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A RELEVÂNCIA DA REDUÇÃO DE DANOS NO ATENDIMENTO PSICOSSOCIAL

DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA


Guilherme de Senna Britto Storti1
Taynná Lima Dos Santos2
Bruno Pitanga3

RESUMO
A presença de pessoas que fazem uso de drogas morando nas ruas é uma
realidade nas grandes metrópoles, e é considerada um sinal emergente de
mudanças sociopolíticas e econômicas das últimas décadas. Esta população, dada
a exclusão enquanto cidadãos dos seus direitos civis, políticos, sociais e
econômicos, utilizam das substâncias psicoativas como uma ferramenta para
“amenizar” as consequências de um sintoma da insanidade social. Assim, projetos
sociais que atendem essa população utiliza-se da Política de Redução de Danos, na
perspectiva do modelo psicossocial, com objetivo de busca pela melhoria da
qualidade de vida, com o fortalecimento da autonomia, noções de cuidado e de
autocuidado. Utilizando-se da revisão bibliográfica de 10 artigos científicos, o
presente trabalho tem como objetivo analisar a relevância da redução de danos
dentro do processo psicoterapêutico de usuários de substâncias psicoativas, em
situação de rua. Observou-se que a aplicação da Redução de Danos caminha na
direção a um plano metodológico para que a prática se fortaleça e se estabeleça
dentro de todos os serviços psicossociais, mas ainda há muito a se observar do
ponto de vista da prática dos profissionais, não somente de psicologia, mas também
de outros agentes de saúde para que essas práticas sejam humanizadas e
transversais, a fim de promover saúde e autonomia à população em situação de rua.
Palavras-chave: Redução de Danos; Psicoterapia; População de Rua.

THE RELEVANCE OF HARM REDUCTION IN PSYCHOSOCIAL CARE FOR


POPULATION IN STREET SITUATIONS

ABSTRACT
The presence of people who live in the streets is a reality in large metropolises, and
is considered an emerging sign of socio-political and economic changes in recent
decades. This population, given the exclusion as citizens of their civil, political, social
and economic rights, use Psychoactive Substance as a tool to “alleviate” the
consequences of a symptom of social insanity. Thus, social projects that serve this
population use the Harm Reduction Policy, from the perspective of the psychosocial
model, with the objective of seeking to improve the quality of life, with the
strengthening of autonomy, notions of care and self-care. Using the bibliographic
review of 10 scientific articles, the present work aims to analyze the relevance of

1
Discente do curso de Psicologia do Centro Universitário UniFTC de Salvador (UniFTC/Ssa). E-mail:
guistorti@gmail.com
2
Discente do curso de Psicologia do Centro Universitário UniFTC de Salvador (UniFTC/Ssa). E-mail:
santostaynna726@gmail.com
3
Professor Orientador do Centro Universitário UniFTC de Salvador (UniFTC/Ssa), Psicólogo, E-mail:
pitangabruno@gmail.com
2

harm reduction within the psychotherapeutic process of users of psychoactive


substances, in a street situation. It was observed that the application of HR moves
towards a methodological plan so that the practice is strengthened and established
within all psychosocial services, but there is still much to be observed from the point
of view of the practice of professionals, not only of psychology, but also of other
health agents so that these practices are humanized and transversal, in order to
promote health to the homeless population.

Keywords: Harm Reduction; Psychotherapy; Street Population.

INTRODUÇÃO

A presença de pessoas que fazem das ruas sua moradia é uma realidade nas
grandes metrópoles, e é considerada um sinal emergente de mudanças
sociopolítico-econômicas das últimas décadas. As razões que levam pessoas a
viverem na rua são diversas. De acordo com a Pesquisa Nacional sobre a população
em situação de Rua, realizada entre os anos de 2007 e 2008, os principais motivos
relatados que levaram as pessoas a viver nas ruas é o uso abusivo de álcool e
outras drogas (35,5%), o desemprego (29,8%) e conflitos familiares (29,1%). O uso
de Substância Psicoativas surge como uma ferramenta para “amenizar” as
consequências de um sintoma da insanidade social que exclui os cidadãos de seus
direitos civis, políticos, sociais e econômicos.

Nesse âmbito, a questão se encontra imersa em diversos obstáculos que


desafiam os princípios de universalidade, equidade e integralidade do Sistema Único
de Saúde (SUS). Nesse sentido, muitos se encontram à margem das Redes de
Atenção à Saúde (RAS) e à proteção social, sendo alvo de políticas
assistencialistas, que muitas vezes trabalham de formas compensatórias, não
necessariamente focando na evolução do sujeito que se encontra naquela situação.

Entretanto, existe a Política de Redução de Danos, na perspectiva do modelo


psicossocial, considerada o principal pilar da atenção aos usuários de substâncias
psicoativas. Se apresenta como conjunto de ações de saúde pública voltadas para
minimizar as consequências adversas causadas pelo uso abusivo dos psicoativos.
Se baseia na busca pela melhoria da qualidade de vida dos sujeitos, com o
fortalecimento da autonomia, noções de cuidado e de autocuidado contextualizadas
3

e compartilhadas através do conhecimento empírico dos próprios usuários e


usuárias.

Diante disso, a presente pesquisa se justifica com base no cenário da nossa


sociedade, fazendo-se fundamental a compreensão a respeito da necessidade de
identificar os aspectos que contribuem para que a temática das políticas e práticas
de redução de danos. Esta se configura como um dos pilares fundamentais quando
se discute sobre a humanização na atenção e o cuidado de pessoas que fazem o
uso de substâncias psicoativas, readquirindo a identidade e a autoestima dessa
população, que se encontra em uma condição de vulnerabilidade social. Portanto,
este estudo tem como objetivo geral analisar a relevância da redução de danos
dentro do processo psicoterapêutico de pacientes adultos usuários de substâncias
psicoativas, em situação de rua.

METODOLOGIA

O trabalho tem como metodologia a revisão da literatura, por meio de um


estudo exploratório da literatura científica. Foram utilizados artigos científicos,
relacionados à redução de danos e uso de drogas, população de rua e atendimento
psicossocial, publicados em português no período de 2014 a 2022. Para a seleção
das fontes, foram consideradas como critérios de inclusão as bibliografias que
abordaram a redução de danos, uso de substâncias psicoativas e psicologia. Foram
selecionados 10 artigos dentro dos critérios estabelecidos, e a analisados através de
blocos denominados como: População em situação de rua; Redução de Danos; e,
Aplicação da Redução de Danos no Serviço de Saúde.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após a seleção dos artigos de acordo com os filtros estabelecidos, foi


elaborada uma tabela comparativa. A Tabela 1 apresenta os artigos analisados,
comparando-os quanto o tipo de estudo, ano de realização e objetivo de cada um
dos artigos. Os artigos foram selecionados a partir de estudos práticos
(exploratórios) e próprios dentro da temática, cada um com seu público/local e forma
de análise específica, e seus resultados foram analisados através de blocos
temáticos para análise de cada um deles.
4

Tabela 1 - Artigos Selecionados

Autores/Ano Tipo de Estudo Objetivos


Apresentar reflexões que se
originaram em um Programa de
Operacionalização do estágio
Extensão Universitária, acerca do
ASSUNÇÃO/2019 através de Projeto
cuidado a pessoas usuárias de
Terapêutico Singular
SPA na perspectiva da atenção
psicossocial.
Problematizar a atenção oferecida
Descrição de um caso, ao usuário de álcool e outras
CEZAR,
cotejando-o à literatura drogas a partir da perspectiva da
OLIVEIRA/2017
referente ao tema. RD em um município de pequeno
porte no interior de Minas Gerais.
Trata-se de um estudo Identificar e analisar as
exploratório, de abordagem percepções dos profissionais
qualitativa, realizada a terapeutas ocupacionais e dos
partir de entrevistas usuários sobre a atuação e
semiestruturadas com três especificidade da terapia
MOTA/2019 terapeutas ocupacionais e ocupacional junto às pessoas
cinco usuários de um em situação de rua atendidas
CAPS-ad III do Distrito pelo Centro de Atenção
Federal e da UA Psicossocial álcool e drogas
referenciada por este (CAPS-ad III) e pela Unidade
CAPS-ad III; de Acolhimento (UA).
Ensaio sobre a temática das
drogas, utilizando o Projeto
Contribuir com as diferentes
Consultório de Rua enquanto
práticas dos profissionais na área
PACHECO/2014 um equipamento das políticas
da saúde, no tocante ao uso e
de saúde, com prática social
abuso de substâncias psicoativas.
inclusiva à população em
situação de rua.
Estudo exploratório qualitativo Compreender os sentidos
PIRES
com psicólogas do CAPS Ad atribuídos pelos psicólogos sobre
E XIMENES/2021
de Fortaleza o princípio da Redução de Danos
Análise de narrativas e codificação
Pesquisa de campo que foi
de entrevistas com profissionais e
PIRES E SANTOS/2022 realizada entre junho de 2018
observação in loco nos Caps AD
e junho de 2019
do DF.
Pesquisa sobre a
Refletir sobre como essas
representação da situação de
representações influenciam na
RESENDE, rua nas notícias sobre
percepção do problema social
E MENDONÇA/2019 políticas públicas veiculadas
como foco da ação pública e sua
no portal Folha de S. Paulo
pauta na agenda pública
(FSP) entre 2011 e 2013
Estudo qualitativo, com a
utilização da Avaliação de
Empoderamento. A pesquisa
Avaliar as estratégias de Redução
foi realizada na Rede de
de danos na Rede de Atenção
SANTOS/2020 Atenção Psicossocial de um
Psicossocial de um município do
município de pequeno porte
interior da região Sul do Brasil.
do Rio Grande do Sul, Brasil,
no período de março a
dezembro de 2017.
5

Identificar, nas falas dos


Pesquisa qualitativa realizada
profissionais das equipes de
para analisar as práticas das
CnaR, como o estigma interfere
TEIXEIRA/2019 equipes de CnaR do
no cuidado ofertado às pessoas
Município do Rio de Janeiro
em situação de rua, criando
(MRJ),
barreiras de acesso à saúde.
Pesquisa intervenção
desenvolvida com doze
profissionais do Centro de Descrever as oficinas realizadas
Referência Especializada à com os profissionais envolvidos no
pessoa em situação de rua e cuidado à pessoa em situação de
VIANA/ 2020
do Centro de Atenção rua sobre a Política de Redução
Psicossocial Álcool e outras de Danos, tendo como referencial
Drogas, tendo como o Arco de Maguerez.
referencial o Arco de
Maguerez.
Fonte: Elaboração Própria

População em situação de rua


A população em situação de rua é definida pela Política Nacional para
Inclusão Social da População em Situação de Rua como grupo populacional
heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares
interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e
que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de
moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as
unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória
(RESENDE, MENDONÇA, 2019).
No Brasil, o processo de empobrecimento e a população em situação de rua
tem seu início no sistema escravocrata, e os grandes centros urbanos possuem a
maior concentração dessa população. Este grupo populacional conta com uma
legislação com objetivo de garantir a assistência social (a Lei 11.258/2015), que
estabelece a criação, no sistema de assistência social, de programas específicos
para pessoas que vivem em situação de rua. Assim, foi instituída a Política Nacional
para População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de
Acompanhamento e Monitoramento (CIAMP-Rua).

Este grupo populacional sofre com a estigmatização social, inclusive


partindo dos trabalhadores de centros de atenção voltados para essa população.
O despreparo dos profissionais para lidar com este grupo, faz com que,
geralmente, os serviços de saúde sejam de má qualidade, reforçando os estigmas
6

e à discriminação dessa parcela da população (TEIXEIRA, 2019). Este estigma é


ainda mais reforçado a partir da atuação da mídia jornalística, que reforça os
aspectos pejorativos dessa população (RESENDE, 2019).

O uso de Substância Psicoativas por parte da população em situação de rua


surge como recurso para “amenizar” as consequências de um sintoma da
insanidade social que exclui os cidadãos de seus direitos civis, políticos, sociais e
econômicos. Nesse âmbito, essa prática se encontra imersa em diversos obstáculos
que desafiam os princípios de universalidade, equidade e integralidade do Sistema
Único de Saúde (SUS). Nesse sentido, muitos se encontram à margem das Redes
de Atenção à Saúde (RAS) e à proteção social, sendo alvo de políticas
assistencialistas, compensatórias e focalizadoras (VIANA, 2020).

É importante ressaltar que os problemas relacionados ao uso de álcool e outras


drogas têm relevância econômica, social e sanitária, então é extremamente
necessário que se mobilize diversos setores das políticas públicas com vistas a
manejar seus determinantes e consequências. No Brasil, a emergência do consumo
de álcool e outras drogas também têm demandado a elaboração e
operacionalização de estratégias para equacionar a questão (ASSUNÇÃO, 2019).

Sendo assim, motivados pela cultura do preconceito e da exclusão de pessoas


nessa situação, pode-se observar as seguintes barreiras: a burocratização do
serviço e o preconceito por parte de alguns profissionais motivados pela aparência
dos usuários (falta de roupas e higiene adequada), a ausência de documentos de
identificação e endereço fixo, e/ou pela frequente condição de uso abusivo ou
excessivo de álcool, crack e outras drogas. Dessa maneira, percebe-se que o
estigma, enquanto estereótipo segregador, construído em torno de pessoas que
vivem nas ruas que fazem uso de SPA, resulta no julgamento moral da conduta dos
sujeitos a partir desses pontos (VIANA, 2020).

A população em situação de rua é silenciada e não tem voz para falar sobre
suas próprias demandas, além do fato de que os interesses de grupos e instituições
em relação as pessoas em situação de rua são representadas, muitas vezes, por
ativistas e religiosos, o que pode provocar prejuízos para a sociedade, notadamente
na incompreensão da complexidade envolvida na situação de rua como questão
social mais abrangente (RESENDE, 2019).
7

A Redução de Danos
A concepção nas últimas décadas a respeito da redução de danos e seus
planejamentos reproduziram um profundo debate entre adversários. Entretanto, é
coletivo o desconhecimento de que esses planejamentos estão em nossas rotinas
atualmente como, por exemplo o hábito de usar o cinto, a utilização de bloqueios
favorecendo as estradas e zonas de efeito de impactos em frente aos automóveis,
que auxilia na redução dos danos em caso de acidente. Desta forma, as pessoas
têm uma maior segurança, não deixando de dirigir, diminuindo consequentemente a
probabilidade de danos através destas medidas (CÉZAR, 2017).

As estratégias de redução de danos foram iniciadas na década de 1980, na


América, com o objetivo de investir na tentativa da redução de alta taxa da infecção
por HIV. A fundação da estratégia acolhia a demanda de ação visível e imediata em
frente ao fenômeno, a partir da distribuição de preservativos de forma gratuita e
troca diretas das seringas, visto que entre os grupos mais vulneráveis ao contágio se
encontrava os usuários de drogas injetáveis (CRUZ, 2006). O início da aplicação no
Brasil da RD em saúde pública aconteceu na cidade de São Paulo, em Santos. Em
companhia com a comunidade, o movimento sanitário desenvolveu um trabalho de
organizações de estratégias de Rd, devido as demandas de um grupo marginalizado
de homossexuais, onde foram determinadas condições de convivência, construindo
a base para o confrontamento da epidemia de HIV/ AIDS (SAMPAIO, FREITAS,
2010).

A Redução de Danos é um “novo paradigma ético, clínico e político” para as


políticas de saúde, incluindo-se os cuidados direcionados aos usuários de drogas.
Esta política se difere do paradigma da abstinência, pois esta não é a meta principal
para orientar o tratamento do sujeito. Na Redução de Danos, o próprio usuário é
coparticipante e corresponsável pelo estabelecimento de suas metas terapêuticas
junto dos técnicos e profissionais de saúde, visando um padrão de uso menos
prejudicial (ASSUNÇÃO, 2019).

O reconhecimento da adoção da estratégia de RD se trata de uma política que


busca entender as dificuldades de prevenir, tratar e reabilitar o usuário de droga
como uma adversidade para a saúde pública, proporcionando um novo olhar que
escape da repressão e comando, voltando-se para o progresso das condições
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sanitária dessa população (CÉZAR, 2017). Nesse sentido, podemos avaliar a


importância do empoderamento dessa população diante das circunstâncias que
vivem, pois, a redução de danos tem como objetivo visar resgatar a autoestima das
pessoas em situação de rua e torná-las pertencentes ao sentimento de cidadão com
plenos direitos, pois estar em situação de rua não define a ausência de plenos
direitos, como o acesso a saúde, saneamento básico e educação.

Aplicação da Redução de Danos no Serviço de Saúde

Há uma grande diversidade no modo de compreender a aplicação da redução


de danos dentro do espaço de atendimento psicossocial, e que para a psicologia
existem muitos debates a serem feitos (PIRES, 2021). Por outro lado, além da
Redução de Danos, é necessário apontar outros eixos norteadores no atendimento
psicossocial (abordagem familiar, estabelecimento de vínculos e respeito à
autonomia) para o estabelecimento do atendimento clínico (ASSUNÇÃO, 2019).

O atendimento psicossocial, analisado através do projeto Consultório de Rua,


onde promoção dos serviços de saúde, alinhado à redução de danos, prioriza os
princípios de equidade pelo respeito à sexualidade, às crenças e integração
sociocultural, sempre tendo como meta a autonomia do indivíduo. Neste projeto, os
profissionais atuam de modo a desmistificar o estigma da pobreza, combate à
exclusão e conquista da cidadania (PACHECO, 2014).

A aplicação da redução de danos é uma estratégia importantíssima para a


obtenção de resultados positivos dentro do contexto do atendimento psicossocial,
trazendo resultados positivos para a população em situação de rua (SANTOS,
2020):

Estudos demonstram que os indicadores de sucesso de uma estratégia


voltada ao cuidado de usuários de crack e outras drogas são: fortalecimento
de políticas intersetoriais com sinergismo entre os diferentes setores; e
ações de promoção em saúde, cidadania e liberdade, baseadas nos
princípios da redução de danos. Com isso, é esperada uma relação menos
prejudicial ao usuário pelo uso de drogas e, consequentemente, maior
autocuidado, possibilitando-lhe a inclusão social.
9

Nesse sentido, o trabalho realizado nos dispositivos de atendimento à


população de rua, torna-se fundamental para o processo de aproximação da rede de
cuidado deste público, sensibilizando-os para o tratamento e viabilizando possíveis
mudanças em seu cotidiano com vistas à melhora de sua qualidade de vida por meio
do acesso à saúde e à assistência social (MOTA, 2019).

Entretanto, há diferenças na forma de compreender a Redução de Danos


entre os profissionais que atuam nos projetos de atendimento à população em
situação de rua e/ou usuário de substâncias psicoativas. A compreensão das
implicações práticas é vista pelos psicólogos e assistentes sociais como um campo
social de escopo ampliado, ou seja, de forma mais completa, focando no sujeito e
menos na abstinência como única solução (PIRES, 2022):

As profissões cuja formação envolve disciplinas do campo psicossocial–


como assistentes sociais e psicólogos – tendem a conceber e exercer uma
redução de danos de escopo ampliado. Já as profissões cuja formação
enfatiza as ciências do campo biomédico tendem a interpretar e praticar a
RD como uma estratégia, um meio ou instrumento para alcançar o objetivo
último da abstinência – como cura ou mitigação dos sintomas de uma
doença.

Por outro lado, há dificuldades relacionadas à aplicação da Redução de


Danos dentro dos atendimentos psicossociais por consequência de conflitos
existentes nas gestões públicas dos serviços de assistência a população usuária de
substâncias psicoativas. Deste modo, este dilema se reflete como uma barreira para
a aplicação da RD como um princípio que norteia o cuidado em saúde mental
(PIRES, 2021). Este dilema também é presente no ensaio de Pacheco (2014), onde
é afirmado que quando os projetos sociais se inserem na disputa com outros atores
e instituições:

O Projeto Consultório de Rua ao inserir-se no campo social de


disputa constante com outros atores e instituições, através das ações em
integralidade, no âmbito da saúde, tem seu planejamento em interface com
os saberes referentes às ciências sociais, medicina preventiva, saúde
pública e coletiva, antropologia, dentre outros. Deste modo, a complexidade
interna frente às ramificações das políticas públicas, em planejamentos e
avaliações, conforma na prática do projeto, um grande campo de
conhecimentos, com relações de poder, socialmente delimitadas a partir da
correlação entre as forças historicamente estabelecidas.
10

É importante de que se reflita acerca dos julgamentos morais em relação ao


uso de substâncias psicoativas, além da necessidade de reflexão sobre o fato de
que não há um tratamento único e que seja ideal para todas as pessoas. Assim, é
importante que se considere às necessidades dos indivíduos, contemplando, não
somente à questão do uso de SPA, mas a perspectiva integral e da diversidade
contextual, além da presença de um cuidado multiprofissional, que deve ser avaliado
com frequência e que preserve a autonomia e o desejo desse sujeito (VIANA, 2020).

A partir das questões levantadas, observa-se que a Redução de Danos ainda


caminha em direção a um plano metodológico para que a prática se fortaleça e se
estabeleça como um dos princípios norteadores de todos os serviços psicossociais.
Com o avanço dos estudos que discutem a temática do uso de substâncias
psicoativas e consequentemente as estratégias de redução de danos, o campo
científico fica mais rico de informações, o que possibilita aos gestores de serviços de
atendimentos psicossociais uma base maior de publicações que possam sustentar
essa prática de atenção e cuidado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da observação dos conteúdos produzidos sobre a temática, percebe-se


que a Redução de Danos deve fazer cada vez mais parte da prática psicológica,
uma vez que ela compõe a construção de um cuidado integral à saúde das pessoas.
Percebemos que a aplicação da RD pode impulsionar a psicologia, e os profissionais
na linha de frente de atuação devem assumir o compromisso de uma atuação
baseada no diálogo, onde o objetivo é a consolidação das condutas éticas em
defesa dos direitos humanos e o resgate da cidadania dos indivíduos que são
vítimas dos estigmas, preconceitos e discriminação social.

Por outro lado, ainda há muito a se observar do ponto de vista da prática de


profissionais, não somente de psicologia, mas também de outros agentes de saúde
dentro dos projetos de atendimento psicossociais. É importante que essas práticas
sejam humanizadas e transversais, a fim de promover saúde a população em
situação de rua.

As políticas públicas contemporâneas para a população em situação de rua,


que trabalham com o direito primordial a saúde, ainda não conquistaram as metas
11

pelas quais foram desenvolvidas. Compreendemos que a atenção a saúde da


população necessita ser percebido em união com o saneamento básico, educação,
ofícios e habitação. Por consequência, quando é inexistente o efetivo desses direitos
para a população em situação de rua, não conseguimos dialogar sobre essa
possível mudança nas políticas públicas que está relacionado com a saúde desse
público.

Apesar disso, é necessário identificar que o grupo como o Consultório de Rua


simboliza um grande avanço nesse campo, sendo um dispositivo de muita
relevância, pois visa de postura interdisciplinar, com o amparo e atendimento
transversal a esse público, através de intervenções que englobam a concepção de
saúde e sua devida interpretação estrutural. Por essa razão, a certeza de que os
moradores em situação de rua também possuem direito a cidade e precisam ser
reconhecidos como sujeitos pertencentes a ela, e seus direitos devem ser
estabelecidos nos domínios públicos.

A análise de acordo com essas realidades, fundamentado que os motivos


principais que provocam os sujeitos para as ruas, se originam nestes ambientes,
estabelece uma grande instigação para a psicologia, pois é a partir da sua atuação
que difere várias proporções na vida dos sujeitos, de forma cultural, política, social,
econômica dentre outras.

Diante disso, é necessário que as políticas públicas de acesso à saúde para a


população em situação de rua sejam efetivas. Deste modo, é preciso valorizar as
particularidades e subjetividades de cada indivíduo e compreendê-los enquanto
cidadãos, que possuem os mesmos direitos de cidadania; promover
questionamentos em relação aos problemas mais prevalentes, mostrando as
dificuldades existentes, entre os processos de saúde e modos de vida na rua; ter
competência técnica e humana além de se ter sensibilidade por parte dos
profissionais que atuam junto a esse público. Portando, a interlocução dos
dispositivos juntamente ao atendimento psicossocial, atrelado ao estímulo de buscar
reconhecer e desvendar como são executados estes fenômenos de exclusão social,
são fundamentais para a integração destes indivíduos à sociedade, dando-lhes
direitos e atenção como qualquer cidadão deve ter.
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