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REFLEXÕES SOBRE O ENVELHECIMENTO HUMANO: ASPECTOS PSICOLÓGICOS E RELACIONAMENTO FAMILIAR

REFLEXÕES SOBRE O ENVELHECIMENTO


HUMANO: ASPECTOS PSICOLÓGICOS
E RELACIONAMENTO FAMILIAR
Reflections on the human aging: psychological aspects and
family relationships

Felipe Biasus1

1
Psicólogo - Mestre em Psicologia – UFSC – Coord. do Curso de Psicologia da URI Erechim. E-mail:
febiasus@yahoo.com.br

Data do recebimento: 06/06/2016 – Data do aceite: 16/09/2016

RESUMO: O envelhecimento humano é um processo caracterizado por


inúmeras transformações, físicas, emocionais e sociais. Este artigo procura
refletir sobre o processo de envelhecimento humano, destacando aspectos
psicológicos e o relacionamento familiar, foi elaborado para a realização
de palestras e debates junto a cursos da área da saúde. Busca problematizar
questões relativas ao envelhecimento, ao cuidado do idoso por familiares e à
difícil decisão de institucionalizar o idoso.
Palavras-chave: Envelhecimento. Aspectos Psicológicos. Relacionamento
familiar.

ABSTRACT: Human aging is a process which is characterized by several


physical, emotional and social changes. The aim of this article is to reflect on
the human aging process, emphasizing the psychological aspects and family
relationships. It was developed to conduct talks and discussions integrated with
healthcare courses . The aim of this study is to discuss issues related to aging,
care for the elderly by families and the difficult decision to institutionalize
the elderly.
Keywords: Aging. Psychological aspects. Family relationships

Introdução javam a longevidade, mirava-se inclusive a


eternidade. Diante do desenvolvimento cien-
Ao longo da história da humanidade bus- tífico e tecnológico, tais práticas sofreram
cou-se uma vida longeva. Elixires, poções, transformações, outras tantas foram criadas
benzeduras e um sem fim de práticas alme- e tem-se conseguido números importantes ao

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se tratar de longevidade. Entretanto, as con- de maneira brusca e ele coincide com o


quistas no âmbito da longevidade não foram agravamento dos problemas sociais e da si-
acompanhadas por condições favoráveis para tuação de grandes estados (BORGES, 2003;
a experiência da longevidade que é a velhice SIQUEIRA; MOI, 2003; ARAÚJO; ALVES,
(NERI, 2001). 2000). Tais situações indicam que embora
Diante desta provocação inicial, este texto tenhamos aumentado a longevidade, devido,
tem como objetivo apresentar algumas ideias fundamentalmente, às conquistas e desenvol-
referentes ao envelhecimento humano, a in- vimentos criados pelo homem nas diferentes
terdependência deste processo e os aspectos ciências, o mesmo não foi acompanhado por
psicológicos e, por fim, delinear algumas condições socioeconômicas e culturais equi-
repercussões do envelhecimento na família valentes e favoráveis para se viver a velhice.
do idoso. Os apontamentos apresentados es- Neri (2001) observa que o envelhecimen-
tarão fundamentados na pesquisa de mestrado to pensado em termos biológicos compreende
do autor, desenvolvida entre 2007 e 2008, uma série de processos que acarretam trans-
em argumentos do tratado de gerontologia, formações do organismo, sobretudo após a
organizado por Papaléo Netto (2007) além maturação sexual, e tais transformações têm
de orientações de pesquisas de conclusão de como consequência a diminuição gradual da
curso de Psicologia e de pós-graduação em probabilidade de sobrevivência. Tais proces-
gerontologia desenvolvidas na URI Erechim. sos são de natureza interacional, iniciam-se
em diferentes épocas e ritmos e acarretam
resultados distintos para as diversas partes e
O Envelhecimento e a Velhice funções do organismo, bem como para cada
indivíduo. Na perspectiva do desenvolvi-
A Pesquisa Nacional por Amostra de mento life-span, o envelhecimento é uma
Domicílio (PNAD-2006) apontou que o experiência heterogênea, isto é, pode ocorrer
número de pessoas com mais de 60 anos de modo diferente para indivíduos e coortes
chegou aos 19 milhões, correspondendo a que vivem em contextos históricos diferentes.
10,2% do total da população. Neste universo, Dessa forma, pode-se dizer que existem dife-
as mulheres correspondem a pouco mais da rentes padrões de envelhecimento, raramente
metade (56%) (Instituto Brasileiro de Geo- observáveis em estado puro. Diante disso,
grafia e Estatística [IBGE], 2007). A região é possível afirmar que o envelhecimento
Sul concentra a segunda maior participação compreende um processo multifatorial e
de idosos de 60 anos ou mais na contagem multifacetado que tem como fim a velhice
nacional, apresentando 10,4% do total de (NERI, 2001a; BALTES, 1987).
idosos. O aumento da expectativa de vida, Conforme Neri (2001a), o termo velhice
somado à diminuição da natalidade, implicou designa a última fase do ciclo vital que é
o aumento na percentagem de população com delimitada por eventos de natureza múltipla,
mais de 65 anos no mundo e, particularmente incluindo, por exemplo, perdas psicomotoras,
no Brasil, modificando a estrutura etária da afastamento social, entre outras mudanças.
população (VALVERDE SILVA et al., 2006; Na medida em que a longevidade se alonga,
ANDRADE, 2003; BORGES, 2003; FREI- a velhice passa a comportar subdivisões que
TAS et al., 2002). atendem a necessidades taxonômicas da ciên­
Diferente do que em países desenvol- cia e da vida social, conforme se observa,
vidos, a sociedade brasileira vivencia o atualmente, as terminologias como velhice
processo de envelhecimento populacional inicial, velhice e velhice avançada.

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A idade que marca o início da fase da queda das funções orgânicas em cerca de
velhice é 60 e 65 anos, para países em desen- 1% ao ano.
volvimento e desenvolvidos respectivamen- Reconhece-se e admite-se o declínio de
te. No Brasil, define-se a idade de 60 anos tais funções, entretanto Queiroz e Netto
(NERI, 2001). Fericgla (1992) observou que (2007) amparados por proposições de Anita
em nossa sociedade, o conceito de velhice Liberalesso Neri afirmam que a velhice pre-
tem relação direta com a idade cronológica. serva possibilidades de ganho. Esta consta-
Moreira (1996), afirma ainda que a idade cro- tação, em uma série de pesquisas empíricas,
nológica deixa suas marcas, mas a sociedade valida a proposta teórica do desenvolvimento
também exerce pressão sobre as pessoas e, life-spam (BALTES, 1987). Estes ganhos
mais do que isso, cada meio social tem sua estão relacionados, sobretudo, no domínio
própria definição de envelhecimento e velhi- afetivo, o qual pode atuar de forma com-
ce. Esta pressão é responsável, entre outras pensatória e bem-sucedida em limitações,
coisas, por marcar a forma de perceber ou não por exemplo, de domínios cognitivos (perda
o ser humano que envelheceu. Neste sentido, de memória) e até físicos (perda do tônus
se o idoso se mantém ativo, provavelmente muscular e velocidade) presentes em idosos.
“não aparece” para o mundo, ou seja, a so- Na definição do envelhecimento é cor-
ciedade não percebe este idoso como tal, uma rente a ideia de padrões de envelhecimento
vez que mantém seu padrão ativo da adultez. (bem-sucedido e o usual ou comum). Para
Entretanto, se este idoso for inativo, ou velho, compreendê-los é fundamental conhecer o
como aponta o estudo de Biasus, Demantova significado de senescência e de senilidade. A
e Camargo (2011), torna-se sem serventia, senescência refere-se às transformações nor-
sem valor e passa a ser considerado um peso mais do organismo que vivencia o processo
para família e até para a sociedade. de envelhecimento. Já a senilidade decorre
Vivenciar a velhice é conviver com modi- de processos mórbidos que acometem o
ficações corporais ocorridas no processo de organismo ao longo do processo de envelhe-
envelhecer como: o aparecimento de rugas, os cimento. Embora fique clara a distinção que
cabelos brancos, a diminuição da elasticidade propomos aqui, nem sempre ela é no desen-
da pele, a perda dos dentes, as modificações volvimento de estudos com seres humanos
no esqueleto que por sua vez implicam pro- velhos. Muitos achados de pesquisas relati-
blemas musculares e encurtamento postural, vas ao processo de envelhecimento referem
os problemas de circulação, a desaceleração modificações e às associam a este processo
do metabolismo e dos impulsos nervosos normal presente na senescência, entretanto,
que alteram os sentidos do velho; enfim, as desconhecem que algumas das mudanças
modificações físicas e fisiológicas do enve- relatadas são relativas à presença de doenças
lhecimento (BEAUVOIR, 1990; BEE, 1997; no processo de envelhecer e não inerentes
BORTOLANZA; KRAHL; BIASUS, 2005; ao processo propriamente dito (QUEIROZ;
ZIMERMAN, 2000). Os resultados dessas NETTO, 2007).
modificações corporais podem influenciar Segundo Queiroz e Netto (2007), estabe-
a imagem corporal, a qual exerce influência lecer um diagnóstico de velhice bem-sucedi-
sobre o interesse sexual, principalmente nas da, embora se evidenciem fatores biológicos,
mulheres que percebem as modificações tal diagnóstico extrapola os limites biológicos
(cabelos brancos, rugas) como perda da femi- e destaca aspectos psicológicos, sociais e a
nilidade (KINGSBERG, 2000). Considera-se relação entre estes diferentes fatores. Uma
que a partir dos trinta anos de idade exista velhice bem-sucedida, entre nós, é rara uma

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vez que este conceito marca um organismo Destarte, falar da psicologia do velho é
que envelheceu, não apresenta doenças crôni- falar da proximidade da finitude e da angús-
cas e ainda apresenta estilo de vida saudável, tia que tal fato gera para o sujeito psíquico.
com atividade física, cuidados alimentares e Tem-se que a superação desta angústia estará
controle em ingestão de álcool e outras dro- diretamente relacionada com os recursos
gas como tabaco. Ou seja, é um idoso que se desenvolvidos para elaboração de perdas
apresenta saudável, ainda que com redução e lutos ocorridos ao longo da vida e que
nas suas funções organísmicas, e com um aumentam com o passar do tempo de vida.
bom controle dos fatores extrínsecos que Desta forma, pode-se afirmar que a maior ou
podem modificar negativamente o processo menor capacidade para lidar com situações
de envelhecer.Contudo, por diversos fatores difíceis dependerá do grau de maturidade,
(sociais, econômicos, culturais) é pequeno o autoestima, tolerância à frustração e da ca-
número de idosos que pode ser considerado pacidade de envolver-se e investir em objetos
saudável e com uma velhice bem-sucedida, substitutivos. Caso essa maturidade não tenha
entre nós, é predominante o envelhecimen- ocorrido, o idoso terá mais chances de apre-
to comum, o qual implicam alterações do sentar um psiquismo disfuncional na tentativa
envelhecimento primário (declínio, perdas) de solucionar os conflitos emocionais.
associado às alterações provocadas por fa- Gavião (1996) destaca que ao longo do
tores extrínsecos. processo de envelhecimento, o aparelho psí­
quico, também, sofre um processo de dimi-
Aspectos Psicológicos do/no nuição de suas capacidades o qual pode ser
Envelhecimento traduzido em uma fragilização do ego devido
às pressões da realidade; há um afrouxamento
Neurologicamente, o processo de envelhe- do superego, pelas experiências acumuladas
cimento concentra-se na redução da rede neu- durante a vida e pela proximidade da morte
ronal e dendrítica, o que implica alterações e ocorre uma reemergência de demandas do
nos tempos de reação, raciocínio, agilidade id, havendo flexibilidade de valores morais.
e mobilidade do idoso (ARANHA, 2007). A involução do aparelho psíquico produz
Ou seja, nada diferente das perdas de outros efeitos na maneira de ver o mundo e viver no
órgãos que compõe o organismo humano mundo, de modo que se tornam comuns as
que envelhece. Este mesmo autor propõe que queixas psíquicas a respeito do próprio corpo,
pensar na psicologia do velho, ou seja, seu denunciando uma inter-relação dos proble-
funcionamento psíquico é analisar um con- mas físicos e emocionais. Da mesma forma,
junto de traços e mecanismos que intervêm a perda de uma identidade corporal, uma
habitualmente no envelhecimento: tendência vez que o corpo deixa de ser fonte de prazer
a desinteressar-se pelo mundo e pelos outros; e passa a ser depositário de dor, justifica o
tendência ao recolhimento narcísico; perda descaso com a higiene e pouca adesão a tra-
das capacidades de sublimação; repressão tamentos e prescrições. Afinal, por que cuidar
para etapas pré-genitais do desenvolvimento; de um corpo que é feio e dói? Uma pergunta
tendência ao ciúme, ligado à frustração. Ou, corrente dos idosos “mal-envelhecidos”.
ao contrário: atitudes maníacas ou de recusa, Diante de tais evidências é possível
acompanhadas, frequentemente, umas e ou- pensar desdobramentos psicopatológicos no
tras, de uma idealização da infância. Oposta, envelhecimento. Aranha (2007) destaca três
qual um baluarte, à tomada de consciência do quadros típicos no atendimento de idosos. O
perigo de aniquilamento evocado pela morte. primeiro destaca os quadros de depressão.

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Diante de perdas e da sensação de impotência forma harmoniosa junto a seus entes. Por
em lidar com frustrações e culpas, e ainda, da outro lado, em muitos casos, identifica-se
dificuldade em engajar-se em investimentos que tal convivência apresenta turbulências,
no mundo externo, o idoso deprime. Outro podendo levar a desentendimentos e desgas-
quadro presente é de ansiedade como angús- tes no relacionamento. Isso pode acontecer
tia inconsciente por medo do aniquilamento e por diversos motivos, seja por divergência de
da fragmentação que passa a ser maior do que ideias ou devido à dependência do idoso em
o medo da própria morte. Por fim, os quadros relação a seus íntimos (LEITE et al., 2008).
demenciais associados à deterioração neuro- Em seu processo de envelhecimento,
lógica, mas também a mecanismos psicoló- conforme apontamos anteriormente, a
gicos pouco funcionais que não conseguiram pessoa idosa pode vir sofrer alterações de
criar uma nova subjetividade reorganizadora diversas ordens que favorecem condições
das instâncias envolvidas no envelhecimento de fragilidade, muitas vezes associada a
e perdas vividas. uma doença crônico-degenerativa ou a um
Diante disso, uma senescência psíquica quadro de comorbidade. Tal condição torna
está diretamente relacionada com uma boa o idoso dependente de cuidados de outrem,
adaptação do indivíduo, ou seja, a possibili- podendo expô-lo a situações de risco de vio-
dade de encontrar satisfação de viver apesar lência intrafamiliar, quando seus cuidadores
dos enfrentamentos de perdas ou do estado de forem familiares convivendo em contexto
doença, o que dependerá do funcionamento de relacionamentos disfuncionais (SOUZA
psíquico (NERI, 2001; GAVIÃO, 1996). et al., 2004).
Por sua vez, a senilidade psíquica está rela- O grupo familiar e a comunidade são
cionada não somente com psicopatologias espaços de proteção e inclusão social. Além
presente na velhice, mas, também, àquelas disso, estas estruturas possibilitam a conser-
existentes antes mesmo do início do processo vação dos vínculos relacionais e a inclusão
de envelhecimento. em projetos coletivos, permitindo melhoria
É importante destacar, conforme Neri na qualidade de vida. É no ambiente domés-
(2001, 2001a), que o domínio psicológico tico, na família e no relacionamento com
pode atuar como atenuante e adaptativo vizinhos que as pessoas estabelecem relações
frente às perdas e a depreciação organísmica primárias, as quais constituem a sustentação
presente no processo de envelhecer, depen- para o enfrentamento das dificuldades coti-
dendo exclusivamente da qualidade de seu dianas (LEITE et al, 2008).
funcionamento e manutenção.
É na família que o idoso tem o seu mais
efetivo meio de sustentação e pertencimen-
“A família e seu velho”: to, em que o apoio afetivo e de saúde se faz
Repercussões do Envelhecimento e necessário e pertinente. Quando a família
Relacionamento Familiar está impossibilitada de prestar assistência,
No contexto familiar, muitos são os sen- o idoso fica exposto a situações de morbi-
timentos construídos na convivência entre dade significativa sob vários aspectos tanto
o idoso e seus familiares. O afeto, a ajuda físicos como psíquicos ou sociais (MAZZA;
mútua e a compreensão são aspectos essen- LEFÈVRE, 2005).
ciais que devem existir no relacionamento Um dos efeitos positivos exercidos pela
idoso/família. Assim, o convívio se torna família na saúde dos idosos está relacionado
agradável e os idosos conseguem viver de ao fato de que este suporte tende a reduzir

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os efeitos negativos do estresse na saúde ente querido implica necessariamente entrar


mental. Isso na medida em que a ajuda dada em contato com a finitude, não somente da-
ou recebida contribui para aumento de um quele, mas com a própria finitude. Dito isso
sentido de controle pessoal, tendo uma in- se pode entender que, em muitas relações
fluência positiva no bem-estar psicológico sociais inclusive familiares, o isolamento
(RAMOS, 2002). O mesmo autor destaca do idoso não cumpre apenas uma “função
efeito negativo do suporte social na saúde, é social” de exclusão, mas, também a oculta-
a falta de autoestima que acontece devido ao ção da possibilidade da própria finitude do
reconhecimento por parte das pessoas idosas, sujeito que exclui. E fica a pergunta, quem
de sua dependência e causa percepção de deve cuidar dos velhos? Como compatibilizar
uma falta de autonomia e inabilidade para a individualidade e a reciprocidade familiar?
retribuir ajudas recebidas. Isto pode levar a Embora sejam perguntas estranhas às
insatisfação, estresse e depressão da pessoa quais nem sempre se pensa, são fundamentais
idosa. Normalmente essa depressão está, para refletir a relação familiar do idoso e os
também, associada com um sentimento de cuidados com ele. Lopes e Calderoni (2007)
ser uma carga para aquelas pessoas a quem destacam que o envelhecimento dos pais afeta
ela ama (RAMOS, 2002). Morosini e Biasus a estrutura psicológica dos demais elementos
(2013) destacam que um bom relacionamento familiares, sobretudo quando da necessidade
familiar é sinônimo de sentimento de cuida- de cuidados do idoso, uma vez que ocorre
do, apoio e convívio familiar. O contrário está uma inversão de papéis. De cuidadores que
relacionado à ausência, solidão e carência. os pais eram passam a serem cuidados por
Um estudo realizado no Paraná por Mag- seus filhos.
nabosco-Martins, Camargo e Biasus (2009) Além do desafio psicológico ao filho
com objetivo de compreender a representa- cuidador, oriundo do contato com as repre-
ção social de velhice e idoso, indicou que sentações mentais e emocionais que o enve-
as relações familiares anteriores à velhice, lhecimento desperta, esta relação e situação,
servem como indicadores das relações nesta em geral, acontece num momento de vida – a
fase. Souza Santos e Belo (2000) também meia idade – em que os próprios indivíduos
identificaram a importância da família no estão sobrecarregados de responsabilidades
processo de envelhecimento e na velhice, com seus trabalhos, filhos e também com seus
entretanto os idosos do meio rural indicam pais envelhecidos. Tal situação gera confli-
uma importância maior que os idosos do meio tos, ambivalências e insegurança, fazendo
urbano, isto porque os primeiros mantêm seus com que toda a família sofra o impacto do
papéis familiares, enquanto os outros sofrem envelhecimento.
uma mudança em seus papéis. Lopes e Calderoni (2007, p. 227), desta-
Até aqui se pode perceber que a família, cam alguns sinais de alerta que apontam para
como em todas as outras fases do ciclo vital, a vivência de sofrimento diante da velhice de
é fundamental para uma experiência de vida seus membros. Entre os indicadores estão:
satisfatória, desde que a relação familiar seja • Idosos tornam-se bodes expiatórios;
positiva. Destacaram-se na seção anterior os
• Um filho sobrecarrega-se e assume
aspectos psicológicos do idoso e na oportuni-
todos os cuidados com pais e abre mão
dade apontou-se para um estado de negação
da própria vida;
do processo de envelhecimento. Retomando
o que foi descrito antes pode-se dizer que • Um pai velho assume responsabilidades
vivenciar o processo de envelhecer de um desmedidas que caberia o filho assumir;

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• Formação de alianças doentias entre a ideia de isolamento e depósito do idoso em


membros da família diante da neces- asilos. Entretanto, com o envelhecimento po-
sidade de resolução de um problema; pulacional, parece cada vez mais importante
• Filhos de meia idade vivendo uma re- refletir sobre a possibilidade de instituciona-
lação de simbiose com seus pais idosos lizar os cuidados sem a institucionalização do
ou vice-versa; idoso, de modo a garantir uma experiência de
• Diante da necessidade de cuidado um velhice satisfatória e com a melhor qualidade
membro da família recebe agressões possível, mesmo em situações e envelheci-
e é alvo de distanciamento afetivo dos mento normal e inclusive nas situações em
demais; que o envelhecimento foi marcado por um
• Avós e pais disputam o amor de uma processo patológico.
criança neto/filho, ou autoridade sobre
ela.
Considerações Finais
Apontou-se, anteriormente, para a im-
portância do domínio psicológico do idoso Com vistas ao fechamento deste trabalho,
no processo de envelhecimento. Preservar é importante demarcar a sua origem. Ele sur-
a saúde mental do idoso significa, além de ge na tentativa de sistematizar alguns pontos
aumentar as chances de uma velhice satisfa- chave do processo de envelhecimento, dos
tória, garantir a satisfação de necessidades aspectos psicológicos e da relação do idoso
pessoais e sociais o que repercutirá inclusive com sua família para uma aula a acadêmi-
nas relações familiares. Percebe-se que, em cos da área da saúde, mais precisamente
muitos casos, a família não está preparada aos cursos de nutrição e odontologia. Dada
para perceber e lidar com tantas transforma- condição limitada do tempo para a discussão
ções que ocorrem com a pessoa que envelhe- acadêmica na situação de aula, pareceu fun-
ce e, mesmo querendo ajudar, não consegue damental traçar algumas ideias para pautar a
se posicionar adequadamente. argumentação que foi apresentada.
A família precisa preparar-se para ver Para tanto buscou-se levantar alguns as-
seu idoso como uma pessoa que tem desejos pectos do processo de envelhecer a que todos
próprios e planos para o futuro. Às vezes, estão submetidos tentando traçar desdobra-
querendo proteger o ente querido restringem mentos deste na fase da velhice, nas carac-
sua autonomia e, como consequência, seus terísticas psicológicas mais gerais presentes
sonhos. Este “excesso de zelo” pode gerar o no idoso e nas repercussões deste processo
que Neri (2001) aponta como dependência na relação familiar e na própria família do
aprendida, ou seja, mesmo com possibili- idoso. Não foi foco pensar o papel do profis-
dades de vivenciar e enfrentar a velhice, é sional da saúde, tema que merece atenção da
tolhida esta realidade em nome de um cuida- academia na formação das diferentes áreas do
do excessivo dos filhos para com seus pais, conhecimento que possuem relação direta ou
gerando uma dependência que naturalmente indireta com a pessoa que envelheceu.
não estava estabelecida. Pode-se perceber que refletir sobre a
Outro ponto importante a ser refletido velhice é necessariamente pensar eventos
refere-se à possibilidade de institucionalizar complexos. Evidenciou-se um processo
os cuidados com o idoso. Em nosso meio, marcado por transformações em diversos
ainda é um grande tabu a criação de espaços domínios sejam biológicos, psicológicos,
destinados ao cuidado do idoso, por remeter sociais ou culturais, e mais do que isso, é

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afirmar a impossibilidade de destacar qual um olhar multidisciplinar e tal reflexão é


deles possui maior importância, haja vista fundamental dada a mudança na estrutura
sua interdependência. etária de nosso país. Neste movimento de
Aponta-se com as reflexões trazidas para reflexão construir estratégias que visem
uma vivência positiva do envelhecimento desenvolver condições favoráveis para uma
como algo possível, onde aspectos psicoló- velhice bem-sucedida mostra-se como tarefa
gicos ganham força no enfrentamento das bastante relevante. Da mesma forma, cons-
dificuldades e perdas oriundas do processo de truir estratégias para melhorar as condições e
envelhecer, assim como o aumento do con- a qualidade daqueles idosos que experimen-
trole de fatores externos ao envelhecimento tam um envelhecimento patológico parece
também guardam sua importância. fundamental.
Por fim, pode-se afirmar como condição
para pensar o envelhecimento e a velhice

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