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Era uma vez - diz-se tal qual Mas entretanto um rapaz,

Em lenda assombrosa Nascida Catalim, o copeiro,


de casta real, Que vinho aos convivas traz
Donzela muito formosa, Com jeito de matreiro,
E filha só, nesses confins E a cauda das vestes reais
A mais bela das belas, Pé ante pé segura;
Qual Virgem entre serafins Criado lá pelos quintais,
E lua entre estrelas. De ousada catadura,
De arco sumido em escuridão E faces de papoula em flor
Os passos endireita - Olhar mau nao lhes pegue!
Para a janela, onde então A Catalina, espreitador,
Estava o Luzeiro a espreita. Sem descansar persegue.
Longe nos mares a nascer - «Ai, mas que linda que ela está,
Vê-o fulgir na treva, Benza -a Deus! ... e que porte!
Pelos carreiros a tremer Vá Catalim, agora já
Escuros barcos leva. Hás-de tentar a sorte!»
Dia após dia o vê , e assim Chegando-lhe de manso ao pé,
Eis que a paixão é certa; Apanha-a em canto estreito:
E ele, de tanto olhar, por fim - «O Catalim, mas o que é?
Também p'ra o amor desperta. Vai-te, que nao tem jeito!»
Afronte em jeito sonhador - «O que é? Cismando tanta vez
Encosta ela na palma, Absorta eu te vejo,
Quando lhe inunda esse dulçor Quero que rías e me des
O coração a alma. Um beijo, só um beijo».
Com que fulgores não conduz - «Vá, deixa-me, o desejo teu
Ele, mal anoitece, Nao sei qual é em verdade
Para o castelo negro a luz Ah, do Luzeiro lá no céu
Quando ela lhe aparece! Tenho mortal saudade!»
E passo a passo segue atrás - «Se é que nao sabes, eu a ti
Na alcova se insinua, O amor te ensinava
De gélidas centelhas faz Por miúdo; vá, aguenta aí
Teia de chama nua. E nao te ponhas brava.
Quando ela está consigo a sós Tal como em mato vai estender
E reclinar se deixa, Laço quem aves caça,
As mãos em cruz lhe roça, após Se com o braço te prender,
As pálpebras lhe fecha. Com o braço teu me enlaça;
Clarões do espelho para cá Os olhos teus sempre a fitar
No corpo se desejam Sob os meus olhos sinta ...
No rosto que voltando está, Os calcanhares vais alçar,
Nos olhos que latejam. Se eu te alçar pela cinta;
Ela o fitava a sorrir, Se a cara eu baixar depois,
No espelho ele tremia, Mantém a cara erguida,
Que bem adentro em seu dormir Sófrego e terno olhar os dois
A alma lhe prendia. Troquemos toda a vida;
E ela a sonhar com ele, tem E para ter do amor real
Fala em gemente afogo: Ciencia mais sobeja,
- «Senhor das noites, doce bem, Ao inclinar-me, por igual
Porque não vens? Vem logo! Se eu te beijar me beija».
Desce num raio devagar, Ela em vago assombro cai
Ouvindo o rapazinho,
ó meu Luzeiro brando, Tanto o enjeita como o atrai,
Entra-me em casa e no pensar, Com tímido carinho
A vida me alumbrando!» Murmura: - «Em anos que lá vao
Ele tremendo a escutou, Criança te sabia,
Mais forte ainda brilhava Um estouvado e um palrao
E qual relâmpago saltou, Comigo bem daria ...
Nos mares se afundava; Mas um luzeiro que surgiu
Então a água onde caiu, De olvidadas plagas,
Em círculos se alarga, Infindo horizonte abriu
E jovem lindo emergiu A solidao das vagas;
Da misteriosa vaga Se os olhos baixo, el minha dor
Ligeiro, como por um vão, No pranto acho disfarce
Passa do vidro ao lado, A larga, quando a onda for
Segura ceptro em sua mão Para ele encaminhar-se;
De limo s coroado. Com que paixão vem a luzir,
Jovem de porte senhoril, Que eu de sofrer descanse,
Cabelo de ouro a solta, Porém mais alto a subir,
Traz um lençol de cor de anil Para que o nao alcance.
Que aos ombros nus dá volta. Gélido e triste aqui reluz
Sombra de céreo palor Do mundo que o separa ...
Em diáfano semblante - P'ra sempre o amo e sua luz
É um morto em todo o resplendor Sempre tão longe pára ...
De olhar vivo e brilhante. Por isso os dias meus aqui
- «Custou da minha esfera aqui Sao ermos qual deserto,
Vir, tua chamada ouvindo, Mas santo enlevo a noite vi
O mar é a mãe de que nasci, Que nao atino ao certo».
E o pai - o céu infindo. - «Criança é que tu és... A sós
Para te ver melhor ousei Vamos depressa embora,
Entrar pelos teus lares, Nem nome, nem rastro de nós
Com o sereno azul baixei Saibam p'lo mundo fora,
E fui nascer dos mares. Sensatos tu e eu, para mais
-Oh , meu tesoro amado, vem Sadios e ligeiros,
Eo mundo teu enjeita, Já nao te farao falta pais
Sou o Luziero do além Nem sonhos de luzeiros».
Sê tu a minha eleita. *
Levo-te aos paços de coral Parte o Luzeiro. Pelo ar
Imensidão de anos As asas lhe cresciam;
Terás em submissão cabal Caminhos de anos por milhar
O povo dos oceanos.>> Num ápice corriam.
<<-Oh, es tão belo-tanto ou mais Por baixo, céu de estrelas tem,
Só anjo em fantasia! Por cima, céu de estrelas
Mas no caminho tei jamais Como em clarão seguido vem
Seguir eu poderia: Errando através delas. \"
Estranho porte e tu reluzes, Dos vales do caos via então,
Eu viva sou, tu morto vens Brotando em chuveiro,
Gelar-me em tuas luzes.>> Luzes, lembrando a Criação,
Passa um dia,passam três, Que foi Día Primeiro,
Voltando pelo escuro Aos mares surgem -lhe em redor,
Manda o Luzierooutra vez Que a nado cruza; ainda
O seu fulgor tão puro. Voa, absorto em seu ardor
Ela, tombada em seu langor, Lá onde tudo finda.
Decerto que o recorda, Onde ele vai confins nao há
No coração pega-lhe o ardor Nem olho tem alcance,
Pelo Senhor da onda: E do vazio o tempo lá
- «Em raio a deslizar dos céus Em van tenta gerar-se.
Desce, Luzeiro brando, Lá nada é, e mesmo assim
No lar e pensamentos meus, É sede que o traga,
A vida me alumbrando!» É cego olvido sem ter fim
Assim que ouviu no alto a voz, O abismo que se alarga
Extinguiu-se de tormento, - «Do escuro eterno, ó meu Pai,
E lá onde sumiu se pos O peso me desata,
A roda o firmamento; E sempre a criação Te vai
A flama rutila no ar Entoar loa grata;
Abrange inteiro o mundo, Pede, Senhor, preço qualquer,
E linda imagem devagar Mas dá-me outra sorte,
Surge do caos profundo; Que Tu és fonte de viver
Na treva de seus caracóis E és Tu que dás a morte;
Leva coro a que arde, Me tira as auras imortais
Banhado em fogo de mil sóis, E o fogo do semblante,
Flutuava de verdade. Em troca nao te peço mais
Do negro manto lhe descai Que amar ... só um instante.
O seu marmóreo braço; Do caos, Senhor, apareci
Triste, com ar absorto vai E ao caos voltar espero ...
E o rosto dele é baço; Foi do repouso que nasci,
Os olhos só, fundos clarões, Repouso é o que mais quero».
Quiméricos refulgem, - «Hypérion, que foste surgir
São dois abismos de paixões Do abismo com um mundo,
Que do escuro pungem. Sinais e graça vens pedir
- «Da minha esfera bem custou Sem nome e sem fundo;
Tornar a ouvir-te ainda;
O sol é o pai que me gerou, Queres humana condição,
E a mãe - a noite infinda; A deles parecida? ...
Oh, meu tesouro amado, vem Pereçam homens, nascerão
E o mundo teu enjeita; Mais homens em seguida.
Sou o Luzeiro do além, Tão só goradas ilusoes
Se tu a minha eleita. Eles aos ventos erguem,
Oh, vem, e deixa-me cingir Vagas que morram, multidões
Em trança de ouro estrelas, De vagas inda seguem.
E nos meus céus irás surgir Eles só tem astros de azar
Mais linda do que elas» E astros de boa sorte,
«Oh, és tão belo - tanto ou mais A nós, sem tempo nem lugar,
Só demo em fantasia! É-nos alheia a morte.
Mas no caminho teu jamais Do ontem imortal nasceu
Seguir eu poderia! O hoje que perece;
Magoa teu cruel amor Sol que se apague lá no céu,
As cordas do meu peito, Sol novo resplandece;
Nos olhos pesa, abrasador, Como que eterno, vai-se erguer,
De tua mirada o jeito». A morte atrás lhe corre,
- «Mas como podes tu querer Pois tudo nasce p'ra morrer
Que eu desça qui, menina, E para nascer morre.
Nao ves que é imortal meu ser Mas tu, Hypérion durarás...
E a morte é tua sina?» Em teu pousar soberbo
- «Ai, que palavras buscarei, Queres tu espírito sagaz?
Se nem lhes tenho a arte Pede o Primeiro Verbo.
Embora fales como eu sei Queres que de a boca voz:
Não posso alcançar-te; Por mor de seus cantares,
Mas se quiseres que leal Montes e matos leve após
Namoro haja contigo, E as ilhas desses mares?
Aterra desce e, mortal, Queres justiça e valor
Fica a viver comigo». Mostrar com tua proeza?
A terra em troços vou dispor
«Um beijo teu queres trocar A tua realeza.
Por minha eterna vida? Nau após nau trago-te aos pés
Mas eu também te vou provar E hostes, que atravesses
O quanto me és querida; A terra, o mar, de lés a lés
Mas morte nao ... nem penses.
Queres morrer - e para quem?
Retorna, lesto voa
E ve o que te aguarda além
Em terra que anda a toa».

Ele como antes tremeluz


Nas matas e nos montes,
De ondas a vaguear conduz
Os ermos horizontes;
Porém, tombando lá do céu,
A vaga já nao corta:
- «Rosto de barro - seja eu
Ou outro - que te importa?
Vos prende a sorte a vossa lei
Do instante fugidio;
No mundo meu perdurarei
Eu, imortal e frio».
Nascendo no pecado, sim,
Eu outra lei abraço:
O eterno a que estou preso enfim
Me vá quebrar o laço!».
E foi-se ... foi - longe partiu.
De amores impelido
Dias a fio ele sumiu,
Dos altos desprendido.

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