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CAPÍTULO 1

APRESENTAÇÃO DO MANUSCRITO

A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da


memória, mestra da vida, anunciadora dos tempos antigos.
(Cícero)

Neste capítulo 1 da parte 2 da tese, apresentamos detalhes acerca do Manuscrito:


Motta (1972). Como já exposto anteriormente (no capítulo 4 (4.1)), Motta (op.cit) é um
documento assinado por Américo Motta em 1972 e entregue à Geraldo Barbosa Tomanik,
diretor do Museu Histórico e Cultural de Jundiaí à época.
O Manuscrito foi encontrado no Centro de Memórias de Jundiaí, localizado na
Avenida União dos Ferroviários, número 1760, no centro de Jundiaí. O Centro de
Memórias foi criado em 14 de dezembro de 2012 e faz parte do Museu Histórico Cultural
da cidade. É um centro multidisciplinar de pesquisa e documentação que traz a história de
Jundiaí e “[...] tem como desafio relacionar a história de Jundiaí aos processos históricos da
sociedade brasileira por meio da articulação de diferentes áreas da humanidade”
(PREFEITURA DE JUNDIAÍ: 2016).
Para a realização da edição do documento (MOTTA, 1972), contamos com lições
da Filologia, Crítica Textual, como se vê a seguir.

1. A Crítica Textual e o Manuscrito (MOTTA, 1972)

Segundo Cambraia (2005, p. 13), quando se fala em “crítica textual”, é comum


surgir termos como a “ecdótica” e “filologia”, e, de acordo com o autor (op.cit.), não há
um consenso sobre o campo de conhecimento de cada termo.
Para Cambraia (2005, p. 13), emprega-se o termo “crítica textual” para designar o
campo que trata da “restituição da forma genuína dos textos, de sua fixação ou
estabelecimento”. Já o termo “ecdótica” é utilizado para nomear o ramo da ciência que
engloba o estabelecimento de textos e a sua apresentação, ou seja, a edição do texto. Em
Oliveira, Zanoli & Modolo (2019, p.321) já chamamos a atenção para o fato de que a
filologia se volta estritamente para o texto escrito,
quer seja em papel, pergaminho, papiro, quer seja em outros suportes que
revelem o estado da língua no momento da escrita. No entanto, os estudos
filológicos não buscam somente reconhecer a forma da letra e o significado da
palavra, mas pretendem também apreender os fenômenos da linguagem, a

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motivação do que foi escrito e o contexto de produção do documento escrito,
além dos seus modos de transmissão; logo, acaba por resgatar um passado

Desse modo, a materialidade da escrita se mostra muito importante para a sua


interpretação, como podemos observar pelos trabalhos de Chartier (1989), (1998) e
(2002).
O documento (MOTTA, 1972) é monostestemunhal, que para Cambraia (2005,
p.91) são baseados em apenas um testemunho de texto. Para Cambraia (2005, p.87), as
possíveis edições monotestemunhais são divididas em: (i) edição fac-similar; (ii) edição
diplomática; (iii) edição paleográfica (chamada de edição semidiplomática ou
diplomático-interpretativa por Spina (1994, p.77-79); (iv) edição interpretativa.
Ainda para Cambraia (2005, p.91), a edição fac-similar (também conhecida como
fac-símile, fac-similada ou mecânica) possui grau zero de mediação, pois, neste tipo de
edição, apenas se reproduz a imagem de um documento por meios mecânicos, como
fotografia, xérox ou escanerização, por exemplo.
Por sua vez, na edição diplomática temos a primeira forma de mediação realizada
pelo crítico textual. Neste caso o grau de mediação é bem limitado, pois se faz uma edição
rigorosa, conservando todos os elementos presentes no texto, como abreviaturas, sinais
de pontuação, paragrafação, separação vocabular, etc. (CAMBRAIA: 2005, p.93).
Na edição paleográfica, semidiplomática ou diplomático-interpretativa, de acordo
com Cambraia (2005, p. 95), verifica-se um grau médio de mediação, haja vista que nesse
processo, algumas modificações são realizadas, como desenvolvimento de abreviaturas,
inserção ou supressão de elementos, dentre outras.
Por fim, na edição interpretativa observa-se o grau máximo de intervenção e o
texto passa por um processo forte de uniformização, apresentando ao público um texto
mais acessível possível (CAMBRAIA: 2005, p.97).
Para a edição desse manuscrito optamos pelas edições fac-similar e
semidiplomática ou paleográfica, haja vista não haver sinais abreviativos para manter,
além de termos efetuado algumas alterações na grafia original, como apontado abaixo
pelos seguintes critérios utilizados:
• A paragrafação foi reproduzida de modo fiel ao manuscrito.
• Sempre que possível, os diacríticos foram respeitados e transcritos de modo
idêntico ao documento.
• Caracteres de leitura duvidosa, conforme as regras para a realização da edição

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semidiplomática, são escritas entre parênteses.111 Entretanto, nesse manuscrito,
encontramos várias palavras escritas entre parênteses pelo próprio autor. Assim,
a fim de evitarmos possíveis dificuldades de interpretação, optamos por escrever
tais caracteres entre {} - chaves.
• A diferenciação entre caracteres maiúsculas e minúsculas foi mantida conforme
descrito no documento (MOTTA, 1972).
• A separação dos vocábulos foi mantida na transcrição.
• A numeração dos termos, muitas vezes fora de ordem, foi mantida como
encontrada no documento.
• A enumeração dos vocábulos se reinicia a cada mudança de letra do alfabeto e
isso foi respeitado na edição.
• No documento, o autor acentua o [i] e coloca o diacrítico [~]. Na transcrição, para
se aproximar o máximo possível de Motta (1972), utilizamos [ἷ].
• O autor escreve o I maiúsculo da mesma forma que o minúsculo, acentuando e
colocando [~]. Na edição do documento, utilizamos o [Ĩ].
• A assinatura não foi transcrita. Assim a editamos como: (assinatura).

Motta (1972) é recente, datado de 1972; entretanto, cremos que possa se tratar de
cópia de manuscrito mais antigo. Alguns motivos que nos levam a tecer essa hipótese são:
(i) as letras são caligrafadas e não há rasuras, o que pode sugerir que o dicionário seja
uma cópia passada a limpo de um rascunho anterior; (ii) percebe-se que algumas entradas
foram inseridas posteriormente, sem numeração, como observamos no fólio 22, escritas
com outro tipo de tinta; (iii) as entradas são enumeradas na maioria dos fólios; no entanto
em alguns, o autor pula a enumeração, mas as corrige em seguida.
Quanto ao nome Nheengatu a que se refere Américo Motta (MOTTA, 1972), esse
parece não estar relacionado ao Nheengatu do Amazonas. Embora o cotejo entre as
línguas Nheengatu (MOTTA, 1972) e Nheengatu do Amazonas (RODRIGUES: 1996)
esteja fora do escopo desta tese, pensamos ter apresentado evidências a favor de que
Nheengatu (MOTTA, 1972) seja um dos termos usados para mencionar a Língua Geral
Paulista – ver cap. 3, não se referindo, portanto, ao Nheengatu amazônico. Também, no
capítulo 4, buscamos evidenciar que Nheengatu (MOTTA, 1972), que nos referimos

111
Sobre as regras da edição de texto ver Cambraia, Cunha & Megale, 1999, p. 23-26).

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como Nheengatu de São Paulo, embora ateste aspectos gramaticais de línguas tupi,
distancia-se dessas por outros fenômens linguísticos.
O “Pequeno Dicionario Nheengatu – Português” (MOTTA, 1972) abrange as
letras de A a Z; cada entrada é enumerada e essa enumeração reinicia-se em cada letra do
alfabeto. Ao final do documento, Motta (op.cit.) apresenta um breve apontamento sobre
a gramática da língua, que inclui informações como: formação de palavras, sintaxe verbal
e nominal, questões de gênero entre outras, que buscamos analisar no capítulo 4.
O documento (MOTTA, 1972) está encadernado; todas as folhas são pautadas e
se encontram em bom estado, salvo poucas manchas de oxidação, haja vista que a
informação que temos é a de que no antigo prédio do Centro de Memórias, os documentos
eram armazenados em locais pouco iluminados e com goteiras de chuva.
As folhas, em Motta (1972), são enumeradas com números escritos com tinta
preta. Essas marcações numéricas dizem respeito a um fólio do caderno, escrito só no
reto, como se apresenta na figura abaixo:

Figura 14: Fólios do “Pequeno Dicionario Nheengatu – Português” de Jundiaí

Fonte: Motta (1972)

Algumas entradas no documento (MOTTA, 1972) foram visivelmente grafadas


posteriormente, pois as letras não são escritas com tanto cuidado. Além disso, geralmente

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não são enumeradas e/ou são escritas com tinta de outra cor ou a lápis, diferente da escrita
original que é com tinta azul.
O manuscrito é único; não temos notícias de outra cópia. O documento possui 77
fólios enumerados, porém, como o autor enumera uma folha em cada duas, conforme
mostrado na figura 14, pode-se contar 154 páginas, mais as duas folhas iniciais
(dedicatória e nome do dicionário), somando, portanto, 156 páginas.
Na primeira folha, encontramos a dedicatória de doação para o então Diretor do
Museu Histórico e Cultural de Jundiaí - Solar do Barão, Geraldo Barbosa Tomanik:

Figura 15: Dedicatória registrada no “Pequeno Dicionario Nheengatu – Português”

Fonte: Motta (1972)

No que se refere à datação, conforme já informado, o Manuscrito é de 1972.


Supomos que essa tenha sido a data do término, porém não sabemos dizer a data de início,
pois não há nenhuma informação a esse respeito.
Sobre o autor do documento, embora tenhamos buscado informações de várias
maneiras, não foi possível até o momento saber nada a seu respeito, como apontamos no
capítulo 4 (4.1).

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Ressaltamos que apesar de o documento ter uma grafia bastante legível,
resolvemos realizar uma edição semidiplomática, por vários motivos: (i) alguns
caracteres são de difícil leitura, por isso, é importante torná-lo legível ao leitor; (ii) para
facilitar as comparações realizadas na parte 1 dessa tese, pois foi necessário localizar a
entrada desse documento nas comparações e a edição semidiplomática é importante para
a realização desse trabalho; (iii) para ressaltar a importância desse documento e tornar
conhecido o nome Américo Motta, o responsável por tão cuidadosa organização; (iv) em
momento oportuno, aventamos a possibilidade de publicação deste Dicionário em
separado, dados serem exíguos os materiais sobre Língua Geral

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