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AULA 1

COGNIÇÃO, ATENÇÃO E
FUNÇÕES EXECUTIVAS

Profª Camila Paraná


CONVERSA INICIAL

Nosso cérebro é formado por bilhões de células, os neurônios, e por trilhões


de sinapses (comunicação entre os neurônios). Apesar disso, não somos capazes
de analisar todas as informações disponíveis no ambiente. Em função disso, a
natureza nos forneceu um mecanismo que permite selecionar os estímulos
considerados relevantes. Este mecanismo refere-se ao fenômeno da atenção. É
por meio da atenção que podemos selecionar o que é importante e deixar de lado
tudo aquilo que não nos interessa (Cosenza; Guerra, 2011).
Cosenza e Guerra (2011) usam uma metáfora para ilustrar o mecanismo
da atenção: a metáfora da “lanterna na janela”, em que imaginamos uma janela
aberta para o mundo, e uma lanterna é utilizada para iluminar apenas os estímulos
que mais nos chamam a atenção e que nos interessam.
Entender o funcionamento do fenômeno atenção tem sido fundamental nos
tempos atuais, em que as queixas atencionais se tornaram exacerbadas em um
mundo tomado por um excesso de estímulos e de informações. Nesta aula, serão
abordados desde as bases neurobiológicas da atenção, seus subtipos e a relação
da atenção com o nosso comportamento.

TEMA 1 – CONCEITOS

O fenômeno da atenção refere-se a um conjunto de processos que permite


o controle da atividade neuronal com eventos internos e externos, selecionando
aspectos que serão processados de maneira prioritária (Xavier, 2015).
A atenção pode ser considerada como um fenômeno complexo que
compartilha limites com habilidades perceptivas (visuais, táteis, olfativas,
auditivas, etc.), nível de consciência, memória e afeto (Lezak et al., 2004). Nesse
sentido, podemos explicar a definição acima com a metáfora da lanterna na janela.
Comparando a atenção a uma lanterna, dirigimos o foco de luz a um dos nossos
sentidos (audição, visão, sensações táteis, olfato e gustação) para analisar aquilo
que é relevante. Ainda, esse foco atencional é influenciado por outros processos,
como as nossas preferências, necessidades, interesses e pelo nosso estado
emocional.
A neuropsicologia define a atenção como um conjunto de habilidades que
envolvem a concentração, o esforço mental, a capacidade de estar alerta, de

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focalizar alguns estímulos, de inibir outros e de modificar o foco quando
necessário (Malloy-Diniz et al., 2008).

TEMA 2 – MODELOS TEÓRICOS E ASPECTOS DA ATENÇÃO

A maioria dos modelos de atenção descritos na literatura incluem funções


relacionadas aos mecanismos de manutenção, seletividade e mudança atencional
como conceitos-chave (Sohlberg; Mateer, 2010). Esses mecanismos estão
relacionados aos diferentes tipos de atenção que devem ser estudados, para que
o processo atencional como um todo possa ser compreendido.

Um modelo descrito da literatura, proposto por Mirsky, Anthony, Duncan,


Ahearn e Kellan (1991) identifica quatro fatores da atenção: foco-
execução, manutenção, decodificação e mudança. Posteriormente,
Mapou (1995) incluiu os componentes de distribuição da atenção,
capacidade, resistência à interferência e manipulação mental. (Toazza,
2012, p. 24)

O modelo clínico de Sohlberg e Mateer (2010) mostra-se muito útil para a


compreensão do fenômeno da atenção. O modelo proposto pelas autoras em
questão incorpora muitos dos conceitos teóricos documentados na literatura. O
modelo compreende cinco componentes da atenção: foco, manutenção,
seletividade, alternância e divisão, descritos a seguir:

2.1 Atenção focada

É a habilidade de responder aos estímulos visuais, auditivos e táteis. Pode-


se pensar que é o tipo de atenção mais básico, pois qualquer pessoa que esteja
com um nível de consciência em alerta responderá a esses estímulos sensoriais,
ativando então esse tipo de atenção.
Exemplo: ver alguma coisa, sentir um cheiro, sentir o toque de alguém na
sua pele.

2.2 Atenção mantida

Envolve a habilidade de manter um comportamento em resposta à duração


contínua de uma atividade. Engloba dois componentes: a vigilância e o controle
mental. A vigilância está relacionada à capacidade de manutenção da atenção ao
longo do desenvolvimento da tarefa. Já o controle mental envolve a manipulação
das informações na mente. Esse tipo de atenção também é conhecido na literatura
como atenção sustentada ou concentrada.
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Exemplo: ler um livro ou estudar, pois exige a manutenção da atenção por
um tempo prolongado, ou seja, a concentração.

2.3 Atenção seletiva

Habilidade de manter o foco atencional diante de estímulos competitivos ou


distratores. Nesse aspecto da atenção, devemos considerar tanto os distratores
externos quanto os internos. Um estímulo distrator externo pode ser um barulho,
por exemplo. Já uma preocupação pode ser considerada um distrator interno.
Assim, a atenção seletiva está relacionada à capacidade de prestar a atenção a
uma coisa importante, inibindo as distrações internas e externas.
Exemplo: em uma sala de aula, um aluno consegue prestar a atenção à
aula sem se distrair com a conversa paralela de seus colegas ao redor.

2.4 Atenção alternada

Capacidade para flexibilizar entre um foco de atenção e outro,


movimentando-se entre tarefas com diferentes requisitos cognitivos. A grosso
modo, é a habilidade de alternar o foco de atenção ora em um estímulo, ora em
outro.
Exemplo: uma secretária que precisa alternar a atenção ao atender o
telefone, digitar algo no computador, anotar uma informação na agenda e
recepcionar um cliente.

2.5 Atenção dividida

Refere-se à habilidade de responder simultaneamente a diferentes


estímulos. Nesse caso, duas ou mais respostas devem ser requeridas, assim
como dois ou mais estímulos precisam ser monitorados ao mesmo tempo.
Exemplo: dirigir é um ótimo exemplo de atenção dividida, visto que
precisamos prestar a atenção em diferentes estímulos ao mesmo tempo: sinais
de trânsito, semáforo, pedestres, automóveis ao redor. Além disso, ao dirigir,
ainda podemos ouvir uma música no rádio e conversar com alguém que está
dentro do carro.
Outro aspecto importante sobre a atenção é descrito por Coutinho, Mattos
e Abreu (2018): nível de alerta ou de ativação (alertness ou arousal). Esse aspecto
é formado por dois mecanismos distintos: o tônico e a ativação fásica.

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O tônico diz respeito a um mecanismo mais fisiológico, relacionado à
capacidade do organismo em responder a um estímulo. Refere-se a um
mecanismo de controle interno, o qual regula a resposta aos estímulos
ambientais, incluindo o ciclo de sono e vigília, o nível de vigilância e o potencial
para focalizar. Relaciona-se com a intensidade com que um indivíduo pode
manter-se alerta, acordado e preparado para emitir uma resposta a algum
estímulo. Já a ativação fásica refere-se à capacidade do meio em produzir
alterações nos níveis de atenção.
Pensando nesses aspectos de ordem mais fisiológica ou não, outros dois
tipos de atenção devem ser considerados: a atenção voluntária e a atenção
reflexa.

TEMA 3 – ATENÇÃO REFLEXA E ATENÇÃO VOLUNTÁRIA

Ao pensar nos mecanismos de regulação da atenção, nos deparamos com


dois tipos: a atenção reflexa e a atenção voluntária. Para explicar essas duas
formas reguladoras, alguns autores utilizam um modelo chamado “de baixo para
cima” e “de cima para baixo”, também conhecidos por bottom-up e top-down,
respectivamente.
A primeira delas, “de baixo para cima”, refere-se à atenção reflexa, em que
os estímulos periféricos são importantes. Nesse caso, podemos pensar em uma
situação em que direcionamos o nosso foco de atenção ao som intenso e
repentino de um alarme de incêndio, por exemplo. Nesse caso, o estímulo sonoro
é considerado periférico, e o foco atencional ocorreu de maneira reflexa (Cosenza;
Guerra, 2011).
Em relação à atenção voluntária – “de cima para baixo”, a regulação
envolve aspectos centrais do funcionamento cerebral (Cosenza; Guerra, 2011).
Nesse caso, como o nome já indica, há uma intenção em prestar a atenção em
alguma coisa, por exemplo, procurar um objeto perdido ou manter a atenção em
uma aula.
Xavier (2015) chamou esses dois mecanismos de regulação de atenção
exógena e endógena. Para o autor, a atenção exógena é acionada quando pistas
periféricas são utilizadas, envolvendo a captura automática da atenção. Esse tipo
de mecanismo está relacionado às características abruptas do aparecimento de
estímulos. Assim, esse tipo de atenção corresponde ao que chamamos
anteriormente de atenção reflexa, ou seja, de um mecanismo “de baixo para cima”.

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Já o processo de orientação endógeno ocorre quando há um esforço consciente
e intencional para a busca de estímulos, sendo então um processo de atenção
voluntária e, portanto um mecanismo “de cima para baixo”.

TEMA 4 – BASES NEURAIS

Estudos dos mecanismos cerebrais envolvidos no processo de atenção


indicam a presença de pelo menos três circuitos: o de vigilância/alerta, o
orientador e o executivo.

4.1 Circuito de vigilância/alerta

Um aspecto importante que deve ser considerado ao estudar o fenômeno


da atenção é o nível de vigilância ou alerta. A atividade cerebral apresenta
variações importantes em relação ao estado, que podem variar desde um estágio
de sono profundo até o despertar. Durante o sono, ou mesmo em um estado de
maior sonolência, os mecanismos atencionais encontram-se prejudicados
(Cosenza; Guerra, 2011). É claro que, como vimos no tópico anterior, uma pessoa
que está dormindo pode ser despertada por um estímulo periférico (ex.: a
explosão de uma bomba), o que caracterizaria um mecanismo de atenção reflexa.
Porém, a regulação da atenção voluntária requer um estado de vigilância/alerta.
O sistema cerebral que regula os níveis de vigilância é composto por um
grupo de neurônios que fica localizado no tronco encefálico. Esse grupo de
neurônios tem uma coloração azulada e por isso se chama locus ceruleus (local
azul). Assim, esse primeiro circuito neuronal é chamado de circuito de vigilância
ou alerta (Cosenza Guerra, 2011).
Estar acordado e alerta não garante o bom funcionamento da atenção. Ao
contrário de situações de sonolência, sabe-se que um estado de alerta extremo,
como ocorre em casos de ansiedade, também prejudica o processamento da
atenção. Assim, o ideal é um estado de vigilância adequado do cérebro, capaz de
focar e manipular os diferentes estímulos sensoriais.

4.1.1 Circuito orientador

Este circuito envolve o funcionamento do lobo parietal do cérebro. Através


dele, há o desligamento do foco de atenção de um estímulo e o deslocamento
para outro. Esta ação também permite a mudança de foco de atenção para outros

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sistemas sensoriais, como quando privilegiamos um estímulo auditivo ou visual
(Cosenza; Guerra, 2011; Coutinho; Mattos; Abreu, 2018). Por isso é nomeado
como “orientador”, pois é o circuito que permite a mudança do foco atencional.

4.1.2 Circuito executivo

O último circuito envolve a estrutura cerebral chamada giro do cíngulo e


também o córtex frontal. A rede executiva entra em ação assim que há uma
mudança de foco. Esse circuito permite que se mantenha o foco por um período
mais prolongado de tempo. Também está relacionado à capacidade de inibir os
estímulos distratores (Cosenza; Guerra, 2011; Coutinho et al, 2018). Assim,
usamos esse circuito para permanecer atentos a alguma atividade por um período
maior de tempo.

TEMA 5 – ATENÇÃO E COMPORTAMENTO

Prestar a atenção é fundamental a qualquer tipo de aprendizagem e


capacidade de executar ações. É um comportamento observado desde os
primeiros anos de vida e que ganha maior relevância na vida escolar, visto que é
nesse momento que as dificuldades começam a ser percebidas com maior
clareza. Apesar de ser uma dificuldade real, muitas vezes ela é confundida com
outras situações ou mesmo percebida de forma indiscriminada. Isso ocorre porque
diferentes circunstâncias cognitivas e comportamentais podem alterar o nosso
nível de atenção: desde o uso de medicamentos e/ou substâncias lícitas ou ilícitas,
a privação de sono e de alimentos, questões hormonais, níveis de vitamina, a
motivação e o interesse em uma atividade, o humor, a presença de lesões
cerebrais ou de doenças/transtornos mentais.
Considerando as diferentes situações citadas acima, ao pensar em um
comportamento alterado ou até inadequado que esteja relacionado ao fenômeno
da atenção, é importante identificar se esse prejuízo atencional é primário ou
secundário a alguma situação, seja uma doença ou até mesmo a uma falta de
motivação.
Um ótimo exemplo para refletir sobre um comportamento alterado
ocasionado por uma dificuldade atencional primária é o tão falado, atualmente,
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Antes de entendermos
melhor essa condição, cabe ressaltar que sim, é uma condição clínica importante,

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que realmente existe e que pode trazer sofrimento importante para o portador e
para as pessoas próximas. É importante falar isso, pois muitas pessoas acreditam
que é um transtorno inventado pela indústria farmacêutica, que hoje em dia todo
mundo está sendo diagnosticado com TDAH, etc.
Certamente vemos muitas pessoas diagnosticadas erroneamente e
fazendo uso de medicações sem a necessidade, porém, ao se deparar com
pessoas TDAH e que recebem o tratamento adequado, seja farmacológico ou
não, percebemos os benefícios da intervenção. Dessa forma, é preciso entender
que o TDAH é um transtorno neurobiológico, que apresenta alteração de
neurotransmissores e que precisa ser tratado.
O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento, ou seja, que tem início
no período do desenvolvimento, que em geral surge antes de a criança ingressar
na escola e é caracterizado por déficits que acarretam “prejuízo no funcionamento
pessoal, social, acadêmico ou profissional” (APA, 2013).
Caracteriza-se pela presença de sintomas de desatenção, hiperatividade e
impulsividade. Mas vale ressaltar que esses sintomas não precisam aparecer
juntos. Existem três formas de classificação do transtorno:

 Forma de apresentação predominantemente desatenta;


 Forma de apresentação predominantemente hiperativa/impulsiva;
 Forma de apresentação combinada.

A manifestação da desatenção ocorre através de esquecimentos,


distração, perda de objetos, desorganização, pouca concentração e falta de
atenção aos detalhes. A hiperatividade pode ser caracterizada por um
comportamento de atividade motora e inquietação excessiva. Por fim, a
impulsividade é marcada pela dificuldade em esperar a sua vez, por respostas
precipitadas, intromissão e interrupção (Costa et al., 2014).
De acordo com o DSM-5 – Manual Diagnóstico e Estatístico dos
Transtornos Mentais (APA, 2013), alguns critérios devem ser observados para
que o diagnóstico possa ser feito. Além da presença dos sintomas citados adiante,
o padrão desatento e/ou hiperativo-impulsivo deve estar presente em pelo menos
dois contextos diferentes (exemplo: escola e ambiente familiar). Além disso, os
sintomas devem interferir de forma significativa no funcionamento do indivíduo
(social, escolar, ocupacional). Para a investigação do diagnóstico em crianças,
podemos utilizar um instrumento adaptado para a população brasileira, chamado
de MTA-SNAP-IV (Mattos et al., 2006) em que pelo menos seis dos sintomas
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listados a seguir devem estar presentes (para cada categoria, ou seja, pelo menos
seis sintomas de desatenção e/ou seis sintomas de hiperatividade/impulsividade):

Sintomas de desatenção
a. Frequentemente não presta atenção em detalhes ou comete erros por
descuido em tarefas escolares ou durante outras atividades;
b. Frequentemente tem dificuldade em manter a atenção em tarefas ou
atividades lúdicas;
c. Frequentemente parece não escutar quando alguém lhe dirige a
palavra diretamente;
d. Frequentemente não segue instruções até o fim e não consegue
terminar trabalhos escolares ou tarefas;
e. Frequentemente tem dificuldades para organizar tarefas e atividades;
f. Frequentemente evita, não gosta ou reluta em se envolver em tarefas
que exijam esforço mental prolongado;
g. Frequentemente perde coisas necessárias para tarefas ou atividades;
h. Com frequência é facilmente distraído por estímulos externos;
i. Com frequência é esquecido em relação a atividades. (Mattos et al,
2006)

Sintomas de hiperatividade/impulsividade:

a. Frequentemente mexe as mãos ou os pés ou se contorce na cadeira;


b. Frequentemente levanta da cadeira em situações em que se espera
que permaneça sentado;
c. Frequentemente corre ou sobe nas coisas em situações em que isso
é inapropriado;
d. Com frequência é incapaz de brincar ou se envolver em atividades de
lazer calmante;
e. Com frequência “não para”, agindo como se estivesse “com o motor
ligado”;
f. Frequentemente fala demais;
g. Frequentemente deixa escapar uma resposta antes que a pergunta
tenha sido concluída;
h. Frequentemente tem dificuldade par esperar sua vez;
i. Frequentemente interrompe ou se intromete nas conversas. (Mattos et
al, 2006)

As crianças com TADH costumam ter desempenho acadêmico deficitário,


prejuízo na interação social e familiar. Já em adultos, alguns comportamentos
típicos do TDAH são (Costa et al., 2014):

 pior desempenho acadêmico;


 baixa realização profissional;
 maior número de infrações de trânsito e acidentes automobilísticos;
 maiores taxas de comportamento sexual de risco;
 maior probabilidade de uso de substâncias;
Os adultos TDAH costumam apresentar menos sinais de hiperatividade,
quando comparados com as crianças, entretanto podem apresentar
queixas relacionadas à dificuldade para relaxar, para se organizar, para
alcançar metas e para estabelecer prioridades.

Já em adultos, de acordo com Costa et al. (2014, p. 166), “alguns


comportamentos típicos do TDAH são: pior desempenho acadêmico, baixa
realização profissional, maior número de infrações de trânsito e acidentes

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automobilísticos, maiores taxas de comportamento sexual de risco e maior
probabilidade de uso de substâncias”.
Os adultos TDAH costumam apresentar menos sinais de hiperatividade,
quando comparados com as crianças, entretanto podem apresentar queixas
relacionadas à dificuldade para relaxar, para se organizar, para alcançar metas e
para estabelecer prioridades (Costa et al., 2014).
A etiologia (causa) do TDAH é complexa, mas sabe-se que há uma relação
com fatores genéticos e ambientais. Pesquisas na área das neurociências
evidenciam alterações no sistema nervoso central, o que fortalece a ideia de
transtorno neurobiológico.
Em relação às dificuldades atencionais decorrentes de condições
secundárias, podemos pensar em alterações de nível de atenção em função de
quadros psiquiátricos, por exemplo, a depressão e a ansiedade. Há fortes
evidências de que o humor deprimido, assim como altos níveis de ansiedade
interferem na nossa capacidade atencional, na presença ou não de um transtorno.
Basta pensarmos em diferentes situações em que nos sentimos muito tristes, sem
motivação ou extremamente ansiosos e preocupados. Ler um livro ou estudar
quando estamos em uma situação de luto ou frente a uma ocasião de extremo
estresse é praticamente impossível, visto que o foco atencional e a concentração
ficam muito prejudicados.
Outras dificuldades atencionais secundárias seriam alterações decorrentes
de lesões cerebrais, por exemplo, uma batida na cabeça que ocasionou um
trauma cranioencefálico, assim como eventuais dificuldades associadas a
quadros de alteração hormonal, por exemplo, problemas na tireoide. A dificuldade
de concentração está normalmente presente em pessoas com hipotireoidismo.
Por fim, os processos atencionais são importantíssimos para todos os
aspectos do funcionamento cognitivo, sendo fundamentais para o sucesso do
processo de aprendizagem e para a adequada adaptação do indivíduo em
diferentes contextos.
Assim, entende-se que a compreensão mais aprofundada desse fenômeno
torna-se relevante para qualquer profissional, não importa a área de atuação, visto
que a identificação precoce de uma dificuldade pode contribuir para um melhor
prognóstico e embasar medidas de intervenção mais eficazes.
Em tempos em que “prestar a atenção” está cada vez mais difícil, entender
um pouco mais sobre esse fenômeno pode ser um diferencial.

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REFERÊNCIAS

APA – American Psychiatry Association. Diagnostic and Statistical Manual of


Mental Disorders - DSM-5. 5.ed. Washington: American Psychiatric Association,
2013.

COSTA, D. et al. Neuropsicologia do TDAH e outros transtornos externalizantes.


In: FUENTES, D. et al. Neuropsicologia: teoria e prática. 2. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014.

COUTINHO, G. et al. Atenção. In: MALLOY-DINIZ, L. et al. Avaliação


neuropsicológica. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018.

COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociências e educação: como o cérebro


aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011.

GAZZANIGA, M. S.; IVRY, R. B.; MANGUN, G. R. Neurociência cognitiva: a


biologia da mente. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

KANDEL, E. E. et al. Princípios de neurociências. 5. ed. Porto Alegre: AMGH,


2014.

LEZAK, M.; HOWIESON, D. B.; LORING, D. W. Neuropsychological


Assessment. 4. ed. New York: Oxford University Press, 2004.

MALLOY-DINIZ, L. F. et al. Neuropsicologia no transtorno de déficit de


atenção/hiperatividade. In: MALLOY-DINIZ, L. F. et al. Neuropsicologia: teoria e
prática. Porto Alegre: Artmed, 2008.

_____. Avaliação neuropsicológica. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018.

MATTOS, P. et al. Apresentação de uma versão em português para uso no Brasil


do instrumento MTA-SNAP-IV de avaliação de sintomas de transtorno do déficit
de atenção/hiperatividade e sintomas de transtorno desafiador e de
oposição. Revista de Psiquiatria, v. 28, n. 3, Rio Grande Sul, set./dez. 2006

SOHLBERG, M. M.; MATEER, C. A. Reabilitação cognitiva: uma abordagem


neuropsicológica integrada. São Paulo: Livraria Santos, 2010.

TOAZZA, R. Perfil neuropsicolinguístico de adolescentes com e sem


transtorno de ansiedade: um estudo de casos e controles. (Dissertação
Mestrado em Ciências Biológicas e Neurociências) – Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.

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XAVIER, G. F. Processos atencionais. In: SANTOS, F.; ANDRADE, V.; BUENO,
O. Neuropsicologia Hoje. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.

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AULA 2

COGNIÇÃO, ATENÇÃO E
FUNÇÕES EXECUTIVAS

Profª Camila Paraná


As funções executivas têm sido foco de atenção, nos últimos anos, por
todas as áreas das neurociências. Inúmeros pesquisadores têm buscado
aprofundar seus conhecimentos acerca desse constructo cognitivo para
compreender melhor a relação dessas funções com o comportamento humano.
Inicialmente, havia um maior interesse de estudo das funções executivas
por profissionais das neurociências que atuam e estudam as alterações que
ocorrem, decorrentes de lesões encefálicas adquiridas, transtornos do
neurodesenvolvimento, transtornos psiquiátricos em geral e até mesmo alterações
relacionadas ao envelhecimento normal ou patológico. Mais recentemente,
observa-se que outros profissionais, além da saúde e da educação, como pessoas
do mundo dos negócios, marketing, economia, etc. também buscam compreender
melhor o funcionamento executivo. Esse interesse por diferentes áreas de
conhecimento justifica-se pelo fato de as funções executivas serem recrutadas na
maioria das nossas ações no cotidiano, seja no ambiente familiar, no trabalho ou
nas nossas relações sociais e afetivas.
Mas, afinal, o que são as funções executivas? Nesta aula, serão abordados
os diferentes conceitos e modelos teóricos, assim como as bases neurais e a
relação com o comportamento.

TEMA 1 – CONCEITOS

De acordo com o dicionário da International Neuropsychological Society,


as funções executivas podem ser definidas como o conjunto de habilidades
cognitivas necessárias para a execução de comportamentos complexos dirigidos
a uma meta e para a adaptação a uma gama de exigências ambientais (Loring,
1999, tradução livre da autora, p. 63).
Funções executivas consistem em um conjunto de habilidades que, de
forma integrada, permitem ao indivíduo direcionar comportamentos a metas,
avaliar a eficiência desses comportamentos, abandonar estratégias ineficientes a
favor de outras mais eficientes e solucionar problemas (Malloy-Diniz et al., 2008).
Independente da definição, autores concordam que as funções executivas
estão relacionadas com a capacidade de direcionar um comportamento a um
objetivo, sendo essas funções a base do nosso comportamento intencional e da
nossa capacidade de autogestão. Se essas funções estão relacionadas à
intencionalidade, entende-se então que são recrutadas em situações inéditas e
complexas, em que o nosso repertório automatizado já não apresenta mais

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potencial adaptativo. Assim, as funções executivas são essenciais para a
adaptação dos indivíduos em um ambiente civilizado (Malloy-Diniz et al., 2018).
Diversos autores consideram que as funções executivas englobam
inúmeros componentes, tais como, a atenção seletiva, o controle inibitório, a
memória operacional, a flexibilidade cognitiva e o planejamento, operações
necessárias para gerenciar o comportamento humano. Uma ação orientada a um
objetivo específico exige um plano de ação, o qual deve permitir alterações em
seu curso sendo, portanto flexível e adaptativo (Gazzaniga; Ivry; Mangun, 2006).
Considerando que não há um consenso na literatura acerca dos modelos
teóricos e de quais componentes ou subcomponentes formam as funções
executivas, os próximos temas desta aula abordarão essas questões de ordem
mais teórica.

TEMA 2 – MODELOS TEÓRICOS DE FUNÇÕES EXECUTIVAS

As funções executivas estão relacionadas às habilidades necessárias para


formular um objetivo: planejar, executar planos de modo eficiente e autocorrigir-
se de um modo espontâneo e confiável (Pereira, 2000). Conforme já citado
anteriormente, não há na literatura um consenso em relação a uma única definição
para esse constructo, pois existem diferentes teorias e modelos explicativos que
definem e explicam o funcionamento das funções executivas (Malloy- Diniz et al.,
2008).
Alguns autores definem as funções executivas como um único sistema, em
que a presença de um dano seria responsável pelo comprometimento de diversas
áreas. Outras teorias consideram as funções executivas como diferentes
constructos. Independente do modelo, as limitações teóricas ainda estão
presentes, não havendo um consenso em relação ao melhor modelo a ser
adotado.
A seguir, serão apresentados alguns modelos teóricos mais referenciados
na literatura:

 Modelo de Shallice e Norman (Shallice, 1982): modelo que integra


conceitos da psicologia cognitiva e da neuropsicologia. Para esses autores,
o processamento de informações ocorre por meio de dois modos
diferentes, um automático e outro controlado. Os processos automáticos
ocorrem quando o indivíduo possui um repertório de respostas

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armazenadas. Já em situações novas, é preciso que ele seja capaz de criar
respostas e planos de ação adequados, sendo estes os processos
controlados, modulados pelo Sistema Atencional Supervisor (SAS). Esse
mecanismo, o SAS, proposto por Norman e Shallice, é responsável pelo
controle das respostas aos estímulos e pela seleção de comportamentos;
 Modelo de Miyake, Friedman, Emerson, Witzki e Howerter (2000) – Modelo
Fatorial: esses autores realizaram um estudo a fim de tentar responder à
relevante questão de até que ponto algumas funções podem ser
consideradas unitárias quando na verdade elas podem ser reflexo de
mecanismos ou habilidades subjacentes. Nesse estudo, Miyake et al.
(2000) “extraíram” estatisticamente o que é comum entre as tarefas
selecionadas para analisar como diferentes funções se relacionam. Para
tal, escolheram três funções consideradas importantes na literatura:
flexibilidade, atualização e inibição. Os resultados evidenciaram que as três
funções são claramente distinguíveis, mas não completamente
independentes, pois apresentam componentes subjacentes comuns.
 Modelo de Lezak, Howieson e Loring (2004): composto por quatro
componentes: (1) volição, habilidade para estabelecer metas envolvendo a
motivação e a autoconsciência; (2) planejamento, elaboração de um roteiro
de ações para alcançar metas; (3) ação intencional, transição da intenção
e do plano para o comportamento; (4) desempenho efetivo,
automonitoramento da ação intencional, capacidade de avaliar se uma
ação é efetiva e, caso não seja representa a flexibilidade de modificá-la.
 Modelo de Sohlberg e Mateer (2010): formado pelos seguintes
componentes: iniciativa e direção (comportamento de iniciativa), resposta
inibitória (comportamento de parada), persistência na tarefa (manutenção
do comportamento), organização de ações e pensamentos, pensamento
criativo (criatividade, fluência e flexibilidade cognitiva) e conscientização
(monitoramento e modificação do próprio comportamento). De acordo com
essas autoras, esses seis componentes estão relacionados com diversos
distúrbios cognitivos e comportamentais que podem ocorrer como parte de
uma síndrome disexecutiva.
 Modelo de Adele Diamond: esSe modelo entende que existem três
habilidades principais, que são a inibição, a memória de trabalho e a
flexibilidade e que outras habilidades, como planejamento, tomada de

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decisão e monitoramento, são resultantes da integração dessas três
funções nucleares (Seabra et al, 2014).
 Modelo de Cicerone: divide as funções executivas em quatro domínios: (1)
funções executivas cognitivas: habilidades envolvidas no controle e
direcionamento do comportamento; (2) funções autorreguladoras do
comportamento: regulação comportamental em situações em que a análise
cognitiva não é suficiente para uma resposta adaptativa; (3) funções de
regulação da atividade: responsável por prover iniciativa e continuidade a
ações direcionadas a metas; (4) processos metacognitivos: relacionado à
autoconsciência, ao ajustamento e ao comportamento social adequado
(Seabra et al, 2014).
 Modelo de funções executivas quentes e frias: esse modelo divide as
funções executivas em componentes quentes e frios, trazendo a ideia de
que essas habilidades também estão relacionadas à regulação das
emoções e do ambiente social. As funções executivas frias relacionam-se
ao aspecto cognitivo, sendo observadas em situações com demandas
mínimas de processos emocionais e motivacionais. Já as funções
executivas quentes referem-se ao controle exercido em condições com
significativa carga emocional e motivacional, como por exemplo em
momentos em que é necessário regular um comportamento e tomar uma
decisão.

TEMA 3 – SUBCOMPONENTES DE FUNÇÃO EXECUTIVA

Com base em diferentes modelos teóricos de função executiva, nota-se a


existência de diferentes componentes, ou subcomponentes que formam este
conjunto de funções. Dessa forma, independente do modelo adotado, faz-se
necessário compreender cada um desses constructos.
Antes de discorrer sobre os diferentes componentes executivos citados na
literatura, é importante saber que as funções executivas se desenvolvem no
primeiro ano de vida e só são consideradas maduras ao final da adolescência.
Além disso, podem ser treinadas e estimuladas ao longo da vida.
Para a maioria dos autores, as três primeiras funções executivas citadas
abaixo são consideradas como funções nucleares, as quais servem de alicerce
para outras funções executivas mais complexas.

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3.1 Controle inibitório ou inibição

Habilidade de controlar comportamentos inapropriados, colocando o


indivíduo no controle de seus comportamentos, sejam eles influenciados por
eventos externos, emoções, pensamentos ou tendências comportamentais
prévias ou automáticas (Seabra et al., 2014). Inibir um comportamento está
intimamente relacionado à capacidade de autocontrole. Assim, pode-se entender
que uma pessoa impulsiva apresenta dificuldades relacionadas ao controle
inibitório.
No cotidiano, nos deparamos frequentemente com pessoas consideradas
espontâneas e “sem freio”. Porém, até que ponto essa espontaneidade não é uma
baixa capacidade de controle inibitório? A ausência de controle inibitório pode
ocorrer por uma lesão cerebral adquirida ao longo da vida e pode estar associada
a algum transtorno psiquiátrico, ou a alguma alteração no desenvolvimento. Em
relação à espontaneidade ou não, o importante é saber que nenhum
comportamento apropriado deve ultrapassar os limites e as regras sociais.

3.2 Flexibilidade cognitiva ou flexibilidade mental

Capacidade de mudar o foco de atenção, perspectivas, prioridades e


regras. Adaptar-se ao ambiente e às suas demandas requer muita flexibilidade
cognitiva. É a habilidade de lidar com situações novas sem ficar preso a padrões
rígidos e preestabelecidos de comportamento.
Pessoas com falta de flexibilidade cognitiva tendem a apresentar um
padrão rígido de comportamento, marcado por uma dificuldade em mudar o foco
de processamento de uma ação ou de pensamento para outro. Nessa situação,
observa-se uma repetição de um comportamento ou conduta inapropriada,
mesmo quando há um feedback do ambiente. Dessa forma, pode-se entender que
a flexibilidade tem um papel fundamental para a garantia de ajustamento das
pessoas às exigências do ambiente (Seabra et al., 2014).

3.3 Memória de trabalho ou memória operacional

Memória de trabalho pode ser definida como a capacidade de


armazenamento temporário de uma informação, enquanto fazemos uso dela. Ou
seja, habilidade de sustentar uma informação em mente, por um curto período de

6
tempo, enquanto essa informação está sendo usada para resolver uma situação
problema ou realização de uma tarefa (Seabra et al., 2014).
Apesar de se chamar memória, a memória de trabalho é considerada um
tipo de função executiva, e não apenas um subtipo de memória, pois é entendida
como uma função muito mais complexa do que apenas o armazenamento de uma
informação. Além de armazenar um conteúdo por um período limitado de tempo,
a memória de trabalho exige a manipulação, a organização e o sequenciamento
de ideias/informações.
No dia a dia, observamos a dificuldade de memória de trabalho quando nos
deparamos com pessoas que não conseguem seguir instruções complexas.
Nesse caso, a pessoa pode até guardar comandos e passos para atingir um
objetivo, mas falham ao sequenciar e organizar as informações. O tema 5 desta
aula trará exemplos de dificuldades nos diferentes componentes de função
executiva.
Por fim, pesquisas têm revelado a importância da memória de trabalho nos
processos de aprendizagem. Há fortes evidências de que a leitura, a escrita e o
raciocínio aritmético demandam memória de trabalho.

3.4 Planejamento

Refere-se à identificação e organização de passos e elementos


necessários para realizar uma intenção ou atingir um objetivo (Lezak, Howieson;
Loring, 2004). Um plano pode ser definido como uma série de eventos
estruturados que geralmente contêm uma ou mais metas.
Entende-se que planejar algo é uma ação muito mais complexa do que se
pode imaginar, pois essa função recruta outras habilidades, por exemplo:
conceber alternativas, entreter ideias, controlar impulsos, desenvolver estratégias,
estabelecer prioridades, fazer escolhas e tomar decisões.

3.5 Tomada de decisão

A tomada de decisão é uma função essencial para a relação satisfatória do


indivíduo com a sociedade. A psicologia cognitiva entende que esse processo
depende da capacidade de escolher uma opção entre diferentes possibilidades e
parte do princípio que a pessoa usa o raciocínio lógico para solucionar seus
problemas da melhor maneira possível. Diferentes modelos teóricos foram criados

7
para explicar como as pessoas tomam as decisões. A maioria desses modelos
trazia definições valorizando apenas a racionalidade, entendendo que tomar uma
decisão dependia apenas de uma análise racional de custo e benefício. Porém,
estudos posteriores ressaltaram o papel da emoção no processo de tomada de
decisão (Cardoso; Cotrena, 2013).

3.6 Automonitoramento

Essa habilidade de refletir sobre si mesmo, sobre suas habilidades,


potencialidades e fraqueza está relacionada ao estabelecimento de uma
sequência de comportamentos e à reflexão sobre o impacto de suas ações sobre
outras pessoas (Malloy-Diniz, et al., 2018).

3.7 Autorregulação emocional

Habilidade executiva que inclui a habilidade de reconhecer e nomear


nossas emoções e de manejar e modular a sua expressão de maneira adaptativa
em relação ao contexto social (Meltzer, citado por Seabra, 2014).

TEMA 4 – BASES NEURAIS DAS FUNÇÕES EXECUTIVAS

A organização cerebral das funções executivas e os sintomas que refletem


seu comprometimento constituem aspectos complexos da neurobiologia humana.
Seu estudo é essencial para a compreensão dos mecanismos que presidem as
formas mais complexas do comportamento humano, que se manifestam no
universo social, regidas pela qualidade e pela adequação das relações
interpessoais (Lent, 2008).
Ao pensar nas bases neurais das funções executivas, nos remetemos à
parte mais anterior do cérebro, o lobo frontal, mais especificamente ao córtex pré-
frontal.
A maior parte das funções do lobo frontal corresponde às funções
executivas, sendo o lobo frontal responsável pelo controle das ações de
antecipação, escolha de objetivos a serem alcançados, planificação, seleção
adequada e vigilância do resultado obtido. O córtex pré-frontal, localizado
anteriormente à área pré-motora do lobo frontal, é considerado o substrato
neuroanatômico responsável pelas funções executivas. Áreas específicas do
córtex pré-frontal (região dorsolateral e ventromedial) estão relacionadas aos

8
processos e operações das funções executivas, como os mecanismos de
memória de trabalho, filtragem da informação, planejamento de ações e
flexibilidade cognitiva (Gil, 2002).
Diferentes regiões do córtex pré-frontal estão implicadas no funcionamento
executivo. Além disso, uma mesma região pode desempenhar diferentes funções
em momentos distintos, dada a capacidade de flexibilidade neuronal desta região
cerebral. Dados recentes apontam a existência de uma hierarquia cognitiva
formada por meio de uma rede neuronal que controla sistemas dinâmicos.
Considerando tal hierarquia, entende-se a utilidade de dividir o funcionamento
executivo em subcomponentes relacionados entre si, que operam em diferentes
situações (Tirapu-Ustarroz et al., 2008).
Três circuitos neurais são importantes para entender a localização de
componentes executivos, assim como suas alterações (Malloy-Diniz et al., 2018):

1. Circuito que envolve conexões entre o cíngulo anterior e estruturas


subcorticais: quando este circuito encontra-se comprometido, podemos
observar comportamentos de apatia, desmotivação e prejuízo no controle
da atenção. Esse circuito também pode ser chamado de medial;
2. Circuito dorsolateral pré-frontal: o acometimento dessa região cerebral
pode ocasionar dificuldades de ordem cognitiva relacionadas ao
estabelecimento de metas, capacidade de planejar, de solucionar
problemas, memória de trabalho, flexibilidade cognitiva, abstração e
julgamento;
3. Circuito orbitofrontal: relacionado a mudanças de personalidade, ao
comportamento impulsivo e à tomada de decisões imediatistas sem
considerar consequências a longo prazo.

Para facilitar o aprendizado, o quadro a seguir resume os principais


componentes executivos e a sua localização no córtex pré-frontal:

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Quadro 1 – Principais componentes executivos e a sua localização no córtex pré-
frontal

Área / Circuito pré-frontal Componente de função


executiva
Circuito medial Controle atencional
Automonitoramento
Circuito dorsolateral Planejamento
Flexibilidade cognitiva
Memória de trabalho
Circuito orbitofrontal Controle inibitório
Avaliação de riscos
Fonte: Elaborado pela autora.

TEMA 5 – FUNÇÕES EXECUTIVAS E COMPORTAMENTO

No dia a dia, inúmeras situações demandam a utilização das funções


executivas tendo em vista a presença constante de elementos novos e situações
inesperadas. Quando essas funções encontram-se comprometidas, o
desempenho dos indivíduos em atividades complexas, sejam elas relacionadas
ao trabalho, à vida familiar ou às atividades da vida diária, apresenta-se altamente
prejudicado (Malloy-Diniz et al., 2010). Sohlberg e Mateer (2010) afirmam que
esses sintomas, chamados disexecutivos, são responsáveis pelo
comprometimento funcional sociocupacional e, portanto, responsáveis por
dificuldades significativas de adaptação social, organização das atividades da vida
diária e controle emocional.
Nos temas anteriores desta aula, foram apresentadas as definições e
possíveis áreas corticais de cada subcomponente das funções executivas.
Conforme já citado anteriormente, o mau funcionamento executivo pode acarretar
em prejuízos nas diversas esferas de nossa vida. Fica então o questionamento
das possíveis causas de um mau funcionamento executivo. Essas possíveis
causas também já foram citadas, de forma breve, nesta aula. Mas neste tópico
será aprofundada essa temática, assim como exemplos de situações de disfunção
executiva.
Iniciamos pelas possíveis causas:
O termo lesão encefálica adquirida é muito conhecido pelos profissionais
da medicina, neuropsicologia etc. Para pessoas do mundo dos negócios, esse
termo pode não ser tão óbvio. O nome já diz: esse grupo de lesões é adquirido
em algum momento da vida do indivíduo, ou seja, a pessoa não nasce com essa

10
alteração. São exemplos de lesões: o traumatismo cranioencefálico, o acidente
vascular cerebral (popularmente conhecido por derrame) e os tumores cerebrais.
Quando essas lesões aparecem na região frontal do cérebro, a grosso modo, na
sede das funções executivas, podemos observar mudanças importantes nos
aspectos comportamentais.
Outra possível causa de disfunção executiva é a presença de um transtorno
do neurodesenvolvimento ou algum transtorno mental. São exemplos de
transtornos do neurodesenvolvimento o transtorno do déficit de atenção e
hiperatividade, o transtorno do espectro autista e a deficiência intelectual. Os
demais transtornos mentais podem ser o transtorno depressivo, transtornos de
ansiedade, transtorno bipolar, esquizofrenia, etc. Sabe-se que pessoas com esses
quadros clínicos apresentam, em diferentes graus, um prejuízo de função
executiva.
Por último, devemos saber que muitas pessoas sem nenhuma condição
clínica, como as citadas acima, podem apresentar algum prejuízo de função
executiva devido a uma possível falta de estimulação.
E como esse prejuízo se manifesta no dia a dia? Como podemos identificá-
lo? Após uma lesão cerebral, a identificação fica um pouco mais clara, visto que
há uma causa conhecida que apareceu de forma muitas vezes abrupta, ou seja,
decorrente da lesão, há uma sequela. Em quadros psiquiátricos ou por
dificuldades decorrentes da falta de estimulação, essa percepção pode ser mais
difícil.
A seguir, alguns exemplos de comprometimento executivo:
Um rapaz de 25 anos teve um traumatismo cranioencefálico. Após a alta
hospitalar e alguns meses de recuperação em casa, retornou às suas atividades
ocupacionais. Trabalhava como auxiliar administrativo em uma empresa e suas
atividades diárias envolviam responder e-mails, atender telefone, fazer pequenos
serviços para a sua chefe e organizar documentos. Após poucos dias de seu
retorno, sua chefe o chamou para apontar alguns comportamentos que não
existiam antes do acidente. Segundo o relato da chefia, o funcionário finalizava o
seu dia de trabalho praticamente sem concluir nenhuma tarefa. Iniciava uma
atividade, mas logo se dispersava e fazia outra coisa. Ao observar mais de perto
a sua rotina, percebeu que havia uma dificuldade em estabelecer prioridades,
além do prejuízo em seguir passos para alcançar metas. De forma mais simples,
o funcionário até tinha a intenção de concluir algumas tarefas específicas naquele

11
dia, mas quando algo fora do esperado acontecia, ele se perdia e não conseguia
retornar ao foco. Esse exemplo é clássico para visualizar dificuldades de
planejamento. Esse caso está relacionado a uma lesão adquirida, mas podemos
encontrar muitas pessoas sem histórico de lesão e/ou alguma patologia com
prejuízo na habilidade de concluir tarefas e de alcançar metas definidas.
Outro exemplo de disfunção executiva pode ser uma mãe que reclama que
seu filho é muito distraído e que é preciso pedir uma coisa de cada vez, pois ele
nunca consegue concluir as solicitações feitas. Nesse caso, a dificuldade pode
não refletir um prejuízo de atenção por si só, mas sim de memória de trabalho,
quando é preciso guardar as informações (pedidos feitos pela mãe), manipulá-las,
organizá-las e gerenciá-las. Esta segunda etapa, mais complexa, exige a
capacidade de sequenciar as ações.
Um último exemplo refere-se à função de flexibilidade cognitiva. Podemos
pensar em uma situação em que uma pessoa, João, com diagnóstico de espectro
autista grau leve, apresenta rígidas rotinas. Certo dia, como de costume, dirigiu-
se ao ponto de ônibus, no mesmo horário de sempre. O ônibus costumava passar
as 7:20 da manhã. Naquele dia, especialmente, João estava mais apreensivo,
pois teria uma prova importante na faculdade. Às 7:25, outro ônibus passou e
avisou as pessoas que o transporte que João esperava havia quebrado algumas
quadras antes. Diante dessa situação, as pessoas do ponto de ônibus começaram
a se movimentar. Uns ligaram para parentes, outros chamaram um transporte
alternativo e alguns foram embora caminhando. Ao contrário, João permaneceu
imóvel no ponto de ônibus. Esperou por quase uma hora até que outro ônibus da
mesma linha substituísse o quebrado. Ao chegar à faculdade, dirigiu-se até a sala
de aula, onde encontrou o professor saindo da sala. Contou o ocorrido e, ao ser
questionado de por que não buscou uma forma alternativa para chegar antes à
universidade, João, sem compreender, apenas respondeu que ele se locomove
todos os dias da mesma forma, com o ônibus da linha x. Esse exemplo reflete
uma situação em que há uma dificuldade importante em mudar o foco de
processamento de uma ação ou pensamento à outra. É difícil para essas pessoas,
com dificuldade de flexibilizar, encontrar alternativas mais eficientes de acordo
com a demanda inesperada do ambiente. Essas pessoas costumam ter grandes
dificuldades em se adaptar frente a situações inusitadas, comuns ao cotidiano.

12
REFERÊNCIAS

CARDOSO, C.; COTRENA, C. Tomada de decisão examinada pelo Iowa


Gambling Task: análise das variáveis de desempenho. Revista Neuropsicologia
Latinoamericana, v. 5, n. 1, p. 24-30, 2013.

GAZZANIGA, M. S.; IVRY, R. B.; MANGUN, G. R. Neurociência cognitiva: a


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Gil, R. Neuropsicologia. São Paulo: Santos, 2002.

LENT, R. Neurociência da mente e do comportamento. Rio de Janeiro:


Guanabara Koogan, 2008.

LEZAK, M.; HOWIESON, D. B.; LORING, D. W. Neuropsychological


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MALLOY-DINIZ, L. F. et al. Neuropsicologia das funções executivas. In:


FUENTES, D. et al. Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed,
2008.

_____. Avaliação neuropsicológica. Porto Alegre: Artmed, 2010.

_____. Avaliação neuropsicológica. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018.

MIYAKE, A. et al. The unity and diversity of executive functions and their
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PEREIRA, F. S. Funções executivas e funcionalidade no envelhecimento


normal, comprometimento cognitivo leve e doença de Alzheimer. Tese
(Doutorado em Medicina) – Faculdade de Medicina da Universidade de São
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SEABRA, A. G. et al. Inteligência e funções executivas: avanços e desafios


para a avaliação neuropsicológica. São Paulo: Memnon, 2014.

SHALLICE, T. Specific impairments of planning. Philosophical Transactions of


the Royal Society, v. 298, p. 199-209, 1982.

SOHLBERG, M. M.; MATEER, C. A. Reabilitação cognitiva: uma abordagem


neuropsicológica integrada. São Paulo: Livraria Santos Editora. 2010.
13
TIRAPU-USTÁRROZ, J. et al. Modelos de funciones y control ejecutivo (I).
Revista de Neurologia, v. 46, n. 11, p. 684-692, 2008.

14
AULA 3

COGNIÇÃO, ATENÇÃO E
FUNÇÕES EXECUTIVAS

Profª Camila Maia de Oliveira Borges Paraná


CONVERSA INICIAL

Nesta aula iremos falar de dois aspectos importantes na cognição, que são
essenciais para as nossas ações cotidianas e para o monitoramento de nosso
comportamento: a atenção e a autoconsciência. Esses dois aspectos cognitivos
são normalmente associados, entendendo que a autoconsciência é dependente
da atenção. Entretanto, ao longo deste encontro, entenderemos que nem sempre
esta associação é verdadeira.
Inicialmente, vamos abordar aspectos do desenvolvimento da atenção e
questões relacionadas à sua estimulação. Posteriormente, abordaremos um tema
muitas vezes polêmico nas neurociências, a consciência, para então aprofundar
o conceito de autoconsciência, sua importância e repercussão no comportamento
humano.

TEMA 1 – ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO DA ATENÇÃO

Entender como a atenção se desenvolve é importante, por diferentes


razões. Para os profissionais que atuam com crianças, e mesmo para aqueles que
convivem com pessoas dessa faixa etária, é fundamental compreender quanto de
foco atencional as crianças apresentam em diferentes idades. Essa compreensão
nos dá embasamento para entender melhor o comportamento infantil, saber o que
esperar e o que cobrar das crianças, identificar possíveis transtornos e por fim
criar e adotar estratégias de estimulação cognitiva.
Prestar atenção é fundamental para que possamos aprender algo novo,
independentemente da idade, e também para que nossas ações sejam
executadas da melhor maneira possível. Podemos afirmar que qualquer
comportamento intencional demanda atenção. Mas o que esperar em termos de
desenvolvimento, ou seja, quando um bebê começa a realmente prestar a atenção
e quando um idoso começa a perder a capacidade atencional?
De acordo com Cosenza e Guerra (2011), nos primeiros meses de vida, os
circuitos neurais responsáveis pela atenção ainda não estão desenvolvidos.
Nessa fase da vida, a atenção é regulada apenas pelos estímulos periféricos,
relacionados a um tipo de atenção reflexa, e não voluntária. Os reflexos iniciais se
manifestam por um reflexo orientado, através da fixação do olhar, normalmente
em estímulos novos e considerados fortes, como por exemplo um barulho alto,
uma luz mais forte ou até mesmo um gesto realizado de forma mais brusca. De

2
acordo com Luria (1979), a atenção reflexa funciona de forma rápida, visto que,
ao aparecer um novo estímulo, o foco de atenção muda em função do reflexo
orientado.
Com o passar do tempo, os bebês se tornam capazes de dirigir a atenção,
até conseguir atingir os níveis atencionais de um adulto. Esse processo depende
da maturação neurológica e está relacionado à atenção voluntária.
O quadro a seguir apresenta a descrição de Luria (1979) acerca do
desenvolvimento da atenção voluntária em crianças.

Quadro 1 – Atenção voluntária

Faixa etária Desenvolvimento da atenção


Por meio de instruções verbais dos adultos, começa a ocorrer a
regulação da atenção do bebê: o adulto fala, age e faz gestos e o bebê
Primeiro ano
começa a orientar a sua atenção para estes estímulos. Através da
de vida
nomeação e ordenação de ações, começa o desenvolvimento da
atenção: “isso é uma colher, pegue a bola”.
Nomeação de objetos e ordens verbais começam a orientar e direcionar a
atenção: a criança começa a olhar para o objeto nomeado e consegue
Ao término do buscar e distinguir objetos procurados. Nesta idade, a fala do adulto já
1º ano direciona a atenção da criança. Apesar do possível direcionamento ao
objeto alvo, a criança desvia com facilidade o foco para outros objetos ou
estímulos ao redor.
O comando verbal do adulto já é considerado mais sólido e capaz de
Segundo ano
organizar a atenção da criança; apesar disso, o foco atencional só é
de vida
mantido nas etapas iniciais.
Em função da imaturidade neurológica, mais especificamente do córtex,
até os três anos de idade observa-se o predomínio da atenção
Até os três involuntária. Entre dois e três anos, com um pouco mais de maturação
anos de idade cortical, observamos o início da atenção voluntária, quando há a
possibilidade de coordenar a fala com ações voluntárias e com a
locomoção.
De quatro a Percepção e comandos verbais já orientam de forma consistente a
cinco anos atenção da criança, regulando o seu comportamento.
Segundo Luria (1979) o desenvolvimento da atenção voluntária depende
de um processo complexo, que envolve não apenas a maturação neurológica,
mas também a estimulação do ambiente. A comunicação estabelecida pelo adulto
com a criança é essencial para o desenvolvimento desse processo, que possibilita
a organização da atividade consciente do homem.
Conforme apresentamos anteriormente, a capacidade de prestar atenção
vai sendo aprimorada com o passar dos anos em função da maturação neuronal.
Assim, podemos dizer que há um pico de desenvolvimento na adolescência,
quando adolescentes e adultos jovens são capazes de prestar atenção a
diferentes estímulos ao mesmo tempo, alternando o foco atencional. Porém,
assim como nos primeiros anos de vida, essa capacidade mais complexa da
atenção vai diminuindo com a idade.

3
No envelhecimento, observamos uma perda da capacidade atencional,
principalmente relacionada à dificuldade de inibir estímulos distratores. Ou seja,
com o envelhecimento, fica cada vez mais difícil prestar atenção quando outras
coisas nos distraem (Cosenza; Guerra, 2011). Exemplo: ler um livro com a
televisão ligada, prestar atenção a uma conversa com uma música tocando ou
dirigir em horários de muito movimento.
Atualmente, nos deparamos cada vez mais com propostas de estimulação
da atenção, seja na infância ou na idade adulta e terceira idade.

TEMA 2 – ESTIMULAÇÃO DA ATENÇÃO

Antes de iniciar a temática da estimulação cognitiva da atenção, cabe


entender os mecanismos neurais envolvidos. Para isto, é preciso falar sobre a
neuroplasticidade.
De uma forma geral, a neuroplasticidade pode ser definida como a
capacidade que o nosso cérebro tem de se reorganizar. Para Muszkat e Mello
(2012), essa capacidade de reorganização de padrões e conexões neurais, a
partir da experiência do indivíduo, é um dos aspectos mais fascinantes da
neurociência.
A palavra plasticidade tem origem grega, e está relacionada à capacidade
de alguma coisa ser moldada. A neuroplasticidade seria então uma mudança
adaptativa nos aspectos estruturais e funcionais do sistema nervoso (Muszkat;
Mello, 2012). Nessa definição, o termo adaptativo é de grande relevância, visto
que remete à uma condição anterior, seja uma alteração no desenvolvimento
neurológico, uma lesão encefálica adquirida (exemplo: tumor cerebral, acidente
vascular cerebral ou traumatismo cranioencefálico), ou até mesmo uma situação
degenerativa relacionada a alguma doença ou ao próprio envelhecimento.
Ao longo da vida, o cérebro apresenta um grande potencial para se
desenvolver e se modificar. Esse potencial depende da interação entre aspectos
neuronais e da experiência / vivências ambientais. Os aspectos neuronais estão
relacionados aos diferentes padrões de conexão entre os neurônios e ao número
de sinapses ativas; ao nível de mielinização dos neurônios (mielina: camada
lipoproteica localizada ao redor do corpo do neurônio, responsável por atribuir
maior eficiência à transmissão de informações); e ao desenvolvimento pré-natal.
Já o fator da experiência e das vivências ambientais tem relação com o estímulo
recebido ao longo da vida (Muszkat; Mello, 2012).

4
A partir da compreensão da plasticidade cerebral, e de que o estímulo
recebido por um indivíduo contribui para o desenvolvimento e para a
reorganização do cérebro, a área da estimulação cognitiva tem ganhado muita
atenção nos últimos anos.
Em tempos de correria e excesso de informação, a busca por uma melhora
na capacidade atencional tem sido frequente, seja no ambiente acadêmico ou
ocupacional, seja em casos de transtornos diagnosticados ou de lesões cerebrais
adquiridas. Independentemente da situação, sabe-se que a estimulação cognitiva
pode ser benéfica, com vista a garantir uma melhor qualidade de vida.
A estimulação da atenção pode ser feita através da realização de atividades
com lápis e papel, através do uso de computadores, aplicativos e softwares,
criados para esse fim, ou a partir de tarefas verbais.
Antes de escolher os recursos ou atividades para estimulação, é importante
ter um objetivo claro. O sucesso de um programa de estimulação cognitiva está
intimamente relacionado ao seu planejamento. O quadro a seguir apresenta
alguns aspectos importantes de um planejamento de estimulação.

Quadro 2 – Planejamento de estimulação

O quê? Como Fazer


 Identificar possíveis queixas relacionadas à atenção e como elas se
manifestam em diferentes contextos (ambiente familiar, social, acadêmico
ou profissional).
 Conhecer qual o impacto dessa dificuldade no cotidiano.
Conhecer a
realidade  Entender a origem das queixas: presença de um transtorno (TDAH,
depressão, ansiedade), lesão cerebral ou envelhecimento.
 A estimulação ainda pode ser feita em alguém sem queixas, mas com o
objetivo de aprimorar a capacidade atencional para um melhor desempenho
em alguma situação específica, como um concurso, por exemplo.
A partir da identificação das necessidades, as metas podem ser estabelecidas
em:
Estabelecer
 Curto prazo – 2 a 4 semanas
metas
 Médio prazo – 1 a 6 meses
 Longo prazo – acima de 6 meses
 Observar o engajamento e a motivação durante a realização das atividades.
Dentro das possibilidades, escolher tarefas que apresentem algum contexto
relacionado aos interesses do cliente. Exemplo: se a pessoa adora futebol,
Acompanhar
escolher tarefas que falem sobre o assunto.
a evolução
 Monitorar resultados e sempre que necessário mudar atividades.
 Iniciar com atividades mais simples e aumentar o grau de dificuldade de
forma progressiva.
Outro aspecto importante está relacionado ao tipo de atenção que se quer
estimular. Relembrando, a atenção pode ser dividida em: seletiva, concentrada ou
sustentada, alternada e dividida. Vejamos alguns exemplos de atividades para a
estimulação de cada um dos tipos atencionais citados:

5
 Atenção seletiva (capacidade de prestar a atenção em um estímulo e de
inibir estímulos distratores): procurar imagens específicas em uma revista;
encontrar produtos em promoção em um encarte de supermercado.
 Atenção concentrada/sustentada (habilidade de permanecer
concentrado em um estímulo por um período prolongado de tempo):
apresentar letras separadamente e solicitar que a pessoa forme palavras.
De forma similar, pode-se apresentar palavras isoladas para a construção
de frases. As letras ou palavras podem ser apresentadas de forma visual,
como por exemplo escritas em papel ou cartolina, podem ser digitadas em
slides, ou faladas (neste caso, estimulando a atenção auditiva).
 Atenção alternada (relacionada à capacidade de alternar o foco
atencional, ora em um estímulo, ora em outro): realizar cópias, como por
exemplo copiar um texto de um livro no computador; alternar a realização
de atividades monitorando o tempo, como por exemplo intercalar a
execução de tarefas a cada 5 minutos
 Atenção dividida (habilidade de prestar atenção em mais de um estímulo
ao mesmo tempo): ler um texto com a televisão ligada. Nesta situação,
solicita-se que a pessoa responda perguntas sobre um texto para verificar
se ela conseguiu prestar atenção. Recomenda-se dar um tempo limite para
a leitura, para garantir que a pessoa não esteja desviando o foco atencional
para a atividade concorrente. Se a estimulação ocorrer em ambiente de
consultório, por exemplo, pode-se optar por passar um vídeo ou até mesmo
colocar uma música como estímulo distrator.

Conforme já citamos anteriormente, o sucesso da estimulação cognitiva


depende da clareza dos objetivos e de um bom planejamento. Além desses
fatores, outro aspecto é considerado de suma importância: a consciência das
dificuldades.

TEMA 3 – CONSCIÊNCIA

A consciência é considerada um dos maiores mistérios da humanidade. O


seu estudo data de séculos e esteve, inicialmente, nas mãos de filósofos,
justamente por ter sido considerado por muito tempo como um assunto para além
do alcance da ciência experimental (Bear; Connors; Paradiso, 2017).

6
Desde a época de Hipócrates, diferentes teorias foram criadas com o intuito
de responder questões acerca da origem e do armazenamento das ideias, do
pensamento e das emoções, do modo como a percepção é processada e como
influencia o nosso comportamento (Gazzaniga; Heatherton, 2005).
Um grande estudioso sobre os aspectos da consciência é o neurocientista
português Antonio Damásio. Para ele, nenhum aspecto da mente humana é de
fácil investigação, mas o entendimento da consciência, a partir da compreensão
dos alicerces biológicos da mente, é um problema supremo (Damasio, 2015).
Existem diferentes modelos teóricos relacionados à consciência e à sua
ausência. Langer e Padrone (1992, citados por Sohlberg; Mateer, 2010)
propuseram um modelo tripartido e descreveram três origens para os problemas
de consciência:

 Um nível básico da consciência, que pode ser chamado de informação:


problemas neste nível podem estar relacionados a uma situação na qual o
indivíduo não tem acesso a uma informação de forma adequada, quando
por exemplo não compreende ou não se recorda de algo.
 Um segundo nível de consciência, chamado de implicação: neste nível,
podemos pensar que uma pessoa tem uma informação, mas não é capaz
de entender as implicações e consequências relacionadas a ela.
 O último nível seria a negação psicológica: aqui, a pessoa tem acesso a
uma informação, está ciente de suas implicações, porém a ignora como
forma de diminuir uma dor emocional.

No primeiro nível, a dificuldade em compreender uma informação pode


estar relacionada a algum prejuízo intelectual; da mesma forma, pessoas com
quadros demenciais podem não se recordar de informações, contribuindo assim
para uma baixa consciência dos fatos e de si mesmas.
Uma situação que exemplifica o segundo nível é uma pessoa que tem
conhecimento acerca de possíveis consequências de algo, mas não valoriza as
suas implicações. Aqui, uma possível explicação poderia ser uma dificuldade
relacionada ao sistema de consequências ou análise de riscos. Adolescentes
costumam se encaixar neste nível, visto que muitas vezes têm acesso a
informações, mas em função de áreas corticais (córtex pré-frontal) ainda imaturas,
não conseguem ter uma “visão do futuro”. Precisam de recompensas imediatas e
têm a sensação de que nada de ruim pode acontecer com eles.

7
O terceiro nível pode ser visto em diferentes situações relacionadas ao
contexto da saúde, como por exemplo quando uma pessoa recebe um diagnóstico
de uma doença terminal. É comum o paciente receber todas as informações com
muita clareza, e inclusive ter conhecimento de suas implicações. Mas, por um
mecanismo de defesa, nega a dura realidade, evitando entrar em contato com ela.

TEMA 4 – CORRELATOS NEURAIS DA CONSCIÊNCIA

Grandes nomes da ciência contribuíram para uma abordagem


neurocientífica do estudo da consciência. Christof Koch e Francis Crick (Prêmio
Nobel com pesquisas do estudo do DNA) foram pioneiros. Correlatos neurais da
consciência foram definidos por Koch como eventos neuronais mínimos, mas
suficientes para a percepção consciente de algo ou de alguma situação (Bear;
Connors; Paradiso, 2017). Apesar de todos os esforços, o desafio na
compreensão do funcionamento da consciência permanece. Um dos
questionamentos está vinculado à seguinte questão: “poderia a atividade neural
ser um pré-requisito para a experiência consciente, ou uma consequência da
experiência, e não o substrato neural da experiência?” (Bear; Connors; Paradiso,
2017, 2017, p. 748.)
Alguns autores apontam que três regiões do córtex cerebral estão
relacionadas à capacidade de se perceber como um indivíduo diferente do outro,
com pensamentos e sentimentos próprios: o córtex pré-frontal (região medial), o
cíngulo anterior e a ínsula. Apesar dos inúmeros avanços relatados na literatura
acerca das bases neurais da consciência, ainda há incertezas sobre o assunto.
A consciência e o estado de vigília, assim como a consciência e a atenção,
parecem, inicialmente, aspectos interdependentes; entretanto, podem ser
distinguidos. Comprovamos esse fato mediante a observação de pacientes com
certos quadros neurológicos, que permanecem acordados e alertas, porém com
a consciência alterada em relação a si mesmos e aos fatos ao seu redor. Estar
consciente vai além de estar acordado e atento (Damasio, 2015).
Com base nessa constatação, no próximo tópico abordaremos aspectos da
autoconsciência.

8
TEMA 5 – AUTOCONSCIÊNCIA

Conhecer a si mesmo é algo almejado por diferentes civilizações há


bastante tempo. Ownsworth e Clare (citador por Adda, 2012) definem a
autoconsciência como a capacidade de um indivíduo de refletir e perceber, em si,
mudanças de ordem física, cognitivas, emocionais ou comportamentais.
Através de pesquisas com neuroimagem, estudos evidenciaram a
participação do lobo frontal e parietal, mais especificamente do hemisfério direito,
na autoconsciência (Sherer, 2005, citado por Adda, 2012).
Pessoas com alteração de consciência podem apresentar maior risco de
desenvolver problemas emocionais a longo prazo, podendo apresentar
expectativas irreais e descontextualizadas, além de um prejuízo na habilidade de
compreender o motivo de algumas restrições lhe serem impostas. Alterações de
autoconsciência também estão relacionadas à interação social, já que a
percepção de dicas do ambiente pode ajudar no automonitoramento e na
adequação de comportamentos (Adda, 2012).
A percepção de dicas no ambiente está relacionada à uma função chamada
cognição social, que tem sido muito estudada pelas neurociências nos últimos
anos. Entende-se por cognição social a habilidade de identificar, manipular e
adequar o comportamento de acordo com informações socialmente relevantes,
detectadas e processadas em determinado contexto do ambiente (Adolphs, citado
por Monteiro; Louzã Neto, 2010). A cognição social depende do funcionamento
de processos cognitivos básicos, como atenção, memória e funções executivas.
Em situações em que observamos um engajamento social comprometido, nos
deparamos com o prejuízo no reconhecimento de afetos, emoções e intenções,
tanto na perspectiva do outro, como em nós mesmos, o que implica alterações
nos aspectos da autoconsciência.
O entendimento da autoconsciência é relevante em qualquer área
relacionada ao comportamento humano. Essa temática torna-se de grande
importância em contextos de doenças neurológicas, seja por lesão cerebral
adquirida ou por doenças neurodegenerativas.
Pacientes com doenças neurológicas tendem a apresentar um prejuízo de
autoconsciência de seus déficits. A capacidade de perceber e identificar, em si
mesmo, dificuldades ou potencialidades, depende de funções cognitivas como

9
percepção, atenção e funções executivas (Ownsworth; Clare, citados por Adda,
2012).
A alteração de autoconsciência observada em pacientes neurológicos
culmina em um quadro clínico chamado anosognosia, que pode ser definido como
a dificuldade ou incapacidade de perceber e reconhecer em si os prejuízos
cognitivos e comportamentais relacionados ao desenvolvimento de uma doença
ou após uma lesão cerebral, como acidente vascular ou traumatismo
cranioencefálico.
Considerando a importância de identificar a presença de déficits de
autoconsciência, diferentes autores publicaram instrumentos precisos para avaliar
tal dificuldade. Um recurso técnico adaptado para a população brasileira e
disponível para o uso clínico é a escala PCRS – Patient Competency Rating Scale
(Zimmermann; Pereira; Fonseca, 2014).
A PCRS é uma escala de autorrelato que foi desenvolvida por Prigatano e
colaboradores em 1986, para avaliar a autoconsciência de déficits em quatro
domínios: emoção, cognição, comportamento e atividades da vida diária. É um
instrumento que visa comparar as classificações das habilidades de pacientes
com a percepção dos familiares ou cuidadores. Ao responder a escala, o paciente
e/ou cuidador faz julgamentos acerca do desempenho do paciente em 30 tarefas
propostas. A classificação do nível de dificuldade do paciente na realização das
tarefas é avaliada através de uma escala Likert de cinco pontos (Kolakowsky-
Hayner; Wright; Bellon, 2012). O escore varia de 1 ponto (não consegue fazer) a
5 pontos (faz com facilidade ou não se aplica); o escore total pode variar de 30 a
150 pontos. Quanto maior for a pontuação, maior a competência do paciente nas
habilidades citadas.
A versão adaptada para o Brasil e disponível para o público clínico é uma
versão resumida, composta por 17 itens, que avaliam prejuízos executivos,
mnemônicos e atencionais (Zimmermann; Pereira; Fonseca, 2014).
O prejuízo de autoconsciência pode trazer impactos negativos em
diferentes esferas da vida de um indivíduo. A dificuldade de perceber e monitorar
o seu comportamento pode interferir em relações familiares, afetivas, sociais,
acadêmicas e ocupacionais. Além disso, em contexto clínico, quando um paciente
não percebe suas dificuldades, o reconhecimento e a aceitação de intervenções
ficam prejudicadas, contribuindo para baixa adesão e reduzido engajamento em
tratamentos (Adda, 2012).

10
REFERÊNCIAS

ADDA, C. C. Autoconsciência e reabilitação cognitiva. In: ABRISQUETA-GOMEZ,


J. et al. Reabilitação neuropsicológica: abordagem interdisciplinar e modelos
conceituais na prática clínica. Porto Alegre: Artmed, 2012.

BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando


o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociências e educação: como o cérebro


aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011.

DAMASIO, A. O mistério da consciência: do corpo e das emoções ao


conhecimento de si. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

GAZZANIGA, M. S.; HEATHERTON, D. T. F. Ciência psicológica: mente, cérebro


e comportamento. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.

KOLAKOWSKY-HAYNER, S.; WRIGHT, J.; BELLON, K. A brief overview of the


Patient Competency Rating Scale: Uptades and additions to the COMBI. J. Head
Trauma Rehabil, v. 27, n. 1, p. 83-85, 2012.

LURIA, A. Curso de psicologia geral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

MONTEIRO, L.; LOUZÃ NETO, M. R. Cognição social. In: MALLOY-DINIZ, L. F. et


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MUSZKAT, M; MELLO, C. B. Neuroplasticidade e reabilitação neuropsicológica.


In: ABRISQUETA-GOMEZ, J. et al. Reabilitação neuropsicológica: abordagem
interdisciplinar e modelos conceituais na prática clínica. Porto Alegre: Artmed,
2012.

SOHLBERG, M.; MATEER, C. A. Reabilitação cognitiva: uma abordagem


neuropsicológica integrada. São Paulo: Livraria Santos, 2010.

ZIMMERMANN, N.; PEREIRA, A. P.; FONSECA, R. P. Brazilian Portuguese


version of the Patient Competency Rating Scale (PCRS-R-BR): semantic
adaptation and validity. Trends Psychiatry Psychother, v. 36, n. 1, p. 40-51,
2014.

11
AULA 4

COGNIÇÃO, ATENÇÃO E
FUNÇÕES EXECUTIVAS

Prof.ª Camila Paraná


INTRODUÇÃO

As funções executivas são consideradas um conjunto de habilidades


responsáveis por gerenciar o nosso comportamento. Estas funções, de forma
geral, estão relacionadas ao funcionamento do córtex pré-frontal e são recrutadas
quando nos envolvemos em situações inéditas, ou seja, quando não há uma
resposta automatizada, sendo necessário tomar uma decisão ou resolver uma
situação-problema (Lezak et al., 2004; Malloy-Diniz et al., 2008; Strauss, 2006).
Considerando as funções executivas como um conjunto de habilidades,
alguns subcomponentes são considerados como executivos: controle inibitório,
flexibilidade cognitiva, memória de trabalho, tomada de decisão, planejamento,
resolução de problemas e automonitoramento. Existem diferentes modelos
teóricos de função executiva relatados na literatura, sendo que a maioria concorda
com a identificação de três funções nucleares: o controle inibitório, a flexibilidade
cognitiva e a memória de trabalho (Diamond, 2013; Malloy-Diniz et al., 2008)

TEMA 1 – DESENVOLVIMENTO E CICLO DE VIDA

O termo desenvolvimento refere-se a um processo que envolve mudanças


sistemáticas e contínuas no indivíduo e que ocorre desde o momento da concepção
até a morte. Estas mudanças são consideradas sistemáticas, pois tendem a ser
ordenadas e padronizadas (Ré, 2011). Desta forma, entende-se que marcos do
desenvolvimento são esperados em determinadas etapas do ciclo de vida.
Pensar no desenvolvimento com base nesta ideia de mudanças contínuas e
sistemáticas dá a impressão de que os indivíduos se desenvolvem sozinhos.
Porém, sabe-se da importância do ambiente neste processo. A presença de um
aparato neurobiológico adequado não garante um desenvolvimento completo e
saudável, visto que as experiências de vida, a estimulação e a própria cultura são
extremamente necessárias (Papalia; Olds, 2000; Ré, 2011). Assim, o
desenvolvimento deve ser compreendido tomando como base uma perspectiva
“biocultural, reconhecendo a interação entre fatores biológicos e socioculturais
presentes na vida do ser humano” (Ré, 2011, p. 56).
Outro aspecto fundamental para entender o processo de desenvolvimento é
a diferença entre dois fatores, o crescimento e a maturação. O crescimento está
relacionado a aspectos mais quantitativos, ou seja, que podem ser medidos de
forma precisa. Um exemplo seria os marcadores biológicos de peso e altura de uma

2
criança. Já a maturação é considerada um fenômeno qualitativo, relacionada com
o amadurecimento funcional de órgãos ou sistemas, por exemplo, a aquisição da
linguagem (Papalia; Olds, 2000; Ré, 2011).
Papalia e Olds (2000) dividem o desenvolvimento em três aspectos:

 desenvolvimento físico: mudanças no corpo, no cérebro, nas habilidades


motoras e na capacidade sensorial;
 desenvolvimento cognitivo: mudanças na capacidade mental – memória,
raciocínio, pensamento e linguagem;
 desenvolvimento psicossocial: maneira de sentir, reagir, se comportar e se
relacionar com o outro (Papalia; Olds, 2000).

Independentemente do aspecto, a infância é considerada a etapa do ciclo de


vida com a maior intensidade de desenvolvimento. Em relação ao desenvolvimento
do cérebro, nem todas as suas partes se desenvolvem ao mesmo tempo. Ao
nascer, as áreas mais desenvolvidas são aquelas que controlam os estados de
consciência, os reflexos inatos e as funções vitais biológicas, como a digestão, a
respiração e os processos de eliminação. As primeiras áreas que amadurecem são
as chamadas áreas motoras primárias e as áreas sensoriais primárias. Com o
passar dos anos, outras áreas vão se desenvolvendo, gradativamente, até o
momento em que há o amadurecimento das regiões pré-frontais do cérebro,
consideradas as últimas a se desenvolver (Papalia; Olds, 2000).
Dias e Seabra (2013) ainda complementam que “a mielinização das fibras
se inicia em estágios precoces do desenvolvimento, especificamente nos lobos pré-
frontais, e continua até o início da vida adulta, quando essa estrutura atinge
maturidade” (Dias; Seabra, 2013, p. 209).
A bainha de mielina é uma camada de substância lipoproteica que fica ao
redor do axônio do neurônio e tem como função atribuir maior eficiência à
transmissão de informação. Ao nascimento, o indivíduo já apresenta muitos
neurônios mielinizados, mas este processo continuará acontecendo e só terminará
no final da adolescência/início da idade adulta (Gazzaniga et al., 2006).
Conforme já citado anteriormente, o desenvolvimento não pode ser
entendido apenas pelo aspecto biológico, sendo a interação do indivíduo com o
meio circundante fundamental para o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores, como os processos de atenção, memória, raciocínio, linguagem e as
funções executivas (Papalia; Olds, 2000).

3
“O processo de crescimento, maturação e desenvolvimento humano
interfere diretamente nas relações afetivas, sociais e motoras dos indivíduos” (Ré,
2011, p. 56). Considerando a importância das funções executivas na adaptação
do indivíduo ao cotidiano, é preciso entender como tais funções se desenvolvem.

TEMA 2 – DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES EXECUTIVAS

De acordo com Dias e Seabra (2013), o córtex pré-frontal é uma das


principais estruturas do substrato neuroanatômico das funções executivas.
Apesar de ser a última área a se desenvolver, conforme visto no tema anterior,
desde o primeiro ano de vida já é possível observar manifestações deste
desenvolvimento, que só estará completamente maduro no início da fase adulta.
Assim, o desenvolvimento das funções executivas é considerado de longo curso,
porém com início precoce, já nos meses iniciais da vida de um bebê.
Com base em evidências relacionadas a aspectos do
neurodesenvolvimento, entre eles o processo de mielinização, alguns autores
consideram que o amadurecimento dos lobos frontais ocorre por meio de surtos
de crescimento (Pinto, 2008), conforme mostra o quadro a seguir:

Quadro 1 – Surtos de crescimento do amadurecimento do lobo frontal

Faixa Etária Aspecto do desenvolvimento

1º surto de crescimento 5 anos de idade Ganhos importantes em relação aos


processos de controle atencional
2º surto de crescimento 7 a 9 anos Desenvolvimento de três
subcomponentes executivos:
processamento de informação,
flexibilidade cognitiva e planejamento;
3º surto de crescimento 11 a 13 anos Os subcomponentes anteriormente
citados alcançam a maturidade e
emerge o chamado controle executivo
Fonte: Pinto, 2008.

Apesar de as habilidades de processamento da informação, de flexibilidade


cognitiva e de planejamento estarem relativamente amadurecidas por volta de 12
anos, sabe-se que o período de transição para a adolescência, por volta de 13
anos, ainda está relacionado a uma imaturidade nas áreas de autorregulação das
emoções e de tomada de decisão (Pinto, 2008).

4
De acordo com a faixa etária, alguns autores também indicam o pico de
desenvolvimento de determinados componentes executivos. Dias e Seabra (2013)
citam os seguintes marcos de desenvolvimento para os subcomponentes:

2.1 Controle inibitório

Pesquisas indicam que o controle inibitório seja a primeira função executiva


a aparecer, aproximadamente com um ano de vida. Esta função, também
chamada de inibição, é definida por Malloy-Diniz e colaboradores (2008) como a
capacidade de refletir antes de agir, de inibir uma reposta e de adiá-la valendo-se
da habilidade de avaliar possíveis alternativas.
Apesar de a inibição surgir precocemente, nesta idade essa função ainda
é considerada muito elementar, sendo as respostas comportamentais fornecidas
de forma mais espontânea, até aproximadamente os 3 anos de idade (Bordova;
Leong, 2007 citado por Dias; Seabra, 2013). Na sequência, por volta de 4 a 5
anos, as crianças começam a demonstrar o controle inibitório e, assim,
conseguem ponderar mais as suas repostas (Dias; Seabra, 2013).

2.2 Memória de trabalho

A memória de trabalho ou memória operacional também surge por volta de


12 meses, porém apenas aproximadamente entre 3 e 5 anos é que as crianças
serão capazes de manipular informações de forma menos concreta e terão a
habilidade de começar a “criar imagens mentais e operar sobre elas” (Bordova;
Leong, 2007 citado por Dias; Seabra, 2013, p. 208).
Esta capacidade está fortemente relacionada à ideia de permanência do
objeto. Segundo Gazzaniga e colaboradores (2006), esta habilidade pode ser
observada quando a criança consegue representar de forma mental um objeto,
mesmo em sua ausência. Dias e Seabra exemplificam:

Por exemplo, na resolução de um quebra-cabeça, uma criança com até


3 anos de idade experimentaria peça a peça para completar um quadro
com um item faltante. Já́ em torno dos 5 anos, a criança se torna capaz
de manipular o conjunto mentalmente; ela ignora peças muito pequenas
ou grandes, aquelas obviamente erradas, e seleciona apenas aquelas
com maior possibilidade de completar o quadro. Ela não precisa mais
tentar encaixar uma a uma, pois já ponderou as características da
situação mentalmente. (Dias; Seabra, 2013, p. 208)

Tomando como base o exemplo citado, fica mais fácil de compreender o


conceito de memória de trabalho. Esta função está relacionada à capacidade de

5
manipular uma informação enquanto se trabalha com ela (Malloy-Diniz et al.,
2008). Outro exemplo é quando precisamos guardar informações por um curto
espaço de tempo para usá-las. É o que acontece quando recebemos um comando
e precisamos segui-lo mentalmente para executar uma ação.

2.3 Flexibilidade cognitiva

Para Diamond (2013), a flexibilidade cognitiva se desenvolve mais tarde,


por volta dos 5 aos 7 anos de idade. Talvez a justificativa para este
desenvolvimento posterior seja o fato de que esta função engloba, de alguma
forma, as habilidades de inibição e memória de trabalho.
A flexibilidade cognitiva envolve a habilidade de mudar o foco de
processamento de uma ideia ou atividade à outra. É a habilidade de alternar
objetivos frente a uma situação-problema. Envolve a capacidade de encontrar
uma nova alternativa diante de imprevistos e assim se adaptar a novas demandas
do ambiente (Miyake et al., 2000). É quando, por exemplo, um indivíduo que está
habituado a pegar um ônibus todos os dias, no mesmo horário, se depara com a
necessidade de resolver um imprevisto, visto que o ônibus quebrou e ele precisa
chegar ao trabalho no mesmo horário de sempre, pois tem uma reunião
importante. Neste caso, a habilidade de pensar em uma solução com base na
ideia de buscar uma nova alternativa, como pegar um táxi ou pedir uma carona
ao invés de ficar esperando o conserto do ônibus, é uma forma de flexibilizar uma
ideia. Pessoas com dificuldade de flexibilidade mental poderiam ter uma atitude
rígida de pensamento e não conseguiriam encontrar uma estratégia de resolução
de problema, pois tendem a ficar presas em ideias relacionadas apenas àquilo
que estão muito habituadas.

2.4 Autorregulação

Outra função que também começa a aparecer por volta de 3 a 5 anos é a


autorregulação. De certa forma, esta função torna-se dependente do processo de
aquisição da linguagem, pois é com base na capacidade de se comunicar e de
compreender os outros que a criança começa a manejar e a controlar o seu
comportamento. A fala autodirecionada e depois, com o avançar da idade, a fala
internalizada contribuem para a capacidade de seguir regras, de solução de
problemas e de automonitoramento (Dias; Seabra, 2013).

6
Assim, com base no exposto acerca do desenvolvimento dos principais
subcomponentes de função executiva, Dias e Seabra (2013, p. 208) afirmam que:

Entre os 4 e 5 anos, progressivamente, desenvolvem-se as habilidades


de focalizar a atenção e de recordar-se de algum evento de forma
deliberada, ignorar distratores, postergar gratificação, interromper um
comportamento inadequado, agressivo por exemplo, e agir de modo
“adaptativo”, adequando seu comportamento às demandas e regras
sociais, inclusive controlando suas emoções.

Por fim, com base nos estudos sobre o desenvolvimento executivo,


entende-se que, apesar de início precoce, estas funções só atingirão a maturação
completa no final da segunda década de vida. Considerando que este
desenvolvimento não depende apenas de aspectos orgânicos/neurobiológicos,
mas que a estimulação do ambiente se torna fundamental e até mesmo
determinante, que fatores podem contribuir para este desenvolvimento?

TEMA 3 – INFLUÊNCIAS POSITIVAS E NEGATIVAS NO DESENVOLVIMENTO


EXECUTIVO

Tendo em vista o curso longo e gradativo do desenvolvimento das funções


executivas, devemos considerar a possibilidade de um risco relacionado à
chamada janela de vulnerabilidade, de modo que alterações no desenvolvimento
dessas habilidades podem acarretar consequências em curto, médio e longo
prazo (García-Molina et al., 2009 citado por Dias; Seabra, 2013).
Ao mesmo tempo que há este risco relacionado a possíveis alterações,
também há a contrapartida positiva, com base no estímulo e na promoção destas
habilidades (Dias; Seabra, 2013).
De acordo com um documento escrito e publicado pelo comitê científico do
Núcleo Ciência pela Infância (NCPI, 2016), o controle consciente e autônomo de
nossas ações, pensamentos e emoções ocorre com base no contexto em que
vivemos. Desta forma, as experiências vividas pelas crianças ao longo da infância
podem interferir de forma positiva ou negativa no desenvolvimento executivo.

Na primeira infância as crianças precisam ter a oportunidade de usar e


aprimorar o funcionamento executivo no controle das reações a emoções,
planejamento e realização de tarefas. Os adultos cuidadores podem
incentivar as crianças no uso das funções executivas até que elas
consigam fazê-lo autonomamente. Há que se reiterar que durante os
primeiros anos de vida são desenvolvidas habilidades que constituirão a
base do desenvolvimento de habilidades de funções executivas mais
complexas (NCPI, 2016, p. 12).

7
Para Dias e Seabra (2013), quanto mais desorganizado o ambiente em que
uma criança cresce, com pais que apresentam dificuldades de planejamento,
maior a probabilidade de a criança apresentar prejuízos de função executiva.
Assim, apesar de sabermos que estas funções são limitadas na infância e
que só estarão maduras por completo quase que na idade adulta, cabe aos
adultos proporcionar ambientes e situações que promovam o seu
desenvolvimento. A aquisição destas habilidades acontecerá de forma mais
efetiva com a estimulação. Proporcionar às crianças pequenas responsabilidades
e autonomia no dia a dia, de acordo com a faixa etária, já é uma forma de
estimulação (NCPI, 2016). Auxiliar no estabelecimento de estratégias e de
resolução de problemas trará resultados mais benéficos do que atitudes de
superproteção, quando, por exemplo, os pais resolvem tudo pelos filhos, tirando
deles a autonomia e a independência.
Por fim, atualmente, inúmeros programas para estimulação das funções
executivas têm sido criados e aplicados em escolas e em ambiente clínico. As
pesquisas têm enfatizado estratégias de promoção destas funções, em vez de
esperar a necessidade de intervenção e tratamento quando as funções são
consideradas deficitárias. Além da possibilidade de utilização de programas
específicos criados para este fim, a literatura também apresenta evidências da
relação entre a prática de esportes, música e artes e o melhor desenvolvimento
executivo (NCPI, 2016).

TEMA 4 – FUNÇÕES EXECUTIVAS E APRENDIZAGEM

Na infância, a aprendizagem apresenta peculiaridades relacionadas à


maturação neurológica e à neuroplasticidade. Esta última, muito intensa nos
primeiros anos de vida, consiste na capacidade que o cérebro tem em se adaptar
às novas funções aprendidas ou às eventuais mudanças decorrentes de lesões
cerebrais adquiridas. À medida que a criança amadurece, funções cognitivas
contribuem para a execução de habilidades cada vez mais complexas. Assim,
para que haja aprendizagem, é preciso haver maturação e integração das
diversas funções envolvidas no processo (Rotta, Ohlweiler, Riesgo, 2006).
Muitas funções executivas estão relacionadas ao processo de
aprendizagem, às suas dificuldades e ao êxito acadêmico. Em especial, a
memória de trabalho, também chamada de memória operacional, tem ganhado
destaque na literatura nos últimos anos.

8
De acordo com Aquino e Borges-Paraná (2019, p. 4):

Crianças com dificuldades na aprendizagem podem apresentar limitações


associadas a prejuízos no processamento, armazenamento ou
manipulação de informações na memória operacional, seja por vias
internas ou externas ao individuo.

O impacto do prejuízo da memória operacional em escolares apresenta


forte relação com o desempenho acadêmico, seja na área da matemática como
também em disciplinas de língua portuguesa (Aquino; Borges-Paraná, 2019).
De acordo com Cardoso e Fonseca (2016), no início da vida escolar é
esperado que as crianças desenvolvam as habilidades de aprendizagem por meio
da aquisição dos processos de leitura, escrita e matemática. Assim, observa-se
um esforço diário das escolas com o estabelecimento de estratégias que
propiciem a mediação da aprendizagem por meio de conteúdos que envolvem a
compreensão verbal, a solução de problemas de matemática e a ampliação
destas estratégias para as tarefas de casa.
Entretanto, para que as crianças consigam executar estas atividades de
forma eficiente e consigam obter sucesso na aprendizagem, é preciso que elas
sejam capazes de planejar, organizar as tarefas, se adaptar às rotinas, controlar
impulsos, monitorar seus comportamentos e regular suas emoções (Cardoso;
Fonseca, 2016). Conforme amplamente exposto anteriormente, todas essas
habilidades fazem parte das funções executivas.
As autoras ainda fazem uma crítica de que, apesar de as pesquisas
indicarem cada vez mais a relação das funções executivas com a aprendizagem,
para o desenvolvimento cognitivo, social e emocional,

observa-se que essas habilidades não são abordadas de forma


sistemática e contínua em sala de aula e não estão presentes nos
currículos escolares. (Cardoso; Fonseca, 2016, p. 15)

TEMA 5 – FUNÇÕES EXECUTIVAS – HABILIDADES PARA A VIDA TODA

Ainda na infância, o adequado desenvolvimento das funções executivas já


possibilita à criança o início da habilidade de gerenciar sozinha alguns aspectos
de sua vida. Com o passar da idade, a demanda para gerenciar outros aspectos,
cada vez mais complexos, aumentará, da mesma forma que as funções
executivas serão cada vez mais recrutadas (NCPI, 2016).

9
Com base nesta ideia, observa-se que as bases sólidas do adequado
desenvolvimento executivo na infância terão um reflexo positivo ao longo da vida
adulta, seja no aspecto afetivo, social ou ocupacional.
A literatura apresenta alguns estudos que relatam a relação entre o nível
de desenvolvimento executivo na infância e diferentes indicadores de qualidade
de vida na idade adulta.

Um desses estudos acompanhou 1.000 crianças nascidas no mesmo ano


e na mesma cidade, por 32 anos. Descobriu-se que crianças de três a
onze anos de idade, com um melhor desenvolvimento do controle inibitório
(menos impulsivas, mais persistentes), tinham maior probabilidade de
permanecer na escola e não fumar ou usar drogas na adolescência. Na
fase adulta, esses indivíduos tinham menor chance de ter sobrepeso,
pressão arterial alta, problemas com drogas, além de apresentar melhores
indicadores de condições de emprego. (Moffitt, 2011 citado por NCPI,
2016, p. 12)

Por fim, em um mundo onde as mudanças têm ocorrido de forma


extremamente rápida e exigente, acredita-se que pessoas com melhores funções
executivas tendem a apresentar maiores chances de adaptação nas diferentes
esferas da vida. Assim, investir no desenvolvimento dessas habilidades, já nos
primeiros anos de vida, pode ser um diferencial importante, considerando os
benefícios de longo prazo para a sociedade em geral.

10
REFERÊNCIAS

AQUINO, J. L.; BORGES-PARANA, C. M O. Avaliação neuropsicológica da


memória operacional em escolares. Rev. psicopedag. 2019, v. 36, n. 109, p. 3-9.

CARDOSO, C. O.; FONSECA, R. P. PENCE: programa de estimulação


neuropsicológica da cognição em escolares – ênfase nas funções executivas.
Ribeirão Preto, SP: Book Toy, 2016.

DIAMOND, A. Executive Functions. Annu Rev Psychol. 2013; 64:135-68.

DIAS, N.; SEABRA, A. Funções executivas: desenvolvimento e intervenção.


Temas sobre Desenvolvimento, 2013, 19(107):206-12.

GAZZANIGA, M. S.; IVRY, R. B.; MANGUN, G. R. Neurociência cognitiva: a


biologia da mente. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

LEZAK, M. D.; HOWIESON, D. B.; LORING, D. W. Neuropsychological


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MALLOY-DINIZ, L. F. et al. Neuropsicologia das funções executivas. In:


FUENTES, D. et al. Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed,
2008.

MIYAKE, A. et al. The unity and diversity of executive functions and their
contributions to complex "Frontal Lobe" tasks: a latent variable analysis. Cogn
Psychol. 2000, 41(1), 49-100.

NCPI. Núcleo Ciência pela Infância. Funções executivas e desenvolvimento


infantil: habilidades necessárias para a autonomia – estudo III. Organização
Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância. 1. ed. São Paulo: Fundação
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PAPALIA, D.; OLDS, S. Desenvolvimento humano. 7. ed. Porto Alegre: Artmed,


2000.

PINTO, A. B. Desenvolvimento das funções executivas em crianças dos 6


aos 11 anos de idade. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Psicologia e de
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RE, A. Crescimento, maturação e desenvolvimento na infância e adolescência:


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11
ROTTA, N. T; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. dos S. Transtornos da
aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre:
Artmed, 2006.

STRAUSS, E.; SHERMAN, E. M. S.; SPREEN, O. A compendium of


neuropsychological tests: administration, norms and commentary. New York:
Oxford University Press, 2006.

12
AULA 5

COGNIÇÃO, ATENÇÃO E
FUNÇÕES EXECUTIVAS

Profª Camila Paraná


INTRODUÇÃO

De forma geral, o termo cognição nos remete ao pensamento, e emoção nos


faz pensar em sentimento. Apesar de ambos os domínios estarem conectados,
algumas ciências, inclusive a psicologia, tendem a separá-los. Segundo Rocha e
Kastrup (2009, p. 386), “o principal motivo dessa separação é a forma como
emoção e cognição têm sido concebidas”.
Apesar das dicotomias, algumas áreas da própria psicologia tratam estes
dois aspectos como complementares. É o caso da psicologia social, em que “a
emoção passa a ser considerada como avaliação cognitiva de um fato social”
(Rocha; Kastrup, 2009, p. 386). Neste sentido, a relação que existe entre emoção
e cognição fica evidente ao entender que “a emoção torna-se cognição, no sentido
em que consiste num julgamento que fazemos sobre o mundo” (Rocha; Kastrup,
2009, p. 386).

TEMA 1 – COGNIÇÃO

De acordo com o dicionário Aurélio (2018), o termo cognição pode ser


definido como uma “função da inteligência ao adquirir um conhecimento”. A
cognição está relacionada a diferentes funções mais básicas, como a percepção,
a atenção, a memória e a linguagem, processos necessários para conhecer e
compreender o mundo.
Em termos de áreas cerebrais envolvidas nos processos cognitivos, pode-
se dizer que a cognição está em toda a parte no cérebro, mas o córtex,
especificamente, desempenha papel importante neste processo, visto que é nas
áreas corticais que ocorre o processamento neuronal mais sofisticado (Kandel et
al., 2014).
Regiões dorsolaterais do córtex pré-frontal contribuem para o controle
cognitivo do comportamento. Na prática clínica, é possível observar o prejuízo de
alguns pacientes com lesões nestas regiões ao solicitar que desempenhem
alguma atividade que simule uma situação cotidiana. Por exemplo: solicita-se ao
paciente que faça uma compra em um supermercado, por meio de instruções
específicas acerca de onde ir e o que comprar exatamente. É comum observar
que pessoas com este tipo de lesão costumam quebrar regras, não seguem
instruções, agem de forma ineficiente e, portanto, falham no objetivo final da tarefa
(Kandel et al., 2014).

2
Kandel e colaboradores (2014, p. 357) ainda afirmam que

pessoas com lesão no córtex pré-frontal dorsolateral persistem na


utilização de uma estratégia malsucedida, cometendo os chamados
erros de perseverança. Eles também cometem erros de inconstância
(capricho), abandonando, desnecessariamente, uma regra bem-
sucedida. É como se a supervisão consciente do comportamento fosse
enfraquecida, liberando respostas habituais ou casuais que
normalmente são suprimidas. É fácil ver como essa condição pode
originar comportamento errático nas atividades diárias.

TEMA 2 – EMOÇÃO

É comum que o termo emoção seja usado de forma indiscriminada e muitas


vezes confusa. Emoção, sentimento, humor, estado, traço e estilo emocional são
diferentes termos que merecem atenção.
Para Kandel e colaboradores (2014), emoção é uma resposta fisiológica a
determinado estímulo. Esta resposta fisiológica pode ser o batimento cardíaco
acelerado, sudorese ou uma tensão muscular, por exemplo. Por outro lado, a
palavra sentimento refere-se à “experiência consciente de uma emoção” (Kandel
et al., 2014, p. 947). Tomando como base essas definições, podemos pensar que
as emoções são por vezes inconscientes, e que quando há uma interpretação
desta emoção, ou seja, quando algum significado é atribuído, esta torna-se
consciente e conhecida, se transformando em um sentimento.
A emoção é uma resposta comportamental que pode ser encontrada em
organismos muito simples; em contrapartida, o sentimento, não. Respostas
emocionais são necessárias para a sobrevivência da espécie. Por exemplo, “uma
célula bacteriana pode detectar substâncias nocivas e responder adaptativamente
a ela” (Kandel et al., 2014, p. 938). Neste caso, observamos uma resposta
emocional, mas não um sentimento.
Tornar as emoções conscientes é fundamental ao comportamento social e
planejamento de ações futuras. Segundo Kandel e colaboradores (2014, p. 949),

estados emocionais inconscientes são sinais automáticos de perigo e


proveito, ao passo que os sentimentos conscientes, uma vez que
recrutam capacidades cognitivas, dão maior adaptabilidade nas
respostas a situações perigosas ou vantajosas.

A estrutura cerebral responsável pelo processamento emocional é o


sistema límbico, formado por hipotálamo, tálamo, amígdala e hipocampo. Alguns
autores ainda incluem o giro do cíngulo e reforçam a participação do córtex frontal
no processamento das emoções (Gazzaniga et al., 2006; Kandel et al., 2014).

3
O quadro a seguir ilustra as principais funções das estruturas que formam
o sistema límbico.

Quadro 1 – Estrutura versus função do sistema límbico

Estrutura Função
Tálamo Quase todos os impulsos sensoriais passam pelo tálamo
antes de chegar ao córtex.
Redistribui impulsos sensoriais a áreas específicas do córtex.
Hipotálamo Responsável pela homeostase (manutenção do meio
interno).
Papel regulador dos processos motivacionais: fome, sede e
comportamento sexual.
Amígdala Envolvida na produção de resposta ao medo e outras
emoções.
Fundamental para a autopreservação da espécie.
Centro identificador do perigo, gerando medo e
ansiedade/situação de alerta.
Hipocampo Principal estrutura relacionada à memória.
Lesões no hipocampo impedem a pessoa de construir novas
memórias.
Giro do cíngulo Aglomerado de substância branca.
Comunicação entre sistema límbico e córtex.
Fonte: Gazzaniga et al., 2006.

Algumas pessoas com comprometimento em regiões do córtex pré-frontal


orbital-ventromedial apresentam alterações no controle emocional do
comportamento, embora prejuízos cognitivos sejam menos frequentes. No
cotidiano, o prejuízo no controle emocional pode aparecer em situações em que
a tomada de decisão pode ser inadequada ou até inexistente (Kandel et al., 2014).
A tomada de decisão é considerada uma função executiva e por muito
tempo foi relacionada apenas a processos mais racionais. Entretanto, com os
avanços da neurociência, impulsionados pela Década do Cérebro (1990),
diferentes autores, incluindo Damasio (1996), criaram teorias que ressaltam o
papel da emoção no processo de tomada de decisão.
Uma das teorias que explica esta participação da emoção é a Hipótese do
Marcador Somático, a qual explica que ao tomar uma decisão, além da análise
racional das opções de escolha, as pessoas experimentam sensações de ordem
emocional, chamadas de marcadores somáticos (Cardoso; Cotrena, 2013).

4
De acordo com Damasio (1996) e Bechara (2004), citados por Cardoso e
Cotrena (2013, p. 25):

Os marcadores somáticos, de forma mais detalhada, são mudanças


corpóreas automáticas, entendidas como modificações vegetativas
musculares, neuroendócrinas ou neurofisiológicas, que contribuem para
uma tomada de decisão mais vantajosa a longo prazo. Dessa forma, a
hipótese baseia-se na ideia de que os marcadores somáticos, aprendidos
por associações nas experiências passadas, atuam como sinais de alerta,
não conscientes, que aumentam a precisão e orientam o processo
decisional, ao antecipar as possíveis consequências de uma ação.

Antes de concluir o tema 2, é interessante explicar outros aspectos das


emoções, que muitas vezes são usados de forma confusa: o estado emocional, o
humor, o traço emocional e o estilo emocional.
Para Davidson e Begley (2013), o estado emocional é uma unidade muito
passageira das nossas emoções, que tende a durar poucos segundos e é
desencadeado por alguma situação específica, como “a sensação de realização
ao terminarmos um grande projeto no trabalho ou a raiva que sentimos quando
precisamos trabalhar durante um feriado” (Davidson; Begley, 2013, p. 8).
O humor é quando o sentimento persiste por algumas horas ou dias. Já o
traço emocional é o que caracteriza uma pessoa por um período mais longo, por
exemplo, dizer que uma pessoa é ranzinza (Davidson; Begley, 2013).
Por fim, a forma como respondemos às nossas vivências pode ser
chamada de estilo emocional, que “influencia a probabilidade de apresentarmos
determinados estados emocionais, traços emocionais e humores” (Davidson;
Begley, 2013, p. 8).

TEMA 3 – DIMENSÕES DO ESTILO EMOCIONAL

De acordo com Davidson e Begley (2013), estudos acerca das bases


neurais da emoção indicam a existência de seis dimensões relacionadas ao estilo
emocional. Veja a seguir a descrição de cada uma delas.

 Dimensão da resiliência: relacionada à habilidade de se adaptar e de


se recuperar de situações desfavoráveis ou conflitantes. Esta
dimensão está relacionada à forma como o indivíduo lida com
contratempos e adversidades. Existe a pessoa com o estilo emocional
que enfrenta o desafio e se recupera rapidamente e, ao contrário,
aquela que se sente impotente e se recupera lentamente das
adversidades da vida.
 Dimensão da atitude/perspectiva: a maneira que enxergamos as
situações cotidianas refere-se a esta dimensão. O espectro desta
dimensão tem como extremos o polo positivo e o negativo. Frente a
uma dificuldade, você se deixa abater e age com pessimismo, ou

5
mantém-se engajado e com energia para investir mesmo quando as
coisas não acontecem conforme o programado?
 Dimensão da intuição social: esta terceira dimensão está relacionada
à capacidade de inferir o comportamento, à habilidade de ler a
linguagem corporal e se beneficiar de dicas provenientes do ambiente.
Perceber o outro através de estados emocionais e linguagem corporal
embasam esta dimensão.
 Dimensão da autoconsciência/autopercepção: ter consciência acerca
de nossos pensamentos e sentimentos é fundamental para
entendermos e modificarmos a nossa forma de agir. Esta dimensão
refere-se a esta capacidade de nos sintonizarmos com as mensagens
que nosso corpo nos envia.
 Dimensão da sensibilidade ao contexto: esta dimensão está
relacionada à compreensão e entendimento de regras sociais. A
interação social demanda que regras convencionais sejam seguidas,
moldando assim o nosso comportamento. Ou seja, é preciso agir e se
comportar de forma diferente de acordo com o contexto e com as
regras sociais estabelecidas, para evitar comportamentos
inapropriados.
 Dimensão da atenção: manter-se focado exige a habilidade de inibir
distrações. Nesta dimensão, o foco é a capacidade de não se distrair
com questões de ordem emocional. Por exemplo, o quanto somos
capazes de manter o foco em uma atividade quando uma preocupação
conjugal ou financeira invade a nossa mente com frequência.
(Davidson; BEGLEY, 2013).

O produto de diferentes combinações dessas seis dimensões indica quem


somos emocionalmente. Assim, pode-se pensar que existem inúmeros estilos
emocionais, pois diferentes combinações são possíveis, considerando que cada
indivíduo é único.

TEMA 4 – COMO A EMOÇÃO AFETA A SAÚDE?

A forma como pensamos e sentimos influencia diretamente a nossa


maneira de agir e de interpretar o mundo. Indo mais a fundo, podemos dizer que
o nosso estilo emocional influencia a forma como nos percebemos, como nos
sentimos em relação a nós mesmos e em relação aos outros. Ainda, a maneira
como encaramos os fatos da vida, sendo ou não suscetíveis ao estresse, também
está diretamente relacionada ao desenvolvimento de doenças, sejam elas físicas
ou mentais (Davidson; Begley, 2013).
A influência das emoções no processo de saúde e doença nos remete a
uma ciência chamada de psicossomática. Esta abordagem considera o homem
em sua totalidade, integrando mente e corpo e relacionando com o ambiente
social (Silva; Muller, 2007). Compreender o processo saúde-doença envolve
considerar uma visão mais ampla, que envolve aspectos cognitivos e emocionais
como determinantes. Utilizar explicações puramente de ordem biológica para o
aparecimento de doenças é algo ultrapassado, pois sabe-se que:

6
o sistema nervoso autônomo, responsável pela coordenação do
funcionamento de todos os órgãos internos, é regulado pelo sistema
límbico, que por sua vez é afetado pelas experiências afetivas e
emocionais do indivíduo em seu contexto social (Cruz; Pereira Junior,
2011, p. 46)

Um exemplo de transtorno mental cada vez mais comum no mundo


coorporativo é a síndrome de burnout, considerada uma resposta do indivíduo ao
estresse presente no ambiente de trabalho. O principal sintoma deste quadro de
saúde é o sentimento de esgotamento físico e emocional.
Para Castro e Zanelli (2007), este quadro de estresse vai além da exaustão
decorrente da enorme sobrecarga ocupacional. Segundo os autores, existem
outros agravantes, como a falta de suporte, considerada um estressor de ordem
interpessoal e estressores burocráticos, como conflitos de papel e falta de
autonomia. Estas situações contribuem para a diminuição do sentimento de
realização no trabalho.
Além da psicossomática, considerada uma área de atuação da medicina, a
psicologia também tem um campo específico que se preocupa com a relação
mente e corpo, a psicologia da saúde. Para Straub, a psicologia da saúde é um
subcampo da psicologia que aplica princípios e pesquisas psicológicas para a
melhoria, tratamento e prevenção de doenças. Ela busca descobrir como o bem-
estar é afetado pelo que pensamos, sentimos e fazemos (Straub, 2014).
Durante muito tempo, o foco da psicologia da saúde esteve relacionado aos
efeitos das emoções negativas na saúde das pessoas. Estas emoções referiam-
se quase sempre à raiva, hostilidade, depressão, medo e ansiedade. Já se sabe
há bastante tempo que estas emoções negativas podem enfraquecer o sistema
imunológico e, assim, aumentar o risco de doenças, inclusive doenças cardíacas
(Davidson; Begley, 2013).
Atualmente, encontramos estudos e investimentos em pesquisas com foco
no efeito das emoções positivas na saúde das pessoas. Os resultados destes
estudos indicam que o sentimento de felicidade pode estar relacionado
diretamente com alguns marcadores biológicos, como a frequência cardíaca, a
pressão arterial e o nível de cortisol no organismo, sendo este último um hormônio
diretamente associado à resposta ao estresse (Davidson; Begley, 2013).
Diferentes pesquisas apontam que as pessoas que se sentem mais felizes
tendem a apresentar maior motivação, energia para realização e otimismo. Estes
sentimentos refletem em suas ações e comportamentos, contribuindo para hábitos
mais saudáveis, como a prática de exercícios e uma rotina adequada de sono.

7
Considerando a interferência das emoções em nossa saúde física e mental,
nas relações sociais e no ambiente de trabalho, a autoconsciência e o manejo das
emoções pode contribuir para o sucesso em diferentes esferas de nossa vida. A
habilidade de saber lidar com as emoções, monitorá-las e usá-las a nosso favor
está relacionada a uma capacidade que tem sido cada vez mais valorizada, a
inteligência emocional.

TEMA 5 – INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

A inteligência pode ser definida como a soma das experiências do


indivíduo. Reflete a habilidade de se adaptar ao meio, de raciocinar, de aprender
e de resolver problemas (Mader et al., 2004).
Muitos pesquisadores diferenciam duas instâncias da inteligência: a
cristalizada e a fluida. A inteligência cristalizada está associada ao conhecimento
conceitual e semântico e está relacionada às habilidades verbais. Já a inteligência
fluida relaciona-se às habilidades não verbais, associada à execução e à
resolução lógica (Moraes et al., 2010). A inteligência fluida é classificada como
pouco dependente de conhecimentos previamente adquiridos, desta forma, sofre
pouca influência dos aspectos culturais. A inteligência cristalizada, ao contrário, já
está intimamente relacionada às vivências culturais e educacionais.
Os aspectos da inteligência nos remetem a pensar em cognição, visto que
as funções cognitivas apresentam forte relação com a atividade cortical e com as
funções superiores como pensamento e raciocínio. Entretanto, atualmente,
observa-se que apresentar um nível intelectual superior não é garantia de sucesso
no trabalho e na vida pessoal. Principalmente no ambiente ocupacional, cada vez
mais outro tipo de inteligência tem sido valorizado, a inteligência emocional.
De acordo com Salovey e Mayer (1990, citados por Bueno; Primi, 2003), a
inteligência emocional refere-se ao monitoramento dos sentimentos e emoções
em si mesmo e nos outros, na discriminação entre ambos e na utilização desta
informação para guiar o pensamento e as ações. Para estes autores, os processos
da inteligência emocional envolvem alguns componentes, como a avaliação das
emoções em si e nos outros, a regulação da emoção em si e nos outros e a
utilização da emoção como forma de adaptação.
Para Bueno e Primi (2003, p. 279) “o processamento de informações
emocionais é explicado por meio de um sistema de quatro níveis, que se

8
organizam de acordo com a complexidade dos processos psicológicos”. Estes
processos envolvem:

 percepção, avaliação e expressão emocional: capacidade de perceber e


expressar emoções; envolve a autopercepção e a detecção de expressões
emocionais nos outros;
 emoção como facilitadora do pensamento: refere-se à capacidade de
utilizar a emoção como um alerta para direcionar a atenção e o pensamento
para as informações mais relevantes;
 compreensão e análise de emoções: habilidade de conhecer e reconhecer
especificidades de algumas emoções, sentimentos mais complexos e
compreensão de padrões emocionais que podem transitar;
 controle reflexivo de emoções para promover o crescimento emocional e
intelectual: refere-se à possibilidade de tolerar reações emocionais
positivas ou negativas, controlar as emoções e conseguir descarregá-las
da maneira mais oportuna possível.

Goleman (2015), grande estudioso sobre os processos de liderança nas


organizações, considera que a inteligência emocional é fundamental para uma
liderança bem-sucedida.
Para o autor, o aspecto intelectual e as habilidades cognitivas como o
pensamento e a capacidade de visão a longo prazo são importantes. Porém, ao
analisar as habilidades técnicas e a inteligência emocional como ingredientes de
um ótimo desempenho, a inteligência emocional mostrou-se mais importante.
Além disso, na opinião do estudioso, quanto mais alto um cargo dentro de uma
organização, mais necessária se torna a capacidade de inteligência emocional
(Goleman, 2015).
Assim, fica evidente o impacto das emoções em nossa vida. Cognição e
emoção não podem ser interpretadas de forma fragmentada, pois são aspectos
dependentes e extremamente complementares, não apenas nos processos de
saúde e doença, mas também para o sucesso em diferentes contextos cotidianos,
que envolvem aspectos pessoais, sociais e ocupacionais.

9
REFERÊNCIAS

AURÉLIO. Dicionário do Aurélio Online. 2018. Disponível em:


<https://dicionariodoaurelio.com/cognicao>. Acesso em: 15 maio 2019.

BUENO, J. M.; PRIMI, R. Inteligência emocional: um estudo de validade sobre


a capacidade de perceber emoções. Psicologia: reflexão e crítica, 2003, 16(2),
p. 279-291.

CARDOSO, C. O.; COTRENA, C. Tomada de decisão examinada pelo Iowa


Gambling task: análise das variáveis de desempenho. Neuropsicologia
Latinoamericana, 2013, v. 5, n. 2 p. 24-30.

CASTRO, F.; ZANELLI, J. C. Síndrome de burnout e projeto de ser. Cad. psicol.


soc. trab. 2007, v. 10, n. 2, p. 17-33.

CRUZ, M.; PEREIRA JUNIOR, A. Corpo, mente e emoções: referenciais teóricos


da psicossomática. Rev. Simbio-Logias, v. 4, n. 6, dez./2011.

DAMASIO, A. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. 2. ed.


São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

DAVIDSON, R. J.; BEGLEY, S. O estilo emocional do cérebro: como o


funcionamento cerebral afeta sua maneira de pensar, sentir e viver. São Paulo:
Sextante, 2013.

GOLEMAN, D. Liderança: a inteligência emocional na formação do líder de


sucesso. Tradução de: Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.

KANDEL, E. E. et al. Princípios de neurociências. 5. ed. Porto Alegre: AMGH,


2014.

MADER, M. J.; THAIS, M. E.; FERREIRA, M. G. Inteligência: um conceito amplo.


In: ANDRADE, V.; SANTOS, F.; BUENO, O. Neuropsicologia hoje. São Paulo:
Artes Médicas, 2004. p. 61-76.

MORAES, A. L. et al. Inteligência versus funções executivas em crianças e


adolescentes: um estudo correlacional. In: HUTZ, C. (Org.) Avanços em
avaliação psicológica e neuropsicológica de crianças e adolescentes. 1. ed.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010. p. 123-142.

ROCHA, J. M.; KASTRUP, V. Cognição e emoção na dinâmica da dobra afetiva.


Psicologia em Estudo, 2009.

10
SILVA, J.; MULLER, M. Uma integração teórica entre psicossomática, stress e
doenças crônicas de pele. Estudos de Psicologia, 24(2), p. 247-256, abr.-
jun./2007.

STRAUB, R. Psicologia da saúde: uma abordagem biopsicossocial. Porto


Alegre: Artmed, 2014.

11
AULA 6

COGNIÇÃO, ATENÇÃO E
FUNÇÕES EXECUTIVAS

Profª Camila Paraná


CONVERSA INICIAL

A neurociência tem revolucionado a compreensão do funcionamento do


cérebro e o entendimento de como as pessoas se comportam. A década de 1990,
também conhecida como a Década do Cérebro, foi um marco no desenvolvimento
desta área. Na época, o presidente dos Estados Unidos George H. W. Bush fez
um alto investimento financeiro em entidades governamentais americanas, com o
objetivo de impulsionar pesquisas acerca do funcionamento cerebral.
Avanços em diferentes áreas foram observados, desde em níveis da
neurociência mais elementares, como os celulares e moleculares, até os mais
complexos, como o cognitivo e o comportamental. Foi justamente nesta época da
Década do Cérebro que neurocientistas aprofundaram os estudos do maior caso
da história da neurociência, o caso de Phineas Gage, que contribuiu
significativamente para a compreensão do lobo frontal e que será tema desta aula.
Assim, nesta aula, o lobo frontal será explorado, justamente por ser
considerado uma das principais estruturas cerebrais, responsável por nos
diferenciar de outros seres vivos, por permitir o gerenciamento de
comportamentos e emoções. Conforme enfatizado por Goldberg (2009, p. 10), “os
lobos frontais são os mais exclusivamente humanos de todas as estruturas do
cérebro e desempenham um papel crítico no sucesso ou fracasso de qualquer
empreendimento humano”.

TEMA 1 – NÍVEIS DE ANÁLISE EM NEUROCIÊNCIAS

Apesar de todos os avanços da neurociência e de todo o advento da


tecnologia, sabemos que a sua história ainda está sendo escrita. Estudar
neurociências exige constante atualização, visto que o seu desenvolvimento é
constante. Compreender o funcionamento do encéfalo é considerado um desafio,
mas para diminuir um pouco a complexidade, pesquisadores dividiram o
funcionamento do sistema nervoso central em pequenos pedaços, também
chamados de níveis de análise (Bear; Connors; Paradiso, 2017).
Bear e colaboradores (2017) citam cinco níveis de análise em
neurociências: molecular, celular, de sistemas, comportamental e cognitivo, sendo
o último o de maior complexidade. O Quadro 1 apresenta de forma sucinta o
entendimento de cada nível de análise.

2
Quadro 1 – Níveis de análise em neurociências

Nível de Descrição
análise
É considerado o nível mais elementar.
Entende que a matéria encefálica consiste em uma variedade
Molecular
de moléculas, com diferentes funções, e busca compreendê-
las.
Enfoca o estudo de como todas as moléculas interagem para
dar ao neurônio suas propriedades particulares.
Busca explicar:
Maior complexidade

Celular
- Quantos tipos de neurônios existem?
- Quais as suas funções?
- Como se comunicam?
Entende que constelações de neurônios formam circuitos
complexos.
Estes sistemas realizam determinada função, por exemplo:
De sistemas
- visão – sistema visual;
- movimento voluntário – sistema motor;
Estuda como funcionam estes circuitos neurais.
Como os sistemas neurais trabalham juntos para produzir
Comportamental
comportamentos integrados?
Compreensão dos mecanismos neurais responsáveis pelas
atividades mentais superiores: consciência, imaginação,
Cognitivo linguagem, pensamento, raciocínio etc.
Como a atividade cerebral cria a mente?
Ainda considerado o maior desafio.
Fonte: Bear; Connors; Paradiso, 2017.

A partir do exposto, percebe-se o quanto a neurociência é uma área


extremamente multidisciplinar, que pode englobar não somente profissionais da
área da saúde, mas também da educação e de negócios, cada qual com interesse
mais específico em algum nível de análise.

TEMA 2 – OS TRÊS CÉREBROS

De acordo com Gil (2007), filogeneticamente, grande parte das estruturas


cerebrais são formadas pelo tronco encefálico e pelos núcleos da base. O tronco
encefálico é um conjunto complexo de fibras que envia informação do cérebro
para a medula e cerebelo, e da medula e do cerebelo ao cérebro. Esta estrutura,
apesar de primitiva, é também a mais importante para a vida, pois é responsável
por regular funções vitais como temperatura, respiração e consciência (Gazzaniga
et al., 2006).
No tronco encefálico encontramos uma estrutura chamada de sistema
reticular, a qual pode ser definida como um feixe de fibras responsável por regular
nossos níveis de consciência, ou seja, regula os ciclos de sono, transmitindo ao
córtex informações que variam do sono profundo ao estado de vigília (Kandel et
al., 2014).
3
Os núcleos da base são estruturas localizadas na região central do cérebro,
consideradas estruturas subcorticais e ricas em substância cinzenta (agregação
de corpos de neurônios). Elas desempenham papel importante na regulação dos
movimentos e também contribuem para a cognição (Gazzaniga et al., 2006;
Kandel, 2014).
Este cérebro, formado pelas estruturas citadas, é considerado o mais
arcaico, pois é responsável por controlar os comportamentos mais básicos e
necessários à sobrevivência, como comer e realizar ações de defesa (Gil, 2007).
O segundo cérebro é formado pelo sistema límbico, o qual, de forma geral,
é conhecido como o sistema que regula as nossas emoções, por meio da
regulação dos comportamentos mais instintivos, e também está relacionado à
memória (Gil, 2007). De acordo com Gazzaniga e colaboradores (2006), o sistema
límbico é formado pelo tálamo (redistribui impulsos sensoriais ao córtex),
hipotálamo (responsável pela homeostase), amígdala (envolvida na produção de
resposta ao medo e outras emoções) e hipocampo (responsável por construir
novas memórias).
O terceiro cérebro é constituído pelo córtex cerebral, ou seja, a camada
enrugada e mais externa do cérebro, rica em neurônios (substância cinzenta). É
o local responsável pelo processamento neuronal mais sofisticado e desempenha
papel central nas funções superiores: pensamento, linguagem, memória e
atenção (Gazzaniga et al., 2006; Kandel et al., 2014).
Esta terceira estrutura encefálica é a responsável pela “humanização do
cérebro, visto que gerencia as informações provenientes do meio ambiente,
adapta as ações, permite o desdobramento das funções cognitivas, com a
linguagem em primeiro lugar, e também dar capacidade de planificação e de
antecipação do lobo frontal” (Gil, 2007, p. 5).
Temos, assim, uma classificação baseada na concepção tripartida do
cérebro (MacLean, 1970 citado por Gil, 2007), simplificada a seguir:

4
Quadro 2 – Concepção tripartida do cérebro

Nomenclatura Estrutura Função


1º Cérebro Tronco cerebral e
Vigília e motricidade
cérebro reptiliano núcleos da base
2º Cérebro Regulação de comportamentos instintivos e
Sistema límbico
cérebro mamífero emocionais
3º Cérebro Gerenciamento, adaptação, planejamento
Córtex/neocórtex
cérebro neomamaliano (humanização)
Fonte: Adaptado de MacLean, 1970 citado por Gil, 2007.

A camada do córtex é dividida em pelo menos quatro partes: lobo frontal,


parietal, temporal e occipital. Cada divisão do córtex é responsável pelo
processamento de algumas funções (Machado, 2000):

 Lobo frontal: comportamento motor e funções executivas;


 Lobo parietal: processamento de informações somatossensoriais
(temperatura e dor);
 Lobo temporal: processamento de informações auditivas;
 Lobo occipital: processamento de informações visuais (Machado, 2000).

Considerando a importância do lobo frontal e sua implicação na regulação


do comportamento, o tema 3 desta aula aprofundará esta estrutura cerebral.

TEMA 3 – LOBO FRONTAL

O lobo frontal representa a parte anterior do cérebro, situada antes da


fissura de Rolando, ou giro central (Gil, 2007). É responsável pelo comportamento
motor e pelas funções executivas. Segundo Cosenza e Guerra (2011, p. 88),

As funções executivas estão presentes em nosso cotidiano, em decisões


e tarefas corriqueiras, e também nos planejamentos de longo prazo,
como decidir a carreira profissional, a viagem das férias do próximo ano
ou o que fazer depois da aposentadoria. As pessoas normalmente são
capazes de projetar, executar e monitorar seu comportamento até atingir
um objetivo que tenham em mente, seja ele de curto ou longo prazo.

A porção mais anterior do córtex frontal é chamada de córtex pré-frontal, a


qual representa aproximadamente um terço da massa cortical (Gil, 2007). Esta
região se expandiu progressivamente ao longo da evolução animal e encontra-se
muito desenvolvida nos humanos (Cosenza; Guerra, 2011).
O lobo frontal está relacionado à intencionalidade e à capacidade de tomar
decisões complexas. Para o pai da neuropsicologia, o soviético Alexandr Luria, o
lobo frontal é o “órgão da civilização” (Goldberg, 2009).

5
Assim como ocorre em uma grande corporação ou em uma orquestra, o
cérebro é formado por componentes distintos que executam diferentes funções.
Como em grandes organizações, o cérebro tem o seu CEO, assim como uma
orquestra é comandada por seu maestro. Desta forma, este papel de liderança no
cérebro é representado pelos lobos frontais, mais especificamente, pelo córtex
pré-frontal (Goldberg, 2009).
A partir das evidências de que os lobos frontais são as estruturas cerebrais
que nos tornam humanos, visto que são responsáveis pela capacidade de
intencionalidade, tomada de decisão e autorregulação das emoções (Malloy-Diniz,
et al., 2018), o que sabemos sobre as consequências decorrentes destas
alterações?

TEMA 4 – ALTERAÇÕES DO LOBO FRONTAL

Em quadros neurológicos nos quais verificam-se alterações das funções


dos lobos frontais, é possível observar sintomas como perda ou diminuição da
autocrítica, dificuldade para avaliar o próprio desempenho e subestimação ou
baixa consciência de suas dificuldades (Gil, 2007).
Em casos de lesões frontais adquiridas de forma abrupta, como em
quadros de acidente vascular cerebral (AVC) e traumatismo cranioencefálico
(TCE), os sintomas podem ser mais evidentes, visto que alterações importantes
de comportamento podem ser identificadas. São estas alterações
comportamentais pós-lesão de lobo frontal que muitas vezes estão relacionadas
ao agravamento do prognóstico clínico, conforme complementa Goldberg,

Se outras partes do cérebro estão danificadas, a doença neurológica


pode resultar na perda de linguagem, memória, percepção ou
movimento. No entanto, a essência do indivíduo, o núcleo da
personalidade, geralmente permanece intacta. Tudo isso muda quando
a doença atinge os lobos frontais. O que está perdido, então, não é mais
um atributo de sua mente. É a sua mente, o seu núcleo, o seu eu.
(Goldberg, 2009, p. 13)

Partindo do entendimento de que lesões de lobo frontal tendem a acarretar


alterações de comportamento e mudança de personalidade, faz-se necessário
apresentar o caso mais famoso na história da neurociência: o caso de Phineas
Gage, descrito na íntegra por Damasio (1996, p. 23) e sintetizado a seguir.

Verão de 1848, Nova Inglaterra, Phineas Gage, de 25 anos de idade, capataz da


construção civil, trabalhava numa estrada de ferro e tinha a seu cargo um grande número de
homens. Era considerado eficiente por seus superiores.

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Em determinado dia, por volta das 4 horas tarde, Gage e a equipe de funcionários
comandada por ele executavam um trabalho em que deveriam explodir rochas para abrir
caminhos. No momento em que Gage colocava a pólvora e o rastilho num buraco, alguém atrás
dele o chamou, e, por um breve instante, Gage olhou para trás. Neste momento, se distraiu e
colocou a pólvora diretamente com uma barra de ferro. Isto provocou uma faísca na rocha e a
carga explosiva foi diretamente em seu rosto.
A explosão foi tão forte que a barra de ferro entrou pela face esquerda de Gage,
atravessou a parte anterior do cérebro e saiu com alta velocidade pelo topo da cabeça. Phineas
Gage foi jogado no chão, envolto em sangue e cérebro. Para a surpresa de todos, Gage
permaneceu vivo e consciente.
Inicialmente, manchetes nos jornais noticiaram a ocorrência de um acidente horrível, mas
uma semana mais tarde, o acidente foi considerado maravilhoso. Sobreviver à explosão com
aquela ferida, ter sido capaz de falar, caminhar e permanecer coerente imediatamente após o
acidente foi inacreditável. Phineas foi considerado curado dois meses após o acidente, porém
ninguém imaginava as reais sequelas relacionadas às mudanças de personalidade.
As mudanças tornaram-se evidentes assim que passou a fase crítica da lesão cerebral.
Mostrava-se agora caprichoso, irreverente, usando por vezes a mais obscena das linguagens, o
que não era anteriormente de seu costume, manifestando pouca deferência para com os colegas,
impaciente quanto a restrições ou conselhos que entravam em conflito com seus desejos, por
vezes determinadamente obstinado, outras caprichoso e vacilante, fazendo muitos planos para
ações futuras que facilmente eram concebidos como abandonados.
Agia como uma criança nas suas manifestações e capacidades intelectuais. Sua
linguagem obscena era de tal forma degradante que as senhoras eram aconselhadas a não
permanecer durante muito tempo em sua presença, para que ele não ferisse sua sensibilidade. As
mais severas repreensões vindas do próprio médico falharam na tentativa de fazer com que o
sobrevivente voltasse a ter um bom comportamento. Esses novos traços de personalidade
estavam em nítido contraste com os “hábitos moderados” e a “considerável energia de caráter”
que Phineas Gage possuía antes do acidente. Era considerado, por aqueles que o conheciam, um
homem de negócios astuto e inteligente, muito enérgico e persistente na execução de todos os
seus planos de ação. Não existe dúvida de que, no contexto do seu trabalho e da sua época, tinha
sido bem-sucedido.
Sofreu uma mudança tão radical que seus amigos e conhecidos dificilmente o
reconheciam. Observavam entristecidos que “Gage já não era Gage”. Era agora um homem tão
diferente que os patrões tiveram de dispensá-lo pouco tempo depois de ter regressado ao trabalho,
porque “consideravam a alteração de sua mente tão acentuada que não lhe podiam conceder seu
antigo lugar”. O problema não residia na falta de capacidade física ou competência, mas seu novo
caráter.
Não sendo capaz de desempenhar as funções de capataz, Gage aceitou trabalhos em
propriedades que se dedicavam à criação de cavalos. Acabou por trabalhar em qualquer local,
desistia fácil ou era dispensado por indisciplina.
Os escassos documentos disponíveis sugerem que Gage veio a padecer de ataques
epiléticos. O fim chegou em 21 de maio de 1861, após uma doença que se prolongou por pouco
mais de um dia. Gage teve uma grande convulsão que o fez perder a consciência. Seguiu-se uma
série de outras convulsões que ocorreram sem cessar. Nunca mais recobrou os sentidos. Tinha
38 anos de idade. Não houve qualquer referência à sua morte nos jornais locais.

O caso de Phineas Gage trouxe inúmeras contribuições à neuropsicologia,


mas talvez a mais importante tenha sido a descoberta da relação entre o lobo
frontal e a personalidade, evidenciada a partir das graves alterações de
comportamento pós-lesão.

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TEMA 5 – INTERESSE PELO LOBO FRONTAL NO MUNDO CORPORATIVO

Considerando que os lobos frontais não estão diretamente relacionados a


nenhuma função específica que possa ser facilmente definida, por muito tempo
as teorias da organização cerebral não lhe atribuíram qualquer consequência. Foi
a partir do caso de Gage que os lobos frontais, antes conhecidos como “os lobos
silenciosos”, ganharam visibilidade e interesse, tornando-se foco de intensa
investigação científica em diferentes áreas (Goldberg, 2009).
Para a área da saúde, o interesse por essa parte do cérebro tornou-se
evidente, considerando as graves sequelas pós-lesão ou doenças degenerativas.
No contexto da educação, os lobos frontais tornam-se fundamentais para o
processo de aprendizagem. Mais recentemente, o mundo dos negócios também
passou a investir nas pesquisas relacionadas às funções executivas.
Goleman (2015) cita algumas das habilidades necessárias no mundo
coorporativo: trabalhar bem em equipe; ter uma comunicação clara e eficaz; ser
capaz de se adaptar a mudanças; ter boa interação social; pensar claramente e
resolver problemas sob pressão. A partir dos conhecimentos acerca das funções
executivas, fica clara a contribuição da neuropsicologia dos lobos frontais para o
mundo dos negócios. Todas essas habilidades envolvem, de alguma forma, as
funções frontais do cérebro: autorregulação das emoções e do comportamento,
flexibilidade cognitiva, controle dos impulsos, tomada de decisão, resolução de
problemas e planejamento.
O córtex pré-frontal desempenha papel central na formação de metas e
objetivos e, em seguida, na elaboração de planos de ação necessários para atingi-
los. Seleciona as habilidades cognitivas necessárias para implementar os planos,
coordena essas habilidades e as aplica em uma ordem correta (Goldberg, 2009).
Estas habilidades são essenciais para um líder, por exemplo.
Da mesma forma, conforme citado por Goldberg (2009, p. 14), “os lobos
frontais nos definem como seres sociais”. Assim, em situações em que relações
humanas são necessárias, as funções executivas de automonitoramento, controle
de impulsos e flexibilidade cognitiva são fundamentais para a garantia do convívio
social. Exemplificando, relações no ambiente de trabalho que não estejam
calcadas nas habilidades citadas anteriormente podem colocar em risco qualquer
atividade profissional. Se todos acharem que podem fazer ou falar aquilo que
instintivamente pensam ou sentem, ou ainda, se a capacidade de flexibilizar

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ideias, dar abertura ao novo e aceitar a opinião alheia não for incentivada e
respeitada, há grandes chances de fracasso.
Outro campo que vem ganhando destaque é o estudo do comportamento
humano aplicado ao marketing. Mais especificamente, podemos nos referir ao
neuromarketing, campo interessado em entender o comportamento do
consumidor a partir da compreensão do funcionamento cerebral nos processos de
tomada de decisão e controle de impulsos. Estes estudos têm ganhado um grande
aliado, que é a tecnologia. Ferramentas de neuroimagem como a ressonância
magnética funcional têm auxiliado nesta compreensão.
Não há dúvidas da importância desta parte tão nobre do cérebro humano,
da relevância de seu funcionamento, seja ele “normal” ou patológico, e da
vantagem de sua compreensão nas diferentes áreas de atuação profissional.

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REFERÊNCIAS

BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando


o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

DAMASIO, A. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. 2. ed.


São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

GAZZANIGA, M. S.; IVRY, R. B.; MANGUN, G. R. Neurociência cognitiva: a


biologia da mente. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

GIL, R. Neuropsicologia. 2. ed. São Paulo: Santos, 2007.

GOLDBERG, E. The new executive brain: frontal lobes in a complex world.


Oxford, 2009.

GOLEMAN, D. Liderança: a inteligência emocional na formação do líder de


sucesso. Tradução de: Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.

KANDEL, E. E. et al. Princípios de neurociências. 5. ed. Porto Alegre: AMGH,


2014.

MACHADO, A. Neuroanatomia funcional. São Paulo: Atheneu, 2000.

MALLOY-DINIZ, L. F.; et al. Avaliação neuropsicológica. 2. ed. Porto Alegre:


Artmed, 2018.

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