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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA
Ensinando e Aprendendo
Supervisão em Psicologia Clínica
Prof. Francisco Silva Cavalcante Jr., Ph.D.

Psicopatologia Centrada na Pessoa


[...] Em capítulos anteriores, vimos como a internalização das condições de valia geram
problemas na vida humana, fruto da frustração e usurpação da tendência atualizante, fazendo
com que pessoas se desenvolvam propensamente em direção à sua auto-atualização, de forma
consistente às suas condições de valia, em vez de congruentemente com a sua tendência
atualizante.

Porém, esta teoria [ACP] consegue dar conta da variedade de problemas que as pessoas
experienciam? A nossa compreensão é a de que a ACP apresenta uma compreensão muito mais
abrangente do que as pessoas reconhecem e que ela se apresenta como uma alternativa poderosa
ao modelo médico. Isto pode surpreender algumas pessoas, já que uma das críticas dirigidas à
ACP é a de que ela está preocupada somente com o bem e que ela carece de uma explicação
para os problemas psicológicos severos e persistentes.

Todavia, a teoria da ACP abrange os problemas psicológicos severos e persistentes, quando o


papel distorcido da tendência atualizante é plenamente e apropriadamente compreendido. Por
exemplo: a teoria infere que em algumas pessoas, a sua tendência atualizante foi frustrada e
usurpada a tal ponto que parece não existir mais nada de positivo na pessoa e que ela é guiada
por uma força destrutiva. Contundo, as pessoas ainda precisam encontrar formas de expressão e
canalização para as suas tendências direcionais (eg., tendência atualizante), mas essas
tendências, muitas vezes, tornam-se deformadas e distorcidas pelo fato de precisarem viver sob
o confinamento e expectativas de outros (eg., condições de valia), em vez de serem capazes de
desenvolverem-se na direção que é congruente com os seus valores intrínsecos. Desta forma, as
pessoas guiadas por valores extrínsecos reagem de formas negativas e destrutivas, na tentativa
de alcançarem algum apreço positivo condicional, ao invés de sentirem-se livres para buscarem
as suas próprias direções intrínsecas, que, segundo a teoria da ACP, seria socialmente
construtiva e positiva. Quanto maior a bagunça (eg., incongruência) entre as direções das
pessoas e as direções das suas tendências atualizantes, maior é a extensão das suas
psicopatologias.

Portanto, o fato das pessoas se comportarem de diferentes formas, que podem ser descritas como
destrutivas, não é uma evidência para invalidar a teoria da ACP, porque a teoria não
afirma – como erroneamente acreditam alguns dos seus críticos – que as pessoas são sempre
boas. Esta seria, com certeza, uma das posições mais ingênuas, como dizem os críticos.
Contudo, o que a teoria da ACP, da forma como a vemos, diz, é que as pessoas têm uma
motivação intrínseca a ser desenvolvida em uma direção socialmente construtiva, mas que esta
motivação pode ser frustrada ou usurpada em direção ao preenchimento das condições de valia.
Daí emerge a destrutividade: quando as pessoas se atualizam nas direções que são erradas para
elas, como resultado das condições de valia que são externamente impostas.

Desta maneira, a teoria da ACP é capaz de apresentar uma explicação para o sofrimento que as
pessoas infligem uma sobre as outras. Mas, também, compreendemos que pode ser difícil
entender isso; por exemplo, alguns dos comportamentos humanos mais destrutivos foram
oriundos desse processo de internalização das condições de valia. Talvez, como alguns
sugeririam, a premissa de que a natureza humana consiste de uma força intrínseca em direção à
atualização, simplesmente é errada para algumas pessoas. Talvez, algumas pessoas apenas não
tenham uma tendência rumo à atualização. Já escutamos colegas da psicologia clínica que
assumem esta postura e dizem que algumas pessoas nascem conectadas diferentemente, com
nenhuma tendência atualizante. Na mídia popular lemos sobre pessoas que são descritas como
“más” e de que as suas tendências são em direção à destrutividade. Existem, é claro, discussões
acerca do uso da palavra “mau” como uma forma de distanciarmo-nos da humanidade do
assassino, mas no que concerne ao uso da linguagem para descrever os comportamentos
extremos, temos a compreensão de que os críticos da teoria da personalidade da ACP
interpretaram erroneamente a influência sutil e penetrante das condições de valia e do quanto a
tendência atualizante pode facilmente ser frustrada, usurpada e jogada fora, causando um
resultado de que, aparentemente, o desenvolvimento desta pessoa está intrinsecamente motivada
em direção ao “mau” e ao comportamento destrutivo. [...]

A teoria da ACP é grande o suficiente para dar conta do comportamento “mau”; e para os
críticos que vêem a presença do comportamento “mau” como evidência contra a teoria da ACP,
estes, simplesmente, não compreenderam a sutileza e profundidade da natureza da teoria.

Igualmente, não nos surpreende que a teoria da ACP seja sempre mal interpretada, pois ela
oferece um paradigma alternativo radical para a maioria dos programas de psicologia clínica e
de aconselhamento psicológico, os quais adotam o paradigma do modelo médico. Muitos no
campo da psicologia clínica e do aconselhamento psicológico ficam chocados quando ouvem-
nos dizer isso. A maioria responde que não adota o modelo médico. Eles justificam dizendo-nos
que não vêem os problemas psicológicos como sendo de ordem biológica ou genética. Mas esta
resposta em si é uma má interpretação do que seja o modelo médico.

O que compreendemos por modelo médico é a idéia de que um profissional da área médica
coloca-se no lugar de identificador do problema e prescreve um tratamento específico. É
justamente isso o que fazem a maioria dos programas de treinamento em psicologia clínica e
aconselhamento psicológico. Se dermos uma rápida olhada nos livros didáticos nessa área os
capítulos são organizados para apresentarem, uma de cada vez, as chamadas desordens
psiquiátricas, eg., depressão, ansiedade, esquizofrenia, compulsões obsessivas, estresse pós-
traumático e assim por diante. Cada capítulo apresenta um roteiro dos tratamentos indicados
para cada problema. Este é o modelo médico – a idéia de que existem problemas específicos que
exigem tratamentos específicos. Quando procuramos um médico, para o tratamento de uma
perna quebrada, não queremos que ele nos prescreva um comprimido para indigestão; queremos
que ele concerte a nossa perna quebrada. Queremos o tratamento específico para o nosso
problema específico.

Não existe dúvida de que os problemas psicológicos podem se tornar uma sobrecarga em sua
intensidade e duração, fazendo com que uma pessoa comporte-se de formas disfuncionais e
perigosas, não comuns para essa pessoa, ou de forma não apropriada para a sociedade onde ele
ou ela reside. Como vimos, nós definimos essas experiências como psicopatologia. Não estamos
afirmando que a psicopatologia não exista. É claro que ela existe – o sofrimento das pessoas é
bastante real. A questão reside na forma como compreendemos psicopatologia. Pensamos que,
enquanto psicoterapeutas, causamos danos quando adotamos muito rapidamente o modelo
médico. O que a teoria da ACP diz é que essas várias formas de psicopatologia – depressão,
ansiedade etc – podem ser compreendidas como formas que as pessoas desenvolveram
resultantes das suas condições de valia. Desta maneira, todos os problemas psicológicos são
essencialmente os mesmos: eles são expressões individuais de incongruência entre o self e a
experiência e, como resultado, não existe necessidade de tratamentos específicos.

Referência

Joseph, Stephen & Linley, P. Alex (2006). Positive therapy: a meta-theory for positive psychological
practice. New York: Routledge.

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