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DANIEL 2 E SUA CORRESPONDÊNCIA COM APOCALIPSE 17

São muitos os estudiosos que pesquisam o modo como o Novo Testamento faz uso
do antigo1. Neste ambiente de pesquisa notam-se frequente alusões mesmo diretas ao livro
de Daniel2, inclusive feitas pelo próprio Jesus. De igual modo tem sido amplamente
reconhecido que em muitos momentos Daniel marca presença no Apocalipse o qual
entretém evidenciada correspondência com o ele por diversas alusões3. A exemplo disso, o
modo como Apocalipse 13:1-8 acha-se construído revela com clareza o conteúdo de Daniel
7 como pano de fundo ali implicado4. Neste segmento é valido verificar se de algum modo
há correspondência literária entre o livro de Daniel e Apocalipse capítulo 17. No presente
ensaio estaremos apontando alguns indicadores que sugerem inter-relação linguística e
temática entre Daniel 2 e o capítulo 17 de Apocalipse, fato que aponta esses dois capítulos
se correlacionam quanto chave de interpretação mútua.

DANIEL 2 COMO PANO DE FUNDO PARA APOCALIPSE 17

Como mencionado, não é raro encontrar vários interpretes recorrendo a Daniel 7


como contribuinte para a compreensão de Apocalipse 13 e vice-versa. No entanto, algo raro
e mesmo lamentável é o quase completo desuso deste diálogo intertextual quando se
estuda o capítulo 17 de Apocalipse. Neste segmento estaremos salientando alguns
paralelismos linguísticos e temáticos que reiteram a íntima relação entre esses dois
capítulos:
1) Ambos capítulos apresentam o fato do “espanto” ocorrido ao personagem
humano frente à comunicação divina: Nabucodonosor diante do sonho da
estátua e João diante da prostituta embriagado com o sangue dos santos, Dn
2:1,3 e João Ap 17:6;
2) O vocábulo “mistério” aparece nos dois capítulos como o termo que tematiza
seus respectivos conteúdos (Dn 2:18,19,27,28... Ap 17:5,7);
3) Em ambos capítulos o termo mistério acha-se relacionado com a revelação da
história. Em Daniel 2 o “mistério” da estátua achava-se relacionado à história
futura, desde a perspectiva de Daniel e Nabucodonosor (Dn 2:28). Em Apocalipse
17, visto tratar-se de uma visão enfaticamente escatológica, o “mistério”
semelhantemente é identificado como a história passada, presente e futura da
besta e da mulher montada sobre ela. Ou seja, desde a perspectiva do tempo do
fim, é dito que essa besta “era, já não é, mas aparecerá-subirá do abismo” (Ap
17:8,11);
4) Em ambos capítulos o “mistério” fez necessário a presença de um agente
interprete enviado por Deus para esclarecimento do conteúdo, para
Nabucodonosor esse agente foi Daniel, e para João um anjo;

1
Beale, Gregory K., and Donald A. Carson. Commentary on the New Testament Use of the Old Testament.
2009; Baker, D. L. Two Testaments, one Bible. Leicester: Inter-Varsity Pr, 1976; Bruce, F. F. The New Testament
Development of Old Testament Themes. Eugene, Ore: Wipf & Stock, 2004.
2
Ferch, Arthur J. The Apocalyptic "Son of Man" in Daniel 7. Ann Arbor: Univ. Microfilm Internat, 1980.
3
Beale, G. K. Handbook on the New Testament Use of the Old Testament: Exegesis and Interpretation. Grand
Rapids, MI: Baker Academic, 2012.
4
Ibid. 102.
5) Em ambos capítulos acha-se presente a linguagem do envolvimento sexual; em
Daniel 2 é dito dos dedos em ferro e barro se misturando por meio de semente
humana (tradução literal) mas não se unindo um ao outro assim como o ferro
não se une ao barro; em Apocalipse 17 temos uma meretriz coma qual se
prostituem os reis da terra, isto é, as dez pontas da besta, envolvimento que
como no caso de Daniel 2 não se perpetua visto que é dito que nalgum momento
os dez chifres se voltarão contra a meretriz fazendo-a desolada e queimada ao
fogo (Ap 17:16);
6) A partir do tópico anterior pode se afirmar seguramente que em ambas
passagens são apresentadas ações ecumênicas frustradas e semelhantemente
ambas possuem múltiplos reis que serão destruídos pela segunda vinda de Jesus,
em Daniel os dez dedos dos pés da estátua e em Apocalipse as dez pontas da
besta;
7) Em ambas se notam o elemento “força e fraqueza; em Daniel 2 expresso verbal e
diretamente, enquanto em Apocalipse 17 esse é um fato que se subentende ao
observar-se a meretriz – elemento religioso – pontualmente sendo a parte fraca,
atacada e subvertida pelo elemento civil – a besta e as dez pontas;
8) Em ambos os textos temos a presença de “monte-montanha” termo que em
Daniel é interpretado expressamente como representado um reino, o de Deus;
9) A estas eventuais correspondências linguísticas e temáticas acrescente-se ainda
uma muito importante: essas são as duas únicas passagens bíblicas em que a
composição de reinos dispostos em sequência são agrupados num único objeto
simbólico. Em Daniel 2 múltiplos reinos são representados numa única estátua
polimetálica, reinos que se levantaria no futuro desde a perspectiva dos dias de
Daniel; por sua vez em Apocalipse 17 temos a outra única incidência deste
fenômeno, novamente múltiplos reinos voltam a se acharem representados num
único elemento simbólico, a besta escarlate. Neste capítulo é dito de cabeças da
besta como uma disposição sequenciada de reinos dos quais cinco caíram um
existe e outro ainda não chegou e quando vier durará pouco tempo;

Essas correspondências brevemente apontadas acima servem como evidências de


que Daniel 2 mantém forte ligação temática e linguística com Apocalipse 17. Ou seja, essas
duas passagens não tratam de duas realidades ou finais diferentes mais constituem duas
maneiras de apresentação do mesmo fim.
Queremos, portanto, salientar que dentre outras coisas, esse fato torna impraticável a atual
tendência de tomar os montes e reis em Apocalipse 17 e aplicá-los de outra maneira que
não representando a reinos, uma vez que em Daniel 2 – texto inequivocamente paralelo a
Ap 17 – esse elemento é assim interpretado.
Adicionando ao até então apresentado aqui, maior clareza se tem quando aplica-se
Daniel capítulo 7 a esse diálogo intertextual, (algo que faremos num próximo ensaio) uma
vez que é praticamente um consenso de que Daniel 7 constitui uma simétrica repetição
contida de novos agregamentos de Daniel capítulo 25. Essa abordagem faz com que o
quadro profético venha a se expandir de modo surpreendente nos proporcionando uma
interpretação responsável e solidamente inter-bíblica.

5
Biblical Research Institute (Washington, D.C.). Daniel and Revelation Committee Series. 1982.

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