mesmo possuindo muitos
bens, por isso, agora estou interessado apenas no bem maior; o conhecimento.
Esse sei que sempre poderei ter.

Diabo: Certo, e porque não pediu para Deus?

Filósofo: Mas eu pedi.

Diabo: E aí, ele não respondeu?

Filósofo: Respondeu sim.

Diabo: E então?

Filósofo: É que as respostas que procuro já são um mistério para mim,


sei que existem, mas não sei quais são. Então ele me respondeu com mais
mistérios e de mistérios eu já estou sobrecarregado até a alma, foi neste
momento que tive a brilhante ideia de te procurar.

Diabo: Nossa, que gênio! Garanto que mais tarde você verá o que é
realmente brilhante.

Amigo: O quê? É que eu não entendi bem o que você murmurou.

Diabo: Há... Não é nada, só pensei um pouco alto. Voltando ao


assunto, saiba que eu resolvi aceitar sua proposta que não é o seu propósito.

Amigo: Desculpe, mas posso conversar um momento em particular


com o meu amigo, é só um minuto, não precisa se zangar seu Diabo.

Diabo: Mas é claro, fiquem á vontade.


Amigo: Meu amigo te peço por tudo que há de mais sagrado que não
faça isso, lembre-se do que lhe falei; todos que fizeram um contrato com esse
sujeito jamais retornaram.

Filósofo: Você está me pedindo para lembrar da mentira que você me


contou como se fosse verdade. Tá lembrei; lembrei que era só uma mentira de
um mentiroso, só isso.

Amigo: Homem deixe de criancice, foi apenas uma mentirinha besta,


mas aquela coisa feia ali não é. Veja bem o que vai fazer!

Filósofo: Já vi, não se preocupe eu tenho um plano, não confia?

Amigo: Tudo bem... Confio e estou com você até o fim.

Diabo: Desculpem interromper, não é por não confiar em vocês, mas


sabem como é, em tudo hoje em dia existem formalidades para poder
proporcionar um melhor atendimento ao cliente, então; basta assinar
na linha pontilhada e encostar o dedo polegar aqui na máquina e
estaremos prontos para dar início ao nosso fantástico dialogo.

Amigo: Ué, ele não vai ter que fazer um corte no dedo e assinar com
sangue?

Filósofo: Cala essa boca!

Diabo: Nossa você é bem esquisito mesmo em rapaz. Você sabe ao


menos em que século estamos?

Filósofo: Desculpe o meu amigo, pode me dar à ficha para assinar e a


máquina para que eu me cadastre logo, pois já estou ansioso.

Diabo: Pronto, agora é só falar...

Amigo: Agora já era meu irmão!

Filósofo: Quer parar com esse drama.

Amigo: Estou tentando, mas meus nervos não deixam.

Filósofo: Continue tentando.


Amigo: Desculpe nobre Diabo, mas é que antes de meu amigo lhe
perguntar algo, gostaria de lhe fazer uma pergunta.

Diabo: Hum, já vi que não será tão fácil. Sim, Diga.

Amigo: É que depois dessa nossa agradável conversa, ele pretende


escrever um livro que fale sobre vários pensamentos, sabe, sobre várias coisas
o que acha?

Diabo: Nossa você é mesmo um “gênio” rapaz, por isso, não me


admiro nenhum pouco de vocês estarem aqui trocando suas almas por
respostas para os seus questionamentos.

Amigo: Obrigado pelo elogio, mas só para lembrar; é só ele que está
negociando a alma. Eu só estou aqui para garantir que ele vai cumprir o que
prometeu.

Diabo: Ok.

Filósofo: Tudo bem posso começar?

Diabo: Sim, mas antes iremos para um lugar melhor, mais adequado
para termos nossa conversa.

Amigo: Não é o inferno, é? Porque se for você estará trapaceando...


(Voz fina)

Diabo: Ei, não se preocupe, não acredite em mitos sobre minha


pessoa. Se eu fosse mesmo o que dizem por aí, já teria feito algum mal a
vocês. Mas não continuamos como seres intelectuais que somos nosso
agradável dialogo?

Amigo: É, faz sentido.

Diabo: E não se preocupe com o acordo, lhes dou minha palavra que
ele será cumprido. Apenas concentrem-se em seus brilhantes
questionamentos.

Filósofo: Certo.

Diabo: Pronto, chegamos.


Amigo: É o inferno? Poxa! Não é o que eu pensava, até que é um lugar
bem legal, gostei.

Diabo: Por favor, você quer parar com essa baboseira de inferno, aqui
não é o inferno.

Filósofo: Que lugar é esse, então?

Diabo: É um lugar misterioso que eu chamo de casa, mas não conte


para ninguém.

Amigo: Gostei, você tem muito bom gosto.

Diabo: Obrigado, mas não fui eu que fiz essa decoração. Ela é
resultado de um contrato com um certo inventor e artista do século XV
muitíssimo famoso até os dias de hoje. Mas, fique à vontade, só vou sair por
um instante e já volto.

Filósofo: Sem problemas.

Enquanto o filósofo e seu amigo esperavam na sala, apareceram


alguns demônios faxineiros. Curioso, o filósofo começa um diálogo.

Amigo: (Cutucando o Filósofo) Ei, olha só isso; que cachorros


esquisitos!

Demônios: Não somos cachorros.

Amigo: Nossa, eles falam.

Filósofo: Quer ficar quieto! Olá, por favor, queiram desculpar o meu
amigo, é que ele não é muito normal.

Demônios: Sem problemas, nós entendemos.

Amigo: Á tá, e você e esses cachorros esquisitos que falam é que são
normais?

Filósofo: Nossa, que lugar! Aqui é muito diferente de todos os lugares


que conheço.

Demônios: É que nós só andamos por lugares áridos.


Filósofo: Não foi bem á isso que me referi, mas se for mesmo assim
como vocês dizem, os ricos sempre estarão livres de vocês, pois os lugares
onde estão não existe aridez, somente abastança, mas quanto aos pobres
penso; pobre dos pobres.

Demônios: Não é bem assim.

Filósofo: Então como é?

Demônios: Não sabemos, só sabemos que as coisas são para serem


assim.

Amigo: Á tá, legal.

Filósofo: E quanto a Deus?

Demônios: O que?

Filósofo: Como assim o que? Quero saber sobre o que pensam sobre
estes milhares de anos de batalhas infindáveis contra Ele e o seu exército de
anjos.

Demônios: Sim, há guerra.

Filósofo: O que? Vocês querem me dizem que durante esses milhares


de anos de experiência, ainda não pararam para refletir sobre a infindável
guerra e o poder de Deus? Tipo: que Ele é invencível e coisa e tal.

Demônios. É... Não.

Filósofo: Absurdo! Até eu que possuo pouquíssimos anos de vida já


percebi algumas coisas, imagina vocês que são eternos e infinitamente
superiores.

Demônios: Realmente.

Filósofo: Está certo, já notei pelo nosso dialogo que não é bem assim.
Partiremos então para coisas mais simples.

Demônios: Ok.

Filósofo: Não partiremos de exemplos metafísicos superiores que


deveriam ser comuns para vocês, vamos para os comuns absurdos mesmos.
Demônios: Como quiser.

Filósofo: Vocês sabem que vocês e os anjos são eternos, não sabem?

Demônios: Sim.

Filósofo: Ok. Poderiam me dizer por que seres espirituais imortais


lutam a todo instante com espadas e tridentes se, sendo imortais, não podem
morrer ou muito menos seres feridos uns pelos outros?

Demônios: É, realmente isso é um mistério.

Filósofo: Poderia ser esse o motivo desta guerra nunca acabar?

Demônios: Sim, poderia.

Filósofo: E sobre o céu.

Demônios: O que você quer saber?

Filósofo: Não é um lugar perfeito? Por que uma rebelião? Estavam


insatisfeitos? Por que desistiram do que era perfeito? Por acaso lá não era
perfeito para vocês, por isso resolveram encontraram outro lugar no mundo
mais perfeito? Mas o que poderia ser mais perfeito que o perfeito céu?

Demônios: É, realmente é um mistério.

Filósofo: Por que não me respondem? Ou vocês não querem


responder ou não tem capacidade para isso. O que acontece aqui?

Demônios: Talvez pudéssemos responder se fôssemos livres.

Filósofo: Mas não são? Não vejo nenhuma corrente em vossos pés.

Demônios: Você como pensador deveria saber que as palavras


estabelecem prisões muito mais fortes que correntes.

Diabo: Ei, já chega dessa conversa! Seu contrato é comigo. Deixe de


atormentar esses idiotas.

Filósofo: Desculpe, só estávamos conversando um pouco enquanto


você não chegava, só isso.

Diabo: E sobre o que vocês conversavam?


Filósofo: Conversávamos sobre Deus e a guerra eterna... Por aí.

Diabo: E aí?

Filósofo: E aí que mesmo que eles não tenham respondido


praticamente nada que faça sentido, para mim ainda é um absurdo.

Diabo: Como assim?

Filósofo: Sabe, é que o certo seria que nós humanos, serem


infinitamente inferiores, copiássemos os seres infinitamente superiores e
divinos e não o contrario.

Diabo: Explique mais.

Filósofo: Não sei se devo.

Diabo: Por que não deveria?

Filósofo: É que você sabe, sou cristão.

Diabo: E o que há demais nisso, cristãos não tem dúvidas?

Filósofo: Sim, mas por medo muitas vezes negamos.

Diabo: Isso é absurdo. É possível que em uma pessoa só exista a fé?


Poderia alguém ter somente fé, de modo que não tenha dúvida alguma?

Amigo: Ué, e se não existir somente fé no cristão, será ele totalmente


cristão? Pois, se existirem questionamentos a respeito de Deus, estes não
podem ser denominados fé, não é?

Filósofo: Sim, claro. Também quando estamos desanimados e tristes


acredito que estes estados são incompatíveis com a fé.

Diabo: E se existir uma parte em você que tenta convencer a outra á


crer, poderia você ser totalmente cristão se somente uma parte de você
realmente crê?

Amigo: Acredito que não. Acho que somente no momento que não
existir mais nenhuma forma de questionamento em você é que você será
totalmente cristão.
Diabo: Confesso que ainda não encontrei ninguém assim.

Filósofo: Sim, e o grande problema para alcançar esse objetivo é minha


razão.

Diabo: Quer falar sobre isso agora?

Filósofo: Não, deixemos para depois. Por enquanto me contento em


crer que racionalmente continuo tendo fé que minha razão um dia ainda crerá.

Diabo: Tudo bem então, continuemos enquanto você crê que tem
razão.
CONFLITOS SUPERIORES

Filósofo: Queria falar sobre a guerra.

Diabo: Ok.

Filósofo: Ela é uma invenção puramente humana, não é? Pois seres


divinos e superiores não podem inventar ou produzir nada que não seja do seu
nível, digo; divino e superior, já que de outro modo se não produzirem coisas
divinas e superiores, serão iguais a nós humanos que produzem coisas
inferiores.

Diabo: Sim, como não?

Filósofo: Sabe, é que de todas as produções humanas inferiores,


considero a guerra a mais infeliz e inferior de todas, praticamente qualquer
outra ideia para solucionar conflitos que não seja guerra, é superior. Ela é
totalmente incompatível com o divino e superior, principalmente quando se
trata do amor. É impossível alguém que ama fazer guerra contra quem ama.

Diabo: Com certeza!

Filósofo: Quanto a Deus, ninguém pode superá-lo em sabedoria. O


certo seria que todos copiassem dele que é perfeito, mas ele não deveria
copiar de ninguém, pois se assim o fizer, estará trocando seus planos perfeitos
pelos os planos imperfeitos dos humanos, sendo que, se executar os planos
imperfeitos dos humanos estará sendo imperfeito como Deus.

Amigo: Para mim isso é muito esquisito.

Diabo: O que?

Amigo: É que só adotamos planos de outros quando não temos


nenhum ou quando os dos outros são superiores. Por que Deus adotaria e
praticaria algum plano humano, se os que têm como Deus são sempre
superiores?

Diabo: Muito bom, ainda não tinha pensado nisto.

Filósofo: Para mim, também existe o problema de a guerra ser um


grande pecado.
Diabo: Nossa!

Filósofo: Penso em como um Deus infinitamente superior e mais sábio


que todos, tenha adotado um método infinitamente inferior e desprezível como
esse; a guerra. Não poderia Ele elaborar um método infinitamente superior a
esse desprezível método humano? Seria ridículo se Deus adotasse a guerra
para solucionar conflitos, já que tem o exemplo dos humanos que sempre
guerrearam sem chegar a soluções eficientes com ela.

Diabo: Também penso assim.

Amigo: É, e parece que Ele várias vezes preferiu não planejar nada
superior à guerra, pois muitas vezes guerreou junto e contra os humanos que
ama e quer salvar.

Diabo: Realmente isso é triste.

Filósofo: Mas nós humanos já evoluímos muito quanto à guerra,


estamos achando respostas superiores por perceber que esse é o mais
primitivo, inferior e ineficiente dos métodos, desse modo, elas estão
diminuindo.

Diabo: Interessante.

Filósofo: Muitos líderes percebem que ela inferioriza quem á adota,


pois a violência é deplorável até mesmo para os animais irracionais, por isso,
existem lugares na terra em que ela não acontece a muitíssimos anos e daqui
a algum tempo desaparecerá de uma vez por todas.

Amigo: Capeta!

Diabo: Oi.

Amigo: Desculpe, foi só uma expressão, só isso, não estava falando


com você. Lembre-se que quem gosta de falar com você é ele. (Aponta para o
filósofo)

Diabo: Ok.
Filósofo: E quanto a vocês? Digo, quanto à guerra no mundo espiritual
superior, também estão achando melhores respostas para acabar com ela? Ela
está diminuindo?

Diabo: Não, nem um pouco. Aqui continua do mesmo jeito. Guerra


constante e incessante.

Filósofo: Você está me dizendo o mundo espiritual infinitamente


superior, está inferior ao mundo material infinitamente inferior?

Diabo: É o que parece, lamentável mesmo.

Amigo: É, mas quem sabe se continuarem a nos observar com um


tempo percebam isso e adotem novos métodos para solucionarem a guerra
constante do mundo espiritual, não é?

Diabo: Boa ideia, não custa tentar.


DEUS EXISTE

Diabo: Sobre Deus, como você sabe que Ele existe?

Filósofo: Sabe, não o vejo ou escuto sua voz literalmente, mas sei que
Ele existe por causa de seus sinais.

Diabo: Hum... Interessante. E como são esses sinais? São totalmente


sobrenaturais ou naturais sobrenaturalizados? Digo; São incomparáveis,
exclusivos ou iguais a outros que podem ser comparados a outros iguais que
acontecem em outros lugares por outros motivos? Tipo: fogo, raio, barro,
madeira, animais... Etc.

Filósofo: Bem, digamos que são sobrenaturais, naturais, porque Deus


usa sempre as coisas naturais para se sobrenaturalizar, tipo: fogo, raio, barro,
madeira, animais... Etc. Não são puramente sobrenaturais porque se misturam
sempre com as coisas naturais.

Amigo: Não entendi foi nada!

Filósofo: Só estou dizendo que Deus fala sobrenaturalmente através de


coisas naturais, tipo: fogo, raio, barro, madeira, animais... Etc.

Amigo: Mas, como encontrar o divino no não divino?

Diabo: Para mim, quanto mais se tentar divinizar o não divino, com o
tempo claramente menos divino ele se mostra.

Filósofo: Isso porque nós mesmos os desdivinizamos, logo, tendemos


a encontrar neles somente o natural humano.

Diabo: Então me diga; quando você diviniza um pedaço de madeira o


que ele passa a fazer de diferente? Ele perde totalmente suas características
naturais e começa a liberar poderes divinos? Ele deixa de perecer e passa a
ser eterno?

Filósofo: Não, não é bem assim.

Amigo: Deixa ver se entendi. Quer dizer que tudo se divide em três
níveis? Sobrenatural, natural meio sobrenatural e totalmente natural?

Filósofo: É por ai...


Diabo: Será que o natural é sempre natural e o sobrenatural é sempre
sobrenatural ou os dois vivem se misturando, tipo; se sobrenaturalizando como
se não tivessem natureza definida? Sendo que, se o natural quando atingido
pelo sobrenatural se torna em parte sobrenatural, o certo é que também o
sobrenatural se modifique ao se misturar com o natural.

Filósofo: Humm... Talvez isso se confirme pelo efeito meio confuso que
causa em nós humanos, pois como são misturados e não totalmente puros,
sempre necessitam que nos esforcemos em racionalizações teológicas brutais
para os divinizarmos totalmente, mesmo que eles em si não sejam totalmente
divinos.

Diabo: Mesmo assim, os sinais meios divinos tentam mostrar algo


divino, não é?

Filósofo: Sim, claro.

Diabo: Que o sobrenatural é superior ao natural, e prova isso quando o


sobrenaturaliza, mesmo que continue a ter qualquer corrupção ou mal.

Filósofo: Sim.

Diabo: Estaria o divino mostrando com esse tipo de ação que pode
aperfeiçoar a qualquer momento o imperfeito não importando seu nível de
imperfeição, já que o sobrenatural consegue sempre o aperfeiçoar?

Filósofo: Sim, como não?

Amigo: Se é assim, porque ter apenas um pouco? Porque não


aperfeiçoar logo tudo? Não seria um erro concertar só um pouquinho o que é
muito errado, deixando ainda um monte de erro?

Filósofo: Realmente.

Diabo: Quem é o alvo de tanta sobrenaturalização? São as coisas ou


os seres humanos?

Filósofo: Os seres humanos.


Diabo: Então, não seria melhor sobrenaturalizar logo vocês que são o
único objetivo de tanta sobrenaturalização, do que ficar sobrenaturalizando:
fogo, raios, barro, madeira, animais? ... Etc.

Amigo: É realmente os necessitados de divinização somos nós.

Diabo: Sim, mas durante toda a história, Deus sempre divinizou o fogo,
raio, barro, madeira, animais... Etc. E como o divino é sempre superior ao
natural, quando os humanos naturais que eram o alvo da divinização das
coisas desrespeitavam qualquer uma dessas coisas (seres, leis, dias ou
lugares divinizados) eram condenados à morte. Ou seja; as coisas divinizadas
permaneciam e os humanos que eram o alvo da divinização das coisas, eram
eliminados por serem inferiores as coisas que deviam lhe servir para a
divinização.

Amigo: E eu achando que nós humanos éramos mais importantes que


todas as outras coisas para Deus.

Diabo: Não, não são. O mais importante sempre foram as coisas


divinizadas como: seres, leis, dias ou lugares divinizados. Como disse antes,
durante toda a história Deus sempre divinizou: fogo, raio, barro, madeira,
animais... Etc.

Amigo: Interessante.

Diabo: Por exemplo: se Deus divinizasse um dia da semana e algum


ser humano não o respeitasse, era condenado a morte porque o dia divinizado
era mais importante que ele.

Amigo: Nossa!

Diabo: E do mesmo modo para o resto das coisas divinizadas.

Filósofo: Você está exagerando.

Diabo: Se estou exagerando, me diga; você realmente acredita que


Deus fala com você desta forma?

Filósofo: Acredito que possa acontecer alguma coisa desse tipo.


Diabo: O que tenho visto é que a angustia dos seres humanos é tão
grande, que antes que Deus os alcance eles inventam um deus, e a medida da
invenção é a da frustração.

Filósofo: Mas se for assim, nunca alcançamos a Deus de verdade.

Diabo: Não, pois o rejeitam em troca de suas invenções e em troca


Deus os rejeita porque foi rejeitado, logo, os seres humanos nunca encontram
a Deus, apenas uma ideia de Deus.

Amigo: Capeta!

Diabo: O que foi?

Amigo: Nada, foi só uma expressão.


A CULPA E O CULPADO

Filósofo: Parece-me que a culpa é toda nossa, digo; por causa de


nossa natureza.

Diabo: Não seja idiota!

Amigo: O que você quer dizer com isso?

Diabo: Vou dar um exemplo para facilitar.

Amigo: ok.

Diabo: Olha, se eu fizer um carro e lhe vender e depois esse


apresentar problemas, a quem você atribui á responsabilidade? Ao carro ou ao
fabricante?

Filósofo: A quem fez o carro é claro.

Diabo: Mas não é assim com Deus que deveria ser exemplo para
todos. Ele faz as coisas e quando não dão certo, Ele as culpa e nunca se
responsabiliza por nenhuma que apresente defeito. A culpa é sempre da coisa
criada, nunca do criador.

Filósofo: Sim, mas penso que é justo atribuir corretamente a ação


segundo a natureza de cada ser.

Diabo: Então você concorda que Deus ao criar algo imperfeito e de


natureza falha, fique depois constantemente o culpando por isso? Tipo: por que
você não age perfeitamente como Eu quero que você aja, coisa imperfeita que
fiz para agir imperfeitamente?

Filósofo: Mas Deus não nos culpa por todas nossas imperfeições,
apenas por aquelas que estiverem abaixo do perfeito nível de imperfeição
planejado para nós agirmos perfeitamente.

Amigo: Como Deus poderia planejar algo assim?

Filósofo: Eis um mistério; não podemos solucionar essa questão se a


base principal está equivocada.

Diabo: O que você quer dizer com isso?


Filósofo: Quero dizer que é um grande erro acharmos que Deus
planeja alguma coisa, Deus não planeja nada.

Amigo: Tá doido? Deus misericórdia! Por favor, perdoe ele porque ele
não sabe o que fala.

Filósofo: Mas o que deu em você? Ficou maluco de vez?

Amigo: Maluco eu? Você penhora a sua alma com esse sujeito, para e
conversa com uns cachorros esquisitos e agora chama Deus de burro e eu que
sou maluco?

Filósofo: Não é nada disso, não estou chamando Deus de burro, pelo
contrário. Estou dizendo que planejar é inferior ao que Ele faz e que eu não sei
o que é, pois, planejar é cogitar possibilidades e estas por sua vez á acertos e
erros.

Amigo: Humm...

Filósofo: Note que quem planeja compara planos com planos para
escolher um superior e descartar o inferior, pois logicamente o inferior não dar
conta de alcançar o objetivo desejado, ou seja, o descartado é o plano
imperfeito, mas o certo concernente a Deus seria que Ele sempre planejasse
planos perfeitos.

Amigo: Á tá, sim claro, como não?

Filósofo: Note o absurdo; Deus não pode ter planos inferiores a outros,
pois todos os seus planos são igualmente divinos, então é inútil para Deus ter
planos se o último plano é igualmente divino ao primeiro.

Diabo: Você realmente acredita nisso?

Filósofo: Acreditar em Deus não é fácil, mas, desafio maior é acreditar


em si mesmo.

Amigo: Como assim?

Filósofo: Sabe, é que só agora estou percebendo que Deus nunca


falou pessoalmente comigo, quando falou, falou através de coisas
sobrenaturalizadas e outras pessoas e essa interação para mim não foi tão
perfeita como deveria ser.

Diabo: Hum, fale mais.

Filósofo: Deus exige que o amemos, mas para que isso aconteça
acredito que seja necessário um excelente conhecimento sobre Ele.

Diabo: Sim, claro.

Filósofo: Você já viu alguma vez um mensageiro entregar uma


mensagem exatamente idêntica à que enviaram?

Diabo: Não, e já passei muitos aborrecimentos com isso.

Filósofo: Perceba que os mensageiros de Deus são os próprios seres


humanos imperfeitos, como Ele pode esperar que estes entreguem uma
mensagem perfeita se para que a mensagem seja perfeita, não poderá sofrer
a mínima influência do entendimento humano?

Diabo: Realmente.

Filósofo: E como entender o que é perfeito? Não entenderão enquanto


ela não se moldar ao molde de seu entendimento que é imperfeito.

Diabo: Verdade.

Filósofo: Quem é perfeito só envia mensagens perfeitas, mas


mensagens perfeitas não cabem em moldes imperfeitos, logo, terá que ser
adaptada por causa de seu divino nível.

Diabo: Sim.

Filósofo: Só estou dizendo que se ela for exclusivamente divina


ninguém á entenderá, por haver incompatibilidade entre o infinito e o finito.
Esse conhecimento também não poderá depender do meu nível de
conhecimento, pois logicamente acabarei o inventando, logo, terá que vir
exclusivamente de quem se faz conhecer.

Diabo: Lógico.
Filósofo: Ai está o problema, pois se esse conhecimento não vir
diretamente de quem se faz conhecer, se sofrer algum tipo de modificação, já
não poderá ser dito verdadeiro, já que tudo que muda não é verdadeiro.

Diabo: Realmente.

Filósofo: Assim, meu conhecimento sobre Deus para ser realmente um


conhecimento sobre Ele, dependerá exclusivamente Dele que me ensina
sobre Ele. Ora, supondo que Ele é o supremo e incomparável professor sobre
si mesmo, não é de se pensar que seu ensinamento sobre si deva ser perfeito
e insuperável, já que não há quem possa ensinar e argumentar a altura?

Diabo: Certamente.

Filósofo: E, isso é preocupante.

Diabo: Por quê? Para mim seu argumento está correto.

Filósofo: Não é isso, é que pelo que argumentei, significa que: ou eu


nunca ouvi direito o que Deus falou sobre Ele para mim ou que Ele nunca
falou realmente comigo, mas apenas eu falei sobre Deus comigo mesmo
dizendo que era Ele quem falava comigo.

Amigo: Por que você pensa assim?

Filósofo: Porque se fosse Ele quem falasse mesmo comigo, seria


infinitamente superior ao que eu disse que Ele falava comigo. Geralmente o
que eu disse para mim que Ele disse, não era irrefutável como deveria ser o
argumento de um Deus.

Amigo: Cuidado meu amigo, o que os outros vão falar ao perceber o


que você pensa?

Filósofo: Mais alta que a voz dos outros é a voz da minha consciência.

Amigo: Só estou preocupado em você cometer certos erros.

Filósofo: Não se preocupe, geralmente não são os nossos erros que


sabotam nossa vida, mas sim, nossa falta de coragem.
Diabo: Nossa! Admiro você rapaz, é isso mesmo e não se culpe tanto.
Pelo menos esses pensamentos são resultados de uma busca sincera, e isso
é o que importa.

Filósofo: Sim, a minha busca incessante é a prova do que digo.

Diabo: O importante é que você continua buscando.

Filósofo: Continuar sempre buscando também é uma prova do que


digo.

Diabo: Por quê?

Filósofo: Porque só continuamos buscando quando o que encontramos


é insuficiente.

Diabo: Vai com calma, às vezes você é muito duro consigo mesmo.

Filósofo: Verdade, mas deixemos de lado o que me interessa para falar


um pouco sobre o que mais lhe interessa.

Diabo: E o que seria?

Filósofo: Seus planos de conquista para derrotar a Deus.


PLANOS IMPLANEJAVEIS

Diabo: Planos de conquista... E o que você sabe sobre esse assunto


para me fazer essa pergunta?

.Filósofo: Olha, você tem planos de conquistas não tem?

Diabo: Tenho.

Filósofo: Sim, mas esses planos não são os planos de Deus para você,
são? Digo; são planos contra os planos Dele.

Diabo: Explique mais.

Filósofo: Bem, suponho que ninguém faria tais planos se não houvesse
possibilidades, sei lá... Algum ponto fraco que enxergasse em seu inimigo,
pois, penso que ninguém em seu pleno juízo arriscaria atacar a Deus sem no
mínimo saber mensurar suas capacidades e as dele.

Diabo: E o que mais?

Filósofo: Darei um exemplo, sei que é insuficiente, mas é o que tenho no


momento, então: no mundo esportivo das lutas, um da categoria peso leve não
faz planos para derrotar um da categoria peso pesado, faz apenas planos para
derrotar um da mesma categoria, pois logicamente sabe que se for lutar contra
um oponente de categoria muito elevada, será suicídio.

Diabo: Sim, isso é obvio.

Filósofo: Pergunto; você e Deus estão na mesma categoria e nível,


certo?

Diabo: É... Deixa ver... Não.

Filósofo: Então, no mínimo estão quase empatados em vitórias um


contra o outro não é mesmo? Vai, diz ai; quantas vitórias você já teve contra
Deus, já que de outro modo não pode ser considerado como o inimigo dele.

Diabo: É... Nenhuma.

Amigo: Nenhuma? Que idiota!

Diabo: O que você disse?


Filósofo: Nada, ele não disse nada, nada mesmo.

Diabo: Sabe, é que na verdade eu não luto contra Deus, não dá.

Filósofo: Como assim? Você já não sabia da capacidade e do poder


dele antes de desobedecê-lo ou precisou enfrentá-lo para descobrir?

Diabo: Nunca precisei enfrentá-lo para descobrir, já disse, não luto


contra Ele. Não é como você pensa. Simplesmente nunca nem pensei em ser
inimigo Dele, já que para ser oponente de alguém você precisa ter muito
conhecimento sobre o seu inimigo e eu simplesmente não sei quase nada
sobre o seu agir, Ele é imprevisível, por isso jamais penso no que Ele pensa,
não dá, só consigo pensar no que eu penso. Se eu conseguisse pensar no que
Ele pensa, eu não seria o Diabo.

Amigo: Retiro o que disse, você não é idiota.

Filósofo: Poderia então me explicar por qual proposito age se não é


para derrotar a Deus, seria para dominar o mundo e governar os homens?

Diabo: Não tenho propósito nenhum em meu agir, simplesmente ajo.


Não posso ter um propósito nesse modelo que você está falando, se tivesse,
ainda que fizesse o mal para realizá-lo, estaria visando à realização de um
bem, claro, o meu próprio bem, mas sou incapaz de fazer qualquer tipo de bem
ou de mal, por isso, não posso concebê-lo desse modo.

Amigo: Como é que é? Você está dizendo que é neutro? Você é um


tipo de Robô por acaso?

Diabo: Vou explicar melhor. O motivo é que para ter um propósito


desse tipo necessito ter não somente um plano, mas o poder para realizar. Na
verdade se tratando de realizações sempre é mais uma questão de poder,
então, quais as chances de um plano sair como você quer, se você não estiver
no controle total da situação?

Filósofo: Você está falando sobre liberdade?

Diabo: Sim, o maior dos poderes.


A LIVRE VONTADE DE LIBERDADE

Amigo: Para mim o maior dos poderes seria o de soltar raios, ter super-
força ou garras que cortam tudo e outras coisas do mesmo tipo, por ai...

Diabo: Sim, mas e se tivesse tudo isso e não pudesse usar? Entenda
que aqui não existe democracia, não posso realizar o que quero se tenho
apenas um pouco de controle.

Amigo: Nossa, que triste.

Diabo: Como posso realizar algum propósito se só uma pequena parte


do controle de tudo está em minhas mãos e todo o resto na mão de outro?
Diria que no máximo o resultado sairia quase como eu queria, mas esse não é
o meu propósito, dessa maneira é impossível realizá-lo, já que nunca sairá de
acordo com a minha vontade.

Amigo: Você deseja que tudo esteja sob seu controle?

Diabo: E quem não gostaria de ter tudo sobre controle? Para quem é
pequeno, coisas normais são grandes e coisas pequenas são normais.

Amigo: Então, você não tem um propósito?

Diabo: Não é isso, só estou dizendo que o único propósito que pode
ser realizado aqui é o de quem detém todo o poder. De acordo com este
esclarecimento não estou lhe dizendo que não tenho um propósito.

Amigo: Legal.

Diabo: Já tenho a experiência de milhares de anos para saber que


tudo o que faço não realiza o que eu quero e não muda o fim que não quero.

Amigo: Que idiota no mundo teria um propósito mesmo sabendo que é


impossível ser realizado? Não seria melhor não ter?

Filósofo: Não seja bobo! Um propósito vai além de conquistas externas,


ele não serve somente para conseguir ter coisas. O objetivo principal em ter um
propósito é ter um, depois o de conquistar você mesmo pelo sentir-se bem em
saber que pode realizá-lo. A parte de realizar é a penúltima, já que a ultima é o
desfrutar da realização.
Amigo: Quando as pessoas falam de propósito parece tão fácil, antes
de você falar eu até pensava que tinha um.

Diabo: Ninguém que realmente pretende reinar sobre tudo e todos da


total liberdade para tuto e todos. Para suas regras darem certo cem por cento,
você tem que dominar cem por cento. E quem não está no controle, não é livre.
Note que mesmo a mais genuína forma de liberdade que você conhece, está
sob domínio, já que não está tomando uma decisão livre, mais condicionada.

Filósofo: Que absurdo! Preste atenção no que você está falando, se for
mesmo assim como você diz, quando tomo uma decisão na verdade a estou
tomando sob decisões que outros já decidiram, desse modo a minha liberdade
estaria determinada.

Diabo: É quase isso. Quem faz o jogo também faz as regras do jogo e
estas são para os jogadores, logo, como poderão ser totalmente livres os
jogadores?

Filósofo: Quer dizer que você não tem planos? Que nem sequer pensa
em planejar, pois já está tudo planejado de antemão?

Diabo: Está louco? É claro que tenho planos e muito bem elaborados.
Só estou dizendo que aqui, para um plano dar certo cem por cento, você tem
que ser totalmente livre e para que isso aconteça tudo terá que estar somente
sobre a sua própria influência e isso é impossível. A total liberdade é apenas
um sonho de ser livre.

Filósofo: Quer dizer que somos livres apenas para sonhar com a
liberdade?

Diabo: Só estou dizendo que um pouco não é o todo que desejamos,


ainda que você faça dele um todo importante. E é a escassez que altera a
medida do pouco para o seu contrário. De nada serve um pouco de ação não
concluída, já que uma ação não concluída não pode ser considerada uma
ação.

Filósofo: Você está me dizendo que não existe o livre arbítrio?

Diabo: E que diabos é isso? Seria algum tipo de total liberdade?


Amigo: Você está brincando, não é?

Diabo: Não conheço modo mais nobre de respeitosamente lhe


responder a essa ridícula questão. Você já viu um rato num labirinto? Como
pode andar, pular, correr e fazer muitas outras coisas pelo labirinto, elabora a
ideia de liberdade, mas mesmo assim no íntimo do seu ser não gosta dessa
liberdade que essa ideia lhe dá.

Amigo: Por quê?

Diabo: Porque ela é sempre insuficiente para libertá-lo da sensação de


sentir-se preso no labirinto.

Amigo: Você está querendo dizer que a verdadeira liberdade é


infinitamente superior a essa ideia de liberdade que o labirinto proporciona?

Diabo: Sim, pois uma ideia de liberdade não liberta, pelo contrário,
prende. A ideia de liberdade que o labirinto proporciona até funcionaria se não
existisse uma mensagem a incomodar muito o âmago de quem está nele,
mostrando que no lugar da liberdade existe apenas um desejo que evidencia
sua falta, um tipo de vazio do objetivo não alcançado. A mensagem diz: não
existe saída, não existe saída, não existe saída.

Amigo: Você está dizendo que há somente um desejo de liberdade


dentro dos que estão no labirinto e que este não liberta realmente? Pois como
disse antes, trata-se apenas de um sonho produzido pelos efeitos do próprio
labirinto?

Diabo: Você é mais esperto do que eu pensava.

Amigo: Mas o ser humano, digo; o rato, ele é livre para fazer o que
quiser dentro do labirinto, certo?

Diabo: Olha, quase fui obrigado a retirar o que disse, mas, não o farei.

Filósofo: Ainda que seu argumento possua certa lógica, discordo de


você.

Diabo: Sim, explique.


Filósofo: De acordo com o exemplo que você deu, os ratos são os
seres humanos e o labirinto é o mundo em que vivem certo?

Diabo: Também.

Filósofo: Pois bem. Analisemos então a noção de espaço existente


dentro do labirinto, digo, do mundo.

Diabo: Ok.

Filósofo: Para melhor entendermos darei o exemplo de uma guerra.

Diabo: Tudo bem.

Filósofo: Suponhamos que neste momento esteja acontecendo uma


guerra do outro lado do mundo e nós estamos aqui, logo, por estarmos aqui ela
não nos condiciona em nada. Podemos então exercer nossa liberdade para
fazermos outras coisas que não tenham nada a haver com a guerra, mesmo
que compartilhemos o mesmo “labirinto”.

Diabo: Concordo em parte.

Filósofo: Mas não é somente se estivéssemos em meio à guerra que


teríamos de agir de acordo com ela? Digo; coisas como correr, se esconder ou
reagir com algum tipo de violência? Somente sobre tal situação poderíamos
dizer que a liberdade não é possível, pois o que nos moveria em tal contexto a
tais ações seria a guerra.

Diabo: Seu idiota, você mesmo se contradiz quando fala que só não
está condicionado aqui pela guerra, porque aqui não há guerra.

Amigo: E não está certo?

Diabo: Notem que qualquer ação ou movimento que é feito, tipo; ficar
parado, cantar, lutar pela paz ou mesmo se suicidar para não obedecer ao
contexto da guerra, não os tornam livres, nem na guerra ou em qualquer outro
lugar.

Amigo: Mesmo que sejam amplas as opções de escolha?

Diabo: Não, porque se não tiver como condicionante a guerra, com


certeza terá outra coisa. Se perguntássemos para alguém que estivesse
correndo em um ambiente de guerra, se foi ele mesmo que escolheu estar ali
correndo por sua liberdade e ele respondesse que sim, vocês acreditariam?

Amigo: Não, mas e se dissesse que não?

Diabo: Estaria apenas confirmando saber que não é livre, mesmo tendo
várias alternativas no momento para escolher.

Amigo: Mas ele não era livre para escolher o que queria?

Filósofo: Acredito que nesse contexto não, já que estava sendo


obrigado a escolher quando não queria.

Diabo: Espero que percebam que não estou falando apenas sobre
esse contexto, notem que, quem escolhe o faz de acordo com o que lhe é dado
para escolher e se é uma liberdade que lhe é pressuposta, mesmo escolhendo
seu poder de escolha não o torna livre.

Amigo: Com a minha liberdade de escolha posso pensar no que eu


quiser e escolher o que eu quiser e ninguém tem nada a ver com isso. Posso
até mesmo sair fora desse padrão de escolha que você falou, que na verdade
eu não entendi direito.

Diabo: É mesmo? E por que será que você pensa assim?

Amigo: Não sei, só sei que o que vocês falaram me fez lembrar de um
jogo de xadrez. Não sei quem inventou o jogo, as peças e as regras, só sei que
apesar de tudo isso jogo como eu quero jogar e quando quero, pois quando
não estou afim nem mesmo pensar no jogo eu penso, mesmo que ele exista
para ser jogado.

Diabo: Nossa, tenho que confessar que às vezes você me assusta


rapaz.

Amigo: Obrigado.

Diabo: Olha, vejo esperança para você, por isso, vou fazer algo por
você que jamais fiz por humano algum, só para ver se você alcança um nível
maior de esclarecimento.
Amigo: Verdade? Olha, acho que me enganei julgando que você era
um mau sujeito.

Diabo: Para sua sorte tenho o poder de viajar no tempo e agora o


usarei para visitar alguns povos e culturas em outras épocas, pois creio
que só assim o convencerei.

Amigo: Tudo bem.

Filósofo: E eu? Seu contrato não é comigo?

Diabo: Sim, iremos todos, mas antes tenho que lhes alertar sobre
algumas regras a fim de evitarmos problemas.

Filósofo e Amigo: Ok, sem problemas.

Diabo: Primeiro; teremos que ser rápidos porque esse poder é muito
limitado. Segundo; não interfiram na história tentando mudá-la.

Amigo: Maravilha! Como é bom ser livre para podermos explorar outros
contextos como bem entendermos.

Diabo: Não é bem assim e não pense que não entendi a indireta. Só
estou fazendo isso para vocês não ficarem muito abalados emocionalmente
quando se depararem com a verdade.

Filósofo: Guarde essa sua falsa piedade para você mesmo. Não ajuda
em nada tentar valorizar um conceito com um da mesma categoria.

Amigo: Desculpe seu Diabo, ele não quis dizer isso.

Diabo: Vamos seus idiotas.


UMA VIAGEM ESCLARECEDORA

E assim o Diabo, o Filósofo e seu amigo viajaram pelo tempo com


o intuito de adquirirem mais esclarecimentos. O primeiro povoado a ser
visitado foi um vilarejo do Japão antigo onde encontraram um samurai em
seu treinamento. Sem demora o Diabo disfarçado tratou logo de se
aproximar.

Diabo: Bom dia nobre samurai! Não queremos incomodar, só


gostaríamos de lhe fazer algumas perguntas se nos permitir.

Samurai: Bom dia. Não se preocupem, podem perguntar.

Diabo: Logo que cheguei aqui notei que estava treinando, então
gostaria de saber se foi você mesmo quem escolheu estar aqui treinando para
uma guerra?

Samurai: Sim, nada mais lógico, se não nos defendermos viramos


escravos ou morremos. Um homem que não sabe lutar nunca será livre porque
a liberdade se conquista através da luta. Ela nunca vem em forma de presente
apenas de conquista.

Amigo: Não seria melhor ficar aqui e se ver livre da guerra?

Samurai: Não importa onde esteja, a guerra sempre virá até você.

Amigo: Nossa!

Samurai: Sim, e lhe digo que das formas mais variadas possíveis, por
isso se quiser ser realmente livre prepare-se para ela.

Amigo: Não tem outro jeito?

Samurai: Sabe rapaz, vejo que você não é um guerreiro.

Amigo: Não.

Samurai: Ou talvez você só esteja enganado, não vejo como viver essa
vida sem ser um guerreiro, algumas vezes até podemos escapar da morte, mas
da vida nunca escapamos.
Diabo: Falou tudo mestre.

Filósofo: Para mim o segredo é descobrir onde está o engano.

Amigo: Isso parece ser verdade. Sabe, às vezes quando ninguém me


faz o mal eu mesmo faço, parece até que estou sempre em guerra comigo
mesmo.

Filósofo: Isso porque sempre o pior mal que nos acontece é o mal que
é feito por nós mesmos.

Samurai: Olha, se serve de consolo para vocês saibam que eu não luto
só com a espada, antes de lutar com ela tenho que lutar com as palavras.
Todos os dias tenho que encontrar as melhores para me vencer. Se eu não me
vencer não luto e se não luto, não venço.

Amigo: Você está falando de mudança, não é?

Samurai: Sim e se eu não mudar minha situação não muda. Só que


faço isso sempre tomando o cuidado para não permitir que meu orgulho seja
maior que minha capacidade.

Filósofo: Sempre queremos vitórias, mas nunca queremos lutas.

Amigo: Entendi; sempre haverá luta!

Samurai: Sim meu nobre discípulo, sempre, mas lembre-se; enquanto


continuar lutando com as armas erradas, continuará sendo vencido.

Amigo: Não esquenta mestre, acredito que não faremos nada de boa
vontade enquanto não o fizermos segundo nossa vontade.

Samurai: Você me parece confiante, mas tenha cuidado. Enquanto


você tiver certas fraquezas o inimigo será sempre mais forte. Pior do que o
inimigo que te força a errar é você que se convence, e pior que a derrota é o
desânimo por ter sido derrotado.

Filósofo: Sim, tudo isso que o senhor nos ensina é muito valioso, mas
não se preocupe mestre, como pode notar nós valorizamos a única “coisa” que
pode aperfeiçoar nossa existência; o conhecimento.
Samurai: Isso é maravilhoso rapaz, mas lembre-se: de nada adiantará
o conhecimento se não houver coragem, pois do que adianta a arma mais
poderosa do mundo nas mãos de um covarde? Tomem cuidado; ao adquirirem
essa capacidade não fiquem confiando cegamente nela e desconfiem até
mesmo de certas coisas certas.

Diabo: Nossa! Tenho que vim aqui mais vezes para conversar com
esse velhote.

Amigo: Tudo isso é muito interessante e nobre, mas não entendo.

Filósofo: O que você não entende?

Amigo: Olhe ao redor e veja você mesmo. Vê quanta miséria e


destruição?

Samurai: Sim você tem razão, mas não se engane. Ver é importante,
mas o importante não está só em vê, está em entender o que vê.

Amigo: Não entendi.

Samurai: A verdadeira miséria não está em nossa volta, está dentro de


nós. Enquanto nos concentrarmos somente nas batalhas exteriores,
continuaremos a perder a guerra dentro de nós.

Amigo: huuuummm... Interessante.

Filósofo: Um exemplo; muitas vezes nosso orgulho faz com que


desejemos ser quem não somos só para parecermos que somos, mesmo que
nunca venhamos a ser.

Samurai: Também, mas o segredo está na mudança, você tem que


fazer de tudo para enxergar seu valor a fim de evitar o pior dos vícios.

Diabo: E qual seria o pior dos vícios, mestre?

Samurai: O vício de ser o mesmo sempre; esse sempre será o pior dos
vícios.

Amigo: E tudo isso para ser sábio, certo?

Samurai: Também, mas principalmente para ser forte.


Amigo: Ser forte?

Samurai: Sim, uma vez que só os fracos é que permanecem escravos.

Diabo: Muito obrigado mestre por seus ensinamentos, era isso que
precisávamos saber. Boa luta pela liberdade para você.

Samurai: É só isso? Tudo bem então. Até mais forasteiros, precisando


de ajuda podem chamar.

Diabo: Ficamos gratos. Adeus!

Amigo: Hoje aprendi algo muito importante.

Filósofo: E o que é?

Amigo: Que há coisas que somente os sábios podem enxergar.

Filósofo: Realmente.

Amigo: Que lugar lindo! Já vamos embora?

Diabo: Não, ainda quero que vejam algo.

O Diabo os transportou para um lindo salão onde estavam sendo


feitos os preparativos para uma grande festa de casamento.

Diabo: Vocês sabem o que está sendo feito aqui?

Filósofo: Pelos enfeites, creio que se trata de uma festa.

Diabo: Uma festa de casamento para ser mais exato.

Amigo: E o que há de especial nisso?

Diabo: Vamos visitar a noiva.

Dando a volta pela propriedade encontraram duas jovens em uma


varanda. Eram duas irmãs. A mais velha estava muito sorridente e feliz por
que ia se casar.

Diabo: Bom dia jovens senhoritas, poderiam nos conceder a permissão


de nos aproximarmos para uma breve conversa?
Jovem noiva: Sim claro, podem se aproximar.

Enquanto o Diabo iniciava um dialogo com a noiva, sua irmã


desceu para onde estavam.

Amigo: Nossa, mas você linda!

Irmã da noiva: Obrigado...

Filósofo: Você quer calar a boca?

Amigo: Não!

Diabo: Quietos! Senhorita só por curiosidade; poderia me responder


quem proporcionou esse casamento?

Jovem noiva: Meu pai é claro.

Diabo: Desculpe a pergunta, mas é que estou muito curioso e gostaria


de saber como escolheu seu noivo?

Jovem noiva: Que absurdo! Todos sabem que não temos esse direito,
o direito de escolha pertence a nossos pais, assim, fomos dados em
casamento um para o outro quando ainda erámos crianças.

Diabo: E quanto ao namoro?

Jovem noiva: Namoro, o que é isso?

Diabo: Desculpe não é nada. Quero dizer; você está feliz?

Jovem noiva: Sim muito feliz. Quem não ficaria? É um privilégio ser
escolhida para casar com alguém.

Diabo: Mas você não gostaria de ter escolhido o seu futuro marido?

Jovem noiva: Escolhido? De onde você tirou esse absurdo? Isso não
existe. Mulher alguma pode escolher seu futuro marido, isso seria antinatural e
uma verdadeira desonra para com a sua família.

Diabo: Muito obrigado jovem senhorita, era só isso que gostaríamos de


saber. Um bom casamento para você.
Jovem noiva: Disponha sempre senhor e muito obrigado. Mas vocês
viram onde está minha irmã? Ela estava ao meu lado agora mesmo.

Diabo: Desculpe, mas não vimos. E falando nisso, onde está o inútil do
seu amigo?

Filósofo: Não sei, ele estava á pouco ao meu lado.

Diabo: Senhorita foi um prazer a conversar, mas agora temos que ir. É
que temos que procurar uma certa pessoa.

Jovem noiva: Sim igualmente. Eu tenho que ir procurar a minha irmã. E


por favor, se á encontrar diga que estou a sua procura.

Diabo: Sim, com certeza falaremos.

Jovem noiva: Do mesmo modo farei se encontrar vosso amigo.

Diabo: Ficamos gratos. Adeus!

Passaram-se duas semanas de intensas buscas e nada de


encontrarem o amigo. Do mesmo modo a família da Jovem noiva não
conseguiu encontrar sua irmã.

Filósofo: Meu Deus! O que terá acontecido com o meu amigo? Se o


pior tiver acontecido jamais irei me perdoar.

Diabo: Também não precisa apelar.

Filósofo: Como assim?

Diabo: Essa encrenca é nossa, então vamos ter que resolver sozinhos.

Filósofo: Você não é o Diabo?

Diabo: Sim, ainda tem dúvidas?

Filósofo: O que eu quero dizer é que você deve ter o poder de


encontrá-lo facilmente. A final, isso não deve ser um grande desafio para você.

Diabo: Realmente não é, mas isso somente em condições normais.

Filósofo: O que você quer dizer com isso?


Diabo: Quero dizer o que já disse quando avisei á vocês sobre as
condições para viajarmos no tempo. Aqui meus poderes são limitados, sou
como um de vocês, com exceção da minha inteligência e o poder de viajar pelo
tempo.

Filósofo: E porque o estamos procurando? É só você simplesmente


ativar seu poder de viajem no tempo e nos transporta daqui, mesmo que não
saibamos onde ele está.

Diabo: Mas você é tapado mesmo, em? Já não lhe falei que meus
poderes estão limitados?

Filósofo: E agora?

Diabo: E agora que seu amigo começou a interferir na história e se não


o encontrarmos logo, teremos grandes problemas.

Filósofo: E o que estamos esperando então? Continuemos a procurá-lo


o mais rápido possível.

Nesse momento vários cidadãos da cidade que estavam á procura


da irmã da Jovem noiva, os avistaram.

Cidadãos da cidade: Eles estão ali, peguem eles!

Diabo: Depressa, vamos.

Filósofo: Quê? O que está acontecendo? Por que estão nos


perseguindo?

Diabo: Não seja idiota, não vê que estão nos perseguindo por causa da
irmã da Jovem noiva?

Filósofo: Ainda não á encontraram?

Diabo: O que você acha?

Filósofo: Mas como?

Diabo: Estou achando que isso tudo tem haver com o idiota do seu
amigo.
Filósofo: Eu não acredito, ele não seria capaz de fazer uma coisa
dessas, não ele, jamais sequestraria alguém.

Diabo: Sim, também acho, mas isso não está parecendo sequestro.

Filósofo: E o que seria então?

Diabo: Olha...

De repente foram cercados pelos cidadãos da cidade. Estavam


todos armados e muito furiosos.

Pai da irmã da Jovem noiva: Seus desgraçados! Onde está a minha


filha? Digam logo ou irão morrer da forma mais terrível possível.

Diabo: Não sabemos senhor.

Pai da irmã da Jovem noiva: Vocês estão mentindo!

Filósofo: Não, não estamos. E também estamos procurando nosso


amigo que sumiu misteriosamente.

Pai da irmã da Jovem noiva: Vocês não me enganam. Levem eles para
a praça principal.

Diabo: Se eu pegar o seu amigo vou levá-lo diretamente pro inferno por
ter colocado a gente nessa enrascada.

Filósofo: Calma, acredito que se foi mesmo ele, deve ter uma boa
razão para isso.

Pai da irmã da Jovem noiva: Calem a boca! Essa é a ultima chance de


vocês, digam logo onde esconderam a minha filha.

Filósofo: Já disse; não sabemos.

Pai da irmã da Jovem noiva: Peguem eles e os preparem para a morte!

Os cidadãos da cidade enfurecidos amarraram-lhes os pés, mãos e


os colocaram de joelhos. Depois ergueram as espadas esperando a ordem
para a execução.

Diabo: Maldita hora que aceitei esse pacto com esses dois idiotas.
Filósofo: A culpa é sua, mas eu te perdoo.

Diabo: Droga! Não sei o que é pior; se é morrer tendo o pescoço


cortado ou aturar a religiosidade de um filósofo.

Pai da irmã da Jovem noiva: Chegou o momento; ao meu sinal


executem a sentença.

E no momento exato em que o Pai da irmã da Jovem noiva ia dar a


ordem, ouviu-se um grito.

Irmã da Jovem noiva: Parem! Eles são inocentes.

De repente um silêncio.

Pai da irmã da Jovem noiva: Minha filha, ela está viva!

Diabo e filósofo: Ufa, foi por pouco.

Pai da irmã da Jovem noiva: Mas o que aconteceu? E quem é esse


rapaz que está ao seu lado?

Diabo: É o idiota de quem lhe falamos, podem matá-lo ele é o culpado.

Amigo: Eu? Mas como se foi ela quem me obrigou a fugir com ela.

Pai da irmã da Jovem noiva: O que? Como ousa? Isso é um insulto á


honra da minha filha, por isso você ira morrer.

Diabo: Isso! E se quiser eu posso ajudar.

Amigo: Calma eu posso explicar. Desculpe, é que eu estou com muito


medo, por isso exagerei um pouco.

Irmã da Jovem noiva: Não precisa, deixa que eu explico. Papai é tudo
minha culpa, fui eu que o convenci a fugir.

Pai da irmã da Jovem noiva: Mas como isso é possível? Tenho certeza
que foi ele quem enganou você contando mentiras.

Irmã da Jovem noiva: Não, não foi papai. Fui eu que ao vê-lo pela
primeira vez Já o amei, então conversamos e concordamos em vivermos juntos
para sempre.
Diabo: Que loucura! E eu que nunca acreditei em amor a primeira vista.

Filósofo: E pode continuar acreditando, pois ele não existe mesmo.


Cidadãos da cidade; peço que não levem tão a sério esses dois jovens, pois
eles só não souberam se expressar direito. Não é um amor verdadeiro o que
sentem um pelo outro, eles só querem dizer que são grandes amigos.

Diabo: Só um idiota bem idiota para acreditar nessa sua conversa


idiota.

Filósofo: Cale a boca, você não vê que estou tentando tirar a gente
dessa encrenca.

Pai da Irmã da Jovem Noiva: É verdade isso que ele falou? Diga! Se for
mesmo verdade ainda estou disposto a reconsiderar e esquecer tudo, mas de
outra forma, para não magoar mais minha filha você terá que se casar com ela.

Amigo: Não, não é verdade o que ele disse.

Cidadãos da cidade: Uuuuuhhhh!

Diabo: Ferrou.

Filósofo: Meu senhor; peço sua permissão para falar com o meu amigo
em particular por um momento.

Pai da Irmã da Jovem noiva: Permissão negada. Se tiver algo para


falar com o noivo, que seja em publico para todos ouvirem.

Amigo: Eu não tenho nada para falar com esse ai.

Cidadãos da cidade: Uuuuuhhhh!

Diabo: Pelo jeito o que não existe é amizade verdadeira.

Filósofo: O que foi, ficou maluco? O que eu fiz para você me tratar
assim?

Amigo: Você ainda pergunta? Não reparou que em todas as suas falas,
nenhuma única vez você se preocupa com o que eu sinto? Com o que é
importante para mim?

Diabo: É realmente ele está amando.


Filósofo: Mas é claro que eu me importo.

Amigo: Prove.

Diabo: É, prove.

O Filósofo respondeu falando bem alto e em bom som: Eu


aaaammmooo vooocê!

Cidadãos da cidade: Uuuuuhhhh!

Diabo: Que lindo, eu sabia que o que sentiam um pelo outro era muito
mais que simples amizade.

Amigo: Isso é verdade?

Filósofo: É claro que não.

Amigo: Então você não me ama?

Filósofo: É claro que sim, mas como irmão, na verdade você é muito
mais que um irmão para mim... É a única família que eu tenho.

Diabo: Nossa isso foi lindo. Agora ouça seu irmão e volte para casa
seu idiota.

Amigo: Não, porque ele disse que o que nós sentimos não é amor
verdadeiro. Eu vou ficar aqui, podem ir sozinhos.

Filósofo: Nós não iremos sem você. E seja sincero com você mesmo,
você sabe mesmo o que é o amor verdadeiro? Tem certeza que o que você
sente não é algum tipo de força ou fraqueza que o domina? Ou até mesmo um
tipo de vício, virtude, prazer ou paixão?

Amigo: olha, o que sei a respeito dessas coisas é o que aprendi com
você.

Filósofo: E o que foi?

Amigo: Que pouco adianta ter um corpo forte, se os pensamentos


forem fracos. Que pouco adianta ter dinheiro, quando não se tem virtudes. Que
pouco adianta satisfazer os prazeres do corpo, quando estes ao mesmo tempo
entristecerem o espirito e que pouco adianta uma ardente paixão, se esta lhe
impedir de encontrar o verdadeiro amor.

Diabo: Toma! Dessa vez eu concordo com o idiota.

Filósofo: Mas de que lado você está? Não vê que podemos ficar presos
aqui para sempre.

Diabo: Desculpa, é que eu estava tão atento á conversa de vocês que


acabei me esquecendo.

Filósofo: Perdoe-me, mas é que me preocupo verdadeiramente com


você.

Amigo: Não, não vou perdoá-lo.

Filósofo: Como assim?

Amigo: É que, quem verdadeiramente ama nunca perdoa, nunca


perdoa porque nunca se magoa. Ame verdadeiramente e nunca mais precisará
perdoar ninguém, pois não sentirá mais magoas. Só precisa perdoar quem se
sente magoado.

Cidadãos da cidade: Uuuuuhhhh!

Diabo: É eu acho melhor desistir.

Filósofo: Ainda não, ainda não estou convencido. Eu também já amei


alguém e o que aprendi é que o amor é ao mesmo tempo o nosso ponto forte e
fraco.

Pai da irmã da Jovem noiva: Ainda tem alguma coisa a falar? Pois se
não tiverem, já vamos indo.

Filósofo: Sim, ainda quere falar algo.

Pai da irmã da jovem noiva: Seja breve, não suporto mais ficar aqui
ouvindo tanta besteira.

Filósofo: E a nossa amizade?

Amigo: Se nossa missão é amar, não nos frustremos pelo resto então,
já que uma vida conduzida pelo amor não se limita as circunstâncias.
Filósofo: Desisto; agora eu sei que é realmente impossível definir a
alma de outra pessoa. Ele está preso nesta ilusão.

Amigo: Prezo? Só os fracos é que não conseguem amar, estes é que


serão escravos por toda a vida.

Filósofo: E você não vai falar nada?

Diabo: Sim, ele tem razão.

Filósofo: O que?

Diabo: Ele está doido falando um monte de besteiras românticas, mas


tem razão por estar sendo verdadeiro.

Filósofo: Tudo bem, eu admito minha derrota. Que seja feito como
deseja meu amigo, mas nunca esqueça que jamais me esquecerei de você.

Amigo: Igualmente, mas antes tenho algo importante para lhe dizer.
Saiba que você é muito inteligente, mas não tente parecer brilhante a todo
instante, isso só acabará colocando mais escuridão em sua vida. Só podemos
em parte brilhar, mas não totalmente. Não queremos, mas quando refletimos
honestamente admitimos que até no mais brilhante dos homens, ainda há
escuridão.

Filósofo: Sim, eu percebo isso.

Amigo: Então, se em algum dia perceber-se esgotado de tanto tentar


ser totalmente brilhante, tente satisfazer-se com o brilho da humildade de
admitir sua porção de escuridão.

Diabo: Nossa! Então é mesmo verdade que o amor transforma até os


idiotas em gênios?

Filósofo: Não seria o contrário?

Pai da irmã da jovem noiva: Não, não é isso. Eu acho que o amor
transforma idiotas em poetas geniais.

Amigo: Não, não é isso, eu só quis dizer que...


Pai da irmã da Jovem noiva: Não importa, o que importa é que tudo já
está decidido.

Diabo: Está?

Pai da Irmã da Jovem noiva: Sim está, Faremos o casamento ainda


hoje e depois iremos para a guerra.

Diabo e Filósofo: Guerra?

Amigo: Guerra?

Pai da irmã da Jovem noiva: Sim para a guerra. O que á de mais


nisso?

Amigo: É que não posso ir para a guerra, sou um homem de paz.

Irmã da jovem noiva: Esperem! Não haverá mais casamento.

Cidadãos da cidade: Uuuuuhhhh!

Amigo: O que? Mas como assim meu amor?

Irmã da Jovem noiva: Amor? Nunca mais me chame assim, você me


enganou dizendo que lutava, mas na verdade você não chega nem ao menos
perto de parecer um guerreiro. É apenas um idiota romântico.

Cidadãos da cidade: Uuuuuhhhh!

Filósofo: Você teve a coragem de enganar essa jovem dizendo que


lutava?

Amigo: Mas eu não enganei, eu luto!

Diabo e Filósofo: Luta?

Amigo: Sim, luto na vida pra sobreviver. Quer luta maior que essa!

Diabo: Não acredito, seu idiota você esqueceu em que época


estamos?

Amigo: Ai que dor no coração. Muitos dizem que a alma está dentro do
corpo, mas eu discordo. Ela está fora, pois ao perder você, perdi também a
minha alma meu amor. Todos morrem, mas nem todos ao viver, vivem.
Diabo: Enlouqueceu de vez.

Pai da Irmã da Jovem noiva: Bem, não queria atrapalhar esse


momento, mas é que me parece que finalmente chegamos a uma decisão.

Diabo: Chegamos?

Pai da irmã da Jovem noiva: Mas é claro que sim.

Diabo: E qual foi?

Pai da irmã da Jovem noiva: De que vocês devem morrer. Matem eles!

Filósofo: Corram!

Amigo: Nós não vamos conseguir.

Diabo: Rápido, fiquem juntos e deem as mãos...

E viajando mais uma vez no tempo transportaram-se para muitos


anos à frente noutro continente, no início da idade média.

Diabo: Vocês estão bem?

Filósofo: Sim.

Amigo: Não.

Diabo: O que foi se machucou?

Amigo: Sim, meu coração está destruído.

Diabo: Não seja tão dramático. O problema é que você ainda não
conhece bem as mulheres.

Filósofo: E você conhece?

Diabo: Não, só falei porque queria ajudar.

Filósofo: Meu amigo perceba que em um relacionamento quando


começam a surgir dramas, tentativas de controle das emoções do outro e
exigências de provas de amor que constrangem e geram culpa se não
cumpridas, isso só evidencia que o relacionamento está baseado em desejos
egoístas e narcisistas e não no amor verdadeiro.
Amigo: A teoria é sempre mais fácil que a realidade, mesmo que seja
real, ela ainda não é a realidade.

Diabo: Calma, lembre-se do que o filósofo sempre diz; que as


pequenas derrotas temporárias são apenas um treinamento para as grandes
vitórias que ainda virão.

Amigo: Sei, mas não sei se posso continuar sabe, é que estou
realmente muito mal.

Filósofo: Meu amigo sei que esta possivelmente é a maior dor que já
enfrentou, eu entendo, mas entendo também que você é a pessoa que possui
a maior capacidade de perdoar que eu conheço.

Diabo: Isso perdoe.

Filósofo: Lembre-se que só tem capacidade para perdoar aquele que


consegue compreender a própria ignorância e a ignorância do outro, e só pode
chegar a esse nível quem consegue amar.

Diabo: Ora, no final tudo o que importara mesmo para você, foi que
você realmente amou.

Filósofo: Reaja meu amigo, note que as pessoas podem nos ferir e de
várias formas nos fazer o mal e a culpa realmente é delas, mas a
responsabilidade por se reconstruir, superar todo o mal e ser feliz é nossa.

Diabo: Resumindo, só existem três maneiras de lidar com nossas


situações: podemos piorá-las, manter ou mudá-las para melhor.

Amigo: ok já intendi; agora calem a boca, estou escutando um barulho


esquisito.

Filósofo: Olhem!

Á poucos metros havia um jovem mexendo em um forno.

Diabo: Venham, continuemos com o nosso propósito.

Amigo: Ok, tudo bem.

Diabo: Bom dia jovem, o que está fazendo?


Jovem Ferreiro: Estou jogando lenha no forno para aumentar a
temperatura, sabe, meu pai é ferreiro e só assim é possível trabalhar
com o ferro.

Diabo: Você é muito bom nisso.

Jovem Ferreiro: Obrigado, é que estou me preparando desde cedo


você sabe; um dia terei que exercer esse ofício.

Diabo: Quer dizer que é isso que você gostaria de ser, um ferreiro?

Jovem Ferreiro: Sim, o que mais eu poderia ser? É a tradição; filho de


ferreiro, ferreiro é. Não é assim? Jamais poderei ser um nobre é antinatural, o
máximo que pode acontecer de diferente é o rei me chamar para servir em seu
exército.

Diabo: Muito obrigado jovem. Era só isso que queríamos saber, adeus.

Jovem Ferreiro: Adeus senhor.

Diabo: E aí jovem filósofo, o que você notou sobre as ideias de


liberdade dessas situações?

Filósofo: São muito estranhas. Pela mente do Samurai parece que a


liberdade só era possível através da guerra. Pela mente da Jovem Noiva
aparentemente não passava nenhuma ideia de liberdade ou de escolha em sua
situação, logo não sentia sua falta porque ela não existia. Já pela mente do
Jovem Ferreiro, não existia praticamente muitas opções para despertá-lo em
uma busca ansiosa por outra vocação ou identidade.

Diabo: Está conseguindo perceber as diferenças? Para o samurai a


ideia de liberdade estava mais para libertação, já para os outros, não sentiram
sua falta ou influência porque naquele contexto ela praticamente não existia.

Filósofo: Sim, me parece que é isso.

Diabo: Vou lhe dar outro exemplo.

E mais uma vez viajando no tempo, desta vez foram parar em uma
época mais atual no mesmo continente.
Diabo: Vejam só, aqui estamos, lar doce lar!

Amigo: É o inferno?

Diabo: Mas é claro que não é o inferno.

Filósofo: Eu acho que conheço essa moda extravagante. Estamos nos


anos setenta?

Diabo: Mais ou menos por aí, não é lindo!

Amigo: Como ele disse; é uma moda bem extravagante.

Diabo: Ok, agora parem, eu não os trouxe até aqui para isso; apenas
para ver roupas extravagantes e coloridas.

Amigo: Não?

Diabo: É claro que não. Esse modo de se vestir e falar não é só uma
moda, é muito mais que isso, sacou bicho.

Amigo: O que? Do que você me chamou?

Filósofo: É só uma maneira de falar da época.

Amigo: Á, tá.

Diabo: Vem comigo meu chapa.

Amigo: O que? Há já intendi, beleza tô indo meu brother.

Diabo: Cara eu acho melhor tu ficar numa boa, sacou?

Amigo: Você quer que eu fique de novo só observando, não é?

Diabo: Sim.

Amigo: Pô mermão, podiscrê tu é o tal, já saquei meu chapa, Mora?

Diabo: Nossa bicho, tu é esquisito mesmo.

Depois de um diálogo esclarecedor, aproximaram-se de um rapaz


que seguia vagarosamente numa brisa para algum lugar, com uma grande
placa de protesto nas costas.
Diabo: E aí bicho, numa boa? Não pude deixar de notar qual é a tua,
por isso quero te perguntar se a gente pode bater um papo firme contigo.

Rapaz Que Seguia Vagarosamente Numa Brisa: É mesmo? Tá joia


bicho, pode sim.

Diabo: Bacana bicho. Olha, parece meio esquisito, mas a pergunta é


sobre esse teu jeito descolado de se vestir.

Rapaz Que Seguia Vagarosamente Numa Brisa: Pode perguntar bicho,


não esquenta não.

Diabo: Legal bicho. Então, esse teu jeito de se vestir; foi você mesmo
quem escolheu? Blusa amarela toda estampada com flores, calça boca de sino
e sapato plataforma... Por aí.

Rapaz Que Seguia Vagarosamente Numa Brisa: Claro bicho, mas é


muito mais que uma escolha, esse é meu jeito de ser, esse sou eu manja?

Diabo: Falou e disse, é claro que eu manjo bicho! E é por isso que é só
isso mesmo que eu queria te perguntar, valeu.

Rapaz Que Seguia Vagarosamente Numa Brisa: Falou então bicho, tô


indo nessa.

Depois do diálogo, transportaram-se para o tempo presente.

Diabo: E, aí?

Amigo: E, aí o que?

Diabo: O que vocês acharam?

Amigo: Não sei ele, mas eu achei a maior doidera vocês dois bicho.

Diabo: Seu... Estou falando sobre o que falávamos.

Filósofo: Você está perdendo seu tempo.

Amigo: Há, sim. Muito esclarecedor, por aí...

Diabo: Você ainda não entendeu bem, não é?

Amigo: Estou entendendo, estamos falando sobre liberdade.


Filósofo: Para mim, ter liberdade é poder ser um ser para si mesmo e
não ter é viver para outros.

Amigo: Como assim?

Filósofo: Quando pego algo que me aparece condicionado no horizonte


e o reconstruo para mim mesmo, estou criando minha própria liberdade onde
ela não existia, simplesmente também porque não vou encontrar a minha
liberdade por aí em algum outro lugar que não seja em mim mesmo. Essa
dinâmica só funciona quando eu pego algo do mundo condicionado e a
recondiciono para mim mesmo e não o contrário.

Diabo: E, essa é a sua maneira de ser livre?

Filósofo: Lógico, como poderia afirmar por você? Para mim liberdade é
o ordenado que posso modificar e a falta que posso preencher. É o ordenado
que reordeno de acordo com minha própria ordem, pois para mim, mesmo que
já esteja de antemão ordenado é aleatório até que eu mesmo dê o sentido e a
ordem das coisas, reorganizando-as do meu jeito, mesmo em meio a uma
guerra no labirinto.

Diabo: Então, para você só existe o seu autocondicionamento como


fonte de liberdade?

Filósofo: É claro que não, a liberdade não é possível se houver apenas


uma fonte determinante, sem outras contrárias. Quando existe uma força que
se opõe e deseja saída mesmo sem ter, essa já é uma fonte contrária livre que
questiona e repensa o já pensado. Sem o contrário nada é livre, tudo é
condicionado.

Diabo: Se você lançar um rápido olhar sobre a história, o que significa


para você encontrar você neste lugar e tempo deste jeito? Digo, do mesmo
modo que encontramos os outros em suas épocas e contextos na viagem no
tempo que fizemos?

Filósofo: Que em todos os níveis sou condicionado?


Diabo: Humm... Pense; você está cheio do que está mais próximo, do
que está ao seu alcance, do conhecido ao seu redor. Você não é o que não
está ao seu alcance, tipo: o que está em outros lugares e épocas.

Filósofo: Não é uma questão de quantidade, é? Não importa se o que


tenho é pouco ou muito, se está perto ou longe, se já tinha ou adquiri. O que
importa é o que eu faço com o que tenho.

Diabo: Sim, mas...

Filósofo: Digamos que mesmo o adquirido depois, o que não nasceu


comigo, o que veio do mundo exterior de perto ou de longe. Depois que adquiri
eu tenho, não tenho? Pois o não ter evidencia ao não ser.

Diabo: É um absurdo o tanto que você se contradiz. Você tem certeza


que é mesmo um filósofo?

Amigo: Mas é claro que ele é! Meu amigo não ligue para o que o Diabo
está dizendo, ele é um invejoso que não pode dar razão pra ninguém. Ele só
está tentando lhe confundir assim como fez comigo.

Diabo: E você é um idiota!

Filósofo: Bem, meu amigo diz que eu sou então eu acredito nele.

Diabo: Está vendo? Como pode alguém usar a liberdade para se tornar
livre?

Amigo: Eu não estou entendendo é mais nada.

Diabo: Quem é realmente livre não busca liberdade, só busca liberdade


quem não á tem. O ser humano não é livre, pois não é movido por sua
liberdade, mas pelo desejo de tê-la. Ele é destituído deste algo que deseja
tanto ter. A busca evidencia a falta.

Amigo: Como assim?

Diabo: Como disse, sua busca constante é a maior evidência de que


não á possui. Ele deseja encontrá-la e ficar com ela e não se ver mais livre
dela, do contrário não teria tão famigerado desejo por ela acima de tudo. O ser
humano é livre? Como? Se a todo o momento deseja ser livre.
Amigo: Acho que entendi o que você quer dizer; quem deseja ser livre
é porque não é, porque se fosse, não desejaria ser. É isso mesmo?

Diabo: Sim, muito bom!

Filósofo: Faz sentido, mas para mim o ser humano não deseja ser livre,
pois já é. O que acontece é que o mundo a todo instante tenta lhe tirar a
liberdade e ele luta constantemente para não perdê-la. O que ele não admite é
perder algo que ele já tem.

Diabo: Humm... Explique mais.

Filósofo: O que noto a respeito dessa afirmação do ser humano não ser
livre é que na verdade o que você chama de desejo de ser livre, não passa do
uso normal de sua liberdade para continuar livre do que não deseja, para
sempre ter o que tem; sua liberdade. O que você chama de busca é apenas o
exercer normal, tipo; antes de colocá-la em prática no mundo externo, ele á
pratica no seu mundo interior através da verificação, mesmo que não coloque
muitas vezes em prática no mundo exterior.

Diabo: Mas a mudança não evidencia a busca?

Filósofo: O assumir outra característica, um novo modo de ser, não


evidencia que não tenha um ser, antes que tem. É o próprio ser sendo si
mesmo livremente.

Diabo: Como pode ser livre alguém que está sempre preso na
incerteza e na dúvida? Poderia me dar o exemplo de alguém que chegou ao
ponto de ter plena certeza de quem ele é? Os seres humanos diante das
experiências de nível de identidade não estão sempre perguntando para si
mesmo, perdidos; esse sou eu ou será que sou apenas alguém que está sendo
para um dia ser quem realmente é?

Amigo: Realmente, inclusive estou muito perdido agora; não sei mais o
que quero, onde estamos e sobre o que vocês estão falando.

Filósofo: A dúvida não prende ninguém, antes liberta, o que realmente


prende são as certezas. Se eu tiver certeza de tudo, realmente não terei
dúvidas de nada e sem dúvidas, não poderei escolher. Ora! Não é o não poder
escolher o que mais causa angustia no ser humano? E já notou que só não
escolhe quem não é livre?

Diabo: A certeza nunca angustia ninguém, o que angustia é a dúvida.


O ser humano está sempre em busca de liberdade por acreditar que esta é a
cura para sua angustia que o prende. Ele por dedução acredita que é um ser
que é, mas não tem certeza e a falta de certeza sobre ser um ser que é, é a
sua maior angustia.

Filósofo: O problema é a grande mentira ideológica que diz que o ser


humano não é, e que precisa ser; esse é o maior problema do ser humano. Ser
livre não é um acontecimento ou situação que simplesmente nos liberta.
Precisamos entender que não buscamos ser livres, pois já somos, ainda que
por engano sejamos seres que a buscam através do ter. A liberdade não é uma
ação de poder para nos libertar do que nos oprime, antes, é nossa própria
essência.

Diabo: Amigo, se existisse mesmo essa tal essência da liberdade, ela


não poderia ser mudada ou neutralizada, e há situações que a tiram e
neutralizam, de modo que o ser humano nem mesmo sinta a sua falta e ainda
deseje se prender mais ainda ao que o prende, chegando ao ponto de ser
manobrado como gado ou qualquer outro animal de rebanho sem em momento
algum se incomodam com isso.

Filósofo: Mas...

Diabo: Ou seja; outro diz para ele quem ele deve ser e ele acredita
nesse outro plenamente. Olha, a liberdade é como a felicidade; nunca existiu,
não existe e nunca existirá um ser humano plenamente feliz.

Filósofo: Isso se a liberdade dependesse exclusivamente da


consciência, mas não, a liberdade é a essência do ser humano. Existe mesmo
que esse não tenha a consciência de sua existência.

Diabo: Mas você é teimoso mesmo, em? Não vê que do mesmo modo
que a felicidade plena não existe, também não existe e nunca existirá ser
humano plenamente livre? Isso não passa de um idealismo idiota formulado
por uma pobre alma angustiada que desejava si ver livre de sua própria
angustia. Basta perguntar para qualquer ser humano que se diz livre, se ele
sofre de alguma angustia, e ele lhe dirá que sofre e que deseja si ver livre dela.

Filósofo: Você está invertendo as coisas, á angustia existe, mas não


por falta de liberdade, e sim, pelo seu mau uso. Deus nos fez livres e às vezes
não sabemos como usar nossa liberdade. Muitas vezes nós mesmos nos
prendemos com nossa própria liberdade e isso nos angustia, ou seja; o mau
uso da liberdade e não sua falta.

Diabo: Você é cristão?

Filósofo: Sim, sou.

Diabo: E porque não me disse antes?

Amigo: Mas ele disse.

Diabo: Mas não explicou direito.

Filósofo: Sabe como é né? É que pega mal pra caramba um cristão
ficar trocando umas ideias com o Diabo. Se minha mãe souber disso ela me
mata.

Amigo: Você é maluco? Tem medo de sua mãe e não tem desse
sujeito?

Filósofo: Você esqueceu quem é a mãe?

Amigo: Verdade.

Filósofo: Se você quiser, depois apresento pra você.

Diabo: Não obrigado. Voltemos ao assunto.

Filósofo: Ok.

Diabo: Tudo bem, você tem razão. Concordo que o exterior às vezes
possa ser apenas um fator condicionante, mas o problema maior não está fora
do ser humano, está dentro dele. Deixe um ser humano sozinho sem nada
exterior que lhe domine, e garanto que mesmo assim se sentirá dominado.

Amigo: Mas como isso é possível?


Diabo: É muito simples. Primeiro começará a procurar algo que supra
suas necessidades biológicas. Depois impulsionado pelo prazer irá procurar
algo que faça sentido e tudo isso para sentir que sua vida tem algum valor. Isso
tudo faz com que sinta mais prazer e mais confiança em si mesmo para
conquistar mais coisas que lhe darão prazer. Sua vida se resume a um ciclo
infindável de busca pelo prazer.

Amigo: Só isso?

Diabo: Sim, e isso tudo só é possível através da confirmação do


sucesso social e em todas as áreas se possível. O status é o que faz mais
sentido para ele no mundo de dor e hierarquia de dominância em que só
sobrevive o que é mais capacitado. Sabe, a tal “essência de liberdade” que seu
amigo insiste em dizer que existe, não funciona sem confirmação exterior.

Amigo: Ele faz tudo isso visando autorrealização?

Diabo: Sim, todo o agir humano é reduzível a uma infindável busca por
algo que o confirme como um ser de grande importância, de incalculável valor.
Sem essa dinâmica externa sente que não é nada e que precisa
desesperadamente ser alguém. É capaz até mesmo de negociar a alma para
alcançar esse objetivo de prazer.

Amigo: Triste.

Diabo: Mas existem umas poucas exceções, com um tempo


considerável de busca alguns poucos que são mais inteligentes se deparam
com a insuficiência, se conscientizado de seus limites por perceberem que tudo
é insuficiente para torná-los senhores de si.

Amigo: Nossa!

Diabo: Sim, e digo mais. Por fim, se sentirão dominados pela falta do
que nunca conseguem alcançar.

Amigo: Não entendi.

Diabo: O vazio do ser humano é impreenchível. Todos os seus planos


e projetos não dão conta de levá-lo onde os seus desejos desejam chegar, por
isso, sempre retorna aos seus projetos de realização, tipo; está sempre
elaborando um novo início. Às vezes a ordem desse processo se altera um
pouco, mas o produto final é sempre o mesmo: vazio, preencher vazio, vazio,
preencher vazio...

Amigo: Acho que entendi. É como se em todos os seus projetos


terminados que no início disse; é isso! No final dissesse; não, ainda não é isso.

Diabo: É mais ou menos isso.

Filósofo: Acredito que o ser humano em seu caminhar não encontre


nada vazio ou cheio em si mesmo. O que acontece é que; o que aparenta estar
vazio é porque ele mesmo esvaziou, então ele o preenche, mas com um tempo
esse que foi preenchido já não o preenche mais, ou seja, ele mesmo faz com
que retorne ao vazio, mas não que a situação ou coisa em si, esteja mesmo
vazia.

Diabo: É quase isso. Na verdade é mais uma questão de movimento.

Filósofo: Parece também que o ser humano não consegue gostar do


que escolheu gostar initerruptamente, gosta, depois para de gostar para depois
gostar de novo.

Diabo: Mas é claro! Quando você ouvir o ser humano declarando que
está livre de alguma coisa é porque já se prendeu a outra, e a essa nova prisão
dá o nome de liberdade.

Filósofo: Também, mas é dessa maneira que o ser humano livremente


prende-se a algo, para depois libertar-se do que ele mesmo se prendeu por sua
própria liberdade, porque não consegue se prender a nada e não consegue
ficar livre de tudo, e isso só para continuar sempre sendo livre.

Diabo: Mas você é muito chato mesmo hem?

Amigo: Concordo.

Filósofo: Desculpe-me, mas é porque às vezes tenho a impressão que


você se contradiz e não dá totalmente as respostas certas.
Diabo: É que eu estava apenas lhe testando, e sempre agirei assim.
Um verdadeiro mestre jamais dá as respostas prontas, apenas ensina o
caminho para que o discípulo as encontre.

Amigo: Agora fiquei com medo. Você ouviu isso? Ele considera você
como um discípulo.

Filósofo: É só uma maneira de falar.

Amigo: hum, sei.

Filósofo: O que você disse é mesmo verdade?

Diabo: Mas é claro que é. Imagine que lhe desse todas as respostas
prontas como se fosse preencher a um recipiente vazio, a isso não poderíamos
denominar dinâmica de aprendizagem, já que você estaria apenas adquirindo
algo pronto e acabado e sem elaborar suas próprias respostas.

Filósofo: Faz sentido.

Diabo: O aprendizado é algo supremo para mim, é a única coisa


realmente original que podemos ter ainda que não seja totalmente verdadeiro.
Por isso, o máximo que posso fazer é lhe dar algum conteúdo para que você
elabore suas próprias respostas, sendo que; será sempre insuficiente, um
pouco aleatório e às vezes contraditório. De outro modo, você não poderá criar
algo que possa chamar de seu.

Filósofo: Verdade.

Diabo: Você não disse que pretende escrever um livro?

Filósofo: Sim, pretendo.

Diabo: Aceita uma dica?

Filósofo: Sim, claro.

Diabo: O conteúdo que estou lhe dando é equilibrado, se eu facilitar


demais você despreza e se dificultar demais você desanima.

Filósofo: Eu sei disso, já percebi.


Diabo: Minha dica é que escreva em um nível equilibrado, não facilite
demais nem dificulte demais.

Filósofo: Vou pensar.

Amigo: Não se preocupe com isso, nesta área ele não precisa de suas
dicas. Ele sempre escreve para aqueles que possuem mentes de eternos
aprendizes, que não querem algo pronto e acabado, mas algo que os coloque
a caminho.

Filósofo: Sim, e sempre farei desse modo.

Diabo: Ok tudo bem, só estou lhes falando que se eu lhes dissesse


toda a verdade livrando vocês das dúvidas, o que vocês pensariam sobre sua
capacidade de raciocínio?

Amigo: É complicado.

Diabo: Complicado? Na verdade é complicadíssimo. Ainda me lembro


dos meus tempos de discípulo.

Amigo: Você também precisou aprender?

Diabo: Lógico! Já aprendi, ainda estou aprendendo e sempre


continuarei a aprender. Não sou como Deus que sempre soube de tudo,
mesmo antes que tudo viesse á existir.

Amigo: Muito bom.

Diabo: Sim, mas há momentos na aprendizagem que são tão difíceis


que dá vontade de desistir.

Amigo: Verdade, eu mesmo já não vou para a escola faz um tempão.

Diabo: Por exemplo, quando fui discípulo de Platão.

Filósofo: Você foi discípulo de Platão? Nossa, que incrível!

Diabo: É, mas não pense que foi tudo fácil ou divertido, ele como amigo
é um amor de pessoa, mas como mestre na hora de passar as sementes do
conhecimento, nunca vi homem mais bruto! Só de lembrar meus olhos
lacrimejam.
Amigo: Continuo não entendendo.

Diabo: Há, deixa pra lá, já passou. Só estava lembrando de mais um


dos questionáveis métodos antigos de se passar o conhecimento em frente.
Naquela época estávamos apenas testando se realmente dava certo, e eu
como era mais ávido que todos os outros por conhecimento, acabei
experimentando mais que os outros.

Amigo: Sim e aí.

Diabo: E aí que só fui ficar melhor bem mais tarde, quando conheci
Freud. Mas deixa isso pra lá, voltemos ao que realmente interessa.

Filósofo: Como quiser.

Diabo: Digamos que Deus concedendo o livre arbítrio, dissesse: Só me


responsabilizo até aqui, vocês precisam exercer a liberdade de vocês, assim, o
resto é com vocês. Não posso mais dar ordens e dizer: sejam livres desse jeito
ou desse outro, se não, não estarei lhes dando verdadeira liberdade.

Filósofo: Deste modo, Deus quis dizer; ajam sem mim, sem minha
interferência?

Diabo: Pois é, só que logo depois estranhamente reclamou: Por que


vocês não estão fazendo as coisas como desejo que façam? Vocês deveriam
fazer tudo apenas do jeito que determino, pois agora vão pagar por suas
desobediências!

Filósofo: Mas, será que Deus agiria assim? Digo, Ele não sabia que o
ser humano não daria conta? Que não tinha capacidade para arcar com tão
grande responsabilidade? O que Ele poderia esperar? Que saísse tudo perfeito
sem Ele?

Amigo: O que eu não consigo entender é como poderia o ser humano


ser livre, se ainda tinha que obedecer a tantas ordens dadas por outro, ainda
que esse outro fosse Deus?

Filósofo: Pra você vê como a liberdade é algo realmente real. Nem


mesmo as leis de Deus o limitaram ou impediram, mesmo que depois pagasse
um preço. Se o ser humano não fosse livre, não teria desobedecido.
Amigo: E se obedecesse, seria?

Diabo: Olha, acho melhor voltarmos ao início, talvez vocês entendam


melhor o que eu estou tentando explicar.

Filósofo: Não se preocupe.

Diabo: Lembram que não era só isso. Lembram de suas perguntas


sobre Deus?

Filósofo e Amigo: Sim.

Diabo: Então, suas respostas são interessantes, mas notem que vocês
não estão sabendo mensurar a grandeza de tudo isso nem contextualizar
direito. Digamos que pelo poder da guerra, eu conquistasse todo o mundo, mas
Deus não é Deus porque conquista, Ele é Deus porque tem o poder de fazer e
desfazer o que bem entender, e isso se aplica a tudo e a todos sendo que nada
do que existe, existe para si e por si. Deus criou tudo.

Amigo e Filósofo: Sim.

Diabo: Digamos então que eu conquistasse o mundo, mesmo assim,


esse feito não me daria o poder de fazer e desfazer as coisas, esse poder
ainda estaria nas mãos de Deus que realiza sempre os seus propósitos, poder
que poderia usar a qualquer momento para desfazer tanto a minha conquista
quanto a mim.

Amigo: Nossa! Então, para que diabos você serve, apenas para colocar
o mal nos seres humanos?

Diabo: Nunca fiz isso.

Amigo: Então me diga de onde veio o mal que habita nos seres
humanos? Não me diga que é do livre arbítrio.

Diabo: Tenha calma, eu tentarei explicar.


O PROBLEMA DO MAL E O MAU DO PROBLEMA

Diabo: Considerando a existência do livre arbítrio; o mal passou a


existir á partir dele ou já existia em outro lugar?

Filósofo: Parece que já existia.

Amigo: O livre arbítrio criou o mal?

Diabo: O mal começou a existir quando o ser humano começou a ser


livre? Ou é possível que o livre arbítrio tenha apenas cooperado para o mal ser
mais livre para alcançar o que ainda não alcançava?

Filósofo: Sim, acredito que apenas facilitou.

Diabo: Deste modo, poderia ser a causa primeira do mal o livre


arbítrio?

Filósofo: Não, como disse ele apenas facilitou, a causa me parece


outra.

Amigo: Senhor Diabo, poderia então nos dizer qual a verdadeira origem
do mal?

Diabo: Sim, com prazer. Pensemos; poderiam existir duas fontes do


mal?

Filósofo: Acredito que não.

Amigo: Desculpe interromper, mas antes de explicar sobre a origem do


mal, poderia explicar sobre que espécie de mal está falando?

Filósofo: Ora, é obvio que ele está falando sobre o mal metafísico,
aquele que é a causa de todos os outros tipos; do natural, do moral e outros.
Ou seja, ele está falando sobre o mal primeiro.

Amigo: Meta o que?

Filósofo: Um tipo de ser ou força inicial criadora ou organizadora e


propulsora de essência universal transcendente ao físico contrária ao bem.

Amigo: Á tá... Agora sim, pode continuar seu Diabo.


Diabo: Obrigado. Primeiramente gostaria de esclarecer algo ao meu
respeito. Diria que até um engano que pode interferir no entendimento de
vocês.

Filósofo: Esclareça, não quero que nada atrapalhe o meu


entendimento.

Amigo: Eu também não.

Diabo: Ok. Que efeito positivo teria certas ações de alguém que não
passa de um enganador malvado?

Filósofo: Acredito que nenhum.

Diabo: Pois é, muitos acreditam que sou assim, mas não sou.

Filósofo: Á é isso? Não se preocupe, pois mesmo que você seja mau,
nós vamos ouvi-lo.

Amigo: É isso mesmo! É isso mesmo?

Diabo: Como assim?

Filósofo: Suponhamos que você fosse totalmente mau e falso. Seria


impossível nosso dialogo pelo efeito tão claro e intenso de sua imensa
falsidade e maldade, logo nosso diálogo só acontece porque no máximo você é
um pouco mau, mas não totalmente.

Diabo: Obrigado pela consideração. É muito bom ser compreendido.

Filósofo: O que pode acontecer é que o senhor seja prudente e


cauteloso, mestre em esconder suas verdadeiras intenções e isso é o que me
interessa.

Diabo: O que?

Filósofo: Desculpe, mas é que de um jeito ou de outro, mesmo que


finja, terá que em meio as suas mentiras dizer algumas verdades para que seu
engano tenha efeito. São essas verdades que me interessam.

Amigo: Mas como pode ser isso?


Filósofo: Dizem que para uma mentira ser uma verdadeira mentira, ela
tem que ser totalmente falsa, mas como isso é possível se toda mentira tem
como base um propósito verdadeiro?

Amigo: Isso é verdade?

Filósofo: Claro! Quem mente não possui apenas a simples intenção de


mentir, sua intenção é outra, e a mentira é apenas um meio para alcançá-la.
Ou seja; sua intenção que está além da mentira é a sua verdade, mesmo que
possua a intenção de mentir, já que ao mentir pratica sua verdade.

Amigo: Deixa vê se entendi bem; você está dizendo que mesmo


quando eu minto, estou sendo verdadeiro?

Filósofo: Sim, claro.

Amigo: Então, porque você fica tão chateado comigo se sempre sou
verdadeiro com você?

Filósofo: Ora seu f...

Diabo: Ei, calma rapazes! Sugiro que continuemos com o nosso


dialogo.

Amigo: Sim, com certeza. Mas quem mente não está sendo falso?

Filósofo: Sim e não, mesmo com palavras falsas falamos com


intenções verdadeiras, ainda que más, pois sempre em todos os casos
estaremos verdadeiramente sendo nós mesmos.

Amigo: Então não existe mentira?

Filósofo: Como disse antes; não mentimos por mentir, mentimos para
realizar nossas verdades.

Amigo: Intendi, nossas mentiras mesmo sendo falsas são mentiras


verdadeiras e não verdadeiras mentiras.

Diabo: Era exatamente isso o que eu estava tentando dizer até os dias
de hoje, mas ninguém me entende. Todos pensam que sou totalmente
mentiroso.
Amigo: Nossa que triste, mas não se preocupe nós acreditamos em
você. Não é?

Filósofo: Maldito o homem que confia totalmente em outro homem,


imagina no demônio.

Amigo: Viu? Já não precisa ficar tão triste. Poderia então voltar a nos
explicar o que pretendia?

Diabo: Sim, claro. O que eu queria que entendessem, é que; quando


conversei e aconselhei Adão paraíso, passei algum mal para ele? Ele caiu e se
tornou mal naquele momento? O paraíso naquele momento foi contaminado
com a minha presença maligna?

Filósofo e Amigo: Não.

Diabo: É claro que não, pois em mim não há mal algum.

Amigo: Como assim?

Diabo: Se Adão não tivesse comido do fruto, eu conseguiria colocar


algum mal nele ou no mundo?

Amigo: Acredito que não.

Diabo: É claro que não. O mal só existe em quem comeu do fruto e eu


não comi, por isso o mal não existe em mim. O que existe em mim é apenas
um certo tipo de capacidade racional, só isso.

Filósofo: Você quer nos convencer que não é mau?

Diabo: O que você acha? Além do mais, se eu tivesse algum mal em


mim para contaminar alguém o faria diretamente sem precisar de uma árvore.

Amigo: Á tá, agora compreendo, por isso você usou a árvore.

Diabo: Não é bem assim. Saiba que aquela árvore nem era minha, era
de Deus, e Ele jamais colocaria algo que era meu no jardim Dele, pois se o
fizesse teria que me considerar cocriador juntamente com Ele.

Amigo: Nossa!
Diabo: Mas, não é assim? Desse modo, quero lhe dizer sem desvios
que só existe uma fonte do mal: a árvore de Deus.

Amigo: Mas você não nos ensina a fazer o mal?

Diabo: Mas, como isso seria possível? Para ensinar eu teria que saber
o que é o mal, e como eu já lhe disse; só tem o conhecimento sobre o mal
quem comeu do fruto da árvore proibida, e eu não comi.

Amigo: Faz sentido.

Diabo: Outro obstáculo é que depois que vocês comeram do fruto,


vocês automaticamente adquiriram todo o conhecimento sobre o bem e o mal,
logo, como eu poderia ensinar o que vocês já sabem? Afinal, não é esse o
poder do fruto do conhecimento do bem e do mal?

Filósofo: Sim.

Diabo: Desse modo, no momento em que eu fosse tentar lhes ensinar


qualquer tipo de mal, vocês diriam: obrigado, não precisa, já sabemos tudo
sobre o mal graças á árvore.

Amigo: Cara, se não fosse você falar eu nunca teria percebido isso.

Diabo: Pra você vê como esse mundo é injusto, em todos os casos ao


se tratar do mal, sou inocente.

Filósofo: Você me fez lembrar agora de uma injustiça que um amigo


me fez.

Diabo: Um amigo? Sei como é isso.

Filósofo: Na verdade me enganei quando o considerei assim, pois um


amigo de verdade jamais faria tamanha injustiça.

Amigo: Fui eu? Porque se foi, já estou arrependido.

Filósofo: É claro que não, e se fosse, jamais consideraria.

Diabo: Mas, já que ele lhe fez o mal, porque você não pede para Deus
lhe vingar? Aliás, se eu fosse você pediria justiça agora mesmo, por isso, não
perca tempo, peça justiça de Deus.
Amigo: Poxa, que Diabo legal.

Filósofo: Não!

Diabo e Amigo: Não?

Filósofo: Não. Pensem: e se toda vez que alguém me fizer o mal eu


necessitar que Deus faça justiça para que eu me sinta bem, não estará Ele
fazendo um mal para mim por estar me tirando á oportunidade de exercer o
meu perdão?

Amigo: Pega! A ele você não engana.

Filósofo: Quem perdoa já não necessita que sempre a justiça seja feita
para que se sinta em paz, pois o perdão nesse caso é superior à justiça.

Diabo: Neste sentido que você fala, quando alguém clama por justiça é
porque simplesmente ainda não consegue perdoar?

Filósofo: A justiça é feita por Deus para certo tipo de reparação da


ordem e das coisas, mas não para consertar o coração, pois até hoje nenhuma
justiça feita na terra curou o coração de alguém. A justiça tem o poder da
medida e da ordem, mas não o da cura do coração.

Amigo: Viu?

Filósofo: Os que tentam sempre curar suas dores com a justiça


acabam causando mais dores. Os que já tentaram esse método entendem o
quanto ele frustra, por nunca curar.

Diabo: Nossa eu não sabia disso.

Filósofo: Para um coração ferido, toda justiça é insuficiente.

Diabo: Olha, tudo isso é muito bonito e chega até á ser poético, mas,
por exemplo: se alguém roubar, matar ou cometer qualquer outro crime grave e
não pagar pelo seu erro, recebendo só o perdão sempre, isso é justo?

Amigo: É claro que não, não podemos perdoar isso!

Filósofo: É...
Diabo: E se o juiz responsável pelo julgamento não der a sentença na
medida certa, de modo que perdoasse sempre sem cobrar nada, seria ele
justo?

Amigo: Não, é claro que não!

Diabo: Não é o que Deus faz quando concede o perdão?

Filósofo: Até podia ser, se Jesus não tivesse morrido na cruz pagando
o supremo preço por todo erro e pecado, seja de quem for, contanto que se
arrependa verdadeiramente e aceite que Ele pague. Do contrário, pagará por si
mesmo o preço. Nada fica impune diante de Deus.

Amigo: Você não se lembrava desse detalhe, não é senhor Diabo?

Diabo: É, lembrei que talvez estejamos nos distanciando muito do


nosso objetivo inicial. Proponho que voltemos a discutir o problema do mal.

Filósofo: Como quiser.

Amigo: Gostaria que você falasse um pouco sobre o mal que os


demônios fazem.

Diabo: Tudo bem, mas lhe digo que ainda estamos longe de atingir o
nosso propósito, pois logicamente os demônios não são a origem do mal.

Filósofo: Explique.

Diabo: Vocês já ouviram em algum lugar sobre Deus dar ordens aos
demônios?

Amigo e Filósofo: Sim, claro.

Diabo: E o que exatamente eles fazem? Dizem dane-se, não iremos


obedecer ou obedecem?

Filósofo: Acredito que sempre obedecem.

Diabo: Quem você acha que dá ordens aos demônios para que não
destruam tudo, permitindo assim que destruam só um pouco? Certamente não
sou eu.

Filósofo: Deus?
Diabo: Sim.

Amigo: Mas quando os demônios obedecem a Deus, não estão


fazendo o bem?

Diabo: Sim, não é absurdo o que estes idiotas fazem? Não podemos
confiar mais em ninguém hoje em dia.

Amigo: E se Deus ficasse á todo momento lhes dando ordens, como


conseguiriam continuar sendo demônios? Dessa forma não seriam anjos?

Filósofo: Não meu amigo, por esse problema não ser simplesmente
uma questão de ação, mas de natureza. Quando estes sujeitos não estão
fazendo uma ação maligna, não quer dizer exatamente que estão fazendo ao
mesmo tempo o bem, pois dentro deles não há o bem, mas sim fora, em quem
os manda parar.

Amigo: Hum, interessante.

Filósofo: Ou seja, mesmo quando estão parados sem praticar ações


malignas, continuam sendo maus.

Amigo: Certo, Deus jamais daria ordens para que fizessem o mal.

Diabo: Calma, não queiram ser inocentes. Entendam que quando Deus
dá ordens aos demônios, eles sempre obedecem por Ele está sempre
presente, nunca ausente.

Amigo: Eu pensava que os demônios ficavam só esperando Deus se


distrair com algo distante para poderem ter a chance de desobedecer.

Filósofo: Nesse caso só se o poder Dele de percepção tivesse algum


tipo de limitação ou variação de acordo com as circunstâncias, tipo o ser
humano quando afetado pela distância. Se isso acontecer, digo, de a distância
limitar sua percepção, poder e conhecimento, logo lhe será impossível ser
Deus.

Amigo: É... Então quer dizer que nada está distante de Deus e Deus
não está distante de nada?

Filósofo: Isso.
Amigo: Mas se é assim, continuo sem entender.

Filósofo: O que você ainda não está entendendo?

Amigo: A questão de os demônios obedecerem e desobedecerem a


Deus, pois sempre que Ele lhes dá ordens, obedecem.

Filósofo: Sim, e o que tem de mais nesta questão.

Amigo: Não entendo porque Deus fica eternamente somente dando a


eles pequenas ordens, por que não dá logo uma definitiva para que nunca mais
façam o mal, pois assim deixariam de praticar o mal para sempre, já que
sempre lhe obedecem quando Ele lhes dá ordens, pois nada e nem ninguém
pode resistir e desobedecer as suas ordens.

Diabo: Verdade.

Amigo: É isso que não entendo, porque Ele fica dando apenas algumas
ordens temporárias que só param o mal por alguns instantes, em vez de dar
ordens definitivas.

Filósofo: Sim, também me parece que a única solução para o problema


do mal é o agir de Deus, já que onde Ele não age o mal o acontece, digo, o mal
não para por si só, ele só para quando Deus o para.

Diabo: Verdade.

Amigo: Quer dizer que o mal nunca irar parar sozinho?

Filósofo: Não, ele só para se alguém o parar, nesse caso, só Deus


pode fazê-lo parar.

Amigo: Isso tudo é muito confuso.

Diabo: Não é não, na verdade é muito simples. Quando Deus para de


dar ordens aos demônios, esses tendem a fazer o mal, não é?

Amigo e filósofo: Sim.

Diabo: É justamente nessa hora que dá ordens aos anjos para que
combatam os demônios para que não façam o mal. Por isso, revelo agora para
vocês mais um grande segredo: no mundo superior espiritual, Deus nunca
deixa que o mal aconteça, mesmo que exista.

Amigo: E mais uma vez, nós temos mais uma mentira contada pelo
tataravô da mentira.

Filósofo: Você está nos dizendo que anjos e demônios trabalham de


modo perfeitamente combinado e ordenado?

Diabo: Quase isso. Quando os demônios param de fazer o mal


obedecendo a Deus, os anjos também param porque não há nada para
combater. Quando os demônios agem os anjos também agem, por isso que o
mal não acontece no mundo celestial.

Amigo: Que criatividade!

Filósofo: E, qual seria o propósito dessa dinâmica?

Diabo: Cumprimento do dever. Sabe, é que somos imortais como você


mesmo disse quando conversava com um dos demônios, ou seja, demônios e
anjos não podem morrer ou serem feridos, na verdade ninguém jamais
consegue ferir o outro de verdade; uma espadada num demônio aqui, uma
garfada num anjo ali, mas no final está todo mundo bem para começar tudo
novamente outro dia.

Amigo: Absurdo!

Diabo: Você já ouviu falar sobre a morte de algum anjo ou demônio por
causa dessas eternas batalhas? Você pensa desta forma porque é mortal,
nasceu á pouco tempo e muita coisa lhe é novidade, mas para quem é eterno
com o tempo não há mais o que se inventar, então ficamos sempre repetindo
as mesmas coisas.

Amigo: Da maneira que você fala faz parecer que os demônios nunca
conseguem fazer o mal, mas no tempo em que Jesus esteve na terra, eles
agiram.

Diabo: Sim, mas tudo aquilo tinha um propósito.

Filósofo: Qual?
Diabo: Vou dar um exemplo para que entendam: como alguém prova
que é realmente um médico? Quando apenas fala que é ou quando cura
alguém através da medicina?

Amigo: Quando cura é claro.

Diabo: Do mesmo modo aconteceu. Como poderia Ele provar que tinha
poder sobre as doenças, sem doenças? De ressuscitar sem a morte? E
evidentemente, como poderia provar que tinha poder sobre os demônios sem
demônios?

Amigo: Isso me deixa profundamente indignado.

Diabo: Que foi?

Amigo: Quer dizer que tudo não passa de uma peça de teatro?

Diabo: O que você acha? Nunca ouviu falar que tudo está sob o
controle de Deus?

Amigo: Sim, mas...

Diabo: Então por que está estranhando o que falo?

Amigo: Porque não estou conseguindo assimilar. Estou meio


espantado, confuso... Talvez até um pouco decepcionado e triste, sei lá.

Diabo: Sei como é eu entendo. Mas tudo isso que está sentindo é por
causa de sua programação religiosa que o deixa em conflito, isso é normal, e
lhe digo que daqui você não passa. Sua programação de medo que produz
culpa não deixará.

Amigo: Acredito que você tenha razão a respeito dessa programação,


mas não sou tão covarde como você pensa.

Diabo: É isso ai é assim que se fala garoto, vamos em frente você tem
garra. O que mais quer saber?

Amigo: Se tudo está sob o controle de Deus, então o mal também


está?

Diabo: Sim.
Amigo: Mas como? Já que Ele é contra o mal?

Filósofo: Por isso que Ele o controla, porque se estivesse sob o


controle do Diabo, não seria um mal descontrolado?

Diabo: Ei vamos com calma, estamos falando de Deus agora. Não


velha tentar nos confundir.

Amigo: Digo isso porque controlar não é o mesmo que eliminar, e só


toleramos algo quando tem utilidade e se tem utilidade é porque é útil, e se é
útil é porque é bom, pois só o que é totalmente inútil deve ser eliminado.

Diabo: Brilhante! Eu mesmo não poderia explicar melhor. É... Não


quero atrapalhar seu brilhante raciocínio, mas é que; quando uma coisa ou ser
se torna inútil é que já se eliminou por si mesmo.

Amigo: E como quer que larguemos o uso de algo que Ele mesmo
ainda considera útil? Digo; se Ele quisesse já o teria eliminado de vez.

Diabo: Sim, concordo plenamente.

Amigo: Então algo não está certo, pois, se Ele mesmo que é puro bem,
não descartou o mal de vez, como espera que descartemos se Ele mesmo não
dá o exemplo.

Diabo: Que orgulho! Esse é o meu garoto...

Filósofo: Calma meu amigo! Não vá se perder de vez em teorias mal


acabadas. E quem disse que existe o mal para Ele?

Amigo: E não existe?

Filósofo: De certa forma não, pois o mal é inútil, mas nada que é inútil
continua inútil nas mãos de Deus. Explico: às vezes nos apegamos a coisas
inúteis quando não temos nenhum objetivo importante em mente, deste modo,
continuamos a tornar o inútil, inútil.

Amigo: Logicamente.

Filósofo: Mas ás vezes nos apegamos a coisas inúteis com um


importante objetivo em mente, então logo as modificamos em prol do nosso
objetivo tornando o inútil, útil.
Amigo: Sim.

Filósofo: É importante notar que; o que determina se algo é inútil é se


não houver quem o utilize de forma útil. Ou seja, ele não utiliza a si mesmo
para inutilizar-se, alguém o faz assim.

Amigo: Estou quase entendendo, mas ainda não entendi.

Filósofo: Para o de ação inútil (Diabo) o inútil é realmente inútil, mas


para o de ação útil (Deus), até o inútil é útil.

Amigo: Á, agora intendi.

Filósofo: Pense; lidar com o inútil é sempre inútil?

Amigo: Não.

Filósofo: Note que os úteis só são úteis porque sabem lidar bem com o
inútil. Nas mãos de Deus nada fica inútil, Ele faz com que o inútil tenha
utilidade. É por isso que neste sentido digo que para Deus não existe o Mal.

Amigo: Verdade, então é por isso que o que o Diabo mais quer é a
minha alma.

Diabo: Quem disse isso?

Amigo: E não é?

Diabo: Mas é claro que não seu metido.

Amigo: Ela não é importante para você?

Diabo: Já disse que não. Diria que para mim ela é inútil.

Amigo: Você está mentindo, com certeza no mínimo você rouba as


almas com o proposito de deixar Deus triste.

Diabo: Eu já sabia que sua inteligência não ia muito longe. E, cuidado


com o que diz assim você me ofende. Em primeiro lugar eu nunca roubei alma
alguma, se duvida, pode perguntar para quem quiser lá no inferno. Depois,
segundo a lógica de controle de todas as coisas, se eu conseguisse mesmo
deixar Deus triste com essa ação, isso significaria que teria algum controle
sobre Ele.
Filósofo: Realmente.

Amigo: Controle sobre Ele?

Diabo: Sim, sobre suas emoções. Se conseguisse deixar Deus triste


estaria controlando suas emoções, isso significa que por mais que Ele quisesse
ou tentasse ficar feliz, não conseguiria, pois eu saberia exatamente como
deixá-lo sempre triste, ou seja: roubando almas, controlando assim seu estado
emocional.

Filósofo: Sim, e como a dinâmica de salvação e perdição


constantemente varia, se o estado de humor de Deus dependesse destes
fatores, seria um eterno ficar feliz, ficar triste, ficar feliz, ficar triste...

Amigo: Interessante.

Filósofo: Também significaria que já não era Deus, pois essa dinâmica
externa o havia mudado, e Deus para ser Deus não pode mudar porque Deus
não muda.

Amigo: Explique mais.

Filósofo: Se essa mudança acontecesse, ou seja, por um poder


externo, isso significa que esse poder é maior que o seu poder interno, pois
deu conta de influenciar, controlar e mudar a Deus.

Amigo: Nossa!

Filósofo: E digo mais; Ele não poderia mais ser Deus, pois já não
controlava mais a si mesmo, mas sim outro. Ora; um Deus que entristece por
causa do que o outro lhe fez, não está sendo controlado por esse outro? E o
que faria alguém que fosse lhe pedir para curar sua tristeza e percebesse que
Deus estava triste, sem curar a tristeza que outro lhe causara.

Amigo: Absurdo!

Diabo: Agora lhes pergunto: de que me servem as almas se isso não


atinge a Deus? Ficaria com elas só pelo prazer de ficar ouvindo seus gritos de
agonia o tempo todo? Nossa, que grande utilidade tem vossas almas. Ora,
façam-me o favor de pararem com essas teorias idiotas.
Amigo: Quer dizer que você não quer mais as nossas almas?

Diabo: Eu não disse isso, pare de querer trapacear temos um acordo


lembra? E voltando ao que realmente interessa, diga; quando falava em
inutilidade, você queria dizer em mandar para o inferno?

Filósofo: Também.

Diabo: Mas quem criou o inferno?

Amigo: Boa pergunta.

Diabo: Não foi o próprio Deus com sua mente bondosa?

Amigo: Mas como pode?

Filósofo: Sim, e o inferno é mau ou é bom?

Diabo: É, deixa pensar...

Filósofo: Para mim é apenas um lugar, mas quem vai para lá? Pessoas
boas e criancinhas inocentes? Porque se for, então Deus é realmente mal. Mas
acredito que não é bem assim, não é?

Diabo: Depende.

Filósofo: Deus sempre fez questão de colocar o mal no lugar devido. O


que Ele não elimina é o que ainda não é totalmente mal, que é o nosso caso
meu amigo, digo; o caso de quem está no processo de purificação, que aos
poucos vagarosamente vai se tornando útil, ou seja, vai eliminando o mal.

Amigo: Explique mais.

Filósofo: Ora, tudo o que não é eliminado, não some, certo?

Amigo: Certo.

Filósofo: Você lembra como eu era antes de conhecer a Jesus?

Amigo: Sim, era um inútil.

Filósofo: E agora?

Amigo: É a pessoa mais útil que eu conheço.


Filósofo: Sim, e isso só foi possível porque Deus inutilizou o mal que
estava em mim.

Diabo: Calma lá! Como assim inutilizou?

Filósofo: Simples; o mal passou a não ser mais utilizado por mim.

Diabo: Mas isso é impossível.

Filósofo: Bem, para provar isso, basta você me mostrar onde ele
continua existindo em mim, já que tudo que não é inutilizado continua. Em que
lugar ele está, será que foi transmitido para outro? Parece que não.

Amigo: Mas ai Deus estaria inutilizando o que já é inútil, e você disse


que Ele torna o inútil, útil.

Filósofo: Sim, e nesse caso, digo; do mal inútil, é muito útil quando
continua inútil.

Diabo: Ora, deixe dessa conversa fiada e vamos ao que realmente


interessa. Não querem mais que eu lhes explique sobre a origem do mal?

Amigo: Sim, queremos. Mas ainda continuo sem entender como todas
as coisas estão sob o controle de Deus, já que Ele não poderia ser Deus se
não controlasse todas as coisas.

Filósofo: Ora meu amigo, mas isso é muito fácil de entender, veja bem;
o controle de Deus se dá conforme a sua vontade, certo?

Amigo: Certo.

Filósofo: Logo, Ele segundo sua vontade controla o que quer e não
controla o que não quer também, tudo isso segundo sua vontade que controla
tudo. Com isso, percebemos que o que não está sendo controlado só assim
está porque é de sua vontade que assim esteja, por isso, também não deixa de
estar sob seu controle. Logicamente que o que assim está é porque também
está sob controle. Se algo está descontrolado é porque Ele assim decidiu
controlá-la.

Amigo: Certo.
Diabo: Seu maluco desorientado! Ele não sabe o que diz e nem eu
mesmo entendi o que ele disse agora. Quer um concelho garoto, pare de dar
ouvidos ao seu amigo.

Amigo: Verdade veja onde estamos.

Filósofo: Ora, tudo o que acontece é segundo a sua vontade, o


controlado e o descontrolado, pois se assim decidiu, então decidiu segundo
sua vontade que determina todas as coisas, logo tudo está sobre seu controle,
até mesmo o que não está.

Diabo: Tudo bem, já chega! Já entendemos.

Amigo: Já?

Diabo: Já e sugiro que continuemos sem esses rodeios inúteis que só


servem para confundir.

Filósofo: Ok como desejar.

Amigo: Tudo bem. Posso perguntar outra coisa?

Diabo: Sim, fique á vontade.

Amigo: Como podem seres espirituais imortais superiores como os


demônios que já possuem uma experiência de milhares de anos para planejar,
não notarem que bastaria não adoecer, empobrecer ou matar as pessoas e etc.
Para fazer com que Jesus passasse por apenas mais um falador.

Filósofo: Só se todo o tipo de mal que Ele solucionou, fossem apenas


os causados pelos demônios, e foram?

Diabo: É claro que não seu idiota metido! Nunca dariam conta. O
problema do mal vai muito além dos demônios.

Filósofo: Você também quer dizer que vai além dessa sua narrativa,
não é?

Diabo: Ok, também.

Amigo: Agora você está me assustando.


Diabo: Percebam que os tipos de mal que vocês querem entender,
para serem realmente verdadeiros, teriam que acontecer no mesmo nível,
modo e quantidade em todos os lugares, certo?

Amigo e Filósofo: Certo.

Diabo: E isso acontece?

Filósofo: Parece que não.

Diabo: Se prestarem atenção irão perceber que ele varia de


intensidade, quantidade e qualidade em lugares e épocas diferentes, ou seja,
que em alguns lugares ele acontece muito, em outros acontece pouco e em
outros quase não acontece.

Filósofo: Sim.

Diabo: Seria porque Deus envia mais anjos para certos lugares os
defendendo mais do á outros? Ou será porque existem mais demônios em uns
lugares do que em outros?

Filósofo: Não sei.

Diabo: Digo-lhes que não, e que estando preparados ou não desta vez
vou lhes revelar verdadeiramente qual é a fonte de todo o mal na terra.

Amigo: Você não já tinha revelado isso antes seu mentiroso?

Diabo: Quase seu idiota. Na verdade, tudo que disse antes era só uma
preparação para esse momento.

Amigo: Sei.

Diabo: Lembram que falei a pouco sobre os níveis do mal?

Amigo: Sim.

Diabo: Percebam que o mal acontece de acordo com o nível de


conhecimento de cada um e que existem apenas três níveis: nível de
inteligência comum, nível de inteligência de discernimento e nível de
inteligência genial. A proporção do mal é de acordo com cada um desses
níveis.
Filósofo: Pode ser.

Diabo: O mal nunca excede as limitações humanas, ele acontece de


acordo com elas. Por exemplo: Nas pessoas de inteligência comum o tipo de
mal que as atinge geralmente faz com que suas vidas virem verdadeiras
novelas emocionais, elas facilmente desabam diante das dificuldades.

Filósofo: Interessante.

Diabo: á pessoas de um nível de inteligência de discernimento ao


passarem por uma situação idêntica, á consideram normal e reagem de outra
forma, não vendo a situação em si mesma como sendo má. As pessoas de
inteligência comum estão sempre dependendo do apoio dos outros, da família
e amigos.

Filósofo: Você é assim!

Amigo: Eu? Eu não.

Diabo: Calem a boca e me permitam continuar.

Amigo: Desculpa! Você agindo assim parece até que está falando de si
mesmo.

Diabo: Continuando. Pessoas de inteligência comum não sabem


enfrentar as situações difíceis sozinhos por muito tempo, sofrem de carência de
vínculos afetivos porque muitas vezes só enfrentam seus males depois que os
outros lhes dão força. Por terem pouca força medem suas vidas de acordo com
ela e logo presumem que deveriam atingir seus ideais de uma forma mais
rápida e fácil, mas como a vida é sempre um pouco mais difícil, andam sempre
justificando suas fraquezas e fracassos condenando os outros, a realidade e o
mundo.

Amigo: E por que esses seres comuns fazem isso?

Diabo: Porque de alguma forma esse tipo de comportamento faz com


que eles pareçam nobres, não são eles os culpados do mundo ser tão injusto,
já que se esforçam, mas as coisas dão sempre errado por culpa dos outros, do
destino ou falta de sorte, mas nunca por culpa deles mesmos.
Amigo: Nossa você agora pegou pesado.

Diabo: Não peguei não. Note que por serem extremamente limitados
de conhecimento, quando se deparam com alguma situação um pouco mais
difícil, já pensam logo em desistir da vida.

Filósofo: Verdade, não notam que a selvageria só cessa com a


domesticação e o desequilíbrio com a ordem.

Amigo: Mas essa vida é uma merda mesmo! Eu mesmo só não


mendigo porque tenho amigos e por causa da misericórdia de Deus.

Diabo: É, mas tenho que admitir que alguns desses comuns quando
notam seu nível comum, digo, quando percebem que é desse nível que provem
seus sofrimentos, pelo esforço se superam e deixam de sofrer os males dessa
categoria, tornando-se mais inteligentes e até geniais.

Amigo: Que notícia maravilhosa!

Diabo: Mas não fique tão animado, esses casos são raros.

Filósofo: Por favor, continue sua explicação.

Diabo: Sim. Já as pessoas de nível de inteligência de discernimento o


mal que as atinge dificilmente ás derrotam.

Amigo: Por quê?

Diabo: Porque suas inteligências estão sempre voltadas para a


superação. Elas não acreditam e nem confiam na sorte, percebem que a vida
não é favorável para quem não se prepara para ela e que de nada adiantará
serem vítimas das circunstâncias. Estes estão sempre trilhando o caminho da
autosuperação, sempre focados em adquirir novas habilidades. Jamais
escolhem atalhos que são contrários ao auto aperfeiçoamento.

Amigo: Nossa! Essas pessoas são mesmo admiráveis.

Diabo: Sim, são mesmo fora do comum, mesmo diante de muitos


males não param, não desistem, estão sempre em busca de superação ainda
que o mundo não coopere. É deste nível que saem os grandes heróis.

Amigo: Acho que pertenço a esse nível.


Diabo: Mas muitas pessoas inteligentes por notarem as limitações do
seu nível, por esforço se tornam geniais.

Amigo: Maravilha!

Filósofo: Já acabou?

Diabo: Não, ainda existe outro nível, o das pessoas geniais. O mal
quase não as afeta por estarem nesse nível, eles são aqueles sujeitos
obcecados por seus supremos objetivos, quase não enxergam o mal. Suas
visões são superiores as das demais pessoas. O importante para eles é
sempre uma vida superior, isso faz com que não se envolvam nos problemas
em que a maioria está envolvida, excluindo assim todos os tipos de empecilho
que possam atrapalhá-los em seu caminho. Evitam distrações emocionais a
todo custo. O que não contribui é automaticamente excluído.

Amigo: É, confesso que agora encontrei o meu nível.

Diabo: Note que estas pessoas alcançam este nível por saberem que o
problema do mal é normal, e que o perfeito em um mundo imperfeito é que
existam mesmo as imperfeições. Nada mais natural para elas.

Amigo: Nossa!

Diabo: Só que ao notarem as limitações do seu nível, por esforço se


tornam loucas.

Amigo: Tá doido? Não, eu me enganei, eu sou é do nível dos


inteligentes mesmo. Pra mim já está bom.

Filósofo: Mas sendo assim o mal varia de acordo com cada nível de
conhecimento, como cada um o enxerga.

Diabo: Sim, esse mal que só você consegue enxergar desse modo,
esse é o seu mal que é somente seu e de mais ninguém.

Filósofo: Mas o mal não deveria diminuir ou variar com a inteligência


natural, ela deveria servir somente para entendê-lo. O que faz variar ou cessar
não é o bem espiritual?
Diabo: Se fosse um ser que tivesse sua natureza em si, sim, mas não é
esse o caso do mal. Note que cada um o faz variar de acordo com seus níveis
de inteligência.

Amigo: O mal é um ser ou uma força?

Diabo: É um tipo de visão que serve de base para uma ação. Cada um
o enxerga de um modo diferente e ninguém consegue enxergá-lo da mesma
forma e em sua totalidade.

Amigo: O mal está limitado aos olhos de quem o vê?

Diabo: Sim, uns o veem em certa medida e outros, em outra diferente.

Amigo: Sim, mas agora poderia responder a minha pergunta?

Diabo: Que pergunta?

Amigo: Como assim que pergunta? A que eu fiz á pouco: qual a origem
do mal?

Diabo: Sabe; eu só não perco a paciência totalmente com você, porque


agora eu tenho certeza que você tem algum problema.

Amigo: Não entendi.

Diabo: Mas é claro que não entendeu.

Amigo: Só lhe disse que ainda quero a resposta para a minha


pergunta, só isso.

Diabo: E como eu disse; para mim você tem um problema. Você quer
conversar um pouco sobre sua infância? Qual o sentimento ruim que mais lhe
incomoda? Quando dorme a noite, você sente que uma sombra sempre tenta
lhe agarrar?

Filósofo: Não queira ser esperto tentando nos tapear com essa
conversa cheia de sofismas e falsas premissas, nós sabemos que a árvore que
Deus deixou no jardim não era a fonte do mal, era apenas uma fonte de
informação e conhecimento. Tão poucas essas outras afirmações que você fez
são a fonte do mal.
Amigo: É isso mesmo. A fonte do mal é outra coisa.

Diabo: Humm... Olha só! O meu bebê está crescendo...

Amigo: Não sou seu bebê!

Nesse momento passava um estranho por perto. Notaram que era


alguém religioso, então decidiram saber qual era a sua opinião sobre o
assunto.

Diabo: olá amigo! Desculpe incomodar, mas é que estamos com


dúvidas a respeito de um assunto e gostaríamos de saber sua opinião. Poderia
nos ajudar?

Religioso: Mas é claro! Ficarei feliz em ajudar.

Diabo: Ótimo. Nós estamos com dúvidas á respeito de qual seria a


verdadeira fonte de todo o mal.

Religioso: Mas isso é muito simples; a fonte de todo o mal é o amor


pelo dinheiro.

Amigo: Nossa como o dinheiro é antigo, em? Vejam só, vivendo e


aprendendo.

Diabo: Veja bem o que fala, pois só é possível esse mal gerado por
esse amor se existir o objeto no qual deva ser amado juntamente com ele.

Filósofo: Desculpe interromper, mas desconcordo plenamente desta


teoria. Não quero desapontá-lo, mas note que se isso fosse mesmo verdade o
dinheiro teria que se fazer presente desde o início, no éden, e me parece que o
dinheiro é uma invenção bem recente considerando o tempo de existência do
mal.

Amigo: Poxa, lá se foi o novo aprendizado.

Filósofo: Para essa teoria ser verdadeira o dinheiro e o mal teriam que
ter surgido ao mesmo tempo, mas como nós sabemos, o mal é bem mais
antigo.

Amigo: Deixem-me concluir essa.


Diabo: Á vontade...

Amigo: Ou seja, a fonte do mal não é o amor pelo dinheiro, pois na


época que o mal surgiu, o dinheiro não existia.

Diabo: Gênio!

Filósofo: Mais absurdo ainda seria supor que a fonte do mal é de


origem econômica.

Religioso: Faz sentido.

Amigo: Sério mesmo que você concorda com a gente? Essa foi fácil.

Religioso: Quero dizer que faz sentido vocês pensarem assim, pois não
entendem os mistérios da palavra de Deus, por isso interpretam tudo errado.

Diabo: Poderia então por gentileza nos iluminar com sua interpretação
divina?

Religioso: Mas é claro! A interpretação divina diz que não devo andar
no meio de pessoas como vocês e que não devo dar nada de valor a quem não
reconhece. Adeus!

Amigo: Meu Deus, que homem de Deus, em?

Filósofo: Vai ver que ele está certo.

Amigo: Mas como ele poderia estar certo?

Filósofo: Quem poderia estar certo andando e conversando com o


Diabo?

Amigo: Ué, mas Jesus não fez isso? Teria Ele errado?

Diabo: Seus idiotas, ele não está falando de dinheiro em si, mas sim de
poder.

Amigo: Há, agora faz sentido.

Diabo: Mas agora voltemos para onde havíamos parado. Como dizia
antes, eu só estava fazendo um teste para verificar o nível de atenção de
vocês, se estão mesmo interessados no assunto, só isso, não precisam ficar
tão chateados.

Filósofo: Não, como não?

Diabo: Ok, não se fala mais nisso.

Amigo: E quanto a minha pergunta?

Filósofo: Olha meu amigo, ele não quer responder então deixa comigo.
O Diabo falou de algumas prováveis fontes do mal e afirma ser á árvore a
principal, mas nós sabemos que enquanto ela estava no jardim sem a presença
dele, nenhum mal aconteceu. O mal só veio a atingir o ser humano e o mundo
depois de suas ações no jardim. Por isso, ele é a fonte de todo o mal.

Diabo: Não é isso, vocês estão entendendo tudo errado. Mas não se
preocupem, nós vamos chegar a uma solução juntos.

Filósofo: Solução juntos?

Diabo: Sim, pois sinceramente nem eu mesmo sei essa resposta.

Filósofo: Você está mentindo.

Diabo: Não estou não. O que aconteceu a pouco é o que eu já havia


previsto; se eu não lhes desse uma resposta à altura, vocês não se
convenceriam. E foi assim que aconteceu.

Filósofo: Mas não acredito que você não saiba, na verdade tenho
certeza que você é á fonte do mal.

Diabo: Olha, será que você não está me confundindo com outro ser
não, ao querer que eu saiba de tudo?

Filósofo: É...

Diabo: E você está maluco, achando que eu sou a fonte do mal. Antes
de ser promovido a Diabo eu era querubim da guarda real, e se já existia uma
guarda real antes de toda aquela confusão no jardim, da queda do ser humano
é porque já existia um mal muito antigo a ser combatido.

Amigo: Nossa!
Diabo: Pensando bem, quem deveria saber sobre esse assunto é você
mesmo.

Filósofo: Eu?

Diabo: Claro, você é um descendente do que comeu do fruto do


conhecimento do bem e do mal e não eu. Se você não souber, digo, se para
conhecer tal assunto você precisar que alguém lhe ensine, isso quer dizer que
a tal história por contaminação hereditária é só mais um mito.

Amigo: Verdade.

Diabo: Talvez se você se concentrar encontre a resposta que você


quer.

Filósofo: É não custa tentar, né?

Diabo: Ótimo!

Filósofo: Mas como farei isso?

Diabo: Eu posso fazer algumas perguntas para lhe ajudar a ir


encontrando caminhos que talvez levem a tal resposta, que acha?

Filósofo: Essa parece ser uma ótima ideia.

Diabo: Vamos lá então. Pronto?

Filósofo: Pronto!

Diabo: Você é mal ou é bom?

Filósofo: Bem, diferente do que muitos pensam, não é tão difícil


perceber a verdade sobre essa questão. Sou bom!

Diabo: Preste muita atenção na questão e no que diz. Você acha que
consegue fazer isso?

Filósofo: Sim, com certeza.

Diabo: Então, quando você declara que é bom, com isso você quer
dizer que só pratica o bem e nunca o mal?

Filósofo: Não, espera. Sou bom, mas ás vezes faço um pouco o mal.
Diabo: Humm... Note então que você não é bom, apenas quer ser bom,
pois quem é não faz o mal. Quem realmente é bom, não quer mais ser bom,
porque já é.

Amigo: E mais uma vez não entendi foi nada.

Diabo: Se quer ser bom é porque ainda não é, pois se é, não deseja
ser. Lembre-se: só desejamos ser o que ainda não somos.

Filósofo: há, agora entendi.

Diabo: Então, você é bom ou quer ser bom?

Filósofo: Olha, pensando bem, acho que quero ser bom.

Diabo: Repetindo; se quer ser é porque ainda não é, e se ainda não é


bom é porque é mal, simples assim, é só uma questão de aceitar o que
se é.

Filósofo: Discordo, pois quem é mal não faz o bem, não tem
capacidade de fazer o bem e eu faço.

Diabo: Vamos conferir então.

Filósofo: Ok.

Diabo: Considerando o seu esforço para a prática de atitudes boas e


atitudes más; quais tem mais facilidade em praticar?

Filósofo: Olha...

Diabo: Calma; ainda não acabei.

Filósofo: Tudo bem pode continuar.

Diabo: Quando alguém lhe faz um mal, qual a sua primeira reação?
Perdoa logo de primeira ou fica indignado questionando a injustiça
sentindo um tipo de mal estar, talvez até pensando em uma pequena
vingança que algumas vezes você nomeia de justiça? Quando alguém
lhe faz o mal, suas indignações duram, segundos, minutos, horas, dias
ou anos? E quanto dura o seu amor pelo próximo quando este te
decepciona?
Filósofo: É que...

Diabo: Compare; você costuma lembrar mais do bem que as pessoas


lhe fizeram e fica constantemente grato e feliz com isso ou costuma
lembrar mais do mal que lhe fizeram, ficando triste e mal humorado
esperando que Deus faça justiça para que o outro “aprenda” uma lição?

Amigo: Valei-me...

Diabo: Você e o próximo tem o mesmo valor, sendo ele um mendigo,


viciado ou mesmo um criminoso? Nestes casos, você costuma medir
seu nível de bondade se comparando com as outras pessoas?

Filósofo: Eu acho que...

Diabo: Calma! Quando você faz o bem, sente-se bem por quanto tempo
até se sentir mal e precisar novamente praticar o bem para poder se sentir
bem? Ou o bem é tão natural em você que você nem nota quando faz? Você
pratica o bem porque faz bem pra você ou porque é bom para todos? Você se
preocupa tanto com a questão de ser bom que ás vezes se sente um pouco
mal por não ser tão perfeitamente bom como deveria?

Filósofo: Olha; você só está enrolando com essas perguntas, pois elas nos
distanciam de nosso objetivo.

Diabo: Você não vai respondê-las?

Filósofo: É claro que não! E por favor, você poderia deixar de enrolar?

Diabo: Não estou enrolando. Você sabia que estas questões são muito
importantes?

Filósofo: Sim, é claro que são. Mas não levam ao que precisamos descobrir.

Diabo: Tudo bem, tentemos de um modo mais especifico então.

Amigo: Isso.

Diabo: Ok, considerando que nem eu e nem a árvore são as fontes do mal, o
que ou quem poderia ser então?

Filósofo: Desistiu de dizer que a árvore de Deus é a verdadeira fonte do mal?


Diabo: Sim, você me convenceu em parte sobre isso, me parece que ela não é
o mal e nem produz o mal. É apenas um tipo de recipiente para o mal.

Amigo: Nela estava apenas o conhecimento sobre o mal ou o próprio mal?

Filósofo: Parece-me que os dois.

Diabo: Para mim, onde se encontra o mal, ali também está á fonte do mal.

Amigo: Não que eu mais uma vez não tenha entendido, mas, poderia explicar
melhor?

Diabo: Mas é claro meu amigo.

Amigo: Não abuse.

Diabo: Segundo o entendimento que temos sobre a natureza do Ser, a


natureza maligna que está no ser humano não deveria ser a causa
determinante do mal que está nele?

Filósofo: Sim.

Diabo: Se o mal provém de uma natureza, jamais poderá ser causado por algo
que não seja essa natureza, ou seja, de modo algum poderá ser causado por
algo diferente e externo a ela.

Filósofo: Lógico.

Diabo: O ato deve ser atribuído a quem tem a natureza e a mais ninguém, não
podendo variar ou transformar-se no seu contrário.

Filósofo: Isso é óbvio.

Diabo: O assassinato por exemplo. Este é um ato de natureza boa ou má?

Amigo: Sem dúvidas que má.

Diabo: Podemos dizer que quem pratica este ato o faz pela natureza maligna
que está nele?

Amigo: Sim, como não?

Diabo: Poderia ter o mesmo ato quem tem uma natureza boa dentro de si,
dizendo que esse ato foi um bem e não um mal?
Filósofo: De modo algum, pois o ato mal deve pertencer a quem tem a natureza
má. Como o bom poderá ser chamado bom se adotar um ato contrário à sua
natureza, ou seja, um ato mal?

Diabo: E se a determinação para o ato viesse de fora?

Amigo: Como assim?

Diabo: Vou dar um exemplo; Deus várias vezes deu ordens aos seus para que
matassem, e estes assim o fizeram.

Amigo: Mas como pode isso? Deus não é contra essa prática?

Filósofo: Você quer dizer que praticaram tal ato, não segundo a alguma
natureza maligna que estava neles, mas segundo uma ordem externa, não é
isso?

Diabo: Sim, e quando assim fizeram, não estavam negando a existência de


uma natureza?

Filósofo: Aparentemente sim, mas desse modo não estaríamos dizendo que o
mal e o bem estariam fora do ser humano por acontecer não de acordo com a
natureza que está nele, mas sim, de acordo com uma lei que está fora
determinando o que é o mal e o que é o bem segundo sua vontade?

Diabo: Você finalmente entendeu. Não é a natureza que está no ser humano
quem determina alguma coisa, pois no final das contas, quem é o ser humano
para determinar alguma coisa? É lhe dado algum direito de legislador?

Filósofo: Acredito que não.

Diabo: Quem determina se o matar é um bem ou um mal, independente de


qualquer natureza que exista no ser humano não é Deus?

Filósofo: Aparentemente, sim.

Diabo: O matar não é um ato segundo uma natureza maligna, já que pode
também ser um bem segundo a decisão de Deus.

Filósofo: Segundo esta maneira de pensar o mal não possui natureza definida
até que Deus á defina, ou seja, quando Deus decide se o matar é um bem ou
um mal, está ignorando qualquer natureza que possa existir dentro do ser
humano, já que a verdadeira causa determinante está fora dele.

Diabo: Isso, se o matar fosse um resultado da natureza maligna que está


dentro do ser humano, jamais poderia ser tomado como sendo um bem ainda
que outro externamente assim desejasse, pois seria contrário a uma natureza.

Filósofo: Sim.

Diabo: Mas não é assim que acontece? Já vi Deus nomear ao contrário quando
lhe convém, independentemente da natureza que está dentro do ser humano.

Amigo: Explique.

Diabo: Podemos dizer que é impossível Deus praticar o mal?

Filósofo: Sim, claro.

Diabo: Que todos os seus atos são bons?

Filósofo: Sim, como não?

Diabo: Deus já ordenou a alguém bom que não estava sobre efeito de uma
natureza maligna e que não pretendia matar, a matar?

Amigo: Parece-me que sim.

Diabo: Podemos dizer que esse homem que não desejava matar, mas matou,
era bom?

Filósofo: Sim.

Diabo: Quando obedece a Deus e mata, seu ato foi determinado por alguma
natureza que está nele ou por uma ordem externa a ele?

Filósofo: Por uma ordem externa.

Diabo: Este pobre homem não parece que está agindo contra sua própria
natureza boa, que não deseja matar?

Amigo: Nossa!

Filósofo: Sim.
Diabo: Logo, percebemos que no ser humano não está á natureza
determinante do mal, mas apenas como na arvore algum tipo de informação,
pois para ser verdadeiramente uma natureza deve ser imutável e única fonte
determinante, mas o que está no ser humano não é uma natureza imutável e
determinante, já que sua ação pode ser moldada de acordo com leis externas.

Amigo: Interessante, deixa ver se entendi. Quando há uma natureza no ser


humano, mesmo que existam leis externas contrárias ele não poderá obedecer
ou cumpri-las, já que só pode agir segundo sua natureza.

Diabo: Muito bom, também podemos verificar essa mesma dinâmica em Deus.

Amigo: Prove.

Diabo: Estou falando sobre Ele somente agir segundo sua própria natureza,
sem ter nunca outra fonte determinante de suas ações, pois se tiver, isso quer
dizer que a fonte que há nele é insuficiente, incompleta ou que Ele não é
totalmente autodeterminante De si mesmo.

Filósofo: Poderia dar um exemplo?

Diabo: Sim, tomemos como exemplo o sofrimento. O coração de Deus só se


comove quando há sofrimento? Só faz bondade quando alguém clama? Não
poderia Ele ser bom a todo instante apenas por ser bom? Digo, sem que seja
necessário que alguém clame para que possa agir.

Amigo: Mas Ele não é bom?

Filósofo: Sim, mas o que ele quer dizer é que; não há todo o momento e por si
mesmo.

Diabo: Isso, pois quem é bom a todo o momento, sempre faz apenas o bem á
todo instante, sem que precise que outro peça para que faça porque parou de
fazer.

Amigo: Interessante.

Diabo: Também porque segundo a lógica sobre a natureza, essa sempre


funciona por si mesma, não precisando nunca de um motivo externo para
funcionar.
Filósofo: Realmente.

Diabo: E mais uma vez tratando-se de Deus, digo; de sua natureza boa.
Parece que enquanto alguém não se desesperar de dor e clamar por Ele, Ele
não atende. Novamente segundo a lógica de natureza, o certo seria que
ninguém precisasse se preocupar quanto a isso, pois ele sempre estaria agindo
bem segundo sua natureza boa incessante, sem que ninguém precisasse pedir
para Ele fazer algum bem.

Amigo: Odeio admitir, mas desta vez tenho que concordar com o Diabo.

Diabo: Por exemplo; você ora?

Amigo: Sim.

Diabo: E pra que você ora?

Amigo: Geralmente eu oro para que Deus faça o bem pra mim.

Diabo: Então você ora para que Ele faça o bem certo?

Amigo: Certo.

Diabo: Logo, se você ora para que Ele faça o bem é porque o bem não está
sendo feito, correto?

Amigo: Sim, mas o que tem de errado nisso? Por acaso é errado orar?

Diabo: Não, é claro que não! Orar faz muito bem e eu mesmo oro muito. Sabe,
orar alivia o estresse.

Amigo: Então o que você quer falar com esse trocadilho, se não é errado orar
para que Deus me responda?

Diabo: Orar não é errado, errado é ter que orar para que Deus lhe responda
com o bem.

Amigo: Continuo sem entender. Não consigo encontrar erro algum, pois por
respeitar nossas escolhas é que Deus só atende quem ora.

Diabo: Este tipo de raciocínio estaria perfeitamente correto se as ações de


Deus estivessem limitadas á apenas um certo tipo de comportamento, mas não
é bem assim.
Amigo: Não?

Diabo: Não. Não porque Deus não age no nível de comportamento, Ele age no
nível de natureza.

Amigo: Ainda não entendi.

Diabo: Veja bem, o agir no nível de comportamento sugere algo adquirido, algo
que pode ser mudado e desfeito. Algo que é diferente e inferior a uma natureza
e que possui causa determinante externa. Tipo algo que se adquire por causa
de outra coisa.

Amigo: Agora estou começando a entender.

Diabo: Já a natureza existe por si mesma sem que precise de influências


externas. Darei o exemplo de um cachorro. Ele é cachorro e sempre executa
sua natureza de cachorro não á deixando por influência externa alguma.

Amigo: Brilhante!

Diabo: E assim são todos os demais seres, Eles jamais se desfazem de suas
naturezas, não importando qualquer que seja a influência externa. Você
sempre e inconfundivelmente os achará as exercendo.

Amigo: Sim.

Diabo: Jamais encontraremos um cachorro que por influência externa tenha


deixado de ser cachorro para se tornar um gato.

Amigo: Como eu disse antes, muito interessante, mas o que isso tudo tem
haver com Deus?

Diabo: Simples, a natureza de Deus não é o bem?

Amigo: Creio que sim.

Diabo: Como podem os animais que são seres infinitamente inferiores a Deus
manterem-se totalmente fiéis as suas naturezas mediante todas e quaisquer
influências externas e Deus não? Sendo que, para que Ele exerça a sua
própria natureza sejam necessárias influências externas, tipo; oração, jejum,
campanhas e muitas outras?
Amigo: É também me parece esquisito.

Diabo: O certo não seria que Ele fizesse tudo segundo sua natureza sem que
precisasse de nossa influência? Digo, mesmo que ninguém nunca orasse,
jejuasse ou qualquer coisa do tipo, Ele continuasse a fazer o bem?

Amigo: Mas não é assim?

Diabo: Parece que não. Se for assim mesmo como você pensa, então faça o
teste. Faça algum tipo de mal terrível e veja se o tratamento Dele a seu
respeito não muda ou continua sendo o mesmo sempre. Ele sempre muda de
acordo com a mudança de vocês.

Filósofo: Muito bem elaboradas essas suas palavras.

Diabo: Muito obrigado! É que a minha intenção é a todo custo ajuda-los a


saírem da ignorância.

Filósofo: Calma! Eu não disse que concordo, apenas falei que estão bem
elaboradas.

Amigo: Concordo.

Diabo: Rapaz, ás vezes você é muito chato.

Amigo: Concordo.

Filósofo: Se Deus agisse sempre nesse tipo de natureza que você afirmou que
Ele deveria ter, isso seria agir contrário a sua natureza.

Amigo: Mas como?

Filósofo: Você não disse que concordava comigo?

Amigo: Sim, é que só estou um pouco confuso é só isso.

Filósofo: Tudo bem. Imaginemos a seguinte situação: uma pessoa que faz
sempre o bem e assim sempre recebe o bem de Deus, tipo; prosperidade,
proteção, amor, saúde, paz e muitos outros que lhe causam imensa felicidade.

Diabo: Sim é justo.


Filósofo: Agora digamos que essa mesma pessoa resolva deixar de ser boa e
comece a fazer muitos tipos de maldade e mesmo assim Deus continue lhe
tratando da mesma forma, tipo; dando-lhe prosperidade, proteção, amor,
saúde, paz e muitos outros bens que causam imensa felicidade.

Diabo: Agora você apelou.

Filósofo: Pergunto; esse tipo de “natureza” da parte de Deus continua sendo


um bem?

Amigo: Parece que não.

Filósofo: Por quê?

Amigo: Porque é injusto que ele sendo agora mau, continue a receber o bem.

Filósofo: E o que significa para você esse receber sempre o bem da parte de
Deus mesmo sendo mal?

Amigo: Um mal.

Filósofo: Mesmo Deus fazendo sempre o bem?

Amigo: Sim, porque nesse caso, o bem para mim é que Deus lhe desse o mal,
já que ele o escolheu.

Filósofo: Por quê?

Amigo: Porque seria justo.

Filósofo: E o que é a justiça?

Amigo: Um bem.

Filósofo: Então podemos dizer que Deus é sempre justo?

Amigo: Sim.

Filósofo: Desse modo, podemos concluir então que Deus é sempre bom.

Diabo: Não sei não.

Amigo: Que foi agora?

Diabo: E a questão de vocês fazerem o bem?


Amigo: O que tem isso?

Diabo: São vocês que fazem o bem ou é Deus quem faz através de vocês? Se
for Ele quem faz, então não são vocês, e se não são vocês é porque vocês não
são bons, ora, percebam que quem não é bom é mal, e quem é mal vai para o
inferno.

Amigo: Então o que fazer?

Diabo: Simplesmente para serem bons, vocês terão que impedir que Deus faça
o bem através de vocês para poderem começar a fazer vocês mesmo.

Amigo: Parece um bom plano.

Filósofo: Mais uma vez peço que vá com calma meu amigo, pois existe um
problema nesta afirmação; Deus é o próprio bem e não existe bem
independente Dele, logo quem o deixar, deixa o bem, e quem deixar o bem é
porque é mal, e quem é mal vai para o inferno.

Amigo: Meu Deeeeeeuuuuusss!. De todo jeito estamos ferrados!

Filósofo: Pare com isso, deixe de dar tanto crédito ao que ele diz. Já esqueceu
quem ele é?

Amigo: Verdade não estamos ferrados. Um dia tudo será perfeito.

Diabo: Isso nunca! Agora falando sério; De onde veio todo o mal?

Amigo: Desculpe-me, mas é que talvez ainda não tenha percebido que eu não
sei!

Diabo: Então porque falar em perfeição? A perfeição só existiu enquanto Deus


não agiu, quando ainda não tinha feito nada. Depois de sua ação é que veio
todas as imperfeições.

Amigo: Ainda não tinha pensado nisso.

Diabo: Agora já consegue entender de onde veio o mal?

Amigo: Ainda não.

Diabo: Ok. Desta vez vou falar toda á verdade doa a quem doer; O mal veio da
imperfeição e a imperfeição veio de Deus.
Filósofo: Que absurdo!

Amigo: Poxa; então quer dizer que se Ele tivesse ficado quietinho sem fazer
nada, nada seria imperfeito?

Diabo: Perfeito! Já que a imperfeição não se criou por si mesma, mas Deus á
criou.

Amigo: Mas como é possível que um Deus perfeito crie algo tão imperfeito
como a imperfeição? Para que faria isso?

Filósofo: Um dos possíveis motivos é que a imperfeição é perfeita para que Ele
mostre sua perfeição, outro é porque só Ele pode ser perfeito.

Amigo: Á tá, intendi perfeitamente. Continuamos ferrados!

Filósofo: Não meu amigo, não estamos. A saída é procurarmos ser sempre
semelhantes a Ele.

Diabo: Semelhantes como?

Filósofo: Semelhante, tentando imitá-lo, sabe? Ser igual a Ele.

Diabo: Á sim; isso faz você pensar que esse modo de agir o faria sentir como
um pai orgulhoso a qual o filho deseja ser semelhante a ele.

Filósofo: Foi isso mais ou menos que tentei explicar.

Diabo: Você acha mesmo que isso funciona?

Filósofo: Mas é claro! Acredito que essa seja a melhor estratégia.

Diabo: Mas não foi exatamente o que eu tentei fazer? Digo; desejei ser
semelhante ao Altíssimo, e olha o que aconteceu comigo!

Amigo: Ferrou de vez!

Filósofo: Mas você sabe que, quem deseja ser semelhante, logicamente tem
que parecer com quem deseja ser, ou seja, tem que se comportar como Ele e
fazer as coisas que Ele faz, pois como poderia ser semelhante fazendo o
contrário?
Diabo: Mas é claro! De outro modo, se achasse que o ser semelhante não
fosse o melhor, diria: serei totalmente diferente do Altíssimo, pois ser diferente
é melhor que ser semelhante.

Amigo: Isso.

Diabo: Mas tenho que confessar mais uma coisa para vocês.

Amigo: Novidade.

Diabo: Estou só brincando com vocês sobre esta história de ser semelhante.

Amigo: Está?

Diabo: Sim, estou. Gostaria de saber de onde tiraram essa história que Ele me
castigou e rejeitou justamente por querer ser semelhante a Ele.

Filósofo: Esquisito mesmo.

Diabo: Fico pensando sobre o que acham que Ele queria se me castigasse por
tentar me parecer com Ele. Iria então querer que eu fosse totalmente o
contrário? Digo, em nada parecido com Ele? Por acaso querer ser semelhante
a Deus é ruim? É um mal querer ser semelhante a Deus?

Filósofo: Claro que não é um mal. Quanto mais semelhantes a Ele, melhor nos
tornamos. É impossível alguém que se torne semelhante a Deus ser mal, já
que ser mal é o contrário.

Diabo: Esse é meu questionamento; por que acham que fui castigado por isso?
Digo novamente; por desejar ser semelhante a Ele? Não é o que todos os
seres humanos tementes a Ele desejam?

Amigo: Desisto.

Filósofo: Calma meu amigo, não seja tão inocente. Perceba que esse sujeito
não está só nos dando simples informações; está também nos tentando para
que desanimemos do caminho.

Amigo: Isso nunca, Pois temos muita fé!

Diabo: Muita fé?

Amigo: Sim, muitíssima!


Diabo: Vocês não sabem o que dizem. Não sabem o que significa ter fé.

Amigo: E quem sabe, você?

Diabo: Sim, e não deveria, mas vou lhes ensinar, isso é, se assim desejarem.

Filósofo: Sem problemas. Pode falar...


Fé na fé

Diabo: Você tem fé em Deus?

Filósofo: Sim, claro. É ela que me dá a certeza que tenho á Deus.

Diabo: E o que você está fazendo buscando tantas informações objetivas? Está
tentando ter fé através da razão?

Filósofo: Confesso que é quase isso, mas não estou tentando ter fé, estou
apenas tentando fortalecê-la.

Diabo: Como assim? Você quer ter como base de sua fé a razão? Creio que
você não alcançará seu objetivo.

Filósofo: Eu utilizo a razão sim, mas de modo diferente do que você pensa.

Diabo: Não importa, saiba que esta sua busca ainda está no início e é uma
tortura por estar com ela constantemente em sua mente.

Filósofo: Pode ser, é uma pequena parte da minha cruz.

Diabo: Não seja presunçoso, vejo que você se engana constantemente


pensando que está em um nível elevado, mas não está.

Filósofo: Isso não lhe interessa, é problema meu.

Amigo: Vai com calma meu amigo, você não quer irritar esse sujeito, não é?

Diabo: Na verdade você tem fé garoto, mas não tem quem deseja ter.

Amigo: O que ele quis dizer com isso? Será que é o que estou entendendo?
Que, quem tem fé não tem á Deus? É isso?

Diabo: Vou explicar.

Amigo: Fala logo, deixe de enrolação!

Diabo: Calma! Só quero me certificar que vocês realmente estão entendendo,


só isso. Olha, e é isso mesmo que você entendeu: quando você tem fé, você
não tem á Deus.

Amigo: Isso é um absurdo! Como algo que me leva a Deus, pode ao mesmo
tempo me afastar Dele?
Diabo: Parece absurdo, mas não é. Note que, quando você tem fé, tem apenas
a esperança que um dia terá o que deseja, mas ainda não tem o que deseja,
logo quem tem fé, não tem á Deus, tem apenas uma esperança de um dia tê-
lo.

Amigo: Tudo isso é muito confuso.

Diabo: Para vocês entenderem melhor, vou dar um exemplo. Olhem para esse
cetro que está em minha mão, preciso ter fé para tê-lo?

Filósofo: Não, pois você já o tem.

Diabo: Isso! Do mesmo modo Deus. Se realmente Ele estivesse aí do seu lado
agora, você ainda precisaria de fé?

Filósofo: Acredito que não.

Diabo: Mas é claro que não, já que a fé é uma busca e só continua a buscar
quem ainda não tem o que busca, pois quando tem, a busca cessa.

Filósofo: Entendo.

Diabo: A fé é uma coisa e Deus outra. Ter fé é só ter fé, e isso não é o mesmo
que ter Deus. Quem busca ou procura a Deus é porque ainda não o tem, ou
seja, tem apenas fé.

Filósofo: Isso me dá a impressão que o tamanho da busca evidencia o


tamanho da falta.

Diabo: Claro, a presença de fé evidencia uma ausência.

Amigo: Agora entendi.

Diabo: Você gosta mesmo de á todo momento só ter fé? Ter fé é o mesmo que
ter Deus?

Amigo: Pra ser sincero, não. O que eu quero mesmo é a presença de Deus, e
não somente fé.

Diabo: Pois é né, realmente é triste. Já conheci muitas pessoas que de tanto
terem somente fé, acabaram perdendo a fé.

Filósofo: É, mas a fé é só isso? É só uma ausência de Deus?


Diabo: Não sei bem ao certo, não lembro.

Filósofo: Para mim ela é mais que isso, ela é o caminho para encontrá-lo, é a
condição e não há nada mais natural que isso.

Amigo: Concordo, esse Diabo confunde muito as coisas, não consigo botar um
pingo de fé no que ele diz.

Filósofo: Não foi assim que aconteceu com todos os grandes homens de fé,
que tiveram um encontro com Deus ao longo da história? Partiram da confusão
ilógica pela fé aos poucos até que um dia o encontraram.

Diabo: Não sei, é que no momento não estou lembrando bem.

Amigo: Que tal mais uma viajem no tempo para refrescar a memória?

Diabo: De jeito nenhum, já esqueceu o que você fez da ultima vez? O trabalho
que deu pra gente?

Amigo: Prometo não fazer besteira dessa vez, mas, por favor, só mais uma
viagem.

Diabo: Ok, você me convenceu, só mais essa e chega!

Filósofo: Por mim tudo bem, mas só se eu puder escolher o destino, se não
nada feito.

Diabo: Tudo bem pode escolher.

Filósofo: Como estamos falando sobre fé, proponho que visitemos o pai da fé.
O que acham?

Amigo: Meu Deus! É quem eu penso que seja? Você está falando de Abraão?

Filósofo: Sim, e tem que ser no momento exato do sacrifício de Isaque, pois
não vejo momento melhor para aprendermos sobre a fé.

Diabo: Tudo bem, mas lembrem-se das regras; não interfiram na história. E
dessa vez faremos diferente. Ficaremos á distância apenas observando.

Amigo: Ué, mas por quê?


Diabo: Porque nós definitivamente não queremos criar problema algum para
aquele homem, acredite, ele é especial. Realmente teremos grandes
problemas se criarmos algum problema para ele.

Amigo: Mas pela história ele já não é bem velhinho?

Filósofo: Ele não está falando de Abraão revidar, está falando do amigo que o
protege.

Amigo: Que amigo?

Diabo: Estamos falando de Deus seu idiota! É dele que estamos falando.

Amigo: Há tá, agora eu entendi. Tranquilo, sem problemas podemos ir.

Diabo: Ok vou confiar em você. Vamos...

E assim partiram rumo a mais uma viagem esclarecedora...


A razão da fé.

Diabo: Chegamos.

Amigo: Que frio na barriga. Estou ansioso.

Filósofo: Vamos com calma, lembre-se que devemos evitar problemas.

Amigo: Já sei, também não precisa ficar repetindo á todo momento.

Diabo: Olhem, ali está ele.

Filósofo: Sim, é ele.

Diabo: Mas porque você está tão nervoso e dramático, não acha que está
exagerando?

Filósofo: É claro que não, você não reconhece à importância que a fé tem para
o entendimento do próprio indivíduo para consigo mesmo e sua vida em
sociedade? Estou assim porque aqui posso investigar sua relação com a razão
e provar sua superioridade.

Diabo: Não é um propósito muito audacioso?

Filósofo: Sim, mas farei o melhor possível.

Diabo: Você é esquisito mesmo, ao contrário da maioria dos outros pensadores


não considera uma evolução positiva partir da fé rumo à razão, antes, seu
pensamento defende como superior partir da razão rumo à fé, mesmo até
agora não havendo neste seu ponto de vista nenhuma explicação digna de
crédito.

Filósofo: Calma, você entenderá a superioridade da fé sobre a razão. Quando


alguém discute e argumenta sobre fé, mesmo que consiga através de sua
explicação parecer esclarecer muito, isto não quer dizer que o mesmo a tenha,
pois concernente a esta o cerne não se encontra no conhecer como acontece
muitas vezes no caso da razão, mas no exercer. O erro está em querer
entender as duas do mesmo modo, não diferenciando suas categorias.
Diabo: Tudo bem vou ouvir sua explicação. Mas digo logo que para mim o que
importa é que a razão é superior á fé e sempre será.

Filósofo: Ok, para você pode ser, mas para mim a prática é o grande divisor
destes dois caminhos, levando em consideração que; com a razão é possível
teorizar sobre qualquer coisa ao mesmo tempo em que não se é obrigado ser
um praticante ou adepto, enquanto que pela via da fé não é possível sem ser
um praticante.

Amigo: Muito bem, que acham de começarem observando atentamente o


exemplo de quem teve mais fé para que possamos obter as respostas que
precisamos.

Filósofo: Sim com certeza! Vamos lá, já que sem o exemplo dele por mais que
eu fale, não passará de mera racionalização.

Diabo: Você é esperto.

Filósofo: Vou lhe provar que a fé é o nível mais alto que o homem pode
alcançar e que está além até mesmo do próprio ideal de vida ética, que
geralmente é considerado como o melhor nível a ser alcançado.

Diabo: Verdade, disso ninguém pode discordar. O individuo ético realmente é


admirável, mas o ponto de vista principal aqui é o questionável nível da fé.

Filósofo: O nível ético pode até proporcionar um bem viver, mas por ser apenas
uma realização alcançada através do cumprimento da lei moral, possui grande
limitação e esta é um dos principais impedimentos para alcançar o nível da fé.

Amigo: Vejam; ele está subindo o monte com o garoto. Então é mesmo
verdade o que falam sobre a fé deste homem. Meu Deus! É de partir o coração,
olhem atentamente e notarão lagrimas em seus olhos.

Filósofo: E mesmo assim ele continua. Isso sim e ter fé!


Diabo: Discordo; para mim ele é só mais um querendo entrar para a história,
ficar famoso, por aí... Além de ser preso e limitado por sua religiosidade.

Filósofo: Abraão é um homem livre!

Diabo: Ridículo.

Amigo: Sinto muito meu amigo, mas ele está indo sacrificar o próprio filho. E,
olhando por esse ponto de vista, fica difícil.

Filósofo: Entendo vocês, mas continuo afirmando que Abraão é um homem


livre e o nível que ele alcançou por mais estranho que seja, foi exercendo sua
liberdade, escolhendo e assumindo um comprometimento consigo mesmo e
com mais ninguém.

Amigo: Não entendi.

Filósofo: Note que a fé não é razão, raciocínio objetivo ou uma espécie de


continuidade desta, desse modo, é algo que vai além, rompendo com essa
instância por ser ela insuficiente.

Amigo: Sei, mas é difícil de acreditar.

Filósofo: Jamais a razão foi o limite máximo do ser humano, seu desejo sempre
o impulsiona para além dela, pois no intimo sabe que essa nunca o satisfaz
plenamente. Ele á usa apenas como meio para alcançar um nível mais
elevado.

Amigo: Agora está começando a fazer sentido.

Filósofo: Olhe para Abraão ele é o exemplo, mas lhe digo que não pode ser
compreendido de uma maneira comum, sua existência incomum é tomada
como algo singular, esta não pode ser conceituada por outra existência que
também é do mesmo modo singular e muito menos por todas as outras em
geral. Sua fé o separou, tornando-o incompreensível para o entendimento
natural.

Diabo: Que absurdo, tudo pode ser apreendido pela razão.

Filósofo: Você só deve está brincando ou mesmo só querendo nos confundir. É


lógico que a individualidade de cada um estabelece limitações a este modo de
pensar quando vista em termos de possibilidade de escolha.

Diabo: Sei.

Amigo: Olhem novamente para ele, está se preparando para sacrificar o filho.

Filósofo: Sim, olhemos para ele. Diga-me senhor sabe tudo, super-racional; o
que se passa na mente de Abraão nesse instante?

Diabo: O agir dele parece nobre mais não é, pois não se trata de fé, é apenas
cumprimento de um dever, simples assim. A individualidade de Abraão foi
suprimida totalmente e absolvida pelo pensamento geral de moralidade, e é por
está que ele age. Ele não tem essa capacidade de fé através da escolha que
você afirma. O agir dele é segundo a moralidade e isso tira a liberdade de
qualquer um.

Filósofo: Teorizar sem constatar, este é a grande limitação da razão, não


adianta filosofar a respeito da fé, por isso repito: no caso desta se faz
necessário tê-la para poder entendê-la. A especulação puramente racional
sobre a fé é inferior á fé e não alcança a fé, não podemos considerar esse tipo
de prática como o mesmo que ter fé. É por isso que aponto novamente para a
prática de Abraão, pois esse sim foi muito além da racionalização. Seu agir fez
a grande diferença.
Amigo: E para mim vocês só estão falando, falando e falando sem saírem do
mesmo lugar. Deixem de ser chatos e comecem a falar sobre outra coisa e de
preferência algo que eu entenda.

Filósofo: Desculpe meu amigo é que nos empolgamos um pouco mais com
esse assunto. Mas voltemos a olhar para Abraão.

Amigo: Sim, é melhor mesmo. Nossa! Mas cadê ele?

Diabo: Está ali, descendo o monte ao lado do seu filho.

Amigo: Droga! Olha o que vocês fizeram.

Diabo: O que?

Amigo: Como o que? Vocês com toda essa conversa fizeram com que eu
perdesse todo o acontecimento do sacrifício.

Filósofo: Não importa; o importante mesmo é que nós sabemos que realmente
aconteceu e depois o resultado concreto da fé de Abraão.

Amigo: É isso não pode ser negado.

Filósofo: Não podemos negar seu agir pela fé dizendo que foi por algum tipo de
razão. O absurdo da ação evidencia isso deixando claro que de maneira
alguma pode ser entendido, senão, de outro modo não seria um absurdo. Ora,
e convenhamos; o que não pode ser entendido, também não pode ser
executado pela razão. Nisto, há uma crise na instância da razão ao tentar
entender tal ação absurda.

Diabo: Como saber se o que tinha Abraão era mesmo fé? Não seria este o
caso de um louco assassino? Quem não diria que tal perdeu a razão em vez de
confirmar que estaria apenas agindo por fé?
Filósofo: O mal estar que teve antes do ato é uma das provas. Á pratica do ato
isolado em si pode ser fonte de infinitas interpretações, mas quando
analisamos de modo minucioso o que o antecede elucidamos de modo
assertivo a questão. Não notou os olhos tristes de Abraão, cheios de lagrimas e
suas pernas e mãos tremulas?

Diabo: E que há de especial nisso?

Filósofo: Ora, isso evidencia que o ato praticado por Abraão não era de modo
algum um indicativo de que ele estava louco destituído de razão neste
processo.

Amigo: Mas você não disse que ele agiu por fé?

Filósofo: Sim, e continuo á afirmar isso.

Amigo: Mas como, se você agora está dizendo que ele não estava destituído
de razão? Não seria esta afirmação uma contradição?

Diabo: É claro que é!

Filósofo: É claro que não!

Diabo: Prove.

Filósofo: Notem que sem razão, não seria possível ele alcançar a fé naquele
momento, pelo menos para nós é assim, a fé dele nos é perceptível justamente
por esse movimento.

Amigo: Qual? Ainda não percebi foi nada.

Filósofo: Preste um pouco mais de atenção e logo entenderá que a razão é


necessária para que se evidencie a fé, se assim não fosse, não notaríamos o
momento em que a fé se manifesta na vida de Abraão.
Amigo: Agora estou entendendo.

Filósofo: É impossível que Abraão andasse sempre em um estado de fé


constante sem nunca usar sua razão, pois há várias ações que não necessitam
de fé e com certeza ele as praticou utilizando apenas sua razão.

Amigo: Sim.

Filósofo: Abraão não andava num estado permanente de fé em fé, nisto


constatamos que tinha razão e a usara antes do ato, esta era um pré-requisito
para que este acontecesse. Sua profunda crise consigo mesmo foi por causa
de sua razão.

Amigo: Realmente.

Filósofo: O momento de crise é o que nos mostra mais claramente o que seria
este partir da razão para a fé. Abraão antes da prova refletiu, e isso indica que
ele fez uso de sua razão momentos antes de utilizar a sua fé,

Diabo: Já entendemos; não precisa ficar repetindo.

Filósofo: Quanto mais repetimos, mais temos chances de sermos entendidos.


Só faço isso para que possamos ao menos chegar perto de entender o conflito
pelo qual passava esse homem.

Amigo: Continue, pois agora que perdi de acompanhar todo o processo, sua
explicação é tudo o que tenho para tentar entendê-lo.

Filósofo: Notem o quanto lhe parecia ser contraditória a missão a qual aceitara;
no mesmo instante em que era um servo fiel era também o assassino do
próprio filho. Como era difícil para ele olhar para o filho e lembrar que sempre
foi um pai dedicado e amoroso e agora sua atitude parecia de alguém cruel e
indiferente aos olhos do filho, que de modo algum podia entender tal atitude do
pai. Diante de tal situação, fica claro que Abraão possuía e fazia uso da razão,
e que a esta abandonou mediante a fé.

Amigo: Essa história é muito triste.

Filósofo: Sim, mas o importante é que Abraão venceu.

Amigo: Mas mesmo assim não deixa de ser triste. Continue...

Filósofo: Continuando; Abraão venceu seus momentos de crise rejeitando


seus pensamentos pelos pensamentos de Deus, isto é, rejeitou sua própria
razão e foi isso que lhe deu a vitória.

Amigo: Que história.

Filósofo: Contei tudo isso para mostrar que a fé não tirou a capacidade que
Abraão tinha de raciocinar e escolher, mesmo porque esta situação era uma
escolha ainda a ser feita pelo cogitar de sua razão, ainda que não entendesse
claramente um dos caminhos a serem escolhidos, escolheu a fé.

Amigo: Ufa! Ainda bem.

Filósofo: Veja que a qualquer momento ele poderia tomar outra decisão que
fosse contrária à missão que Deus lhe dera, nada o impediria se assim
decidisse, já que para a realização da missão não existia outra coerção a não
ser a sua própria para si mesmo; foi justamente nesse nível que teve suas
maiores crises, naquele momento era o autor de seus próprios atos, era o
único que poderia coagir a si mesmo, era livre e sentia nos seus ombros o peso
de tão grande responsabilidade.

Amigo: Repito; que história linda. Terminou?

Filósofo: Para concluir só quero dizer que o ato de Abraão jamais foi uma ação
segundo as virtudes morais, que na verdade são totalmente contrárias a este
tipo de ação. Logo é bem claro seu agir pela fé e esta foi capaz de levá-lo mais
longe que sua razão, por ela não poder levá-lo além de si mesma, eis ai a
superioridade da fé.

Amigo: Tóp. Agora acabou?

Filósofo: Sim.

Diabo: Muito bem, agora vamos voltar...


Adeus.

Diabo: Bem, então é isso. Acredito que chegou a hora de cumprir o nosso
acordo.

Amigo: Ai meu senhor do bom fim.

Filósofo: Calma! Ainda tenho algo a dizer.

Diabo: Ok; diga mais não demore muito. Tenho outros contratos que se não me
engano, estão em atraso.

Amigo: Eu já digo que deve demorar bastante.

Filósofo: Notei que todas as suas respostas são tendenciosas, além de serem
sempre tentativas mal sucedidas de denegrir a Deus a todo custo.

Diabo: Você está me censurando por ser sincero?

Filósofo: Não, você pode ser sincero, mas não é verdadeiro e o nosso acordo
exige que você seja verdadeiro.

Diabo: Realmente você tem razão.

Amigo: Mas como isso é possível?

Filósofo: É muito simples; podemos ser muito sinceros quanto ao que


acreditamos, mas isso não significa que o que acreditamos seja verdadeiro.

Diabo: Está certo, não posso levá-lo, mas a ele sim. Levarei seu amigo para
não dizer que minha derrota foi grande. É quase nada, mas já é alguma coisa.

Filósofo: Você não pode fazer isso, ele é cristão.


Diabo: Você é cristão?

Amigo: Não sou não!

Filósofo: Cale a boca! Você está nervoso e por isso não sabe o que está
dizendo. É claro que você é cristão.

Amigo: Não sou não, quer dizer; lembro que eu era, mas deixei de ser a muito
tempo.

Filósofo: Mas do que você está falando?

Amigo: Sabe, é que a cada vez que eu parava para ouvir as reflexões de
vocês, principalmente as suas, minha pequena fé foi aos poucos sumindo até
que um dia acabou de vez. Mas o importante é que nossa amizade se
fortaleceu ainda mais.

Filósofo: O que você está dizendo? Eu que ganhei a sua vida para Jesus,
lembra? E deu um tremendo trabalho e agora você me diz que eu mesmo botei
tudo a perder?

Diabo: Realmente é triste, mas fazer o que? É a vida, vamos.

Amigo: Não se preocupe meu amigo, não é sua culpa. No fundo eu nunca tive
muita fé mesmo. Eu aceitei mais foi para lhe agradar mesmo, porque admirava
o seu esforço.

Filósofo: Não leve tão a sério estes questionamentos, eles são apenas para
refletir, não são verdades inquestionáveis. Quer ver? Vou refutar tudo o que eu
disse agora mesmo.

Diabo: Nossa! A amizade de vocês é mesmo linda. Eu nunca tive um amigo


assim.
Amigo e Filósofo: Cara, que triste.

Diabo: Mas não adianta, está decidido, vou levá-lo.

Filósofo: Meu Deeeeuussss! Me ajude por favoooorrrr...

Diabo: Já terminou?

Filósofo: Não, não terminei. O que posso fazer para que você não o leve?

Diabo: Ora, pensei que você não ia perguntar. Basta assinar outro contrato.

Filósofo: Mas isso eu já ia fazer! Mesmo porque ainda tenho muitos outros
questionamentos.

Amigo: Você não tem jeito mesmo.

Diabo: Se é assim, estão me desculpe por esse vexame, prometo que não
acontecerá novamente.

Filósofo: Tudo bem, sem problemas.

Diabo: E você!

Amigo: O que foi?

Diabo: Saia da minha costa seu inútil!

Amigo: Há! Desculpe, mas você não ia me levar?

Diabo: Sim, mas não em minha costa.

Amigo: Desculpe é que eu estava tão atento ao que ele ia dizer que nem
percebi. Sabe, é que ele tem sempre algo interessante para falar.
Diabo: Eu sei, eu sei...

Enquanto conversavam, um intenso nevoeiro surgiu e começou á envolver


a todos...

Estranho: Ei, acordem!

Amigo e Filósofo: Hã? Aaaaaiiii...

Estranho: Vocês sabiam que estes espinhos são alucinógenos e que em


grande quantidade podem ser fatais?

Amigo: Assim diz o esquisito que tem muitas marcas no corpo e em volta da
cabeça, e grandes cicatrizes nas mãos. Por que você não olha primeiro para
você? Não notou isso?

Filósofo: Vê se cala essa boca! Não vê que ele nos salvou?

Amigo: Desculpe.

Estranho: Não se preocupe, já estou acostumado com eles.

Filósofo: Você está assim porque entrou no meio dos espinhos para nos salvar,
não foi?

Estranho: Sim, e vocês não foram os únicos, estou sempre tirando quantos Eu
puder dentre os espinhos, mas agora tenho que ir. Cuidem-se e lembrem
sempre de ficar bem longe dos espinhos.

Filósofo: Não se preocupe Senhor, de agora em diante deixarei eles para quem
realmente entende.
Amigo: Será que tudo não passou de alucinação?

Filósofo: Ia lhe perguntar a mesma coisa.

Amigo: Na sua alucinação havia a condição de um pacto com o Diabo, viagens


no tempo, constante perigo de morte e o grande amor da minha vida?

Filósofo: Sim, meu amigo, sim...

Amigo: Que estranho e que estranho mais estranho...

Assim, o Diabo não pode levar o filósofo nem o seu amigo, mas o filósofo
tendo outro plano em mente não resistiu e assinou um novo contrato para
novos questionamentos, mas isso é outra história.

Fim
REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 6ª Ed. São Paulo: Martins


Fontes, 2012.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 13ª Ed. São Paulo: Ática, 2006.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do Espírito. 7ª Ed. Rio de


Janeiro: Editora Universitária São Francisco, 2012.

KIERKEGAARD, Soren Aabye. Temor e Tremor. São Paulo: Hemus, 2008.

PLATÃO. A REPÚBLICA. São Paulo: Editora Martin Claret Ltda, 2000.

PLEINES, Jürgen Eckardt. Friedrich Hegel. Recife: Editora Massangana,


2010.

ROVIGHI, Sofia. História da Filosofia Contemporânea. São Paulo: Loiola,


1999.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dário. História da Filosofia: Do Romantismo até


Nossos Dias – vol. III. 8ª Ed. São Paulo: Paulus, 2007.

SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada – Ensaio de ontologia fenomenológica.


Rio de Janeiro: Vozes, 2008.
Cristiano Chagas Gomes é estudante de filosofia e Master em coaching com
Pnl. Atende em consultório próprio e ministra cursos de formação em coaching.
Mora na cidade de Porto Velho RO, Brasil.

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