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O sistema de pontuação na escrita ocidental: uma retrospectiva

Iúta ROCHA, 1997.

A autora pretende mostrar como as marcas gráficas de pontuação foram


desenvolvidas na história, considerando sua origem na Antiguidade Clássica, sua
difusão pela Imprensa na Idade Média e sua consolidação na Idade Moderna.
Por “saltarem aos olhos” a flutuação e a ambiguidade dos usos dos sinais de
pontuação, faz-se necessário falar sobre a natureza (origem) da pontuação. Afinal,
segundo a autora, entender a natureza dos sinais de pontuação pode contribuir para um
melhor entendimento da flutuação observada tanto na história como na atualidade, bem
como das lacunas existentes no ensino.
No texto, então, são discutidos aspectos diacrônicos e sincrônicos.

1. Aspectos diacrônicos

A pontuação foi uma lenta conquista e está atrelada à história da escrita, uma
vez que se trata de um recurso utilizado na escrita.
A origem da pontuação remonta aos textos sagrados, feitos para serem recitados
oralmente. Naquele período, os sinais de pontuação, então, eram concebidos como
“indicadores para respirar” durante a leitura em voz alta.
A história da pontuação envolve, em ordem cronológica, (i) os antigos escribas;
(ii) o revisor de textos medieval; (iii) grandes escritores posteriores; (iv) redatores atuais
e manuais de revisão, figuras sempre influenciadas pela instrução escolar.

1.1 Escrita e pontuação na Antiguidade Clássica

Durante muito tempo da Antiguidade Clássica, os espaços entre as palavras


foram considerados facultativos e, por isso, não existia segmentação, nem pontuação.
Era o leitor que segmentava e pontuava o texto com a finalidade de prepara-lo para ser
bem lido oralmente.
Nesse período, a escrita era concebida como representação ou registro da fala.
Assim, acreditava-se na correspondência entre letra e som e os povos diziam que “as
letras eram guardiãs da voz”. Em vista disso, havia pessoas que acreditavam que fala
e escrita eram a mesma coisa.
Além disso, a prática de leitura era apenas em voz alta, não existiu, por muito
tempo, a prática da leitura silenciosa, pois o acesso aos textos era muito limitado.
Sobre essas concepções, Rocha sugere a leitura de Desbordes (1990).

1.1.1. Os gregos

A origem do alfabeto grego demonstra que, a princípio, a escrita era contínua,


isto é, não havia segmentação entre as palavras. O processo de escrita era em forma
de zigue-zague. Era dessa maneira que o texto chegava ao orador.
Considerando que a leitura era praticada em voz alta, cabia ao orador pontuar o
texto a fim de tornar o texto claro, evitando ambiguidades. Isso significa que a pontuação
não era posta no processo de “composição” dos textos, ela era atribuída pelo orador no
processo de “interpretação”. Os oradores não tinham um consenso quanto ao sistema
utilizado para pontuar, ou seja, existiam vários sistemas.
Um desses sistemas, o mais simples, era composto por dois termos - distinctio
e subdistinctio - que funcionavam de modo a marcar dois tipos de continuidade. O
primeiro marcava a descontinuidade entre dois enunciados completos. Assim, sua
função era separar os enunciados. O segundo, por sua vez, era utilizado para separar
levemente partes de um mesmo enunciado, que estava incompleto (Desbordes, 1990).
Outro sistema coexistente consistia no uso gráfico de um tipo de vírgula,
chamado diástole, que indicava separação. Um terceiro sistema, que era ensinado pelos
gramáticos, era o sistema dos três pontos. Esse sistema de pontos era utilizado a partir
de questões semânticas (completude ou não do enunciado) e prosódicas (pausas para
respirar): o “ponto no alto” indicava separação de enunciados completos; o “ponto em
baixo” mostrava que o enunciado estava incompleto e, por fim, o ponto no meio”
correspondia à necessidade fisiológica de respirar. No entanto, o funcionamento desse
sistema causava muitos embaraços.
Posteriormente, Nicomor criou o sistema de 8 pontos, constituído por marcas
gráficas que, aparentemente, marcavam questões sintáticas identificadas. Assim, com
os gregos, a pontuação tem seus primeiros traços gramaticais.

1.1.2 Os romanos

A civilização romana já conhecia a prática da leitura silenciosa. Eram os copistas


que pontuavam os textos, os quais chegavam ou não pontuados, ou mal pontuados,
segundo os gramáticos da época.
No entanto, não se tratava de uma pontuação sistemática, não havia
correspondência entre forma e função. Há evidências de diferentes tipos de sinais de
pontuação utilizados pelos romanos para separar grupos de palavras. O ponto, por
exemplo, tinha várias funções: indicar abreviatura, indicar a letra de que se falava,
indicar rasura, indicar separação de sílabas, palavras e frases. Ao mesmo tempo, é
possível encontrar semelhanças com o sistema de três pontos dos gregos e do uso da
diástole. Em geral, Desbordes (1990) diz que era possível identificar duas funções para
esses sinais: reforçar a sintaxe e possibilitar a respiração.
Segundo Halliday (1989), é possível traçar uma ordem nas inovações do sistema
de pontuação:

1. A direção da linha foi padronizada;


2. Foram introduzidos espaços entre as palavras;
3. Foi introduzido o ponto para separar frases;
4. Houve distinções entre maiúsculas e minúsculas;
5. Surgiram hífen, parênteses, apóstrofo para marcar, respectivamente, ligações,
interpolações e omissões;
6. Surgiram vírgula, dois pontos, ponto e vírgula, travessão;
7. Surgiram aspas, ponto de exclamação e ponto de interrogação.

Segundo Smith (1982, apud ROCHA, 1997), nossa escrita existiu por vários
séculos sem alguns sinais que hoje nos são banais. Hoje, existem línguas que
funcionam sem vírgula, apóstrofo, parágrafo, interrogação. Para ele, a pontuação é
convencional. O chinês e o árabe, por exemplo, aderiram recentemente à pontuação,
provavelmente devido ao contato com as convenções europeias.

1.2 A pontuação na Idade Média

Na Idade Média, a pontuação tem influência dos padrões adotados na


Antiguidade, a diferença está na crescente influência lógico-gramatical. Se antes os
sinais eram usados apenas com base no ritmo respiratório, na tradição medieval, além
do ritmo respiratório, há a orientação lógico-gramatical.
Segundo Tournier (1980), os séculos XV e XVI se caracterizaram por não haver
definições de pontuação, mas sim listas contendo os tipos de sinais e suas respectivas
funções.
A primeira obra com esse caráter foi publicada em 1471. Trata-se do
Compendious dialogus de arte punctuandi, de Jean Heylin. Nessa obra, há uma
sistematização considerando os seguintes sinais: vírgula [,], colol [.], periodus [;], comma
[.], punctus interrogativus [?], parenthesis [/] [//].
Esses mesmo pontos apareceram em diversas obras do século XVI. Mattos e
Silva (1992) transcreve um trecho de Dolet (1540), no qual se recuperam as funções da
pontuação do século XVI: “Os pontos utilizados adequadamente separam as partes do
texto que devem ser separas, descansam a respiração de quem lê e mostram aos
ouvintes os sentidos do enunciado”.
Assim, já no século XVI, há um consenso quanto aos sinais de pontuação e suas
duas funções principais de hoje: função semântica, responsável por garantir clareza e
lógica, e função prosódica, responsável por garantir as pausas para respirar.
Foi a partir do surgimento da Imprensa, no fim do século XV, que a pontuação
se generalizou como um sistema pertencente à escrita. A passagem do manuscrito para
o impresso foi uma revolução tecnológica na humanidade. Houve massificação da
leitura (ou seja, aumentou o acesso aos textos). Além disso, houve a imposição do uso
dos sinais de pontuação, os quais passaram a ser cunhados em metal, para serem
utilizados na impressão. O impacto do advento da imprensa possibilitou o surgimento
de novas profissões, como o revisor de textos, e a disseminação das normas editoriais,
as quais até hoje são consideradas referência para orientação de questões relacionadas
à escrita.
Na Idade Média, os profissionais da Imprensa alegavam que os autores não
sabiam pontuar os textos. No entanto, é válido frisar que havia uma concepção diferente
de autor. Geralmente, o autor (do modo como concebemos hoje) ditava o texto para o
escriba (ou compositor), ou seja, a tarefa de pontuar cabia aos escribas, os quais
trabalhavam em centros de produção de manuscritos. Há uma hipótese de que esses
centros se embasavam em tradições comuns do mundo letrado latino da Europa, mas
há casos que descartam essa hipótese, por exemplo alguns manuscritos portugueses
analisados por Mattos e Silva (1992), que apresentavam uma sistemática de escrita
diferente. Enfim, essa questão já evidencia a flutuação na produção escrita medieval.

1.3 A pontuação na Idade Moderna

Nos séculos XVII, e XVIII, ainda vigoram as duas funções: gramatical e pausal.
No entanto, prevalece a função gramatical, influenciada pela ideia de que a pontuação
tinha um papel lógico a desempenhar.
Surge a concepção de Beauzeé: a escolha da pontuação depende de 3
princípios:

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