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Felipe Biasus1
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Psicólogo - Mestre em Psicologia – UFSC – Coord. do Curso de Psicologia da URI Erechim. E-mail:
febiasus@yahoo.com.br
A idade que marca o início da fase da queda das funções orgânicas em cerca de
velhice é 60 e 65 anos, para países em desen- 1% ao ano.
volvimento e desenvolvidos respectivamen- Reconhece-se e admite-se o declínio de
te. No Brasil, define-se a idade de 60 anos tais funções, entretanto Queiroz e Netto
(NERI, 2001). Fericgla (1992) observou que (2007) amparados por proposições de Anita
em nossa sociedade, o conceito de velhice Liberalesso Neri afirmam que a velhice pre-
tem relação direta com a idade cronológica. serva possibilidades de ganho. Esta consta-
Moreira (1996), afirma ainda que a idade cro- tação, em uma série de pesquisas empíricas,
nológica deixa suas marcas, mas a sociedade valida a proposta teórica do desenvolvimento
também exerce pressão sobre as pessoas e, life-spam (BALTES, 1987). Estes ganhos
mais do que isso, cada meio social tem sua estão relacionados, sobretudo, no domínio
própria definição de envelhecimento e velhi- afetivo, o qual pode atuar de forma com-
ce. Esta pressão é responsável, entre outras pensatória e bem-sucedida em limitações,
coisas, por marcar a forma de perceber ou não por exemplo, de domínios cognitivos (perda
o ser humano que envelheceu. Neste sentido, de memória) e até físicos (perda do tônus
se o idoso se mantém ativo, provavelmente muscular e velocidade) presentes em idosos.
“não aparece” para o mundo, ou seja, a so- Na definição do envelhecimento é cor-
ciedade não percebe este idoso como tal, uma rente a ideia de padrões de envelhecimento
vez que mantém seu padrão ativo da adultez. (bem-sucedido e o usual ou comum). Para
Entretanto, se este idoso for inativo, ou velho, compreendê-los é fundamental conhecer o
como aponta o estudo de Biasus, Demantova significado de senescência e de senilidade. A
e Camargo (2011), torna-se sem serventia, senescência refere-se às transformações nor-
sem valor e passa a ser considerado um peso mais do organismo que vivencia o processo
para família e até para a sociedade. de envelhecimento. Já a senilidade decorre
Vivenciar a velhice é conviver com modi- de processos mórbidos que acometem o
ficações corporais ocorridas no processo de organismo ao longo do processo de envelhe-
envelhecer como: o aparecimento de rugas, os cimento. Embora fique clara a distinção que
cabelos brancos, a diminuição da elasticidade propomos aqui, nem sempre ela é no desen-
da pele, a perda dos dentes, as modificações volvimento de estudos com seres humanos
no esqueleto que por sua vez implicam pro- velhos. Muitos achados de pesquisas relati-
blemas musculares e encurtamento postural, vas ao processo de envelhecimento referem
os problemas de circulação, a desaceleração modificações e às associam a este processo
do metabolismo e dos impulsos nervosos normal presente na senescência, entretanto,
que alteram os sentidos do velho; enfim, as desconhecem que algumas das mudanças
modificações físicas e fisiológicas do enve- relatadas são relativas à presença de doenças
lhecimento (BEAUVOIR, 1990; BEE, 1997; no processo de envelhecer e não inerentes
BORTOLANZA; KRAHL; BIASUS, 2005; ao processo propriamente dito (QUEIROZ;
ZIMERMAN, 2000). Os resultados dessas NETTO, 2007).
modificações corporais podem influenciar Segundo Queiroz e Netto (2007), estabe-
a imagem corporal, a qual exerce influência lecer um diagnóstico de velhice bem-sucedi-
sobre o interesse sexual, principalmente nas da, embora se evidenciem fatores biológicos,
mulheres que percebem as modificações tal diagnóstico extrapola os limites biológicos
(cabelos brancos, rugas) como perda da femi- e destaca aspectos psicológicos, sociais e a
nilidade (KINGSBERG, 2000). Considera-se relação entre estes diferentes fatores. Uma
que a partir dos trinta anos de idade exista velhice bem-sucedida, entre nós, é rara uma
vez que este conceito marca um organismo Destarte, falar da psicologia do velho é
que envelheceu, não apresenta doenças crôni- falar da proximidade da finitude e da angús-
cas e ainda apresenta estilo de vida saudável, tia que tal fato gera para o sujeito psíquico.
com atividade física, cuidados alimentares e Tem-se que a superação desta angústia estará
controle em ingestão de álcool e outras dro- diretamente relacionada com os recursos
gas como tabaco. Ou seja, é um idoso que se desenvolvidos para elaboração de perdas
apresenta saudável, ainda que com redução e lutos ocorridos ao longo da vida e que
nas suas funções organísmicas, e com um aumentam com o passar do tempo de vida.
bom controle dos fatores extrínsecos que Desta forma, pode-se afirmar que a maior ou
podem modificar negativamente o processo menor capacidade para lidar com situações
de envelhecer.Contudo, por diversos fatores difíceis dependerá do grau de maturidade,
(sociais, econômicos, culturais) é pequeno o autoestima, tolerância à frustração e da ca-
número de idosos que pode ser considerado pacidade de envolver-se e investir em objetos
saudável e com uma velhice bem-sucedida, substitutivos. Caso essa maturidade não tenha
entre nós, é predominante o envelhecimen- ocorrido, o idoso terá mais chances de apre-
to comum, o qual implicam alterações do sentar um psiquismo disfuncional na tentativa
envelhecimento primário (declínio, perdas) de solucionar os conflitos emocionais.
associado às alterações provocadas por fa- Gavião (1996) destaca que ao longo do
tores extrínsecos. processo de envelhecimento, o aparelho psí
quico, também, sofre um processo de dimi-
Aspectos Psicológicos do/no nuição de suas capacidades o qual pode ser
Envelhecimento traduzido em uma fragilização do ego devido
às pressões da realidade; há um afrouxamento
Neurologicamente, o processo de envelhe- do superego, pelas experiências acumuladas
cimento concentra-se na redução da rede neu- durante a vida e pela proximidade da morte
ronal e dendrítica, o que implica alterações e ocorre uma reemergência de demandas do
nos tempos de reação, raciocínio, agilidade id, havendo flexibilidade de valores morais.
e mobilidade do idoso (ARANHA, 2007). A involução do aparelho psíquico produz
Ou seja, nada diferente das perdas de outros efeitos na maneira de ver o mundo e viver no
órgãos que compõe o organismo humano mundo, de modo que se tornam comuns as
que envelhece. Este mesmo autor propõe que queixas psíquicas a respeito do próprio corpo,
pensar na psicologia do velho, ou seja, seu denunciando uma inter-relação dos proble-
funcionamento psíquico é analisar um con- mas físicos e emocionais. Da mesma forma,
junto de traços e mecanismos que intervêm a perda de uma identidade corporal, uma
habitualmente no envelhecimento: tendência vez que o corpo deixa de ser fonte de prazer
a desinteressar-se pelo mundo e pelos outros; e passa a ser depositário de dor, justifica o
tendência ao recolhimento narcísico; perda descaso com a higiene e pouca adesão a tra-
das capacidades de sublimação; repressão tamentos e prescrições. Afinal, por que cuidar
para etapas pré-genitais do desenvolvimento; de um corpo que é feio e dói? Uma pergunta
tendência ao ciúme, ligado à frustração. Ou, corrente dos idosos “mal-envelhecidos”.
ao contrário: atitudes maníacas ou de recusa, Diante de tais evidências é possível
acompanhadas, frequentemente, umas e ou- pensar desdobramentos psicopatológicos no
tras, de uma idealização da infância. Oposta, envelhecimento. Aranha (2007) destaca três
qual um baluarte, à tomada de consciência do quadros típicos no atendimento de idosos. O
perigo de aniquilamento evocado pela morte. primeiro destaca os quadros de depressão.
Diante de perdas e da sensação de impotência forma harmoniosa junto a seus entes. Por
em lidar com frustrações e culpas, e ainda, da outro lado, em muitos casos, identifica-se
dificuldade em engajar-se em investimentos que tal convivência apresenta turbulências,
no mundo externo, o idoso deprime. Outro podendo levar a desentendimentos e desgas-
quadro presente é de ansiedade como angús- tes no relacionamento. Isso pode acontecer
tia inconsciente por medo do aniquilamento e por diversos motivos, seja por divergência de
da fragmentação que passa a ser maior do que ideias ou devido à dependência do idoso em
o medo da própria morte. Por fim, os quadros relação a seus íntimos (LEITE et al., 2008).
demenciais associados à deterioração neuro- Em seu processo de envelhecimento,
lógica, mas também a mecanismos psicoló- conforme apontamos anteriormente, a
gicos pouco funcionais que não conseguiram pessoa idosa pode vir sofrer alterações de
criar uma nova subjetividade reorganizadora diversas ordens que favorecem condições
das instâncias envolvidas no envelhecimento de fragilidade, muitas vezes associada a
e perdas vividas. uma doença crônico-degenerativa ou a um
Diante disso, uma senescência psíquica quadro de comorbidade. Tal condição torna
está diretamente relacionada com uma boa o idoso dependente de cuidados de outrem,
adaptação do indivíduo, ou seja, a possibili- podendo expô-lo a situações de risco de vio-
dade de encontrar satisfação de viver apesar lência intrafamiliar, quando seus cuidadores
dos enfrentamentos de perdas ou do estado de forem familiares convivendo em contexto
doença, o que dependerá do funcionamento de relacionamentos disfuncionais (SOUZA
psíquico (NERI, 2001; GAVIÃO, 1996). et al., 2004).
Por sua vez, a senilidade psíquica está rela- O grupo familiar e a comunidade são
cionada não somente com psicopatologias espaços de proteção e inclusão social. Além
presente na velhice, mas, também, àquelas disso, estas estruturas possibilitam a conser-
existentes antes mesmo do início do processo vação dos vínculos relacionais e a inclusão
de envelhecimento. em projetos coletivos, permitindo melhoria
É importante destacar, conforme Neri na qualidade de vida. É no ambiente domés-
(2001, 2001a), que o domínio psicológico tico, na família e no relacionamento com
pode atuar como atenuante e adaptativo vizinhos que as pessoas estabelecem relações
frente às perdas e a depreciação organísmica primárias, as quais constituem a sustentação
presente no processo de envelhecer, depen- para o enfrentamento das dificuldades coti-
dendo exclusivamente da qualidade de seu dianas (LEITE et al, 2008).
funcionamento e manutenção.
É na família que o idoso tem o seu mais
efetivo meio de sustentação e pertencimen-
“A família e seu velho”: to, em que o apoio afetivo e de saúde se faz
Repercussões do Envelhecimento e necessário e pertinente. Quando a família
Relacionamento Familiar está impossibilitada de prestar assistência,
No contexto familiar, muitos são os sen- o idoso fica exposto a situações de morbi-
timentos construídos na convivência entre dade significativa sob vários aspectos tanto
o idoso e seus familiares. O afeto, a ajuda físicos como psíquicos ou sociais (MAZZA;
mútua e a compreensão são aspectos essen- LEFÈVRE, 2005).
ciais que devem existir no relacionamento Um dos efeitos positivos exercidos pela
idoso/família. Assim, o convívio se torna família na saúde dos idosos está relacionado
agradável e os idosos conseguem viver de ao fato de que este suporte tende a reduzir
REFERÊNCIAS