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A dimensão iluminista da reforma pombalina dos

estudos: das primeiras letras à universidade*

Carlota Boto
Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação

É o Método o primeiro requisito do Estudo, para, por


meio dele se poder adquirir um conhecimento profundo
e sólido das Ciências. Quem desconhece o Método não
pode ter ordem no Estudo. E quem estuda sem ordem,
adianta-se pouco na Estrada das Ciências, tropeça a
cada passo e perde um tempo infinito.
Compêndio, 1972, p. 245

A secularização como um modo de ser mundo Apostando no avanço do espírito humano e do


conhecimento, no progresso dos povos e na caminhada
O Iluminismo foi um fenômeno intelectual que do gênero humano rumo a um indefectível percurso
teve lugar na Europa em meados do século XVIII. de aprimoramento – a que chamava perfectibilidade –,
Tinha por principal baliza a referência da crítica; com­ o Iluminismo foi também um movimento de fé: fé na
preen­dendo o mesmo conceito de crítica como o reco­ razão, no futuro, na flecha de um tempo, no comércio
nhecimento das possibilidades, mas também dos limites entre os homens e, finalmente, fé na educação. Edgar
da capacidade humana de conhecer. Mais do que isso, Morin (1988) admite ter sido a fé nessa racionalidade
os iluministas compreendiam que a instrução condu- crítica que – transformada em mística quase religio-
ziria não apenas a um acréscimo de conhecimento no sa – firmou no Ocidente, para o bem e para o mal, o
sujeito, mas também a um aprimoramento do indivíduo universalismo do conceito de Humanidade.1 De todo
que se instrui. Movimento crítico do Absolutismo; modo, “o espírito racional era e é universal” (p. 85).
crítico da sociedade estamental; dos consequentes pri­ Uma das marcas do Iluminismo português foi
vilégios da aristocracia e do clero; crítico, enfim, das sua dimensão religiosa, convivendo com a ideia de
instituições de uma ordem política considerada arcaica. um Estado condutor dos assuntos temporais. Pode-se
Propunha-se refundar a nacionalidade; e, para tanto,
havia de ser criado um novo pacto civil. 1
  Edgar Morin dirá que há um antagonismo profundo nesse
humanismo europeu, que se radicaliza no século das Luzes. As
contradições manifestar-se-iam entre a crença na universalidade
*  O presente artigo foi originalmente elaborado com o título desse mesmo humanismo, a qual, por si mesma, “dissimula um
“O Iluminismo e as reformas pombalinas”, a convite do Coló- euro­pocentrismo dominador, e a sua potencialidade verdadeira-
quio 250 anos de ensino público no Brasil, realizado em junho mente universalizante, aberta a todos os indivíduos e a todas as
de 2009, na Faculdade de Educação da Universidade Federal de culturas, que desmascara e critica o europocentrismo” (Morin,
Minas Gerais. 1988, p. 101).

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dizer que “se toda a laicidade é uma secularização, (p. 22). Trata-se de um movimento no qual, progressiva-
nem toda a secularização é (ou foi) uma laicidade” mente, por etapas, o Estado-Nação viria a “vassalizar”
(Catroga, 2006, p. 273). São conceitos com significa- a Igreja (Morin, 1988, p. 45). Por isso, vale para o caso
dos diversos. Como diz ainda Catroga, “o conceito de português, sob a égide de Pombal, a caracterização de
secularização passou a conotar a perda, nas sociedades Edgar Morin acerca da situação francesa do Antigo
modernas ocidentalizadas, da posição-chave que a Regime: “a monarquia absoluta foi relativa” (idem,
religião institucionalizada ocupava na produção e ibidem). Laerte Ramos de Carvalho destaca também o
na reprodução do elo social e na atribuição de senti- sentido de secularização impresso na reforma pomba-
do” (p. 62). A religião deixa de ser a viga mestra da lina dos estudos menores. Diz o historiador:
cultura, sua pedra de toque, e passa a ser um recurso
auxiliar. Já a laicidade supõe – de modo radical – “a [...] seu objetivo superior foi criar a escola útil aos fins do
institucionalização da diferença entre o espiritual e o Estado e, nesse sentido, ao invés de preconizarem uma
temporal, o Estado e a sociedade civil, o indivíduo e política de difusão intensa e extensão do trabalho escolar,
o cidadão” (p. 273). A clivagem entre a instrução pú- pretenderam os homem de Pombal organizar uma escola que,
blica portuguesa e o modelo pedagógico arquitetado antes de servir aos interesses da fé, servisse aos imperativos
pelos planos da França revolucionária acontece aí. A da Coroa. (1978, p. 139)
escola pombalina não era conduzida pela utopia da
emancipação. Marques destaca que despotismo esclarecido foi a
O fenômeno da secularização é – este sim, como “fase tardia do absolutismo régio, muito mais em cone­
já se observou acima – um dos alicerces do Iluminismo xão com as grandes mudanças que a Europa sofreu no
e da modernidade. Junto da progressiva secularização século XVIII do que com a única influência de uma
das instituições, vinham os emblemas da racionaliza- atitude filosófica” (1984, p. 322). Maria Lúcia Garcia
ção, da “civilização de costumes” (Elias, 1993, 1994) Pallares-Burke (2001) acredita que as principais medi-
e do que Weber (2000) qualificou de desencantamento das voltadas para a criação e organização de escolas de
do mundo. Estado no século XVIII europeu seriam oriundas, não
Carlos Guilherme Mota (2006) define o homem tanto das ideias iluministas, mas, sobretudo, daqueles
da Ilustração como o “homem da Razão, da Lógica, da que a história chamou de “déspotas esclarecidos”. Por
Experimentação, da Ciência, do Direito Natural. Era o sua iniciativa, foram adotadas políticas públicas diri-
pesquisador, cosmopolita, reformista, antiabsolutista” gidas a “racionalizar e ilustrar seus Estados” (idem,
(p. 67). Fenômeno europeu no século XVIII, a secula- p. 59). Para tanto, a historiadora dá o exemplo da in­
rização integra o movimento que separa a moralidade trodução do “ensino compulsório e universal nos rei­
da religião, que marca os limites entre Estado e Igreja; nados de Frederico II da Prússia (1740-1786) e Maria
“que determinará o mundo e o modo-de-ser-no-mundo Tereza da Áustria (1740-1780)” (idem, ibidem). O
do homem moderno. Por isso, uma interpretação do mode­lo de ensino arquitetado para ambos os reinos
Iluminismo é, por essência, uma leitura da Seculari- tinha como ponto comum o atendimento das neces-
zação” (Pereira, 1990, p. 7). sidades do Estado quanto à formação de consensos.
Também Roberto Romano (2003) destaca o prin- Nesse sentido, os principais valores vei­culados pela
cípio da secularização inscrito no projeto das Luzes escolarização – especialmente a primária  – seriam
como elemento essencial para estruturar um imaginário di­li­gência, obediência, sentimento de dever e preste-
que daria lugar a preceitos de universalidade, nos quais za na interiorização de regras. Tratava-se – pode-se
os signos da impessoalidade e da igualdade jurídica se dizer  – de um modelo voltado para a formação de
tornassem as grandes ideias-força da cultura política súditos esclarecidos; mas não de cidadãos. Mesmo
moderna: “lei natural, razão, vontade geral, povo etc.” assim, Pallares-Burke se interroga: “como explicar que

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dois governos absolutistas, e não os mais progressistas Todos eles compunham uma geração de es-
regimes inglês e holandês, procurassem pôr em prática trangeirados; tanto porque viviam fora de Portugal
a educação do povo e, com isso, fossem coerentes quanto porque observavam a situação portuguesa
com o princípio do ecumenismo racional que era com base em tal deslocamento do olhar (Andrade,
defendido em teoria?” (idem, ibidem). Seja como for, 1980; Moncada, 1941). A ambiguidade profícua dessa
esses monarcas orientavam-se inequivocamente por situação de estrangeirado adviria da observação da
uma compreensão diversa acerca da potencialidade realidade estrangeira por parte de alguém que tem
da educação na produção do controle social. Mas no seu país de origem a referência. A comparação
talvez os mesmos soberanos compreendessem que o com outros países parecerá, nesse caso, irresistível e
desenvolvimento da escolarização teria algo a ver com inevitável. Os estrangeirados portugueses do século
a prosperidade dos povos. XVIII preocupavam-se com o atraso cultural do
Luzes, esclarecimento, Iluminismo ou despotis- país. Consideravam que a situação do seu Portugal
mo esclarecido? Muitos já tentaram definir o Marquês contemporâneo era de decadência: perante os países
de Pombal. Para nós, educadores brasileiros do prin- mais avançados da Europa; à luz dos rumos tomados
cípio do século XXI, a certeza que temos é a de que, pela colonização; diante do poder que um dia o país
nos territórios que geriu, foi ele o criador da escola acreditou possuir.
pública de Estado – precisamente há 250 anos. Muitos fatores explicam o poder do Ministro; a
O modelo de escola pública que Pombal gestou ti- maior parte deles compreensível à luz de uma história
nha – vale dizer – características próprias: tratava-se de comparada. Porém há sempre algo que diz respeito à
um artefato organizador da força e da potência do Es- especificidade nacional; àquilo que, do exterior, não é
tado. Sem dúvida alguma, rascunhavam-se ali – como facilmente identificado. Aliás, além disso, na história,
sublinha António Nóvoa (2005) – “as condi­ções para o há o fator acaso; e talvez Oliveira Martins (1991) não
processo histórico de uma sociedade de ba­se escolar” estivesse errado quando disse que uma das causas do
(p. 23). O Estado tomava para si a tare­fa de selecionar, poder do Marquês decorreu da atuação que este tivera
nomear e fiscalizar professores. O Estado controlaria as quando do terremoto que faria morrer em Lisboa de
matérias a ser ensinadas. Mas não havia intuito de, por 10.000 a 15.000 pessoas.
meio da educação, alterar a base político-social desse Consta que, ao ser indagado pelo Rei sobre o que
mesmo Estado. O projeto pombalino (e a Ilustração fazer diante da tragédia que fizera ruir mais da metade
portuguesa que o embasou) não se inscreveu – como dos prédios de Lisboa, o então Ministro dos Assuntos
observa Catroga (2006, p. 360) – em nenhuma luta de Exteriores e da Guerra (desde 1750), Sebastião José
libertação nacional. A veia regalista conduzia um pro- de Carvalho e Melo, teria respondido: “enterre os
cesso de secularização das instituições e dos costumes. mortos, feche os portos e cuide dos vivos”. A partir
Tal percurso traduziu-se como a Modernidade possível daí, o Ministro teria conquistado definitivamente a
para o mundo lusitano. confiança do Rei; que, no ano seguinte (1756), o no-
A escola estatal do mundo que Portugal perfilha- mearia Secretário de Estado dos Negócios do Reino
va teve lugar a partir de 28 de junho de 1759 com o de Portugal. O Rei, com esse ato, daria a Sebastião
Alvará Régio que implementava a Reforma dos Es­ José de Carvalho e Melo – futuro Conde de Oeiras,
tu­­dos Menores. O protagonista da mesma reforma, em 1759, e Marquês de Pombal, em 1769 – estatura
personificando a lógica do despotismo esclarecido de primeiro ministro do reinado português. Como
à por­tuguesa, é o Marquês de Pombal – que tinha por bem observa Kenneth Maxwell (1996, p.24), “foi o
referenciais políticos alguns teóricos e pedagogos lu­ terremoto que deu a Pombal o impulso para o poder
sitanos: D. Luís da Cunha, António Nunes Ribeiro virtualmente absoluto que ele conservaria por mais de
Sanches e Luís António Verney. vinte e dois anos, até a morte do rei, em 1777”.

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Dom Luís da Cunha e seu Testamento político: para remediar a sua queixa, mas para prevenir o de
decadência, sangrias e alternativas que pode estar ameaçado” (idem, p. 43).
A causa primordial da fragilidade portuguesa
Ao abordar a atuação de D. Luís da Cunha (1662- residiria na estreiteza dos limites de seu território. Tal
1749), a bibliografia costuma sublinhar sua atividade debilidade era, ainda, acentuada quando se comparam
diplomática em Londres, onde teria sido nomeado “nossas forças à proporção das dos seus vizinhos”
embaixador. Ao olhar do exterior para seu país – di- (idem, ibidem). Em virtude dessa irreparável fraqueza,
zem os historiadores –, Luís da Cunha acentuava a Portugal se teria lançado ao encalço de outras terras;
necessidade de se fortalecer o papel do rei. Além disso, favorecido por uma situação geográfica que – esta
preocupava-se com a dependência portuguesa perante sim – lhe era favorável: a vizinhança do mar. Porém,
a Grã-Bretanha, com as dificuldades comerciais en- a aventura das navegações não teria sido capaz de con­
frentadas pelo país, e, especialmente, com uma certa ter o mau uso das terras do reino: terras incultas,
“fraqueza auto-imposta de Portugal no tocante à falta proprietários que não cultivavam seus terrenos e,
de população e de espírito de iniciativa” (Maxwell, até mesmo, “porções de terras usurpadas ao comum
1996, p. 16). Como indica, sobre o tema, Carlos das cidades, vilas e lugares” (idem, p. 61). As terras
Guilherme Mota (2006, p. 39), o Testamento político incultas por desinteresse dos donos ou dos rendeiros
de D. Luís da Cunha – escrito nos anos de 1740, um deveriam ser-lhes retiradas para ser entregues a pes-
pouco antes da subida do príncipe D. José ao poder – soas que pudessem e quisessem cultivá-las (Falcon,
orienta o monarca sobre quem deveria ser escolhido 1982, p. 254).
como principal ministro do reino. Ele sugere mais de D. Luís da Cunha desenvolve a tese de que as
um nome, dentre os quais sublinha o de Sebastião José razões que levaram Portugal a se apequenar perante os
de Carvalho e Melo, “cujo gênio paciente, especulativo demais países de Europa consistiram em um conjunto
e ainda que sem vício, um pouco difuso, se acorda de fatores que ele caracterizou como sangrias.
com o da nação” (Cunha, 1976, p. 27). Mota assinala A primeira sangria que destruía e despovoava o
que D. Luís da Cunha teria se destacado também por reino português residiria no conjunto de pes­soas de
uma visão mercantilista inovadora para seu tempo, ambos os sexos que procuravam os conventos.
tendo sido, indubitavelmente, um dos idealizadores Tornando-se frades e freiras, renunciavam ao mundo,
da modernização econômica do Reino: “seu discípulo, não procriavam, não trabalhavam para o país e não
Pombal, tornar-se-ia a figura central dessa constelação povoavam o reino com sua prole.
da qual D. Luís era o mentor” (Mota, 2006, p. 47). A segunda sangria que “não deixa de enfraque-
Luís da Cunha discorreria sobre “a lastimável cer o corpo do Estado, e a que não acho remédio, é
situação de Portugal no concerto europeu” (idem, o socorro da gente que anualmente se manda para a
p. 35). Mota compreende que, “inspirador do mar- Índia” (idem, p. 74). Eram especialmente marinheiros
quês reformista” (idem, p. 38), D. Luís da Cunha foi que, ao fazer isso, deixavam mulheres e filhos – mu-
a “ex­pressão máxima do pensamento cosmopolita e lheres que, não fosse isso, poderiam ter muitos outros
reformista luso da primeira metade do século XVIII, filhos. O Brasil estava também incluído nessa segunda
antecipando a Ilustração portuguesa” (idem, ibidem). sangria: para lá iam todos os que – sem passaporte –
Inaugurava-se ali uma “reflexão crítica sobre os males encantavam-se com a promessa das minas e o desejo
de Portugal e os seus remédios” (idem, ibidem). Por- de fazer nova vida.
tugal era compreendido como um organismo doen­te, A terceira sangria do Estado português viria dos
a quem se deveria observar os sintomas, os humores atos da Inquisição relativamente àqueles que eram –
e a debilidade; de modo a buscar identificar “o co- por causa dela – chamados cristãos-novos. Essa san­
nhecimento da causa do mal que o aflige: isto não só gria D. Luís da Cunha caracteriza como “insensível

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e cruelíssima” (idem, p. 75). Diariamente saem de publicado o Alvará de 28 de junho de 1759, expul-
Portugal essas pessoas, que, em solo português, não sando a Companhia de Jesus, Ribeiro Sanches teria
teriam qualquer oportunidade. O reino, assim, era, se entusiasmado a redigir um trabalho sobre o tema da
também por isso, despovoado. Uma forma de extinguir educação. Publicada em 1760, essa obra, sob o título
esse problema seria dar aos judeus a possibilidade Cartas sobre a educação da mocidade, constitui um
de viver sua religião – como, aliás, “se pratica entre importante opúsculo para se ter uma ideia do que foi,
todas as nações da Europa” (idem, p. 88). D. Luís da em matéria educativa, o Iluminismo no tempo e no
Cunha expressava sua convicção de que, quanto mais território do Marquês de Pombal.
gente fosse perseguida, acusada e punida, maior seria o Ribeiro Sanches destacava que os privilégios e
número de judeus travestidos de cristãos-novos. Além as imunidades das ordens privilegiadas teriam sido
disso, quando cessassem as perseguições, deixaria de a causa da deturpação de costumes e da má educa-
haver “tantos sacrílegos quantos, sendo no coração ção portuguesa. A mocidade não era preparada para
judeus, frequentam os santos sacramentos, para não ser boa nem para ser útil à Pátria. Pelo contrário: o
serem descobertos” (idem, p. 91). Finalmente – sem fidalgo era educado para tratar como escravos todos
as clivagens que retiram das pessoas oportunidades os subalternos – como se as pessoas do povo não
que seriam justas –, os judeus (convertidos então em fossem proprietárias de seus corpos e de sua honra.
cristãos-novos), caso pudessem assumir sua verda- A fidalguia é ainda criticada porque acostumava mal
deira identidade religiosa, permaneceriam no Reino, as pessoas. Aqueles que desfrutavam do epíteto de
fazendo com que seu capital girasse em torno dos fidalgos não poderiam, por exemplo, ser presos por
negócios portugueses; o que desenvolveria a econo- dívidas. O resultado do privilégio era frontalmente
mia nacional “e faria florescer o seu comércio” (idem, contrário aos interesses do reino: “o senhor é dissi-
ibidem). A liberdade de religião e a confiança de que pador, nem sabe o que tem, nem o que deve; perde
não teriam seus bens confiscados fariam com que os toda a ideia de justiça, da ordem, da economia; pede
judeus contribuíssem para desenvolver e equilibrar o emprestado com mando, maltrata e arruína a quem lhe
comércio português. recusa” (Sanches, s.d., p. 97). Além disso – prossegue
E o desequilíbrio comercial – preocupação o autor –, se pela religião cristã todos seriam iguais pe-
com que Luís da Cunha finaliza o texto – pode ser rante os mandamentos da Igreja, como justificar essas
compreen­dido como a quarta sangria que ceifava o desigualdades de tratamento entre as pessoas? Como
vigor e a potência do reino português. justificar as regalias? Contraditoriamente, o plano das
Cartas – traçando um retrato do que seria adequado
Ribeiro Sanches e suas Cartas sobre a educação ao ensino português nos estudos menores e nos maio-
da mocidade res – “dividia a mocidade em três grupos sociais cujo
destino escolar nada tem a ver com as capacidades
António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1782) era dos componentes dos grupos, mas apenas com a sua
um médico que, cristão-novo, embora tenha iniciado situação social. Os grupos são o povo, a classe média
seus estudos em Coimbra, cedo se transferiu para Sa- e a nobreza” (Carvalho, 1986, p. 439-440). A educação
lamanca, onde formou-se em medicina. Diz Rómulo estaria, sob tal perspectiva, diretamente subordinada
de Carvalho (1986) que ele saiu do país aos 27 anos e aos interesses econômicos, políticos, comerciais e até
nunca mais regressou. Exerceu a Medicina na Rússia, militares do Estado português.
entre 1731 e 1747, tendo sido médico da Czarina. Na As escolas – para Ribeiro Sanches – precisavam
Rússia, ele dirigiu um hospital, desenvolveu investi­ ser distribuídas estrategicamente. Existiriam apenas
gações científicas e clinicou na Escola Militar de naqueles lugares onde fosse necessária a educação da
São Petersburgo. Quando soube que Pombal havia juventude. Nesse sentido, o autor propunha a instau-

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ração de um tribunal voltado especificamente para as grande alegria se deve desvanecer nem ensoberbecer,
coisas do ensino; e, assim, “que em nenhuma aldeia, porque somos nascidos para viver uma vida cerceada
lugar ou vila onde não houvesse duzentos fogos não sempre pela alegria e pela tristeza; que nenhum bem é
fosse permitido, a secular ou eclesiástico, ensinar por sem mistura de mal, nem nenhum mal sem mistura de
dinheiro ou de graça a ler ou a escrever” (Sanches, s.d., bem” (idem, p. 135). Tudo isso – saberes e costumes –
p. 129). Por qual motivo? Diz o autor que a instrução poderia ser ensinado à meninice; o que, aliás, não
criaria no espírito uma certa altivez, inadequada para era difícil, como demonstra a facilidade natural que
a maior parte das pessoas, especialmente para aquelas qualquer criança apresenta em dominar rapidamente a
destinadas às lides do trabalho. O estudo, além do forma oral de sua língua materna.2 Mas é fundamental
mais, exigia um esforço diametralmente contrário ao que não nos esqueçamos que, para atingir a meninice,
esforço físico; fazendo com que a juventude perdesse será necessário “o mestre lhe falar na língua e na frase
o vigor e a força: “aquela desenvoltura natural; porque que é própria àquela idade” (idem, ibidem).
a agitação, o movimento e a inconstância é própria Relativamente ao ensino das Universidades,
da idade da meninice” (idem, ibidem). O excesso de Ribeiro Sanches centra-se no exemplo português
estudo enfraqueceria o corpo, já que, na escola, os me­ da Universidade de Coimbra. Ali havia, na época,
ninos ficam “assentados, sem bulir, tremendo e temen- quatro faculdades: Direito Canônico, Jurisprudência,
do” (idem, ibidem). Por causa de tudo isso, Ribeiro Teologia e Medicina. Porém, segundo o autor, todos
Sanches conclui que nem todos deveriam frequentar os cursos eram defasados e obsoletos. Note-se que não
a escola: “não convém uma educação tão mole a havia sequer um curso de Filosofia – compreendendo-
quem há-de servir à república, de pés e de mãos, por se esse estudo como uma pertença do território da
toda a vida” (idem, ibidem). Para o povo miúdo, não Teologia. Tomando o caso do Direito Canônico e
convinha a escola. Ribeiro Sanches era iluminista; e da Jurisprudência, Ribeiro Sanches assegura que
o Iluminismo era também isso. as referências daquele modelo de ensino eram
Para as escolas a serem abertas e controladas pelo absolutamente insuficientes para “formar conselheiros
Estado, Ribeiro Sanches sugere que – particularmente de Estado, embaixadores, generais, almirantes, etc.”
nas de primeiras letras –, em vez do aprendizado por (Sanches, s.d., p. 159). E a razão de tal insuficiência
catecismos religiosos, fosse elaborado catecismo de residia no fato de estar a universidade sob a exclusiva
novo tipo – aquele voltado para ensinar às crianças “as alçada do clero.
obrigações com que nasceu” (Sanches, s.d., p. 133). Havia uma arquitetura do Estado que pressu-
Para tanto, as escolas deveriam providenciar “livri- punha pessoas para gerirem a organização do reino.
nhos impressos em português por onde os meninos Isso requereria planejamento, execução de metas,
aprendessem a ler, onde se incluíssem os princípios da fiscalização e controle. Daí a necessidade, identificada
vida civil de um modo tão claro que fosse a doutrina por Ribeiro Sanches, de preparo desses profissionais
compreendida por aquela idade” (idem, ibidem). A especializados, que teriam cargos na administração
isso o autor denomina “catecismo da vida civil” (idem, do reino. A instrução das chamadas escolas maiores
ibidem). Conhecimentos, valores e condutas ali im-
pressos seriam ensinados às crianças “com castigos e
com prêmios, acostumando aquela idade mais a obrar 2
  “É admirável o juízo humano: na idade de três anos apren-
conforme a razão do que a discorrer” (idem, ibidem). deu um menino a sua língua – falar sem saber o que faz, com o no­
Por meio do livro escolar, seriam instruídas quanto minativo, com o verbo no singular ou no plural, no tempo, no modo,
a comportamentos e ações para com os mais velhos, etc. O que é tão difícil aos adultos que aprendem as línguas doutas
os colegas, a vida social. Pelo compêndio se haveria ou estrangeiras, pode o menino aprender, no dia, de três ou quatro
de compreender “que ninguém na prosperidade e na mestres sem confundir o que aprende” (Sanches, s.d., p. 135).

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teria a tarefa de instruir o sujeito em suas “obrigações (idem, ibidem). Assim, as coisas da religião ficariam
de cristão e cidadão” (idem, p. 172). Para tanto, ha- separadas das “ciências humanas” (idem, p. 159).
veria o menino de aprender latim e grego, história e E como deveriam ser as aulas de tais escolas?
geografia, poesia Começar-se-ia pela observação, à semelhança da
percepção que temos na vida cotidiana, quando pres-
[...] e que saiba escrever, ou na língua latina ou na sua, com
tamos atenção às coisas, às pessoas e a nós mesmos.
elegância e propriedade: porque o Estado não somente tem
Daí partia-se para a lição, que era o modo de ilustrar
necessidade de letrados, jurisconsultos e médicos, mas
o entendimento à luz do legado dos que vieram an-
também de secretários, de notários públicos, de intenden-
tes – aquilo que as gerações anteriores “aprenderam e
tes, de conselheiros e assessores nos tribunais ou colégios
experimentaram, como se nos valêssemos das riquezas
que devem governar a economia política e civil do reino.
que ajuntaram nossos antepassados” (Sanches, s.d.,
p. 165). Em seguida, ocorreria o chamado ensino dos
Tanto mais instruídos saírem estes estudantes das escolas
mestres; sempre por “viva-voz e não por postilas3 nem
referidas, tanto melhor exercitarão os cargos em que serão
temas, explicando o que deve inculcar no ânimo dos
empregados. (idem, ibidem)
discípulos, perguntando, orando às vezes, e arguin-
do, não por silogismos, mas em forma de diálogo”
Ribeiro Sanches propõe, então, com base nos (idem, ibidem). A partir daí, o quarto movimento do
requisitos profissionais acima assinalados, três tipos de ensino seria a conversação, mediante a qual se pode
escolas maiores, que deveriam, por um lado, preparar apreender aquilo que os outros sabem. Ouvimos e
a mocidade nobre para o aprendizado das ciências e, aprendemos quando partilhamos; ou, nos termos do
por sua vez, os súditos para bem servirem a pátria. texto, quando “imitamos sem nos apercebermos o
Diz Joaquim Ferreira (s.d., p. 60) que “essas escolas judicioso que ouvimos e admiramos; e, com agrado e
maiores ou Faculdades seriam de fundação régia, in- amor da sociedade, transformamos o nosso entendi-
dependentemente da anuência da Santa-Sé”. Ribeiro mento naquele com quem tratamos” (idem, ibidem).
Sanches, ao tratar dos estudos maiores, sugere, sob os Finalmente, aconteceria o momento da meditação;
critérios acima indicados, a classificação das ciências uma reflexão ou atenção madura da alma voltada para
em três modalidades de escolas. todos os movimentos anteriormente feitos no percurso
Na primeira escola, seriam aprendidos os assun- desse aprendizado.
tos da natureza humana, dos corpos, de suas combi- Crítico do ensino doméstico, Ribeiro Sanches
nações, a história natural, a botânica, a anatomia, a recomenda o estabelecimento, em Portugal, de uma
química, a metalurgia e a medicina. A segunda escola Escola Militar, que seria, para a mocidade portuguesa,
seria voltada para os saberes necessários ao “Estado de muito maior proveito do que a profusão do que o
político e civil para governar-se e a conservar-se” autor nomeia “estabelecimentos literários” (Sanches,
(Sanches, s.d., p. 158), de modo a assegurar a felici-
dade dos súditos. Aqui as matérias de estudo seriam 3
  O Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa:
“história universal, profana e sagrada; a filosofia mo- feito sobre o plano de F. J. Caldas Aulete, em sua terceira edição,
ral, o direito das gentes, o direito civil, as leis pátrias; no vo­lume II, define a palavra postila: “livro, caderno ou folhas
a economia civil, que se reduz ao governo interior de em manuscrito, por onde os alunos de uma escola ou universi-
cada Estado” (idem, ibidem). Finalmente, haveria uma dade estudam as lições – explanação, explicação, comentário
terceira escola, que abarcaria os assuntos da religião – (ordinariamente manuscrito) a qualquer texto, doutrina, tratado,
mas essa teria sua estrutura organizada pelos próprios etc. – lição que nas aulas de instrução primária, o professor dita
eclesiásticos –, sobre a qual Sanches afirma: “não me e os discípulos escrevem para se aperfeiçoarem na ortografia”
pertence a mim indicar o que nelas se devia aprender” (Aulete, s.d., p. 760).

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A dimensão iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras à universidade

s.d., p. 183). Essa Escola Real Portuguesa seria vol- Ribeiro Sanches não hesita em indicar que “o
tada para a formação da nobreza e da fidalguia; com o primeiro e cotidiano ensino dessa escola deve ser a
fito de “educar súditos amantes da pátria, obedientes às religião, para cumprirmos a obrigação de cristão”
leis e ao seu rei, inteligentes para mandar e virtuosos (Sanches, s.d., p. 193). Diferentemente, no entanto,
para serem úteis a si e a todos com quem devem tratar” da cultura clerical que imperava no período, a escola
(idem, p. 184). Nesse estabelecimento, os meninos será administrada por mestres leigos – militares, “que
ingressariam entre doze ou quatorze anos. Segundo ensinarão os exercícios corporais para fortificar o cor-
comenta Rogério Fernandes, essa Escola Militar ou po, fazê-lo ágil e endurecido ao trabalho e à fadiga”
Colégio dos Nobres foi pensada para ser um “colégio (idem, ibidem).
destinado à educação militar da nobreza, com a con- Párocos e vigários restringir-se-iam a administrar
dição, no entanto, de se não esquecer que os filhos sacramentos e a “instruir nos Domingos e dias de festa
da nobreza receberiam nesse colégio uma educação na religião; mas sem novenas, irmandades, confrarias
polivalente, de tal sorte que poderiam desempenhar e outras instituições, que não são essenciais à religião
funções nos estratos superiores do aparelho do Es- católica” (idem, ibidem). Verifica-se aqui um modelo
tado” (1992, p. 80).4 Joaquim Ferreira (s.d., p. 65) de ensino que, embora não fosse laico, porque man-
destaca que “Ribeiro Sanches, propondo ao Marquês tinha em seu cenário o universo religioso, era, sem
de Pombal a criação do Colégio dos Nobres, nutria a dúvida, secularizado. Ou seja: quem mandava ali era
certeza de ofertar à sua pátria um núcleo de estadistas o Estado. Esse era o plano. No projeto de Ribeiro
capa­zes de engrandecê-la”. E o Marquês de Pombal – Sanches, o controle da ação educativa não mais per-
talvez ouvindo seu conselheiro – funda em 7 de março tenceria à Igreja. Seria, antes de tudo, responsabilidade
de 1761 o Colégio dos Nobres.5 do Estado; inclusive porque a educação da mocidade
era tida por estratégia para conservar e fortalecer a
monarquia.
  Rogério Fernandes (1992) recorda que, voltando-se para
4
Outra providência recomendada por Ribeiro
as questões de organização do sistema escolar, Ribeiro Sanches já Sanches era a instituição de outro tipo de colégio:
dialogava, de alguma maneira, com as primeiras medidas tomadas este voltado para formar meninas fidalgas. Sendo as
pelo Marquês de Pombal nos estudos menores. Há ressonância mães as primeiras educadoras, tais escolas preparariam
das ideias de Ribeiro Sanches também em várias iniciativas pom- aquelas que, em primeiro lugar, teriam por missão a
balinas, revelando o modo pelo qual ideias e ações circulavam e formação das novas gerações. Percebe-se, todavia,
se entremeavam à época: “fundação do Real Colégio dos Nobres que a preocupação com a instrução das mulheres tem
(1761), cuja abertura se efetua em 1766, e da Real Escola Náutica também o objetivo de ensinar a elas quais eram as
do Porto (1762); criação da Real Mesa Censória (1768), organismo coisas permitidas e as proibidas; o que deveria ser lido
que passa a superintender na atividade do Diretor dos Estudos; e o que estava proscrito. Nesse sentido,
criação da Junta de Providência Literária (1770)” (Fernandes,
1992, p. 85).
Todas as primeiras ideias que temos provêm da criação que
5
  “Embora não se conheçam documentos que nos autorizem
temos das mães, amas e aias; e se estas forem bem educadas
a admitir qualquer afinidade entre o pensamento iluminista das
nos conhecimentos da verdadeira religião, da vida civil
cartas de Ribeiro Sanches e a orientação doutrinária do pombalis-
e das nossas obrigações, reduzindo todo o ensino destas
mo, ainda que seja nos anos mais dramáticos da disputa com os
meninas fidalgas à geografia, à história sagrada e profana,
jesuítas, o certo é que estas cartas não deixaram de ter repercussão,
e ao trabalho de mãos senhoril, que se emprega no risco,
pois a criação do Colégio dos Nobres, por elas preconizada, logo
bordar, pintar e estofar, não perderiam tanto tempo em ler
encontrou o firme apoio do gabinete de Dom José I” (Carvalho,
novelas amorosas, versos que nem todos são sagrados, e em
1978, p. 91).

Revista Brasileira de Educação  v. 15  n. 44  maio/ago. 2010 289


Carlota Boto

outros passatempos onde o ânimo não só se dissipa, mas às coisas importantes e da incompetência para “facilitar
vezes se corrompe. Mas o pior desta vida assim empregada o caminho para entendê-las” (idem, ibidem). Reco-
é que  se comunica aos filhos, aos irmãos e aos maridos. menda Verney que, em vez dos longos períodos em
(Sanches, s.d., p. 190-191) latim, “devia o mestre ensinar ao discípulo compor
bem uma oração portuguesa breve – uma carta, um
cumprimento, ou coisa semelhante” (idem, p. 78). O
O Verdadeiro método de estudar como projeto estudante faria isso com muito maior facilidade do que
pedagógico de Verney realizava suas composições em latim, já que agora “o
faz em uma língua que sabe, na qual o mestre pode cla-
Luís António Verney (1713-1792) era filho de ramente mostrar-lhe os erros” (idem, ibidem). Verney
pai francês e mãe portuguesa. Nasceu em Lisboa e advertia os contemporâneos para o que compreendia
foi aluno do Colégio Jesuítico de Santo Antão. Depois ser a realidade dos colégios; dos quais saíam homens
frequentou Artes e Teologia na Universidade de Évo- que, além de não saber latim, não eram sequer capazes
ra. De lá, seguiu para a Itália, onde defendeu tese em de redigir uma carta em português (idem, p. 79).
Teologia (Cidade, 1985, p. 143). Defensor da filosofia À luz dessa preocupação com os temas relativos
moderna, que se assentava na fundamentação científica ao ensino da língua, Verney critica a ignorância exis-
newtoniana, Verney postula a renovação dos estudos tente em matéria de ciência moderna, bem como o
do reino português sob nova base – moderna. Para uso de tratados obsoletos sobre questões da física, o
ele, isso supunha colocar de parte autores consagrados excessivo apego a um aristotelismo fora de época, e
como Aristóteles, Galeno ou Hipócrates. também o inaceitável recurso ao argumento de autori-
Luis António Verney, iluminista, foi – com dade. Tudo isso paralisaria a razão – o que era, ainda,
D. Luís da Cunha e António Nunes Ribeiro Sanches – agravado pela excessiva valorização do verbalismo
referência teórica do pombalismo. Seu principal no ensino das ciências. Para Verney, em matéria de
texto – Verdadeiro método de estudar – foi publicado ciências, não interessa quem disse o que. Não interessa
antes na Itália do que em Portugal, onde logo depois tanto como isso foi dito. O que parecia fundamental
também era impresso. Veio a público, pela primeira era verificar se a experiência comprova a veracidade
vez, em 1746, em Nápoles. Era um manual – escrito na da hipótese. Ao tratar agora do conhecimento das
forma de cartas – que contemplava variados aspectos ciências, o autor encaminha-se para abarcar sua
da cultura: lógica, gramática, ortografia, metafísica apreciação, não apenas dos estudos dessas matérias,
etc. (Maxwell, 1996, p. 12). Em suas cartas, Verney, mas dos modos de organização das chamadas escolas
de alguma maneira, articula – por meio da crítica sa- maiores – ou universidades.
tírica – formas alternativas de se ensinar. Ele reputa Verney enfatiza a necessidade de se observar para
como fundamental uma reforma que abrangesse, em saber. Compreender a natureza das coisas seria – para
Portugal, todo gênero de estudos: os menores (escolas ele – observar bem e, para tanto, havia de se possuir
de primeiras letras e colégios secundários) e os maio- um juízo claro: “observar muito, e bem, ou saber-se
res (universidades). servir dos que o fizeram; e fundar os seus raciocínios
Para o caso das escolas menores – especialmen- em princípios evidentes, quais são os matemáticos”
te no nível elementar – Verney declara que bastava (Verney, s.d., p. 176). Sublinha sempre que apenas a
examinar o interior das instituições de ensino para experiência poderá conduzir ao conhecimento. Somen-
verificar que os mestres sobrecarregavam a memória te, pois, à luz da observação é que se poderá discorrer
das crianças “com coisas desnecessaríssimas” (Verney, sobre qualquer coisa. “Nós não temos conhecimento
s.d., p. 76). O excessivo apelo aos castigos derivaria, imediato das naturezas; unicamente temos dois meios
na vida escolar, dessa incapacidade de ensinar as para o conseguir: observar as propriedades; e ver se,

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A dimensão iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras à universidade

mediante alguma resolução, podemos chegar a co- Verney (s.d., p. 207) reconhece que o bom prático é,
nhecer os princípios de que se compõe esta ou aquela de fato, aquele que domina a “causa particular dessa
entidade física” (idem, p. 177). Mais do que isso, “não determinada enfermidade” para podê-la curar. Porém
devemos querer que a natureza se componha segundo o próprio saber prático – por isso mesmo – só seria
as nossas ideias; mas devemos acomodar as nossas enriquecido pelo conhecimento da anatomia. O corpo
ideias aos efeitos que observamos na natureza” (idem, é uma máquina a ser esquadrinhada; e não se cura “às
ibidem). Finalmente, Verney argumenta que a ciência apalpadelas” (idem, p. 208).
aristotélica – enredada em suas noções de matéria, A destreza necessária ao cirurgião é vista por
forma e privação – não possui aparato conceitual para Verney como absolutamente tributária de seu co-
apreender, de fato, as realidades descortinadas pela nhecimento anatômico, e ele dá exemplos de como
ciência moderna. Tanto a lógica aristotélica quanto o desconhecimento poderia ser funesto na prática
a razão escolástica eram absolutamente insuficientes cirúrgica: “conheci uma senhora a quem um clérigo
para explicar os fenômenos da natureza. deslocou duas costelas, querendo consertar-lhe uma;
Assim como fizera o médico Ribeiro Sanches,6 e ficou toda a sua vida com uma deformidade nas cos-
Verney – que não era médico – critica severamente tas” (Verney, s.d., p. 215). Finalmente, para conclusão
os modos de se ensinar a medicina. Ambos – Ribeiro desse tópico, o texto assinala que, de todos os perigos,
Sanches e Verney – “aconselhavam o adiantamento da o pior seria o de recorrer àquelas pessoas que, dizendo
filosofia natural (física e ciências naturais) e da clínica. possuir poderes mágicos, arrogam-se para si a virtude
Propugnavam o abandono da filosofia peripatética e de curar. Era necessário tornar racional o aprendizado
da Medicina galeno-árabe” (Guerra, 1983, p. 283)”. da medicina – e especialmente era urgente introduzir a
Além disso, os iluministas portugueses destacam “o matéria da anatomia com base no estudo de cadáveres
primado das manifestações objetivas da doença, basea­ humanos. Só assim seria superada a ignorância relati-
do no conhecimento das ciências exatas e naturais; o vamente ao conhecimento do corpo humano, de suas
desenvolvimento do ensino e da prática da anatomia e enfermidades e de suas possibilidades de cura.
da cirurgia” (idem, ibidem). Enfim, parecia imperioso Luís António Verney parte de um pressuposto
substituir – como se dizia à época – a experiência da jusnaturalista para defender sua concepção de ética:
autoridade pela autoridade da experiência. “os homens nasceram todos livres, e todos são igual-
Verney identificava desdobramentos de uma mente nobres” (s.d., p. 194). Os primeiros grupos
ignorância a outra: o desconhecimento da física e da sociais já teriam reconhecido a necessidade de se
química era fundamento para a ausência de conhe- conferir racionalidade à vida em comum, além de
cimentos na medicina. A mesma estupidez conduzia ordem e obediência. Para isso, era indicado meditar
ao desprezo pela anatomia. Desconhecendo-se a sobre os costumes. As pessoas dependem umas das
anatomia, erravam-se os diagnósticos e abusava-se outras. Os mais virtuosos dentre os homens tendem
de remédios errados. A cirurgia era um saber apenas a se destacar tanto em tempos de guerra quanto em
prático, sem qualquer estatura teórica, já que esta re- tempos de paz. Sendo assim, costumam ser mais
quereria intrinsecamente conhecimento de anatomia. prestigiados do que os outros. Esse é o verdadeiro
princípio da nobreza. Por aí, talvez erroneamente,
6
  D. João V teria consultado Ribeiro Sanches sobre uma pos- acreditou-se que as pessoas transmitiam a seus filhos
sível reforma dos estudos médicos (Guerra, 1983, p. 286). Ribeiro suas próprias virtudes.
Sanches escreveu então, em 1761, um texto intitulado Método Assim – conclui Verney – o que confere a nobreza
para aprender a estudar a Medicina – o qual procurei abordar em ao sujeito não é o príncipe, mas a educação recebida:
“O enciclopedismo de Ribeiro Sanches: pedagogia e medicina na “se conduzirem esta criança a um país incógnito, e for
confecção do Estado” (Boto, 1998). criado por vilões, há-de ser vilão e não príncipe, e em

Revista Brasileira de Educação  v. 15  n. 44  maio/ago. 2010 291


Carlota Boto

tudo se parecerá com quem a criou” (s.d., p. 200). A os conhecimentos rudimentares da leitura, da escrita e
pedra de toque do caráter e da verdadeira estirpe da do cálculo. Desse modo, Verney propõe que o ensino
alma seria, nesse sentido, a educação recebida; já que feminino seja, tanto quanto possível, o mesmo que se
“os inteligentes sabem muito bem que o sangue do pai deveria aplicar aos rapazes:
poderá comunicar ao filho alguma enfermidade here-
ditária, como gota, escorbuto, gálico, epilepsia etc.; O primeiro estudo das mães deve ensinar-lhes – por si ou,
mas de nenhum modo lhe comunica nem vícios nem tendo possibilidade, por meio de outra pessoa capaz – os
virtudes” (idem, p. 202). Muitas vezes, pelo contrário, primeiros elementos da fé etc., explicando-lhes bem todas
aqueles que são socialmente reputados como nobres estas coisas, o que podem fazer desde a idade de cinco anos
frequentemente adquirem hábitos afetados, quando até os sete. Depois, ler e escrever português corretamente.
não pouco civis. Inclusive, “muitos, para fingirem Isto é o que rara mulher sabe fazer em Portugal. Não digo
uma nobreza mui elevada, até são descorteses: não eu escrever corretamente, pois ainda não achei alguma que
cumprimentam quem os saúda; não respondem a quem o fizesse; mas digo que pouquíssimas sabem ler e escrever; e
lhes escreve; ou, se o fazem, é de uma maneira mais muito menos fazer ambas as coisas corretamente. Ortografia
injuriosa que civil” (idem, p. 203). e pontuação, nenhuma as conhece. As cartas das mulheres
Verney – aqui também como Ribeiro Sanches – é são escritas pelo estilo das bulas, sem vírgulas nem pontos; e
um defensor da instrução das mulheres. Serão mães algumas que os põem, pela maior parte, é fora do seu lugar.
de família; e, portanto, primeiras mestras. Ensinam as Este é um grande defeito, porque daqui nasce o não saber
crianças a falar. Dirigem a economia das casas. Tudo ler e, por consequência, o não entender as coisas. (Verney,
isso, por si, já constituiria motivo para que elas fossem s.d., p. 218)
instruídas na cultura das letras. Além disso, o estudo
formará seus costumes. Exatamente por não terem
assunto com suas mulheres ignorantes (porque as Enfim, cobrindo praticamente todos os campos
julgam “tolas no trato”) é que homens casados “vão a da instrução, o trabalho de Verney possibilitava uma
outras partes procurar divertimentos pouco inocentes” avaliação panorâmica da situação do ensino português;
(Verney, s.d., p. 217). Nesse sentido, instruir as mulhe- por cuja leitura – em larga medida – Pombal se pau-
res seria uma forma de obtenção de paz e de harmonia taria para “levar a efeito as suas reformas educativas”
familiar. Além disso, cada donzela deveria “aprender (Marques, 1984, p. 325).
a ter o seu livro de contas, em que assente a receita
e despesa, porque sem isso não há casa regulada” A escola pública traçada pelo
(idem, p. 223). Muitas vezes as senhoras ficam viúvas Marquês de Pombal
e os bens são arruinados exatamente porque elas não
possuem qualquer noção do “modo de conservar e Quando sobe ao trono D. José I, em 1750, Se-
aumentar as rendas de suas fazendas” (idem, ibidem). bastião José de Carvalho e Melo toma posse como
Por tudo isso, os trabalhos manuais e especialmente ministro da Secretaria do Exterior e da Guerra. Ele
as prendas de salão7 seriam menos importantes do que trazia consigo a experiência diplomática e o que ob-
servara no exterior. Convivera durante anos com uma
  Como diz Rómulo de Carvalho (1986, p. 417), aqui “o pro­
7
“comunidade de expatriados portugueses” (Maxwell,
gressivismo de Verney não foi suficiente para vencer os preconceitos 1996, p. 10); os quais, na grande maioria das vezes,
de classe”. Ao dizer – quando avalia a futilidade do apren­dizado das
prendas de salão – que “nas senhoras grandes não é tão condenável
aplicar-se a estes divertimentos inocentes, se o fazem com o fim pessoas nobres das outras. Essa contradição é típica dos autores
de não ficarem ociosas (Verney, s.d., p. 227)”, Verney distingue as iluministas; e o Iluminismo português não fugiria à regra.

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A dimensão iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras à universidade

tinham deixado o país por se sentirem perseguidos monarca, reiterando uma tradição absolutista, que
ou tolhidos pela ação inquisitorial. Mas havia outro persiste período afora, representa também o avanço
aspecto também fundamental: “as preocupações que o termo traz, pela contraposição à tradição de
de Pombal também refletiam as de uma geração de ensino por parte da Igreja” (p. 182). Eram, em sua
funcionários públicos e diplomatas portugueses que grande maioria, classes de primeiras letras, incluindo
haviam meditado muito sobre a organização imperial o ensino da leitura, da escrita, da aritmética, do cate-
e as técnicas mercantilistas” (idem, ibidem). O padrão cismo e dos preceitos da civilidade; mas havia também
econômico mercantilista – e não ainda a economia de classes de latim, grego, hebreu e retórica (Marques,
mercado – era compreendido pelos contemporâneos 1984, p. 337). Em todas elas, era proibido aos mestres
como o grande responsável pelo vigor político e pela e professores valerem-se dos livros e materiais de
riqueza econômica dos países centrais da Europa. ensino utilizados pelos jesuítas.8
Laerte Ramos de Carvalho (1978) consagrou O Alvará de 28 de junho de 1759 parte da
no Brasil a ideia de que teria havido ao menos duas constatação de que existiria uma decadência em todos
reformas pombalinas da instrução pública, posto que os campos dos estudos do Reino. Tal decadência era
vincula o ano de 1759 à reforma dos estudos menores atribuída ao “escuro e fastidioso método” (in Almeida,
e o ano de 1772 à reforma dos estudos maiores (ou da 2000, p. 32) que os padres jesuítas introduziram
Universidade). Mas, à luz da interpretação de António nos colégios sob sua responsabilidade. O projeto
Nóvoa (1987), Ruth M. Chittó Gauer (2001, 2004) da Reforma era, então, o de reaver o que Pombal
e Tereza Fachada Levy Cardoso (2002), seria mais denomina método antigo: “reduzido aos termos
adequado compreendermos a existência de dois (ou símplices, claros e de maior facilidade que se pratica
mais) momentos de uma mesma reforma dos estudos; atualmente nas nações mais polidas da Europa”
até porque as medidas implementadas relativamente (idem, ibidem). Haveria, pelo plano pombalino, um
aos estudos menores continuaram a ser elaboradas até diretor dos estudos responsável por “fazer observar
a década de 1770 – e, do mesmo modo, algumas dire- tudo o que se contém neste alvará e sendo-lhe todos
trizes relativas aos estudos maiores são anteriores. os professores subordinados” (idem, ibidem). Esse
Pode-se dizer que a reforma dos estudos gestada
e executada por Pombal, em suas diferentes etapas, re- 8
  Thaís Nívia de Lima e Fonseca (2006, p. 3709) sublinha
volucionou a estrutura do ensino português. Fechou os que, para o caso da Capitania de Minas Gerais, “até que fossem im­
colégios da Companhia de Jesus. Expulsou os jesuítas plantadas as reformas na educação durante a administração do

do Reino e de seus domínios – sob pretexto de que eles Marquês de Pombal, no governo de Dom José I, foi pouco visível

teriam participado de alguma maneira de um suposto a institucionalização da instrução elementar, na Capitania, já que

atentado contra o rei. Confiscou seus bens. Muitos não houve aqui a presença dos estabelecimentos educacionais
jesuítas ou de qualquer ordem religiosa. Mesmo considerando as
membros da Companhia foram deportados.
determinações constantes nas Ordenações do Reino, as ações no
Por Alvará de 28 de junho de 1759, o futuro
sentido de promover o ensino das primeiras letras ou o ensino se-
Marquês de Pombal reestruturou os chamados estudos
cundário estavam, em geral, restritas aos particulares. A partir das
menores. Criou-se, a partir dali, a acepção de aulas
reformas pombalinas e principalmente depois da criação das aulas
régias, compreendendo tanto as classes de primeiras
régias, tornaram-se mais freqüentes as referências a esse tipo de
letras quanto as classes de humanidades – daquilo
educação na documentação administrativa. Foram recorrentes os
que, posteriormente, se caracterizará como ensino
ofícios enviados pelas Câmaras das vilas mineiras ao rei, solicitando
secundário. Assinala Tereza Fachada Levy Cardoso a instalação de aulas, associando a necessidade da educação como
(2004) que “a palavra régio tem um caráter ambíguo, instrumento de civilização, o que significa reforçar a formação
porque, ao mesmo tempo em que remete à figura do moral, cívica e religiosa da população”.

Revista Brasileira de Educação  v. 15  n. 44  maio/ago. 2010 293


Carlota Boto

diretor dos estudos, auxiliado por comissários9 que A crítica severa do Compendio Historico do
inspecionariam as escolas, deveria verificar o que Estado da Universidade de Coimbra à Companhia de
faziam os professores, o que deixavam de fazer, além Jesus vem expressa na própria continuidade do texto
de “adverti-los e corrigi-los” (idem, ibidem), quando que dá título ao documento: “no tempo da invasão
isso se fizesse necessário. Eram su­bordinados do dos denominados jesuítas e dos estragos feitos nas
diretor dos estudos todos os professores das escolas sciencias e nos professores e directores que a regiam
menores (Gomes, 1984, p. 9). Por isso, caberia a ele pelas maquinações, e publicações dos novos estatutos
controlar os progressos dos alunos. por elles fabricados” (Compêndio, 1972). Suprimir os
O projeto previa também que o diretor deveria ter vestígios da Companhia de Jesus significava, à época,
“todo o cuidado em extirpar as controvérsias e de fazer substituí-la à altura. Em primeiro lugar, desconstruir o
com que haja entre eles (professores) uma perfeita paz suposto atraso; em seguida, formular uma alternativa.
e uma constante uniformidade de doutrina, de sorte Quando foi feita a reforma da universidade, “aos no-
que todos conspirem para o progresso de sua profissão vos professores catedráticos de Coimbra e Évora foi
e aproveitamento de seus discípulos” (Alvará, 2000, concedido o uso de residências dos jesuítas expulsos”
p. 32). Não deixa de ser revelador o fato de o Alvará (Maxwell, 1996, p. 205).
de 1759 se referir ao ofício do magistério como profis- Ainda a propósito da estrutura do currículo, uma
são (Mendonça, 2005). O Alvará de Pombal indicava das censuras explicitadas no Compêndio pombalino
também as matérias que deveriam constituir as aulas dizia respeito ao fato de as escolas maiores – bem
régias; e, além disso, prescrevia quando e onde elas como todos os colégios controlados pelos jesuítas –
deveriam ser abertas. Chegava a recomendar livros limitarem o estudo da moral ao conhecimento da moral
para uso das escolas, de modo que fossem escolhidos aristotélica. A Ética de Aristóteles era, segundo consta
compêndios alternativos àqueles utilizados pelos do Compêndio, adotada como obra “para se ler nas
colégios jesuíticos. As aulas régias seriam abertas a escolas da Universidade de Coimbra; para se difundir
todos, sem distinções de classe. nas Aulas de todos esses Reinos; e para constituírem
Quanto à reforma dos estudos maiores ou univer- nela o venenoso charco, donde saíram as mortíferas
sitários – já destacava Rogério Fernandes (1992) –, ela inundações” (Compêndio, 1972, p. 204). O argumento
teria sido deflagrada quando “a Junta da Providência aqui é cristão. A obra do filósofo grego do século IV
Literária, a que presidiam o Cardeal da Cunha e o a.C. é considerada ímpia, ateia, prejudicial e indigna,
próprio Marquês de Pombal, elaborou em 1771 o por não ser regida pelos preceitos do cristianismo.
Compêndio Histórico do Estado da Universidade Curiosamente, a denúncia do Compêndio repudia
de Coimbra” (Compêndio, 1972, p. 88). O referido os estatutos jesuíticos vigentes na Universidade de
documento oferece um preciso diagnóstico do que Coimbra em virtude de uma defesa religiosa: a moral
teriam sido os “estragos” realizados pela Companhia cristã. Aí está uma das tantas contradições do discurso
de Jesus nos estudos portugueses; especialmente nos iluminado do século XVIII.
estudos universitários. O Compêndio é também severo ao denunciar o
atraso dos métodos com que se ensinava em Coimbra.
No caso dos cursos jurídicos, por exemplo, as aulas
  Como consta da obra de Laerte Ramos de Carvalho (1978, p. 116),
9 eram sempre uniformemente organizadas à luz do que
os Comissários eram designados, nos diferentes lugares do Reino e de o documento chama de “método analítico” (Compên-
seus domínios, “para fazer o levantamento do número de professores dio, 1972, p. 262). O método analítico corresponderia a
existentes, tirando informação sobre sua vida e cos­tumes, a fim de levar aulas centradas em comentários de textos considerados
ao conhecimento do diretor geral dos estudos ampla notícia do estado em clássicos. Muitas vezes os professores ficavam presos
que se achavam as escolas em cada localidade”. a questiúnculas, fazendo longas digressões sobre

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A dimensão iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras à universidade

uma só lei ou capítulo (idem, ibidem); mas que era assistido a cirurgias. Enfim, a formação dos médicos
tido como aquele que contemplaria a questão central era completamente alheia à prática do ofício médico.
e própria do texto. Essas lições analíticas” (idem, Não se ocupava de observar o que médicos faziam
ibidem) eram explicações dadas sempre do mesmo com pessoas que adoeciam. Com a reforma do curso
modo, todos os anos, invariavelmente pelo mesmo de medicina, Pombal dava concretude às sugestões
professor, fazendo com que, no transcurso de sua que lhe haviam sido feitas por parte da geração de
vida universitária, o estudante travasse contato com estrangeirados com quem conviveu. O ponto de par-
pouquíssimos “textos e doutrinas; e ainda elas sem a tida da reforma do curso de medicina era o seguinte:
conexão e dedução, que mais que tudo concorrem para “a autoridade, comparada com a experiência e com a
elas bem se perceberem, e se imprimirem melhor na demonstração racional, de nada vale” (Guerra, 1983,
memória” (idem, ibidem). p. 293). O substrato da reforma será, portanto, o de
Lia-se pouco; ouvia-se e copiava-se muito. Os considerar as grandes descobertas que modificavam
lentes da universidade expunham, amiúde, “somente o olhar da compreensão biológica – como, por exem-
algumas leis e capítulos avulsos, cujas conclusões plo, a descoberta de Harvey de que o sangue circula
prin­cipais e doutrinas a elas pertencentes, e que nos no corpo.
mesmos textos se tratam, não podem bastar para a Na descrição feita das aulas ministradas para o
necessária instrução dos ouvintes” (Compêndio, 1972, curso de medicina, o Compêndio reitera aquele bi-
p. 262-263). Por causa disso, os estudantes enfadavam- nômio típico, das lições e das disputas; estas últimas
se das aulas, muitas vezes deixavam a universidade transformando-se, muitas vezes, em brigas ruidosas –
“sem terem chegado a aprender, e nem ainda a ouvir especialmente em ocasião de exames. A descrição fala
as principais Regras e Primeiros Princípios de todas as por si mesma:
matérias do Direito” (idem, p. 263) – como usualmente
acontecia. Além disso, os comentários dos professores A Aula da Medicina oferecia, então, um espetáculo notável,
ao qual concorriam os Estudantes das mais Faculdades para
tornavam-se postilas, que “para as mesmas lições se
se divertirem. Enfurecia-se o Presidente; gritavam os Ar-
ditavam” (idem, ibidem). E os alunos não estudavam
guentes; acendia-se o Defendente; todos queriam ter razão;
pelos textos, mas pelas postilas. Tudo isso era feito sem
e, como estavam dela distantes, nenhum sossegava, todos
qualquer domínio do que o Compêndio qualifica por
clamavam; e só vencia quem era mais destro e sutil em lançar
“impreteríveis subsídios da interpretação genuína dos palavras picantes. O Defendente saía com tudo aprovado,
Textos” (idem, ibidem). Nada disso seria tão descabi- podia ser promovido à honra dos Graus Acadêmicos, e de-
do – complementa o documento – caso esse referido pois ir exercitar livremente a Medicina em prejuízo comum
“método analítico” fosse seguido do estudo sintético de todo este Reino. (Compêndio, 1972, p. 340)
dos princípios e da doutrina do direito. Os estudantes
precisariam aprender não apenas a interpretar corre- Uma das principais dificuldades assinaladas pelo
tamente as leis e os cânones, mas, se fossem “mais Compêndio referia-se à ausência de uma “ordem certa
textuais, seriam mais hábeis para entenderem bem no ensino das matérias” (Compêndio, 1972, p. 330).
os textos; saberiam deduzir deles as suas verdadeiras Assim, “alguns aprendiam os Aforismos de Hipócrates
conclusões” (idem, p. 264). no terceiro ano; e outros no quinto, conforme as ma-
No estudo da medicina, a situação não era melhor. térias que o Lente ensinava quando eles principiavam
A ineficácia dos estudos preparatórios do curso de seus estudos” (idem, ibidem).
medicina também era um tópico bastante destacado Depois que deixavam a faculdade, a prática dos
no Compêndio pombalino. Formava-se em medicina que se haviam formado em medicina pela Universi­
sem ser preparado para a prática médica; sem sequer dade de Coimbra era simplesmente a de “purgar,
haver aprendido anatomia; sem que o sujeito houvesse san­grar, etc.; sem saber as ocasiões oportunas em que

Revista Brasileira de Educação  v. 15  n. 44  maio/ago. 2010 295


Carlota Boto

deviam aplicar esses remédios” (idem, p. 342). Por não referirmos a esse Portugal do final do século XVIII.
se terem habituado à observação médica, não eram Diz Maxwell (1996, p. 104) que foram três os ob-
capazes de conhecer as enfermidades; e, pela mesma jetivos principais da ação pombalina em matéria de
razão, não sabiam prescrever remédios. Enfim, não ensino: “trazer a educação para o controle do Estado,
sabiam curar. Por isso, toda gente achava que poderia secularizar a educação e padronizar o currículo”. De
fazer as vezes de médico. fato, temos aqui uma síntese do que fizera o Marquês.
Mas havia nisso uma preocupação com a demarcação
Tal era o estudo público da Medicina e tais os médicos que das fronteiras. Nesse sentido, a expulsão dos jesuítas
dele saíam. E que diremos da inumerável cópia de Cirur­ também era uma necessidade imperiosa do Estado
giões, de Boticários, de Barbeiros, de Charlatões, de Se- português. Por causa da ação jesuítica, os indígenas
gredistas, de Mezinheiros, de Impostores e até de mulheres brasileiros resistiam a “submeter-se à autoridade por-
Curadeiras, que, pelas Cidades, pelas Vilas, pelos Lugares tuguesa, que eles viam como inimiga” (idem, p. 54).
e Campos se metiam a praticar a Medicina; e conseguiam Pombal desejava a miscigenação para estabelecer o
a fortuna de serem atendidos e chamados até que a triste povoamento brasileiro, sem que, para tanto, ocorresse
experiência de muitas mortes, de que eram réus, os fizesse uma grande emigração dos portugueses. Era preciso,
ser desprezados? Teríamos aqui um larguíssimo campo para por todas as razões, retirar os jesuítas do controle das
discorrer, e fazer ver quanto essa praga infeccionou o Estado. terras e das nações indígenas. Era necessário traçar
(Compêndio, 1972, p. 342-343) a fronteira brasileira. O Estado necessitava disso. A
coesão do Brasil significava naquele momento a força
O Compêndio assinala com veemência a ne- de Portugal.
cessidade de se introduzir a prática de dissecação de Os oráculos do Marquês de Pombal – como já
cadáveres humanos no curso de medicina da univer- foram chamados os autores aqui estudados (Guerra,
sidade. Só isso permitirá que os discípulos “aprendam 1983, p. 287) – haviam alertado os contemporâneos
a conhecer a estrutura, a configuração, a conexão de sobre a fragilidade histórica do Estado português; so-
qualquer parte do corpo humano com outras partes” bre a necessidade de se estabelecer um plano mediante
(Compêndio, 1972, p. 326). o qual o controle dos assuntos da instrução passasse
Enfim, recuperar o atraso português era interagir de mãos religiosas para a tutela do Estado; sobre a
com a transformação do estado das coisas em áreas con­ urgência de, nesse mesmo sentido, reformarem-se os
sideradas estratégicas. Assim eram a educação (tanto os cursos universitários, que preparariam os funcionários
estudos menores quanto os maiores), a justiça e a medi- do Reino. Tratava-se de pensar em um novo modo de
cina. Daí o privilégio dado pelo Compêndio tanto à for- gerir a justiça; tratava-se de fazer com que as pessoas
mação jurídica quanto ao ensino da medicina. Reformar vivessem mais – e, vivendo mais, pudessem se tornar
os estudos universitários – bem como reformar a instru- hábeis para aprender coisas úteis. Tratava-se, sobretu-
ção de primeiras letras e secundária – era o passaporte do, de formar no território e nas colônias um modo de
para a Reforma do Estado; um Estado que se pretendia ser Portugal que fosse mais avançado, mais racional,
incluído em seu tempo – competitivo e potente. mais moderno (Gauer, 1996, 2001).
Finalmente, é preciso compreender que Iluminis-
Considerações finais: 250 anos depois; mo não houve um só: foram vários. Há o Iluminismo
o legado dessa escola rastreada da racionalidade e do progresso; mas há aquele que
acentua a decadência nacional; aquele temeroso do
“Um país como os outros, a contas nunca certas atraso... O Iluminismo português – racionalizador,
com o tempo” (Lourenço, 1999, p. 109). Poderíamos centralizador, secularizador – não era laico; e não era
emprestar a bela frase de Eduardo Lourenço para nos demasiadamente adepto da “extensão das liberdades

296 Revista Brasileira de Educação  v. 15  n. 44  maio/ago. 2010


A dimensão iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras à universidade

individuais” (Maxwell, 1996, p. 170). Mesmo assim, A imagem que o ministro faz de si mesmo e do seu governo,
a ação do Estado pombalino, em consonância com o a consciência que revela do poder real e dos deveres e atri-
pensamento iluminista português, foi além e trouxe buições dos ministros e secretários de Estado, seu universo
medidas que não apenas favoreceram a laicidade – mental, em suma, não têm nada em comum com a filosofia
ao reforçar o poder do Estado na ação política e no do “despotismo ilustrado”.
controle público – como promoveram também uma
via emancipatória que ficaria clara no liberalismo Pombal foi moderno, até onde era possível a
português do século XIX e nas lutas por libertação Portugal daquele tempo ser. Foi a consciência-possível
nacional que aconteciam no Brasil daqueles tempos. O (Goldman, 1972) de uma geração de estrangeirados.
Iluminismo é constituído de luzes e sombras (Pallares- Foi iluminista; mas foi, acima de tudo, homem de ação.
Burke, 2001, p. 53-54). Mas em Portugal – como Pelo discurso, mas especialmente pelos atos, ele, de
também aconteceria depois na França – a ação política fato – pode-se dizer –, enterrou os mortos e cuidou
radicalizou o pensamento iluminista que a precedeu. dos vivos. Não se compreenderá a lógica do ensino
Como ressaltou José Vicente Serrão (1989, p. 12), público brasileiro sem que essa história seja muito bem
o pombalismo chega a ser maior do que o próprio rastreada – uma história de 250 anos atrás...
Pombal. Tratava-se, no limite, de um projeto de gestão;
empreendido, portanto, “por um conjunto de homens Referências bibliográficas
e de entidades institucionais, unidos numa espécie de
rede de solidariedades políticas e pessoais, que tinha ALVARÁ de 28 de junho de 1759. In: ALMEIDA, José Ricardo
por centro a figura do Marquês de Pombal”. Para Pires. Instrução pública no Brasil (1500-1889): história e legisla-
o autor, o pombalismo significou a construção do ção. 2. ed. rev. São Paulo: Educ, 2000. p. 31-34.
moderno Estado português – com uma clara vertente ALVARÁ de 11 de janeiro de 1760. In: ALMEIDA, José Ricardo
intervencionista; tida como imprescindível em decor- Pires. Instrução pública no Brasil (1500-1889): história e legisla-
rência da debilitação sofrida por Portugal  nos  anos ção. 2. ed. rev. São Paulo: Educ, 2000. p. 35-36.
que antecederam o reinado de D. José, e que haviam ALMEIDA, José Ricardo Pires. Instrução pública no Brasil (1500-
presenciado “a desorganização dos serviços adminis- 1889): história e legislação. 2. ed. rev. São Paulo: Educ, 2000.
trativos, o aumento da corrupção, a proliferação de
ANDRADE, António Alberto Banha de. Verney e a projecção de
facções intestinas, uma grande indefinição de com-
sua obra. Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa/Ministério da
petências” (idem, p. 13). O pombalismo – à luz das
Educação e da Ciência, 1980.
ideias iluministas que lhe precederam – dignificou, em
AULETE, Francisco J. Caldas. Dicionário contemporâneo da
contrapartida, o estatuto de “funcionários públicos” –
língua portuguesa: feito sobre o plano de F. J. Caldas Aulete –
como “parte integrante duma entidade institucional
v. II, 3. ed. Lisboa: Ed. Lisboa; Parceria António Maria Pereira,
ampla: o Estado” (idem, p. 16).
[s.d.]
Para concluir, creio que é preciso tomar cuidado
BOTO, Carlota. Iluminismo e educação em Portugal: o legado do
com um aspecto. Pombal criou para si uma posteridade
século XVIII ao XIX. Revista da Faculdade de Educação, Uni-
antecipada. Foi capaz de produzir representações, de
versidade de São Paulo, v.22, n. 1, p. 169-191, 1996.
fomentar uma autoimagem que indicasse ao futuro
________. O enciclopedismo de Ribeiro Sanches: pedagogia e
os significados desejados de sua biografia – e muito
medicina na confecção do Estado. História da Educação, Pelotas,
especialmente de sua dimensão política. Porém, como
Editora da UFPEL, v.2, n. 4, p. 107-117, set. 1998.
recorda Falcon (1982, p. 361), é preciso que se tenha
clareza de que nem sempre coincidem as práticas de CARDOSO, Tereza Fachada Levy. As luzes da educação: fun-

uma política ilustrada e as representações que tinham damentos, raízes históricas e práticas das aulas régias no Rio de

sobre elas os próprios protagonistas: Janeiro (1759-1834). Bragança Paulista: Edusf, 2002.

Revista Brasileira de Educação  v. 15  n. 44  maio/ago. 2010 297


Carlota Boto

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298 Revista Brasileira de Educação  v. 15  n. 44  maio/ago. 2010


A dimensão iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras à universidade

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CARLOTA BOTO, doutora em história social pela Faculdade
XVIII. São Paulo: Senac, 2003.
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SANCHES, A. N. Ribeiro. Cartas sobre a educação da mocidade.
Paulo (FFLCH-USP), é professora da Faculdade de Educação na
Porto: Editorial Domingos Barreira, [s.d.].
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2. ed. Campinas: Autores Associados, 2008. e medicina na confecção do Estado (História da Educação. FaE/
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STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara (Orgs.). junho de 1759 (In: BITTENCOURT, Circe. Dicionário de datas
Histórias e memórias da educação no Brasil – v. 1, p. 146-157, da História do Brasil. São Paulo: Contexto, 2007). Pesquisa em
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VERNEY, Luís António. Verdadeiro método de estudar. 3. ed. na agenda pública”. E-mail: reisboto@usp.br
Porto: Editorial Domingos Barreira, [s.d.].
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Recebido em julho de 2009
15. ed. São Paulo: Pioneira, 2000. Aprovado em novembro de 2009

Revista Brasileira de Educação  v. 15  n. 44  maio/ago. 2010 299


Resumos/Abstracts/Resumens

of writing, used in the Province of y eran utilizados, en fuentes primarias


Isabel Cristina Alves da Silva Frade Minas Gerais and in Brazil, from the (correspondencias, velatorios, mapas
Uma genealogia dos impressos para o early nineteenth century. Before the de desempeño) producidas en la
ensino da escrita no Brasil no século production of more authorial books Provincia de Minas Gerais, desde 1823.
XIX to teach reading at school, we find Con estas fuentes, se problematiza el
O objetivo deste artigo é caracterizar mention of the use of literacy primers, uso de tablas y cartas. Otro conjunto
e compreender diferentes modelos ABC letters and first reading books. de fuentes analizado es constituido
e formatos de livros escolares ou In the absence of well preserved por cuatro libros brasileños y un libro
de outros impressos para ensinar os materials, we searched for evidence traducido para el portugués, cuyos
princípios da escrita, utilizados na of how they were presented and used, títulos contenían las denominaciones
Província de Minas Gerais e no Brasil a in primary sources (correspondence, silabario, abecedario y cartas de ABC.
partir do início do século XIX. Anterior reports, performance charts) produced La investigación se fundamenta no
a uma produção escolar mais autoral de in the Province of Minas Gerais sólo en los campos de la historia de la
livros para ensinar a ler, encontramos since 1823. With these sources the lectura y del libro (Roger Chartier),
menções sobre o uso de abecedários, use of tables, boards and letters was que abordan las formas de los textos,
problematised. Another set of sources de los impresos y de sus usos, como
cartas do ABC e silabários. Na ausência
examined is composed of four Brazilian también en los estudios de la historia
de materiais conservados, buscaram-se
textbooks and a book translated into de la alfabetización y de la educación,
indícios de como eles se apresentavam
Portuguese, whose titles contained such en el mismo período. Para un análisis
e eram utilizados em fontes primárias
denominations as first reading book, comparativo, fuentes secundarias fran­
(correspondências, relatórios, mapas de
literacy primers and ABC letters. The cesas ayudan a comprender la forma y
desempenho) produzidas na Província
research is based not only on studies los usos de tablas, abecedarios y sila­
de Minas Gerais, desde 1823. Com
related to the history of books and barios.
essas fontes, problematizamos o uso de
reading (Roger Chartier), which deal Palabras clave: impresos, tablas,
tabelas, tábuas e cartas. Outro conjunto
with the types of text, printed matter cartas de ABC, silabarios, abecedarios,
de fontes analisado é constituído por
and their uses but also to studies on historia de la alfabetización, cultura
quatro livros brasileiros e um livro
the history of literacy education in escrita, escolarización de la escritura.
traduzido para o português, cujos
the same period. For a comparative
títulos continham as denominações
analysis, French secon­dary sources Carlota Boto
silabário, abecedário e cartas de ABC.
help to understand the form and uses
A investigação baseia-se não só nos A dimensão iluminista da reforma
of tables, literacy primers and first
campos da história da leitura e do pombalina dos estudos: das
reading books.
livro (Roger Chartier), que abordam as Key words: printed material, boards, primeiras letras à universidade
formas dos textos, dos impressos e de tables, ABC letters, first reading books, O presente artigo tem por propósito
seus usos, mas também nos estudos da literacy primers, history of literacy, discutir o tema da educação à luz da
história da alfabetização e da educação, written culture, school taught writing intersecção entre os ideais políticos
no mesmo período. Para uma análise e pedagógicos de três pensadores
Una genealogía de los impresos para
comparativa, fontes secundárias iluministas portugueses – Dom Luís da
la enseñanza de la escrita en Brasil
francesas ajudam a compreender a Cunha, António Nunes Ribeiro Sanches
en el siglo XIX
forma e os usos de tabelas, abecedários e Luiz António Verney – e a reforma
El objetivo de este artículo es ca­
e silabários. dos estudos empreendida pelo Marquês
racterizar y comprender diferentes
Palavras-chave: impressos, tábuas, de Pombal. A ação de Pombal como
mo­delos y formas de libros escolares
tabelas, cartas de ABC, silabários, ministro do reino português foi, em
o de otros impresos para enseñar los
abecedários, história da alfabetização, certa medida, embasada por reflexões
principios de la escritura, utilizados en
cultura escrita, escolarização da escrita. teóricas acerca de Portugal e da crise
la Provincia de Minas Gerais y en Brasil
A genealogy of printed material for a partir del inicio del siglo XIX. Anterior do império português. Essas reflexões,
teaching writing in Brazil in the a una producción es­co­lar más autoral de entre outros aspectos, destacavam
nineteenth century libros para enseñar a leer, encontramos ser uma necessidade histórica para
The aim of this article is to characterize menciones sobre el uso de abecedarios, o desenvolvimento do país o Estado
and understand the different models cartas de ABC y silabarios. En la falta português tomar para si o controle das
and formats of textbooks or other de materiales conservados, se buscaron questões do ensino em todos os seus
printed material for teaching the basics indicios  de cómo ellos se presentaban níveis. Ao expulsar os jesuítas, ao

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Resumos/Abstracts/Resumens

idealizar o modelo das aulas-régias, Ribeiro Sanches y Luiz António Palavras-chave: educação popular;
mas, sobretudo, ao reformar os estudos Verney – y la reforma de los estudios movimentos sociais; Paulo Freire;
da Universidade de Coimbra, a prática emprendida por el Marqués de Pombal. América Latina
da ação pombalina indicava sua filiação La acción de Pombal como ministro del
teórica ao movimento iluminista reino de Portugal fue, en cierta medida, Between emancipation and
português. sustentada por reflexiones teóricas regulation: (mis)matches between
Palavras-chave: instrução pública; acerca de Portugal y de la crisis del popular education and social
Portugal; história da educação; imperio portugués. Tales reflexiones, movements
Marquês de Pombal; Iluminismo. entre otros aspectos, destacaban que The article analyzes the double face of
era una necesidad histórica para popular education in its relation with
The illuminist dimension of the social movements in Latin America,
el desarrollo del país, el Estado
Pombaline reform of studies: from functioning both as subsidiary and
portugués tomó para sí el control de
literacy to the university as their promoter. In this sense, one
las cuestiones de la enseñanza en todos
The objective of this article is to can say that popular education is
sus niveles. Al expulsar los jesuitas,
discuss the theme of education in the the pedagogical expression of social
al idealizar el modelo da las clases
light of the intersection between the movements and, as such, is an ally
regias, mas, sobretodo, al reformar
political and pedagogic ideals of three in the struggle for political and civil
los estudios de la Universidad de
Portuguese Enlightenment thinkers – rights. At the same time, popular
Coimbra, la práctica de la acción
Dom Luis da Cunha, Antonio Nunes education, as a pedagogical process,
pombalina indicaba su filiación teórica
Ribeiro Sanches and Luiz Antonio fulfils a formative and directive role
al movimiento iluminista portugués.
Verney – and the educational reform within society and for the very social
Palabras clave: instrucción pública;
carried out by the Marquis of Pombal. movements. In this article, emphasis
Portugal; historia de la educación;
The action of Pombal as minister is placed on analysis of the changes in
Marqués de Pombal; Iluminismo
of the Portuguese kingdom was to the relation between popular education
some degree based on theoretical and social movements, especially after
reflections on Portugal and the crisis Danilo R. Streck 1990, when new forms of regulation
of the Portuguese empire. Such and control are developed. Two related
reflections, among other aspects, Entre emancipação e regulação: (des)
themes are highlighted in this study:
emphasized that, for the country to encontros entre educação popular e
the territories of resistance and their
develop, the Portuguese government movimentos sociais
respective pedagogies, and the quest
was historically bound to take control O artigo analisa a dupla face da
for new forms of governance and their
of teaching issues at all levels. By educação popular na sua relação com
implications for popular education.
expelling the Jesuits, idealizing os movimentos sociais na América
Key words: popular education; social
the model of the regal-classes, but, Latina, como subsidiária e promotora
movements; Paulo Freire; Latin
above all, by reforming the studies destes. Por um lado, pode-se dizer
America
of the University of Coimbra, the que a educação popular é a expressão
practice of Pombal’s action indicated pedagógica dos movimentos e como Entre emancipación y regulación:
its theoretical affiliation with the tal é aliada na conquista de direitos (des)encuentros entre la educación
Portuguese Enlightenment movement. políticos e civis. Ao mesmo tempo, popular y movimientos sociales
Key words: public education; Portugal, enquanto processo pedagógico, ela é Este artículo analiza la faz dupla
history of education; Marquis of também uma instância formadora e de la educación popular en su rela­
Pombal; Enlightenment orientadora da sociedade e dos próprios ción con los movimientos sociales en
movimentos sociais. Analisam-se as América Latina, como subsidiaria y
La dimensión iluminista de mudanças nas relações entre a educação promotora de estos. Por un lado, se
la reforma pombalina de los popular e os movimentos sociais puede decir que la educación popular
estudios: de las primeras letras a la especialmente a partir da década de es la expresión pedagógica de los
universidad 1990, quando entram em cena novas movimientos y como tal está aliada en
Este artículo tiene como propósito forma de regulação e controle. São la conquista de los derechos políticos
discutir el tema de la educación a destacados dois temas neste estudo: os y civiles. Al mismo tiempo, como
la luz de la intersección entre los territórios de resistência e as respectivas proceso pedagógico, ella es también
ideales políticos y pedagógicos de tres pedagogias, e a questão da nova una instancia formadora y orientadora
pensadores iluministas portugueses governabilidade e as implicações para a de la sociedad y de los propios
– Don Luis da Cunha, António Nunes educação popular. movimientos sociales. Se estudian las

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