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Fichamento: Feminismo como crítica da modernidade

BENHABIB, Sheyla; CORNELL, Drucilla. Feminismo como Crítica da Modernidade.


Rio de Janeiro. Editora Rosa dos Ventos,1987.

Introdução
Seyla Benhabib e Drucilla Cornell

A Teoria Feminista e o Deslocamento do Paradgma da Produção

“Numa fase anterior do pensamento feminista, o confronto entre marxismo e feminismo


foi chamado de ‘O casamento infeliz’, e exigiu-se ‘uma união mais contínua’ entre amos.
[...] o marxismo a que recorriam os feministas, considerado paradgmático, era o
‘marxismo ortodoxo’. Por ‘marxismo ortodoxo’, neste contexto, entendemos uma posição
teórica que adota as três premissas seguintes:

1) A teoria do materialismo histórico deve ser tomada como uma ‘ciência’ que
formula generalizações semelhantes a leis para os fatos culturais e históricos.
2) Essa ‘ciência’ da sociedade toma como determinante em última instância as
relações de produção. Ao explicar as transformações sociais, é a dinâmica das
relações de produção o mecanismo causal final e determinante
3) A consciência de um grupo social bem como o seu potencial para a transformação
social revolucionário são determinados por sua posição no processo da produção;
as classes sociais são definidas nos termos dessas posições e são os atores
coletivos mais importantes na história.” P. 7

“Os teóricos feministas formularam suas exigências de uma união mais contínua entre o
feminismo e marxismo sem contestar o primado da produção implicado no modelo
ortodoxo. Assim, para caracterizar atividades das mulheres tais como gerar filhos, atender
doentes e idosos e realizar o trabalho doméstico, usou-se o termo ‘reprodução’”. P. 8

“O conceito de reprodução não questiona o primado da produção dentro do marxismo,


mas inclui atividades tipicamente femininas no modelo de trabalho, estreitamente
compreendido este como a produção e formação de um objeto”. P. 8

“Alguns feministas afirmam que gênero era uma forma de classe, ao passo que outros
alegavam ser possível falar das mulheres como uma classe em virtude da posição delas
dentro da rede das relações de produção ‘afetivos sexuais’”. P. 8

Gênero, Modernidade e a Diferenciação entre o Público e o Privado

“Procurando uma síntese entre Marx e Weber, Habermas assinala dois aspectos dos
processos de modernização: o cultural e o societal”. P. 11

“Por ‘racionalização societal’ Habermas entende a diferenciação entre ‘sistema’ e o


‘mundo da vida’. Como explica Nancy Fraser [...], de uma perspectiva feminista, ‘sistema
refere-se a todos aqueles modos pelos quais as ações dos indivíduos são coordenadas
entre si através do ‘entrelaçamento funcional de consequências inintencionais, enquanto
cada ação é determinada por cálculos de maximização da utilidade e interesse próprio”. P.
12

“O mundo da vida, por outro lado, é caracterizado por contextos de ação ‘socialmente
integrada’. Nos contextos de ação socialmente integrada, os agentes atuam na base de
alguma forma de consenso intersubjetivo implícito ou explícito sobre normas, valores e
afins, afirmados no discurso e interpretação linguísticos”. P. 12

“Num nível, a dicotomia público/ privado se dá, por um lado, entre aparelho
administrativo estatal, e, por outro, a família nuclear. De acordo com essa versão da
divisão público/privado, o econômico, o político e o sistema jurídico das sociedades
modernas, nos quais todos – ostensivamente – podem participar igualmente como agentes
econômicos, cidadãos políticos e pessoas jurídicas, é contrastado com a esfera fechada e
exclusiva da intimidade, sexualidade e afeição caracterizando a família nuclear moderna.
Enquanto público, nesse sentido, é o que está aberto a todos, ‘privado’ nesse contexto
significa o que é exclusivo, particularístico e baseado em laços especiais não
universalizáveis entre indivíduos”. P. 12

“Uma questão de grande importância para a teoria feminista contemporânea é a interação


entre essas esferas enquanto se desenvolviam historicamente no Ocidente a partir dos
séculos XVI e XVII em diante, e como vieram a modelar as vidas das mulheres nas
sociedades capitalistas contemporâneas. Quanto a isso, Frase r [...] argumenta que essa
teoria, importante que é, postula distinções entre reprodução material e simbólica, sistema
e munda da vida, sem questionar o seu ‘subtexto do gênero’”. P. 13

“[...] ao ignorar como o mundo da vida e sua hierarquia assimétrica de gênero modela
tanto a economia como a esfera da participação público- política, Habermas postula uma
dinâmica sem retorno que vai do sistema ao mundo da vida apenas. Essa teoria parece
também ignorar o fato de que a família nuclear moderna não é um ‘abrigo num mundo
impiedoso’, mas um lugar de ‘cálculo instrumental, egocêntrico e estratégico [...]
(Fraser)’”.

A Crítica Feminista do Eu Desimpedido

“Comparemos agora essa crítica feminista do eu com a de alguns recentes ‘pensadores


comunitários’, a fim de esclarecer as distinções das soluções desenvolvidas pelos autores
deste livro”. P. 16

“Os feministas argumentaram, porém, que o sistema de prioridades revelado pelo


pensamento político liberal é desfigurado pela desigualdade e hierarquia na raiz das
dicotomias que ele tanto aprecia. Por exemplo, a concepção pública do eu como igual e
abstrato portador de direitos do qual provém o liberalismo, é prejudicado pela
desigualdade, assimetria e dominação que permeia a identidade privada desse eu como
sujeito dotado de gênero”. P. 17

“[...] se os feministas estão preocupados não só com o rapto, maltrato à mulher, violência
e dano domésticos, mas também com práticas sexuais e pornográficas [...] entre adultos
coniventes, o liberal insistiria em que é tanto normativamente correto quanto
politicamente sábio que a legislação pública cesse à porta do quarto de dormir – desde
que, evidentemente, o consentimento das partes interessadas seja autêntico”. P. 18
“Os teóricos feministas representados neste volume, e os críticos comunitaristas do
liberalismo, concordam primeiro e principalmente numa rejeição da concepção liberal do
‘eu descompromissado’ (Taylor) ou um ‘sujeito desimpedido’”. P. 18

“Os teóricos feministas argumentam que a visão do ‘eu desimpedido’ atômico, criticado
pelos comunitaristas, é masculino, uma vez que o grau de isolamento e independência que
postula entre indivíduos jamais aconteceu com as mulheres”. P. 19

“[...] ser feminina biológica tem sido sempre interpretado em termos de gênero como
impondo certa identidade psicossexual e cultural; a mulher individual tem sido sempre
‘situada’ num mundo de papéis, expectativas e fantasias sociais”. P. 19

“[...] enquanto os comunitaristas acentuam a situação do eu desimpedido numa rede de


relações e narrativas, os feministas começam também com o sue situado, mas vislumbram
a renegociação de nossas identidades psicossexuais, e sua reconstituição autônoma pelos
indivíduos como essencial para a libertação das mulheres e a libertação humana”. P. 19

A Constituição do Sujeito Feminino e a Descontituição da Identidade de Gênero

“As mulheres do Terceiro Mundo questionaram precisamente o pressuposto de que haja


uma experiência-se-ser-mulher generalizável, identificável e coletivamente consensual”.
P.20

“O questionamento dos feministas do Terceiro Mundo traz à tona a complexa natureza da


identificação do gênero, ao mesmo tempo esclarecendo a identidade feminino/feminista.
Esse dilema é expresso pela questão: como pode a teoria feminista basear-se na
peculiaridade da experiência feminina sem com isso reificar uma definição isolada de
femininidade como a paradigmática – sem sucumbir, pois, a um discurso essencialista
sobre o gênero?” P. 20

“[...] para Beuvoir, o projeto de assumir o gênero deve ser compreendido como algo que
ocorre dentro de um campo de relações sociais que limitam a liberdade do sujeito desde o
início. O corpo da mulher é em si uma situação social e não um simples fato biológico.
[...] Para Witting o corpo feminino recebe significado dentro da diferença de gênero
hierarquizada da reprodução sexual”. P. 22

“Cornell e Thurschwell [...] mostram [...] através das críticas de Lacan e Kristeva que a
rígida oposição binária – masculino/feminino – é por sua vez constituída apenas de um
efeito de relações intersubjetivas de muitos gêneros que deixa traços em todo sujeito
dotado de gênero”. P. 22

Capítulo I: Feminismo e Marx: Integrando o Parentesco Econômico


Linda Nicholson

Assim como a teoria feminista questionou a distinção necessária e analítica de família e


Estado, predominante na perspectiva liberal, do mesmo modo deve questionar o
pressuposto da distinção analítica do presente econômico tanto na perspectiva liberal
como marxista. A ironia no caso é que, ao fomentar esse projeto, a teoria feminista tem
em Marx tanto um forte aliado como um sério adversário. Como veremos, os feministas
podem utilizar muito do trabalho histórico de Marx e de muitos marxistas, ao
compreenderem a separação da família, do Estado e da economia como um fenômeno
histórico e não natural, e ao compreenderem a interação dessas esferas mesmo no
contexto de sua separação. Por outro lado, a antropologia filosófica de Marx, ao continuar
[...], nossos pressupostos modernos da autonomia do econômico, ergue sérios obstáculos
ao entendimento do gênero. P. 24

Marx eliminou do seu enfoque teórico todas as atividades básicas para a sobrevivência
humana que se acham fora da “economia” capitalista. As atividade que ele eliminou
incluem não apenas as identificadas pelos feministas como “reprodutivas” (cuidado com
os filhos, alimentação) mas também aquelas referentes à organização social, isto é, as que
regulam as relações de parentesco, ou, nas sociedades modernas, as que ele classificaria
como “políticas”. P.25

Ao compreender o marxismo quanto ao gênero é importante notar que o conceito


marxista de “classe” repousa numa estreita tradução de “produção” e econômico, isto é,
incorporando apenas aquelas atividades ocupadas com a feitura de alimentos e objetos. P.
31

Para Marx, a primeira divisão de classes surgiu da luta pela apropriação do primeiro
excedente social, quer dizer, o primeiro excedente social de alimentos e objetos. Uma
conseqüência dessa definição de classe é desconsiderar conflitos históricos por outras
atividades socialmente necessárias, tais como geração de filhos. Uma segunda
conseqüência é não levar em conta mudanças na organização dessas atividades como
componentes da mudança histórica. P. 31

Muitos teóricos feministas observam as conseqüências de Marx ter deixado as atividades


reprodutivas de fora de sua teoria da história. Mary O’ Brien, pro exemplo, mostra que
um dos efeitos é separar a continuidade biológica, o que se poderia observar ser
sobremodo irônico para um “materialista”. P. 31

Do mesmo modo [...], por não analisar as atividades “reprodutivas”, Marx é levado a
ignorar o componente de socialização na história humana. Em outras palavras, as falhas
na teoria de Marx que resultam de sua atração por uma estreita interpretação de
“materialismo” poderiam ter sido amenizadas, caso ele tivesse prestado mais atenção à
atividade de gestação e parto. P. 32

[...] nós não conseguimos ver como mulheres e homens nessas sociedades ocupam
relações muito diferentes dessas atividades ligadas à produção de alimentos e objetos,
diferença essa conectada com as regras que regem casamento e sexualidade. [...] essa
relação distintivas com as atividades “produtivas” não pode ser definida exclusivamente
em termos de uma “divisão de trabalho”. P. 32

[...] o gênero, certamente em sociedades organizadas pelo parentesco, e talvez em


variáveis graus nas sociedades seguintes, devia ser encarado como significativa divisão de
classe mesmo admitindo uma compreensão tradicional de classe. Em outras palavras,
mesmo que aceitemos a tradução marxista tradicional de produção designando atividades
ligadas a produzir alimentos e objetos, então as relações de gênero, desde que
historicamente envolvendo diferente acesso ao controle dessas atividades, constituem
relações de classe. P. 33
[...] se o gênero é ou não um importante indicador de classe deve ser determinado em
cada instância empiricamente, e não podemos presumir, como o fazem muitos marxistas,
que gênero e classe sejam inerentemente distintos. Pelo contrário, a evidência parece ser
de que, em muitas sociedades antigas, o gênero é um indicador fundamental de classe,
fato que ressoa através da história subseqüente, conquanto também em conjunção com
outros fatores e, às vezes, subordinando-se a eles. P. 33

[...] os feministas marxistas reconhecerm que a categoria marxista “produção” deixa de


lado muitas atividades femininas tradicionais. Em resposta, alguns argumentaram que
devemos ampliar essa categoria incluindo a categoria “reprodução”. P.35

Outros feministas [...] preferem rotular a categoria ampliada como “produção sexo-
afetiva” em vez de “reprodução”. Observam que o termo “reprodução” é utilizado por
Marx para designar o “processo econômico através do tempo”. Empregá-lo para designar
atividades tais como gestação, parto e criação de filhos poderia resultar em alguma
confusão”. P. 35

[...] compreender gênero, tanto em suas manifestações pré-capitalistas e capitalistas


exigem uma consciência da natureza histórica da separação da esfera econômica em vez
de sua pressuposição nas categorias utilizadas. P. 37

Capítulo II; Que é crítico na Teoria Crítica? O Argumento de Habermas e Gênero


Nacy Fraser

Uma teoria social crítica projeta o seu programa de pesquisa e a sua estrutura conceptual
como um olho nos objetivos e atividades daqueles movimentos sociais opositores com os
quais tem uma identificação partidária embora não acrítica. As questões que ela coloca e
os modelos que projeta são constituídos por aquelas identificações e aqueles interesses.
Assim, por exemplo, se as lutas contestadoras da subordinação das mulheres figurasse
entre as mais significativas de certa época, a teoria social crítica para aquele tempo teria
por objetivo, entre outras coisas, esclarecer o caráter e as bases dessa subordinação. P. 38

Devo começar pelo exame de duas distinções fundamentais no arcabouço categorial


teórico-social de Habermas. A primeira é a distinção entre a reprodução simbólica e a
reprodução material das sociedades. Por um lado, afirma Habermas, as sociedades devem
reproduzir-se materialmente; devem regular com êxito a troca metabólica dos grupos de
indivíduos biológicos com o meio ambiente físico, não-humano, e com outros sistemas
sociais. Por outro lado, as sociedades devem reproduzir-se simbolicamente; devem
manter e transmitir a novos membros as normas e padrões linguisticamente elaborados de
interpretação que são constitutivos das identidades sociais. Habermas afirma que a
reprodução simbólica, por outro lado, abrange a socialização dos jovens, a consolidação
da solidariedade grupal e transmissão e continuidade das tradições culturais. P. 40

[...] as atividades e práticas que constituem a esfera do trabalho remunerado contam como
atividades de reprodução material visto que, a seu ver, são “trabalho social” [...]. [...]
atividades e práticas que em nossa sociedade são executadas sem pagamento por mulheres
da esfera doméstica [...]contam como atividade de reprodução simbólica dado que, ao ver
Habermas, atendem à socialização e às funções da reprodução simbólica. P. 40
Reprodução simbólica “[...] admite duas funções como duas ‘espécies naturais’
objetivamente distintas às quais as práticas sociais concretas e a organização concreta das
atividades em qualquer sociedade podem corresponder mais ou menos fielmente. Assim,
práticas de criar filhos seriam em si práticas de reprodução simbólica, enquanto as
práticas que produzem alimento e objetos seriam práticas de reprodução material. E a
organização social capitalista moderna [...] seria um espelho fiel da distinção entre as duas
espécies naturais, dado que separa institucionalmente essas práticas. P 40

[...] não é certo que as práticas de criar filhos atendam à reprodução simbólica em
contraste com a reprodução material. Sem dúvida, eles regulam as interações de crianças
com outras pessoas, mas também suas interações com a natureza física [...]. [...] criar
filhos não é per se uma atividade de reprodução simbólica: é igualmente e ao mesmo
tempo, atividade de reprodução material. É o que poderíamos chamar de atividade de
“aspecto duplo”. P. 41

O segundo componente do arcabouço categorial de Habermas que pretendo examinar é a


distinção entre “contextos de ação socialmente integrados” e “contextos de ação
sistematicamente integrados”. Contextos de ação socialmente integrados são aqueles nos
quais diferentes agentes coordenam suas ações mútuas, tendo como referencia alguma
forma de consenso intersubjetivo, explícito ou implícito, sobre normas, valores e afins
[...]. Contextos de ação sistematicamente integrados, por outro lado, são aqueles nos quais
as ações de diferentes agentes são coordenadas mutuamente pelo entrelaçamento
funcional de conseqüências intencionais, enquanto cada ação individual é determinada
por cálculos pessoais de maximização da utilidade tipicamente mantidos no idioma, ou,
como diz Habermas, nos “ambientes” do dinheiro e poder. P. 42

[...] a moderna família nuclear de mando masculino é uma mistura de consensualidade


(assegurada normativamente), normatividade e estrategicidade, desde que quanto a isso
não é categorialmente diferenciada do trabalho remunerado, então a criação privada de
filhos acha-se já, em grau significativo permeada pelos media do dinheiro e poder. P. 48

Essas diferenças na qualidade da presença das mulheres no trabalho remunerado


comprovam a dissonância conceptual entre feminidade e o papel do trabalhador no
capitalismo clássico. E isso por sua vez confirma o subtextos masculino daquele papel. P.
51

Inversamente, o outro papel que vincula economia oficial e família no esquema de


Habermas tem um subtextos feminino. O consumidor, afinal de contas, é a companheira
do trabalhador e parceira no capitalismo clássico. P. 51

Como mostrou Judith Stiehm, essa divisão entre protetores masculinos e protegidas
femininas introduz mais dissonância nas relações das mulheres com a cidadania.
Confirma o subtexto do gênero do papel de cidadão. E, vendo as mulheres como
necessitadas da proteção dos homens “fundamenta o acesso não só a... meios de
destruição, mas também [a] meios de produção [...] e aos meios de reprodução, [...] a
posição das mulheres como esposas e parceiras sexuais”. P. 53
Equivale dizer que a identidade de gênero sobrevive em todas as arenas da vida. É um dos
(se não o) “meio de troca” entre todos eles, um elemento básico do aglutinador social que
os liga mutuamente. P. 54

[...] uma interpretação sensível ao gênero revela o caráter inteiramente multidirecional do


movimento social e sua influência causal no capitalismo clássico. Quer dizer, revela a
insuficiência do pressuposto marxista ortodoxo de que todas ou mais importante
influência causal flui da economia (oficial) para a família e não vice-e-versa. Mostra que
a identidade de gênero estrutura o trabalho remunerado, a administração estatal e a
participação política. P. 54

Capítulo III: A Imparcialidade e o Público Cívido: Algumas Implicações das


Críticas Feministas da Teoria Moral e Política
Iris Marionj Young

Do ponto de vista de um interesse feminista, no entanto, a política emancipatória acarreta


uma rejeição das modernas tradições de vida moral e política. P.67

Os feministas nem sempre pensaram isso, é claro. [...] Identificaram a libertação das
mulheres com a ampliação dos direitos civis e políticos para incluir as mulheres nas
mesmas condições que os homens, e com a entrada das mulheres na vida pública
dominada pelos homens em igualdade de condições com eles. P. 67

Recentes estudos feministas da teoria e prática política moderna cada vez mais
argumentam que os ideais do liberalismo e da teoria do contrato, tais como igualdade
formal e racionalidade universal, acham-se profundamente prejudicados pelos
preconceitos masculinos sobre o que significa ser humano e a natureza da sociedade. P.
67

Além do mais, as mulheres não são, absolutamente, o único grupo que tem sido excluído
da promessa do liberalismo e republicanismo modernos. P. 67

Os feministas mostraram que a exclusão teórica das mulheres do público universalista não
é mero acaso ou aberração. O ideal do público cívico exibe uma vontade de unificar, e
exige a exclusão de aspectos da existência humana que ameaçam dispersar a unidade
fraternal de formas retas e verticais, especialmente exclusão de mulheres. Dado que o
homem como cidadão exprime o ponto de vista universal e imparcial da razão, alguém
tem que cuidar de seus desejos e sentimentos particulares. P. 68

No discurso moral moderno, ser imparcial significa sobretudo ser desapaixonado: ser
inteiramente isento de sentimentos no julgamento. A idéia de imparcialidade busca assim
eliminar a alteridade num sentido diferente, no sentido das experiências sensíveis,
desejosas e emocionais [...]. P. 68

A dicotomia entre razão e desejo surge da teoria político moderna na distinção entre o
domínio público universal da soberania e do Estado, por um lado, e, por outro, o domínio
privado particular das necessidades e desejos.[...] Na teoria e práticas modernas esse
público consegue uma unidade em especial pela exclusão de mulheres e outros que se
relacionam com a natureza e o corpo. P. 73
[...] a moderna concepção de razão normativa provinha da tradição deontológico de ideais
de unidade em teoria política e moral, tradição essa que expulsa a particularidade e o
desejo, colocando sentimento em oposição à razão. [...] A razão deontológica gera uma
oposição entre, de um lado, razão normativa, e, de outro, desejo e afetividade. P. 73

Diferentes tipos de pronunciamento têm diferentes relações simbólico e do semiótico. [...]


No entanto, nenhum pronunciamento é isento da dualidade de uma relação do simbólico e
semiótico, e é através de seu relacionamento que o significado é gerado. P. 82

[...] a distinção entre público e privado tal como aparece na teoria política moderna
exprime uma vontade de homogeneidade que exige a exclusão de muitas pessoas e
grupos, sobretudo mulheres e grupos “racionalizados”, culturalmente identificados com o
corpo, selvageria e irracionalidade. P. 83

Capítulo VIII: O Outro Generalizado e o Outro Concereto: A Controvérsia


Kohlberg-Gilligan e a Teoria Feminista
Seyla Benhabib

O trabalho de Carol Gilligan em psicologia cognitiva e do desenvolvimento moral


recaptula um padrão que ficamos conhecendo através de Thomas Kuhn. [...] o paradigma
básico, a saber, o estudo do desenvolvimento do julgamento moral, de acordo com o
modelo de Lawrence Kohlberg, é fundamentalmente revisto. Gilligan e seus
colaboradores sustentam agora que a teoria kohlberguiana é válida apenas para avaliar o
desenvolvimento de um dos aspectos da orientação moral, que se centra na ética da justiça
e dos direitos. P. 87

[...] para a teoria feminista, o sistema gênero-sexo não é contigente, mas um modo
essencial pelo qual a realidade social é organizada, simbolicamente dividida e vivenciada
na prática. Por sistema “gênero-sexo” entendo a constituição simbólica sócio-histórica, e
a interpretação das diferenças anatômicas dos sexos. O sistema gênero-sexo é o grão
através do qual o que revela uma identidade incorporada, um modo de ser no próprio
corpo e de vivenciar o corpo. P. 91

[...] os sistemas gênero-sexo historicamente conhecidos têm contribuído para a opressão e


exploração das mulheres. A tarefa da teoria crítica feminista é revelar esse fato, e
desenvolver uma teoria que seja emancipatória e reflexiva, que possa ajudar as mulheres
em suas lutas para vencer a opressão e a exploração. A teoria feminista pode contribuir
pra isso de duas maneiras: desenvolvendo uma análise explicativa-diagnóstica da
opressão das mulheres através da história, cultura e sociedades, e manifestando uma
crítica previsiva-utópica das normas e valores da nossa sociedade e cultura atuais, de
modo a projetar novos modos de aglutinação, de relacionamento entre nós e com a
natureza no futuro. P. 91

Capítulo V: Mulheres, Êxito e Sociedade Civil – Submissão a ou Subversão do


Princípio de Realização
Maria Markus

Recentemente, observa-se na teoria feminista uma tendência que se empenha em ir além


das limitações e antinomias de uma explicação da desigualdade de gêneros baseada
predominantemente na análise dos mecanismos sociais de fização dos papéis. Muitas
vezes essa estereotiparão foi entendida como aculturação basicamente externa de
mulheres e homens durante os primeiros anos da infância num sistema de crenças que
depois foram aceitos como orientação de seu comportamento social por toda a vida. 107

[...] ao acentuar em demais o significado ideológico, ou grandemente doutrinário da


fixação do papel dos gêneros, esse enfoque tendeu a banalizar o impacto daquelas
atividades concretas da vida através das quais as experiências típicas e determinantes dos
diferentes grupos sociais são formadas, e que, por isso, persistemente e em geral de
modos sutis, influem nas percepções e interpretações que esses grupos têm no mundo e de
seu lugar nele. 108

Esse processo de reflexão sobre situações da vida real voltou a atenção dos teóricos
feministas para aquelas práticas da vida negligenciadas que, além das formas de
discriminação institucionalizadas e semi-institucionalizadas, persistentemente, através de
toda a vida do individuo, criam e reforçam certos modos de ver, pensar e agir. Tornou-se
também claro que alguns desses modos específicos de vivenciar o mundo, junto com
alguns traços associados de personalidade, enquanto operando no presente como parte do
mecanismo de opressão, em virtude de serem atribuídos exclusivamente às mulheres,
poderiam conter em si mesmos capacidades cognitivas e padrões emocionais que não
deviam ser perdidos, mas reavaliados como possíveis componentes não só da libertação
das mulheres mas também da reestruturação da cultura dominante. P. 108

[...] a construção de gêneros através das práticas de esferas separadas . significa que as
mulheres, como categoria social, por definição, por seu destino aparentemente natural,
têm sido representadas como “não bem-sucedidas”. P. 115

As mulheres não apenas são em geral avaliadas como tendo “potencial” inferior e
portanto “valor” inferior para os empregadores como, na realidade, muitas vezes exibem
menor grau de “habilitações extrafuncionais” [...], isto é, em todas aquelas características
que foram definidas por Dreitzel como “capacidade de ter sucesso em comparação com a
“capacidade de desempenhar”. P. 117

Capítulo VI: Mulheres Disciplinantes – Michel Foucault e o Poder do Discurso


Feminista
Isaac D. Balbus

[...] os teóricos psicanalistas feministas têm ainda que fazer do discurso do Foucoult
objeto de sua ctírica do discurso masculino como uma reação simultânea ao poder da mãe
e negação dele. E nem Foucoault, nem seus seguidores estenderam sua desconstrução do
dissimulado discurso do “o Verdadeiro” ao discurso das teóricas da “maternação”. P. 121

Em resumo, a genealogia foucaultiana disciplina as mulheres por privá-las das armas


conceituais com as quais podem entender e começar a superar sua subordinação universal.

Elementos do Discurso Verdadeiro:

“1) um conceito de história contínua mas não desenvolvimental;


2) um conceito de totalidade heterogênea; e
3)um conceito de subjetividade encarnada” P. 137
“A teoria feminista é um Discurso Verdadeiro que satisfaz esses três critérios e, pois, os
foucaultianos deveriam levá-la a sério”. P. 137

Capítulo VII: Variações sobre Sexo e Gênero – Beauvoir, Witting e Foucault


Judit Butler

“Não se nasce, mas torna-se mulher”. Esse já famoso dito de Simone Beauvoir afirma a
não coincidência de identidade natural e identidade de gênero. Como o que nos tornamos
não é o que já somos, o gênero é desalojado do sexo; a interpretação dos atributos sexuais
é distinguida da facticidade ou simples existência desses atributos. O verbo “tornar-se”
encerra, porém, uma ambigüidade conseqüencial. Não só somos nós culturalmente
construídos como, em certo sentido, construímo-nos a nós mesmos. P. 139

Como pode o gênero ser ao mesmo tempo questão de escolha e construção cultural? P.
139

A feminista francesa Monique Witting, que escreveu um importante artigo intitulado


“Não se nasce mulher” (1978), amplia a teoria de Beauvoir sobre a natureza ambígua de
identidade de gÊnero, isto é, esse eu cultural em que nos transformamos mas que parece
termos sido sempre. As posições de Beauvoir e Witting, embora diferentes em pontos
cruciais, sugerem em comum uma teoria de gênero que tenta dar o sentido cultural da
doutrina existencial da escolha. O gênero torna-se o lugar dos significados culturais tanto
recebidos como inovados. E “escolha”, nesse contexto, vem a significar um processo
corpóreo de interpretação no seio de uma rede de normas culturais profundamente
entranhadas. P. 140

Se estamos sempre já dotados de gênero, imersos em gênero, que sentido tem dizer que
escolhemos o que já somos? P. 140

Para que a afirmação de Beauvoir seja irrefutável, e para ser verdade que “nós tornamos”
nossos gêneros por uma espécie de atos volitivos e ajustativos, ela deve significar algo
diferente de um ato cartesiano não localizado. Que uma atuação pessoal é requisito lógico
para assumir um gênero não pressupõe que essa ação seja por sua vez desencarnada; de
fato, nós nos tornamos nossos gêneros, e não nossos corpos” P. 140

Embora Sartre argumente que o corpo é coextensivo com a identidade pessoal (é uma
“perspectiva” que se vive), também insinua que a consciência está de certo modo além do
corpo (“Meu corpo é um ponto de partida que eu sou e que ao mesmo tempo ultrapasso)”.
P. 141

O corpo não é um fenômeno estático ou idêntico a si mesmo, mas um modo de


intencionalidade, uma força direcional e modo de intencionalidade, uma força direcional e
modo de desejar. Como condição de acesso ao mundo, o corpo é um ser encerrado além
de si mesmo, referindo-se ao mundo e com isso revelando o seu próprio status ontológico
como uma realidade referencial. Para Sartre, o corpo é vivido e percebido como o
contexto e meio para todos os esforços humanos. P. 141

[...] o corpo é assim vivenciando como um modo de tornar-se. De fato, para Sartre o
corpo natural só existe na condição de ser ultrapassado. P. 141
Não nascer, mas tornar-se uma mulher não implica que esse tornar-se percorre um
caminho da liberdade desencarnada a uma incorporação cultural. Na realidade, é-se um
corpo de início, e só depois nos tornamos nosso gênero. P. 142

Juntando a fraseologia sartriano com a de Beauvoir, poderíamos dizer que “existir” nosso
corpo em termos culturalmente concretos significa, pelo menos em parte, tornamo-nos
nosso gênero. P. 142

A origem do gênero não é temporalmente descontínua precisamente porque o gênero não


é originado de repente em algum ponto do tempo depois do que assume forma definitiva.
[...] é uma atividade originante que acontece sem cessar. [...] o gênero é um modo
contemporâneo de organizar normas passadas e futuras, um modo de nos situarmos e
através dessas normas, um estilo ativo de viver nosso corpo do mundo.P. 142

Escolhemos nosso gênero, mas não o escolhemos de uma distância, que assinale uma
junção ontológica entre o agente optante e o gênero escolhido. [...] Baeuvoir vê o gênero
como um projeto incessante, um ato diário de reconstrução e interpretação. P. 142

Não é possível assumir um gênero de um momento para o outro. [...] Tornar-se um gênero
é um processo impulsivo, embora cauteloso, de interpretar uma realidade plena de
sanções, tabus e prescrições. [...] Escolher um gênero é interpretar normas de gênero
recebidas de um modo que as reproduzam e organizem de novo. [...] o gênero é um
projeto tácito para renovar a história cultural nas nossas próprias condições corpóreas.
Não é uma tarefa prescritiva de que devamos nos esforçar por fazer, mas aquela em que
estamos nos esforçando sempre, desde co começo. P. 143

Se a existência humana é sempre existência dotada de gênero, extraviar-se do gênero


estabelecido é em certo sentido questionar a própria existência. P. 143

As mulheres são “outros” de acordo com Beauvoir enquanto definidas por uma
perspectiva masculina que procura salvaguardar seu status desencarnado mediante
identificação das mulheres em geral com a esfera corporal. P. 144

Ao definir as mulheres como “outro”, os homens se capacitam pelo caminho mais curto
da definição a sair de seus corpos, fazer-se diferentes de seus corpos – símbolo em
potencial de enfermidade e decadência humanas, de limitação em geral – e fazer seus
corpos diferentes de si mesmos. Dessa afirmativa de que o corpo é Outro vai um simples
passo À conclusão de que outros são seus corpos, ao passo que o “Eu” masculino é uma
alma incorpora. P. 144

A dialética de Beauvior do eu e Outro mostra os limites de uma versão cartesiana da


liberdade desencarnada, e critica implicitamente o modelo de autonomia sustentado por
essa normas masculinas de gÊnero. A busca da desencarnação é necessariamente ilusória
porque o corpo jamais poderá ser realmente negado; sua negação torna-se a condição de
seu surgimento em forma estranha. A desencarnação torna-se um modo de existir o
próprio corpo à maneira de negação. E a negação do corpo – como na dialética de Hegel
do senhor e o escravo – revela-se como nada mais que a encarnação da negação. P. 145

O corpo como situação tem pelo menos um dúplice significado. Como um lugar de
interpretações culturais, o corpo é uma realidade material que já foi situado e definido
dentro de um contexto social. [...] O corpo torna-se um nexo peculiar de cultura e escolha,
e “existir” o próprio corpo torna-se um modo pessoal de examinar e interpretar normas de
gênero recebidas. Na medida em que as normas de gênero operam sob a égide de
constrições sociais, a reinterpretação daquelas normas pela proliferação e variações de
estilos corpóreos torna-se um modo muito concreto e acessível de politizar a vida pessoal.
P 145

Se o gênero é um modo de existir o próprio corpo, e esse corpo é uma situação, um


campo de possibilidades a um tempo recebidas e reinterpretadas, então gênero e sexo
parecem ser questões inteiramente culturais. P. 145

Para Wittig, a própria discriminação de “seco” ocorre dentro de uma tessitura política e
lingüística que pressupões, e, portanto, exige, que o sexo permaneça didático. [...]
Discriminação é sempre “discriminação”, e oposição binária sempre atende a propósitos
de hierarquia. [...] Para Wittig, quando designamos diferença de sexo, nós a criamos;
restringimos nosso entendimento de relevantes partes sexuais àquelas que ajudam no
processo de reprodução, e com isso tornamos a heterossexualidade uma necessidade
ontológica. P. 146

Wittig contesta a prática social de valorizar certas características anatômicas como


definitivas não só de sexo anatômico mas de identidade sexual. P. 147

Wittig vislumbra uma sociedade assexuada, e mostra que o sexo, como a classe, é um
constructo que deve inevitavelmente ser destituído. P. 148

Por um lado, Wittig exige uma transcendência completa do sexo, mas sua teoria poderia
igualmente levar a uma conclusão inversa, à dissolução das restrições binárias mediante a
proliferação de gêneros. P. 148

Foucault não mais pretende questionar a realidade material de corpos anatomicamente


distintos como o faz Wittig, mas indaga, ao invés, como a materialidade do corpo vem a
significar idéias culturalmente específicas. P. 150

O problema marxista pode ser entendido como o da constituição social da identidade


pessoal e, por implicação, identidade de gênero. Não só escolho meu gênero, e não só o
escolho dentro das condições culturalmente constituída por outros, mas na rua e no
mundo estou sendo constantemente constituída por outros, de modo que meu eu
assinalado por um gênero que outros enxergam em mim ou a mim atribuem. P. 152

Num artigo sob título “As mulheres Jamais Poderão Ser Definidas”, Julia Kristeva
observa que “a crença de que ‘alguém é uma mulher’ é quase tão absurda e obscurantista
como a crença de que ‘alguém é um homem’”. Kristeva diz “quase tão absurda” porque
há razões práticas, estratégicas para manter a noção de mulheres como uma classe não
obstante o seu vazio descrito como termo. P. 153

Daí, ela concluir: “devemos usas ‘somos mulheres’ como um aviso ou refrão para nossas
demandas. Em nível mais profundo, porém, uma mulher não pode ‘ser’; é algo que nem
mesmo pertence à ordem do ser”. Mulheres é pois um falso substantivo e significante
unívoco que disfarça e prejudica uma experiência de gênero internamente variada e
contraditória. P. 153
Gayle Rubin:
Se ela está correta em entender a identidade de gênero como o “traço” do parentesco, e
observar que o gênero tornou-se cada vez mais isento dos vestígios do parentesco, então
parece termos razão em concluir que a história do gênero pode revelar a gradual liberação
do gênero de suas restrições binárias. P. 154

Capítulo VIII: Feminismo, Negatividade, Intersubjetividade


Drucilla Cornell e Adam Thurchwell

A verdade da Mulher é que ela não existe, a não ser como o Outro de um discurso
baseado na radical exclusão d’Ela. P. 156

Nos escritos de feministas sob influência de Laca, esse arcabouço de discurso e exclusão
sofreu um deslocamento radical. A hierarquia absolutista d discurso estabelecido e o seu
Outro excluído é desestabilizada: a ausência da Mulher retorna revigorada para abalar os
alicerces da ordem recebida. P. 156

Muitos teóricos, tanto feministas como não-feministas, identificaram negatividade como o


feminismo. Cada qual o fez a seu próprio modo, mas todos situam na “mulher” o que
evita representação e outras formas de confinamento categórico. P. 157

Lacan faz uma contribuição muito mais dramática à teoria psicanalítica. Ele sugere que a
própria entrada do sujeito no domínio da linguagem, o sistema convencional de
significado que ele chama de Simbólico, é determinada pelo relacionamento do bebê com
a mãe. Segundo Lacan, a gênese da consciência linguística ocorre quando o bêbe se
reconhece como tendo uma identidade distinta da de sua mãe: esse momento primordial
de separação é vivenciado pelo bêbe como uma perda (assim como ganho de uma
identidade) [...]. P. 158

Mulher é aquilo que não pode ser forçado a submeter-se a conceitos do discurso
masculino. Ela é aquilo que não pode ser conceituado ou definido. P. 160

Indicamos um movimento para além das rígidas categorias do enfoque psicanalítico-


estruturalista do gênero através das análises do papel mediador desempenhado pela
linguagem. Essa noção da formação intersubjetivo-linguistica do gênero aponta para a
constituição mútua dos conceitos de “masculino”/ “feminino” e para um excesso além dos
limites de um sujeito categorialmente dotado de gênero imanente ao próprio sistema de
gêneros.

Iris Young mostrou que a diferenciação de gênero não leva em si mesma e por si mesma à
supremacia masculina. Concordamos com ela em que identificação de gênero com
dominação masculina potencialmente implica uma categorização equivocada. Todavia,
nossa critica do enfoque estruturalista psicanalítico do gênero acrescenta uma nova
dimensão ao debate. A diferenciação de gênero é em si e por si um mal, porque
circunscreve a diferença e nega acesso ao “outro” em cada um de nós. P. 170

[...] as categorias “masculino” e “feminino” são produzidas não por referencia a


determinada característica, mas como efeitos das relações entre “sujeitos dotados de
gênero”, sujeitos que são em si apenas efeitos. P. 171
Há muito se admitiu que a política do gênero relaciona-se imediatamente com a política
da identidade e diferença. [...] o “Eu” dotado de gênero mantém sua auto-igualdade
através de sua autodiferença. P. 172

Na teoria lacaniana, Mulher é ausência; ela dá um desmentido à exigência de totalidade


do ponto de vista masculino. Ela é o “ponto cego” na tentativa de identificação categorial
da diferença de gênero. Criticamos a reificação do feminino como negatividade como por
sua vez outra tentativa frustrada de “identificar” diferença como o oposto polar de o
mesmo. Por outro lado, defendemos a demonstração de não-identidade, desencadeada pela
crítica feminina da categorização de gênero.

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