Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Centro de Humanidades
Departamento de Letras Vernáculas
Curso de Letras – Português – Noturno
Sintaxe da Língua Portuguesa
Professor Haroldo Nascimento
Fortaleza
2013
1. Introdução
Cintra e Cunha (2008, p. 356) conceituam pronome relativo como aquele elemento
vocabular que faz referência a um “termo anterior – o antecedente”. Nessa definição, bem
como em toda a apresentação das características dessa classe gramatical, o texto desses
autores é bastante sucinto.
O conjunto dos pronomes relativos em língua portuguesa é classificado por Cunha e
Cintra (2008, p. 357) como variáveis e invariáveis. No primeiro grupo, temos as locuções
pronominais relativas, de gênero masculino, o(s) qual(is), cujo(s) e quanto(s); no gênero
feminino dos variáveis, há a(s) qual(is), cuja(s) e quanta(s). como invariáveis, são
verificados que, quem e onde. Se o ponto de vista é o das chamadas formas simples, tal
classificação inclui: que, quem, cujo, quanto e onde, além da forma composta o qual. Um
fato que coube aos autores mencionar neste ponto de sua exposição é que o pronome
onde , quando antecedido das preposições a e de, é aglutinado a elas formando aonde e
donde (este, possivelmente, bem menos utilizado no português brasileiro contemporâneo
que o termo anterior).
Quanto ao quesito “natureza do antecedente”, é estabelecida a seguinte classificação:
esse termo pode ser um substantivo (“Dê-me o dinheiro que você me deve”), um pronome
(“É tu que dirás a resposta”), um adjetivo (“De ingênua que era, minha opinião se tornou
mais crítica”), um advérbio (“lá, aonde / A noite tem mais luz que o nosso dia” - Antero de
Quental) e, finalmente, uma oração (em geral, resumida pelo pronome demonstrativo o):
“tirara o primeiro lugar, o que não fora surpresa a ninguém”.
O ponto seguinte da apresentação de Cintra e Cunha toca diretamente o papel habitual
dos pronomes relativos na língua: a sua função sintática. É explicitado que esses
pronomes “assumem um duplo papel no período com representarem um determinado
antecedente e servirem de elo subordinante da oração que iniciam” (2008, p. 358). Como
é pontuado, isso ajuda a distinguir entre si, por exemplo, o pronome relativo e a conjunção
homônimos representados pela palavra que, já que no caso dos relativos sempre há o
desempenho de uma função sintática, ao contrário das conjunções.
Sintaticamente, o pronome relativo podem ser: sujeito (“na foto, John Lennon, que foi
um dos membros dos Beatles”), objeto direto (“ela necessitava de um amigo que a
compreendesse”), objeto indireto (“gosto daquela garota bonita de que tanto se fala”),
predicativo (“Não conheço quem fui no que hoje sou” - Fernando Pessoa – quem e que
são predicativos do sujeito oculto eu), adjunto adnominal (“havia um menino cuja mãe
ainda não chegara” - cuja é adj. adn. de mãe), complemento nominal (“Ele trabalhava com
a a habilidade de que era capaz” - de que é complemento nominal de capaz), adjunto
adverbial (“Ali era onde eu morava” - onde é adj. adv. relacionado a morava), agente da
passiva (“Ela é por quem meu amor é correspondido” - por quem é agente da passiva do
verbo corresponder). Nesse tópico, os autores enfatizam que cujo sempre atua como
adjunto adnominal, enquanto que onde, apenas como adjunto adverbial.
Em oposição à categoria anterior, tem-se os pronomes relativos sem antecedente.
Quem e onde podem, desse modo, ocorrer em orações sem que estejam
referencialmente ligados a um termo anterior, segundo Cintra e Cunha. Quanto a quem, é
o que se observa na seguintes orações: “Quem tem amor, e tem calma, / tem calma...
Não tem amor...” (A. Tavares); entretanto, no exemplo que eles fornecem para onde,
“Passeias onde não ando” (Fernando Pessoa), é difícil não ver em onde um adjunto
adverbial relacionado a ando. De todo modo esses seriam casos de “emprego absoluto”
dos pronomes relativos (2008, p. 360), em que haveria implicitamente para muitos
gramáticos (é o que comentam Cintra e Cunha) um antecedente interno, que seria
equivalente a aquele que (para quem) e no lugar em que (onde). Mas uma mera
abstração paradigmática poderia ser equivalente a um termo concreto, um antecedente
efetivo? A tese parece frágil. Outra não ocorrência do antecedente é verificada no uso do
relativo quanto, cujo antecedente “costuma ser omitido”: “Saibam quantos este meu verso
virem / Que te amo” (Oswald de Andrade). Embora se sugira ser esse um uso costumeiro,
ele parece mais restrito à norma padrão escrita.
Sobre os valores e empregos dos pronomes relativos, Cunha e Cintra produzem
cuidadosa lista. Cada parágrafo a seguir trata da situação de um pronome relativo ou
locução pronominal relativa específica.
Que é considerado pelos autores o “relativo básico” (2008, p. 360). É usado para se
referir a coisas ou pessoas, no singular e no plural, podendo iniciar orações restritivas
adjetivas e explicativas, como se observa em “o rapaz que estudava muito respondeu à
pergunta” e “o rapaz, que estudava muito, respondeu à pergunta”. Geralmente precedido
do demonstrativo o ou da palavra coisa ou equivalente, o relativo que pode expressar o
sentido de uma oração anterior: “Ela era muito bonita, o que lhe rendia frequentes
elogios”; “chegou tarde, fato que me deixou contrariado”. Às vezes, o que não tem
antecedente expresso: “a garota nem sabia que responder àquele pedido”.
No caso de qual e o qual, tem-se que nas orações adjetivas explicativas, o pronome
que, quando antecedido por substantivo, pode ser substituído por o qual e suas variações
no singular e no feminino: “o rapaz, o qual estudava muito, respondeu à pergunta”. Ao
lado dos casos em que essa possibilidade de substituição seja opcional e estilística, que e
o qual são diferentemente exigidos em certos casos: a) diante das preposições
monossilábicas a, com, de, em, e por, os autores consideram preferencial o uso de que,
embora a norma culta registre normalmente, com esses termos, o qual e suas variações,
como exceção única da preposição a: “a verdade é uma mentira a que deram
credibilidade”; “Helena é a mulher com quem quero me casar”; “professor de que não
guardei lembranças”; “ocasiões em que chorava” e “a maneira por que ela falava”. Diante
das demais preposições, o uso de o qual e variações seriam obrigatórios: “a mesa sobre a
qual estava o prato”; “dez minutos durante os quais ninguém falou”; “a casa ao lado da
qual havia um terreno baldio”; etc. O qual seria forma obrigatória como partitivo após
alguns pronomes indefinidos, numerais e superlativos: “eu tinha muitos colegas, alguns
dos quais eram realmente meus amigos”; “cinco garotas das quais quatro eram morenas,
e uma, loura”; etc. Qual, repetido simetricamente, é indefinido e equivale a “um...,
outro...”. Como no exemplo: “tenho duas primas, qual loura, qual morena”.
Quem, na língua contemporânea, é empregado apenas com referência a pessoa ou a
alguma coisa personificada: “feliz é quem tem amor”. Como pronome relativo referente a
antecedente explícito, equivale a o qual e é sempre antecedido de preposição: “o
professor a quem você se refere é meu irmão”. O que, entretanto, corresponderia a “sem
quem” e no português “antigo e médio” (Cunha; Cintra, 2008, p. 364), hoje ocorre
normalmente como sem o qual e suas variações. Quem também equivale a “um...,
outro...” em autores mais antigos, como Camões ou Odorico Mendes.
Cujo é tanto relativo como possessivo e equivale a do qual e suas flexões. É utilizado
somente como pronome adjetivo e concorda com a coisa possuída em gênero e número:
“homem cuja mulher é bonita; “mulher cujo homem é bonito”; homem cujas mulheres são
bonitas”; “mulher cujos homens são bonitos”.
Quanto, como um relativo simples, tem na qualidade de antecedente os pronomes
indefinidos tudo e todos(as), que podem ser omitidos(as). Isso torna-o indefinido: “em tudo
quanto olhei fiquei em parte” (Fernando Pessoa); “entre quantos te rodeiam, / tu não
enxergas teus pais” (Gonçalves Dias).
Onde, como se viu acima, desempenha normalmente a função de adjunto adverbial,
significando algo como “o lugar em que”, “no qual”. Segundo Cintra e Cunha mencionam
(2008, p. 365), em decorrência disso é chamado por alguns gramáticos “advérbio
relativo”: “Ainda não sei mesmo onde vou buscar as flores (Luandino Vieira). Uma
questão interessante destacada pelos autores é: o padrão culto que diz que onde = o
lugar em que e aonde = o lugar a que já não é obedecido na norma padrão bem como o
era de modo irregular por certos autores eruditos já não tão recentes: “Mas aonde te vias
agora, / Onde vais, esposo meu? (Machado de Assis).
Curioso é que a distribuição da matéria no livro em discussão é similar à observada em
outra gramática que, a contar pelas 37 edições desde o ano de sua publicação inicial
(1961), recebe acolhida atenciosa do mercado editorial brasileiro: a Moderna gramática
da língua portuguesa (2006), do membro da Academia Brasileira de Letras Evanildo
Bechara.
No entanto, o caráter sucinto da gramática de Cunha e Cintra sugere uma adaptação a
um tempo em que o estudo da língua é tratado basicamente como um saber instrumental,
meio para obtenção de certos fins, como aprovação em concursos públicos, sem um
prestígio direcionado a si próprio, à simples possibilidade de sua aprendizagem. Se isto é
o declínio ou uma fase transitório de transformação do estudo de língua portuguesa, é
necessário tempo e pesquisas aprofundadas para dizê-lo.
3. Usos e particularidades do pronome relativo: a visão de Perini
O livro de Mário Perini (2010) não possui uma seção específica ao estudo do pronome
relativo como categoria gramatical, diferentemente do caso a obra tratada no tópico
anterior. Privilegiando registros do português falado no país, Perini (apesar de tratar de
classe morfológicas básicas, como os nomes e alguns tipos de pronomes) se restringe a
explicar com brevidade que sequer aprova a expressão “pronome relativo”, preferindo em
seu lugar se referir genericamente aos “relativos”, que gerariam então o que, em termos
de oração, ele denomina “construção relativas”.
Perini, em todo caso, dedica um breve capítulo de seu livro ao que chama “orações
relativas adjetivas”. Segundo a descrição apresentada (2010, p. 189), as estruturas
oracionais relativas são “peculiares” e “fáceis de identificar”, compondo-se de um
“nominal” (acompanhado ou não de determinante e/ou modificador, seguido por um
“relativo (que, quem, onde)”, que por sua vez é “seguido de uma estrutura oracional
aparentemente incompleta”, em que do ponto de vista da norma culta falta um dos
complementos.
Perini ressalta: se o complemento faltante é o fato pelo qual “o cara disse uma
bobagem”, valem para expressar isso as construções “o cara dizer a bobagem me deixou
irritado” ou “que o cara dissesse a bobagem me deixou irritado (norma culta); mas se o
complemento faltante não for o fato por completo, mas algum componente dele, como
especificamente a bobagem que foi dita ou o indivíduo que a disse, pode-se “singularizar
o SN através de uma estrutura relativa” (Perini, 2010, p, 190): “a bobagem que o cara
disse me deixou irritado” ou “o cara que disse a bobagem me deixou irritado”. Essas
possibilidades de variação de foco são assim descritas por Perini: as estruturas relativas
têm como função focalizar um dos elementos internos dessa oração – que então se diz
relativizado – a fim de fazer alguma afirmação sobre ele” (2010, 191).
Nos casos em que a preposição é omitida, vê-se construções como: “a garota que você
falou é aquela ali”. Se nesse caso de estrutura relativa a preposição aparecer, seria de
uma maneira como a seguinte: “a garota que você falou dela é essa aí?”. A dupla
possibilidade de complementação do verbo falar, “falar com” ou falar de” é restringida; na
frase “a garota que você falou é aquela ali”, tende a haver atribuição de sentido com a
regência “falar de”, falar sobre alguém, e não com esse alguém.
Por último, Perini comenta as “relativas livres”, nas quais o elemento nominal da
estrutura “nominal + relativo + oração fragmentária” não aparece; são compostas, então,
apenas pelo relativo mais a oração. São casos em que o relativo é quem, o que ou onde:
“quem conhece o Jacinto confia nele”; “quem você convidar eu vou receber de boa
vontade”; “eu sempre aceito o que você propõe”; “onde ela morava hoje é uma escola de
línguas”.
4. Considerações finais