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Basaglia e a crítica ao manicômio

Disciplina Psicologia e Saúde Mental


Prof. Cadu Amaral
Texto base: BASAGLIA, F. As instituições da violência. In: Escritos
Selecionados. 2010
Fevereiro de 2018
Franco Basaglia
• Nascido em 1924 em
Veneza – Itália

• Médico psiquiatra

• Preso por 6 meses em


1944 por participar da
resistência ao fascismo
Franco Basaglia
• 1961 a 1970 foi diretor
de um manicômio na
cidade de Gorizia

• 1971 a 1979 foi diretor


de outro manicômio em
Trieste
Franco Basaglia
• Influência internacional
nos movimento de
desinstitucionalização

• Psiquiatria Democrática
Italiana

• “Che cos’è la psichiatria?”


– 1967
• “A instituição negada”
– 1968
Franco Basaglia
• Recebeu duras críticas dos
setores mais tradicionais da
psiquiatras

• 1973 – Serviço de saúde


mental de Trieste considerado
referência internacional para a
OMS
Franco Basaglia
• 1978 - aprovada a lei 180 (lei
Basaglia), promovendo o
fechamento dos asilos na Itália
– vigorando até hoje

• Faleceu em 1980 (56 anos)


As instituições da violência
• Tratamento moral (Pinel): imposição da rotina
regrada como medida terapêutica

• Vários sistemas disciplinares são baseados em


regras rígidas: manicômio, prisão, conventos,
escola, fábrica

• Em nome de um “bem maior”, justifica-se a


utilização de métodos coercitivos, não raro
violentos
As instituições da violência
• Assimetria de poder como base das relações
(pedagógicas, terapêuticas, produtivas)

• Poder X não poder


• Ter X não ter (dicotomias)
– não apenas material -> presença de valores
As instituições da violência
• Violência mascarada: encobrir contradições da
própria sociedade

• Ciência como produtora de normas


• “Ato terapêutico” como reedição de uma ação
descriminatória
O novo psiquiatra social, o psicoterapeuta, o assistente social,
o psicólogo organizacional, o sociólogo industrial (só para citar
alguns) não passam de novos administadores de violência do
poder, visto que – suavizando os atritos, desfazendo
resistências, resolvendo os conflitos provocados pelas
instituições – com sua ação técnica aparetemente reparadora
e não violenta, só fazem permitir a perpetuação da violência
global. A tarefa deles – definida como terapêutico orientadora
– é a de adaptar os indivíduos a aceitar a própria condição de
“objetos da violência”, dando como certo que ser objeto da
violência é a única realidade a eles concedida, para além das
divesas modalidade de adaptação que poderão adotar.
(Basaglia. As instituições da violência pp. 94 e 95)
As instituições da violência
• Negação do mandato social da violência não
esgota-se em uma instituição específica

• Tem como essência recusar a exclusão


enquanto princípio organizador da sociedade
As instituições da violência
• A crítica da realidade institucional evidencia
elementos estranhos à doença e ao
tratamento.

• As raízes desses “mecanismos estranhos”


encontram-se no sistema sócio-político-
econômico que os determina
Poder contratual
Negação da capacidade / legitimidade do
paciente de realizar trocar sociais e simbólicas

Mediação econômica: tipos de relação a partir


também da classe social
Poder contratual
a) Poder técnico vs. poder econômico
– Garantir de algum nível de controle do paciente
sobre o ato terapêutico ao qual é objeto

b) Poder técnico vs. poder de decisão


– Criticidade do paciente (consciência da posição
social)
– Criticidade do técnico (capaz de retomar ao poder
técnico ao ser contestado)
Poder contratual
c) Poder técnico + poder institucional vs.
ausência de poder de decisão

• A definição dessas relações pouco tem a ver


com a “doença” em si

Se não é a doença o fator determinante,


o que é???
Objetificação
• Medicina relaciona-se com o corpo doente

• Psiquiatria tradicional só consegue relacionar-se


com o paciente produzindo-o como corpo-doente

• Teorias psicológicas/psicanalíticas também não


conseguem reposicionar a pessoa como sujeito,
se não impregnarem a própria lógica de
organização da instituição
Objetificação
• A objetificação não é uma “condição objetiva”
do doente

• Produzida na relação doente - terapeuta

• Produzida na relação doente - sociedade


Objetificação
• O nível de degradação não é consequência
pura da doença
– produto da ação destrutiva da instituição asilar

• Ao retirar o paciente da instituição, mantêm-


se outras camadas de exclusão
– Ausência de poder social, econômico, contratual
Objetificação
“Remover uma a uma as crostas de
objetificação, para ver o que resta”

• Primeiro momento: ação emotiva


• Segundo momento: ação política
– Cada ato terapêutico fundamenta-se na recusa da
violência na qual nosso sistema sócio-político está
fundamentado
Manifesto Surrealista 1925
“Amanhã de manhã, na hora da visita, quando,
sem nenhum dicionário, tentarem se comunicar
com esses homens, queiram lembrar e
reconhecer que, diante deles, os senhores têm
uma única superioridade: a força.”
As transformações de Gorizia
• Institucionalização: dos pacientes, médicos,
enfermeiros, terapeutas

• Ruputura na forma de administração da vida


institucional: mudança no modo de relações
– Comunidade terapêutica

• Organização autoritária
– liberdade do doente vs. o bom andamento do asilo
As transformações de Gorizia
• Agressividade:
– Expressão da doença
– Reação à instituição
– Reação à subjugação pela sociedade

• Adoecimento como ruptura com o real


– Agressividade como motor para ação na realidade
As transformações de Gorizia
• Tutela e Terapêutica como antíteses
– Como desenvolver a autonomia e a crítica à
situação de exclusão estabelecendo relações de
tutela?

• A consciência da situação de exclusão faz-se


necessária para criar um novo movimento de
desejos e aspirações
As transformações de Gorizia
• Enfrentar uma dupla realidade
– Doença
– Exclusão social / Estigmatização

• A doença já é um indício da dificuldade de


fazer frente ao real
– Encaixa-se perfeitamente na relação de objeto
com a instituição e seus “terapeutas”
As transformações de Gorizia
• Saber psiquiátrico/psicológico produzindo
etiquetas (diagnósticos)
– Impedem a compreensão do sujeito doente
– Encobrem as contradições da própria realidade,
descarregando sobre o doente a agressividade
acerca de algo que não se pode compreender
As transformações de Gorizia
• As relações (sociais, terapêuticas, familiares)
estão pautadas na exclusão e violência

• A maior transformação necessária é


estabelecer outra relação, que coloque em
pauta e em crítica tal violência e exclusão nos
seus diferentes espaços
As transformações de Gorizia
• Basaglia insiste que a comunidade terapêutica
não se transforme em um “modelo”
cristalizado

• Propõe a ação do profissionais e pacientes no


desvalamento e enfrentamento das
contradições da sociedade que geram a
exclusão
Os psicofármacos
• Tripla função dos fármacos:
– Nova forma de objetificação, na medida em que
evitam o contato com o sujeito

– Agem sobre a ansiedade da equipe

– Possibilidade de atenuação dos sintomas, para


permitir o acesso a uma relação de compreensão

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