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INTRODUÇÃO
Comer é uma das necessidades mais básicas do ser humano, mas, além de saciar a
fome, o ato também pode nos apresentar importantes fontes acerca da história de um país. Até
onde vai a herança portuguesa nos hábitos alimentares brasileiros? Comer angu ou mandioca
frita são hábitos que herdamos indiretamente dos portugueses por conta, em grande parte, da
“plasticidade” portuguesa em se adaptar aos hábitos alimentares africanos e indígenas. Mas,
20 por onde poderíamos começar a entender o processo de construção de uma identidade
alimentar brasileira?
No decorrer do século XV os mares além do mediterrâneo ainda eram pouco
explorados pelos europeus, algo a ser desvendado e, sobretudo, uma esperança de controlar as
prosperas rotas comerciais. A localização geográfica de Portugal e o contato com os
mulçumanos através de guerras garantiram ao país um aprimoramento naval e intensos
conhecimentos marítimos como, por exemplo, a vela triangular muçulmana que permitia
navegar contra o vento, portanto, a associação destes fatores foi muito importante para o
lançamento dos portugueses e sua supremacia aos mares desconhecidos. As Grandes
Navegações portuguesas perseguiam as rotas das especiarias.
30 O ramo proveitoso das especiarias representou no século XVI, uma aventura mercantil
de altos lucros. As quatro grandes especiarias: pimenta-do-reino, cravo, canela e noz-
moscada, tinham as mais altas cotações do mercado. Eram moedas de troca, dotes, heranças,
reservas de capital, divisas de um reino. Com a descoberta do Novo Mundo e o enlaçamento
do Oriente com o Ocidente, as Grandes Navegações (com grande relevância a campanha de
Portugal) tornaram-se sem sombra de dúvidas, um acontecimento que viria a modificar a
percepção de territórios, mapas, política e relações culturais de uma maneira surpreendente.
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METODOLOGIA
Através de uma discussão bibliográfica procurou-se estabelecer os aspectos históricos
das descrições acerca da introdução de espécies vegetais exóticas à flora americana no século
XVI. Utilizando o Tratado Descritivo do Brasil (1587) procurou-se estabelecer um estudo
sobre a aclimatação de plantas olerículas no período colonial brasileiro a partir das espécies
110 contidas e descritas na obra. A partir destas informações foi estabelecida a importância
nutricional dessas plantas para a sobrevivência do colonizador e como elas se prestaram
favoráveis a um elaborado processo da colonização portuguesa na América.
DISCUSSÃO
No Tratado Descritivo do Brasil em 1587 o senhor de engenho e cronista português,
Gabriel Soares de Souza, descreve de forma sistematizada um trabalho de aclimatação de
plantas olerículasi (hortaliças) e frutos exóticos, desenvolvido acima de tudo com critérios de
observação, curiosidade e minúcia quanto à adaptação no solo de Mata Atlântica da capitania
da Bahia, Gabriel afirma que “Não é razão que deixemos de tratar das sementes de Espanha
120 que se dão na Bahia, e de como frutificam” (1971, pág. 169). Como afirma Câmara Cascudo
“os portugueses, essa gente que por onde andaram, fizeram hortas” instalaram um pouco da
cozinha e do gosto português no Brasil. O colonizador sentia a necessidade do plantio de
plantas hortenses que eram tão indispensáveis a sua alimentação no dia-a-dia, não somente
porque culturalmente, era um grande comedor de verduras, portanto, não era simplesmente
comer mandioca, farinha de guerra ou beiju indígena, a história da alimentação na América
Portuguesa não foi tão frugal assim. O português carregou a sua horta para onde vivia,
disseminou espécies vegetais durante o período das Grandes navegações de uma forma
incomparável (CASCUDO, 1983, pág.146).
Seria possível uma colonização baseada na plasticidade preocupar-se tanto com a
130 aclimatação de plantas provenientes de diferentes lugares do mundo? Pensemos ainda mais no
caso das hortaliças, que não possuíam quaisquer valores mercantis e exigiam tratos, cuidados
e pequenos plantios. Ora, no clássico da historiografia, Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque
de Holanda, temos a visão de um colonizador português meramente aventureiro “Essa
exploração dos trópicos não se processou, em verdade, em empreendimento metódico e
racional, não emanou de uma vontade construtora e enérgica: fez-se antes com desleixo e
certo abandono” (HOLANDA, 2008, pág. 043). Podemos contrapor estas idéias, pois, fontes
documentais como o Tratado Descritivo do Brasil servem de testemunho do engenho, ciência,
sofisticação e meticulosidade do português no processo de expansão que se inicia no século
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“Procurando recriar aqui o meio de sua origem, fizeram-no com uma facilidade
que ainda não encontrou, talvez, exemplo na história. Onde lhes faltasse o pão do
trigo, aprendiam a comer o da terra, e com tal requinte que, afirmava Gabriel
Soares – a gente de tratamento só consumia a farinha de mandioca fresca, feita no
150 dia” (HOLANDA, 2008 pág. 047).
plantas hortenses que lhes eram tão tradicionais afinal, como bem afirmou Cascudo, a
predileção portuguesa por estes vegetais sempre foi grande “o português sempre possuiu uma
predileção hortense” sem nos esquecermos também da importância nutricional destas plantas
hortenses para a sobrevivência e fixação do colonizador europeu que desembarcava no Novo
Mundo (1983, pág. 145). Aquele sentimento de saudades da terra natal, que o geógrafo chinês
180 Yi-Fu Tuan, denomina de Topofilia, ou seja, amor ao lugar de origem, também está entre um
dos motivos que levaram os portugueses a carregarem consigo parte dos ingredientes que
compunham sua alimentação diária.
O viajante trouxe consigo sua bagagem vegetal e animal. Uma vez que se instalou na
América Portuguesa para ficar, buscou recriar o seu ambiente familiar com animais e plantas
por ele já conhecidos. “A ciência colonizadora do português atingiu o seu esplendor na
transmissão do seu paladar, [...] o que não era brasileiro e vinha de Portugal tornou-se
brasileiro pela continuidade do uso normal; toucinho; lingüiça, presunto, vinho, hortaliçasii,
saladas, azeite, vinagre” (CASCUDO, 1983, pág. 268).
Alfred Crosby desenvolveu a idéia de um “imperialismo ecológico”. Ele demonstra
190 que o sucesso dos europeus nas regiões onde eles conseguiram implantar suas colônias foi
devido à rápida e fácil reprodução de suas plantas, animais e parasitas, que colonizavam os
ecossistemas invadidos mais efetivamente do que os próprios conquistadores. Devemos
lembrar que a capacidade dos portugueses de determinar a transferência de plantas e animais
domesticados entre Portugal, o Brasil e as suas outras Colônias foi uma das mais poderosas
armas do imperialismo lusitano. Contrariando algumas interpretações mais clássicas de que o
machado representaria bem o simbolismo da incursão portuguesa na América, as sementes,
grãos, mudas e colmos trazidos pelos portugueses foram ferramentas de colonização muito
mais eficientes do que podemos pensar. A questão é nos munirmos de uma historiografia
interdisciplinar o suficiente para que possamos vislumbrar esse fenômeno biogeográfico e
200 ecológico na história da América Portuguesa do século XVI . As espécies vivas – da fauna ou
da flora – do clima tropical americano, sempre encontraram dificuldades de adaptação
climática ao serem transportadas de uma região tropical para uma região temperada. No
processo inverso, das regiões temperadas para as tropicais a adaptabilidade comumente nunca
se fez de rogada.
A introdução de Espécies exóticas, ou seja, em lugares de onde as mesmas não são
nativas, acaba modificando o ecossistema onde a mesma se aloja. Um dos resultados de tais
alterações é o extermínio de várias espécies nativas e a redução de muitas outras. Isso por que
os predadores co-evoluídos dessas plantas estrangeiras não foram levados com elas, ou ainda
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carica), laranja (Citrus aurantium), romã (Punica granatum), limas (Citrus limetta), limão
(Citrus limonum), cidras (Citrus medica) o coqueiro ornamental (Cocus nucifera) e uma série
de espécies olerículas; alho (Allium sativum), chicórias (Chicorium endivia), mostarda
280 (Brassica nigra), cebolinha (Allium schoenoprasum)
Alimento também é colonizador! Assim como os bichos, notadamente as frutas,
verduras e legumes também tomaram parte entre os instrumentos de colonização português.
Vejamos assim a importância que contem esta informação se comparada à descrição clássica
de Sérgio Buarque de Holanda: “Numa produção de índole semicapitalista, orientada,
sobretudo para o consumo externo, teriam de prevalecer por força critérios grosseiramente
quantitativos. Em realidade, só com alguma reserva se pode aplicar a palavra “ agricultura”
aos processos de exploração da terra a que se introduziram amplamente no país com os
engenhos de cana”. (HOLANDA, 2008, pág. 049). O Brasil colônia foi muito mais do que a
mera e simplista plantation de cana, a agricultura de subsistência também marcou presença
290 forte e construtiva (PRIORE, 2006 pág. 046).
O Tratado descritivo do Brasil é uma fonte que demonstra interesse e uma estratégia
de colonização portuguesa pautada também em uma necessidade nutricional diante de um
ambiente inóspito. Podemos pensar que teria sido economicamente muito proveitosa para o
reino a transferência das especiarias asiáticas para o Brasil: assim teria sido reduzida a
dispendiosa administração e transporte, para não falar do custo em vidas, uma oportunidade
perdida raramente comentada nas histórias do império asiático português. De fato, parece que
ao longo do século XVI sementes destas plantas chegaram ao Brasil várias vezes. A sua
plantação, porém, foi proibida, para manter o monopólio dos mercadores interessados nas
feitorias asiáticas. Por outro lado, do Brasil foram transferidos para Goa o mamão, a
300 mandioca, a pitanga e o caju, e para a África, a mandioca, o cará e a batata doce. Como
compensação parcial, o Brasil recebeu o dendezeiro e o inhame, sob auspícios incertos, mas
possivelmente via São Tomé.
O que podemos nos questionar com estas informações é, porque o intercâmbio e
adaptação de plantas como as olerículas tornava-se mais essencial para o português do que as
especiarias. Do ponto de vista mercantil e econômico, as hortaliças não representavam valor
algum, a domesticação das sementes de tais plantas na realidade torna-se indispensável
enquanto fonte de vitaminas e sobrevivência do ser humano. Elas tinham para o português
colonizador um valor que, em certo sentido, suplantam o das especiarias enquanto luxo na
mesa do nobre europeu, o valor nutricional que promovia um enriquecimento de suas
310 refeições.
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O cultivo de hortaliças exige certa atenção, cuidados manuais, por outro lado, são
culturas reconhecidas como alimentos protetores, de alto valor nutricional e dificilmente
substituíveis. As olerículas não fornecem a energia dos carboidratos e nem proteínas, seu
elemento chefe encontra-se no fornecimento de complementos vitamínico-minerais vamos ver
como isso funciona. A cebolinha, alho e pepino, se consumidos diariamente em quantidades
certas são propícias à prevenção do câncer. Abóbora, mostarda e agrião precursores de
vitamina A, estimulam o crescimento, desenvolvimento, manutenção de tecidos epiteliais e a
reprodução. Os nabos são uma fonte natural de vitamina C e um ótimo antioxidante, já as
couves possuem vitamina K, essa vitamina age no processo de coagulação sanguínea, sendo
320 importante no desenvolvimento precoce do esqueleto e na manutenção sadia dos ossos
maduros. A humilde salsinha das nossas hortas caseiras também é uma das fontes mais ricas
em vitamina C e o que dizer da cenoura que sozinha concentra as vitaminas A,B,C e caroteno
ou do rabanete que além de vitamina C é tão rico em sais minerais que contém mais iodo do
que qualquer outra planta.(Filgueira,1981, pág.041-042)
A acelga é uma verde poderosa , contém grande quantidade de vitamina A, C e a
Niacina. A vitamina A é indispensável para a normalidade da vista, conserva a saúde da pele e
das mucosas além de auxiliar no crescimento e fazer parte da formação do esmalte dos dentes.
A vitamina C dá resistência aos vasos sanguíneos, agindo contra infecções e evitando
problemas da pele, hemorragias e fragilidade dos ossos e dentes. A Niacina, assim como todas
330 as outras vitaminas do Complexo B, evita problemas do aparelho digestivo e do sistema
nervoso contribuindo para manutenção do sistema imunológico.
A alface possui as seguintes vitaminas: A, C e niacina, cálcio, fósforo e ferro, um
conjunto importantíssimo para a ação no sistema imunológico, assim como as berinjelas.
Além destes, melancia, nabo (Brassica napus), rabenete (Raphanus sativus), espinafre,
coentro (Coriandrum sativum), endro (Anthum graveolens), funcho (Foeniculum vulgare),
tanchagem (Plantago tomentosa), manjericão, alfavaca, bedro, chicória, maturço (Lepidum
sativum), cardo (cinicus benedictus) são alimentos indispensáveis para um bom
funcionamento do organismo e foram aclimatados no Brasil ainda no século XVI, como
consta no Tratado Descritivo do Brasil.
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CONCLUSÃO
Podemos concluir que os portugueses não tem do que se envergonhar do amplo
conhecimento científico que desenvolveram que desenvolveram na América do século XVI.
O processo de colonização promovido pelo colonizador não é coerente como vimos, com uma
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mera plasticidade de uma terra, onde se colhe sem plantar a semente mas sim, com a ciência e
engenhosidade de uma terra em que se plantando, tudo dá. A difusão de espécies exóticas,
seguida dos processos de adaptação e domesticação tornaram possível uma verdadeira viagem
de plantas pelo mundo. No caso das hortaliças aclimatadas pelos portugueses, a iniciativa
representava sobretudo o seguimento de uma tradição cultural da terra natal assim como uma
350 estratégia de sobrevivência.
Como vimos uma dieta que inclua certa variedade de hortaliças (de preferência
diariamente) possibilita uma nutrição corporal muito mais equilibrada e riquíssima em sais
minerais (cálcio, ferro e fósforo) e nos principais complexos vitamínicos (A, B e C), valores
muitos mais altos se comparados à maioria dos alimentos. A cultura das hortaliças no Brasil é
um grande legado da herança portuguesa mas, voltando a pergunta inicial, a identidade
alimentar brasileira foi construída como cita Paula Silva (2005), sob a forma de uma
alimentação simples no seu preparo, mas complexa e rica em seus nutrientes. Supormos que a
refeição diária que compunha o combustível da colonização portuguesa na América foi
baseada, estritamente, em farinha de milho, mandioca e alguma carne é, para além de uma
360 ingenuidade historiográfica, um erro do ponto de vista nutricional. Ao lado e ao redor das
grandes cozinhas da casa-grande enchiam-se as hortas, pomares e quintais que a portuguesa
sentira necessidade de manter para que pudesse se adequar aos hábitos mais íntimos.
Notas
i
A Olericultura, também denominada de cultura das oleráceas é sinônimo de hortaliça segundo os termos
corretos da Agronomia e do emprego da língua portuguesa. Essas plantas também são conhecidas como legumes
e verduras pela população, termos na verdade incorretos. Vale a pena salientar também, que a olericultura e
horticultura não são sinônimos e que entre as culturas oleráceas também são inclusos melancia, melão,
moranguinho, batata-doce, batatinha, inhame, cará, mandioquinha salsa entre outros.
ii
Grifo nosso.
REFERÊNCIAS
CASCUDO, Luis da Câmara. História da alimentação no Brasil. Vol. II. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1968.
DIAMOND, Jared. Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas. Rio de
Janeiro, Record, 2001.
DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato. Uma história da vida rural no Brasil. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2006.
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
SILVA, Paula Pinto e. Farinha, feijão e carne seca: um tripé culinário no Brasil colonial. São
Paulo: Editora Senac, 2005.
SOUZA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil. São Paulo: Brasiliana,
1971.
TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São
Paulo: Difel, 1980
Alimentos funcionais em angiologia e cirurgia vascular. Douglas Faria Corrêa Anjo. J Vasc.
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