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Produção de Textos
Professora conteudista: Ana Lúcia Machado da Silva
Sumário
Interpretação e Produção de Textos
Unidade I
1 IMPORTÂNCIA DA LEITURA COMO FONTE DE CONHECIMENTO E
PARTICIPAÇÃO NA SOCIEDADE ........................................................................................................................1
1.1 Leitura como experiência pessoal ...................................................................................................2
1.1.1 Como lemos .................................................................................................................................................7
1.2 Estratégias de leitura .......................................................................................................................... 12
1.3 Leitura como aspecto social ............................................................................................................ 25
1.4 Leitura na formação profissional ................................................................................................... 26
1.5 Leitura de texto literário.................................................................................................................... 30
2 AS DIFERENTES LINGUAGENS .................................................................................................................... 31
2.1 Linguagem verbal e linguagem não verbal ............................................................................... 33
2.2 Linguagem formal e informal ......................................................................................................... 35
3 NOÇÕES DE TEXTO: UNIDADE DE SENTIDO .......................................................................................... 37
3.1 Da organização discursivo-textual................................................................................................ 41
3.1.1 Texto descritivo ........................................................................................................................................ 42
3.1.2 Texto narrativo ......................................................................................................................................... 46
3.1.3 Texto argumentativo ............................................................................................................................. 50
3.1.4 Texto expositivo ....................................................................................................................................... 70
3.1.5 Texto opinativo ........................................................................................................................................ 71
3.1.6 Texto injuntivo ......................................................................................................................................... 78
4 TEXTOS ORAIS E TEXTOS ESCRITOS .......................................................................................................... 83
4.1 Retextualização ................................................................................................................................... 90
Unidade II
5 ESTILOS E GÊNEROS DISCURSIVOS .......................................................................................................... 96
5.1 Gêneros textuais virtuais ................................................................................................................100
6 SUPORTE DE GÊNEROS TEXTUAIS...........................................................................................................103
6.1 Suporte convencional.......................................................................................................................105
6.2 Suporte incidental .............................................................................................................................106
7 QUALIDADES DO TEXTO ..............................................................................................................................107
7.1 Fatores externos do texto .............................................................................................................. 107
7.1.1 Intencionalidade ...................................................................................................................................108
7.1.2 Aceitabilidade .........................................................................................................................................108
7.1.3 Situacionalidade....................................................................................................................................109
7.1.4 Informatividade .....................................................................................................................................109
7.1.5 Intertextualidade .................................................................................................................................. 110
7.2 Fatores internos do texto ............................................................................................................... 116
7.2.1 Coesão e coerência .............................................................................................................................. 116
8 ESCRITA E PRODUÇÃO CRIATIVA E ACADÊMICA ..............................................................................131
8.1 As escritas ..............................................................................................................................................131
8.2 As escritas no tempo ........................................................................................................................134
8.3 Produção criativa ...............................................................................................................................139
8.4 Produção acadêmica .......................................................................................................................148
8.4.1 Resumo .................................................................................................................................................... 148
8.4.2 Artigo científico.................................................................................................................................... 149
8.5 Dicas para produção de texto informativo ..............................................................................151
8.6 Complemento gramatical ...............................................................................................................154
8.6.1 Dicas de regras gramaticais ............................................................................................................. 160
8.6.2 Reforma ortográfica ........................................................................................................................... 166
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
Unidade I
APRESENTAÇÃO
Caro aluno,
Quanto aos objetivos específicos, estes têm o propósito de levá-lo a valorizar a leitura como fonte
de conhecimento e prazer; aprimorar as habilidades de percepção das linguagens envolvidas na leitura;
ler e analisar diversos estilos e gêneros discursivos com senso crítico; identificar as ideias centrais do
texto; ampliar seu vocabulário ativo; expressar-se com coerência, concisão e clareza, visando à eficácia
da comunicação.
Interpretação e Produção de Textos é uma disciplina que abrange o básico do uso da língua: a leitura
e a produção. O tempo todo nós usamos a língua portuguesa, ou seja, o tempo todo falamos, ouvimos,
lemos e escrevemos, e, quando praticamos essas ações, estamos, na verdade, interpretando e produzindo
textos.
À nossa volta está cheio de textos: conversações entre os familiares, os colegas, as crianças, em
casa, no local de trabalho, nas ruas; recados, MSN, torpedo, twitter; informações em outdoors, placas,
embalagens; notícias televisivas, novelas, filmes; pesquisas em jornais, livros, sites.
como sobreviver neste mundo sem que tenhamos de adaptar-nos constantemente às novas e diferentes
linguagens disponíveis.
Saiba mais
A palavra signo é usada em vários contextos. O mais trivial, poderíamos dizer assim, é o
astrológico. No contexto dos estudos da língua, signo quer dizer unidade significativa de qualquer
língua, dotada de duas faces: significante (imagem acústica) e significado (conceito). Daí que toda
e qualquer palavra da nossa língua é um signo.
Entretanto, da leitura também fazem parte textos que não usam a língua. Podemos ler um olhar, um
gesto, um sorriso, um mapa, uma obra de arte, pegadas na areia, nuvens carregadas no céu, sinais de
fumaça avistados ao longe e tantos outros. Lemos até mesmo o silêncio!
A leitura sensorial é um dos níveis de leitura e tem como base os cinco sentidos: tato, paladar,
audição, olfato e visão.
É fundamental reconhecer que o sentido de todas as coisas chega até nós, principalmente, por
meio do olhar, da compreensão e da interpretação dos múltiplos signos que enxergamos, desde os mais
corriqueiros – nomes de ruas, por exemplo – até os mais complexos – como é o caso de uma poesia
repleta de metáforas. O sentido das coisas, portanto, vem até nós por meio da leitura, um ato individual
de construção de significado num contexto que se configura mediante a interação autor/texto/leitor.
A leitura é uma atividade que solicita intensa participação do leitor e exige muito mais que
o simples conhecimento linguístico compartilhado pelos interlocutores (autor e leitor): o leitor é,
necessariamente, levado a mobilizar uma série de estratégias, tanto de ordem linguística quanto de
ordem cognitivo-discursiva, com a finalidade de levantar hipóteses, validar ou não essas hipóteses,
preencher as lacunas que o texto possa apresentar, enfim, participar de forma ativa da construção do
sentido do texto. Dessa forma, autor e leitor devem ser vistos como “estrategistas” na interação por
meio da linguagem. É nesse intercâmbio de leituras que se refinam, se reajustam e redimensionam
hipóteses de significado, ampliando constantemente a nossa compreensão dos outros, do mundo e
de nós mesmos.
O exercício pleno da cidadania passa, necessariamente, pela garantia de acesso aos conhecimentos
construídos e acumulados e às informações disponíveis socialmente. E a leitura é a chave dessa
conquista.
A leitura perpassa nossa vida. Ela começa quando nascemos, quando passamos a distinguir luz e
movimento. Como os olhos são os instrumentos da visão, é através deles que formamos uma memória
visual. As células nervosas dos olhos são sensíveis à luz; elas captam imagens e transmitem a informação
para o cérebro, através do nervo óptico, e no cérebro as imagens são decodificadas.
2
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
Ao nascer, reagimos instintivamente ao toque e agarramos qualquer objeto colocado em nossa mão.
Também reagimos com prazer ao calor, à maciez e à pressão suave. Além da leitura tátil, desde tenra
idade igualmente fazemos a leitura gustativa, afinal, as papilas gustativas que temos na boca identificam
diferentes sabores. A língua tem áreas específicas para cada tipo de sabor: amargo na parte posterior,
azedo nos lados, salgado no meio e doce na ponta. Sabores ácidos, amargos ou azedos provocam caretas
nos bebês, enquanto uma mamadeira com leite adocicado os leva a sugar com mais vontade.
Quer leitura mais importante do que distinguir e reagir ao cheiro da mãe? Por meio da sensibilidade
do olfato associamos o cheirinho da mamãe à fonte de conforto, prazer e alimento. No entanto, dela
reconhecemos não apenas o cheiro, mas também a voz.
Dica: Já assistiu ao excelente filme Os cinco sentidos? Trata-se de uma história sobre pessoas em
busca de relações humanas. Todas elas, de alguma forma, perderam um dos sentidos. Em comum,
só têm o fato de morarem no mesmo prédio. Uma história sensível sobre pessoas normais, com
qualidades e defeitos, e suas relações com o mundo.
Retomando a leitura visual, agora vamos fazer uma experiência. Quer experimentar? Que livro você
escolheria para ler, tendo por único critério o desing da capa?
A escolha feita por você é o resultado da leitura visual. A capa que agradou mais sua sensibilidade
visual foi escolhida por você.
Todos temos experiência leitora, afinal, lemos o tempo todo, no trabalho, em casa, na rua, mas não
temos consciência disso. Proponho, então, uma pausa para pensarmos um pouco sobre nossa história
de leitura.
Além dos sentidos, sentimentos e emoções são fatores que colaboram com nossas leituras e marcam
gostosas ou desastrosas experiências. Espero que você não tenha nenhum relato sobre leitura, vivido na
infância ou na adolescência, tão sofrido ou humilhante quanto o da personagem do conto Felicidade
clandestina, da grande escritora Clarice Lispector.
3
Unidade I
Felicidade clandestina
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um
busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia
os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança
devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho
barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de
paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás
escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia” e “saudade”.
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com
barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas,
esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo.
Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a
implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como
casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Era um
livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E,
completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte
e que ela o emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança de alegria: eu não vivia, nadava
devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como
eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que
havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo.
Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava
na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa
vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais
tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como
sempre e não caí nenhuma vez.
Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono da livraria era tranquilo
e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração
batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse
no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte”
com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o
4
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera
para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem
quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois
o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei
a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus
olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua
recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela
menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa,
entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o
fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com
enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta
horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua
filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi
então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o
livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser.” Entendem?
Valia mais do que me dar o livro: “pelo tempo que eu quisesse” é tudo o que uma pessoa,
grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho
que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem
devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito.
Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente,
meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de
o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela
casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o
livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela
coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre ia ser clandestina para mim. Parece
que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era
uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em
êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.1
1
Clarice Lispector. Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998
5
Unidade I
Gostou do texto? Esse conto suscitou lembranças de suas (des) aventuras no mundo da leitura?
Lembra-se se ouvia ou lia contos de fada na infância? Recorda-se dos textos obrigatórios na
escola? Você tinha (ou tem) aquele avô que contava os causos do interior de pessoas que juravam
ver assombrações? Sua adolescência foi marcada por leitura apaixonante? Um único tipo de texto
ou autor?
romances Bíblia
e-mail outros
Sua leitura pode ser frequente em relação ao lado prático da vida, restringindo-se, por exemplo,
a e-mails. Ou você lê bastante por prazer, estendendo sua leitura a textos de ficção ou histórias em
quadrinhos? Talvez você seja aquele leitor sempre “antenado” nos acontecimentos relevantes do país e
do mundo e, por exemplo, leia habitualmente revistas semanais de notícias.
Você também deve ler para o curso de graduação e poder ser que faça algum outro curso, de inglês,
informática etc. Considerando suas leituras em curso e observando a relação descrita logo abaixo, qual
ou quais opções você assinala e por que é ou são suas leituras regulares?
Enfim, o leitor é seduzido pela leitura, desconsiderando-se neste processo qualquer artifício que
possa torná-la uma obrigação. Antes de ser apreendido, um texto escrito, um livro, um gibi é um objeto,
tem forma, cor, textura.
Tradicionalmente, em situação de ensino, nós lemos para aprender a ler, para buscar uma resposta etc.,
enquanto no cotidiano a leitura é regida por outros objetivos, que conformam nosso comportamento de
leitor e nossa atitude frente ao texto. No dia a dia, nós lemos para agir (ao ler uma placa), ou para sentir
prazer (ao ler um gibi ou um romance), ou para nos informarmos (ao ler uma notícia de jornal). Essas
leituras, guiadas por diferentes objetivos, produzem efeitos diferentes, que modificam nossa experiência
de leitor diante do texto.
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INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
Caro aluno, você tem consciência de como lê? Abaixo, encontrará duas palavras enquadradas. Leia-
as em voz alta e de forma rápida.
PLANTAR
CISALHAMENTO
Com certeza você fez um reconhecimento instantâneo ao ler a primeira palavra, como se ela
saltasse da folha para os seus olhos. No entanto, ao ler a segunda, provavelmente o fez mais devagar,
talvez leu sílaba por sílaba, com exceção do final “mento”, que você reconheceu e leu de um só golpe,
globalmente.
Temos, assim, dois modos de ler. Um deles é a leitura global, durante a qual o leitor lê palavra por
palavra, reconhecendo-as instantaneamente. Caso não haja esse reconhecimento, o leitor usa outro
modo, que é o de análise e síntese: letra por letra ou sílaba por sílaba na leitura de palavra, ou de palavra
por palavra na leitura de frases (Kato, 1985).
A leitura global ocorre sempre que o leitor se depara com palavras conhecidas, familiares,
na maioria das vezes usadas no cotidiano. A leitura de análise e síntese significa detalhar a
palavra ou em letra ou em sílaba e depois relê-la de uma vez. Mesmo aquele leitor acostumado
a ler sempre e diversos textos, conhecedor do assunto lido, muitas vezes se depara com palavras
desconhecidas.
Uma pessoa que está sendo alfabetizada, ou tem muita dificuldade para ler, tem um processo sofrível
de leitura de palavras simples como plantar: “p... pa... pan... plan... plant..., planta..., plantar”. No caso
aqui exemplificado, a pessoa lê letra por letra para formar sílaba. Quando ela chega à última letra, nem
lembra mais das primeiras (letras).
A leitura relaciona-se à memória. Se a pessoa demora muito para ler uma palavra, se o seu processo
é analítico (letra por letra), a memória não retém as primeiras letras. É a leitura decodificada, na qual o
leitor não terá a compreensão do que leu, não conseguirá dar sentido à palavra.
Durante a leitura, a nossa memória é ativada. Nós temos a memória de curto prazo e a memória de
longo prazo.
7
Unidade I
A memória de curto prazo funciona para reter, em breve instante, um passado imediato. Smith
(1999) nos dá um exemplo: você acabou de procurar um novo número na lista telefônica e tenta discá-
lo sem consultar a lista uma segunda vez. Você conseguirá se lembrar dos oito dígitos se alguém, nesse
momento, perguntar as horas? Os dígitos desaparecerão de sua mente. A memória de curto prazo, em
resumo, tem um limite para o que é capaz de reter e um limite de tempo durante o qual seu conteúdo
pode ser retido.
A memória de curto prazo tem capacidade para guardar de seis a sete itens (sejam sete dígitos de
telefone, sete palavras ou ideias) e somente pelo tempo que dermos atenção a eles. No momento em
que voltamos a atenção, ou mesmo parte da atenção, para outra coisa, algo se perde. Inversamente,
enquanto damos atenção ao que está na nossa memória de curto prazo, não podemos prestar atenção
em mais nada.
Assim, quando uma pessoa consegue identificar somente quatro, cinco letras na leitura, sua memória
de curto prazo ficará ocupada com essas letras e ela não compreenderá a palavra. Quando a pessoa
chegar ao ante, já terá esquecido as letras anteriores elef.
• primeiro, a pessoa precisa ler mais rapidamente. Aumentar a velocidade na leitura das palavras.
Testes:
1. Você sabe quantas palavras lê em um minuto? Cronometre um minuto. Durante esse tempo, leia o
texto a seguir em voz alta. A leitura deve durar apenas um minuto. Depois de completar esse período de
leitura, conte quantas palavras foram lidas. Por exemplo, no enunciado “O espanhol é falado na Espanha
e em mais 43 países. Nos Estados Unidos é uma das línguas estrangeiras mais faladas.” temos mais de
vinte palavras, sendo elas: o, espanhol, é, falado, na, Espanha, e, em, mais... O texto que você lerá fala
sobre o Museu da Língua Portuguesa, localizado na cidade de São Paulo. Leia-o no seu ritmo.
No segundo andar, uma galeria exibe uma tela de 106 metros com projeções simultâneas
de filmes sobre o uso cotidiano do português. Totens – esta seção leva o nome de Palavras
Cruzadas – explicam as várias influências de outros povos e línguas na formação do idioma.
Uma linha do tempo, que mostra a história do idioma, e uma sala (Beco das Palavras) com
jogo eletrônico didático sobre a origem e o significado das palavras encantam pelos recursos
8
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
interativos. Completa esse andar uma exposição de painéis que mostram a história do prédio
que abriga o museu e a Estação da Luz.
Por fim, o primeiro andar possui um espaço para mostras temporárias. A inauguração
homenageou Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Já houve também exposições sobre
Clarice Lispector e Gilberto Freyre.
Os elevadores do museu também compõem o espaço expositivo, pois têm vista panorâmica
para a Árvore da Palavra, uma escultura de 16 metros, criada pelo artista Rafic Farah, e ainda
oferecem áudio que repete um mantra composto por Arnaldo Antunes
Para saber a quantas anda sua memória em relação aos acontecimentos de sua vida, faça este
teste. Para cada um dos substantivos da lista abaixo você deve anotar a primeira lembrança
concreta que lhe ocorrer e se esforçar ao máximo para recordar a data (se estudava, se
trabalhava, onde morava, ambiente frequentado). A lembrança deve ser de uma situação real,
corriqueira ou especial, e não uma associação simples de palavras. Caso você se lembre de
duas situações diferentes ao mesmo tempo, escolha a que lhe parece mais clara.
Por exemplo: pão. Minha avó fez pão quando voltei de férias. Mais ou menos em fevereiro de
1989 (ou há dez anos, há dois meses, há três dias...)
floresta tigela
vinho ouro
pó hospital
beijo cadeira
tempestade milho
biblioteca cidade
Separe suas respostas em dois grupos, o primeiro com eventos acontecidos nos últimos cinco
anos e o segundo com lembranças ocorridas há mais de cinco anos.2
1. Se você leu 100 palavras ou mais, você tem boa velocidade na leitura. Se leu menos de 100,
recomendo que volte ao texto e releia o trecho até completar um 1 minuto. Você verá que a cada
leitura as palavras ficam mais familiares e ela ocorre de forma mais veloz. Quanto mais velocidade, mais
condição de compreensão de leitura.
2
Revista Galileu, set., 5.
9
Unidade I
Se a maioria dos acontecimentos ocorreu nos últimos cinco anos, é provável que você tenha
menos de 40 anos de idade. Nessa faixa, o padrão de memória relaciona-se ao fenômeno
“efeito de novidade”. As lembranças que você colocou como memórias são informações retidas
pelo seu cérebro e podem simplesmente desaparecer em dias ou meses.
Se a maioria dos fatos tem mais de cinco anos, é provável que elas tenham ocorrido
entre seus 10 e 20 anos de idade, devido ao “efeito de reminiscência”. Esse período é
o mais marcante da vida das pessoas, e são desse intervalo as memórias mais claras a
partir dos 40 anos. São, de fato, memórias, constituídas e estabelecidas, e dificilmente
serão esquecidas.
A memória de longo prazo “é tudo o que nós sabemos sobre o mundo”, como bem resume o
especialista em leitura Smith (1999, p. 45). Essa memória é definida por sua grande capacidade de
duração. O leitor ativa seus conhecimentos guardados e organizados na memória quando lê e essa
ativação o ajuda a entender o texto.
• de língua: fonológico, morfológico e sintático. O leitor, por exemplo, já tem na memória de longo
prazo a memorização de determinada palavra, reconhece-a quando a lê, sabe o significado dela.
• de texto. O leitor tem na sua memória a estrutura, por exemplo, de texto narrativo. Quando tem
em mãos um conto, um romance, o leitor sabe identificar que o texto é uma história e não um texto
opinativo.
• de mundo. O leitor ativa seus conhecimentos de seu mundo social, cultural etc. e os relaciona com
o texto lido.
Segundo Kleiman (2007), a compreensão da leitura está relacionada com o conhecimento adquirido
ao longo da vida, seja conhecimento linguístico, textual ou de mundo, todos estão relacionados ao
conhecimento prévio, ou seja, relacionados com o contexto e a linguagem habituais e comuns ao
leitor. Essa ligação entre texto e leitor proporcionará a interação necessária para a aquisição de novos
conhecimentos acerca do assunto discutido na leitura, culminando no entendimento e inclusão do tema
no contexto do leitor e, consequentemente, na construção de significados para a leitura. Nesse sentido,
Freire (2006, p. 29) conclui:
Dessa forma, o conhecimento prévio está relacionado com o contexto e a linguagem e possui
grande relevância na construção de significados para um texto. Segundo Kleiman (p. 25), “a ativação do
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INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
Voltando à pergunta inicial: como você lê? Talvez você tenha pensado, entre exasperado e divertido:
“Ora, eu leio com os olhos!” Pois ao responder dessa maneira você está e não está, ao mesmo tempo,
com a razão!
Você não pode ler com os olhos fechados, ou no escuro, ou se o material impresso estiver ruim.
Ou seja, a visão tem papel a desempenhar na leitura. No entanto, não é suficiente para a leitura, uma
vez que ela é a união da Informação Visual (IV) – o texto – com a Informação Não Visual (I nãoV)
– conhecimento prévio do leitor.
1º) Verifique se para fazer uma leitura, depender somente dos olhos é suficiente. Leia a seguir o texto
em sueco:
Se o leitor não tiver conhecimento prévio sobre a língua sueca, não conseguirá ler o texto, mesmo
usando a visão. Há tipos de informação que também são necessários, como conhecer a língua, conhecer
o assunto e ter certa habilidade no ato de ler. Todos esses conhecimentos são I não V.
Quanto mais informação não visual o leitor tiver, menos dependerá da informação visual. Ou vice-
versa, quanto menos I não V, mais o leitor precisará da informação visual. A leitura de um texto será
mais fácil quanto mais informação prévia você tiver sobre o texto. Por outro lado, o texto de difícil
leitura exige mais dos olhos, mais tempo, melhor luz, melhor impressão.
Como bem esclarece Smith, uma habilidade básica da leitura é usar ao máximo os conhecimentos
prévios que se tem e depender o mínimo da informação proporcionada pelos olhos.
Você viu o número 210 e duas palavras em inglês, Lion Street. Se você checar melhor, verá que o
dígito 0 é exatamente igual à letra O. A informação visual é a mesma, mas o seu cérebro decidiu que um
é número e o outro é letra.
Os olhos olham, mas é o cérebro que vê. Na verdade, os olhos não veem nada, eles colhem a
informação visual na forma de luz e a transformam em impulsos de energia nervosa, que passa pelas
fibras do nervo óptico em direção ao cérebro.
11
Unidade I
Sobre os olhos, podemos dizer ainda que eles não se movem de forma suave e contínua, a menos
que estejam fixos sobre um objeto em movimento, como um pássaro ou dedo em movimento. Os
olhos pulam esporadicamente de um foco para outro. No caso da leitura, os olhos não se movimentam
suavemente pelas linhas e pela página; movem-se em círculos, saltos e pulos. No jargão da área de
estudo sobre leitura, esse movimento é chamado de sacada.
a) Peço a você ver somente de relance, muito rapidamente mesmo, as 25 letras do retângulo:
JLKYLPAJMRWKHMYOEZSXPESLMB
Das 25 letras, quantas podem ser vistas com um simples olhar? Com certeza, não muitas, talvez quatro ou
cinco letras, porque é quantidade que qualquer pessoa pode ver em uma situação como essa. A limitação não
está nos olhos, mas no cérebro, que precisa lidar com a informação nova e encontrar sentido nela.
b) Novamente, peço-lhe dar uma rápida olhada nas 26 letras organizadas abaixo:
Quanto você conseguiu ver das 26 letras? O resultado, desta vez, certamente é: tudo. Você não viu
somente parte, mas todas as palavras. Afinal, as letras formam uma sequência de palavras que fazem
sentido; sentido esse disponível mais pela I não V do que pela IV.
Há um limite de informação visual com o qual o cérebro pode lidar. Assim, quanto menos informação
não visual, mas rápida e eficazmente o leitor compreende o que lê.
Para uma pessoa se envolver em uma atividade de leitura, é necessário, primeiro, que a pessoa se
sinta capaz de ler.
Ser capaz de ler e de compreender o texto é fator essencial para uma pessoa se envolver em uma
atividade de leitura. No entanto, os textos nunca dizem tudo, dependem, por conseguinte, do trabalho
interpretativo do leitor; o que não significa que o leitor esteja livre para atribuir qualquer sentido ao
que lê. Na leitura de certos textos, basta ler algumas partes buscando a informação necessária para
encontrá-la; já outros precisam ser lidos várias vezes.
A leitura é, então, o resultado da interação entre o que o leitor já sabe e o que ele retira do texto. Nesse
sentido, a compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de conhecimento
prévio, ou seja, é a partir do conhecimento que o leitor adquire ao longo de sua vida: o conhecimento
linguístico, que corresponde ao vocabulário e às regras da língua; o textual, que engloba as noções e os
conceitos sobre o texto; e o de mundo, que corresponde ao conhecimento pessoal do leitor. Por meio
desses conhecimentos ele irá construir o sentido do texto.
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INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
Uma estratégia é um amplo esquema para obter, avaliar e utilizar informação. A leitura, como
qualquer atividade humana, é uma conduta inteligente.
Usamos estratégias na leitura, mas também essas estratégias se desenvolvem e se modificam durante a
leitura. Com efeito, não há maneira de desenvolver estratégias de leitura a não ser através da própria leitura.
Estratégias são procedimentos que abrangem os objetivos da leitura, o planejamento das ações para
atingir os objetivos, sua avaliação e possível mudança. Elas envolvem o cognitivo e o metacognitivo, ou
seja, as estratégias são usadas de forma inconsciente (estratégias cognitivas) ou de forma consciente
(estratégias metacognitivas).
Existe uma fase na vida chamada puberdade. Todos, meninos e meninas, passam por ela entre
os 9 e 12 anos.
Nessa fase o corpo começa a ganhar novas características: pelos nascem nas axilas e perto
dos órgãos sexuais, as mamas das meninas começam a aparecer, e o pênis dos meninos vai
ficando maior.
Entre os meninos, é comum surgir o interesse por revistas que trazem fotos de mulheres nuas,
como a Playboy.
O grau de dificuldade, com certeza, é zero. Você leu o texto sem nenhum sobressalto, empregando
as estratégias de leitura de forma inconsciente. Você conhece o assunto, a palavra puberdade é
explicada no próprio texto, as frases, em sua maioria, estão na ordem direta (sujeito e verbo), não
existe contradição nas informações do texto.
3
Cavalcanti, Gabriela. Folhinha, 7, nov., 98.
13
Unidade I
Uma das estratégias cognitivas da leitura, que rege o comportamento inconsciente e automático
do leitor, é o princípio da economia. O leitor tende a reduzir, ao menor número, personagem, objeto,
processo e evento à medida que vai lendo. O leitor é ajudado nessa tendência, porque o próprio
texto tem repetição de termo, substituição de palavra, pronomes, frases definidas.
Por exemplo: “Existe uma fase na vida chamada puberdade. Todos, meninos e meninas,
passam por ela entre os 9 e 12 anos.” Nesse trecho, o leitor depara-se com frase que define um
termo (puberdade) e com substituição de termo (“fase na vida chamada puberdade” é repetida
e substituída pelo termo “ela”). Nós não temos duas informações diferentes entre “fase na vida
chamada puberdade” e “ela”.
Um exemplo famoso de texto que causa dificuldade, porque não segue a ordem direta da frase,
é o nosso Hino Nacional. Vamos ler o seu início:
A ordem direta é sujeito + verbo + complemento. Nessa ordem, o Hino ficaria: as margens
plácidas do (rio) Ipiranga + ouviram + o brado retumbante de um povo heroico. Como todo texto
que não segue a ordem direta, o Hino Nacional causa dificuldade no leitor.
A terceira estratégia é a da coerência. O leitor escolhe uma interpretação que torne o texto
coerente. O texto tem que seguir a regra de não contradição, que é não apresentar nenhuma
informação que contradiga o seu conteúdo.
É importante saber, caro aluno, que existe a informação textual e a contextual. A ideia principal
do autor é a informação textual, e a ideia principal para o leitor é a contextual. A informação
importante textualmente, porém, pode não ser considerada pelo leitor, pois como ele tem um
motivo para ler, pode considerar como fundamental uma ideia secundária. Um leitor experiente
busca as duas informações: a importante, permeada no texto, e a dele, que responde a seu objetivo
de leitura.
O resumo, estratégia desse processo, mostra a capacidade do leitor de detectar a ideia principal
e tem três objetivos: conservar a informação essencial, economizando palavras, eliminando
14
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
Usar a estrutura do texto para compreendê-lo melhor é outro recurso dessa última estratégia. No
caso do texto narrativo, essa compreensão ocorre por meio das categorias da narrativa: exposição,
acontecimento desencadeado, complicação, resolução, fim e moral.
As estratégias metacognitivas, por sua vez, são operações realizadas com algum objetivo
em mente, sobre as quais há controle consciente: o leitor é capaz de dizer e explicar a sua
ação. Essas estratégias regulam a desautomatização consciente das estratégias cognitivas. Nesse
sentido, por meio da autoavaliação da própria compreensão e da determinação de objetivos para
a leitura, os leitores são capazes de dizer o que não entendem sobre o texto e para que estão
lendo o texto.
Quando o leitor sabe que não está entendendo o texto, pode lançar mão de vários expedientes, tais
como: voltar e reler; procurar o significado de uma palavra no dicionário; procurar o significado de
um termo recorrente no texto; fazer um resumo do que leu; procurar um exemplo para um conceito.
Dependendo de sua dificuldade, o leitor cria formas de resolver o problema. Para tanto, é preciso que ele
tenha consciência de sua falha de compreensão.
As estratégias cognitivas são aquelas inconscientes para o leitor, as que ele realiza para atingir
seu objetivo de leitura. Trata-se de um conhecimento implícito, não verbalizado, são os chamados
“automatismos” da leitura. Esse conhecimento abrange desde aquele sobre como pronunciar o
português, passando pelo conhecimento do vocabulário, até o conhecimento sobre o uso da língua.
Essas estratégias regem o comportamento automático e inconsciente do leitor. O leitor proficiente
tem flexibilidade e independência na leitura. Ele dispõe de vários procedimentos para chegar aonde
quer, ou seja, ele regula o próprio conhecimento ou consegue chegar aonde sua vontade consciente
determina.
Estratégia de previsão: torna possível prever o que ainda está por vir com base em suposições, ou
seja, através do gênero de texto, do autor ou mesmo do título. É possível verificar diversos indícios
que muitas vezes nos informam o que encontraremos no texto. O conhecimento prévio do leitor
– “sua visão de mundo” – facilitará essa estratégia. Cabe a ele uma prévia análise desses indícios antes
da leitura.
15
Unidade I
O título, por exemplo, leva-nos a imaginar sobre o gênero do texto (se é poema, conto, artigo
científico etc.), sobre o assunto tratado por ele, entre outras previsões. Ou seja, o título cria expectativa
no leitor.
EXERCÍCIOS
4. Leia a tirinha e explique se ela atende à expectativa do leitor ou não quanto ao final da história.
16
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
5. Que tipo de conhecimento prévio o leitor precisa ter para entender as duas tirinhas da Turma da
Mônica?
1. Caro aluno, não existe resposta certa ou errada. A expectativa que nós criamos é variável e só é
válida quando não conhecemos o texto.
2. Se você, por um acaso, já leu todos os títulos do exercício 2, não fará previsão; você terá certeza
sobre o assunto que cada um deles trata. As atividades de estratégia de previsão somente são válidas
quando o leitor ainda não leu o texto ou está lendo e imagina o que poderá acontecer em seguida.
3. Se você souber que a palavra chef é geralmente associada ao profissional que cria receitas
culinárias, prepara pratos considerados criativos e de alta qualidade, então você imaginará que o tipo de
texto é técnico, destinado a um público especializado na área, e o assunto provável será como preparar
certos pratos ou como agir no local de trabalho do mestre-cuca ou outro assunto ligado ao métier desse
profissional.
4. Existe quebra de expectativa, porque o leitor espera reação diferente quando uma pessoa socorre
outra que chora de dor. Cebolinha não faz o que a gente espera, ele coloca o esparadrapo na boca do
Cascão para este pare com tanto barulho ao chorar de dor.
Há dois tipos de previsão: um, que se baseia no conteúdo do texto, e outro, na estrutura.
Previsões sobre o texto narrativo, por exemplo, podem ocorrer através das características das
personagens, da ilustração, do título, dos conhecimentos prévios dos gêneros literários. As
previsões sobre o texto informativo podem ser feitas a partir dos conhecimentos anteriores do
leitor sobre o assunto, sobre a estrutura dos textos informativos e os indícios como cabeçalho,
título, introdução, figura etc.
Estratégia de inferência: permite captar o que não foi dito no texto de forma explícita. A inferência é
aquilo que lemos, mas não está escrito, como explica o seguinte exemplo: “Batiam um prego na parede”.
Podemos entender que batiam com um martelo, embora não esteja explícito.
Estratégia de visualização: a visualização consiste nas imagens mentais, como cenários e figuras.
É uma forma de inferência, em que o leitor faz elaboração de significados do texto, seja de ficção
ou não ficção. Essa estratégia eleva o nível de interesse do leitor, porque se ele consegue visualizar o
que lê, ele dá continuidade à leitura, consegue entender melhor o texto. Ressalto que as imagens são
profundamente pessoais.
Estratégia de seleção: permite que o leitor se atenha às palavras “úteis”, desprezando as irrelevantes.
Um exemplo seria fixar-se no substantivo em vez de no artigo que o antecede, pois quem determina o
gênero é o substantivo.
Estratégia de pensamento em voz alta: é quando o leitor verbaliza seu pensamento enquanto lê. Ele
faz reflexões sobre o conteúdo que está assimilando em voz alta.
Estratégia de conexão: relacionar o que se lê com os conhecimentos prévios. Há três tipos de conexão:
1. De texto para texto: relação entre o texto lido com outros textos.
2. De texto para leitor: conexão entre o que o leitor lê e os episódios de sua vida.
3. De texto para mundo: conexão entre o texto lido e algum acontecimento mais global.
As estudiosas Bencke e Gabriel fizeram um interessante e útil levantamento das estratégias que os
leitores usam para compreender o texto. A lista é longa, mas essencial.
Descrição da estratégia
18
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
08 Identificar as dicas do texto que permitiriam formular hipóteses corretas sobre o seu
conteúdo antes da leitura.
16 Pensar sobre por que fiz algumas suposições certas e outras erradas sobre o texto.
24 Ficar atento a nomes, datas, épocas e locais que aparecem no texto para poder
compreendê-lo.
19
Unidade I
25 Ler com atenção e devagar para ter certeza de que estou entendendo o texto.
29 Tentar responder às questões que fiz sobre o texto para ver se o estou entendendo.
35 Usar marca-texto para destacar as informações que acho importantes para lembrá-las
depois.
40 Escrever com minhas palavras as informações que destaquei como as mais importantes.
20
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
50 Avaliar quanto entendi do texto e voltar àquelas partes em que não me sinto seguro.
51 Reler trechos quando encontro alguma informação que considero difícil de entender.
67 Conversar com meus colegas sobre os textos que li para ver se, de fato, entendi o
texto lido.4
Permeando todas as estratégias cognitivas, existem, então, as metacognitivas, que dizem respeito
aos conhecimentos do leitor sobre o processo de leitura. As estratégias metacognitivas têm também a
ver com a capacidade do leitor de perceber quando não compreende um texto e utilizar, nesse caso,
estratégias apropriadas para resolver o problema.
O leitor consciente tem conhecimento de seus recursos e de seus limites cognitivos, de seus interesses
e motivações, das intenções do autor e das estratégias. Ele também sabe quando compreende ou não
4
Revista Signo. Universidade de Santa Cruz do Sul, v. 34, n. 57, p. 134-152, jul.-dez., 2009.
21
Unidade I
o texto; o que compreende ou não; de que precisa para a compreensão e o que pode fazer quando não
acontece a compreensão.
Espero que este nosso livro-texto o ajude, caro aluno, justamente a tomar consciência sobre seu
desempenho e a superação de seus problemas (quando os houver) para a compreensão leitora.
EXERCÍCIOS
As propostas de atividades seguintes sobre estratégias de leitura são da pesquisadora Souza (2010).
Porquinho-da-índia
a) Conexão texto-leitor:
b) Conexão texto-texto:
22
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
3. Visualização: quando você lê, você visualiza mentalmente. Complete o quadro sobre essa
estratégia:
Eu visualizo:
Personagem, pessoas, criaturas
Ilustrações ou características do texto
Eventos ou fatos
Espaço e/ou lugar
Eu visualizo, usando:
Meus sentidos (olfato, audição, paladar)
Minha reação física (calor, frio, com sede,
estômago doendo etc.)
Uma reação emocional (alegria, tristeza, ânimo,
solidão etc.)
23
Unidade I
4. Quadro síntese para visualização: esta atividade vale para a leitura de outro texto a sua escolha.
Título do livro:
Nome do autor:
Eu vejo:
Eu escuto:
Eu posso sentir:
Eu cheiro:
Eu posso saborear:
2. As inferências são feitas antes e durante a leitura, e suas previsões podem ou não ser confirmadas
no texto. Por exemplo, você pode ter inferido, ao ler o título, que o poema tratava de como cuidar
de um porquinho-da-índia e não da relação entre uma criança e seu bichinho de estimação. São
24
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
várias as possibilidades de inferência. Quanto à palavra, talvez a única desconhecida seja justamente
“porquinho-da-índia”, conhecido também como preá.
3. A leitura de um texto verbal pode nos remeter a nossos cinco sentidos. Será que você se lembrou
do cheirinho de seu primeiro animal de estimação?
4. Para realizar a atividade 4, você deve ter escolhido um texto já lido ou então selecionou um texto
de ficção para ler. Ao utilizar o quadro síntese para visualização, certamente tomou consciência de que
nós lemos e usamos a estratégia de visualização.
A leitura, dessa forma, nunca poderá ser entendida como um ato passivo, pois quem escreve o faz
pressupondo o outro. Ou seja, a interação leitor-texto se faz presente desde o início da construção do
texto.
Segundo Souza (1992, p. 22), a leitura é, basicamente, o ato de perceber e atribuir significados por
meio de uma conjunção de fatores pessoais com as circunstâncias, como o momento e o lugar. Diz ela
que ler é interpretar uma percepção sob as influências de um determinado contexto e que esse processo
leva o indivíduo a uma compreensão particular da realidade.
Um leitor crítico não é apenas um decifrador de sinais. Ele é aquele que se coloca como coenunciador,
travando um diálogo com o escritor, sendo capaz de construir o universo textual e produtivo na medida
em que refaz o percurso do autor, instituindo-se como sujeito do processo de ler.
Nessa concepção de leitura, em que o leitor dialoga com o autor, a leitura se torna uma atividade
social de alcance político. Ao permitir a interação entre os indivíduos, a ação de ler não pode ser
entendida apenas como a decodificação de símbolos gráficos, mas sim como a leitura do mundo, que
deve ser constituída de sujeitos capazes de compreender o mundo e nele atuar como cidadãos.
A leitura crítica sempre leva à produção ou construção de outro texto: o do próprio leitor. Em outras
palavras, a leitura crítica sempre gera expressão: o desvelamento do ser leitor. Assim, esse tipo de
leitura é muito mais do que um simples processo de apropriação de significado; a leitura crítica deve ser
caracterizada como um estudo, pois se concretiza numa proposta pensada pelo ser no mundo dirigido
ao outro.
• no nível pragmático: o texto, enquanto objeto veiculador de uma mensagem, está atento em relação
ao seu destinatário, mobilizando estratégias que tornem possível e facilitem a comunicação.
25
Unidade I
Essa é uma perspectiva que concebe a leitura como um processo de compreensão amplo, envolvendo
aspectos sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos, neurológicos, bem como culturais, econômicos
e políticos.
O leitor atribui significados ao texto e, nessa atribuição, há que se levar em conta a interferência da
bagagem cultural do receptor sobre o processo de decodificação e interpretação da mensagem. Assim,
no momento da leitura, o leitor interpreta o signo sob a influência de todas suas experiências com o
mundo, ou seja, sua memória cultural é que direcionará as decodificações futuras.
Existem outros tipos de texto além dos literários (poemas, contos etc.) ou do cotidiano (conversação,
e-mail etc.).
Dicionários, listas telefônicas, enciclopédias, catálogos, registros e bibliografias são outros textos
procurados por profissionais de várias áreas. Contudo, esses leitores nunca leriam do início ao fim esses
textos.
Incluímos também textos que podem ser entregues aos profissionais: carta, formulário, contas,
revistas, periódicos, anúncios.
Atualmente, livros de autoajuda também fazem parte da lista de textos lidos pelos profissionais,
como aponta interessante estudo sobre o que os profissionais leem. No resultado aparecem os livros de
autoajuda, especialmente os que tratam do mundo do trabalho, do universo profissional. Leia a seguir
esse estudo:
detém os direitos da obra citada, é composto de livros de autoajuda profissional. Graças a esse
segmento, a editora cresceu 60% nos últimos dois anos. Do faturamento da Campus/Elsevier,
uma das principais editoras de livros de negócios do país, 10% provêm do light business.
Em relação ao perfil dos leitores, a procura por esses livros parece não ter restrições em
relação a idade, sexo ou cargos. De estagiários aos principais executivos das empresas, todos
parecem recorrer, com maior ou menor frequência, a esse tipo de leitura. Em recente pesquisa
realizada pela revista Exame com 30 presidentes de grandes empresas (edição 879), 57%
afirmaram ter lido pelo menos um livro desse segmento nos últimos 12 meses, sendo o mais
citado O monge e o executivo.
Para entender melhor o que é e qual a extensão desse fenômeno, o Ateliê de Pesquisa
Organizacional realizou um estudo sobre a influência que os livros de autoajuda profissional
exercem em profissionais e executivos, e qual o seu impacto sobre as empresas, principalmente
na gestão e no desenvolvimento de pessoas. A pesquisa qualitativa foi realizada com quatro
grupos de discussão, compostos por profissionais/leitores, gestores/leitores e profissionais e
gestores/não leitores, com idade entre 28 e 35 anos.
Os resultados são bastante reveladores, sobretudo no que diz respeito ao relacionamento entre
os profissionais, seus colegas, superiores e a própria empresa. De acordo com Suzy Zveilbil,
sócia do Ateliê e diretora da ComSenso Agência de Estudos do Comportamento Humano, fica
clara a relação entre o cotidiano do trabalho e a busca por essa literatura.
“A pressão, o estresse e a sobrecarga do dia a dia acabam atropelando o bom senso e o tempo
de condução de algumas ações, principalmente na gestão de pessoas e no desenvolvimento
profissional. Nesse contexto, o livro de autoajuda exerce um papel importante na vida de seus
leitores, dando sentido a diversas dúvidas e inseguranças cotidianas. Por ser uma leitura fácil
e acessível, recoloca o leitor diante de alguma situação desejada”, explica Zveilbil.
27
Unidade I
A percepção sobre os resultados desses livros, porém, varia muito de acordo com as pessoas,
independentemente de serem leitores ou não leitores. Para a diretora do Ateliê, existe uma
segmentação que varia de acordo com o interesse e a relação entre o leitor e o livro. O estudo
constatou a existência de cinco perfis distintos:
Religiosos: sempre estão lendo algum livro de autoajuda. Recorrem a eles sempre que
necessitam e tentam convencer colegas e amigos sobre a importância dos efeitos da leitura.
Criteriosos: Selecionam a leitura por temas relevantes. Leem livros indicados e recomendados
por conhecidos e têm noção que aproveitarão apenas parte do conteúdo, não o todo.
Enrustidos: Afirmam que leem, mas tendem a explicar muito que é uma leitura ocasional.
Não assumem nada que comprometa sua imagem de leitor independente e eventual. Sabem
que há preconceito, e preferem evitar críticas e confrontos.
Céticos: São muito críticos em relação aos livros de autoajuda profissional e a seus leitores. Não
leem essa literatura de forma nenhuma e acreditam que esses livros são totalmente comerciais
e de aproveitamento “zero”. Defendem outros meios de desenvolvimento profissional.
Entre os adeptos (religiosos e criteriosos), muitos chegam a dizer que se formam e desenvolvem
praticamente apenas com os livros de autoajuda. Em alguns grupos, ler é uma forma de
pertencer a esses grupos.
Os que encaram esse tipo de literatura com mais reservas reconhecem a superficialidade com
que os temas são abordados. “Entretanto, dependendo do efeito que geram, os livros acabam
tornando-se a superficialidade com cara de profundidade”, avalia Suzy.
Para Luis Felipe Cortoni, sócio do Ateliê e diretor da LCZ Consultoria, os resultados do estudo
revelam condutas que precisam ser reavaliadas pelas empresas. “A pesquisa mostrou que a
própria área de RH oficializa a indicação desses livros e que muitos adeptos se formam e
se desenvolvem somente com esse tipo de ajuda. É preciso refletir o que isso significa em
termos de consistência nas competências desses profissionais e qual o real impacto para os
negócios”, questiona Cortoni. “Será que os líderes e gestores são formados dessa maneira? Até
que ponto isso é benéfico?”, pergunta ele.
Na sua avaliação, a postura do gestor que também indica livros de autoajuda para seus
colaboradores também merece uma reflexão. “Quando ele toma essa atitude, está substituindo
seu papel de ‘coach’ ou indicar esses livros faz parte desse papel? O livro fala o que o chefe
quer ou deveria falar: de novo, um diálogo mediado por um mudo.”5
Não existe uma estratégia específica de leitura para profissionais. Os leitores fluentes em todos os
aspectos da leitura têm sua atenção direcionada à informação mais relevante para suas finalidades.
A maneira seletiva como leem todos os tipos de texto significa que não extraem todas as
informações que o autor lhes fornece, mas procuram deliberadamente somente a informação de
que precisam, como se procurassem em um mapa um caminho entre dois lugares.
Reflexão: qual é a importância das estratégias elencadas abaixo para um tipo de texto como o do
quadro na página seguinte?
Estratégias:
Texto:
Câmbio
A intenção do texto literário é o estético, ou seja, o trabalho que o autor faz com a palavra. O autor
nunca diz tudo, de forma explícita, ele leva o leitor a inferir, imaginar, criar e completar o texto lido. Ler
texto literário envolve, então, estratégias como explicar e aclarar significados obscuros, sugeridos e ou
explícitos.
Um aspecto importante a ressaltar é a relação entre a leitura de texto literário e o sentido literal/não
literal.
O sentido literal é o básico, construído como preferencial pelo leitor. O sentido literal é um efeito do
funcionamento da língua e não uma simples propriedade imanente da palavra (Marcuschi, 2008).
O sentido não literal sempre foi distinto do sentido literal e é associado ao texto e ao autor. O
sentido não literal não é convencional e se dá nas metáforas, atos de fala indiretos, implicações,
ironias.
Apesar de esse quadro ser muito generalizado, podemos afirmar que o sentido pode ser identificado
em três aspectos:
Na leitura de texto literário, os sentidos dependem do contexto da língua. O leitor pode não ter
dificuldade em relação ao tema, mas pode encontrar muita dificuldade na forma como o autor usou a
língua: palavras polissêmicas, estrutura da frase indireta etc.
De forma geral, a fruição estética de texto literário deve começar de um gosto pessoal por envolver
tanto o lado racional-intelectual do leitor quanto o lado emocional-afetivo.
2 AS DIFERENTES LINGUAGENS
“A linguagem é o instrumento com que o homem pensa e sente, forma estados de alma,
aspirações, volições e ações, o instrumento com que influencia e é influenciado, o fundamento
último e mais profundo da sociedade humana.”
L. Hjelmslev
A linguagem nasce da necessidade humana de comunicação. Nela e com ela, o homem interage
com o mundo. Para tratarmos das diferentes linguagens de que dispomos, sejam elas verbais ou não,
precisamos, inicialmente, pensar que elas existem para que possamos estabelecer comunicação, para
que possamos interagir. Mas, o que é, em si, comunicar?
De modo geral, todos os significados encontrados para a palavra comunicação revelam a ideia de se
estabelecer relação com alguém, de haver transferência de informação. Observe:
31
Unidade I
A palavra comunicação deriva do latim communicare, cujo significado é “tornar comum”, “partilhar”,
“repartir”, “trocar opiniões”, “estar em relação com”. Assim, podemos afirmar que, historicamente,
comunicação implica participação, interação entre dois ou mais elementos, um emitindo informações,
outro recebendo e reagindo. Para que a comunicação exista, então, é preciso que haja mais de um polo:
sem o “outro”, não há partilha de sentimentos e ideias ou de comandos e respostas.
Para que a comunicação seja eficiente, é necessário que haja um código comum
aos interlocutores.
Tomemos, agora, o conceito apresentado por Bechara (1999, p. 28) para fundamentar o conceito de
linguagem:
A linguagem é vista, então, como um espaço em que tanto o sujeito quanto o outro, que com ele
interage, são inteiramente ativos. Por meio dela, o homem pode trocar informações, ideias, compartilhar
conhecimentos, expressar intenções, opiniões e emoções. Desse modo, reconhecemos a linguagem como
um instrumento múltiplo e dinâmico, isso porque, considerados os sentidos que devem ser expressos e
as condições de que dispomos em dada situação, valemo-nos de códigos diferentes, criados a partir de
elementos como som, imagem, cor, forma, movimento e tantos outros.
Vale salientar a ideia de que o processo de significação só acontece verdadeiramente quando, ao nos
apropriarmos de um código, nos fazemos entender por meio dele.
A linguagem humana caracteriza-se pela extrema diversidade e pela complexidade de suas formas
de organização e de suas formas de atividade. E é ela que confere às organizações e atividades humanas
uma dimensão social.
A linguagem introduz uma distância nas relações que os organismos humanos mantêm com o
meio e, por conseguinte, provoca a autonomia das próprias produções. A linguagem organiza-se,
então, em discursos, em textos, que se diversificam em gêneros. É por meio dos textos que os mundos
representados são construídos.
Cada língua realiza o processo representativo geral da linguagem humana, mas ela o faz de acordo
com suas modalidades próprias, isto é, cada língua tem sua semântica própria, que, por sua vez, dá
origem às variadas culturas.
De modo geral, a linguagem tem um caráter histórico. Os mundos representados já foram ditos bem
antes de nós, e os textos e signos que os constituíram continuam trazendo os traços dessa construção
histórica permanente.
Nessa abordagem, a língua é fato social, produto de ações de seres humanos organizados em comunidades.
A linguagem é, em outras palavras, uma prática social, e como tal exige do usuário da língua um olhar a partir
de algum lugar sócio-historicamente marcado e atravessado por conotações ideológicas.
Ao entrar em uma interação, cada um dos parceiros já traz consigo sua bagagem cognitiva, ou seja,
já é, por si mesmo, um contexto. A cada momento da interação, esse contexto é alterado, ampliado, e os
parceiros se veem obrigados a se ajustar aos novos contextos que se vão originando sucessivamente.
Chamamos de linguagem a todo sistema de sinais convencionais que nos permite realizar atos de
comunicação. Certamente você já observou que o ser humano utiliza as mais diferentes linguagens: a
da música, a da dança, a da pintura, a dos surdos-mudos, a dos sinais de trânsito, a da língua que se fala,
entre outras. Como vemos, a linguagem é produto de práticas sociais de uma determinada cultura que
a representa e a modifica, numa atividade predominantemente social.
a. Linguagem verbal: aquela que utiliza as palavras para estabelecer comunicação. A língua que
você utiliza, por exemplo, é linguagem verbal.
b. Linguagem não verbal: aquela que utiliza outros sinais que não as palavras para estabelecer
comunicação. Os sinais utilizados pelos surdos-mudos, por exemplo, constituem um tipo de
linguagem não verbal.
33
Unidade I
EXERCÍCIOS
1. A língua é atividade simbólica, uma vez que as palavras criam conceitos, que ordenam e categorizam
o mundo. Das palavras: cadeira, instalação e pôr do sol, qual dá existência a uma realidade inventada?
Se os tubarões fossem homens, perguntou a filha de sua senhoria ao senhor K., seriam eles
mais amáveis para com os peixinhos?
Para que os peixinhos não ficassem melancólicos, haveria grandes festas aquáticas de vez
em quando, pois os peixinhos alegres têm melhor sabor do que os tristes. Naturalmente,
haveria também escolas nas gaiolas. Nessas escolas, os peixinhos aprenderiam como nadar
alegremente em direção à goela dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para
localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar.
O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados
de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente,
e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua
felicidade futura. Os peixinhos saberiam que esse futuro só estaria assegurado se estudassem
docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam rejeitar toda tendência baixa, materialista,
egoísta e marxista, e denunciar imediatamente aos tubarões aqueles que apresentassem tais
tendências.
Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas
e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam
que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos,
proclamariam, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não
se podem entender entre si. Cada peixinho que matasse alguns outros na guerra, os inimigos
que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de sargaço e
receberia uma comenda de herói.
34
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
Se os tubarões fossem homens, também haveria arte entre eles, naturalmente. Haveria
belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores magníficas, e as suas goelas
como jardins onde se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam
valorosos peixinhos a nadarem com entusiasmo rumo às gargantas dos tubarões. E a
música seria tão bela que, sob os seus acordes, todos os peixinhos, como orquestra
afinada, a sonhar, embalados nos pensamentos mais sublimes, precipitar-se-iam nas
goelas dos tubarões.
Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a
verdadeira vida dos peixinhos começa no paraíso, ou seja, na barriga dos tubarões.
Se os tubarões fossem homens, também acabaria a ideia de que todos os peixinhos são iguais
entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles
ligeiramente maiores até poderiam comer os menores. Isso seria agradável para os tubarões,
pois eles, mais frequentemente, teriam bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores,
detentores de cargos, cuidariam da ordem interna entre os peixinhos, tornando-se professores,
oficiais, polícias, construtores de gaiolas, etc.
1. Quando usamos a linguagem (seja a língua ou outro signo), representamos o mundo, criamos o
mundo por meio da linguagem. No caso da palavra pôr do sol, nós criamos a palavra, e, ao fazer isso,
mudamos o modo de ver o mundo físico. Afinal, no mundo objetivo (físico) não existe de fato pôr do sol,
porque para que existisse, o Sol precisaria se mover em torno da Terra.
2. Sua ilustração do texto deve ter detalhado algum aspecto da relação humana. O autor, quando
criou o texto, objetivava, por meio dos bichos, mostrar e criticar os homens e a sociedade.
Nossa língua apresenta uma imensa possibilidade de variantes linguísticas, tanto na linguagem formal
(padrão) quanto na linguagem informal (coloquial). Elas não são, assim, homogêneas. Especialmente
no que se refere ao coloquial, as variações não se esgotam. Alguns fatores determinam essa variedade.
São eles:
É importante salientar que cada variedade tem seu conjunto de situações específicas para seu uso,
e, de modo geral, não pode ser substituída por outra sem provocar, ao menos, estranheza durante a
comunicação. O texto de Luís Fernando Veríssimo (Correio Braziliense, 13/5/1998) ilustra uma dessas
situações inusitadas:
Aí, galera
Jogadores de futebol podem ser vítimas de estereotipação. Por exemplo, você pode imaginar
um jogador de futebol dizendo “estereotipação”? E, no entanto, por que não?
– Minha saudação aos aficionados do clube e aos demais esportistas, aqui presentes ou no
recesso dos seus lares.
– Como é?
– Aí, galera.
– Nosso treinador vaticinou que, com um trabalho de contenção coordenada, com energia
otimizada, na zona de preparação, aumentam as probabilidades de, recuperado o esférico,
concatenarmos um contragolpe agudo com parcimônia de meios e extrema objetividade,
valendo-nos da desestruturação momentânea do sistema oposto, surpreendido pela reversão
inesperada do fluxo da ação.
– Ahn?
– É pra dividir no meio e ir pra cima pra pegá eles sem calça.
– Posso dirigir uma mensagem de caráter sentimental, algo banal, talvez mesmo previsível e
piegas, a uma pessoa à qual sou ligado por razões, inclusive, genéticas?
– Pode.
– Como é?
– Alô, mamãe!
– Um jogador que confunde o entrevistador, pois não corresponde à expectativa de que o atleta
seja um ser algo primitivo com dificuldade de expressão e assim sabota a estereotipação?
– Estereoquê?
– Um chato?
– Isso.
Por conta do que dissemos, podemos concluir que cada variedade tem seus domínios próprios e que
não existe a variedade “certa” ou “errada”. Para cada situação comunicativa existe a variante “mais” ou
“menos” adequada. É certo, no entanto, que à variante padrão é atribuído um valor social e histórico
maior do que à coloquial. Cabe, assim, ao indivíduo – competente linguisticamente – optar por uma ou
outra em razão da situação comunicativa da qual participa no momento.
Por fim, citando Bechara (1999), “a linguagem é sempre um estar no mundo com os outros, não
como um indivíduo em particular, mas como parte do todo social, de uma comunidade”.
A palavra “texto” é bastante familiar no âmbito escolar e fora dele, embora, de modo geral, não a
reconheçamos em suas ocorrências diversas.
Certamente já ouvimos: “Que texto mais interessante!”; “Seu texto está confuso!”. “Faça um texto
sobre ‘suas férias’ ”...
Os estudos mais avançados na área da linguística textual, a partir da década de 1960, detiveram-se
em explicar as características próprias da linguagem escrita concretizada em forma de texto e não em
forma de um mero amontoado de palavras e frases.
Para a linguística textual, a linguagem é o principal meio de comunicação social do ser humano
e, portanto, seu produto concreto – o texto – também se reveste dessa importante característica, já
que é por intermédio dele que um produtor transmite algo a um leitor ou ouvinte, obedecendo a um
sistema de signos/regras codificado. O texto constitui-se, assim, na unidade linguística comunicativa
básica.
Inicialmente, é necessário expor o conceito de “texto”, por ser ele o elemento fundamental da
comunicação. Vejamos o conceito proposto por Bernárdez (1982):
a. Um texto não é um aglomerado de frases; o significado de suas partes resulta das correlações
que elas mantêm entre si. Uma leitura não pode basear-se em fragmentos isolados do texto. Observe a
sequência:
Essa sequência apresenta um amontoado aleatório de frases, uma vez que suas partes não se
articulam entre si, não formam um todo coerente. Portanto, tal sequência não constitui um texto.
Agora, observe:
Circuito fechado
Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme
de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha.
Creme para cabelo; pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó.
Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maços de cigarros, caixa de
fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapos. Quadros.
Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, telefone, agenda, copo
com lápis, canetas, blocos de notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com
plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis,
telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis.
Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo,
bloco de papel, caneta, projetos de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro,
giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa,
guardanapo, xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa
e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno, externo,
papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta,
telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta.
Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros.
Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras, cigarro e fósforo. Poltrona, livro.
Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias,
calça, cueca, pijama, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.6
Em Circuito fechado, não há apenas uma série de palavras soltas. Aqui temos um texto. E por quê?
Apesar de haver palavras aparentemente sem relação umas com as outras, é possível reconhecer, depois
de uma leitura atenta, que há uma articulação entre elas. A escolha dos substantivos e a sequência em
6
Ramos, Ricardo. Circuito fechado. In: Ladeira, Julieta de Godoy (org.). Contos brasileiros contemporâneos. São
Paulo: Moderna, 1994.
38
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
que são empregados revelam um significado implícito, algo que une e relaciona essas palavras, formando
um texto. Podemos dizer, assim, que esse texto se refere a um dia na vida de um homem comum.
Note que no início do texto há substantivos relacionados a hábitos rotineiros, como levantar, ir
ao banheiro, lavar o rosto, escovar os dentes, fazer a barba, tomar banho, vestir-se e tomar café da
manhã.
Descobrimos que a personagem é um homem pela escolha dos substantivos. Parece que sua profissão
pode estar relacionada à publicidade e é também um fumante, pois, por quatorze vezes, o narrador
retoma a sequência “cigarro, fósforo”.
Enfim, o texto Circuito fechado é um conto – um texto Contexto: unidade maior em que
narrativo curto –, cujo tema é o cotidiano e leva o leitor a refletir uma unidade menor está inserida.
sobre a vida. Usando somente substantivos, o autor produziu um Exemplo: a frase serve de contexto
para a palavra, o texto para a frase etc.
texto que termina onde começou. Essa estrutura circular tem
relação com o título e com a rotina que aprisiona o homem nos
dias atuais.
39
Unidade I
b. O texto tem coerência de sentido e o sentido de qualquer passagem de um texto é dado pelo
contexto. Se não levarmos em conta as relações entre as partes do texto, corremos o risco de
atribuir a ele um sentido oposto àquele que efetivamente tem.
c. Todo texto tem um caráter histórico, não no sentido de narrar fatos históricos, mas no de revelar
as concepções e a cultura de um grupo social numa determinada época.
EXERCÍCIOS
II. O produtor do texto, visando ao sentido do texto, recorre unicamente ao uso das palavras que
compõem as estruturas do texto.
III. Para que o texto tenha sentido, há necessidade de que o produtor e o leitor/ouvinte compartilhem
seus conhecimentos.
2. O texto de Ricardo Ramos, Circuito fechado, é construído apenas com substantivos. Lembrando
que substantivo é a palavra que serve para nomear seres reais (árvore, mãe, Ricardo, lápis etc.), seres
imaginários (fada, lobisomem etc.), seres abstratos (análise, comparação, amor etc.) e assim por diante. A
proposta é: pense em seu cotidiano. Você é homem ou mulher? Você é vaidoso(a)? Demora para escolher
uma roupa, ajeitar o cabelo, combinar o calçado com a roupa? Você trabalha? Você tem um bebê chorão
que não o(a) deixa ler o livro-texto do curso? Construa um texto curto em prosa (parágrafo) ou em
verso, com sentido, utilizando apenas substantivos.
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1. A alternativa correta é a d): as afirmativas I e III estão corretas. A pessoa que lê ou ouve um texto,
quer entendê-lo. Por isso, espera que o texto tenha sentido. No entanto, o sentido do texto não depende
40
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
apenas das palavras colocadas nele. Veja o exemplo do texto Circuito fechado, de Ricardo Ramos. Esse
e muitos outros textos dependem de fatores fora da língua; dependem de muitos conhecimentos que o
produtor e o leitor têm sobre o mundo para relacionar, por exemplo, os substantivos “creme de barbear,
pincel, espuma, gilete [...] cueca, camisa, abotoadura” a um personagem masculino, uma vez que nesse
texto não há referência direta ao sexo do personagem. Diante disso, a afirmativa II não pode estar
correta, porque o texto não depende unicamente da palavra.
2. O exercício 2 é livre por se tratar de uma produção individual, sem resposta única como
no primeiro exercício. O texto tem caráter ficcional, mesmo baseado na realidade do produtor, e
certamente exigiu de você, aluno, uma boa dose de imaginação e criatividade. Podemos, porém,
verificar se, de fato, você empregou substantivos. Provavelmente você empregou substantivos
como: cama, escova de dente, calça, vestido, carro, escritório ou sala de aula, colega etc. Palavras
como: levantar, vestir, sair, comprar, trabalhar e tantas outras, como são verbos, não podem ter sido
empregadas. Palavras como: cedo, hoje, manhã, agora, aqui, lá etc. são advérbios indicadores de
tempo, lugar e também não podem ter sido empregadas. Palavras como bonito, vaidoso, preguiçoso,
grande, cheio etc. são adjetivos e também devem ter ficado fora do seu texto. Solicito, então,
que você releia seu texto e verifique se, por acaso, não empregou outras palavras que não sejam
substantivos.
Do ponto de vista de quem produz o texto, é preciso que tenha conhecimento das condições de
produção, ou seja, é preciso que saiba para que, para quem e por que o texto será produzido. O tipo de
texto também é uma condição de produção, visto que o gênero determina as características de cada
texto, o que pressupõe o conhecimento delas para a organização discursivo-textual adequada.
Uma primeira preocupação deve ser com a pessoa do discurso, na cena enunciativa, tendo em vista
que o uso da 3ª ou da 1ª pessoa produz efeito de objetividade ou subjetividade. Dizemos efeito porque
este é resultado da intenção do locutor (para com o interlocutor) de “afastar-se” ou “aproximar-se” da
enunciação quando faz a escolha.
A partir desse primeiro posicionamento, o sujeito assume “a voz” que seja mais conveniente à
produção do texto-discurso. Trata-se da relação entre enunciação e enunciado ou, ainda, “o que se diz”
e “o que se quer dizer”.
Convencer é apresentar provas e,
É dessa escolha enunciativa que se pode avaliar se o texto-
por isso, os argumentos “demonstram”,
discurso é objetivo ou subjetivo, se o sujeito aproxima-se ou ou seja, comprovam o que está sendo
distancia-se do ponto de vista que há no texto. Enfim, o modo dito. Persuadir é “levar o outro a
de dizer, o que se pretende dizer, depende dessas escolhas acreditar”, por isso é um ato retórico, ou
seja, o sujeito-enunciador deve construir
prévias. Após essa primeira seleção, torna-se necessário saber os argumentos para persuadir “o outro”.
que tipo de texto pretende-se produzir.
Existem seis tipos de texto: descritivo, narrativo, expositivo, opinativo, argumentativo e injuntivo.
41
Unidade I
Explicar uma verdade, numa visão racional, • Organização da lógica argumentativa. (relações
para influenciar o interlocutor: convencê- lógicas, tipos de argumentos).
Argumentativo lo (se argumentação demonstrativa) ou
persuadi-lo (se argumentação retórica).
O texto descritivo tem por base um sujeito observador, o qual descreve o mundo de maneira objetiva
ou subjetiva. A primeira forma diz respeito a uma descrição da realidade tal como ela é, em que o sujeito
tem como objetivo primeiro informar sobre objetos, pessoas ou lugares. A segunda é a descrição da
realidade da maneira como o sujeito a sente, passando a exprimir a afetividade que tem em relação ao
objeto, à pessoa ou ao lugar descrito.
(...)
42
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
II. Ameixeira. Árvore pequena ou arbusto ornamental da família das rosáceas, originária da Europa
e do Cáucaso, e que tem drupas de polpa doce ou ácida e frutos comestíveis.8
III. Triângulo é um polígono de três lados. Possui alguns elementos e os principais são: vértices,
lados, ângulos, alturas, medianas e bissetrizes.9
O texto I é descritivo e dá estrutura a um gênero literário, o poema. Como sabemos que é uma
descrição? O texto trata de um ser, no caso, a cidade, dá designação a ela e expande os predicados dela
(Marquesi, 1996).
X = cidadezinha
P1 = cheia de graça
P2 = pequenina
P3 = causa dó
P4 = tem burricos a pastar na praça
P5 = igrejinha de uma torre só
P6 = cabe num só olhar
Assim, o texto organiza-se por: cidadezinha de interior é pequena e graciosa. Essa organização
resulta na fórmula “x é y”. Vejamos: x é igual a cidade; y é igual a predicados da cidade.
O texto II, que trata da ameixeira, é um verbete, gênero textual encontrado em dicionário. O verbete
é um texto descritivo por enunciar os atributos (predicados) essenciais e específicos do ser.
X = ameixeira
P1 = árvore pequena
P2 = arbusto ornamental da família das rosáceas
P3 = originária da Europa e do Cáucaso
P4 = tem drupas de polpa doce ou ácida
P5 =tem frutos comestíveis. Verbete
É um gênero textual como uma
No exemplo I, um texto literário, temos uma descrição receita, um poema, um artigo científico
e tantos outros encontrados na nossa
mais subjetiva: a visão de mundo particular do descritor.
sociedade. O verbete aparece no
No exemplo II, no entanto, a descrição é mais objetiva, sem dicionário e é formado por: a palavra
considerar os mundos possíveis do escritor, e os predicados (que se encontra em ordem alfabética)
seguem o princípio da permanência que permite ao ser e o(s) significado(s) dela.
continuar o mesmo.
8
Ferreira, A. B. de H. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.
9
Scalzo, M. L. V.; Sodré, U. http://pessoal.sercomtel.com.br/matematica/fundam/geometria/geo-poli.htm
43
Unidade I
A descrição mais objetiva é encontrada em textos técnicos e científicos, tal como no exemplo III. O
ser tratado no texto III é o triângulo e tem seus predicados expandidos.
X = triângulo
P1 = polígono de três lados
P2 = possui alguns elementos
P3 = principais elementos são: vértices, lados, ângulos, alturas, medianas e bissetrizes
A definição (do triângulo) corresponde à expansão dos predicados e se identifica, a rigor, com a
descrição.
EXERCÍCIOS
X = _____________________
P1= ________________________________________________________
P2= ________________________________________________________
P3= ________________________________________________________
P4= ________________________________________________________
44
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
A “cidade” retratada na pintura de Alberto da Veiga Guignard está tematizada nos versos:
c) Bembelelém
Viva Belém!
Belém do Pará porto moderno integrado na
equatorial
Beleza eterna da paisagem
Bembelelém
Viva Belém!12
3. Agora, que tal você escrever um parágrafo descritivo, definindo um termo específico de sua área
de estudo? Não copie; faça você a definição.
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
10
Matos, Gregório de. Obra poética. Ed. James Amado. Rio de Janeiro: Record, 1990. Vol. II, p. 1.191.
11
Mendes, Murilo. Poesia completa e prosa. (Org.) Luciana Stegagno Picchio. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 460.
12
Bandeira, Manuel. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958. Vol. I, p. 196.
13
Lima, Jorge de. Poesia completa. (Org.) Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997, p. 211.
14
Melo Neto, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 343.
45
Unidade I
1. Você pode ter completado o quadro com predicados parecidos com os do poema, descrevendo a
cidade onde você mora como graciosa, com bonitas plantas etc., ou empregou predicados bem diferentes:
muito grande, com poluição sonora etc.
2. Alternativa c).
3. Como foi solicitado, o texto feito por você deve ser descritivo, e, por se tratar de uma definição, a
objetividade talvez seja predominante nele.
A descrição opõe-se à narração pelo seu caráter estático, em que o tempo não tem tanta importância,
pois não há transformação de estados e ações, o que compete ao texto narrativo. Desse modo, o ponto
de vista do sujeito observador é fundamental e depende tanto de sua posição física (em relação ao que
descreve) quanto de sua atitude afetiva (relativa ao objeto descrito).
Para encerrar sobre o texto descritivo, podemos dizer que é um tipo que dá base a vários gêneros
textuais. Ele pode aparecer em dissertações, artigos, manuais e outros trabalhos técnicos ou científicos;em
romances, contos, poemas e outros textos literários; em conversação, e-mail, MSN, carta e outros textos
do cotidiano.
O texto narrativo é aquele que serve de estrutura para narrar, contar uma história, seja ela real ou
ficcional. Os gêneros textuais que têm tal estrutura são: romance, conto, crônica, que são em prosa,
essencialmente, mas também podemos encontrar narrativa em poemas. O texto narrativo pode ser
achado em conversações (duas pessoas conversando
face a face podem narrar uma história acontecida com Podemos dizer que a história do homem
se confunde com a história da narrativa.
elas.), MSN, Orkut e em outros textos do nosso cotidiano. Contos fantásticos e maravilhosos, fábulas,
O texto narrativo igualmente estrutura filmes, novelas parábolas, histórias de suspense constituíram,
televisivas, séries e games. durante muito tempo, a principal forma de
transmissão de conhecimento e registro da
memória dos mais diversos povos.
A seguir, exemplo de texto narrativo.
Era mágico de pequenas extrações, era Lilico Alves, de circo mal pago e esfarrapado. O mais
que Lilico fazia era tirar cambaxirras da cartola. A maior noite de Lilico aconteceu no Pavilhão
Mexicano, quando conseguiu retirar do bolso do paletó uma bandeira do glorioso Estado do
Maranhão e, dentro dos panos dela, dois mimosos pombos dourados. Sem saber o que fazer
com a própria mágica, Lilico recolheu a cartola ao Hotel Oliveira de Santa Maria de Assunção.
Subiu para o quarto meio cabreiro, sem acreditar no que fez no céu do Pavilhão Mexicano.
E, na calma do aposento, sem olho de ninguém que ver, Lilico repetiu a mágica e de novo
46
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
apareceu aquela bandeira enorme puxada por quatro pássaros que voavam em anil.
Espantado, Lilico meteu a cabeça entre as mãos e disse baixinho de Lilico para Lilico:
Era o maior mágico do mundo, coisa nem nunca existida nas feitiçarias de São Cipriano. E
no meio do quarto, como prova dos nove, fez de novo funcionar seu saco de maravilhas.
Meteu a mão no bolso, como fazia nos circos mambembes, para ver que nova invenção saía.
E na ponta do seu gesto nasceu um arco-íris do mais lindo acabamento. Gente parou na rua,
diante de Santa Maria de Assunção. Foi quando Lilico Alves, balançando a cabeça, viu que seu
ofício de mágico estava no fim. Pensou:
– Ninguém nunca que vai acreditar que faço prosopopeias. O povo vai cuidar que sou pregador
de mentiras.
O texto Mágico de pequenas extrações não chega a pássaro azul é narrativo, e, ao contrário dos
textos descritivos, é dinâmico e pressupõe a transformação de estados e o encadeamento de ações.
• situação inicial: início do texto que serve para dar o cenário da história, tal como a época, o local,
a apresentação da personagem.
No texto de Carvalho, a situação inicial consiste nas duas primeiras frases: “Era mágico de pequenas
extrações, era Lilico Alves, de circo mal pago e esfarrapado. O mais que Lilico fazia era tirar cambaxirras
da cartola”. Nela, há a apresentação da personagem: nome (Lilico Alves), ofício (mágico) e o nível
profissional (mal remunerado, medíocre, faz truques e não mágicas verdadeiras).
• Complicação ou conflito: um fato que tira a personagem de sua zona de conforto, do seu cotidiano.
O conflito é responsável pelo desenvolvimento da história em si.
No exemplo, o conflito consiste na mágica praticada sem querer pelo Lilico Alves, ou seja, não fez truque:
“A maior noite de Lilico aconteceu no Pavilhão Mexicano, quando conseguiu retirar do bolso do paletó uma
bandeira do glorioso Estado do Maranhão e, dentro dos panos dela, dois mimosos pombos dourados”.
No caso do texto exemplificado, o desenvolvimento da história ocorre com atitudes tomadas por Lilico
Alves: voltar para o quarto de hotel, comprovar sua competência mágica, espantar-se, refazer a mágica.
15
Carvalho, José Candido de. Por que Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974.
47
Unidade I
• clímax: momento de maior tensão vivido pela personagem decorrente de suas atitudes, decisões,
sentimentos.
O clímax dá-se quando Lilico Alves decide comprovar que de fato consegue fazer mágica e surge
um arco-íris.
• desfecho: o final da história, em que há uma solução para o conflito. A solução pode ser triste ou
alegre; dramática ou pode consistir no famoso happy end.
Na narrativa apresentada, a solução consiste na decisão de Lilico Alves de desistir de seu ofício.
Então, para que um texto seja narrativo, é preciso criar personagens (e apresentá-los), instaurar um
problema que determinará o conflito central em torno do qual as personagens se relacionam em busca
da solução. Quando chega ao auge, tem-se o clímax, e daí em diante torna-se necessário apresentar a
resolução do problema, que constitui o desfecho. Normalmente, um texto narrativo contém, ainda, uma
moral, que corresponde a uma avaliação, a um juízo de valor
Relato
implícito no texto.
É um texto que trata de uma
A narrativa, além de estrutura, contém elementos sucessão de fatos. Exemplo de relato:
pessoa se levanta às 6h, toma banho,
fundamentais: personagens, tempo e espaço. Há narração toma café, pega a bolsa e sai para
quando as personagens, por meio de ações, transformam-se, trabalhar. Não existe conflito, ou seja,
no tempo e no espaço determinados no desenvolvimento do nenhum fato para desestruturar a vida
da personagem.
texto. Esse conjunto constitui o que se denomina enredo.
Além de todos esses elementos apresentados, é importante ressaltar que em um texto narrativo há
um narrador, aquele que “conta a história”. Ele assume um ponto de vista, que é demonstrado pelo uso
da 1ª ou da 3ª pessoa. O narrador em 1ª pessoa está mais próximo dos fatos narrados e o narrador em 3ª
pessoa mais distanciado, como se observasse “de longe” o que está acontecendo. Ressalto, no entanto,
que o narrador de 3ª pessoa pode conhecer pensamentos e sentimentos das personagens.
O texto Mágico de pequenas extrações não chega a pássaro azul é um conto, e sua estrutura, como
já dissemos, é narrativa. Geralmente, em textos narrativos há passagens descritivas, verificadas nos
fragmentos:
48
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
As passagens descritivas não tornam o texto, que é essencialmente narrativo, em descritivo. Elas
servem para ajudar na caracterização da personagem, de um lugar, de um julgamento de valor.
O texto narrativo está muito ligado ao mundo da literatura, uma vez que narrar é contar história e,
a maioria delas, é inventada, é ficcional.
EXERCÍCIO
Para ajudá-lo, caro aluno, a produzir sua história, deixo-lhe a estrutura da narrativa para completá-
la com dados inventados, frutos de sua criatividade.
Situação inicial:
Conflito:
Chegou exatamente às 20h. O horário de verão acabara há uma semana. Quando viu, pela janela do
apartamento, ___________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
Desenvolvimento:
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
49
Unidade I
Desfecho:
Resolução do exercício:
A sua história, caro aluno, a partir do conflito, pode ter-se desenvolvido de vários modos. Você pode
ter criado uma narrativa de suspense: o personagem que mora ou visita o apartamento do 2º andar
pode ter presenciado uma cena suspeita. Talvez, por um ímpeto romântico, você criou uma história
de amor, do(a) morador(a) do apartamento que vê o futuro amor nos fundos do prédio. Ou criou uma
narrativa dramática, em que a personagem se encontra em uma situação social (econômica) difícil.
Uma narrativa pode ser, então, divertida ou dramática (séria), de amor, de suspense, policial, de ficção
científica e de tantas outras formas.
A argumentação está mais ligada ao conteúdo e pode apresentar-se de outras formas (como narração
ou descrição). Esse é o tipo de texto que revela a intenção do sujeito de convencer e/ou persuadir “o
outro” sobre a validade de uma tese, que compreende uma proposição (ideia proposta) a ser defendida
no desenvolvimento do texto.
Em vez de um texto científico, com carga pesada de seriedade e dificuldade lexical e de conteúdo,
o exemplo de texto argumentativo a seguir é uma crônica do famoso escritor brasileiro Luís Fernando
Veríssimo, e o caráter irônico do texto é logo percebido pelo leitor.
Penas
Dizem muito que, no Brasil, os corruptos ficam soltos enquanto os ladrões de galinha vão
para a cadeia. Dando a entender que as penas, sem trocadilho, não são adequadas aos
crimes. É um enfoque errado. Se o valor de qualquer ação se mede pelo grau de dificuldade,
então roubar galinha é um crime infinitamente mais importante do que corromper ou ser
corrompido, no Brasil.
O roubo de galinha envolve trabalho intelectual. Como o ladrão de galinha dificilmente terá
um curso superior, o planejamento é duplamente trabalhoso. Ele precisa escolher o galinheiro.
Decidir a hora e o método de ataque. No caso de optar por uma ruptura da cerca, o ladrão de
galinha necessita de um instrumento adequado. Se optar pelo salto, precisará de uma vara.
Investimento. Se usar a vara, terá que tomar distância, o que significa fazer cálculos. Talvez
seja recomendável algum treinamento preliminar. Como fazer para neutralizar o cachorro, se
houver? Uma vez dentro do galinheiro, como evitar a algazarra das galinhas, notoriamente
nervosas, e as bicadas do galo? Se for noite, como escolher a galinha a ser carregada? Para
50
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
roubar um banco, o ladrão pode coagir os funcionários e os clientes do banco com armas e
gritos. Experimente silenciar um bando de galinhas com a ameaça de estourar seus miolos,
ainda mais com o galo bicando seu tornozelo. Outra coisa. Muitas vezes o homem que rouba
duzentos ou trezentos milhões o faz porque a oportunidade se apresenta, num instante
fortuito. Ele não resiste ao impulso de colocar alguns zeros a mais na guia de pagamento
do INSS, por exemplo, ou subfaturar uma transação. Rouba porque está ali, fazendo outra
coisa. Mas quem está dentro de um galinheiro alheio, no meio da noite, não está ali pra outra
coisa além de roubar galinha. O roubo de galinha é sempre premeditado. Ninguém pode
alegar motivos passionais, ou insanidade passageira, ou a necessidade de fundos para uma
campanha eleitoral, ou simplesmente diletantismo, para ter roubado uma galinha. Só uma
mente criminosa irrecuperável pensa em roubar galinhas, sabendo todo o trabalho que terá.
Compare-se isso ao tráfico de influência, que muitas vezes só requer um telefonema, feito do
próprio local de trabalho.
Ao contrário do corrupto, que sabe que jamais será punido, o ladrão de galinha sabe que
irá preso. Por isso, para ser ladrão de galinha é preciso ter vocação para o crime, além de
uma determinação sobre-humana, característica de uma personalidade obsessiva, que em
absoluto pode ficar solta.16
Pelo fato de o texto ter carga literária, por se tratar de uma crônica e ter linguagem ambígua,
o leitor pode restringir-se ao texto, como esclarecem Mari e Mendes (2005), e fazer uma leitura da
argumentação dentro do mundo literário:
• tese (proposição, ideia proposta): roubar galinha é muito mais complicado do que roubar um
banco do INSS.
• argumentos: roubar galinha:
– envolve trabalho intelectual, como decidir a melhor hora, o melhor método etc.
– exige instrumentos adequados: vara, transporte de galinha.
– requer tomada de decisões: escolher o galinheiro, escolher a galinha.
– implica ação premeditada.
– representa crime vocacional.
16
Veríssimo, Luís Fernando. Jornal do Brasil, sáb., 6 de jan., 1996.
51
Unidade I
O leitor, no entanto, pode decidir relacionar o texto de Veríssimo com o mundo. Nesse caso, nós
temos outra argumentação:
• tese (proposição, ideia proposta): no Brasil, os responsáveis por grandes roubos não são punidos.
Dado o exemplo, já deu para verificar que o texto argumentativo possui uma estrutura básica. Na
sugestão de Emediato (2004), a estrutura básica é constituída de:
EXERCÍCIO
Após a leitura do texto O recuo do deserto (revista Veja, ed. 1.193, p. 56), verifique: a) a afirmação
apresentada pelo autor; b) posicionamento a favor ou contra uma tese já existente; c) o argumento
apresentado que comprova a tese; d) conclusão do autor.
O recuo do deserto
que supunham, porém, uma comparação entre fotos de satélite colhidas durante uma década
mostra um movimento diferente. Nos últimos seis anos, por exemplo, o deserto diminuiu
713.000 quilômetros quadrados.
A descoberta joga areia nos planos mirabolantes para a contenção de um suposto avanço
do Saara sobre a região do Sahel, ao sul do deserto, considerada uma faixa de transição
entre as dunas de areia e a vegetação das savanas africanas. A região é habitada por
pastores nômades e se tornou mundialmente famosa pelas cenas de miséria registradas
nos povoados. O Sahel era considerado um trecho marcado para ser engolido pelo deserto.
A ONU, a Organização das Nações Unidas, estudava a viabilidade de executar um projeto
através do qual se plantariam fileiras de árvores, que serviriam de “muro verde” e conteriam
o avanço da areia. Os novos dados da Nasa mostram que a obra não será necessária: nos
últimos seis anos, foi o deserto que perdeu terreno para o Sahel – e não o contrário, como
os ecologistas acreditavam.
a) ______________________________________________________
b) ______________________________________________________
c) ______________________________________________________
d) ______________________________________________________
Resolução do exercício:
O texto não é atual, mas isso não é importante para a nossa identificação de como se estrutura
um texto argumentativo. No exercício, o texto possui as seguintes estruturas argumentativas: a) tese
ou afirmação: os desertos têm a tendência de diminuir sua extensão geográfica; b) essa afirmação
nega a tese já existente: os ecologistas acreditam que a ação humana contra a natureza faz criar ou
aumentar desertos; c) o argumento: a diminuição do deserto do Saara, verificada por meio de fotos
tiradas durante uma década; d) conclusão: o autor retoma o dado de que o deserto diminuiu e nega a
visão dos ecologistas.
Os argumentos podem ser divididos em dois grupos: os que são utilizados para persuadir o interlocutor
e os que servem para convencê-lo. O primeiro grupo corresponde ao que Emediato (2004) denomina
argumentação retórica, que se apoia em valores, crenças e lugares comuns, ao passo que o segundo se
apoia em fatos e verdades e é denominado argumentação demonstrativa pelo autor. No caso do texto
Penas, de Veríssimo, trata-se de uma argumentação retórica, enquanto no texto O recuo do deserto a
argumentação é demonstrativa.
Um texto argumentativo normalmente é composto dos dois tipos de argumento, os quais o produtor
(do texto) deve associar na busca da defesa de sua tese, tornando seu texto coerente. No entanto,
dependendo do tipo de texto a ser produzido, pode haver predominância de um tipo sobre o outro. Com
relação a isso, Emediato (2004, p. 169) propõe o seguinte quadro:
53
Unidade I
Há uma variedade de tipos de argumentos – que podem ser utilizados na organização discursivo-
textual do texto argumentativo –, resumidos por Palma e Zanotto (in: Bastos, 2000):
EXERCÍCIOS
1. O discurso publicitário explora bastante os argumentos de autoridade, porque eles conferem maior
efeito de convencimento do consumidor sobre a eficácia do produto. Preste atenção a propagandas
54
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
passadas na televisão ou anunciadas em revistas e elenque, no mínimo, cinco que utilizam como
argumento a voz de autoridade, ou seja, um profissional, especialista no produto anunciado; uma atriz,
cuja beleza (ou outra característica marcante) é associada ao produto etc.
2. A voz de autoridade é um tipo de argumento sempre presente em textos científicos, uma vez que
o autor recorre a outros autores para dar base à tese. O fragmento do texto abaixo é um artigo científico
que trata da história da educação, focando, em especial, a inclusão.
A história educacional, de acordo com Ragonesi (1997), tem mostrado um quadro bastante
diferente daquele proposto pela primeira Constituição brasileira promulgada em 1823, que
estabeleceu a instrução primária como obrigatória, gratuita e extensiva a todos os cidadãos.
Segundo pesquisas do autor, o Brasil tem sido considerado o pior do mundo em questão de
educação.
A partir da segunda metade do século XX, as escolas normais procuravam adotar seu modelo
de ensino, inspiradas pelos Estados Unidos e pela Teoria da Carência. Esta, por sua vez,
explicava o rendimento escolar observando crianças de diferentes níveis socioeconômicos e
considerava que as crianças das camadas mais pobres não possuíam a mesma aptidão para o
aprendizado que as crianças de classe privilegiada (Lima, 2005).
a) O texto de Dota e Alves é argumentativo. Qual é a tese (afirmação feita) proposta pelas autoras
em relação à educação de inclusão no Brasil?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
16
Dota, Fernanda Piovesan; Alves, Denise Maria. Educação especial no Brasil: uma análise histórica. Revista Científica
Eletrônica de Psicologia. Ano 5, nº 8, maio, 2007.
55
Unidade I
b) Para provar que sua tese está correta, quantos e quais foram os argumentos usados pelas
autoras?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
c) O tipo de argumento usado pelas autoras foi o argumento de autoridade. A quantas vozes de
autoridade as autoras recorreram para montar seu argumento?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
3. Agora é o momento de produzir seu texto argumentativo. A estrutura do texto consistirá em:
parágrafo introdutório, em que você escreverá o seu ponto de vista sobre o assunto, fazendo uma
afirmação (tese). O(s) parágrafo(s) seguinte(s) servirá(ão) para você provar que sua tese/afirmação está
certa; você terá então um argumento baseado em afirmação estatística. Para isso, escolha um dos
quadros estatísticos abaixo. O último parágrafo será sua conclusão sobre o assunto.
Quadro A: tabela apresentada por Grácio e Garrutti, professores de universidades federais em São
Paulo.
Provas escritas 13 81 7 77
Trabalhos em grupo 9 56 4 44
Trabalhos individuais 7 44 4 44
Lista de exercícios 4 25 2 22
Trabalho de pesquisa 3 19 3 33
Seminários 2 12 1 11
1
Porcentagem calculada em relação ao total de 16 planos de ensino.
2
Porcentagem calculada em relação ao total de 9 instituições.
56
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
% Motivo
12,0% Não existe preocupação
40,0% Legislação
20,0% Atendimento a órgãos financiadores
28,0% Solicitação do cliente
8,0% ISO14001*
28,0% Outros
*ISO14001:2004 é uma norma publicada pela International Organization for Standardization e descreve requisitos para a
implementação de um sistema de gestão ambiental.
1. Você, aluno, deve ter-se deparado com certa diversidade de anúncios e verificado que um
dos recursos argumentativos usados pelos publicitários é o argumento de autoridade. Em anúncio
de pasta de dente, por exemplo, aparece dentista (com avental branco, sorriso metálico, crachá)
e, abaixo do nome dele, o CRO. A figura do dentista confere ao produto credibilidade, afinal, é
um especialista em saúde dentária que dá o aval à pasta anunciada. Em anúncio de xampu e
outros produtos de beleza, aparece uma atriz/cantora/apresentadora cuja beleza é usada para ser
associada ao produto.
b) Para provar sua tese, as autoras mostram cinco argumentos, que são: 1. a história da educação resulta
em pior quadro de inclusão; 2. afastamento ou desinteresse dos pais; 3. teorias/metodologias que
acreditam que criança pobre não tem aptidão; 4. falta de uma política educacional democrática;
5. educação está em último na lista de verba.
d) O processo político no Brasil volta-se para os interesses de uma classe social apenas, a
dominante.
57
Unidade I
3. O texto argumentativo feito por você, caro aluno, deve ter-se constituído de argumento por
afirmação estatística. Você escolheu seu assunto, posicionou-se sobre ele (ou seja, expôs sua opinião) e
usou um dos quadros como argumento para validar sua tese.
3.1.3.1 Falácia
Muitas vezes, no entanto, o que seria um texto argumentativo com conclusão, em decorrência
de proposições plausíveis, pode não sê-lo por conta do produtor do texto que, por razões diversas,
escamoteia o raciocínio e incorre, portanto, em falácias.
• ignorância da questão: a pessoa desvia do assunto que está em discussão. Tal falácia é muito vista
em debates políticos.
• círculo vicioso: consiste em dar à causa da declaração a própria declaração, como neste exemplo:
João morreu pobre porque não tinha dinheiro.
Em argumentação e em falácia,
• falsos axiomas: consiste em dar argumentos a partir os estudiosos do assunto empregam
de verdades aparentes, como máximas, provérbios ou muitos termos em latim. Entre eles:
pensamentos. dispositio (disposição); actio (ação);
ad baculum (recurso à força); ad
misericordiam (apelo à piedade).
A seguir, convido você, caro aluno, a ler o conto O amor
é uma falácia e a verificar os tipos de falácia (e a se proteger
contra elas) de forma bem humorada.
Eu era frio e lógico. Sutil, calculista, perspicaz, arguto e astuto – era tudo isso. Tinha um
cérebro poderoso como um dínamo, preciso como uma balança de farmácia, penetrante como
um bisturi. E tinha – imaginem só – dezoito anos.
Não é comum ver alguém tão jovem com um intelecto tão gigantesco. Tomem, por
exemplo, o caso do meu companheiro de quarto na universidade, Pettey Bellows. Mesma
idade, mesma formação, mas burro como uma porta. Um bom sujeito, compreendam,
mas sem nada lá em cima. Do tipo emocional. Instável, impressionável. Pior do que
tudo, dado a manias. Eu afirmo que a mania é a própria negação da razão. Deixar-se
levar por qualquer nova moda que apareça, entregar-se a alguma idiotice só porque
os outros a seguem, isto, para mim, é o cúmulo da insensatez. Pettey, no entanto, não
pensava assim.
Certa tarde, encontrei-o deitado na cama com tal expressão de sofrimento no rosto que o
meu diagnóstico foi imediato: apendicite.
– Eu devia ter adivinhado – gritou ele, socando a cabeça – Devia ter adivinhado que eles
voltariam com o Charleston. Como um idiota, gastei todo o meu dinheiro em livros para as
aulas e agora não posso comprar uma jaqueta de couro preto.
– Quer dizer – perguntei incrédulo – que estão mesmo usando jaquetas de couro preto outra
vez?
– Preciso conseguir uma jaqueta de couro preto – disse, exaltado – Preciso mesmo.
– Por que, Pettey? Veja a coisa racionalmente. Jaquetas de couro preto são desconfortáveis.
Impedem o movimento dos braços. São pesadas, são feias, são ...
– Você não compreende – interrompeu ele com impaciência – é o que todos estão usando.
Você não quer andar na moda?
– Pois eu sim – declarou ele – daria tudo para ter uma jaqueta de couro preto. Tudo.
Alisei o queixo, pensativo. Eu, por acaso, sabia onde encontrar uma jaqueta de couro preto.
Meu pai usara uma nos seus tempos de estudante; estava agora dentro de um malão, no sótão
59
Unidade I
da casa. E, também por acaso, Pettey tinha algo que eu queria. Não era dele, exatamente, mas
pelo menos ele tinha alguns direitos sobre ela. Refiro-me a sua namorada, Polly Spy.
Eu há muito desejava Polly Spy. Apresso-me a esclarecer que o meu desejo não era de natureza
emotiva. A moça, não há dúvida, despertava emoções, mas eu não era daqueles que se deixam
dominar pelo coração. Desejava Polly para fins engenhosamente calculados e inteiramente
cerebrais.
Cursava eu o primeiro ano de direito. Dali a algum tempo, estaria me iniciando na profissão.
Sabia muito bem a importância que tinha a esposa na vida e na carreira de um advogado.
Os advogados de sucesso, segundo as minhas observações, eram quase sempre casados
com mulheres bonitas, graciosas e inteligentes. Com uma única exceção, Polly preenchia
perfeitamente estes requisitos.
Era bonita. Suas proporções ainda não eram clássicas, mas eu tinha certeza de que o tempo
se encarregaria de fornecer o que faltava. A estrutura básica estava lá.
Graciosa também era. Por graciosa quero dizer cheia de graças sociais. Tinha porte ereto, a
naturalidade no andar e a elegância que deixavam transparecer a melhor das linhagens. À mesa,
suas maneiras eram finíssimas. Eu já vira Polly no barzinho da escola comendo a especialidade
da casa – um sanduíche que continha pedaços de carne assada, molho, castanhas e repolho
– sem nem sequer umedecer os dedos.
Inteligente ela não era. Na verdade, tendia para o oposto. Mas eu confiava em que, sob
a minha tutela, haveria de tornar-se brilhante. Pelo menos valia a pena tentar. Afinal de
contas, é mais fácil fazer uma moça bonita e burra ficar inteligente do que uma moça feia e
inteligente ficar bonita.
– Eu acho que ela é interessante – respondeu – mas não sei se chamaria isso de amor. Por quê?
– Você – continuei – tem alguma espécie de arranjo formal com ela? Quero dizer, vocês saem
exclusivamente um com o outro?
– Não. Nos vemos seguidamente. Mas saímos os dois com outros também. Por quê?
– Existe alguém – perguntei – algum outro homem que ela goste de maneira especial?
– Em outras palavras, a não ser por você, o campo está livre, é isso?
60
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
– Nada, nada – respondi com inocência, tirando minha mala de dentro do armário.
– Escute – disse Pettey, apegando-se com força ao meu braço – em casa, será que você
não poderia pedir dinheiro ao seu pai, e me emprestar para comprar uma jaqueta de couro
preto?
– Posso até fazer mais do que isso – respondi, piscando o olho misteriosamente. Fechei a mala
e saí.
– Olhe – disse a Pettey, ao voltar na segunda-feira de manhã. Abri a mala e mostrei o enorme
objeto cabeludo e fedorento que meu pai usara ao volante de seu Stutz Beacat em 1955.
– Santo Pai – exclamou Pettey com reverência. Passou as mãos na jaqueta e depois no rosto.
– Sim – gritou ele, apertando a jaqueta contra o peito. Em seguida, seus olhos assumiram um
ar precavido. – O que quer em troca?
– Isso mesmo.
Dei de ombros.
Sentei-me numa cadeira e fingi que lia um livro, mas continuei espiando Pettey, com o rabo
61
Unidade I
dos olhos. Era um homem partido em dois. Primeiro olhava para a jaqueta com a expressão
de uma criança desamparada diante da vitrine de uma confeitaria. Depois dava-lhe as costas
e cerrava os dentes, altivo. Depois voltava a olhar para a jaqueta. Com uma expressão ainda
maior de desejo no rosto. Depois virava-se outra vez, mas agora sem tanta resolução. Sua
cabeça ia e vinha, o desejo ascendendo, a resolução descendendo. Finalmente, não se virou
mais: ficou olhando para a jaqueta com pura lascívia.
– Nada – respondi.
Ele obedeceu. A jaqueta ficou bem larga, passando da cintura. Ele parecia um motoqueiro mal
vestido da década de cinquenta.
– Negócio feito?
– Puxa, que jantar interessante! – disse ela, quando saímos do restaurante. Fomos ao
cinema.
Procedi, como sempre, sistematicamente. Dei-lhe um curso de lógica. Acontece que, como
estudante de direito, eu frequentava na ocasião aulas de lógica, e portanto tinha tudo na
ponta da língua.
– Polly – disse eu, quando fui buscá-la para o nosso segundo encontro. – Esta noite vamos
até o parque conversar.
Uma coisa deve ser dita em favor da moça: seria difícil encontrar alguém tão bem disposta
para tudo.
Fomos até o parque, o local de encontros da universidade, nos sentamos debaixo de uma
árvore, e ela me olhou cheia de expectativa.
– Sobre lógica.
– Interessante!
63
Unidade I
– Dicto simpliciter quer dizer um argumento baseado numa generalização não qualificada.
Por exemplo: o exercício é bom, portanto todos devem se exercitar.
– Polly – disse eu, com ternura – o argumento é uma falácia. Dizer que o exercício é bom é
uma generalização não qualificada. Por exemplo: para quem sofre do coração, o exercício é
ruim. Muitas pessoas têm ordem de seus médicos para não se exercitarem. É preciso qualificar
a generalização. Deve-se dizer: o exercício é geralmente bom, ou é bom para a maioria das
pessoas. Do contrário está-se cometendo um dicto simpliciter. Você compreende?
– Não – confessou ela. – Mas isso é interessante. Quero mais. Quero mais!
– Será melhor se você parar de puxar a manga da minha camisa – disse eu e, quando ela
parou, continuei:
– Em seguida, abordaremos uma falácia chamada generalização apressada. Ouça com atenção:
você não sabe falar francês, eu não sei falar francês, Pettey Bellows não sabe falar francês.
Devo portanto concluir que ninguém na universidade sabe falar francês.
– Você conhece outras falácias? – perguntou ela, animada. – Isto é até melhor do que
dançar.
– Esforcei-me por conter a onda de desespero que ameaçava me invadir. Não estava
conseguindo nada com aquela moça, absolutamente nada. Mas não sou outra coisa senão
persistente. Continuei.
– A seguir, vem o post hoc. Ouça: Não levemos Bill conosco ao piquenique. Toda vez que ele
vai junto, começa a chover.
– Eu conheço uma pessoa exatamente assim – exclamou Polly. – Uma moça da minha cidade,
Eula Becker. Nunca falha. Toda vez que ela vai junto a um piquenique...
– Polly – interrompi, com energia – é uma falácia. Não é Eula Becker que causa a chuva. Ela
não tem nada a ver com a chuva. Você estará incorrendo em post hoc se puser a culpa na
Eula Becker.
64
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
– Nunca mais farei isso – prometeu ela, constrangida. – Você está bravo comigo?
– Aí vai um exemplo de premissas contraditórias. Se Deus pode fazer tudo, pode fazer uma
pedra tão pesada que ele mesmo não consiga levantar?
– É mesmo – disse ela, pensativa. – Bem, então eu acho que ele não pode fazer a pedra.
Consultei o relógio.
– Acho melhor parar por aqui. Levarei você em casa, e lá pensará no que aprendeu hoje.
Teremos outra sessão amanhã.
Deixei-a no dormitório das moças, onde ela me assegurou que a noitada fora realmente
interessante, e voltei desanimadamente para o meu quarto. Pettey roncava sobre sua cama,
com a jaqueta de couro encolhida a seus pés. Por alguns segundos, pensei em acordá-lo e
dizer que ele podia ter Polly de volta. Era evidente que o meu projeto estava condenado ao
fracasso. Ela tinha, simplesmente, uma cabeça à prova de lógica.
65
Unidade I
Mas logo reconsiderei. Perdera uma noite, por que não perder outra? Quem sabe se em
alguma parte daquela cratera de vulcão adormecido que era a mente de Polly, algumas
brasas ainda estivessem vivas. Talvez, de alguma maneira, eu ainda conseguisse abaná-
las até que flamejasse. As perspectivas não eram das mais animadoras, mas decidi tentar
outra vez.
– Ouça com atenção – comecei – Um homem vai pedir emprego. Quando o patrão pergunta
quais as suas qualificações, o homem responde que tem uma mulher e dois filhos em casa,
que a mulher é aleijada, as crianças não têm o que comer, não têm o que vestir nem o que
calçar, a casa não tem camas, não há carvão no porão e o inverno se aproxima.
Uma lágrima desceu por cada uma das faces rosadas de Polly.
Dei-lhe um lenço e fiz o possível para não gritar enquanto ela enxugava os olhos.
– A seguir – disse, controlando o tom da voz – discutiremos a falsa analogia. Eis um exemplo:
deviam permitir aos estudantes consultar seus livros durante os exames. Afinal, os cirurgiões
levam as radiografias para se guiarem durante uma operação, os advogados consultam seus
papéis durante um julgamento, os construtores têm plantas que os orientam na construção
de uma casa. Por que, então, não deixar que os alunos recorram a seus livros durante uma
prova?
– Pois olhe – disse ela entusiasmada – está é a ideia mais interessante que eu já ouvi em muito
tempo.
– Preste atenção: se Madame Curie não deixasse, por acaso, uma chapa fotográfica numa
gaveta junto com uma pitada de pechblenda, nós hoje não saberíamos da existência do
rádio.
– É mesmo, é mesmo – concordou Polly, sacudindo a cabeça. – Você viu o filme? Eu fiquei
louca pelo filme. Aquele Walter Pidgeon é tão bacana! Ele me faz vibrar.
– Se conseguir esquecer o sr. Pidgeon por alguns minutos – disse eu, friamente – gostaria
de lembrar que o que eu disse é uma falácia. Madame Curie teria descoberto o rádio de
alguma outra maneira. Talvez outra pessoa o descobrisse. Muita coisa podia acontecer.
Não se pode partir de uma hipótese que não é verdadeira e tirar dela qualquer conclusão
defensável.
– Eles deviam colocar o Walter Pidgeon em mais filmes – disse Polly – Eu quase não vejo ele
no cinema.
Mais uma tentativa, decidi. Mas só mais uma. Há um limite para o que podemos suportar.
– Dois homens vão começar um debate. O primeiro se levanta e diz: ‘o meu oponente é um
mentiroso conhecido. Não é possível acreditar numa só palavra do que ele disser’. Agora, Polly,
pense bem, o que está errado?
– Não é justo! – disse ela com indignação – Não é justo. O primeiro envenenou o poço antes
que os outros pudessem beber dele. Atou as mãos do adversário antes da luta começar...
– Como vê, minha querida, não é tão difícil. Só requer concentração. É só pensar, examinar,
avaliar. Venha, vamos repassar tudo o que aprendemos até agora.
Animado pela descoberta de que Polly não era uma cretina total, comecei uma longa e paciente
revisão de tudo o que dissera até ali. Sem parar citei exemplos, apontei falhas, martelei sem
dar trégua. Era como cavar um túnel. A princípio, trabalho duro e escuridão. Não tinha ideia
de quando veria a luz ou mesmo se a veria. Mas insisti. Dei duro, até que fui recompensado.
Descobri uma fresta de luz. E a fresta foi se alargando até que o sol jorrou para dentro do
túnel, clareando tudo.
Levara cinco noites de trabalho forçado, mas valera a pena. Eu transformara Polly em uma
lógica, e a ensinara a pensar. Minha tarefa chegara a bom termo. Fizera dela uma mulher
digna de mim. Está apta a ser minha esposa, uma anfitriã perfeita para as minhas muitas
mansões. Uma mãe adequada para os meus filhos privilegiados.
Não se deve deduzir que eu não sentia amor por ela. Muito pelo contrário. Assim como
Pigmaleão amara a mulher perfeita que moldara para si, eu amava a minha. Decidi comunicar-
lhe os meus sentimentos no nosso encontro seguinte. Chegara a hora de mudar as nossas
relações, de acadêmicas para românticas.
– Polly, disse eu, na próxima vez que nos sentamos sob a árvore – hoje não falaremos de
falácias.
– Minha querida – prossegui, favorecendo-a com um sorriso – hoje é a sexta noite que estamos
juntos. Nos demos esplendidamente bem. Não há dúvidas de que formamos um bom par.
– Generalização apressada – repetiu ela. – Como é que você pode dizer que formamos um
bom par baseado em apenas cinco encontros?
Dei uma risada, contente. Aquela criança adorável aprendera bem as suas lições.
– Minha querida – disse eu, dando um tapinha tolerante na sua mão –cinco encontros são o
bastante. Afinal, não é preciso comer um bolo inteiro para saber se ele é bom ou não.
– Falsa analogia – disse Polly prontamente – eu não sou um bolo, sou uma pessoa.
Dei outra risada, já não tão contente. A criança adorável talvez tivesse aprendido a sua lição
bem demais. Resolvi mudar de tática. Obviamente, o indicado era uma declaração de amor
simples, direta e convincente. Fiz uma pausa, enquanto o meu potente cérebro selecionava as
palavras adequadas. Depois reiniciei.
68
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
– Polly, eu te amo. Você é tudo no mundo pra mim, é a lua e a estrelas e as constelações no
firmamento. Por favor, minha querida, diga que será minha namorada, senão a minha vida
não terá mais sentido. Enfraquecerei, recusarei comida, vagarei pelo mundo aos tropeções,
um fantasma de olhos vazios.
Cerrei os dentes. Eu não era Pigmaleão; era Frankenstein, e o meu monstro me tinha pela
garganta. Lutei desesperadamente contra o pânico que ameaçava invadir-me. Era preciso
manter a calma a qualquer preço.
– Bem, Polly –disse, forçando um sorriso – não há dúvida de que você aprendeu bem as falácias.
– Foi você.
– Isso mesmo. E, portanto, você me deve alguma coisa, não é mesmo, minha querida? Se não
fosse por mim, você nunca saberia o que é uma falácia.
– Polly – insisti, com voz rouca – você não deve levar tudo ao pé da letra. Estas coisas só têm valor
acadêmico. Você sabe muito bem que o que aprendemos na escola nada tem a ver com a vida.
– Porque hoje à tarde eu prometi a Pettey Bellows que eu seria a namorada dele.
Quase caí para trás, fulminado por aquela infâmia. Depois de prometer, depois de fecharmos
negócio, depois de apertar a minha mão!
69
Unidade I
– Aquele rato! – gritei, chutando a grama. – Você não pode sair com ele, Polly. É um mentiroso.
Um traidor. Um rato.
– Envenenar o poço – disse Polly – E pare de gritar. Acho que gritar também deve ser uma
falácia.
– Muito bem – disse – você é uma lógica. Vamos olhar as coisas logicamente. Como pode
preferir Pettey Bellows? Olhe para mim: um aluno brilhante, um intelectual formidável, um
homem com futuro assegurado. E veja Pettey: um maluco, um boa-vida, um sujeito que
nunca saberá se vai comer ou não no dia seguinte. Você pode me dar uma única razão lógica
para namorar Pettey Bellows?
– Posso sim – declarou Polly – Ele tem uma jaqueta de couro preto.18
Primeira forma de antimatéria a ser descoberta, o pósitron é uma partícula atômica com
massa e carga idênticas às do elétron, mas de sinal oposto (positivo). A emissão dos raios
gama em sentidos contrários comprova essa equivalência de massa e energia, pois as massas
do elétron e do pósitron desaparecem, gerando radiação eletromagnética de energia – uma
reação de aniquilamento.
Previsto teoricamente em 1928 pelo inglês Paul Dirac, a primeira observação experimental
do pósitron foi feita em 1932 pelo norte-americano Carl David Anderson. Logo se
evidenciou que, na presença de campos elétricos intensos, fótons (partículas de luz) de
alta energia produzem pares de elétrons-pósitrons. O pósitron pode ser produzido por
meio de desintegração nuclear, tem percurso extremamente curto na matéria e só pode
existir plenamente no vácuo. É utilizado em certas tomografias para localizar tumores
e lesões em tecidos.19
O objetivo do texto expositivo é informar o leitor sobre um dado referente. Os textos expositivos são
utilizados em discursos da ciência, da filosofia, em livros didáticos, em divulgação científica etc.
O texto exemplificado serve para expor o fato de que a existência do pósitron é evidência de
antimatéria. Outros textos expositivos podem, por exemplo, servir para expor a demonstração da solução
de um dado problema ou para explicar um fenômeno.
18
Sulman, M. As calcinhas cor-de-rosa do capitão. Porto Alegre: Globo, 1973.
19
Ferro, Luís Cláudio. O que é pósitron. Revista Globo Ciência.
70
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
Os textos, de forma geral, não são puros, pois se valem de diferentes tipos textuais. No caso
do texto expositivo, quando o produtor considera como válida uma explicação e não outra,
assume um ponto de vista, ou seja, segue a estrutura básica da exposição, mas recorre também à
argumentação.
Nesse sentido, a estrutura da argumentação pode ser identificada no texto O que é pósitron,
segundo Palma e Zanotto (in: Bastos, 2000), que verificam a tese – a existência de pósitron como
evidência da antimatéria –, justificativas – partícula atômica com massa e carga idênticas às do
elétron, mas de sinal oposto; emissão de dois raios gama em sentidos contrários, causando reação de
aniquilamento – e conclusão – o pósitron é uma manifestação da antimatéria.
O texto de opinião é muito veiculado nas esferas da política e do jornalismo. Ele serve para apresentar
o ponto de vista do autor sobre um tema, como no exemplo a seguir.
Nada menos que 72% dos pesquisadores incluídos numa revisão ampla de 2009 afirmam
já ter presenciado algum tipo de má conduta. As falcatruas vão de pecados veniais, como a
inclusão honorária de autores que não participaram de um estudo, a pecados capitais, como
falsificar ou fabricar dados.
Nas faculdades de medicina brasileiras, por exemplo, é prática comum pôr o nome do chefe
da cadeira entre as assinaturas de um artigo científico, mesmo que ele não tenha noção
do que vai escrito ali. Há quem defenda a aberração, argumentando que o fulano criou as
condições para que a pesquisa fosse realizada.
Sendo assim, por que não incluir também o nome do reitor em todos os estudos realizados
numa universidade? Antes que algum reitor ou bajulador afoito se encante com a ideia, aviso
que se trata de um argumento por absurdo.
Não deve ser por acaso que se realizou em Cingapura, de 21 a 24 de julho, a Segunda
Conferência Mundial sobre Integridade em Pesquisa. O evento lançou para discussão
aberta na internet o documento Singapore Statement (Manifesto de Cingapura), que
lista 13 princípios e dá a seguinte definição de integridade científica: “Integridade em
pesquisa é definida como a confiabilidade da investigação por força da solidez de seus
métodos e da honestidade e precisão na sua apresentação. Falta integridade à pesquisa
quando seus métodos ou apresentação distorcem ou deturpam a verdade”.
71
Unidade I
O raciocínio básico da psicologia evolucionista afirma que, se algo existe hoje, é porque foi
selecionado no passado por conferir vantagem adaptativa. Coisas como senso de justiça
e altruísmo teriam sido úteis para a sobrevivência de indivíduos ou espécies primatas, em
priscas eras, e por isso teriam sobrevivido (possivelmente “codificadas” no DNA da espécie).
Há quem conclua daí que as pessoas são boas ou más por causa de seus genes, o que ajuda a
entender a popularidade desses estudos.
Hauser é um pouco mais sofisticado. Seu livro Moral Minds, de 2006, teve boa repercussão.
A qualidade de alguns de seus trabalhos científicos, porém, começou a ser investigada há
pelo menos um ano por Harvard, noticiaram os jornais Boston Globe e The New York Times. A
imprensa brasileira aparentemente ignorou a péssima notícia. Se quiser ler algo em português,
dirija-se ao diário luso Expresso.
Pode ser uma maneira de preservar a reputação pessoal de Hauser, claro. Se for isso, mesmo,
reforçaria a hipótese de que os erros (ou fraudes) sejam menores, ou cometidos sem seu
conhecimento por um integrante júnior da equipe.
O galho é que, sem esses esclarecimentos, toda a obra de Hauser e de seus colaboradores
fica sob suspeita. Não dá para saber se houve uma falha localizada de supervisão, ou
uma prática corrente em seu laboratório. O silêncio de Harvard só contribui para turvar
ainda mais as águas.
A Escola Médica de Harvard pelo menos criou um Escritório de Integridade Científica. Agora
tente encontrar na página da Faculdade de Medicina da USP, a mais prestigiada do país, algo
similar a isso – se existe, não se encontra com muita facilidade.
72
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
Alguém duvidaria, em sã consciência, que fraudes científicas vão de vento em popa também
no Brasil?20
O leitor verifica que, em texto opinativo, o autor não escreve qualquer opinião sem fundamento.
Como esclarece Fiorin (2005, p. 112-113):
É preciso deixar bem claro que um texto opinativo não se funda apenas num eu acho que. Na
verdade, é um texto que exige uma argumentação objetiva e consistente para expor um ponto de
vista sobre uma dada questão. Como as questões que atingem os seres humanos (por exemplo,
os programas de governo, a questão do aborto, o problema de quotas nas universidades) são
sempre polêmicas, o texto opinativo é um pronunciamento sobre uma questão da vida social.
O autor Fiorin ressalta, ainda, que não é apenas em texto opinativo que o produtor expressa sua
posição sobre o assunto. Em todos os outros tipos de textos há esse posicionamento, no entanto, no
texto opinativo, o produtor dá sua opinião de forma clara.
EXERCÍCIOS
2. Produza um texto do tipo opinativo com base no mesmo assunto escolhido no item 1.
Escrevo enquanto vejo a morte do papa na TV. E me espanto com a imensa emoção mundial.
Espanto-me também comigo mesmo: “Como eu estou sozinho!” – pensei.
Percebi que tinha de saber mais sobre mim, eu, sozinho, sem fé nenhuma, no meio deste
oceano de pessoas rezando no Ocidente e Oriente. Meu pai, engenheiro e militar, me passou
dois ensinamentos: ele era ateu e torcia pelo América Futebol Clube. Claro que segui seus
passos. Fui América até os 12 anos, quando “virei casaca” para o Flamengo (mas até hoje
tenho saudade da camisa vermelha, garibaldina, do time de João Cabral e Lamartine Babo), e
parei de acreditar em Deus.
Sei que de mortuis nihil nisi bonum21 (“não se fala mal de morto”), mas devo confessar que
nunca gostei desse papa. Por quê? Não sei. É que sempre achei, nos meus traumas juvenis, que
20
Leite, Marcelo. Folha.com. 18, ago. 2010.
21
A tradução literal desta expressão em latim é: “A respeito dos mortos, nada; a não ser o (que é) bom.”
73
Unidade I
papa era uma coisa meio inútil, pois só dava opiniões genéricas sobre a insânia do mundo,
condenando a “maldade” e pedindo uma “paz” impossível, no meio da sujeira política.
Quando João Paulo entrou, eu era jovem e implicava com tudo. Eu achava vigarice aquele negócio
de fingir que ele falava todas as línguas. Que papo era esse do papa? Lendo frases escritas em
partituras fonéticas... Quando ele começou a beijar o chão dos países visitados, impliquei mais ainda.
Que demagogia! – reinando na corte do Vaticano e bancando o humilde...
Um dia, o papa foi alvejado no meio da Praça de São Pedro, por aquele maluco islâmico,
prenúncio dos tempos atuais. Eu tenho a teoria de que aquele tiro, aquela bala terrorista
despertou-o para a realidade do mundo. E o papa sentiu no corpo a desgraça política do
tempo. Acho que a bala mudou o papa. Mas, fiquei irritadíssimo quando ele, depois de curado,
foi à prisão “perdoar” o cara que quis matá-lo. Não gostei de sua “infinita bondade” com um
canalha boçal. Achei falso seu perdão que, na verdade, humilhava o terrorista babaca, como
uma vingança doce.
E fui por aí, observando esse papa sem muita atenção. É tão fácil desprezar alguém,
ideologicamente... Quando vi que ele era “reacionário” em questões como camisinha, pílula e
contra os arroubos da Igreja da Libertação, aí não pensei mais nele... Tive apenas uma admiração
passageira por sua adesão ao Solidariedade do Walesa, mas, como bom “materialista”,
desvalorizei o movimento polonês como “idealista”, com um Walesa meio “pelego”. E o tempo
passou.
Depois da euforia inicial dos anos 1990, vi que aquela esperança de entendimento político no
mundo, capitaneado pelo Gorbachev, fracassaria. Entendi isso quando vi o papai Bush falando
no Kremlin, humilhando o Gorba, considerando-se “vitorioso”, prenunciando as nuvens negras
de hoje com seu filhinho no poder. Senti que o sonho de entendimento socialismo-capitalismo
ia ser apenas o triunfo triste dos neoconservadores. O mundo foi piorando e o papa viajando,
beijando pés, cantando com Roberto Carlos no Rio. Uma vez, ele declarou: ‘A Igreja Católica
não é uma democracia.’ Fiquei horrorizado naquela época liberalizante e não liguei mais para
o papa ‘de direita’.
Depois, o papa ficou doente, há dez anos. E eu olhava cruelmente seus tremores, sua corcova
crescente e, sem compaixão nenhuma, pensava que o pontífice não queria ‘largar o osso’ e
ria, como um anticristo.
Até que, nos últimos dias, João Paulo II chegou à janela do Vaticano, tentou falar... e, num
esgar dolorido, trágico, foi fotografado em close, com a boca aberta, desesperado.
Essa foto é um marco, um símbolo forte, quase como as torres caindo em NY. Parece um
prenúncio do Juízo Final, um rosto do Apocalipse, a cara de nossa época. É aterrorizante ver
o desespero do homem de Deus, do Infalível, do embaixador de Cristo. Naquele momento,
Deus virou homem. E, subitamente, entendi alguma coisa maior que sempre me escapara:
aquele rosto retorcido era o choro de uma criança, um rosto infantil em prantos! O papa
74
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
tinha voltado ao seu nascimento e sua vida se fechava. Ali estava o menino pobre, ex-
ator, ex-operário, ali estavam as vítimas da guerra, os atacados pelo terror, ali estava sua
imensa solidão igual à nossa. Então, ele morreu. E ontem, vendo os milhões chorando
pelo mundo, vendo a praça cheia, entendi de repente sua obra, sua imensa importância.
Vendo a cobertura da Globo, montando sua vida inteira, seus milhões de quilômetros
viajados, da África às favelas do Nordeste, entendi o papa. Emocionado, senti minha
intensíssima solidão de ateu. Eu estava fora daquelas multidões imensas, eu não tinha
nem a velha ideologia esfacelada, nem uma religião para crer, eu era um filho abandonado
do racionalismo francês, eu era um órfão de pai e mãe. Aí, quem tremeu fui eu, com olhos
cheios d’água. E vi que Karol Wojtyla, tachado superficialmente de ‘conservador’, tinha
sido muito mais que isso. Ele tinha batido em dois cravos: satisfez a reacionaríssima Cúria
Romana, implacável e cortesã e, além disso, botou o pé no mundo, fazendo o que italiano
nenhum faria: rezar missa para negões na África e no Nordeste, levando seu corpo vivo
como símbolo de uma espiritualidade perdida. O conjunto de sua obra foi muito além de
ser contra ou a favor da camisinha. Papa não é para ficar discutindo questões episódicas.
É muito mais que isso. Visitou o Chile de Pinochet e o Iraque de Saddam e, ao contrário
de ser uma ‘adesão alienada’, foi uma crítica muito mais alta, mostrando-se acima de
sórdidas políticas seculares, levando consigo o Espírito, a ideia de Transcendência acima
do mercantilismo e de ditaduras. E foi tão ‘moderno’ que usou a ‘mídia’ sim, muito bem,
como Madonna ou Pelé.
E nisso, criticou a Cúria por tabela, pois nenhum cardeal sairia do conforto dos palácios para
beijar pé de mendigo na América Latina. João Paulo cumpriu seu destino de filósofo acima do
mundo, que tanto precisa de grandeza e solidariedade.
Sou ateu, sozinho, condenado a não ter fé, mas vi que se há alguma coisa de que precisamos
hoje é de uma nova ética, de um pensamento transcendental, de uma espiritualidade perdida.
João Paulo na verdade deu um show de bola.22
EXERCÍCIOS
75
Unidade I
2. O autor se vale da seguinte declaração: “Quando João Paulo entrou, eu era jovem e implicava com
tudo”. A única alternativa com a qual essa declaração não se relaciona é:
a) Com o título do texto, corroborando com os argumentos que o autor quer sustentar.
b) Com o fato de o autor reconhecer que sua implicância se deve ao fato de que era jovem.
c) A declaração tenta amenizar, no leitor, o impacto causado pelo título.
d) “É tão fácil desprezar alguém, ideologicamente...” – como conclui o autor.
e) A declaração evidencia que o autor não tem motivos para não gostar do papa.
3. Da oração: “O conjunto de sua obra foi muito além de ser contra ou a favor da camisinha”, pode-
se deduzir que:
5. Em: “Quando ele começou a beijar o chão dos países visitados, impliquei mais ainda. Que demagogia!
– reinando na corte do Vaticano e bancando o humilde...” – Essa informação foi utilizada no texto para
demonstrar que:
a) O papa age com hipocrisia, pois banca o humilde, mas possui muito mais dinheiro do que se pode
imaginar.
b) O papa poderia sanar a fome de muitos povos com dinheiro, mas só oferece conforto espiritual.
76
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
c) O autor achava o papa demagogo, levando seu corpo vivo para demonstrar seu poder.
d) O autor, à época, não conseguia entender a intenção do papa em beijar o solo dos países que
visitava.
e) Nenhuma das alternativas anteriores está correta.
d) Trata-se de um texto opinativo, pois o autor se vale de suas opiniões e não de argumentos.
e) Trata-se de um texto argumentativo, pois o autor quer provar para o leitor que o papa é bom.
a) “Botou o pé no mundo, fazendo o que italiano nenhum faria: rezar missa para negões na África
e no Nordeste.”
c) “Sempre achei, nos meus traumas juvenis, que papa era uma coisa meio inútil, pois só dava
opiniões genéricas sobre a insânia do mundo.”
d) “O conjunto de sua obra foi muito além de ser contra ou a favor da camisinha.”
8. Como o autor expõe seus pensamentos a respeito da figura do papa? Justifique sua resposta com
passagens do texto.
9. A intenção do autor ao declarar: “Quando vi que ele era ‘reacionário’ em questões como camisinha,
pílula e contra os arroubos da Igreja da Libertação, aí não pensei mais nele”, é para convencer ou
persuadir? Explique sua resposta.
10. Qual a intenção do autor ao afirmar: “Naquele momento, Deus virou homem?” Justifique sua
resposta com elementos do texto.
77
Unidade I
1. A alternativa correta é a d). Ela corresponde ao tema em torno do qual se organiza o texto.
2. A alternativa correta é a e). É a única com a qual a declaração do autor não se relaciona.
3. A alternativa correta é a b). Da oração selecionada só se pode deduzir que o papa era contrário ao
uso de preservativos pelos católicos.
4. A alternativa correta é a b). O texto defende a tese que está expressa nessa alternativa.
5. A alternativa correta é a c). O conteudo dessa alternativa confere com a informação utilizada pelo
autor em seu texto.
7. A alternativa correta é a c). A expressão apresentada nessa alternativa é a que denuncia subjetividade
na apresentação dos fatos.
8. Você, caro aluno, com certeza usou palavras diferentes para responder e peço que não as apague.
O importante é a ideia. O autor monta seu texto dando opinião sobre o papa e sua opinião é marcada
no decorrer do tempo. A opinião é sempre explícita.
9. A declaração serve para persuadir, porque está baseada nas crenças e nos valores do autor.
10. A intenção é mostrar que o papa – uma figura endeusada – revelou-se humano, vulnerável à
mortalidade como qualquer outro, evidenciado no trecho: “num esgar dolorido, trágico, foi fotografado
em close, com a boca aberta, desesperado”.
1. Utilizando o Tabulæ, construa dois segmentos, PQ e BC. Selecione o vértice B e o segmento PQ para
traçar a circunferência por centro e segmento (observe que o programa chama a curva de ‘círculo’...).
Repita a construção com o vértice C e o segmento PQ. As extremidades dos segmentos PQ e BC estão
livres. Faça com que PQ >�BC, de tal forma que as duas circunferências traçadas se interceptem. Escolha
um dos pontos de interseção como o vértice A e crie os segmentos AB e AC, lados do triângulo ABC.
Qual a natureza desse triângulo?23
23
Atividade 5 – propriedades dos triângulos isósceles –, proposta pela profa. Sandra Augusta Santos. Disponível em:
http://www.ime.unicamp.br/~sandra/MA520/handouts/lab5.pdf
78
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
II. Cappuccino
1 caixa de chocolate em pó
Canela em pó a gosto
Modo de preparo:
Em uma vasilha coloque todos os ingredientes e misture bem. Acomode em potes. Quando servir,
aqueça água e coloque colheres do pó adoçando em seguida.24
Jamais desanime: você há de vencer galhardamente todos os problemas que se lhe apresentem.
Se o problema for complexo, divida-o em partes e vença cada uma delas separadamente.
O texto I é uma proposta didática de exercício; o texto II é uma receita culinária; e o III, um texto de
autoajuda. O primeiro exige um leitor profundamente conhecedor da área de geometria; o segundo, um leitor
interessado – sem ser especialista – no preparo de café diferenciado; e o último texto destina-se ao leitor com
as mesmas crenças do autor. O que todos esses textos, tão diferentes, têm em comum? Eles esperam que seus
leitores façam algo. Por isso, nós encontramos os verbos no modo imperativo. Vejamos:
24
Bork, Daniel. Receita minuto. Disponível em: www.band.com.br/diadia/receitaminuto.asp
25
Pastorino, Torres. Minutos de sabedoria. 37. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
79
Unidade I
Não apenas em textos didáticos (exercícios, perguntas de prova etc.) e em receitas culinárias
que aparece a forma injuntiva. A injunção está presente em: guias, manuais de instalação, textos de
aconselhamento, leis, regimentos, regras de jogos, anúncios publicitários e outros.
• exposição do objetivo da ação: aquilo a que se visa com a realização do que vem prescrito a
seguir.
• apresentação da sequência de ações a realizar para atingir um dado objetivo: ações que
devem ser realizadas simultânea ou sucessivamente; há ações obrigatórias e opcionais;
ações principais ou secundárias; ações apresentadas no imperativo ou em forma verbal com
valor de imperativo.
Dependendo do texto, o leitor pode encontrar o discurso da incerteza, marcado por expressões da
língua como: talvez, provavelmente, quem sabe etc. No caso do texto injuntivo, o leitor se depara com
o discurso da certeza, que não tem marcas da subjetividade, uma vez que as afirmações independem de
quem as enuncia. No discurso da certeza, as verdades são categóricas e inquestionáveis, sem emprego
de verbos de opinião e crença, que denotam dúvida (achar, crer, acreditar, pensar etc.). Tal discurso
confere credibilidade ao texto.
Voltemos ao texto injuntivo III, cuja tese, típica dos livros de autoajuda, é: cada pessoa é
responsável pelo próprio sucesso ou fracasso, verificado em fragmentos como: “o sucesso está
em suas mãos”, “você é o dono de seu próprio destino”, “a vida que você leva foi criada por
você”.
O livro de autoajuda é considerado uma solução para reverter o quadro social, neutralizando
as incertezas do mundo de hoje: frases de confiança e de certeza; um porto seguro; um cenário de
estabilidade e calmaria que socorre e conforta; a tábua de salvação.
80
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
EXERCÍCIOS
1. Na campanha publicitária feita pelo governo de São Paulo e pela Sabesp (Companhia de Saneamento
Básico do Estado de São Paulo), há o seguinte texto:
Mas, por favor, nada de garrafa de refrigerante, nem pratinho de bolo, muito menos copo de
plástico.
O governo do Estado de São Paulo se preocupa com o Tietê. Por isso foram investidos mais de
9 bilhões de reais na recuperação do rio. Com o trabalho da Sabesp, 550 milhões de litros de
esgoto por dia já deixaram de ser despejados. Até o final da segunda etapa do projeto vão ser
outros 330 milhões de litros. Além disso, a calha vem sendo rebaixada, para evitar enchentes.
Você também precisa fazer sua parte, não jogando lixo na rua. Essa é a melhor homenagem
que você pode fazer.
2. Qual dos fragmentos poéticos abaixo tem como base o tipo de texto injuntivo?
3. Momento de produção. O objetivo é produzir um texto injuntivo. Selecione uma das opções e
mãos à obra.
1. Todo e qualquer texto publicitário, seja para vender um produto, seja para veicular uma
campanha de conscientização, baseia-se na injunção. Isso quer dizer que o texto serve para
influenciar o leitor; levá-lo a comprar ou a assumir uma responsabilidade. No caso da campanha
a favor do rio Tietê, o leitor encontra duas solicitações: comemorar o Dia do Rio Tietê e não sujar
ruas e o próprio rio.
2. A alternativa b) traz um texto injuntivo, porque leva o leitor a um ato, ou seja, manda o leitor
praticar algo por meio do verbo fazer no modo imperativo.
3. A sua produção deve ter ficado muito eficiente. Para atingir o seu leitor, você, provavelmente,
utilizou verbos no modo imperativo, como:
• leia, divirta-se, curta, compre ou outro verbo pertinente para levar o leitor a ler o seu livro
predileto.
• vire (à esquerda), ande (mais um quilômetro), suba (a rua X) ou outros verbos também pertinentes,
para ajudar seu leitor a acertar o caminho.
• retire (a embalagem), congele, asse ou outros verbos para instruir o leitor a preparar o pãozinho
de queijo.
Encerramos esta parte do livro-texto considerando que estudar os tipos de texto significa
dominar os arquétipos, os tipos comuns e conhecidos pela pessoa. Uma criança, desde cedo,
reconhece quando está ouvindo uma história ou quando a mãe manda tirar o dedo da boca. A criança
não sabe o que significa tipo de texto nem que existe tipo narrativo ou injuntivo, mas reconhece-
os, porque os tipos de texto têm estrutura facilmente
identificada. Por sua vez, o estudioso do assunto, como Arquétipos são estruturas mentais
responsáveis pelo padrão e tendências
é o nosso caso, formaliza esse conhecimento adquirido comuns. São conhecimentos universais,
desde criança, nomeia cada tipo de texto, dá designações comuns a todos os seres humanos e
e distingue cada tipo ao lhe apresentar as características ordenam imagens reconhecíveis pelos
próprias. Sai do senso comum e entra no universo do efeitos que produzem.
especialista. Passa a ler e a escrever com propriedade,
consciente e eficazmente.
82
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
Resumindo:
• atividade comunicativa.
• narrativo.
• descritivo.
• argumentativo.
Tipos de texto
• expositivo.
• opinativo.
• injuntivo.
A distinção entre texto oral e escrito se é perceptível quando se utiliza oposições situadas
em planos distintos. Tais planos se referem aos suportes físicos, meios pelos quais o enunciado é
transmitido, ou seja, o oral se transmite por ondas sonoras, enquanto o gráfico ocorre por signos
inscritos em suportes sólidos, no passado eram utilizados argila, papiro, pergaminhos e outros, nos
tempos atuais temos o papel, as telas de computador, de celulares, os diapositivos etc.
A interação pela linguagem se materializa por meio de textos, sejam eles orais ou escritos. É relevante,
no entanto, reconhecer que fala e escrita são duas modalidades de uso da língua, que, embora utilizem
o mesmo sistema linguístico, possuem características próprias. Cada uma tem sua forma, sua gramática
e seus recursos expressivos. Para a compreensão dos problemas da expressão e da comunicação verbais,
é necessário evidenciar essa distinção.
Para dar início a suas reflexões, leia a seguir o texto de Millôr Fernandes:
A vaguidão específica
– Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e querer fazer coisa com elas.
Ponha no lugar do outro dia.
83
Unidade I
– Ele já começou?
– Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse.
– É bom?
– Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora recomendou para
deixar até a véspera.
– Mas traga, traga. Na ocasião nós descemos tudo de novo. É melhor, senão atravanca a
entrada e ele reclama como na outra noite.
No texto, o autor revela ironia ao atribuir às mulheres o falar de modo vago e por meio de elipses.
No entanto, tais características são próprias do texto oral, em que a interação face a face permite que
os interlocutores, situados no mesmo tempo e espaço, preencham as lacunas ali existentes, já que
ambos, ancorados em dados do contexto e no conhecimento partilhado que possuem, são capazes de
compreender e produzir sentido ao que dizem.
84
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
A escrita não pode ser tida como representação da fala. Em parte, porque a escrita não consegue
reproduzir muitos dos fenômenos da oralidade, tais como a prosódia, a gestualidade, os movimentos do
corpo e dos olhos, entre outros. Ela apresenta, ainda, elementos significativos próprios, ausentes na fala,
tais como o tamanho e o tipo de letras, cores e formatos, sinais de pontuação e elementos pictóricos
que operam como gestos, mímica e prosódia graficamente representados.
Observe a transcrição de um texto falado, retirado de uma aula de história contemporânea, ministrada
no Rio de Janeiro, no final de década de 1970. Procure ler o texto como se você estivesse “ouvindo” a
aula.
(...) nós vimos que ela assinala... como disse o colega aí, a elevação da sociedade burguesa...
e capitalista... ora... pode-se já ver nisso... o que é uma revolução... uma revolução significa
o quê? Uma mudança... de classe... em assumindo o poder... você vê por exemplo... a
Revolução Francesa... o que ela significa? Nós vimos... você tem uma classe que sobe...
e outra classe que desce... não é isso? A burguesia cresceu... ela ti/a burguesia possuía...
o poder... econômico... mas ela não tem prestígio social... nem poder político... então...
através desse poder econômico da burguesia... que controlava o comércio... que tinha
nas mãos a economia da França... tava nas mãos da classe burguesa... que crescera...
desde o século quinze... com a Revolução Comercial... nós temos o crescimento da classe
burguesa... essa burguesia quer... quer... o poder...ela quer o poder político... ela quer o
prestígio social... ela quer entrar em Versalhes... então nós vamos ver que através... de uma
Revolução...ela vai... de forma violenta... ela vai conseguir o poder... isso é uma revolução
porque significa a ascensão de uma classe e a queda de outra... mas qual é a classe que
cai? É a aristocracia... tanto que... o rei teve a cabeça cortada... não é isso?27
É possível notar que o texto é bastante entrecortado e repetitivo, apresenta expressivas marcas
de oralidade e progride apoiando-se em questões lançadas aos interlocutores, no caso, aos alunos.
Isso não significa que o texto falado é, por sua natureza, absolutamente caótico e desestruturado. Ao
contrário, ele tem uma estruturação que lhe é própria, ditada pelas circunstâncias sociocognitivas de
sua produção.
No entanto, tais características, próprias do texto oral, são consideradas inapropriadas para o texto
escrito. Por quê?
Para entender essa questão, faz-se necessário, inicialmente, observar a distinção entre essas duas
modalidades de uso da língua, proposta por Marcuschi (2001, p. 25):
• A fala seria uma forma de produção textual-discursiva para fins comunicativos na modalidade
oral. Caracteriza-se pelo uso da língua na sua forma de sons sistematicamente articulados e
significativos, bem como dos aspectos prosódicos e recursos expressivos como a gestualidade, os
movimentos do corpo e a mímica.
27
Callou, Dinah (org.). A linguagem falada culta na cidade do Rio de Janeiro: materiais para seu estudo. Elocuções
formais. Rio de Janeiro: FUJB, 1991, p. 104-105.
85
Unidade I
• A escrita, por sua vez, seria um modo de produção textual-discursiva para fins comunicativos
com certas especificidades materiais e se caracterizaria por sua constituição gráfica, embora
envolva também recursos de ordem pictórica e outros. Pode manifestar-se, do ponto de
vista de sua tecnologia, por unidades alfabéticas (escrita alfabética), ideogramas (escrita
ideográfica) ou unidades iconográficas. Trata-se de uma modalidade de uso da língua
complementar à fala.
De modo geral, discute-se que ambas apresentam distinções porque diferem nos seus modos de
aquisição, nas suas condições de produção, na transmissão e recepção, nos meios através dos quais os
elementos de estrutura são organizados.
Para Koch (1992), entre as características distintivas mais frequentemente apontadas entre as
modalidades falada e escrita estão as seguintes:
Fala Escrita
1. Contextualizada 1. Descontextualizada
3. Redundante 3. Condensada
5. Incompleta 5. Completa
7. Predominância de frases
7. Predominância de frases curtas, complexas, com subordinação
simples ou coordenadas abundante
Ocorre, porém, que essas diferenças nem sempre distinguem as duas modalidades. Isso porque
se verifica, por exemplo, que há textos escritos muito próximos ao da fala conversacional (bilhetes,
recados, cartas familiares, por exemplo) e textos falados que mais se aproximam da escrita formal
(conferências, entrevistas profissionais, entre outros). Além disso, atualmente, pode-se conceber o
texto oral e o escrito como atividades interativas e complementares no contexto das práticas culturais
e sociais.
assim, não é tanto o caráter oral ou gráfico dos enunciados que têm importância, mas sua
inscrição em formas que garantam sua preservação. Nesse sentido, há enunciados orais como as
máximas, ditados, aforismos, lemas, canções, fórmulas religiosas etc., que se cristalizaram pela
repetição.
Se é Bayer, é bom.
Devido à evolução tecnológica, principalmente dos meios de comunicação, podemos afirmar que,
atualmente, o oral se reveste das características de uma “escritura”, uma vez que a televisão, em virtude
de sua abrangência, tem um comprometimento com o que se diz nela maior do que se se tratasse de
uma revista de pequena tiragem, porque sua fala poderá ser repetida várias vezes e difundida para todo
o mundo.
• dialogicidade
• usos estratégicos
• funções interacionais
• envolvimento
• negociação
• situacionalidade
• coerência
• dinamicidade
87
Unidade I
De maneira geral, a interação se estabelece com a simples copresença: dois indivíduos se cruzam na
rua e, mesmo sem se conhecerem, se observam, guardam distância e se desviam para não se chocarem,
demonstrando uma ação conjunta e socialmente planejada.
O segundo tipo de interação ocorre quando existe um único foco de atenção visual e cognitiva: a
conversação, ação em que os falantes por um momento se concentram um no outro e se ligam, não
só pelos conhecimentos que partilham, mas também por outros fatores socioculturais expressos na
maneira como produzem o seu discurso e conduzem o diálogo.
Sendo assim, para a realização organizada da conversação são fundamentais algumas características,
como: a presença de pelo menos dois participantes, dispostos a interagir por meio de um tema proposto,
que se alternam em turnos (troca de fala) entre eles, em que existe a identidade temporal e, ainda que
manifestando divergência de opiniões, estejam voltados para um mesmo objetivo.
88
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
pessoas devem partilhar um mínimo de conhecimentos comuns. Entre eles estão a aptidão linguística,
o envolvimento cultural e o domínio de situações sociais.
Dessa forma, o ato conversacional é decorrente da situação, bem como o engajamento dos
participantes nesse ato, elementos determinantes na produção e coprodução de enunciados que, ao
longo do processo, sofrem alterações. No processo interativo conversacional, locutor e interlocutor
tornam-se responsáveis pela produção do discurso, uma vez que ambos constroem juntos o discurso
por meio da conegociação.
Cabe lembrar, finalmente, que em situações de interação face a face, o locutor que detém a palavra
não é o único responsável pelo seu discurso. Trata-se de uma atividade de coprodução discursiva, visto
que os interlocutores estão juntamente empenhados na produção do texto.
EXERCÍCIOS
89
Unidade I
a) Conversa linear, ou seja, todas as frases do mesmo internauta estão dispostas uma abaixo da
outra, sem interposição da fala do outro participante.
b) O uso do verbo, por exemplo, não é substituído por emotions (sinais gráficos) ou
onomatopeias.
c) A ênfase a expressões gestuais durante a conversação face a face é substituída por emotions.
1. A alternativa correta é a d). A fala e a escrita não são opostas. Ambas apresentam, entre outros,
dialogicidade, coerência e também estratégias.
2. A resposta correta é a b). A fala e a escrita são vistas como práticas sociais e permitem a
construção de textos coesos e coerentes, bem como a elaboração de raciocínios abstratos. Ambas as
modalidades podem apresentar textos formais ou informais, variações de todos os tipos (estilísticos,
sociais, regionais...).
3. A alternativa correta é a c). A conversação face a face é acompanhada por gestos e expressões
faciais e corporais. Tal linguagem corporal é substituída na conversação virtual por outros recursos:
emotions, onomatopeias, entre outros.
4.1 Retextualização
A escrita, segundo Marcuschi (2001), é uma manifestação formal dos diversos tipos de
letramento. Ela pode ser vista como essencial para a sobrevivência no mundo moderno. Ela
é mais do que uma tecnologia. Por causa de alguns atributos que foram dados à escrita, ela
acabou se tornando quase indispensável, e sua prática e avaliação social fizeram com que ela
simbolizasse não só educação, mas também desenvolvimento e poder. Ela possui uma face
institucional e é adquirida em contextos formais na escola. Por essa razão, ganha um caráter
prestigioso. Sendo adquirida na escola, a escrita acaba sendo identificada com a alfabetização
e a escolarização.
Devido ao prestígio que a escrita tem, podemos fazer passar um texto falado para a modalidade
escrita. A essa passagem chamamos de retextualização.
90
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
Retextualização é um processo de operações que envolve tanto a língua quanto o sentido do texto
original (o texto oral). O autor ressalta que “a passagem da fala para a escrita não é a passagem do caos
para a ordem; é a passagem de uma ordem para outra ordem”.
2. Nível da forma da expressão: signos falados e escritos (distinção entre grafia e pronúncia).
A adaptação de um texto oral para um texto escrito exige uma transformação, uma retextualização.
As transformações ocorridas são:
• o propósito da retextualização pode mudar o nível da linguagem (pode passar de informal para
formal).
• a relação entre o produtor e o transformador é difícil de ser disfarçada, porque é difícil encobrir a
origem oral do texto.
• a relação tipológica é menos drástica, porque, por exemplo, na transformação de uma narrativa
oral para uma narrativa escrita mantém-se o mesmo tipo de texto.
Por exemplo: “eh... eu vou falar sobre a minha família... sobre os meus pais... o que eu acho deles...
como eles me tratam... bem... eu tenho uma família... pequena... ela é composta pelo meu pai...
pela minha mãe... pelo meu irmão... eu tenho um irmão pequeno de... dez anos... eh... o meu irmão
não influencia em nada... minha mãe é uma pessoa superlegal... sabe?” Nesse texto percebem-se
as hesitações como: eh..., de...; a marca interacional, como ‘sabe?’ ”
91
Unidade I
Se forem efetuadas essas operações, o texto acima poderá ficar assim: Vou falar de minha família
e de como eles me tratam. Minha família é pequena – meu pai, minha mãe e um irmão pequeno de 10
anos que não influencia em nada. Minha mãe é legal.
Existe um trabalho esclarecedor de retextualização feito por alunos a partir da história em quadrinho
O trabalho enobrece, com o personagem Chico Bento. O resultado é:
2. Onomatopeias
3. Eliminação de pontuação
Ei, Chico! Chico!! Rosinha o chamou umas duas Rosinha ficou tentando
vezes e nada dele acordar. acordá-lo.
92
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
6. Pronomes egóticos
7. Pronome dêitico
Andrade, Eliene Peres de Oliveira; Machado, Gisélia dos Santos Silva; Silva, Sílvio Ribeiro da. Retextualização de uma história em
quadrinhos por alunos de meios letrados. Linguagem & Ensino. V.9, n. 2, jul./dez. 2006.
Oralidade e escrita, assim, são práticas e usos da língua com características próprias, mas não
suficientemente opostas para caracterizar dois sistemas linguísticos distintos. Ambas permitem a
construção de textos coesos e coerentes, ambas permitem a elaboração de raciocínios abstratos e
exposições formais e informais, variações estilísticas, sociais e dialetais.
93
Unidade I
EXERCÍCIOS
2. Quantas vezes não começamos um texto dissertativo com a expressão oral “bom...”? Veja os
exemplos abaixo:
• Bom, para falar de HQ, é necessário conhecer bem o mundo dos quadrinhos...
O que você acha dessa marca da oralidade? Por que as pessoas costumam começar o texto
assim?
94
INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
“Na minha opinião a mulher tem que fazer o que ela que, se que ficar só em casa fique, mas
se quiser trabalhar fora que trabalhe, o Brasil é um país que isso é liberado a mulher faz o que
achar melhor, (...)
a) O uso da expressão “na minha opinião”, iniciadora dos dois parágrafos, é típico na conversação.
b) A mudança repentina de tópico é comum em meio à conversação por não haver tempo para
planejamento e por fluir mais rapidamente a conversa. No caso do texto do aluno, o novo tópico
é “o Brasil é um país que isso é liberado”.
c) A língua falada é caracterizada pela hesitação, repetição, pausas na voz. No texto do aluno, por
sua vez, encontra-se repetição de termos.
e) O texto do aluno não está cuidadosamente organizado, marcando alto grau de informalidade que
pode estar presente na oralidade.
1. Na perspectiva interacionista, fala e escrita têm a mesma eficácia na comunicação, exigem das
pessoas coerência, colaboração, envolvimento etc.
2. Uma das respostas possíveis é que a dificuldade em iniciar um texto leva as pessoas a usar uma
expressão típica da fala.
4. A alternativa correta é a d). O texto do aluno é notadamente cheio de marcas da oralidade, exceto
pela marca de paragrafação, que é uma convenção típica do texto escrito.
95
Interpretação e Produção de Textos
Unidade II
5 Estilos e gêneros discursivos
Por exemplo:
• Na gramática, significa a variação das palavras na língua portuguesa para masculino, feminino,
neutro.
• Na linguística, significa diversidade de texto usado na sociedade (poema, bula, MSN, conversação
etc.).
• Em história, significa, entre outros, os estudos sobre a mulher na sociedade (desigualdade, luta
etc.).
Já tratamos dos tipos de texto. Cada tipo pode estruturar vários gêneros textuais. Observe o
quadro.
Tipos Gêneros
Texto é tipo e gênero. Comparo tipo e gênero com construção. Toda construção tem uma base:
chão, teto, paredes etc. Essa base pode sustentar casa, prédio, hospital, lanchonete, cinema etc.
Assim é o texto: ele tem uma base, uma estrutura de sustentação, que é o tipo, e tem variedade,
que é o gênero.
Os gêneros textuais podem ser orais ou escritos, podem ser formais ou informais e são tão numerosos
que os estudiosos nem tentam contá-los. Veja o esquema feito por Marcuschi (2001) para aproximar
gêneros orais de gêneros escritos pelo grau de (in)formalidade.
105
Unidade II
• textos acadêmicos
• divulgação científica • artigos científicos
• textos publicitários • textos profissionais • leis E
• notícias de jornal • cartas comerciais • editoriais de jornais • documentos oficiais
• cartas do leitor • narrativas • manuais escolares • relatórios técnicos S
• formulários • telegramas
• cartas pessoais
• bilhetes • entrevistas • atas de reuniões
• resumos
• instruções de uso
• pareceres em C
processos
• outdoors • volantes de rua • bulas R
• inscrições em paredes • receitas em geral
• avisos
I
• convocações
• comunicados T
• anúncios classificados A
• noticiário de rádio • noticiário de tv • exposições acadêmicas
• conferências
• inquéritos • discursos oficiais
F • reportagens ao vivo • explicações técnicas • piada
• entrevistas pessoais • narrativas
A • conversas públicas • entrevistas no rádio/na TV • relatos
• discursos festivos • noticiário de tv ao vivo
L • conversas telefônicas
• debates
• discussões no rádio e na TV • noticiário de rádio ao vivo
A • conversas espontâneas
• exposições informais
Observe que nas comunicações pessoais os gêneros escritos como cartas pessoais, bilhetes, outdoor,
inscrição na parede, avisos estão na mesma coluna que os gêneros orais: conversas públicas, conversas
telefônicas, conversas espontâneas. Essa aproximação mostra que são gêneros usados em situações
sociais mais informais.
Deparamo-nos com diferentes gêneros durante as mais diversas situações comunicativas das quais
participamos socialmente: anúncios, relatórios, notícias, palestras, piadas, receitas etc. Veja, por exemplo,
o que podemos fazer quando queremos:
Podemos consultar a seção cultural de um dos jornais da cidade ou uma revista especializada, ler
num outdoor sobre o lançamento do filme que nos agrada ou, ainda, pedir a opinião de um amigo.
Podemos consultar um guia de ruas da cidade ou, ainda, perguntar a alguém que conheça o trajeto.
Quem sabe até pedir que essa pessoa desenhe o caminho.
106
Interpretação e Produção de Textos
Aqui as possibilidades são várias! Podemos ler histórias de fadas, lançar adivinhas, lembrar antigas
canções, recitar quadrinhas e parlendas, propor jogos diversos, assistir a um desenho etc.
Em todas as situações descritas anteriormente, utilizamos textos em diferentes gêneros, isto é, para
situações e/ou finalidades diversas; lançamos mão de um repertório diverso de gêneros textuais que
circulam socialmente e se adaptam às diferentes situações de comunicação. Cada um desses gêneros
exige, para sua compreensão ou produção, diferentes conhecimentos e capacidades.
De modo geral, todos os gêneros textuais têm em comum, basicamente, três características:
1. O assunto: o que pode ser dito por meio daquele gênero.
2. O estilo: as palavras, as expressões, as frases selecionadas e o modo de organizá-las.
3. O formato: a estrutura em que cada agrupamento textual é apresentado.
107
Unidade II
Exemplo de aplicação
1) Os textos, sejam orais ou escritos, podem ser aproximados por causa do grau de (in)formalidade,
como em uma das alternativas abaixo:
Comentário
2) Quanto à estrutura, identifique em qual das alternativas o texto segue o modelo injuntivo e o
gênero receita.
108
Interpretação e Produção de Textos
d) “Cozinhe o frango em água com sal e 2 folhas de louro até ficar bem macio. Separe o frango,
desfie e guarde o caldo. Faça um refogado com alho, cebola e tomates picados e nele coloque o
frango desfiado, as ervilhas, o milho e as azeitonas picadas (guarde um pouco para a decoração),
adicionando um pouco do caldo de frango que foi guardado.”
( LEAL, N. da S. Torta de pão. Disponível em: <http://tudogostoso.uol.com.br/receita/87410-torta-de-pao.html>.
Acesso em: 5 mai. 2011.)
e) “Apesar de não ter mais os movimentos da perna, o ex-fuzileiro naval Jake Sully ainda sente
que pode ser um guerreiro. Sua intuição começa a se tornar realidade quando ele viaja
a anos-luz até a estação espacial montada no Planeta Pandora. Lá, os humanos tentam
explorar o minério unobtanium, que pode salvar a Terra de um colapso de energia. Habitado
por grandes seres azuis, os Na’vi, o local tem uma atmosfera fatal para qualquer terrestre.
Por isso, oficiais criaram o programa Avatar, em que um corpo biológico, híbrido de humano
e Na’vi, pode ser comandado a distância.”
(Disponível em: <http://guiadasemana.diariosp.com.br/Goiania/Cinema/Filme/Avatar.aspx?id=2020>.
Acesso em: 5 mai. 2011.)
Comentário
A alternativa correta é a d). A estrutura de um texto segue uma estrutura global, que pode ser
narrativa, injuntiva, expositiva etc., e essa estrutura forma um gênero, como poema, novela, conversação
e outros. Nesta questão, pede-se para identificar um texto que seja, ao mesmo tempo, injuntivo e receita,
que é o caso do texto da alternativa d.
Gêneros virtuais é o nome dado às novas modalidades de gêneros textuais surgidas com o advento
da internet, dentro do hipertexto. Eles possibilitam, entre outras coisas, a comunicação entre duas ou
mais pessoas mediadas pelo computador. Conhecida como Comunicação Mediada por Computador
(CMC), essa forma de intercâmbio caracteriza-se, basicamente, pela centralidade da escrita e pela
multiplicidade de semioses:8 imagens, sons, texto escrito (cf. MARCUSCHI, 2004).
• E-mails – bilhetes, mensagens ou cartas virtuais que, dependendo do receptor, podem ser formais
ou informais. A resposta pode ser quase instantânea, independentemente da distância geográfica
dos interlocutores.
• Salas de bate-papo ou chats – nos chats o diálogo é simultâneo entre duas ou mais
pessoas que, geralmente, criam um apelido (nick name). Centrado basicamente na escrita,
8
Uma definição de semiose seria que é qualquer ação ou influência para sentido comunicante pelo estabelecimento
de relações entre signos que podem ser interpretados por qualquer audiência.
109
Unidade II
a linguagem nesse meio possui característica ímpar pela presença de abreviações, escrita
fonética, homofonia, taquigrafia e sinais gráficos que expressam emoções. Exemplifico no
quadro a seguir:
• Listas de discussão – pessoas com os mesmos interesses formam grupos que interagem por meio
de e-mails. Cada grupo é gerenciado por um moderador que aprova ou não a entrada de novos
membros, remove (deleta) outros que não estão seguindo as normas do grupo.
• Weblogs (blogs) – blog é um diário virtual público, onde as pessoas escrevem sobre si, expõem
suas ideias, que pode ser atualizado com frequência. Pode ser privado ou visitado e postado por
amigos ou por qualquer navegador da rede.
110
Interpretação e Produção de Textos
que pode ser construído com um editor de html, com um serviço de blog ou até mesmo com um
editor de texto que possa ser salvo como página da web.
• introdução;
• tarefa;
• processo;
• recursos;
• avaliação;
• conclusão.
Já ouviu falar em suporte? No significado do dia a dia, suporte é algo que dá sustentação, apoio,
base para alguma coisa. Vejo, na minha cozinha, um suporte para o micro-ondas; converso com minha
irmã e tenho nela um suporte para enfrentar uma determinada situação. Fora esses usos cotidianos,
a palavra suporte, conforme a área (economia, matemática, heráldica etc.), carrega significados bem
específicos.
Como não poderia deixar de ser, também na área de estudo de texto a palavra suporte tem seu
significado específico. Quando lemos ou escrevemos, recorremos a um suporte de gênero textual. Tente
identificar qual é o suporte do texto na seguinte situação:
“Oi, Paulo, sou a Ana Lúcia. Me ligue o mais rápido possível, por favor.”
O texto pode ser um recado gravado e o suporte, no caso, pode ser uma secretária eletrônica ou você
pode considerar que o texto seja uma mensagem enviada pelo celular e que este seja o suporte.
Da lista abaixo, qual você assinalaria como sendo suporte de gênero textual?
• Jornal
• Revista
• Gibi
• Computador
111
Unidade II
• Telefone
• Caderno
Ao ser definido como lugar físico (ou virtual), o suporte deve ser real, ou seja, ter materialidade, que
se torna, no caso, incontornável e imprescindível. Sobre o formato específico, o suporte pode ser uma
revista, um livro, um jornal, um outdoor e assim por diante. Quanto ao terceiro aspecto, a função básica
do suporte é fixar o texto e torná-lo acessível.
Considerar o suporte, quando lemos ou escrevemos, é ter consciência de que ele “não é
neutro” e de que o gênero textual “não fica indiferente” ao suporte. Vejamos a situação dada: “Oi,
Paulo, sou a Ana Lúcia. Me ligue o mais rápido possível, por favor”. Se o texto estiver escrito em
papel e sobre uma mesa, o suporte é a folha de papel e o gênero textual é bilhete; se for passado
pela secretária eletrônica, o gênero é recado; se o texto for remetido via correio, o gênero é
telegrama. O conteúdo não muda, mas o gênero textual é classificado conforme sua relação com
o suporte.
O suporte interfere também na posição física do leitor e do produtor do texto. O leitor lê gêneros
textuais e não o suporte material; o produtor escreve gêneros e não suportes; na verdade, a pessoa
produz e lê gêneros textuais nos mais diversos suportes. Dependendo do suporte, a pessoa: senta-se, fica
em pé, fica deitada; segura o suporte com uma mão, com ambas as mãos, não segura; move os olhos,
move a boca, move a mão; inclina a cabeça etc.
Exemplo de aplicação
1) Observe e anote a posição física dos leitores em relação aos seguintes suportes: a) livro; b) jornal;
c) celular.
Comentário
O comportamento do leitor muda de acordo com o suporte. No caso do livro, por exemplo, a
pessoa pode ler sentada, segurando o suporte com uma mão ou com ambas, afastar ou aproximar
mais o livro do rosto. Diferente do livro, o jornal dificulta, por exemplo, a leitura da pessoa que
112
Interpretação e Produção de Textos
esteja deitada. O celular, com suas inovações tecnológicas, muda o comportamento das pessoas,
por exemplo: o usuário pode segurar o celular apenas com uma mão, guardá-lo na bolsa ou no
bolso e ouvir o texto por meio de fone. Dizemos que são variáveis as relações entre o corpo da
pessoa e o suporte.
Comentário
Nós podemos entender que: a) a pessoa tatuada viveu na década de ouro do rock ou que a admira;
b) a pessoa tirou suas impressões digitais, por exemplo; c) a pessoa era escrava.
3) Existe maior grau de formalidade (F) ou informalidade (I) ao escrever nos seguintes suportes:
Comentário
Um texto será mais ou menos formal, dependendo das circunstâncias: o assunto (trivial, como o
trabalho); a pessoa que receberá o texto; o grau de proximidade entre quem escreve e quem lê; e
também o suporte. Se considerarmos o nosso cotidiano, o celular e o computador (para MSN) são mais
informais do que o caderno de curso (pelo conteúdo).
Marcuschi (2008) distingue duas categorias de suporte textual. O autor identifica a categoria dos
suportes convencionais, típicos, criados apenas para ser suporte. Um exemplo dessa categoria é o suporte
livro. Outra categoria é a de suporte incidental, que pode fixar texto, mas não é destinado a esse fim. O
corpo é um exemplo de suporte incidental.
São vários os suportes desse tipo: livro, livro didático, jornal, revista, revista científica, rádio,
televisão, telefone, quadro de aviso, outdoor, encarte, folder, luminosos, faixas. A seguir, destaco
seis:
Livro
Quantas vezes já declaramos “Eu vou ler o livro”, “Eu já li aquele livro”. O livro, no entanto,
não é um gênero textual, mas um suporte, com formato específico, pois apresenta capa, páginas,
113
Unidade II
encadernação etc. O livro comporta diversos gêneros textuais, como romance, poema, tese de
doutorado etc.
Jornal
O jornal é suporte de muitos gêneros textuais: cartas do leitor e editorial; notícia, reportagem,
entrevista; charge, horóscopo, tirinha; sinopse, cruzadinha. Sua veiculação é cotidiana e atinge milhares
de leitores no país.
O jornal lembra, em certo sentido, o dicionário ou a lista telefônica. Isso porque o leitor geralmente
busca as mesmas seções de interesse – política, entretenimento etc. – deixando de lado o restante, o que
significa não ler todos os textos do jornal.
Revista
A revista é um suporte de gênero textual que aborda tema específico. Se a revista é, suponhamos, de
moda, os gêneros seguirão essa temática. Os gêneros que circulam nesse tipo de revista são desde textos
que giram sobre o assunto, como notícia, reportagem, editorial, até os mais dispersos, como horóscopo,
tirinha, sinopse de filme.
Revista científica
Rádio
A relevância do suporte rádio no Brasil se deve a sua história no país. Nação de porte continental,
de lonjuras e distâncias que nem sempre são alcançadas pelos meios de transmissão de mídias atuais e
onde muitos brasileiros não têm televisão em seus lares pelo fator custo, mas onde a quase totalidade
possui rádio. Os gêneros que se manifestam são essencialmente orais: conversação, notícia, anúncio
publicitário, letra de música etc.
114
Interpretação e Produção de Textos
WOs suportes denominados incidentais são meios casuais de fixação de um texto. Boa parte
dos textos em circulação pelos ambientes urbanos se acha nesses suportes, como para-choques,
embalagens, muros, roupas, corpos, paredes, paradas de ônibus, estações de metrô, calçadas,
fachadas, meios de transporte.
Para-choques
Os veículos – carro de passeio, caminhão, entre outros – tornam-se suportes para gêneros textuais,
como ditados populares e provérbios. Na verdade, não é apenas o para-choque, mas também as
janelas.
Embalagens
A embalagem pode trazer gênero textual como: rótulo, receita (culinária), breve bula.
Muros
Os muros servem de suporte para gêneros textuais como propaganda política, anúncios, pichações.
São textos pouco desenvolvidos, mas de grande eficácia comunicativa.
Exemplo de aplicação
O Banco do Brasil, por exemplo, distribui para seus clientes um folheto sobre aplicação para a
família toda. Levando em conta a situação comunicativa e o contexto social, podemos considerar
que:
a) o folheto distribuído possui um leitor específico, ou seja, não é para qualquer pessoa que adentre
o banco.
b) o folheto serve para qualquer leitor que se interesse pela temática.
c) o folheto é um suporte distribuído, sem relação direta com a instituição que o produziu.
d) o folheto é público, logo, todos os clientes e não clientes o recebem.
e) o folheto é dissociado do leitor-cliente.
Comentário
A alternativa correta é a a). O banco criou e distribuiu folheto para, primeiro, anunciar um tipo
de serviço, segundo, para um público específico, considerado pelo banco o cliente potencial para tal
serviço. Assim, o folheto não se destina a qualquer leitor-público, incluindo muitos clientes do banco
(uma vez que nem todos os clientes têm condição de adquirir tal serviço).
115
Unidade II
6 Qualidades do texto
A coerência de um texto é construída pela interação de fatores, entre eles, o que está escrito no texto
– ou seja, a língua manifestada –, e os conhecimentos do leitor.
Um texto pode ser muito bem escrito, com emprego de termos técnicos, específicos,
instruindo sobre como fazer um cisalhamento. Se o leitor não é da área de encadernação, não
conseguirá entender o texto. Ele não terá coerência por causa da falta de conhecimento prévio
do leitor.
O contrário também ocorre. O texto está bem escrito, sem contradições, com muitas informações
úteis, mas essas informações já não têm a menor novidade para o leitor. Nesse caso, o texto não causará
interesse ao leitor, que, na verdade, considerará sua leitura perda de tempo.
Existem, então, fatores fora do texto que interferem tanto na sua produção quanto na
leitura. Esses fatores são: intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e
intertextualidade9.
6.1.1 Intencionalidade
A meta do autor pode ser informar, impressionar, alarmar, convencer, persuadir, defender etc. É ela
que orienta a produção do texto.
6.1.2 Aceitabilidade
A aceitabilidade diz respeito ao leitor, que, durante a leitura do texto, tenta recuperar a coerência
textual, atribuindo-lhe sentido. O leitor recebe o texto como aceitável, tendo-o como coerente e coeso,
passível de interpretação.
Para produzir e interpretar um texto de modo satisfatório, além do princípio de cooperação entre
autor e leitor, deve haver três competências fundamentais:
1. Competência linguística: é aquela em que autor e leitor precisam ter o domínio da língua, base
da comunicação.
8
Os fatores de textualidade, incluindo os internos (coesão e coerência) da língua, são analisados por Beaugrande e
Dressler e sintetizados por Costa Val (1999).
116
Interpretação e Produção de Textos
3. Competência genérica: o autor deve adequar seu texto a certo gênero discursivo para que o leitor
seja capaz de, ao menos, distinguir diferentes gêneros para melhor compreender e interpretar o texto
lido.
As competências não se manifestam numa ordem sequencial e tampouco essa ordem prejudica a
interpretação do discurso.
O produtor deve, num primeiro momento, possuir condições de produzir qualquer tipo de texto
e, em seguida, prever um leitor com o qual ele pretenda compartilhar suas ideias via texto. Dentro
desse processo interativo entre autor e leitor, mediado pelo texto, não ocorre apenas uma relação de
casualidade, mas de cumplicidade, visto que a atividade de um só pode ser concluída com sucesso caso
o outro a complete também. Kleiman (1997, p. 65) esclarece a cumplicidade estabelecida entre autor e
leitor do seguinte modo:
Mediante a leitura, estabelece-se uma relação entre leitor e autor que tem
sido definida como de responsabilidade mútua, pois ambos têm a zelar
para que os pontos de contato sejam mantidos, apesar das divergências
possíveis em opiniões e objetivos. Decorre disso que ir ao texto com ideias
preconcebidas, inalteráveis, com crenças imutáveis, dificulta a compreensão
quando estas não correspondem àquelas que o autor apresenta, pois nesse
caso o leitor nem sequer consegue reconstruir o quadro referencial através
de pistas formais.
Com base no exposto por Kleiman (1997), podemos presumir que o autor e o leitor se tornam
responsáveis no processo de leitura. Assim, o autor, ao elaborar um texto, deve fazê-lo de modo
claro, deixando pistas para que o leitor o compreenda e reconstrua o caminho percorrido pelo
autor. O papel do leitor, nesse processo, é confiar e perceber que as informações contidas no
texto apresentam algo de relevante e que são enunciadas de modo claro e coerente. Se,
porventura, o leitor se depara com possíveis entraves no processo de leitura, ele deve valer-se de
seu conhecimento linguístico, textual e de mundo. Tais conhecimentos são preponderantes para
que esse leitor compreenda um texto de modo eficiente. Sendo assim, ainda conforme Kleiman
(1997), a construção de sentido de um texto é o resultado da interação dos diversos níveis de
conhecimentos de que dispõe o leitor.
Na produção escrita, o leitor tem um papel fundamental, visto que o texto não é algo independente,
ou seja, o texto passa a ter significação a partir do momento em que ele possibilita ao leitor uma leitura,
uma compreensão e uma interpretação.
6.1.3 Situacionalidade
117
Unidade II
Tomemos o caso de alguém que quer falar ao telefone: essa situação exigirá
uma série de ações mais ou menos consolidadas e que vão constituir o
gênero telefonema. Haverá a chamada, as identificações e os cumprimentos
mútuos, a abordagem de um tema, ou de vários, e as despedidas.
Assim é com qualquer texto que exige situações definidas. Ou, em outras palavras, o texto “conserva
em si traços da situação”.
6.1.4 Informatividade
A informatividade diz respeito ao grau de informatividade do texto, tanto no aspecto formal quanto
no conceitual. O texto atende à expectativa do leitor ou rompe com ela.
(a) É solicitada ao produtor uma palestra sobre questão de gênero para uma plateia constituída por
historiadores e antropólogos.
(b) É solicitada ao produtor uma palestra sobre questão de gênero para alunos ingressantes no curso
de história e ciências sociais.
Na situação (a), o produtor terá como leitores-ouvintes especialistas no assunto; pessoas que já
conhecem muito sobre questão de gênero e esperam, portanto, pelo menos, um conteúdo novo, atual.
Se o produtor não tomar cuidado com o texto que for apresentar, poderá ser repetitivo; poderá falar o
abc para quem já sabe o alfabeto.
Na situação (b), o produtor terá como leitores-ouvintes de sua palestra pessoas que não
conhecem o assunto ou que conhecem superficialmente. Nesse caso, o produtor precisa iniciar
seu texto explicando, por exemplo, que o termo “questão de gênero” na área de história, de
antropologia, significa o estudo do papel da mulher na sociedade. Tal informação seria redundante
se apresentada para o público da situação (a), no entanto, seria extremamente esclarecedor para o
público da situação (b).
Como bem diz Marcuschi (2008, p. 132), “ninguém produz textos para não dizer absolutamente
nada”. Para o autor, é essencial pensar que em um texto deve ser possível distinguir:
6.1.5 Intertextualidade
A intertextualidade é fenômeno ocorrido no texto quando este faz referência a outro. A palavra
intertextualidade é derivada de
• Em linhas bem gerais, pode-se dizer que as ciências sociais englobam disciplinas que estudam as
sociedades humanas, sua cultura e evolução. Coube ao filósofo grego Aristóteles, que viveu no
século IV a.C., cunhar uma definição que, imperfeita para os tempos modernos, ainda mantém
uma força singular: ‘o homem é um animal político, incapaz de viver sozinho’. O problema é
que a convivência com os outros obriga a muitas indagações. O que dá origem aos conflitos, às
crises políticas, à escassez? Aí é que entram as ciências sociais, estudando os problemas sociais,
econômicos, políticos, espaciais e ambientais, para, ao diagnosticá-los, resolvê-los, se não de todo,
pelo menos ajudando a minorá-los.10
No exemplo acima, temos um texto publicado no site da Unesp. Ele serve para informar sobre o curso
de ciências sociais e sobre o foco de interesse desse curso. O leitor provável é um vestibulando, que,
indeciso, precisa conhecer melhor o curso e procura informações no site dessa e de outra instituição de
ensino. Nesse texto, nós encontramos referência a outro texto. Já identificou? O texto que está dentro
do texto produzido pela Unesp é “o homem é um animal político, incapaz de viver sozinho”, e a fonte
está bem explícita: Aristóteles. Então, nesse texto temos um caso de intertextualidade. Vamos ao outro
exemplo:
• Atualmente, sabe-se que o sucesso de uma empresa depende, basicamente, de uma boa
administração. Quando se fala em boa administração, deve-se levar em consideração não só as
políticas de recursos humanos ou as estratégias de marketing, mas, principalmente, uma boa
administração financeira. Segundo Santos (2001), o sucesso empresarial demanda cada vez mais
o uso de práticas financeiras apropriadas.11
10
VUNESP. Ciências Sociais. Estudo enfoca problemas sociais, econômicos e políticos. Disponível em: <http://www.
vunesp.com.br/guia2009/ciesoc.html>. Acesso em: 21 abr. 2011.
11
MACHADO, M. A. V. e SILVA, H. N. da. Análise das políticas de administração financeira de curto prazo: o caso da
Guida Confecções. Disponível em: <http://www.congressousp.fipecafi.org/artigos22005/438.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2011.
119
Unidade II
Paráfrase: quando, no texto, ocorre a alusão (reescrita) a um outro texto, com o objetivo de reafirmar
a mensagem ou parte dela.
Paródia: ocorre ao contestar ou ridicularizar outro texto. A ironia é uma figura de linguagem muito
utilizada para esse fim.
Tradução: versão de uma língua para outra; é um procedimento que implica a intertextualidade.
Exemplo de aplicação
1) O texto abaixo sustenta que, para a eficácia dos estudos científicos, devemos desconfiar do que
é familiar:
120
Interpretação e Produção de Textos
Esse texto, por causa de seu conteúdo, pode ser relacionado a qual fator de textualidade?
a) Intencionalidade.
b) Aceitabilidade.
c) Informatividade.
d) Situacionalidade.
e) Intertextualidade.
Comentário
A alternativa correta é a c). O texto pode ser relacionado à informatividade porque o conceito desse
fator de textualidade lida com o grau de informação do texto, do autor, do leitor. Se o leitor conhece
bem o assunto, não tirará nada novo do texto; se o leitor pensa que já conhece bem o assunto e lê um
texto com conteúdo novo, aprenderá muito com ele. A informatividade, então, pode ou não atender à
expectativa do leitor.
2) Um grande desafio para você, caro aluno: produza dois textos curtos, do tipo expositivo, sobre um
conteúdo específico de sua área:
a) Para mim e para leitores iguais a mim, ou seja, leigos em sua área.
Comentário
Ao escrever o primeiro texto, você deve colocar o fator informatividade em um grau muito
alto, pois com certeza precisa expor dados do assunto em detalhes. No entanto, talvez seja uma
produção mais fácil do que a do segundo texto. A segunda redação exigirá mais de você, porque
precisará se colocar no lugar do professor (do leitor especialista) e se perguntar: afinal, o que o
meu público não conhece? Que contribuição efetiva meu texto pode levar ao meu leitor? Além
disso, a adequação da linguagem será outra: se no primeiro você deve usar poucos ou nenhum
termo técnico, no segundo eles devem ser empregados sem receio de não serem entendidos.
121
Unidade II
a) Em uma apresentação sobre gestão empresarial, o palestrante usou o diálogo a seguir para
reforçar a ideia da necessidade de definirmos metas, projetos. O diálogo a seguir foi retirado de
qual texto?
Comentário
Na apresentação sobre gestão empresarial, o palestrante usou trecho da obra Alice no país das
maravilhas, de Lewis Carroll, para ilustrar sua tese.
MEDICINA
Estudo realizado com mais de 200 voluntários avalia atividade cardiovascular e endócrina comparada
à satisfação pessoal.
Já dizia o poeta Vinícius de Moraes: “É melhor ser alegre que ser triste”. E a comprovação médica
dessa obviedade psicológica acaba de vir de três pesquisadores do University College, em Londres. Eles
demonstraram que a felicidade está diretamente ligada ao bom funcionamento do sistema endócrino
e cardiovascular.
Claro, o dilema de uma famosa marca de biscoitos é a primeira coisa que chama a atenção nos
resultados dessa pesquisa. O sujeito está feliz porque está saudável ou está saudável porque está feliz?
Essa é uma boa pergunta. Tão boa, na verdade, que os cientistas, com os dados atuais, não têm condição
de responder.
O que os pesquisadores liderados por Andrew Steptoe fizeram foi estabelecer uma correlação clara
entre a felicidade e certas medidas indicativas de boa saúde, com base no acompanhamento de 226
122
Interpretação e Produção de Textos
londrinos – 116 homens e 110 mulheres. Os voluntários foram estudados não só em laboratório, mas
também na vida cotidiana, trabalhando e de folga.
“Nós usamos simples índices de felicidade que as pessoas nos davam umas 20 a 30 vezes por dia”, diz
Steptoe. Em cada nova avaliação, o participante tinha de dizer o que andara fazendo nos últimos cinco
minutos e como ele classificava seu nível de felicidade no período, numa escala de 1 a 5.
“Desse modo, nossas medidas não dependiam apenas de como alguém se sentia num único ponto
do tempo, mas dos níveis médios ao longo do dia.” (NOGUEIRA, 2005)
Comentário
Na matéria sobre o estudo realizado com os mais de 200 voluntários, o texto jornalístico já inicia
com uma referência a outro texto: o primeiro verso da música Samba da bênção, de Vinícius de Moraes.
No decorrer do texto, o leitor consegue relacionar essa intertextualidade ao próprio assunto da notícia,
que trata da felicidade. No segundo parágrafo, ao empregar a paráfrase/paródia “o sujeito está feliz
porque está saudável ou está saudável porque está feliz?” o autor remete a um anúncio publicitário
de bolacha que ficou muito conhecido. Além dessas ocorrências intertextuais, há a fala do especialista,
conferindo credibilidade ao texto jornalístico.
Figura 2
123
Unidade II
Comentário
O poema é Canção do exílio, de Gonçalves Dias, e foi criado em 1836. O poema é atualizado na HQ
para mostrar que a natureza não é a mesma depois de tanto desmatamento.
Até aqui você viu o que é um texto, isto é, quais são as características básicas que nos permitem
considerar um texto como tal. Veremos agora alguns fatores importantes para a qualidade de um texto,
como coesão e coerência; clareza e concisão e correção gramatical.
Assim, a coesão equivale à relação entre as palavras, entre as orações, entre os períodos, enfim, entre
as partes que compõem um texto. Quando chegamos ao “todo”, ao sentido global, temos a coerência do
texto. Então, um fator depende do outro, isto é, a coerência pressupõe a coesão.
Exemplificando: o falante de língua portuguesa não reconhece coesão nem coerência em uma
sequência como a seguinte:
Essa coesão pode ser estabelecida por meio de mecanismos referenciais e/ou sequenciais, segundo
os estudos linguísticos. Para entendermos melhor, vejamos a proposta didática dessas classificações
feita por Fiorin e Savioli (1999).
124
Interpretação e Produção de Textos
São classes gramaticais (artigos, pronomes, numerais, advérbios, verbos) que funcionam, no texto,
como elementos de retomada (anafóricos) ou de antecipação (catafóricos) de outros termos enunciados
no texto.
Exemplo:
Estamos (a) reunidos para examinar o caso. Eu, a diretoria e vocês entendemos que não se trata de
uma questão simples. Ela (b) deve ser analisada com muita cautela, por isso nós (c) nos encontramos
aqui.
(a) “Estamos” é o verbo que antecipa o sujeito “eu, a diretoria e vocês”. Na sequência, é um elemento
catafórico.
(b) “Ela” é um pronome que retoma “uma questão”, portanto, um elemento anafórico.
(c) “Nós” é pronome (elemento anafórico) que retoma o sujeito “eu, a diretoria e vocês”.
É a isso que se denomina “retomada ou antecipação por uma palavra gramatical”. Podemos então
encontrar em um texto vários elementos que estabelecem essa retomada ou antecipação. São eles
que formam as ligações no texto, ou seja, são esses termos que instituem o que se denomina coesão
referencial.
Algumas observações
Nessa frase, a palavra “aqui”, se não houver referência anterior explícita a ela, leva à inferência de que
se trata do local em que ocorre a situação comunicativa (que não precisa ser um lugar concretamente
especificado).
Exemplos:
(a) Encontrei a carta sobre a mesa (o emprego do artigo definido “a” faz pressupor que se trata de
uma carta já referida anteriormente).
125
Unidade II
(b) Uma carta foi deixada sobre a mesa (o emprego do artigo indefinido “uma” introduz o termo
carta, ou seja, o termo está sendo apresentado no texto).
Exemplos:
(a) João e Maria estudaram muito para a prova, o que você não fez. (= estudar)
(b) Eduardo e o irmão ficaram muito emocionados com a homenagem, mas não foi (= ficarem
emocionados) como esperávamos.
4. Ambiguidade.
Exemplos:
Minha amiga discutiu com a irmã por causa de sua resposta (sua = da amiga ou da irmã?).
Ela convidou o irmão do namorado, que chegou atrasado para a festa (que = o irmão ou o
namorado?).
Além das palavras gramaticais, há outra forma de se retomar as palavras no texto. É o mecanismo de
substituição por sinônimos, por hiperônimos, por hipônimos ou por antonomásias.
No exemplo referente ao item Retomada ou antecipação por uma palavra gramatical, podemos
observar um desses mecanismos: em “(...) de uma questão simples”, o substantivo “questão” retoma “o
caso” por um processo de substituição por sinônimos.
Exemplo: A rainha dos baixinhos estreia novo filme (em vez de Xuxa estreia novo filme).
126
Interpretação e Produção de Textos
Entre os mecanismos de coesão referencial também se encontra a elipse, quer dizer, o apagamento
de palavras (que podem ser recuperadas pelo contexto) em uma sequência, para que não haja repetição
indevida.
Exemplo: O presidente da República anunciou novas medidas. Ø Baixou os juros, Ø elevou o salário
mínimo e, ainda, Ø regulamentou a criação de novos empregos.
Veja que o símbolo Ø representa o sujeito “O presidente da República”, que foi omitido para evitar
repetição na sequência. Trata-se de elipse do sujeito.
Estabelecida por conectores (ou operadores discursivos) que fazem a relação entre segmentos do
texto. Esses conectores, além de estabelecer relação lógico-semântica entre as partes do texto (de causa,
finalidade, conclusão etc.), têm função argumentativa, que, segundo Fiorin e Savioli (1999), podem ser
dos seguintes tipos:
1. Os que marcam uma gradação, numa série de argumentos, orientada para uma determinada
conclusão (até, mesmo, até mesmo, inclusive, ao menos, pelo menos, no mínimo, no máximo,
quando muito). Ex.: Ele tem todas as qualidades para vencer o concurso: é alto, magro e até
inteligente.
2. Os que marcam uma relação de conjunção argumentativa (ligam argumentos em favor de uma
conclusão, como: e, também, ainda, nem, não só... mas também, tanto... como, além de, além disso,
a par de). Ex.: O cliente não recebeu o produto solicitado e teve, ainda, que pagar em dinheiro.
4. Os que marcam uma relação de conclusão (portanto, logo, por conseguinte, pois, quando
não introduz a oração). Ex.: Ele fora classificado como o melhor corredor. Recebera, pois, o
maior prêmio (está implícito que quem fosse considerado o melhor corredor receberia o melhor
prêmio).
5. Os que estabelecem uma comparação entre dois elementos, com vistas a uma conclusão (a
favor ou contra). Ex.: Não sei se o trabalho ficará bom, mas esse pedreiro é tão eficiente quanto
o outro.
6. Os que introduzem uma explicação ou justificativa (porque, já que, que, pois). Ex.: É melhor não
mexer no material, já que não tem a intenção de comprá-lo.
127
Unidade II
8. Os que introduzem argumento decisivo, como um acréscimo à informação (aliás, além do mais,
além de tudo, além disso, ademais). Ex.: Ela tirou tudo do armário, espalhou no quarto e não
terminou a arrumação. Aliás, como de costume.
9. Os que indicam uma generalização ou uma amplificação da informação anterior (de fato,
realmente, aliás, também, é verdade que). Ex.: Não bastasse estar atrasado, também esqueceu o
ingresso no bolso da calça.
10. Os que especificam ou exemplificam o que foi dito (por exemplo, como etc.). Ex.: Todos
ficaram insatisfeitos com a decisão da mãe, como o filho mais velho que deixou de falar
com ela.
11. Os que marcam uma relação de retificação, ou seja, uma correção, um esclarecimento,
um desenvolvimento ou uma redefinição do conteúdo anterior (ou melhor, de fato, pelo
contrário, ao contrário, isto é, quer dizer, ou seja, em outras palavras). Ex.: O candidato não
honrou seu compromisso, isto é, não cumpriu o que prometera em campanha eleitoral.
12. Os que introduzem uma explicitação, uma confirmação ou uma ilustração do que foi informado
(assim, desse modo, dessa maneira). Ex.: Encontramo-nos em período de crise econômica. Assim, o
comércio de produtos eletrônicos está em baixa.
Esse tipo de coesão pode ser estabelecido com ou sem elementos de ligação. Quando há conectores,
estes podem ser:
1. Os que marcam sequência temporal. Ex.: A mulher abandonara o lar. Um ano depois, estava
arrependida.
2. Os que marcam uma ordenação espacial. Ex.: À direita fica o portão de entrada para o prédio.
3. Os que especificam a ordem dos assuntos no texto. Ex.: Em primeiro lugar, devo declarar que
aceito a proposta.
4. Os que introduzem um dado tema ou servem para mudar o assunto na conversação. Ex.:
Devemos nos unir para uma decisão acertada. Por falar nisso, estamos todos no mesmo
barco.
128
Interpretação e Produção de Textos
Algumas observações:
Ex.: Não assistirá à conferência. Está atrasada (subentende-se um conector que estabeleça relação
de causa na segunda oração, como “porque”).
2. Quanto à manutenção do tema no texto, trata-se da articulação tema (dado) e rema (novo) que
se dá na perspectiva oracional ou contextual.
Ex.: Vamos descrever, então, o interior da casa. A sala é ampla e se divide em dois ambientes. Os
quartos são bem arejados. A cozinha comporta toda a família nos horários de refeição.
Saiba mais
Exemplo de aplicação
1) “Em uma manhã ensolarada, Heitor encontrou uma linda cachorrinha, pequena e toda
branquinha, e deu a ela o nome de Blanche.” (N. Rosa e A. Bonito)
d) referencial anafórico, uma vez que seu referente vem antes dele.
e) referencial catafórico, porque seu referente “cachorrinha” vem antes dele no texto.
Comentário
A alternativa correta é a d). A coesão classifica-se como coesão referencial anafórica, porque o
elemento referente “cachorrinha” vem antes do pronome “ela”.
2) “Magda, desta parte quem cuida é o suporte técnico. Por favor, envie uma mensagem para eles,
apresentando, com clareza, a sua dúvida, que prontamente será atendida.” Nesse recado, o leitor depara‑se:
129
Unidade II
Comentário
A alternativa correta é a d). O elemento coesivo “eles” não possui um referente explícito no texto,
precisando, portanto, ser inferido pelo leitor. Na verdade, são os membros da equipe do suporte técnico
o referente para “eles”.
• “Lúcia ainda não sabe que carreira pretende seguir. Aliás, é o que está acontecendo com grande
número de jovens na fase pré-vestibular.”
• “Muitos de nossos alunos estão desenvolvendo pesquisas no exterior. Por exemplo, Mariana está
na França e Marcelo, na Alemanha.”
a) generalização e exemplificação.
b) generalização e contrajunção.
c) contrajunção e exemplificação.
d) conjunção e explicação.
e) comparação e exemplificação.
Comentário
A alternativa correta é a a). O primeiro enunciado tem relação do tipo generalização com o conector
“aliás”, e o segundo, do tipo exemplificação com o conector “por exemplo”.
I - O barranco desmoronou. As chuvas desta noite foram muito violentas (conexão causal).
II - As flores estão congeladas porque geou (conexão causal).
III - Nosso candidato foi derrotado porque houve infidelidade partidária (conexão causal).
130
Interpretação e Produção de Textos
Comentário
A alternativa correta é a c). O enunciado I tem encadeamento por justaposição porque entre as
orações não há um conector explícito de causa, como ocorre nos enunciados II e III. Nestes, o conector
de causa é “porque”, que relaciona as orações.
Comentário
A alternativa correta é a d). O uso do pronome relativo “que” utilizado nessa frase torna-se ambíguo,
porque o leitor não sabe se o pronome está substituindo a palavra menino ou a palavra pai.
6) Veja como os textos se desenvolvem quanto à coesão e assinale a alternativa que acertadamente
classifica o tipo de coesão predominante em cada texto respectivamente:
II. “São Paulo acrescenta continuamente requintes à roleta-russa em que se transformou a vida
na cidade. Antes, o paulistano já sabia que, se escapasse de assalto, poderia cair em sequestro
131
Unidade II
III. “A fênix é um pássaro das Arábias. Não morre nunca. Ou melhor, morre muitas vezes, queimada
no fogo, e cada vez renasce das cinzas.”
a) I. coesão referencial por substituição; II. coesão recorrencial por paráfrase; III. coesão recorrencial
por paralelismo.
b) I. coesão recorrencial por paralelismo; II. coesão referencial por substituição III. coesão recorrencial
por paráfrase.
c) I. coesão recorrencial por paralelismo; II. coesão recorrencial por paráfrase; III. coesão referencial
por substituição.
d) I. coesão referencial por substituição; II. coesão recorrencial por paralelismo; III. coesão recorrencial
por paráfrase.
e) I. coesão recorrencial por paráfrase; II. coesão recorrencial por paralelismo; III. coesão recorrencial
por paralelismo.
Comentário
A alternativa correta é a d). A coesão referencial por substituição é empregada no texto I: o termo
“ela” recupera o termo anterior “Conta Universitária Caixa”. A coesão recorrencial por paralelismo marca
o texto II, em que as orações condicionais começam com “se” (antecedente) e são seguidas pela oração
principal (consequente). A coesão recorrencial por paráfrase se materializa no texto III com a expressão
“ou melhor”.
Como já dissemos, a coerência é o todo de sentido em que resulta o texto. Para que ela se estabeleça, é
preciso observar a não contradição de sentidos entre partes do texto, o que se constrói pelos mecanismos
de coesão já explicitados.
Além disso, de acordo com Fiorin e Savioli (1999), há vários níveis que devem ser levados em conta,
como o narrativo, o figurativo, o temporal, o argumentativo, o espacial e o de linguagem. Para todos
eles, dois tipos de coerência são fundamentais: a coerência intra e a extratextual. A primeira corresponde
132
Interpretação e Produção de Textos
à organização e ao encadeamento das partes do texto, ao passo que a segunda pode estar relacionada
tanto ao conhecimento de mundo como ao conhecimento linguístico do falante.
No entanto, há textos que aparentemente podem ser incoerentes. Para se verificar se o texto tem
sentido, é preciso considerar vários fatores que podem levar à atribuição de significado ao texto. São
eles: o contexto, a situação comunicativa, o gênero, o(s) intertexto(s).
Esses fatores determinam as condições de produção e de recepção de um texto. É preciso ter conhecimento
dessas condições para julgar coerente (ou não) um texto. Para exemplificar, um texto literário, por ser
ficcional, admite o uso da linguagem figurada, ao passo que um texto científico não a admite. Portanto, se
houver o uso de uma metáfora em um texto científico, por exemplo, este será julgado incoerente.
Vejamos mais um texto de Millôr Fernandes para melhor ilustrar o que foi dito até aqui.
Um leão, um burro e um rato voltavam, afinal, da caçada que haviam empreendido juntos
(1) e colocaram numa clareira tudo que tinham caçado: dois veados, algumas perdizes, três
tatus, uma paca e muita caça menor. O leão sentou-se num tronco e, com voz tonitruante
que procurava inutilmente suavizar, berrou:
Os dois se afastaram, foram até o rio, beberam água (2) e ficaram um tempo. Voltaram e
verificaram que o burro tinha feito um trabalho extremamente meticuloso, dividindo a caça em
três partes absolutamente iguais. Assim que viu os dois voltando, o burro perguntou ao leão:
O leão não disse uma palavra. Deu uma violenta patada na nuca do burro, prostrando-o
no chão, morto.
– Compadre rato, lamento muito, mas tenho a impressão de que concorda em que não
podíamos suportar a presença de tamanha inaptidão e burrice. Desculpe eu ter perdido
a paciência, mas não havia outra coisa a fazer. Há muito que eu não suportava mais o
compadre burro. Me faça um favor agora – divida você o bolo da caça, incluindo, por
favor, o corpo do compadre burro. Vou até o rio, novamente, deixando-lhe calma para uma
deliberação sensata.
133
Unidade II
Mal o leão se afastou, o rato não teve a menor dúvida. Dividiu o monte de caça em dois:
de um lado, toda a caça, inclusive o corpo do burro. Do outro apenas um ratinho cinza (3)
morto por acaso. O leão ainda não tinha chegado ao rio, quando o rato chamou:
O leão, vendo a caça dividida de maneira tão justa, não pôde deixar de cumprimentar
o rato:
– Maravilhoso, meu caro compadre, maravilhoso! Como você chegou tão depressa a
uma partilha tão certa?
E o rato respondeu:
– Muito simples. Estabeleci uma relação matemática entre seu tamanho e o meu – é claro
que você precisa comer muito mais. Tracei uma comparação entre a sua força e a minha – é claro
que você precisa de muito maior volume de alimentação do que eu. Comparei, ponderadamente,
sua posição na floresta com a minha – e, evidentemente, a partilha só podia ser esta. Além do
que, sou um intelectual, sou todo espírito!
12
FERNANDES, M. O leão, o burro e o rato. In: La insígnia. Madri, 13 jun. 2004. Disponível em: <http://www.
lainsignia.org/2004/junio/cul_030.htm>. Acesso em: 2 mai. 2011.
134
Interpretação e Produção de Textos
a mensagem e, para preservar sua vida, faz a divisão do alimento considerada justa para o leão e,
assim, obtém sucesso.
Na sequência temporal, a narrativa apresenta uma sucessão de fatos que estabelece a progressão
temática do texto a respeito da exploração do homem pelo homem, ou da lei da sobrevivência em uma
sociedade competitiva, tema(s) este(s) que é (são) figurativizado(s) pelos animais partilhando o alimento,
em que se destaca a soberania do leão na cadeia alimentar.
A fim de se concretizar a “verdade” do texto, há também a coerência espacial, visto que os animais se
encontram em uma floresta, ambiente que concretiza o cenário em que se desenvolve a história. Como
se trata de um texto ficcional, a coerência é estabelecida pela criação desse mundo possível em que os
personagens se inserem.
Quanto à linguagem, é coerente ao tipo de texto, que permite o uso do coloquial, a fim de aproximar-se
do interlocutor. Por isso, o vocabulário é acessível e há construções próximas à oralidade, como “Me façam
um favor”, em que o pronome oblíquo inicia a oração, uma forma que a norma padrão rejeita em textos
escritos.
Dessa forma, podemos considerar esse texto coerente, pois observamos tanto a coerência
interna como a coerência externa dele. A primeira corresponde aos fatores ligados ao conhecimento
linguístico já apresentado anteriormente, ao passo que a segunda se relaciona às condições de
produção e/ou recepção do texto, tais como o gênero, a situação comunicativa e as relações
intertextuais.
Observação
Nesse sentido, podemos verificar que, por se tratar de uma crônica, é um texto que trata de
tema do cotidiano, em uma linguagem coloquial, mas que constrói opinião pelas estratégias
argumentativas. Além disso, de modo subentendido, faz alusão a outros textos existentes, do tipo
fábula, que pressupõem a existência de uma “moral”, recurso que se denomina intertextualidade.
Podemos notar que por esse recurso há construção de uma ironia em relação à moral, que é
apresentada de uma maneira “subvertida”, isto é, de modo a levar o leitor à reflexão sobre a
estupidez humana em suas relações sociais.
135
Unidade II
Exemplo de aplicação
1) A respeito do processo de elaboração que resultou no folheto apresentado a seguir, julgue os itens
que se seguem.
Figura 3
a) I.
b) II.
c) I e II.
d) I e III.
e) II e III.
Comentário
136
Interpretação e Produção de Textos
2) Em uma das charges de Maitena, temos o seguinte diálogo entre duas mulheres:
– Mas não seja ridícula! Como você sabe que não vai voltar a vê-lo nunca mais? O que ele te disse?
“Vou virar padre?” “Vou para a China?” “Vou me casar?”
a) A coerência da charge está nas perguntas hipotéticas feitas pela primeira mulher.
b) A coerência acontece quando “te ligo”, dentro das relações amorosas, é interpretado como indício
de desinteresse.
c) A coerência depende exclusivamente da seleção lexical.
d) A coerência é construída com base no conhecimento partilhado de que fazer ligação telefônica
não está dentro das convenções de um relacionamento amoroso.
e) A coerência ocorre devido ao fato de o leitor saber que nas conversas femininas não há de fato
coerência. Assim, o leitor não estranha a resposta da segunda mulher da charge.
Comentário
A alternativa correta é a b). A coerência não se aplica isoladamente ao texto, ao leitor, ao autor.
A coerência se estabelece na união desses três elementos. A coerência da charge não depende
exclusivamente do que é expresso linguisticamente no texto, mas também do conhecimento que nós
temos e que está fora do texto. No caso, nós leitores sabemos que quando uma pessoa promete ligar
para outra, isso pode ter mais de um sentido: a pessoa de fato liga; a pessoa faz promessa por fazer, e
ambas sabem que não haverá ligação; a pessoa não liga. Na relação amorosa, prometer ligar significa
dispensar a pessoa.
Do ponto de vista da produção, de acordo com a intenção, deve-se selecionar a estrutura que
sustentará o texto, levando-se em consideração características peculiares a cada uma dessas estruturas
(narrativa, descritiva ou dissertativo-argumentativa), as quais serão apresentadas mais à frente. O
fundamental é garantir que haja uma hierarquia de ideias e fatos na relação intratextual, a fim de se
organizar um todo coeso e coerente.
137
Unidade II
Nesse sentido, a organização dos parágrafos no interior do texto é de suma importância e constitui
uma das dificuldades que deve ser vencida pelo produtor, pois quando não se tem domínio dessa
habilidade, há duas tendências na construção dos parágrafos: ou o texto é um bloco único de informações
ou confundem-se período e parágrafo.
Para melhor compreensão, passemos a verificar essas duas etapas: a da organização discursivo-textual
e a da elaboração dos parágrafos.
Exemplo de aplicação
a) a fim de = para
b) não discordar = aceitar
c) com relação a = sobre
d) no sentido de = para
e) não impedir = permitir
Comentário
A alternativa correta é a b). Existem expressões longas que podem ser substituídas por outras,
mais curtas, facilitando a leitura. No caso da alternativa b) “não discordar”, ela poderia ser
substituída por “concordar”.
Embora um parágrafo seja definido pela extensão que vai de uma margem em branco até um ponto
final, devemos salientar que o mais importante é a garantia de uma unidade de sentido para cada
parágrafo de um texto, o que não pode delimitar uma forma-padrão.
Para o planejamento dos parágrafos, há sugestões de autores variados. Uma delas, que é consenso
entre muitos deles, foi sintetizada por Emediato (2004, p. 92) da seguinte forma:
A seleção de uma dessas formas direcionará a construção do texto, orientando a sequência dos
parágrafos de acordo com a ênfase dada no início. É ela que estabelecerá as relações intratextuais e a
segmentação dos parágrafos.
É importante salientar, ainda, que não há uma fórmula mágica para a organização dos parágrafos
em um texto. O importante é estabelecer uma sequência lógica que o torne claro. Para que se inicie bem
um texto (e, consequentemente, haja uma sequência coerente), Faraco e Tezza (1992, p. 178) sugerem
as seguintes recomendações:
1. Iniciar o texto familiarizando o leitor com o assunto que será tratado, de modo que a introdução
do texto situe com clareza as coordenadas do texto (assunto, intenção, aspecto que se pretende
abordar).
2. Evitar o início do texto com uma frase avulsa, a não ser que o tipo de texto o exija (como a
linguagem publicitária, por exemplo), pois esse procedimento denota má estruturação.
3. Utilizar períodos mais curtos, uma vez que os períodos longos tornam o texto prolixo e podem
desinteressar o leitor.
139
Unidade II
7 Complemento gramatical
Toda língua possui uma estrutura, que é a sua gramática. Essa gramática costuma ser apresentada em
livros chamados gramática normativa ou tradicional. Os autores dessas obras organizam os conteúdos
em diferentes capítulos, usualmente organizados em diversos níveis: fonologia/fonética, morfologia e
sintaxe (melhor denominada morfossintaxe), semântica e estilística.
A fonologia é parte da gramática que estuda os sons da língua quanto à sua função no sistema
de comunicação linguística, quanto à sua organização e classificação. Também cuida de aspectos
relacionados à divisão silábica, à ortografia e à acentuação de palavras, de acordo com o padrão culto
da língua. Estuda o aspecto fônico e tem como unidade básica de estudo o fonema.
Para a fonologia, o vocábulo “Ana” tem a primeira vogal /a/ como uma vogal nasal por ser tônica e
estar logo antes de uma consoante nasal /n/; no vocábulo “Ricardo”, pronuncia-se a vogal final como
/u/ e não como um /o/.
A morfologia é o nível de análise linguística que se ocupa do estudo das palavras, de sua formação, de
sua classificação e de suas flexões. Estuda palavras que pertencem a grupos bem diferentes: substantivo,
adjetivo, artigo, numeral, pronome, verbo, advérbio, preposição, conjunção e interjeição.
À morfologia interessa a constituição interna das palavras. Observamos que a palavra “desprezou” é
formada por mais de um elemento: a sequência desprez- mais a sequência -ou. Desprez- aparece em
outras formas, como desprezo (substantivo ou verbo), desprezível (adjetivo), desprezador (adjetivo ou
substantivo) etc., e -ou ocorre em outras formas verbais, como amou, desmanchou etc.
A sintaxe é o estudo das combinações e relações entre as palavras de um enunciado e entre as frases
de um texto. A morfossintaxe é a parte central da gramática pura: é estudada em dois domínios: a
morfologia e a sintaxe.
A sintaxe associa as palavras para formar frases. Existe uma regra pela qual a terminação de
“desprezou” depende do elemento que se coloca antes do verbo, que no caso é Ana. Notamos que o
elemento que governa a forma “desprezou” ocorre em primeiro lugar na frase, e que modificações no
último elemento (Ricardo) não afetam a forma do verbo.
A semântica é definida, de maneira genérica, como o estudo do sentido das palavras e dos enunciados.
Só atingimos o sentido dos enunciados linguísticos, em qualquer contexto, por meio de um exercício
de interpretação, a partir do qual os possíveis significados das palavras e de suas combinações são
avaliados em situações específicas, na busca daquele que melhor se ajusta ao contexto de enunciação.
140
Interpretação e Produção de Textos
A semântica leva em conta o significado transmitido na frase. O termo Ana provavelmente designa
uma mulher, e Ricardo um homem; que a pessoa desprezada é Ricardo, e não Ana; que o fato de Ana
desprezar Ricardo aconteceu no passado, e assim por diante.
Essa gramática serve como norteador para a produção de textos escritos e orais mais formais, que
exigem a norma culta. No entanto, muitas vezes a explicação de uma regra não se encontra no livro de
gramática, mas em outro contexto. Leia o texto de Pompeu de Toledo (1992) a seguir.
Você, tu e o senhor
– Você é estrebaria.
Você é estrebaria? Na verdade, Collor não disse isso. “Você é estrebaria”, segundo a
Estilística da língua portuguesa, do professor Rodrigues Lapa, é a resposta irada que se
dá ao “você” em certas regiões de Portugal onde esse tratamento é considerado ofensivo.
O presidente foi direto a um palavrão: “Você é o...” Como esta revista não é novela das 8,
prefere-se o pudor das reticências à crueza da expressão original.
Não há justificativa nem para o repórter nem para o presidente. Diga-se apenas, sem
querer desculpar ninguém, que a questão do tratamento, origem do quiproquó de Manaus,
é tão mal resolvida no Brasil que virou fonte de angústia. “Como vou chamá-lo, de você ou
senhor?” Essa é uma dúvida que pode se apresentar de forma tão aflitiva quanto a do ser
ou não ser para o príncipe Hamlet. Já que “o senhor” pode ficar excessivamente formal e
o “você” abusivamente íntimo, uma das saídas é habilitar-se na técnica de levar toda uma
conversa sem usar nem um nem outro, driblando-os com circunlóquios ou, quando não ter
mais, com grunhidos inaudíveis.
Em outras línguas o problema não se coloca. É até covardia invocar o inglês, que faz
tábula rasa das distinções de idade, hierarquia ou círculo excelso do panteão social em que a
pessoa esteja empoleirada em favor de um universal e equânime you. Pegue-se uma língua
mais próxima do português, porque da mesma origem latina, como o francês. Lá existe o
vous, literalmente “vós”, mas equivalente ao “senhor”, e o tu, próximo ao “você”. Só que está
perfeitamente claro que as pessoas devem se tratar por vous. O tu só em caso de verdadeira
intimidade, dentro da família ou entre colegas.
A ninguém, nem com a mente avariada pelo sol de Manaus, ocorrerá chamar o presidente
senão por vous. Mas há um detalhe importante no francês: o presidente, reciprocamente,
também tratará o interlocutor por vous. É vous na ida e na volta. Não se fale nem de
jornalistas, tome-se o exemplo do motorista do presidente da França. Ele cumprimentará
o presidente dizendo: “Comment allez-vous, monsieur le président?”, o que equivale em
português a “Como vai o senhor?” O presidente responderá: “Bien, et vous, monsieur
Dupont?” Bem, e o senhor?
Um aspecto perverso, na confusão de tratamento no Brasil, é que, além das questões de
idade e hierarquia, os pronomes são utilizados para acentuar diferenças de classe. O motorista,
aqui, também dirá a seu patrão: “Como vai o senhor?” Mas a resposta mais provável será:
“Bem, e você, Zé?” O motorista é, por natureza, “você”, assim como a empregada doméstica,
o garçom e o porteiro. “Você” aponta de cima para baixo, no abismo social. “O senhor” de
baixo para cima, assim como o “doutor”, essa suprema forma de premiar os méritos de um
brasileiro dos bons, desses excelentíssimos e reverendíssimos.
142
Interpretação e Produção de Textos
São hábitos que deitam raízes na sociedade de escravos e senhores que fomos. Quando era
criança, Brás Cubas, o personagem das Memórias póstumas, de Machado de Assis, gostava de
maltratar seu escravo Prudêncio montando-lhe em cima e aplicando-lhe chicotadas, como a
um cavalo. Prudêncio murmurava: “Ai, nhonhô!”, uma maneira familiar de dizer “senhor”. Brás
Cubas respondia: “Cala a boca, besta”.
Não há dúvida de que o presidente tem que ser chamado de “o senhor”, mas muito mais gente
merece também um tratamento respeitoso. Não é questão de ser formal nem pernóstico, acusações
de que o brasileiro foge mais do que das de “safado” ou “ladrão”. É questão de suavizar, pelo menos
na linguagem, as diferenças entre as pessoas. Em nome do mesmo respeito, da próxima vez que for
chamado de “você”, roga-se ao presidente que deixe de reagir com um palavrão. Ele poderia dizer,
como os gentis portugueses: “Você é estrebaria”.
O artigo jornalístico alerta para a consciência que devemos ter sobre o uso da língua. Conhecer as
regras da gramática não significa saber de fato em que situação um elemento da língua pode ou deve
ser usado e com que finalidade. Nós precisamos ficar mais atentos ao efeito de sentido.
Quando escrevemos ou falamos, usamos a língua portuguesa. Nós somos usuários de uma língua.
A língua não faz parte da natureza, como aquela árvore que você pode visualizar a distância ou a brisa
que sente agora no rosto e sobre as quais não temos controle. A língua é um fenômeno social, e, quando
recorremos a ela para falar ou escrever, nós assumimos uma responsabilidade.
O uso que fazemos da língua constitui uma manifestação e intervenção social e, desse modo, acarreta
a responsabilidade ética do usuário. A ética, por sua vez, envolve escolhas e escalas de valores que
moldam a representação de mundo de quem escreve ou fala. Nós – ao usarmos a língua – expressamos
avaliações, julgamentos, opiniões, sentimentos; apresentamos fatos socialmente aceitos ou proibidos.
Nós assumimos uma posição valorativa com relação ao nosso papel na sociedade. Caso nossos
conhecimentos e crenças não estejam em conformidade com os valores das outras figuras identitárias,
que também fazem parte da prática social, as relações sociais serão afetadas, podendo causar uma
transformação social positiva ou negativa.
O uso da língua, portanto, não significa apenas seguir as regras “corretas” da gramática. Vejamos os
exemplos dados por Travaglia (2005). Um deles trata do uso da conjunção no período composto:
Na 1ª frase, apenas informei para o meu ouvinte o motivo pelo qual não fiz a tarefa. Na 2ª, devido
ao julgamento que o meu ouvinte faz de mim, usei a oposição argumentativa.
Outro exemplo: Na época do ex-presidente Fernando Collor de Melo, os brasileiros, de forma geral, e
os jornalistas, em particular, empregavam substantivos, verbo, locução prepositiva para fazer referência
a ele.
143
Unidade II
Cada identificação demonstra: nome, cargo e/ou consideração; alusão, contexto sócio-histórico/
ironia, não cumpridor de promessa.
Exemplos de aplicação
1) Faça uma lista de características (com uma palavra, expressões) para homem e mulher:
Homem Mulher
Comentário
Peço-lhe agora que retorne ao exercício e verifique os termos empregados: quais têm carga positiva
sobre a mulher e o homem? Quais têm carga negativa sobre o homem e a mulher? Quais termos
demonstram preconceito ou valorização?
2) Leia o texto de Vange Leonel (2005), O falo e a fala, e faça uma reflexão sobre o uso da língua.
O falo e a fala
Após consultar o dicionário Houaiss, notei um desequilíbrio entre as locuções listadas para os
verbetes “homem” e “mulher”.
Homem de poucas palavras fala pouco. Homem de pulso sabe se impor. Homem de sociedade
frequenta os ricos e o homem do povo, ou homem da rua, é humilde. Homem da lei é o juiz, o advogado.
Homem de bem é honesto. Homem de letras é intelectual. Homem de negócios faz transações comerciais.
Homem de palavra cumpre suas promessas. Nenhuma das 13 locuções tem conotação pejorativa.
Já com as 32 locuções admitidas para a palavra “mulher”, a coisa muda de figura. Mulher à toa,
mulher da comédia, mulher da rótula, mulher da rua, mulher da vida, mulher da zona, mulher de
144
Interpretação e Produção de Textos
amor, mulher do mundo, mulher errada, mulher vadia, mulher de má nota, mulher perdida, mulher de
programa e mesmo mulher de negócios e mulher de sociedade são alguns dos 19 termos listados para
designar prostitutas.
Por outro lado, mulher de casa, mulher honesta, mulher de verdade, mulher séria e mulher do lar são
formas que indicam as que fazem trabalho doméstico gratuito e que também são chamadas de esposas,
mães de família e donas de casa.
Se nossa língua reflete nossos costumes, nós, mulheres, estamos mal na fita. A mensagem implícita é
que mulher séria (de verdade) fica em casa, enquanto a que vai à rua e habita o mundo é puta. O sexismo
se perpetua na linguagem: mulher pública é meretriz e homem público é o que ocupa cargos no Estado.
Curiosamente, quando a primeira ameaça dar com a língua nos dentes, o último morre de medo.
Comentário
A reflexão serve como um momento de conscientização sobre o uso da nossa língua. Geralmente, as
pessoas têm uma ideia de que o ensino de português é sobre regras de gramática apenas. No entanto,
o ensino é sobre o uso da língua e nossa responsabilidade – social – sobre seu uso. Ao usar a língua
podemos elogiar, ofender, demonstrar carinho, demonstrar preconceito, demonstrar as desigualdades
sociais do país etc.
Na escrita, sabemos da necessidade de se respeitar a norma culta, a não ser que o tipo de texto não
o exija. Por exemplo, um texto literário, no qual se reproduz a fala das personagens, se estas estiverem
no “papel” de pessoas comuns e o contexto permitir uma fala descontraída, então a norma padrão não
precisa ser seguida à risca, com a finalidade de imprimir realidade ao texto.
Todavia, em geral, precisamos cuidar da nossa linguagem e, principalmente, do uso da norma padrão
em textos do dia a dia. Por isso, passemos a algumas dicas sobre dúvidas que surgem ao ter-se que
utilizar esse português mais formal.
a. O uso do que
O que, bastante utilizado como um elemento de coesão, pode simplesmente introduzir uma
informação complementar, como pode retomar um termo anterior. Veja nos exemplos:
No exemplo (a), o que introduz a segunda oração “que não fará mais isso”, complementando
o verbo “disse” (Ela disse o quê?). Nesse caso, trata-se de uma conjunção integrante, pois esta é
sua função, integrar o sentido da oração anterior.
145
Unidade II
Já no exemplo (b), o que se relaciona ao antecedente “cão”, por isso é um pronome relativo. Ele
poderia até ser substituído por “o qual”. A informação principal encontra-se na oração “O cão jamais trai
o homem”. A segunda oração foi intercalada na oração principal, acrescentando-lhe uma informação.
Quando se usa o pronome relativo, ele pode introduzir uma informação complementar, mas de
caráter genérico, e, nesse caso, a oração iniciada pelo pronome apresenta-se destacada entre vírgulas
(ou travessões, ou parênteses). Esse tipo de pronome pode também restringir o termo a que se refere e,
nesse caso, a oração introduzida por ele não fica destacada pela pontuação. Vejamos os exemplos:
No exemplo (c), entende-se que todos os homens (a humanidade) são sensatos, ao passo que no
exemplo (d) entende-se que há um grupo de homens que são sensatos e outro dos que não o são. No
primeiro exemplo há uma generalização, a informação apenas complementa a anterior; no segundo, o
termo está sendo restrito.
• Por que
Pode ser utilizado em uma pergunta indireta (por que motivo) ou em substituição a “pelo(a) qual”.
Vejamos os exemplos:
• Porque
É conjunção causal ou explicativa, com valor aproximado de “pois”, “uma vez que”, “para que”.13
Veja os exemplos:
13
VILARINHO, S. Por que / Por quê / Porque ou Porquê? Disponível em: <http://www.brasilescola.com/gramatica/
por-que.htm>. Acesso em: 25 abr. 2011.
146
Interpretação e Produção de Textos
(c) Não vá fazer intrigas porque prejudicará você mesmo. (uma vez que)14
• Por quê
Exemplo:
• Porquê
c. Uso da vírgula
O anúncio a seguir mostra muito bem a importância da vírgula na comunicação escrita. Veja
transcrição a seguir.
14
VILARINHO, S. Por que / Por quê / Porque ou Porquê? Disponível em: <http://www.brasilescola.com/gramatica/
por-que.htm>. Acesso em: 25 abr. 2011.
15
Idem.
147
Unidade II
A vírgula
16
Segundo definição de Luft, “a vírgula é um sinal de pontuação que indica falta ou quebra de ligação sintática
(regente + regido, determinado + determinante) no interior das frases. (...) A nossa pontuação – a pontuação em língua
portuguesa – obedece a critérios sintáticos, e não prosódicos. Sempre é importante lembrar isso a todos aqueles que
escrevem, para que se previnam contra bisonhas vírgulas de ouvido. (...) Mais acertado é ensinar que nem a toda pausa
corresponde uma vírgula, nem a toda vírgula corresponde uma pausa...” LUFT, C. P. A vírgula – considerações sobre o seu
ensino e o seu emprego. São Paulo: Ática, 1998.
148
Interpretação e Produção de Textos
Nos exemplos, temos os seguintes sujeitos: em (a) o pai; em (b) o pai dedicado; em (c) o pai dedicado
e atencioso. Em todos os casos, não há vírgula.
2. A informação principal pode ser separada da informação complementar pela vírgula. Exemplo:
3. Termos acessórios, como o vocativo e o aposto, devem ser separados por vírgula:
(b) Luís Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, fez um pronunciamento na TV.
(aposto)
9. Algumas conjunções, como as conclusivas e as adversativas, são separadas por vírgulas, conforme
os exemplos:
11. Usa-se vírgula para separar orações reduzidas (ou nas formas nominais: gerúndio, particípio ou
infinitivo), como nos exemplos:
Exemplo de aplicação
150
Interpretação e Produção de Textos
Comentário
Comentário
a) A resposta fica a critério do aluno.
b) A resposta também fica a critério do aluno, entretanto, só para exemplificar, podemos dizer
que ele pode abordar o texto segundo sua estrutura. O texto seria injuntivo, porém, em vez de usar
os verbos no imperativo (compre roupa da marca Lulica), o publicitário recorre a argumentos e
coloca um bebê como enunciador, que se torna voz de autoridade.
O novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado pelos países lusófonos, tem por finalidade
unificar o sistema ortográfico dos países de língua portuguesa. Até meados da década de 1970, tentativas
de acordo restringiam-se ao Brasil e a Portugal, já que as nações africanas de língua portuguesa, Angola,
Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, eram colônias portuguesas, e o Timor-Leste (cuja
independência política ocorreu mais recentemente e cujo povo tem como segunda língua oficial o
tétum, que, aliás, é mais falado) vivia sob o domínio da Indonésia.
Com a independência política das ex-colônias africanas e do Timor-Leste, oito países passaram
a ter o português como língua oficial. Juntos, somam uma população de mais de 230 milhões de
pessoas, espalhadas por quatro continentes. Esses países formam a Comunidade de Países de Língua
Portuguesa (CPLP).
Os brasileiros têm até 31 de dezembro de 2012 para se adequar às novas regras – período em que
estão sendo aceitas a grafia anterior e a nova. A partir de 1º de janeiro de 2013, a grafia correta da língua
portuguesa será, exclusivamente, a prevista no novo acordo.
151
Unidade II
Letras k, w e y
As letras k, w e y passam a fazer parte de nosso alfabeto. Seu emprego, como era antes, fica restrito
a alguns casos específicos:
b) Siglas, símbolos e mesmo palavras adotadas como unidades de medida de âmbito internacional:
Trema
O acordo aboliu o sinal gráfico trema (¨), mas a pronúncia das palavras que recebiam esse sinal nos
encontros gue, gui, que, qui continua a mesma. Assim, o u das palavras da lista acima deve continuar
sendo pronunciado como antes: aguentar, sagui, frequente, tranquilo. O acordo ortográfico modifica a
grafia, mas não a pronúncia das palavras.
Acentuação gráfica
152
Interpretação e Produção de Textos
Não mais se emprega o acento circunflexo na terceira pessoa do plural do presente do indicativo dos
verbos crer, dar, ler, ver (e seus derivados).
Nas palavras paroxítonas, tais ditongos não mais recebem acento agudo (ver relação abaixo),
entretanto, ele se mantém quando em sílaba final (chapéu, lençóis) e nos monossílabos tônicos (céu,
dói).
Não se acentuam as letras i e u tônicas que formam hiato com a vogal anterior, quando precedidas
de ditongo.
Acento diferencial
a) Pôde (terceira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo do verbo poder) para distinguir
de pode (terceira pessoa do singular do presente do indicativo do mesmo verbo).
Emprego do hífen
O hífen (-) continua a ser usado nas palavras compostas, na ligação dos pronomes oblíquos enclíticos
(colocados depois) e mesoclíticos (colocados no meio) ao verbo e na ligação dos sufixos de origem
tupi:
No entanto, as palavras em que se perdeu a noção de composição deverão ser escritas sem o hífen.
1. Nos nomes de lugares iniciados por grã e grão, por verbo e naqueles cujos elementos estejam
ligados por artigo:
17
Manual da nova ortografia. Nova Escola, São Paulo, ed. especial, ago. 2008. Disponível em: <http://www.atica.
com.br/novaortografia/manual_nova_ortografia.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2011.
154
Interpretação e Produção de Textos
Os demais nomes de lugar, com exceção de Guiné-Bissau, devem ser escritos sem hífen: Costa Rica,
Nova Zelândia, Porto Alegre etc.
2. Nos compostos iniciados pelos prefixos ante-, anti-, auto-, circum-, contra-, entre-, extra-, hiper,
infra-, intra-, pan-, semi-, sobre, sub-, super-, supra-, ultra- etc.:
b) Quando o prefixo termina com a mesma vogal com que começa o segundo elemento:
c) Com os prefixos circum- e pan-, quando o segundo elemento começa por vogal, m e n (além do h
referido anteriormente):
d) Com os prefixos hiper-, inter-, super-, quando o segundo elemento começa por r:
e) Com os prefixos tônicos acentuados graficamente pós-, pré-, pró-, quando o segundo elemento
tem vida à parte:
1. Quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por r ou s, inclusive dobram-se
essas consoantes:
2. Quando o prefixo termina com letra diferente daquela com que se inicia a outra palavra:
18
Adaptado de TUFANO, D. Guia prático da nova ortografia. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/
novaortografia.php>. Acesso em: 25 abr. 2011.
155
Unidade II
c) Nomes de instituições:
Rua Direita (ou rua Direita), Avenida Brasil (ou avenida Brasil), Catedral de Brasília ou (catedral de
Brasília), Edifício Itália ou (edifício Itália)
156
Interpretação e Produção de Textos
Senhor Doutor Pedro da Silva (ou senhor doutor Pedro da Silva), Dona Lúcia (ou dona Lúcia), Santa
Genoveva (ou santa Genoveva)
Separação silábica
O acordo mantém o princípio já utilizado de que a separação silábica deve ser feita, de modo geral,
com base na soletração e não com base nos elementos que compõem a palavra, segundo sua origem.
Em decorrência disso, nada se altera quanto à divisão silábica das palavras.
Para você se divertir e aprender ao mesmo tempo, leia o texto a seguir, de Elida Kronig, sobre reforma
ortográfica:
Estive vendo as novas regras da ortografia. Na verdade, já tinha esbarrado com elas trilhares de
vezes, mas apenas hoje que as danadas receberam uma educada atenção de minha parte.
Devo confessar que não foi uma ação espontânea. Que eu me lembre, desde o ano retrasado uma
amiga me enche o saco para escrever a respeito. Escrevo com a esperança de que diminua o volume
de e-mails e torpedos que ela me envia. Em suma, que as novas regras ortográficas a mantenham
sossegada por um bom tempo.
Linguiça e pinguim ficam feios sem ele, mas quantas pessoas conhecemos que utilizavam o trema a
que eles tinham direito?
Essa espécie de “enfeiação” já vinha sendo adotada por 98% da população brasileira. Resumindo,
continua tudo como está.
Alfabeto com 26 letras? O K e o W são moleza para qualquer internauta, que convive diariamente com
Kb e Web-qualquercoisa. A terceira nova letra de nosso alfabeto tornou-se comum com os animes japoneses,
que têm a maioria de seus personagens e termos começando com y. Essa regra tiraremos de letra.
Aquele tracinho no meio das vogais, provocando um divórcio entre elas, vai embora. As vogais agora
convivem harmoniosamente na mesma palavra.
157
Unidade II
Agora, pasmem! O que era impossível tornou-se realidade. Contra-indicação, semi-árido e infra-
estrutura viraram amantes, mais inseparáveis que nunca. Só assinam contraindicação, semiárido e
infraestrutura.
Epa! E estraga-prazer, como fica? Deixa eu fazer umas pesquisas básicas pela internet. Huuummm...
Achei!
Essas duas palavrinhas vivem ocupadíssimas, cada uma com suas próprias obrigações. Explicam que
a sociedade entre elas não passa de uma simples parceria. Nem quiseram se prolongar no assunto. Para
deixar isso bem claro, vão manter o traço.
Com alguns pontapés coloquei todos no porta-malas pra vender no ferro-velho. O paraquedista com
cara de pão de mel ficou nervoso. Só acalmou quando o banhei com água-de-colônia numa banheira
de hidromassagem.
Então os nomes compostos não usam mais hífen? Não é bem assim. Os passarinhos continuam com seus
nomes: bem-te-vi, beija-flor. As flores também permanecem como estão: bem-me-quer, amor-perfeito.
Por se achar a tal, a couve-flor recusou-se a retirar o tracinho e a delicada erva-doce nem está sabendo do
que acontece no mundo da Língua Portuguesa e vai continuar adotando o tracinho.
As cores apelaram com um papo estranho sobre estarem sofrendo discriminações sexuais e conseguiram
na Justiça o direito de gozarem com o tracinho. Ficou tudo rosa-choque, vermelho-acobreado, lilás-médio...
Porém, fique atento: cor de vinho, cor de burro quando foge.
As donas de casa quando souberam da vitória da comunidade GLS, criaram redes de novenas
funcionando por 24h, para que a feira não se unisse sem cerimônia aos dias da semana. Foram atendidas
pelo próprio arcanjo Gabriel que fez uma aparição numa das reuniões, dando ordens ao estilo Tropa de
Elite:
– Deixe o traço!
Deu certo. As irmãs segunda-feira, terça-feira e as demais, para não caírem em pecado mantiveram
o hífen.
Os médicos e militares fizeram um lobby, gastaram uma nota preta pra manter o tracinho. Alegaram
que sairia mais caro mudar os receituários e refazer as fardas: médico-cirurgião, tenente-coronel,
capitão-do-mar.
158
Interpretação e Produção de Textos
Uma pequena pausa para a cultura, ocasionada pelo trauma de ler muitas pérolas do Enem e
Vestibular. Só por precaução...
Almirante Barroso não tem tracinho. Assim era chamado Francisco Manuel Barroso da Silva. Sim, o
cara era militar da Marinha Imperial. Foi ele quem conduziu a Armada Brasileira à vitória na Batalha do
Riachuelo, durante a Guerra da Tríplice Aliança.
No centro do Rio de Janeiro há uma avenida com seu nome (Av. Almirante Barroso). Na praia do
Flamengo, há um monumento, obra do escultor Correia Lima, em cuja base se encontram os seus restos
mortais. Fim da pausa!
Acho que algumas regras pra este tracinho, até que simpático, foram criadas por algum
carioca apaixonado. Será que Thiago Velloso e André Delacerda tiveram alguma participação no
acordo?
O R no início das palavras vira RR na boca do carioca. Não pronunciamos R (como em papiro, aresta
e arara), pronunciamos RR (como em ferro, arraso e arremate). Falamos rroldana e não roldana, rrodopio
e não rodopio, rrebola e não rebola.
Pois bem, numa das tombadas do hífen, o R dobra e deixa algumas palavras com jeito carioca de ser:
autorretrato, antirreligioso, suprarrenal. Será fácil lembrar desta regra. Se a palavra antes do tracinho
(nem vou falar em prefixo) terminar com vogal e a palavra seguinte começar com R, é só lembrar dos
simpáticos e adoráveis cariocas.
Mais uma coisinha: a regra também vale para o S. Fico até sem graça de comentar isso, pois todos
sabemos que o S é um invejoso que gosta de imitar o R em tudo. Ante-sala vira antessala, extra-seco
vira extrasseco e por aí vai...
Quem segurou mesmo o hífen, sem deixá-lo cair, foram os prefixos terminados em R, que acompanham
outra palavra iniciada com R, como em inter-regional e hiper-realista. Estes tracinhos continuarão a
infernizar os cariocas.
O pré-natal esteve tão feliz, rindo o tempo todo com o pós-parto de uma camela pré-histórica, que
ninguém teve coragem de tocar no tracinho deles.
Já o pró-, um chato por natureza, foi completamente ignorado. Só assim manteve o tracinho:
pró-labore, pró-desmatamento.
A vogal e o h não chegaram a nenhum acordo, mesmo com anos de terapia. Permanecem de cara
virada um pro outro: anti-higiênico, anti-herói, anti-horário. Estou começando a achar que as vogais
são semi-hostis com as consoantes...
Ao contrário das demais, as vogais gêmeas decidiram complicar e andar na contramão da simplificação.
Daqui pra frente passarão a adotar hífen: arqui-inimigas, anti-inflacionária, micro-ondas, anti-ibérico,
159
Unidade II
anti-inflamatório, micro-organismo. Quando não forem gêmeas, poderão sentar-se à mesma mesa:
extraescolar, autoaprendizado, antiaéreo...
– Podem esquecer o mixto, ele foi sumariamente despedido. Puseram o misto no lugar dele.
Fiquei bolada com essa exceção: o prefixo co não usa mais hífen. Seguiu os exemplos de cooperação
e coordenado, que sempre estiveram juntas. Não estou me lembrando no momento, de nenhuma palavra
que use co com tracinho. Será que sempre escrevi errado?
Quem diria que o créu suplantaria a ideia!? Teremos que nos acostumar com as ideias heroicas sem
o acento agudo. Rasparam também o acento da pobre coitada da jiboia.
O acento do créu continua porque tem o U logo depois. Pelo menos a assembleia perdeu alguma coisa...
Vejo ao longe aproximar-se um bem-vindo amigo. Ele não é um bem-nascido, mas foi bem-criado
e tem bom humor. Não vejo a hora de dar-lhe um abraço sem-cerimônia, mesmo que os passantes me
considerem uma sem-vergonha.19
8.1 As escritas
A escrita é apenas um entre inúmeros outros sistemas de linguagem visual, como os desenhos, a
mímica, sinais marítimos e terrestres, gestos, e é considerada a primeira revolução técnico-linguística.20
Existem:
• a escrita pictográfica, que consiste em gravuras e pinturas rupestres
datadas desde o período paleolítico.
• a escrita mnemônica, que consiste na combinação de fios de lã de
cores diversas e colares de conchas justapostas (até seis, sete mil
conchas), conjunto que é uma representação simbólica de ideias e seu
encadeamento.
• a escrita fonética, que consiste na possível substituição do som,
utilizando um alfabeto que tem em vista sua estrutura fonológica,
isto é, binária – vogal/consoante.
19
KRONIG, E. Como será daqui pra frente? 18 fev. 2009. Disponível em: <http://comoseradaquiprafrente.blogspot.
com/>. Acesso em: 21 abr. 2011.
20
A segunda revolução é a proliferação de gramáticas e dicionários nos séculos XV e XVI. Por causa das
colonizações, os europeus se preocuparam em formalizar suas línguas para os colonizados e passaram a escrever
gramáticas e dicionários.
160
Interpretação e Produção de Textos
Cada escrita é independente da outra. Nada indica que a escrita ideográfica tenha sido inventada
pelos chineses, que não mais se satisfaziam com a escrita pictográfica, e menos ainda que a escrita
fonética tenha nascido de uma consciência da insuficiência dos sistemas ideográficos. Não há,
entre os sistemas de escrita, sucessão no tempo. A prova é que, até hoje, sistemas pictográficos e
ideográficos se mantêm. É importante, por conseguinte, abandonar de uma vez para sempre a ideia
de uma “evolução” da escrita: há evolução dentro de cada sistema, mas não de um sistema para outro
(MARTINS, 2002).
A escrita, então, não depende de um processo que se poderia julgar natural, de evolução ou de
mutação: ela nasce de uma revolução, de uma des-ordem, da subversão das normas tradicionais da
comunicação social.
Exemplo de aplicação
A revista Galileu, de janeiro de 2006, tira dúvidas do leitor sobre os “hieróglifos modernos”. Analise
os símbolos apresentados pela revista:
Etiqueta de roupa
Figura 6
161
Unidade II
Comentário
a) Os símbolos das etiquetas de roupa servem para informar ao dono da roupa como lidar com
ela: se deve passar a ferro ou não; se deve lavar com sabão em pó ou lavar a seco; se pode usar
alvejante ou não, entre outras informações. Para ajudá-lo, caro aluno, reproduzo os significados
desses símbolos novos.
Figura 7
b) A relação que pode ser feita entre os símbolos da etiqueta de roupa e os hieróglifos é que ambas
as escritas usam gravuras para informar.
No decorrer dos séculos, a humanidade, para poder gravar a escrita, lançou mão de diversos materiais,
desde folhas até placas de chumbo. Entre esses materiais temos:
Papiro – Dividia-se com uma agulha a haste do papiro, cuja largura era a de um braço, em folhas
delgadas. A folha do interior do tronco era considerada a melhor e assim sucessivamente na ordem das
camadas superpostas.
Moldavam-se as diferentes espécies sobre uma mesa umedecida com água, que exercia o papel
de cola. Primeiro, colavam-se as folhas em todo o comprimento do papiro, aparando-as apenas
em cada extremidade, em seguida eram colocadas transversalmente outras camadas em forma de
trama. Prensava-se o conjunto, obtendo uma folha que era secada ao sol. As folhas eram reunidas
colocando-se em primeiro lugar as melhores e assim sucessivamente.
O texto era escrito em colunas sobre cada folha, e cada uma destas era colada, pela extremidade, à
seguinte, de forma que se obtinham fitas de papiro com até 18 metros de comprimento. Enroladas em
torno de um bastonete (umbilicus), constituíam um rolo.
O rolo de papiro e o de pergaminho mantiveram-se até o século 300 d.C., quando apareceu o códex –
já com o aproveitamento das duas faces do pergaminho –, grupo de folhas de pergaminho manuscritas,
unidas em uma espécie de livro, por cordões e/ou costura e encadernação de placas de madeira com
pedras preciosas. Apenas nos séculos XIV e XV a encadernação passou a ser de couro.
Papel – Aproximadamente 105 a.C., o papel foi inventado na China. Só a partir de 1450 d.C. ele
passou a ser produzido no Ocidente.
A matéria-prima para produzir papel era, no início, originada de trapos de seda, de linho e de
algodão. O processo de produção compreendia moinho acionado por força hidráulica. A roda punha em
movimento alguns pesados pilões que fragmentavam as matérias-primas e as reduziam a um mingau
claro – a pasta de papel –, que era derrubado numa cuba. Nessa cuba era mergulhada uma fôrma de
latão, que recolhia certa quantidade de pasta.
Depois de seca, essa pasta era transformada em folha de papel. Eliminava-se o excesso de água e
acrescentava-se um pouco de cola para que o papel ficasse firme para receber a escrita.
Em 1798, um francês inventou a primeira máquina de fazer papel, com pouca relação
com as máquinas modernas. A fabricação moderna usa a madeira como fonte e abrange
163
Unidade II
três aspectos: a celulose, cuja fonte mais rica é o pinheiro; a transformação da celulose
em pasta de papel, com produto químico ou por máquina; e a transformação da pasta de
papel no papel propriamente dito, quando a pasta é mergulhada em água e recebe cola para
impermeabilização.
Exemplo de aplicação
1) Compare o papiro ou o pergaminho com determinadas cartas de fãs para seus ídolos.
Comentário
Você, provavelmente, já viu cartas imensas escritas por fãs para seus ídolos. Eles colam a ponta de
uma folha na outra e a tira dessas folhas de papel é enrolada em formato de pergaminho.
Comentário
Mesmo que você não tenha elaborado um material que lembre o formato de um pergaminho para
apresentar sua pesquisa, terá sido interessante saber mais sobre a história da caneta, se você escolheu
o tema que sugerimos, ou sobre outro assunto qualquer de sua escolha.
A era dos manuscritos é, sem dúvida, a Idade Média. Entre os séculos V e XV, que vai dos primeiros
conventos até a invenção da imprensa por Gutenberg, os monges copiavam textos. Ocorria também o
fato de um mesmo texto ser copiado por vários monges.
Se não sabem o que é o ato de escrever, podem pensar que não é uma
coisa especialmente difícil... Deixem-me dizer que é uma tarefa árdua:
estraga sua visão, entorta sua coluna, espreme seu estômago e suas
costelas, belisca sua lombar e faz seu corpo todo doer... (MARTINS,
2002, p. 83).
164
Interpretação e Produção de Textos
Para esse copista, o ato de escrever envolvia tanta atividade física quanto a de outros trabalhos pesados,
e essa atividade não podia ser prontamente recompensada pelo seu conteúdo espiritual e imaterial.
Além disso, o instrumento que usava, a caneta de pena de ganso, também precisava de manutenção
regular – remodelar sua ponta com uma faca – e a tinta tinha de ser carregada constantemente. Esse
instrumento de escrita, tão simples, pode ter aumentado ainda mais a percepção do copista quanto à
inegável materialidade da escrita.
Saiba mais
No Brasil Colônia também existiram monges copistas. No século XVI, os livros eram escassos; os
jesuítas copiavam obras à mão para os alunos estudarem e solicitavam pedidos de remessas. Os livros
mais procurados eram os religiosos: manuais de confissão, catecismo, sobre a vida de santos, entre
outros, e os clássicos literários com trechos (inconvenientemente) expurgados.
Havia também circulação de livros pouco ortodoxos. Por exemplo, em 1574, em Ilhéus, o italiano
Rafael Olivi tinha uma “livraria” de 27 volumes que fugiam dos padrões. Entre eles, livros de sorte e obras
proibidas como Diana, de Jorge Montemor, e Metamorfoses, de Ovídio.
No século XVII, o panorama não se alterou muito, continuando em alta as obras religiosas. Entre
1578 e 1700, existiam cerca de 55 títulos, em sua maior parte obras devocionais, sendo a Bíblia, acredite,
praticamente ignorada, uma vez que havia sido proibida pela Igreja em 1564 com o propósito de manter
o acesso às palavras sagradas restrito ao clérigo para evitar interpretações heterodoxas.
Além da Bíblia, relatos sobre a população e as riquezas do território brasileiro eram igualmente
proibidos por serem considerados sigilosos – informações estratégicas para o exercício da função do
governo português. Com relação aos livros proibidos, eram mantidos em estantes fechadas com chave
e com rede de arame para não serem vistos nem lidos por pessoas não autorizadas pela Coroa. O
desembargador Tomé Joaquim Gonzaga, no Rio de Janeiro, gabou-se em público de possuir um livro
proibido e foi denunciado à Inquisição em 1778.
De forma geral, as bibliotecas particulares eram espaço de obediência à censura estabelecida entre
o Santo Ofício, o Desembargo do Paço e o Ordinário Eclesiástico, respectivamente, as autoridades
inquisitorial, real e episcopal, mas também de contestação, pois desde o século XVI era possível adquirir
obra proibida. Na Colônia, livros e jornais eram facilmente contrabandeados.
165
Unidade II
Exemplo de aplicação
O santo inquérito
Visitador – (lendo) Por mercê de Deus e por delegação do Inquisidor-mor em estes reinos e
senhorios de Portugal, eu, Visitador do Santo Ofício, a todos faço saber que, num prazo de quinze
dias, devem os culpados de heresia ou que souberem que outrem o está, vir declarar a verdade. Os
que assim procederem, ficarão isentos das penas de morte, cárcere perpétuo, desterro e confisco.
E para que as sobreditas cousas venham à notícia de todos e delas não possam alegar ignorância,
mando passar a presente carta para ser lida e publicada neste lugar e em todas as igrejas desta
cidade e uma légua em roda. Dada na cidade da Paraíba, aos dezoito do mês de julho, do ano do
nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1750.
(…)
Notário – (Entra com a pilha de livros. Como se encontrasse uma bomba.) Livros!
Branca – Meus livros! São meus! Que vai fazer com eles?
Visitador – Sabe ler?
Branca – Sei.
Visitador – Por quê?
Branca – Para poder ler.
Visitador – Mau.
Branca – Não são livros de religião, são romances, poesias…
Notário – Amadis de Gaula! (Passa o livro ao Visitador)
Visitador – Amadis!
Branca – Estórias de cavalaria. Me emocionam muito.
Notário – As metamorfoses. (Passa o livro ao Visitador)
Visitador – Ovídio. Mitologia. Paganismo.
Notário – Eufrósina. (Repete o jogo)
Visitador – Também!
Notário- E uma Bíblia – em português!
Visitador – Em português!?
Branca – Foi meu noivo quem me trouxe de Lisboa. Vejam que tem uma dedicatória dele para mim.
Visitador – Estou vendo…
Branca – Fiquei muito contente porque, como não sei ler latim, pude ler a Bíblia toda e já o fiz várias
vezes.
166
Interpretação e Produção de Textos
Visitador – (Entrega os livros ao Notário.) Todos esses livros são reprovados pela Igreja; vamos levá-los.
Branca – Também a Bíblia?!
Notário – Em linguagem vernácula!
Branca – Mas é a Bíblia!
Visitador – Em linguagem vernácula.
Comentário
a) Pelo fragmento da obra literária, percebemos que na época da história havia censura no
Brasil em relação a livros. Não era qualquer obra que podia ser lida. No caso da Bíblia, por exemplo,
apenas o clero podia ter acesso a ela e lê-la. A personagem acaba sendo presa por possuir e ler
obras como a Bíblia e livros da Antiguidade, era antes da Cristã, considerados, pela censura,
pagãos.
b) É interessante a obra de Dias Gomes. Ela nos mostra que nem todos no Brasil colônia eram
alfabetizados, nem todos tinham acesso a livros e nenhuma mulher tinha acesso a eles.
• Bíblia.
• Metamorfoses, de Ovídio.
• Os versos satânicos, de Salman Rushdie.
• Harry Potter, de J. K. Rowling.
Para encerrar o tema escrita e suas repercussões no tempo, vamos agora tratar do tipo mais recente:
o hipertexto.
Hipertexto é uma escrita sem começo, meio e fim previamente estabelecidos. Caracteriza-se pela
não linearidade e pela interatividade, que possibilitam ao leitor começar a ler de qualquer ponto.
A passagem de um nó (link) a outro ocorre de forma não linear, devido ao conjunto de nós (elementos)
de informação disponível, que se constitui em parágrafos, páginas, imagens, palavras, e à ligação entre
esses nós, por meio de notas, referências, indicadores e botões.
Com as incontáveis informações sobre tudo quanto é tema e fonte, o leitor precisa definir bem o
objetivo de sua leitura, pois será ele que o conduzirá e o levará a selecionar e avaliar o hipertexto. O
recorte temático, a seleção de informação e sua sequência fazem o texto resultado da interação do
leitor com a nova escrita.
• #:-) símbolo usado para dizer que está feliz e com os cabelos em pé.
• ;-) símbolo usado para dizer que algo não deve ser levado a sério.
• <:^) símbolo usado para significar palhaço. O “<” é o chapéu e o “^” o nariz do palhaço.
A nossa leitura e produção de textos não se restringem a textos informativos, técnicos, científicos, cuja
função primordial é informar e/ou defender uma tese. Nós lemos textos de outras naturezas; gostamos
de música e memorizamos as letras mais significativas para nós; assistimos a filmes, novelas, séries e
acompanhamos histórias divertidas, dramáticas, de ação, de suspense etc., a fim de atender à necessidade
atávica que possuímos; lemos contos, poemas (e os mais talentosos criam poemas), histórias em quadrinhos;
inventamos piadas; somos influenciados por anúncios publicitários benfeitos e criativos.
Enfim, o nosso mundo se enriquece com tanta variedade de textos! Apesar de diversos, esses textos
têm algo em comum: a estética. A estética “envolve o abandono do conceito para dar lugar à força
imaginativa e à sensibilidade” (HERMAN, 2005, p. 35).
Observação
Nesse sentido, a criatividade, o espírito inventivo e a curiosidade são elementos essenciais, tanto para a leitura e
21
a produção de textos estéticos (literários, piadas etc.) quanto para a de textos científicos.
168
Interpretação e Produção de Textos
Esse resultado é discutido, hoje, porque os valores estão mudando. Se antes, no mercado de trabalho,
o candidato ideal era aquele com o pensamento convergente mais desenvolvido, as empresas esperam,
agora, uma pessoa que seja flexível e consiga resolver problemas. Em outras palavras, a pessoa que
tenha, também, o pensamento divergente desenvolvido.
É na operação mental divergente que se encontra a criatividade. Esta, para Kneller (1973), abrange
capacidades como a de resolver problemas, consiste grandemente em rearranjar o que se sabe, a
fim de achar o que não se sabe, para pensar criativamente, passando a olhar de maneira nova o que
normalmente se considera assentado.
O paradoxo da criatividade é que, para pensar com originalidade, é preciso se familiarizar com as
ideias já existentes. O pensamento criativo é considerado como um processo de perceber lacunas ou
elementos faltantes perturbadores nas ideias alheias.
Segundo Kneller, uma pessoa criativa possui algumas das seguintes características:
1. Inteligência: a pessoa tem capacidade mental de raciocinar, planejar, resolver problemas, aprender,
abstrair, compreender ideias.
2. Consciência: no sentido de estar informada e cônscia. A pessoa criativa é mais sensível do que
o comum ao seu meio e observa coisas que outros deixam escapar, como cores, texturas, reações
pessoais, pormenores de noticiário e assim por diante.
169
Unidade II
3. Fluência: a pessoa produz mais ideias do que uma pessoa comum sobre determinado assunto.
5. Originalidade: é um traço que abrange capacidades como a de produzir ideias raras, resolver
problemas, usar coisas ou situações de modo não costumeiro.
7. Ceticismo: a pessoa criativa tende a ser mais cética em face das ideias aceitas e menos perspicaz
diante das novas. Sua credulidade em relação a novas ideias a predispõe aos riscos intelectuais da
descoberta.
8. Persistência: a criatividade exige persistência, uma vez que tem de ser sustentada por longos
períodos de tempo e de enfrentamento de obstáculos.
10. Inconformismo: a pessoa criativa é aberta à experiência, tem ideias originais e é afinada com as
ideias dos outros, a fim de não perder contato com o pensamento da sociedade.
11. Autoconfiança: a pessoa tem confiança no valor de seu trabalho e é dotada de inabalável fé,
não naquilo que fez, mas no que pode, com tempo e sorte, realizar.
Ainda segundo Kneller (1973), cinco fases são reconhecidas no processo criador: primeira apreensão,
preparação, incubação, iluminação e verificação. Os processos são complexos e entremeados uns nos
outros, de forma que não é possível separá-los em uma simples sequência. O processo criativo se passa
durante um período de tempo, o que justifica as fases.
Preparação – Essa fase constitui rigorosa investigação das potencialidades da ideia original. O
criador lê, anota, discute, indaga, coleciona, explora. Propõe possíveis soluções e pondera suas forças
e fraquezas. Nesse sentido, para pensar com criatividade, o criador precisa familiarizar-se com ideias
alheias. Assim, o criador tanto pode sentir-se impedido devido aos êxitos e malogros alheios quanto
ansiar por exceder o outro.
A apreensão original dá direção e propósito à exploração do criador, ainda que aquela visão original
possa transformar-se completamente durante o processo exploratório. O processo de preparação deve
ser apenas um meio para atingir – como fim – o lançamento da obra de criação própria e, também,
deve seguir ou acompanhar a efetiva preparação no meio criador, requerendo, por exemplo, a técnica. O
criador deve dominar os meios de exprimir sua ideia criadora, submetendo-se à disciplina de sua arte.
170
Interpretação e Produção de Textos
Incubação – Depois de o consciente realizar sua tarefa, o inconsciente entra em ação e, sem limites,
desimpedido pelo intelecto literal, faz as inesperadas conexões que constituem a essência da criação.
O período de incubação pode ser longo ou curto, mas deve existir. Esse período pode ser arriscado e
desanimador, a ponto de o criador perder de vista completamente o seu alvo.
A inspiração, na verdade, é fruto de uma intensa concentração exigida pelo pensamento criador.
Após se identificar emocionalmente com sua obra no momento da iluminação, o criador agora recua
e imagina as reações daqueles com quem intenta comunicar-se. Antes de terminar sua obra, poderá ele
solicitar crítica.
Tentativas de verificação podem levar a novas intuições, mesmo de natureza inteiramente diversa. A última
versão de um poema, por exemplo, talvez contenha apenas uma ou duas frases da inspiração original, pois no
curso da revisão o poeta encontrou intuições outras e até ultrapassou sua primeira concepção.
Em suma, o ciclo criador parece contar com cinco fases que, apesar de logicamente separadas, só
raramente se mostram muito distintas na experiência. Primeiro há um impulso para criar.22 Segue-se a
este um período, frequentemente demorado, em que o criador recolhe o material e investiga diferentes
métodos de trabalhá-lo. Vem a seguir um tempo de incubação, no qual a obra criadora procede
inconscientemente. Então surge o momento da iluminação, e o inconsciente anuncia, de súbito, os
resultados de sua luta. Há, por fim, um processo de revisão, em que os dados (do problema) da inspiração
são conscientemente elaborados, alterados e corrigidos.
A criatividade é inerente a todos os seres humanos e pode ser desenvolvida com a prática. Vejamos,
por exemplo, o caso da redação que, supostamente, foi feita por uma aluna da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE) e circula pela internet. A redação é criativa porque a aluna conhece muito bem o
assunto tratado, que é a gramática da língua portuguesa.
22
Neste ponto, reforço que a criação pode ser um poema, uma pintura, uma letra de música, textos artísticos,
porém, toda produção exige o processo criador: TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), tese de doutorado, a construção de
um prédio em local inusitado e qualquer outro que envolva pesquisa, ideia nova.
171
Unidade II
Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo
masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo
era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal.
Era ingênua, silábica, um pouco átona até; ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de
linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos. O artigo feminino deixou as reticências de lado e
permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador para, só com os dois lá dentro: “Ótimo”, pensou o
substantivo, “mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos”.
Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar.
Só que em vez de descer, sobe e para justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão
verbal e entrou com ela em seu aposto. Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo
uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com
gelo para ela.
Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar. Ela foi
deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo. Todos
os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto.
Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente.
Se abraçaram numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os
dois.
Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula. Ele não perdeu o ritmo e sugeriu
uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava
totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros. Ela totalmente voz passiva,
ele voz ativa.
Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais. Ficaram uns minutos
nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta.
Estavam na posição de primeira e segunda pessoas do singular: ela era um perfeito agente da passiva,
ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.
Nisso, a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício! Ele tinha percebido tudo, e entrou
dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições,
locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica,
o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história. Os dois se olharam e
viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e
mostrou o seu adjunto adnominal.
Que loucura, minha gente! Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto. Foi se
aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para
seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo,
172
Interpretação e Produção de Textos
propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de
um ditongo nasal, penetraria o gerúndio do substantivo e culminaria com um complemento verbal no
artigo feminino.
O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em
seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo,
jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino
colocado em conjunção coordenativa conclusiva.23
Lembra-se, caro aluno, da letra da música Tropicana, de Alceu Valença e Vicente Barreto? É outro
texto que podemos considerar criativo. Transcrevo a letra:
Os autores fazem a descrição de uma mulher. Eles poderiam seguir o padrão e escrever que a mulher
é morena, tem cabelos negros; que ela beija bem (ou gostoso), tem pele macia. No entanto, eles fugiram
dessa descrição repetida e sem novidade e criaram um texto criativo ao descrever a mulher por meio do
sentido do paladar. Mesmo quando falam da “pele macia”, ela é associada, de forma não usual, à “carne
de caju”.
Exemplo de aplicação
Para você sentir o gostinho de produzir de forma criativa, faça as atividades seguintes na ordem em
que elas se apresentam.
23
JBWIKI. O caso do substantivo e do artigo. Disponível em: <http://www.brasilwiki.com.br/noticia.php?id_
noticia=126>. Acesso em: 25 abr. 2011.
24
VALENÇA, A. e BARRETO, V. Tropicana (Morena tropicana). Disponível em: <http://letras.terra.com.br/alceu-
valenca/98324/>. Acesso em: 2 mai. 2011.
173
Unidade II
1) Exercício de desbloqueio da criatividade: para cada um dos pares dados, elabore uma lista (o mais
longa possível) de tudo o que existe em comum entre eles:
a) um relógio e um avião
b) um livro e uma casa
c) um cachorro e uma lâmpada
d) uma pasta de dentes e um lápis
e) uma carta e o Hino Nacional
f) um país e um escritório
Comentário
Essa atividade tem a função de desbloquear sua criatividade e é uma demonstração de que você tem
pensamentos flexíveis ao relacionar seres tão díspares. Você pode ter elencado, por exemplo:
a) relógio e avião: são mecânicos, em sua composição são usados materiais duros, lidam com o
tempo, são úteis etc.
b) livro e casa: contam uma história, podem ser abertos, têm donos, são criações do homem etc.
c) cachorro e lâmpada: ajudam a achar o caminho, guiam etc.
d) pasta de dentes e lápis: têm fim, têm formato parecido (retangular), têm conteúdo, têm
cheiro etc.
e) carta e Hino Nacional: são textos, são organizados, têm um destinatário, têm informação etc.
f) país e escritório: têm organização, têm hierarquia, têm jogo de poder, têm deveres e direitos etc.
Comentário
A resposta da segunda atividade é muito mais imprevisível. Será que ao completar a primeira frase,
por exemplo, assim: “a cor da festa é amarela e preta”, nós dois estaríamos tendo a mesma ideia? A
possibilidade de você completar a frase com as mesmas palavras “amarela e preta” existe, mas será que
você escreveu isso?
Já perguntas do tipo “Como cheira a cor verde?” e “Qual o sabor do vermelho?” podem exigir
mais ou menos da pessoa, porque ela pode responder com ideias comuns como, respectivamente,
“maçã”, “natureza” e “morango”, ou pode ser mais criativo e inventar respostas verdadeiramente
surpreendentes.
3) Produção: a partir das respostas da questão anterior, formar um poema de 14 versos, podendo
acrescentar palavras.
Comentário
Se você seguiu os passos para responder à atividade 2, construiu um poema com 14 versos. Poema
com esse número de versos é chamado de soneto. Fez? Parabéns, Camões! Como foi o processo? Tirou
palavras e/ou acrescentou? Mudou a ordem das respostas? O poema seguiu um tema (sobre a festa
ou a noite anterior etc.)? Talvez haja no seu texto sinestesia, aquela figura de linguagem em que se
dá o cruzamento de sensações; associação de palavras ou expressões em que acontece a combinação
de sensações diferentes numa só impressão. Em suma, sinestesia é a transferência de uma sensação
sugerida por um sentido para outro sentido. Veja estes dois exemplos: marrom quente (cor = visão;
quente = tato); dirigiu-lhe uma palavra branca e fria como agradecimento.
Já ressaltei que a criatividade não é um fenômeno próprio do texto literário. Ela é exigida em qualquer
produção nossa que requer um mínimo de originalidade. A seguir há duas colunas: na 1ª se encontram
possíveis formas de iniciar um texto narrativo, e na 2ª, possíveis formas de iniciar um texto científico.
Qual início você considera criativo em cada coluna?
1ª coluna 2ª coluna
• Um dia, eu estava à janela... • Hoje em dia, é fundamental tratar de...
• Num dia, quando eu cheguei ao • Tratar de informática, nos dias atuais, é...
apartamento... • Atualmente, a informática...
• Era um dia em que cheguei... • Falar em informática é...
• Ontem, quando eu cheguei...
Uma delas é que o produtor tem como modelo único de início de narrativa o conto de fada, cujo
início tradicional é “Era uma vez...”. O produtor demonstra que não tem conhecimento de outras formas
de começar o texto; que, muito provavelmente, não tem experiência em leituras de ficção (além do
conto de fada ouvido ou lido na infância) nem experiência em criar textos de histórias.
Esse início tradicional do conto de fada não marca de fato um tempo determinado. O leitor nunca
sabe quando e onde exatamente a história acontece. Alguns estudiosos consideram, até, que é uma
marca atemporal. Quando um produtor inicia seu texto com “um dia”, “num dia” ou com outra expressão
semelhante, primeiro, ele não assume o tempo da narrativa, segundo, passa a impressão de que não
acredita naquela história; que ela só seria possível em situação bem distante no tempo. Ou seja, o
produtor não passa credibilidade ao seu leitor.
Para encerrar as implicações, podemos dizer que começar o texto com as expressões “um dia”, “num
dia”, “era um dia” não exemplifica espírito criativo.
No caso da 2ª coluna, temos o mesmo resultado de falta de criatividade ao serem iniciados os textos
com o clichê “hoje em dia”, “nos dias atuais”, “atualmente”.
No ambiente acadêmico, espera-se eficácia nas produções dos professores e alunos. É preciso
considerar, para isso, diversos aspectos em relação ao fato de se produzir um texto escrito.
Primeiro, escrever é um processo em que se estabelecem relações entre o autor e o leitor, de forma
a acontecer a colaboração entre eles – produtor e leitor – em que cada um participa em razão de um
objetivo.
Outro aspecto é o planejamento. O texto escrito precisa ter coerência e correção gramatical. Além
disso, o produtor seleciona e organiza os conhecimentos e faz adequação da linguagem ao gênero e tipo
de texto e à situação comunicativa.
8.4.1 Resumo
O gênero resumo é muito produzido no ambiente acadêmico e é feito com base nas leituras de textos
informativos: livros científicos, divulgação científica, revistas especializadas, dossiês, enciclopédias,
documentários, vídeos e outras fontes de informação.
O primeiro passo para produzir um resumo é conhecer e saber utilizar as fontes de informação. Saber
delimitar o tipo de informação procurada, distinguindo o que é tema geral no texto lido e o que são
temas parciais. É preciso também saber localizar as fontes: biblioteca, hemeroteca, arquivo.
176
Interpretação e Produção de Textos
Com a fonte à disposição, o segundo passo é selecionar a informação e fazer anotações. Aplicar,
então, a leitura seletiva para a obtenção da informação; comparar e/ou completar a informação
sobre um mesmo tema; e fazer nota com referência bibliográfica do texto lido. A importância
desse segundo passo consiste na habilidade do leitor para consulta e buscar informação diante
de um objetivo concreto.
Depois do texto pronto, a revisão se torna essencial para a verificação do conteúdo (dados verdadeiros),
da adequação da língua (nível formal, com termos especializados), da clareza e concisão.
A intenção de se fazer um resumo é a divulgação de uma informação existente que é pouco conhecida
pelos leitores.
O artigo científico veicula a opinião sobre determinado tema, geralmente relacionado a um universo
de conhecimento a ser apresentado. A política e a sociologia representam universos bastante explorados
pelos artigos de jornais.
• apresentação de um título.
• nome e titulação do produto.
• breve resumo do artigo: tema, objetivo, teoria seguida, corpus, resultado da pesquisa.
177
Unidade II
Esse gênero trata de temas variados, uma vez que as áreas do conhecimento humano são muitas.
Exemplo de aplicação
1) A palavra artigo é polissêmica, ou seja, possui vários sentidos. Em qual das alternativas a seguir, a
palavra artigo(s) tem sentido de texto argumentativo?
a) ARTIGO 19 – Brasil goza de uma posição privilegiada na sociedade civil brasileira, pois funciona
como uma organização local.
Comentário
2) Com base nos dados dos gráficos a seguir, faça um resumo interpretando-os.
Total de internautas, em milhões (2004)
200 185
150
100
100
78
50
22,3
1º 2º 3º 10º
0
Estados China Japão Brasil
Unidos
Gráfico 1
178
Interpretação e Produção de Textos
10
9
8
7 6,7
6 5,7
6
5
4
3
2
1 0,8
1º 2º 3º 76º
0
Islândia Coreia Suécia Brasil
do Sul
Gráfico 2
Comentário
O resumo consiste na leitura dos dados dos gráficos sobre internet. O leitor precisa se ater às
informações do gráfico 1 sobre a posição dos países quanto à quantidade de internautas, com destaque
ao resultado do Brasil. Sobre o gráfico 2, precisa se ater às informações sobre quantidade de internautas
em relação ao número de população, dando destaque ao Brasil.
O título, como já traz indicações sobre o texto que o segue, desperta, ou não, o interesse do leitor,
abrevia o tempo deste quanto à decisão de ler ou não o texto. Exemplos de títulos:
Para textos informativos, frases muito longas e complicadas causam dificuldade no leitor. Quando
este chega ao final do parágrafo, custará a se lembrar do que leu, poderá ficar desanimado a continuar
lendo ao voltar na leitura para conseguir entender o texto. Assim, frases curtas, períodos curtos e
emprego de palavras conhecidas tornam a leitura mais fácil e rápida. Segundo a dica de Assumpção e
Bocchini (2002), o que ajuda a leitura rápida é quando o texto contém:
179
Unidade II
Em textos informativos, o emprego das palavras exige concisão e clareza. Uma das decisões do autor
do texto pode ser substituir palavras que estão na moda por palavras comuns, que não carecem de
exatidão. Por exemplo, substituir articular, transparência e contabilizar por, respectivamente, organizar
(ou preparar, fazer), honestidade e calcular (ou somar).
Outro caso de emprego inadequado de palavras é a redundância. Fuja dela, caro aluno! As expressões
redundantes podem e devem ser evitadas.
Para encerrar o aspecto lexical, advertimos que em texto informativo é preferível evitar
expressão estrangeira (uso do inglês, por exemplo) e utilizar termo existente no nosso idioma.
Deve-se empregar um termo em outra língua apenas quando não houver um correspondente em
português.
180
Interpretação e Produção de Textos
A estratégia para a eficácia do texto informativo é, portanto, respeitar a memória do nosso leitor,
usar palavras simples e mais utilizadas, escrever de forma clara, sem rodeios e tornar o texto mais
dinâmico. Ao escrever procuramos, então:
Exemplo de aplicação
1) O texto bem formado é melhor entendido pelo leitor, que não precisa recorrer à “adivinhação”.
Segundo essa afirmação, em qual enunciado o leitor encontrará dificuldade?
Comentário
A alternativa em que o leitor encontrará dificuldade é a d). Palavras em desuso, ou de área específica,
ou com radicais gregos e latinos causam dificuldade na leitura. Veja como ficaria a frase da alternativa
d) se fosse escrita com termos atuais: A antiga imagem fotográfica sobre película de metal desbotou e
foi perdendo seu brilho prateado.
2) Em “batatinha, quando nasce, espalha a rama pelo chão”, há a intercalação (quando nasce) entre
o sujeito e o predicado. Por ser curta, ela não atrapalha a leitura. Assinale a frase em que a intercalação
não é aceitável.
a) A Globo – mesmo sendo usuária dos satélites da Embratel para a transmissão dos programas de
sua rede nacional para televisão – pode disputar a compra de ações dessa empresa.
b) Na empresa britânica St. Luke’s, os funcionários – 127 atualmente – trabalham num espaço
coletivo e a cada ano recebem um número fixo de ações.
c) Mergulho livre quer dizer ir bem fundo – de 5 a 30 metros – e segurar a respiração por muito
tempo.
181
Unidade II
d) A Receita Federal, por meio da Instrução Normativa 40, aperfeiçoou sensivelmente o processo de
intercâmbio cultural do Brasil com o exterior.
e) Coisas aparentemente complicadas, como medidas para entender a vastidão do espaço cósmico,
viram brincadeira de criança na mão de Martin Rees.
Comentário
a) Com um sorriso nos lábios, o presidente congratulou-se com a assinatura do pacto de relações
bilaterais entre Brasil e Portugal.
b) O gerente vai ser o elo de ligação entre os vendedores e o diretor-geral.
c) Em cooperação conjunta, funcionários e diretores tentarão levantar a empresa.
d) Para a empresa crescer, há necessidade de fazer planos.
e) Há cinco anos atrás, a empresa foi fundada por Roberto Gomes.
Comentário
A alternativa em que não há redundância é a d). Há redundância em sorriso nos lábios, relações
bilaterais, elo de ligação, cooperação conjunta, há cinco anos atrás.
Resumo
Escrever é um processo complexo que exige do produtor determinados
conhecimentos e habilidades.
Assim:
Exercícios
Concordo plenamente com o artigo “Revolucione a sala de aula”. É preciso que valorizemos o
ser humano, seja ele estudante, seja professor. Acredito na importância de aprender a respeitar
nossos limites e superá-los, quando possível, o que será mais fácil se pudermos desenvolver a
capacidade de relacionamento em sala de aula. Como arquiteta, concordo com a postura de
valorização do indivíduo, em qualquer situação: se procurarmos uma relação de respeito e
colaboração, seguramente estaremos criando a base sólida de uma vida melhor.
Tania Bertoluci de Souza, Porto Alegre, RS.
Disponível em: <http://www.kanitz.com.br/veja/cartas.htm>. Acesso em: 2 mai. 2009 (com adaptações).
183
Unidade II
Em uma sociedade letrada como a nossa, são construídos textos diversos para dar conta das
necessidades cotidianas de comunicação. Assim, para utilizar-se de algum gênero textual, é preciso que
conheçamos os seus elementos. A carta de leitor é um gênero textual que:
A) apresenta sua estrutura por parágrafos, organizado pela tipologia da ordem da injunção (comando)
e estilo de linguagem com alto grau de formalidade.
B) se inscreve em uma categoria cujo objetivo é o de descrever os assuntos e temas que circularam
nos jornais e revistas do país semanalmente.
C) se organiza por uma estrutura de elementos bastante flexível em que o locutor encaminha a
ampliação dos temas tratados para o veículo de comunicação.
D) se constitui por um estilo caracterizado pelo uso da variedade não padrão da língua e tema
construído por fatos políticos.
E) se organiza em torno de um tema, de um estilo e em forma de paragrafação, representando, em conjunto,
as ideias e opiniões de locutores que interagem diretamente com o veículo de comunicação.
A) Alternativa incorreta.
Justificativa: o estilo de linguagem do gênero “carta do leitor” não é apresentado com alto grau de
formalidade.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa: não é objetivo do gênero “carta do leitor” descrever assuntos e temas da semana, mas
apresentar o posicionamento do leitor acerca de algo que lhe tenha suscitado o interesse.
C) Alternativa incorreta.
Justificativa: não é objetivo do gênero “carta do leitor” a ampliação dos temas tratados no veículo
midiático.
D) Alternativa incorreta.
Justificativa: o gênero “carta do leitor” não se caracteriza pelo uso da variedade não padrão da
língua e o tema varia de acordo com a postura temática do veículo de comunicação.
E) Alternativa correta.
Justificativa: o gênero “carta do leitor” se organiza em torno de um tema, um estilo e uma forma de
paragrafação. A autora da carta intercala alguns verbos em primeira pessoa do singular com outros em
184
Interpretação e Produção de Textos
terceira. A primeira pessoa é usada para expressar a sua própria opinião, enquanto a terceira serve para
ampliar a discussão não apenas para o que ela pensa, mas também incluir a voz de outras pessoas que,
como ela, são leitoras da revista.
O texto acima possui elementos coesivos que promovem sua manutenção temática. A partir dessa
perspectiva, conclui-se que:
185
Figuras e ilustrações
Figura 1
DAHMER, A. O moderno jornalismo brasileiro. Largura: 591 pixels. Altura: 188 pixels. Tamanho: 36,92KB
(37.811 bytes). Formato: GIF. Disponível em: <http://www.malvados.com.br/index1275.html>. Acesso
em: 2 mai. 2011.
Figura 2
TIRA CANÇÃO DO EXÍLIO ENEM. Largura: 226 pixels. Altura: 223 pixels. Tamanho: 14,34KB (14.683
bytes). Formato: Imagem JPEG. Disponível em: <http://t2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSCTKkh4v
ROC7UObGw2GwemLJCTexxkbstLruYJFvDQN2CObr8BgQ&t=1>. Acesso em: 9 mai. 2011.
Figura 4
Figura 5
Figura 6
Figura 7
PECAS_CLIP_IMAGE002. Largura: 456 pixels. Altura: 696 pixels. Tamanho: 44,09KB (45.150 bytes).
Formato: Imagem GIF. Disponível em: <http://sozinhocomigo.wordpress.com/2009/11/04/significados-
dos-simbolos-na-etiqueta-das-roupas/>. Acesso em: 14 mai. 2011.
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Exercícios
Unidade I
Questão 1
Questão 2
Unidade II
Questão 1
189
Questão 2
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Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000