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HISTÓRIA E DESAFIOS ATUAIS DAS RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS DE


SOUSAS
Ana Paula de Oliveira
Andressa Gonçalves
Ivens Camargo
Marina Abreu
Washington Lurcovic
Supervisora: Juliana dos Santos Corbett
À medida que as demandas relacionadas a saúde mental cresceram e se
tornaram cada vez mais complexas no país, houve uma grande necessidade de se
criar articulações voltadas a soluções estruturais coletivas. Com a reforma psiquiátrica
e com a finalidade de promover a autonomia e assegurar os direitos dos indivíduos
com transtornos mentais, a rede de saúde mental obteve ganhos na criação de uma
atenção em rede e de base comunitária em saúde mental no SUS respondendo assim
a toda heterogeneidade das demandas populacionais. A reforma psiquiátrica surgiu
com o objetivo da desinstitucionalização da população em situação manicomial com o
intuito de reinseri-la a sociedade através de políticas públicas e com isso as RT’s
(Residências Terapêuticas) foram criadas para realocar os pacientes internados em
hospitais psiquiátricos para moradias localizadas ao redor dos centros de apoio
psicossociais (CAPS). A rede de residências terapêuticas originalmente contou com
475 serviços ativos e cerca de 2.500 moradores em 2001, com 24 residências em sua
fase inicial (BARIONI, 2013) e, atualmente conta com 20 residências sendo que 5
delas se encontram em Sousas e abrigam pacientes de alta complexidade (Serviço
Candido Ferreira, 2018).

Nesse contexto, o grupo de estagiários do último ano do curso de psicologia


puderam acompanhar um pouco mais de perto a rotina de três residências
terapêuticas em Sousas.

A residências foram constituídas para responder as necessidades de moradia


de pessoas portadoras de transtornos mentais leves e graves, institucionalizadas ou
não. Os programas de residências terapêuticas em Saúde Mental estão enquadrados
em Residência Multiprofissional em Saúde e têm como principal campo de atuação o
CAPS em suas diferentes modalidades, atuando em conjunto no âmbito residencial. O
psicólogo é inserido e passa a integrar na equipe multidisciplinar, com o intuito de
olhar o sujeito da saúde mental de forma ampliada.
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Cada uma das cinco residências terapêuticas que se encontram ao redor do


Serviço de Saúde Cândido Ferreira possui sua peculiaridade. A Expedicionários por
exemplo loca pacientes clínicos e cronificados que ainda conseguem exercer sua
capacidade de ser no mundo de forma singular, com sua própria constituição e forma
de existir (HEIDEGGER, 1988). A moradia é aconchegante e visa proporcionar aos
residentes a sensação de lar, pertencimento e convívio social mesmo dentro de das
possibilidades de cada sujeito, partindo do ponto de vista que o ser humano é um ser
social e não consegue viver isolado (LANE, 2006). A equipe da casa é afetuosa para
com os moradores e também bem estruturada. Sua equipe contém um técnico de
enfermagem, monitor e auxiliar em manutenção da casa sendo que há fisioterapeuta,
médico geral e psiquiatra que fazem visitas periódicas para acompanhara evolução do
quadro e lidar com as demandas que surgir ao longo da semana.

Após quase 12 meses de estágio nas residências, percebemos que embora haja
atividades inseridas no hospital Candido Ferreira, muitos dos moradores não sentem à
vontade de participar e acabam ficando presos em uma monotonia diária, onde todos
os dias são iguais e nada pode sequer acontecer. Os cuidadores são totalmente
atenciosos mesmo com a grande demanda e o quadro reduzido de funcionários, todos
os moradores sempre estão bem cuidados. Percebemos que nas residências,
considerando as várias demandas inclusive das características psiquiátricas dos
usuários, é mais difícil realizar atividades mais dirigidas, seja relacionada ao bem-estar
ou até mesmo algo lúdico, o que poderia garantir algum tipo de descontração com os
moradores, assim mesmo com todo o cuidado dispensado pela equipe, vemos que a
patologia está totalmente inserida nesse contexto.

Um dos pontos positivos é a relação que a equipe mantém com o usuário,


ultrapassando a linha de um mero cuidado técnico-cientifico e percorrendo o campo da
afetividade de forma espontânea e sincera, onde não há receio de construir um vínculo
afetivo significativo para ambas as partes, sendo tais elementos essenciais segundo
Rogers (2010) para se construir uma relação que proporcione o desenvolvimento do
outro na relação e é através desse vinculo que o cuidado pode ser efetuado com maior
liberdade, assertividade e humanizado. Na saúde mental a questão de atendimento
humanizado é de extrema importância, pois cindir com a visão unicamente biomédica
do sujeito, não o vendo como mera máquina de alta complexidade é levar em
consideração sua subjetividade e tal termo é indissociável da saúde mental. Dentro
deste olhar, os profissionais e sua relação para com os usuários deve ser construída e
amparada segundo Bubber (2001) dentro da relação EU-TU onde o reconhecimento
do usuário enquanto ser único e singular, visto como outro sujeito e não como algo ou
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uma “coisa” onde seus conhecimentos técnicos-científicos são aplicável, pois este
segundo tipo de relação Bubber a compreende como uma relação EU-ISSO, tomando
o outro como algo, ocorre uma reificação do sujeito. Nas residências terapêuticas
pode-se notar nas relações entre usuário e profissionais a prevalência de serem
construídas e constituídas a relação EU-TU.”

Um dos pontos que limita maior possibilidade de melhorar a qualidade do


trabalho no campo é que apesar da equipe ser multiprofissional, os profissionais que a
compõem (enfermeira, técnico de enfermagem, monitor e auxiliar de moradia) e os
que coordenam a equipe (área da enfermagem) tem uma formação ou tem uma
influência no cotidiano (monitor e auxiliar de moradia) voltada para as questões
médicas, seu olhar será com o enfoque orgânico para o usuário com alguma
psicopatologia, e sendo o ser humano biopsicossocial, outras aspectos do mesmo
acabam sendo segregados e o cuidado acaba sendo incompleto, perdendo-se o todo
que pode mudar as configurações de como cuidar, de manejos e olhar terapêutico
para o indivíduo (Perls, 1977).

Ao acompanhar a dinâmica da uma das RT’s, passeios e outras atividades que


nos permitiu ampliar o olhar sobre os fazeres da instituição. Foi notável o alto nível de
demandas dos usuários que foram expressas de várias formas ao decorrer do estágio.
A maioria dos moradores sente falta de atividades que os façam reencontrar com suas
individualidades, como escrever num simples caderno para poder entrar em contato
com momentos felizes do passado, uma volta ao parque, ir a padaria da equina e
realizar passeios. Em suma quaisquer atividades que promovam a reintegração dos
pacientes enquanto seres pensantes promovem uma forma de vida mais autônoma ou
menos dependente do antigo sistema manicomial.

Em contrapartida um fator que delimita as possibilidades de atuação da


instituição junto aos usuários é o desmonte da saúde pública que interfere na política
sócia econômica do Cândido decorrente de vários cortes de orçamento. Este corte
interferiu na alimentação, transportes e atividades que antes eram feitas regularmente
e atualmente não mais, como passeios e visitas da assistência social e psicólogos,
fazendo com que os moradores da residência fiquem mais tempo ociosos. Mesmo
com as delimitações apresentadas os funcionários da casa trabalham em equipe para
manter um bom padrão de vida para os pacientes através de amor, dedicação e
técnicas criadas por eles mesmos para facilitar o trabalho.

A residência terapêutica constitui-se de indivíduos, na sua maioria, que


enfrentaram a reforma psiquiátrica brasileira, de sujeitos com sofrimentos psíquicos e
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que não possuem uma escuta terapêutica. Faz-se necessário enfatizar a relevância
das Residências Terapêuticas que contribuem para a implantação dos indivíduos com
transtornos mentais na comunidade, resgatando sua identidade, além de proporcionar
um atendimento mais humanizado aos pacientes. Essas moradias inseridas na
comunidade, destinadas a pessoas que em algum momento de suas vidas foram
chamadas de “loucas” e se tornaram pacientes de um hospital psiquiátrico, exclusas
do mundo social e do direito de ir e vir. Através das residências é reconstruído laços
sociais e afetivos onde as pessoas possam se sentir em casa e nesse ambiente não
são mais considerados pacientes e sim moradores.

Referências Bibliográficas
BARIONI, Paula Montanheiro Residências Terapêuticas no “Serviço de Saúde Dr.
Cândido Ferreira”: estratégia, avanços e desafios para as Políticas de Saúde Mental
em Campinas/ Paula Montanheiro Barioni, São Paulo, 2013. 98p.
BUBER, Martin. Eu e Tu. São Paulo: Centauro,2001
HEIDEGGER, Martin. (1988). Ser e tempo. (Parte I). Petrópolis: Vozes. (Col.
Pensamento Humano).
LANE, M. T. S. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 2006.
PERLS, Frederick S. Gestalt terapia explicada. Vol. 2. 2ª ed. São Paulo. Ed.
Summus, 1977
ROGERS, Carl. Tornar-se pessoa. São Paulo. Ed. WMF Martins Fontes, 2010.
SERVIÇO DE SAÚDE CÂNDIDO FERREIRA (2018). (Org.). Unidades:
SRT's. Disponível em: <http://candido.org.br/portal/unidades/srt/>. Acesso em: 26 nov.
2018.

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