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R E S E N H A

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A BANALIZAÇAO DA INJUSTiÇA SOCIAL

COMO TOLERAR O ção baseada no trabalho e


INTOLERÁVEL DE CHISTOPHER DEJOURS na apropriação do produto
A Banalização da Injustiça Social. Trad.
do trabalho" que o sistema
Luiz Alberto Monjardim. Rio de Janeiro:
Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999, neoliberal se mantém. As-
ste é mais um livro 160p. sim o espaço de trabalho

E dedicado a proble-
mática do trabalho
em tempos de
globalização. Nele,
o autor marcha na contra-
POR MARIA HELENA T. DE ALMEIDA LIMA
Doutora em Serviço Social pela PUC-SP.
Professora Adjunta da Faculdade de
Serviço Social.
"é um espaço de experi-
mentação da iniquidade",
tanto para as vítimas, como
para os beneficiários do sis-
tema. Com essa perspecti-
mão dos estudiosos que vêm analisando a va e, em continuidade com outras publicações
adesão ao discurso economicista, quer como suas 0988 - 1997), Dejours investiga o pro-
impotência diante do inevitável, quer como blema do sofrimento no trabalho, entendendo
explicação da capitulação ao capital global, que essa questão é não apenas, uma questão
face a ausência de alternativas. Contra essa política crucial mas também um problema teó-
disjuntiva que parece aprisionar a análise ao rico. Nesse campo ele sublinha o que chama
"fato" e ao "mito", Dejours, de forma singular, de "erro histórico" da esquerda em geral, que
abre uma brecha para dizer que, o que colo- teria reduzido o problema do sofrimento no
ca a Razão Econômica acima da Razão Políti- trabalho, "a mero reflexo do individualismo
ca, é menos a falta de alternativa à crise e favorecedor do egocentrismo pequeno bur-
mais o indício de um aumento progressivo da guês e reacionário". Essa linha de reflexão e
tolerância para com a injustiça. O autor de- de prática favoreceu, segundo ele, o afasta-
senvolve essa tese, tomando como núcleo mento dos trabalhadores do movimento sindi-
de investigação, o sofrimento no trabalho. cal, e fortaleceu o aparecimento de "uma nova
Diferente dos que falam do Fim do Trabalho, cultura empresarial", fundada no elogio do
Dejours reafirma a natureza paradoxal do Tra- mercado. O autor avalia, que essas duas cha-
balho no Mundo Moderno; mediador de reali- ves de análise embora divergentes, se funda-
zação do ego e fonte de emancipação e ram numa perspectiva economicista e se
democracia, o Trabalho é também e, cada vez indaga: Serão as leis econômicas o resultado
mais, fonte de Sofrimento. Nessa chave o pro- de leis inexoráveis ou elas são muito mais, o
blema que ele se coloca é: por que uns acei- fruto da construção de homens e mulheres? É
tam infligir sofrimento a outros enquanto estes essa última perspectiva que orienta a sua in-
consentem em padecer o sofrimento? De saí- vestigação sobre o aumento da tolerância para
da, observa-se que ele se centra mais nas com a injustiça, nos últimos anos. Opondo-se
motivações subjetivas da dominação do que àqueles que explicam esse fenômeno pela
na lógica da dominação. Isso não significa que falta de uma ideologia substitutiva ao
abre mão da idéia de que a dominação é algo economicismo, Dejours defende a idéia de
intrínseco ao Modo de Produção capitalista e que o crescimento da tolerância para com o
as formas de exploração validadas pelo intolerável, é o resultado da cumplicidade da
neoliberalismo; é graças "a forma de domina- sociedade como um todo com as teses

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BH/UFC

econorrucistas. Assim, não foram somente as vamento da adversidade". Essa reação, se


taxas de emprego que caíram, mas a bem que psicológica, tem profundas conse-
mobilização coletiva em prol da solidarieda- qüências sociais, enquanto implica, na acei-
de e da justiça que se tornam escassas. Esses tação e até no uso da ameaça como modo de
acontecimentos são definidos por Dejours gestão, o que imprime ao processo de traba-
como um processo de banalização do mal. lho o signo do medo:
O que se poderia indagar, e ele o faz, é se há
algo de novo nisso? Não. Não há! A banalida- Emconvirna transformaçãoda mentira
de do mal é subjacente à eficácia do sistema não só em verdade "racional",masno meio de
econômico liberal. O que é novo é a apagar da memória os vestígios das lutase vi-
banalização ou que o sistema apareça como tórias passadas evitando assim comparações
bom e justo. O autor retém o conceito de entre o passado e o presente.
banalização do mal da obra de H. Arendt e, Em consentir sair da posição de agen-
aplicando-o ao campo da psicopatologia em tes da produção, conquistada em lutasmemo-
associação com a noção de Distorção Comu- ráveis,para a de "reféns do neoliberalismo".
nicativa de Habermas, procura entender as Emadmitira idéiacomodiriaH.A.de que
condutas que conformam o problema da To- podemosestarcaminhandoparaumasociedade
lerância para com a injustiça nesse fim de de trabalhadoressem trabalho,onde os homens
século. O uso desses referenciais analíticos, corremo riscode se tornaremsupérfluos.
lhe permite desenhar uma espécie de círculo
cinzento, onde estão aprisionados, domina- Mas como vencer a força do poder e do
dos e dominantes. Os primeiros pela obedi- medo, que costura essas formas de consenti-
ência e submissão e os segundos pela força mento, ensinando a tolerância para com o in-
da ameaça e o poder do medo. Uns e outros tolerável?
jogam para debaixo do tapete a responsabili- Para responder a essa pergunta, Dejours
dade pela injustiça e pelo infortúnio, como se desloca-se do campo da filosofia para o da
isso fosse uma fatalidade do destino. psicopatologia do trabalho e esboça um novo
Como H. Arendt, Dejours parece dizer conceito de ação, capaz de incluir não só o
que tudo que é, existe, numa presença opaca trabalho, mas o sofrimento. Ele entende que
e sem sentido que espalha o ofuscamento e só por essa via é possível compreender a
provoca mal-estar (H. A., 1987). Ora, esse passividade e mesmo a cumplicidade das
mal-estar esconde hoje como ontem, o silên- massas com a injustiça. Assim, para além de
cio e o mutismo, que se disseminam por todo H. Arendt, ele defende a imbricação entre
o tecido social e ganham forma específica ação, trabalho e sofrimento, sob o argumento
no espaço do trabalho. Aí eles estruturam de que agir, implica em poder experimentar
uma rede de cumplicidade que insinuando- a paixão e suportar a compaixão.
se por toda a hierarquia, desde os gerentes Concorde-se ou não com essas interfe-
até as unidades elementares de operação rências, ou com o caminho crítico que o autor
submete os trabalhadores aos efeitos da escolhe, estamos certamente diante de um li-
precarização das condições de trabalho. Mas, vro instigante e obrigatório para quem quer
não se pense que esse processo é somente conhecer por dentro, as mazelas do mundo
passivo! Ao contrário, ele é um movimento do trabalho e os seus impactos sobre a subje-
ativo, de colaboração mesmo, que se con- tividade nesse fim de século. Seja como for,
forma na adesão às teses economicistas. Con- não será demais prevenir-se contra o conhe-
tra esse comportamento paradoxal, os cimento específico, para não acabar ignoran-
trabalhadores, no dizer de Dejours, reagem do a lógica que o engendra. a verdade, eu
psiquicamente, elaborando "estratégias de não acho que o autor faça isso, mas é impor-
defesa contra a consciência dolorosa da pró- tante cuidar, para que o olhar posto na árvo-
pria cumplicidade e da colaboração no agra- re, não perca de vista a floresta.

LIMA, MARIA HELENA TENÓRIO DE ALMEIDA. A BANALlZAÇÁO DA INJUSTiÇA SOCIAL ..• P. 134 A 135 135

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