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Curso Bíblico Resumido, retirado do Curso da Escola Mater Ecclesiae, de autoria de

Dom Estêvão Bettencourt.

Dom Estêvão Bettencourt, OSB, batizado Flávio Tavares


Bettencourt, foi um dos mais destacados teólogos brasileiros
do século XX. Foi também monge da Ordem de São Bento do
Mosteiro de São Bento, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil.

Quem dividiu a Bíblia em capítulos e versículos?


IMAGINE que você é um cristão que vive no primeiro século. Sua congregação acabou
de receber uma carta do apóstolo Paulo. Enquanto ela é lida, você nota que muitas
vezes ele cita “os escritos sagrados”, ou seja, as Escrituras Hebraicas. (2 Timóteo 3:15)
Você pensa: ‘Eu gostaria de saber que trecho ele está citando.’ Mas isso não teria sido
fácil. Por que não?
NEM CAPÍTULOS NEM VERSÍCULOS
Como eram os manuscritos dos “escritos sagrados” que havia nos dias de Paulo? Veja
um exemplo nesta página — uma parte do livro de Isaías nos Rolos do Mar Morto. Há
apenas texto corrido, sem pontuação nem os números de capítulos e versículos que
usamos hoje.

Os escritores da Bíblia não dividiram a mensagem em capítulos e versículos. Eles


simplesmente escreveram tudo o que Deus transmitiu a eles. Fizeram isso para que os
leitores pudessem entender toda a mensagem, não apenas pequenas partes dela. Do
mesmo modo, quando você recebe uma carta importante de alguém que ama, você
quer ler a carta inteira, não apenas pequenas partes.
Mas a falta de capítulos ou versículos era um problema. Paulo não tinha como ajudar
seus leitores a saber de onde havia tirado o que estava escrevendo. Ele só podia usar
expressões como “assim como está escrito” ou “conforme Isaías predisse”. (Romanos
3:10; 9:29) E a pessoa só conseguiria encontrar essas citações se conhecesse bem “os
escritos sagrados”.
Além disso, aqueles “escritos sagrados” continham muitas informações da parte de
Deus. Por volta do fim do primeiro século EC, eles já eram uma coleção de 66 livros. É
por isso que a maioria dos leitores da Bíblia hoje acha útil ter capítulos e versículos
numerados. Isso os ajuda a encontrar informações específicas, como as muitas
citações nas cartas de Paulo.
Você talvez se pergunte: ‘Então quem dividiu a Bíblia em capítulos e versículos?’
QUEM DIVIDIU A BÍBLIA EM CAPÍTULOS?
O clérigo inglês Stephen Langton, que mais tarde se tornou arcebispo de Cantuária,
dividiu a Bíblia em capítulos. Ele fez isso no início do século 13 EC, quando era
professor na Universidade de Paris, na França.
Antes de Langton, vários eruditos haviam tentado diferentes maneiras de dividir a Bíblia
em partes menores ou capítulos. Parece que tinham feito isso principalmente para
ajudar a encontrar citações bíblicas. Assim, teria sido mais fácil para eles encontrar um
trecho da Bíblia em apenas um capítulo do que num livro inteiro, como o de Isaías, que
hoje tem 66 capítulos.
Mas tudo isso criou um problema. Os eruditos inventaram muitos sistemas diferentes e
incompatíveis de dividir a Bíblia. Num deles, o Evangelho de Marcos foi dividido em
quase 50 capítulos, não em 16 como temos hoje. Em Paris, nos dias de Langton, havia
estudantes de muitos países. Cada um deles trouxe consigo uma Bíblia de seu país.
Mas os estudantes não conseguiam encontrar facilmente o trecho que os palestrantes
estavam citando. Por quê? Porque a divisão de capítulos nas suas Bíblias era
diferente.
Então Langton desenvolveu novas divisões de capítulos. O sistema que ele usou
“chamou a atenção de leitores e escribas” e “se espalhou rapidamente pela Europa”,
diz The Book—A History of the Bible (O Livro — A História da Bíblia). Foi ele quem
criou a numeração de capítulos usada na maioria das Bíblias hoje.
QUEM DIVIDIU A BÍBLIA EM VERSÍCULOS?
Cerca de 300 anos depois, na metade do século 16, o renomado impressor e erudito
francês, Robert Estienne, tornou as coisas ainda mais fáceis. Ele queria que as
pessoas se interessassem pelo estudo da Bíblia. Estienne notou que seria muito bom
ter um sistema unificado não só de capítulos, mas também de versículos.
Não foi Estienne que teve a ideia de dividir o texto da Bíblia em versículos. Outros já
haviam feito isso. Por exemplo, séculos antes, copistas judeus tinham dividido toda a
Bíblia Hebraica — a parte da Bíblia geralmente chamada de Velho Testamento — em
versículos, mas não em capítulos. Assim como aconteceu com os capítulos, ainda não
havia um sistema unificado.
Estienne dividiu as Escrituras Gregas Cristãs, conhecidas como Novo Testamento, em
um novo sistema de versículos numerados. Depois juntou esses versículos com os
versículos que já havia na Bíblia Hebraica. Em 1553, ele publicou a primeira Bíblia
completa (em francês), que continha basicamente os mesmos capítulos e versículos
que a maioria das Bíblias usa hoje. Alguns criticaram isso. Para eles, a divisão em
versículos deixou o texto bíblico muito fragmentado, com várias declarações soltas.
Mas esse sistema logo foi adotado por outros impressores.
UMA GRANDE AJUDA PARA O ESTUDO DA BÍBLIA

Uma ideia tão simples — ter capítulos e versículos numerados. Com isso, cada
versículo bíblico tem um “endereço” único como um CEP, ou código postal. É verdade
que a divisão de capítulos e versículos não foi inspirada por Deus, e às vezes isso
divide o texto bíblico em lugares estranhos. Mas essa divisão torna mais fácil encontrar
determinado texto bíblico, citá-lo e conversar sobre ele com outros, assim como
marcamos expressões ou frases de que queremos nos lembrar quando lemos um livro.
A divisão de capítulos e versículos facilita muito as coisas. Mas lembre-se de que é
importante entender tudo o que Deus quis transmitir em determinado livro. Por isso,
desenvolva o hábito de ler o contexto em vez de apenas versículos isolados. Isso vai
ajudar você a conhecer cada vez mais todos os “escritos sagrados, que podem torná-lo
sábio para a salvação”. — 2 Timóteo 3:15.

A vírgula separa os versículos do capítulo. Ex.: Mt 16,18 significa Evangelho segundo


Mateus, capítulo 16, versículo 18.
O hífen apresenta uma sequência de capítulos ou versículos. Ex.: At 1-2 significa Atos
dos Apóstolos, capítulos 1 e 2 (integrais). Ex 15,2-5 significa Livro do Êxodo, capítulo
15, versículos 2 à 5.
O ponto apresenta capítulos e/ou versículos citados isoladamente. Ex.: 1Cr 1.3
significa Primeiro Livro das Crônicas, capítulos 1 e 3. Is 32,1.4.6 significa Livro do
Profeta Isaías, capítulo 32, versículos 1, 4 e 6.
O ponto e vírgula dispõe capítulos e versículos isolados, mas pertencentes ao mesmo
livro. Ex.: Jo 3,23-25; 6,1-4 significa Evangelho segundo João, capítulo 3, versículos de
23 à 25 e capítulo 6, versículos de 1 à 4.
Algumas Bíblias podem usar "s" e "ss" a seguir do número do capítulo e/ou
versículo. "s" significa seguinte e "ss", seguintes. São usados para simplificar - ainda
mais - a citação, respectivamente, de dois ou três capítulos e/ou versículos. Ex.: Rm
2,5s significa Epístola aos Romanos, capítulo 2, versículos 5 e 6 (isto é, o versículo 5 e
o seguinte). Ap 6,7ss significa Livro do Apocalipse, capítulo 6, versículos de 7 à 9 (isto
é, o versículo 7 e os dois seguintes). Tg 1s significa Epístola de Tiago, capítulos 1 e 2
(isto é, o capítulo 1 e o seguinte).
Com todas essas abreviações e sinais podemos montar e citar, de forma bem
resumida, qualquer passagem Bíblica. Ex.: Lv 1,12-15.20; 3,2s; Mc 1,3ss.10; 2Cor 3-5
significa, respectivamente: - Livro do Levítico, capítulo 1, versículos de 12 à 15 e o
versículo 20; no mesmo Livro do Levítico, capítulo 3, versículos 2 e 3. - Evangelho
segundo Marcos, capítulo 1, versículos de 3 à 5 e o versículo 10. - Segunda Epístola
aos Coríntios, capítulos de 3 à 5."

1 - MÓDULO l: INSPIRAÇÃO BÍBLICA


Lição 1: Noção e Extensão
1.1. Inspiração Bíblica: noção
O estudo da Bíblia deve começar pela prerrogativa que cristãos e judeus reconhecem a
este livro: é a Palavra de Deus inspirada. Por causa disto é que tanto a estimamos.
Positivamente, a inspiração bíblica é a iluminação da mente do autor humano para que
possa, com os dados de sua cultura religiosa e profana, transmitir uma mensagem fiel
ao pensamento de Deus. Além de iluminar a mente, o Espírito Santo fortalece a
vontade e as potências executivas do autor para que realmente o hagiógrafo escreva o
que ele percebeu; cf. 2Pd 1,21. As páginas que assim se originam, são todas humanas
(Deus em nada dispensa a atividade redacional do homem) e divinas (pois Deus
acompanha passo a passo o trabalho do homem escritor). Assim diz-se que a Bíblia é
um livro divino humano, todo de Deus e todo do homem; transmite o pensamento de
Deus em roupagem humana; assemelha-se ao mistério da Encarnação, pelo qual Deus
se revestiu da carne humana, pois na Bíblia a palavra de Deus se revestiu da palavra
do homem (judeu, grego, arameu, com todas as particularidades de expressão).
Notemos agora que a finalidade da inspiração bíblica é estritamente religiosa. Os livros
sagrados não foram escritos para nos ensinar dados de ciências naturais (pois, estas, o
homem as pode e deve cultivar com seus talentos), mas, sim, para nos ensinar aquilo
que ultrapassa a razão humana, isto é, o plano de salvação divina, o sentido do mundo,
do homem, do trabalho, da vida, da morte... diante de Deus. Não há, pois, contradição
entre a mensagem bíblica e as das ciências naturais, nem se devem pedir a Bíblia
teorias de ordem física ou biológica... Mesmo Gênesis 1-3 não pretendem ensinar
como nem quando o mundo foi feito.

1.2. Inspiração Bíblica: extensão


Pergunta-se então: a Bíblia só é inspirada quando trata de assuntos religiosos? Haveria
páginas da Bíblia não inspiradas?
Respondemos que toda a Bíblia, em qualquer de suas partes, é inspirada; ela é, por
inteiro, Palavra de Deus; cf. 2Tm 3,15s. Mas há passagens bíblicas que são inspiradas
por si, diretamente, e há outras que só indiretamente são inspiradas. Em outros termos:
a mensagem religiosa que Deus quer comunicar diretamente aos homens, tem que
aludir a este mundo e às suas diversas criaturas (céu, terra, mar, aves, peixes...); ela o
faz, porém, em linguagem familiar pré-científica, que costuma ser bem entendida no
trato quotidiano. Também nós usamos de linguagem familiar, que, aos olhos da ciência,
estaria errada, mas que não leva ninguém ao erro porque todos entendem que essa
linguagem familiar não pretende ensinar matéria científica. Tenham-se em vista as
expressões "nascer do sol", "pôr do sol", "Oriente e Ocidente": supõem o sistema
geocêntrico, a terra fixa e o sol girando em torno da terra (ultrapassado), mas não são
censuradas como mentirosas, porque, quando as usamos, todos sabem que não
intencionamos definir assuntos de astronomia. Assim, quando a Bíblia diz que o mundo
foi feito em seis dias de vinte e quatro horas, com tarde e manhã..., quando diz que a
luz foi feita antes do sol e das estrelas, ela não ensina alguma teoria astronômica, mas
alude ao mundo em linguagem dos hebreus antigos para dizer que o mundo todo é
criatura de Deus; cf. Gn 1,1 -2,4a.
A Bíblia não poderia transmitir esta mensagem de ordem religiosa sem recorrer a
algum linguajar humano, que, no caso, é mero veículo ou suporte da mensagem
religiosa. Por conseguinte, todas as páginas da Bíblia são inspiradas, qualquer que
seja a sua temática.
Acrescentemos que também as palavras da Escritura são inspiradas. A razão disto é
que os conceitos ou as idéias do homem estão sempre ligadas a palavras; não há
conceitos, mesmo não expressos pelos lábios, que não estejam, em nossa mente,
ligados a palavras. Por isto, quando o Espírito Santo iluminava a mente dos autores
sagrados, para que vissem com clareza alguma mensagem, iluminava também as
palavras com as quais se revestia essa mensagem na mente do hagiógrafo. É por isto
que os próprios autores sagrados fazem questão de realçar vocábulos da Bíblia; veja
Hb 8,13; Gl 3,16; Mc 12,26s.
Observemos, porém, que somente as palavras das línguas originais (hebraico,
aramaico, grego) foram assim iluminadas. As traduções bíblicas não gozam do carisma
da inspiração. Por isto, quando desejamos estudar a Bíblia, devemos certificar-nos de
que estamos usando uma tradução fiel e equivalente aos originais. Além disto, é
absolutamente necessário levar em conta o gênero literário do respectivo texto, como
se verá abaixo.
Lição 2: Gêneros literários
2.1. Gêneros literários: noção
Se a Bíblia é a Palavra de Deus revestida da linguagem humana, entende-se que ela
utiliza os gêneros literários ou os artifícios do linguajar dos homens.
Gênero literário é o conjunto de normas de vocabulário e sintaxe que se usam
habitualmente para abordar algum assunto. Assim o assunto "leis" tem seu gênero
literário próprio (claro e conciso, para que ninguém se possa desculpar por não haver
entendido a lei); a poesia tem seu gênero literário antitético ao das leis (é metafórica,
reticente, subjetiva...); uma crônica tem seu gênero próprio, que é diferente do de uma
carta; uma carta comercial é diferente de uma carta de família, uma fábula é diferente
de uma peça histórica, etc.
Ora na Bíblia temos os gêneros literários dos antigos judeus e gregos; existe por
exemplo, a história no sentido estrito do termo (1° Macabeus), a história edificante ou
midraxe ou ainda hagadá (Tobias, Judite, Ester, Rute), a história em estilo popular
(como a de Sansão em Juízes, 13,1-16,31), a parábola (Mt 13,1-51; Lc 15,1-32), a
alegoria (Jo 15,1-6), a lei (Ex 20,1-17), a poesia (Isaías 5,1-7), o apocalipse (Mt 24,4-
44) ; merece especial atenção a história etiológica ou a história narrada em vista de
propor a causa (aitía, em grego) de um fato estranho (assim Gn 19,30-38 explica pelo
incesto das filhas de Lote a inimizade existente entre Israel e os povos de Amon e
Moab; tais povos seriam filhos do pecado)...
2.2. Gêneros literários: interpretação1
Se cada gênero literário supõe regras próprias de vocabulário e redação, compreende-
se que cada qual tem também suas regras de interpretação próprias. Não me é licito
entender uma poesia (cheia de imagens) como entendo uma lei (que deve ser clara e
sem imagens). Uma das principais causas de erros na interpretação da Bíblia está em
que muitas pessoas querem tomar tudo ao pé da letra ou tomar tudo em sentido
figurado.
*** Comentar sobre o método usado pela RCC: Josué, 1: 5 – 9; Deuteronômios, 21: 18
– 21;
Antes da interpretação ou da utilização de algum livro sagrado, devo certificar-me do
respectivo gênero literário: estou diante de uma poesia?... diante de uma crônica?
Crônica de guerra? Crônica de família? Crônica de corte real? Por exemplo: Gn 1,1
-2,4ª, é poesia ou hino litúrgico, e não um relato científico. Estou obrigado a não tomar
essa seção ao pé da letra para não trair o autor ou não lhe atribuir o que ele não queria
dizer. Mas a narração da última Ceia em Mt 26,17-29 é relato histórico, que tenho de
entender ao pé da letra para não trair o autor.
Não é licito, de antemão ou antes da abordagem criteriosa do texto, "definir" o
respectivo gênero literário, como quem diz: "Eu acho que isto é poesia", ou "Para mim,
isto é uma tradição folclórica". Mas é preciso que o leitor se informe objetivamente a
respeito do gênero literário do livro que está para ler, a fim de entender o livro segundo
os critérios de redação adotados pelo autor. Tal informação pode ser colhida nas
Introduções que as edições da Bíblia apresentam antes de cada livro sagrado. Não é
necessário que todo leitor da Escritura conheça as línguas originais e sua variedade de
expressionismos, mas basta que leia a Escritura com alguma iniciação, que pode ser
facilmente encontrada. Todos compreenderão que não se pode ler a Bíblia escrita do
século XIII antes de Cristo até o século I depois de Cristo como se leria um jornal de
hoje.
1 - Interpretação = explicação, comentário.

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