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Avaliação urodinâmica não invasiva Non-invasive urodynamic evaluation

Article · March 2013

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1 author:

Eliane Fonseca
Rio de Janeiro State University
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Tema do Mês
Avaliação urodinâmica não invasiva
Non-invasive urodynamic evaluation

Eliane Maria Garcez Oliveira da Fonseca


Doutora em Saúde da Criança e da Mulher - IFF - Fiocruz. Professora adjunta de Pediatria da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ) e Escola de Medicina Souza Marques. Chefe do Setor de Urodinâmica Pediátrica do Hospital dos Servidores
do Estado do Rio de Janeiro.
Endereço para correspondência: Rua Getúlio das Neves, 10 - Jardim Botânico - CEP 22461-210 - Rio de Janeiro - RJ.

© Copyright Moreira Jr. Editora.


Todos os direitos reservados.

Pediatria Moderna Mar 13 V 49 N 3

Indexado LILACS LLXP: S0031-39202013006100001

Unitermos: urodinâmica não invasiva, Pediatria.


Unterms: non-invasive urodynamics, Pediatrics.

Numeração de páginas na revista impressa: 98 à 111

Resumo - Revisão dos conceitos atuais sobre a avaliação urodinâmica não invasiva em Pediatria,
compreendendo a anamnese adequada de pais e pacientes, exame físico completo e mapa de
frequência e volume urinários, associado ao diário miccional. Aborda a seguir os exames subsidiários, a
saber, ultrassonografia do trato urinário e urofluxometria. Neste particular, analisa a técnica do exame
e as características do estudo do fluxo urinário. Descreve a medida do resíduo pós-miccional e a
eletromiografia do assoalho pélvico, finalizando com as indicações da urodinâmica invasiva.

A micção normal envolve a função coordenada da bexiga, uretra e do complexo esfincteriano sob
controle do sistema nervoso autônomo, somático e central (córtex, tronco cerebral e medula espinhal).
A disfunção do trato urinário inferior ocorre quando um dos componentes deste processo não funciona
adequadamente, prejudicando a função de armazenamento e/ou esvaziamento vesical.
A avaliação urodinâmica é a avaliação da função e disfunção do trato urinário inferior por qualquer
método apropriado(1,2). Esta pode ser classificada em não invasiva ou invasiva, quando requer a
colocação de cateter uretral para sua realização.

A avaliação urodinâmica não invasiva inclui:

· História e exame físico;


· Diário miccional ou mapa das micções;
· Ultrassonografia dos rins e vias urinárias;
· Urofluxometria;
· Eletromiografia de assoalho pélvico;
· Eletromiografia abdominal.

A avaliação urodinâmica invasiva inclui:


· Cistometria da fase de enchimento;
· Cistometria da fase de esvaziamento (estudo fluxo-pressão);
· Cistometria para avaliação da pressão de perda (bexiga neurogênica);
· Videourodinâmica.
A seguir, detalharemos cada um dos estudos da avaliação urodinâmica não invasiva.

Anamnese

A anamnese é um dos instrumentos mais importantes para a avaliação de crianças com queixas
relacionadas à função do trato urinário inferior e, sempre que possível, deve ser obtida diretamente da
criança e também de seus pais.

Na maioria das vezes a enurese e/ou incontinência urinária constituem a queixa principal na consulta
médica. Mas devemos pesquisar ativamente os demais sinais e sintomas que podem não ter sido
relatados espontaneamente, por desconhecimento ou falta de observação. Muitos pais consideram
normal frequência urinária aumentada ou a noctúria do filho, pois eles próprios apresentam estes
sintomas. Outras vezes atribuem a urgência e a incontinência de urgência à preguiça da criança, que
brinca até o último minuto, em vez de ir ao banheiro logo que sente vontade(3).

É importante buscar tanto os sintomas da fase de enchimento quanto de esvaziamento vesical, que
muitas vezes coexistem. Os últimos são mais sutis e muitas vezes passam despercebidos. Não é
incomum que a hipótese de disfunção do trato urinário inferior seja equivocadamente afastada com
base apenas na ausência dos sintomas da hiperatividade vesical, como urgência e incontinência.
Entretanto, as situações de dificuldade de esvaziamento vesical são mais graves por se associarem à
presença de resíduo pós miccional, elevação da pressão de micção e risco elevado de infecção urinária,
refluxo vesicoureteral e lesão renal. O reconhecimento destas alterações é fundamental, pois requer
abordagem terapêutica específica.

Figura 1 - Manobras de contenção.

Fase de enchimento ou armazenamento vesical


Nesta fase a bexiga deve manter-se relaxada (sem contração do músculo detrusor) para
acomodar um volume de urina adequado à idade e o esfíncter uretral contraído para que não
haja perda urinária. Os sintomas da disfunção nesta fase são:
· Aumento da frequência urinária (³ 8 micções por dia);
· Urgência;
· Manobras de contenção para evitar a perda urinária (Figura 1);
· Incontinência urinária;
· Enurese.
De acordo com a padronização da International Children's Continence Society (ICCS), as
definições de urgência, incontinência urinária intermitente e enurese são aplicáveis a partir
dos cinco anos de idade(4). A incontinência urinária contínua é anormal em qualquer idade e
causada quase exclusivamente por malformações congênitas, ureter ectópico na maioria das
vezes. É importante ressaltar que, em condições normais, mesmo os recém-nascidos e
lactentes apresentam um intervalo de continência entre as micções.

O ureter ectópico (com ou sem duplicação ureteral), em meninas, causa perda urinária
contínua, apesar da micção normal.

Sintomas da fase de esvaziamento vesical


Nesta fase deve haver abertura do complexo esfincteriano uretral coordenada com a
contração da bexiga (músculo detrusor), resultando em esvaziamento completo da bexiga.
Os dados na história que sugerem dificuldade de esvaziamento vesical são:
· Diminuição da frequência urinária (1 a 2 micções por dia). Nos lactentes se observa que a
fralda permanece seca por períodos muito longos durante o dia ou a fralda noturna
amanhece seca precocemente;
· Hesitação ou dificuldade para iniciar a micção;
· Utilização da musculatura abdominal para iniciar ou manter a micção;
· Sensação de esvaziamento incompleto. O escolar ou adolescente reclama que é difícil
esvaziar a bexiga completamente;
· A criança mantém a micção pressionando a região suprapúbica com a mão (manobra de
Crede);
· A urina sai em várias pequenas explosões (fluxo flutuante ou staccato);
· Micção intermitente após os 3 anos de idade;
· Micção demorada (fluxo prolongado);
· Jato urinário fraco.

A observação do jato urinário fornece informações valiosas e é de fácil execução durante a


consulta de lactentes, visto que os mesmos urinam logo após a retirada da fralda. O jato
fraco e o gotejamento urinário são anormais em qualquer idade. Na criança maior se observa
que o menino com jato fraco precisa posicionar-se bem acima do vaso sanitário e na menina
há diminuição do barulho da urina caindo no vaso.
Estes constituem sinais de alerta importantes para a detecção de obstrução infravesical ou
detrusor hipocontrátil. A presença de globo vesical palpável, antes e após a micção, indica
esvaziamento vesical ineficaz e presença de resíduo pós-miccional elevado.

Comorbidades

Na história clínica devem ser pesquisadas as comorbidades mais frequentes. A disfunção do


trato urinário inferior se associa com frequência a infecção urinária, refluxo vesicoureteral e
constipação intestinal.

A constipação se caracteriza pela presença de dificuldade ou dor para evacuar, fezes


endurecidas, ressecadas, volumosas ou em pequenos pedaços, escape fecal e sangramento
ao evacuar. A escala de Bristol (Figura 2) é um instrumento bastante útil para avaliação da
função intestinal em crianças(5). O trato gastrointestinal e o geniturinário possuem a mesma
origem embriológica, a mesma inervação (plexo sacro pélvico) e a mesma localização
anatômica. São interdependentes e as condições que afetam um, normalmente, afetam o
outro; esta associação é denominada síndrome de disfunção das eliminações (SDE)(6,7).

A avaliação global da criança incontinente permite, algumas vezes, o diagnóstico de doenças


sistêmicas, como diabetes mellitus ou insípido, alterações neurológicas e congênitas. História
de emagrecimento, sede, poliúria e enurese secundária são dados que indicam a
possibilidade de diabetes mellitus. Baixa estatura, poliúria, baixa densidade urinária e
desidratação sugerem doença renal tubular. Estes diagnósticos são importantes, pois
requerem abordagens diferenciadas.

Figura 2 - Escala de Bristol.

Figura 3 - Estigmas neurocutâneos em região lombossacra. A: Hemangioma, dimple (ou


fosseta) e tufo de pelos; B: Lipoma; C: Hipertricose.

Exame físico

O exame físico permite identificar os pacientes que possuem causa orgânica, neurogênica ou
anatômica, para seu distúrbio do trato urinário inferior. Ainda que este grupo represente uma
minoria dos pacientes, a identificação precoce é importante para o estabelecimento do
tratamento adequado, já que muitos destes casos se associam ao elevado risco de lesão
renal.

O exame físico deve ser realizado com ênfase nos seguintes aspectos:

1. Exame da coluna, região lombossacra, região glútea e membros inferiores. Observar a


presença de:
· Estigma neurocutâneo na região lombossacra: tufos de pelo, hemangiomas, manchas hipo
ou hipercrômicas, "dimple" ou fosseta, lipoma (Figura 3). Estes sinais se associam ao
disrafismo oculto, estando presentes em 75% dos casos;
· Anomalias do sulco interglúteo: assimetria ou sulco curto nos casos de agenesia sacral
(Figura 4);
· Assimetria dos glúteos ou pregas glúteas (Figura 5);
· Escoliose;
· Dificuldade de dobrar a coluna em nível da cintura (sugestivo de ancoramento medular);
· Assimetria ou atrofia dos membros inferiores;
· Deformidade dos pés (p. ex.: metatarso varo). Esta deformidade indica uma lesão da
inervação dos músculos intrínsicos do pé em nível de S1, adjacente aos segmentos S2-S4,
responsáveis pela invervação do trato urinário inferior (Figura 6).

2. Exame neurológico
O exame neurológico é feito com ênfase na pesquisa de sensibilidade do períneo e da região
perianal e dos seguintes reflexos: bulbo-cavernoso, anal e reflexos profundos dos membros
inferiores. A avaliação da marcha deve ser sempre realizada.
· Toque retal - o tônus e a contratilidade do esfíncter anal informam sobre a integridade dos
reflexos S2 e S4, os mesmos segmentos que controlam os esfíncteres.
· Reflexo bulbo-cavernoso - sua pesquisa é feita através da compressão da glande ou clitóris
durante o toque retal. Quando o reflexo está presente há uma contração do esfíncter anal.
Quando o reflexo bulbo-cavernoso está normal é forte indicação de que o reflexo sacral está
normal. Um reflexo negativo, entretanto, não dá certeza de lesão no reflexo sacral.
· Reflexo anal - presença de contração do esfíncter anal em consequência do estímulo da pele
próxima.

Figura 4 - Sulco interglúteo curto indicativo de agenesia sacral.


Figura 5 - Lactente de quatro meses de idade, com história de duas internações por infecção
urinária e sepse. Apresentava fralda seca por longos períodos e globo vesical palpável na
cicatriz umbilical. Foi diagnosticada bexiga neuropática secundária a disrafismo oculto.
Observar a assimetria de glúteo e pregas glúteas.

Figura 6 - Deformidades do pé secundárias a ancoramento medular: pé varum e dedos


flexionados em garra.

3. Exame da genitália
Deve-se observar:
· Perda de urina contínua, com movimentos ou palpação abdominal;
· Epispádia nos meninos;
· Estenose do meato uretral;
· Clitóris bífido nas meninas, sugerindo epispádia;
· Sinéquia;
· Fimose;
· Presença de implantação ectópica de ureter;
· Sinais sugestivos de abuso sexual.
4. Exame abdominal
Deve-se observar:
· Presença de massa abdominal palpável;
· Cíbalos fecais;
· Globo vesical palpável.
5. Avaliação da estatura
Pesquisar déficit de crescimento.

6. Avaliação da pressão arterial

Mapa de frequência e volume e diário de micção

A anotação das micções e dos sintomas relacionados, feita em casa, sob condições normais é
fundamental na avaliação da função do trato urinário inferior de crianças que já adquiriram o
controle esfincteriano ou após a idade de cinco anos.

No mapa de volume e frequência devem ser anotados: horário e volume das micções e
episódios de urgência e incontinência. O mesmo deve ser preenchido por um períodomínimo
de três dias. O diário miccional é um registro mais completo, que inclui informações sobre:
ingestão hídrica, frequência e volume das micções, enurese, noctúria, incontinência urinária
diurna e outros sintomas do trato urinário inferior. A duração do sono e informações sobre as
evacuações e escape fecal também devem ser anotadas. Na prática clínica, modelos mais
simples podem ser utilizados durante tratamento e seguimento dos pacientes (Figura 7).

Figura 7 - Modelo de diário miccional.

Ultrassonografia dos rins e trato urinário


A avaliação por ultrassonografia (USG) deve, idealmente, ser realizada em todas as crianças
com sintomas do trato urinário inferior. Destaca-se que o trato urinário é um sistema
dinâmico e o examinador precisa conhecer seu funcionamento, para obter o máximo de
informações deste exame(8). A USG deve ser realizada antes e imediatamente após a
micção. Na primeira fase, com a criança adequadamente hidratada e a bexiga
confortavelmente cheia, podem-se obter informações sobre:
· Parede da bexiga: espessamento, trabeculação e divertículos;
· Dilatação da pelve, cálices e ureteres;
· Aparência do colo vesical;
· Volume de enchimento vesical na presença de forte desejo miccional.

A drenagem de urina da pelve renal para a bexiga depende do gradiente de pressão


existente. Dilatações do trato urinário superior podem expressar aumento da pressão de
armazenamento vesical, dificultando esta drenagem, refluxo vesicoureteral e obstrução na
junção ureteropélvica ou ureterovesical. As dilatações decorrentes do aumento da pressão de
armazenamento são dependentes do volume intravesical, não sendo detectadas em exames
realizados sem o enchimento vesical adequado.

A avaliação por USG imediatamente após a micção permite:

· Detecção de resíduo pós-miccional;


· Medida da espessura da parede vesical;
· Reavaliação das dilatações detectadas com a bexiga cheia.

A medida do resíduo pós-miccional deve ser feita imediatamente após a micção, para evitar
falsos resíduos provenientes de dilatações do trato urinário superior ou de enchimento
rápido, devido a alto débito urinário. A ausência de resíduo pós-miccional na ultrassonografia
não afasta dissinergia, incoordenação vesicoesfincteriana ou hipoatividade detrusora. A
pressão de micção elevada e/ou prolongamento do tempo de fluxo podem levar ao
esvaziamento vesical completo mesmo nestas situações. Para aumento da sensibilidade
diagnóstica a aferição de resíduo pós-miccional pela USG deve ser, sempre que possível,
associada ao estudo do fluxo urinário. O estudo do fluxo (fluxometria) e a avaliação do
resíduo pós-miccional serão detalhados a seguir.

O ultrassom dinâmico da micção é uma técnica dinâmica desenvolvida em nosso meio por
Filgueiras e cols.(9). Fornece informações adicionais sobre a presença de contrações
involuntárias do detrusor durante a fase de enchimento, com ou sem perda urinária
associada, e contrações do assoalho pélvico. Durante a avaliação, na fase de enchimento
vesical é possível avaliar as repercussões no trato superior, como dilatação da pelve, cálices
e ureteres, além do esvaziamento do sistema pielocalicial. O esvaziamento vesical é feito em
ambiente privado, sem monitoramento desta fase. Após a micção é aferido o resíduo pós-
miccional.

O USG pode fornecer informações adicionais sobre a habilidade de contrair e relaxar o


assoalho pélvico voluntariamente. Muitas crianças com disfunção do trato urinário são
incapazes de fazê-lo. Outra informação importante, que pode ser obtida no USG, é sobre a
presença e gravidade da constipação. A impressão pelo reto na base da bexiga, deslocando-a
ou diâmetro retal maior que 30 mm, na ausência de urgência para evacuar, sugerem
fortemente o diagnóstico de constipação(10,11).

Urofluxometria
A urofluxometria é o estudo do fluxo urinário. Esta técnica possui vantagens que fazem dela
a avaliação urodinâmica com maior aplicação em Pediatria. É estudo bastante simples e útil
na avaliação da função do trato urinário inferior(4,12,13). Dentre seus pontos positivos,
destacamos:

· É não invasiva;
· Pode indicar objetivamente uma dificuldade de esvaziamento vesical e servir para monitorar
a resposta ao tratamento;
· Pode ser associada à medida de resíduo pós-miccional por ultrassonografia aumentando a
sensibilidade para detecção de problemas no esvaziamento vesical;
· Pode ser associada à eletromiografia de assoalho pélvico, para avaliação da coordenação
vesicoesfincteriana e diagnóstico da micção disfuncional;
· É útil para selecionar os pacientes que necessitam de uma avaliação urodinâmica completa.

Todas as crianças com problemas do trato urinário inferior devem ter o esvaziamento vesical
avaliado. Esta recomendação inclui as crianças atendidas com queixa de incontinência, pois a
associação da dificuldade de esvaziamento à incontinência implica em maior gravidade e pior
prognóstico. Aqueles pacientes que já adquiriram o controle esfincteriano, sendo capazes de
seguir instruções e urinar da maneira habitual, devem ser avaliados através da fluxometria e
da medida de resíduo pós-miccional. Dentre as principais indicações da fluxometria se
destacam:
· Infecção urinária de repetição;
· Refluxo vesicoureteral;
· Incontinência urinária;
· Dificuldade ou esforço para urinar;
· Jato urinário fraco;
· Avaliação pré e pós-operatória de cirurgias de uretra.
A realização do estudo do fluxo urinário com a medida do volume residual seleciona os
pacientes que necessitam de uma avaliação urodinâmica completa. A demonstração de um
padrão de fluxo normal associado ao esvaziamento vesical completo e a uma avaliação clínica
detalhada é suficiente na maioria dos casos. A realização de urodinâmica invasiva fica restrita
a alguns casos com indicações especiais. Por esse motivo, é o procedimento mais utilizado na
urodinâmica pediátrica de pacientes sem lesão neurológica.
Técnica do exame - O fluxo urinário é medido num fluxômetro, que indica a quantidade de
urina eliminada por unidade de tempo. Usualmente o fluxo é expresso em ml/seg(2).

Para a realização do exame o paciente deve estar bem hidratado, com a bexiga
confortavelmente cheia. Está demonstrado que a curva de fluxo se modifica quando o volume
urinado é inferior a 50% da capacidade vesical estimada para a idade, em pacientes normais.
Deve-se evitar a hiper-hidratação da criança, pois enchimento vesical excessivo não reproduz
as condições usuais da criança e a distensão acentuada das fibras musculares da bexiga leva
ao esvaziamento vesical inadequado.

A fluxometria deve ser realizada quando o paciente referir o desejo miccional, em ambiente
privado. O paciente deve estar tranquilo, em pé ou sentado na cadeira de fluxo (Figura 8).
Esta é semelhante ao vaso sanitário; deve ser utilizado um adaptador no assento e apoio
para os pés. Quando bem aceita pela criança, a presença de um observador experiente pode
acrescentar informações importantes, como: dificuldade de iniciar a micção, aspecto do jato
urinário, utilização da musculatura abdominal e adoção de posturas e manobras necessárias
para que a micção ocorra. O ideal é que sejam feitos pelo menos dois fluxos com medida do
resíduo pós-miccional. Na presença de dois resultados divergentes, um terceiro estudo pode
ser necessário.

Figura 8 - Cadeira para exame de urofluxometria.

Figura 9 - Padrão normal de curva de fluxo. Formato em sino.

Análise do estudo de fluxo

A medida do fluxo depende de vários fatores, dentre estes se destacam:


· Contratilidade detrusora;
· Reforço abdominal;
· Colo vesical e complexo esfincteriano;
· Uretra pérvia.
As informações que podem ser extraídas do estudo do fluxo urinário podem ser vistas na
Figura 9, com a nomenclatura recomendada pela International Continence Society (ICS).

Em Pediatria a informação mais relevante é o formato da curva. O valor do fluxo máximo e


sua comparação com o volume urinado e fluxo médio também podem ser úteis, como
veremos adiante.

Definições:
1. Fluxo máximo - é o maior valor de fluxo da curva após a correção de artefatos. O fluxo
máximo fornece uma descrição melhor da micção do que o fluxo médio;
2. Fluxo urinário médio - é o volume miccional dividido pelo tempo;
3. Volume urinado - volume total de urina expelida pela uretra.

Padrão ou formato da curva de fluxo


O padrão ou formato da curva de fluxo é o dado mais importante para análise da curva de
fluxo em Pediatria. A curva de fluxo urinário na criança saudável tem o formato de sino,
independente de idade, sexo ou volume urinado.

Sino - O fluxo máximo é alcançado no terço inicial do traçado e dentro de 3 a 10 segundos do


início do fluxo. A aparência da curva pode variar com diferentes volumes, mas o início e o
final da curva são semelhantes. A fase final de uma curva de fluxo normal mostra uma queda
rápida do fluxo alto, com término abrupto.

Padrões anormais de curva de fluxo


Os padrões anormais de curva de fluxo são descritos a seguir, utilizando a terminologia
recomendada pela ICS:

· Torre - a hiperatividade detrusora pode produzir uma curva de alta amplitude e curta
duração, com formato de torre. O fluxo máximo é alcançado em tempo muito curto (1 a 3
seg). A redução do tempo para alcançar o fluxo máximo ocorre porque a contração detrusora
já abriu o colo vesical e para iniciar a micção o paciente tem apenas que relaxar o esfíncter
distal (Figura 10 a);
· Platô - a criança com obstrução anatômica ou contração tônica do esfíncter durante a
micção à saída do trato urinário quase sempre tem um fluxo de baixa amplitude, com uma
curva achatada em forma de platô. O fluxo máximo em geral é alcançado rapidamente (3 a
10 seg), mas o fluxo diminui lentamente (Figura 10 b).

A hipoatividade detrusora também pode causar um fluxo de baixa amplitude. Nesta, o tempo
para alcançar o fluxo máximo é variável e pode ocorrer na segunda metade da curva. A
confirmação do diagnóstico de hipoatividade detrusora requer a realização de cistometria e
estudo fluxo/pressão.
· Irregular ou staccato - Este é o padrão mais comum, quando há hiperatividade esfincteriana
durante a micção (micção disfuncional). Nesta situação há uma resistência irregular ao fluxo,
fazendo com que a curva de fluxo apresente picos e depressões. Esta é uma curva de fluxo
contínuo, mas flutuante. Para classificar uma curva como staccato as flutuações devem ser
maiores do que a raiz quadrada da taxa de fluxo máximo. O diagnóstico de incoordenação
vesicoesfincteriana pode ser feito com maior acurácia associando-se a eletromiografia de
assoalho pélvico ao estudo do fluxo, como será visto adiante (Figura 10 c).
· Interrompido ou fracionado - A curva mostra discretos picos, correspondendo a cada
esforço abdominal, separados por segmentos de fluxo zero. Ocorre na maioria dos casos de
detrusor hipo ou acontrátil, quando a contração do músculo abdominal é a principal
responsável pelo esvaziamento vesical, mas pode ocorrer também na micção disfuncional
(incoordenação vesicoesfincteriana) (Figura 10 d).
Figura 10 - Padrões anormais de curva de fluxo.

Fluxo urinário máximo (Qmax)


O fluxo urinário varia com o volume urinado. O detrusor alcança seu desempenho ideal
quando é distendido; entretanto, a distensão excessiva faz com que ele se torne ineficiente.
Além da variação de volume, a idade e o sexo do paciente também são importantes. Estudos
demonstraram uma correlação linear entre o fluxo máximo e a raiz quadrada do volume
urinado. Assim, é possível utilizar esta correlação para uma análise preliminar do fluxo. Se o
fluxo máximo ao quadrado for maior ou igual ao volume urinado em ml, provavelmente o
fluxo máximo está dentro da faixa limite de normalidade. Em adultos, o Qmax é visto com
grande importância. Em Pediatria a correlação entre o Qmax e a resistência ao fluxo deve ser
vista com cautela; pode ser alterada devido à contração detrusora forte, que compensa a
resistência da saída, resultando num Qmax relativamente normal.

Ao se considerar o valor de fluxo máximo deve-se ter cuidado com espículas na curva,
produzidas por artefatos. Para evitar valores superestimados, o fluxo máximo só deve ser
documentado se em nível de pico com dois ou mais segundos de duração.

Na obstrução uretral fixa a curva tende a ter um padrão restritivo, com o fluxo máximo
aproximando-se do médio. Em condições normais o fluxo médio é maior que 50% e menor
que 85% do fluxo máximo.

Medida de resíduo pós-miccional


A avaliação do resíduo pós-miccional informa sobre a função de esvaziamento vesical e deve
realizada imediatamente após a micção.

Em lactentes e crianças pequenas o esvaziamento completo da bexiga pode não ocorrer em


todas as micções, devido à imaturidade do controle esfincteriano. Entretanto, o esvaziamento
completo ocorrerá pelo menos uma vez durante um período de quatro horas de observação.
Resíduos muito elevados e associados a alterações no jato urinário, na avaliação clínica ou
por imagem, devem ser valorizados.

Crianças maiores devem esvaziar sua bexiga completamente. O resíduo pós-miccional entre
5 e 20 ml pode estar associado à dificuldade de esvaziamento vesical e deve ser repetido.
Uma medida superior a 20 ml, encontrada em mais de uma ocasião, indica esvaziamento
vesical anormal ou incompleto. Em adultos e crianças maiores de cinco anos o resíduo é
considerado normal quando seu valor é menor ou igual a 10% da capacidade vesical.

Idealmente, o estudo do fluxo urinário deve seguir-se da medida de resíduo pós- miccional,
aumentando a sensibilidade dos exames.

A ausência de resíduo pós-miccional a ultrassonografia não afasta a micção disfuncional ou


hipoatividade detrusora. A utilização da musculatura abdominal, a pressão de micção elevada
e/ou prolongamento do tempo de fluxo podem levar ao esvaziamento vesical completo,
mesmo nas situações citadas. Nestes casos, o estudo do fluxo urinário permite o
diagnóstico.

O estudo de fluxo com valor de fluxo máximo baixo ou um formato irregular da curva de
fluxo (irregular, fracionado ou plateau) indica dificuldade na fase de esvaziamento vesical.
Mas um fluxo máximo normal não exclui dificuldade de esvaziamento.

A medida do resíduo pós-miccional pode ser feita através de ultrassonografia ou cateterismo


vesical. Aparelhos de ultrassonografia portáteis e de fácil manuseio têm sido utilizados na
prática clínica. Um grau adequado de acurácia pode ser obtido quando comparado ao volume
medido através do cateterismo, sem o incômodo e o risco de infecção inerentes ao último.
Entretanto, deve-se ter cuidado ao analisar o volume de urina residual em neonatos e
lactentes, quando pequenos volumes aceitáveis na margem de erro de alguns aparelhos
podem falsear a análise.

A demora entre o término do fluxo e a medida do resíduo pode permitir um novo enchimento
da bexiga, pela produção de urina. Um intervalo de poucos minutos entre o término da
micção e a ultrassonografia pode resultar na produção de 5 ml ou mais de urina, que é o
limite superior de normalidade do valor do resíduo. Para que haja maior confiabilidade se
devem evitar intervalos maiores que cinco minutos entre a micção e a avaliação do resíduo
pós-miccional(4).

O enchimento vesical excessivo, com distensão das fibras musculares da bexiga, pode levar
ao esvaziamento inadequado. A micção deve ser realizada com o enchimento vesical
habitual.
Figura 11 - Registro da curva de fluxo e eletromiografia de assoalho pélvico. Observe a
ausência de atividade na eletromiografia segundos antes do início e durante uma micção
normal.

Eletromiografia de assoalho pélvico

A associação da eletromiografia de assoalho pélvico à fluxometria aumenta sua acurácia para


o diagnóstico de micção disfuncional(14). Este é o único método que fornece evidências
diretas da incoordenação ou dissinergia vesicoesfincteriana, pois registra o aumento ou
ausência de diminuição da atividade na eletromiografia da musculatura do assoalho pélvico
durante a micção (Figura 11).

Em lactentes e crianças a função uretral durante a micção é mensurada pela eletromiografia


de assoalho pélvico, utilizando-se eletrodos de contato posicionados na área perianal. Dessa
forma, este método proporciona apenas uma estimativa da função uretral e do assoalho
pélvico, mas para fins de diagnóstico na prática pediátrica em geral é suficiente. Uma
avaliação mais precisa pode ser alcançada com eletrodos de agulha posicionados no
esfíncter, pouco utilizados na Pediatria.

A confiabilidade do resultado da eletromiografia depende da disponibilidade de um


equipamento de eletromiografia de alta qualidade, para evitar possíveis artefatos e
interferências. Além disso, deve-se estar atento para a possibilidade de curto-circuito dos
eletrodos de superfície, causado pelo fluxo de urina.
Micção disfuncional (dysfunctional voiding) é caracterizada pelo fluxo intermitente ou
flutuante, devido às contrações involuntárias intermitentes do esfíncter estriado externo ou
assoalho pélvico durante a micção, em indivíduos neurologicamente normais. Disfunção
miccional (voiding dysfunction) é um termo diferente, que tem sido usado para denotar
qualquer anormalidade no enchimento ou esvaziamento vesical. Por este último termo ser
inespecífico, a ICCS e a ICS recomendam que seja evitado (Figura 12).

O termo dissinergia detrusor-esfincteriana é aplicável a pacientes com bexiga neurogênica e


indica a observação durante a fase de esvaziamento da cistometria de contração detrusora,
concomitante com a contração involuntária da uretra e/ou musculatura periuretral estriada.
Ocasionalmente, o fluxo urinário cessa.
A utilização da eletromiografia abdominal permite o registro da utilização da musculatura
abdominal, demonstrando esforço para urinar. A mesma é especialmente útil quando a
criança não permite a presença do observador durante a micção (Figura 13).

Figura 12 - Exame de fluxometria associado a eletromiografia. Observe o aumento da


atividade na eletromiografia durante a micção, caracterizando a micção disfuncional e o fluxo
intermitente.

Figura 13 - Urofluxometria associada à EMG de assoalho pélvico e abdominal. Observe o


aumento da atividade tanto na eletromiografia de assoalho pélvico (rosa) quanto abdominal
(amarelo), indicando micção disfuncional e reforço abdominal.

Indicações da avaliação urodinâmica completa ou invasiva


A urodinâmica invasiva é necessária nos casos complexos, de origem neurológica ou
naqueles em que as avaliações anteriores não foram conclusivas, estando indicada nas
seguintes situações:

· Fluxometria com padrão obstrutivo;


· Alterações neurológicas;
· Alterações ortopédicas de membros inferiores;
· Estigmas neurocutâneos;
· Uropatias (válvula de uretra posterior, epispádia, refluxo vesicoureteral);
· Infecção urinária de repetição e difícil controle;
· Resposta insatisfatória ao tratamento.

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