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Gestão de águas

pluviais urbanas

SANEAMENTO PARA TODOS


SANEAMENTO PARA TODOS
Gestão de águas pluviais urbanas

Carlos E. M. Tucci

SANEAMENTO PARA TODOS

Brasília
outubro de 2005

Programa de Modernização do Setor Saneamento


Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental
Ministério das Cidades
Ministro das Cidades: Marcio Fortes de Almeida
Secretário Executivo: Rodrigo José Pereira-Leite Figueiredo
Secretário Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA): Abelardo de Oliveira Filho
Diretor de Desenvolvimento e Cooperação Técnica da SNSA: Marcos Helano Fernandes Montenegro
Diretor de Água e Esgotos da SNSA: Márcio Galvão Fonseca
Diretor de Articulação Institucional da SNSA: Sérgio Antonio Gonçalves
Coordenador do Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS): Ernani Ciríaco de Miranda

Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS)


SCN, Quadra 1, Bloco F, 8º andar, Edifício America Office Tower – CEP 70711-905
Fone: (61) 3327-5006 FAX: (61) 3327-9339
pmss@cidades.pmss.gov.br
www.cidades.gov.br e www.pmss.gov.br

Carlos E. M. Tucci: engenheiro civil, M.Sc. e Ph.D. em Recursos Hídricos


(Colorado State University,USA), professor titular do Instituto de Pesquisas
Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Brasil. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental


Gestão de águas pluviais urbanas / Tucci, Carlos
E.M. – Brasília :Ministério das Cidades, 2006.
194p.(Saneamento para Todos; 4º volume).

1. 1. Saneamento básico. 2. Gestão integrada de


águas pluviais. 3. Capacitação. 4.Brasil. I. Programa
de Modernização do Setor Saneamento. II.Título.
III. Título: Gestão de águas pluviais urbanas.IV. Série.

ISBN 978-85-60133-35-2

Coordenação editorial e projeto gráfico: Rosana Lobo


Diagramação: Informe Comunicação
Fotolitos e impressão: Gráfic a
Tiragem: 3.000 exemplares

Foto da folha de rosto: Inundação de maio de 1941 em Porto Alegre


Acervo histórico da Prefeitura Municipal de Porto Alegre

É permitida a reprodução total ou parcial desta publicação, desde que citada a fonte.
APRESENTAÇÃO

A série de publicações Saneamento para Todos, da Secretaria Nacional de Saneamento Am-


biental do Ministério das Cidades (SNSA/MCIDADES), desenvolvida no âmbito do Programa de Mod-
ernização do Setor Saneamento (PMSS), propõe disponibilizar aos agentes do setor saneamento
brasileiro, estudos e pesquisas relativos a temas institucionais, técnico-operacionais, econômico-
financeiros, regulatórios e legais, afetos aos serviços de saneamento no país.

Ao disseminar os resultados de importantes trabalhos desenvolvidos pelo PMSS, espera-se


contribuir para a busca da eficiência e da qualidade da prestação dos serviços de saneamento, para o
aperfeiçoamento da gestão e conseqüente ampliação da cobertura, com vistas à universalização dos
serviços em todo o território brasileiro. Em especial, em consonância com as diretrizes da política
de saneamento implementada pela SNSA/MCidades, a ênfase nos planos de saneamento e no plane-
jamento das ações é fundamental para o avanço do setor.

O alcance de bases técnico-institucionais sólidas para todos os serviços de saneamento bási-


co é de inquestionável importância, e aí destaca-se o manejo das águas pluviais urbanas, historica-
mente relevado nas ações do governo federal. As iniciativas desenvolvidas neste campo têm apon-
tado em direção ao resgate de parte deste déficit com o setor, não só estabelecendo componentes
de manejo das águas pluviais em seus programas de financiamento, mas sobretudo estimulando
o debate e difundindo uma nova concepção de manejo das águas urbanas. Trata-se de um modelo
que não mais se limita ao princípio dominante do meio técnico, de drenagem como afastamento e
escoamento das águas pluviais, mas que também agrega outras soluções de caráter estrutural e não
estrutural.

Além disso, tem-se ampliado as iniciativas de capacitação para gestores públicos nos níveis
federal, estaduais e municipais, introduzindo bases conceituais para a formulação de planos dire-
tores municipais e o desenvolvimento de projetos de manejo das águas urbanas. É neste contexto
que se insere a presente publicação, número quatro da série Saneamento para Todos, denominada
Gestão de Águas Pluviais Urbanas, elaborada pelo Prof. Dr. Carlos E. M. Tucci, uma das maiores au-
toridades técnicas do assunto no Brasil.

Cabe destacar, que a série Saneamento para Todos contempla outras três edições já divulga-
das, com o seguinte conteúdo:

Publicação 1 - Projeto de Lei nº 5296/2005 – Diretrizes para os serviços públicos de sanea-


mento básico e Política Nacional de Saneamento Básico (PNS);

Publicação 2 - Reestruturação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário


no estado do Piauí – o primeiro Consórcio Público de Saneamento, que compreende duas partes:
Estudo de cenários para a prestação de serviços de saneamento no Estado do Piauí; e O processo de
implantação do Consórcio Regional de Saneamento do Sul do Piauí – CORESA Sul do PI;

Publicação 3 - O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nos empreendimentos de manejo de


resíduos sólidos urbanos e o impacto do Projeto de Lei nº 5.296/2005.

Esperamos que, como as anteriores, a presente publicação contribua na mudança de para-


digmas que se estende à gestão dos serviços de saneamento no Brasil, permitindo que soluções
inovadoras e sustentáveis, baseadas na gestão integrada das águas urbanas, sejam conhecidas e
adotadas.

Abelardo de Oliveira Filho


Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental
Ministério das Cidades
O PROGRAMA DE MODERNIZAÇÃO DO SETOR SANEAMENTO

O Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS) consolidou-se, ao longo de seus treze anos,
como um instrumento permanente de apoio à instância executiva da política de saneamento do governo federal,
tendo suas ações voltadas à criação das condições propícias a um ambiente de mudanças e de desenvolvimento
do setor saneamento no país. Atualmente é um dos principais programas da Secretaria Nacional de Saneamento
Ambiental do Ministério das Cidades.
O Programa tem, no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), o seu mais reconhecido
produto. A credibilidade construída em torno deste instrumento permitiu, ao longo dos seus 10 anos de existência, con-
solidar séries históricas de diversos dados e informações fornecidas por uma amostra de prestadores de serviços, tanto
de água e esgotos como de resíduos sólidos, que progressivamente se amplia em tamanho e representatividade.
Por sua vez, a assistência técnica aos órgãos e entidades do setor saneamento no país constitui-se em pauta
fundamental do PMSS, buscando promover reformas institucionais, especialmente nos prestadores de serviços, com
vistas a melhorar a qualidade e o nível de eficiência e eficácia de suas ações, condição básica para universalização
dos serviços. Neste sentido, são potenciais beneficiários do Programa (i) os estados e municípios, na formulação de
políticas públicas e desenvolvimento de planos de saneamento; (ii) as instâncias de regulação e fiscalização, na imple-
mentação de atividades regulatórias e de controle social; e (iii) os prestadores públicos de serviços, na sua revitalização
e reestruturação.
Além do apoio direto ao prestador de serviços, operando segundo o modelo de gestão vigente, a assistência
do PMSS estuda arranjos alternativos de gestão, que permitam o fortalecimento do prestador de serviços atual, funcion-
ando em novas bases, mas que também possibilitem ao governante explorar novos modelos que enfrentem o quadro
de dificuldades em que se encontra os serviços de saneamento nos estados e municípios brasileiros.
O Programa alavanca o desenvolvimento institucional do setor mediante ações de capacitação dos agentes que
atuam no saneamento. Neste sentido, o PMSS liderou, em parceria com diversos órgãos do Governo federal e a opera-
cionalização da Financiadora de Estudos e Pesquisas – FINEP, o processo de criação e estruturação da Rede Nacional de
Capacitação e Extensão Tecnológica em Saneamento Ambiental – ReCESA. Foram constituídos 4 Núcleos Regionais, co-
ordenados por 14 universidades e que agregam cerca de 80 instituições parceiras (entre prestadores de serviços, entidades
do setor, sistema S e sistema CEFET). O PMSS exerce o papel de Núcleo Executivo do Comitê Gestor da ReCESA.
O PMSS também fornece o suporte técnico e de logística à SNSA/MCidades na implementação do projeto de
Cooperação Internacional Brasil-Itália em Saneamento Ambiental, que conta com a participação de instituições
do Governo italiano e da HYDROAID – Scuola Internazionale dell’Acqua per lo Sviluppo, além da participação de mu-
nicípios e universidades brasileiras.
O Programa desempenha ainda um papel de vanguarda em temas emergentes para o setor como at-
ingir as Metas do Milênio e atender aos tratados internacionais. Destacam-se parcerias com o Programa Nacional
de Combate ao Desperdício de Água (PNCDA), o Programa de Conservação de Energia Elétrica (PROCEL), o Projeto
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) aplicado a Resíduos Sólidos e o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD).
O PMSS se insere efetivamente na agenda político-institucional da SNSA/MCidades, oferecendo suporte
técnico na formulação e implementação do marco legal e regulatório para o setor. O programa contribuiu de forma
destacada para a discussão e aprovação da Lei 11.107/2005 que regulamenta os Consórcios Públicos e no apoio à
construção do projeto de lei que estabelece as diretrizes gerais para os serviços e institui a política nacional de sanea-
mento básico.
O Programa de Modernização do Setor Saneamento conta, ainda, com um projeto editorial, que recentemente gan-
hou fôlego renovado com o lançamento da série de publicações e da revista periódica, denominadas “Saneamento para
Todos”, abrangendo edições que fomentam a reflexão político-institucional e o intercâmbio técnico entre os agentes do setor.

Marcos Helano Fernandes Montenegro


Diretor de Desenvolvimento e Cooperação Técnica da SNSA/MCIDADES

Ernani Ciríaco de Miranda


Coordenador da UGP/PMSS
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SANEAMENTO
PARA TODOS
Gestão de águas pluviais urbanas

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..............................................................................................................................15

I. ÁGUAS URBANAS .......................................................................................................................17

I.1 Desenvolvimento urbano ...........................................................................................................17

I.1.1 Processo de urbanização ............................................................................................................17

I.1.2 Impactos na infra-estrutura urbana.........................................................................................19

I.2 Sistemas hídricos urbanos .........................................................................................................21

I.3 Disponibilidade hídrica ..............................................................................................................22

I.4 Avaliação dos componentes das águas urbanas ...................................................................24

I.4.1 Contaminação dos mananciais .................................................................................................24

I.4.2 Abastecimento de água e saneamento ....................................................................................26

I.4.3 Resíduos sólidos ..........................................................................................................................28

I.4.4 Escoamento pluvial......................................................................................................................30

I.4.5 Síntese do cenário atual .............................................................................................................33

I.5 Doenças de veiculação hídrica ..................................................................................................34

I.6 Comparação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento ......................................36

II. GESTÃO DAS INUNDAÇÕES RIBEIRINHAS .........................................................................40

II.1 Características das inundações ribeirinhas ............................................................................40

II.2 Ocupação do espaço urbano e impacto das inundações ............................................................41

II.3 Avaliação das enchentes.............................................................................................................46

II.3.1 Previsão de cheia em tempo atual ............................................................................................46

II.3.2 Probabilidade ou risco da inundação ......................................................................................47

II.4 Medidas de controle das inundações ribeirinhas..................................................................48

II.5 Medidas estruturais .....................................................................................................................50

II.5.1 Medidas extensivas ......................................................................................................................50

II.5.2 Medidas Intensivas ......................................................................................................................51 11


SANEAMENTO PARA TODOS

II.6 Medidas não-estruturais .............................................................................................................57

II.6.1 Sistema de previsão e alerta ......................................................................................................58

II.6.2 Zoneamento de áreas inundáveis ............................................................................................59

II.6.3 Construção à prova de enchente ..............................................................................................66

II.6.4 Seguro de inundação ...................................................................................................................66

II.7 Avaliação dos prejuízos das enchentes ..................................................................................67

II.7.1 Curva nível–prejuízo ...................................................................................................................67

II.7.2 Método da curva de prejuízo histórico ...................................................................................68

II.7.3 Equação do prejuízo agregado ..................................................................................................68

III. GESTÃO DAS INUNDAÇÕES NA DRENAGEM URBANA ....................................................72

III.1 Impacto do desenvolvimento urbano no ciclo hidrológico.................................................72

III.2 Impacto ambiental sobre o ecossistema aquático ................................................................74

III.3 Gestão na macrodrenagem que gera impactos......................................................................79

III.3.1 Gestão na drenagem urbana ......................................................................................................79

III.3.2 Gestão inadequada das áreas ribeirinhas em combinação com a drenagem urbana ....81

III.4 Princípios da gestão sustentável ..............................................................................................83

III.5 Tipos de medidas de controle ...................................................................................................84

III.5.1 Medidas de controle distribuído...............................................................................................84

III.5.2 Medidas de controle na microdrenagem e na macrodrenagem .........................................95

IV. GESTÃO INTEGRADA DAS ÁGUAS URBANAS ................................................................. 108

IV.1 Fases da gestão...........................................................................................................................109

IV.2 Visão integrada no ambiente urbano.....................................................................................110

IV.3 Aspectos Institucionais ............................................................................................................114

IV.3.1 Espaço geográfico de gerenciamento ....................................................................................114

IV.3.2 Experiências ................................................................................................................................115

IV.3.3 Legislações...................................................................................................................................115

IV.3.4 Gestão urbana e da bacia hidrográfica .................................................................................117

V PLANO DE ÁGUAS PLUVIAIS ............................................................................................... 138

V.1 Interfaces entre os planos ........................................................................................................138

V.1.1 Gestão ...........................................................................................................................................138

V.1.2 Drenagem urbana e erosão e resíduos sólidos ....................................................................139


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Gestão de águas pluviais urbanas

V.1.3 Recuperação ambiental ...........................................................................................................139

V.2 Estrutura ......................................................................................................................................140

V.2.1 Princípios .....................................................................................................................................140

V.2.2 Objetivos do Plano .....................................................................................................................142

V.2.3 Estratégias ...................................................................................................................................142

V.2.4 Cenários .......................................................................................................................................143

V.3 Medidas ........................................................................................................................................144

V.3.1 Medidas não-estruturais ...........................................................................................................144

V.3.2 Medidas estruturais ...................................................................................................................144

V.4 Produtos .....................................................................................................................................155

V.5 Programas ...................................................................................................................................156

V.5.1 Programa de monitoramento .................................................................................................156

V.5.2 Estudos complementares .........................................................................................................159

VI ESTUDOS DE CASO .................................................................................................................. 166

VI.1 Inundações ribeirinhas em Estrela (RS) .................................................................................166

VI.2 Inundações ribeirinhas e energia em União da Vitória/Porto União ..............................167

VI.2.1 Inundações ..................................................................................................................................167

VI.2.1 Conflito ........................................................................................................................................168

VI.2.2 Medidas de controle .................................................................................................................169

VI.3 Gestão das inundações na região metropolitana de Curitiba...........................................170

VI.3.1 Alternativas de controle ...........................................................................................................170

VI.3.2 Concepção das medidas de controle ....................................................................................172

VI.4 Gestão de inundações em Porto Alegre ................................................................................173

VI.4.1 Descrição ....................................................................................................................................173

VI.4.2 Bacia do Areia .............................................................................................................................175

VI.4.3 Cenário de drenagem na cidade .............................................................................................177

Anexo A ........................................................................................................................................................... 181

Anexo B ............................................................................................................................................................ 186

Anexo C ........................................................................................................................................................... 190

Anexo D ........................................................................................................................................................... 193


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SANEAMENTO PARA TODOS

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Gestão de águas pluviais urbanas

O primeiro capítulo apresenta os diferentes


aspectos da gestão integrada no ambiente urbano,
as suas inter-relações e interfaces e a visão
integrada. Ainda neste capítulo, são destacados
INTRODUÇÃO os dois tipos principais de inundações – ou seja,
os decorrentes da urbanização, da drenagem
urbana e de inundações ribeirinhas –, enquanto o
Este texto foi preparado como base para
segundo capítulo detalha aspectos das inundações
um curso de mesmo título voltado para tomadores
ribeirinhas: avaliação, medidas de controle para
de decisão, profissionais de diferentes áreas de
mitigação dos impactos e gestão dentro das cidades.
conhecimento que, de alguma forma, atuam no
No terceiro capítulo, é apresentada a gestão da
meio ambiente urbano, como administradores,
drenagem urbana, como: estratégias de controle,
legisladores, engenheiros, arquitetos, geólogos,
princípios e medidas de controle sustentáveis
biólogos, entre outros.
em diferentes estágios. No quarto capítulo, são
Os objetivos do curso consistiram em apresentados os elementos da gestão das águas
apresentar uma visão integrada da gestão das pluviais e a sua relação com outros aspectos da
águas pluviais urbanas, na qual se inserem a infra-estrutura urbana na cidade e com o Plano
drenagem urbana e as inundações ribeirinhas da Bacia Hidrográfica no qual está inserida. O
das cidades. Ele não explora os aspectos quinto capítulo, trata dos elementos básicos para
específicos de projeto, mas trata de abordar os o desenvolvimento do Plano de Águas Pluviais,
aspectos estratégicos da gestão e as interfaces enquanto, no sexto capítulo, discute-se alguns
com os diferentes aspectos das águas urbanas e estudos de caso de conflitos e gestão de águas
os outros elementos de planejamento e gestão urbanas, junto com a estrutura de uma proposta
das cidades. de Plano Nacional de Águas Pluviais.

Este curso foi ministrado inicialmente Seguramente o conteúdo deste texto


no Brasil e depois em várias cidades da América não esgota um tema tão amplo que, para a
do Sul, em cooperação com diversas entidades complexa realidade econômica, social, ambiental
nacionais e internacionais, procurando mudar a e climática, exige soluções inovadoras, que se
forma insustentável do desenvolvimento urbano baseiem em princípios da gestão integrada do
e seus impactos no âmbito das águas pluviais. desenvolvimento sustentável.

Prof. Dr. Carlos E. M. Tucci


Instituto de Pesquisas Hidráulicas
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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SANEAMENTO PARA TODOS

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Gestão de águas pluviais urbanas

vida e do meio ambiente. Esse processo é ainda


mais significativo na América Latina, onde a po-
pulação urbana é 77% do total (47,2% no globo).
Existem 44 cidades na América Latina com po-
pulação superior a 1 milhão de habitantes (de
I. ÁGUAS URBANAS um total de 388 cidades do mundo, UN, 2003).
Cerca de 16 megacidades (acima de 10 milhões
Visão integrada dos aspectos da de habitantes) formaram-se no final do século
infra-estrutura urbana que possuem vinte, representando 4% da população mundial,
relação com as inundações urbanas das quais pelo menos quatro estão na América
Latina (tabela 1.1), representando mais de 10%
da população da região.
O desenvolvimento urbano acelerou-se
na segunda metade do século vinte, com gran- O crescimento urbano ocorrido em paí-
de concentração de população em pequenos es- ses em desenvolvimento tem sido significativo
paços, impactando os ecossistemas terrestre e desde a década de 70. Nos países desenvolvidos,
aquático e a própria população com inundações, o crescimento da população estacionou e tende
doenças e perda de qualidade de vida. Esse pro- a diminuir, já que a taxa de natalidade é inferior
cesso ocorre em decorrência da falta de controle a 2,1 filhos por casal, o que mantém a popula-
do espaço urbano, que produz efeito direto sobre ção estável. A recuperação ou a manutenção da
a infra-estrutura de água: abastecimento, esgota- população atualmente ocorre apenas por meio
mento sanitário, águas pluviais (drenagem urba- de migração controlada. Nos países em desen-
na e inundações ribeirinhas) e resíduos sólidos. volvimento, o crescimento é ainda muito gran-
Neste capítulo, são destacados os princi- de, e a projeção das Nações Unidas é de que a
pais processos que integram o conjunto da sus- estabilização da população ocorrerá apenas em
tentabilidade hídrica urbana e as inter-relações 2150. A urbanização é um processo que ocorre
da gestão desta infra-estrutura. No item seguin- em âmbito mundial, com diferenças entre con-
te, são apresentados os aspectos principais da tinentes. Na América Latina, a urbanização tem
urbanização e a ocupação do uso do solo; e a sido alta, com a transferência da população ru-
seguir, são caracterizados os principais ele- ral para as cidades. Esse crescimento tende em
mentos da infra-estrutura das águas urbanas, médio prazo a estabilizar o crescimento demo-
a saber: abastecimento de água, esgotamento gráfico. A previsão é de que em 2010 existirão
sanitário, resíduos sólidos e águas pluviais e os 60 cidades com população acima de 5 milhões,
aspectos de saúde. estando a maioria em países em desenvolvimen-
to. Na tabela 1.1, podem-se observar as cidades
mais populosas do mundo e da América Latina.
I.1 DESENVOLVIMENTO URBANO
A taxa de crescimento da população da
América Latina e do Caribe variaram de 2,1%
I.1.1 Processo de urbanização nos primeiros cinco anos da década de 80, para
1,5% nos primeiros cinco anos do novo milê-
O crescimento urbano nos países em de- nio, e tende a 1,2 para 2015. Isto é reflexo do
senvolvimento tem sido realizado de forma in- processo de urbanização que tende a reduzir a
sustentável, com deterioração da qualidade de taxa de crescimento habitacional. Na figura 1.1, 17
SANEAMENTO PARA TODOS

TABELA 1.1 MAIORES CIDADES DO MUNDO E DA AMÉRICA LATINA (UN, 2003)

Maiores cidades do mundo População (milhões) Maiores cidades da América Latina População (milhões)

Tóquio 26,44 Cidade do México 17,8

Cidade do México 18,07 São Paulo 16,3

São Paulo 17,96 Buenos Aires 12,02

Bombaim 16,09 Rio de Janeiro 10,65

Los Angeles 13,21 Lima 7,44

Calcutá 13,06 Bogotá 6,77

Xangai 12,89 Santiago 5,47

Daka 12,52 Belo Horizonte 4,22

Nova Déli 12,44 Porto Alegre 3,76

é apresentada a proporção do crescimento da pelos países da América do Sul e pelo México


urbanização observado nos países da América venham a se reproduzir na América Central, à
Latina e sua projeção. medida que a tendência de urbanização ocorra.
A América do Sul e o México encontram- Toda a região tenderá, em 2015, a uma propor-
se acima de 70% de urbanização, enquanto a ção de população urbana total de 80,7%, devida,
América Central está ainda em cerca de 50%. principalmente, aos países mais populosos, que
É de se esperar que os problemas enfrentados mantêm taxas maiores de urbanização.
População urbana %

18 Figura 1.1 Urbanização em países da América Latina


Gestão de águas pluviais urbanas

Na tabela 1.2, são apresentados alguns País População População urbana (%)
dos países da América Latina, em ordem de po- (1.000 habitantes)
pulação e sua urbanização em 2000. Na figura Chile 15.402 85,7
1.2, pode-se observar a relação entre a urbaniza- Equador 12.879 62,7
ção e a população dos países. Observam-se duas
Guatemala 11.385 39,4
tendências para os países de menor população,
Bolívia 8.516 64,6
uma para os países de maior renda per capita,
que possuem altas taxas de população urbana, e Honduras 6.485 48,2

outra para os países de renda menor, que pos- El Salvador 6.397 55,2
suem menor população urbana. Paraguai 5.496 56,1

Nicarágua 5.071 53,9


I.1.2 Impactos na infra-estrutura urbana Costa Rica 4.112 50,4

Uruguai 3.337 92,6


Os principais problemas relacionados Panamá 2.856 55,7
com a infra-estrutura e a urbanização nos paí-
Total/Média 483.919 76,14
ses em desenvolvimento, com destaque para a
América Latina são:
• Grande concentração populacional
em pequenas áreas, com deficiência de
sistema de transporte, falta de abaste-
cimento e saneamento, ar e água polu-
ídos, além das freqüentes inundações.
Essas condições ambientais inadequa-
das reduzem as condições de saúde e
a qualidade de vida da população, en-
quanto aumentam os riscos de impac-
tos ambientais, e são as principais limi-
tações ao seu desenvolvimento.
Figura 1.2 Relação entre população e população urbana

TABELA 1.2 POPULAÇÃO E URBANIZAÇÃO NA AMÉRICA LATINA


(CEPAL, 2002) • Aumento da periferia das cidades de
forma descontrolada, em conseqüência
País População População urbana (%) da migração rural em busca de emprego
(1.000 habitantes)
nas cidades. Os airros ocupados por essa
Brasil 172.891 79,9 população geralmente estão desprovidos
México 98.881 75,4 dos seguintes serviços: segurança, infra-
Colômbia 43.070 74,5 estrutura tradicional de água, esgoto,
drenagem, transporte e coleta de resí-
Argentina 37.032 89,6
duos sólidos, além de serem dominados
Peru 25.939 72,3
por grupos de delinqüentes, geralmente
Venezuela 24.170 87,4 19
ligados ao tráfego de drogas.
SANEAMENTO PARA TODOS

• A urbanização é espontânea e o pla- O planejamento urbano é realizado, pra-


nejamento urbano é realizado para as ticamente, para atender à cidade formal. Quan-
áreas da cidade ocupadas pela popu- to à cidade informal, são analisadas apenas ten-
lação de renda média e alta. Sem um dências de ocupação. Os principais problemas
planejamento do espaço, a ocupação relacionados com a infra-estrutura de água no
ocorre sobre áreas de risco, como de ambiente urbano são os seguintes:
inundações e de escorregamento, com • Falta de tratamento de esgoto. A maio-
freqüentes mortes durante o período ria das cidades da região não possui tra-
chuvoso. Somente no mês de janeiro tamento de esgoto e lança os efluentes
de 2004, 84 pessoas morreram no Bra- na rede de esgotamento pluvial, que es-
sil em virtude de eventos relacionados coa pelos rios urbanos;
com as inundações. Parte importante
• Falta de drenagem urbana. Algumas ci-
da população vive em algum tipo de fa-
dades chegaram a desenvolver redes de
vela. Portanto, existe a cidade formal e
esgotamento sanitário (muitas vezes sem
a informal. A gestão urbana geralmen-
tratamento), mas não implementaram a
te atinge somente a primeira.
rede de drenagem urbana, sofrendo fre-
Nas últimas décadas, os problemas da qüentes inundações com o aumento da
urbanização vêm ocorrendo por um ou mais fa- impermeabilização;
tores, destacando-se entre eles:
• Ocupação do leito de inundação ribeiri-
• Migrantes de baixa renda e sem capaci- nha, provocando freqüentes inundações;
dade de investimento. Essa população ca-
• Impermeabilização e canalização dos
rente tende, então, a invadir áreas públicas
rios urbanos, com aumento da vazão de
ou a comprar áreas precárias para estabe-
cheia (até sete vezes) e de sua freqüência;
lecimento de edificações, sem infra-estru-
e aumento da carga de resíduos sólidos e
tura da urbanização informal. Formam-se,
da qualidade da água pluvial sobre os rios
assim, as chamadas áreas de risco de inun-
próximos das áreas urbanas;
dação ou de deslizamento;
• Deterioração da qualidade da água
• Déficit de emprego, baixa renda e pou-
em virtude da falta de tratamento dos
co poder aquisitivo de moradia;
efluentes, criando potenciais riscos ao
• Legislações equivocadas de controle do abastecimento da população em vários
espaço urbano; cenários, entre os quais a ocupação da
• Incapacidade do município de planejar áreas de contribuição de reservatórios
e antecipar a urbanização e investir no de abastecimento urbano, que, eutrofiza-
planejamento de espaços seguros e ade- dos, podem produzir riscos à saúde da
quados como base do desenvolvimento população.
urbano; • Carência de uma gestão organizacional
• Crise econômica em geral. que integre o solo urbano a sua infra-es-
O município consegue apenas controlar trutura.
as áreas de médio e alto valor econômico, com Com efeito, grande parte dos problemas
regulamentação do uso do solo, onde estabelece identificados foi gerada por um ou mais dos fa-
20 a cidade formal. tores destacados a seguir:
Gestão de águas pluviais urbanas

(a) Falta de conhecimento: da popula- I.2 SISTEMAS HÍDRICOS URBANOS


ção e dos profissionais de diferentes áreas
que não possuem informações adequadas
Os principais sistemas relacionados com
sobre a fonte dos problemas e suas causas.
a água no meio ambiente urbano são:
As decisões resultam em custos altos, de que
se aproveitam apenas algumas empresas, • mananciais de águas;
para aumentar os seus lucros. Por exemplo, • abastecimento de água;
o uso de canalização para drenagem, prá-
• saneamento de efluentes cloacais;
tica sabidamente generalizada na região, é
extremamente onerosa e geralmente tende a • controle da drenagem urbana;
aumentar os problemas em vez de solucioná- • controle das inundações ribeirinhas.
los. A própria população contribui, inadver- Mananciais das águas urbanas são as fon-
tidamente para isso, pois, quando enfrenta tes de água para abastecimento humano, animal
algum problema de inundação, solicita à Ad- e industrial. Essas fontes podem ser superficiais
ministração a execução de um canal para o e subterrâneas. Os mananciais superficiais são
controle da inundação. Com a construção do os rios próximos às comunidades. A disponibili-
canal, a inundação é transferida para jusan- dade de água nesse sistema varia sazonalmente,
te, afetando outra parte da população. O em- ao longo dos anos, e algumas vezes a quanti-
prego desse tipo de obra supera em até 10 dade de água disponível não é suficiente para
vezes outras medidas mais racionais e mais atender à demanda, sendo, muitas vezes, neces-
sustentáveis; sário construir um reservatório para garantir
(b) Concepção inadequada dos profis- a disponibilidade hídrica para a comunidade.
sionais de engenharia sobre planejamento e Os mananciais subterrâneos são os aqüíferos
controle dos sistemas. Uma parcela importan- que armazenam água no subsolo e permitem o
te dos engenheiros que atuam no meio urbano atendimento da demanda por meio do bombe-
está desatualizada quanto à visão ambiental amento dessa água. O uso da água subterrânea
e geralmente busca soluções estruturais, que depende da capacidade do aqüífero e da deman-
alteram o ambiente, criando um excesso de da. Assim, a água subterrânea é utilizada geral-
áreas impermeáveis e, conseqüentemente, ele- mente para cidades de pequeno e médio portes,
vação de temperatura, inundações, poluição, pois depende da vazão de bombeamento que o
entre outros; aqüífero permite retirar sem comprometer seu
c) Visão setorizada do planejamento balanço de entrada e saída de água.
urbano. O planejamento e o desenvolvimento O abastecimento de água envolve a uti-
das áreas urbanas são realizados desprezan- lização da água disponível no manancial, que
do os aspectos relacionados com os diferentes é transportada até a estação de tratamento de
componentes da infra-estrutura de água. Uma água (ETA) e depois distribuída à população,
parte importante dos profissionais que atuam por uma rede. Esse sistema implica elevados in-
na área possui uma visão setorial limitada. vestimentos, geralmente públicos, para garantir
d) Falta de capacidade gerencial. Os mu- água em quantidade e qualidade adequada.
nicípios não possuem estrutura para o planeja- O saneamento de efluentes de esgoto sa-
mento e o gerenciamento adequado dos diferen- nitário é o sistema de coleta dos efluentes (re-
tes aspectos da água no meio urbano. sidenciais, comerciais e industriais), ou seja, o 21
SANEAMENTO PARA TODOS

transporte desse volume, seu tratamento numa resultado do aumento da população, da indus-
Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) e o des- trialização, da agricultura e da contaminação.
pejo da água tratada de volta ao corpo hídrico. Quando comparados os usos, a quantidade de
A drenagem urbana consiste na rede de água disponível e a necessidade humana, pode-
coleta da água (e de resíduos sólidos), que se ori- se, erroneamente, concluir que existe água sufi-
gina da precipitação sobre as superfícies urba- ciente. No entanto, a água encontra-se distribu-
nas, e no seu tratamento e no retorno aos rios. ída no planeta com grande variação temporal
e espacial. Existem várias regiões vulneráveis,
O gerenciamento das inundações ribeiri-
onde cerca de 460 milhões de pessoas (apro-
nhas trata de evitar que a população seja atingida
ximadamente 8% da população mundial) estão
pelas inundações naturais. Os rios, nos períodos
vulneráveis à falta freqüente de água e cerca de
chuvosos, saem do seu leito menor e ocupam
25% estão indo para o mesmo caminho. A ta-
o leito maior, dentro de um processo natural.
bela 1.3 apresenta um resumo de atendimento
Como isso ocorre de forma irregular ao longo do
de água utilizado por organizações ligadas às
tempo, a população tende a ocupar o leito maior,
Nações Unidas.
ficando sujeita ao impacto das inundações.
O ciclo hidrológico natural é constituído
por diferentes processos físicos, químicos e bio-
I.3 DISPONIBILIDADE HÍDRICA lógicos. Quando o homem atua sobre esse sis-
tema e concentra-se no espaço, produz grandes
Todos os componentes dos sistemas hí- alterações, que mudam dramaticamente esse
dricos estão fortemente inter-relacionados den- ciclo, trazendo consigo impactos significativos
tro do ambiente urbano. Nos últimos anos, es- (muitas vezes de forma irreversível) para o pró-
tamos passando por um cenário em que valores prio homem e a natureza.
essenciais à nossa vida, que somente damos a
devida importância quando nos faltam, como a TABELA 1.3 PROPORÇÃO DE ACEITÁVEL (IMPROVED1)
água e a luz, podem estar em risco de suprimen- ABASTECIMENTO E SANEAMENTO DE ÁREAS URBANAS (WHO E
UNICEF JMP, 2002)
to por um tempo maior do que estamos acostu-
mados a suportar. Será que estamos voltando
Região Abastecimento Saneamento3
à época de nossos avós em que a infra-estrutu- de água2
ra era ainda precária? São dúvidas que passam
África 86 80
pela cabeça de muitas pessoas, com a avalanche
Ásia 93 74
de informações, muitas vezes desencontradas,
que aparecem na mídia. América Latina e 94 86
Caribe
Em nosso planeta, o total de água glo-
Oceania 98 86
balmente retirado de rios, aqüíferos e outras
Europa 100 99
fontes aumentou cerca de nove vezes, enquan-
to o uso por pessoa dobrou e a população está América do Norte 100 100

três vezes maior. Em 1950, as reservas mun- Global 95 83


diais representavam 16,8 mil m3/pessoa; atual-
mente esta reserva reduziu-se para 7,3 mil m3/ 1
É uma definição qualitativa genérica para a água fornecida
e disposta sem contaminar a população. Não é o mesmo que
pessoa, e espera-se que venha a se reduzir para safe, água segura, que deveria se basear em medida quantita-
22 4,8 mil m3/pessoa nos próximos 25 anos, como tiva de indicadores;
Gestão de águas pluviais urbanas

2
“Abastecimento de água” é entendido pelos autores como o luindo os rios e deixando para a natureza a fun-
atendimento de água à população;
ção de recuperar sua qualidade. Os impactos
3
– “Saneamento” é entendido pelos autores como a disposição eram menores em virtude do baixo volume de
do esgoto em redes ou no solo, não envolvendo necessaria- esgoto despejado em comparação com a capa-
mente a coleta e o tratamento.
cidade de diluição dos rios. Com o aumento da
urbanização e com o uso de produtos químicos
Um dos primeiros impactos é o risco da na agricultura e no ambiente em geral, a água
escassez quantitativa de água. A natureza tem utilizada nas cidades, nas indústrias e na agri-
mostrado que a água que escoa nos rios (e de- cultura retorna aos rios totalmente contaminada
pende das chuvas) é aleatória e varia muito en- e em grande quantidade. Além disso, com o au-
tre o período úmido e o de estiagens. A história mento da população, sempre haverá uma cidade
mostra que o homem sempre procurou controlar a montante e outra a jusante, contaminando o
essa água para seu benefício por meio de obras manancial superficial, as diferentes camadas do
hidráulicas. Essas obras procuram reduzir a es- subsolo e o manancial subterrâneo.
cassez e o risco de falta de água pela regulariza- A conseqüência da expansão sem uma vi-
ção das vazões, aumentando a disponibilidade são ambiental é a deterioração dos mananciais
ao longo do tempo. e a redução da cobertura de água segura para a
No passado, quando as cidades eram me- população, ou seja, a escassez qualitativa (ver,
nores, a população retirava água a montante do na figura 1.3, o ciclo de contaminação das cida-
rio e despejava, sem tratamento, a jusante, po- des). Esse processo necessita de diferentes ações

Figura 1.3 Ciclo de contaminação 23


SANEAMENTO PARA TODOS

preventivas de planejamento urbano e ambien- I.4 AVALIAÇÃO DOS COMPONENTES DAS


tal, visando minimizar os impactos e buscar o ÁGUAS URBANAS
desenvolvimento sustentável.
Os riscos de inundação e a deteriorização I.4.1 Contaminação dos mananciais
da qualidade da água nos rios próximos às cida-
des de países em desenvolvimento, e mesmo em
países desenvolvidos, é um processo dominante O desenvolvimento urbano tem produ-
no final do século vinte e no início do século zido um ciclo de contaminação gerado pelos
vinte e um. Isso se deve a: efluentes da população urbana, que são o esgo-
to doméstico/industrial e o esgoto pluvial (figu-
• contaminação dos mananciais superfi-
ra 1.3). Esse processo ocorre em virtude do:
ciais e subterrâneos pelos efluentes ur-
banos, como o esgoto cloacal, pluvial e • despejo sem tratamento dos esgotos
os resíduos sólidos; cloacais nos rios, contaminando os rios
que possuem capacidade limitada de di-
• disposição inadequada dos esgotos
luição. Isso ocorre ´por conta da falta de
cloacais, pluviais e resíduos sólidos nas
investimentos nos sistemas de esgota-
cidades;
mento sanitário e de estações de trata-
• inundações nas áreas urbanas resultan-
mento que, quando existem, apresentam
tes da urbanização;
baixa eficiência;
• erosão e sedimentação, gerando áreas
• despejo dos esgotos pluviais, que
degradadas;
transportam grande quantidade de po-
• ocupação de áreas ribeirinhas, com risco luição orgânica e de metais, que atinge
de inundações e de áreas de grandes incli- os rios nos períodos chuvosos. Essa é
nações, como morros urbanos, sujeitos a uma das mais importantes fontes de
deslizamentos após período chuvoso. poluições difusa;
A maioria desses problemas é conseqü- • contaminação das águas subterrâneas
ência de uma visão distorcida sobre o controle por despejos industriais e domésticos,
da águas pluviais por parte da comunidade e de através das fossas sépticas, do vaza-
profissionais, que ainda priorizam projetos loca- mento dos sistemas de esgoto sanitário
lizados, sem uma visão da bacia, e dos aspectos e pluvial;
sociais e institucionais urbanos. Paradoxalmen-
• depósitos de resíduos sólidos urbanos,
te, são exatamente os países em desenvolvimen-
que contaminam as águas superficiais e
to e os mais pobres que optam por ações eco-
as subterrâneas, funcionando como fon-
nomicamente insustentáveis, como as medidas
te permanente de contaminação;
estruturais, enquanto os países desenvolvidos
buscam prevenir os problemas com medidas • ocupação do solo urbano sem controle
não-estruturais, que, além de mais econômicas, do seu impacto sobre o sistema hídrico.
mantêm um desenvolvimento sustentável. Esse Com o tempo, áreas antes bem abasteci-
cenário é decorrência de deficiente estrutura das tendem a reduzir a qualidade da sua água
institucional dos países em desenvolvimento, ou a exigir maior tratamento químico da água
que gerenciam de forma inadequada uma com- fornecida à população. Portanto, mesmo existin-
24 plexa área intersetorial da sociedade moderna. do hoje uma boa cobertura do abastecimento de
Gestão de águas pluviais urbanas

água no Brasil, ela pode ficar comprometida se da contaminação nas águas subterrâ-
medidas de controle do ciclo de contaminação neas devem ser examinados quando da
não forem tomadas. escolha do local do aterro;
Muitas cidades utilizam reservatórios ur-
banos para regularizar a demanda de água de TABELA 1.4 LEGISLAÇÃO DE PROTEÇÃO DE ÁREAS DE
uma comunidade. Como os reservatórios en- MANANCIAIS NO BRASIL.
contram-se próximos das cidades, existe grande
pressão de ocupação urbana da bacia hidrográfi-
A legislação de proteção de mananciais aprovada
ca a montante do reservatório. Infelizmente, os na maioria dos estados brasileiros protege a bacia
municípios possuem pouca capacidade de fisca- hidrográfica utilizada para abastecimento das cidades.
Nessas áreas, é proibido qualquer uso do solo urbano
lização, e favorecem, involuntariamente, lotea- que possa comprometer a qualidade da água de
mentos irregulares ou clandestinos nas áreas de abastecimento.

mananciais. No Brasil, a legislação de proteção


de áreas de manancial foi criada para proteger Entretanto, por conta do crescimento das cidades,
essas áreas, mas ironicamente incentiva o con- essas áreas foram pressionadas à ocupação, tendo
por motivação o valor imobiliário da vizinhança e a
trário (ver tabela 1.4). falta de interesse do proprietário em proteger a área,
já que, além de ela ter perdido valor em decorrência
Em conseqüência dessa ocupação e da da legislação, ainda obrigava o proprietário a pagar
falta de tratamento dos esgotos, a carga po- impostos sobre ela. Essas áreas foram então invadidas
pela população de baixa renda, trazendo, como
luidora chega diretamente ao reservatório, conseqüência imediata, o aumento da poluição. Aliás,
aumentando a probabilidade de eutrofização muitos proprietários incentivaram a invasão com a
intenção de vender a propriedade ao poder público.
(riqueza em nutrientes). Com o reservatório
eutrófico, aumenta a produção de algas que
A principal lição que se pode tirar desse cenário é
consomem os nutrientes. Essas algas produ-
que, ao se declarar de utilidade pública a bacia
zem toxinas que, absorvidas pelo homem, hidrográfica do manancial, ela deveria ser adquirida,
atuam de forma cumulativa sobre o fígado, in- concomitantemente, pelo poder público, ou se deveria
estabelecer um valor econômico para a propriedade
duzindo doenças que podem ser fatais, princi- por meio da geração de mercado indireto para a
palmente nos casos que implicam hemodiálise área, ou ainda criar benefícios para o proprietário, para
compensar a proibição pelo uso delas e incentivá-lo a
(típico exemplo do caso Caruaru, com vários preservá-la.
casos fatais provocados pela diálise). As toxi-
nas também se acumulam no fundo dos lagos,
dos quais alguns peixes também se alimentam. • Grande parte das cidades brasileiras
O tratamento de água tradicional não remove utiliza fossas sépticas como destino fi-
essas toxinas. nal do esgoto. Esse sistema tende a con-
As principais fontes de contaminação taminar a parte superior do aqüífero.
dos aqüíferos urbanos são: Essa contaminação pode comprometer
• Aterros sanitários contaminam as o abastecimento de água urbana quando
águas subterrâneas pelo processo na- existe comunicação entre diferentes ca-
tural de precipitação e infiltração. madas dos aqüíferos, por intermédio de
Deve-se evitar que sejam construídos percolação e de perfuração inadequada
aterros sanitários em áreas de recarga dos poços artesianos;
e deve-se procurar escolher as áreas • A rede de drenagem pluvial pode con-
com baixa permeabilidade. Os efeitos taminar o solo por meio de perdas de 25
SANEAMENTO PARA TODOS

volume no seu transporte e até por en- ta e, não, coleta e tratamento), representando
tupimento de trechos da rede que pres- cerca de 33% da população. Em quatro anos,
sionam a água contaminada para fora do 70 milhões receberam saneamento, mas a po-
sistema de cond utos. pulação cresceu em velocidade maior, aumen-
tando a proporção de pessoas sem acesso para
37% (Wright, 1997).
I.4.2 Abastecimento de água e saneamento
Em muitas cidades da América do Sul,
os serviços de água representam problemas
O acesso à água e ao saneamento reduz, crônicos, como perda de água na distribuição e
em média, 55% da mortalidade infantil (WRI, falta de racionalização de uso da água na área
1992). A implementação da infra-estrutura de doméstica e na industrial. As cidades perdem
abastecimento e saneamento é essencial para de 30% a 65% da água colocada no sistema de
um adequado desenvolvimento urbano. distribuição. Na tabela 1.5, pode-se observar a
Em 1990, os países em desenvolvimen- diferença de perdas na rede das cidades dos
to possuíam um abastecimento de água que países desenvolvidos em relação à perda nas
atendia a cerca de 80% da população, e apenas cidades da América do Sul, apesar do consu-
10% dessa população era atendida pelo siste- mo per capita maior. Quanto à falta de água, a
ma de saneamento. Mesmo com a cobertura tendência é buscar novos mananciais sem que
de 80% da população, 1 bilhão de pessoas não sejam reduzidas as perdas e desenvolvidos mé-
tinha acesso à água limpa. Nesse período, 453 todos de racionalização.
milhões de pessoas não tinham acesso ao sa- Na tabela 1.6, é descrito um exemplo de
neamento (entendido aqui como apenas cole- racionalização do uso de água em Nova Iorque.

TABELA 1.5 VALORES DE CONSUMO E PERDAS NA REDE (WORLD BANK,1996)

Local Ano Consumo Perdas na rede


(litros /pessoa/dia) (%)

Brasil (média) 1989 151 39

Brasília 1989 211 19

São Paulo 1988/1992 237 40

Sta. Catarina 1990 143 25

Minas Gerais 1990 154 25

Santiago 1994 204 28

Bogotá 1992/1991 167 40

Costa Rica 1994 197 25

Canada (média) 1984 431 15

USA (média) 1990 666 12

Tóquio 1990 355 15


26
Gestão de águas pluviais urbanas

A cidade de Las Vegas criou subsídios para tro- TABELA 1.7 ACESSO, EM PERCENTUAL, AO SANEAMENTO*
(WORLD BANK, 1999)
car a grama por uma vegetação mais adaptada
ao deserto, que consume pouca água. A cida-
País 1982 (%) 1995 (%)
de de Denver não conseguiu aprovação para
Argentina 76 80
a construção de novas barragens para atendi-
mento do aumento da demanda de água, e foi Bolívia 51 77

obrigada a racionalizar seu uso e a comprar di- Brasil 33 74


reitos de uso de agricultores. Chile 79 95
O desenvolvimento de várias cidades Colômbia 96 70
da América do Sul tem sido realizado com Equador 79 70
moderada cobertura de redes de coleta de es-
Paraguai 66 20
goto, além da quase total falta de tratamento
Peru 67 78
de esgoto (tabela 1.7). Inicialmente, quando a
cidade tem pequena densidade, é utilizada a Uruguai 59 56
fossa séptica para disposição do esgoto. À me- Venezuela 57 74
dida que a cidade cresce e o poder público não
investe no sistema, o esgoto sanitário de dife- * Acesso a saneamento indica a parcela da população que tinha
coleta de esgoto, seja por rede pública, seja por disposição local
rentes origens é conectado à rede pluvial. Esse
escoamento converge para os rios urbanos e o
sistema fluvial de jusante, gerando os conhe- Mesmo nos países onde existe coleta e
cidos impactos na qualidade da água. Veja os tratamento de esgoto, pouco se conhece da sua
dados da tabela 1.8 de cobertura no Brasil. eficiência e do grau de contaminação para ju-
sante. Esse processo pode se agravar com a pri-
vatização, caso o poder concedente não tenha
TABELA 1.6 RACIONALIZAÇÃO DO USO DA ÁGUA
(SCIENTIFICAL AMERICAN, 2001) capacidade de fiscalização adequada.
No Brasil, as empresas de saneamento,
A cidade de Nova Iorque, no início dos anos 90, nos últimos anos, têm investido em redes de co-
enfrentou uma crise de abastecimento de água, leta de esgoto e em estações de tratamento, mas
motivo por que necessitou aumentar sua oferta de
água. A cidade de mais 90 milhões de galões de continua muito pequena a parcela do volume
água a cada dia (340 milhões de m3), cerca de 7% gerado pelas cidades que efetivamente é tratada
do uso total da cidade. A alternativa era gastar mais
US $ 1 bilhão para bombear água do rio Hudson, mas antes de chegar ao rio. Esses problemas evocam
a cidade optou pela redução da demanda. as seguintes questões:
• Quando as redes de esgoto são imple-
Em 1994, foi iniciado um programa de mentadas ou projetadas, muitas vezes não
racionalização, com investimento de US $ 295 foi prevista a ligação da saída das habita-
milhões, para substituir 1/3 de todas as instalações
dos banheiros da cidade. Cada banheiro utilizava ções ou dos condomínios às redes. Dessa
dispositivo que consumia cerca de 5 galões por forma, as redes não coletam o esgoto pro-
descarga, tendo sido substituído por um dispositivo
de 1,6 galão. Em 1997, quando o programa jetado e as estações não recebem o esgoto
terminou, 1,33 milhão de dispositivos foi substituído para o qual têm capacidade. Nesse caso,
em 110.000 edifícios, com 29% de redução de
consumo de água por edifício, reduzindo o consumo conclui-se que ou o projeto foi elaborado
de 70 a 90 milhões de galões por dia. de forma inadequada ou não foi executa-
do como deveria. Como o esgoto continua 27
SANEAMENTO PARA TODOS

TABELA 1.8 SITUAÇÃO BRASILEIRA, EM PERCENTUAL, COM RELAÇÃO AO ABASTECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTAMENTO SANITÁRIO (IBGE, 1997)

População atendida (%)


Tipo de serviço
Brasil Urbana Rural

Abastecimento de água:
Rede geral 75,93 90,56 19,91
Outro 24,07 9,44 80,09

Esgotamento sanitário:
Rede coletora 37,83 46,79 3,50
Fossa séptica 23,03 25,45 13,75
Outro 27,70 23,59 43,48
Não tinham 11,43 4,17 39,26

escoando pelo pluvial para o sistema flu- I.4.3 Resíduos sólidos


vial, o impacto ambiental continua alto. A
conclusão é que os investimentos públi-
Os dois tipos principais de resíduos são
cos são realizados de forma inadequada,
os sedimentos gerados pela erosão do solo
atendendo apenas às empresas que exe-
em decorrência do efeito da precipitação e
cutam as obras e, não, à sociedade, que
do sistema de escoamento; e os resíduos pro-
aporta os recursos, e o meio ambiente que
duzidos pela população. A soma desses dois
necessita ser conservado;
componentes é chamada de “sólidos totais” ou
• Como uma parte importante das em- “resíduos sólidos”.
presas cobra pelos serviços de coleta No desenvolvimento urbano, são obser-
e tratamento, mesmo sem que o tra- vados alguns estágios distintos da produção de
tamento seja realizado, que interesse material sólido na drenagem urbana (Tdr), que
econômico teriam em completar a co- são os seguintes:
bertura de coleta e do tratamento do
(a) Estágio de pré-desenvolvimento: a
esgoto? Outro cenário freqüente é o
bacia hidrográfica naturalmente produz uma
de aumentar a coleta sem tratamento,
quantidade de sedimentos transportada pelos
agravando o problema, considerando
rios em razão das funções naturais do ciclos
que concentra a poluição nos rios. Da hidrológicos;
mesma forma, qual o interesse de uma
(b) Estágio inicial de desenvolvimento
empresa melhorar sua eficiência na
urbano: quando ocorre modificação da cober-
redução das perdas, se ela pode trans-
tura da bacia, pela retirada da sua proteção
ferir os custos para o preço final? Ob-
natural, o solo fica desprotegido e a erosão au-
serva-se, ademais, falta de indicadores
menta no período chuvoso, aumentando tam-
de eficiência para os serviços;
bém a produção de sedimentos. São exemplos
• Quando for implementado o sistema de dessa situação: solo desprotegido enquanto
cobrança pela poluição, a quem caberá o um loteamento é implementado; ruas sem pa-
ônus de pagar as penas previstas para a vimento; erosão decorrente do aumento da ve-
28 poluição gerada? locidade do escoamento a montante por áreas
Gestão de águas pluviais urbanas

urbanizadas; na construção civil, por falta de O volume de resíduos sólidos que chega
manejo dos canteiros de obras; e áreas onde à drenagem depende da eficiência dos serviços
ocorre grande movimentação de terra. Todo urbanos e de fatores diversos, como: freqüên-
esse volume é transportado pelo escoamento cia e cobertura da coleta de lixo, freqüência da
superficial até os rios. Nessa fase, existe pre- limpeza das ruas, reciclagem, forma de dispo-
dominância de sedimentos e pequena produ- sição do lixo pela população e freqüência da
ção de lixo; precipitação.
(c) Estágio intermediário: quando parte Coletado: A produção de lixo coletado
da população está estabelecida, e ainda existe no Brasil é da ordem de 0,5 a 0,8 kg/pessoa/
importante movimentação de terra resultante dia. Os valores maiores são de população de
de novas construções. Por conta da população maior renda, enquanto os menores, de popu-
estabelecida, existe também uma parcela de re- lação de menor renda. O total coletado médio
síduos sólidos que se soma aos sedimentos; no Brasil em 2000 era de 125.281 toneladas,
(d) Estágio de área desenvolvida: nesta correspondendo a um valor médio de 0,74 kg/
fase, praticamente todas as superfícies urbanas hab./dia (IBGE,2002).
estão consolidadas, resultando numa produção Limpeza das ruas: Em San José, Califór-
residual de sedimentos provocada pelas áreas nia, o lixo que chega à drenagem foi estimado
não-impermeabilizadas, mas a produção de lixo em 1,8 kg/pessoa/ano. Após a limpeza das ruas,
urbano chega ao seu máximo, com a densifica- resultou em 0,8 kg/pessoa/ano na rede (Larger
ção urbana. et al., 1977). Segundo Armitage et al. (1998),
cerca de 3,34 m3/ha/ano são retirados das ruas
A produção de resíduos é a soma do total
pela limpeza urbana em Springs, África do Sul,
coletado nas residências, indústrias e comércio,
dos quais 0,71 m3/ha/ano (82 kg/ha/ano) acaba
somado ao total coletado nas ruas e o que pro-
na drenagem.
vém da drenagem. Assim:
Resíduos totais na drenagem: Neves
(2005) apresenta um resumo de carga de resí-
TR = Tc + Tl + Tdr (1.1) duos totais na drenagem estimado em alguns
países, e reproduzido na a tabela 1.9. Os valo-
Onde o TR é o total (em volume ou em res variam consideravelmente em função dos
peso) produzido pela sociedade e pelo ambien- outros fatores relacionados com a coleta resi-
te; Tc é o total coletado; Tl é o total da limpeza dencial e a limpeza das ruas, além do tipo de
urbana; e Tdr é o total que chega na drenagem. uso das áreas. No Brasil, esses dados ainda são
Os dois primeiros volumes podem ser recicla- limitados.
dos, diminuindo o volume para ser disposto no A composição dos resíduos totais que
ambiente. Se os sistemas de coleta e limpeza chegam à drenagem varia de acordo com o nível
urbana forem ineficientes, o volume de Tdr au- de urbanização entre os sedimentos e o lixo. Na
mentará, com conseqüência para a drenagem e última década, houve um visível incremento de
o meio ambiente: para a drenagem, por causa lixo urbano resultante de embalagens plásticas,
da obstrução ao escoamento; e para o ambiente, que possuem baixa reciclagem. Os rios e todo o
pela sua degradação. O material sólido urbano sistema de drenagem ficam cheios de garrafas
não coletado representa subsídio ambiental re- do tipo pet, além das embalagens de plásticos
cebido pela sociedade que polui. de todo tipo. 29
SANEAMENTO PARA TODOS

TABELA 1.9 RESÍDUOS SÓLIDOS NA DRENAGEM e lagos urbanos. Por exemplo, a Lagoa
(ADAPTADO DE NEVES, 2005)
da Pampulha (em Belo Horizonte) é um
exemplo de um lago urbano que tem sido
Peso Volume
Descrição da área assoreado. O Arroio Dilúvio, em Porto
(kg/ha/ano) (10-3m3/ha/ano)
Alegre, em razão de sua largura e de sua
Springs (África do Sul):
299 ha, dos quais pequena profundidade, durante as estia-
85% são comerciais e 67 0,71 gens, tem depositado no canal a produ-
industriais e 15% são
residenciais ção de sedimentos da bacia e criado ve-
getação, reduzindo, assim, a capacidade
Johannesburg (centro de escoamento durante as enchentes;
da cidade): 8 km2,
48 0,50
áreas com comércio, • transporte de poluente agregado ao sedi-
indústrias e residências
mento, que contamina as águas pluviais.

Sidney (Austrália):
322,5 ha, áreas com
22 0,23 I.4.4 Escoamento pluvial
comércio, indústrias e
residências

Auckland (Austrália): 2,8% O escoamento pluvial pode produzir


Residencial, 5,2 61,7%
0,029 inundações e impactos nas áreas urbanas resul-
haComercial, 7,2 ha 26,1%
Industrial, 5,3 ha 12,2% tantes de dois processos, que ocorrem isolada-
mente ou combinados, quais sejam:
Cidade do Cabo
(área central): 96% Inundações de áreas ribeirinhas: são
de residências, 5% de 18 0,08
inundações naturais que ocorrem no leito maior
área industrial e 5% de
área residencial dos rios, derivadas das variabilidades temporal
e espacial da precipitação e do escoamento na
bacia hidrográfica;
As principais conseqüências ambientais
Inundações resultantes da urbanização:
da produção de sedimentos são as seguintes: são inundações que ocorrem na drenagem urba-
• assoreamento das seções de canaliza- na por conta do efeito da impermeabilização do
ções da drenagem, com redução da capa- solo, da canalização do escoamento ou da obs-
cidade de escoamento de condutos, rios truções ao escoamento.

30 Figura 1.4 Características dos leitos do rio


Gestão de águas pluviais urbanas

Inundações de áreas ribeirinhas • interrupção da atividade econômica


das áreas inundadas;

Os rios geralmente possuem dois leitos: • contaminação por doenças de veicula-


ção hídrica, como leptospirose, cólera,
o leito menor e o maior. No leito menor, onde
entre outras;
a água escoa na maioria do tempo, é limitado
pelo risco de 1,5 a 2 anos. Tucci e Genz (1994) • contaminação da água pela inundação
obtiveram um valor médio de 1,87 ano para os de depósitos de material tóxico, estações
rios do Alto Paraguai. As inundações ocorrem de tratamentos entre outros.
quando o escoamento atinge níveis superiores O gerenciamento atual não incentiva a
ao leito menor, atingindo o leito maior. As cotas prevenção destes problemas, já que, à medida
do leito maior identificam a magnitude da inun- que ocorre a inundação, o município declara ca-
dação e seu risco. Os impactos resultantes da lamidade pública e recebe recursos a fundo per-
inundação ocorrem quando essa área de risco dido, e não necessita realizar concorrência pú-
é ocupada pela população (figura 1.4). Esse tipo blica para gastar. Como a maioria das soluções
de inundação geralmente ocorre em bacias mé- sustentáveis passa por medidas não-estruturais,
dias e grandes (> 100 km2). que envolvem restrições à população, dificilmen-
te um prefeito optará por essa solução, porque
A inundação do leito maior dos rios é
geralmente a população associa uma boa gestão
um processo natural, como decorrência do ci-
ao número de obras construídas. Ademais, para
clo hidrológico das águas. Quando a população
implementar medidas não-estruturais, o pre-
ocupa o leito maior, que são áreas de risco, os
feito teria que interferir em interesses de pro-
impactos são freqüentes. Essas condições resul-
prietários de áreas de risco, tendo de enfrentar
tam das seguintes ações:
questões complicadas e de baixa receptividade.
• no Plano Diretor de Desenvolvimento
Para buscar modificar este cenário, é ne-
Urbano geralmente não existe nenhuma
cessário um programa estadual, voltado à edu-
restrição quanto à ocupação das áreas de
cação da população, além de atuação junto aos
risco de inundação; a seqüência de anos
bancos que financiam obras em áreas de risco.
sem enchentes é razão suficiente para
que empresários desmembrem tais áreas
para ocupação urbana; Inundações decorrentes da urbanização

• invasão de áreas ribeirinhas, que per-


tencem ao poder público, pela população As enchentes aumentam a sua freqüên-
de baixa renda; cia e magnitude por causa da impermeabiliza-
• ocupação de áreas de médio risco, que ção do solo e da construção da rede de condutos
são atingidas com freqüência menor, pluviais. O desenvolvimento urbano pode tam-
mas que, quando o são, sofrem prejuízos bém produzir obstruções ao escoamento, como
significativos. aterros, pontes, drenagens inadequadas, obstru-
ções ao escoamento junto a condutos e assorea-
Os principais impactos sobre a popula-
mento. Geralmente, essas inundações são vistas
ção são: como de âmbito local porque envolvem bacias
• prejuízos de perdas materiais e hu- pequenas (com menos de 100 km2), e mais fre-
manos; qüentemente bacias com mais de 10 km2. 31
SANEAMENTO PARA TODOS

À medida que a cidade se urbaniza, em


geral, ocorrem os seguintes impactos:
• aumento das vazões máximas, em até
7 vezes (figura 1.5), e da sua freqüência,
por conta do aumento da capacidade de
escoamento por condutos e canais e pela
impermeabilização das superfícies;
• aumento da produção de sedimentos
resultante da falta de proteção das su-
perfícies e da produção de resíduos só-
lidos (lixo);
• deterioração da qualidade da água su-
perficial e subterrânea, em virtude da la-
vagem das ruas, do transporte de mate- Figura 2.3 Aumento do pico em função da
proporção de área impermeável e da canalização
rial sólido e das ligações clandestinas de
do sistema de drenagem (Leopold, 1968)
esgoto cloacal e pluvial;
• implantação desorganizada da infra-es-
Qualidade da água pluvial
trutura urbana, tais como: (a) construção
de pontes e taludes de estradas que obs-
truem o escoamento; (b) redução de seção A quantidade de material suspenso na
do escoamento por aterros de pontes e drenagem pluvial apresenta uma carga muito
para construções em geral; (c) deposição e alta em virtude das vazões envolvidas. Esse
obstrução de rios, canais e condutos com volume é mais significativo no início das en-
lixos e sedimentos; (d) projetos e obras de chentes. Os primeiros 25 mm de escoamento
drenagem inadequadas, com diâmetros superficial geralmente transportam grande
que diminuem para jusante; (e) drenagem parte da carga poluente de origem pluvial
sem esgotamento, entre outros. (Schueller, 1987).

TABELA 1.10 VALORES MÉDIOS DE PARÂMETROS DE QUALIDADE DE ÁGUAS PLUVIAIS (MG/L) EM ALGUMAS CIDADES

APWA 5
Parâmetro Durham 1 Cincinatti 2 Tulsa 3 P. Alegre 4
Mín. Máx.
DBO 19 11,8 31,8 1 700
Sólidos totais 1.440 545 1.523 450 14.600
PH 7,5 7,4 7,2
Coliformes (NMP/100 ml) 23.000 18.000 1,5x107 55 11,2x107
Ferro 12 30,3
Chumbo 0,46 0,19
Amônia 0,4 1,0
32 1
Colson (1974); 2Weibel et al. (1964); 3 AVCO (1970); 4 Ide (1984); 5 APWA (1969)
Gestão de águas pluviais urbanas

Uma das formas de avaliar a qualidade Por sua vez, as cidades que priorizaram
da água urbana é através de parâmetros que a rede de esgotamento sanitário e não conside-
caracterizam a poluição orgânica e a quantida- raram os pluviais sofrem freqüentes inundações
de de metais. Na tabela 1.10, são apresentados com o aumento da urbanização, como tem acon-
alguns valores de concentração da literatura. tecido em Barranquilla, na Colômbia, e em algu-
Schueller (1987) cita que a concentração média mas áreas de Santiago do Chile.
dos eventos não se altera em decorrência do Não existem soluções únicas e milagro-
volume do evento, sendo característico de cada sas, mas soluções adequadas e racionais para
área drenada. cada realidade. O ideal é conciliar a coleta e o
Os esgotos podem ser combinados (cloa- tratamento do esgotamento sanitário com a re-
cal e pluvial num mesmo conduto) ou separados tenção e o tratamento do escoamento pluvial,
(rede pluvial e sanitária separada). A legislação dentro de uma visão integrada, de tal forma que
estabelece o sistema separador, mas, na prática, tanto os aspectos higiênicos como ambientais
isso não ocorre por causa das ligações clandesti- sejam atendidos.
nas e da falta de rede sanitária. Devido à falta de A qualidade da água da rede pluvial de-
capacidade financeira para implantação da rede pende de vários fatores, quais sejam: da limpe-
de cloacal, algumas prefeituras têm permitido o za urbana e sua freqüência; da intensidade da
uso da rede pluvial para transporte do esgoto sa- precipitação e da sua distribuição temporal e
nitário, o que pode ser uma solução inadequada espacial; da época do ano; e do tipo de uso da
se esse esgoto não for tratado. Quando o sistema área urbana.
sanitário é implementado, a grande dificuldade
envolve a retirada das ligações existentes da rede
I.4.5 Síntese do cenário atual
pluvial, o que, na prática, resulta em dois siste-
mas misturados com diferentes níveis de carga.
O principal problema está relacionado com a Atualmente, um dos principais, se não o
gestão das ligações dos usuários à rede. As em- problema fundamental de recursos hídricos no
presas, ao implementarem a rede devem fazer a País é o impacto resultante do desenvolvimen-
ligação dos usuários da mesma forma que, para to urbano, tanto internamente, nos municípios,
cada novo usuário, a ligação deve ser obrigatoria- como externamente, pela exportação de polui-
mente realizada pela companhia concessionária, ção e inundações para os trechos dos rios a ju-
para evitar esses problemas. sante das cidades.

A tendência, no Brasil e na América do As regiões metropolitanas deixaram de


Sul, é de utilizar o sistema separador, que apre- crescer no seu núcleo, mas se expandem na pe-
senta maior custo quanto à rede de coleta, por riferia, justamente onde se concentram os ma-
utilizar dois sistemas. O sistema unitário, apesar nanciais, agravando o problema. A tendência é
da vantagem de utilizar apenas uma rede, apre- de que as cidades continuem buscando novos
senta problemas, como: odor fétido durante as mananciais, sempre mais distantes e com alto
inundações, proliferação de vetores de doenças custo. A ineficiência pública é observada nos se-
em climas quentes e, quando ocorre extravasa- guintes fatos:
mento, maior potencial de proliferação de doen- • a grande perda de água tratada nas re-
ças. Esse cenário se agrava com o aumento da des de distribuição urbana. Não é racio-
freqüência dos extravasamentos. nal o uso de novos mananciais quando 33
SANEAMENTO PARA TODOS

as perdas continuam em níveis tão altos. ne (water-washed diseases): dependem


As perdas podem ser de faturamento e da educação da população e da disponi-
físicas. As primeiras estão relacionadas bilidade de água segura. Essas doenças
com a medição e a cobrança, enquanto a estão relacionadas com infecções de ou-
segunda, ao vazamento na rede; vido, pele e olhos.
• quando existem, as redes de tratamen- • relacionado com a água (water-rela-
to não coletam esgoto suficiente. Da ted): o agente utiliza a água para se de-
mesma forma, as estações de tratamen- senvolver, como malária e esquistosso-
to continuam funcionando abaixo da sua mose.
capacidade instalada. O investimento na Muitas dessas doenças estão relaciona-
ampliação da cobertura não leva ao aten- das com a baixa cobertura de água tratada e o
dimento das Metas do Milênio aprovadas saneamento, como a diarréia e a cólera; outras,
nos fóruns internacionais; estão associadas à inundação, como a leptospi-
• a rede de drenagem pluvial apresenta rose, a malária e a dengue. Na tabela 1.11, são
dois problemas: (a) além de transportar apresentadas a mortalidade infantil e as doenças
o esgoto que não é coletado pela rede de veiculação hídrica no Brasil. Na tabela 1.12, é
de esgoto sanitário, também trans- apresentada a proporção de cobertura de servi-
porta a contaminação do escoamento ços de água e saneamento no Brasil de acordo
pluvial (carga orgânica e metais); (b) a com o grupo de renda, mostrando claramente
construção excessiva de canais e con- a pequena proporção de atendimento para a
dutos apenas transfere as inundações população de menor renda. Na tabela 1.13, são
de um local para outro, dentro da ci- apresentados valores do Brasil.
dade, a custos insustentáveis para os
municípios.
TABELA 1.11 MORTALIDADE RESULTANTE DE DOENÇAS DE
VEICULAÇÃO HÍDRICA NO BRASIL (MOTA E REZENDE, 1999)

I.5 Doenças de veiculação hídrica Idade Infecção intestinal Outras*

1981 1989 1981 1989


Existem muitas doenças com veicula-
< 1 ano 28.606 13.508 87 19
ção hídrica. Com relação à água, as doenças
podem ser classificadas de acordo com o con- 1 e 14 anos 3.908 3.963 44 21

ceito de White et al, (1972) e apresentado por > 14 anos 2.439 3.330 793 608
Prost (1993):
• doenças com fonte na água (water * Cólera, febre tifóide, poliomielite, disenteria, esquistossomose, etc.

borne diseases): dependem da água


para sua transmissão como cólera, Dados do Sistema de Informações Hos-
salmonela, diarréia, leptospirose (de- pitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS)
senvolvida durante as inundações pela demonstram que, no período de 1995 a 2000,
mistura da urina do rato), etc. A água ocorreram, a cada ano, cerca de 700 mil inter-
age como veículo passivo para o agen- nações hospitalares em todo o País, provocadas
te de infecção. por doenças relacionadas com a água e com a
34 • doenças resultantes da falta de higie- falta de saneamento básico (Santos, 2005).
Gestão de águas pluviais urbanas

TABELA 1.12 COBERTURA DE SERVIÇOS, POR GRUPOS DE RENDA DO BRASIL (MOTA E REZENDE, 1999)

Domicílio Água tratada Coleta de esgoto Tratamento de esgoto


(%) (%) (%)
salário mínimo 1981 1989 1981 1989 1981 1989
0–2 59,3 76,0 15 24,2 0,6 4,7
2–5 76,3 87,8 29,7 39,7 1,3 8,2
>5 90,7 95,2 54,8 61,2 2,5 13,1
Todos 78,4 89,4 36,7 47,8 1,6 10,1

TABELA 1.13 NÚMERO DE OCORRÊNCIAS TABELA 1.14 VALORES RECENTES DAS DOENÇAS TRANSMITIDAS
TOTAIS NO BRASIL EM 1996 (MS, 1999) PELA ÁGUA NO BRASIL (VALORES DE SANTOS, 2005)

Tipo Quantidade
Doenças e características Quantidade
Cólera 1.017
Malária 444.049 Diarréia (2004) 2.307.957

Dengue 180.392 Cólera (2004) 21


Taxa de mortalidade por doenças
Dengue (2003 e 2004) 112.928
infecciosas e parasitárias por 100.000 24,81
habitantes (1995)
Óbitos relativos a dengue (2003 e 2004) 3

Leptospirose (2001) 3.281


As doenças transmitidas pelo consumo Malária: casos positivos (2001) 389.737
de água imprópria preocupam, principalmente
pelos seguintes motivos: Esquistossomose: municípios na área 964
endêmica (2002)
Cargas domésticas: o excesso de nutrien-
tes tem produzido eutrofização dos lagos, pro-
liferação das algas, que geram toxicidade. Essa
toxicidade pode ficar solúvel na água ou deposi-
tar-se no fundo dos rios e dos lagos. A ação da
toxicidade se reflete no fígado, gerando doenças
degenerativas, como câncer e cirrose.
Cargas industriais: os efluentes indus-
triais apresentam os mais diferentes compostos
e, com a evolução da indústria, novos compo-
nentes são produzidos diariamente. Dificilmen-
te as equipes de fiscalização possuem condições
de acompanhar esse processo;
Na tabela 1.14, é apresentado um resu-
mo dos números das principais doenças trans-
mitidas pela água e os totais recentes no Brasil. 35
SANEAMENTO PARA TODOS

I.6 COMPARAÇÃO ENTRE PAÍSES contaminação dos mananciais. Esse problema


DESENVOLVIDOS E EM DESENVOLVIMENTO é decorrência da baixa cobertura de coleta de
esgoto tratado. Na realidade, existem muitas
redes e estações de tratamento, mas a parcela
A tabela 1.15 compara os cenários de in-
de esgoto sem tratamento ainda é muito maior.
fra-estrutura urbana relacionada com a água em
Devido ao ciclo de contaminação, produzido
países desenvolvidos com o existente em países
pelo aumento do volume de esgoto não tratado
em desenvolvimento.
para a mesma capacidade de diluição, os obje-
Pode-se observar que, nos países desen- tivos também são de saúde pública, pois a po-
volvidos, grande parte dos problemas foi resol- pulação passa a ser contaminada pelo conjunto
vida quanto ao abastecimento de água, ao trata- do esgoto produzido pela cidade, no que cha-
mento de esgoto e ao controle quantitativo do mamos aqui de “ciclo de contaminação urbana”
escoamento na drenagem urbana. Neste último (figura 1.3).
caso, foi priorizado o controle por meio de me-
Um exemplo deste cenário é a cidade de
didas não-estruturais, que obrigam a população
São Paulo, que se encontra na bacia hidrográfi-
a controlar na fonte os impactos resultantes da
ca do Rio Tietê, e tem demanda total de abaste-
urbanização. O principal problema nos países
cimento de água da ordem de 64 m3/s, sendo
desenvolvidos é o controle da poluição difusa
que mais da metade da água é importada (33
resultante das águas pluviais. Já nos países em
m3/s) de outra bacia, a do Piracicaba (cabeceiras
desenvolvimento, o problema ainda está no es-
na serra da Cantareira). Isso ocorre pela conta-
tágio do tratamento de esgoto.
minação de parte dos mananciais existentes na
Em alguns países, como o Brasil, o abas- vizinhança da cidade, por falta de tratamento
tecimento de água, que poderia estar resolvido, dos esgotos domésticos. Os mananciais, como
pela grande cobertura de abastecimento, vol- a Billings e a Guarapiranga, têm sua qualidade
ta a ser um problema em virtude da elevada comprometida.

TABELA 1.15 COMPARAÇÃO DOS ASPECTOS DA ÁGUA NO MEIO URBANO

Infra-estrutura urbana Países desenvolvidos Países em desenvolvimento

Grande cobertura; tendência de


redução da disponibilidade em virtude
Abastecimento de água Cobertura total
da contaminação das fontes; grande
quantidade de perdas na rede

Falta de rede e estações de tratamento;


Grande cobertura na coleta e no
Saneamento as que existem não conseguem coletar
tratamento dos efluentes
esgoto como projetado

Os aspectos quantitativos estão Impactos quantitativos sem solução;


Drenagem
controlados; Impactos provocados pela qualidade
Urbana
Gestão da qualidade da água da água que não foram identificados

Medidas de controle não-estruturais,


Inundações Grandes prejuízos por falta de política de
como seguro e zoneamento de
Ribeirinhas controle
inundação
36
Gestão de águas pluviais urbanas

O controle quantitativo da água da dre- 12. Quais são os períodos críticos em que ocor-
nagem urbana ainda é limitado nos países em rem os cenários mais desfavoráveis?
desenvolvimento. O estágio do controle da quali- 13. Qual é a origem da contaminação da quali-
dade da água resultante da drenagem é um pro- dade da água pluvial?
cedimento inexistente nesses países. Na América
14. Por que os sólidos totais aumentam com a
do Sul, assim como em grande parte dos países
urbanização? Como variam ao longo da ur-
em desenvolvimento, busca-se o controle dos im-
banização?
pactos quantitativos da drenagem pluvial, que
ainda não estão controlados. Por exemplo, os 15. Qual a importância do monitoramento da
sistemas de detenção construídos nas cidades quantidade de água, sedimentos e qualidade
brasileiras possuem como foco apenas o contro- da água no planejamento da bacia urbana?
le do impacto das inundações, sem atentar para o Se não é possível monitorar todas as bacias,
componente de controle da qualidade da água. por que então investir nisso? Quais as difi-
culdades desse tipo de ação?
16. Considerando que as causas dos impactos
Problemas
resultantes das inundações e da qualidade
da água são decorrência da urbanização
1. Quais os principais mananciais de águas como é realizada hoje, que estratégias se-
urbano? Quando são utilizados e em que riam tomadas para evitar isso?
condições? 17. A coleta de lixo recolhe cerca de 0,7 kg/dia,
2. Quais as principais causas de contaminação considerando que uma parcela desse total
dos mananciais? não seja coletado e chega na drenagem. Con-
sidere uma sub-bacia urbana com 50 km2
3. Quais os principais problemas da coleta e do
de área, população densa da ordem de 120
tratamento dos esgotos cloacais?
hab./ha. Estime o total anual de lixo que é
4. Descreva o ciclo de contaminação. transportado para a drenagem. Admita que
5. Qual a diferença entre as inundações ribeirinhas 1%, 5% e 10% do total de lixo coletado che-
e as inundações resultantes da urbanização? guem à drenagem. Admita um custo de 5
centavos de dólar o quilo para coletar e dis-
6. Quais são as fontes dos problemas desses
por esse volume. Calcule o valor, anual, por
tipos de inundação?
pessoa. Esse é o subsídio que a população
7. O que diferenciam as cargas poluentes da recebe do meio ambiente.
drenagem urbana e as do esgoto cloacal?
8. Quais são os tipos de resíduos sólidos urba-
nos? Quando ocorrem?
9. Por que a vazão aumenta numa bacia urbana
com relação às condições rurais?
10. Esse aumento é uniforme ou varia com a
magnitude da cheia? Por quê?
11. Analise a cadeia causal na deteriorização
da qualidade da água dos rios a jusante
das cidades. 37
SANEAMENTO PARA TODOS

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SANEAMENTO PARA TODOS

menos meteorológicos e da interdependência


dos processos físicos a que a atmosfera terres-
tre está sujeita. As condições hidrológicas que
produzem a inundação podem ser naturais ou
artificiais. As condições naturais são aquelas
II GESTÃO DAS INUNDAÇÕES RIBEIRINHAS cuja ocorrência é propiciada pela bacia em seu
estado natural, a exemplo de tipo de relevo, de
precipitação, cobertura vegetal e capacidade de
Controle das áreas de risco do leito drenagem.
maior dos rios é fundamental para
Os rios normalmente drenam nas suas ca-
a gestão das áreas ribeirinhas
beceiras, áreas com grande declividade, produ-
zindo escoamento de alta velocidade. Quando a
A inundação ocorre quando as águas de declividade diminui, a capacidade de escoamen-
rios, riachos, galerias pluviais saem do seu leito to naturalmente diminui e ocorrem alagamentos
menor de escoamento e escoa através do seu lei- no leito maior. A variação de nível durante uma
to maior, que foi ocupado pela população para enchente pode ser de vários metros em poucas
moradia, transporte (ruas, rodovias e passeios), horas. Quando o relevo é acidentado, as áreas
recreação, comércio, indústria, entre outros. mais propícias à ocupação são as planas e mais
baixas, justamente aquelas que apresentam alto
Quando a precipitação é intensa e o solo
de risco de inundação e que estão mais ocupa-
não tem capacidade de infiltrar, grande parte
das pela população. A várzea de inundação de
do volume escoa para o sistema de drenagem,
um rio cresce significativamente nos seus cur-
superando a capacidade do leito menor de es-
sos médio e baixo, onde a declividade se reduz
coamento. Esse é um processo natural do ciclo
e aumenta a incidência de áreas planas.
hidrológico conforme a variabilidade climática
de curto, médio e longo prazos. Ocorrências fre- As precipitações mais intensas atingem
qüentes mantêm o rio do leito menor, que ele áreas localizadas e são em geral dos tipos con-
mesmo escavou por conta dessa ocorrência. O vectiva e orográfica. Essas formas de precipita-
rio ocupa o leito maior em chuvas de menor fre- ção atuam, em geral, sobre pequenas áreas. A
qüência. Esses eventos ocorrem de forma aleató- precipitação ocorrida em Porto Alegre, em 13
ria, a depender dos processos climáticos locais e de fevereiro de 1981, com cerca de 100 mm em
regionais. Esse tipo de inundação é denominado 1 hora, é um exemplo. As precipitações fron-
neste livro de “inundação ribeirinha”. tais atuam sobre grandes áreas, provocando as
maiores inundações dos grandes rios.
A cobertura vegetal tem como efeito a in-
II.1 CARACTERÍSTICAS DAS INUNDAÇÕES
terceptação de parte da precipitação, que pode
RIBEIRINHAS
gerar escoamento e proteção do solo contra a
erosão. A perda dessa cobertura para uso agrí-
As condições meteorológicas e hidroló- cola tem produzido o aumento da freqüência de
gicas propiciam a ocorrência de inundação. O inundações resultantes da falta de interceptação
conhecimento do comportamento meteorológi- da precipitação e do assoreamento dos rios.
co de longo prazo é muito pequeno devido ao As condições artificiais da bacia são
40 grande número de fatores envolvidos nos fenô- aquelas provocadas pela ação do homem, a
Gestão de águas pluviais urbanas

saber: obras hidráulicas, urbanização, desma- do século 20, as áreas de risco considerável,
tamento, reflorestamento e uso agrícola. A ba- como as várzeas inundáveis, foram ocupadas,
cia rural possui maior interceptação vegetal, trazendo, como conseqüência, prejuízos huma-
maiores áreas permeáveis (infiltração do solo), nos e materiais de grande monta resultantes das
menor escoamento na superfície do solo e dre- inundações subseqüentes.
nagem mais lenta. A bacia urbana possui super-
Os prejuízos ocorrem pela falta de pla-
fícies impermeáveis, tais como telhados, ruas e
nejamento do espaço e de conhecimento sufi-
pisos, e produz aceleração no escoamento, por
ciente sobre os riscos apresentados pelas áreas
meio da canalização e da drenagem superficial.
de inundações. A experiência de gestão de inun-
Os resultados da urbanização sobre o escoa-
dações já existia no passado. No histórico da
mento são: aumento da vazão máxima e do es-
tabela 2.1, observa-se que cerca de 3340 anos
coamento superficial, redução do tempo de pico
no passado as pessoas já planejavam a ocupa-
e diminuição do tempo de base (capítulo 3). A
ção do espaço de inundação, mas que ainda hoje
urbanização e o desmatamento produzem um
não é uma prática corrente.
aumento da freqüência da inundação nas cheias
pequenas e médias. Nas grandes cheias, o seu
efeito é menor, pois a capacidade de saturação TABELA 2.1 HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO DE ÁREAS DE INUNDAÇÃO

do solo e o armazenamento são atingidos, e o


efeito final pouco difere. A cidade de Amarna, no Egito, que Aquenaton (1340
a. C.) escolheu para ser a nova capital, foi planejada
considerando as áreas de inundações. Veja o relato:
“Correndo de leste para oeste, dois leitos secos de rio,
II.2 OCUPAÇÃO DO ESPAÇO URBANO nos quais nada se construiu por medo das enchentes
repentinas, dividiam a cidade em três partes: o centro e os
E IMPACTO DAS INUNDAÇÕES
bairros residenciais de norte e do sul.” Brier (1998).

As inundações são mais antigas que a


A história mostra, em diferentes partes
existência do homem na Terra. O homem sem-
do globo, que o homem tem procurado convi-
pre procurou se localizar perto dos rios para
ver com as inundações, desde as mais freqüen-
usá-lo como transporte, abastecimento de água
tes até as mais raras. Uma experiência histórica
para seu consumo e mesmo para dispor seus
de grande valia é mostrada pela Igreja Católica,
dejetos. As áreas próximas aos rios geralmente
cuja sede sempre esteve construída em um sí-
são planas, propícias para o assentamento hu-
tios seguros.
mano, o que motivou a sua ocupação.
A gestão de inundação envolve a minimi-
O desenvolvimento histórico da utiliza-
zação dos impactos, mas dificilmente informa
ção de áreas livres explica os condicionamentos
como eliminá-los, principalmente por causa das
urbanos hoje existentes. Por causa da grande
limitações econômicas e do desconhecimento
dificuldade de meios de transporte no passado,
da natureza. Na tabela 2.2, é apresentado o pre-
utilizava-se o rio como a via principal. As cida-
fácio apresentado por Hoyt e Langbein (1959),
des desenvolveram-se às margens dos rios ou
que caracteriza as dificuldades que o homem
no litoral. Pela própria experiência dos antigos
moradores, a população procurou habitar as zo- enfrenta para controlar as inundações.
nas mais altas, aonde o rio dificilmente chega- As inundações representam 50% dos de-
ria. Com o crescimento desordenado e acelerado sastres naturais relacionados com a água, dos
das cidades, principalmente na segunda metade quais 20% ocorrem nas Américas. Na figura 2.1, 41
SANEAMENTO PARA TODOS

é apresentada a curva dos prejuízos anuais nos do ocorrem as maiores inundações, os prejuízos
Estados Unidos, decorrentes de inundações ri- são significativos. A seguir, são apresentados al-
beirinhas. Pode-se observar que os valores va- guns casos que exemplificam esses impactos:
riam de 0,02 a 0,48 do PIB, com valor médio de (a) No Rio Itajaí, em Santa Catarina, no Bra-
0,081% (cerca de US$ 8,1 bilhões de dólares). sil, vem ocorrendo uma série de níveis máximos
de inundações desde 1852. Pelo histórico, pode-
TABELA 2.2 HISTÓRICO E SUPOSIÇÕES QUE DEMONSTRAM A se observar que as três maiores inundações em
LIMITAÇÃO DA GESTÃO DAS INUNDAÇÕES Blumenau ocorreram entre 1852 e 1911, sendo
(prefácio do livro Floods, de Hoyt e Langbein, 1959)
a maior em 1880, com 17,10 m (figura 2.2). En-
tre 1911 e 1982, não ocorreu nenhuma inunda-
“Terra de Canaan, 2957 a.C., numa grande inundação, ção com cota superior a 12,90 m, apagando, na
provavelmente centrada cerca do UR no Eufrates, Noé e
sua família se salvaram. Um dilúvio resultante de 40 dias e memória da população, aqueles eventos críticos,
40 noites de contínua precipitação ocorreu na região. Terras e levando-a, mais uma vez, a ocupar o vale de
ficaram inundadas por 150 dias. Todas as criaturas vivas
afogaram, com exceção de Noé, sua família e animais,
inundação. Em 1983, quando a cidade se encon-
dois a dois, que foram salvos numa arca e finalmente trava bem desenvolvida, com população de cerca
descansaram no Monte Ararat” (passagem da Bíblia sobre
de 500 mil habitantes, ocorreu uma inundação (a
o Dilúvio, citada no referido prefácio). Esse texto caracteriza
um evento de risco muito baixo de ocorrência. quinta em magnitude dos últimos 150 anos) com
cota máxima de 15,34 m. Os prejuízos resultantes
“Egito XXIII, Dinastia, 747 a.C. Enchentes sucedem secas. em todo o Vale do Itajaí representaram cerca de
O faraó anunciou que todo o vale do Rio Nilo foi inundado,
templos estão cheios de água e o homem parece planta 8% do PIB de Santa Catarina. A lição tirada desse
d’água. Aparentemente, os polders não são suficientemente exemplo é que a memória sobre as inundações se
altos ou fortes para confinar as cheias na seção normal. A
presente catástrofe descreve bem os caprichos da natureza. dissipa com passar do tempo e a população deixa
Outro faraó reclamou que, por sete anos, o Nilo não subiu.” de considerar o risco, e como não há planejamen-
Este texto, cujos relatos são detalhados na Bíblia, também
enfatiza a incapacidade de prever o clima e seus impactos to que estabeleça o espaço de risco, a ocupação
quando ocorrem. ocorre e os prejuízos se repetem. No entanto, a
Cia. Hering, em Blumenau (fundada em 1880, ano
“Em algum lugar nos Estados Unidos, no futuro (o autor da maior inundação), manteve na memória o va-
mencionava ano 2000, muito distante na época), a
natureza toma seu inexorável preço. Cheia de 1000 anos lor de 17,10 m e desenvolveu suas instalações em
causou indestrutível dano e perdas de vida. Engenheiros cota superior a essa. Sem planejamento, os relatos
e meteorologistas acreditam que a presente tormenta
resultou da combinação de condições meteorológicas históricos são as únicas informações disponíveis
e hidrológicas que ocorreriam uma vez em mil anos.” para orientar as pessoas.
Reservatórios, diques e outras obras de controle que
provaram ser efetivas por um século, e são efetivas para (b) Na figura 2.3, podem-se observar os
sua capacidade de projeto, são incapazes de controlar os
níveis de enchentes no Rio Iguaçu, em União da
grandes volumes de água envolvidos.
Vitória. Entre 1959 e 1982, ocorreu apenas uma
Esta catástrofe traz uma lição: a proteção contra inundação com risco superior a 5 anos. Esse
inundações é relativa e eventualmente a natureza cobra um período foi justamente o de maior crescimento
preço daqueles que ocupam a várzea de inundação.
econômico e expansão das cidades brasileiras.
As enchentes após 1982 produziram prejuízos
As inundações ribeirinhas resultam prin- significativos na comunidade (tabela 2.3).
cipalmente da ocupação do solo do leito maior. (c) No Alto Rio Paraguai, existe um dos
Nos períodos de pequena inundação, existe a maiores banhados do mundo, denominado Pan-
42 tendência de ocupar as áreas de risco e, quan- tanal. Nessa região, sempre houve uma convivên-
Gestão de águas pluviais urbanas

cia pacífica entre o meio ambiente e a população. tos. Pode-se observar a grande diferença da déca-
Na figura 2.4, podem-se observar os níveis máxi- da de 60 com relação às demais. Naquele período,
mos de enchentes em Ladário desde o início do houve ocupação dos vales de inundação por pe-
século. Na tabela 2.4, são apresentados valores ríodos longos, e não apenas sazonalmente. anual
do nível máximo médio de inundação e das áreas decorrente de inundações nos Estados Unidos,
inundadas do Pantanal em três períodos distin- como percentual do PIB ( Priscoli , 2001).

Figura 2.1 Série histórica do prejuízo

Figura 2.2 Níveis de inundações em Blumenau, Santa Catarina.

43
SANEAMENTO PARA TODOS

Figura 2.3 Níveis máximos de enchentes no Rio Iguaçu, em União


da Vitória, cuja bacia é de cerca de 25.000 km2
(Tucci e Villanueva, 1997)

A população foi desalojada nas décadas (d) Em Porto Alegre, RS, existem níveis de
seguintes em resposta ao aumento da freqüên- inundação desde 1899, quando se observaram
cia dos níveis de inundação. A perda econômica vários eventos até 1967 (figura 2.5). Em 1970, foi
do valor das propriedades e a falta de susten- construído um dique de proteção para a cidade
tação econômica foi a conseqüência imediata. e, desde 1967, não ocorre nenhuma inundação
Essa população passou a viver na periferia das com tempo de retorno superior a 10 anos (~2,94
cidades da região, em estado de pobreza. Uma m). Nos últimos anos, formou-se um movimento
propriedade que inundava 20% do tempo na na cidade para a retirada do dique de inundação,
década de 60 atualmente fica 80% inundada. considerando que não tinham ocorrido eventos
nos últimos 38 anos. Essa percepção errada so-
bre o risco de inundação levou a Câmara de Ve-
TABELA 2.3 PERDAS POR INUNDAÇÕES EM UNIÃO DA VITÓRIA E
PORTO UNIÃO (JICA, 1995) readores a aprovar a derrubada do dique, que
felizmente não foi executada pelo município.
Ano Prejuízos
(US $ milhões) O ambiente institucional de controle de
inundações nos países em desenvolvimento ge-
1982 10.365
ralmente não leva a uma solução sustentável.
1983 78.121
Existem apenas poucas ações isoladas de alguns
1992 54.582 poucos profissionais. Em geral, o atendimento
1993 25.933 a enchente somente é realizado depois de sua
ocorrência. A tendência é que o problema se
perca no esquecimento após cada enchente, re-
tornando na seguinte. Isso se deve a vários fato-
44 res, entre os quais estão os seguintes:
Gestão de águas pluviais urbanas

Figura 2.4. Níveis máximos anuais em Ladário, no Rio Paraguai, e a média dos períodos:
(a) 1900–1961; (b) 1961–1973; (c) 1973–1991

TABELA 2.4 VALORES ESTIMADOS DE NÍVEIS E ÁREAS INUNDADAS


NO PANTANAL (VALORES APROXIMADOS)

Período Nível máximo médio Área inundada


(m) média no Pantanal *
(1000. km2)

1900–1959 4,16 35

1960–1972 2,21 15

1973—992 5,49 50

* Valores aproximados obtidos de Hamilton (1995)

Figura 2.5 Níveis de inundação em Porto Alegre, entre 1899 e 1994 45


SANEAMENTO PARA TODOS

• falta de conhecimento sobre o controle tos da cheia na bacia. Esse tipo de previsão é
de enchentes por parte dos planejadores utilizado para alertar a população ribeirinha e
urbanos; operadores de obras hidráulicas.
• falta de planejamento e gestão de inun- A previsão de cheia em longo prazo atu-
dações em âmbitos federal e estadual; almente permite apenas estimar ordem de mag-
• pouca informação técnica sobre o as- nitudes das inundações pela tendência sazonal
sunto e de formação técnica específica ou pela composição de modelos climáticos e hi-
de engenheiros; drológicos. A predição quantifica as chances de
ocorrência da inundação em termos estatísticos,
• desgaste político para os administra-
sem precisar quando ocorrerá a cheia. A predi-
dores públicos no controle não-estru-
ção baseia-se na estatística de ocorrência de ní-
tural (zoneamento), já que a população
veis no passado e permite estabelecer os níveis
está esperando obras hidráulicas, por
de enchente para alguns riscos escolhidos. Esse
falta de um maior entendimento sobre
tipo de análise parte do princípio que a variável
o assunto;
hidrológica utilizada na estimativa é estacionária
• ausência de interesse, em alguns luga- no tempo, ou seja, suas estatísticas não se altera-
res, de prevenção de inundações, pois, ram com relação às condições do passado.
quando ocorrem, os recursos são forne-
cidos a fundo perdido.
II.3.1 Previsão de cheia em tempo atual

II.3 AVALIAÇÃO DAS ENCHENTES


Para efetuar a previsão de cheia em curto
prazo, são necessários sistemas de coleta e trans-
A variação do nível ou de vazão de um missão de dados e uma metodologia de previsão.
rio depende das características climatológicas Os dados coletados são a precipitação, o nível
e físicas da bacia hidrográfica. As distribuições ou a vazão, durante a ocorrência do evento. A
temporal e espacial da precipitação são as prin- estimativa é realizada recorrendo-se a modelos
cipais condições climatológicas, pois somente matemáticos que representam o comportamento
podem ser previstas com antecedência de pou- das diferentes fases do ciclo hidrológico. A pre-
cos dias ou horas, o que não permite a previsão visão é utilizada em conjunto com um Plano de
dos níveis de enchente com razoável antecipa- Defesa Civil, ou, no caso de operação de reserva-
ção. O tempo máximo possível de previsão da tório, um sistema de emergência e operação.
cheia, a partir da ocorrência da precipitação, é A previsão de níveis de enchentes pode
limitado pelo tempo médio de deslocamento da ser realizada com base em (figura 2.6): (a) previ-
água na bacia até a seção de interesse. são da precipitação; (b) conhecida a precipitação;
A previsão dos níveis num rio pode ser (c) vazão de montante; (d) combinação dos dois
realizada em curto ou longo prazo. A previsão últimos. No primeiro caso, é necessário estimar
de cheia em curto prazo ou em tempo atual, a precipitação que cairá sobre a bacia por meio
também chamada de tempo real, permite esta- do uso de equipamento especial, como radar ou
belecer o nível e seu tempo de ocorrência para a de sensoriamento remoto. Conhecida a precipita-
seção de um rio, com antecedência que depende ção sobre a bacia, é possível estimar a vazão e o
46 da previsão da precipitação e dos deslocamen- nível por modelo matemático que simule a trans-
Gestão de águas pluviais urbanas

formação de precipitação em vazão. A previsão, O tempo de antecedência é menor que os


quando é conhecida a precipitação na bacia, uti- anteriores (figura 2.6b). Quando a bacia inter-
liza uma rede telemétrica de coleta e transmis- mediária, da situação anterior, apresentar uma
são de dados (no caso anterior, essa rede não é contribuição significativa, a combinação dos
dispensável) e o referido modelo matemático de dois processos anteriores será utilizada na pre-
transformação de precipitação em vazão. A ante- visão em tempo atual (figura 2.6c). A apresen-
cedência de previsão é menor nesse caso e está tação dos modelos de previsão em tempo atual
limitada ao tempo médio de deslocamento do es- foge ao escopo deste livro, os quais podem ser
coamento na bacia (figura 2.6a). A previsão em encontrados na literatura especializada.
curto prazo, com base em posto a montante da
seção de interesse, depende das características
II.3.2 Probabilidade ou risco da inundação
do rio e da área intermediária da bacia entre os
postos. Utilizando apenas a informação do posto
de montante, é desprezada a contribuição da ba- O risco de uma vazão ou precipitação é
cia intermediária, quando seu volume é pequeno entendido neste texto como a probabilidade (p)
com relação ao hidrograma de montante. de ocorrência de um valor igual ou superior a
Qp (vazão ou nível) num ano qualquer. O tempo
de retorno (T) é o inverso da probabilidade p, e
representa o tempo, em média, que esse evento
tem chance de se repetir.

1 (2.1)
T=
P

Para exemplificar, considere um “dado”


de seis faces (números 1 a 6). Numa jogada
qualquer, a probabilidade de sair o número 4
é p =1/6 (uma chance em seis possibilidades).
O tempo de retorno é, em média, o número de
jogadas que o número desejado se repete. Nes-
se caso, usando a equação 2.1 acima, fica T =
1/(1/6) = 6. Portanto, em média, o número 4
repete-se a cada seis jogadas. Sabe-se que esse
número não ocorre exatamente a cada seis jo-
gadas, mas, se jogarmos milhares de vezes e ti-
rarmos a média, certamente isso ocorrerá. Sen-
do assim, o número 4 pode aparecer em duas
jogadas consecutivas, da mesma forma como
poderá ficar várias jogadas sem ocorrer, mas,
na média, se repetirá em seis jogadas. Fazendo
uma analogia, cada jogada do dado é um ano
para as enchentes. O tempo de retorno de 10
Figura 2.6 Previsão em tempo atual anos significa que, em média, a cheia pode se 47
SANEAMENTO PARA TODOS

repetir a cada 10 anos, ou em cada ano essa mado “ano hidrológico”, que é o período
enchente tem 10% de chance de ocorrer. entre o início do mês chuvoso e o final
As estimativas de inundação de um de- do mês seco. Na Região Sudeste do Bra-
terminado local podem ser realizadas com base sil, o ano hidrológico ocorre entre outu-
em: (a) série observada de vazões; (b) regionali- bro e setembro.
zação de vazões; e (c) precipitação e uso de mo- Os dois primeiros itens apresentam a
delo precipitação – vazão. Essas metodologias maior quantidade de incertezas, e a obtenção de
estimam o risco de inundação no local com base marcas de inundações num determinado local é
nos históricos ocorridos e consideram que as essencial para um ajuste confiável da curva de
séries históricas de vazões: são: probabilidade de vazões. As metodologias para
• Homogêneas ou estacionárias: as es- a determinação da curva de probabilidade são
tatísticas da série não se alteram com descritas nos livros de hidrologia (Tucci, 1993).
o tempo. Isso significa que a média das
vazões ou seu desvio-padrão não deve- II.4 MEDIDAS DE CONTROLE DAS
ria se alterar ao longo do tempo. Por INUNDAÇÕES RIBEIRINHAS
exemplo, ao ser construída uma barra-
gem a montante de uma seção de um
rio com volume importante para amor- As medidas para o controle da inunda-
tecimento de inundação, o risco da ção podem ser do tipo estrutural e não-estru-
inundação deve mudar porque a série tural. As medidas estruturais são aquelas que
não é mais homogênea; modificam o sistema fluvial por meio de obras
na bacia (medidas extensivas) ou no rio (me-
• As séries registradas de níveis de inun-
didas intensivas) para evitar o extravasamento
dação são representativas da ocorrência
do escoamento para o leito maior, decorrente
no local. Poucos anos de dados não são
das enchentes.
necessariamente representativos do real
risco de um local. No exemplo de Blume- As medidas não-estruturais são aquelas
nau, caso fossem utilizadas séries so- em que os prejuízos são reduzidos pela melhor
mente a partir de 1935 e até 1982, o risco convivência da população com as enchentes,
de uma inundação estimada com esses utilizando-se medidas preventivas, como o aler-
dados para a cheia de 1983 teria um ris- ta de inundação, o zoneamento das áreas de
co superior a 100 anos. Quando são uti- risco, o seguro contra inundações e medidas de
lizados os níveis obtidos desde 1982, a proteção individual (flood proofing).
mesma cheia de 83 teria um risco da or- É ingenuidade do homem imaginar que
dem de 30 anos. Observa-se, assim, que, poderá controlar totalmente as inundações.
mesmo com 47 anos (exemplo de 1935 a As medidas sempre visam minimizar as suas
1982), ainda podem existir tendenciosi- conseqüências, mesmo as estruturais. Na dé-
dades na estimativa do risco; cada de 30, o projeto de controle de cheias
• Os valores são independentes entre si. e o uso da terra para a agricultura do Rio Pó,
Geralmente uma cheia máxima de um na Itália, era um exemplo de projeto de re-
ano não guardará dependência com a do cursos hídricos bem-sucedido. Em 1951, uma
ano seguinte se os valores de cheia má- combinação de precipitações intensas e altos
48 xima forem escolhidas dentro do cha- níveis da maré destruiu os polders, causaram
Gestão de águas pluviais urbanas

100 mortes e a perda de 30 mil cabeças de relatório, o qual enfatiza a necessidade de


gado, além das perdas agrícolas (Hoyt e Lan- regulamentação das várzeas de inundação,
gbein,1955). Esse exemplo, reforça a visão li- como uma parte essencial de um plano racio-
mitada da gestão de controle das inundações nal de redução das perdas das cheias”.
ribeirinhas expressa na tabela 2.2. Em 1973, foi aprovada uma lei sobre
O controle da inundação é obtido por proteção contra desastres de enchentes, dando
uma combinação de medidas estruturais e ênfase a medidas não-estruturais, encorajando
não-estruturais que permita à população ribei- e exigindo o seguro para enchentes e a regula-
rinha minimizar suas perdas e manter uma mentação do uso da terra e proteção das no-
convivência harmônica com o rio. As ações in- vas construções para inundações de 100 anos,
cluem medidas de engenharia e de cunho social, tempo de retorno. Em 1974, foram aprovados,
econômico e administrativo. A pesquisa para a pela Legislação de Desenvolvimento de Recur-
combinação ótima dessas ações constitui o pla- sos Hídricos, artigos específicos sobre inunda-
nejamento da proteção contra a inundação ou ções, que previam medidas não-estruturais e a
seus efeitos. distribuição de custos, como no artigo 73 da Lei
de 1974: “Em pesquisa, planejamento ou proje-
Nos Estados Unidos, em 1936, foi apro-
to de qualquer Agência Federal, ou de qualquer
vada uma lei federal sobre controle de en-
projeto envolvendo a proteção contra inunda-
chentes, que identificava a natureza pública
ções, deve ser dada prioridade às alternativas
dos programas de redução de enchentes e
não-estruturais para a redução de prejuízos de
caracterizava a implantação de medidas físi-
inundação, incluindo, mas não limitando, as
cas ou estruturais, como um meio de reduzir
construções à prova de enchentes, a regulamen-
esses danos. Dessa forma, não era necessá-
tação das áreas de inundação; a utilização das
rio verificar as relações de custo/benefício
áreas de inundação para usos recreacionais, a
para justificar a proteção das áreas sujeitas
pesca, a vida animal e outras finalidades públi-
a inundações. Com isso, acelerou-se o desen-
cas. e a relocação com vista na formulação da
volvimento e a ocupação das várzeas, o que
solução econômico e socialmente, e de meio
resultou em aumento dos danos ocasionados
ambiente mais aceitável para a redução dos da-
pelas enchentes. As perdas médias anuais,
nos de enchentes”.
resultantes das enchentes, aumentaram e a
disponibilidade dos fundos públicos foi in- Na figura 2.7, é apresentada a evolução
suficiente para atender a essa tendência. Em dos benefícios anuais, os benefícios acumulados
1966, o governo reconheceu que as medidas e os investimentos em gestão de inundação até
anteriores não eram adequadas e deu ênfase 1999 (com valores ajustados ao dólar de 1999).
a medidas não-estruturais, que permitiriam Pode-se observar, por essa figura, que os bene-
à população conviver com a cheia. O comitê fícios acumulados superaram em muito os in-
criado pela American Society of Civil Engine- vestimentos na gestão das inundações.
ers sobre controle de enchentes relatou, em Em outros países como o Japão, onde o
1962, o seguinte (Task, 1962): “As limitações espaço é reduzido (cerca de apenas 30% da área
da presente (em 1962) Política Nacional de do país é habitável e 1/3 desse total representa
Controle de Enchentes, a qual é baseada prin- áreas de inundação), existe uma política de im-
cipalmente na construção de obras de con- plementação de obras estruturais para controle
trole de inundação, são reconhecidas neste de inundações. 49
SANEAMENTO PARA TODOS

Figura 2.7 Evolução dos benefícios anuais e acumulados e dos gastos na gestão de inundação nos Estados Unidos (Priscoli,2001).

II.5 MEDIDAS ESTRUTURAIS II.5.1 Medidas extensivas

As medidas estruturais são obras de en- As medidas extensivas são:


genharia implementadas para reduzir o risco Cobertura vegetal: a cobertura vegetal
de enchentes. Essas medidas podem ser exten- tem a capacidade de armazenar parte do volume
sivas ou intensivas. As medidas extensivas são de água precipitado pela interceptação vegetal, au-
aquelas que agem na bacia, procurando mo- mentar a evapotranspiração e reduzir a velocidade
dificar as relações entre precipitação e vazão, do escoamento superficial pela bacia hidrográfica.
como a alteração da cobertura vegetal do solo, Quando é retirada a cobertura vegetal, a tendência
que reduz e retarda os picos de enchente e con- é de aumentar o volume escoado, as cheias e a re-
trola a erosão da bacia. As medidas intensivas dução das estiagens, aumentando a variabilidade
são aquelas que agem no rio e podem ser de das vazões. O aumento da cobertura é uma medi-
três tipos (Simons et al., 1977): (a) aceleram o da extensiva para a redução das inundações, mas
escoamento: construção de diques e polders, aplicável a pequenas bacias, onde tem mais efeito
aumento da capacidade de descarga dos rios (< 10 km2). O efeito maior desse tipo de medida
(canais) e corte de meandros; b) retardam o é sobre os eventos mais freqüentes de alto risco
escoamento: reservatórios e bacias de amorte- de ocorrência. Para eventos raros de baixo risco, o
cimento; c) facilitam o desvio do escoamento: efeito da cobertura vegetal tende a ser pequeno.
são obras como canais de desvios. Na tabela 2.5 Controle da erosão do solo: o aumen-
são resumidas as principais características das to da erosão tem implicações ambientais pelo
50 medidas estruturais. transporte de sedimentos e seus agregados, po-
Gestão de águas pluviais urbanas

TABELA 2.5 MEDIDAS ESTRUTURAIS (SIMONS ET AL., 1977)

Medida Principal vantagem Principal desvantagem Aplicação


Medidas extensivas
Alteração da cobertura Impraticável para grandes
Redução do pico de cheia Pequenas bacias
vegetal áreas
Controle de perda do solo Reduz assoreamento Idem ao anterior Pequenas bacias
Medidas intensivas
Alto grau de proteção de
Diques e polders Danos significativos caso falhe Grandes rios e na planície.
uma área
Melhoria do canal
Redução da rugosidade por Aumento da vazão com
Efeito localizado Pequenos rios
desobstrução pouco investimento
Amplia a área protegida e Impacto negativo em rio com
Corte de meandro Área de inundação estreita
acelera o escoamento fundo aluvionar
Reservatório
Localização difícil devido a
Todos os reservatórios Controle a jusante Bacias intermediárias
desapropriação
Mais eficiente com o mesmo
Reservatórios com comportas Vulnerável a erros humanos Projetos de usos múltiplos
volume
Operação com mínimo de Restrito ao controle de
Reservatórios para cheias Custo não partilhado
pedras enchentes
Mudança de canal
Caminho da cheia Amortecimento de volume Depende da topografia Grandes bacias
Reduz vazão do canal
Desvios Idem ao anterior Bacias médias e grandes
principal

dendo contaminar os rios a jusante e diminuir a sim, o pico e o impacto a jusante da barragem. Na
sua seção, e alterar o balanço de carga e trans- figura 2.8, observa-se o hidrograma natural de
porte dos rios. Um dos fatores é a redução da um rio e de entrada num reservatório com volu-
seção dos rios e o aumento da freqüência das me V. O hidrograma amortecido de saída mostra
inundações em locais de maior sedimentação. O a redução da vazão máxima conforme o volume.
controle da erosão do solo pode ser realizado Os reservatórios para controle de inun-
pelo reflorestamento, por pequenos reservató- dações podem ter uso exclusivo ou podem ser
rios, pela estabilização das margens e por prá- planejados para usos múltiplos. O primeiro tem
ticas agrícolas corretas. Essa medida contribui como objetivo somente minimizar as inunda-
para a redução dos impactos das inundações. ções, enquanto o segundo tem mais de um obje-
tivo, que são muitas vezes conflitantes.

II.5.2 Medidas Intensivas Um reservatório sem controle de opera-


ção é aquele que não dispõe de comportas no
vertedor ou na descarga de fundo. A cheia é
As medidas intensivas são: regulada pelas condições existentes do vertedor
Reservatório: O reservatório de controle livre e pela descarga de fundo (se houver). Quan-
de enchentes funciona retendo o volume do hi- do existem comportas, é possível utilizar com
drograma durante as enchentes, reduzindo, as- mais eficiência o volume disponível para contro- 51
SANEAMENTO PARA TODOS

Figura 2.8 Efeito do reservatório

le da enchente, mas exige um plano de operação escoamento no reservatório, identificando qual


e está sujeito a risco de operação ineficiente. No é a operação mais eficiente.
período chuvoso, os primeiros hidrogramas ten- As barragens projetadas devem conside-
dem a ser de menor porte até que o solo seja rar os impactos que podem produzir a jusante e
saturado. O volume desses hidrogramas pode a montante do empreendimento.
ocupar o espaço disponível no reservatório, re-
Jusante: A jusante de uma barragem,
sultando em pouco espaço para reduzir o pico
pode existir área sujeita a inundação. Com a
das cheias maiores subseqüentes (figura 2.9a).
construção da barragem, a tendência é de que
A regra operacional pode ser a seguin- o reservatório produza amortecimento das en-
te: (a) o reservatório deve procurar operar de tal chentes nessas áreas ribeirinhas, se não houver
forma a escoar a vazão natural até que a jusante problemas operacionais da barragem. Se a área
seja atingida a cotas limites (Qcrit); (b) a partir a jusante não estiver ocupada, acabará sendo
desse momento, utilizar o volume do reserva- habitada pela proximidade do empreendimento
tório para manter ou reduzir a vazão (figura e ficará, então, sujeita as enchentes. Se o em-
2.9b). Essas condições operacionais dependem preendimento não amortecer as inundações, a
do projeto do reservatório e de seus órgãos ex- tendência é de cobrança de redução dos im-
travasores. Para a busca das melhores condições pactos a jusante por parte da sociedade. Dessa
de projeto e operação, é necessário simular o forma, a restrição de jusante passa a ser a vazão

52 Figura 2.9 Operação do reservatório


Gestão de águas pluviais urbanas

máxima Qcrit a partir do qual o rio inunda a sua O sistema de barragens para o controle de
margem. Nos períodos de enchentes, existirão inundações da bacia do Rio Itajaí-Açu, em Santa
eventos em que a barragem não terá condições Catarina, Brasil (figura 2.10), foi construído para
de amortecer a vazão e ocorrerão inundações. proteger as cidades do vale, como Blumenau. A
A percepção pública dessa situação geralmente barragem Oeste, localizada no Rio Itajaí-Oeste,
é de culpar a barragem pelo ocorrido; portanto, a montante da cidade de Taió, foi concluída em
é necessário que o empreendimento tenha um 1973. Já a Barragem Sul, no Itajaí do Sul, foi con-
eficiente sistema operacional e mantenha uma cluída em 1975, enquanto a barragem de Ibirama,
observação confiável dos dados hidrológicos ne- no Rio Hercílio, foi concluída no final dos anos
cessários à demonstração das condições opera- 80. Esta última não existia durante as inunda-
cionais para a defesa de suas ações. ções de 1983 e 1984. O projeto dessas barragens
utiliza descarregadores de fundo com capacida-
Montante: A construção de um reserva-
de que tende a reter muito volume dentro dos
tório pode produzir os seguintes impactos a
reservatórios, utilizando um tempo muito lon-
montante:
go para esvaziamento. A contribuição das duas
(a) de acordo com a vazão afluente, a re- primeiras barragens para controle da inundação
gra operacional e a capacidade de escoamento, a de 1983 foi insignificante exatamente por causa
linha de água de remanso pode inundar ou pro- do grande volume de precipitação que ocorreu
vocar represamentos a montante; durante 7 dias. No caso da inundação de 1984,
(b) as condições do item anterior podem que teve uma duração de apenas 2 dias, a con-
se alterar com o tempo, em razão do assorea- tribuição foi maior. Examinando as séries de va-
mento do reservatório, que ocorre inicialmen- zões máximas antes e depois da construção das
te no seu trecho mais a montante. Por isso, os barragens, observou-se um resultado inesperado,
níveis de inundação anteriormente projetados que foi o aumento da média e do desvio-padrão
podem aumentar, atingindo áreas fora do limite das inundações para uma das seções a jusante de
desapropriado. uma das barragens. No entanto, o resultado des-

TABELA 2.6 ESTATÍSTICAS DE ANTES E DEPOIS DA CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM NO RIO ITAJAÍ

Estatística Barragem Oeste Barragem Sul Precipitação Anual Precipitação1


(m3/s) (m3/s) (mm) (mm)

Média

Antes da barragem 292,2 488,5 1309 224,1

Depois da barragem 274,5 513,3 1658 291,7

Desvio-padrão

Antes 73,2 267,1

Depois 56,2 356,6

Período

Antes 1934-1972 1935-1974 1942-1972 1942-1972

Depois 1973-1983 1975-1984 1973-1984 1973-1984


1
Precipitação do mês no qual ocorre a cheia máxima anual 53
SANEAMENTO PARA TODOS

se aumento foi devido também ao aumento de Existem várias metodologias para esti-
precipitações na bacia justamente entre os dois mativa desse volume com base nas estatísticas
períodos. Na tabela 2.6, são apresentadas algu- das séries históricas de vazão da barragem. Os
mas estatísticas dessa comparação. A barragem métodos utilizados no setor elétrico brasileiro
Oeste, que não produziu aumento, mostrou-se tem sido o Método da Curva Volume x Duração
mais eficiente na contenção das inundações, en- (adaptações da metodologia apresentada por Be-
quanto a barragem Sul aparentemente não pos- ard, 1963) ou o Método das Trajetórias Críticas
sui volume e projeto adequado para a redução (Kelman et al., 1983). O primeiro utiliza a série
significativa das inundações. histórica observada, e o segundo recorre a sé-
Reservatório de uso múltiplo: Se há uma ries de vazões geradas por modelo estocástico.
barragem projetada para abastecimento de água, Os dois métodos determinam estatisticamente o
irrigação ou energia elétrica, o objetivo é manter volume de espera que deve ser mantido em cada
o volume do reservatório o mais alto possível dia do período chuvoso pelo reservatório para
para garantir a produção. Nessas condições, a um determinado risco de análise.
capacidade de amortecer as inundações é míni-
ma, pois não existe volume para amortecimento,
formando um conflito natural entre esses usos.
A metodologia geralmente utilizada para
atender aos objetivos conflitantes baseia-se na
reserva de um volume de espera no reservatório,
que minimize os impactos da inundação a mon-
tante e a jusante da barragem (figura 2.11). Esse
volume é mantido livre para receber e amortecer
a inundação e reduzir a vazão a jusante, procu-
rando atender às restrições de montante e ju- Figura 2.11 Níveis operacionais de uma barragem

sante. O restante do volume da barragem aten-


de aos outros objetivos citados.No período seco, Esses procedimentos não consideram a in-
esse volume de espera é eliminado. formação existente na bacia no período da inunda-
ção. Para bacias onde a sazonalidade não é bem de-
finido, o modelo pode subestimar ou superestimar
o volume de espera, com prejuízos importantes. De
Barragem um lado, os prejuízos decorrentes da inundação, e
Oeste
de outro, da perda de energia gerada.
Diques ou polders: São muros laterais
de terra ou concreto, inclinados ou retos, cons-
Barragem
Sul truídos a uma certa distância das margens, que
protegem as áreas ribeirinhas contra o extrava-
samento. Os efeitos de redução da largura do
escoamento, confinando o fluxo, são: o aumento
do nível de água na seção para a mesma vazão,
o aumento da velocidade e da erosão das mar-
Figura 2.10 Bacia do Rio Itajaí e
54 barragens de controle de cheias gens e da seção e a redução do tempo de viagem
Gestão de águas pluviais urbanas

da onda de cheia, agravando a situação dos ou- danos potenciais forem somente econômicos.
tros locais a jusante. O maior risco existente na Quando o colapso possa produzir danos huma-
construção de um dique é a definição correta da nos, o risco deve ser menor e a obra comple-
enchente máxima provável, pois existirá sempre mentada por um sistema de previsão e alerta em
um risco de colapso, quando os danos serão pio- tempo atual. Tanto em bacias rurais como em
res do que se o dique não existisse. urbanas, é necessário planejar a drenagem das
áreas laterais que contribuem para o rio. Essa
O dique permite proteção localizada para
área é drenada para um ou mais pontos de bom-
uma região ribeirinha. Devem-se evitar diques
beamento. No período em que o nível do rio é
de grandes alturas, pois existe sempre o risco de
menor que o do escoamento das áreas laterais, o
rompimento no caso de uma enchente maior do
fluxo dá-se por gravidade. No período de cheia,
que a de projeto. No caso de rompimento, o im-
quando o nível do rio aumenta e fica superior ao
pacto é maior do que se o dique não existisse.
das áreas laterais, o escoamento por gravidade
Hidraulicamente, o dique reduz a seção é interrompido por um sistema automático de
de escoamento e pode provocar aumento da ve- comportas do tipo stop-log. A partir desse mo-
locidade e dos níveis de inundação (figura 2.11). mento, o escoamento das áreas laterais é arma-
Para que isso não ocorra, as condições de fluxo zenado num pequeno lago lateral e bombeado
não devem ser alteradas após a construção do para o rio (figura 2.13). A dimensão do lago la-
dique. Essas condições podem ser simuladas em teral depende da dimensão da vazão de bombe-
condição de regime permanente para as vazões de amento. À medida que se utilizar maior volume,
projeto. Tal metodologia não deve ser usada para menor será a vazão e vice-versa.
escoamento sujeito ao efeito de maré, pois resul-
tará numa cota superdimensionada. Para tanto,
deve-se utilizar um modelo hidrodinâmico.
Os diques são normalmente construídos
de terra com enrocamento e de concreto, depen-
dendo das condições locais.

a- configuração do bombeamento

Figura 2.12 Impacto da construção do dique

b- hidrograma de entrada e saída ao


Na construção de diques para a proteção pequeno lago junto ao bombeamento
de áreas agrícolas, o risco de colapso adotado
pode ser mais alto que em áreas urbanas, se os Figura 2.13 Dique – Drenagem da bacia lateral 55
SANEAMENTO PARA TODOS

Modificações do rio: As modificações na Para a seção de um rio que escoa uma


morfologia do rio visam aumentar a vazão para vazão Q, a cota resultante depende da área da
um mesmo nível, reduzindo a sua freqüência de seção, da rugosidade, do raio hidráulico e da de-
ocorrência. Isso pode ser obtido pelo aumento clividade. Para reduzir a cota decorrente de uma
da seção transversal ou pelo aumento da veloci- vazão, pode-se atuar sobre as variáveis mencio-
dade. Para aumentar a velocidade, é necessário nadas. Para que a modificação seja efetiva, é ne-
reduzir a rugosidade, tirando obstruções ao es- cessário modificar essas condições para o trecho
coamento, dragando o rio, aumentando a decli- que atua hidraulicamente sobre a área de inte-
vidade pelo corte de meandros ou aprofundan- resse. Aprofundando o canal, a linha de água é
do o rio. Essas medidas são de alto custo. rebaixada, evitando inundação, mas as obras,

56 Figura 2.14 Modificações no rio


Gestão de águas pluviais urbanas

para serem efetivas, deverão ser realizadas para ral pode criar uma falsa sensação de segurança,
um trecho muito extenso, que resultará em au- permitindo a ampliação da ocupação das áreas
mento do custo final (figura 2.14a). A ampliação inundáveis, que futuramente podem resultar
da seção de medição ou a redução da rugosidade em danos significativos. As medidas não-estru-
produz redução da declividade da linha de água turais, em conjunto com as anteriores ou sem
e redução de níveis a montante (figura 2.14b). Es- essas, podem minimizar significativamente os
sas obras devem ser examinadas quanto à altera- prejuízos com um custo menor. O custo de pro-
ção que podem provocar na energia do rio e na teção de uma área inundável por medidas es-
estabilidade do leito. Os trechos de montante e truturais, em geral, é superior ao de medidas
jusante das obras podem sofrer sedimentação ou não-estruturais. Em Denver (Estados Unidos),
erosão, de acordo com a alteração produzida. em 1972, o custo de proteção por medidas es-
truturais de um quarto da área era equivalente
ao de medidas não-estruturais para proteger os
II.6 MEDIDAS NÃO-ESTRUTURAIS restantes três quartos da área inundável.
As principais medidas não-estruturais
As medidas estruturais não são projeta- são do tipo preventivas, como: previsão e alerta
das para dar uma proteção completa. Isso exigi- de inundação, zoneamento das áreas de risco de
ria a proteção contra a maior enchente possível. inundação, seguro e proteção individual contra
Essa proteção é física e economicamente inviá- inundação. A previsão de inundação foi apre-
vel na maioria das situações. A medida estrutu- sentada no item anterior.

Figura 2.15 Sistema de previsão e alerta 57


SANEAMENTO PARA TODOS

II.6.1 Sistema de previsão e alerta Inicia-se, nesse momento, a previsão de níveis


em tempo real;

O sistema de previsão de alerta tem a fina- 2. Nível de alerta: é o nível a partir do


lidade de se antecipar à ocorrência da inundação, qual é previsto que um nível futuro crítico será
avisando a população e tomando as medidas ne- atingido dentro de um horizonte de tempo da
cessárias para reduzir os prejuízos resultantes da previsão. A Defesa Civil e a Administração mu-
inundação. Um sistema de alerta de previsão tem- nicipal passam a receber regularmente as previ-
po real envolve os seguintes aspectos (figura 2.15): sões para a cidade e a população recebe o alerta
e instruções da Defesa Civil;
• Sistema de coleta e transmissão de infor-
mações de tempo e hidrológicas: sistema 3. Nível de emergência: nível no qual
de monitoramento por rede telemétrica, ocorrem prejuízos materiais e humanos. Essas
satélite ou radar e transmissão dessas in- informações são o nível atual, previsto com an-
formações para o centro de previsão; tecedência, e o intervalo provável dos erros, ob-
tidos dos modelos.
• Centro de Previsão: recepção e processa-
mento de informações, modelo de previsão A fase de mitigação trata das ações que
(veja item anterior), avaliação e alerta; devem ser realizadas para diminuir o prejuízo
da população quando a inundação ocorre, como:
• Defesa Civil: programas de preventi-
isolar ruas e áreas de risco, remoção da popula-
vos: educação, mapa de alerta, locais
ção, animais e proteção de locais de interesse
críticos; alerta aos sistemas públicos:
público.
escolas, hospitais, infra-estrutura; aler-
ta à população de risco, remoção e pro- O mapa de alerta é preparado com valo-
teção à população atingida durante a res de cotas em cada esquina da área de risco.
emergência ou nas inundações. Com base na cota absoluta das esquinas, deve-
se transformar esse valor na cota referente à
Esse sistema possui três fases distintas,
régua. Isso significa que, quando um determi-
a saber: prevenção, alerta e mitigação. Na pre-
nado valor de nível de água estiver ocorrendo
venção, são desenvolvidas as atividades preven-
na régua, a população saberá quanto falta para
tivas para minimizar as inundações quando elas
inundar cada esquina. Isso auxilia a convivência
ocorrerem. Isso implica o treinamento da equi-
com a inundação durante a sua ocorrência.
pe da Defesa Civil, da população, por meio de
informações, mapa de alerta que identifique as Para que esse mapa possa ser determi-
áreas alagadas durante sua ocorrência, planeja- nado, é necessário obter todas as cotas de cada
mento de áreas para receber a população flage- esquina e realizar o seguinte procedimento:
lada, entre outros. 1. para cada cota de esquina, trace uma
O alerta trata da fase de acompanhamen- perpendicular do seu ponto de localização com
to da ocorrência dos eventos chuvosos com base relação ao eixo do rio;
no seguinte: 2. considere a cota da referida esquina como
1. Nível de acompanhamento: nível a sendo a mesma nessa seção do rio;
partir do qual existe um acompanhamento por 3. obtenha a declividade da linha de água.
parte dos técnicos, da evolução da enchente. Escolha o tempo de retorno aproximadamente
Nesse momento, é alertada a Defesa Civil sobre pela faixa (mapa de planejamento) em que se en-
58 a eventualidade da chegada de uma enchente. contra a esquina;
Gestão de águas pluviais urbanas

4. a cota da régua da esquina será: Para a elaboração desses mapas, são ne-
cessários os seguintes dados: a) nivelamento
da régua a um zero absoluto; b) topografia da
CR = CT +
_ DxDist
cidade no mesmo referencial absoluto da régua
linimétrica; cota da rua no meio de cada esquina
onde: CR é cota da régua; CT é a cota to- das áreas de risco; c) estudo de probabilidade de
pográfica da esquina; D é declividade ao longo inundações de níveis para uma seção na proximi-
do rio; Dist é a distância ao longo do rio entre dade da cidade; d) níveis de enchentes, ou mar-
a seção da régua. O sinal será negativo se a es- cas ao longo da cidade que permitam a definição
quina estiver a montante da seção da régua; e da linha de água; e) seções batimétricas ao longo
positivo se estiver a jusante. do rio no perímetro urbano. Caso a localização
da seção de observação encontre-se fora do perí-
O valor a ser colocado no mapa é CR. No
metro urbano, a batimetria deve ir até a referida
entanto, caso a população esteja mais acostu-
seção (o espaçamento das seções depende das
mada com o valor da régua e não da sua cota ab-
modificações do leito e da declividade da linha
soluta, deve-se utilizar o nível da régua, que é:
de água, mas espaçamentos entre 500 e 1.000 m
são suficientes); f) cadastramento das obstruções
NR=CR-ZR ao escoamento ao longo do trecho urbano como
pontes, edifícios e estradas, entre outros.

Onde NR é o nível da régua; CR é a cota Quando a declividade da linha de água


da régua; e ZR é a cota do zero da régua. ao longo da cidade é muito pequena e não exis-
tem arroios significativos no perímetro urbano,
os itens d, e, f são desnecessários. No caso das
II.6.2 Zoneamento de áreas inundáveis obstruções, essas podem ser importantes se re-
duzirem significativamente a seção transversal.

O zoneamento das áreas de inundação Na prática, é muito difícil a obtenção de to-


engloba as seguintes etapas: a) determinação do das as informações relacionadas acima, portanto,
risco das enchentes; b) mapeamento das áreas é conveniente dividir o estudo em duas fases. Na
sujeitas à inundação; e c) zoneamento. A estima- primeira fase, dita preliminar, seriam delimitadas,
tiva do risco foi mencionado no item 2.2. A se- com precisão reduzida às áreas de inundação, com
guir, são descritos os aspectos do mapeamento base em mapas topográficos existentes e marcas
e do zoneamento. de enchentes. Na segunda fase, com a delimita-
ção aproximada das áreas de inundação, seria de-
terminada a topografia mais detalhada para essa
Mapa de inundação de cidade área, juntamente com a batimetria do rio.
Mapeamento preliminar: Nas cidades de
Os mapas de inundação podem ser de porte superior a 10 mil habitantes, existem pro-
dois tipos: mapas de planejamento e mapas de jetos de abastecimento de água. Para esses pro-
alerta. O mapa de planejamento define as áreas jetos, é necessário obter a topografia no mínimo
atingidas por cheias de tempos de retorno es- com espaçamento de 5 m em 5 m (1:10.000). Es-
colhidos. O mapa de alerta foi descrito no item ses mapas não possuem a precisão desejada para
anterior. esse tipo de estudo, mas podem ser utilizados 59
SANEAMENTO PARA TODOS

preliminarmente. Os erros podem ser minimiza- ca, obtenha os níveis absolutos correspondentes
dos com visitas in loco, fotografias aéreas e veri- aos tempos de retorno desejados;
ficação de pontos característicos do levantamen- (b) defina as seções ao longo do rio. Es-
to. Nem sempre esses mapas referem-se à cota sas seções são escolhidas com base nas marcas
absoluta desejada. Nessa situação, é necessário existentes e/ou nos níveis medidos da ordem de
procurar o RN do mapa disponível e estabelecer
500 m a 1.000 m de espaçamento, dependen-
a amarração topográfica com o zero da régua li-
do das irregularidades do rio dentro da cidade
nimétrica onde são medidos os níveis do rio.
(pontes, obstruções e outros);
Considerando que os níveis de enchentes
(c) calcule a declividade da linha de água
são conhecidos na seção da régua, para transpor-
para os diferentes trechos definidos pelas seções
tá-lo para as seções ao longo do trecho urbano,
referenciadas. A declividade é calculada com a
é necessário conhecer a declividade da linha de
distância medida ao longo do rio. Deve-se tomar
água. Essa declividade pode ser obtida por meio
cuidado quando existirem pontes e/ou estradas
das marcas de enchentes ou medindo-a durante
que obstruam o escoamento;
a estiagem. Este último procedimento pode apre-
sentar erros, já que, se existirem obstruções ao (d) para os níveis calculados nas seções
escoamento durante as enchentes, a declividade do posto, obtenha as cotas correspondentes para
poderá se modificar significativamente. as outras seções, utilizando a declividade da li-
nha de água obtida.
Para a determinação da declividade da
linha de água, deve-se recomendar ao topógrafo Mapeamento definitivo: Nesse caso, é ne-
o seguinte: a) nivelar todas as marcas de enchen- cessário o levantamento detalhado da topogra-
te existentes na cidade; b) medir o nível de água fia das áreas de risco com o tempo de retorno
com espaçamento entre 500 m e 1.000 m ao lon- menor ou igual a 100 anos. A escolha do tempo
go do trecho urbano, anotando a cota da régua de retorno é arbitrária e depende da definição do
para o momento do levantamento. Para acompa- futuro zoneamento. Caso tenha ocorrido uma
nhar o trabalho do topógrafo, pode-se utilizar os enchente com tempo de retorno superior a 100
seguintes recursos: a) confira se a declividade é anos, deve-se escolher o maior valor ocorrido.
decrescente na direção do fluxo; b) para verificar O levantamento detalhado engloba a de-
o nivelamento das marcas na vizinhança da seção terminação das curvas de nível com espaçamen-
da régua linimétrica, some ao zero da régua os va- to de 0,5 m ou 1,0 m, dependendo das condições
lores observados no linígrafo e verifique se corres- do terreno. Em algumas cidades, o espaçamento
pondem às marcas niveladas. Deve-se considerar pode ser muito detalhado. Nesse levantamento,
que a marca de enchente não corresponde ao nível deve constar o nível do meio da rua de cada es-
máximo ocorrido, já que o rio deixa a parede man- quina das áreas de risco.
chada quando o nível se mantém por algum tem-
Além da topografia, é necessário o levan-
po. No caso de o rio ficar muito pouco tempo no
tamento das obstruções ao escoamento, como
pico, a marca deve aparecer para níveis menores.
pilares e encostos de pontes, estradas com ta-
Os critérios para a determinação da linha ludes, edifícios, caracterizando em planta e, em
de água e dos níveis de enchente ao longo da seção, o tipo de cobertura e obstrução.Com a
cidade são os seguintes: batimetria ao longo da cidade, é possível deter-
(a) conhecida a curva de freqüência de minar as cotas de inundação, de acordo com o
60 níveis de inundação na seção da régua linimétri- seguinte procedimento:
Gestão de águas pluviais urbanas

a) um modelo de escoamento permanente, O Water Resources Council (1971) en-


para cálculo da linha de água, deve ser utilizado. O tende que “zoneamento envolve a divisão de
método é utilizado, inicialmente, para ajuste das unidades governamentais em distritos e a regu-
rugosidades, com base nas marcas de enchentes e lamentação dentro desses distritos de: (a) usos
na curva de descarga do posto fluviométrico. Para de estruturas e da terra; (b) altura e volume das
tanto, a linha de água é determinada para a vazão estruturas; (c) o tamanho dos lotes e densida-
máxima no posto fluviométrico e o nível corres- de de uso”. As características do zoneamento,
pondente no sentido de jusante para montante. A que o distinguem de outros controles é que a
rugosidade correta será aquela cuja linha de água regulamentação varia de distrito para distrito.
se aproximar das marcas de enchente; Por essa razão, o zoneamento pode ser usado
b) conhecidas as rugosidades, pode-se es- para estabelecer padrões especiais para uso da
tabelecer a linha de água para as vazões corres- terra em áreas sujeitas a inundação. A divisão
pondentes aos diferentes tempos de retorno e, em da área da comunidade em distritos de terras é
conseqüência, determinar os níveis em cada seção usualmente baseada em planos globais de uso,
correspondente àquele tempo de retorno. Repe- que orientam o crescimento da comunidade.
tindo o procedimento para cada tempo de retor- Condições técnicas do zoneamento: O
no, obtêm-se as áreas de risco de inundação. risco de ocorrência de inundação varia de acordo
com a respectiva cota da várzea. As áreas mais
baixas obviamente estão sujeitas a maior freqü-
Zoneamento
ência de ocorrência de enchentes. Assim sendo,
a delimitação das áreas do zoneamento depende
O zoneamento propriamente dito é a de- das cotas altimétricas das áreas urbanas.
finição de um conjunto de regras para a ocu- O rio possui normalmente um ou mais
pação das áreas de risco de inundação, visando leitos. O leito menor corresponde à seção de es-
à minimização futura das perdas materiais e coamento em regime de estiagem, ou de níveis
humanas em face das grandes cheias. O zonea- médios. O leito maior pode ter diferentes níveis
mento urbano permite o desenvolvimento racio- de risco, de acordo com a seção transversal con-
nal das áreas ribeirinhas. siderada e a topografia da várzea inundável. Esse
A regulamentação do uso das zonas de leito, o rio costuma ocupar durante as enchentes.
inundação apóia-se em mapas com demarca- Quando o tempo de retorno de extravasamen-
ção de áreas de diferentes riscos e nos critérios to do leito menor é superior a 2 anos, existe a
de ocupação delas, tanto quanto ao uso como tendência da população em ocupar a várzea nas
quanto aos aspectos construtivos. Para que essa mais diversas e significativas formas socioeco-
regulamentação seja utilizada, beneficiando as nômicas. Essa ocupação gera, por ocasião das
comunidades, deve ser integrada à legislação cheias, danos de grande monta aos ocupantes, e,
municipal sobre loteamentos, construções e ha- também, às populações a montante, que são afe-
bitações, a fim de garantir a sua observância. tadas pelas elevações de níveis decorrentes da
Sendo assim, o conteúdo deste capítulo tem a obstrução ao escoamento natural causada pelos
finalidade de servir de base para a regulamenta- primeiros ocupantes (figura 2.15).
ção da várzea de inundação, por meio de planos A seção de escoamento do rio pode ser
diretores urbanos, permitindo às prefeituras a dividida em três partes principais (figura 2.16),
viabilização do controle efetivo. descritas a seguir. 61
SANEAMENTO PARA TODOS

Figura 2.15 Invasões da várzea

Zona de passagem da enchente (faixa 1) mento, elevando os níveis a montante dessa se-
– Esta parte da seção funciona hidraulicamente ção (figuras 2.15 e 2.16). Portanto, em qualquer
e permite o escoamento da enchente. Qualquer planejamento urbano, deve-se procurar manter
construção nessa área reduzirá a área de escoa- essa zona desobstruída.

Figura 2.16 Regulamentação da zona inundável


62 (U.S.WATER RESOURCES COUNCIL,1971)
Gestão de águas pluviais urbanas

Figura 2.17 Definição da zona de passagem de enchente

Os critérios técnicos geralmente utili- car as medidas que podem ser tomadas para a
zados para determinar essa faixa são os se- correção. Não deve ser permitida a construção
guintes: de aterro que obstrua o escoamento. Essa área
(a) determine a cheia de 100 anos de tem- poderia ter seu uso destinado à agricultura ou
po de retorno ou a que determina os limites da a outro uso similar às condições da natureza.
área de inundação; Ademais, seria permitida a instalação de linhas
de transmissão e condutos hidráulicos ou qual-
(b) a seção de passagem da enchente será
quer tipo de obra que não produza obstrução
aquela que evitar aumentar os níveis do leito
ao escoamento, como estacionamentos, cam-
principal para o vale de inundação. Como esse
pos de esporte, entre outros.
valor dificilmente é nulo, adota-se um acréscimo
mínimo, aceito para o leito principal. Nos Esta- Em algumas cidades, poderão ser ne-
dos Unidos, adotou-se como acréscimo máximo cessárias construções próximas aos rios. Nessa
igual a 1 pé ou 30,45 cm. Veja a figura 2.17, para circunstância, deve ser avaliado o efeito da obs-
a definição dessa faixa da várzea. trução, e as obras devem estar estruturalmente
protegidas contra inundações.
Esta faixa do rio deve ficar desobstruída
para evitar danos de monta e represamentos. Zona com restrições (faixa 2) – Esta é a
Nessa faixa, não deve ser permitida nenhuma área restante da superfície inundável que deve
nova construção e a Prefeitura poderá, paula- ser regulamentada. Essa zona fica inundada,
tinamente, relocar as habitações existentes. Na mas, em virtude das pequenas profundidades e
construção de obras como rodovias e pontes, das baixas velocidades, não contribuem muito
deve ser verificado se elas produzem obstru- para a drenagem da enchente. Essa zona, que
ções ao escoamento. Naquelas já existentes, pode ser subdividida em subáreas, tem essen-
deve-se calcular o efeito da obstrução e verifi- cialmente os seguintes usos: 63
SANEAMENTO PARA TODOS

(a) parques e atividades recreativas ou beirinhas de maior risco. A regulamentação da


esportivas cuja manutenção, após cada cheia, ocupação de áreas urbanas é um processo que
seja simples e de baixo custo. Normalmente, passa por uma proposta técnica discutida com a
uma simples limpeza a reporá em condições de comunidade antes de ser incorporada ao Plano
utilização, em curto espaço de tempo; Diretor da cidade. Portanto, não existem crité-
(b) uso agrícola; rios rígidos aplicáveis a todas as cidades, mas,
sim, recomendações básicas que podem ser se-
(c) habitação com mais de um piso, onde
guidas de acordo com cada caso.
o piso superior ficará situado, no mínimo, no
nível do limite da enchente e estruturalmente Water Resources Council (1971) orienta
protegida contra enchentes; a regulamentação com base em distritos, defini-
do-se em cada um o seguinte: (a) um texto que
(d) industrial, comercial, como áreas de
apresente os regulamentos que se aplicam a
carregamento, estacionamento, áreas de arma-
cada distrito, junto com as providências admi-
zenamento de equipamentos ou maquinaria fa-
nistrativas; (b) um mapa delineando os limites
cilmente removível ou que não estejam sujeitos
dos vários usos nos distritos.
a danos de cheia. Nesse caso, não deve ser per-
mitido o armazenamento de artigos perecíveis e O zoneamento é complementado com
principalmente tóxicos; a subdivisão das regulamentações, em que são
orientadas as divisões de grandes parcelas de
(e) serviços básicos: linhas de transmis-
terra em pequenos lotes, com o objetivo de de-
são, estradas e pontes, desde que corretamente
senvolvimento e venda de prédios. Portanto,
projetados.
essa é a fase de controle sobre os loteamentos.
Zona de baixo risco (faixa 3) – Esta zona O Código de Construção orienta a construção de
possui pequena probabilidade de ocorrência prédios quanto a aspectos estruturais, hidráu-
de inundações, sendo atingida em anos excep- licos, de material e vedação. A regulamentação
cionais por pequenas lâminas de água e baixas das construções permite evitar futuros danos. A
velocidades. A definição dessa área é útil para seguir, relacionamos alguns indicadores gerais
informar a população sobre a grandeza do risco que podem ser usados no zoneamento.
a que está sujeita. Essa área não necessita regu-
A proteção das habitações com relação às
lamentação, quanto a cheias.
enchentes depende da capacidade econômica do
Nessa área, delimitada por cheia de baixa proprietário em realizá-la. Com a implantação de
freqüência, pode-se dispensar medidas indivi-
um plano, a municipalidade poderá permitir cons-
duais de proteção para as habitações, mas deve-
truções nessas áreas, desde que atendam às se-
se orientar a população sobre uma eventual
guintes condições (Tucci e Simões Lopes, 1985):
possibilidade de enchente e instruí-la sobre os
meios de proteger-se das perdas decorrentes, a) estabelecimento de, pelo menos, um
recomendando o uso de obras com, pelo me- piso com nível superior à cheia que limita a
nos, dois pisos, onde o segundo pode ser usado zona de baixo risco;
nos períodos críticos. b) uso de materiais resistentes à submer-
Regulamentação das zonas de inunda- são ou ao contato com a água;
ção: Usualmente, nas cidades de países em de- c) proibição de armazenamento ou mani-
senvolvimento, a população de menor poder pulação e processamento de materiais inflamá-
64 aquisitivo e marginalizada ocupa as áreas ri- veis, que possam pôr em perigo a vida humana
Gestão de águas pluviais urbanas

ou animal durante as enchentes. Os equipamen- dualmente remover as obras que obstruem o


tos elétricos devem ficar em cota segura; escoamento.
d) proteção dos aterros contra erosões, Para manter a memória das inundações
por meio de cobertura vegetal, gabiões ou ou- nas ruas, pode-se utilizar a pintura dos postes
tros dispositivos; de luz com diferentes cores. Isso democratiza
e) prever os efeitos das enchentes nos a informação sobre a inundação e evita proble-
projetos de esgotos pluvial e sanitário; mas imobiliários de compra e venda nas áreas
de risco.
f) estruturalmente, as construções devem
ser projetadas para resistir à pressão hidrostá- Quanto às construções já existentes nas
tica, que pode causar problemas de vazamento, áreas de inundação, deverá ser realizado um ca-
entre outros, aos empuxos, e momentos que pos- dastramento completo delas e estabelecido um
sam exigir ancoragem, bem como a erosões que plano para reduzir as perdas no local, bem como
possam minar as fundações; daquelas provocadas pelo remanso, resultante da
obstrução do escoamento. Várias são as condições
g) fechamento de aberturas, como portas,
existentes que deverão ser analisadas caso a caso.
janelas e dispositivos de ventilação;
Algumas situações merecem atenção por bastante
h) estanqueidade e reforço das paredes oportunas: (a) para obras públicas, como escolas,
de porões; hospitais e prédios administrativos, devem-se ve-
i) reforço ou drenagem da laje do piso; rificar a viabilidade de protegê-los ou removê-los
para áreas seguras, a médio prazo; (b) as subabi-
j) estabelecimento de válvulas em conduto;
tações, como favelas e habitações de população de
k) proteção de equipamentos fixos;
baixa renda, devem ter sua transferência negocia-
l) ancoragem de paredes contra desliza- da para áreas mais seguras; (c) para áreas indus-
mentos. triais e comerciais, pode-se incentivar as medidas
A decisão sobre a obrigatoriedade de pro- de proteção às construções e, se for o caso, de
teção das novas construções na zona de inun- toda a área, a expensas dos beneficiados.
dação é um processo que deve passar por uma O poder público deve estar sempre pre-
discussão ampla da comunidade envolvida. No parado para a eventualidade de remoções ou
entanto, deve-se ter presente que, logo após as transferências, cogitados em planos urbanos
últimas enchentes, costuma haver desvaloriza- que destinem essas áreas para outros usos ou
ção imobiliária das áreas de risco. Com o passar finalidades de lazer, evitando que venham a ser
do tempo, essas áreas adquirirão gradualmente ocupadas novamente por subabitações.
valor imobiliário, decorrente do natural espaça-
Algumas ações públicas são essenciais
mento do tempo das cheias e, assim, a imple-
nesse processo, tais como :
mentação de um plano de zoneamento poderá
trazer custos maiores de desapropriações (se a) Evitar construção de qualquer obra pú-
forem necessárias) ou dificuldades no processo blica nas áreas de risco, como escolas, hospitais
de obediência à regulamentação. Essa situação e prédios em geral. As existentes devem contar
somente sofrerá modificação com a ocorrência com um plano de remoção para futuro próximo;
de nova enchente, e com mais danos. Essas con- b) Planejar a cidade para gradualmente
dições são mais graves na zona de passagem da deslocar seu eixo principal para os locais de bai-
cheia, na qual a municipalidade necessita gra- xo risco; 65
SANEAMENTO PARA TODOS

c) Evitar financiar obras em áreas de risco; II.6.4 Seguro de inundação


d) Utilizar mecanismos econômicos para
o processo de incentivo e controle das áreas de O seguro de inundação é um procedimen-
risco, a saber: (a) retirar o imposto predial aos to preventivo viável para empreendimentos com
proprietários que mantiverem sem construção valor agregado importante, no qual os proprie-
as áreas de risco e as utilizarem, por exemplo, tários possuem capacidade econômica de pagar
para agricultura, lazer, etc.; (b) procurar criar o prêmio do seguro. Além disso, nem todas as
um mercado para as áreas de risco de tal forma companhias estão dispostas a fazer o seguro de
que elas se tornem públicas com o passar do inundações se não houver um sistema de resse-
tempo; guros para distribuição do risco.
e) Prever a imediata ocupação das áreas Pelo altamente conhecido sistema de
de risco público quando desocupadas, com al- seguros americanos, a cidade entra no pro-
gum plano que demarque a presença do municí- grama de seguros federais e a população pode
pio ou do Estado. fazer o seguro, cujo custo de risco médio é da
ordem de US 300 de prêmio para uma proprie-
II.6.3 Construção à prova de enchente dade de valor de US 10.000. Os bancos somente
financiam obras em áreas de risco que possu-
am esse tipo de seguro. Portanto, esse seguro
Construção à prova de enchente con- cobra mais dos que ocupam áreas de maior ris-
siste no conjunto de medidas projetadas para co e menos dos que ocupam áreas de menor
reduzir as perdas de prédios localizados nas risco. Isso é possível num país onde é possível
várzeas de inundação durante a ocorrência das distribuir riscos entre diferentes regiões, como
cheias. Algumas dessas medidas podem ser os Estados Unidos. Na Inglaterra, o custo pelo
lembradas: seguro da inundação é pago por todos, mesmo
• instalação de vedação temporária ou per- que não estejam na área de inundação. Como
manente nas aberturas das estruturas; é diluído por toda a população, o prêmio pago
é pequeno, mas pode incentivar a ocupação de
• elevação de estruturas existentes;
área de risco. Quando a população que ocupa
• construção de novas estruturas sob
a área de inundação é de baixa renda, esse tipo
pilotis;
de solução torna-se inviável pela incapacidade
• construção de pequenas paredes ou de a população pagar o prêmio e próprio baixo
diques circundando a estrutura, a relo- valor da sua propriedade.
cação ou a proteção de artigos que pos-
sam ser danificados dentro da estrutura
existente,
• relocação de estruturas para fora da
área de inundação,
• uso de material resistente a água ou
novas estruturas,
• regulamentação da ocupação da área
66 de inundação por cercamento.
Gestão de águas pluviais urbanas

II.7 AVALIAÇÃO DOS PREJUÍZOS régua e a probabilidade, basta efetuar a combi-


DAS ENCHENTES nação das duas curvas.
A grande dificuldade está na determina-
Os prejuízos por inundação podem ser ção da relação entre nível e prejuízo. Para tanto,
classificados em tangíveis e intangíveis. Os pre- é necessário um cadastramento de ocupação da
várzea e a estimativa do prejuízo para os dife-
juízos tangíveis são classificados em danos fí-
rentes componentes dessa ocupação. Essa esti-
sicos, custos de emergência e prejuízos finan-
mativa pode ser realizada para construções-pa-
ceiros. Os danos físicos representam os custos
drão, como residências, ocupação industrial e
de separação e limpeza dos prédios e as perdas
comercial, quando for o caso, além de uso agro-
de objetos, mobília, equipamentos, elementos
pastoril. Nos Estados Unidos, entidades como
decorativos, material armazenado e material
Soil Conservation Service, Corps of Engineers
em elaboração. Os custos emergenciais referem-
e Administração Federal de Seguros procuram
se à evacuação, à reocupação, à habitação pro-
relacionar, para cada tipo básico de construção,
visória (como em acampamentos), sistema de
a altura a partir do piso com a percentagem
alertas, entre outros. Os custos financeiros são
de dano do valor total do prédio. Nas figuras
aqueles devidos à interrupção, do comércio, da
2.18 e 2.19, são apresentados, respectivamente,
fabricação de produtos industriais e aos lucros
exemplos da comparação das curvas propostas
cessantes. Os custos intangíveis são os danos de
pelas três organizações para os casos de uma
enchente que não têm valor de mercado ou va-
casa de um e de dois pisos, ambas sem porão. A
lor monetário, como a perda de vida ou obras e
composição dos custos por área da cidade, por
prédios históricos. Os métodos utilizados para a
meio de amostragem, permite uma avaliação
avaliação dos danos causados pelas enchentes
global dos danos envolvidos. Individualmente,
são (Simons et al., 1977): a) curva nível–prejuí-
uma indústria ou um estabelecimento comercial
zo; b) método da curva de prejuízo histórico; c)
pode levantar seus prejuízos potenciais de acor-
equação de dano agregado.
do com o nível de água.
Conhecida a relação entre profundida-
II.7.1 Curva nível–prejuízo de e prejuízo, é possível estabelecer a relação
entre prejuízo e probabilidade, pelo uso das
duas últimas curvas (figura 2.20). A curva preju-
O desenvolvimento deste método é ci-
ízo–probabilidade permite a estimativa do custo
tado em U.S. Army Corps of Engineers (1976).
médio de inundação para uma cidade; ou, indi-
Consiste na determinação de curva que relacio-
vidualmente, para uma indústria, sem estabele-
na prejuízos e probabilidade ou tempo de retor-
cimento comercial ou uma residência. Ademais,
no. Para determinar essa curva, é necessário ob-
ela informa os riscos econômicos envolvidos na
ter as seguintes relações: a) curva de descarga;
instalação em área sujeita a inundação. O custo
b) curva de probabilidade de vazões máximas; c)
médio de inundação é obtido pela integração da
curva de nível versus prejuízo.
curva prejuízo– probabilidade.
A curva de descarga é a relação entre a
vazão e o nível de água na seção de medição. A
curva de freqüência de probabilidade de vazões
relaciona o risco de ocorrência das inundações.
Para obter a relação entre o nível na seção da 67
SANEAMENTO PARA TODOS

II.7.2 Método da curva de prejuízo histórico II.7.3 Equação do prejuízo agregado

Este tipo de metodologia foi propos- James (1972) apresentou a equação de


ta por Eckstein (1958) e baseia-se na deter- dano agregado, que se baseia no crescimento li-
minação dos prejuízos de cheias ocorridas near entre o dano e o nível médio de inundação
nos últimos anos. Relacionando o prejuízo da várzea. A equação é a seguinte:
de cada evento com relação aos níveis máxi-
mos observados no evento, obtém-se a curva
CD = K D h M U A (2.1)
desejada. As limitações a esse procedimento
são a admissão de que: a) nos últimos anos, o
crescimento da região tenha sido praticamen-
te nulo na área de inundação e que não tenha
havido relocação; b) os prejuízos provocados
pelas cheias tenham sido repostos; c) os valo-
res dos prejuízos estejam uniformizados, ou
seja, considerem a inflação dos períodos; d) o
procedimento de avaliação dos prejuízos seja
o mesmo nas diferentes enchentes, para que
não haja tendenciosidade de avaliação.

Figura 2.19 Curva de profundidade–dano


para uma casa de dois Pavimentos, sem porão
(Simons et al., 1977)

onde, CD = dano total, em virtude de enchente


para um evento; KD = um índice de dano de en-
chente, em unidades monetárias por unidades
de profundidade de inundação; h = profundida-
de média de inundação; M = índice de valor de
mercado de desenvolvimento da área de inun-
dação, em unidades monetárias por unidades
Figura 2.18 Curvas de profundidade–dano para
de desenvolvimento; U = a proporção de ocupa-
uma casa de umPavimento, sem porão ção, ou seja, proporção da área de inundação
(Simons et al.,1977)
desenvolvida pela área total inundada; A = área
total de inundação.
O índice KD é definido por:
68
Gestão de águas pluviais urbanas

Figura 2.20 Método Nível–Prejuízo

de procedimentos para a avaliação dos preju-


KD = dD (2.2)
dy ízos de áreas de inundação com crescimento,
ou modificações de danos potenciais, com o
Onde D = dano; y = a profundidade. Essa tempo. A seqüência é a seguinte: a) utilize um
derivada é obtida com base na relação entre modelo regional de economia para projetar o
dano e profundidade. Homan e Waybur (1960) crescimento urbano regional conforme o pe-
determinaram esse valor para cheias de cerca ríodo de análise; b) defina os limites das áreas
de inundação com base em análise hidrológica
de 5 pés de profundidade (1,5 m) e obtiveram
e aloque o crescimento urbano nessa área; c)
KD = 0,052. James (1964) apresentou um va-
especifique cada estrutura na área de inun-
lor médio de 0,044. Quando, na cheia, existe
dação por localização, tipo, conteúdo e valor
grande quantidade de sedimentos ou alta velo-
econômico, como função do tempo; d) desen-
cidade, o valor de KD cresce. O nível médio da
volva curvas apropriadas, relacionando danos
enchente e o índice do valor de mercado são
na estrutura com nível como função do tempo;
obtidos para cada local. O fator U também é
e) agregue as curvas individuais de dano para
obtido por dados locais. permitir a avaliação de toda a enchente, refle-
Kates (1965) apresentou uma seqüência tindo a mudança no tempo. 69
SANEAMENTO PARA TODOS

Problemas avaliação econômica apresentaria?


9. Numa bacia de 100.000 km2, quais são
1. Por que inunda? as alternativas de controle de inundação? Anali-
se as alternativas.
2. Quais são as fontes dos problemas na
inundação ribeirinha? 10. Quais os critérios para definir a área
que deve ficar desobstruída no zoneamento de
3. Qual a diferença entre medidas estrutu-
área de inundação?
rais e não-estruturais? Quando se deve utilizar
cada tipo de medida? 11. Quais os critérios de zoneamento das
áreas de inundação para a determinação de um
4. Quais são as medidas estruturais? Quais
Plano Diretor urbano?
as limitações extensivas a elas?
5. Quando se utilizam as medidas inten- 12. Por que as medidas estruturais são
sivas? mais caras que as não- estruturais?

6. Quais são as medidas não-estruturais? 13. Quais os principais impactos que


Há dificuldades em implementá-las? envolvem o corte de meandros para controle
de inundação de um trecho de rio?
7. Como determinar o mapeamento de
inundação numa cidade? 14. Quando é viável a canalização de um
rio para controle de enchente? Quais são os
8. Sem dados históricos, é possível mapear?
benefícios da canalização?
9. Como o mapa preparado pode ser
15. Como definiria um plano de deter-
utilizado para o planejamento de ocupação
minação dos níveis de inundação para um local
da cidade? Que recomendações fazer a um
sem dados?
prefeito?Convidado para fazer um estudo de
alternativa de uma indústria que se encon- 16. Quais as medidas complementares
tra na área de inundação, que alternativas de ao zoneamento da planície de inundação?

70
Gestão de águas pluviais urbanas

REFERÊNCIAS

ECKSTEIN, O. 1958. Water resources development, the economics of project damage in urban are-
as. Water Resources Bulletin. Minneapolis, v. 11, n.2, Apr.
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commercial and industrial properties in California. Stanford Research Institute.
HOYT, W.G., LANGBEIN, W.B. 1955. Floods. Princeton: Princeton University Press, Princeton. 469p.
JAMES, L.D. 1964. A time-dependent planning process for combining structural measures, land
use and flood proofing to minimize the economic cost of flood. Stanford University, Institute
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Division, American Society of Civil Engineers. New York, v. 98, n.6, p. 981-92.
JOHNSON, W. 1978. Physical and economic feasibility of nostrutural flood plain management
measures. Davis: Hydrologic Enginneer Center.
KATES, R.W. 1965. Industrial flood losses: damage estimation in the Lehigh Valley. University of
Chicago, Department of Geography. (Research Paper 98).
PRISCOLLI, J. 2001.Flood Management experiences in USA. Apresentação em workshop em Santiago
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ção urbana na cidade de Estrela, RS. Relatório Técnico, p.29.
SIMONS, D.B. et al. 1977. Flood flows, stages and damages. Fort Collins: Colorado State Uni-
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TASK, 1962. Guide for the development of flood plain regulation. Journal of the Hydraulics Divi-
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TUCCI, C. e SIMÕES LOPES, M. 1985. Zoneamento das áreas de inundação: rio Uruguai. Revista
Brasileira de Engenharia Caderno de Recursos Hídricos. Rio de Janeiro, v.3, n. 1, p.19-45,
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U. S. ARMY. CORPS OF ENGINNERS. 1976. Guidelines for flood damage reduction. Sacramento.
WATER RESOURCES COUNCIL, 1971. Regulation of flood hazard areas to reduce flood losses.
Washington. Não paginado.

71
SANEAMENTO PARA TODOS

• Redução da infiltração no solo;


• volume que deixa de infiltrar fica na
superfície, aumentando o escoamento
superficial. Com os condutos pluviais,
aumenta a velocidade do escoamen-
III GESTÃO DAS INUNDAÇÕES NA to superficial, reduzindo o tempo de
DRENAGEM URBANA deslocamento. As vazões máximas
também aumentam, antecipando seus
picos no tempo (figura 3.2). A vazão
Controle da drenagem urbana
máxima média de inundação pode au-
envolve a gestão do espaço
mentar de seis a sete vezes. Na Bacia
urbano para controlar o impacto
do Rio Belém, em Curitiba, com área de
da impermeabilização e evitar a
drenagem de 42 km2 e áreas imperme-
canalização
áveis da ordem de 60%, foi obtido um
aumento de 6 vezes na vazão média
O desenvolvimento urbano altera a co- de cheia das condições rurais para a
bertura vegetal, provocando vários efeitos, que condição atual de urbanização. Na fi-
alteram os componentes do ciclo hidrológico gura 3.3, é apresentada a vazão média
natural. Este capítulo trata do impacto da urba- de cheia conforme a área de drenagem
nização nas águas pluviais. para bacias rurais e para a Bacia do
Rio Belém. A tendência dos valores das
bacias rurais permitiu estimar a vazão
III.1 Impacto do desenvolvimento urbano no média de cheia da sua situação de pré-
ciclo hidrológico desenvolvimento, comparando com o
valor atual (ponto na figura).

Com a impermeabilização do solo por


meio de telhados, ruas, calçadas e pátios, a água
que antes infiltrava, passa a escoar pelos condu-
tos, aumentando o escoamento superficial. O vo-
lume que escoava lentamente pela superfície do
solo e ficava retido pelas plantas, pelos efeitos da
urbanização, passa a escoar através de superfícies
impermeáveis, condutos e canais, exigindo maior
capacidade de escoamento e aumento das seções
e declividade do conduto ou canal.
Na figura 3.1, é apresentado o efeito da
urbanização sobre as variáveis do ciclo hidro-
lógico. O hidrograma típico de uma bacia na-
tural e aquele resultante da urbanização são
apresentados na figura 3.2. Com a urbaniza-
ção são introduzidas as seguintes alterações
72 no ciclo hidrológico: a- cenário sem urbanização
Gestão de águas pluviais urbanas

b – cenário urbanizado

Figura 3.1 Balanço hídrico numa bacia urbana (OECD, 1986)

Figura 3.2 Impacto devido a urbanização (Schueler, 1987) 73


SANEAMENTO PARA TODOS

• Com a redução da infiltração, o aqüí- curece, aumenta a absorção de radiação solar. O


fero tende a diminuir o nível do lençol aumento da absorção de radiação solar por par-
freático por falta de alimentação (princi- te da superfície aumenta a emissão de radiação
palmente quando a área urbana é muito térmica de volta para o ambiente, gerando calor.
extensa), reduzindo o escoamento sub- O aumento de temperatura também cria condi-
terrâneo; ções de movimento de ar ascendente, que pode
• Por conta da substituição da cobertura aumentar a precipitação. Silveira (1997) mostra
natural por áreas impermeáveis, ocorre que a parte central de Porto Alegre apresenta
uma redução da evapotranspiração, já maior índice pluviométrico que a sua periferia,
que a superfície urbana não retém água, atribuindo essa tendência à urbanização.
como a cobertura vegetal, e não permite Aumento de sedimentos e de material
a evapotranspiração, como ocorre pelas sólido: Durante o desenvolvimento urbano, o
folhagens e do solo. aumento dos sedimentos produzidos pela bacia
hidrográfica é significativo, em decorrência de
construções, limpeza de terrenos para novos lo-
teamentos, construção de ruas, avenidas e rodo-
vias, entre outras causas. Na figura 3.4, pode-se
observar a tendência de produção de sedimen-
tos de uma bacia nos seus diferentes estágios de
desenvolvimento.

Figura 3.3 Vazão média de cheia em função da área de


drenagem na Região Metropolitana de Curitiba

III.2 Impacto ambiental sobre o ecossistema


aquático

Com o desenvolvimento urbano, vários


elementos antrópicos são introduzidos na bacia
hidrográfica e passam a atuar sobre o ambiente.
Alguns dos principais problemas são discutidos
a seguir.
Aumento da temperatura: As superfícies
impermeáveis absorvem parte da energia solar,
aumentando a temperatura ambiente, produzin-
do ilhas de calor na parte central dos centros ur-
banos, onde predomina o concreto e o asfalto. O
asfalto, por causa da sua cor, absorve mais ener-
gia do que as superfícies naturais e o concreto. Figura 3.4 Variação da produção de sedimentos em
74 À medida que a sua superfície envelhece e es- decorrência do desenvolvimento urbano (Dawdy, 1967)
Gestão de águas pluviais urbanas

As principais conseqüências ambientais didade, durante as estiagens, tem deposi-


da produção de sedimentos são as seguintes: tado no canal a produção de sedimentos
• Erosão das superfícies, gerando fortes da bacia e criado vegetação, reduzindo a
áreas degradadas. Nas figuras 3.5 e 3.6, capacidade de escoamento durante as
pode ser observado o efeito da erosão enchentes;
sobre as superfícies urbanas desprotegi- • Transporte de poluentes agregados ao
das. Na foto da direita, observa-se a ero- sedimento, que contaminam as águas
são gerada pelo aumento de escoamento pluviais.
de drenagem a montante. O aumento da
energia e da velocidade do escoamento
pode produzir verdadeiros canyons, que
chegam a 30 m de profundidade e a 50 m
de largura em solos frágeis;

Figura 3.6 Erosão urbana (Campana, 2004)

Obstruções ao escoamento: obstruções


ao escoamento, como aterros e pontes, drena-
gens inadequadas e obstruções ao escoamento
junto a condutos e assoreamento. Alguns dos
exemplos de obstrução do escoamento são do-
cumentados a seguir:
(a) Produção de resíduo sólido que obstrui
o escoamento. O material sólido, além de reduzir
a capacidade de escoamento, obstrui as deten-
ções urbanas para o controle local do escoamen-
Figura 3.5 Erosão urbana (Campana, 2004). to. Na figura 3.7, são apresentados os sistemas
obstruídos por material sólido e por canalização
• Assoreamento das seções da drenagem, atravessando a drenagem;
com redução da capacidade de escoa- (b) Resíduo sólido no sistema de detenção.
mento de condutos, rios e lagos urbanos. À medida que a bacia é urbanizada, e a densi-
A Lagoa da Pampulha é um exemplo de ficação consolidada, a produção de sedimentos
um lago urbano que tem sido assoreado. pode reduzir (figura 3.4), mas um outro proble-
O Arroio Dilúvio, em Porto Alegre, por ma aparece, que é a produção de lixo. O lixo obs-
causa de sua largura e pequena profun- trui ainda mais a drenagem e cria condições am- 75
SANEAMENTO PARA TODOS

bientais ainda piores. Esse problema somente é lixo urbano no sistema de drenagem. Como se
minimizado com adequada freqüência da coleta observa, grande parte desse lixo é de plástico,
e educação da população com multas pesadas. com grande concentração de garrafas do tipo
Na figura 3.8, pode-se observar a quantidade de pet e sacos de supermercados;

Figura 3.7 Obstrução e resíduo na drenagem (Belo Horizonte e São Paulo)

76 Figura 3.8 Lixo retido na drenagem (São Paulo)


Gestão de águas pluviais urbanas

Figura 3.9 Obstruções ao escoamento em canais (Porto Alegre) Figura 3.10 Construções na drenagem (Caxias do Sul)

(c) Problemas de manutenção. Podem Qualidade da água pluvial: A qualidade


ocorrer vários problemas de escoamento resul- da água do pluvial não é melhor que a do efluente
tantes da falta de limpeza do sistema de drena- de um tratamento secundário. A quantidade de
gem e de projetos inadequados que não consi- material suspenso na drenagem pluvial é supe-
deram o assoreamento em seções muito largas rior à encontrada no esgoto in natura. Esse volu-
(figura 3.9). me é mais significativo no início das enchentes.
(d) Obstrução do escoamento por constru- Na figura 3.12, pode-se observar a amostra de
ções e aumento do risco: O desenvolvimento ur- água pluvial em tempos, representado por um
bano tende a ocupar a drenagem deixando pouco relógio (figura das garrafas). No início, existe pe-
espaço para a drenagem, trazendo risco para a quena concentração, logo após a concentração
própria habitação e para montante (figura 3.10). é alta, e passados alguns intervalos de tempo
Áreas de risco de encostas: A ocupa- é reduzida substancialmente. Nos primeiros 25
ção das áreas de relevo nas cidades é uma das mm de chuva, geralmente se concentram 95%
principais causas de morte durante o período da carga. O polutagrama gerado por uma área
chuvoso em virtude do escorregamento de terra urbana após um período seco mostra um pico
das encostas, em conseqüência da infiltração de de concentração antes do pico do hidrograma,
água no solo e da falta de sustentação de maci- indicando que a concentração no início é alta,
ços naturais e alterados (figura 3.11). mesmo com pequena vazão. 77
SANEAMENTO PARA TODOS

Figura 3.11 Ocupação em áreas de risco

Os esgotos podem ser combinados (cloa-


cal e pluvial num mesmo conduto) ou separados
(rede pluvial e cloacal separadas). No Brasil, a
maioria das redes é do segundo tipo; somente
em áreas antigas de algumas cidades existem
sistemas combinados. Atualmente, em decor-
rência da falta de capacidade financeira para
Figura 3.12 Amostradores de qualidade da água pluvial.
ampliação da rede de cloacal, algumas prefeitu- Início da precipitação com a garrafa marrom
ras têm permitido o uso da rede pluvial para o (posição do relógio a 45 min).

transporte do cloacal, o que pode ser uma so-


lução inadequada já que esse esgoto não é tra-
A qualidade da água da rede pluvial de-
tado, além de inviabilizar algumas soluções de
pende de vários fatores: da limpeza urbana e
controle quantitativo do pluvial.
sua freqüência, da intensidade da precipitação e
Os poluentes que ocorrem na área urbana
de sua distribuição temporal e espacial, da épo-
variam muito, desde compostos orgânicos a me-
ca do ano e do tipo de uso da área urbana. Os
tais altamente tóxicos. Alguns poluentes atuam
principais indicadores da qualidade da água são
de formas distintas no ambiente urbano, como
os parâmetros que caracterizam a poluição or-
inseticidas, fertilizantes, chumbo proveniente
gânica e a quantidade de metais.
das emissões de automóveis e óleos de vaza-
mento ou de caminhões, ônibus e automóveis. Contaminação de aqüíferos: As princi-
A fuligem resultante das emissões de gases no pais condições de contaminação dos aqüíferos
ambiente urbano dos veículos e das indústrias, urbanos são devidas aos seguintes eventos:
e a queima de resíduos se depositam na super- • Aterros sanitários contaminam as águas
fície e são lavados pela chuva. A água resultante subterrâneas pelo processo natural de pre-
dessa lavagem chega aos rios, contaminada. cipitação e infiltração. Deve-se, pois, evitar
Os principais poluentes encontrados no que sejam construídos aterros sanitários
escoamento superficial urbano são: sedimentos, em áreas de recarga e procurar escolher as
nutrientes, substâncias que consomem oxigênio, áreas com baixa permeabilidade. Os efeitos
metais pesados, hidrocarbonetos de petróleo, da contaminação nas águas subterrâneas
bactérias e vírus patogênicos. Os valores médios devem ser examinados quando da escolha
78 americanos são apresentados na tabela abaixo. do local do aterro (ver tabela);
Gestão de águas pluviais urbanas

TABELA 3.1 CONCENTRAÇÃO PARA ESCOAMENTO MÉDIO PARA ALGUNS USOS DA TERRA URBANA, COM BASE NO PROGRAMA NACIONAL
DE ESCOAMENTO URBANO (AMERICANO) (WHALEN E CULLUM,1989)

Parâmetro Residencial Comercial Industrial


TKN (mg/L) 0,23 1,5 1,6
No3 + No2 (mg/L) 1,8 0,8 0,93
Total P (mg/L) 0,62 2,29 0,42
Cobre (μmg/L) 56 50 32
Zinco (μmg/L) 254 416 1.063
Chumbo (mg/L) 293 203 115
COD (mg/L) 102 84 62
TSS (mg/L) 228 168 106
DBO (mg/L) 13 14 62

• Grande parte das cidades brasileiras uti- • Princípio dos projetos de drenagem: A
liza fossas sépticas como destino final do drenagem urbana tem sido desenvolvida
esgoto. Esse conjunto tende a contaminar com base no falso princípiode que “a me-
a parte superior do aqüífero. A contamina- lhor drenagem é a que retira a água pluvial
ção pode comprometer o abastecimento excedente o mais rápido possível do seu
de água urbana quando existe comunica- local de origem” .
ção entre diferentes camadas dos aqüífe- • Avaliação e controle por trechos: Na
ros, por meio de percolação e de perfura- microdrenagem, os projetos aumentam
ção inadequada dos poços artesianos; a vazão e transferem todo o seu volume
• A rede de condutos de pluviais pode para jusante. Na macrodrenagem, são
contaminar o solo pela infiltração no construídos canais para evitar a inun-
seu transporte e até por entupimento de dação em cada trecho crítico. Esse tipo
trechos da rede que pressionam a água de solução é apropriado a um trecho da
contaminada para fora do sistema de bacia, sem previsão das conseqüências
condutos. para o restante dela, e sem considerar di-
ferentes horizontes de ocupação urbana.
A canalização dos pontos críticos acaba
III.3 GESTÃO NA MACRODRENAGEM
apenas transferindo a inundação de um
QUE GERA IMPACTOS
lugar para outro da bacia.
A combinação dos dois tipos de gestão tem
III.3.1 Gestão na drenagem urbana os seguintes impactos na macrodrenagem das ci-
dades, que podem ocorrer na seguinte seqüência:
O controle atual do escoamento na dre- Estágio 1: A bacia começa a ser urbani-
nagem urbana tem sido realizado de forma zada de forma distribuída, com maior densifi-
equivocada, com sensíveis prejuízos para a po- cação a jusante. Com a impermeabilização e o
pulação. A origem dos impactos é devida princi- uso de condutos, nos locais de seção pequena
palmente a dois tipos de erros: ou mudança de declividade ocorrem inunda- 79
SANEAMENTO PARA TODOS

ções (figura 3.13a). Nesse momento, a bacia está volumes se torna significativo, retornando as
parcialmente urbanizada (geralmente ocorre de inundações nos trechos anteriormente canali-
montante para jusante). zados, e reiniciando uma nova rodada de au-
mento de seções. A canalização simplesmen-
Estágio 2: As primeiras canalizações são
te transfere a inundação para jusante (figura
executadas a jusante, com base na urbanização
3.13c). Já não existem espaços laterais para
atual; com isso, aumenta o hidrograma a jusante
ampliar os canais a jusante, e as soluções con-
do trecho canalizado (figura 3.13b)
vergem para o aprofundamento do canal, com
Estágio 3: Com a expansão da urbaniza- custos extremamente altos (podendo chegar a
ção para montante, juntamente com a canali- US$ 50 milhões/km, dependendo do subsolo,
zação, o aumento das vazões máximas e dos largura, revestimento, etc.).

80 Figura 3.13 Estágio do desenvolvimento da drenagem


Gestão de águas pluviais urbanas

Esse processo é prejudicial aos interesses III.3.2 Gestão inadequada das áreas ribeirinhas
públicos e representa um prejuízo extremamente em combinação com a drenagem urbana
alto para toda a sociedade ao longo do tempo. A
sociedade perde duas vezes: paga cerca de 1.000%
A tendência do desenvolvimento ur-
a mais pela canalização contra uma solução de
bano é pressionar para a ocupação das áreas
amortecimento, e ainda aumenta dramaticamente
as inundações para a população de jusante. Infe- ribeirinhas, como foi destacado no capítulo
lizmente, essa visão – defasada de conhecimento anterior. A gestão tem sido de aumentar a ca-
técnico ou acobertando interesses particulares no pacidade do rio, permitindo que a população
alto custo das obras – ainda é acolhida por alguns ocupe o leito menor até a sua margem (pri-
engenheiros, que usam, como pretexto para ado- meiro estágio da gestão inadequada, caracte-
tá-la, o argumento de que “não existe espaço para rizado na figura 3.14).
amortecimento”. O espaço necessário para o amor- Com o passar dos anos, a bacia hidrográ-
tecimento é da ordem de 1% da bacia (ver itens a fica desenvolve-se para montante, ampliando o
seguir, neste capítulo) e pode ser distribuído por pico de cheia e aumentando a freqüência decor-
diferentes áreas, que podem ser exploradas, mas rente da impermeabilização, canalizando os con-
nem sempre são facilmente identificadas. Mas é dutos. Como o projeto de aumentar a capacidade
possível identificar combinações de transferência de escoamento do trecho de jusante restringiu-se
de escoamento e amortecimento sem transferir ao cenário urbano da sua época, sem avaliar os fu-
impactos para jusante, bastando persistência e turos impactos, a urbanização para montante vol-
vontade por parte dos técnicos. ta a produzir inundação na várzea agora ocupada,
O principal conceito é que não partir de restando apenas obras de alto custo, como o au-
uma solução pré-concebida, mas buscar solu- mento do fundo do rio, pelo seu aprofundamento,
ções combinadas, com a meta fundamental de e aumento de rugosidade, túneis de desvios, entre
que nenhum novo projeto venhar a transferir outros. Essas obras são economicamente inviáveis,
impacto para a bacia. reduzindo o valor das propriedades e aumentan-

(a) tendência da evolução urbana na bacia 81


SANEAMENTO PARA TODOS

(b) seção A-A’ no início da urbanização (c) seção A-A’ na fase futura com impacto

Figura 3.14 Aumento da urbanização, ocupação das áreas ribeirinhas e aumento da freqüência de inundações

do os prejuízos. Tal foi o cenário observado no solo (ocupação da área de inundação ribeirinha e
Rio Tietê, em São Paulo (figura 3.15). impermeabilização e canalização do escoamen-
Na figura 3.16, pode-se observar o con- to), resultando na aceleração do escoamento da
junto dos processos, que se originam no uso do drenagem e nos conseqüentes impactos.

82 Figura 3.15 Inundação do Rio Tietê na Ponte das Bandeiras, decorrente da urbanização da cidade de São Paulo
Gestão de águas pluviais urbanas

chegar a soluções estruturais para alguns locais,


mas sempre conforme a visão de conjunto de
toda a bacia, ou seja, em que ela esteja racional-
mente integrada a outras medidas preventivas
(não-estruturais) e compatibilizadas com o de-
senvolvimento urbano.
Os meios: Os meios de implantação
do controle de enchentes são o Plano Diretor
Urbano, a Legislação Municipal/Estadual e o
Manual de Drenagem. O primeiro estabelece
as linhas principais, a legislação controla e o
manual orienta.
O horizonte de expansão: Depois que a
bacia ou parte dela estiver ocupada, dificilmente
o poder público conseguirá responsabilizar al-
guém pela ampliação das cheias. Portanto, se a
ação pública não for realizada preventivamente,
Figura 3.16 Processo de impacto da drenagem urbana
(Sudersha, 2002) por meio de gerenciamento, as conseqüências
econômicas e sociais futuras serão muito maio-
res para todo o município. O Plano Diretor Urba-
3.4 PRINCÍPIOS DA GESTÃO SUSTENTÁVEL no deve contemplar o planejamento das áreas a
serem desenvolvidas e a densificação das áreas
atualmente loteadas.
Os princípios básicos do controle do es-
Os critérios sustentáveis: Dois critérios
coamento pluvial, tanto os provenientes das en-
devem ser abalizados.
chentes naturais da várzea quanto os da urbani-
zação, são os seguintes: (a) cheia natural não deve ser ampliada
pelos que ocupam a bacia, seja motivada por um
A bacia como sistema: Um Plano de
simples loteamento, seja por obras no ambiente
Controle de Águas Pluviais de uma cidade ou
urbano. Isso se aplica a um simples aterro urba-
região metropolitana deve contemplar as bacias
no, à construção de pontes e rodovias, e funda-
hidrográficas sobre as quais a urbanização se
desenvolve. As medidas não podem reduzir um mentalmente à impermeabilização dos loteamen-
impacto de uma área em detrimento de outra, tos. O princípio é de que nenhum usuário urbano
ou seja, os impactos de quaisquer medidas não pode ampliar a cheia natural.
devem ser transferidos. (b) A ocupação do espaço urbano e a dre-
As medidas de controle no conjunto da nagem das águas pluviais devem priorizar os
bacia: O controle de enchentes envolve medidas mecanismos naturais do escoamento como a
estruturais e não-estruturais, que dificilmente infiltração.
estão desassociadas. As medidas estruturais im- O controle permanente: O controle de
plicam custos inexequíveis para a maioria das enchentes é um processo permanente; não bas-
cidades, sem recursos para orçá-los. A política ta, pois, estabelecer regulamentos e construir
de controle de enchentes certamente poderá obras de proteção. É necessário estar atento a 83
SANEAMENTO PARA TODOS

potenciais violações da legislação e à expansão de infiltração e percolação no solo, utilizan-


da ocupação do solo das áreas de risco. Por- do o armazenamento e o fluxo subterrâneo
tanto, recomenda-se que: (a) nenhum espaço para retardar o escoamento superficial. Esse
de risco seja desapropriado se não houver uma tipo de solução busca recuperar as funções
imediata ocupação pública que evite sua inva- hidrológicas naturais da área. A infiltração
são; (b) a comunidade deve ter uma participa- não deve ser utilizada em áreas onde a con-
ção ativa e contínua nos anseios, nos planos, taminação da água pluvial é alta ou o lençol
na sua execução e na obediência às medidas de freático é muito alto;
controle de enchentes.
Armazenamento: por meio de reserva-
A educação: A educação de engenheiros, tórios que podem ocupar espaços abertos ou
arquitetos, agrônomos, geólogos, entre outras fechados. O efeito do reservatório é o de reter
profissões, da população e de administradores parte do volume do escoamento superficial, re-
públicos é essencial para que as decisões públi- duzindo o seu pico e distribuindo a vazão no
cas sejam tomadas conscientemente, por todos. tempo;
A administração: A administração da Aumento da eficiência do escoamento:
manutenção e o controle é um processo local por meio de condutos e canais, drenando áreas
e depende dos municípios, pela aprovação de inundadas. Esse tipo de solução tende a transfe-
projetos de loteamentos, obras públicas e dre- rir enchentes de uma área para outra, mas pode
nagens. Os aspectos ambientais são também ve- ser benéfico quando utilizado em conjunto com
rificados na implantação da rede de drenagem. reservatórios de detenção;
Diques e estações de bombeamento:
III.5 TIPOS DE MEDIDAS DE CONTROLE solução tradicional de controle localizado de
enchentes em áreas urbanas que não possuam
espaço para amortecimento da inundação.
As medidas de controle do escoamen-
to podem ser classificadas, de acordo com sua
ação na bacia hidrográfica, em: III.5.1 Medidas de controle distribuído

• distribuída ou na fonte: é o tipo de


controle que atua sobre o lote, praças e As principais medidas de controle locali-
passeios; zadas no lote, no estacionamento, nos parques e
• na microdrenagem: é o controle que em passeios são denominadas, normalmente, de
age sobre o hidrograma resultante de um controle na fonte (source control). As principais
ou mais loteamentos; medidas são as seguintes:
• na macrodrenagem: é o controle sobre • aumento de áreas de infiltração e per-
os principais riachos urbanos. colação; e
As medidas de controle podem ser or- • dispositivos de armazenamento tem-
ganizadas, de acordo com a sua ação sobre o porário em reservatórios residenciais ou
hidrograma em cada uma das partes das bacias telhados.
mencionadas acima, em: As principais características do controle
Infiltração e percolação: este tipo de local do escoamento consistem em (Urbonas e
84 solução encaminha o escoamento para áreas Stahre, 1993):
Gestão de águas pluviais urbanas

• aumento da eficiência do sistema de ses dispositivos hidráulicos apresentam custos


drenagem de jusante dos locais contro- diretamente relacionados com as vazões máxi-
lados; mas, aumentadas pela impermeabilização. Para
• aumento da capacidade de controle de reduzir esses custos e minimizar os impactos
enchentes dos sistemas; a jusante, uma das ações é a de permitir maior
infiltração da precipitação, criando condições as
• dificuldade de controlar, projetar e fa-
mais próximas possíveis das naturais.
zer manutenção de um grande número
de sistemas; As vantagens e as desvantagens dos dispo-
sitivos que permitem maior infiltração e percola-
• riscos de elevados custos de operação
ção resumem-se em (Urbonas e Stahre, 1993):
e manutenção.
• Aumento da recarga; redução de ocupa-
Esse tipo de sistema tem sido adotado
ção em áreas com lençol freático baixo;
em muitos países através de legislação apropria-
preservação da vegetação natural; redu-
da, ou como um programa global de controle de
ção da poluição transportada para os rios;
enchentes, como descrito por Yoshimoto e Suet-
redução das vazões máximas à jusante;
sugi (1990) para a Bacia do Rio Tsurumi, onde
redução do tamanho dos condutos;
foram construídos cerca de 500 reservatórios de
retenção de 1,3 m3. • Possibilidade de os solos de algumas
áreas ficarem impermeáveis; falta de
Um dos principais critérios adotados por
manutenção; aumento do nível do len-
muitas cidades (Seattle, Denver, Porto Alegre, en-
çol freático, atingindo construções em
tre outras) é o de uma vazão máxima, que pode en-
subsolo.
trar no sistema público de drenagem, proveniente
dos loteamentos e das instalações comerciais e A infiltração é o processo de transferên-
industriais do sistema. Esse limite corresponde cia do fluxo da superfície para o interior do solo.
geralmente à vazão natural do lote para um tem- A capacidade de infiltração depende das carac-
po de retorno (geralmente, 10 anos de tempo de terísticas do solo e do estado de umidade da ca-
retorno e 1 hora de duração). Essa vazão é restri- mada superior do solo, denominada também de
tiva e obriga o empreendedor a utilizar os dispo- zona não-saturada. A velocidade do escoamento
sitivos citados dentro da área de desenvolvimento através da camada não-saturada do solo até o
para manter essa vazão para jusante. lençol freático (zona saturada) é denominada de
percolação. A percolação também depende do
A seguir, são discutidos os tipos de dis-
estado de umidade da camada superior do solo
positivos que podem ser utilizados e suas carac-
e do tipo de solo. Determinados tipos de solos
terísticas.
apresentam mais dificuldades de percolação e
pequeno volume de armazenamento, o que in-
Infiltração e percolação viabiliza seu uso, já que poderão: (a) manter ní-
veis de água altos por muito tempo na superfí-
cie; (b) ter pouco efeito na redução do volume
Os sistemas urbanos, como mencionado
final do hidrograma.
anteriormente, criam superfícies impermeáveis,
que não existiam na bacia hidrográfica, geran- Os principais dispositivos para criar
do impactos de aumento do escoamento, que é maior infiltração são discutidos a seguir:
transportado através de condutos e canais. Es- Planos de infiltração: existem vários 85
SANEAMENTO PARA TODOS

tipos, de acordo com a sua disposição local.


Em geral, a área de infiltração é um gramado
lateral, que recebe a precipitação de uma área
impermeável, como em residência ou edifícios
(figura 3.17). Durante precipitações intensas,
essas áreas podem ficar submersas, se a sua
capacidade for muito inferior à intensidade
da precipitação. Caso a drenagem transporte
muito material fino, a capacidade de infiltra- Figura 3.18 Valos de infiltração (Urbonas e Stahre, 1993)

ção pode ser reduzida, necessitando limpeza


do plano para manter sua capacidade de fun- Bacias de percolação: dispositivos de
cionamento. percolação dentro de lotes permitem, também,
aumentar a recarga e reduzir o escoamento
superficial. O armazenamento é realizado na
camada superior do solo e depende da porosi-
dade e da percolação. Portanto, o lençol freá-
tico deve ser baixo, criando espaço para arma-
zenamento. Para áreas de lençol freático alto,
esse tipo de dispositivo não é recomendado.
As bacias são construídas para recolher a água
do telhado e criar condições de escoamento
através do solo. Essas bacias são construídas
Figura 3.17 Plano de infiltração com valo removendo-se o solo e preenchendo-o com
cascalho, que cria o espaço para o armazena-
mento (figura 3.19). De acordo com o solo, é
Valos de infiltração: esses são disposi-
necessário criar maiores condições de drena-
tivos de drenagem lateral, muitas vezes utiliza-
gem. Para o solo argiloso com menor percola-
dos paralelos a ruas, estradas, estacionamentos
ção, é necessário drenar o dispositivo de saída.
e conjuntos habitacionais, entre outros (Figura
A principal dificuldade encontrada com o uso
3.18). Esses valos concentram o fluxo das áreas
desse tipo de dispositivo é o entupimento dos
adjacentes e criam condições para uma infiltra-
espaços entre os elementos pelo material fino
ção ao longo do seu comprimento. Após uma
transportado; portanto, é recomendável o uso
precipitação intensa, o nível sobe e, como a infil-
de um filtro de material geotextil. De qualquer
tração é mais lenta, mantém-se com água duran-
forma, é necessária a sua limpeza após algum
te algum tempo. Portanto, o seu volume deve ser
tempo (Urbonas e Stahre, 1993).
o suficiente para não ocorrer alagamento. Esse
dispositivo funciona, na realidade, como um re- Dispositivos hidráulicos permeáveis:
servatório de detenção, já que a drenagem que existem diferentes tipos de dispositivos que
escoa para o valo é superior à capacidade de in- drenam o escoamento e podem ser construídos
filtração. Nos períodos com pouca precipitação de forma a permitir a infiltração. Alguns desses
ou de estiagem, ele é mantido seco. Esse dispo- dispositivos são:
sitivo permite, também, a redução da quantida- • Entradas permeáveis na rede de dre-
86 de de poluição transportado a jusante. nagem. Na figura 3.20a, observa-se um
Gestão de águas pluviais urbanas

Figura 3.19 Exemplo de bacia de percolação (Holmstrand, 1984)

filtro, na parte superior da caixa, para são construídos para reter parte da drenagem,
evitar entupimento; é necessário que sua base esteja, pelo menos,
• Trincheira ou vala permeável. É um 1,2 m acima do lençol freático do período chu-
caso especial de bacia de percolação e voso. A base é drenada com canos perfurados
consiste de uma caixa com cascalho e fil- espaçados de 3 a 8 m. O sistema de drenagem
tro por onde passa um conduto poroso deve prever o esgotamento do volume existen-
ou perfurado (figura 3.20b); te na camada do solo num período de 6 a 12
horas (Urbonas e Stahre, 1993). Esse sistema é
• Meio fio permeável. Esse dispositivo é
viável quando o solo tem capacidade de infil-
utilizado fora do lote ou dentro de con-
tração superior a 7 mm/h. Para solos com um
domínios, indústrias ou áreas comerciais
percentual superior a 30% de argila ou 40% de
(figura 3.20c).
silte e argila combinados, não são recomendá-
Pavimentos permeáveis: o pavimento veis para uso desse tipo de dispositivo.
permeável pode ser utilizado em passeios, es-
Esse tipo de controle apresenta as seguin-
tacionamentos, quadras esportivas e ruas de
tes vantagens: redução do escoamento superfi-
pouco tráfego. Em ruas de grande tráfego, esse cial previsto com relação à superfície imperme-
pavimento pode ser deformado e entupido, tor- ável; redução dos condutos da drenagem pluvial;
nando-se impermeável. e redução de custos do sistema de drenagem
Esse tipo de pavimento pode ser de pluvial e da lâmina de água de estacionamentos
bloco vazado, concreto ou de asfalto (figura e pas seios. As desvantagens são: a manutenção
3.21). Nos caso dos dois últimos, é construído do sistema para evitar que fique colmatado com
da mesma forma que os pavimentos tradicio- o tempo; maior custo direto de construção (sem
nais, com a diferença que o material fino é re- considerar o benefício de redução dos condu-
tirado da mistura. Quando esses pavimentos tos); contaminação dos aqüíferos. 87
SANEAMENTO PARA TODOS

a - entradas permeáveis da drenagem

b - trincheiras ou valas permeáveis

c - meio fio permeável

88 Figura 3.20 Dispositivos hidráulicos permeáveis (Fujita, 1984)


Gestão de águas pluviais urbanas

Figura 3.21 Pavimentos permeáveis

Araujo et al. (2001) realizaram experi- h, equivalente a um tempo de retorno de 5 anos


mentos com diferentes superfícies : (a) Solo com- para uma duração de 10 minutos. Os resultados
pactado com declividade de 1% a 3% ; (b) Pavi- dos experimentos são apresentados na tabela
mentos impermeáveis: uma parcela de concreto 3.2, na qual se observa que os paralelepípedos
convencional de cimento, areia e brita, com de- absorvem parte da precipitação para uma inten-
clividade de 4%; (c) Pavimentos semipermeáveis: sidade muito alta e os pavimentos permeáveis
uma parcela de superfície com pedras regulares praticamente não geram escoamento. Deve-se
de granito com juntas de areia, conhecidas por considerar que o experimento foi realizado com
paralelepípedos, com declividade de 4%; e outra simulador de chuva numa superfície de 1 m2, no
parcela revestida com pedras de concreto indus- qual o efeito de armazenamento na superfície e
trializado tipo “pavi S”, igualmente com juntas no reservatório dos pavimentos permeáveis tem
de areia, conhecida por blocket, com declividade mais efeito.
de 2%; (d) Pavimentos permeáveis: uma parce- O custo do pavimento permeável pode
la de blocos de concreto com orifícios verticais ser da ordem de 30% maior que o pavimen-
preenchidos com material granular (areia), com to comum por conta da base necessária a sua
declividade de 2% e uma parcela de concreto po- implantação. Pode-se observar, dos valores
roso com declividade de 2%. Os experimentos da tabela 3.2, que paralelepípedos ou blocos,
foram realizados com precipitação de 110 mm/ quando não possuem junta cimentada, podem 89
SANEAMENTO PARA TODOS

permitir armazenar e infiltrar uma parte im-


portante das precipitações freqüentes. Arrua-
mentos com esse tipo de dispositivo deveriam
ser preservados para evitar o agravamento dos
problemas de drenagem localizados nas cida-
des. Na eventualidade de asfaltar o pavimento,
pelo menos o meio deveria ser mantido sem
asfalto, permitindo a infiltração e a acumula-
ção de parte do volume.

TABELA 3.2 COEFICIENTE DE ESCOAMENTO PARA SIMULAÇÃO DE


CHUVA EM DIFERENTES SUPERFÍCIES, PARA UMA INTENSIDADE DE
110 MM/H (ARAUJO ET AL., 2001)

Superfície C

Solo compactado 0,66

Concreto 0,95

Bloco de concreto 0,78

Paralelepípedo 0,60

Bloco vazado 0,03

Concreto permeável 0,03

Nas figuras 3.22 a 3.25, são apresentadas


fotos de diferentes dispositivos que procuram
priorizar a infiltração do escoamento, além de
exercerem sua função urbanística no contexto Figura 3.22 Uso de dispositivos para reter a água de áreas
dos empreendimentos. A viabilidade dos dispo- impermeáveis: (a) foto da esquerda mostra as áreas drenadas
de pavimentos para o gramado e dos telhados para
sitivos de infiltração, utilizados para o controle reservatórios de pedra; (b) calçadas com gramas laterais para
distribuído do escoamento, são apresentados na aumentar a infiltração.
tabela 3.3.

zão das características de clima brasileiro e do


Armazenamento
tipo de material geralmente utilizado nas cober-
turas, esse tipo de controle dificilmente seria
O armazenamento pode ser efetuado em aplicável a nossa realidade.
telhados, em pequenos reservatórios residen- Lotes urbanos: o armazenamento no lote
ciais, em estacionamentos em áreas esportivas, pode ser utilizado para amortecer o escoamen-
entre outros. to, em conjunto com outros usos, como abaste-
Telhados: o armazenamento em telha- cimento de água, irrigação de grama e lavagem
dos apresenta algumas dificuldades, que são a de superfícies ou de automóveis. Na figura 3.26,
90 manutenção e o reforço das estruturas. Em ra- é apresentado um reservatório desse tipo.
Gestão de águas pluviais urbanas

Figura 3.23 Foto da esquerda mostra exemplo de valo de infiltração, enquanto a foto à
direita apresenta pavimento permeável com blocos vazados em estacionamento.

Em regiões com pequena capacidade de mm, é possível obterem-se 360 m3 por ano, que,
distribuição de água, a precipitação que cai nos distribuídos, representam cerca de 15 m3 por
telhados é escoada diretamente para um poço mês, o suficiente para abastecer uma residência.
subterrâneo e, depois, clorada para uso domés- Evidentemente que, à medida que o reservatório
tico. A água coletada em telhados de centros es- é mantido com água, reduz-se sua capacidade
portivos pode ser coletada diretamente para uso de amortecimento. Em regiões com período lon-
de limpeza. Considerando-se uma superfície de go com estiagem, o reservatório deveria aumen-
120 m2, com uma precipitação anual de 1.500 tar de volume para ser viável.

Figura 3.24 Foto da esquerda mostra uma rua sem meio-fio (NRDC,2004), que permite a infiltração de parte do escoamento nas
laterais gramadas. Na foto da direita (Weinstein, N. 2003), é apresentada uma área de infiltração num canteiro. 91
SANEAMENTO PARA TODOS

Figura 3.25 Duas áreas experimentais no estacionamento do Instituto


de Pesquisas Hidráulicas com bloco vazado e asfalto poroso

92 Figura 3.26 Reservatório com usos variados (Fujita, 1993)


Gestão de águas pluviais urbanas

TABELA 3.3 DISPOSITIVOS DE INFILTRAÇÃO¹

Dispositivo Características Vantagens Desvantagens

Planos com declividade >


Gramados, áreas com seixos 0,1% não devem ser usados;
Planos e valos de infiltração Permite infiltração de parte
ou outro material que permita o material sólido para a área
com drenagem da água para o sub-solo
a infiltração natural de infiltração pode reduzir sua
capacidade de infiltração.

O acúmulo de água no
plano durante o período
Gramados, áreas com seixos
Planos e valos de infiltração Permite infiltração da água chuvoso não permite trânsito
ou outro material que permita
sem drenagem para o subsolo sobre a área. Planos com
a infiltração natural
declividade que permita
escoamento.

Não deve ser utilizado para


Concreto, asfalto ou
ruas com tráfego intenso e/ou
Pavimentos permeáveis bloco vazado com alta Permite infiltração da água
de carga pesada, pois a sua
capacidade de infiltração
eficiência pode diminuir

Pode reduzir a eficiência


Redução do escoamento
Poços de infiltração, Volume gerado no interior do ao longo do tempo,
superficial e amortecimento
trincheiras de infiltração e solo que permite armazenar dependendo da quantidade
em função do
bacias de percolação a água e infiltrar de material sólido que drena
armazenamento.
para a área

¹ Condicionantes físicos: Profundidade do lençol freático no período chuvoso > 1,20 m. A camada impermeável deve ser > 1,20 m de profundidade. A taxa de infiltração de
solo saturado > 7,60 mm/h. Bacias de percolação: a condutividade hidráulica saturada > 2.10-5 m/s.

Existem várias configurações possíveis que, se a água das superfícies permeáveis forem
para a introdução do reservatório dentro de lotes drenadas para superfícies que infiltram, e elas
e empreendimentos urbanos, como mostram as não tenham drenagem, a área impermeável no
figuras 3.27 e 3.28. A estimativa do volume ge- cálculo pode ser diminuída em 80%, resultando
ralmente é realizada com base nas condições es- em AI = 16% e V = 6,8 m3 e 4,5 m2. Esse tipo de
tabelecidas pelo poder público quanto ao limite gestão induz cada empreendedor a desenvolver
de vazão pluvial para entrada na rede pluvial. Em as medidas distribuídas de infiltração.
Porto Alegre, o limite é de 20,8 l/(s.ha), o que leva
Tanto a vazão de restrição como a equa-
a um reservatório obtido pela equação seguinte:
ção do volume, citadas acima, foram estabeleci-
das com base nas características de precipitação
V = 4,15.AI.A de Porto Alegre e do coeficiente de escoamento
sem urbanização adotado para toda a cidade,
que pode variar de acordo com o tipo de solo
onde: AI é área impermeável em %; A é a área do
lote ou do empreendimento em ha; e V é o volu- local. O reservatório pode ser construído como
me necessário em m3. Para um edifício que ur- um volume simples, como nas figuras 3.26, 3.27
baniza um lote de 1.000 m2 e possui área imper- e 3.28, ou pelo simples ou integrado de forma
meável de 80%, o volume necessário para manter inteligente ao paisagismo da área, como na figu-
a vazão específica citada acima será de 33 m3. ra 3.29. O controle se dá somente sobre a quan-
Considerando uma profundidade de 1,5 m, seria tidade de água e não sobre os outros fatores que
necessária uma área de 22 m2. A legislação prevê são a qualidade da água e resíduos sólidos. 93
SANEAMENTO PARA TODOS

Figura 3.27 Reservatório em edifício (Canpana, 2004)

Figura 3.28 Reservatório em área residencial (Campana, 2004)

Figura 3.29 Armazenamento num condomínio (esquerda)


94 e no estacionamento de uma área comercial (direita)
Gestão de águas pluviais urbanas

III.5.2 Medidas de controle na microdrenagem e igual à vazão máxima das condições preexis-
na macrodrenagem tentes para um tempo de retorno escolhido.

A medida de controle de escoamento na mi- Características e funções dos reservatórios


crodrenagem tradicionalmente utilizada consiste
em drenar a área desenvolvida através de condutos
Os reservatórios de detenção são utiliza-
pluviais até um coletor principal ou riacho urbano.
dos de acordo com o objetivo do controle dese-
Esse tipo de solução acaba transferindo para jusan-
jado. Esse dispositivo pode ser utilizado para:
te o aumento do escoamento superficial com maior
velocidade, já que o tempo de deslocamento do Controle da vazão máxima: Este é o caso
escoamento é menor que nas condições pré-exis- típico de controle dos efeitos de inundação so-
tentes. Dessa forma, acaba provocando inundações bre áreas urbanas. O reservatório é utilizado para
nos troncos principais ou na macrodrenagem. amortecer o pico a jusante, reduzindo a seção hi-
Aumentando a impermeabilização e a dráulica dos condutos e mantendo as condições
canalização, aumenta, concomitantemente, a de vazão preexistente na área desenvolvida.
vazão máxima e o escoamento superficial. Para Controle do volume: Normalmente, esse
que esse acréscimo de vazão máxima não seja tipo de controle é utilizado quando os escoamen-
transferido para jusante, utiliza-se o amorteci- tos sanitários e pluviais são transportados por
mento do volume gerado, por meio de dispositi- condutos combinados ou quando recebe a água
vos, como: tanques, lagos e pequenos reservató- de uma área sujeita a contaminação. Como a capa-
rios abertos ou enterrados, entre outros. Essas cidade de uma estação de tratamento é limitada,
medidas são denominadas de controle a jusante é necessário armazenar o volume para que pos-
(downstream control). sa ser tratado. O reservatório também é utilizado
O objetivo das bacias ou reservatórios é o para a deposição de sedimentos e a depuração
de minimizar o impacto hidrológico da redução da da qualidade da água, mantendo seu volume por
capacidade de armazenamento natural da bacia mais tempo dentro do reservatório. O “tempo de
hidrográfica. Esse controle tem as seguintes van- detenção”, que é a diferença entre o centro de gra-
tagens e desvantagens (Urbonas e Stahre, 1993): vidade do hidrograma de entrada e o de saída, é
custos reduzidos, se comparados a um grande um dos indicadores utilizados para avaliar a capa-
número de controles distribuídos; custo menor de cidade de depuração do reservatório.
operação e manutenção; facilidade de administrar Controle de material sólido: Quando a
a construção; dificuldade de achar locais adequa- quantidade de sedimentos produzida é signifi-
dos; custo de aquisição da área; oposição, por par- cativa, esse tipo de dispositivo pode reter parte
te da população, a reservatórios maiores. dos sedimentos, para que sejam retirados do
Esse controle tem sido utilizado quan- sistema de drenagem.
do existem restrições por parte da administra-
ção municipal ao aumento da vazão máxima
Tipo dos reservatórios
decorrentes do desenvolvimento urbano, e,
assim, já foi implantado em muitas cidades
de diferentes países. O critério normalmente Os reservatórios podem ser dimensio-
utilizado é que a vazão máxima da área, com nados para manterem uma lâmina permanente
o desenvolvimento urbano, deve ser menor ou de água, denominados de “retenção”, ou para 95
SANEAMENTO PARA TODOS

a - reservatório de detenção

b - reservatório de retenção

Figura 3.30 Reservatórios para controle de material sólido (Maidment, 1993)

secarem após o seu uso, durante uma chuva que pode ser utilizado para outras finalidades.
intensa, e depois utilizada para outras fina- Uma prática comum consiste em dimensionar
lidades. Esse tipo de reservatório é chamado uma área com lâmina de água para escoar uma
“detenção” (figura 3.30a). cheia freqüente, como a de 2 anos, e planejar a
A retenção que mantém a lâmina de área de extravasamento com paisagismo e cam-
água tem a finalidade de evitar o crescimento pos de esporte para as cheias acima da cota re-
de vegetação indesejável no fundo e redução ferente ao risco mencionado. Quando ela ocor-
da poluição para jusante, tornando o reserva- rer, será necessário realizar apenas a limpeza da
tório mais eficiente para controle da qualidade área atingida, sem maiores danos a montante ou
da água pluvial. O seu uso integrado a parques a jusante. A principal desvantagem da retenção
pode permitir um bom ambiente recreacional. A é a necessidade de maior volume do reservató-
96 vantagem de utilização desse dispositivo seco é rio e o controle da sua qualidade da água.
Gestão de águas pluviais urbanas

Na figura 3.30, são apresentados, de for- com aumento de volume. Isso é útil onde o espa-
ma esquemática, o reservatório mantido seco ço tem um custo alto.
e o com lâmina de água. Os reservatórios ou Os reservatórios também podem ser
bacias de detenção mantidas secas são os mais abertos ou fechados. Os primeiros geralmente
utilizados nos Estados Unidos, no Canadá e na possuem custo menor e facilidade de manu-
Austrália. Quando projetados para controle tenção. Os segundos têm maior custo (podem
de vazão, seu esvaziamento é rápido de até chegar a 7 vezes dos primeiros) e grande difi-
6 horas e com pouco efeito sobre a remoção culdade de manutenção. Geralmente são utili-
de poluentes. Aumentando-se a detenção para zados quando se deseja utilizar o espaço su-
24 a 60 h, poderá haver melhora na remoção perior, por conta da topografia ou da pressão
de poluentes (Urbonas e Roesner, 1994). Esse da população vizinha, com receio do lixo e da
tipo de dispositivo retém uma parte importan- qualidade do sistema.
te do material sólido.
Os reservatórios off-line podem fun-
Quando a drenagem atravessa o reserva- cionar automaticamente, por gravidade, como
tório ele é chamado de in-line (figura 3.34). No mostra a figura 3.32, ou por sistema de bom-
caso em que o escoamento é transferido para a bas, quando é necessário obter mais volume
área de amortecimento, após atingir uma certa para um definido espaço (figura 3.33). A dife-
vazão, portanto recebem somente o excedente rença é que, no primeiro caso, a vazão inun-
da rede de drenagem, o sistema é denominado da a área lateral e retorna para o sistema de
off-line (figuras 3.31 e 3.33). drenagem por gravidade, sem operação. Já no
segundo caso, por conta da necessidade de au-
mentar o volume, é necessário escavar abaixo
da cota do sistema de drenagem e, para esgo-
tar o volume, é necessário o bombeamento.

Figura 3.31 Detenção off-line (esquerda)


conectado por condutos

Nas detenções in-lin”, existem proble-


mas de drenagem com esgoto misto ou grande
ligação clandestina na rede de drenagem, decor-
rentes da grande contaminação do reservató-
rio, principalmente na estiagem. Nesse caso, é
conveniente que o fundo dessa drenagem seja
de concreto para facilitar a limpeza. Esse tipo
reservatório pode ter um fundo natural, escava-
do ou de concreto. Os reservatórios em concreto
são mais caros, mas permitem paredes verticais, 97
SANEAMENTO PARA TODOS

Figura 3.32 Detenção off-line com volume lateral

Figura 3.33 Detenção fechada

Câmara de
entrada

Seção com
capacidade
limitada
98 Figura 3.34 Detenção in-line
Gestão de águas pluviais urbanas

ASCE (1985) menciona que as instala- do quando é necessário um maior volume para
ções de detenção desse tipo que tiveram maior uma mesma área disponível, mas a topografia
sucesso foram as que se integraram a outros não permite o escoamento por gravidade. A
usos, como a recreação, já que a comunidade, única forma de obter maior volume é aumentar
no seu cotidiano, usará esse espaço de recrea- a profundidade do reservatório; parte desse vo-
ção. Portanto, é desejável que o projeto desse lume fica numa cota inferior à da drenagem do
sistema esteja integrado ao planejamento do rio, externa à detenção, exigindo o seu bombe-
uso da área. amento para esvaziar e manter o volume vazio
para a próxima cheia.

Localização A localização depende dos seguintes


fatores:
• em áreas muito urbanizadas, a loca-
Os reservatórios enterrados são esco-
lização depende da disponibilidade de
lhidos quando a topografia não favorece ou a
espaço e da capacidade de interferir no
superfície é utilizada para outros usos. No pri-
amortecimento. Se existe espaço somen-
meiro caso, é usado quando a drenagem está
te a montante, que drena pouco volume,
numa cota muito inferior em relação a área dis-
o efeito será reduzido;
ponível para amortecimento. O segundo caso é
usado quando o espaço é muito reduzido, sen- • em áreas a serem desenvolvidas, deve-
do necessário manter uma superfície superior se procurar localizar o reservatório nas
integrada a urbanização. Esses reservatórios partes de pouco valor, aproveitando as
abertos ou fechados podem ainda ter bombea- depressões naturais ou os parques exis-
mento (figura 3.33) ou não. Com bombeamento, tentes. Um bom indicador de localização
o custo de implantação e de operação aumenta. são as áreas naturais, que formam peque-
O reservatório com bombeamento é construí- nos lagos antes do seu desenvolvimento.

Figura 3.35 Detenções com uso esportivo em Curitiba (esquerda) e Porto Alegre (direita) 99
SANEAMENTO PARA TODOS

Compatibilização com os sistemas coleta de esgoto é a redução do custo pelo uso


de esgotamento sanitário de apenas uma rede. Em muitas cidades im-
plantadas como sistema separador, acabam
virando um sistema misto e o custo de encon-
Existem os seguintes cenários, que com-
trar todas as ligações inadequadas pode ser
binam o sistema de esgotamento sanitário com
muito alto. As desvantagens desse sistema
o pluvial:
são: mau cheiro durante os períodos de seca
Sistema misto: Neste caso, existe apenas (quando não existe sifão); proliferação de do-
uma rede de coleta que recebe esgoto sanitário enças quando ocorrem inundações acima da
e pluvial. Esse sistema é dimensionado para o capacidade do sistema pela mistura de esgoto
escoamento pluvial, que necessita maior vazão sanitário e pluvial; vetores que podem produ-
para escoar. O tratamento do esgoto sanitário é zir doenças; corrosão da rede pluvial. Muitos
realizado coletando a vazão seguinte: desses fatores estão relacionados com o clima
quente permanente, como em climas dos tró-
picos úmidos.
Q = k Qs
Sistema separador: Este sistema tem
uma rede de coleta de esgoto independente da
onde Q é a vazão encaminhada para a estação rede de drenagem (figura 3.36). Utilizam-se de-
de tratamento; Qs é a vazão sanitária e k um tenções in-line com controle do resíduo sólido e
multiplicador da vazão sanitária para intro- manejo da carga poluente pluvial.
duzir a primeira parte da vazão pluvial (first
As vantagens são as seguintes: o manejo
flush) que é mais poluída. Existem vários valo-
adequado das detenções e das retenções urba-
res para k em função dos critérios de projetos,
nas com maior tempo de residência permitem
e varia entre 2 e 4, de acordo com a magnitude
o controle da qualidade da água; e evita-se os
esperada para o escoamento pluvial e sua urba-
problemas citados para o esgoto misto. As des-
nização. Estima-se que 90% da carga pluvial (=
vantagens são as seguintes: maior custo à me-
Qp.C, em que Qp vazão pluvial e C a sua con-
dida que forem construídas duas redes; grande
centração) ocorra nos primeiros 10 a 20 mm de
quantidade de ligações de esgoto sanitário na
precipitação efetiva.
rede pluvial e vice-versa, o que inviabiliza a rede
Junto à estação de tratamento, é conve- como separadora, com a soma das desvantagens
niente a existência de um reservatório para re- dos dois tipos de rede. Grande parte desses pro-
gularizar o volume de tratamento, de forma que blemas ocorre pelas seguintes razões:
evite a grande variação de concentração, o que
• a ligação das residências, dos edifícios
torna ineficiente o tratamento do esgoto.
e de outros é realizada pelo usuário, e
No sistema de controle das inundações não pela empresa concessionária dos
pluviais, utiliza-se de detenção do tipo off-line serviços. Isso leva à falta de padrões e
(figura 3.31), pois evita que a vazão sanitária es- a ligações inadequadas, já que a rede
coe por dentro do reservatório, apenas o exce- pluvial normalmente está mais próxima
dente às vazões do sistema de escoamento, que que a rede sanitária;
deve ter melhor qualidade se comparada a do • defeitos nas redes, o que permite infil-
esgoto sanitário. tração nas redes e mesmo a contamina-
100 A principal vantagem desse sistema de ção do aqüífero.
Gestão de águas pluviais urbanas

Figura 3.36 Características do sistema separador Figura 3.37 Sistema de transição

Sistema de transição: Quando a cida- cia, o que seria insustentável economicamente.


de tem uma rede extensa de pluviais, mas pe- A solução de controle numa bacia urbana con-
quena de sanitário, os custos para sair de um juga medidas distribuídas, mas principalmente
sistema misto para separador podem ser altos. a combinação do aumento de capacidade com o
Para escalonar no tempo, é possível iniciar pela amortecimento.
macrodrenagem a estratégia de sistemas mistos Existem os seguintes cenários de desen-
(figura 3.37). Ao longo do tempo, é possível de- volvimento: (a) bacia desenvolvida com vários
senvolver o projeto de separação da rede dos locais de inundação; (b) bacia com pequena área
esgotos por meio da rede secundária, cobrindo a ocupada, tendendo à urbanização.
cidade com o tempo. À medida que a rede avan-
ça, são modificadas as ligações às redes.
Bacia desenvolvida

Planejamento no controle da macrodrenagem


Neste cenário, deve-se procurar iden-
tificar os locais de inundação e buscar encon-
O controle do impacto do aumento do trar áreas para amortecer o escoamento, e não
escoamento decorrente da urbanização, na ma- transferi-lo para jusante para cada um dos lo-
crodrenagem, tem sido realizado, na realidade cais de inundação. A combinação ótima será a
brasileira, por meio da canalização. O canal é di- de menor custo de reservatórios e ampliação de
mensionado para escoar uma vazão de projeto escoamento que melhor que adaptem a área ur-
para tempos de retorno que variam de 10 a 100 bana, menor custo e ambientalmente adequado.
anos. Para evitar as inundações somente com Deve-se considerar que o uso de reservatório
drenagem, a cidade toda deveria ter seus condu- para controle de volumes geralmente necessita
tos ampliados para a urbanização de toda a ba- de 0,6% a 1,5% da área da bacia, com custos que 101
SANEAMENTO PARA TODOS

variam entre R$ 0,5 e 8 milhões/km2. Os custos riores a esse, poderá ocorrer uma convivência.
menores são quando é possível utilizar apenas Como muitos reservatórios são projetados para
reservatórios abertos sem ampliação de condu- cenários futuros, por muito tempo os espaços
tos, tempo de retorno menores (10 anos) sem poderão ficar sem inundação, permitindo o seu
desapropriação e no limite superior, tempo de uso. Portanto, é essencial que, além de dimen-
retorno alto (>10 anos), grande quantidade de sionar o reservatório, deva-se também estabele-
ampliação de condutos. cer a freqüência como deve ser utilizado.
No estudo de alternativas de compatibili-
zar a detenção ou a retenção à paisagem urbana Bacia em desenvolvimento
da cidade, tornando-se um espaço integrado ao
lazer da cidade, minimizando os impactos am-
bientais, Wisner e Cheung (1982) apresentaram, Considere a bacia da figura 3.39. No
conforme tabela 3.4, uma comparação entre primeiro estágio, a bacia não está totalmente
alternativas e o uso de parques para amorteci- urbanizada, e as inundações ocorrem no tre-
mento. Na figura 3.38, são apresentados o par- cho urbanizado, onde algumas áreas não estão
que e os fluxos numa área urbana. No planeja- ocupadas, porque inundam com freqüência
mento do espaço, deve ser considerado que uma (por conta de inundações naturais). Quando
parte do reservatório será utilizado com grande a bacia encontra-se num estágio avançado de
freqüência, cheias menores, e uma parte que so- desenvolvimento, a tendência é que as medi-
mente será utilizada raramente. Portanto, deve- das estruturais predominem, com custos al-
se planejar a manutenção e o uso do espaço. Ge- tos. Para áreas que futuramente serão exami-
ralmente, para freqüências inferiores a 2 anos nadas, existe muito espaço e o direcionamento
de recorrência, o espaço deve ser reservado a da gestão pública pode reduzir muito os cus-
uso recreacional, enquanto, para espaços supe- tos futuros de controle e de prejuízos.

TABELA 3.4 COMPARAÇÃO ENTRE ALTERNATIVAS NUM PARQUE (WISNER E CHEUNG. 1982)

Tipo Armazenamento de Detenção com água Detenção seca Armazenamento em


vale parque

Armazenamento Contínuo Contínuo Freqüente Raro

Estética Sem importância Muito Muito importante Menos importante


Importante

Manutenção Pequena Alta Moderada Muito pequena

Probabilidade de Pequena Moderada Pequena Muito pequena


acidente

Custo Alto Moderado Moderado Pequeno

Custo da terra Nenhum Alto Alto Nenhum

Custo do paisagismo Pequeno Alto Médio Médio

Planejamento Pouco Muito Muito Muito importante


Importante Importante Importante
102
Gestão de águas pluviais urbanas

No planejamento da bacia, podem ser Para evitar que esses problemas conti-
adotadas medidas não-estruturais para contro- nuem transferindo impactos para jusante, é
lar o aumento da vazão máxima para jusante; no possível reservar áreas na bacia que podem
entanto, é possível que a sua eficiência não seja ser obtidos no desmembramento dos lotea-
completa pelos seguintes motivos: mentos dentro da quota pública prevista nos
• loteamentos já existentes que são den- Planos Diretores. Considerando que é neces-
sificados; sária da ordem de 1% da área da bacia, esse
espaço pode ser reservado juntamente com
• ocupação ilegal e loteamentos irregu-
as futuras áreas públicas de parques em lo-
lares que não obedecem à regulação da
cais apropriados quanto à drenagem. Isso
cidade;
permitirá aumentar a capacidade de amorte-
• aprovação indevida de loteamentos. cimento da bacia.

a - parque

b - o parque e a rede de drenagem

Figura 3.38 Parque de armazenamento (Wisner e Cheung, 1982) 103


SANEAMENTO PARA TODOS

4. Quais os tipos de inundações e quais


os impactos relacionados?
5. Identificar também, para a questão ante-
rior, quando ocorre transferência de impactos?
6. Quais são as principais estratégias de
gestão da drenagem urbana para cidade implan-
tada e para o futuro desenvolvimento?
7. Quais as vantagens e as desvantagens
dos controles na fonte? Quais são mais susten-
táveis?
8. Quais as relações que devem existir
Figura 3.39 Planejamento de controle de bacia entre um Plano Diretor Urbano e um Plano de
no primeiro estágio de urbanização Drenagem, e deste com o do esgotamento sani-
tário e de resíduo sólido?
Yoshimoto e Suetsugi (1990) descreveram 9. Muitas cidades utilizam o controle so-
as medidas tomadas para reduzir a freqüência bre áreas impermeáveis, sem evitar o impacto
de inundações no Rio Tsurumi, dentro da área sobre a drenagem? Qual é o problema e como
da cidade de Tóquio. A bacia foi subdividida em resolver utilizando medidas não-estruturais?
três: retenção, retardo e áreas inferiores, e defi- 10. Quais as vantagens e as desvantagens
nida a vazão de controle. Na área de retenção, das medidas de controle na micro e macrodre-
foram obtidos 2,2 milhões de m3 para amorteci- nagem?
mento por meio de ação municipal, além de ou-
11. Descrever as etapas de um Plano Di-
tras medidas de retardo. Essas ações reduziram
retor de Drenagem Urbana. Quais as principais
os prejuízos para enchentes recentes.
medidas não-estruturais?
12. Identificar os princípios de um Plano
Problemas Diretor de Drenagem Urbana.
13. Na avaliação econômica dos prejuí-
1. Analisar os tipos de medidas de con- zos de inundação, como os custos deveriam ser
trole do escoamento na fonte para a drenagem distribuídos entre a população?
urbana e apresentar seus usos, vantagens e des- 14. Quais os tipos de inundações e quais
vantagens. os impactos relacionados?

2. Qual a utilização de pavimento per- 15. Identificar também, para a questão an-
meáveis num projeto de drenagem? Identificar terior, quando ocorre transferência de impactos?
suas vantagens e desvantagens. 16. Quais são as principais estratégias de
3. Qual a diferença entre detenção e re- gestão da drenagem urbana para cidade implan-
tenção no controle das inundações decorrentes tada e para o futuro desenvolvimento?
do processo de urbanização? Quais os impactos 17.Quais as vantagens e as desvanta-
que esses dispositivos promovem com relação gens dos controles na fonte? Quais são mais
104 às inundações? sustentáveis?
Gestão de águas pluviais urbanas

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107
SANEAMENTO PARA TODOS

na, seria como se vários especialistas receitassem


remédios para diferentes sintomas a uma pessoa,
sem que os efeitos colaterais combinados, que o
corpo humano sofre, sejam observados ou consi-
derados no tratamento da sua saúde.
IV GESTÃO INTEGRADA DAS ÁGUAS URBANAS Os problemas de hoje se refletem na saú-
de da população, nas inundações freqüentes e
na perda de meio ambiente rico e diversificado
A gestão integrada, entendida como
em muitas regiões. Com a transformação de um
interdisciplinar e intersetorial dos
ambiente rural para urbano, o problema agra-
componentes das águas urbanas, é
va-se e quanto mais tempo isso perdurar, maior
uma condição necessária para que os
será a herança de prejuízos para as próximas
resultados atendam as condições do
gerações, que receberão um passivo muito alto.
desenvolvimento sustentável urbano
O que está errado? O desenvolvimento
urbano tem ocorrido com forte densificação,
O desenvolvimento urbano nas últimas resultando em grande cobertura de áreas im-
décadas modificou a maioria dos conceitos uti- permeáveis, grande demanda de água e de es-
lizados na engenharia para a infra-estrutura de goto em pequenas áreas. O conflito transmite-
água nas cidades. A visão do desenvolvimento se para as águas urbanas com a canalização do
desses tópicos pelo ângulo da engenharia tem escoamento pluvial e inundações, sistemas de
sido baseada na partição disciplinar do conheci- esgoto inadequados, com baixo nível de trata-
mento, sem uma solução integrada. mento, resultando em risco para o abastecimen-
O planejador urbano desenvolve a ocupa- to de água. Esse conjunto de problemas deve-se
ção ciente de que o engenheiro de transportes de principalmente à gestão fracionada dessas in-
saneamento e de outras infra-estruturas encontra- fra-estruturas nas áreas urbanas.
rá uma solução para o uso do solo planejado ou O que pode ser feito? As áreas não po-
espontâneo que ocorre nas cidades. Nesse senti- dem ocorrer sem a busca da sustentabilidade do
do, a água é retirada do manancial de montante espaço após a ocupação da população. Para isso,
(que se espera que não esteja poluído) e entregue devem ser definidas regras de uso e ocupação
a jusante sem tratamento; a drenagem é projetada que preservem condicionantes da natureza e o
para retirar a água o mais rápido possível de cada sistema possa receber o transporte, o abasteci-
local, transferindo para jusante o seu aumento. mento de água, o esgotamento sanitário, o trata-
O resíduo sólido é depositado em algum local re- mento, a drenagem urbana e a coleta, o proces-
moto para não incomodar as pessoas das cidades. samento e a reciclagem dos resíduos.
Esse conjunto de soluções locais pode ser justifi- O abastecimento de água deve ser rea-
cado em um projeto local, com todas as equações lizado de fontes confiáveis que não são conta-
que foram desenvolvidas ao longo dos anos pelos minadas a partir de outras fontes de montante.
engenheiros hidráulicos, hidrólogos e sanitaristas, O esgoto sanitário deve ser coletado e tratado
para resolver um “dado problema”. para que a água utilizada não esteja contamina-
Qual a conseqüência desses projetos para da e o sistema hídrico tenha condições de se re-
a sociedade? Infelizmente, tem sido um estrondo- cuperar. A drenagem urbana deve preservar as
108 so desastre. Fazendo uma analogia com a medici- condições naturais de infiltração, evitar transfe-
Gestão de águas pluviais urbanas

rência para jusante de aumento de vazão, volu- que o investimento em tratamento de esgoto era
me e carga de contaminação no escoamento plu- muito alto e optaram por investimentos em seto-
vial e erosão do solo. Os resíduos sólidos devem res considerados mais importantes, sem enten-
ser reciclados na busca da sustentabilidade e da der que estavam deixando de combater o mal na
renda econômica dessa riqueza, e a disposição sua origem. Hoje o mal toma conta do sistema e o
do restante deve ser minimizada. custo para sua solução é extremamente alto.
A busca desses objetivos não pode ser Os países desenvolvidos saíram da fase
realizada individualmente, mas deve ser um tra- chamada aqui de “higienista” (tabela 4.1) para a
balho coletivo que se inicia pela educação. Infe- fase “corretiva”, com o tratamento de esgoto do-
lizmente, conceitos inadequados são ensinados méstico e controle das inundações urbanas com
nas universidades e a população possui percep- detenções (amortecimento). O esgoto doméstico
ção errada das soluções. Portanto, é necessário foi implementado até a cobertura quase total.
mudar e formar uma visão mais sustentável do Dessa forma, o ambiente urbano tornou-se me-
homem no espaço. nos poluído, mas não recuperou sua condição
natural. Observou-se que, além do esgoto sani-
tário, existia a carga do esgoto pluvial e a carên-
IV.1 FASES DA GESTÃO
cia de uma adequada distribuição dos resíduos
sólidos, processos totalmente inter-relacionados
No final do século 19 e em parte do sécu- no cotidiano, pois o resíduo que não é coletado
lo 20, a água urbana resumia-se no abastecimen- acaba dentro do sistema de drenagem.
to, ou seja, entregar água à população e retirar Os países desenvolvidos estão atuando
o esgoto para longe e dispor da natureza sem para resolver esse tipo de problema, além da
tratamento. Essa á fase que pode ser chamada carga das áreas rurais denominadas de “polui-
“higienista”, por causa da preocupação dos sa- ção ou carga difusa”. Esse impacto necessita de
nitaristas em evitar a proliferação de doenças e maiores investimentos para seu controle porque
reduzir as de veiculação hídrica, afastando as é distribuído e difuso na cidade. Verificou-se, en-
pessoas. Nesse período, a solução sempre foi tão, que não bastava atuar sobre o problema no
coletar a água a montante e dispor o esgoto a end of pipe, isto é, depois que ocorreu e está nos
jusante. As águas pluviais eram planejadas para condutos, mas que era necessário atuar preven-
escoar pelas ruas até os rios. Esse cenário foi tivamente na origem do desenvolvimento urba-
aceitável enquanto as cidades tinham população no e na gestão dos efluentes. Da mesma forma
de até 20 mil habitantes e encontravam-se dis- como a medicina moderna vem preferindo atuar
tantes umas das outras, garantindo que o esgo- em ações preventivas em vez das curativas.
to de uma cidade não contaminasse a outra. Para buscar uma solução ambientalmen-
As cidades cresceram, ficaram mais próxi- te sustentável, é necessário o gerenciamento
mas umas das outras, mas a estratégia de desen- integrado da infra-estrutura urbana, iniciando-
volvimento se manteve na fase higienista, geran- se pela definição da ocupação do espaço, com
do o que é chamado do “ciclo de contaminação” preservação das funções naturais, como a in-
(veja capítulo 1, Tucci, 2003), segundo o qual a filtração e a rede natural de escoamento. Esse
cidade de montante polui a de jusante e esta, por tipo de desenvolvimento tem recebido a deno-
sua vez, deverá poluir a seguinte. Muitas cidades, minação de LID (Low Impact development) nos
por decisão de suas autoridades, consideravam Estados Unidos (U.S. Department of Housing 109
SANEAMENTO PARA TODOS

TABELA 4.1 ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL URBANO NOS PAÍSES DESENVOLVIDOS

Anos Período Características

Até 1970 Higienista Abastecimento de água sem tratamento de esgoto, transferência para jusante do
escoamento pluvial por canalização

1970– 1990 Corretivo Tratamento de esgoto, amortecimento quantitativo da drenagem e controle do impacto
existente da qualidade da água pluvial. Envolve principalmente a atuação sobre os
impactos

1990* - ? Sustentável Planejamento da ocupação do espaço urbano, obedecendo aos mecanismos naturais
de escoamento; controle dos micropoluentes e da poluição difusa, e o desenvolvimento
sustentável do escoamento pluvial por meio da recuperação da infiltração

* Período no qual esse tipo de visão iniciou-se.

and Urban Development, 2003; NAHB Resear- e não apenas a busca de espaço de infiltração
ch Center, 2004; U.S. Environmental Protection dentro do design de um projeto.
Agency, 2000) ou Water Sensitive Urban Design Apesar de representar um projeto mais
(WSUD) na Austrália. sofisticado e exigir maior qualificação interdis-
Apesar de representar a forma moderna ciplinar, o custo final é inferior ao das medidas
e ambiental de ocupação nos países desenvolvi- anteriores. A canalização tende a representar
dos, no Brasil essa visão de ocupação do espaço custos de 6 a 10 vezes maiores que o amor-
não é nova, pois Saturnino de Brito, no início do tecimento do escoamento quanto às soluções
século 20, já havia planejado algumas cidades corretivas. As medidas de infiltração tendem
segundo essa concepção e estava adiante do seu a ser ainda 25% inferiores ao amortecimento.
tempo. Infelizmente, nem todas as cidades ado- As dificuldades das soluções com infiltração
taram essa visão. ocorrem quando o lençol freático é muito alto,
o solo tem baixa capacidade de infiltração, ou
Os princípios dos desenvolvimentos sus-
as áreas drenadas são poluídas, o que poderia
tentáveis nas águas pluviais abrangem várias
contaminar o aqüífero.
iniciativas: recuperação ou manutenção das
funções naturais do escoamento pluvial como
a infiltração, ravinamento natural desenvolvido IV.2 Visão integrada no ambiente urbano
pelo escoamento, redução das fontes de polui-
ção difusas, como contaminação dos postos de
gasolina, estacionamento de áreas industriais, É importante caracterizar que o desen-
volvimento sustentável urbano envolve a mi-
superfícies poluentes em geral.
nimização do impacto da alteração natural do
Os países em desenvolvimento estão ten-
meio ambiente formado por clima, solo, ar,
tando sair da primeira fase para uma ação cor-
água, biota, entre outros. Para atingir esse ob-
retiva, existindo pouco desenvolvimento dentro
jetivo, é necessário compreender primeiro os
da fase sustentável. impactos que produzem cada uma das inter-
A terceira fase envolve a integração venções e buscar soluções em que tal impacto
entre o projeto de implantação no espaço, o se restrinja a um universo mínimo local, por
projeto arquitetônico e as funções da infra-es- meio da formulação de um projeto de inter-
110 trutura de água em um ambiente urbanizado, venção sustentável ao longo do tempo.
Gestão de águas pluviais urbanas

O ambiente urbano é muito complexo O desenvolvimento urbano representado pela


para ser tratado num texto introdutório como ocupação do uso do solo é, como se sabe, a fon-
este, portanto, aqui só é examinado o ambien- te dos problemas. A seguir, são feitas algumas
te relacionado com as águas pluviais, que tem conjecturas sobre as interações geradas entre os
sido a base da nova concepção de intervenção sistemas hídricos nas áreas urbanas em razão
para a ocupação do espaço. de uma gestão deficiente e desintegrada.

Nesse cenário, a ocupação tradicional não Abastecimento urbano: As principais


procura compreender como solo, água e plantas interfaces com os outros sistemas são: (a) os
estão integradas à natureza para buscar mitigar esgotos sanitário e pluvial, que contaminam os
os efeitos adversos da introdução de superfícies mananciais superficiais e subterrâneos; (b) os
impermeáveis de telhados, passeios, ruas, entre depósitos de resíduos sólidos, como aterros,
outros. Na natureza, a precipitação que não se que podem contaminar as áreas de mananciais;
infiltra tende a formar ravinamentos naturais, (c) as inundações, que podem desestruturar o
de acordo com a intensidade e a freqüência da sistema de abastecimento e destruir a infra-es-
precipitação, da cobertura e da resistência do trutura das redes pluvial e sanitária, além da Es-
solo. Assim, a água que infiltra escoa pelo sub- tação de Tratamento de Esgoto;
solo e pelo aqüífero até chegar aos rios. Com a Esgoto sanitário e drenagem urbana:
destruição da drenagem natural, o novo sistema As principais inter-relações são: (a) quando o
passa a ser formado por ruas, bueiros, condutos sistema é misto, o sistema de transporte é o
e canais que aceleram o escoamento e aumen- mesmo, apresentando comportamentos diver-
tam as vazões máximas em várias vezes, além sos nos períodos sem e com chuva, e a gestão
de lavar as superfícies, transportando o poluen- deve ser integrada; (b) quando os sistemas são
te gerado pelas emissões de carros, caminhões, separados, existem interferências de gestão e
ônibus, indústrias e hospitais. construtivas, decorrentes da ligação de esgoto
sanitário à rede de drenagem, e a de águas plu-
Qual seria então a receita para a for-
viais ao sistema de esgoto, produzindo funcio-
mulação de um novo sistema? No início, pro-
namento ineficiente;
curou-se recuperar a capacidade de amorteci-
mento por meio de detenções. Ainda assim, o Drenagem urbana, resíduos sólidos
volume superficial e os sólidos foi aumenta- e ao esgotamento sanitário: Se o sistema de
do por conta das áreas impermeáveis e ero- coleta e limpeza dos resíduos for ineficiente,
são e aumento da poluição pluvial. Portanto, ocorrerá um grande prejuízo para o sistema
buscou-se retornar a infiltração por meio de de escoamento pluvial, por conta da obstrução
ações locais em residências, edifícios, pelo uso dos condutos, dos canais e dos riachos urbano.
de plano e trincheiras de infiltração, mas ain- Quanto à erosão urbana, ela pode modificar o
da dentro de uma visão localizada e do tipo sistema de drenagem e destruir o sistema de
end of pipe, ou seja, tratando de remediar um esgotamento sanitário.
projeto específico ou um impacto.
Para desenvolver a gestão integrada, é
necessário conhecer as interfaces entre os siste-
mas. Na figura 4.1, são caracterizadas as princi-
pais relações entre os sistemas de infra-estrutu-
ra e o ambiente urbano relacionado com a água. 111
SANEAMENTO PARA TODOS

Condicionantes de
infra-estrutura: de

Inundações
ribeirinhas:

Figura 4.1 Relações entre os sistemas das águas urbanas

A visão integrada inicia no planejamento temas naturais vegetais, para que toda a água se
do desmembramento e da ocupação do espaço infiltre. Um projeto dessa natureza retira a divisa
na fase do loteamento, quando o projeto deve das propriedades (como nas propriedades rurais,
procurar preservar o ravinamento natural exis- no projeto de pequenas bacias e na conservação
tente. Ao contrário do que se projeta atualmente, do solo). Dessa forma, é reduzido o escoamento
baseando-se apenas na maximização da explora- às condições preexistentes para as chuvas fre-
ção do espaço independente da rede de drena- qüentes, e a água se infiltra, não transferindo
gem natural, o projeto sustentável preserva o quantidade e qualidade para jusante. Essa é a ca-
sistema natural e distribui a ocupação em lotes racterística de um projeto residencial, enquanto
menores, mantém uma maior área verde comum, áreas industriais e comerciais exigem projetos
retira o meio-fio das ruas de menor movimento, específicos de controle, mas ainda conformes a
112 integrando o asfalto a gramados ou a outros sis- uma integração conceitual dos projetistas.
Gestão de águas pluviais urbanas

No âmbito do esgotamento sanitário, deve- Essas duas medidas podem ser imple-
se desenvolver a ligação de redes de esgoto com mentadas por meio do Plano Diretor de Águas
padrão adequado, tarefa a ser executada por em- Pluviais (ou, como alguns denominam, o de Dre-
presa de serviços de água e saneamento. Dessa for- nagem Urbana), ou por um Plano Diretor Urba-
ma, evitam-se ligações inadequadas, mantém-se o no, que inclua tais elementos ao esgotamento
tratamento de esgoto segundo os padrões indica- sanitário, aos resíduos sólidos, ao transporte e
dos e procede-se, regularmente, à avaliação desse ao uso do solo. Na figura 4.2, observa-se como
tratamento e dos sistemas hídricos que recebem os sistemas de águas urbanas integram-se e bus-
efluentes. Quanto aos resíduos sólidos, devem-se cam identificar os componentes de integração
buscar aprimorar a coleta domiciliar e a limpeza em busca de soluções.
das ruas, a disposição automática de retenção de
lixo e a educação da população com sistemas de
reciclagem economicamente eficientes.
No escoamento pluvial, o custo de uma
infra-estrutura sustentável tende a ser menor
que o custo de um sistema corretivo, e este ain-
da menor que o da infra-estrutura tradicional,
graças à retirada de vários sistemas, como a
eliminação de redes de condutos de drenagem,
sarjetas, entre outros, que seriam substituídos
por gramados que infiltram, valos gramados e
sistemas naturais protegidos.
O leitor pode imaginar que isso é uma
utopia se ambientado na nossa realidade. No
entanto, o empreendedor é sensível ao custo e a
população é sensível e favorável a um ambiente
adequado., em busca de uma melhor qualidade
Figura 4.2 Visão integrada (Tucci, 2003)
de vida. Esses são dois fatores importantes na
tomada de decisão. Dificilmente os países em
desenvolvimento poderão pular etapas, em vir- A atuação preventiva no desenvolvimen-
tude do grande passivo existente nas cidades to urbano reduz o custo da solução dos proble-
quanto ao escoamento pluvial (sem falar nos de- mas relacionados com a água. Planejando a ci-
mais). Portanto, é necessário desenvolver estra- dade com áreas de ocupação e controle da fonte
tégias em duas plataformas principais: da drenagem, a distribuição do espaço de risco
• controlar os impactos existentes por e o desenvolvimento dos sistemas de abaste-
meio do cenário de ações corretivas es- cimento e esgotamento, os custos serão muito
truturais, que tratam da gestão por sub- menores do que durante as crises, com custos
bacias urbanas; inviáveis para o município.

• fomentar medidas não-estruturais que O desenvolvimento do planejamento das


levem os tomadores de decisão a utilizar áreas urbanas envolve principalmente:
um desenvolvimento com menor impac- • planejamento do desenvolvimento ur-
to e sustentável. bano; 113
SANEAMENTO PARA TODOS

• transporte; e interfere na ocupação do solo, nas ruas,


• abastecimento de água e saneamento; nos sistemas de esgoto, entre outros;

• drenagem urbana, controle de inunda- • a limpeza das ruas e a coleta e a dispo-


ções e da erosão urbana; sição de resíduos sólidos interferem na
quantidade e na qualidade das águas dos
• resíduo sólido;
pluviais.
• controle ambiental.
A maior dificuldade para a implementa-
ção do planejamento integrado decorre da limi-
tada capacidade institucional dos municípios
para enfrentar problemas tão complexos e in-
terdisciplinares e a forma setorial como a gestão
municipal é organizada.

IV.3 ASPECTOS INSTITUCIONAIS

A estrutura institucional é a base do ge-


renciamento dos recursos hídricos urbanos e
da sua política de controle. A definição insti-
tucional depende dos espaços de atribuição da
organização do País, de sua inter-relação tanto
legal como de gestão quanto à água, ao uso do
solo e ao meio ambiente. Para estabelecer o me-
Figura 4.2 Interface entre os Planos da Cidade e o
Plano Diretor de Águas Pluviais ou de Drenagem Urbana canismo de gerenciamento desses elementos, é
necessário definir os espaços geográficos rela-
cionados com o problema.
O planejamento urbano deve considerar
os aspectos relacionados com a água, o uso do
solo e a definição das tendências dos vetores de IV.3.1 Espaço geográfico de gerenciamento
expansão da cidade. Há uma forte inter-relação
entre os aspectos relacionados à água, cumprin-
do citar: O impacto dos efluentes de esgotamento
sanitário e da drenagem urbana pode ser ana-
• o abastecimento de água é realizado a
lisado em dois contextos espaciais diferentes,
partir de mananciais, que podem ser con-
discutidos a seguir:
taminados pelo esgoto cloacal, pluvial ou
Impactos que extrapolam o municí-
por depósitos de resíduos sólidos;
pio: ampliando as enchentes e contaminando
• a solução do controle do escoamento a jusante os corpos hídricos, como rios, lagos
da drenagem urbana depende da existên- e reservatórios. Essa contaminação é deno-
cia de rede de esgoto cloacal e de trata- minada “poluição pontual e difusa urbana”.
mento de esgoto, além da eliminação das Esse tipo de impacto é resultante das ações
ligações entre as redes; dentro da cidade, que são transferidas para o
114 • a erosão do solo produz assoreamento restante da bacia. Para o seu controle, podem
Gestão de águas pluviais urbanas

ser estabelecidos padrões a serem atingidos IV.3.3 Legislações


e geralmente são regulados por legislação
ambiental e de recursos hídricos federal ou
As legislações que envolvem as águas ur-
estadual;
banas estão relacionadas com recursos hídricos,
Impacto dentro das cidades: esses im- uso do solo e licenciamento ambiental. A seguir,
pactos são disseminados dentro da cidade, e é apresentada uma análise dentro do cenário
atingem a própria população. A gestão desse brasileiro, em três âmbitos: federal, estadual e
controle é estabelecida por medidas desen- municipal (figura 4.3).
volvidas pelo município, em legislação muni-
Recursos Hídricos: A Constituição Fede-
cipal e em ações estruturais específicas. Des-
ral define o domínio dos rios e a legislação de
sa forma, cabe ao município a gestão dentro
recursos hídricos em âmbito federal e estabe-
desse espaço.
lece os princípios básicos da gestão das bacias
hidrográficas. As bacias podem ser de domínio
IV.3.2 Experiências estadual ou federal.
Algumas legislações estaduais de recur-
A experiência americana no processo sos hídricos estabelecem critérios para a outorga
tem sido aplicada em um programa nacional do uso da água, mas não legislam sobre a outor-
desenvolvido pela EPA (Environmental Protec- ga relativa ao despejo de efluentes de drenagem
tion Agency), que obriga todas as cidades com (prevista na lei de recursos hídricos). A legisla-
mais de 100 mil habitantes a estabelecer um ção ambiental estabelece normas e padrões de
programa de BMP (Best Management Practi- qualidade da água dos rios por meio de classes,
ces). Recentemente, iniciou-se a segunda fase mas não define restrições quanto aos efluentes
do programa para cidades com população in- urbanos lançados nos rios. A ação dos órgãos
ferior à mencionada (Roesner e Traina, 1994). estaduais de controle ambiental é limitada pela
As BMPs envolvem o controle da qualidade e falta de capacidade de os municípios investirem
da quantidade de água por parte do municí- nesse controle. Portanto, não existe exigência e
pio, por meio de medidas estruturais e não- não existe pressão para investimentos no setor.
estruturais. O município deve demonstrar que Nesse contexto, o escoamento pluvial (da
está avançando e buscar atingir tais objetivos, mesma forma que o esgoto sanitário) resultan-
por meio de um Plano. Esse processo contribui te das cidades deve ser objeto de outorga ou
para reduzir a poluição difusa dos rios da vi- de controle a ser previsto nos Planos de Bacia.
zinhança das cidades. A penalidade que pode Como esses procedimentos ainda não estão sen-
ser imposta é a ação judicial da EPA contra o do cobrados pelos Estados, não existe, no mo-
município. mento, uma pressão direta para a redução dos
A experiência francesa consiste no ge- impactos resultantes da urbanização.
renciamento dos impactos e no controle dele, Uso do solo: Na Constituição Federal, ar-
por intermédio de um comitê de bacia, que é tigo 30, é definido que o uso do solo é munici-
o fórum básico para a tomada de decisão. As pal. Porém, os Estados e a União podem estabe-
metas com as quais os municípios e outros lecer normas para o disciplinamento do uso do
atores devem ser comprometidos são decidi- solo visando à proteção ambiental, ao controle
das pelo comitê. da poluição, à saúde pública e à segurança. Des- 115
SANEAMENTO PARA TODOS

Figura 4.3 Espaços do gerenciamento (Tucci, 2003)

sa forma, observa-se que, no caso da drenagem diência civil, sob a forma de invasão de áreas,
urbana, que envolve o meio ambiente e o contro- loteamentos irregulares, entre outros. Um exem-
le da poluição, a matéria é de competência con- plo feliz foi o introduzido pelo município de Es-
corrente entre Município, Estado e Federação. A trela (RS) Brasil, que permitiu a troca de áreas de
tendência é de os municípios introduzirem dire- inundação (proibidas para uso) por solo criado,
trizes de macrozoneamento urbano nos Planos ou índice de aproveitamento urbano acima do
Diretores de Desenvolvimento Urbano, incenti- previsto pelo Plano Diretor de Desenvolvimento
vados pelos Estados. Urbano nas áreas mais valorizadas da cidade.
Observa-se que, no zoneamento relativo Ao introduzir restrições ao uso do solo, é
ao uso do solo, não têm sido analisados pelos necessário que a legislação dê alternativa econô-
municípios certos aspectos de águas urbanas, mica ao proprietário da terra, ou que o município
como esgotamento sanitário, resíduo sólido, compre a propriedade. Numa sociedade demo-
drenagem e inundações. O que tem sido obser- crática, o impedimento do uso do espaço privado
vado são legislações restritivas à proteção de para o bem público deve ser compensado pelo
mananciais e à ocupação de áreas ambientais. A público beneficiado; caso contrário, configura-se
legislação muito restritiva, contrariamente à sua em confisco. Atualmente, as legislações do uso
116 intenção, só produz reações negativas e desobe- do solo apropriam-se da propriedade privada e
Gestão de águas pluviais urbanas

ainda exigem o pagamento de impostos pelo pro- grupo de municípios numa região metropolita-
prietário, que não possui alternativa econômica. na. A gestão pode ser realizada de acordo com
A conseqüência imediata na maioria das situa- a definição dos espaços geográficos externo e
ções é a desobediência legal. interno da cidade.
Licenciamento ambiental: Esse licencia- Os Planos das Bacias Hidrográfica têm
mento estabelece os limites para a construção sido desenvolvidos para bacias grandes (>3.000
e a operação de canais de drenagem e regulado km2). Nesse cenário, existem várias cidades que
pela Lei n° 6.938/81 e pela Resolução Conama interferem umas nas outras, transferindo im-
n° 237/97. Da mesma forma, a resolução Cona- pactos. O Plano da Bacia dificilmente poderá
ma 1/86 art 2o, VII, estabelece a necessidade de envolver todas a medidas em cada cidade, mas
licença ambiental para “obras hidráulicas para deve estabelecer os condicionantes externos às
drenagem”. O licenciamento ambiental é Federal cidades, como a qualidade de seus efluentes, as
na medida que a área de influência do projeto alterações de sua quantidade, que visem a trans-
englobe mais de um Estado, enquanto que é Es- ferência de impactos.
tadual quando a área de influência se encontra
O ambiente interno das cidades são as
dentro de um mesmo Estado.
gestões dentro do município para atender aos
condicionantes externos previstos no Plano de
IV.3.4 Gestão urbana e da bacia hidrográfica Bacia, para evitar os impactos e buscar a me-
lhoria da quantidade e da qualidade da água no
conjunto da bacia, além dos condicionantes in-
A gestão das ações no ambiente urbano
ternos, que tratam de evitar os impactos à popu-
pode ser definida de acordo com a relação de
lação da própria cidade.
dependência da água, por meio da bacia hidro-
gráfica ou da jurisdição administrativa do mu- Esses dois espaços principais definem os
nicípio, do estado ou da nação. A tendência da gestores, os instrumentos e as metas de gestão
gestão dos recursos hídricos tem sido realizada desses instrumentos como descrito na tabela
pela bacia hidrográfica; no entanto, a gestão do 4.2. A construção global dessa estrutura de ges-
uso do solo é realizada pelo município ou por tão esbarra em algumas dificuldades:

TABELA 4.2 ESPAÇO DE GESTÃO DAS ÁGUAS URBANAS

Espaço Domínio Gestores Instrumento Característica

Bacia Estado ou Governo Comitês e Plano de Bacia Gestão da quantidade e da qualidade


Hidrográfica1 Federal Agências da água no sistema de rios que formam
a bacia hidrográfica, evitando a
transferência de impactos

Município2 Município ou Região Município Plano Diretor Minimização dos impactos de quantidade
Metropolitana Urbano e Plano e qualidade dentro da cidade, nas
Integrado de pequenas bacias urbanas, sem transferir
Esgotamento, impactos para o sistema de rios
Drenagem Urbana
e Resíduo Sólido

1
Bacias de grande porte (> 1000 km2); 2
área de abrangência do município e suas pequenas sub-bacias de macrodrenagem (< 50 km2)
Os valores de áreas são indicativos e podem ser alterados para cidades de grande porte 117
SANEAMENTO PARA TODOS

• a limitada capacidade dos municípios ação, estebelecem-se normas de comuns


para desenvolverem a gestão, conside- quanto à gestão territorial relacionada
rando a maioria destes; com os elementos das águas urbanas.
• o sistema de gestão das bacias ainda não Esses entendimentos podem ser reali-
é uma realidade consolidada na maioria zados dentro do comitê da bacia, enquanto os
dos países da América do Sul; planos estaduais desenvolvem a regulamenta-
• a reduzida capacidade de financiamen- ção setorial. Portanto, quando forem desenvol-
to das ações pelos municípios e o alto ní- vidos os Planos das Bacias, que envolvam mais
vel de endividamento. de um município, deve-se buscar acordar ações
conjuntas com esdes municípios para se obter o
No primeiro caso, a solução passa pelo
planejamento de toda a bacia.
apoio estadual e federal, por intermédio de es-
critórios técnicos que apóiem as cidades de me-
nor porte no desenvolvimento de suas ações de
planejamento e implementação. O segundo de-
penderá da transição e da evolução do desenvol-
vimento da gestão no País. O terceiro dependerá
fundamentalmente do desenvolvimento de um
programa federal, e mesmo estadual, com um
fundo de financiamento para viabilizar as ações.

Gerenciamento de bacias
urbanas compartidas
Figura 4.4 Relações básicas entre municípios

Grande parte das cidades possui bacia


hidrográfica comum com outros municípios. Os problemas atualmente existentes po-
Geralmente, existem os seguintes cenários: (a) dem ser resumidos nos seguintes cenários:
um município está a montante de outro; (b) o rio • Nas regiões metropolitanas, é comum
divide os municípios (figura 4.4). a existência de bacias hidrográficas com
O controle institucional das águas urba- grande predominância de urbanização,
nas, que envolve pelo menos dois municípios, que atravessa mais de uma cidade, e as
pode ser assim realizado: transferências de impactos entre as ci-
dades é muito grande. Por exemplo, uma
• por meio de legislação municipal ade-
cidade a montante que canaliza seu esco-
quada a cada município;
amento para jusante seguramente vai au-
• por legislação estadual que estabeleça mentar as inundações na cidade de jusan-
os padrões a serem mantidos nos muni- te, da mesma forma que a poluição ou o
cípios, de tal forma a não serem transfe- esgoto não-tratado. Para isso, não existem
ridos os impactos; mecanismos legais impeditivos, embora
• pelo estabelecimento de distritos de qualquer projeto deva ser aprovado am-
drenagem, onde cada distrito englobe um bientalmente, e esses são impactos que
118 ou mais municípios e, no seu âmbito de deveriam fazer parte do licenciamento
Gestão de águas pluviais urbanas

ambiental. Isso, porém, geralmente não (d) de participação pública; (e) em ciência e tecno-
ocorre, e as cidades ficam sujeitas a serem logia; (f) de capacitação; e (g) um plano de ação.
processadas pelas pessoas prejudicadas; O institucional trata da legislação e da gestão.
Define os elementos legais de responsabilidades
• No caso de municípios que se encon-
entre os agentes públicos, provada a sua com-
tram em margens opostas, mesmo que
patibilização com a legislação existente. A ges-
um deles adote medidas legais para a
tão estabelece os agentes da sociedade (Estado,
gestão de sua parte da bacia, a outra mar-
interessados e público) que implementarão as
gem continuará impactando a jusante, o
medidas e suas responsabilidades. O econômico-
que inviabiliza uma solução sustentável.
financeiro estabelece as bases de financiamento,
Nesse caso, também somente é possível
subsídios e retorno econômicos das ações. A par-
o desenvolvimento de medidas susten-
ticipação pública define os mecanismos de envol-
táveis de longo prazo por meio de esta-
vimento dos stakeholders no processo de gestão.
belecimentos de mecanismos legais a se-
A ciência e tecnologia é o aspecto que trata do
rem exigidos dos projetos quando da sua
desenvolvimento do conhecimento relacionado
aprovação em ambas as cidades.
aos problemas e às necessidades do programa.
A capacitação trata da formação de pessoal em
Potenciais medidas de controle todos os níveis, visando ao sucesso do programa.
externo às áreas urbanas O plano de ação estabelece o escalonamento no
tempo das atividades do programa. Esse tipo de
programa pode ser implementado em âmbito de
O mecanismo previsto nas legislações de bacia, estado ou país.
recursos hídricos – ou gerenciamento externo
das cidades – é o Plano de Recursos Hídricos da
Programa Nacional de Águas Pluviais
Bacia. No entanto, no referido Plano dificilmen-
te será possível elaborar Planos de Drenagem,
Esgotamento Sanitário e Resíduo Sólido de cada A seguir, é apresentada uma síntese de
cidade contida na bacia. O Plano deveria esta- proposta de programa para a realidade brasileira
belecer as metas que as cidades devem atingir (Tucci, 2005). Este exemplo tem a finalidade di-
para que o rio principal e seus afluentes atinjam dática de explorar o tema e pode ser de adaptado
níveis ambientalmente adequados de qualidade a cada realidade, conforme suas características.
da água. O Plano Integrado de Drenagem Urba-
Objetivo: Reduzir a vulnerabilidade da
na, Esgotamento Sanitários e Resíduos Sólidos
população às inundações ribeirinhas e as que
deve obedecer aos controles estabelecidos no ocorrem na drenagem urbana e a minimização
Plano da bacia no qual estiver inserido. dos impactos ambientais, por meio de uma
política institucional econômica e técnica e um
Programa plano de ação para a gestão das águas pluviais
em conjunto com os outros elementos do de-
senvolvimento urbano das cidades brasileiras.
Em cidades onde existam jurisdições dis- Os objetivos do programa envolvem as áreas ri-
tintas, pode ser implementado um programa, beirinhas que ocorrem em médias e grandes ba-
que considere os seguintes aspectos: (a) institu- cias e a drenagem urbana que tem um contexto
cional; (b) econômico-financeiro; (c) tecnológico; delimitado pelo município. 119
SANEAMENTO PARA TODOS

Princípios: • a participação pública deve ser uma


• os novos empreendimentos que alte- parte essencial do Programa de Águas
rem o uso do solo urbano não podem Pluviais.
alterar a vazão natural preexistente defi- Componentes do Programa de Águas
nida pelo poder público; Pluviais (figura 4.5):
• as medidas de gestão e controle das • Institucional: trata dos elementos le-
inundações urbanas devem considerar a gais, de gestão;
bacia em geral, e não em trechos isola- • Ciência e tecnologia & capacitação:
dos. Esse controle deve evitar aumentar a desenvolvimento de conhecimento para
vazão para jusante. o programa e a formação em diferentes
• os mecanismos naturais de escoamen- níveis;
to na bacia hidrográfica devem ser valori- • Tecnológico: com destaque aos ele-
zados, preservando, quando possível, as mentos de quantidade e qualidade, trata
áreas impermeáveis e os canais naturais. dos elementos técnicos necessários ao
• o impacto da qualidade da água e dos desenvolvimento de uma gestão susten-
resíduos sólidos no escoamento pluvial tável e da base de dados;
resultante da urbanização devem ser mi- • Econômico-financeiro: trata dos ele-
nimizados; mentos de viabilidade econômica e finan-
• o custo da implantação das medidas es- ceira da gestão das águas pluviais;
truturais e da operação e da manutenção • Participação pública: trata dos me-
da drenagem urbana devem ser transfe- canismos potenciais para induzir uma
ridos aos proprietários dos lotes, propor- maior participação pública no desenvol-
cionalmente a sua área impermeável. vimento do Programa;
• as medidas não-estruturais devem ser • Plano de ações: utilizando a base
prioritárias para o controle das inunda- proposta pelos outros, desenvolve o
ções ribeirinhas; plano de ação para o Ministério das
• o Plano Diretor de Águas Pluviais deve Cidades, visando à implementação do
ser o mecanismo de orientação e regu- programa.
lamentação, no município, das medidas Estrutura de ação do Programa: O pro-
sustentáveis de controle das águas plu- grama proposto tem seguintes níveis fundamen-
viais; tais para desenvolvimento das ações entre os
• o Plano Diretor de Águas Pluviais, elementos citados, de acordo com a legislação
Esgotamento Sanitário e Resíduos Sóli- presente na realidade brasileira: (a) Nível Fede-
dos devem ser desenvolvidos preferen- ral ou Estadual; (b) nível municipal. Na figura 4.5
cialmente de forma integrada e devem é apresentado como os elementos se integram
fazer parte integrada do Plano Diretor dentro destes dois níveis.
Urbano; Para as bacias hidrográficas federais, são
• a gestão do espaço de risco, a imperme- estabelecidos os controles externos para a cida-
abilização e a drenagem urbana devem de, por meio de legislação, que incentivará as
120 ser realizadas em âmbito municipal; entidades estaduais a regulamentar, da mesma
Gestão de águas pluviais urbanas

forma, as bacias estaduais. A gestão abranger A legislação levará induzirá os muni-


os seguintes itens: (a) fiscalização da outorga; cípios a desenvolver um Plano de Saneamen-
(b) desenvolvimento de programa de apoio para to Ambiental, que incluirá as Águas Pluviais,
áreas ribeirinhas por meio de prevenção e aler- associado aos Planos Diretores das cidades, e
ta; (c) financiamento; (d) apoio técnico; (e) capa- sua implementação ao longo do tempo. Para
citação; e (e) ciência e tecnologia. o município, o Plano deverá incorporar os ele-

Figura 4.5 Elementos do programa de águas pluviais 121


SANEAMENTO PARA TODOS

mentos de uso do solo e drenagem urbana na Externos à cidade


legislação, a preparação dos Planos de Ação
por bacia urbana para a solução dos proble-
A Lei de Recursos Hídricos n. 9.433, na
mas atuais e os programas de curto, médio e
seção de “outorga”, art.12, estabelece que está
longo prazos. A gestão importará na fiscaliza-
sujeita a outorga (veja acima)
ção e na implementação do plano, financiado
pelo Programa Nacional. “III - lançamento em corpo d’água de es-
gotos e demais resíduos ...”
Institucional. Os elementos institucio-
nais – legislação e gestão – são a base para o e
desenvolvimento da estrutura do programa. “V - outros ursos que alterem a quantida-
de e a qualidade da água em corpos de água.”

Aspectos legais A regulamentação da lei de outorga com-


pete ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos,
conferida pelo artigo 13º, Lei n° 9.433. de 8 de
Os elementos legais consistem numa janeiro de 1997, e pelo artigo 1º, do Decreto n°
proposta de encaminhamento de uma legisla- 2.612. de 3 de junho de 1998. Em Resolução n°.
ção que oriente o programa, a gestão e a atu- 16, de 8 de maio de 2001, o referido Conselho
ação das entidades envolvidas na implementa- definiu as bases da outorga. No artigo 12, esta-
ção do programa, por meio da capacitação dos belece que a outorga deve observar os Planos de
recursos humanos, com suporte na ciência e na Recursos Hídricos. No artigo 15, que a outorga.
tecnologia. “para lançamento de efluentes será dada
A política de controle da drenagem urba- em quantidade de água necessária para a dilui-
na envolve dois ambientes: o externo à cidade e ção de carga poluente, que pode variar ao lon-
o interno a ela. Na figura 4.5, pode-se observar, go do prazo de outorga, com base nos padrões
de forma esquemática, a caracterização institu- de qualidade da água correspondente à classe
cional dos elementos que podem permitir o ge- de enquadramento do corpo receptor e/ou cri-
renciamento do controle das águas pluviais. térios específicos definidos no corresponden-
te Plano de Recursos Hídricos ou pelos órgãos
Existe uma grande inter-relação entre
competentes.”
os elementos de uso do solo, o controle am-
biental e os recursos hídricos, tanto no campo No artigo 12, V, da Lei n° 9.433, e na Re-
urbano como no plano da bacia hidrográfica. solução do Conselho, artigo 4º, V, é explicitado
Como figurado, o gerenciamento da cidade é que a outorga é necessária para
controlado monitorando o que a cidade expor- “outros usos e/ou interferências, que al-
ta para o restante da bacia, induzindo-a ao seu terem o regime, a quantidade ou a qualidade de
controle interno, utilizando-se dos meios le- água existente em um corpo de água.”
gais e financeiros.
Dessa forma, observa-se que a legisla-
O processo interno dentro da(s) ção de recursos hídricos permite a introdução
cidade(s) é uma atribuição essencialmente do da regulação do controle dos efluentes de áreas
município ou de consórcios de municípios, de- urbana por meio da outorga, considerando que
pendendo das características das bacias urba- o escoamento dessas áreas comprovadamente
122 nas e de seu desenvolvimento. altera a quantidade e a qualidade (ver capítulos
Gestão de águas pluviais urbanas

anteriores). Essa regulação pode, assim, ser re- É possível estabelecer a normatização da
alizada por resolução do Conselho Nacional de outorga por meio do Conselho Nacional de Re-
Recursos Hídricos. cursos Hídricos, como mecanismo de controle
externo à cidade para induzir os municípios ao
O objetivo do controle externo à cidade
desenvolvimento das ações dentro do seu terri-
consiste em:
tório de competência.
• manter a qualidade da água dos rios a
Alguns dos elementos fundamentais para
jusante dentro da classe do rio;
a definição dessa regulamentação são:
• evitar impactos decorrentes da inun-
• A proposta de “resolução” deve conter
dação da drenagem urbana e das áreas
os parâmetros básicos necessários à ou-
ribeirinhas.
torga dos efluentes urbanos, em geral, e
O primeiro dos objetivos está claramente não somente da drenagem urbana, já que
definido dentro dos condicionantes de outorga os impactos devidos ao esgotamento sa-
na medida que as áreas urbanas produzem alte- nitário, à drenagem urbana e a resíduos
rações na qualidade da água e portanto o con- sólidos não são separáveis;
junto da cidade que contribui para o(s) rio(s) a
• Não é possível exigir a outorga de todas
jusante necessita de outorga. Quanto aos impac-
as cidades do País a curto prazo, pois in-
tos quantitativos devido à urbanização (altera-
viabilizaria todas as ações efetivas e não
ção do pico e volume) também estão dentro das
existiriam recursos para financiar o desen-
atribuições da outorga na medida que as áreas
volvimento do planejamento e o controle
urbanas “alteram a quantidade e qualidade da
simultaneamente;
água”. No entanto, não ficaria claro o uso do me-
• As regras da outorga devem estabelecer
canismo de outorga como indução ao processo
procedimentos e metas de resultado no
de controle das inundações urbanas ribeirinhas.
Planejamento das ações de acordo com a
O mecanismo de outorga também seria justifi-
classe do rio planejada.
cado, considerando os seguintes aspectos:
Para resolver o primeiro item, a resolu-
• que a Constituição prevê que o go-
ção deve solicitar um Plano de Saneamento Am-
verno federal deve atuar na prevenção
biental Municipal (abrangendo abastecimento
de cheias e secas, como também esta-
de água, esgotamento sanitário, drenagem urba-
belece como atribuição, na Lei n° 9.984,
na e resíduos sólidos, de acordo com o projeto
de 17 de julho de 2000, artigo 3º, X:
de lei em elaboração) e definir as normas que
“planejar e promover ações destinadas a
os municípios devem cumprir para a obtenção
prevenir ou minimizar os efeitos de se-
de outorga. Essas normas devem ser implemen-
cas e inundações, no âmbito do Sistema
tadas como base para o desenvolvimento dos
Nacional de Gerenciamento de Recursos
Planos de Saneamento Ambiental. Para resol-
Hídricos, em articulação com o órgão cen-
ver o segundo item, é proposto a determinação
tral do Sistema Nacional de Defesa Civil,
de prazos de acordo com o porte das cidades.
em apoio aos Estados e Municípios.“
São dadas outorgas provisórias e renováveis de
• que as inundações ribeirinhas também acordo conforme os prazos estipulados. O ter-
podem ser devidas a alterações no leito ceiro item é resolvido estabelecendo-se metas
maior, em virtude de construções ao lon- associadas à outorga dos efluentes, de acordo
go da cidade. com as metas do Programa. 123
SANEAMENTO PARA TODOS

A proposta foi preparada considerando regulamentos de controle dos impactos dos


a distribuição de cidades no país e a carga a as- novos desenvolvimentos quanto aos diferentes
sociada à população. Não foi avaliada a capaci- elementos relacionados com o Saneamento Am-
dade de o governo financiar o programa, que é biental. A fase de conclusão do Plano abrange a
uma decisão particularmente política. Portanto, finalização e a aprovação pelos poderes munici-
essa proposta deve ser utilizada para discussão. pais. A conclusão é definida como a fase em que
O importante de um programa dessa natureza é município atinge as metas previstas no Plano. A
desenvolver metas que permitam visualizar so- outorga será dada por prazo definido, sempre
luções para a contaminação das cidades. sujeita aos resultados de operação e manuten-
ção dos sistemas de tratamento e controle dos
Na tabela 4.3, são apresentadas quatro
impactos. Essa fase posterior corresponde à fis-
classes de municípios de acordo com a popula-
calização do cumprimento da operação e da ma-
ção da cidade. Conforme os capítulos anterio-
nutenção dos sistemas ao longo do tempo.
res, os principais problemas encontram-se nas
cidades de maior porte. Pode-se observar que Para desenvolvimento do Programa, as
o número de municípios com pelo menos 500 outorga seriam dadas de acordo com as metas
mil habitantes é de 30, representando 27,25% acima e a sua renovação ficaria condicionada ao
da população brasileira. Municípios entre 100 atendimento dessas metas. O Programa deveria
mil e 500 mil habitantes representam 192 mu- introduzir bônus fiscal para os municípios que
nicípios e 23,68% da população. Portanto, são atenderem às metas antes do prazo e punição,
212 os municípios acima de 100 mil habitan- quanto ao repasse de recursos federais, para os
tes, correspondendo a um total de 51,13% da municípios que não conseguissem as outorgas.
população. É nesse universo do país onde se A normatização abrange o seguinte:
encontram os maiores problemas relaciona- (1) Preparação da resolução a ser propos-
dos com os efluentes urbanos. ta ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos
Sendo assim, é proposto o escalona- com base nas fases acima;
mento temporal para as ações nos municípios, (2) Estabelecimento de padrões a serem
baseadas nas etapas definidas na tabela 4.4. seguidos nos Planos Integrados dos Municípios
A etapa de elaboração das medidas não-estru- que atendam à resolução. Deverá ser desenvol-
turais envolve a aprovação pelo município dos vido um manual a ser obedecido na elaboração

TABELA 4.3 DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO SEGUNDO CENSO DE 2000, DE ACORDO COM DADOS DO IBGE

Categoria Classificação Número de Proporção do total População Percentual da


dos municípios municípios (%) (milhões) população
P = população

A P > 500 mil 30 0,54 45,257 27,25

B 100 < P < 500 mil 192 3,49 39,337 23,68

C 20 < P >100 1.224 22,23 48,155 28,99

D P < 20 mil 3.061 73,74 33,363 20,08

Total 5.507 100 166,112 100


124
Gestão de águas pluviais urbanas

TABELA 4.4 FASES E CRITÉRIOS PARA A OUTORGA DOS EFLUENTES

Período
Categoria de Período da outorga(*)
Fase acumulado a partir Condicionante para renovação
município (anos)
do início

A 2 2

B 3 3
I Iniciar o Plano de Saneamento Ambiental
C 5 5

D 7 7

A 1 3

B 2 5
II Implementação das Medidas não-estruturais
C 2 7

D 2 9

A 2 5

B 2 7 Conclusão do Plano de Saneamento Ambiental e


III
C 3 10 início das obras

D 5 14

A 6 11

B 6 13
IV Conclusão das obras e metas atingidas.
C 7 17

D 10 24

Revisão da outorga a cada cinco de acordo


V Todos 3 11 a 24
com indicadores das cidades

(*) O número de anos de cada atividade deve estar condicionado à capacidade de financiamento do governo federal

dos Planos, resultado da implementação da pactos externos e internos à cidade, no qual o


obras e dos procedimentos para monitoramento município deve estabelecer suas diretrizes e
do funcionamento dos sistemas de tratamento e seu desenvolvimento.
controle externo às cidades. Os condicionantes mínimos relacionados
Regulação interna à cidade: A regu- com o escoamento pluvial estão relacionados
lamentação dentro da cidade é realizada por com o seguinte:
intermédio de lei ou decreto específico ou a
• regulamentação que limite o aumento
aprovação do Plano de Saneamento Ambien-
do escoamento para os novos desenvol-
tal Municipal, por legislação e pelo Executivo
vimentos urbanos;
municipal. No item anterior, foram propostas
a elaboração de normas que devem conter os • definição do zoneamento das áreas de

condicionantes mínimos da regulamentação risco de inundações ribeirinhas;


municipal e indicadores de avaliação dos im- • plano de controle dos impactos exis- 125
SANEAMENTO PARA TODOS

tentes por bacia hidrográfica urbana, sem necessária para gerenciar o programa seja com-
transferência para o restante da cidade; posta no mínimo por um gerente e quatro técni-
• recuperação dos custos dos investi- cos. Essa equipe não desenvolverá as atividades
mentos e de operação e manutenção de técnicas para gerenciar todos os procedimentos,
acordo com as áreas impermeáveis; tercerizando, quando necessário, as atividades.

• monitoramento de locais específicos A gestão externa à cidade se dará por in-


externos à saída para a verificação das termédio de entidade federal ou estadual, com
ações na cidade. atribuições para outorga dos recursos hídricos,
em conjunto com o Ministério das Cidades, que
fornecerá as normas para a avaliação do aten-
Gestão dimento das condições de outorga. Para isso,
é necessário que a entidade outorgante tenha
qualificação para:
A gestão envolve o seguinte: (a) gestão do
programa; (b) gestão das entidades outorgantes; • estabelecimento de normas e padrões
e (c) gestão da implementação dos planos den- que deverão ser seguidos pelos Planos de
tro das cidades. Saneamento Ambiental;

A gestão programa envolve os seguintes • avaliação dos Planos Ambientais Mu-


aspectos: nicipais. A outorga será dada segundo a
elaboração do Plano, sua aprovação pela
• desenvolvimento de padrões técnicos
entidade outorgante e o acompanhamen-
nacionais que auxiliem as entidades ou-
to das metas estabelecidas no Plano.
torgantes, em âmbito estadual e fede-
ral, quanto à outorga e ao controle dos A gestão interna à cidade envolverá os ór-
elementos definidos no programa (veja gãos municipais que variam de acordo com cada
item 5.6); cidade. Existem empresas municipais que englo-
bam todos os serviços de Saneamento Ambiental,
• desenvolvimento de programa de capa-
como em Santo André (SP), e outras em que os ser-
citação (veja item seguinte) para profis-
viços são partilhados em vários departamentos.
sionais: (a) para atuação nas diferentes
Em Porto Alegre, existe o Departamento Municipal
entidades públicasestaduais e federal; (b)
de Águas e Esgotos (DMAE) para abastecimento de
bancos de fomentos; e (c) empresas que
água e saneamento, o Departamento de Esgotos
atuarão no setor privado para prestação
Pluviais para águas pluviais (DEP) e Departamen-
dos serviços;
to Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) para re-
• desenvolvimento de propostas de re- síduo sólido. Esse tipo de partilhamento dos ser-
visão do programa, como atualização da viços municipais produz dificuldades gerenciais e
resolução em face dos recursos e conhe- conflitos entre as entidades.
cimento dos problemas nacionais e re- O município poderá ter, como um dos
gionais. condicionantes para a outorga, a definição de
Essa gestão deve ser realizada com equi- seu sistema de gestão para a fiscalização da
pe designada ou absorvida pelo Ministério das regulamentação interna à cidade, a operação
Cidades na sua estrutura existente. Consideran- e a manutenção dos sistemas que compõem a
do a magnitude do programa, é importante que estrutura do saneamento ambiental da cidade.
126 tenha estrutura própria. Estima-se que a equipe O dimensionamento da equipe federal deve se
Gestão de águas pluviais urbanas

basear na quantidade de cidades de atribuição deverá ser feito em conjunto com as entidades
de outorga federal e estadual. Nessa fase de pre- de fomento. Poderá compreender:
paração do programa, não será dimensionado o • Gestão integrada das águas urbanas: in-
número de pessoas necessárias. tegração entre os indicadores de desenvol-
Capacitação: O programa de capacita- vimento urbano e a infra-estrutura de água,
ção tem diversos objetivos. Podemos listar os que permitam desenvolver o planejamento
seguintes: do uso do solo;
• formar profissionais para a fiscalização • Programa de monitoramento de ba-
dos Planos e a sua execução; cias urbanas: monitoramento voltado
• capacitar profissionais para atuar nas para o conhecimento do comportamento
empresas para o desenvolvimento dos hidrológico, da qualidade da água e dos
projetos e a implementação das obras; resíduos sólidos das bacias brasileiras
sujeitos a diferentes realidades de ocu-
• atualizar os decisores que, de alguma
pação do espaço. Esse tipo de monitora-
forma, projetam a cidade nos diferen-
mento fornecerá dados para os projetos
tes campos da infra-estrutura urbana,
de controle dos impactos;
sobre as diferentes funções relaciona-
das com o saneamento ambiental; • Desenvolvimento de métodos de
projetos: desenvolvimento de sistemas
• preparar membros da sociedade para par-
de controle do escoamento urbano, que
ticipar em comitê de bacia, órgãos e conse-
considere os condicionamentos de am-
lhos federais, estaduais e municipais.
pliação da vazão, da qualidade da água,
Na tabela 4.6 abaixo, são apresentados, de resíduos sólidos e de saúde.
de forma resumida, os diferentes níveis de trei-
Os potenciais financiadores de pesquisas
namento a ser planejado dentro do programa.
relacionadas com o programa, além de seus pró-
Para esse processo, o Ministério, por intermédio
prios fundos, são o CThidro – Fundo Setorial de
do seu núcleo técnico identificado no item ante-
Recursos Hídricos e o fundo previsto no Projeto
rior, deverá planejar e desenvolver o programa
de Lei para o Saneamento Ambiental.
de capacitação em associação com profissionais
ou por meio de centros universitários de pesqui- Tecnologia: O programa tecnológico en-
sa e desenvolvimento. volve a consolidação do conhecimento técnico
nacional e internacional existente, que apóie os
O curso para gestores envolverá muito
Planos de Saneamento Ambiental. No contexto
mais a equipe técnica do programa, enquanto
de águas pluviais, os principais elementos técni-
os demais podem ser disseminados de tal for-
cos de apoio ao programa são:
ma que a maioria das universidades regionais
assuma essa tarefa ao longo do tempo, pois ne- 1. Planos de saneamento ambiental: Ma-
cessitam estar próximos dos interessados nos nual de orientação para a elaboração dos Planos
municípios, e os cursos adaptados à realidade de Saneamento Ambiental municipal, que orien-
de cada região do País. Numa fase inicial, o Pro- tem as cidades para a contração, a especificação
grama deverá promover cursos e material de dos termos de referências e os condicionantes
treinamento. mínimos para outorga;
Ciência e Tecnologia: O desenvolvimen- 2. Medidas não-estruturais: Os planos
to de conhecimento em C & T para o programa geralmente são desenvolvidos com base em me- 127
SANEAMENTO PARA TODOS

TABELA 4.6 CARACTERIZAÇÃO DOS CURSOS DE CAPACITAÇÃO

Nome Caracterização Público-alvo

Conceitos fundamentais da gestão integrada


do saneamento ambiental, as relações entre Profissionais de diferentes formações que, de
urbanização e a infra-estrutura de água, o alguma forma, atuam na estrutura urbana como
Decisores gerenciamento do sistema quanto aos impactos, urbanistas, administradores, arquitetos e projetistas
seus conflitos e sustentabilidade e as metas de obras de qualquer natureza em áreas
fundamentais de um programa ambiental urbanas, ambientalistas.
sustentado

Gestão da bacia hidrográfica; Gestão do uso


Gestores de água
do solo urbano; Gerenciamento integrado
em âmbito federal, estadual e municipal, que
de mananciais, abastecimento de água,
Gestores têm as funções de fiscalização, avaliação e
esgotamento sanitário, águas pluviais, resíduo
solicitação da outorga em âmbito estadual e
sólido, impactos ambientais sobre rios e aqüíferos,
federal (veja proposta em anexo D)
legislação e administração

Noções gerais sobre o desenvolvimento


das cidades e sua infra-estrutura de água, Participante de comitê de bacia, representante
População características e indicadores do saneamento municipal, membros de ONG e população em
ambiental e do meio ambiente urbano e das geral
bacias hidrográficas

Em todas as áreas técnicas necessárias ao


saneamento ambiental. Esse tipo de curso
visa ao ensino das técnicas sustentáveis de do
saneamento ambiental das cidades: mananciais
Profissionais especializados nas áreas técnicas
Profissional urbanos; abastecimento de água, esgotamento
com atribuição profissional
sanitário urbano; águas pluviais, resíduos sólidos;
saúde; impactos ambientais e qualidade da
água; monitoramento; gestão dos serviços
públicos, etc.

didas não-estruturais e medidas estruturais. As preparação dos Planos de Controle estrutural


primeiras são de âmbito legal, de gestão e capa- para bacias urbanas;
citação entre outras. Essas medidas geralmente 4. Manual de águas pluviais: este é um
não envolvem um custo maior e podem ser im- dos produtos do Plano de Saneamento Ambiental,
plementadas no Legislativo e no Executivo mu- mas que, elaborado em âmbito nacional, pode ser
nicipal. O programa deve desenvolver um manu- adaptado a cada cidade, aos seus condicionantes
al de apoio às cidades para a implementação das específicos regionais e locais. O manual elaborado
medidas não-estruturais; com os elementos mínimos nacionais deve orien-
3. Medidas estruturais: essas medidas tar os projetistas que atuam na cidade quanto aos
envolvem as intervenções em cada sub-bacia projetos de infra-estrutura de água.
urbana da cidade e dependem de elementos No que se refere à gestão das inundações
de levantamento de dados, projetos, softwares ribeirinhas, o programa nacional deve planejar
e elementos econômicos para a elaboração do medidas não-estruturais de caráter nacional, que
Plano de Controle de uma bacia urbana. O pro- apóiem os municípios na redução dos prejuízos.
128 grama deve desenvolver um manual de apoio à Nesse sentido, foram previstos dois programas:
Gestão de águas pluviais urbanas

Programa de seguros são utilizados em conjunto com modelos hidro-


lógicos para previsão antecipada de inundações.
Esse programa deve envolver as entidades de
Um das principais medidas para con-
monitoramento e de Defesa Civil para o estabe-
trole de inundações ribeirinhas é o sistema de
lecimento de um programa de alerta para a po-
seguros. Prática largamente utilizada nos Esta-
pulação ribeirinha.
dos Unidos, pode ser avaliada a sua implemen-
tação no Brasil. Para tanto, é necessário criar Econômico-financeiro: A análise econô-
uma task force para desenvolver um estudo mico-financeira relacionada com o programa
de viabilidade da criação de um programa de tem os seguintes aspectos:
seguros, aproveitando as experiências interna- • avaliação dos investimentos necessá-
cionais adaptadas à realidade brasileira. Esse rios para implementação do programa
estudo de viabilidade econômico-financeira nas cidades brasileiras;
pode ser desenvolvido com participação da
• mecanismo de financiamento para os
Caixa Econômica Federal.
municípios;
• estabelecimento do retorno dos inves-
Programa de alerta de inundações e defesa civil timentos dentro dos municípios, que via-
bilize o pagamento dos investimentos.
O programa de alerta de inundações e
defesa civil envolve as seguintes etapas: Investimentos do programa
• monitoramento, em tempo real, dos
rios e das bacias brasileiras (precipitação
A estimativa dos investimentos relacio-
e vazão ao longo do tempo);
nados com o programa é a seguintes: (a) opera-
• sistema operacional de recebimento de cionais em âmbito federal do próprio programa;
dados e previsão com modelos matemá-
(b) procedimentos de outorga ; (c) relacionados
ticos hidrológicos (associado a banco de
com os Planos de Recursos Hídricos; (d) imple-
dados);
mentação das obras e medidas; (e) operação e
• transferência das previsões à Secretaria manutenção dos sistemas de drenagem.
da Defesa Civil para alerta e redução dos
O custo anual da gestão do programa,
impactos resultantes de inundações.
considerando o pessoal necessário, o mate-
Um programa dessa natureza deverá rial permanente, serviços de terceiros de curto
envolver mais de uma entidade federal em prazo (consultorias específicas – não estão in-
conjunto com outras estaduais. Atualmente, cluídos os custos relacionados com os itens de
a Defesa Civil se encontra dentro do Ministé- capacitação) e custeio foi estimado em R$ 1,25
rio de Integração Nacional, e o monitoramento milhão por ano. Estimando o custo dos manuais
em tempo real de parte da precipitação e do que devem ser desenvolvidos nos dois primeiros
escoamento é realizado pela Agência Nacional anos em R$ 1,5 milhão e o programa de capaci-
de Água (ANA), enquanto o Instituto Nacional tação em R$ 5 milhões para os cinco primeiros
de Meteorologia faz o monitoramento de esta- anos, resulta um total de R$ 12,75 milhões para
ções climatológicas (precipitação). os primeiros cinco anos. Para os qüinqüênios
Atualmente, os dados monitorados não posteriores, estimou-se um total de 1,75 milhão 129
SANEAMENTO PARA TODOS

por ano (500 mil para capacitação e 1,25 milhão pectivamente. Nas cidades da faixa C, adotou-
para funcionamento do escritório do programa) se somente o valor de densidade média, e nas
ou 8,75 milhões. cidades da faixa D, adotou-se o valor de baixa
O custo para os procedimentos de outor- densidade. Na tabela 5.4, são apresentados os
ga não foi possível estimar nessa fase da prepa- totais estimados para as obras, resultando em
ração do programa em face da necessidade de cerca de R$ 20,36 bilhões para todo o progra-
estabelecimento da administração desse proces- ma de obras.
so nos órgãos de governo, que receberão atribui- Os custos dos Planos de Águas Pluviais
ção para a sua execução. urbanos dependem essencialmente dos cus-
Os custos dos planos e das obras fo- tos do cadastro da rede de pluviais das cida-
ram estimados com base em dados obtidos re- des e do sistema natural de drenagem, além
lacionados com estimativas de custo unitário do desenvolvimento dos estudos e das me-
de acordo com a população, obtido de Cruz didas não-estruturais. O custo total do Plano
(2004), com amostras da cidade de Porto Ale- foi estimado em 5% das obras. Dessa forma,
gre. São valores sujeitos a revisão, mas permi- na tabela 5.4, pode-se observar que o custo
tem uma idéia da magnitude dos investimentos total é de cerca de 21,380 bilhões de reais.
necessários nas diferentes fases dos Planos de Considerando a fase de ações para cidades
Águas Pluviais. Com relação aos investimen- acima de 100 mil habitantes, que represen-
tos no Saneamento, Abastecimento de Águas tam grande parte dos impactos atuais na re-
e Resíduos Sólidos, eles serão agregados em alidade brasileira, o custo total é de cerca de
fase posterior, de acordo com a tomada de de- 13,5 bilhões.
cisão do Ministério das Cidades com relação a
tal programa.
Necessidade de financiamento
As estimativas de custo baseiam-se na
população e na área das bacias urbanas. Nes-
sa etapa, não dispomos das áreas das bacias Considerando os investimentos neces-
urbanas de todas as cidades para tal análise sários para o desenvolvimento e a implemen-
e a estimativa foi realizada com base num va- tação das obras e o cronograma de outorgas, na
lor unitário baseado na população. Esse valor tabela 4.8, é apresentada a necessidade de de-
varia com as condições de urbanização das ci- sembolso de financiamento. Pode-se observar
dades. Para bacias urbanas centrais com gran- que, no primeiro qüinqüênio, os custos refe-
de dificuldade de espaço e alta quantidade de rem-se principalmente ao desenvolvimento dos
obras de transporte do escoamento, o valor é Planos e representa um investimento anual da
da ordem de R$ 235/hab., enquanto, em ba- ordem de R $ 278,2 milhões. No segundo qüin-
cias com densidade média e com mais espaço, qüênio, os custos sobem para 1,8 bilhão por
os custos são da ordem de R$ 125/hab. Para ano. Os maiores investimentos concentram-se
cidades menores, foi adotado o valor de R$ 80 num período de 10 anos.
/hab. Nas cidades da faixa A, foram adotados Esses investimentos somente podem
para 35% da população o custo de áreas cen- ser realizados com instituição de mecanismo
trais, e para 65% da população o custo de áre- federal de financiamento em face das condi-
as de densidade média. Nas cidades da faixa ções econômicas dos estados e dos municí-
130 B, a proporção adotada foi de 20% e 80%, res- pios brasileiros.
Gestão de águas pluviais urbanas

TABELA 4.7 CUSTOS DOS PLANOS E DAS OBRAS DE CONTROLE PARA RISCO DE 10 ANOS

Categoria Classificação População Custos Custo dos Planos Custos totais


dos municípios milhões estimados das (R$ milhões) (R$
P = população mil obras milhões)
(R$ milhões)

A P > 500 45,257 7252,4 362,6 7.615,1

B 100 < P < 500 39,337 5.6215,2 281,25 5.906,5

C 20 < P >100 48,155 4.815,5 240,8 5.056,3

D P < 20 33,363 2.669,0 133,5 2.802,5

Total 166,112 20362,2 1018,1 21.380,3

TABELA 4.8 INVESTIMENTOS NECESSÁRIOS NO PROGRAMA

Anos após Investimentos em Investimentos em Desenvolvimento Investimento anual Total do período


as outorgas Planos obras do programa (R$ milhões) (R$ milhões)
provisórias (R$ milhões) (R$ milhões) federal
(R$ milhões)

1a5 731,57 659,2 12,75 278,2 1390,8

5 a 10 248,41 8746,4 8,75 1799,0 8994,8

10 a 15 38,13 6911,6 8,75 1389,0 6949,7

15 a 20 2710,4 8,75 542,1 2710,4

20 a 24 1334,5 8,75 266,9 1334,5

Total 1018,1 20362,2 47,75 21380,2

(*) Foram adotados valores proporcionais ao período de planejamento.

Recuperação dos investimentos to, os mesmos devem ser cobrados da popu-


lação de acordo com a área impermeável das
propriedades. Considerando quatro pessoas
Os custos relacionados com as águas por propriedade e uma recuperação do inves-
pluviais em âmbito municipal são de dois tipos: timento em 10 anos com juros anuais de 6%
(a) investimentos em obras de controle; (b) ope- o pagamento anual por propriedade localiza-
ração e manutenção dos serviços de drenagem. da em áreas densas, média densidade e baixa
Os primeiros referem-se aos investi- densidade são respectivamente R$ 127,7; 65,2
mentos das obras de controle e ao Plano de e 43,5. Estes valores são inferiores a 1% do va-
Águas Pluviais. Dificilmente esses investimen- lor da propriedade.
tos poderão ser realizados com a cobrança Os custos de operação e manutenção re-
do IPTU das propriedades em face do grande presentam cerca de 5% do projeto anualmente.
comprometimento dos orçamentos municipais Os valores de cada propriedade estimados re-
com os gastos e pagamento de dívida. Portan- presentam, respectivamente, 47, 24 e 16 re- 131
SANEAMENTO PARA TODOS

ais anuais. Enquanto os custos das obras serão Portanto, a orientação dos Planos deve
cobrados por 10 anos, os valores de operação incorporar um comitê de acompanhamento,
e manutenção representam serviços perma- composto de representantes da sociedade.
nentes. Esses valores devem variar de acordo Esse comitê pode-se desmembrar quando do
com as áreas impermeáveis e em função de desenvolvimento dos Planos de bacias urba-
propriedades, como edifícios e residências ou nas na representatividade de bairros. O Plano
comerciais. deve introduzir, no seu cronograma de ativi-
É fundamental que o financiamento por dades, a reunião com o comitê para a apre-
parte dos programas favoreça o mecanismo de sentação e a discussão de propostas e metas
recuperação dos custos e os serviços de opera- de resultados, tendo como condicionante um
ção e manutenção. A principal dificuldade é a mecanismo de aprovação intermediário dos
inserção de uma nova taxa ou imposto de ser- resultados durante o plano e as obras, inclusi-
viços para operação e manutenção para águas ve com fiscalização econômico-financeira dos
investimentos realizados.
pluviais.
As audiências públicas fazem parte da
Participação pública: A participação pú-
prática ambiental e devem ser realizadas con-
blica deve ocorrer durante o desenvolvimento do
siderando as sub-bacias da cidade e o conjunto
Plano e a implementação das obras e no acompa-
da cidade. É importante caracterizar que a des-
nhamento da fiscalização e da manutenção dos
centralização por meio da participação pública
serviços. Dificilmente um programa dessa nature-
é uma tendência importante e necessária para
za evoluirá entre mandatos políticos se não hou-
que a população compreenda os impactos e as
ver um processo de participação pública.
soluções aos quais está sujeita.
São propostas as seguintes formas de
Esses aspectos devem fazer parte da
participação pública: (a) por meio de pesquisas
orientação dos Planos a serem elaborados e dos
de opinião; (b) pelo acompanhamento do pro-
condicionantes mínimos que farão parte da ou-
cesso por comitê representativo; (c) por audi-
torga dos municípios.
ências ou eventos públicos. O primeiro envolve:
(a) a identificação das necessidades; (b) a im- Plano de ações: O plano de ação foi
portância dos investimentos e dos Planos para proposto seguindo uma visão de longo e cur-
a população; (c) a pesquisa de opinião sobre os to prazos.
condicionantes principais propostos pelo Plano;
(d) resultados obtidos com os investimentos e
Plano de longo prazo
seu impacto sobre o cidadão. No Planejamento,
essas pesquisas devem ser previstas.
No segundo caso, o desenvolvimento do O plano de ação proposto para o progra-
Plano nas cidades, como prevê a proposta de lei ma estabelece as seguintes fases:
de Saneamento Ambiental, deverá ser discutido Fase I – medidas não-estruturais em âm-
na comunidade. Cumpre lembrar que somente bito federal: preparação de minuta de resolu-
a discussão poderá ser insuficiente, pois a es- ção para o Conselho e discussão do âmbito do
trutura da maioria dos aspectos do Plano já terá governo e no Conselho; criação da estrutura de
sido decidida e a inserção da comunidade se gestão do programa; apoio às entidades com
dará mais pela escolha e menos pela definição atribuição legal de dar outorga à equipe de aná-
132 de linhas de ação. lise e concessão; capacitação em todos os níveis
Gestão de águas pluviais urbanas

e preparação dos documentos de apoio. Foi pre- Plano de curto prazo:


visto para esta fase um período de 1 ano.
Fase II – Outorga provisória: Nesta fase, As atividades da fase I, que representam as
os municípios passam a receber as outorgas ações de curto prazo, devem mobilizar o programa.
provisória antes de iniciarem o Plano. Tal fase Para as outras fases, não foi preparado um crono-
envolverá um grande processo de esclarecimen-
grama detalhado, pois dependem das soluções que
to à população e aos decisores municipais, oca-
serão definidas ao longo da primeira fase.
sião em que a ação do Ministério das Cidades
e das entidades outorgantes envolverá eventos Foram previstas as seguintes atividades
regionais por todo o País, esclarecendo as bases principais:
do programa e suas regras (período em função Desenvolvimento institucional: As ati-
dos prazos das cidades. No total terá 6 anos). vidades dentro deste componente são as que
Fase III – Desenvolvimento dos planos: se seguem: (a) regulamentação da legislação de
Acompanhamento e orientação dos PSAM pelas água; (b) mecanismos de indução nos financia-
cidades e sua avaliação para a renovação da ou- mentos interinstitucionais;
torga pós-plano. Essa fase deverá ter um efeito Capacitação: As atividades de capacita-
de demonstração fundamental no propósito de ção devem envolver vários atores: (a) técnicos
criar um movimento proativo dos municípios que atuam ou venham a atuar no setor nos mi-
(período de 8 anos). nistérios e das agências; (b) gestão de águas plu-
Fase IV – Desenvolvimento das obras: viais por decisores municipais.
Após os planos, terá lugar o desenvolvimento Apoio técnico: (a) estudos de avaliação;
das obras e a implementação e a fiscalização (b) manuais e padrões; (c) desenvolvimento de
das medidas não-estruturais. Deverá ser desen- estudos de base.
volvida uma metodologia de acompanhamento
Desenvolvimento de ações não-estrutu-
e orientação aos municípios para esse processo
rais nos ministérios: (a) estudo de viabilidade
(duração de 19 anos).
do seguro de inundações; (b) desenvolvimento
Fase V – Renovação das outorgas: Con- de um programa de alerta de inundações.
cluídas as obras, o programa se encerrará, e as
O desenvolvimento institucional consiste
entidades outorgantes absorverão a capacidade
nas atividades que devem orientar os mecanis-
gerencial de fiscalização do cumprimento dos
mos que levam à implementação das medidas
padrões dos efluentes externos às cidades e o
sustentáveis. Essas atividades nesta fase são: (a)
cumprimento das medidas estruturais internas,
regulamentação da lei das águas; (b) mecanis-
como condicionantes à renovação das outorgas.
mos de indução dentro dos ministérios.
Pode-se observar claramente que existi-
Regulamentação da lei das águas: A re-
rão superposições entre essas fases ao longo do
gulamentação da lei das águas deve ser planeja-
tempo, permitindo atualizar soluções, manuais,
da por um grupo interministerial das entidades:
capacitação e utilizar os potenciais desenvolvi-
Ministério das Cidades, Secretaria de Recursos
mentos tecnológicos associados.
Hídricos, Agência Nacional das Águas, Ministério
das Saúde (Funasa) e Ministério da Integração.
O grupo deve discutir e preparar uma
minuta de regulamentação da Lei das Águas 133
SANEAMENTO PARA TODOS

de acordo com o proposto por este Programa. • treinamento sobre gestão de águas plu-
Essa proposta deve estar em consonância com viais para decisores e profissionais que
o Plano Nacional de Recursos Hídricos em ela- planejam e constroem cidades.
boração pelo governo, por sua Secretaria de Treinamento no governo – Existem três
Recursos Hídricos. módulos de treinamento para a formação de
Recomendam-se as seguintes ativida- profissionais, descritos a seguir:
des: (1) Com base nos elementos do progra- • Módulo 1 – Gestão Integrada de Águas
ma, preparação de uma primeira minuta para Pluviais: Trata de uma visão de conjun-
discussão por parte do grupo interministerial; to da gestão de águas pluviais para de-
(2) Discussão pelo grupo interministerial até cisores, planejadores e profissionais que
chegar a formulação de uma proposta acor- atuam nas cidades. Esse curso tem como
dada entre as entidades; (3) Apresentação da meta mudar a forma como as águas plu-
proposta à câmara técnica do CNRH para dis- viais impactam as cidades em decorrência
cussão, avaliação, alterações e aprovação; (4) da ocupação inadequada do solo urbano,
Encaminhamento da proposta ao CNRH para recorrendo a projetos sustentáveis.
avaliação, mudanças e aprovação.
• Módulo 2 – Avaliação e manejo quanti-
Mecanismo de indução nos ministérios: tativo das águas pluviais: é voltado para
Atualmente, existem váriprogramas e projetos engenheiros e profissionais que atuam
dentro dos Ministérios de Meio Ambiente, Cida- em projetos que envolvam o tema águas
des, Saúde, entre outros relacionados com a sus- pluviais. O curso apresenta técnicas e mo-
tentabilidade das cidades. Para que os financia- delos utilizados nos projetos de obras de
mentos tenham real efetividade coerentes com drenagem de águas pluviais e como algu-
os princípios do desenvolvimento sustentável mas medidas alternativas podem ser pro-
das águas pluviais, como expresso no programa, jetadas para atender à gestão integrada.
é necessário que esses conceitos sejam interna-
• Módulo 3 – Manejo sustentável das
lizados na indução de seleção e análise dos pro-
águas pluviais: trata de avaliação e
jetos, por meio de financiamento.
controle das águas pluviais nos diferen-
Nesse sentido, propõem-se as seguintes tes estágios do desenvolvimento urba-
atividades: (1) Identificação, nos ministérios, dos no, relacionada com impactos quantita-
programas que tenham relação com águas plu- tivos e qualitativos da urbanização.
viais e possam ser utilizados de alguma forma
Os dois primeiros módulos foram desen-
para essa indução; (2 Preparação, para cada um
volvidos em curso voltado para CEF, em novem-
desses projetos, de uma orientação, com o apoio
bro de 2004 e abril de 2005. O terceiro módulo
e a discussão com os gerentes desses projetos). pode ser planejado no futuro, enquanto os dois
O programa de capacitação é essencial primeiros devem ser repetidos para as outras
para o desenvolvimento do programa. Existem entidades de governo, ampliando a participação
dois programas de capacitação, a saber: dos Estados.
• treinamento de técnicos do governo fe- Nesse sentido, é proposto: (1) Estabelecer
deral e estadual para avaliação e tomada um calendário de cursos a serem ministrados ao
de decisão em programas de governo so- longo de 2005 e 2006. Para tal, é necessário mo-
134 bre águas pluviais. bilizar os setores de governo para sua partici-
Gestão de águas pluviais urbanas

pação; (2) Consolidar o material produzido dos Manual para preparação de plano dire-
módulos 1 e 2 para publicação e disseminação tor de águas pluviais – Uma das importantes
nas entidades de governo e de apoio aos futu- metas do Programa é a de induzir as cidades a
ros cursos; (3) Preparar, para o próximo ano, o preparar um Plano Diretor de Águas Pluviais
módulo 3, consolidando o material didático de associado ao Plano Diretor Urbano e o de Sanea-
conjunto para o programa de capacitação. mento Ambiental.
Treinamento da gestão de águas plu- Para que esses planos possam ser indu-
viais – O treinamento de decisores e da socie- zidos e desenvolvidos em bases sustentáveis, é
dade sobre o assunto tem dois componentes necessário o desenvolvimento de manuais que
principais: orientam os Estados e os municípios para a sua
1. Curso de acordo com o módulo 1 do preparação.Com esse propósito, sugerimos as
item anterior. Este curso deveria ser realizado seguintes etapas: (1) preparar um termo de re-
com a seguinte estratégia: (a) depois de prepara- ferência dos principais itens a serem definidos
do e consolidado o material do módulo 1, ele se- no Manual; (2) Desenvolvimento do Manual; (3)
ria ministrado regionalmente (regiões do país), Discussão pelas entidades de governo.
preparando futuros professores ou multiplica- Manual de drenagem urbana – O manu-
dores em cada Estado, com o compromisso de al de drenagem urbana é um dos produtos dos
disseminar o conhecimento. Os cursos no futu- Planos Diretores de Águas Pluviais; no entanto,
ro deveriam ser ministrados dentro do raio de existem vários elementos comuns nesses manu-
ação de um grupo de municípios, sob a orienta- ais. Portanto, por questão de economia de escala,
ção de universidades regionais ou instituições é razoável desenvolver um documento nacional,
de treinamento. que sirva de apoio à produção de manuais locais.
2. Palestras. Um grupo de decisores pode- As atividades propostas são as seguin-
ria atuar desses cursos, na forma de palestran- tes: (1) Identificação da itemização do Manual;
tes.. Portanto, junto com os três primeiros mó- (2) Adaptação e desenvolvimento do Manual; (3)
dulos, sugerimos a consolidação do conteúdo de Avaliação do Manual por consultores indepen-
palestra a ser apresentada em diferentes eventos dentes e por entidades do governo.
pelo Ministério das Cidades, acompanhando-se Avaliação das detenções e retenções
de uma publicação resumida sobre o assunto. existentes – No Brasil, principalmente em São
O apoio técnico configura a preparação Paulo, foram construídas várias detenções que
de documentos de suporte à implementação do estão em funcionamento. Como a tendência
programa de desenvolvimento sustentável. Os dos Planos será a de aumentar o número de
identificados são: detenções e de retenções, é necessário conhe-
cer quais os principais problemas e vantagens
1. Manual para Preparação de Plano Dire-
desses dispositivos, seus custos de instalação
tor de Águas Pluviais;
e sua operação.
2. Manual de Drenagem Urbana;
Recomenda-se, para tal, o seguinte: (1)
3. Avaliação do funcionamento e dos cus- Elaboração de um termo de referência; (2) Le-
tos relacionado com o funcionamento das de- vantamento das detenções existentes nas prin-
tenções e das retenções construídas no Brasil; cipais cidades brasileiras, a saber: São Paulo,
4. Orientação para a implementação de Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre,
medidas não-estruturais nas cidades. e algumas cidades do Nordeste: Maceió, Tere- 135
SANEAMENTO PARA TODOS

sina, Natal. Esse levantamento deve ser prece- A principal medida não-estrutural é o se-
dido por um questionário a ser preparado das guro de inundações, que é um dos principais ele-
informações desejadas; (3) Avaliar o funciona- mentos potenciais para a medida não-estrutural.
mento dos reservatórios ao longo do tempo e Neste sentido, é necessário avaliar a viabilidade
os custos envolvidos; (4) Estabelecer padrões de implementação do seguro conforme a realida-
de custos relacionados com instalação e ma- de brasileira. Para isso, sugerimos as seguintes
nutenção e recomendações para novos proje- atividades: (1) Elaboração de um termo de refe-
tos, considerando a literatura internacional; rência para o estudo de viabilidade; (2) Discussão
(5) Gerar um cadastro nacional e padrão de do termo de referência por parte do governo; (3)
questionário para sua atualização sistemática; Desenvolvimento do estudo de viabilidade; (4)
(6) Tornar público os produtos resultantes. Avaliação do estudo de viabilidade e da decisão
Orientação de medidas não-estruturais de dar prosseguimento a sua implementação.
– As medidas não-estruturais geralmente não Desenvolvimento de um programa de
necessitam de grandes investimentos para sua alerta de inundações. O programa de alerta de
implementação; no entanto, necessitam uma inundações envolve, em princípio, várias entida-
maior discussão pela comunidade. Nesse senti- des, como o Ministério de Infra-estrutura e o Sis-
do, existe um grupo pequeno de medidas não- tema de Defesa Civil e a ANA, que têm atribui-
estruturais que são importantes e podem ser ções para atuar na minimização das inundações.
documentadas para: (a) Apoiar os municípios na Propomos as seguintes atividades: (1) Criar um
sua elaboração, mesmo antes dos Planos, para grupo interministerial, composto por ANA e Mi-
evitar os prejuízos do futuro; (b) Servir de base nistério de Integração; (2) Preparar um termo de
às entidades de governo na indução; (c) Educar referência para o programa; (3) Discutir e apro-
a população sobre a necessidade de consciência var em grupo; (4) Desenvolver suas etapas.
do controle público das ações. Considerando o grupo interministerial,
Sugerimos, para tal, as seguintes ativida- sugerimos que a ANA assuma o papel de desen-
des: a) Preparação de um termo de referência; volvimento e coordenação das atividades e que
b) Desenvolvimento do texto; c) Avaliação pelas sejam discutidos o desenvolvimento e o finan-
entidades de governo e pelos técnicos. ciamento das atividades.

136
Gestão de águas pluviais urbanas

REFERÊNCIAS

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view. 35p. Washington D.C.. Disponível on-line em <ftp://lowimpactdevelopment.org/pub>

137
SANEAMENTO PARA TODOS

sabilidade municipal. Nos municípios onde isso


ocorre, dificilmente essa configuração poderá
mudar em curto prazo, apesar de ser de atri-
buição do município a concessão dos serviços
V PLANO DE ÁGUAS PLUVIAIS de água e saneamento. Nesse caso, é necessário
que os outros serviços sejam agregados numa
única instituição e sejam definidos mecanismos
A gestão das águas pluviais dentro do
institucionais de gestão.
município é realizada dentro do Plano de
Águas Pluviais e deve estar subordinado Saneamento e drenagem urbana: Os
ao Plano Diretor Urbano das cidades cenários de gestão desses serviços variam de
acordo com o cenário de cada cidade. Na Amé-
rica do Sul, a tradição é de desenvolvimento de
O Plano de Águas Pluviais é o mecanismo sistemas separadores de esgotamento sanitário
de gerenciamento das inundações ribeirinhas e drenagem urbana. No entanto, a realidade é
e da drenagem urbana nas cidades. Esse plano muito diferente desse tipo de planejamento por
deve estar integrado aos diferentes planos de conta da desorganização institucional. Os prin-
infra-estrutura da cidade, principalmente aos cipais cenários são os seguintes:
relacionados ao Saneamento Ambiental – águas, a) Sem drenagem ou esgotamento sanitá-
esgoto, resíduo sólido e meio ambiente – e su- rio – Este é o caso de países mais pobres ou cida-
bordinado ao Plano Diretor Urbano, que integra des pobres em países da região. Quando a cidade
o conjunto de planejamento da cidade. é pequena e o solo com capacidade de absorção
para o uso de fossas, os principais problemas
V.1 INTERFACES ENTRE OS PLANOS estarão na drenagem urbana, com aumento das
inundações e a erosão do solo (por exemplo, al-
gumas cidades do Paraguai e bairros de cidades
Os principais aspectos relacionados com pobres no Brasil e de outros países da região).
as interfaces dos Planos de Saneamento e Resí- Quando o solo é pouco permeável, esse cenário
duos sólidos são os seguintes: é semelhante ao do século 19, período em que o
esgoto escoava pelas ruas, junto com a drenagem,
criando condições inadequadas de saúde.
V.1.1 Gestão
b) Com esgotamento sanitário e sem dre-
nagem – A capacidade de um sistema de esgoto sa-
A gestão dos serviços de águas urbanas, nitário é insuficiente para receber o esgoto pluvial
ou seja, de água e saneamento básico, drenagem que escoa pelas ruas. Os problemas maiores são o
urbana e resíduos sólidos, idealmente deveriam de aumento das inundações, tornando insustentá-
ser implementados por uma única estrutura vel as cidades nos dias chuvosos. Em Barranquilla,
municipal, em função da sinergia e da economia Colômbia, quando chove, as pessoas não podem
de escala dos serviços. sair à rua sob risco de morte. No entanto, a cidade
Em alguns países como o Brasil, os servi- tem cobertura completa de água e saneamento.
ços de água e saneamento foram desenvolvidos c) Sem esgotamento sanitário e com
ao longo do tempo por empresas estaduais, en- drenagem – Este é caso freqüente no Brasil,
138 quanto os outros serviços ficaram sob a respon- onde a drenagem tem maior capacidade maior
Gestão de águas pluviais urbanas

de transporte, escoa esgoto e drenagem. Esse de profissionais e na regulação dos novos em-
cenário permite levar o esgoto para longe das preendimentos para diminuir a energia do esco-
pessoas, mas o impacto ambiental sobre o sis- amento a jusante dos empreendimentos;
tema fluvial é alto e, nos dias chuvosos, o risco b) Produção de resíduos sólidos – Os resí-
de proliferação de doenças é alto; enquanto, no duos sólidos que chegam à drenagem produzem
período seco, exala mal cheiro pelas cidades. impactos ambientais a jusante e reduzem a capa-
Nesse caso, a gestão deve ser realizada de forma cidade de escoamento, aumentando a freqüência
integrada, já que existe uma forte integração en- das inundações. Quanto mais ineficiente for o sis-
tre os sistemas. Em cidades onde praticamente tema de coleta de resíduos de uma cidade, maior
não existe rede de esgoto, dificilmente a cidade será o ônus para o sistema de drenagem. Portanto,
desenvolverá o sistema separador para toda a é necessário desenvolver um sistema de eficiência
cidade no seu primeiro planejamento. Deverá que integre a drenagem à coleta dos resíduos e
ocorrer um período de transição entre o sistema limpeza urbana. A grande produção de resíduos
misto e o separador. na drenagem ocorre principalmente após alguns
Exemplo disso foi realizado em Caxias dias sem chuva. Quando a chuva ocorre, a carga
do Sul (RS, Brasil) (IPH, 2003). A estratégia foi é muito alta. Portanto, o planejamento da limpe-
de, na primeira fase do sistema, implementar za urbana antes dos dias chuvosos é uma prática
coletores de esgoto cloacal junto ao sistema fundamental para reduzir a quantidade de mate-
de macrodrenagem, para coletar o esgoto do- rial sólido na drenagem.
méstico que chegava pelas drenagens secundá-
ria e primária, juntamente com o escoamento
V.1.3 Recuperação ambiental
de estiagem. Esse volume é transportado para
a Estação de Tratamento. O excedente escoa
para a macrodrenagem e é amortecido e escoa- Todos os elementos do Plano de Sanea-
do pelos controles da drenagem urbana. Dessa mento Ambiental possuem relação direta com
forma, são dadas soluções para a qualidade e a conservação ambiental do ambiente urbano.
a quantidade de água para jusante da cidade. Os efluentes e os resíduos urbanos contami-
Ao longo do tempo e de acordo com a capaci- nam a água e o solo, além de gerar degrada-
dade de investimento, a cidade pode introdu- ção distribuída na cidade. O Plano Ambiental
zir o separador, pelos sistemas secundário e da cidade está ligado ao Plano de Saneamento
primário (veja capítulo 4). Ambiental, principalmente quanto aos seguin-
tes aspectos :

V.1.2 Drenagem urbana e erosão • Qualidade da água dos rios urbanos;


e resíduos sólidos • Áreas de degradação devido a erosão;
• Controle das áreas de deposição de re-
Esta interface tem os seguintes compo- síduos sólidos;
nentes: • Contaminação dos aqüíferos urbanos.
a) Erosão – O desenvolvimento urbano
acelera o escoamento, gerando erosão em solos
frágeis, com significativos no ambiente urbano.
A gestão desse problema está no treinamento 139
SANEAMENTO PARA TODOS

Figura 5.1 Estrutura do Plano de Águas Pluviais (adptado de Tucci, 2001)

V.2 ESTRUTURA Plano Diretor Urbano e Ambiental, Plano de Esgo-


to e Resíduos Sólidos e a Gestão Urbana atual.

A estrutura do Plano Diretor de Drena- A política do Plano baseia-se em:


gem Urbana é apresentada na figura 5.1 (Tucci, • princípios e objetivos do controle das
2001). Os grandes grupos são: águas pluviais;
• política de águas pluviais; • estratégias de desenvolvimento do pla-
• medidas: não-estruturais e estruturais; no como a compatibilidade entre os Pla-
nos preparados para a cidade;
• produtos;
• definição de cenários de desenvolvi-
• programas;
mento urbano e riscos para as inunda-
• informações. ções.
Nessa estrutura, pode-se observar que
existe um grupo de entradas ao Plano, que são as
V.2.1 Princípios
informações básicas para o seu desenvolvimento,
quais sejam: cadastro da rede pluvial (bacias hi-
drográficas e suas características físicas), dados Os princípios a seguir caracterizados vi-
140 hidrológicos (precipitação e vazão e sedimentos), sam evitar os problemas descritos no capítulo
Gestão de águas pluviais urbanas

anterior. Tais princípios são essenciais para o Portanto, se a ação pública não for realizada
bom desenvolvimento de um programa águas preventivamente, por meio de gerenciamento,
pluviais sustentáveis: as conseqüências econômicas e sociais futuras
1. O Plano Diretor de Drenagem Urbana serão muito maiores para todo o município;
faz parte do Plano de Desenvolvimento Urbano 6. Nas áreas ribeirinhas, o controle de en-
e Ambiental da cidade. A drenagem faz parte chentes é realizado por medidas estruturais e
da infra-estrutura urbana, portanto, deve ser não-estruturais, que dificilmente estarão disso-
planejada em conjunto com os outros sistemas, ciadas. As medidas estruturais envolvem grande
principalmente o plano de controle ambiental, quantidade de recursos e resolvem somente pro-
o esgotamento sanitário, a disposição de mate- blemas específicos e localizados. Isso não sig-
rial sólido e tráfego; nifica que esse tipo de medida seja totalmente
2. O escoamento durante os eventos chu- descartável. A política de controle de enchentes,
vosos não pode ser ampliado pela ocupação da certamente poderá chegar a soluções estrutu-
bacia, tanto num simples loteamento, como nas rais para alguns locais, mas no campo de visão
obras de macrodrenagem existentes no ambien- do conjunto de toda a bacia, onde estas estão
te urbano. Isso se aplica a um simples aterro ur- racionalmente integradas com outras medidas
bano, como à construção de pontes, rodovias, e preventivas (não-estruturais) e compatibilizadas
à implementação dos espaços urbanos. O princí- com o esperado desenvolvimento urbano;
pio é de que cada usuário urbano não deve am- 7. O controle deve ser realizado conside-
pliar a cheia natural; rando a bacia como um conjunto e não trechos
3. O Plano de controle da drenagem urba- isolados;
na deve favorecer as bacias hidrográficas sobre 8. Os meios de implantação do controle de
as quais a urbanização se desenvolve. As medi- enchentes são o PDDUA, as legislações municipais
das não podem reduzir o impacto de uma área /estaduais e o Manual de Drenagem. O primeiro
em detrimento de outra, ou seja, os impactos de estabelece as linhas principais, enquanto as legis-
quaisquer medidas não devem ser transferidos. lações controlam, e o Manual orienta;
Caso isso ocorra, deve-se prever uma medida
9. O controle tem de ser permanente. Não
mitigadora.
basta que se estabeleçam regulamentos e que se
4. O Plano deve prever a minimização do construam obras de proteção; é necessário es-
impacto ambiental decorrente do escoamento tar vigilante quanto a potenciais violações da
pluvial, por meio da compatibilização com o pla- legislação na expansão da ocupação do solo das
nejamento do saneamento ambiental, com o con- áreas de risco. Portanto, recomenda-se que:
trole do material sólido e com a redução da carga
• nenhum espaço de risco seja desapro-
poluente nas águas pluviais que escoam para o
priado se não houver uma imediata ocu-
sistema fluvial interno e externo à cidade;
pação pública que evite a sua invasão;
5. O Plano Diretor de Drenagem urbana,
• a comunidade assuma uma participa-
na sua regulamentação, deve contemplar o pla-
nejamento das áreas a serem desenvolvidas e a ção cívica nos anseios, nos planos, na
densificação das áreas atualmente loteadas. De- sua execução e na contínua obediência às
pois que a bacia, ou parte dela, estiver ocupada, medidas de controle de enchentes.
dificilmente o poder público terá condições de 10. A educação de engenheiros, arquite-
responsabilizar os responsáveis pelas cheias. tos, agrônomos e geólogos, entre outros profis- 141
SANEAMENTO PARA TODOS

sionais, da população e de administradores pú- • preparar para a convivência com as en-


blicos é essencial para que as decisões públicas chentes nas áreas de baixo risco.
sejam tomadas conscientemente por todos; Os condicionamentos urbanos são resul-
11. O custo da implantação das medidas tados de vários fatores que não serão discutidos
estruturais e da operação e da manutenção da aqui, pois se parte do princípio que os mesmos
drenagem urbana deve ser transferido aos pro- foram definidos dentro âmbito do Plano Diretor
prietários dos lotes, proporcionalmente a sua de desenvolvimento Urbano e Ambiental. No en-
área impermeável, que é a geradora de volume tanto, devido a interferência que a ocupação do
adicional, com relação às condições naturais; solo tem sobre a drenagem existem elementos
do Plano de Drenagem que são utilizados para
12. O conjunto desses princípios trata o
regulamentar os artigos do Plano Diretor de De-
controle do escoamento urbano na fonte, distri-
senvolvimento Urbano e Ambiental.
buindo as medidas para aqueles que produzem
o aumento do escoamento e a contaminação das
águas pluviais; V.2.3 Estratégias
13. É essencial uma gestão eficiente na
manutenção de drenagem e na fiscalização da
As estratégias podem ser estabelecidas
regulamentação.
considerando o desenvolvimento do Plano e o
controle ambiental:
V.2.2 Objetivos do Plano

Quanto ao desenvolvimento do Plano


O Plano Diretor de Drenagem Urbana tem
o objetivo de criar os mecanismos de gestão da
O Plano Diretor de Drenagem Urbana
infra-estrutura urbana, relacionados com o es-
pode ser desenvolvido segundo duas estraté-
coamento das águas pluviais e dos rios na área
gias básicas:
urbana. Esse planejamento visa evitar perdas
econômicas, melhorar as condições de saúde da Para as áreas não-ocupadas: desenvolvi-
população e preservar o meio ambiente da cida- mento de medidas não-estruturais relacionadas
de, coerente com os princípios econômicos, so- com a regulamentação da drenagem urbana e a
ciais e ambientais definidos pelo Plano Diretor de ocupação dos espaços de riscos, visando conter os
impactos de futuros desenvolvimentos. Essas me-
Desenvolvimento Urbano e Ambiental da cidade
didas buscam transferir o ônus do controle das al-
O Plano Diretor de Drenagem Urbana tem
terações hidrológicas decorrentes da urbanização
como meta buscar:
para quem efetivamente produz as alterações;
• planejar a distribuição da água pluvial
Para as áreas que estão ocupadas: o Pla-
no tempo e no espaço, com base na ten- no desenvolve estudos específicos por macro-
dência de ocupação urbana, compatibili- bacias urbanas, visando planejar as medidas
zando esse desenvolvimento e a infra-es- necessárias para o controle dos impactos den-
trutura para evitar prejuízos econômicos tro dessas bacias, sem que elas transfiram para
de ambientais; jusante os impactos já existentes. Nesse plane-
• controlar a ocupação de áreas de risco de jamento, são priorizados os usos de armazena-
142 inundação por meio de regulamentação; mento temporário por meio de detenções.
Gestão de águas pluviais urbanas

Quanto ao controle ambiental I – Atual : Condições de urbanização atu-


al, obtida de acordo com estimativas demográfi-
cas e imagens de satélite;
Com relação ao controles ambientais, ca-
racterizados pela qualidade da água do escoa- II - Cenário atual + PDDUA: Este cenário
mento pluvial, pelo material sólido transporta- considera a ocupação atual para as partes da ba-
cia onde o Plano foi superado na sua previsão,
do e a pela contaminação da água subterrânea,
enquanto que para as áreas em que o Plano não
as estratégias foram as seguintes:
foi superado é considerado o previsto no Plano
1. Para as áreas onde não existe rede de
Diretor Urbano
esgoto cloacal ou existe grande quantidade de
III - Cenário de ocupação máxima: Este
ligações de efluentes cloacais na rede pluvial, as
cenário envolve a ocupação máxima de acordo
medidas de controle priorizaram o controle quan-
com o que vem sendo observado em diferentes
titativo. Esse tipo de medida utiliza a detenção
partes da cidade que se encontram nesse estágio.
apenas para o volume excedente da capacidade
O cenário representa a situação que ocorrerá se
de drenagem atual, evitando que o escoamento
o disciplinamento do solo não for obedecido.
em estiagem e o volume da primeira parte do hi-
drograma contaminem as detenções. Essas áreas O primeiro cenário representa o estágio
de armazenamento são mantidas a seco durante o próximo do atual; o segundo é o cenário pre-
ano e somente nos eventos com tempo de retorno visto pelo PDUA da cidade. O terceiro cenário
acima de 2 anos são utilizadas. Em alguns casos, representa a situação mais realista, pois aceita o
foi necessário utilizar para riscos menores, por desenvolvimento realizado fora do Plano Dire-
causa da baixa capacidade da rede existente; tor e para o restante das áreas ainda em desen-
volvimento o Plano previsto.
2. Quando a rede cloacal estiver imple-
mentada, o Plano, no seu segundo estágio, pode Quanto às medidas de controle adotadas
em cada cenário do Plano, deve-se considerar o
ser executado, modificando-se o sistema de esco-
seguinte:
amento junto as detenções para que elas possam
também contribuir para o controle da qualidade 1) O planejamento para o cenário atual
da água pluvial; Para o controle da contamina- com as medidas não-estruturais pressupõe que
ção dos aqüíferos e o controle de material sólido, elas passem a funcionar na data em que foram
deverão ser criados programas de médio prazo realizados os levantamentos da bacia. O que não
visando à redução dessa contaminação, por meio é verdade, já que haverá um tempo entre a fina-
de medidas distribuídas pela cidade. lização desses estudos e a aprovação da regula-
mentação;
2) É possível adotar o cenário futuro
V.2.4 Cenários
como o patamar superior de intervenções, pois
pressupõe as medidas de regulamentação que
Devem-se considerar dois aspectos nos poderão demorar a ser adotadas; quando a re-
cenários de desenvolvimento do Plano: (a) cená- gulamentação proposta for aprovada, as dimen-
rio de desenvolvimento urbano; (b) medidas de sões das alternativas serão revistas em nível de
controle adotadas nos cenários. Os principais projeto.
cenários identificados quanto ao desenvolvi- Geralmente a segunda alternativa é esco-
mento urbano neste estudo são os seguintes: lhida. O risco de 10 anos de tempo de retorno 143
SANEAMENTO PARA TODOS

pode ser escolhido para o dimensionamento da Regulamentação das áreas ribeirinhas:


macrodrenagem, pois geralmente, a partir desse esse componente trata da definição das zonas
risco, não são economicamente viáveis as me- de passagem da inundação e das zonas de regu-
didas de controle estrutural. Os maiores custos lamentação e o uso de definições discutidas no
dos prejuízos das inundações encontram-se capítulo 2, visando evitar a densificação da popu-
nas inundações com alto risco (baixo tempo de lação em áreas de risco de inundação ribeirinha.
retorno), por conta da sua grande freqüência.
Dessa forma, o benefício de uso de medidas de
Gestão das águas pluviais
controle para riscos baixos (alto tempo de retor-
no) pode representar grandes custos e não apre-
sentar um benefício médio alto. O risco deve ser A gestão trata das instituições dentro
avaliado conforme o risco de vida e os prejuízos do município que deverão implementar o Plano
econômicos. O uso do risco de 10 anos é fre- Diretor de Águas Pluviais nos seus diferentes
qüente, mas deve ser avaliado em cada caso. aspectos. Essa implementação envolve: desen-
volvimento do Plano de Ações, fiscalização dos
serviços, avaliação e fiscalização da implemen-
V.3 MEDIDAS
tação de loteamentos e obras relacionadas com
a legislação e a regulamentação, além da imple-
V.3.1 Medidas não-estruturais mentação dos programas previstos.
O cenário ideal é de que a gestão de
águas pluviais, esgoto cloacal e resíduos sólidos
As principais medidas não-estruturais
esteja concentrada na mesma entidade, pois
são as seguintes:
existe economia de escala e hierarquia definida
• Legislação e regulamentação sobre o nos serviços de interface entre esses componen-
aumento da vazão resultante da urbani- tes. No entanto, a realidade é que Água e Esgoto
zação e da ocupação da área de risco de sejam administradas por uma entidade, e Águas
áreas ribeirinhas; Pluviais e Resíduos Sólidos por outras duas,
• Gestão dos serviços urbanos relaciona- além da própria ocupação do solo.Isso tende a
dos com as águas pluviais. gerar conflitos na cidade, na ausência de uma
coordenação técnica e política eficaz.

Legislação e regulamentação
V.3.2 Medidas estruturais

Regulamentação da drenagem urbana:


uso de regulamentação para controle da drena- Como descrito na estratégia, as medidas
gem urbana para os locais a serem desenvolvi- estruturais envolvem o Plano de cada sub-ba-
dos, tanto em nível de novos loteamentos como cia urbana destacada da sua geografia de fluxo,
na densificação, que envolve a aprovação de além de medidas estruturais de proteção contra
obras em áreas já loteadas. A avaliação do Plano inundações ribeirinhas. Na figura 5.2, são apre-
Diretor de Porto Alegre e o decreto apresentado sentadas as etapas de Plano de cada bacia.
no Anexo A é um exemplo de regulamentação A definição das bacias urbanas é a primeira
144 que pode ser utilizado no Plano Diretor urbano. ação do Plano quanto às medidas estruturais. Essa
Gestão de águas pluviais urbanas

definição baseia-se numa subdivisão de rios que verão exportar impactos, mas representam carac-
escoam para um grande sistema (lago, rio, reser- terísticas de interferências decorrentes do escoa-
vatório ou estuário), ou escoa para fora dos limites mento. Uma mesma macrobacia urbana pode ser
da cidade. Considerando que, para cada sub-bacia, subdividida quando isso for necessário de acordo
será elaborado um Plano, admite-se que não de- com o seu desenvolvimento e o seu tamanho.

Figura 5.2 Medidas estruturais 145


SANEAMENTO PARA TODOS

Plano de bacia chentes com o risco de planejamento,


fundamentalmente para os cenários de
ocupação atual e curto prazo; e eventu-
A estrutura do estudo de alternativa do
almente com a futura ocupação do Plano
Plano é apresentada na figura 5.3. Observa-se
Diretor urbano;
que existem três grandes grupos: Dados de En-
trada, Planos das Bacias e Elaboração dos Pro- • Cenário futuro (estudo de alternativas
dutos. Após o Plano, são desenvolvimentos até de controle): neste cenário, são pesqui-
a implementação das obras. sadas as condições combinadas de con-
trole do sistema para os horizontes de
Dados de entrada: O conjunto dos da-
planejamento, com base nas medidas de
dos de entrada, necessário ao estudo de alterna-
controle e de aumento de capacidade de
tivas estruturais do Plano são: (a) Características
escoamento.
urbanas atuais, como características físicas; (b)
geologia, tipo de solo e topografia; (c) hidro-
logia: dados de precipitação para o estabeleci- Simulação e escolha das alternativas:
mento da curva de intensidade-duração-freqü- São diversas as etapas. Elas envolvem:
ência e eventos com precipitação e vazão para
• Capacidade de escoamento existente:
ajuste dos modelos hidrológicos; (d) topografia,
análise das condições de escoamento na
preferencialmente em escala 1:2.000, cadastro
rede, determinando a capacidade de es-
da rede pluvial construída: seção do conduto
coamento em cada seção definida para a
ou galeria, posicionamento em planta e cota do
rede de drenagem discretizada na bacia.
topo ou fundo da galeria e condições da galeria
Nesta fase, já é possível identificar os lo-
quanto a assoreamento ou obstruções; seções
cais críticos devido a variabilidade da ca-
naturais representativas dos rios da área urbana
pacidade de escoamento que geralmente
de interesse; (e) localização da rede cloacal, se
ocorre nas áreas urbanas. É comum exis-
existe, e informações sobre o sistema de coleta
tirem seções com menor capacidade de
de lixo e limpeza urbana.
escoamento a jusante do que a montante
de um trecho.
Caracterização dos sistemas e definições: • Simulação das condições atuais de urba-
Este módulo corresponde às definições de projeto nização e futura da rede de escoamento
relacionados com: (a) os cenários de análise: atual pluvial para os cenários atuais e futuros.
e futuro; (b) risco de projeto: tempo de retorno Nesta simulação, é possível identificar
escolhido para o projeto; (c) subdivisão das ba- as seções ou os trechos críticos onde a
cias-cidades onde serão realizados os Planos e a capacidade existente não permite esco-
subdivisão interna delas para simulação; (d) ajus- ar a vazão simulada. Geralmente, essa
te do modelo ou definição dos parâmetros de si- simulação é realizada com um modelo a
mulação (maiores detalhes no item seguinte). superfície livre, desprezando-se os pro-
Os cenários de análise quantitativos de cessos que ocorrem sobpressão.
uma bacia urbana são: • Definição das alternativas de controle:
• Cenário atual (capacidade do siste- formulação das possíveis medidas de
ma existente): este é o cenário em que controle através do seguinte: (a) identi-
146 o sistema existente é analisado para en- ficação em campo dos possíveis locais
Gestão de águas pluviais urbanas

Figura 5.3 Etapas do Plano por Bacia

para reservatórios de detenção; (b) ava- inundações existentes. A melhor solução


liação dos volumes disponíveis em fun- econômica é a que produz o menor custo
ção das cotas; (c) definição dos trechos de implantação. Isso pode ser realizado
que podem ser ampliados e seus condi- de tentativa, variando algumas combina-
cionantes. ções, ou através de um modelo de otimi-
Para determinar a combinação ótima, o zação em combinação com um modelo
planejador poderá verificar as alternativas dis- hidrológico.
poníveis, a saber: (a) redução do escoamento • Avaliação econômica das alternativas:
superficial por meio de medidas na fonte (geral- levantamento dos custos de implementa-
mente para futuros cenários); (b) detenções em ção das alternativas e escolha da alterna-
locais em que existem áreas disponíveis ou mes- tiva de projeto e do plano de ação para
mo em locais enterrados quando as abertas não implementação das medidas
forem possíveis; (c) ampliação da capacidade de • Verificação do projeto: deve ser feita com
escoamento do sistema. modelo hidrodinâmico que considere o es-
• Simulação das alternativas: simulação coamento sob-pressão.Verificação, para as
das alternativas selecionadas, verifican- condições de risco maior do que o adotado
do a sua eficiência para os diferentes ce- no projeto. Considerando que tenha sido
nários. São definidos vários lay-outs, com escolhido, por exemplo, o tempo de retor-
as modificações físicas que controlem as no de 10 anos para o projeto, é necessário 147
SANEAMENTO PARA TODOS

que o Plano avalie os impactos que ocorre- mente, este tipo de modelo é utilizado somente
rá na drenagem para riscos maiores que 10 quando existem condições de remanso e escoa-
anos, propondo medidas preventivas para mento sob pressão, produzindo inundações em
os diferentes locais mais críticos. diferentes pontos, que necessitam de soluções
específicas, ou quando a interação na rede é
muito grande. Nesse caso, o módulo galeria é re-
Características dos modelos: O modelos
presentado pelas equações dinâmicas (Saint Ve-
utilizados em bacias urbanas geralmente pos-
nant) para superfície livre ou para escoamento
suem dois módulos: (a) módulo bacia: que cal-
sob pressão, com a sua adaptação com fenda de
cula, a partir da precipitação, a vazão resultante
Preissmann. Esse modelo também é utilizado
que entra nas galerias e nos canais; (b) módu-
na verificação do projeto e para avaliar o impac-
lo de rios, canais, galerias e reservatórios: que
to para riscos superiores aos do projeto.
transporta o escoamento pelos canais, galerias
e detenções.
Geralmente os algoritmos utilizados va- Elementos da simulação: A simulação de
riam conforme o grau de detalhamento com alternativas é uma das principais etapas na ela-
que se deseja representar a bacia e suas carac- boração de um Plano Diretor de Drenagem Urba-
terísticas, e com os efeitos do escoamento que na. As simulações a serem realizadas abrangem
devem ser levados em consideração. Dois tipos situações como:
de modelo podem ser utilizados: • diferentes fenômenos, como transfor-
a) modelo hidrológico: neste caso, pode mações chuva–vazão e escoamento em
somente possuir o módulo bacia ou também canais;
o módulo canal (galeria). O módulo bacia é re- • no escoamento em canais, podem apa-
presentado por funções hidrológicas de deter- recer diferentes regimes de escoamento,
minação do escoamento que chega nos condu- como: livre, sob pressão, subcrítico, su-
tos da macrodrenagem, por algoritmos como: percrítico; assim como combinações e
perdas iniciais, infiltração e a propagação do transições entre eles;
escoamento superficial. Um exemplo de mo-
• simulação de estruturas especiais,
delo que trata somente deste módulo é o IPH II
como reservatórios de detenção ou casas
(Tucci et al., 1981); SCS (SCS, 1975). O modelo
de bombas;
IPHS1 (Tucci et al. 1988) inclui algoritmos de
bacia e de canal. • diferentes cenários de ocupação da ba-
cia, referidos à urbanização presente e à
No módulo galeria, o fluxo é transpor-
futura; ou diferentes padrões de ocupa-
tado por equações do tipo armazenamento,
ção da bacia.
como Muskingum, ou modificações deste, como
Muskingum-Cunge. Nas detenções, é utilizado o A essa variedade de condições somam-se
método de Puls. outros condicionantes:
Este tipo de modelo identifica os locais • a necessidade de representar intera-
de inundação por vazões superiores à capacida- ções na rede de condutos (e. g. efeitos de
de de escoamento, ou pelas cotas, com o auxílio remanso);
de curvas-chave das seções. • os parâmetros dos métodos devem
148 b) modelo hidrológico-hidráulico: Geral- poder ser estimados com base em carac-
Gestão de águas pluviais urbanas

terísticas físicas da bacia ou da rede de correções para levar em conta condições de ba-
drenagem, seja por ausência de dados cias urbanas. Por exemplo, à formula de Kirpich,
para ajuste, seja para simular situações para tempo de concentração, deve ser aplicada
futuras; com as correções resultantes da urbanização
• como os PDDRUs geralmente só ana- (Tucci, 1993).
lisam a macrodrenagem, os projetos O uso de parâmetros da literatura não
de detalhe e de microdrenagem são de- constitui uma validação, embora com freqüên-
senvolvidos em separado. Há, portanto, cia seja inevitável, por falta de dados de chuva,
necessidade de que os parâmetros e os e particularmente de vazão. Uma alternativa se-
critérios adotados nesses projetos sejam ria calibrar os modelos para alguma bacia seme-
coerentes com os utilizados no plano. lhante, e realizar a transposição de parâmetros.
Isso implica métodos e critérios aces- Tanto nesse caso, como na costumeira ausência
síveis e de fácil generalização, contem- de outros dados, deve-se usar a calibração qua-
plando até sua inclusão em produtos, litativa (Cunge, 1980). Essa técnica consiste em
tais como manuais de drenagem; comparar os resultados das simulações com a
localização e a grandeza aparente dos alagamen-
• para poder generalizar os critérios, pa-
tos que ocorrem na bacia, assim como outros
râmetros e metodologias utilizados, é
fenômenos, tais como: condições de escoamen-
conveniente evitar o uso de metodologias
to em canais abertos, água saindo de poços de
específicas de softwares, sobre as quais
visita ou bocas-de-lobo, etc. Esse procedimen-
não é fácil achar referências, exemplos
to é mais fácil de usar com tormentas de baixa
ou outros tipos de auxílio para aplicação
recorrência, por 1 ou 2 anos, já que essas são
(os métodos não deveriam ser software-
lembradas com mais facilidade pela população.
dependentes);o volume de simulações a
Outra alternativa é o uso das cheias históricas
ser realizado é muito grande. Conside-
de grande impacto, que são mais bem identifica-
rando a rede de macrodrenagem a par-
das pela população, desde que se disponha dos
tir dos condutos de 1 m de diâmetro ou
registros de chuva.
equivalentes, o tamanho médio das “ba-
cias elementares” fica entre 0,5 e 1 km2. As informações da Prefeitura sobre pro-
As metodologias adotadas não devem blemas causados pelos alagamentos são muito
ser excessivamente trabalhosas, particu- valiosas nesse sentido. Geralmente, os profis-
larmente quanto à determinação de seus sionais da área de drenagem pluvial são capa-
parâmetros. zes de fazer um mapeamento pelo menos razo-
ável dos locais e da freqüência dos alagamentos.
Na escolha das metodologias de simula-
Outra fonte interessante de informações são as
ção e de estimativa de parâmetros, é fundamen-
autoridades de trânsito, já que a circulação de
tal respeitar as condições de aplicabilidade de
veículos é afetada pelos alagamentos.
cada uma delas, tanto em termos gerais, como
nas condições específicas de utilização. A maio-
ria das técnicas comuns de simulação chuva– Chuva de projeto: O método mais comum
vazão, e de parâmetros dessa transformação, é o dos blocos alternados, a partir de curvas in-
tem sido desenvolvida para áreas rurais. O uso tensidade-duração-freqüência. As outras alterna-
dessas técnicas deve ser evitado, ou elas devem tivas são o hietograma triangular do SCS, muito
ser utilizadas quando possam ser introduzidas semelhante ao anterior, ou métodos baseados na 149
SANEAMENTO PARA TODOS

distribuição temporal das chuvas da região em racional) são aplicáveis a áreas pequenas; embo-
estudo, como Huff ou Pilgrim e Cordery. ra as bacias elementares utilizadas na elaboração
Quanto à duração da chuva, deve-se ado- do plano sejam da ordem de 0,5 a 1 km2, as ba-
tar como referência o tempo de concentração de cias sobre as quais se trabalha são maiores.
toda a bacia, e não das sub-bacias em que ela foi As metodologias de separação de esco-
dividida. Uma duração entre 1,5 e 2 vezes o tem- amento tomam como referência, para determi-
po de concentração é aconselhável. Cabe lembrar nação dos parâmetros, o tipo de solo. Em áreas
que as medidas de controle, como reservatórios urbanizadas ou em processo de urbanização, a
de detenção, são normalmente previstas; e para camada superior do solo é removida, coberta
seu cálculo, o volume escoado é tão importante ou muito alterada. Portanto, deve-se ter muito
quanto a vazão de pico. Mesmo no cálculo de me- cuidado ao utilizar mapas de solos, que normal-
didas em pequena escala (e. g. reservatórios de mente descrevem somente a situação natural
lote), deve-se, no mínimo, ser feita uma verifica- de pré-urbanização. Neste caso, a estimativa da
ção para chuvas de longa duração. área impermeável é fundamental.

Deve-se destacar que, utilizando a chuva Campana e Tucci (1999) apresentaram


de projeto e um modelo chuva–vazão (situação uma curva que relaciona a densidade habitacio-
comum por falta de dados de vazão), o risco da nal a uma área impermeável de uma bacia com
vazão obtida não é necessariamente o mesmo base em dados de Curitiba, São Paulo e Porto
do da precipitação. Portanto, o risco relacionado Alegre. Essa curva permite estudar cenários fu-
é o da precipitação e não o da vazão. turos de ocupação urbana, já que a densidade
habitacional é utilizada como indicativo de pla-
nejamento urbano.
Chuva efetiva: A transformação chuva-
vazão tem duas componentes: a determinação
da precipitação efetiva (parcela da chuva que Escoamento superficial: Uma vez calcu-
se transforma em escoamento) e a propagação lado o quanto da chuva se transforma em esco-
dessa água até a entrada na rede de macrodre- amento, essa água deve ser propagada até sua
nagem. Para a representação do primeiro fenô- entrada na rede de macrodrenagem. Existem, na
meno, as alternativas mas freqüentes são: literatura, diversos métodos para esse cálculo.
Os métodos podem depender da disponibilida-
• método da curva número do SCS (CN):
de de dados, como Clark, Nash, Onda Cinemáti-
é um parâmetro extensamente tabulado,
ca, entre outros métodos conceituais lineares e
o que facilita a estimativa, e podem ser
não-lineares (Tucci, 1998), e os métodos basea-
construídas relações com a área imper-
dos no hidrograma sintético (lineares).
meável;
Os hidrogramas unitários sintéticos,
• curva de infiltração (Horton, Philips,
como Snyder ou o triangular do SCS, foram de-
etc.), combinada com estimativas da área
senvolvidos em geral para áreas rurais, condi-
impermeável ção muito diferente da aplicação em uma área
O coeficiente de escoamento, embora co- urbana. SCS (1975) adaptou para áreas urbanas.
mum e muito tabelado, tem o inconveniente de A regionalização de parâmetros desses modelos
não levar em conta a variação temporal da chuva, tem sido apresentada para vários locais, desta-
e não é adequado para cálculo de volumes. Além cando-se Diaz e Tucci (1989) que regionalizaram
150 disso, o coeficiente de escoamento (e o método o HU para bacias urbanas brasileiras.
Gestão de águas pluviais urbanas

Métodos como Clark e Nash são mais nagem, os modelos de rede geralmente
adequados, já que seus parâmetros podem ser limitam a entrada do escoamento super-
estimados levando em conta as características ficial nos condutos da rede, em função da
da área simulada. Germano et al. (1998) regiona- capacidade do conduto e das condições
lizaram os parâmetros do modelo Clark utiliza- de escoamento, tal qual acontece na rea-
do no IPH-II para bacias urbanas brasileiras. lidade. A maioria dos modelos armazena
O uso da onda cinemática depende de o escoamento excedente, normalmente
um detalhamento muito grande do sistema fí- no ponto em que este chega à rede, para
sico, que nem sempre é possível estabelecer. eventualmente liberá-lo depois, à medida
Além disso, a representatividade depende das que as condições nos condutos permitam
reais condições do escoamento e da escala de o escoamento. A água que escoa para fora
aplicação. Por exemplo, uma sarjeta poderia ser da rede por excesso de pressão é tratada
considera como um canal triangular; mas, na re- de maneira semelhante, geralmente sen-
alidade, costuma ter carros nela estacionados, do acumulada no ponto de saída.
assim como sacolas de lixo e outros objetos se- Na realidade, essa é só uma das possi-
melhantes, que fazem fazem o escoamento pa- bilidades, pois existem vários comportamen-
recer mais uma cascata de reservatórios do que tos possíveis. A água poderia escoar pelas ruas
um canal. Por outro lado, quando a unidade de até algum outro ponto, e entrar na rede ou se
representação é um quarteirão ou mais, a defi- acumular, ou continuar escoando para jusante,
nição da “rugosidade” ou a “declividade” de um dependendo da topografia e das condições nos
conjunto de telhado, pátios, gramados, etc., con- condutos em cada ponto, em cada instante de
siderados em conjunto, requer um ajuste com tempo.
dados observados. Esse problema não é crítico nas simula-
ções de projeto, já que a rede deve ser capaz
Escoamento na rede de macrodrenagem: de absorver, em cada ponto, a água que chega.
No escoamento de uma rede de macrodrenagem Já nas simulações para calibração, quantitativa
e das alternativas de controle, a interação (tanto ou qualitativa, e simulações de diagnóstico em
física como operacional) entre as componentes da geral, é importante não confundir os pontos de
rede é fundamental. O desenvolvimento de alter- insuficiência da rede com pontos onde aconte-
nativas eficientes de solução e a garantia de seu cerá alagamento.
adequado funcionamento dependem de levar em • a suposição implícita de que todo o
conta as interações existentes. Geralmente, exis- escoamento gerado na bacia chega até a
tem duas classes de modelos, como citado ante- rede de macrodrenagem, ou seja, a mi-
riormente: modelos hidrológicos e hidrodinâmi- crodrenagem funciona perfeitamente.
cos. O primeiro tipo de modelo é utilizado para a Esse tipo de consideração pode resultar
fase de estudo de alternativas, enquanto o segun- em locais críticos que não registram ala-
do para a verificação da alternativa escolhida e gamentos. Isso não é um erro, a insufi-
para cenários superiores aos de projeto. Alguns ciência da rede realmente acontece, mas
dos principais aspectos relacionados com os mo- está sendo mascarada pelos condicio-
delos de escoamento são destacados a seguir: nantes da microdrenagem.
• Com o objetivo de representar mais fiel- Os casos mencionados acima mostram
mente o funcionamento da rede de dre- que a análise da simulação não pode se limitar 151
SANEAMENTO PARA TODOS

aos resultados do modelo da rede de drenagem. tração. As questões que devem dificultar essa
É indispensável contemplar, a análise do com- avaliação são: (a) incerteza quanto às suas
portamento da água na superfície da bacia, até implantação, operação e manutenção; (b) qual
ela chegar à macrodrenagem, e o que a água fa- seu impacto real sobre o escoamento, e qual a
ria se não conseguisse entrar na rede sustentabilidade temporal desse impacto.
A efetiva implementação de medidas de
Análise de alternativas: Na procura de controle em escala de lote depende da instala-
alternativas de solução, é fundamental a análise ção e do adequado funcionamento de um núme-
integrada da bacia. Isso permite levar em con- ro muito alto de componentes individuais. Esses
ta interações entre as componentes da rede de componentes freqüentemente dependem dos
macrodrenagem e facilita a otimização da solu- moradores, e não do poder público, que fica li-
ção. As limitações das medidas de controle em mitado a exigir a instalação e a fiscalizar o fun-
uma região podem ser compensadas em outra, cionamento. Por comparação, no caso de medi-
ou medidas de controle caras em uma região po- das de controle que operam em escalas maiores
dem ser descartadas em favor de medidas mais (reservatórios em loteamentos, bairros, etc.), a
baratas em outra região. implantação depende de decisões administrati-
vas do poder público, que são mais claramente
O critério da não-ampliação da cheia na-
tural para as medidas de controle é um dos prin- individualizadas, e a responsabilidade pela sua
cípios fundamentais de um PDDU. No entanto, operação e pela sua manutenção é bem definida.
como no Brasil e na maioria de América Latina es- À incerteza sobre a implementação e o
ses planos são desenvolvidos a posteriori da ocu- funcionamento deve-se somar a incerteza com re-
pação urbana, a ampliação já ocorreu em grande lação ao impacto efetivo das medidas de controle
parte da rede, e somente em novos empreendi- na fonte. Em outras palavras, se elas forem ade-
mentos imobiliários seria possível estabelecer o quadamente implementadas e operadas, como
controle por meio de legislação municipal. Dessa quantificar seu impacto real sobre a geração de
forma, na análise de alternativa, o controle passa escoamento? Não existe um monitoramento ade-
a ser de não transferir para jusante os condicio- quado que avalie esse impacto em nível de bacia
nantes já existentes, utilizando-se a capacidade hidrográfica. Parece pouco provável que se con-
instalada de drenagem, que, de alguma forma, é siga anular completamente o impacto da urba-
superior à capacidade da bacia natural. Portan- nização, já que dificilmente o controle na fonte
to, no estudo de alternativa, o mais importante é conseguirá atingir 100% da superfície da bacia
avaliar o conjunto de uma bacia onde as soluções (por exemplo, ruas e passeios). Além disso, algu-
internas evitam as inundações internas e mantêm mas medidas, como as orientadas à infiltração,
a vazão de projeto menor ou igual às condições podem ser bastante vulneráveis ao tempo.
existentes no projeto.
As dúvidas mencionadas não devem im-
pedir a adoção desse tipo de medidas. Sugerem,
Medidas de controle na fonte: Na defi- em troca, dois enfoques: (a) não depender exclu-
nição das medidas de controle e avaliação de sivamente dessas medidas para gerenciamento
seus impactos, um caso que merece atenção da drenagem urbana; e (b) iniciar programas de
especial é o das medidas de controle na fonte monitoramento de médio e longo prazos, para
aplicadas à escala de lote, como micro-reser- obter dados que permitam adotar esse tipo de
152 vatórios de detenção ou superfícies de infil- enfoque nas situações adequadas.
Gestão de águas pluviais urbanas

Reservatórios de detenção: Por se tra- pela escala de trabalho, mas deve ser compensa-
tar de planejamento, não são apresentados ele- do usando técnicas como comprimento equiva-
mentos de projeto executivo das estruturas pro- lente, ou aumentando o n de Manning a valores
postas. No caso dos reservatórios de detenção, da ordem de 0,02. Em cálculos de maior grau de
isso não significa que, ao definir a localização e detalhe, ou em projetos localizados, as perdas
estimar o volume necessário, seja suficiente, ex- singulares devem ser obrigatoriamente contem-
ceto quando as informações não permitam outra pladas, e a linha de energia verificada. Outra
coisa, ou o estudo seja muito preliminar. Além questão importante é que nem sempre é possí-
da estimativa do volume necessário, é necessá- vel ou eficiente adotar o critério de escoamento
rio verificar a viabilidade do funcionamento. Isso a superfície livre.
significa verificar especialmente as condições Um fenômeno importante, quando são
de entrada e saída do reservatório, as cotas de analisadas situações no qual o escoamento
operação e as estruturas hidráulicas. Pode ocor- passa a ser sob pressão, é a diminuição na con-
rer de um reservatório ter um volume adequado, dutância hidráulica. Isto ocorre quando a água
mas não dispor de uma estrutura hidráulica que atinge o topo de um conduto, especialmente em
consiga o efeito desejado de amortecimento do condutos retangulares.
hidrograma; ou exista o volume e as estruturas
hidráulicas, mas as cotas não permitam o funcio-
namento adequado. Avaliação econômica de alternativas

Dimensionamento de condutos e ca- Um dos principais elementos envolvidos


nais: A prática usual no Brasil é utilizar um co- na comparação de alternativas é o custo de im-
eficiente de rugosidade de Manning, de 0,013 plementação. Como se trata da etapa de planeja-
para o cálculo dos condutos e galerias. Esse va- mento, não são elaborados projetos detalhados
lor é adequado para tubos de concreto novos, dos componentes de cada alternativa. As esti-
mas não é representativo das reais condições mativas de custos devem então ser elaboradas a
de funcionamento de condutos reais. Depois de partir de definições esquemáticas das soluções.
poucos anos de funcionamento , as condições No caso das ampliações, duas são as situações
do tubo e das juntas começam a se deteriorar, e, mais freqüentes: (a) é possível definir no plano
mesmo em redes com boas condições de manu- qual vai ser o traçado e as características (tama-
tenção, é inevitável a presença de sedimentos e nho e forma do conduto) da ampliação; (b) pode-
outros materiais que aumentam a resistência ao se avaliar que a ampliação é viável, mas a es-
escoamento. Por conta disso, um n de Manning colha de um traçado e de características requer
de 0,015 ou 0,016 é bem mais adequado para trabalhos fora do escopo de planejamento.
simular as condições de funcionamento da rede No primeiro caso, o custo pode ser esti-
de drenagem durante sua vida útil. mado mediante um cálculo que leve em conta as
Outra questão a ser destacada é que, con- condições específicas de construção da amplia-
trariando o recomendado em todos os manuais ção; ou pode-se adotar um custo por unidade
de drenagem urbano, as perdas de carga singu- de comprimento, a partir de tabelas, geralmente
lares (poços de visita, curvas, etc.) são costumei- disponíveis nas prefeituras, de custo médio de
ramente ignoradas. Na simulação de uma rede construção de acordo com o tamanho e o tipo
de macrodrenagem, isso pode ser justificado de conduto. 153
SANEAMENTO PARA TODOS

Na situação em que não é possível (ou de ocupação ( < 20 hab/ha). A equação foi obti-
justificado) definir o traçado e as característi- da com R2 = 0,98, mas com apenas oito bacias.
cas da ampliação, uma possibilidade é elabo-
rar, a partir da tabela de custo por unidade de
comprimento, uma curva de custo em função
da capacidade K (condutância hidráulica) adi-
cional necessária. Na figura 7.4, é apresentada
uma dessas curvas, utilizada no PDDRU de Ca-
xias do Sul (IPH, 2001). Com essa metodolo-
gia, o trabalho na simulação de alternativas é
simples, já que a ampliação é definida a partir
do aumento da capacidade do conduto exis-
tente. Alguns condicionantes adicionais para a
ampliação, como níveis de água máximos para Figura 5.4 Curva custo médio de construção em função
evitar efeitos de remanso, ou condicionantes da condutância hidráulica (Villanueva e Tucci, 2003)

específicos em certos trechos ou locais, tam-


bém podem, e na medida do possível devem, Estima-se a um intervalo de 1 a 4 milhões
ser contemplados. de R$/km2, entre áreas pouco densas no interva-
Na escolha de qual metodologia de cálcu- lo inferior e mais densas no intervalo superior.
lo de custo utilizar, deve ser levada em conta a
importância da obra considerada dentro do pla- Viabilidade econômica
no, e seu peso no custo total.
Uma questão adicional que deve ser le-
A avaliação econômica possui dois com-
vada em conta na avaliação dos custos de cada
ponentes neste plano: (a) avaliação econômica
alternativa é a transferência de impactos para
das alternativas, como citado, em que o avalia-
jusante do sistema que está sendo estudado. So-
do é o custo das obras; (b) mecanismos de finan-
lucionar os problemas causados por essa trans-
ciamento das obras e da operação da drenagem,
ferência gera custos, que devem ser somados
destacado no final deste capítulo.
aos custos gerados dentro do sistema objeto do
planejamento. A viabilidade econômica do desenvolvi-
mento das medidas estruturais e o controle ao
Cruz (2004) estimou o custo de várias
longo do tempo da drenagem urbana dependem
bacias de Porto Alegre e estabeleceu uma equa-
da capacidade econômica de implementação
ção em função da população e da área de drena-
das medidas
gem, a saber:
Os custos relacionados com a drenagem
urbana e o controle de inundações das áreas ur-
CT = 0,536 POP – 5,233 A (5.1) banas abrangem:
• Custos de implementação das obras de
onde, Ct é o custo em milhões de reais; A é a macrodrenagem e outras medidas estru-
área da bacia em km2; e Pop é a população em turais para controle dos impactos existen-
milhares de habitantes. Essa equação não deve tes na cidade. Esses custos estão distribu-
154 ser utilizada para bacias com baixa densidade ídos pelas bacias hidrográficas através do
Gestão de águas pluviais urbanas

Plano de cada bacia. Além disso, tal custo pagar proporcionalmente ao volume que gera
ocorre quando da sua implementação; de escoamento.
• Custos de operação do sistema de dre- A principal dificuldade do processo de
nagem existente da rede pluvial, que cobrança está na estimativa real da área imper-
envolve a limpeza, a manutenção dos meável de cada propriedade. Nesse sentido,
condutos e a solução de problemas loca- pode ser utilizado o seguinte procedimento:
lizados. Esse custo deve ser distribuído 1. Utilizar a área construída de cada pro-
entre os usuários da rede de drenagem. priedade projetada para o plano da área do ter-
O princípio básico do financiamento das reno como sendo a área impermeável. Esse valor
ações da drenagem urbana são o de distribuir os não é o real, pois o espaço impermeabilizado ten-
custos de acordo com as áreas impermeáveis não de a ser maior por causa dos pavimentos;
controladas da propriedade. Na drenagem urba- 2. Estabelecer um programa de avaliação
na, quem aumenta o volume de escoamento su- da área impermeável com base em imagem de
perficial é responsável pelas inundações e deveria satélite e verificação por amostragem em visita
pagar pelo acréscimo do impacto. O fator funda- ao local.
mental do aumento do volume é a área imper-
meável. A distribuição dos custos da implantação
Rateio dos custos
da drenagem proposta neste Plano é baseada no
seguinte:
1. Para cada bacia e para a cidade, a es-
timativa da área total impermeabilizada e o
Obras de controle: Para obras de con-
custo total da intervenção ou da operação e
trole planejadas em cada bacia, os custos de sua
manutenção;
implantação devem ser distribuídos dentro de
cada bacia, de acordo com a área impermeável de 2. O cálculo do custo de operação e manu-
cada propriedade, a partir de uma taxa total co- tenção deve ser calculado com base no custo de
brada pelo período estimado de sua implantação operação total da cidade, pois as diferenças geográ-
ou por meio de financiamento. Dessa forma, a ficas não são significativas e a separação de custo
população das bacias onde a impermeabilização operacional por bacia é mais complexo. No anexo
é maior e, portanto, com condições mais críticas B, é apresentada a metodologia de rateio de custo
para as áreas não-controladas, com base no volume
de drenagem, deverá pagar quantias maiores.
de escoamento gerado em cada superfície.

Operação e manutenção: O custo re-


V.4 PRODUTOS
ferente à operação e à manutenção da rede de
drenagem urbana pode ser cobrado: (a) como
parte do orçamento geral do município, sem Os produtos do Plano são:
uma cobrança específica dos usuários; (b) utili-
• Regulamentação do Plano Diretor de
zando uma taxa fixa para cada propriedade, sem
Desenvolvimento Urbano e Ambiental
distinção de área impermeável; (c) com base na
nos artigos relacionados com a drena-
área impermeável de cada propriedade. Esta úl-
gem urbana;
tima alternativa é a mais justa sobre vários as-
• Plano de Ação: controle das bacias hi- 155
pectos, pois quem utiliza mais o sistema deve
SANEAMENTO PARA TODOS

drográficas urbanas da cidade; deste volume, no qual são abordados os seguin-


• Proposta de gestão para a cidade; tes temas:

• Manual de Drenagem. • programa de monitoramento;

O primeiro item foi discutido anterior- • estudos complementares necessários


ao aprimoramento do Plano;
mente. As atividades do Plano de Ação são
destacadas a seguir. A proposta de gestão • manutenção;
envolve a avaliação da administração atual e • fiscalização;
uma proposta de funcionamento consideran-
• educação.
do os seguintes fatores: a implementação do
Plano, a fiscalização das obras, a aprovação Os programas do PDDrU foram previstos
de projetos segundo a nova regulamentação, como atividades de médio e longo prazos, ne-
a operação e a manutenção da rede de drena- cessárias para a melhoria do planejamento da
gem e áreas de risco e a fiscalização do con- drenagem urbana de cada cidade.
junto das atividades. Nesse contexto, podem ser previstos pro-
gramas relacionados com o monitoramento de
No plano de ação são definidos os se-
dados necessários ao planejamento, e estudos
guintes:
complementares, manutenção e educação. A fis-
• gestão da implementação do plano: en- calização deve ser incorporada à gestão. A se-
volve a definição das entidades que com- guir são apresentados exemplos de programas.
plementam as ações previstas;
• financiamento: mecanismo de finan-
V.5.1 Programa de monitoramento
ciamento proposto para as ações do pla-
no e recuperação de custos;
• desenvolvimento: seqüenciamento de O planejamento do controle quantitativo
ações no tempo e espaço relacionadas com e qualitativo da drenagem urbana passa pelo co-
o plano de cada sub-bacia. nhecimento do comportamento dos processos
relacionados com a drenagem pluvial.
O manual de drenagem é o documento
que deverá orientar as atividades de planeja- A quantidade de dados hidrológicos e
dores e projetistas na cidade quanto ao de- ambientais é reduzida e o planejamento nesta
senvolvimento da drenagem e às inundações etapa é realizado com base em informações se-
ribeirinhas. Deve ser um documento de apoio. cundárias, o que tende a apresentar mais incer-
tezas quanto à tomada de decisão na escolha de
alternativas.
V.5 PROGRAMAS
O programa de Sistema de Informações
deve buscar disponibilizar informações para a
Programas são os estudos complemen- gestão do desenvolvimento urbano, articulando
tares de médio e longo prazos que são reco- produtores e usuários e estabelecendo critérios
mendados no Plano visando melhorar as defi- que garantam a qualidade das informações pro-
ciências encontradas na elaboração do Plano duzidas.
desenvolvido. Os programas identificados nesta O programa de monitoramento proposto
156 fase do Plano estão apresentados no capítulo 4 neste plano tem os seguintes componentes:
Gestão de águas pluviais urbanas

• monitoramento de bacias representati- Metodologia: O desenvolvimento desse


vas da cidade; programa envolve algumas etapas. Recomenda-
• monitoramento das áreas imperme- mos o seguinte:
áveis; 1. proceder ao levantamento e revisar as
• monitoramento de material sólido na informações existentes sobre variáveis
drenagem. hidrológicas e de parâmetros de qualida-
de da água;
2. identificar, para os mesmos locais, os
Monitoramento de bacias
principais indicadores de ocupação urba-
representativas da cidade
na para os mesmos períodos dos dados
coletados;
Avaliar a rede hidrológica estabelecida. 3. preparar um plano de complementa-
As informações existentes geralmente são es- ção da rede existente;
parsas e limitadas e não obedecem necessaria- 4. criar um banco de dados para receber as
mente aos interesses do planejamento da drena- informações existentes e coletadas;
gem urbana na cidade.
5. implementar a rede prevista e torná-la
operacional.
Justificativa: Para determinação das va-
zões nas bacias urbanas, são utilizados modelos
Monitoramento de áreas impermeáveis
hidrológico, que possuem parâmetros, que são
estimados com base em dados observados de
precipitação e vazão, ou estimados com o auxílio O desenvolvimento urbano da cidade é
de informações da literatura. Os estudos reali- dinâmico e o monitoramento da densificação
zados utilizaram algumas das informações pre- urbana visa à avaliação desse processo sobre o
existentes na cidade; no entanto, observou-se a impacto na infra-estrutura da cidade. Em estudos
necessidade de uma amostra mais representativa hidrológicos desenvolvidos nos últimos anos,
e com um período de observação mais prolonga- com dados de cidades brasileiras, Campana e
do. Em todas as cidades brasileiras, não existem Tucci (1994) apresentaram uma relação bem
dados de qualidade da água dos pluviais. Essas definida entre a densificação urbana e as áreas
informações são importantes para conhecer o ní- impermeáveis. Portanto, o aumento da densifica-
vel de poluição resultante desse escoamento, as ção tem relação direta com o aumento da imper-
cargas dos diferentes componentes, para poder meabilização do solo, que é a causa principal do
estabelecer medidas de controle adequadas. aumento das vazões da drenagem pluvial.

Objetivos: Os objetivos do programa são Justificativa: Durante a realização do Pla-


aumentar a informação de precipitação, vazão, no, para o cenário de futuro desenvolvimento,
parâmetros de qualidade da água de algumas foi utilizada a previsão de densificação prevista
bacias representativas do desenvolvimento ur- no Plano Diretor Urbano, e, da relação citada an-
bano da cidade, e acompanhar qualquer altera- teriormente, foram obtidas as áreas impermeá-
ção do seu comportamento em relação ao pla- veis previstas para esses cenários. Considerando
nejamento previsto. que tais cenários podem se afastar da previsão, 157
SANEAMENTO PARA TODOS

é necessário acompanhar a alteração efetiva da chega no seu trecho de montante, mas não é
impermeabilização nas bacias planejadas. possível estimar quanto deste conduto será en-
tupido pela produção de material sólido. Des-
sa forma, muitos alagamentos que ocorrem são
Objetivo: Acompanhar a variação das
devidos, não à falta de capacidade projetada do
áreas impermeáveis das bacias hidrográficas da
conduto hidráulico, mas às obstruções provoca-
cidade, verificando alterações das condições de
das pelo material sólido. Para que seja possível
planejamento.
atuar sobre esse problema, é necessário conhe-
cer melhor como os componentes de produção
Metodologia: Esse programa pode ser es- e de transporte desse material ocorrem em ba-
tabelecido com algumas bases: cias urbanas.

1. obter anualmente imagem de satélite


da cidade; Objetivos: Quantificar o material sólido
2. proceder, para cada uma das bacias da que chega à drenagem pluvial, como base para a
cidade, a determinação sistemática das implantação de medidas mitigadoras.
áreas impermeáveis;
3. verificar se estão conformes aos cená- Metodologia: Para quantificar os compo-
rios previstos no PDDUA; nentes que envolvem a produção e o transporte
4. sempre que houver novos levantamen- do material sólido, é necessário definir uma ou
tos populacionais, atualizar a relação mais áreas de amostra. A metodologia prevista
densidade x área impermeável. Ajustar é a seguinte:
essa relação para áreas comerciais e in- 1. definir as metas de um programa de
dustriais. estimativa dos componentes do processo
de geração e transporte de material sóli-
do para a drenagem;
Monitoramento de resíduos
sólidos na drenagem 2. escolher uma ou mais áreas represen-
tativas para amostragem;
3. definir os componentes;
Existem grandes incertezas quanto à
quantidade de material sólido que chega ao sis- 4. quantificar os componentes para as
tema de drenagem. A avaliação dessas informa- áreas amostradas por um período sufi-
ções é muito limitada no Brasil. Geralmente, é cientemente representativo;
conhecida a quantidade de material sólido cole- 5. propor medidas mitigadoras para a re-
tado em cada área de coleta, mas não se conhece dução dos entupimentos.
quanto efetivamente chega à drenagem. Os nú-
meros podem chegar a diferenças de magnitude
Revisão do cadastro do sistema de dre-
significativas.
nagem: O sistema de drenagem atual foi cadas-
trado baseado na determinação da profundida-
Justificativa: Os estudos de drenagem de do conduto e em seu diâmetro. A cota foi
urbana partem dos princípios de que um condu- obtida com base na topografia disponível do
158 to tem capacidade de transportar a vazão que local cadastrado em plantas existentes na cida-
Gestão de águas pluviais urbanas

de. Por conta da variabilidade de levantamentos Avaliação econômica dos riscos


existentes na cidade, observou-se incompatibili-
dades no uso conjunto das informações.
O projeto da drenagem urbana tem sido
realizado com base em riscos adotados na lite-
Justificativa: O erro existente pode ratura, que nem sempre correspondem aos ele-
comprometer o dimensionamento das obras e mentos locais. O risco de um projeto (tempo
o estudo de alternativas. Na fase de projeto, é de retorno) pode ser escolhido com base em
essencial que o cadastro esteja adequadamente elementos sociais e/ou econômicos. O método
determinado. econômico tradicional prioriza a relação entre
o benefício obtido pela obra (redução dos pre-
juízos das inundações) e o custo da construção
Objetivo: Revisar o cadastro de condu-
das obras de proteção. Esse procedimento nem
tos pluviais da cidade.
sempre retrata a verdade local, considerando
que, em certas áreas, o benefício será mínimo
Metodologia: O levantamento deve es- quando a população for de baixa renda. Dessa
tabelecer a topografia por meio de um mesmo forma, existem outros métodos econômicos,
referencial, fazendo uso de GPS, comparando a como a “valoração da propriedade” com base na
cota atual com a cota obtida em campo. A base redução da ocorrência da inundação e “a vonta-
de análise deve ser os locais identificados com de de pagar” do proprietário.
problemas nos estudos de simulação realizados.

Justificativa: Dificilmente esses méto-


5.5.2 Estudos complementares dos são aplicados a cada projeto numa cidade.
Automaticamente são adotados riscos-padrões
de planejamento e projeto, já que o estudo re-
Durante os estudos, foram identifica- quer o levantamento de um conjunto de dados
das necessidades de estudos complementa- para cada local, representando um custo sig-
res para o aprimoramento do planejamento nificativo para um projeto. Torna-se necessá-
da drenagem urbana na cidade. Esses estudos rio, no entanto, verificar se o risco adotado de
buscam criar informações para a melhoria do 10 anos para o controle da macrodrenagem da
futuro planejamento e do projeto das águas cidade representa adequadamente os cenários
pluviais na cidade. econômicos.
Os estudos sugeridos são os seguintes:
• avaliação econômica dos riscos; Objetivo: O objetivo deste estudo é o de
• revisão dos parâmetros hidrológicos; avaliar, pelos métodos econômicos disponíveis,
• metodologia para estimativa da quali- o risco adotado para o projeto na cidade.
dade da água pluvial;
• dispositivos para retenção do material Metodologia prevista:
sólido nas detenções; 1. definição dos procedimentos econô-
• verificação das condições de projeto dos micos a serem adotados e metodologia
dispositivos de controle da fonte. específica de amostragem; 159
SANEAMENTO PARA TODOS

2. definição de critérios para amostra- Metodologia prevista:


gem das áreas que serão utilizadas no 1. seleção dos eventos das bacias, com da-
estudo; dos disponíveis na cidade e do programa
3. escolha das áreas em estudo, prefe- de monitoramento previsto;
rencialmente as bacias hidrográficas da 2. determinação, para a mesma época,
cidade; das características físicas da bacia;
4. desenvolvimento do estudo econômi- 3. determinação dos parâmetros com
co para cada área da cidade; base nos dados observados de precipita-
5. análise da variabilidade dos resultados ção e vazão;
e do impacto do planejamento desenvol- 4. verificação das relações existentes e
vido com base nos resultados obtidos. sua adaptação, caso seja necessário.

Revisão dos parâmetros hidrológicos Metodologia para estimativa


da qualidade da água pluvial

O planejamento e o projeto das áreas es-


tudadas foram elaborados com a utilização do Não existe nenhuma metodologia de es-
modelo SCS (Soil Conservation Service), que pos- timativa desenvolvida para a estimativa da qua-
sui dois parâmetros básicos relacionados com a lidade de água pluvial com base em dados da
separação do escoamento e áreas impermeáveis, realidade urbana brasileira. As estimativas são
e com o deslocamento do escoamento na bacia. realizadas a partir de dados de parâmetros de
qualidade da água de cidades americanas ou eu-
Eses parâmetros caracterizam a vazão máxima
ropéias, mas com realidade de desenvolvimento
de um determinado local de acordo com as ca-
diferente dos condicionantes brasileiros.
racterísticas físicas do solo, sua cobertura e as
áreas impermeáveis.
Justificativa: Considerando as limita-
ções destacadas no item anterior, observa-se
Justificativa: A estimativa desses parâ-
que, para obter estimativas consistentes da
metros foi realizada com base em dados exis-
qualidade da água da drenagem pluvial, são
tentes e limitados. Com a coleta de dados hi-
necessários métodos que se baseiem em da-
drológicos das bacias, prevista no programa de
dos da realidade das bacias, conforme seus
monitoramento, e daqueles que estão sendo im- condicionantes urbanos.
plementados em programas recentes, será pos-
sível verificar a relação entre os parâmetros e
as características das bacias, reduzindo-se as Objetivos: Desenvolver metodologia
incertezas das estimativas. para a estimativa da qualidade de água pluvial
com base em dados de bacias. Os dados seriam
obtidos pelo programa de monitoramento des-
Objetivo: O objetivo deste estudo é o de tacado no item anterior.
atualizar a relação entre os parâmetros do mo-
delo utilizado e os tipos de solo, cobertura, ca-
160 racterísticas da drenagem e área impermeável.
Gestão de águas pluviais urbanas

Metodologia prevista: Metodologia prevista:


1. análise e seleção dos dados de quali- 1. identificação e análise dos dispositivos
dade da água monitorados segundo pro- existentes para a retenção de material só-
grama do item anterior, e outros obtidos lido;
dentro da cidade; 2. seleção de um grupo de alternativas
2. avaliação das variabilidades tempo- preexistentes e propostas para estudo
ral e espacial dos parâmetros de qua- experimental;
lidade da água em associação com as 3. desenvolvimento de modelo reduzido
práticas de limpeza urbana, os sistema para ensaiar a eficiência dos dispositivos
de saneamento e outros fatores que in- selecionados.
fluenciam os parâmetros;
4. preparação de manual de apoio ao pro-
3. definição do modelo e da metodolo- jeto com base na avaliação do funciona-
gia adequada para a estimativa em dife- mento experimental dos dispositivos.
rentes níveis de qualidade de água.

Verificação dos dispositivos de controle


Dispositivos de retenção de
resíduos sólidos em detenções
Na literatura, existem vários dispositivos
de controle. A experiência de funcionamento
O plano desenvolvido previu o uso de desses dispositivos foi documentada em vários
detenções para amortecimento do escoamento países, mas não no Brasil, onde nunca foi feita
em áreas urbanas, visando conter a ampliação experiência desse teor. Esses elementos podem
das inundações. As detenções serão locais onde apresentar variações de comportamento de
poderão ficar retidos os volumes de material acordo com as características de uso, produção
sólido das bacias drenadas. No projeto desses de material sólido, clima, entre outros fatores.
dispositivos, é necessário definir estratégias de
retenção do lixo, sem obstruir o escoamento e
produzir inundações na vizinhança. Justificativa: na busca de maior efici-
ência quantitativa e ambiental do funciona-
mento dos dispositivos de controle da drena-
Justificativa: existem várias alternativas gem urbana, é necessário que uma amostra
para o projeto de detenções. Por conta da alta seja avaliada ao longo do tempo, para iden-
produção de material sólido, grande parte deve- tificar o seu funcionamento e as correções de
rá ser coletada antes de obstruir o escoamento futuros projetos.
da macrodrenagem. É importante, pois, utilizar
Objetivos: Avaliar o funcionamento dos
as detenções como locais concentrados de reti-
dispositivos de controle implantados na cidade,
rada do lixo. Para tanto, é necessário projetar
com o advento deste Plano.
dispositivos que trabalhem com o máximo de
eficiência.
Objetivos: Estudar dispositivos de re- Metodologia prevista:
tenção de material sólido associado aos proje- 1. Cadastrar todos os dispositivos de
tos de detenção. controle, tais como: pavimentos perme- 161
SANEAMENTO PARA TODOS

áveis, detenções e retenções e áreas de sar do tempo, a não fazer a manutenção, obri-
infiltração. Para esse cadastro, devem gando o poder público a assumir essa respon-
ser definidas as informações básicas sabilidade. Nessa situação, o custo é pago pelo
para um banco de dados; empreendedor, com o aumento da taxa opera-
2. Realizar anualmente uma avaliação cional citada.
da eficiência dos dispositivos, usando
amostragens dos dispositivos existentes
Justificativa: A falta de manutenção e a
e com o acompanhamento dos profissio-
retirada de material sólido das detenções pode
nais de fiscalização. Nesse caso, serão
implicar a perda da eficiência, a propagação de
definidos os critérios de avaliação e os
doenças e a deterioração ambiental.
elementos a serem obtidos dos dispositi-
vos selecionados.
3. Com base em pelo uma amostra re- Objetivo: Manter o sistema de drenagem
presentativa, por um período de 3 a 5 operando de acordo com sua capacidade proje-
anos, serão revistas recomendações tada ao longo do tempo.
sugeridas pelo Manual de Drenagem
Urbana com relação à construção dos
Metodologia prevista:
dispositivos. Essas avaliações devem
ser mantidas por um período conside- 1. criar um grupo gerencial para a manu-
rado ideal para o seu aprimoramento, tenção dos sistemas em construção no municí-
segundo o projeto. pio;
2. treinar equipe de manutenção;

Programa de manutenção 3. estabelecer programa preventivo de


apoio relacionado com resíduos sólidos, com
apoio comunitário;
O programa de manutenção é essencial
para permitir que as obras previstas tornem- 4. programar ações de limpeza das de-
se efetivas ao longo do tempo. Conforme já tenções nos períodos chuvosos;
recomendado no capítulo anterior, a Prefeitu- 5. sistematizar a quantificação do volu-
ra deverá criar um grupo gerencial de manu- me gerado e sua relação com programas pre-
tenção das detenções construídas , orientado ventivos.
para:
• drenagem urbana;
Programa de educação
• controle dos resíduos sólidos;
• proteção ambiental;
A falta de conhecimentos quanto aos
• paisagismo e recreação urbana. impactos da urbanização na drenagem é muito
A longo tempo, serão também construí- grande, tanto no ambiente técnico como entre a
das detenções privadas, que serão operadas pe- própria população. Isso dificulta sobremaneira
los proprietários, mas a experiência dos Estados a tomada de decisão num ambiente onde a po-
Unidos e da França tem mostrado, infelizmente, pulação participa diretamente das decisões de
162 que o empreendedor privado acaba, com o pas- investimento da cidade.
Gestão de águas pluviais urbanas

Justificativa: A viabilização desse Plano ciativa privada sobre as técnicas de con-


depende de aceitação por parte da população e trole da drenagem urbana.
dos técnicos, independentemente da regulamen-
tação. Portanto, é necessário que todos tenham Metodologia prevista:
acesso às informações adequadas para que a
1. campanha de divulgação entre a popula-
gestão seja viável.
ção, por meio da mídia impressa e da televisão;
2. palestras nas entidades de classe – ar-
Objetivos: quitetos, engenheiros, construtores, etc;
• transmitir, para a população em ge- 3. palestras nas assembléias do orçamen-
ral, engenheiros e arquitetos, conceitos to participativo;
sobre o impacto da urbanização na dre- 4. cursos de treinamento de curta dura-
nagem urbana; ção para projetistas e técnicos da Prefeitura so-
• treinar técnicos da Prefeitura e da ini- bre drenagem urbana.

163
SANEAMENTO PARA TODOS

REFERÊNCIAS

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Cliffs, New Jersey, 440p.

164
Gestão de águas pluviais urbanas

165
SANEAMENTO PARA TODOS

condicionada a pilotis acima de 26,00 m; (b)


área abaixo de 24,00, de reserva permanente
(estabelecida em 1981).
Para evitar a invasão e a recuperação
das áreas de inundações já ocupadas, a Pre-
VI ESTUDOS DE CASO feitura, em 1983, por lei municipal (n° 1.790)
estabeleceu que a área de inundação poderia
ser trocada por maior índice urbanístico. Os
Os exemplos permitem entender
termos da lei municipal reportam o seguinte
os problemas e as soluções
(PME, 1983):
adaptadas a cada realidade.
“ .........
Art. 1º Autoriza o Poder Executivo Muni-
Neste capítulo, é apresentada uma amos-
cipal a facultar a construção de prédios com fi-
tra de estudos de caso que ilustram os aspectos
nalidade comercial, residencial ou mista, acima
de inundação e os estudos a eles relacionados,
dos índices urbanísticos permitidos pela Lei do
permitindo avaliar a complexidade e as soluções
Plano Diretor, desde que:
encontradas para essas realidades.
Parágrafo 1 – Seja transferida ao uso pú-
blico para a área verde ou de uso institucional,
VI.1 INUNDAÇÕES RIBEIRINHAS EM ESTRELA (RS) uma área de terrenos na mesma zona e com su-
perfície equivalente a 4/10 da área construída
excedente à permitida no local.
A cidade de Estrela, Rio Grande do Sul,
Brasil ( ~ 28,3 mil habitantes), localiza-se às Parágrafo 2 – Quando for transferida
margens do Rio Taquari, numa bacia da or- ao uso público a área de terreno situado nas
dem de 25.000 km 2, com variações de níveis áreas de preservação permanente, ou de pre-
servação paisagísticas, o valor será equivalen-
de inundação que chegam, em casos extre-
te ao de área construída excedente a permiti-
mos, até 18 m num único dia. Uma parte da
da no local e esta área deverá estar na mesma
área próxima da cidade e nas margens do rio
zona, e se não houver, na zona lindeira mais
não é ocupada por causa do referido risco,
próxima do local. ”
mas áreas onde o risco tem freqüência menor
são ocupadas. Em 1979, quando estava em A regulamentação indica que áreas de
elaboração o Plano Diretor Urbano da cidade, inundação fazem parte das áreas preservação
foi verificada a necessidade de preparar um permanente, como especificado no Plano Dire-
zoneamento de áreas de inundações para que tor e abaixo de 24,0 m.
fosse incluído no referido Plano. Rezende e Esse tipo de política permite manter va-
Tucci (1979) desenvolveram o estudo técnico lor econômico para as áreas de restrição, per-
considerando a probabilidade de inundação mitindo uma gestão das áreas de risco. O re-
na cidade e propuseram limites para a ocu- sultado desse tipo de planejamento mostrou
pação urbana da cidade. Foram definidas as uma redução dos prejuízos de inundações por
seguintes áreas: (a) limite da área de regula- ano, longo do tempo. Nos últimos 26 anos,
mentação de inundação: 26,00 m; (b) entre ocorreram sete inundações acima de 24,0 m e
166 24,00 e 26,00, área que pode ser construída, três acima de 26,0 m.
Gestão de águas pluviais urbanas

VI.2 INUNDAÇÕES RIBEIRINHAS E ENERGIA EM nas ou médias por um período razoavelmente


UNIÃO DA VITÓRIA/PORTO UNIÃO longo (1935 a 1982). Essa baixa freqüência, que
também ocorreu em bacias vizinhas, como a do
Rio Itajaí-Açu, induziu a população a ocupar a
O município de União da Vitória, pólo so-
área de risco da planície de inundação.
cioeconômico da região sul do Estado do Paraná,
tem 52 mil habitantes e faz divisa com o municí-
pio de Porto União (SC), com 36 mil habitantes.
Suas fronteiras são delimitadas apenas pela ma-
lha da Rede Ferroviária Federal, sendo conhecidas
como as “Cidades Gêmeas do Vale do Iguaçu”.
Nos idos de 1842 (figura 6.1), as expedi-
ções exploradoras dos Campos de Guarapuava, a
partir dos Campos Gerais, acabaram por descobrir
os campos de Palmas. Para encurtar o caminho a
Curitiba, foi aberta uma picada, utilizada pelas
tropas de gado para chegar ao vau do Iguaçu. Ao
longo dela, com o passar do tempo, foram sur-
gindo núcleos populacionais, a exemplo do que
ocorria nas margens do rio. Em 1882, com o va-
por Cruzeiro, o povoamento teve grande impulso.
Em 1909, uma estrada de ferro ligou a localidade
de Porto União da Vitória com o restante do País, Figura 6.1 Evolução das cidades e ocupação
impulsionando seu crescimento, e tornando-o im- da planície de inundação
portante entroncamento ferroviário.
Até 1917, a cidade era uma só, mas, em Em 1983, as cidades sofreram uma en-
conseqüência da Guerra do Contestado, foi des- chente de significativo impacto, com prejuízos
membrada em duas: Porto União, que passou a econômicos (figura 2.3) que redundaram em
pertencer ao Estado de Santa Catarina, e União grandes dificuldades para a população e para as
da Vitória, que continuou no Estado do Paraná. empresas industriais e comerciais locais, algu-
mas das quais nunca se recuperaram, e outras
No início da década de ’80, foi constru-
ainda hoje se ressentem das perdas, incapaci-
ída a Usina de Foz do Areia, 100 km a jusante
tadas que estão de realizar investimentos indis-
das cidades. Com a construção da barragem, foi
pensáveis à sua modernização.
criado um lago, que influencia os níveis do rio
por um longo trecho a montante. Essa enchente teve a maior cota de inun-
dação em 107 anos (risco estimado de 170 anos e
62 dias de duração) e o prejuízo estimado em US$
VI.2.1 Inundações
78,1 milhões. Na época, apenas com os dados de
registros contínuos (1930-1983), foi estimada que
As cidades de União da Vitória e Por- a cheia poderia ter um tempo de retorno da ordem
to União se desenvolveram às margens do Rio de 1.000 anos. No entanto, esses resultados não
Iguaçu, onde só aconteceram enchentes peque- consideraram as marcas históricas, e sobreestima-
ram o tempo de retorno. Em 1992, ocorreu outra 167
SANEAMENTO PARA TODOS

enchente, menor que a de 1983, mas de magnitu-


de e impactos semelhantes (risco estimado de 50
anos, duração de 65 dias e prejuízos de U$S 54,6
milhões). Cabe destacar que a parte das cidades
afetada pelas enchentes é uma região em geral va-
lorizada, próxima do centro e com boa infra-estru-
tura. Isso é característico de União da Vitória, que,
além disso, tem dificuldades de expansão, limitada
que está pela presença do rio e por Porto União.
Nas figuras 6.2 e 6.3, pode-se ter uma idéia
de até onde chegaram as inundações, as caracterís-
ticas das áreas alagadas e, portanto, da magnitude
do impacto sobre a população e sobre as cidades,
Figura 6.2 União da Vitória e Porto União no período normal
perdas que estão quantificadas na tabela 6.1.

TABELA 6.1 PERDAS ESTIMADAS (1 MIL U$) EM UNIÃO DA VITÓRIA E


PORTO UNIÃO (JICA, 1995)

1982 1993 1992 1983


Nível 746,06 746,86 748,51 750,03
Perdas diretas 6.910 17.289 36.388 52.081

Perdas indiretas
3.455 8.644 18.194 26.040
(50%)
Perdas totais
10.365 25.933 54.582 78.121
(1.000 U$S)

VI.2.1 Conflito

Figura 6.3 União da Vitória e Porto União na inundação de 1983

Em 1983, a população fez uma dedução


simples: “antes da barragem não tinha enchen- O longo período (1935 a 1982) sem en-
tes; mas depois da barragem nos inundamos.; chentes importantes tinha criado uma falsa se-
logo a causa é a barragem”, e passou a conside- gurança entre a população, que foi ocupando
rar a Usina de Foz de Areia e a de Copel os gran- as áreas ribeirinhas. Isso também incentivou a
des culpados pela enchente. Foi assim gerado não-execução de planejamento e de prevenção
um conflito, agravado pela difícil comunicação contra inundações. A enchente de 1983 levan-
entre as partes. Com o tempo, esse conflito foi tou um alerta sobre o risco, mas esse foi des-
perdendo força, até que sobreviesse a enchente prezado com base em estudos estatísticos apa-
de 1992. O conflito retornou com intensidade rentemente confiáveis (50 anos de dados), que,
maior, porque a população, que tinha entendido no entanto, não levaram em conta informações
que o risco era muito pequeno, sentiu-se ludi- existentes e valiosas (as marcas históricas de
briada com o advento dessa segunda enchente inundação). Quando, em 1992, ocorreu uma ou-
168 antes menos de se completarem 10 anos. tra enchente, menor que a de 1983, mas de mag-
Gestão de águas pluviais urbanas

nitude e impactos semelhantes, gerou-se entre a mento das obras; (b) alteração da convivência da
população um clima de revolta e desconfiança cidade com o rio, que representa um elemento
em relação aos estudos técnicos. Essas condi- turístico fundamental. Dessa forma, as alterna-
ções motivaram a criação, em 1993, de uma Or- tivas recomendadas foram as seguintes: (a) zo-
ganização Não-Governamental, a SEC-CORPRERI neamento das áreas de inundação das cidades e
(Sociedade de Estudos Contemporâneos - Co- implementação de um Plano Diretor para elas;
missão Regional Permanente de Prevenção con- (b) previsão e alerta de inundações.
tra Enchentes do Rio Iguaçu). Essa ONG tem-se A proposta de zoneamento ( Tucci e Villa-
transformado no principal agente de conscien- nueva, 1997) intenciosava evitar construções na
tização e mobilização da sociedade local, assim cota inferior a 10 anos e disciplinamento da ocu-
como em um interlocutor válido diante de todos pação até a cota da cheia de 1983. Na figura 6.4,
os organismos (municipais, estaduais e federais) são apresentadas as áreas de risco no qual se
com jurisdição sobre o problema. baseou o zoneamento das cidades. A cidade de
Entre as ações desenvolvidas pela SEC- Porto União incluiu as medidas por legislação,
CORPRERI, estão: (a) campanhas educativas e enquanto União da Vitória ainda opõe muita re-
palestras; (b) contratação de estudos e de asses- sistência. O sistema de previsão em tempo real é
soria técnica para orientar a cidade; (c) Plano de operado pela Copel, que transmite informações
Ação SEC-CORPRERI: um conjunto de atividades para a Defesa Civil da cidade quando os níveis
e de propostas com o objetivo específico de mi- de alerta são atingidos.
nimizar os impactos das enchentes na região;
(d) apoiar a atualização do Plano Diretor.
Estudos realizados pelo CEHPAR, por soli-
citação da COPEL, indicavam que nem a barragem
de Foz do Areia nem sua operação durante as en-
chentes tiveram influência sobre os níveis atingi-
dos em União da Vitória e Porto União. A popula-
ção, no entanto, não acreditou nos resultados dos
estudos. Estudos independentes (Tucci e Villanue-
va, 1997) contratados pela CORPRERI (ONG local)
confirmaram que Foz do Areia não produziu in-
fluência sobre as enchentes recentes nas cidades.

VI.2.2 Medidas de controle

Jica (1995) analisou a alternativa de cons-


trução de dique de proteção contra inundação
para as duas cidades e recomendou um estudo
de viabilidade. Os estudos independentes (Tuc-
ci, 1993) e Tucci e Villanueva (1997) e a discus-
são com a comunidade eliminaram a alternativa Figura 6.4 Áreas de risco nas cidades
estrutural, em razão do seguinte: (a) financia- de União da Vitória e Porto União 169
SANEAMENTO PARA TODOS

Algumas das medidas relacionadas: (a) su- VI.3 GESTÃO DAS INUNDAÇÕES NA REGIÃO
geriu-se colocar marcas nos postes, para identificar METROPOLITANA DE CURITIBA
as inundações e tornar público os riscos, evitando,
assim, a especulação imobiliária por falta de infor-
A Região Metropolitana de Curitiba tem
mações; (b) casas sobre palafitas apresentaram-se
2,7 milhões de habitantes, sendo cerca de 90%
como um dos mecanismos adotados para conviver
urbana. Constitui-se de 15 de municípios, numa
com as cheias. Com efeito, é freqüente ver casas a 2
ou 3 metros do chão, como na figura 6.5 (geralmen- área de cerca de 3.000 km2, localizada principal-
te do lado de outras construídas no nível do chão). mente na bacia do Alto Rio Iguaçu (figura 6.6).
No entanto, a simples observação de muitas delas Os municípios mais populosos são Curitiba, Pi-
levanta dúvidas sobre a resistência estrutural dos nhais e São José dos Pinhais. Em 1992, iniciou
pilares para fazer frente ao embate com as águas. um programa de saneamento ambiental na re-
Outro mecanismo de convivência com as enchentes gião, financiado pelo Banco Mundial, do qual fa-
que vem sendo adotado pelas cidades é a ocupação ziam parte componentes de gestão de inunda-
das áreas de inundação com atividades diversas, ções e de saneamento.
como áreas de lazer e parques, para impedir a ocu- No controle das inundações, foram defi-
pação das áreas de inundação (figura 6.5). nidas três etapas: (a) medidas emergenciais que
atuavam sobre problemas visíveis e de gestão
imediata; (b) gestão das inundações na área ribei-
rinha do Rio Iguaçu, que vem sofrendo redução
pela invasão de áreas de risco; (c) Plano Diretor
de Drenagem Urbana da Região Metropolitana.
As inundações na cidade de Curitiba e
região ocorrem em virtude da combinação de
inundações ribeirinhas com a drenagem urba-
na das bacias urbanizadas, inundando o eixo
principal do Rio Iguaçu, já bastante ocupado,
e dos afluentes, como Belém, Atuba e Palmital,
em razão, principalmente, da urbanização de
Curitiba e Pinhais.

VI.3.1 Alternativas de controle

Tucci (1996) estudou as alternativas de


controle das inundações ribeirinhas no Rio Iguaçu:
(a) Sem ação: Essa é a alternativa em que
não seria realizado nada, portanto, uma solução
descartada, pois os prejuízos potenciais, atuais
e futuros são significativos para que nenhuma
Figura 6.5 Casas com palafitas para conviver ação seja executada;
com as cheias. Aproveitamento da planície de
170 inundação na função de um parque (b) Zoneamento das áreas de inundação:
Gestão de águas pluviais urbanas

Essa alternativa consiste em definir as cotas de ainda estão em estado rural, como no Piraquara,
risco de inundação para a área envolvida, utili- Iraí e Pequeno. Essas ações inserem-se dentro
zar esse mapa de enchentes para definir as re- dos planos dlongo prazo.
gras de construção e ocupação para as áreas de (d) Confinamento do escoamento com
alto risco e implementá-las no Plano Diretor e diques: Essa solução envolve a transferência
no Código de Obras dos Municípios. do volume de água do leito maior para o leito
menor, ou para uma largura definida. Essa al-
ternativa seguramente implica também a me-
lhoria do escoamento no leito menor e tende a
criar remanso para os trechos superiores. Esse
tipo de sistema deve contemplar o seguinte: (1)
drenagem do escoamento urbano das bacias
de contribuição lateral; (2) sistema de bombas
para a drenagem forçada das áreas laterais. Nes-
se caso, é necessário prever áreas de amorteci-
mento para reduzir a capacidade das bombas;
(3) sistema de manutenção e operação pelos mu-
nicípios. Esse tipo de sistema tem limitações de
segurança para os diques, exigindo também um
sistema de alerta de enchentes.
(e) Ampliação da capacidade de escoa-
mento: Essa alternativa representa a modificação
do leito natural do Rio Iguaçu por meio do au-
Figura 6.6 Região Metropolitana de Curitiba, na Bacia do Alto
Rio Iguaçu (a área marrom representa a mancha urbana mento da seção e/ou da declividade do leito, ou a
construção de um canal paralelo que aumente a
capacidade de escoamento total do sistema. Esse
(c) Reservatórios: Os reservatórios pre-
mesmo sistema pode ainda combinar o aumento
vistos para abastecimento de água na cabeceira
da capacidade de escoamento com a construção
do Rio Iraí e no Rio Piraquara deverão amortecer
de diques laterais em alguns trechos.
parte das enchentes. Deve-se considerar que as
bacias de influência desses reservatórios repre- A solução de apenas confinar o escoa-
sentam uma parcela pequena da área de drena- mento dentro do leito menor, ou mesmo em
gem, portanto, têm um efeito limitado, principal- dois canais, deverá fazer a população ganhar
mente se considerarmos que as vazões máximas confiança e ocupr o leito maior de inundação,
são mais influenciadas pelas bacias mais urba- já que haverá redução da freqüência da inunda-
nizadas. A construção de reservatórios nos Rios ção. Para as cheias de baixa freqüência, ainda
Palmital, Belém e Atuba dificilmente poderiam haverá risco de inundação. Com o desenvolvi-
amortecer as enchentes da urbanização já exis- mento urbano, haverá ocupação das bacias a
tente. Os espaços vazios poderão permitir a montante e a densificação nas áreas já lotea-
criação de parques para o amortecimento, dis- das, o que provocará aumento nas vazões de
tribuídos ao longo dessas bacias. O uso de reser- cheia e aumento da freqüência das inundações.
vatórios em parques e de abastecimento de água Quando isso ocorrer, não haverá mais espaço
poderá minimizar as enchentes nas bacias que para a ampliação das seções. 171
SANEAMENTO PARA TODOS

VI.3.2 Concepção das medidas de controle Essa filosofia deve ser desenvolvida tam-
bém nos afluentes, para que as enchentes não
se ampliem para jusante, à medida que ocorrer
A solução proposta envolve a ampliação
a urbanização. As áreas ribeirinhas devem ser
da calha natural do Rio Iguaçu ao longo da RMC
áreas preservadas para manter as condições de
e, no trecho de jusante que represa o escoamen-
escoamento natural. Em alguns trechos, poderá
to no trecho mais ocupado, a construção de um
ser necessário criar pequenos diques e drena-
canal paralelo, que se desenvolve pela margem
gem lateral, conforme as características urbanas
esquerda e inicia a jusante da confluência do
já existentes, que não permitem economicamen-
Iraí, com o Piraquara até a vizinhança da ponte
te a desapropriação e a definição hidráulica do
do Contorno Sul. Esse canal deve criar uma área
interna de largura que varia entre 300 m e 1 km, perfil de fundo do canal. Na figura 6.7, é apre-
onde foi criado um parque público. sentada esquematicamente a característica da
concepção do sistema.
Essa condição aumenta a capacidade do
leito menor para conter as enchentes dos afluen- A desapropriação da área interna do par-
tes da margem direita e utiliza um canal parale- que foi e está sendo realizada simultaneamente
lo aberto para escoar a vazão dos afluentes da à construção do canal paralelo, pois, depois de
margem esquerda, e a contribuição de montante construído o canal, as áreas ficarão valorizadas
do Iraí. Como os afluentes da margem direita e poderá tornar inviável a desapropriação, o que
são os que contribuem com a vazão máxima acarretará a ocupação interna entre os canais, tor-
maior, o canal atual deve também ser ampliado nando sem efeito uma de suas principais funções,
para suportar essa contribuição. O canal para- que é funcionar como uma barreira à ocupação
lelo tem dupla função: aumentar a capacidade urbana clandestina. Além disso, torna-se impres-
de escoamento e confinar a área de preservação, cindível a implementação do parque pelo poder
criando uma barreira natural. público, evitando assim a ocupação clandestina.

172 Figura 6.7 Concepção do controle de enchentes


Gestão de águas pluviais urbanas

Portanto, a concepção de controle de en- Existem registros dos níveis máximos de inun-
chentes da RMC engloba as seguintes ações: dação em Porto Alegre (figura 2.5) desde 1899,
• controle de cheias no Rio Iguaçu/Iraí mostrando que ocorreram grandes inundações
por meio de um canal paralelo e de ribeirinhas, como a de 1941 (figura 6.9). Em
obras complementares de escoamento; 1970, foi construído um dique para proteger
a cidade contra inundações. Esse sistema de
• desenvolvimento do Parque do Iguaçu
diques possui várias sub-bacias que drenam
ao longo de todo o trecho do canal para-
para estações de bombas. Quando a cota do
lelo;
rio é superior à ota das ruas, o escoamento
• definição de implementação de áreas drenado é bombeado para o rio. Esse sistema é
de amortecimento em parques lineares gerenciado pelo Departamento de Esgotos Plu-
e urbanos ao longo dos afluentes, para viais da Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
evitar a ampliação das enchentes com a
O IPH (2001) apresentou a primeira fase
urbanização;
do Plano Diretor de Drenagem Urbana da cidade
• Plano Diretor de Drenagem Urbana de Porto Alegre, voltado principalmente para o
para RMC, que incorpore uma legislação controle das inundações na drenagem urbana.
sobre a construção em novos loteamen- Foram desenvolvidos os seguintes produtos: (a)
tos, buscando evitar a ocupação de áre- medidas não-estruturais: seus aspectos legais e
as inadequadas e a ampliação das cheias de gestão; (b) Plano Diretor de três bacias (recen-
naturais. temente foram desenvolvidas mais três bacias);
(c) revisão do sistema de diques, com a avalia-
ção das bacias que drenam para os diques; (d)
Na figura 6.7, é apresentada a área de
Manual de Drenagem Urbana para a cidade.
inundação, a pressão urbana e os dois leitos
dos rios. Na figura 6.8, são apresentadas fotos As medidas não-estruturais estabelece-
com a área de inundação do parque e uma ram a vazão máxima de saída de cada empre-
área implementada. endimento e a estimativa dos volumes para
lotes e loteamento. Foi também proposto um
decreto para controle dos lotes. Esses elemen-
VI.4 GESTÃO DE INUNDAÇÕES tos estão nos anexos B e D. Também foi anali-
EM PORTO ALEGRE sada a recuperação de custos para drenagem
urbana, introduzindo a formulação para sua
cobrança.(anexo C).
VI.4.1 Descrição
O Plano de cada bacia seguiu a metodolo-
gia descrita no capítulo 5, ou seja: (a) avaliação
A Região Metropolitana de Porto Ale-
da capacidade de escoamento da rede de drena-
gre ( ~ 3 milhões de habitantes) encontra-se
gem; (b) identificação dos locais de inundação;
no delta do Rio Jacuí e do Lago Guaíba, que
(c) combinação de detenção e aumento de ca-
tem uma bacia hidrográfica da ordem de 80
pacidade de escoamento, procurando manter a
mil km2 e quatro rios convergindo para o delta
vazão de saída igual à capacidade existente para
e depois para o lago. A cidade de Porto Alegre,
o cenário futuro; (d) verificação dos cenários su-
nas margens desse sistema, tem sua área cen-
periores aos do projeto. A cidade dispunha de
tral junto ao porto dentro do delta e no lago.
cadastro detalhado de drenagem: cota, diâme-
173
SANEAMENTO PARA TODOS

Figura 6.7 Características das áreas de inundação

Figura 6.8 Área de inundação e canal paralelo e parque (foto da direita)

174
Gestão de águas pluviais urbanas

tro e comprimento de cada conduto em planta VI.4.2 Bacia do Areia


1:2000, juntamente com a topografia da cidade.
Dessa forma, foi possível detalhar todo o siste-
A bacia tem duas partes: a superior, que
ma nas sub-bacias.
drena por conduto sobpressão acima da cota 9
Na figura 6.10, são apresentadas as ba- m direto para o rio Gravataí (12 km2 ); e uma
cias (em verde) que têm seu escoamento bombe- segunda parte que é drenada por bombeamen-
ado para os rios da vizinhança, e as bacias que to com área semelhante à anterior (onde fica o
escoam por gravidade (marrom). aeroporto). Na figura 6.11, é apresentada uma
As bacias em marrom-escuro foram as imagem das duas partes da bacia e, na mesma
primeiras estudadas, além de todas as em ver- figura, são apresentados a divisão da bacia (11
de. As bacias que convergem para as estações de sub-bacias) e o sistema de drenagem represen-
bombas foram simuladas e foi verificada a capa- tado. A simulação dos cenários de Projeto in-
cidade das bombas para escoar todo o volume dicou os locais de alagamento para diferentes
durante as inundações. A seguir, são apresen- riscos. O estudo de alternativa foi inicialmente
tados os resultados da Bacia do Areia, que foi realizado por tentativa e erro, com base nos lo-
estudada no Plano (IPH, 2001) e recentemente cais disponíveis e na ampliação da capacidade
atualizado por Cruz (2004). de drenagem. Recentemente, Cruz (2004) revi-

Figura 6.9 Inundação de 1941, em Porto Alegre 175


SANEAMENTO PARA TODOS

Figura 6.10 Cidade de Porto Alegre junto ao delta do Rio Jacuí e do lago Guaíba. O escoamento das áreas verdes é bombeado para o
176 Rio Guaíba quando o dique protege contra inundações. As áreas marrons escoam por gravidade e escoamento sob pressão
Gestão de águas pluviais urbanas

sou o estudo e obteve novo dimensionamento TABELA 6.1 ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE AS ALTERNATIVAS

com base em modelo de otimização.


Variável Canalização Detenção e
Na figura 6.12, podem-se observar as ampliação
detenções escolhidas, enquanto na figura 6.13,
Vazão máxima (m3/s) 99 48
os hidrogramas, comparando as seguintes so-
luções: (a) canalização do sistema sem conside- Volume de 0 73.552
rar o custo de ampliação do conduto que passa armazenamento (m3)
pelo aeroporto); (b) combinação de detenções e
Custo de implementação 60,3 39,6
ampliação, mantendo a vazão de jusante. Nesse
(R$ milhões)
caso, foram utilizadas duas alternativas: otimi-
zando toda a bacia e otimizando por sub-bacias. Custo por habitante (R$) 364,8 239,8
Pode-se observar que o melhor resultado foi ob-
tido simulando toda a bacia.
Na tabela 6.1, é apresentada a comparação Partindo dos valores médios obtidos para
entre as duas principais alternativas, mostrando os cenários de pré- e pós-controles, foi realiza-
que a alternativa com detenção custa menos e da uma aplicação ao município de Porto Alegre,
não amplia a vazão para jusante. Observou-se como forma de análise do planejamento execu-
que, nessa bacia, utilizaram-se 77 m3/ha e cer- tado e futuro em um horizonte de 20 anos, por
ca de 74% da área da bacia com amortecimento. meio da comparação dos custos envolvidos. A ci-
Junto com a detenção, utilizou-se ampliação de dade possui 27 sub-bacias e 430,27 km2 e uma po-
condutos para transportar o escoamento até as pulação prevista para o município de 1,8 milhão
detenções. A distribuição de custo foi de 79% em 2025. Analisando o desenvolvimento ocorri-
para o aumento dos condutos, 17,7% para as de- do, obteve-se que o cenário de pós-controle é 6,4
tenções e 3,3 para a desapropriação. vezes superior ao de pré-controle. Considerando
também o futuro desenvolvimento urbano da ci-
dade, estimou-se que, utilizando canalização, os
VI.4.3 Cenário de drenagem na cidade
custos seriam de R$ 790 milhões, enquanto, se
o controle for realizado com amortecimento, o
Cruz (2004) analisou os cenários de de- custo ficará em R$ 303 milhões para o valor pre-
senvolvimento da drenagem urbano, conside- sente de um projeto de 20 anos.
rando o seguinte: (a) pré-controle: para um ce-
nário de planejamento integrado, ou seja, para
a implementação de uma superfície urbanizada
concomitantemente ao sistema de drenagem
controlado; (b)pós-controle: para um cenário de
urbanização consolidada.

177
SANEAMENTO PARA TODOS

Figura 6.11 À esquerda, imagem do conjunto da Bacia do Areia e do polder do aeroporto.


À direita, as sub-bacias com o sistema de drenagem simulado (Cruz, 2004)

178
Gestão de águas pluviais urbanas

Figura 6.12 Detenções planejadas para a Bacia do Areia (Cruz,2004) 179


SANEAMENTO PARA TODOS

REFERÊNCIAS

CRUZ, M., 2004. Otimização do controle da drenagem urbana. Tese de Doutorado. Instituto de Pes-
quisas Hidráulicas. UFRGS.
IPH, 2001. Plano Diretor de Drenagem Urbana de Porto Alegre. Instituto de Pesquisas Hidráulicas
DEP Departamento de Esgotos Pluviais Prefeitura Municipal de Porto Alegre. 5 volumes.
JICA, 1995. The master study on utilisation of water resources in Parana State in the Federative Re-
public of Brazil. Sectoral Report vol H- Flood Control.
PDDURM, 2002. Plano Diretor de Drenagem urbana da Região Metropolitana de Curitiba. Volume:
medidas não-estruturais. SUDHERSA e CH2MHILL do Brasil Serviços de Engenharia Ltda.
PME, 1983. Lei n. 1790. Prefeitura Municipal de Estrela. 3p.
PME, 1981. Lei n. 1707. Prefeitura Municipal de Estrela. 10 p.
REZENDE, B. e TUCCI, C.E. M., 1979. Análise hidráulica e hidrológica dos problemas de inunda-
ção urbana na cidade de Estrela, RS. Relatório Técnico, p.29.
SUDERSHA, 2002. Medidas não-estruturais. Plano Diretor de Drenagem Urbana da Região Metropo-
litana de Curitiba. CH2MHILL Engenharia do Brasil Lt.da
TUCCI, C. E. M., 1996. Estudos Hidrológicos e Hidrodinâmicos no rio Iguaçu na RMC, COMEC/PRO-
SAM, 2 vols
TUCCI, C.E.M; VILLANUEVA, A , 1997. Controle de enchentes das cidades de união da Vitória e Porto
União. CORPRERI, 117 p.
TUCCI, 2005. Proposta do Plano Nacional de Águas Pluviais. Ministério das Cidades. Brasília 120p.

180
Gestão de águas pluviais urbanas

ANEXO A A.2 Escoamento e condições de projeto

CONCEITOS E GLOSSÁRIO O escoamento num rio depende de vários


fatores, agregados em dois conjuntos:

A.1 Sistema de drenagem


Controles de jusante: Os controle de ju-
sante são condicionantes na rede de drenagem
Os sistemas de drenagem são definidos
que modificam o escoamento a montante. Os con-
na fonte, na microdrenagem e na macrodrena-
troles de jusante podem ser estrangulamentos
gem. A drenagem na fonte é definida pelo es-
do rio decorrentes de pontes, aterros, mudança
coamento que ocorre no lote, no condomínio ou
de seção, reservatórios, oceano. Esses controles
no empreendimento individualizado, nos esta-
reduzem a vazão de um rio independentemente
cionamentos, nos parques e nos passeios.
da capacidade local de escoamento;
A microdrenagem é definida pelo sistema
de condutos pluviais ou canais em nível de lote-
amento ou de rede primária urbana. Esse tipo de Controles locais: definem a capacidade
sistema de drenagem é projetado para atender à de cada seção do rio transportar uma quantida-
drenagem de precipitações com risco moderado. de de água. A capacidade local de escoamento
depende da área da seção, da largura, do pe-
A macrodrenagem envolve os sistemas
rímetro e da rugosidade das paredes. Quanto
coletores de diferentes sistemas de microdrena-
maior a capacidade de escoamento, menor o ní-
gem, com áreas de pelo menos 2 km2 ou 200
vel de água.
ha. Esses valores não devem ser tomados como
absolutos porque a malha urbana pode possuir Para exemplificar esse processo, pode-se
as mais distintas configurações. Esse tipo de fazer uma analogia com o tráfego de uma ave-
sistema deve ser projetado para acomodar pre- nida. A capacidade de tráfego de automóveis
cipitações superiores às da microdrenagem com de uma avenida, numa determinada velocidade,
riscos, de acordo com prejuízos humanos e ma- depende da sua largura e do número de faixas.
teriais potenciais. Quando o número de automóveis é superior à
sua capacidade, o tráfego torna-se lento e ocorre
Um dos pontos que têm caracterizado
congestionamento. Num rio, à medida que che-
esse tipo de definição é a Metodologia de Es-
ga um volume de água superior à sua vazão nor-
timativa, já que o Método Racional é utilizado
mal, o nível sobe e inunda as áreas ribeirinhas.
para estimativa de vazões na microdrenagem,
Portanto, o sistema está limitado nesse caso à
enquanto os modelos hidrológicos que determi-
capacidade local de transporte de água (ou de
nam o hidrograma do escoamento são utilizados
automóveis).
na macrodrenagem. As simplificações aceitas
para o dimensionamento no Método Racional Considere, por exemplo, o caso de uma
podem ser utilizadas para bacias da ordem de 2 avenida que tem uma largura com duas faixas
km2, que representa a restrição definida acima. num sentido, mas, em um determinado trecho,
as duas faixas se transformam em uma. Existe
um trecho de transição, antes de chegar à mu-
dança de faixa, que reduz a velocidade de todos
os carros, criando um congestionamento – não 181
SANEAMENTO PARA TODOS

pela capacidade da avenida naquele ponto, mas Para exemplificar, considere um dado
pelo que ocorre no trecho posterior. Nesse caso, que tem seis faces (números 1 a 6). Numa jogada
a capacidade está limitada pela transição de fai- qualquer, a probabilidade de sair o número 4 é p
xas (que ocorre a jusante) e, não, pela capaci- = 1/6 (1 chance em seis possibilidades). O tem-
dade local da avenida. Da mesma forma, num po de retorno é, em média, o número de jogadas
rio, se existe uma ponte, um aterro ou qualquer que o número desejado se repete. Nesse caso,
obstrução, a vazão de montante é reduzida pelo usando a equação 3.1 acima, fica T = 1/(1/6) =
represamento de jusante e não pela sua capa- 6. Portanto, em média, o número 4 repete-se a
cidade local. Com a redução da vazão, ocorre cada seis jogadas. Sabe-se que esse número não
aumento dos níveis. Esse efeito é muitas vezes ocorre exatamente a cada seis jogadas, mas, se
denominado de “remanso”. jogarmos milhares de vezes e tirarmos a média,
certamente isso ocorrerá. Sendo assim, o núme-
O trecho de transição que sofre efeito de
ro 4 pode ocorrer duas vezes seguidas e passar
jusante depende de fatores que variam conforme
muitas sem ocorrer, mas, na média, se repetirá
o nível, a declividade do escoamento e capacida-
em seis jogadas. Fazendo uma analogia, cada
de do escoamento ao longo de todo o trecho.
jogada do dado é um ano para as enchentes. O
O escoamento pode ser considerado em tempo de retorno de 10 anos significa que, em
regime permanente ou não-permanente. O es- média, a cheia pode se repetir a cada 10 anos,
coamento permanente é utilizado para projeto, ou seja, em cada ano essa enchente tem 10% de
geralmente com as vazões máximas previstas chance de ocorrer.
para um determinado sistema hidráulico. O
O risco ou a probabilidade de ocorrência
regime não-permanente permite conhecer os
de uma precipitação ou vazão igual ou superior
níveis e as vazões ao longo do rio e do tem-
num determinado período de n anos é
po, representando a situação real. Geralmente
uma obra hidráulica que depende apenas da
vazão máxima é dimensionada para condições (a.2)
de regime permanente e verificada em regime
não-permanente.
Por exemplo, qual a chance de a cheia
de 10 anos ocorrer nos próximos 5 anos? Ou
A.3 Risco e incerteza seja, deseja-se conhecer qual a probabilidade de
ocorrência para um período e não apenas para
um ano qualquer. Nesse caso:
O risco de uma vazão ou precipitação
é entendido neste texto como a probabilidade
(p) de ocorrência de um valor igual ou supe-
rior num ano qualquer. O tempo de retorno
(T) é o inverso da probabilidade p e representa
A probabilidade ou o tempo de retorno é
o tempo, em média, que esse evento tem chan-
calculado com base na série histórica observada
ce de se repetir:
no local. Para o cálculo da probabilidade, as sé-
ries devem ser representativas e homogêneas no
(a.1) tempo. Quando a série é representativa, os da-
182 dos existentes permitem calcular corretamente
Gestão de águas pluviais urbanas

a probabilidade. Por exemplo, o período de cheia • Quando existir risco de vida humana,
entre 1970 e 1998 no Guaíba, em Porto Alegre, deve-se buscar definir um programa de
não é muito representativo, porque ocorreram defesa civil e alerta, e utilizar o limite de
apenas enchentes pequenas e, fora desse perío- 100 anos para o projeto;
do, ocorreram algumas maiores. • Avaliar qual será o impacto para even-
A série é homogênea quando as alterações tos superiores ao de projeto e planejar
na bacia hidrográfica não produzem mudanças um sistema de alerta e minimização de
significativas no seu comportamento, e, em con- prejuízos.
seqüência, nas estatísticas das vazões do rio. A incerteza é a diferença entre as estatísti-
Em projeto de áreas urbanas, como ocor- cas da amostra e da população de um conjunto de
re alterações na bacia, o risco utilizado refere-se dados. As incertezas estão presentes nos erros de
à ocorrência de uma determinada precipitação, coleta de dados, na definição de parâmetros, na
que se admite não ser influenciada pela urbani- caracterização de um sistema, nas simplificações
zação. A combinação da ocorrência na precipi- dos modelos e no processamento dessas informa-
tação, sua distribuição temporal, as condições ções para a definição do projeto de drenagem.
antecedentes, etc., fazem que o risco da preci-
pitação não seja o mesmo do risco da vazão re-
A.4 Glossário
sultante.
O risco adotado para um projeto define a
relação entre os investimentos envolvidos para Sistema natural: sistema natural é aque-
reduzir a freqüência das inundações e os pre- le formado pelo conjunto de elementos físicos,
juízos aceitos. Ao adotar um risco de 10% anu- químicos e biológicos que caracterizam o siste-
almente, ou tempo de retorno de 10 anos, acei- ma natural da bacia hidrográfica e os recursos
ta-se que, em média, poderão ocorrer eventos hídricos formados pelos rios, lagos e oceanos.
uma vez a cada 10 anos, que produzirão preju- Ecossistemas: fatores de produção di-
ízos. A análise adequada envolve um estudo de nâmicos para o desenvolvimento social e eco-
avaliação econômica e social dos impactos das nômico (Folke, 1997). Produzem os recursos
enchentes para a definição dos riscos. No entan- renováveis e seus mecanismos, no qual a so-
to, essa prática é inviável por conta do custo do ciedade humana se baseia. Em âmbito global, o
próprio estudo para pequenas áreas. Dessa for- ecossistema é energizado pela radiação solar e
ma, os riscos geralmente adotados são apresen- sustentado pelo ciclo hidrológico; em âmbito lo-
tados na tabela a.1. cal, pela biota, que mantém a vida e o ambiente
O projetista deve se orientar também pe- integrados (Falkenmarker, 2003).
los seguintes implicadores:
• Escolher o limite superior do intervalo
da tabela quando envolver grandes riscos
de interrupção de tráfego, prejuízos ma-
teriais, potencial interferência em obras
de infra-estrutura, como subestações
elétricas, abastecimento de água, arma-
zenamento de produtos danosos quando
misturado com água e hospitais; 183
SANEAMENTO PARA TODOS

TABELA A.1 TEMPO DE RETORNO PARA SISTEMAS URBANOS

Sistema Característica Intervalo Valor freqüente

Microdrenagem Residencial 2–5 2

Comercial 2–5 5

Áreas de prédios públicos 2–5 5

Aeroporto 5 – 10 5

Áreas comerciais e avenidas 5 – 10 10

Macrodrenagem 10 – 25 10

Zoneamento de áreas ribeirinhas 5 – 100 100*

* Limite da área de regulamentação.

Conservação: ação que minimiza a ação regularização e com regularização a partir de


antrópica sobre o ecossistema. um reservatório. A regularização pode ser me-
Preservação: ação que evita qualquer dida com base numa parcela da vazão média,
ação antrópica sobre o ecossistema. na medida em que a maior vazão que pode ser
regularizada é a vazão média, representando a
Desenvolvimento sustentável: desen-
máxima vazão disponível. Dependendo do clima
volvimento econômico e social que conserva e
e das condições topográficas, a vazão regulari-
preserva os ecossistemas ao longo do tempo.
zada pode variar de 0,25 a 0,8 da vazão média.
Gerenciamento Integrado dos Recursos Para climas úmidos no Brasil, tem sido utilizado
Hídricos: processo que promove o desenvolvi- o valor de 0,6 – 0,7 da vazão média, e para clima
mento coordenado e o gerenciamento da água, semi-áridos, de 0,20 – 0,40 (Silva e Tucci, 2002);
da terra e dos recursos relacionados, para ma-
Doenças veiculadas pela água: são de
ximizar os resultados econômicos e sociais de
origem variada. No Brasil, 65% das internações
forma eqüitativa, sem comprometer a sustenta-
hospitalares são provenientes de doenças de
bilidade vital do ecossistema (GWP, 2000).
veiculação hídrica. As doenças provocadas por
Carga: produto da concentração de um água imprópria ao consumo podem ser clas-
parâmetro de qualidade da água pela sua vazão sificadas com base no conceito de White et al.
é mais representativo do que a concentração de (1972) e apresentado por Prost (1993), a saber:
um parâmetro de qualidade da água. Uma con-
a) Doenças tendo a água como fonte (wa-
centração pode ser alta com pequena vazão e
ter borne diseases) – dependem da água para sua
muito baixa com alta vazão. transmissão, como cólera, salmonela, diarréia,
Disponibilidade hídrica: disponibilida- leptospirose (desenvolvida durante as inunda-
de de água num determinado local ao longo do ções, pela mistura da urina do rato com a água),
tempo. Pode ser de água superficial ou subter- e outras. A água age como veículo passivo para
rânea. o agente de infecção;
Regularização de vazão: a disponibi- b) Doenças resultantes da falta de higiene
184 lidade hídrica pode ser natural, sem efeito de (water-washed diseases): dependem da educação
Gestão de águas pluviais urbanas

da população e da disponibilidade de água segura. o sistema natural para controle de inundação,


Essas doenças estão relacionadas com a infecção utilizando diques, barragens, reflorestamentos,
do ouvido, da pele e dos olhos; etc..;
c) Doenças relacionadas com a água (wa- b) não-estruturais: quando o homem
ter-related): no qual o agente utiliza a água: ma- convive com a inundação recorrendo a: seguro
lária, esquistossomose (o agente utiliza a água contra inundação, previsão e alerta da inunda-
para se desenvolver), febre hemorrágica. ção, zoneamento das áreas de inundação, prote-
Fontes poluidoras: fontes difusas e pon- ção local e medidas legais associadas.
tuais. As fontes difusas geralmente são de ori- Metas do Millenium: As Nações Unidas es-
gem urbana (escoamento pluvial), agrícola (esco- tabeleceram como meta para o ano de 2015 a re-
amento pluvial que transporta matéria orgânica,
dução em 50% da pobreza no mundo. No contexto
sedimentos, pesticidas, entre outros), produção
de Água e Saneamento, essas metas estabelecem a
agropecuária difusa (granjas de criação de aves
redução também em 50% das pessoas que não pos-
e suínos), mineração dispersa (uso de mercúrio,
suem acesso a água tratada e, na mesma proporção,
mineração de carvão que deixa a água ácida,
acesso a saneamento de efluentes domésticos.
etc.); efluentes de esgoto em fossas. As fontes
pontuais tradicionais são os efluentes domésti- Modificação climática: alterações da va-
cos urbanos e rurais e os efluentes industriais. riabilidade climática decorrentes das atividades
humanas.
Indicadores de qualidade da água: índi-
ces que combinam concentração de determina- Usos consuntivos da água: aqueles que
dos constituintes da água. Os índices procuram reduzem o volume entre a retirada do sistema
refletir as condições da água para diferentes hídrico e seu retorno. Geralmente são conside-
usos, conforme o enquadramento do rio (defini- rados como usos consuntivos: abastecimento
ções quanto ao uso). Os indicadores também po- humano, animal e industrial e irrigação.
dem ser a concentração de alguns parâmetros de
Variabilidade climática: variações de cli-
qualidade da água, que refletem as condições de
ma resultantes dos condicionantes naturais do
acordo com as fontes poluidoras. Por exemplo,
globo terrestre e suas interações. Modificação
a concentração de coliformes (em partes por mi-
Climática são as alterações do clima em virtude
lhão) geralmente é utilizada para caracterizar a
das ações antrópicas. O IPCC (2001) define Mo-
água quanto à contaminação para abastecimento
dificação Climática (Climate Change) como as
de água quando a fonte é orgânica humana. O
mudanças de clima no tempo, em decorrência
OD e DBO Oxigênio Dissolvido e o DBO Demanda
Bioquímica de Oxigênio são parâmetros de quali- da variabilidade natural e/ou do resultado das
dade que permitem uma visão das condições do atividades humanas (ações antrópicas).
rio para contaminação orgânica em geral e a vida Vulnerabilidade a eventos extremos:
aquática. A concentração de nitrogênio e fósforo incapacidade de a população retornar às condi-
são utilizadas para caracterizar se um sistema ções prévias de ocorrência do evento em termos
hídrico pode eutrofizar. A DQO (Demanda Quí- de habitação e condições socioeconômicas.
mica de Oxigênio) é utilizada como indicador de
poluição de algumas indústrias.
Medidas de controle inundações:
a) estruturais: quando o homem altera 185
SANEAMENTO PARA TODOS

ANEXO B Ambiental, no qual há programas semelhantes


aos previstos neste plano.

REGULAMENTAÇÃO DE PORTO ALEGRE Formulação de política, planos e progra-


mas: No art. 39, são definidas as atribuições do
Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambien-
A seguir, são destacados os principais tal, que visa formular as políticas, os planos, os
elementos da legislação municipal, o Plano Di- programas e os projetos de desenvolvimento ur-
retor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental bano, no qual o Plano Diretor de Drenagem Urbana
(PDDUA), lei n° 434 de 1999, relacionados com a (PDDrU) é um deles. Esse conselho tem represen-
drenagem urbana.Valorização ambiental, prin- tação municipal, estadual e federal, de entidades
cípios e estratégias: O PDDUA da cidade de Por- governamentais, de entidades não-governamen-
to Alegre destaca, nos seus princípios básicos, tais e das regiões de planejamento da cidade.
artigo 1o § II, a promoção da qualidade de vida O art. 42 define que o planejamento será
e do ambiente, reduzindo as desigualdades e a elaborado por meio do Plano de Desenvolvimento
exclusão social. O próprio Plano incorpora no Urbano e Ambiental (PPDUA) e, no art. 43, prevê a
título, nos princípios e nas diretrizes a visão da existência de Planos Setoriais ou Intersetoriais.
sustentabilidade ambiental (art. 2o ).
O artigo 13 define os objetivos ambien-
Instrumentos de regulação: Nos instru-
tais de valorização ambiental do Plano, enquan-
mentos de regulação são definidos os tipos de
to o artigo 15 define os elementos naturais do
projetos, os estudos necessários de acordo com
ambiente, e o artigo 16 caracteriza o curso de
as características dos projetos, dando ênfase à
água pela massa líquida que cobre uma superfí-
adequação ambiental e controle da poluição, do
cie, seguindo um curso ou formando um banha-
qual a drenagem é um componente importante.
do, cuja corrente pode ser perene, intermitente
ou periódica. Dentro deste contexto, o Estudo de Via-
bilidade Urbanística é solicitado para empreen-
A implementação da estratégia ambien-
dimentos urbanos, buscando analisar o impacto
tal (artigo 17) será desenvolvida, entre outros,
sobre a infra-estrutura urbana onde se inclui a
pela promoção de ações de saneamento, pelo
drenagem (art. 63 parágrafo 1).
monitoramento da poluição e pela otimização
do consumo energético. A drenagem urbana in- O PDDUA prevê, na legislação, alguns ins-
sere-se no contexto do saneamento ambiental. trumentos importantes para a drenagem urbana
Ainda inseridos na estratégia de qualificação de acordo com o enquadramento das áreas:
ambiental, alguns dos programas previstos no • Área de ocupação rarefeita (art. 65),
art 18 que, de alguma forma, se inter-relacionam onde estão previstas medidas que con-
com esse plano, são o Programa de Implantação trolem a contaminação das águas, não al-
e Manutenção de Áreas Verdes Urbanas (III), o terem a absorção do solo e não ofereçam
Programa de Gestão Ambiental (V) e o Programa risco de inundação;
de prevenção e controle da poluição (VI). • Áreas de contenção de crescimento
No art. 25, são definidas as estratégias de urbano (art. 80): são áreas que podem ser
planejamento da cidade, destacando, no item definidas conforme a densificação atual e
III, o Programa de Sistemas de Informações, e seu futuro agravamento de restrições pelo
186 no IV, o Programa de Comunicação e Educação aumento das inundações ou dos condicio-
Gestão de águas pluviais urbanas

nantes de drenagem. A cidade de Porto aconselhem edificações (Anexo 8.1). No 3o pará-


Alegre possui uma extensa área ribeirinha grafo, estabelece os condicionantes do espaço
onde os custos de drenagem são muitos para a drenagem urbana como faixa “não-edifi-
altos. A impermeabilização excessiva des- cável”, e, no parágrafo 6O, define que os novos
sas áreas pode resultar em problemas sig- empreendimentos devem manter as condições
nificativos de drenagem, com freqüentes hidrológicas originais da bacia, por meio de
alagamentos. O plano de cada bacia pode amortecimento da vazão pluvial.
identificar essas áreas; O art. 137 reserva área para os equipamen-
• Áreas de revitalização (art. 81): repre- tos urbanos, entre os quais a drenagem urbana.
sentam áreas de patrimônio ambiental O art. 160, das Disposições Transitórias,
ou relevantes para a cidade, que neces- destaca a necessidade de decreto do legislativo
sitam tratamento especial. O art. 83 de- para a definição e o dimensionamento dos re-
fine como tal as seguintes áreas: Centro servatórios de águas pluviais.
Histórico, Ilhas de Delta do Jacuí, Orla do
Um dos aspectos relacionados com a pro-
Guaíba e Praia de Belas. Apenas o Centro
teção ambiental e a drenagem urbana diz respei-
Histórico não está dentro da área de ris-
to à faixa marginal dos arroios urbanos. O Códi-
co de inundação ribeirinhas pela prote-
go Florestal prevê a distância de 30 metros da
ção dada pelo Muro da Mauá. margem dos arroios, definida pela seção de leito
• Áreas especiais de interesse ambien- menor. No desenvolvimento da cidade, não se
tal: são áreas singulares, que necessitam observa que esse limite venha sendo atendido,
de tratamento especial (art. 85, § I ). o que dificulta o controle da infra-estrutura da
• Áreas de proteção ambiental (art. 87): drenagem urbana. Por isso, são necessárias me-
podem ser de preservação permanente didas para atuar sobre a cidade já desenvolvida,
e conservação; possuem características com parcelamentos aprovados, e a cobrança so-
bre os futuros parcelamentos.
próprias e necessitam de zoneamento
específico.
Regulamentação proposta

Plano Regulador: O art. 97 estabelece


uma das principais bases para a regulamenta- Os princípios da regulamentação pro-
ção da drenagem urbana, ao estabelecer que, posta baseiam-se no controle da fonte do escoa-
nas zonas identificadas como problemáticas, mento pluvial, por meio do uso de dispositivos
deverão ser construídos reservatórios de deten- que amorteçam o escoamento das áreas imper-
ção pluvial. No seu parágrafo único, define que meabilizadas e/ou recuperem a capacidade de
será de atribuição do Executivo a definição dos infiltração por meio de dispositivos permeáveis
critérios, por meio de decreto. ou pela drenagem em áreas de infiltração.
O art. 134 restringe o parcelamento do Considerando a legislação municipal
solo em terrenos alagadiços e sujeitos a inun- que institui o PDDUA, analisada no item ante-
dação, antes de tomadas as providências para rior, a proposta de decreto aqui apresentada
assegurar o escoamento das águas e a proteção regulamenta o artigo 97, como previsto no pa-
contra as cheias e as inundações, e em terrenos rágrafo único, e o artigo 160 das Disposições
onde as condições geológicas e hidrológicas não Transitórias. Além disso, deve-se destacar que, 187
SANEAMENTO PARA TODOS

no art. 134, § 6, do parcelamento do solo, a lei e aumento do transporte de material só-


também prevê as mesmas condições para no- lido, degradando o ambiente urbano;
vos empreendimentos. • deve ser responsabilidade de cada em-
A seguir, é apresentada a proposta de de- preendedor a manutenção das condições
creto municipal a ser avaliada pelo Executivo como prévias de inundação nos arroios da ci-
sugestão para regulamentar os artigos 97 e 134 do dade, evitando-se a transferência para o
Plano de Desenvolvimento Urbano e Ambiental. restante da população do ônus da com-
Essa proposta baseia-se na padronização de ele- patibilização da drenagem urbana;
mentos básicos para a regulamentação, que são: • a preservação da capacidade de infil-
• vazão máxima de saída a ser mantida tração das bacias urbanas é prioridade
em todos os desenvolvimentos urbanos, para a conservação ambiental dos arroios
como novas edificações ou parcelamen- e rios que compõem a macrodrenagem e
tos; dos rios receptores do escoamento da ci-
• volume de detenção necessário à ma- dade de Porto Alegre.
nutenção da vazão máxima citada no Declara que:
item anterior;
Art. 1o Toda ocupação que resulte em su-
• Espaço disponível para uso de pavi- perfície impermeável, deverá possuir uma vazão
mentos permeáveis e outras medidas de máxima específica de saída para a rede pública
controle na fonte da drenagem urbana, de pluviais menor ou igual a 20,8 l/(s.ha).
pelos empreendedores;
§ 1o A vazão máxima de saída é calcula-
• faixa de domínio e condicionantes para da multiplicando-se a vazão específica pela área
novos parcelamentos. total do terreno.
§ 2o Serão consideradas áreas imperme-
DECRETO PROPOSTO áveis todas as superfícies que não permitam a
infiltração da água para o subsolo.
§ 3o A água precipitada sobre o terreno
DECRETO N º
não pode ser drenada diretamente para ruas,
Regulamenta o controle da drenagem urbana sarjetas e/ou redes de drenagem, excetuando-se
o previsto no § 4o deste artigo.
O Prefeito Municipal de Porto Alegre, § 4o As áreas de recuo mantidas como
usando de suas atribuições legais e tendo em áreas verdes poderão ser drenadas diretamente
vista os art. 97 e art. 135 § 6o da Lei Comple- para o sistema de drenagem.
mentar n° 434/99, e considerando que: § 5o Para terrenos com área inferior a 600
• compete ao poder público prevenir o m2 e para habitações unifamiliares, a limitação
aumento das inundações devido à imper- de vazão referida no caput deste artigo poderá
meabilização do solo e à canalização dos ser desconsiderada, a critério do Departamento
arroios naturais; de Esgoto Pluviais.
• o impacto resultante da impermeabili- Art. 2o Todo parcelamento do solo deve-
zação produz aumento de freqüência de rá prever na sua implantação o limite de vazão
188 inundações, piora da qualidade da água máxima específica disposto no art. 1o .
Gestão de águas pluviais urbanas

Art. 3o A comprovação da manutenção – reduzir em 80% as áreas drenadas para


das condições de pré-ocupação no lote ou no as trincheiras.
parcelamento do solo deve ser apresentada ao § 4o A aplicação das estruturas listadas
DEP (Departamento de Esgoto Pluviais). no § 3o estará sujeita a autorização do DEP,
§ 1o Para terrenos com área inferior a 100 após a devida avaliação das condições mínimas
(cem) hectares, quando o controle adotado pelo de infiltração do solo no local de implantação
empreendedor for o reservatório, o volume ne- do empreendimento, a serem declaradas e com-
cessário do reservatório deverá ser determinado provadas pelo interessado.
pela equação: § 5o As regras de dimensionamento e
construção para as estruturas listadas no § 3o
bem como para os reservatórios deverão ser ob-
v = 4,25 AI
tidas no Manual de Drenagem Urbana do Plano
Diretor de Drenagem Urbana de Porto Alegre.
Em que: Art. 4o Após a aprovação do projeto de
v é o volume por unidade de área de ter- drenagem pluvial da edificação ou do parcela-
reno em m3/hectare e AI é a área impermeável mento por parte do DEP, é vedada qualquer im-
do terreno em %. permeabilização adicional de superfície.

§ 2o O volume de reservação necessário Parágrafo Único: A impermeabilização


para áreas superiores a 100 (cem) hectares deve poderá ser realizada se houver retenção do vo-
ser determinado através de estudo hidrológico lume adicional gerado de acordo com a equação
do art. 3o §1o.
específico, com precipitação de projeto, com
probabilidade de ocorrência de 10% em qual- Art. 5o Os casos omissos no presente de-
quer ano (tempo de retorno = 10 (dez) anos). creto deverão ser objeto de análise técnica do
Departamento de Esgotos Pluviais.
§ 3o Poderá ser reduzida a quantidade de
área a ser computada no cálculo referido no §1o Art.6º Este decreto entrará em vigor na
se for (em) aplicada(s) a(s) seguinte(s) ação (ões): data de sua publicação, revogadas as disposi-
ções em contrário.
• aplicação de pavimentos permeáveis
(blocos vazados com preenchimento de
areia ou grama, asfalto poroso, concreto PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE
poroso) – reduzir em 50% a área que uti-
liza estes pavimentos;
• desconexão das calhas de telhado para
superfícies permeáveis com drenagem
– reduzir em 40% a área de telhado dre-
nada;
• desconexão das calhas de telhado para
superfícies permeáveis sem drenagem
– reduzir em 80% a área de telhado dre-
nada;
• aplicação de trincheiras de infiltração 189
SANEAMENTO PARA TODOS

ANEXO C O valor de α usualmente varia de 0,25


a 0,35 da área loteada. Considerando α = 0,25,
distribuindo 15% para ruas e 10% para praças,
RATEIO DE CUSTO DA DRENAGEM URBANA
sendo que, como as ruas possuem 100% de áre-
PARA ÁREAS NÃO-CONTROLADAS
as impermeáveis e as praças próximas de zero,
resulta em:
Custo de manutenção
im = (0,15 x 100 + 0 x 0,10)/0,25 = 60%
O custo unitário uniforme seria:
A equação 4 fica
(R$/m2) (1)
(5)

Em que:
Ab é a área da bacia em km2 e CT, custo O princípio da taxa de cobrança da ope-
total em milhões de reais. ração e da manutenção da drenagem urbana é o
da proporcionalidade com relação ao volume de
A área da bacia pode ser subdividida em
escoamento superficial gerado. Considerando
que as áreas impermeáveis possuem coeficiente
100 = Ap + Ai (2) de escoamento 0,95, e que as áreas permeáveis
0,15 (Cp = 0,15 e Ci = 0,95), o volume gerado
pelas áreas impermeáveis é 6,33 superior ao das
para Ap, parcela de áreas permeáveis (%); áreas permeáveis. Dessa forma, o custo unitário
Ai, parcela de áreas impermeáveis (%). de uma área permeável é:
Numa área urbana, as áreas impermeá-
veis podem ser desdobradas na expressão:
(6)

Ai = (3)
Em que:
o Cui é o custo unitário das áreas imper-
Em que: meáveis.
α é a parcela da área com arruamentos e O custo total da operação e manutenção
logradouros públicos, como parques e praças; é igual a:
im é a parcela impermeável dessa área (%); ß é a (7)
parcela da área ocupada pelos lotes urbanos; il
é a parcela de impermeabilização do lote. Nesse
caso, ß = 1 - a. A equação acima fica:

(4)

190
Gestão de águas pluviais urbanas

Utilizando as equações 2 e 6 na equação Para verificar a coerência dessa equa-


7, resulta: ção, considere uma bacia onde a área imper-
meável total é de 40%. Para que a área total
da bacia tenha 40% de áreas impermeáveis, a
(8)
área impermeável dos lotes terá i1 = 33,33% e,
considerando A = Ab, utilizando as equações
11 e 12, deve-se obter Tx = Ct.

O custo unitário das áreas impermeá- Para exemplificar, considere o custo de


veis fica: R$ 1.400,00/ha, numa bacia de 40% de área im-
permeável, o custo de manutenção de um lote
de 300 m2 é obtido utilizando inicialmente a
Cui = (9) equação 8:

Em que: Cui = = R$ 0,283/m2


Cui em R$/m2, para Ct em milhões; Ab
em km , conhecidos os valores de Ct, Ab e Ai da
2
Cup = 0,283/6,33 = R$ 0,045/m2
bacia total. O valor de Cui é fixado para a bacia
ou para a área total em questão.
O cálculo do custo a ser pago por pro- Na equação 11, resulta:
priedade fica assim:

Tx = .(Cui. Ai+Cup.Ap) (10) Tx = = 24,137+0,545.i1

e Rateio dos custos para implementação


das obras do Plano de Drenagem

Neste caso, o rateio de custos é distribuí-


do apenas para as áreas impermeabilizadas, que
11)
aumentaram a vazão acima das condições natu-
rais. Nesse caso, a equação 1 fica:
Em que: A é a área da propriedade em m2
e Ai é a área impermeável da área A em percen-
tual. A expressão de Ai pode ser obtida da equa-
ção 5, que, substituindo na equação 11, fica: (13)

(12) Em que Ctp é o custo total de implemen-


tação do Plano.

191
SANEAMENTO PARA TODOS

TABELA 1 EXEMPLO DO RATEIO DE CUSTO BASEADO NA ÁREA Para um lote sem área impermeável, a
IMPERMEÁVEL DO LOTE
contribuição tarifária do proprietário refere-se
Área impermeável Taxa anual para um terreno de
à parcela comum das ruas e fica:
300 m2
(%) (R$)

5 26,86
Txp = (16)

10 29,59

20 35,04 Considere uma bacia que necessita R$ 3


30 40,49
milhões de investimentos para o Plano Diretor.
A área impermeável é de 40% e a área da bacia é
40 45,94
de 5 km2. A taxa a ser paga para um terreno de
50 51,39 300 m2 para a implantação das medidas na bacia
60 56,84 é obtida por:
70 62,29

80 67,74 Txp = 67,5 + 3,375. i1 (17)

A taxa a ser cobrada para cada área de Na tabela abaixo, são apresentados os
lote urbanizado de i1 % é obtida pela expressão: valores de acordo com a área impermeável do
lote.

Txp = (14)
TABELA 2 TAXA PARA IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DIRETOR DA
BACIA PARA UM LOTE DE 300 M2

Em que:
Área impermeável Taxa
Ai é a distribuição das áreas impermeá- (%) (R$)
veis em cada área, dada pela equação 5, o que 0 67,50
resulta
10 101,25

20 135,00
Txp = (15+0,75i1)Cupi (15) 30 168,75

40 202,50

Substituindo a equação 13 resulta 50 236,25

60 270,00

Txp = (16) 70 303,75

80 337,50

Em que, como anteriormente:


Ai é a área impermeável de toda a bacia
em %; A é a área do terreno em m2; Ab é a área
da bacia em km2; Ctp é o custo total em mi-
lhões de reais; i1 é a área impermeável do lote
192 em percentual.
Gestão de águas pluviais urbanas

ANEXO D (2)

ELEMENTOS PARA REGULAMENTAÇÃO DE Em que:


PORTO ALEGRE
qn é obtido em L/(s.ha).
Essa equação depende de C, coeficiente
Na regulamentação para o desenvolvi- de escoamento e I, intensidade da precipitação
mento urbano, é necessário estabelecer critérios em mm/h.
básicos de cálculo, visando tornar mais simples
o estabelecimento de medidas legais e o dimen-
sionamento do controle, decorrente da imper- Coeficiente de escoamento: O coeficien-
meabilização. Alguns dos elementos básicos de te de escoamento de uma bacia de superfícies
regulamentação são: variáveis pode ser estimado pela ponderação
do coeficiente de diferentes superfícies. Consi-
• vazão específica de pré-desenvolvi-
derando uma bacia urbana onde podem existir
mento;
dois tipos de superfícies, permeável e imperme-
• volume específico necessário para o ável, é possível estabelecer que:
controle de uma determinada área.

(3)
VAZÃO DE PRÉ-DESENVOLVIMENTO

Em que:
A vazão de pré-desenvolvimento cor-
Cp é o coeficiente de escoamento de área
responde às condições mais próximas da situ-
permeável da bacia; Ap é a área da bacia com
ação natural. Em princípio, essa vazão deve ser
superfície permeável; Ci é o coeficiente de esco-
mantida após o desenvolvimento. Para a regula-
amento de uma área impermeável; Ai é a parcela
mentação dessa vazão, é necessário estabelecer
da bacia com área impermeável.
critérios simples que sejam aplicáveis de forma
geral à cidade, sem prejuízo do seu controle. Essa equação pode ser transformada de
acordo com o seguinte
A vazão pode ser obtida pelo Método Ra-
cional, pela expressão:
(4)

Q = 0,278 C I A 1)

Em que: Em que:

Q = vazão máxima em m3/s, AI = Ai/At,, representando a parcela de


áreas impermeáveis.
I = intensidade da precipitação em mm
A = área da bacia em km2.
Coeficiente médio: O coeficiente de es-
Essa equação pode ser expressa na forma
coamento pode ser expresso por uma relação
de vazão específica natural em:
linear com a taxa de áreas impermeáveis, em 193
SANEAMENTO PARA TODOS

que os coeficientes representam os valores selecionadas (R2 = 0,92) segundo os seguinte


das áreas permeável e impermeável. A influ- critérios:
ência de AI depende da diferença entre os co- - bacias com pelo menos cinco eventos;
eficientes, como se observa no segundo termo
- valores consistentes de áreas imper-
da equação.
meáveis;
Com base em 44 pequenas bacias urbanas
- valores consistentes quanto aos
americanas (Schueler,1987), foi obtida a relação:
eventos hidrológicos.
Considerando que Ci representa o coefi-
C = 0,05 + 0,9 I (5) ciente de escoamento de uma parcela urbaniza-
da, o valor de 0,95 obtido retrata principalmen-
te superfícies de asfalto e concreto, nas quais o
Esta equação foi obtida com R2 = 0,71.
valor é próximo do limite superior.
Urbonas et al. (1990), utilizaram dados de 60 ba-
cias urbanas dos Estados Unidos, tendo obtido: Além disso, deve-se considerar que o
próprio coeficiente de escoamento não é um
valor fixo, mas varia com a magnitude das en-
(6) chentes (Urbonas e Roesner, 1992), as condi-
ções iniciais, as características da distribuição
da precipitação, o tipo de solo, entre outros.
para R2 = 0,72
Numa bacia rural, o valor do coeficiente de
Como os dados utilizados referem-se a
escoamento não é sempre o correspondente a
2 anos de dados para as duas equações ante-
Cp = 0,047, mas varia de acordo com condicio-
riores, provavelmente o coeficiente se refere a nantes físicos. Essas equações permitem uma
uma precipitação com risco de mesma ordem estimativa média desse valor.
(Urbonas e Roesner, 1992).
Neste caso, para a equação 5, Ci – Cp =
Coeificiente baseado no SCS: O valor
0,9, Cp = 0,05, Ci = 0,95. O resultado do ajuste
de Cp na equação 3 representa o coeficiente de
mostra que o coeficiente de áreas impermeáveis
escoamento de uma superfície permeável pode
é de 0,95, por causa de uma perda de 5%, que
ser estimada com base na equação do SCS (SCS,
pode ser devida a: imprecisão da estimativa das
1975):
áreas impermeáveis; infiltração das juntas das
superfície, e mesmo evaporação de superfícies
quentes. Na equação 6, Cp=0,04. (8)
No Brasil, não existe uma amostra desse
tamanho de bacias urbanas, mas, com a amos-
Em que:
tra disponível, Tucci (2000) apresentou a se-
P é a precipitação total do evento em
guinte equação:
mm; S é o armazenamento, que está relaciona-
do com o parâmetro que caracteriza a superfície
C = 0,047 + 0,9.AI (7) (CN) por

194 Os dados utilizados foram de 11 bacias (9)


Gestão de águas pluviais urbanas

O valor de CN depende do tipo de solo e Tipo de Ruas de


Campo Área agrícola
das características da superfície. solo terra
C
A precipitação total do evento para o mé- S (mm) 7,6 13,5-17,8 6,9 – 14,3
todo racional é Cp 0,277 0,049-0,108 0,094 – 0,31
D
S (mm) 6,3 9,7 – 12,7 5,0 – 11,9
Cp 0,34 0,12 - 0,20 0,14 – 0,42
P = I. tc (10)

Intensidade da precipitação: A intensi-


Em que:
dade da precipitação é estimada de acordo com
I é a intensidade em mm/h e tc o tempo a duração ou o tempo de concentração da bacia
de concentração em horas. e do tempo de retorno. Quanto menor o tempo
Na tabela 1, são apresentados alguns de concentração, maior a intensidade e maior
valores de S para algumas superfícies, obtidos será a vazão específica média a ser adotada. Da
com base em CN das tabelas de SCS (1975). Na mesma forma, quanto maior o tempo de retor-
mesma tabela, são apresentados valores de Cp no, maior será a vazão específica natural. Valo-
para a precipitação de 1 hora e 2 anos de tem- res altos de vazão específica natural implicam
po de retorno de Porto Alegre (risco aproxi- menor volume de controle para cada local.

mado dos valores médios obtidos dos eventos Utilizando a curva de intensidade x du-
da tabela 1). Esses valores estão na vizinhança ração e freqüência da Redenção, que, apesar de
do valor ajustado de Cp. A Bacia do Dilúvio, na ter sido extinta, possui uma série mais extensa
qual grande parte das bacias analisadas tem e representa uma área mais central da cidade.
predominância dos solos A, B e C, sendo que Com base nessa equação, foi estimada uma in-
os postos com características rurais estão em tensidade para 1 hora, para diferentes riscos. A
solos do tipo A e B, com predominância para equação do escoamento em função do tempo de
solo tipo A . retorno para duração adotada de 1 hora fica:

Por conta da grande variabilidade desse


coeficiente e da necessidade de definir um valor q = 8,35.T0,217 (11)
padrão único, utilizou-se o coeficiente de esco-
amento C = 0,10, que representa um valor inter- TABELA 2 VALORES DE CP.
mediário entre os solos A e B, que predominam
em grande parte da cidade. Fonte Cp

Grama (solo arenoso) ASCE, 1969 0,05 a 0,20


Grama (solo pesado) ASCE, 1969 0,13 a 0,35
TABELA 1 VALORES DE S E CP
Matas, parques e campos de esporte,
0,05 – 0,20
Wilken, 1978
Tipo de Ruas de
Campo Área agrícola
solo terra Equação Schueller (USA, 44 bacias) 0,05
A Equação Urbonas et al (1990)(USA,
S (mm) 19,8 52,9 –79,5 31,1 – 19,8 0,04
60 bacias)
Cp 0,032 0 0 – 0,03
Equação Tucci (Brasil, 11 bacias) 0,047
B
S (mm) 11,2 22,8 –32,5 11,91 – 20,7 0,025 a
Usando Soil Conservation Service
Cp 0,158 0 – 0,015 0,025 – 0,14 0,31 195
SANEAMENTO PARA TODOS

com R2 = 0,999. (13)


Neste caso, utilizando o tempo de retor-
no de 10 anos, o valor recomendado é de 13,9
O coeficiente de escoamento pode ser es-
l/(s.ha). Para exemplificar, o valor médio utili-
timado de acordo com as áreas impermeáveis
zado na cidade de Seattle (USA) é de 14 l/(s.
com Cp=0,10 e Ci=0,95. O que resulta em:
ha). O valor específico para 10 anos em Denver
USA é q10 =16,7 l/s.ha.
C = 0,10+0,85.AI (14)
TABELA 3 VALORES DE VAZÃO ESPECÍFICA DE
PRÉ-DESENVOLVIMENTO
A intensidade da precipitação pode ser
Tempo de retorno Vazão representada pela equação:
(anos) (L/s.ha)

2 9,62
(15)
5 11,9

10 13,9
Substituindo na equação do volume es-
25 16,9
pecífico resulta:
50 19,5

100 22,5
(16)

Volume de controle
O volume máximo é obtido para a dura-
ção obtida pela equação:
O volume de controle para pequenas
áreas urbanas (< 2 km2) pode ser estimada com
(17)
base na seguinte equação:

Utilizando os dados de precipitação de


V = (Qu – Qn)t.k (12)
Porto Alegre (Posto Redenção), foram obtidos os
volumes para tempos de retorno variando de 2
Em que: a 100 anos e área impermeável variando de 5%
a 100%. Na tabela 4, são apresentados os resul-
V é o volume em m3; Qn é a vazão de pré-
tados.
desenvolvimento em m3/s; Qu é a vazão resulta-
do do desenvolvimento urbano; t é duração em Esses valores foram ajustados a uma
minutos e k = 60 para conversão de unidades. equação, com a seguinte expressão:

A vazão resultante do desenvolvimento ur-


bano é estimada pela equação 1. A vazão de pré- v = 2,624.T0,269.AI (17)
desenvolvimento foi estimada no item anterior,
por meio da sua vazão específica. No entanto,
transformando a equação 10 em volume específi- Em que:
196 co, ou seja, volume por unidade de área, resulta: T é fornecido em anos; AI é área imperme-
Gestão de águas pluviais urbanas

ável em % e v é obtido em m3/ha. O coeficiente de apresentados os coeficientes da reta e o R2 de


determinação do ajuste foi de R2 = 0,99. ajuste. Nesse caso, a reta resultante para o tem-
Para cada tempo de retorno, foram tam- po de retorno de 10 anos é:
bém ajustadas equações específicas, que repre-
sentam melhor os resultados. Na tabela 5, são v = 4,864. AI (18)

TABELA 4 VOLUME ESPECÍFICO EM M3/HA

Tempo de retorno

Área 2 5 10 25 50 100
impermeável
(%)

5 21,82 25,83 29,25 34,45 38,89 31,52

10 33,52 40,25 46,11 55,13 62,97 43,67

20 59,66 72,95 84,77 103,32 119,82 69,47

30 88,35 109,35 128,29 158,42 185,64 97,46

40 118,91 148,51 175,51 218,93 258,63 127,6

50 150,94 189,91 225,77 283,98 337,72 159,75

60 184,18 233,18 278,62 352,96 422,17 193,86

70 218,45 278,09 333,76 425,45 511,46 229,84

80 253,63 324,44 390,94 501,12 605,16 267,55

90 289,62 372,10 449,97 579,72 702,96 306,95

100 326,34 420,95 510,71 661,04 804,58 347,96

Nesse caso, o volume necessário para re- TABELA 5 COEFICIENTE DA RETA DE AJUSTE DO VOLUME
ESPECÍFICO PARA CADA TEMPO DE RETORNO
cuperar a vazão preexistente para uma área de
1.000 m2, com 50% de área impermeável, é:
Tempo de retorno a R2
(anos)

V = (1.000/10.000). 4,864 x 50 = 24,32 m3 2 3,1648 0,9966

5 4,0416 0,9945

Para uma profundidade de 2 m, corres- 10 4,8640 0,9922

ponde a 12,32 m2, 1,23% da área total. 25 6,2252 0,9884

50 7,5090 0,985

100 9,0490 0,981

v = a AI; em que v é o volume específico em m3 e AI em %.

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