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PSICÓPIO
psicópio

REVISTA VIRTUAL DE
PSICOLOGIA HOSPITALAR
E DA SAÚDE

Editor
Susana Alamy

Ano 2 - Número 4 - Agosto-2006 a Janeiro-2007


Edição Semestral - Distribuição Gratuita
PSICÓPIO: REVISTA VIRTUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR E DA SAÚDE
Revista Semestral – Distribuição Gratuita
Ano II, Número 4, Agosto-2006 a Janeiro-2007

Editor: Susana Alamy


Idealização e Realização, Capa , Editoração Eletrônica, Diagramação e Arte Final: Susana Alamy
WebMaster: Carlos Alexandre de Melo Pantaleão

Conselho Editorial:
Susana Alamy - psicóloga clínica e hospitalar, psicoterapeuta, professora de psicologia hospitalar e supervisora de
estágios em Belo Horizonte/MG. CRPMG 6956
Elisângela Lins – psicoterapeuta, psicóloga clínica e hospitalar, professora de psicologia do CESUR – Centro de Ensino
Superior de Rondonópolis. CRPMT 1281-2
Luciane Jordão Pereira - psicoterapeuta, psicóloga clínica, gestora em saúde da Prefeitura Municipal de Itabira/MG.
CRPMG 18744
Glenda Rose Gonçalves-Chaves - advogada, bacharel em Letras, mestre em Direito Internacional e Comunitário (PUC-
Minas), mestranda em Literatura Brasileira (UFMG), professora de direito constitucional no Centro Universitário
Newton Paiva (BH/MG) e UNILESTE (Centro Universitário do Leste de Minas Gerais).

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Para citação da revista na bibliografia:


ALAMY, Susana (Ed.). Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde, Belo Horizonte, a.2, n.4, ago.
2006-jan. 2007. Disponível em: <http://geocities.yahoo.com.br/revistavirtualpsicopio>. Acesso em: (dia em números)
(mês abreviado em letras minúsculas) (ano).

Para citação de artigos da revista na bibliografia - modelo:


(Sobrenome do autor em letras maiúsculas), (nome do autor com a 1ª. letra maiúscula e as demais minúsculas). (Nome
do artigo em letras comuns). Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde, Belo Horizonte, a.2, n.4,
ago. 2006-jan. 2007. Disponível em: <http://geocities.yahoo.com.br/revistavirtualpsicopio>. Acesso em: (dia em
números) (mês abreviado em letras minúsculas) (ano).

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Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. i
PSICÓPIO: REVISTA VIRTUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR E DA SAÚDE
Revista Semestral – Distribuição Gratuita
Ano II, Número 4, Agosto-2006 a Janeiro-2007

SUMÁRIO

Editorial ............................................................................................................................................................................................... iii

A Psicologia e a Paciente Obstétrica: um estudo de caso ........................................................................................................... 04


Danielle Silva Veiga (Rio de Janeiro/RJ)

Gravidez de Risco: riscos da hospitalização ................................................................................................................................. 10


Camila Aparecida do Nascimento (Jundiaí/SP)
Maria Eugênia Scatena Radomile (Campinas/SP)

Atuação da Psicologia junto à Unidade Neonatal de uma Maternidade Pública: relato de uma experiência acadêmica 14
Ana Paula de Almeida Pereira (Rio de Janeiro/RJ)

Atendimento Digno na Terminalidade da Vida - Caso J.K.L. ................................................................................................... 27


Marta Betania C. T. Luzete (Brasília/DF)

Os Estágios da Dra. E. Kübler-Ross e a Análise de uma Psicóloga - O Caso Dinha ............................................................ 33


Delma Matoso Tarbes Vianna (Rio de Janeiro /RJ)

VIH/SIDA e Estigma ......................................................................................................................................................................... 36


Vanina Ribeiro (Angola/África)

Técnicas Lúdicas de Intervenção Psicológica com Crianças Submetidas ao Transplante de Medula Óssea .................... 39
Andréa Lino e Silva Cunha (Goiânia/GO)
Patrícia Marinho Gramacho (Goiânia/GO)

Asilamento e Hospitalismo: um dilema ......................................................................................................................................... 52


Juliana Cozoli (Amparo/SP)
Maria Eugênia Scatena Radomile (Campinas/SP)

Relato de um atendimento - Paciente A.L.V.D. ........................................................................................................................... 56


Verônica Trombini Ferreira (Belo Horizonte/MG)

Links – Publicações Virtuais n.1 .................................................................................................................................................... 59

Eventos ................................................................................................................................................................................................ 60

Normas para envio de artigos .......................................................................................................................................................... 61

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. ii
EDITORIAL

É com alegria que comemoramos o final do nosso 2º. ano de publicação da Psicópio: Revista Virtual de Psicologia
Hospitalar e da Saúde, com inúmeros artigos enviados e publicados, entregando agora a vocês a revista número 4.

O número de artigos enviados e baixados gera em todos nós a satisfação de realizarmos um trabalho com qualidade que
pode ser obtido gratuitamente através da internet.

Recebemos inúmeros artigos, mas nem todos conseguimos publicar, pois fogem ao propósito desta revista. No entanto,
seus autores podem revisar o trabalho enviado e reenviá-lo oportunamente para nova avaliação e possível publicação.

Nosso objetivo inicial mantém-se, que é o de propiciar a aproximação de conhecimentos através de artigos, relatos
pessoais, técnicas e vivências, sempre aprendendo com os autores que nos brindam com seus escritos. Agradecemos
aqui a todos que contribuem para a realização deste nosso sonho e a todos que se manifestam através de e-mails,
mensagens e fóruns.

Trazemos neste número os artigos: A Psicologia e a Paciente Obstétrica: um estudo de caso (Danielle Silva Veiga),
Gravidez de Risco: riscos da hospitalização (Camila Aparecida do Nascimento e Maria Eugênia Scatena Radomile),
Atuação da Psicologia junto à Unidade Neonatal de uma Maternidade Pública: relato de uma experiência acadêmica
(Ana Paula de Almeida Pereira), Atendimento Digno na Terminalidade da Vida - Caso J.K.L. (Marta Betania C. T.
Luzete), Os Estágios da Dra. E. Kübler-Ross e a Análise de uma Psicóloga - O Caso Dinha (Delma Matoso Tarbes
Vianna), VIH/SIDA e Estigma (Vanina Ribeiro), Técnicas Lúdicas de Intervenção Psicológica com Crianças
Submetidas ao Transplante de Medula Óssea (Andréa Lino e Silva Cunha e Patrícia Marinho Gramacho), Asilamento e
Hospitalismo: um dilema (Juliana Cozoli e Maria Eugênia Scatena Radomile), Relato de um atendimento - Paciente
A.L.V.D. (Verônica Trombini Ferreira), agenda de eventos e links interessantes. Temas que não se esgotam e que
poderão ser trazidos novamente nos próximos números.

Agradecemos a todos que colaboraram nesta edição, aos pacientes , aos professores e supervisores que incentivam seus
alunos a produzirem e publicarem seus escritos, prática que muito valorizamos.

A responsabilidade pelos artigos publicados é inteiramente de seus autores e as opiniões expressadas nos mesmos não
necessariamente condizem com a opinião do Editor.

Todas as correspondências deverão ser encaminhadas para a Psicópio, e-mail: revistavirtualpsicopio@yahoo.com.br. Os


e-mails que forem dirigidos aos autores das matérias publicadas serão repassados aos mesmos.

Desejamo -lhes uma boa leitura e esperamos sua colaboração com o envio dos seus escritos e ajudando-nos a divulgar a
Psicópio.

Sejam bem-vindos!!!

Com o meu abraço,

Susana Alamy
Inverno de 2006

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. iii
A PSICOLOGIA E A PACIENTE OBSTÉTRICA
UM ESTUDO DE CASO
Danielle Silva Veiga1

São muitos os livros na atualidade que tratam da relação mãe/bebê e das características psicológicas deste período tão
delicado que é a gravidez. Pode-se citar, como exemplos, os livros clássicos de Maria Teresa Maldonado, Raquel Soifer
e os mais recentes como “Palavras Para Nascer” de Miriam Szejer. No entanto, ainda percebe-se a falta de exemplos
práticos acompanhando as explanações e mesmo quando estes aparecem na literatura, são de pessoas de alto nível social
ou de outras culturas. Sabe-se que no Brasil a maioria dos psicólogos hospitalares ainda atua em hospitais públicos,
portanto, com uma clientela do SUS de baixa renda. Por isto, este trabalho baseia-se no relato de uma paciente atendida
num Hospital Maternidade no ano de 2003 pela autora, paciente esta que é de nível sócio-econômico baixo e reflete
bem as características desta população mais comumente atendida pelos psicólogos hospitalares.

Os relatos foram obtidos através de entrevistas semi -dirigidas que visavam obter o maior número possível de
informações sobre o passado e o presente da paciente. Os itens da entrevista se referiam a: idade, informações sobre os
pais da paciente, sua infância, seu relacionamento e gravidez atuais, suas gravidezes passadas, sua escolaridade e
profissão e informações e impressões sobre a internação atual. Alguns dados podem estar faltando, pois os assuntos
eram discutidos de acordo com a vontade e disponibilidade da paciente que, muitas vezes, desejava falar de outros
assuntos que a preocupavam naquele momento. O caso que se segue foi escolhido pelo maior número de contatos tidos
com a paciente, pela mesma apresentar-se tranqüila e sorridente à primeira vista (aparentando não precisar de ajuda) e
pelo histórico anterior de problemas no parto.

MARIANA: UM EXEMPLO DE ATENDIMENTO NA REDE PÚBLICA

A) PRIMEIRA CONSULTA
O primeiro contato com a paciente, que chamarei de Mariana (nome fictício), deu-se no dia 12 de maio de 2003 em seu
leito. Apresentei-me e disse que fazia parte da equipe de psicologia e que aquela era uma visita de rotina para saber
como ela estava passando. Comecei então a fazer as perguntas da entrevista começando do passado para o presente da
paciente, ao que ela foi respondendo bastante solícita. Segue-se o histórico da primeira consulta:

Mariana tem 27 anos, é natural do Espírito Santo e filha única. Seu pai abandonou sua mãe ao saber que ela estava
grávida. A mãe posteriormente casou-se com um oficial da Marinha que a tratava como sua própria filha. Até hoje a
paciente o chama de pai. A mãe separou-se do padrasto por conta de suas constantes viagens, mas mantém uma relação
amigável. Mariana diz que nunca conheceu o pai verdadeiro e nem possui este desejo.

Aos 12 anos teve seu primeiro emprego entregando panfletos no sinal. Gostava do que fazia e não trabalhava por
obrigação. Nesta época descobriu-se hipertensa, assim como a mãe, que, segundo ela, também tem um mioma
(“tratado”), sua coluna é em forma de S e tem nódulos nos seios que não quer verificar com medo de que seja câncer.
Tem os nódulos há 4 anos. Logo após comentar sobre isso a paciente diz: “Minha mãe é doente e toda cheia de
problema! Mas olhando ninguém diz que ela é doente.” E “ Se não era câncer, agora já v irou, né?”.

Trabalhou em diversos locais como supermercado, escritório de contabilidade e loja de roupas.

Aos 16 anos casou-se. Sua primeira gravidez foi traumática, perdeu o bebê no sexto mês por causa da pressão alta.
Engravidou novamente um tempo depois e teve o bebê a termo. A filha hoje está com nove anos. Após dois anos de
casamento, separou-se porque o marido não quis assumir a filha, “só queria saber de jogar dinheiro fora”(sic). Nunca
mais o viu, diz que ele não tem contato com a filha. Quando a filha estava com quatro meses, conheceu um rapaz no
trabalho e foi morar com ele. Engravidou novamente e aos sete meses de gestação teve de ser internada por perda de
líquido amniótico. Estava também com dois centímetros de dilatação, permanecendo assim por uma semana. Foi levada
às pressas para o pré-parto com pré-eclâmpsia, diz que os médicos forçaram o parto causando a morte do bebê. “Ele

1
Psicóloga, CRP 05/31191. Especializanda em Psicologia Hospitalar – Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro/RJ.

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morreu se debatendo na minha barriga, rodando...”, disse ela. Engravidou novamente e perdeu outro bebê aos quatro
meses por hemorragia.

O marido tem duas filhas de um casamento anterior. A mais velha não tem contato com eles. A mais nova, de 14 anos,
mora com eles desde os 6, sendo adotada por Mariana como uma filha. Diz que esta enteada, que chamaremos de
Raquel, passou a rejeitá-la e a dizer coisas horríveis sobre o bebê, “chamá-lo de ‘troço’”. Segundo Mariana, a irmã mais
velha quer a guarda da mais nova para ficar com a pensão de 900 reais e por isso “envenena” a irmã contra ela. O
marido não quer dar a guarda para a filha mais velha. Sobre Raquel, Mariana diz : “Não tem motivo pra ela ter ciúme.
Sempre fiz as coisas pra ela. Meu marido sustenta ela. Eu converso sobre tudo de tudo. Explico como é, que é só pra se
entregar quando gostar de alguém, tanto que várias coleguinhas dela já apareceram grávidas e ela namora, dorme fora
de casa e nada. Ela não vai fazer como eu que não sabia das coisas, também fiz porque quis. Talvez ela espere até uns
18 anos (risos).” Nesse momento a paciente do leito ao lado comenta : “A gente nunca quer que elas façam como a
gente. É faça o que eu digo e não faça o que eu faço.”. Ambas riem e ela prossegue, agora num tom sério: “Ela me
maltrata muito, disse coisas horríveis pro bebê. Dói porque é um filho seu que você está gerando. Também não falo com
ela. Vai continuar assim, não merecia isso dela.”

Na gravidez atual não teve pressão alta. Estava com 34 semanas de gravidez, mas não tinha certeza, pois , segundo ela,
os médicos a cada semana informavam uma idade gestacional diferente. Se internou no final de semana anterior à
consulta. Em outro momento da entrevista falou bem da enteada Raquel e do marido dizendo que ele ainda não tem
filhos com a mulher que ama. Diz que se dão bem e que ele é uma pessoa tranqüila. Estava desempregado e arrumou
um serviço poucos dias antes da consulta.

Mariana foi demitida de seu último emprego pouco antes de saber que estava grávida, mas já conseguiu outro por
intermédio da sogra. Mostra-se aflita com a saúde da mãe pois “ela é tudo pra mim”(sic) e foi ela quem os sustentou
durante o desemprego. Diz que a sogra é uma ótima pessoa e não implica com ela.

B) SEGUNDA CONSULTA
Quando cheguei Mariana estava chorando. Disse: “Daqui a pouco vou matar um aqui. Vou fazer uma loucura. Quando
meu marido vier aqui vou assinar a minha alta. Ninguém diz o que está acontecendo com meu filho. Uns dizem que
estou com 34 semanas. Aí me disseram hoje que estou com 33. Amanhã vou estar com 32. Daqui a pouco estou com 10
meses de gravidez e não sei. Me disseram que eu estou com infecção mas infecção porquê? Não sei se eu perdi líqüido.
Falei pra médica uma vez que a minha calcinha tava molhada mas eu não sabia porquê, só o exame podia saber se eu
perdi líquido. E o meu filho? Eu tô com infecção e eles não fazem nada? Eles só dizem isso, que eu tô clinicamente
normal sem perda de líqüido mas e esses leucócitos? É o que? Tem que saber! Eu tô morrendo de medo. Eu já perdi 3
nenéns, todos os meus partos foram induzidos porque a dilatação não completa. Meu marido tá uma pilha com isso, ele
quer muito esse filho.” Nesse momento Mariana começa a chorar e demonstrar sua raiva enquanto arruma a cama.

Ela me conta que chegou a começar um segundo grau técnico em enfermagem, mas parou por causa da filha. Diz que
quer terminar e ser enfermeira formada. “Acho que não é porque eles são médicos que são mais do que eu. Só
estudaram um pouco mais. Tem que haver troca. Se eu quiser ser ajudada, tenho que dar informações pra eles.”

Começa a contar sobre seus partos: “Do neném de sete meses foi horrível. Eu já tinha comprado tudo. Tava tudo pronto.
Os médicos foram forçar meu parto normal, minha pressão subiu rápido. Não adianta, eles não fazem nada do que a
gente fala. Eu já disse que eu só tenho parto induzido, meus médicos estouram minha bolsa na sala de parto. Minha
dilatação não completa...”. Então, volta a falar da questão da infecção: “Eu cheguei aqui sem infecção nenhuma. Pra
não dizer que eu tô ficando pirada pedi pro meu marido trazer todos os meus exames anteriores. Tô igual a um zumbi
aqui nesse hospital: não durmo, não como direito e isso só está fazendo mal prô meu neném.”

C) TERCEIRA CONSULTA
Mariana diz está conformada mas está um pouco emburrada. A médica entrou no quarto e disse que está tudo bem. “
Deixa só acontecer alguma coisa prá eles verem – diz Mariana. Não vou perder mais outro bebê. Eles estão esperando
eu ‘empacotar’, aí vai ser tarde (risos). Infelizmente, e Deus me livre, eles esperam acontecer alguma coisa.” Pouco
depois Mariana estava rindo e brincando com a paciente ao lado (uma jovem de 16 anos, primeira gravidez) e

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perguntando se ela estava com saudades dela. Comentou uma brincadeira que fez com a médica que fez seu exame de
toque e disse que ia esperar prá ver.

D) QUARTA CONSULTA
Descobriu-se a razão dos leucócitos e das dores nos quadris que Mariana sentia (ela queixava-se de freqüentes dores na
coluna lombar e achava que era do colchão). Ela está com cálculo renal. Naquele dia a obstetra deslocou a bolsa para
induzir o parto. Rapidamente a paciente chegou a 3 centímetros de dilatação. Estava andando pelo corredor quando
cheguei, disse que ficou aliviada pelo parto ter sido logo.

Depois desse dia não vi mais Mariana por conta de outros casos que precisei atender. Soube pelas médicas que o bebê
havia nascido três dias depois da quarta consulta e Mariana o havia levado para casa dois dias depois do parto (cesáreo).

Impressões da Entrevistadora: Mariana era uma pessoa bastante risonha e adorava contar piadas e brincar com os
médicos dizendo que eles iriam sentir saudades dela. Quando falava de sua vida, usava um tom de superioridade e
segurança como se fosse uma pessoa determinada, independente. Em outros momentos expressava sua raiva pelo
atendimento médico que considerava precário e demonstrava claramente o medo de perder o bebê. Tratava as colegas
de quarto de forma carinhosa e preocupava-se com o estado de saúde delas inclusive querendo visitar uma delas quando
teve o bebê. Ficou bastante mobilizada quando ambas tiveram alta e novas pessoas foram internadas em seu quarto,
dizendo que só ela não tinha alta.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CASO


Alguns aspectos são bastante claros na fala de Mariana e parecem ser aspectos chaves para que se possa compreender
sua situação psicológica. São eles:

1) Relação de conflito com a enteada Raquel


2) Relação de dependência da mãe/marido
3) Medo da morte (dos bebês e dela própria)

Falemos agora de cada aspecto separadamente:

RELAÇÃO DE CONFLITO COM A ENTEADA RAQUEL


Os dados que possuímos sobre a enteada de Mariana, Raquel são: é uma menina de 14 anos cuja mãe não quis cuidar
(isto foi relatado por Mariana) e que foi adotada aos 6 anos por Mariana que cuidou dela como sua própria filha. Elas se
davam bem até a gravidez atual de Mariana, que Raquel passou a hostilizar.

Fica bastante clara na fala de Mariana a decepção com Raquel por hostilizar sua gravidez e o medo que isto provoca.
Nas classes baixas ainda é muito comum o “pensamento mágico”. Se acredita que ao falar ou pensar determinada coisa,
esta coisa ocorrerá na realidade. Um exemplo claro é o caso da palavra câncer que se dita poderia causar câncer em
quem diz. Parece que se evitando a palavra se evitaria a doença. Mariana parece sentir as ameaças de Raquel como
podendo realizar-se de verdade. Já havia um medo de não concretização da gravidez devido às perdas anteriores, a isto
se soma a “praga” rogada por Raquel que desejava a morte deste filho. A menina parece estar com ciúmes desta criança
que poderá vir a ocupar o seu lugar, ela ficaria sem mãe e sem madrasta.

A frustração pelo comportamento de Raquel, o medo de que sua “praga” se concretize e o medo de perder mais bebês
pelas situações vividas anteriormente, tornam-se somados, uma grande fonte de estresse para Mariana, o que a sujeitaria
a mais risco de complicações na gravidez, o que efetivamente ocorreu já que Mariana teve de ser internada durante a
gravidez e teve um parto prematuro.

Surpreende o fato de justamente nesta gravidez Mariana não estar hipertensa. É conhecida a relação que os estudos
fazem da hipertensão com a raiva reprimida (Maciel, 1994) e este parece ser o caso de Mariana, que disfarça sua raiva

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através de risos e brincadeiras, mas em alguns momentos permite que ela apareça francamente. Pode-se supor que com
os ataques claros de Raquel à gravidez, Mariana expresse em casa esta raiva verbalmente, no entanto, é apenas uma
hipótese. É também conhecida a associação dos rins com o sentimento de medo também bastante clara na fala de
Mariana. Fica-nos um ponto de interrogação acerca desta questão.

RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA DA MÃE/MARIDO


Ao ouvir o discurso de Mariana, podemos cair na tentação de considerá-la uma pessoa determinada e independente. No
entanto, ao ler nas entrelinhas podemos perceber como isto não é verdade. A frase sobre a mãe: “Ela é tudo prá mim.”
Revela traços infantis de dependência. Quando Mariana diz sobre o marido: “Ele não teve ainda filhos com a mulher
que ele ama.”, Mariana também nos revela a insegurança sobre seu casamento e o medo de que o marido a abandone
por ela não conseguir ter filhos. Fica mais claro na frase “Ele queria muito esse filho.” Apesar dos abortos, Mariana
continua tentando e à custa de muito sofrimento. Mariana é uma pessoa cativante e àquela altura conhecida das pessoas
do hospital por seu jeito brincalhão. Isto parece ter sido uma saída encontrada por ela para “conhecer melhor o
inimigo”, ou seja, neutralizar um pouco a perseguição que sentia por estar hospitalizada novamente, vendo o quadro de
seus abortos anteriores repetir-se, uma forma de ser ouvida pelos médicos que simpatizaram de início com ela.

MEDO DA MORTE
Mariana revela também seu medo da morte dos bebês e de não ser uma mulher fértil. Culpa os médicos e sua falta de
escuta (que em parte ocorre mesmo) e tira de si toda a responsabilidade pelo insucesso de suas gravidezes. Não pode
suportar este peso sozinha. Mariana não conta, mas seu marido, que deseja muito um filho dela, pode estar insatisfeito,
pressionando-a verbalmente ou não dizendo nada, mas sentindo-se muito infeliz com cada fracasso.

Mariana também revela com palavras seu enorme medo da morte, em um desses partos ter uma complicação e
“empacotar” como ela mesma diz e depois ri, tentando amenizar a situação, bastante persecutória para ela. Esta falha
parece um lapso, parece que saiu sem querer. O medo de Mariana não é apenas fantasia. Em alguns hospitais a situação
é precária. O fato dos médicos não ouvirem seus apelos também contribui para efeitos iatrogênicos, já que a paciente
conhece melhor seu corpo do que qualquer outra pessoa. Mariana sente-se uma sobrevivente. Perdeu seus bebês mas
saiu ilesa de seus partos traumáticos.

OUTROS ASPECTOS
Outro aspecto que nos chama atenção é o fato de Mariana querer ser enfermeira. Isto nos mostra seu lado de querer
cuidar dos outros como já faz com as pacientes dos outros leitos. Mostra-nos que não se sente bem cuidada pelos outros.
Mostra sua vontade de entender o jargão e a conduta médicos para não ser mais “enganada” e poder argumentar. Mostra
também seu desejo de lidar melhor com a morte. Há estudos que mostram que a escolha da medicina se dá para algumas
pessoas pelo desejo de temer menos a própria morte ou curar os outros ou a si próprio, creio que se passe o mesmo na
enfermagem. O curso de técnico em enfermagem também é um meio rápido e mais barato de entrar no mercado de
trabalho para as classes populares.

Mariana mostra-nos, de forma geral, sua força para encobrir sua fraqueza e suas reivindicações para encobrir seu
desamparo e sua impotência. Ela nada pode fazer, está entregue à equipe médica e ao seu próprio corpo que a tem traído
ocasionando a morte de seus filhos tão desejados. Mariana quer ser independente como diz mas ainda depende
emocionalmente do marido que substitui em parte sua mãe. Com ele, ela sente-se amada e cuidada. Tudo seria perfeito
se não houvesse os ciúmes de Raquel.

O PAPEL DO PSICÓLOGO: POSSIBILIDADES E LIMITES


Após terem sidos expostos e sistematizados dados relevantes da vida da paciente, fica mais fácil escolher um tipo de
intervenção a ser feita. No entanto, no atendimento em si estas informações não estão tão organizadas (na fala da
paciente) e nem sempre é possível encontrar com o paciente mais de uma vez, especialmente em hospitais maternidade
cuja rotatividade de pacientes é muito grande. Outro fato interessante é que, não fosse pela pesquisa, a paciente teria
passado desapercebida como uma pessoa tranqüila já que não apresentava nenhuma perturbação emocional visível. Isto
leva-nos a crer que o psicólogo hospitalar precisa ser uma pessoa observadora e que saiba ler nas entrelinhas, além de
conseguir lidar com o inesperado.

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A entrevista com Mariana por si só permitiu a expressão de seus medos e de sua raiva, no entanto, por não ter objetivo
terapêutico a intervenção não foi além. A entrevistadora procurou ser empática com a paciente, mostrando que
compreendia seus problemas e legitimando suas emoções. Um dos principais problemas concretos de Mariana, que era
a rotatividade dos médicos, infelizmente não pôde ser solucionado porque se tratava de rotina do hospital que era um
hospital-escola. Quando reclamava do rodízio, reclamava também da ausência de uma figura única a quem pudesse se
dirigir e em quem pudesse confiar. A psicóloga que a atendeu nesse período, sendo uma só, possibilitou alguma
referência. Muitas vezes, a psicologia repete a iatrogenia médica fazendo rodízios de equipe, especialmente onde há
estagiários que por conta da faculdade tem poucos horários vagos. O atendimento freqüente do paciente por psicólogos
diferentes pode ser aborrecido por ter que contar a mesma história diversas vezes e torna difícil o aprofundamento da
relação psicólogo-paciente.

Mariana desejava ser acompanhada por apenas uma pessoa que lhe tranqüilizasse, lhe passasse informações que não
mudassem, alguém que ouvisse sua história anterior. A psicóloga prestou-se em parte a este papel, porém sua ansiedade
continuou alta pela imprevisibilidade do término de sua gravidez, somada à ausência de um médico de referência. Se
seu medo da morte e a morte de seus filhos tivessem sido trabalhados nas internações anteriores, Mariana estaria mais
forte naquele momento para enfrentar uma nova hospitalização. Porém, outro problema que se sobrepõe é a falta de
atendimento médico e psicológico subseqüente a abortos espontâneos, comum no Brasil e no exterior, que pode causar
morbidade psiquiátrica mais à frente (WONG, 2003).

Poderia ter-se oferecido à Mariana um grupo de pacientes para que se sentisse compreendida e aceita, no entanto, o
hospital maternidade continha muitas pacientes no mesmo andar e poucas salas disponíveis para a atividade, sendo
nenhuma do tamanho adequado.

Um outro limite da atuação do psicólogo é a negação do paciente no que diz respeito a aspectos emocionais de sua
doença. Alguns pacientes não aceitam a relação entre seu quadro clínico e suas emoções, fazendo com que o trabalho
psicológico limite-se a um suporte bastante superficial lidando apenas com questões conscientes. Sem a compreensão
da real causa do problema, a pessoa tende a somatizar outras vezes.

O papel de psicólogo em hospitais públicos é gratificante, mas bastante frustrante em algumas situações, especialmente
quando os problemas do paciente advém de fatores familiares e sociais de difícil modificação. No entanto, a psicologia
ainda pode fazer um bom trabalho e este trabalho é reconhecido pelo paciente que muitas vezes agradece ou traz
presentes como forma de retribuir a atenção. No hospital maternidade onde todo o poder sobre o parto, a vida e a morte,
ainda pertence ao médico e cabe à mulher aceitar o que for proposto, é essencial que haja um profissional que acolha o
desabafo das pacientes.

Para finalizar, é importante ressaltar a falta de trabalhos voltados para as pacientes de aborto espontâneo, que passando
por um momento tão difícil como a morte de um filho, sentem-se desamparadas e sós. Ao contrário do Brasil, em outros
países como Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia, surgem, a cada instante, novas instituições que fazem o
chamado “aconselhamento do luto” (grief counselling). Há inclusive diversas publicações (algumas on-line), voltadas
para a mulher que perde um filho, a família e técnicas para profissionais de saúde. Devemos iniciar um reflexão e
perguntarmo -nos o porquê de uma situação tão estressante e possivelmente desencadeadora de conflitos, se não
resolvida, fica sem atenção no Brasil. Este também seria um trabalho a ser desempenhado pelo psicólogo hospitalar em
maternidades.

BIBLIOGRAFIA

MACIEL, C.L.C. Emoção, Doença e Cultura: O Caso da Hipertensão Essencial. IN: Romano, B.W. A Prática da
Psicologia nos Hospitais. São Paulo: Pioneira, 1994.

WONG, M.K.Y. e cols. A Qualitative Investigation Into Women´s Experiences After a Miscarriage: Implications For
The Primary Healthcare Team. British Journal of General Practice 2003. No 53.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. 8
ROTEIRO PARA EXECUÇÃO DA ENTREVISTA

Dados pessoais:
Nome da paciente: idade: Leito: Data:

Informação familiar:
Irmãos: Idade, número, relação com a paciente
Pai e Mãe: Saúde, idade, impressões da paciente
Breve relato da infância:
Padrasto/Madrasta: Impressões da paciente

Estudo e Emprego:
Estudo: Até que ano estudou, gostava de estudar, parou de estudar?
Emprego: Primeiro emprego, idade que começou a trabalhar, empregos que teve, gostava de trabalhar? Necessitava
trabalhar?

Relações Afetivas:
Primeiro namorado:
Companheiro atual: idade, emprego, relação com a paciente
Casamento:

Maternidade:
Filhos: Número, idade, relação com a paciente
História das gravidezes anteriores:
Perdas gestacionais, partos prematuros, abortos provocados
História dos partos anteriores
Relato de internações anteriores

Internação Atual:
Data da internação:
Motivo:
Impressões da paciente: equipe médica, melhora do quadro, expectativas, etc.

Impressões do entrevistador:
Estado da paciente no momento da entrevista, frases importantes, observações não verbais, inconsistências na fala,
intercorrências na entrevista (exemplo: falas de outras pacientes, interrupções), suspeita de algum quadro psicológico,
psiquiátrico.

Anotações do prontuário:
Observações relevantes sobre o quadro clínico, outras patologias

____________________
Recebido em 18/02/2005
Aprovado em 28/08/2005

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. 9
GRAVIDEZ DE RISCO: RISCOS DA HOSPITALIZAÇÃO
Camila Aparecida do Nascimento1
Maria Eugênia Scatena Radomile 2

Resumo:

O presente artigo tem a finalidade de estudar os sentimentos vivenciados pelas gestantes de alto risco, durante o período
de hospitalização. Uma gravidez de alto risco é uma gravidez na qual o risco de doença ou de morte antes ou após o
parto é maior que o habitual, tanto para a mãe quanto para o concepto.

Palavras chaves: Gestantes de Alto Risco, Hospitalização, Sentimentos Vivenciados.

Introdução:

Toda gestação traz por si mesma risco para mãe ou para o bebê. No entanto, em algumas grávidas esse risco é maior e é
então incluído entre as chamadas gestações de alto risco.

Segundo Baptista (2003), a gravidez pode ser considerada de alto risco quando o feto e a mulher estão em risco em
função de uma doença orgânica crônica ou aguda, significando um desenvolvimento inadequado para o concepto e/ou
para a gestante, afetando negativamente o resultado da gravidez.

Existem patologias orgânicas especificas da gravidez que a mulher pode adquirir por estar grávida e, ao fim desta, está
curada, no entanto, existem outras que não estão associadas à gravidez, mas sim com a mulher. As gestantes, na grande
maioria, não têm conhecimento a respeito das doenças ou intercorrências que as transformam em gestantes de alto risco.

Segue as intercorrências e doenças mais presentes na gestação de alto risco:

Trabalho de Parto Prematuro: por algum motivo a paciente entra em trabalho de parto antes do tempo previsto,
colocando em risco o concepto. Considera-se prematuro aquele feto que nasce entre a 23ª e a 37ª semana de gravidez.
São os que apresentam ao nascer peso acima de 500 g e inferior a 2.500 g.

Doença Hipertensiva Específica da Gravidez (DHEG): Caracteriza-se pelo aparecimento ou isolamento de hipertensão,
edema e proteinuria em gestantes anteriormente normais. È assim denominada por ser uma doença exclusiva da
gestação. Essa doença exige um pré-natal adequado, como forma primordial na prevenção das formas mais graves, tais
como convulsão e como. Por ser uma doença grave, que requer cuidados específicos, as pacientes muitas vezes
mostram-se extremamente ansiosas frente ao diagnostico, principalmente por desconhecerem a forma de controle e seus
sintomas e a necessidade de internação.

Diabetes Gestacional – A diabetes gestacional desenvolve-se durante a gravidez, caracterizando-se pela


descompensação dos níveis glicêmicos da gestante. Também requer internação para melhor diagnostico e compensação
das taxas de glicemia, tendo as mesmas conseqüências e gravidade de uma diabetes preexistente. Muitas pacientes se
mostram ansiosas devido à alteração da dieta alimentar, que influencia diretamente para o bom prognostico da doença.

Ammiorrexe Prematura: É a ruptura da membrana amniótica, quando o colo ainda está imaturo e o feto é prematuro,
sendo que a etiologia é desconhecida. È uma intercorrência que gera muita ansiedade na paciente, pois como não tem
uma causa específica ela geralmente busca identificar fatores que poderiam desencadear o rompimento da bolsa, como
excesso de esforço físico, e angutia-se com sentimentos de culpa, achando que colocou em risco a vida do bebê.

1
Graduanda em Psicologia na USF - Universidade São Francisco.
2
Doutora em Psicologia Clínica, Especialista em Psicologia Hospitalar e Docente na USF, CRP 1338/06.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. 10
Segundo Baptista (2003), as gestantes mostram-se preocupadas com a vida do bebê, havendo um misto de reações,
sendo que algumas se sentem reconfortadas e protegidas sob os cuidados médicos, podendo se desligar dos conflitos
familiares e se dedicar exclusivamente à gravidez. Outras, ao contrário, sentem-se culpadas por deixar o lar e suas
responsabilidades, não conseguindo, portanto, se adaptar à hospitalização e, muitas vezes, desejando o nascimento
prematuro do bebê para amenizar sua angústia, sem ter noção clara da gravidade da situação.

De acordo com o Ministério da Saúde, BRASIL M.S (2000) além das intercorrências e doenças obstétricas, são
considerados também fatores de risco, as características individuais e condições sócio-demográficas desfavoráveis e a
história reprodutiva anterior da gestante. Como características individuais e condições sócio-demográficas, podemos
citar: idade menor que 17 e maior que 35 anos; situação conjugal; condições ambientais desfavoráveis; dependência de
drogas licitas ou ilícitas; ocupação onde requer esforço físico, carga horário excessiva, exposição a agentes físicos,
químicos e biológicos. Como história reprodutiva anterior podemos citar, abortamento habitual; cirurgia uterina
anterior; síndrome hipertensiva ou hemorrágica; esterilidade / infertilidade.

Um aspecto quase esquecido durante a gestação de alto risco, é o componente emocional. O qual se manifesta através
da ansiedade, mecanismo emocional basal que se estende durante toda a gravidez, de forma crescente. Na gestação de
alto risco, as dificuldades de adaptação emocional são maiores, a começar pelo rótulo que se lhes dá, “de alto risco”,
portanto diferente das demais, “normais”.

A hospitalização, tão comum quanto por vezes necessária no seguimento da gravidez de alto risco, deve ser considerada
como fator estressante adicional. Onde a hospitalização conscientiza a grávida da sua doença; a afasta do suporte
familiar; desperta vários sentimentos durante o período de internação hospitalar.

O psicólogo que trabalha com gestante de alto risco tem que estar atento às várias condições de risco que estão
associadas a essas mulheres, pois poderá atuar de forma preventiva para diminuir os riscos gestacionais.

A seguir será exposto um estudo, no qual foram utilizados subsídios qualitativos através dos relatos das gestantes,
realizado em um hospital universitário, na cidade de Jundiaí. A população é constituída por 12 gestantes de alto risco,
internadas para a realização do controle de alguma intercorrência orgânica presente neste período.

Sentimentos Vivenciados – Glossário:

1. Ansiedade : Entendemos por sofrer por antecipação. Pessoa impaciente, aflita.

2. Medo de perder o bebê: Entendemos por receio, preocupação em ficar sem o que é seu.

3. Medo de acontecer algo ruim para si: Entendemos por preocupação consigo mesma e com as pessoas do seu
convívio.

4. Vontade de ir embora: Entendemos por necessidade, desejo de sair de um ambiente desagradável. Pessoa
impaciente.

5. Preocupação com outros filhos: Entendemos por inquietação proveniente da ausência dos cuidados maternos;
pressentimento triste.

6. Nervosa: Entendemos por pessoa agitada, irritada com alguma situação vivida.

7. Tranqüila: Entendemos por pessoa calma, sossegada.

8. Confusa: Entendemos por não saber o que quer.

9. Cansada: Entendemos por conseqüência de excesso de atividades ou ausência de atividades.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. 11
________________________________________________________________________________________________
Perfil Patológico N. %
Hipertensão 07 58,33
Diabetes 02 16,67
Outras 03 25,00
Total 12 100

Tabela 1: Perfil Patológico: onde observamos a hipertensão como predominante.

Categorias dos Sentimentos

Ψ Ansiosa, Nervosa, impaciência, chora, cansada, nervosa com o marido.

Ψ Medo de perder o bebê, preocupação com o bebê, Medo de acontecer algo ruim para si.

Ψ Vontade de ir embora, preocupação com outros filhos, não conversa.

Ψ Calma, tranqüila.

Ψ Confusa, sem condições mínimas de saúde, ninguém para ajudá-la.

Ψ Vontade que seja homem, rejeição a menina.

________________________________________________________________________________________________
Sentimentos Categorizados N. %
Ansiosa 12 35,29
Medo de perder o bebê 04 11,76
Vontade de ir embora 11 32,35
Calma 02 5,89
Confusa 03 8,82
Vontade que seja homem 02 5,89
Total 34 100

Tabela 2: Sentimentos Categorizados: onde observamos a ansiedade e vontade de ir embora como predominantes.

Discussão e Conclusão:

Sabe-se que a gravidez, para todas as mulheres, constitui um período de mudanças físicas e psicológicas, ansiedades,
fantasias, temores e expectativas. A isso pode somar-se a instauração ou o agravamento de alguma doença, surgindo,
então, a "gravidez de risco", fazendo com que a mulher conviva com os mais diversos sentimentos.

Neste estudo realizado, a ansiedade e a vontade de ir embora, durante o período de internação, foram os sentimentos
mais vivenciados pela gestantes , onde observamos que a ansiedade ocorre pelo fato da gestante estar fora do seu
contexto habitual e a vontade de ir embora é a negação da existência de um risco na gestação. Por isso, é importante que
o cuidado não seja limitado apenas aos aspectos fisiopatológicos, mas sim a um atendimento multiprofissional, onde o
psicólogo tem o papel fundamental de facilitador, onde possa favorecer a adaptação da gestante á gravidez de risco e
aos procedimentos hospitalares, realizando uma terapia de apoio, esclarecendo os riscos sem atemoriza - lá.

Outros sentimentos como medo de perder o bebê, medo de acontecer algo ruim para si, impaciência, preocupação com
os outros filhos e nervosismo com o marido, também apareceram durante o estudo. A vivência da gestação de alto risco

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. 12
é uma exp eriência única, que se estende ao companheiro, família e sociedade. É importante lembrar que a falta de
suporte de pessoas significativas, como do esposo ou da família, pode aumentar o risco durante a gestação.

Concluímos que os sentimentos vivenciados pelas gestantes de alto risco são variados, dependem do estilo de vida e
ambiente familiar de cada gestante. Cabe ao psicólogo, amenizar o sofrimento destas gestantes e prevenir que outros
riscos interfiram no decorrer da gravidez, esclarecendo, trabalhando a nível do consciente e levando em consideração a
estrutura egóica sem se aprofundar nos relatos da gestante.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Baptista, Makilim N. Psicologia Hospitalar: teoria, aplicações e casos clínicos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2003.

2. Gestação de Alto Risco / Secretaria de Políticas, Área Técnica da Saúde da Mulher. _ Brasília : Ministério da Saúde,
2000. 164 p. 1. Gravidez de alto risco. 2. Puerpério. I. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde.

3. Araujo A, Quayle J, Kahhale S, Souza MC. Um estudo sobre gestantes hipertensas e adesão ao tratamento médico:
abordagem descritiva. Rev Ginecol Obstet 1998 outubro; 9(4):191-8.

4. Silva Lucía, Santos, Renata Cerqueira e Parada, Cristina Maria Garcia de Lima. Compreendendo o significado da
gestação para grávidas diabéticas. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [online]. nov./dez. 2004, vol.12, no.6 [citado 02
Novembro 2005].

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Recebido em 12/11/2005
Aprovado em 01/02/2006

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ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA JUNTO À UNIDADE NEONATAL DE UMA
MATERNIDADE PÚBLICA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA ACADÊMICA
Ana Paula de Almeida Pereira 1

R ESUMO

Percebe-se que, de modo geral, a vivência de uma Unidade Neonatal é traumática e estressante, tanto para os pais e
familiares do bebê internado quanto para a equipe cuidadora. Por ser um ambiente desconhecido, a Unidade Neonatal
gera medos e ansiedades, podendo acarretar sentimentos de impotência e de luto antecipatório nos pais e na família
ampliada do bebê. Tais questões foram realmente constatadas ao longo de um estágio acadêmico realizado numa
maternidade da rede pública do Município do Rio de Janeiro. Neste sentido, o presente trabalho visa relatar a
experiência obtida e o desafio enfrentado enquanto estagiária ao lançar uma proposta de intervenção da psicologia junto
à Unidade Neonatal desta unidade de saúde. Tentou-se a implantação de um grupo reflexivo e informativo para os pais
e familiares, cujos bebês estavam na Unidade Neonatal ou na Enfermaria Canguru, juntamente com algum membro da
equipe de enfermagem. Além disso, a idéia era expandir os atendimentos aos pais após a alta do bebê, onde os casos
seriam acompanhados no ambulatório pela equipe interdisciplinar de follow-up. Foram utilizados como referenciais
teóricos alguns conceitos da análise institucional, de grupos e da psicanálise. Houve uma aderência parcial aos grupos
propostos devido a algumas dificuldades encontradas, dentre elas o curto período de estágio. Porém, de maneira geral,
os grupos foram bem recebidos e aproveitados, revelando a existência de uma demanda real por tal intervenção.

Palavras-chave: unidade neonatal, psicologia, intervenção.

INTRODUÇÃO

Como sentir-se mãe desse bebê que não dá sinal, que


não mama no seio, que não olha, que não sendo em
momento algum tranqüilizante, não fabrica mãe?
Mathelin 2 (apud BRAGA & MORSCH, 2003)

O presente trabalho tem como objetivo relatar uma experiência obtida durante a realização de estágio acadêmico de
psicologia numa unidade integrada de saúde da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, composta pela maternidade e
pelo serviço ambulatorial. Este estágio teve a duração de um ano e ocorreu entre os meses de março de 2003 a março de
2004. A minha atuação enquanto estagiária de psicologia ocorreu tanto na maternidade quanto no ambulatório. Porém,
posso afirmar que, por uma escolha própria, priorizei os atendimentos na maternidade, já que algumas demandas
começaram a surgir ao longo do caminho.

A idéia de propor algum tipo de intervenção e parceria da psicologia à Unidade Neonatal (UN) da maternidade surgiu a
partir da observação de alguns fatos: (1) os profissionais de saúde da maternidade solicitavam, freqüentemente,
atendimento psicológico às puérperas cujos bebês estavam internados na UN ou na enfermaria canguru3 ; (2) a equipe de
enfermagem, em especial, demandava um papel ‘mais ativo’4 da psicologia em relação a essas pacientes; (3) a
percepção da equipe de psicologia de que realmente as mães (e também pais e familiares) com bebês na UN e/ou na
enfermaria canguru se sentiam mais frágeis e demandavam mais cuidados da equipe.

Desse modo, diante dessas observações e levando-se em consideração que o nascimento de um bebê doente ou

1
Psicóloga, CRP 05/30805. Psicóloga Clínica e Hospitalar. Especialista em Psicologia Hospitalar pela Santa Casa de
Misericórdia/RJ e Especializanda em Psicossomática e Cuidados Transdisciplinares com o Corpo no NEPESS/UFF.
2
MATHELIN, C. O sorriso da Gioconda: clínica psicanalítica com os bebês prematuros. Rio de Janeiro: Companhia de Freud,
1999, p. 67.
3
Enfermaria na qual se encontravam as puérperas cujos bebês haviam saído total ou parcialmente da UN, mas que ainda precisavam
ganhar peso para a alta. Este ganho de peso é alcançado através do método canguru, que envolve, além da posição canguru (contato
pele a pele do bebê com a mãe ou o pai), uma assistência humanizada à tríade pais-bebê-família (LAMY, 2003).
4
Papel ‘mais ativo’, segundo a enfermagem, diz respeito a alguma atuação mais específica da psicologia, ou seja, mais voltada às
questões dessas pacientes.

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prematuro produz impactos diferenciados na vida dos pais e em todo o seio familiar (CARVALHO, 2003), a equipe de
psicologia, representada por mim na maternidade, propôs que fossem realizados grupos reflexivos e informativos com
as mães, extendidos a todos os familiares, juntamente com um membro da equipe de enfermagem. Para efeito de
síntese, estes grupos serão chamados ao longo do trabalho de ‘grupos de mães’, mas devem ser entendidos como
abertos a todos os envolvidos e interessados em participar.

Sendo assim, a enfermagem ficaria responsável pelas informações técnicas, explicando ao grupo, caso necessário, ‘pra
quê tanta sonda, aparelhos e agulhadas’5 , desmistificando um pouco esse ambiente de alta complexidade tecnológica
que é a UN. Já a psicologia, ficaria responsável pela abertura de um espaço para emergir a subjetividade do outro, ou
seja, pela escuta, pelo acolhimento e pela atenuação do sofrimento psíquico tanto das mães, pais e familiares como da
equipe cuidadora, que também precisa ser cuidada. Cabe ressaltar que a principal meta desses grupos era implicar todos
os profissionais na relação com aquelas famílias que estavam lutando pela manutenção da vida de um ser humano. A
psicologia, portanto, deveria oferecer suporte emocional a todos, esclarecendo dúvidas junto aos médicos e evitando
equívocos e maiores sofrimentos para os implicados na situação.

De acordo com Braga & Morsch (2003), as atividades em grupo para os pais e familiares de bebês internados na UN
“são capazes de facilitar a compreensão da situação e de tornar esse período mais fácil de ser vivido” (p. 64). Tais
encontros são espaços para partilhar angústias, histórias e informações, funcionando como verdadeiras redes de apoio
social, costuradas pela compreensão e solidariedade com o drama alheio. Desse modo, como afirma Lamy Filho (2003),
o psicólogo, não só nos grupos, mas em todos os momentos, deve estar disponível e preocupar-se “em servir como
mediador entre a família e a equipe, buscando intervir nas dissonâncias que podem acontecer em função da
comunicação que muitas vezes falha” (p. 114).

Assim, a proposta inicial de intervenção da psicologia na UN da maternidade foi a realização de grupos6 reflexivos e
informativos com as mães (pais e familiares) uma vez por semana, sempre às terças -feiras, no horário de 13:00 às 14:00
horas, numa sala designada para este fim (sala multiuso), juntamente com a enfermagem. Anteriormente a estes grupos,
a psicologia já realizava grupos nas enfermarias em outros dias e horários. Nestes grupos de enfermaria, as pacientes
tinham a liberdade de falar o que quis essem, o que também serviu como um material de análise para o trabalho e de
intervenção da psicologia na maternidade como um todo.

Para a configuração de todo o trabalho realizado na maternidade, fez-se necessário o estudo de alguns conceitos da
análise institucional e de grupos, os quais foram utilizados como embasamento teórico, conjugados com algumas idéias
da psicanálise. Buscou-se constantemente a passagem do arcabouço teórico para a prática profissional.

ALGUNS DIZERES SOBRE ANÁLISE INSTITUCIONAL E GRUPOS

Os quatro conceitos da análise institucional, entendidos como básicos e diretamente envolvidos com a realização do
trabalho proposto, foram: instituição, instituído, instituinte e analisador.

Em relação à instituição, pode-se dizer que sua característica básica é o não-dito, ou seja, informações não reveladas e
que são referenciadas por normas e regras, as quais ditam a maneira como os indivíduos devem se posicionar perante o
social. A instituição é construída a partir da articulação entre as normas sociais e a ação histórica dos indivíduos, dos
grupos e das coletividades.

De acordo com Lapassade (1980), o conceito de instituição pode ser definido como a configuração geral das relações
sociais. A instituição constitui-se num atravessamento de todos os níveis de conjuntos humanos, que fazem com que ela
se torne parte da estrutura simbólica do grupo. São exemplos de instituição: as constituições políticas, as leis, os
aparelhos encarregados da execução e o controle dessas leis, assim como os preconceitos, os valores, etc.

5
Discurso das pacientes cujos bebês estavam na Unidade Neonatal.
6
Todas as condições para a realização dos grupos foram acordadas previamente com a direção do hospital, respeitando, assim, as
normas do estabelecimento.

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A instituição, portanto, possui uma face escondida, um ocultamento que é produzido por uma repressão social. Segundo
Lourau (1973, p. 03), “aquilo que se censura é a palavra social, a expressão da alienação e a vontade de mudança”.
Desta forma, com o desconhecimento e a ilusão institucionais, o sistema social tem condições de se manter, objetivando
a estabilidade das relações sociais dominantes, produzida e reproduzida pelas instituições.

Pensando melhor sobre este ocultamento, percebe-se a presença de um jogo de forças extremamente violento que leva à
produção de uma imobilidade institucional. Sob um estatuto de verdade não-produzida, todas as regras, normas,
costumes e tradições, encontrados pelo indivíduo na sociedade, representam aquilo que está determinado
institucionalmente (LAPASSADE, 1980). Tal determinação, designada por Altoé (1990) como instituído, caracteriza -se
por uma força de inércia que conserva e preserva a situação no estado atual. Esta situação acaba por acarretar um estado
de alienação social, com conseqüente dominação do instituído, baseada num esquecimento de suas origens e na
naturalização das instituições.

Como exemplo claro de algo instituído num hospital, pode-se citar a preponderância do saber médico, o qual raramente
é colocado em dúvida. Particularmente na referida unidade de saúde, foram presenciadas várias situações reveladoras
dessa questão, tais como: a resistência das pacientes em perguntar ao médico sobre seus estados de saúde e/ou de seus
bebês e o fato da enfermagem, na maioria das vezes, passar a responsabilidade para os médicos responderem
informações técnicas e rotineiras, que estavam ao alcance de seu saber, mas que para essa categoria ‘só os médicos
saberiam informar’.

E, além disso, percebi também que muitos profissionais reagiam com uma expressão de espanto quando eu, a
acadêmica de psicologia, precisava falar com o médico e, para isso, me dirigia à sala da chefia médica e, muitas vezes,
até ao dormitório médico. Diversas vezes me questionei: Por que será que esse espanto acontece? E logo vinha à mente
a resposta mais provável: porque o entendimento de que o médico não pode ser interrompido ou incomodado é algo
instituído e, quando alguém tenta rompê-lo, causa estranheza e desconforto. Um outro episódio, que ocorreu com um
acadêmico de enfermagem da unidade, foi o fato dele se queixar de que em algum lugar escreveram algo do tipo:
‘Parabéns à equipe médica por mais um parto realizado’ e, na verdade, aquele parto específico, o qual ele acompanhou,
havia sido feito pela equipe de enfermagem. Logo, ele estava procurando o papel para consertar, escrevendo: ‘Esse
parto foi realizado pela enfermagem’. E nesse momento ele me perguntava (ou se perguntava): ‘Por que será que todo
mundo pensa que só o médico faz o parto?’. Mais uma vez a resposta: porque é algo socialmente instituído.

Num sentido contrário ao instituído, encontra-se uma força de transformação chamada instituinte, que busca a criação
de novas normas. Se o homem sofre as ações das instituições, ele também as cria e as mantém, já que que constrói a
história e é construído por ela. Assim, o fato de que a contestação de uma instituição também faz parte dela dá margem,
através dos processos históricos de crise, de mudança e de revolução, para que o movimento instituinte possa se exercer.

Nesse sentido, esse trabalho de intervenção da psicologia na UN da maternidade pode ser considerado como uma
proposta instituinte na medida em que pretendia romper certas barreiras, situações instituídas, mas é claro, tendo a
noção de que isso é muito difícil e que precisa de muito tempo, muita paciência e muita cautela nas ações. E mais ainda,
tendo a consciência de que o psicólogo faz parte da instituição e que, portanto, também está sujeito ao instituído. Como
citado anteriormente, o movimento instituinte faz parte da instituição e pode contribuir para a sua transformação ou,
neutralizado pela mesma, reproduzi-la e mantê-la em sua essência.

Um exemplo disso é o que acontecia comigo toda vez que o grupo de mães estava para começar e a sala designada para
tal finalidade encontrava-se ocupada, pois eu precisava do espaço, já reservado previamente naquele horário, mas havia
um certo incômodo em pedir às pessoas para saírem. Isto porque era como se a psicologia estivesse invadindo um novo
espaço, um espaço que todos sabem que não é dela. Mas será que não? Por que não? Quem falou que não? Eis que
novamente surge o instituído, pois parece que já está instituído que lugar de psicólogo é somente na sala do
ambulatório. Mas, o mais interessante é que ninguém falou que não poderia interromper o que estava acontecendo e
requisitar o espaço. Porém, percebe-se que isso não era preciso, pois já estava aceito até por mim, que senti-me
incomodada com a própria proposta instituinte. Formulada por quem mesmo, hein? Por mim. Ao perceber que isso
estava acontecendo, tratei logo de reverter o quadro, ou seja, de lutar por esse espaço sem ter medo do instituído.

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Um outro aspecto que deve ser levado em consideração é o fato de não ser somente o profissional de psicologia que
deve estar implicado nas relações de instituinte e instituído numa instituição de saúde, como também os profissionais de
outras áreas. Assim, cada profissional deve fazer a sua intervenção, cabendo a psicologia fazer as intervenções que
dizem respeito ao seu saber, respeitando o saber do outro. Porém, sempre buscando a coletivização das idéias.

Sendo assim, nota-se ainda que dentro da dinâmica de qualquer instituição existe um intervalo compreendido entre o
movimento instituinte e o instituído. Enquanto que antigas formas continuam a perpetuar uma certa racionalidade
institucional, verifica-se a continuidade de um processo instituinte em busca da criação de novas maneiras de atuação.
Este cenário representa uma luta permanente entre estes dois aspectos, conservando sempre um leque de possibilidades
para implantação de uma nova atividade.

Após breves conceituações sobre o movimento exercido dentro de uma instituição, pode-se começar a pensar numa
proposta de intervenção. A intervenção tem por objetivo o trabalho com pequenos grupos, mas que, ao mesmo tempo,
se preocupa com aquilo que atravessa o grupo – a dinâmica institucional - responsável por fazer, criar e moldar o grupo.
O método de intervenção consiste em criar e fazer uso de um dispositivo, ou seja, de um acontecimento que possibilite a
análise coletiva de uma situação, podendo existir a interpretação ou não da mesma.

O método analítico implica em “explicar e compreender uma realidade complexa, decompondo-a em elementos
simples, analisando cada elemento e somando, ou pondo uma depois da outra, tais análises” (BAREL7 apud LOURAU,
1973). Portanto, a análise busca observar e promover uma escuta sobre o coletivo e suas relações, práticas, reuniões,
acordos, regimes e discursos, isto é, sobre todo o movimento encontrado em determinado espaço. A análise é capaz de
revelar a transversalidade da instituição, dos grupos e dos seus membros, ou seja, de desvelar o funcionamento da
instituição (ALTOÉ, 1990).

Neste sentido, a presença de um analisador torna-se imprescindível para provocar uma reação sobre aquilo que está
escondido. O analisador é uma situação que revela algo da ordem do não-dito. Ele pode ser representado por uma
pessoa ou um acontecimento e pode ser natural ou construído, isto é, proposto. Segundo Saidon & Kamkhagi (1987),
um dado analisador pode ser um indivíduo, uma prática ou um dispositivo que revela, a partir do seu próprio
funcionamento, o impensado de uma estrutura social. Assim, a intervenção de um analisador, fazendo uso ou não da
palavra, tem por finalidade trazer à luz os acontecimentos que compõem o conjunto, antes invisíveis, possibilitando com
que as pessoas construam ou não um sentido para a situação formada.

No âmbito de um campo de intervenção, lugar onde se dá a atuação profissional, surge um campo de análise capaz de
levantar temas, histórias e problemas a partir de leituras, discussões e debates, feitos coletivamente. No momento em
que algumas pessoas pertencentes a uma organização se colocam à disposição para debaterem determinado tema, torna-
se possível o compartilhamento de diferentes óticas sobre o mesmo. Tal situação pode proporcionar a construção de um
conhecimento que será utilizado na solução de um problema ou na elaboração de propostas para ampliação de um
trabalho, por exemplo.

Vê-se aqui um encontro entre pessoas que se dispõem a transpor barreiras rígidas, responsáveis por delimitar seus
campos de atuação na instituição, e fazerem uso de seu saber a fim de questionar suas práticas e elaborar um novo
conhecimento. Esta possibilidade é realizada a partir de uma transversalidade8 de saberes que permite com que o
indivíduo se potencialize para uma discussão, indo em direção a ação e ampliação de suas práticas. Assim, outro
objetivo a ser atingido com o grupo de mães, ou através dele, era o de promover a transdisciplinaridade, ou seja, o
diálogo entre os saberes de modo horizontal e com o interesse máximo de auxiliar o próximo a partir da soma de
conhecimentos diferentes.

De modo geral, pode-se dizer que todo grupo que tem por objetivo integrar as pessoas e levá-las a pensar, ao invés de
agir impulsivamente, pode ser chamado genericamente de ‘grupo de reflexão’ “porque leva os participantes a refletirem

7
BAREL, YVES. A análise dos sistemas: problemas e possibilidades, mimeo, 1973.
8
De acordo com Lapassade (1980), a transversalidade acontece quando há uma efetiva comunicação entre os diferentes níveis
hierárquicos de uma organização.

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sobre suas necessidades, angústias, relacionamentos com os outros e sua forma de conduta” (ZIMERMAN, 2001, p.
225). Zimerman (2001) afirma ainda que o grupo de reflexão é promotor de socialização, “onde as pessoas
desenvolvem a capacidade de ter consideração e empatia pelos demais, além de propiciar a oportunidade de uns
auxiliarem aos outros (...)” (p. 226). Por isso a designação do grupo de mães como grupos reflexivos e informativos,
pois, além de levar à reflexão, também informam e esclarecem dúvidas, o que é fundamental para a diminuição da
ansiedade de todos que estarão servindo como continentes ao bebê. Como diz Mathelin 9 (apud BRAGA & MORSCH,
2003, p. 59), “a existência da criança está indissociavelmente ligada à presença do Outro que virá atendê-la, que estará
para ela em posição de continente”.

Em suma, pode-se dizer que essa possibilidade de atuação da psicologia era justamente uma proposta de intervenção
junto à Unidade Neonatal, na qual, o grupo de mães servia como um analisador nessa unidade de saúde, visando romper
com certos aspectos instituídos e propor novas normas, ou seja, promover alguma transformação instituinte.

ASPECTOS GERAIS DA UNIDADE DE SAÚDE

A unidade de saúde na qual o trabalho foi desenvolvido é uma unidade de atenção materno-infantil. A unidade possui o
título de Hospital Amigo da Criança, que consiste num projeto do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)
e da Organização Mundial de Saúde (OMS). Este projeto tem por objetivo estimular o aleitamento materno exclusivo
até aos seis meses de idade, além de promover uma maior conscientização dentre os funcionários acerca da infância,
modificando, assim, o modo de lidar com as crianças e também com os respectivos pais.

A maternidade participa também do projeto Mãe-Canguru que visa fortalecer o bebê mediante o estreitamento do
vínculo com sua mãe. O bebê fica em contato direto ao calor do corpo da mãe o máximo de tempo durante o dia, de
forma que este possa mamar sempre que quiser, com o objetivo de ganhar peso e só receber alta quando alcançar 1.800
gramas.

Em termos de estrutura física, a unidade ocupa uma área extensa, sendo bastante arborizada, com estacionamento
próprio e constituída por três andares e um prédio em anexo.

No primeiro andar estão localizadas as chefias e direção da saúde coletiva e da enfermagem; o centro de estudos; a
epidemiologia; a documentação médica; a sala de amamentação; a hipodermia e a imunização.

No segundo andar encontram-se os serviços ambulatoriais de ginecologia/obstetrícia; pré-natal; pediatria; odontologia;


fonoaudiologia; nutrição; serviço social; saúde mental (psicologia); farmácia; além do funcionamento do almoxarifado e
do raio x /ultra-som; da rouparia; dos vestiários para funcionários; da sala de reunião; da cozinha e do refeitório.

No terceiro andar funciona a maternidade. Esta é constituída por nove enfermarias, com aproximadamente seis leitos
cada uma, sendo uma delas enfermaria canguru, uma só para gestantes e outra somente para pacientes que passam por
curetagem, além de um apartamento para casos de infecção. Há também dois postos de enfermagem: um para as
enfermarias 7 e 8 e para o apartamento e outro para as demais enfermarias; a admissão; uma sala multiuso com
televisão; dormitório para plantonistas; fraldários; sala de vacina; berçário; sala de esterilização; banco de leite humano;
chefias médica, de enfermagem e de supervisão de enfermagem; sala de fonoaudiologia e fisioterapia; a unidade
neonatal e o centro obstétrico.

A unidade neonatal, composta pela UI (unidade intermediária) e UTI (unidade de terapia intensiva), contém doze
incubadoras e um posto de enfermagem. O centro obstétrico é composto pela sala de pré-parto com seis leitos; sala de
relaxamento; duas salas de parto; sala de recuperação pós-anestésica; sala de cirurgias; vestiários (feminino e
masculino) e posto de enfermagem.

9
MATHELIN, C. O sorriso da Gioconda: clínica psicanalítica com os bebês prematuros. Rio de Janeiro: Companhia de Freud,
1999, p. 44.

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Por fim, no prédio em anexo, encontram-se a sala de reunião e o setor administrativo. A sala de reunião fica no térreo e
o setor administrativo se localiza no segundo andar, onde se encontram a recepção e as salas da comunicação, da
secretária, do diretor administrativo, da telecomunicação e do núcleo administrativo.

A PSICOLOGIA NA UNIDADE DE SAÚDE

A equipe de Saúde Mental era formada por duas psicólogas e uma acadêmica de psicologia. Antes da proposta de
intervenção junto à UN com os grupos de mães, o serviço de psicologia se apresentava com a seguinte estruturação:
atendimentos individuais no ambulatório; grupos de recepção; grupos de enfermaria na maternidade; atendimento às
solicitações individuais da maternidade; grupo de estudo e supervisão de estágio.

Os atendimentos individuais no ambulatório ocorriam de acordo com a disponibilidade de cada psicóloga, seguindo
uma fila de espera.

Os grupos de recepção eram realizados semanalmente, sendo agendados toda primeira semana de cada mês pelo próprio
serviço, acontecendo, em média, cinco grupos por mês. O grupo de recepção garante ao usuário que chega ao serviço
algum tipo de acolhimento, escuta, retorno e encaminhamento e um dos seus principais objetivos é a busca de um
posicionamento do sujeito diante de sua queixa, promovendo a desconstrução de demandas ou até a construção de
novas, tendo também uma função terapêutica.

Os grupos de enfermaria tinham como intuito acolher a singularidade de cada paciente, propiciando um espaço de
esclarecimento de dúvidas e diminuição da ansiedade. Esses grupos também funcionavam como um convite à
participação do grupo de mães, já que as demais pacientes também poderiam participar, pois o grupo era uma proposta
de inclusão e de troca de experiências.

Os atendimentos individuais da maternidade, solicitados pela equipe, eram atendidos no leito ou em outro local de
acordo com viabilidade da paciente e do espaço disponível.

Os grupos de estudo e a supervisão tinham como finalidade a leitura de textos pertinentes aos casos clínicos em
atendimento (tanto no ambulatório como na maternidade) e à discussão dos mesmos.

Após a implementação dos grupos de mães, o serviço de psicologia passou a participar também das reuniões mensais do
‘Comitê de follow-up de recém-nascido de risco’10 compostas até aquele momento pela pediatria, fonoaudiologia e
fisioterapia. O comitê de follow-up foi criado em 1988 com o objetivo de traçar diretrizes para o acompanhamento
clínico de recém-nascidos de risco e detecção precoce de alterações do seu desenvolvimento neuropsicomotor. No caso
da unidade, o trabalho follow-up existe desde 1996 e atende, na maioria das vezes, crianças que nasceram na própria
unidade e tiveram passagem pela unidade neonatal e pela enfermaria canguru, onde a equipe também atua e que a
psicologia passou a atuar com mais regularidade a partir desse ano. Também se incluíram nas reuniões o serviço social
e a nutrição. Essas reuniões tinham como principais objetivos a discussão de casos clínicos, levando em consideração a
contribuição das diferentes áreas e a formação de uma equipe transdisciplinar responsável pelo trabalho com crianças
advindas da unidade neonatal e do método canguru.

OS GRUPOS DE MÃES

Após exp or a idéia dos grupos para a minha supervisora de estágio e ter a sua aprovação, me dirigi à UN para dialogar
com as chefias médica e de enfermagem sobre a possibilidade dos mesmos acontecerem e quais as melhores condições
para a sua realização. A proposta foi muito bem recebida por ambas as chefias, sendo apenas solicitado a confecção de

10
Recentemente, esse comitê passou a se chamar “Comitê de atenção integral ao desenvolvimento e reabilitação” (HASSANO,
2003).

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um projeto, que foi, posteriormente, aprovado pela direção da unidade. Solicitei ao centro de estudos que fizesse alguns
cartazes como forma de divulgação. Além dos cartazes, utilizava-me da comunicação verbal à equipe e às pacientes.
Estas eram convidadas a participar do grupo de mães durante os grupos de enfermaria, realizados por mim ao longo da
semana e que auxiliavam bastante na criação e manutenção do vínculo com a psicologia.

Em relação à implantação do grupo, várias questões devem ser levadas em conta. Porém, considero uma como sendo a
crucial e que talvez norteie as demais: a questão da demanda. Aliás, demanda ou desejo? Essa é uma pergunta um tanto
complicada de responder, mas que mostra-se diretamente ligada à proposta dos grupos.

É importante considerar que as definições de demanda e desejo na língua portuguesa são diferentes das propostas pela
psicanálise. Para a língua portuguesa, de acordo com Ferreira (1967), temos as seguintes definições de demanda e de
desejo:
Demandar - ir em procura de; exigir; ter necessidade de; pedir; reclamar; requerer; intentar ação judicial contra.
Desejar - apetecer; querer; ambicionar; cobiçar; ter gosto ou empenho em.

Já no ‘Vocabulário de psicanálise’ de Laplanche & Pontalis (1991), são encontradas as definições de desejo para Freud
e Lacan e de demanda para Lacan, que parece a denominar como exigência 11 .

De acordo com Freud (apud Laplanche & Pontalis, 1991, p. 159):


(...) o desejo está indissoluvelmente ligado a ‘traços mnésicos’ e encontra a sua realização na reprodução alucinatória
das percepções tornadas sinais dessa satisfação.

De forma mais simples, a concepção freudiana do desejo diz respeito ao desejo inconsciente ligado a sinais infantis
indestrutíveis.

Já para Lacan (apud Laplanche & Pontalis, 1991, p. 160):


A exigência é formada e dirige-se a outrem; embora incida ainda sobre um objeto, este não é para ela essencial, pois a
exigência articulada é no fundo exigência de amor.
O desejo nasce do afastamento entre a necessidade12 e a exigência, (...) é irredutível à exigência na medida em que
procura impor-se sem ter em conta a linguagem nem o inconsciente do outro, e exige ser reconhecido em absoluto por
ele.

Portanto, de forma resumida, para Lacan a demanda é passível de ser dita e no fundo toda demanda é demanda de amor.
Já o desejo é sempre e invariavelmente do outro e se somos desejantes é porque um outro assim desejou, ou seja, o
nosso desejo é uma conseqüência do desejo do outro.

Dessa forma, pode-se dizer que a psicologia trabalha tanto com demanda quanto com desejo, sendo que o desejo é da
ordem do inconsciente e a demanda se apresenta como um primeiro pedido que se formula. Assim, quando se diz que a
psicologia trabalha com demanda isto significa dizer que ela trabalha com o querer, com a vontade própria do sujeito,
que a expressa por meio de ações, gestos ou palavras.

No caso dos grupos de mães, pude observar que a demanda das pacientes correspondia à atitude de ir ao grupo, visto
que, na maioria das vezes, não havia uma demanda verbal clara por parte delas, como por exemplo: ‘Vim aqui porque
estou sofrendo por causa do meu bebê que está na UN’. Porém, no grupo, elas falavam dessa vivência, apenas não a
tinham formulado em palavras antes de ir ao mesmo, ou seja, para elas não estava claro o por quê queriam ir, mas o fato
é que tinha algo que as mobilizavam a participar do grupo e isso também é demanda.

11
Esta é uma interpretação minha, já que Lacan considera que toda demanda é demanda de amor e nesse texto diz que toda exigência
é exigência de amor. Logo, considerei a demanda como sendo referida pelo termo exigência.
12
“A necessidade visa um objeto específico e satisfaz-se com ele” (LACAN apud LAPLANCHE & PONTALIS, 1991, p. 160).

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. 20
Essa questão da demanda é muito importante visto que no decorrer dos grupos pude perceber que nem sempre havia
interesse por parte das mães em estar participando desse espaço que seria justamente para elas. Acredito que algumas
variáveis influenciaram na demanda das pacientes, tais como: o fato desse tipo de trabalho ser algo recente na unidade e
de ainda não estar muito claro para elas. Isso pôde ser observado no momento de informá -las sobre os grupos, onde
muitas me perguntavam: ‘Mas pra que serve o grupo?’, ‘O que tenho que falar?’, ou seja, entendo que talvez também
fosse difícil para elas expor em palavras o que estava se passando naquele momento, pois cada um tem o seu momento
de falar e é importante que todo profissional compreenda e respeite isso. Acrescento ainda que esta questão da demanda
não é específica nem deste tipo de grupo e nem da presente unidade de saúde, mas é algo que parece permear qualquer
tentativa de implantação de um ‘novo’ trabalho. O que penso ser primordial é tentar compreender de onde parte a
demanda, isto é, quem está solicitando e precisando de tal tipo de serviço. No caso desta proposta, entendo que a
demanda parece ter surgido de dois lugares: da equipe de saúde (incluindo a psicologia) e das pacientes.

Outro fato que pode ter influenciado na participação dos grupos diz respeito à maneira de abordar as pacientes. Muitas
vezes me questionei se estava falando do modo errado, apresentando o grupo de uma forma desinteressante. Mas, ao
mesmo tempo, pensei que não tinha o porquê fazer do grupo um momento ‘mágico’, legal e interessante, pois poderia
haver frustração depois e também porque esse não era o meu papel, quer dizer, a minha função não era divertir e nem
entreter, não que o grupo não pudesse ser um momento de descontração, mas o mais importante é que eu pudesse
acolher o que as pacientes tinham a dizer e que o grupo pudesse ser um momento de escuta, de trocas e um espaço onde
pudesse emergir o desejo. E aí é que entrou a maneira como a equipe de enfermagem queria que fosse proposto o grupo:
de forma obrigatória, intimando as pacientes a participarem. Esclareci que a psicologia não trabalha com ‘intimação’,
mas sim com demanda.

Outra questão em relação à realização dos grupos foi a dificuldade em encontrar a sala multiuso disponível no horário
reservado, mesmo havendo um informativo na porta da sala. Houve vezes em que as pacientes estavam lá acomodadas
porque a respectiva enfermaria estava sendo lavada, porque estavam de alta e aguardavam os acompanhantes, porque
assistiam televisão e outros momentos em que estava acontecendo algum atendimento por outro setor. Esses
acontecimentos dificultavam a realização dos grupos por dois motivos: (1) porque era preciso ‘retirar’ as pessoas do
espaço para depois chamar as pacientes nas enfermarias, o que dispendia tempo e (2) porque mu itas vezes me sentia
incomodada, pois era como se eu estivesse atrapalhando a dinâmica da maternidade na medida em que as pacientes
teriam que ser realocadas em outro espaço que não a sala multiuso.

Uma outra situação que me deixou bastante desanimada foi a falta de implicação da equipe de enfermagem nos grupos.
Infelizmente, era difícil encontrar algum membro da equipe disponível (e interessado) em estar participando comigo dos
mesmos. Isso me deixava desestimulada e também chateada porque era como se eu estivesse fazendo uma propaganda
enganosa para as pacientes, visto que a enfermagem raramente participava. No momento de falar sobre o grupo para as
pacientes, ficava incomodada em divulgar a participação da enfermagem, pois não tinha nenhuma garantia de que isso
aconteceria.

Penso que a ausência da enfermagem nos grupos faz parte do jogo instituído x instituinte, na medida em que a força
instituinte luta contra o que já está instituído na unidade, não sendo essa uma luta fácil, pois há muito mais aspectos
desfavoráveis do que favoráveis ao instituinte. Além disso, há que se levar em consideração a rotina de trabalho e o
horário dos grupos, que também podem ter dificultado a participação, tão cara, da enfermagem, já que parte do objetivo
do grupo não pôde ser alcançado. Porém, mesmo com todos os empecilhos, o mais importante é não desanimar, não
desistir porque dificuldades sempre existirão. Confesso que fiquei desanimada, mas não desisti em nenhum momento,
mesmo quando não aparecia ninguém eu estava lá firme e forte e muitas vezes o grupo funcionou com uma ou duas
pessoas sem perder o seu objetivo. Em algumas ocasiões, realizei o grupo na própria enfermaria canguru e fui
percebendo que outras formas de intervir eram possíveis. Bastava explorar todos os recursos disponíveis, olhando-os
sob ângulos diferentes.

No que diz respeito ao conteúdo trabalhado nos grupos, um dos aspectos observados foi a dificuldade, não somente das
mães, como também dos pais de bebês que se encontravam na UN em entrar em contato com o bebê, contato este
entendido como o olhar, o tocar, o acariciar, o sentir e o pegar nos braços. De acordo com Scochi et. al. (1999), “os pais
desse grupo de crianças também têm sido considerados uma população de risco, por apresentarem vários sentimentos e
dificuldades para cuidar dos filhos, necessitando de apoio durante a internação e após a alta hospitalar” (p. 496). Muitas
pacientes relatavam ter ‘medo’ de pegar o filho no colo devido aos aparelhos que ele utilizava e também sentiam

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. 21
‘nervoso’ de vê-los com os mesmos.

Acredito que esses sentimentos fazem parte da dificuldade em aceitar um bebê prematuro ou com alguma doença, já
que durante a gestação foi sonhado um bebê com determinadas características físicas e psicológicas não encontradas
após o nascimento, havendo assim um confronto entre o bebê ideal (imaginado) e o real. Além disso, também foi
percebido que as mães, ao se depararem com seus filhos, experimentavam sentimentos de incompetência e frustração
por não terem dado à luz ao filho sonhado. Segundo Freud (1996) em seu texto ‘Sobre o narcisismo’, a atitude de pais
afetuosos para com os filhos é um retorno e uma reprodução de seu próprio narcisismo 13 , o qual haviam abandonado há
tempos. A atitude emocional dos pais é dominada pela supervalorização do filho, ou seja, todas as perfeições são
atribuídas a ele, sendo ocultadas todas as deficiências do mesmo. Assim, os pais depositam em seus filhos todos os seus
sonhos e esperanças, abandonados com a certeza de que seriam concretizados pelos filhos. Como diz Freud (1996), “a
criança concretizará os sonhos dourados que os seus pais jamais realizaram – o menino se tornará um grande homem e
um herói em lugar do pai, e a menina se casará com um príncipe como compensação para sua mãe” (p. 98).

Portanto, o que ocorre no caso das mães, cujos bebês são prematuros ou têm alguma outra dificuldade, é a frustração
por não ter gerado o bebê perfeito que esperavam, isto é, houve um contraste entre o ego ideal (aquilo que desejaria que
fosse), que seria o substituto do seu narcisismo perdido na infância e no qual foram depositados sonhos e esperanças, e
o ego real (aquilo que realmente é). Sendo assim, um dos sentimentos observados nessas mães durante os grupos foi o
de baixa auto-estima, pois como afirma Freud (1996), “a compreensão da impotência, da própria incapacidade de amar,
em conseqüência de perturbação física ou mental, exerce um efeito extremamente diminuidor sobre a auto-estima” (p.
105).

Um outro fato constatado foi a dificuldade das mães em perguntar à equipe sobre o estado de saúde de seus bebês e o
por quê da utilização de certos aparelhos. Várias perguntas nesse sentido foram feitas no grupo, as quais seriam
respondidas pela equipe de enfermagem, o que, infelizmente, nem sempre aconteceu. Nessas situações, procurava
acompanhar a paciente até a UN para que ela pudesse esclarecer suas dúvidas com a equipe.

Certa vez, uma paciente relatou que estava com muito medo de perguntar à equipe sobre o seu bebê porque na sua
primeira gestação, a sua filha, que nasceu de seis meses, não resistiu e que, portanto, agora estava com medo de que seu
filho, que havia nascido com sete meses, também não resistisse. Logo, para evitar ouvir uma má notícia, ela preferia não
perguntar nada. No final do grupo ela me perguntou se gostaria de conhecer seu bebê, respondi que sim e fomos até à
UN. Lá chegando, havia uma enfermeira ao lado da incubadora de seu filho e qual não foi a minha surpresa ao perceber
que a paciente esboçava uma vontade de perguntar algumas coisas para ela, tais como: por que ele havia mudado de
lugar e para quê servia o ‘canudinho’ em sua boca. A enfermeira respondeu que ele mudou de lugar porque já havia
saído da UTI e estava agora na UI e o ‘canudinho’ servia para alimentá-lo. Após as perguntas terem sido feitas, a
paciente me disse que estava bem mais tranqüila e que agora não teria mais medo de perguntar, pois sabia que seu bebê
estava fora de risco. No dia seguinte, ao fazer o grupo de enfermaria, a primeira coisa que a paciente me disse foi que
agora estava perguntando tudo a respeito de seu bebê e que, em breve, estaria na enfermaria canguru para que ele
ganhasse peso. Neste momento, senti-me feliz por perceber que a minha simples presença acolheu e permitiu a fala de
um outro que até então sofria calado.

A ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA NA MATERNIDADE: CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em linhas gerais, a atuação da psicologia na maternidade aconteceu por três vias: (1) os atendimentos individuais
solicitados pela equipe, (2) os grupos de enfermaria e (3) os grupos de mães.

Observou-se que os casos específicos atendidos pela psicologia quando requisitados pela equipe eram, na maioria das
vezes, de caráter emergencial e não possuíam uma demanda estritamente psicológica. Na realidade, eram situações que
estavam incomodando ou chamando a atenção da equipe devido a um descontrole emocional da paciente, sendo

13
De acordo com Freud (1996), “o termo narcisismo deriva da descrição clínica e foi escolhido por Paul Näcke em 1899 para denotar
a atitude de uma pessoa que trata seu próprio corpo da mesma forma pela qual o corpo de um objeto sexual é comumente tratado –
que o contempla, vale dizer, o afaga e o acaricia até obter satisfação completa através dessas atividades” (p. 81).

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. 22
solicitada a presença da psicologia para promover o retorno ao funcionamento habitual, normal do ambiente, o mais
depressa possível.

Como exemplos desses casos, pode-se citar a situação em que as mães choravam ao ver seus bebês serem medicados
constantemente e, portanto, ‘furados’ várias vezes, podendo até ter o cabelo raspado para a punção da veia, e das que
choravam quando perdiam o bebê ou quando o bebê nascia morto. Essas situações parecem incomodar muitos
profissionais, os quais acreditam que estas pacientes possuem algum problema emocional de ordem emergencial e que
por isso devem ser atendidas rapidamente pela psicologia. Tão rápido que numa das ocasiões chamaram o serviço de
psicologia no momento em que a paciente devia estar na sala de parto, na mesa de cirurgia, visto que quando a
psicóloga subiu para vê-la, a mesma estava saindo da sala de parto. Nesse caso, o bebê nasceu morto e solicitaram o
serviço de psicologia para a paciente, sendo que aquele não era o momento adequado, o que imediatamente foi
sinalizado pela psicóloga e percebido também pela paciente.

Na verdade, nessas situações é esperado que as mães sofram, sendo necessário uma escuta e acolhida e, muitas vezes,
uma explicação, um esclarecimento do que está acontecendo ou do que aconteceu com a mãe e o bebê. Porém, por mais
importante que seja um apoio psicológico neste momento, outros profissionais também são (ou deveriam ser) capazes
de oferecer essa escuta e uma explicação, mesmo que breves.

Portanto, o que foi observado é que, diversas vezes, a demanda pelo atendimento era muito mais da equipe do que da
própria paciente, tendo em vista que várias vezes a psicologia foi ao encontro das pacientes e percebeu que elas não
sabiam que tinham solicitado o atendimento e que, segundo elas, estava ‘tudo bem’. Esse aspecto parece ter a ver com
uma certa dificuldade (ou defesa) que alguns profissionais possuem no lidar com o sofrimento do outro, entendendo que
o psicólogo, nesse caso, tem uma certa facilidade em ouvir o problema alheio, o que na verdade deve ser um exercício
para todas as áreas e não somente dever exclusivo do psicólogo. O que deve ser ressaltado aqui é que cada profissão
possui uma escuta específica, cabendo ao psicólogo uma escuta diferenciada, ou seja, pautada na ‘interlocução’14 . Como
afirma Figueiredo (1997), “é preciso decantar as demandas. De um lado para esvaziá-las, desfazendo equívocos. De
outro, fazendo aparecer um dado novo (‘um a mais’), ou uma nova maneira de dizer” (p. 50)

Os grupos de enfermaria, como já relatado, auxiliavam bastante na promoção de um vínculo com as pacientes e
funcionavam como uma estratégia de atendimento que favorecia a todas, já que o tempo era curto para oferecer
atendimentos individualizados. Porém, os próprios grupos davam a opotunidade de emegirem casos isolados, os quais
eram atendidos individualmente de acordo com o interesse da paciente. Fatos interessantes ocorriam durante a minha
entrada na enfermaria, tais como: as expressões de espanto, de incógnita das pacientes, que antes de me apresentar
deviam pensar: ‘Quem é essa moça sem nada nas mãos?’ (várias me perguntavam porque não carregava nada nas
mãos). Pois é, muitas vezes, mesmo depois de me apresentar e perguntar como estavam passando, as pacientes pediam
para que eu trocasse o soro, levantasse a cama, reclamavam de dores, enfim, colocavam várias questões que não cabiam
a psicologia resolver diretamente, mas sim, fazê-las refletir sobre a possibilidade de chamar a enfermagem ou falar com
o médico. Muitas me perguntavam se eu trabalhava ali, mesmo estando com jaleco e crachá, o qual muitas vezes era
procurado para saber quem eu era. Certa vez uma paciente, querendo ir ao banco de leite, me perguntou: ‘A senhora
quer alguma coisa comigo?’ e eu questionei: ‘Como assim alguma coisa com você?’ e aí ela disse: ‘Eu quero saber se a
senhora quer saber alguma coisa de mim, me fazer alguma pergunta, pois eu quero ir ao banco de leite’. Então disse a
ela que ficasse a vontade, pois não estava ali para fazer perguntas, mas para ouvi-las.

Em relação aos grupos de mães, utilizado como intervenção da psicologia na UN, pode-se dizer que atingiu, mesmo que
parcialmente, o objetivo de implicar os profissionais na relação com as famílias que possuíam bebês na UN ou na
enfermaria canguru. Digo parcialmente porque a enfermagem, assim como os demais profissionais, por motivos vários,
não puderam participar efetivamente dos grupos. Porém, sempre que possível, levava às pacientes até a equipe e
efetuava um dos papéis da psicologia, que é o de fazer o elo entre ambos. Portanto, acredito também que o tempo de
estágio foi curto diante do tamanho das mudanças que se requisitava. Mesmo assim, penso que muitas questões
puderam ser, se não resolvidas, pelo menos levantadas e pensadas.

Além disso, acredito também ter sido o grupo de mães um momento de escuta, de trocas e um espaço onde pôde

14
Segundo Figueiredo (1997), o modelo psicológico se refere à ética da interlocução, pautada na ética da moral privada.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. 23
emergir o desejo das mães, ratificando uma real demanda por tal intervenção. Assim, pode-se dizer que o grupo de
mães, enquanto analisador, conseguiu, de modo geral, romper com aspectos já instituídos e promover algo instituinte.
Um desses instituintes acredito ter sido a possibilidade do serviço de psicologia estar atuando junto à equipe de follow-
up, através da participação das reuniões mensais para discussão de casos clínicos. Porém, a criação desse espaço não se
deu de uma hora para outra e sim através de um encontro com a equipe para discussão de tal possibilidade.

Num primeiro momento, a equipe de follow-up solicitou à psicologia atendimentos para alguns casos por ela
acompanhados no ambulatório, sendo explicado que a porta de entrada da psicologia é feita através do grupo de
recepção. Assim, o serviço de psicologia se disponibilizou a estar participando da discussão de casos clínicos, caso
houvesse esse momento entre a equipe de follow-up. Dessa forma, chegou-se a conclusão de que seriam feitas reuniões
mensais com a participação, além da psicologia, dos serviços de nutrição e serviço social e que seriam disponibilizadas
cinco vagas nos grupos de recepção em psicologia, uma em cada grupo, para os casos de follow-up, ou seja, tais casos
seriam encaminhados para o grupo de recepção, que é a porta de entrada única do serviço, na primeira semana de cada
mês, quando ocorre o agendamento dos grupos. O mais importante dessas reuniões era a oportunidade de construir uma
equipe transdiscipinar, onde os diferentes saberes dialogavam para alcançar uma meta única. Infelizmente, participei de
poucos encontros, pois logo o meu estágio chegou ao fim, mas espero que o trabalho tenha continuado e,
principalmente, aprimorado por todos.

Outras questões foram observadas durante o estágio, as quais penso serem importantes para refletir em qualquer
momento da profissão. Uma delas diz respeito à dificuldade que alguns profissionais possuem de se dirigir aos demais,
principalmente ao médico, talvez devido ao já relatado poder instituído no hospital dessa categoria profissional. É
impressionante como as pessoas não conseguem perceber – ou até sabem disso, mas é difícil realmente colocar em
prática – que o bom relacionamento da equipe só tem a trazer bons resultados para todos. Porém, o que percebe-se o
tempo inteiro é uma disputa de saberes, de lugares que são ocupados (ou desejam ser). Isso era muitas vezes revelado
pelos olhares indiscretos para o crachá que diz quem você é em determinado espaço, que lugar você ocupa, o que pode
prolongar, encurtar ou até mesmo cessar um diálogo a princípio estabelecido.

Foi interessante também notar a hierarquia entre as profissões dentro da unidade. Um exemplo dessa hierarquia parecia
ser o fato dos prontuários serem colocados em determinada ordem pela equipe de enfermagem de modo que quando os
médicos chegassem para atender, já estivessem todos na disposição correta. Até entendo que isso facilita o trabalho da
equipe, mas notava que quando eu precisava fazer alguma anotação no prontuário e aproximava-me dos mesmos
dispostos sobre o balcão, olhares apreensivos se dirigiam a mim, talvez com receio de que eu retirasse da ordem em que
estavam.

Dessa forma, acredito ser a falta de comunicação um dos grandes problemas encontrados numa instituição de saúde,
seja pelo fato da dificuldade de se relacionar com a equipe, pela troca de plantões, o que dificulta encontrar o
profissional para algum esclarecimento ou até mesmo por ser a comunicação feita basicamente via prontuários, os quais
nem sempre são lidos devido a correria da rotina diária do serviço. Com isso, acaba-se tendo uma visão
compartimentada do paciente e não uma visão do todo, englobando o físico, mental e social. Além disso, não é somente
a comunicação entre a equipe que é precária, como também a comunicação entre a equipe e as pacientes, que muitas
vezes tomam medicação sem saber o que têm e com ‘medo’ de perguntar, delegam à equipe o domínio de seu corpo, se
colocando literalmente na posição de pacientes, passivas e sem voz.

Durante o período de estágio na unidade, todas solicitações feitas à psicologia foram regis tradas nos prontuários, assim
como também os grupos de enfermaria e os grupos de mães. Certa vez, uma paciente que ainda não havia recebido o
resultado de HIV, solicitou-me, junto ao marido, que só recebesse o resultado ao lado dele ou de algum membro
fami liar. Sendo assim, registrei tal pedido no prontuário da paciente e comentei também com a equipe de enfermagem
do dia, sendo informada de que escrever no prontuário era a mesma coisa que nada, pois ninguém perde tempo olhando
o que o outro escreveu. No entanto, no dia seguinte, fui abordada pela paciente e informada de que já havia recebido o
resultado e que o médico o fez na presença do marido. Coincidência ou não, tudo indica que o médico leu e atendeu a
minha solicitação, o que significa que à toda regra existe uma exceção ou será que à toda exceção existe uma regra?
Bem, o importante é fazer o registro, ou melhor ainda, se possível, procurar o profissional responsável e discutir o caso,
acreditando sempre no poder da boa comunicação entre a equipe. Isto porque uma boa comunicação entre a equipe só
tem a trazer benefícios aos pacientes, ao qual deve ser garantido o bem estar não somente físico como também
psicológico e social.

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Por fim, uma das questões, talvez a mais importante, que me acompanhou durante todo o percurso (e me acompanha até
hoje), não somente de estágio na unidade, como também da graduação de psicologia, diz respeito a imagem feita do
psicólogo pela sociedade como um todo. Muitos dizem que ir ao psicólogo é ‘besteira’, ‘coisa de maluco’ ou ‘pura
frescurice’, ‘coisa de gente rica’. Particularmente, penso que, de modo geral, nem mesmo os próprios psicólogos sabem
exatamente definir o seu papel. Porém, o estágio na unidade pôde me ajudar bastante nessa empreitada, pois tive que
demarcar um lugar na maternidade, o que ocorreu através dos atendimentos individuais solicitados pela equipe, dos
grupos de enfermaria, dos grupos de mães ou até mesmo das conversas nos corredores.

Portanto, constatei que o papel do psicólogo ainda não estava bem delineado dentro da maternidade. Porém, acredito ser
necessário que nós, profissionais da área, estabeleçamos uma imagem e demarquemos um espaço em qualquer local de
atuação (hospital, escola, empresa, etc.), esclarecendo os nossos limites e possibilidades enquanto psicólogos. Quanto à
atuação na unidade em questão, posso dizer que consegui demarcar esse espaço, o que de certa forma me deixou
surpresa, pois quando percebia que a minha presença era notada – quando, por exemplo, minhas solicitações feitas nos
prontuários eram correspondidas – pensava: ‘Como é que eu consegui isso? O meu trabalho está realmente sendo
notado?’. Pois é, talvez essa surpresa tenha sido pelo fato de não acreditar que tenha conseguido ir contra ao instituído,
cuja força não pensava ser capaz de vencer.

R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ALTOÉ, S. Infâncias perdidas: o Cotidiano nos Internatos-Prisão. Rio de Janeiro: Xenon Ed, 1990.

2. BRAGA, N. de A. & MORSCH, D. S. Os primeiros dias na UTI. p. 51-68 In: MOREIRA, M. E. L.; BRAGA, N. de
A.; MORSCH, D. S. (Orgs.). Quando a vida começa diferente: o bebê e sua família na UTI Neonatal. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 2003.

3. CARVALHO, M. de. Prefácio. p. 9-11 In: MOREIRA, M. E. L.; BRAGA, N. de A.; MORSCH, D. S. (Orgs.).
Quando a vida começa diferente: o bebê e sua família na UTI Neonatal. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2003.

4. FERREIRA, A. B. de H. Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa. 11ª edição. Rio de Janeiro:
Civilização brasileira S/A, 1967.

5. FIGUEIREDO, A. C. Vastas confusões e atendimentos imperfeitos: a clínica psicanalítica no ambulatório


público. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1997.

6. FREUD, S. Sobre o narcisismo. Obras completas de Sigmund Freud. Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
HASSANO, A. Y. S. O por quê do nome Comitê de atenção integral ao desenvolvimento e reabilitação e não Comitê de
“Follow-up” de recém-nascido de risco. In: SOPERJ: Boletim informativo. v. IV, n. 6, p. 1-4, 2003.

7. LAMY, Z. C. Metodologia canguru: facilitando o encontro entre o bebê e sua família na UTI Neonatal. p. 141-156.
In: MOREIRA, M. E. L.; BRAGA, N. de A.; MORSCH, D. S. (Orgs.). Quando a vida começa diferente: o bebê e
sua família na UTI Neonatal. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2003.

8. LAMY FILHO, F. A equipe da UTI Neonatal. p. 107-116. In: MOREIRA, M. E. L.; BRAGA, N. de A.; MORSCH,
D. S. (Orgs.). Quando a vida começa diferente: o bebê e sua família na UTI Neonatal. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 2003.

9.LAPASSADE, G. Socioanálisis y Potencial Humano. Madrid: Gedisa, 1980.

10. LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J-B. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins, 1991.

11. LOURAU, R. Objeto e método da Análise Institucional. In: Pour. n. 32, p. 01-18, 1973. Retomado na Coletânea El
Análisis Institucional, Madrid: Campo Abierto, 1977.

12. SAIDON, O. & KAMKHAGI, V. R. Análise Institucional no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1987.

13. SCOCHI, C. G. S.; MELLO, D. F. de; MELO, L. de L. e GAÍVA, M. A. M. Assistência aos pais recém-nascidos
pré-termo em unidades neonatais. In: Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 52, n. 4, p. 495-503, out./dez,
1999.

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14. ZIMERMAN, D. A contribuição da dinâmica grupal na prevenção da violência na adolescência e nas comunidades.
p. 213-226. In: LEVISKY, D. L. (Org.). Adolescência e violência: ações comunitárias na prevenção “conhecendo,
articulando, integrando e multiplicando”. São Paulo: Casa do psicólogo/ Hebraica, 2001.

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Recebido em 01/06/2006
Aprovado em 30/07/2006

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ATENDIMENTO DIGNO NA TERMINALIDADE DA VIDA – CASO J.K.L1
Marta Betania C.T. Luzete 2

O paciente terminal é aquele paciente que se encontra em fase terminal de uma doença, sem possibilidade de cura. Sua
doença está em fase progressiva e irreversível. Ele não responde mais a nenhuma medida terapêutica conhecida e tem
alta probabilidade de óbito.

A ênfase de seu atendimento não é mais o curar e sim o cuidar. “A meta principal de cuidados paliativos é proporcionar
o máximo de conforto possível, dentro da vida remanescente do doente, dando ênfase ao controle adequado dos
sintomas e aos aspectos emocionais, afetivos, sociais e espirituais e familiares do paciente” (4).

Toda a equipe que o atende (médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais, etc.) deve estar
consciente dos direitos do paciente terminal (5), dentre os quais destaco o direito à esperança, e estar “bastante
familiarizada com os estágios pelos quais ele passa” (1). Estes estágios são:

• Negação e Isolamento
• Raiva ou Revolta
• Barganha
• Depressão
• Aceitação.

Eles foram descritos por Elisabeth Kübler-Ross, em seu livro Sobre a Morte e o Morrer (10), e acontecem a partir do
momento em que o paciente recebe a notícia de que tem uma doença potencialmente mortal. Estes estágios podem ”se
intercalar e repetir durante todo o processo da doença” (1).

Para exemplificá-los, criei o caso de um paciente que chamo J.K.L., de 24 anos, que é hemofílico e contraiu o vírus da
AIDS numa transfusão de sangue contaminado. Em cada um dos estágios, apresento o comportamento de J.K.L. e a
atuação da equipe interdisciplinar, cujo trabalho visa encorajar sua esperança e proporcionar-lhe a melhor qualidade de
vida possível.

Negação e Isolamento

J.K.L. é informado que o resultado de seu exame mostra que ele é soropositivo. Ele recusa-se a acreditar. Sua primeira
reação, após a revelação, é negar o diagnóstico:

- Não é possível!
- Isto não pode ser verdade.

Ele acredita que houve engano e resolve refazer o exame, procurando outro laboratório e outro médico. Novamente, há
a comprovação de que ele é soropositivo. Ele não aceita o diagnóstico:

- Não, isto não pode acontecer comigo. Deve haver um engano. Eu não sinto nada. Estou sadio.

O médico procura tranqüilizá-lo, prestando informações sobre a doença e seu tratamento.

1
Trabalho produzido durante o Curso Virtual Psicologia Hospitalar e da Saúde, ministrado pela psicóloga Susana Alamy.
2
Psicóloga formada pelo Uniceub em Brasília. Pedagoga.

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“Para a melhor qualidade de vida possível durante uma doença fatal, é fundamental a comunicação aberta e honesta
entre o paciente e seu médico sobre as preferências relativas ao tratamento no final da vida. O médico deve apresentar
ao paciente um quadro realista no que diz respeito às possibilidades de recuperação e de incapacitação durante e após
várias opções de tratamento e o paciente informará ao médico e a sua família o que ele deseja ou não enfrentar.” (11)

O médico também dá esperanças a ele, explicando que “estar soropositivo é diferente de estar doente de AIDS pois o
soropositivo não apresenta nenhum sintoma de AIDS (é assintomático), pois o seu sistema imunológico está bem.[...] O
portador do HIV pode ficar assintomático em média 10 anos e, em raros casos, pode ser que ele nunca venha
desenvolver o quadro de AIDS“. (8)

J.K.L. é encaminhado ao serviço de Psicologia do hospital. É atendido pela psicóloga, mas tende a retrair-se, recusando
falar sobre a doença. Ela procura acolhê-lo e compreendê-lo e não o recrimina. Dá-lhe tempo para elaborar suas idéias.

Depois que o paciente informa à família sobre o seu diagnóstico, a assistente social entra em contato com os familiares
para orientá-los quanto aos cuidados a serem tomados e para esclarecê-los quanto aos estágios pelos quais J.K.L.
passará neste processo de adoecimento. Realça a importância do apoio e do carinho dos familiares para que o paciente
tenha uma melhor qualidade de vida.

Raiva ou Revolta

Quando J.K.L. começa a sentir os sintomas decorrentes da AIDS e tem que enfrentar a doença, ele fica revoltado e
expressa sua raiva agredindo a todos ao seu redor.

“A revolta é acompanhada da tentativa de achar um culpado para sua situação [...] exceto ele próprio” (9)

Ele culpa o hemocentro e o hospital pela contaminação:

- Que tipo de hospital é este, que tem um hemocentro irresponsável que não averigua a qualidade do sangue que
recebe? Só mesmo num país subdesenvolvido como o nosso é que ainda acontece isto! Nos outros países, desde 1985,
isto não ocorre mais.

Todos os profissionais de saúde são orientados a não reagir quando são agredidos, pois sabem que aquela hostilidade
não se dirige a eles e sim representa uma defesa do doente.

J.K.L. joga praga na pessoa que doou o sangue contaminado, dá murros nas paredes, reclama do atendimento recebido,
explode frente a todos que lhe pedem que fique calmo:

- Este hospital é uma droga mesmo. Olha o tempo que a gente leva para ser atendido!
- E não me venha pedir paciência!

O médico é empático e atencioso.

A psicóloga é receptiva. Procura escutá-lo e favorece a expressão de seus sentimentos e emoções sobre o tratamento e a
doença. Auxilia-o a lidar com estes sentimentos, sabendo que a exteriorização da raiva é importante porque “contribuirá
para melhor aceitar as horas finais” (1).

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. 28
Ela atua também junto à equipe de saúde para minimizar-lhes o stress e conscientizá-los da importância de ser
acolhedor. Faz um trabalho especial com a equipe de enfermagem enfatizando a importância de atender o paciente com
presteza e não demonstrar preconceito quanto à AIDS.

A terapeuta ocupacional começa um trabalho de artes com J.K.L., para que ele expresse suas emoções de forma não-
verbal.

“Para Elisa Maria Perina, psicóloga, [...] presidente do Centro de Estudos e Aconselhamento em Tanatologia, a arte tem
grande valia não só para o doente terminal como para qualquer outro. ‘Ao trabalhar com a subjetividade e outros
estados mentais do paciente, ela melhora efetivamente o seu sofrimento. O paciente terminal, por sua vez, tem um
potencial criativo muito grande, que pode contribuir de maneira significativa para a sua recuperação’.” (2)

O doente grita com seus pais, culpando-os pela doença genética:

- Que droga de família que eu fui nascer! Se não fosse por causa de vocês eu não teria hemofilia e agora não estaria
com esta doença. Vocês são os verdadeiros culpados.

Os familiares freqüentam sessões de psicoterapia individual, para aliviar o stress causado pela doença do seu ente
querido, e sessões de terapia familiar, para encontrarem uma melhor maneira de conviverem e de se comunicarem. O
médico atende aos pais para informar-lhes sobre o tratamento de J.K.L. e tirar suas dúvidas. A informação dá
segurança e faz com que a família ancore suas esperanças na realidade.

O paciente culpa a Deus por sua doença.

- Por que eu? Por que Deus está me dando este sofrimento?

O pessoal da pastoral da saúde ouve o que ele tem a dizer, demonstrando respeito pelo seu sofrimento.

Barganha

J.K.L. percebe que sua doença é incurável e apela para Deus, fazendo promessas , na esperança de ganhar mais alguns
dias de vida:

- Senhor tende piedade de mim! Dá-me mais um mês de vida e eu me dedicarei aos pobres e doentes.

Cada vez que o prazo pedido na barganha é alcançado, o sentimento de culpa se intensifica e novas promessas são
feitas, geralmente impossíveis de serem cumpridas.

- Deus, me cure! Eu prometo que vou criar uma associação para atendimento de pessoas com vírus da AIDS em todo o
Brasil.

Na terapia, ele vai perceber que, pela barganha, não há controle da doença e que o circulo vicioso da troca de promessas
por saúde só alimenta o sentimento de culpa. Através do auto-perdão, o paciente aprende a se amar e se aceitar,
assumindo responsabilidade pela sua vida e lutando por ela.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. 29
Neste momento, a presença de um sacerdote, pastor ou membro de outro credo é importante para que o paciente possa
conversar sobre seus aspectos espirituais.

Depressão

J.K.L. começa a mostrar tristeza, desânimo, fadiga e sentimento de perda. Sofre com o afastamento das pessoas,
progressão da doença, limitações impostas pela hospitalização, não tem apetite e tem insônia. Sente-se fraco e diz:
- Eu não consigo enfrentar esta doença. Estou fraco. Não agüento mais. (E chora)
-Eu vou morrer mesmo. Então, não preciso fazer tratamento.

O psicólogo é atencioso e empático. Procura fortalecer a sua auto-estima, aumentando assim sua
autoconfiança. Estimula-o a participar da terapia de grupo para compartilhar sua dor com pessoas que passam pelo
mesmo drama e que podem ter desenvolvido estratégias positivas para superar o preconceito e o adoecer.

O fisioterapeuta faz sessões de RPG, pois este tratamento “melhora a disposição, rendimento e bem estar físico e
mental; alivio das dores e tensões musculares, [...]; evita e combate o estresse [...]; melhora a qualidade do sono devido
ao relaxamento adquirido; [...]; auxilia no tratamento da depressão.” (12)

A terapeuta ocupacional faz um trabalho de expressão musical com J.K.L. para melhorar o ânimo, elevar sua auto-
estima e promover sua integração social. “A música permite alcançar muitos níveis da consciência, agindo como
catalisadora de emoções profundas, podendo dar suporte à comunicação tanto verbal quanto não-verbal” (6)

Quando está com a família, J.K.L. olha tristemente para eles e diz:

- Eu não podia estar fazendo vocês sofrerem tanto.

A família é estimulada a expressar seu carinho pelo paciente através de palavras e pelo toque: um carinho, o beijo ou o
abraço. O contato com os parentes e amigos é estimulado para diminuir a sensação de isolamento, de rejeição ou
abandono. Os familiares são atendidos pela psicóloga para aprender a lidarem com o sofrimento causado pela doença e
sentimento de perda do ente querido.

Aceitação

Gradualmente, J.K.L. aceita a morte e não se desespera. Aceitar a morte não significa perder a esperança de vida, nem
se acomodar diante da morte. Quer dizer que, agora, não há mais temor nem angústia diante dela. Há paz e
tranqüilidade.

O sacerdote dá a benção dos enfermos e o evangeliza mostrando que a morte não é o final da existência, mas a
passagem para a vida eterna.

- Eu não tenho mais receio de dormir todas as noites me preocupando se estarei vivo no dia seguinte. Eu não tenho
mais medo de morrer.

Nesta fase, os familiares precisam ser atendidos pela psicóloga para aprenderem a lidar com a perda e o luto.

J.K.L. mostra-se mais silencioso, encontra a paz. Exprime seu último desejo na vida, que é morrer em casa. Todos

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concordam.

Esperança: a âncora da Vida

A esperança está presente em todos os estágios e é a força que o paciente tem para suportar a dor da enfermidade e da
internação. Nunca se deve retirá-la, mas também não se deve dar falsas esperanças. A esperança tem que ser real.

O médico americano, Dr Jerome Groopman , que há trinta anos trata de pacientes vítimas de câncer e é autor do livro A
Anatomia da Esperança, disse, em entrevista à revista VEJA que:

“A esperança não cura, mas pode dar ânimo ao paciente para que ele continue a lutar pela sua melhora. Ela inspira
coragem para superar o medo durante um processo difícil de tratamento. Há dados que mostram que os pacientes
esperançosos recuperam mais rapidamente a saúde e têm uma taxa de sobrevida maior. Ela também tem a função de
colocá-lo como árbitro final de seu destino. É da esperança que ele tira a energia para continuar tentando, mesmo
quando sabe que são poucas as possibilidades de sobrevivência”. [...] “Um paciente esperançoso e confiante pode viver
mais ou não. Mas, pelo menos vive melhor consigo próprio. E essa é uma ótima razão para ter esperança“ (7).

As pessoas que acompanham o paciente devem ter em mente que não se deve demonstrar desesperança, quando a
esperança for essencial para o doente, nem se deve agarrar à esperança quando o paciente não precisa mais dela. Neste
momento em que o paciente deixa de apresentar sinais de esperança, geralmente, é porque está prestes a morrer.

Conclusão

Concluo este trabalho com uma mensagem dos Médicos Pediatras Especialistas do Departamento de Pediatria do
Hospital do Câncer (3):

“Os limites do cuidar são mais amplos que o do curar. Sempre é possível cuidar de uma pessoa doente, embora nem
sempre se possa curar a doença naquela pessoa. É nesta realidade que surge os cuidados paliativos como opção, talvez a
única opção digna, para pacientes sem possibilidades terapêuticas. A guerra pela cura está perdida, mas na guerra do
cuidar devemos sempre ser vitoriosos”.

Referências Bibliográficas:

1. ALAMY, Susana. Paciente terminal e equipe interdisciplinar. In: ALAMY, Susana, Ensaios de Psicologia
Hospitalar: a ausculta da alma. Belo Horizonte: [s.n.], 2003. p.209-214.

2. A.R.F. A arte de curar: Simpósio enfoca importância do lúdico na recuperação de enfermidades. Jornal da Unicamp.
Campinas, Unicamp, Dez 1999, pg 9.
Disponível em: <http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/dez99/pagina9-Ju148.html>
Acesso em: 01 jun 06.

3. CAMARGO, Dra. Beatriz de; FURRER, Dra. Anamaria Arbo; LOPES, Dr. Luiz Fernando;. Aspectos da
humanização no tratamento de crianças na fase terminal.
Disponível em: <http://www.hcanc.org.br/outrasinfs/ensaios/hum1.html>
Acesso em: 03 jun 06.

4. CARVALHO, Mara Villas Boas de. Paciente com prognóstico reservado. In: Associação Brasileira de Cuidados
Paliativos , 17/6/2002 Seção Artigos científicos.
Disponível em: <http://www.cuidadospaliativos.com.br/artigo.php?cdTexto=30>
Acesso em: 14 jun 2006.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. 31
5. DHNET - Rede Direitos Humanos e Cultura. Direitos do Paciente Terminal. Texto resultado de um seminário sobre
Paciente Terminal, como Ajudá-lo, em Lansing, Michigan, EUA in:- PESSINI, Padre Leocir. Bioética.
Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/saude/paciente_terminal.html>
Acesso em: 7 jun 2006.

6. GONÇALVES, Lizandra Maia. Com palavras não sei dizer: a musicoterapia em cuidados paliativos. Monografia
(graduação em Musicoterapia) Conservatório Brasileiro de Música. Orientador: professora Marly Chagas, 2001.
Disponível em:
<http://64.233.179.104/search?q=cache:r6sXbwbqIrwJ:www.artesdecura.com.br/revista/musicoterapia/monog_lizandra
.pdf+arte+%2B+terapeuta+ocupacional+%2B+paciente+terminal&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=40>
Acesso em: 02 jun 05.

7. GROOPMAN, Jerome. O remédio da esperança. VEJA. Edição 1873, de 29 set 2004. Entrevista concedida a Anna
Paula Buchalla.
Disponível em: <http://www.medicinaintensiva.com.br/veja-terminalidade.htm>
Acesso em: 14 jun 2006.

8. INSTITUTO EXÈRCITO DE CRISTO O que é soropositivo?


Disponível em: <http://www.inec-aids.org.br/sobre/soro.htm>
Acesso em: 08 jun 06.

9. JACQUEMIN, André e MOURA, Ludmila de. Aspectos psicossociais da Síndrome da ImunoDeficiência Adquirida.
Rev. Saúde Pública. São paulo: Apr. 1991, vol.25, no.2, p.159-162.
Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
89101991000200012&lng=en&nrm=iso>
Acesso em: 30 maio 06.

10. KÜBLER-ROSS, Elizabeth. Sobre a morte e o morrer. São Paulo, Martins Fontes, 1998.

11. MERCK SHARP & DOHME. Manual Merck : capítulo 4 - Morte e Processo de Morte.
Disponível em: <http://www.msd-brazil.com/msdbrazil/patients/manual_Merck/mm_sec1_4.html>
Acesso em: 02 jun 06.

12. NÚCLEO DE TERAPIAS Uma boa saúde é o resultado do equilíbrio entre o yin e o yang. Jornal A Tribuna Mato
Grosso: Coluna Bem Estar. Rondonópolis, 15/09/2004.
Disponível em: <http://www.atribunamt.com.br/?f=ver_noticia&id=7507>
Acesso em: 06 jun 06.

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Recebido em 15/06/2006
Aprovado em 15/07/2006

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. 32
OS ESTÁGIOS DA DRA. E. KÜBLER-ROSS1 E A ANÁLISE DE UMA PSICÓLOGA
O CASO DINHA
Delma Matoso Tarbes Vianna2

Tocou a campainha, quando abri, estava em minha frente uma pessoa com semblante assustado, tenso que ao ver-me
caiu em pranto. Entrou sem explicações, trancou-se no banheiro, de fora eu podia escutar seu choro. Depois de algum
tempo, abriu a porta, eu não conseguia entender o que estava acontecendo. Interroguei várias vezes, e com muita
dificuldade e sem conseguir conter o choro, disse que estava vindo de uma consulta médica, e que este tinha feito
alguns pedidos de exame, nos quais constavam suspeita de cid....e que ela sabia que aquele cid significava câncer.
Contestei alegando que podia estar enganada, ela afirmava que não, pois trabalhou no (INSS) e sabia do que se tratava.
O seu discurso era impregnado de raiva, revolta e indignação, pois alguns meses antes, numa consulta de rotina, haviam
detectado um caroço no seio e o médico disse não se tratar de nada grave.

Estágio da Raiva - Onde o paciente encontra na revolta a maneira de expor sua dor e medo.

O psicólogo nesse momento pode aconselhar a família a deixar o paciente expor a sua revolta. É a forma que ele
encontra para lidar com a sua angustia. O alívio emocional ajuda a enfrentá-la, serve como desabafo.

Sentia impotente sem saber como agir, o que falar, comecei a abraçá-la e as palavras vinham soltas. Lembro de dizer
que se fosse confirmado precisaríamos ser fortes e que seu estado emocional era de grande importância naquele
momento. Eu também sofria muito. Depois de alguns momentos ela se tranqüilizou, mas parecia ausente e sua postura
me assustava. Começou a agir como se tudo que disse anteriormente fosse um sonho, ou melhor, um pesadelo.
Conversava alegremente, contava casos, outras pessoas chegaram e ela continuava a conversar. Enquanto falava, fazia
planos e não voltou ao assunto.

Estágio da Negação - O “não dizer” significa nessa hora “não existir”.


Ela não se isolou. Mas fica claro, que nesse estágio, está à procura dela mesma, da sua vida antes dessa perda. Ela só
se sente segura vivendo como antes da doença. Enfrentar a realidade a que se viu imposta é para ela o mesmo que
aceitar a morte.

O psicólogo poderia ajudá-la a adotar um novo comportamento, estruturar novamente sua forma de pensar.
Mostrando que adiando a hora de enfrentar a realidade, não a faz menor nem a elimina. Pode sugerir a freqüentar
algum qrupo de apoio.

No dia da consulta, a médica examinou os resultados dos exames, fechou o envelope, e se dirigiu a ela: “Você está com
um tumor maligno”. Ela começou a chorar e a médica continuava o seu discurso: “pelo tamanho o procedimento é a
mastectomia total”.

O choro ficou mais forte e eu mal conseguia conter o meu, mas era como se eu não estivesse ali. Ela se aproximou e
continuou a dizer que não adiantava chorar e se tudo corresse bem, futuramente seria possível fazer uma reconstituição.

Os meses foram passando seguidos de muita dor e luta. Os procedimentos para se tratar de um câncer, ferem fundo. Ela
era muito forte e determinada e assim continuou.

Às vezes, fazia planos, falava do que iria fazer quando curasse e dava-nos conselhos de como viver a vida.

1
Descritos no seu livro Sobre a Morte e o Morrer.
2
Aluna do 4º. período de Psicologia na Universidade Veiga de Almeida/RJ.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. 33
Estágio da Barganha - Existe nessa hora a busca do bem estar, e o paciente negocia, faz tudo que for preciso para sair,
superar essa doença. Os conselhos de como viver, significam “se eu tiver outra chance, prometo levar uma vida
diferente”.

O psicólogo deve ouvir deixar sonhar e planejar uma vida melhor. Chamar o paciente à realidade é agredir ainda mais
quem já está vitimado por tanta dor.

Mas, algum tempo depois infelizmente veio a metástase.

Ela havia chegado de uma excursão aos EUA, mancava e dizia que sentia apenas dores na coluna.

Demorou a marcar uma consulta. Os dias seguiram e seu humor alternava, tinha insônias.

Novamente recomeçou seu esforço na luta contra a doença, às vezes carregada de esperança, em outras ficava calada,
sem disposição.

Estágios da Negação e Depressão - Nesse estágio a doença e o tratamento são muito degenerativos.
Traz uma ambigüidade de sentimentos que dificultam ainda mais o paciente manter o mínimo de equilíbrio emocional.
Já convive com grandes perdas nessa fase mais avançada do câncer.

O psicólogo deveria atuar escutando esse paciente. Estabelecer um relacionamento onde os fatos sejam percebidos
dentro de uma realidade que possa ser alcançada, em outro nível de consciência. Mostrando que toda realidade é
frágil e tênue, podemos construí-la, transformá-la, sempre.

Iniciou uma série de tratamentos alternativos. Já fazendo uso da morfina, da muleta, insistia em levar uma vida normal.

Estágio da Barganha - A dificuldade em usar a muleta, a dor que a morfina pode diminuir, mas não passa
completamente, faço tudo para viver, faço a minha parte no tratamento e em troca vou levar uma vida quase normal. É
praticamente uma troca.

Ele está ciente do seu estado, essa hora lembra muito a esperança. Podemos entender barganhar como lutar para
viver, ninguém luta pela vida se não tem vontade de viver. Vontade de viver existe porque existe esperança.

Um dia chamou minha irmã, entregou-lhe seu testamento. Dez dias após, amanheceu indisposta, passou o dia com
pioras visíveis. Quando mais tarde, foi levada ao hospital, faleceu poucas horas após internada.

Estágio da Aceitação - O psicólogo precisa nessa hora acolher mais a família, pois ela tem dificuldades em lidar com
essa fase do doente.

Existe nessa hora um estado precário de aceitação da família.

Trabalhar a aceitação significa que embora a dor continue a existir podemos dar a ela um novo olhar, onde a angustia
é minimizada e o desconforto do momento suavizado.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. 34
A esperança é o lado bonito do sofrimento, se é que pode ser assim chamada. A minha "paciente" foi a pessoa mais
rica de vida e vontade de viver. A esperança nunca a abandonou. Lutou durante todo o tratamento sempre com fé e
determinação. Muitas vezes, ao vê-la tão disposta, eu também conseguia sentir a mesma esperança que teimava em me
abandonar.

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Recebido em
Aprovado em 30/07/2006

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VIH/SIDA E ESTIGMA
Vanina Ribeiro 1

SIDA (ou AIDS na nomenclatura inglesa e brasileira) é a abreviatura para “Síndrome da ImunoDeficiência Adquirida”.
É uma doença viral infecciosa para a qual não há cura, até à data. O VIH (ou HIV na nomenclatura inglesa), que
significa Vírus da Imunodeficiência Humana, é o vírus responsável pela doença. Que atacando o sistema imunológico,
torna o organismo susceptível a todo o tipo de infecções.

Um dos maiores inimigos na luta contra o VIH/SIDA têm sido o estigma e a discriminação, impedindo respostas
eficazes contra a epidemia: dificultando a prevenção de mais infecções, o fornecimento de cuidados, o apoio e
tratamento adequado, bem como o alívio do impacto da epidemia.

Segundo a ACORD (Organização Sul Africana envolvida na luta contra o VIH/SIDA), o estigma relacionado com o
HIV/SIDA é uma resposta negativa real ou percebida com relação a uma pessoa ou pessoas, manifestada por pessoas,
comunidades ou sociedade. Caracteriza-se por atitudes de rejeição, de recusa, de descrédito, de desconsideração, de
sub-valorização e de distância social. Levando frequentemente à discriminação e à violação dos direitos humanos das
pessoas infectadas e afectadas (familiares e amigos de pessoas infectadas; e pessoas que fazem parte de grupos
habitualmente associados ao VIH/SIDA). Resultando num tratamento injusto, sujeitando estas pessoas a sentimentos de
culpa, vergonha e ao isolamento social.

E, porque o VIH está, muitas vezes, associado à “comportamento imoral” e promiscuidade sexual, as pessoas com VIH
são muitas vezes culpabilizadas pela sua condição e recusa-se-lhes a simpátia e apoio dado às pessoas com outra
doenças que ameaçam a vida.

Na origem do estigma estão envolvidos diversos factores como:

• o desconhecimento à respeito dos conceitos de VIH e de SIDA;

• a falta de informação acerca das formas de transmissão e de prevenção face ao VIH;

• mitos e conceitos errados acerca da transmissão do VIH, que estão relacionados com o sexo pago, uso de drogas, e
também de actividades tabú, como as relações sexuais pré-matrimoniais ou entre pessoas do mesmo sexo, ficando a
ideia de que só estes podem contrair a doença;

• não haver, até à data, cura para a doença;

• receios relacionados com a doença e a morte;

• ensinamentos religiosos;

• ausência de sanções legais perante situações de discriminação;

• falta de sensibilização sobre os direitos humanos;

1
Psicóloga na área de Clínica, Angola/África.

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• cobertura irresponsável e/ou imprecisa da comunicação social.

Deste modo, factores como falta de conhecimento acerca dos meios de transmissão da doença, questões culturais,
ensinamentos religiosos e tabús em volta da sexualidade, contribuem para a manutenção do estigma e descriminação
associados ao VIH/SIDA.

O estigma e a descriminação contra pessoas infectadas e afectadas ocorrem em vários contextos, partindo da família
para o local de trabalho até à comunidade em geral, constituindo uma clara violação dos seus direitos. Na família estas
pessoas enfrentam tratamento injusto com ocorrência de frases e comportamentos de abandono e de falta de cuidados.
Elas são também excluídas, de festas e reuniões comunitárias. Os filhos de pessoas vivendo com o VIH/SIDA são,
muitas vezes, sujeitos a provocações cruéis na escola e são excluídos dos jogos e da interação social com os seus
colegas.

Nos locais de trabalho podem não ter acesso à benefícios como progressão na carreira, promoções e oportunidades de
aprendizagem e em casos extremos serem despedidas. No seio da comunidade, as famílias com membros infectados
podem tornar-se assunto de discussão em encontros sociais, fazendo com que a família se sinta isolada socialmente e
envergonhada.

Além de serem socialmente excluídas e marginalizadas, às pessoas vivendo com VIH são sistematicamente recusados
os seus direitos humanos básicos, tais como o direito à saúde, habitação, educação e protecção do emprego.
Manifestando-se, claramente os receios por parte das pessoas sadias na convivência com pessoas infectadas e afectadas,
optando, infelizmente, por um afastamento em relação a estas. Este afastamento físico e evitamento social repecurte-se,
obviamente num afastamento psicológico, gerador de tensões nestas pessoas afectadas, ainda mais marginalizadas pois
agora constituem “um foco de infecção”.

As implicações psicológicas podem ter consequências poderosas quanto ao modo como as pessoas se vêm a si próprias,
levando nalguns casos à depressão, à falta de autoestima e ao desespero. Também, prejudicam a prevenção ao
contribuírem para que as pessoas tenham medo de procurar saber se estão ou não infectadas , ou mesmo de usarem o
preservativo por medo de serem “rotuladas” de VIH-positivo.

Em consequência disto, aqueles que correm o risco de adquirir a infecção e alguns dos já infectados continuam a
praticar sexo desprotegido, na crença de que comportando-se de um modo diferente poderiam levantar suspeitas acerca
do seu estado de positividade para o VIH. Além disso, aqueles que estão infectados podem recusar o tratamento ou
recusar admitir o seu estado de positividade, com receio de sofrerem discriminação dos outros.
O estigma e a descriminação não são aceitáveis. Silenciam indivíduos e comunidades e levam a que as pessoas evitem
fazer o teste, não procurem informação ou não revelem o seu estado de seropositividade.

São necessárias leis que protejam os direitos de pessoas vivendo com VIH/SIDA, mas estas devem ser apoiadas por
outras medidas, tais como:

• o fornecimento de informação não viciada e fidedigna para dissipar mitos e esteriótipos ligados ao VIH e SIDA;

• o maior envolvimento de pessoas vivendo com o vírus na elaboração e implementação de respostas a todos os
níveis;

• o apoio para as associações de pessoas vivendo com o VIH/SIDA para promoverem a solidariedade e ajuda mútua;

• a formação de conselheiros nos locais de trabalho e comunidade, para fornecerem informações correctas acerca do
VIH/SIDA;

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• o aumento do acesso ao tratamento, testagem e outros serviços;

• o aumento de sensibilização ao VIH para os professores, trabalhadores de saúde e outros fornecedores de serviços,
bem como para a comunicação social, igreja e funcionários governamentais locais;

• o aumento da colaboração e da rede de articulação entre as organizações de base comunitária, agênciais nacionais e
internacionais para desenvolver estratégias integradas e complementares para combater o estigma e discriminação
relacionados com o VIH/SIDA.

Assim, apoiar moral, social e materialmente (se necessário for) as pessoas infectadas e afectadas, bem como o facto de
falarmos abertamente e de forma correcta sobre o VIH/SIDA, suas formas de transmissão e de prevenção, permite a
redução dos mitos e dos preconceitos, favorecendo a adopção de comportamentos mais seguros e um maior
envolvimento das pessoas vivendo com o vírus na protecção à sua saúde e dos outros.

Lembre-se de que qualquer pessoa pode contrair o VIH. Não existem grupos de risco (noção de que determinados
grupos da população estão mais propensos à contaminação por VIH do que outros), mas sim comportamentos de riscos
(atitudes que colocam as pessoas em contacto com as principais vias de contágio - esperma, secreções vaginais e
sangue). Pode proteger-se evitando ter vários parceiros sexuais, usando o preservativo em todas as relações sexuais
ocasionais, não usando objectos cortantes e perfurantes como agulhas, láminas e seringas, já utilizados por outros.

Para reflexão: “Como gostaria de ser olhado/tratado se contraísse o VIH?”

Bibliografia

1.Guerra, M. P. (1998). Sida. Implicações psicológicas. Lisboa: Fim de Século.

2. (Sem autor) Estigma e Discriminação.


Disponível em: <http://www.ssm.gov.mo/design/NEWS/sida2002/p_wac2002.htm>. Acesso em: Março 2006.

3. Boletim Informativo da ACORD


Equipa Editora: Dennis Nduhura, Angela Hadjipateras, Ellen Bajenja & Amanda Onapito compilaram o boletim
informativo, com o apoio logístico de Paul Muhwezi.
Disponível em: <http://www.acord.org.uk/acord_newsletter_portugese.pdf>. Acesso em: Março 2006.

____________________
Recebido em 26/06/2006
Aprovado em 30/07/2006

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TÉCNICAS LÚDICAS DE INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA COM CRIANÇAS
SUBMETIDAS AO TRANSPLANTE DE MEDULA ÓSSEA1
Andréa Lino e Silva Cunha2
Patrícia Marinho Gramacho3

Resumo

O processo de hospitalização em Pediatria é particularmente significativo, uma vez que gera no desenvolvimento
cognitivo, psíquico e biológico da criança, uma quebra significativa. No caso de crianças submetidas ao Transplante de
Medula Óssea, o medo do desconhecido e os sentimentos referentes à situação de isolamento são intensificados pela
iminência de morte, pelos estressores ligados às diferentes fases deste procedimento e à qualidade de vida em TMO.
Este trabalho buscou verificar quais as técnicas lúdicas que poderiam servir como instrumento de intervenção do
psicólogo hospitalar neste contexto, tendo-se observado que – embora se enfrente condições intensas de confinamento,
angústia diante da espera, e isso tudo em meio a um ambiente frio dentro da Unidade de TMO – é possível oferecer um
atendimento humanizado e de qualidade para as crianças internadas, na tentativa de amenizar o sofrimento causado pela
própria doença. Os dados colhidos demonstraram que as condições emocionais da família na etapa prévia ao transplante
são fundamentais para a integridade psíquica tanto do paciente quanto de seu acompanhante durante a internação na
Unidade de TMO. A intervenção psicológica completa, envolvendo desde a avaliação prévia até o preparo para a alta,
se mostrou extremamente valiosa para atendimentos mais eficazes e bem-sucedidos.

Introdução

Na maioria das vezes, quando de sua concepção, formação embrionária e nascimento, o ser humano tem seu primeiro
contato com uma equipe de saúde através dos exames pré-natais, procedimentos de parto e puerpério e
acompanhamento pós-natal.

Algumas vezes, quando o indivíduo é acometido logo na primeira infância por uma doença
grave, este contato torna-se difícil e traumatizante, exigindo muito preparo, paciência e astúcia dos profissionais de
saúde para resolver problemas graves e amenizá-los ao máximo (Dulley, 2001).

No caso da criança com câncer, esta questão se torna ainda mais delicada, pois o processo de hospitalização traz
consigo uma sensação de abandono, em virtude da separação da criança doente de sua mãe (Chiattone, 2003).

A criança hospitalizada

Para proporcionar um desenvolvimento adequado da saúde mental infantil é necessário que tanto os bebês quanto as
crianças pequenas vivenciem uma relação calorosa, íntima e contínua com a mãe ou com alguma pessoa que faça esta
substituição; porém os profissionais de saúde parecem ainda não reconhecer isto como uma necessidade afetiva do
infante. As crianças privadas da figura materna, mesmo que parcialmente – como nos casos que embasarão o presente
estudo – sofrem um fracasso no desenvolvimento de sua personalidade, uma vez que a mãe (ou sua substituta) é a
responsável por transmitir dados essenciais para esse desenvolvimento (Chiattone, 2003). Assim, “a criança
hospitalizada apresenta uma ruptura nessa relação, podendo então apresentar graves deformações emocionais, físicas e
intelectuais” (Chiattone, 2003, p.28).

1
Artigo feito quando a autora era aluna da graduação e estagiária do Serviço de Oncologia Pediátrica do Hospital Araújo Jorge em
Goiás.
2
Psicóloga com atuação em psico-oncologia infantil e transplante de medula óssea. CRP GO 4325.
3
Psicóloga Clínica e Hospitalar. Chefe do Serviço de Psicologia da Associação de Combate ao Câncer em Goiás. Psicóloga na área
de psico-oncologia pediátrica do Hospital Araújo Jorge. Formação em psicanálise infantil e terapia corporal. Supervisora de estágio
na Universidade Paulista (UNIP), Campus Goiânia, e da Universidade Católica de Goiás. Professora do curso de pós-graduação em
psicologia hospitalar e da saúde no Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Araújo Jorge em Goiânia.

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O processo de hospitalização gera no desenvolvimento cognitivo, psíquico e até mesmo biológico da criança, quebras
significativas, uma vez que vem acompanhada de diversos sentimentos muitas vezes desconhecidos dela até então. São
eles: a sensação de abandono já aludida anteriormente, o medo do desconhecido, sensação de culpa e punição, limitação
de suas atividades e estimulação, intensificação do sofrimento físico, além de uma despersonalização (Chiattone, 2003).

Observa-se que os efeitos da privação materna descritos na literatura se fazem sentir mesmo que esta privação seja
parcial, como é o caso da Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital Araújo Jorge – que servirá de campo
para esta investigação – onde as crianças internadas devem obrigatoriamente estar acompanhadas de uma figura
parental ou acompanhante que tenha contato prévio com o paciente, em cumprimento às regulamentações do Estatuto
da Criança e do Adolescente (Título II, Capítulo I, Artigo 12, UNICEF, 2003). Aqui, entende-se, portanto, como
privação parcial, a presença de condutas e procedimentos inerentes ao tratamento e à rotina hospitalar como variáveis
intervenientes à relação entre mãe e filho.

De acordo com Aubry (1955, citada por Chiattone, 2003, p.29), outros fatores tais como a situação psicoafetiva da
criança e seu relacionamento prévio com a mãe, sua personalidade e capacidade de adaptação, as atitudes da equipe
hospitalar, as rotinas vigentes no hospital e as experiências mais ou menos satisfatórias vividas durante a internação,
também influenciam de forma mais ou menos perturbadora para a criança. “A forma como a criança reage a estas
perturbações pode resultar em distúrbios emocionais graves e numa personalidade instável”. (Chiattone, 2003, p.29).

Outro aspecto muito comum que dificulta a adaptação da criança à internação e à doença é o medo do desconhecido, o
que muitas vezes é reforçado pelos profissionais de saúde que compõem a equipe, ao omitirem do paciente algumas
informações. Esta omissão pode trazer mais temores e fantasias à criança, o que está na contramão de um tratamento
satisfatório e menos angustiante, como o que é proposto para os pacientes da Pediatria pela qual passaram os sujeitos
estudados.

Para Chiattone (2003), os procedimentos adotados pela equipe de saúde para dar prosseguimento ao tratamento da
criança podem ser percebidos como despersonalizantes, à medida que submetem a criança a processos de perda da sua
condição singular, ao terem elas que dividir seus momentos de privacidade, sono, alimentação e higiene frente a pessoas
e profissionais desconhecidos, além de outras condutas que despojam o paciente das disposições sociais de seu mundo
doméstico podendo trazer rebaixamentos e degradações de seu ego infantil.

De acordo com observações cotidianas nas enfermarias pediátricas do Hospital Araújo Jorge, verifica-se que além de
todos os sentimentos que acometem as crianças frente à hospitalização, a limitação de suas atividades e de seu espaço
físico, antes de sua adesão às atividades de estimulação programadas pelo Serviço de Oncologia Pediátrica, ocasionam
em grande parte delas, uma hipotonia e diminuição da volição que entristecem o infante, determinando um corte brusco
em seu desenvolvimento.

O Transplante de Medula Óssea

Dando ênfase particular ao Transplante de Medula Óssea como procedimento do Serviço de Hematologia deste mesmo
hospital, buscou-se realizar um levantamento bibliográfico acerca dos aspectos psicológicos observados em pacientes
com indicação para este tratamento, verificando que a literatura em psicologia infantil e pediatria sobre esta questão
ainda é escassa, mas que vem crescendo sobremaneira, em virtude dos constantes avanços médicos e científicos na área.

O Transplante de Medula Óssea consiste num tratamento por meio do qual se realiza uma infusão intravenosa de células
progenitoras hematopoiéticas4 para restabelecimento da função medular em pacientes com alterações ou anormalidades
na medula óssea (Armitage, 1994 citado por Castro Jr, Gregianin & Brunetto, 2001).

A medula óssea por sua vez caracteriza-se por um tecido líquido que ocupa o interior dos ossos, sendo conhecida

4
Unidades estruturais e funcionais responsáveis pela formação e desenvolvimento de células sanguíneas (Ferreira, 1999).

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popularmente por tutano. Na medula óssea são produzidos os componentes do sangue: as hemácias (glóbulos
vermelhos), os leucócitos (glóbulos brancos) e as plaquetas. Pelas hemácias, o oxigênio é transportado dos pulmões
para as células de todo o nosso organismo e o gás carbônico é levado destas para os pulmões, a fim de ser expirado. Os
leucócitos são os agentes mais importantes do sistema de defesa do nosso organismo, inclusive nos defendendo das
infecções. Já as plaquetas constituem mais um componente do sangue responsável por sua coagulação (C. Bariani;
comunicação pessoal, 23 de setembro de 2004).

Existem quatro modalidades de Transplante de Medula Óssea (TMO): o transplante alogênico – no qual o paciente
recebe a medula de uma outra pessoa que pode ser um doador aparentado ou não; o transplante singênico – onde o
doador é um gêmeo idêntico e, por este motivo, é considerado o tipo mais raro; o autogênico ou autólogo – no qual
utilizam-se as células do próprio paciente coletadas previamente; e o transplante através de células-tronco coletadas do
cordão umbilical de nascituros (Castro Jr, Gregianin & Brunetto, 2001; Zanuto, 1997).

De acordo com Dulley (2001), os resultados mostram um número cada vez maior de crianças que têm sobrevivido ao
TMO, estando a maior parte delas curadas.

Além de algumas alterações fisiológicas associadas ao sis tema neuroendócrino e à função reprodutiva (TMOBR, 2004),
nota-se também alguns sintomas psicológicos decorrentes do regime de confinamento a que fica condicionado o
paciente e seu (s) acompanhante (s).

A qualidade de vida em TMO

A qualidade de vida piora no período do transplante em função das variações físicas e emocionais decorrentes deste
procedimento. “O TMO é considerado um estressor severo, capaz de interferir significativamente no funcionamento
psicossocial e outras categorias de qualidade de vida” (Ganz, 1994; Craig, 1994, citados por Santos, 2002, p. 02).

A qualidade de vida (QV) é considerada de forma multidimensional. Kodiath e Kodiath (1995, citado por Santos, 2002)
definem qualidade de vida com um senso pessoal de bem estar, que varia entre satisfação ou insatisfação com as áreas
da vida que são consideradas importantes pelo paciente. Neste sentido, podemos inferir que o afastamento da criança de
seu ambiente escolar, de sua família, de suas brincadeiras e demais atividades, trazem-lhe uma profunda angústia e
subseqüente queda de sua qualidade de vida.

A intervenção psicológica atuará no sentido de contribuir para um melhor ajustamento da criança e seu familiar às
adversidades decorrentes da internação e conseqüente situação de isolamento nas fases pré e peri-transplante e na
readaptação destes à vida cotidiana na fase de póstransplante, auxiliando-os no controle da doença, uma vez que “para
pacientes oncológicos, a QV está associada ao controle de sintomas e presença de suporte familia r e social” (Santos,
2002, p.04).

A situação de isolamento

Uma das situações mais sofridas para uma criança hospitalizada é permanecer dentro de uma enfermaria em isolamento,
pois é justamente esta condição que lhe remete ao medo do desconhecido já mencionado anteriormente e à iminência de
morte.

Isolar uma criança em uma enfermaria tem o objetivo de proteger o paciente em si e dos outros pacientes internados.

Um aspecto que merece atenção, diz respeito ao que Coenson e Dimsdale (1994, citado por Barros, 2004, p. 27)
chamaram de “estado de limbo”, ou seja, fenômeno através do qual se observa irritação por parte dos pacientes e perda
de suas perspectivas para o futuro depois de tanto tempo confinado num quarto de hospital, podendo até mesmo neste

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mo mento, instalar-se um quadro depressivo, quer seja por parte do paciente quanto por parte de seu acompanhante.

Principais estressores relacionados ao TMO

A literatura especializada já havia apontado o isolamento como o estressor5 de maior peso durante o TMO, responsável
por sentimentos de frustração, solidão, privação emocional e desorientação temporal (Barros, 2004). Atualmente,
porém, a situação de isolamento não é mais tão rígida como no início da implantação deste tratamento em hematologia.

Observa-se que a maior parte dos estressores relacionados ao TMO estão presentes na fase que sucede o transplante, ou
seja, nas primeiras semanas após a alta. São eles: ansiedade, insegurança, vulnerabilidade, depressão, medo de recidiva
da doença, dentre outros (Barros, 2004).

Molassiotis, Van Den Akker, Milligan e Goldman (1997) identificaram oito estágios de estresse6 emocional nos quais
se divide o processo do Transplante de Medula Óssea. São eles:

1. Antecipação: refere-se à decisão acerca do tratamento, sendo que sentimentos de pressão e esperança de cura,
envolvem esta tomada de decisão por parte dos pais e/ou responsáveis diretos pela criança internada – o que pode gerar
estresse severo;

2. Preparação: refere -se à admissão inicial, avaliação e plano de tratamento, incluindo avaliação detalhada do
comportamento do paciente em tratamento prévio, sua personalidade e história passada;

3. Isolamento: Condicionamento pré-transplante (aproximadamente 6 dias antes do transplante). Este período


caracteriza-se pela presença da iminência de morte;

4. Transplante propriamente dito: medo do isolamento e sentimentos de claustrofobia e neurose de contaminação;

5. Período de Espera: o paciente vivencia a expectativa do transplante ter sido bem sucedido ou não, pois é nesta fase
que se dará a “pega”7 ou rejeição da medula, que pode durar de seis a 35 dias a partir da realização da infusão;

6. Doença Enxerto-Contra-Hospedeiro (ou DECH, mais conhecida pela sigla em inglês GVHD, do inglês graft-versus-
host disease). O sucesso do TMO (especificamente no alogênico), muitas vezes ameaça a vida do paciente na forma
desta doença. Isto usualmente causa sentimentos de raiva e depressão;

7. Preparação para a alta: o medo de sair da segurança e proteção geradas pelo hospital é bastante comum.

8. Pós-transplante: refere-se à adaptação da vida fora do hospital e ao ajustamento psicossocial após o TMO. A volta
para casa pode ser caracterizada pela ambivalência de não querer abandonar um local protegido e seguro e ter que voltar
para o convívio dos familiares ou para um contexto social e/ou familiar muitas vezes perturbador.

Algumas pesquisas realizadas que se propuseram a investigar o estado emocional do paciente durante a hospitalização,
consideraram o estresse como um conjunto de quatro componentes: estresse emocional, estresse relacionado com os

5
Agente produtor de estresse (Ferreira, 1999).
6
O estresse seria definido como uma reação do organismo causada pelas alterações psicofisiológicas que ocorrem
quando a pessoa depara-se com um acontecimento ou condição que a irrite, amedronte ou confunda (Macedo, 2002).
7
Nome popular da enxertia, que significa a assimilação e aceitação (não-rejeição) pelo organismo receptor das células
infundidas (TMOBR, 2004).

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sintomas, tensão e hostilidade (Macedo, 2002). “O estresse relacionado com os sintomas alcança seu ponto máximo
durante o acondicionamento e a aplasia 8 , momentos de maior rigorosidade da sintomatologia física, com episódios de
náusea e vômitos e aparecimento da mucosite9 ” (Macedo, 2002, p. 2).

Segundo investigações de Macedo (2002), a tensão geralmente alcança seu ponto mais alto após o enxerto da medula,
em função do aparecimento de vários sintomas durante todo o período de transplante. Já a hostilidade é mais alta no
período final do TMO, devido à ausência de sintomas físicos e a espera do aumento dos números relacionados ao
sistema imunológico.

Todos estes estressores, muitas vezes produzem severas dificuldades no paciente e em seu(s) acompanhante (s),
incluindo preocupações fóbicas, pensamentos e sentimentos intrusivos, comportamentos regressivos e labilidade
emocional (Molassiotis, 1995, citado por Macedo, 2002).

Neste sentido, este trabalho teve por objetivo – através de um relato de experiência – demonstrar quais as técnicas que
podem servir de instrumento para a intervenção do psicólogo hospitalar neste contexto tão particular que é o dos
pacientes pediátricos do TMO, que vivenciam uma ruptura tão brusca em sua infância, buscando assim amenizar seu
sofrimento, mostrando-lhes que ainda é possível viver o lúdico, a magia e o encanto de ser criança, mesmo em
condições tão adversas.

Método

Participantes

Participaram do estudo 10 crianças, sendo cinco do sexo feminino e cinco do sexo masculino. O critério para inclusão
no estudo era o vínculo anterior com o Serviço de Oncologia Pediátrica do Hospital Araújo Jorge, ou seja, pacientes
com indicação para o procedimento de transplante de medula óssea e que tivessem previamente passado por outras
modalidades de tratamento oncológico no setor em questão. As características gerais dos pacientes relevantes ao
estudo, encontram-se na Tabela 1.

Sete destas crianças passaram por uma avaliação psicológica pré-TMO. Este tipo de avaliação é feito a partir de um
encaminhamento do médico que fez a indicação para o transplante. Os outros três sujeitos não foram encaminhados ao
Serviço de Psicologia por motivos desconhecidos.

Tabela 1.: Participantes do estudo na Unidade de Transplante de Medula Óssea.

PARTICIPANTES
NOME (Iniciais) IDADE (Na data do transplante) SEXO AVALIAÇÃO PSI
R.S. 10 anos e 7 meses F SIM
E.H. 7 anos e 0 meses M SIM
C.T. 8 anos e 6 meses M SIM
W.R. 4 anos e 1 meses F NÃO
V.C. 8 anos e 1 meses F SIM
R.A. 9 anos e 7 meses M NÃO
G.R. 6 anos e 8 meses F NÃO
E.R. 3 anos e 6 meses F SIM
R.P. 3 anos e 10meses M SIM
N.F. 3 anos e 6 meses M SIM

8
Diminuição mais ou menos intensa da capacidade hematopoética da medula óssea (Ferreira, 1999).
9
Lesões na mucosa oral (P. Gramacho, comunicação pessoal, 10 de novembro de 2004).

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Torna-se relevante abrangermos as idades dos sujeitos por entendermos que cada faixa etária nos oferece dados
significativos em relação ao desenvolvimento sócio-emocional infantil. Por exemplo, a partir dos seis anos em diante,
espera-se que as crianças já tenham adquirido certa independência dos pais em virtude de maior domínio sobre o espaço
físico, com maior desenvoltura social, uma vez que aos poucos, vão se adequando às normas e aos valores sociais. Já as
crianças menores de seis anos mantém-se ainda, em estado de grande dependência materna, o que já se configura em
condição suficiente para o aumento do sofrimento psíquico diante da privação materna parcial decorrente da
hospitalização e isolamento na Unidade de Transplante.

Instrumentos e procedimentos

A) LOCAL

O acompanhamento psicológico dos sujeitos foi realizado em ambiente hospitalar, mais especificamente na Unidade de
Transplante de Medula Óssea ligada ao Setor de Hematologia do Hospital Araújo Jorge, localizado na cidade de
Goiânia.

B) AVALIAÇÃO PRÉ-TRANSPLANTE

Após receberem indicação para o Transplante de Medula Óssea e serem devidamente encaminhadas pelo médico
responsável ao Serviço de Psicologia, as crianças foram avaliadas pela psicóloga e pela estagiária II, no intuito de ser
elaborado um parecer psicológico evidenciando as condições do paciente para este tipo de procedimento. Geralmente, a
avaliação abrangia de duas a três sessões, nas quais a criança era atendida durante 30 minutos e em seguida, a mãe ou
familiares mais próximos, eram chamados ao atendimento, que durava mais 10 a 20 minutos.

Em todos os casos atendidos, esta avaliação não caracterizava o primeiro contato das psicólogas com a criança, uma vez
que ela já havia passado por tratamento anterior na Pediatria e, por este motivo, já tinha estabelecido um certo vínculo
terapêutico que facilitava a intervenção neste momento.

Iniciada a primeira sessão de avaliação para o TMO, era explicado para a criança e a mãe que a intenção daquela
avaliação seria inicialmente saber o que elas sentiam na situação prétransplante, ou seja, ambas eram ouvidas quanto às
impressões, medos, angústias, dúvidas e temores que as acometiam frente à indicação para o procedimento,
caracterizando assim, uma sessão de escuta depositária de conteúdos emocionais. Geralmente, nesta sessão eram
também dadas as primeiras orientações sobre a colocação do cateter, abrangendo clarificações acerca do centro
cirúrgico, anestesia, paramentação e pós-operatório. Nesta explicação, o cateter era mostrado para a criança, deixando-a
livre para o manuseio deste material, com conseqüente explicação com o auxílio de um livro ilustrado sobre o corpo
humano, seus órgãos, músculos, ossos, etc. Em seguida – levando-se em conta a demanda do paciente – eram dadas
explicações sobre o período de acondicionamento e tempo estimado de isolamento na Unidade.

A partir da segunda sessão em diante, a avaliação era realizada apenas com a criança. Em alguns casos, conforme a
idade ou demanda desta, esta sessão consistia em uma Hora Lúdica ou a técnica da Hora de Jogo Diagnóstica, sem
restringirmos os materiais a uma caixa de brinquedos específicos, mas disponibilizando à criança todo o aparato lúdico
presente no consultório de psicologia. Os brinquedos presentes na sala eram oferecidos livremente à criança, deixando-a
à vontade para livre exploração, enquanto a psicóloga e a estagiária – nesta observação clínica – ficavam atentas aos
detalhes de comportamento significativos passíveis de serem interpretados clinicamente ou apontados para a criança.
Caso surgissem conteúdos significativos, eles eram apontados ou esclarecidos pela psicóloga ou estagiária, de maneira
interventiva. Em outros casos, geralmente com as crianças mais velhas, foi proposta a realização de desenho livre, com
conseqüente Análise Projetiva.

Em seguida, a mãe era convidada a participar da finalização do atendimento, onde era dito o que fora trabalhado com a
criança, sem revelar os conteúdos apresentados por ela. Contudo, apesar de – nos casos que passaram por avaliação pré-
TMO – todas as mães terem sido também atendidas, nem todos os doadores puderam passar por este atendimento; a

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maioria por morarem em cidades distantes e só chegarem na data próxima ao transplante.

Os procedimentos de avaliação usados em cada caso a partir da segunda sessão e os acompanhantes atendidos estão
relacionados na Tabela 2.

Tabela 2.: Procedimentos usados para avaliação pré transplante a partir da 2ª sessão e acompanhantes atendidos pelo
Serviço de Psicologia.

Sujeitos Procedimento Acompanhantes


R.S. Desenho Livre Mãe
E.H. Desenho Livre Mãe
C.T. Hora Lúdica + Desenho Livre Mãe + Irmão doador
V.C. Desenho Livre Mãe
E.R. Hora Lúdica Mãe + Pai
R.P. Hora Lúdica Mãe + Avó materna + Tia + Irmão Doador
N.F. Hora Lúdica Mãe + Irmã Doadora

C) AS ABORDAGENS NA UNIDADE DE TRANSPLANTE

Já internados na Unidade de TMO, as crianças e seus respectivos acompanhantes eram instruídos acerca de todas as
regras obrigatórias à hospitalização naquele setor, tais como: horário de troca de acompanhantes, higiene do paciente,
paramentação e lavagem das mãos, alimentaçã o e higiene pessoal dos acompanhantes, etc. (Ver Anexo A). Estas
orientações eram realizadas pela Supervisora de Enfermagem da unidade e – caso fosse necessário – reforçadas e/ou
esclarecidas pela estagiária de psicologia.

A intervenção da estagiária já era iniciada logo na primeira semana de internação e o procedimento para tal, era usado
conforme a demanda do paciente frente à situação de isolamento, o medo do desconhecido e demais conteúdos
apresentados durante as primeiras abordagens ou mesmo já aludidos nas sessões avaliativas anteriores à internação.
Estabelecido – ou resgatado – o vínculo inicial, foi dado início à programação de atendimentos psicológicos diários que
abrangiam atividades lúdicas terapêuticas voltadas especificamente a cada fase do transplante de medula óssea,
envolvendo desde desenhos livres, histórias infantis e brinquedos livres até recorte e colagem e pinturas mais
estruturadas e dirigidas. Os tipos de atividades lúdicas usadas em cada fase serão descritos na seção “Resultados”, uma
vez que cada atividade foi desenvolvida de acordo com a demanda do paciente e não seguindo um protocolo fixo e
predeterminado.

D) MATERIAIS

Para a realização das atividades propostas foram necessários os seguintes materiais: caixas de lápis de cor; estojos de
tinta guache colorida; folhas de papel tamanho A4; cartolinas de papel pardo; pincéis de tamanhos variados; caixas de
cola plástica colorida; livros de histórias infantis; filmes infantis; jogos de montar; retalhos de papel crepom, papel
laminado e papel de seda; tesoura sem ponta; cola branca; gravador de som com microfone; fita cassete; brinquedos em
miniatura (animais, carrinhos e super-heróis); sucata hospitalar: luvas, gaze, algodão, seringas descartáveis e placas de
raios-X; aparelho de som com CD’s infantis e bolhinhas de sabão.

Resultados

As fases do transplante atendidas pela estagiária de psicologia, os sintomas psicológicos presentes e as técnicas usadas
como instrumento de intervenção e seus respectivos objetivos, encontram-se des critos na Tabela 3.

Tabela 3.: Técnicas de intervenção psicológica aplicadas em cada fase do transplante e seus objetivos, conforme

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sintomas comumente apresentados.

Fases do Transplante Sintomas comuns Técnicas de Objetivos


Intervenção
Desenho Livre Ampliar os canais de expressão para
Pintura livre e/ou estruturação do vínculo com
dirigida elementos desconhecidos
Condicionamento e Iminência de morte Bolhinhas de sabão Melhor a funcionalidade do aparelho
Isolamento e medo do respiratório: sensação de relaxamento
desconhecido e diminuição da angústia
Filmes Infantis Reafirmar gostos e desejos:
Jogos de montar fortalecimento da estrutura egóica
Livros de Histórias Compreender as diferenças.
Infantis com Maior "aceitação" do tratamento
temáticas
Medo do relacionadas
isolamento, (Anexo B)
Transplante sentimentos de
propriamente dito claustrofobia e Analogia de Clarificar a fala técnica sobre o
neurose de procedimento com transplante e dessensibilização
contaminação brinquedos
Brincadeiras com Fortalecer o vínculo com a
sucata hospitalar Equipe; dessensibilização do
material hospitalar
Massa de modelar Acompanhar o movimento
Aparelho de som regressivo da criança,
Regressão com músicas estimulando-a a expressão
emocional, infantis Descarregar a agressividade
Período de Espera angústia,
ansiedade, revolta Brinquedos Reforçar a identidade
e de pressão escolhidos pela
criança (na fase
pré-TMO)
Gravador de som
Ambivalência e Bolhinhas de sabão
Preparação para a alta labilidade Livros de Histórias Trabalhar conteúdos de
emocional Desenho dirigido separação

A seguir, serão descritas de forma sintética, somente algumas das intervenções feitas pela estagiária de psicologia com
cada paciente em diferentes etapas do transplante. O atendimento descrito corresponde àquele cujos conteúdos
apresentados e funcionalidade das técnicas empregadas, se destacaram pela relevância ao estudo e/ou maior eficácia.

1) R.S., feminino, 10 anos. Técnica: Análise Projetiva de Desenho Livre

Focos importantes de intervenção na dinâmica familiar: Problemas de envolvimento dos membros da família com
alcoolismo, inclusive a doadora de 16 anos.

Resumo: O trabalho básico de orientação à mãe referiu-se ao seu sentimento de limitação nos cuidados à filha, uma vez
que não era alfabetizada, e por isso não conseguia ler orientações e demais informações sobre medicamentos e
procedimentos, sendo necessária a associação de um esquema de cores às medicações para que esta pudesse fazer a
leitura. Nos atendimentos à criança durante o preparo para o transplante, ela escolheu um boneco que chamou de “urso
panda” – apesar de o brinquedo ter feições humanas – e contou uma história sobre aquele menino que faria um
transplante. Pedida para que descrevesse através da historia e do boneco, como seria este transplante, R.S. demonstrou
conteúdos de morte e destruição, chegando a mencionar sua vontade de saltar pela janela do consultório de psicologia
para poder retornar à sua casa. Com base na análise de um dos desenhos feitos pela criança sobre a temática trabalhada
e com a ajuda da teoria que discorre acerca da interpretação clínica dos desenhos projetivos, inferiu-se que a paciente

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encontrava-se sob grande fragilidade egóica, estando passiva diante da vida, diante da iminência de morte frente ao
desconhecido representado pelo procedimento do transplante. Na etapa de Isolamento e Condicionamento, a paciente
encontrava-se positiva, embora receosa diante do transplante e bastante atenta às explicações e orientações da equipe da
Unidade de TMO. Com esta criança, trabalhou-se bastante com desenhos livres nos quais ela desenhou e coloriu toda a
equipe de saúde, acompanhando elogios e declarações de afeto dirigidas especificamente à cada membro, tentando-se
uma transposição do afeto familiar não-presente, para o vínculo com a Equipe.

2) E.H., masculino, 7 anos. Técnica: Fantoches

Focos importantes de intervenção na dinâmica familiar: Nova gravidez da mãe para coleta de células-tronco de cordão
umbilical, mesmo diante das constantes desavenças e brigas entre os pais, sempre presenciadas pelo filho.

Resumo: No período da avaliação para transplante, o paciente mencionou a gravidez da mãe e a chegada do novo irmão.
Foi trabalhada com a criança, a nova configuração familiar com o auxílio de bonecos de fantoches representando a
família, em virtude de sua facilidade de verbalização. No período de espera, a criança não demonstrou interesse no
manejo de nenhum material lúdico, mas sempre se mostrou muito receptiva às intervenções da estagiária. Em um dos
atendimentos, confidenciou que não apreciava a companhia do pai no apartamento por este não saber lidar muito bem
com os procedimentos e cuidados com ele. Em virtude desse contexto familiar desfavorável, no qual ele sempre tomou
partido da mãe frente às agressões proferidas pelo pai, inferiu-se que no contexto hospitalar, esta disparidade do filho
com relação ao pai se fez presente novamente em consonância com a realidade familiar, que – no entanto – começou a
mostrar-se diferente dentro da Unidade, uma vez que o casal foi se reaproximando. O foco deste período foi mostrar à
criança que a relação pai-mãe poderia coexistir de forma amigável, apesar das dificuldades conjugais Nesta
oportunidade, o pai foi orientado quanto à queixa da criança e provável relação com o contexto familiar, tendo sido
trabalhada a confiança da criança na imagem paterna, buscando desvincular a pessoa dele à figura marital.

3) C.T., masculino, 8 anos. Técnicas: Sucata hospitalar, pintura livre e dirigida.

Focos importantes de intervenção na dinâmica familiar: Incidente envolvendo os resultados de exames de


compatibilidade sanguínea dos irmãos e excessiva irritação da mãe diante deste ocorrido, somado a outras preocupações
externas que envolviam a filha adolescente.

Resumo: Na fase de Isolamento e Condicionamento, C.T. se mostrou excessivamente agitado e hiperativo, denotando
dificuldades educativas com relação a limites. No estágio inicial, trabalhou-se as defesas egóicas da criança através de
um barquinho de papel que ele havia feito e no qual inseriu bonecos de super-heróis cujos nomes dados foram
semelhantes ao nome de cada membro da equipe e da família que ele via como aliado nesta etapa de tratamento: o
médico chefe da equipe, a supervisora de enfermagem, a psicóloga, a estagiária, ele e a mãe. Para oferecer-lhe uma
estrutura de suporte emocional, fazendo uma ligação da brincadeira com seus elementos de apoio na Unidade de
Transplante, a psicóloga disponibilizou luvas de látex cheias de ar que serviriam de bóias para que o barco não
afundasse. Ainda assim, C.T. verbalizou que o barco certamente afundaria e ele morreria, pois não sabia nadar. Ao ser
interpretada, esta fala evidenciou sua fragilidade egóica e principalmente a presença da iminência de morte, conteúdo
este que foi satisfatoriamente abarcado pela psicóloga ao informar-lhe que todos os que estavam no barco com ele
tinham o intuito de auxiliá-lo, e que mesmo que o barco afundasse, os demais saberiam nadar e estariam por perto para
socorrê-lo.

4) W.R., feminino, 4 anos. Técnicas: Recorte e colagem e Massa de modelar

Focos importantes de intervenção na dinâmica familiar: Desentendimentos dentro da Unidade de TMO entre a paciente
e a irmã doadora de 3 anos, que pareciam disputar incessantemente a atenção da mãe. Os atendimentos prévios com esta
paciente não foram satisfatoriamente trabalhados no estágio pré-TMO, não tendo sido realizada nenhuma avaliação e
tampouco pré-atendimento com a irmã, que nos ofereceu dificuldades com relação a limites que tiveram de ser
exaustivamente trabalhados, inclusive com orientações educacionais à própria mãe.

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Resumo: Na fase de Isolamento e Condicionamento, o estabelecimento de vínculo entre a paciente e a estagiária foi
moroso e paulatino, exigindo visitas mais assíduas em virtude da falta de ligação anterior com a criança em fase de
preparo para internação naquela Unidade. As bolhinhas de sabão e os livros de histórias infantis foram essenciais e
muito importantes nesta fase inicial de estabelecimento de confiança. A massa de mo delar também foi fundamental no
auxílio à criança no Período de Espera, como forma de descarregar sua agressividade, expectativas e frustrações, uma
vez que se tratava de uma paciente com personalidade explosiva e facilmente irritadiça. Foi trabalhado com ela a espera
angustiosa pela pega através de recorte e colagem, numa clara alusão à colagem associada à noção de aderência, grude,
como forma de instrução à criança quanto à aceitação da nova medula óssea pelo organismo. Ao final desta proposta
lúdica, foi confeccionada uma coroa que serviu para condecorar a paciente que, naquele momento se dizia “princesa”,
após ouvir história sobre este tipo de personagem, reforçando, assim, sua imagem corporal e identidade.

5) V.C., feminino, 8 anos. Técnica: Análise Projetiva de Desenho Livre

Focos importantes de intervenção na dinâmica familiar: Clara dependência materna da paciente, embora estivesse
numa idade que pressupõe maior autonomia, apresentando movimentos de muita impulsividade diante da ameaça de
perda de sua figura de referência nos momentos em que a mãe se ausentava, sendo por isso necessário trabalhar
conteúdos de separação. Inferimos que – inconscientemente – a paciente receava a repetição da história familiar de
abandono do pai quando esta tinha quatro anos e por isso se mostrava tão fundida à mãe.

Resumo: Em todos os atendimentos dentro da Unidade, V.C. se mostrou aberta e interessada, tendo apresentado
embotamento emocional e regressão egóica quando do Período de Espera, no qual apresentou mucosite severa e êmeses
que a impossibilitaram de responder às estimulações propostas. Às vésperas da infusão da medula, a criança realizou
um desenho no qual fez um canal no cerne de uma árvore, aludindo à medula óssea que passa no interior de seus ossos,
que havia sido-lhe explicada em diversas ocasiões. A mãe da paciente também recebeu muitos atendimentos que
visaram aplacar suas preocupações fóbicas e neuroses de contaminação, fruto do excessivo tempo de isolamento e rigor
nas regras necessárias à boa evolução do tratamento na Unidade. Na preparação para a alta, trabalhou-se novamente os
conteúdos de separação, pois embora manifestassem vontade de retornar ao lar, mãe e paciente demonstraram receio de
a filha passar mal na cidade natal, longe do ambiente do hospital no qual estavam internadas.

6) R.A., masculino, 9 anos. Técnicas: Jogo de montar, desenhos e filmes.

Focos importantes de intervenção na dinâmica familiar: Ampliação da comunicação da família com a Equipe, visto
serem provenientes de cultura indígena.

Resumo: Após as primeiras abordagens dentro da Unidade, a criança foi tornando-se mais receptiva ao contato com a
estagiária, expresso na forma de um ligeiro sorriso sempre que esta adentrava seu quarto. Apesar disso, a criança nunca
respondia verbalmente a nenhuma pergunta ou fala da estagiária, quer fosse por não conhecer a língua quer por timidez
ou embotamento. Contudo, a mãe servia como tradutora tanto para as dicas, sugestões e idéias dadas pela estagiária,
quanto para o paciente no que concernia aos seus desejos, sentimentos e impressões. Em um dos atendimentos
realizados pela estagiária foi usado um jogo de montar (cabana), onde depois foram inseridas as miniaturas de
brinquedo (bichos e homens), tendo sido trabalhadas as questões referentes à internação e ao isolamento e
esclarecimentos sobre o procedimento de transplante. Posteriormente, a criança solicitou papéis e lápis de cor, vindo a
realizar alguns desenhos com temáticas referentes a instrumentos de som e de caça típicos da cultura indígena,
denotando certa angústia frente ao ambiente monocromático, frio e isolado do apartamento no qual se encontrava
internado na Unidade de TMO. Depois, foram oferecidas fitas de vídeo com desenhos animados infantis, que foram
bastante estimulantes para a criança, que chegou a levantar temáticas relativas ao seu contexto social e familiar antes da
internação que envolviam elementos de animais e florestas.

7) G.R., feminino, 6 anos. Técnicas: Pintura dirigida em sucata hospitalar e livros.

Focos importantes de intervenção na dinâmica familiar: Gravidez planejada pelos pais, com o propósito de coletar
células-tronco de cordão umbilical para realização do segundo transplante da filha.

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Resumo: No Período de Espera, a angústia de morte de G.R. se agravava a cada dia frente ao quadro de mucosite
severa, êmese acentuada e inapetência. Neste período, os livros de histórias infantis foram bastante importantes para a
compreensão da criança sobre seus recursos de enfrentamento da doença e desta última etapa do tratamento, visto que já
havia passado por outros momentos tão ou mais difíceis que aquele, quando de suas internações na Pediatria ou mesmo
no transplante que havia feito anteriormente. Em um dos atendimentos, no qual G.R. se mostrou prostrada e bastante
debilitada pelo quadro físico, sentou-se no leito com muito esforço e aceitou a proposta da psicóloga e estagiária de
realizarem um desenho com cola colorida numa chapa de raiox. Foi explorado o barulho da chapa, sua cor escura e as
formas que ela revela quando em contato com a luz. Ao final, perguntada sobre a que se assemelhava o desenho
produzido, G.R. fez alusão a uma vassourinha que varria o lixo para bem longe, que eram as coisas ruins, sentimentos
tristes e pensamentos sobre morte. A figura da vassourinha passou a ser posteriormente usada como forma de auxílio
para as intervenções com a criança, até mesmo pela própria equipe do TMO, tendo sido passada esta informação para a
supervisora de enfermagem. A mãe recebeu muitos atendimentos nos quais foi dado apoio psicológico, já que ela se
encontrava dividida entre as filhas gêmeas recém-nascidas que precisavam de cuidados e a filha internada. Apesar
disso, a mãe enfrentou a situação de isolamento de forma saudável e alto nível de resiliência. Já o pai da criança,
mostrou-se bastante fragilizado com a situação, chegando a falar na frente da paciente que morreria caso ela não
resistisse ao transplante, tendo recebido o devido suporte emocional.

8) E.R., feminino, 3 anos. Técnicas: Recorte e colagem e construção.

Focos importantes de intervenção na dinâmica familiar: Diferença de comportamento da criança dentro e fora do
ambiente hospitalar.

Resumo: No dia do transplante, tanto a estagiária de psicologia quanto a musicoterapeuta – que realizou um ótimo
trabalho de composição de músicas junto à paciente e sua família – permaneceram no apartamento durante o
procedimento, o que auxiliou bastante a criança no enfrentamento da situação. Nos primeiros atendimentos na Unidade,
na fase de Isolamento e Condicionamento, em consonância com a temática levantada em um dos atendimentos pré-
TMO, E.R. aludiu acerca do medo do desconhecido, personificado na figura de um “bicho-papão” que estaria rondando
as dependências do TMO e escondendo-se justamente em seu quarto. A estagiária propôs que – como ninguém
conseguia ver a cara do tal bicho-papão – fosse feita uma construção da cara do tal monstro, em cartolinas de papel
pardo, com recortes de papel crepom, papel de seda e outros picotes, além de cola colorida, o que propiciou um
aumento das verbalizações da criança, que usava a defesa do silêncio sempre que se internava. Mãe, paciente e
estagiária, construíram a cara do monstro em conjunto, orientada pela fala da criança quanto às feições do bicho. Em
seguida, a estagiária propôs a destruição do material confeccionado, como para dar um fim ao monstro. E.R., porém,
não aceitou destruí-lo, uma vez que havia se afeiçoado a ele, dizendo que era “bonzinho” (sic). Com a evolução do
transplante e conseqüente melhora da paciente, ela foi aos poucos lidando com o desconhecido (TMO), que não mais
causava-lhe medo e estranheza e – quando se achou apta para tal – solicitou a presença da estagiária para que ambas
destruíssem juntas o bicho-papão. Ambas então, com o uso de tesouras, picotaram o material produzido, associando a
“morte” do bicho-papão ao sucesso do transplante e reta final do tratamento, uma vez que sua alta estava próxima.

9) R.P., masculino, 3 anos. Técnica: Analogia de procedimento com brinquedo

Focos importantes de intervenção na dinâmica familiar: Gravidez da mãe gerando umprocesso de regressão emocional
na criança, duplamente justificado: tanto em virtude das situações de sofrimento físico e psíquico advindas da
hospitalização e transplante, quanto em função da chegada da nova irmã e perda da atenção integral antes concedida a
ele.

Resumo: Na fase do transplante propriamente dito, a criança ainda encontrava-se falante e ativa, e – na oportunidade –
foi feita uma analogia do procedimento de transplante com um boneco policial que também recebeu o cateter e teve
todos os materiais de soro conectados ao seu corpo, tal qual acontecia com o paciente. Posteriormente, já no período de
espera, a criança iniciou sua regressão de forma bastante clara e extrema, uma vez que a mãe se ausentou para dar a luz
à sua irmã, tendo o paciente que ficar na companhia da avó. R.P. só veio a apresentar melhoras quando da chegada do
pai, vindo de sua cidade natal depois de muito tempo de distância da criança. Porém, com a volta do pai para sua
cidade, cerca de duas semanas após estar com R.P., o paciente retornou ao estado regressivo anterior. Contudo, um fato
que nos chamou a atenção quanto ao profundo estado de regressão egóica de R.P., foi ele só ter conseguido se alimentar

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– após longo período de inapetência – do leite materno extraído do seio da mãe.

10) N.F., masculino, 3 anos. Técnica: Analogia de procedimento com brinquedo

Focos importantes de intervenção na dinâmica familiar: Formação dos pais em Pedagogia, com ótima estrutura familiar
e forte ligação entre os irmãos, o que serviu de apoio para as intervenções psicológicas à criança.

Resumo: Em todas as fases do transplante, a criança apresentou ótimas respostas às intervenções. No período de espera,
não aceitava a realização do procedimento de troca de curativos, chegando a entrar em crise nervosa, debatendo-se,
gritando, chorando e esperneando bastante, inclusive agredindo as enfermeiras. Após as primeiras crises, que se deram
na ausência da estagiária, foi realizado um processo de dessensibilização sistemática, no qual trabalhou-se de forma
lúdica, com todo o material usado no curativo: gaze, álcool, algodão e esparadrapo. Na oportunidade, foi explorado o
cheiro forte do álcool, sua temperatura gelada em contraste com o corpo agasalhado, a maciez do algodão, os entrelaces
da gaze, etc. Procurou-se esclarecer à criança que era permitido a ela chorar, porém fazia-se necessária a sua
colaboração na hora de manipular o curativo, permitindo a conclusão do procedimento, ainda que usasse uma máscara
para evitar o cheiro sufocante. À princípio, N.F. pareceu ligeiramente ressabiado e resistente às explorações lúdicas,
porém no dia seguinte ao segundo atendimento envolvendo o mesmo foco, a Equipe já dera o retorno de que ele estava
colaborativo e calmo na hora do curativo.

Conclusão

Em cada fase específica do TMO foram observados sintomas psicológicos comuns, ao mesmo tempo em que outros
sintomas foram corroborados de acordo com os dados aludidos no levantamento bibliográfico por Molassiotis e cols.
(1997). Diante destas confirmações e acréscimos à literatura, percebe-se a necessidade de uma intervenção psicológica
sistemática e incisiva para os pacientes submetidos ao transplante de medula óssea e preferencialmente, um trabalho
diferenciado com as crianças, uma vez que estas ainda encontram-se em etapas importantes do desenvolvimento de sua
personalidade.

A realização deste trabalho evidenciou a necessidade de implantação de protocolos de atendimento psicológico às


crianças submetidas a este procedimento, uma vez que diversos sentimentos e sintomas são decorrentes desta tão
arriscada opção de tratamento.

A partir dos dados apresentados, pode-se sugerir a possibilidade do adiamento do início da internação para o
transplante, quando este coincidir com período muito próximo à situação de parto da mãe do paciente, uma vez que se
sabe que toda criança demonstra sinais de regressão emocional diante da chegada de um novo irmão, o que
caracterizaria uma situação delicada para submissão ao procedimento.

Um outro aspecto relevante observado diz respeito à preservação de algumas defesas do ego tanto da criança quanto
pertencentes à dinâmica familiar (os ditos “segredos familiares”) durante a situação de transplante, que não devem ser
mobilizadas enquanto durar o período crítico, podendo ser a família do paciente devidamente encaminhada para
posteriores atendimentos psicoterapêuticos na fase de pós-transplante.

Foi identificado o quanto o repasse de informações referentes a alguns atendimentos para a equipe de saúde da Unidade
de Transplante promoveu uma melhor comunicação entre pacientes, familiares e profissionais, inclusive servindo de
abertura para incentivar alguns profissionais a serem mais acessíveis ou a criarem atitudes lúdicas e de conversas
informais que os aproximavam de seus pacientes.

Embora tenha sido realizado de forma improvisada e com recursos limitados, acreditamos que o trabalho desenvolvido
tenha acrescentado de forma positiva para o sucesso dos transplantes que assim resultaram, bem como para uma melhor
acolhida e preparo daqueles para os quais as expectativas foram frustradas. Esperamos que novos trabalhos possam ser

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. 50
desenvolvidos e aprimorados para a posteridade na busca por criarmos um serviço cada vez melhor.

Referências Bibl iográficas

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Óssea. Trabalho apresentado no VII Congresso Nacional de Psicologia Hospitalar, São Paulo, SP.

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Cordão Umbilical em Pediatria. Jornal de Pediatria, 77 (5), 345-360.

3. Chiattone, H.B.C. (2003) A criança e a hospitalização. Em V.A. Angerami -Camon (Org.), A Psicologia no Hospital
(pp. 23-100). São Paulo: Thomson.

4. Dulley, F.L. (2001) Transplante de Medula Óssea em Crianças: Onde Estamos Nós? Jornal de Pediatria, 77 (5), 341-
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6. Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF (1990) Estatuto da Criança e do Adolescente. Atualizado pela
Lei nº 10.764, de 12 de novembro de 2003.

7. Macedo, P. S. L. (2002) Estresse e Estratégias de Enfrentamento em Pacientes Submetidos a Transplante de Medula


Óssea. Retirado no dia 14/10/2002, do site http://www.medpress.med.br/.

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biological variables as predictors of survival after Bone Marrow Transplantation. Journal of Psychosomatic Research,
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____________________
Recebido em 25/05/2006
Aprovado em 30/07/2006

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4. 51
ASILAMENTO E HOSPITALISMO: UM DILEMA
Juliana Cozoli1
Maria Eugênia Scatena Radomile 2

Como pré-requisito para concretização do estágio em Psicologia Hospitalar e por identificação com idosos, optei por
fazer meus atendimentos na ala da geriatria. Assim, no decorrer do estágio conheci a dona D., que neste primeiro
contato não se comunicou, fazendo-me acreditar que isso ocorria devido a baixa audição ou resistência de comunicação.

Esta paciente de difícil comunicação, verbalizava muito pouco, como por exemplo (pedir água, cobertor), sorria o
tempo todo para qualquer coisa que se falasse, a mesma também fazia gesto de despedida com a mão. Este
comportamento foi adquirido com o passar do tempo, através do incentivo feito por mim no decorrer dos meus
atendimentos.

Após várias internações e contatos, estabeleci um vínculo de companheirismo e carinho. Em cada atendimento feito, a
paciente chamava mais a minha atenção. Este interesse não era despertado somente pelo fato do meu carinho com
relação a geriatria, mas também pela carência e delicadeza com que a paciente apresentava.

No seu olhar transparecia a tristeza e ao mesmo tempo a gratidão pela atenção que lhe era oferecida, pois sempre sorria
e acenava com a cabeça em sinal de gratidão. Após duas internações , percebi que a paciente era hospitalizada com
maior freqüência e durante períodos mais extensos, mas apresentando uma estabilidade no seu quadro.

Diante desta observação busquei junto à supervisora um referencial que refletisse e levantasse hipóteses de que a
paciente gostava do hospital, devido a atenção e o carinho que as enfermeiras dedicavam. Assim, com o passar do
tempo, esta relação se fortalecia, despertando a minha curiosidade em saber mais informações desta paciente
(relacionado a sua vida) até então era um quadro de hospitalismo (Botega, 2002).

Através das investigações levantadas no hospital, não obtive muitas informações, pois as enfermeiras explicaram apenas
que a paciente era moradora de um asilo.

Com base neste dado, entrei em contato com a instituição, estabelecendo um dia e horário para que pudesse fazer uma
visita para obter as informações necessárias e conhecer o serviço que o asilo oferecia. Desta forma, compareci no asilo,
conforme o combinado, sendo atendida pela irmã O. que soube apenas informar sobre os problemas de saúde da
paciente: há 9 anos teve neoplasia no útero, após 5 anos quebrou o fêmur, passado 3 anos sofreu crise convulsiva e
problemas respiratórios e faz cerca de 1 ano que a mesma não anda mais, devido a um tombo que sofreu quando estava
tendo crise convulsiva, gerando um trauma e conseqüentemente um medo de andar.

Atualmente, dona D. apresenta problemas cardiológicos, motivo pelo qual a paciente foi internada. A irmã O. expõe sua
observação, explicando que até o começo do ano, suas internações não eram freqüentes, e que a partir do mês de abril
percebeu que a paciente era hospitalizada com maior freqüência e extensão nos períodos. Esta explicação é mais um
dado a considerar a hipótese de hospitalismo.

Devido à dificuldade em fornecer outros dados da paciente, a irmã O. sugeriu que eu conversasse com a dona M. que é
a funcionária mais antiga, trabalha desde a inauguração do asilo. Esta senhora apresentou-se muito simpática relatando
que a dona D. é moradora do asilo há 17 anos, procurou a instituição por vontade própria acompanhada de seu marido,
o mesmo faleceu há cerca de 8 anos. Explica também que a dona D. teve apenas um filho, este morreu ainda criança, a
dona M. desconhece o motivo, sua família reside em São Paulo e faz pouco tempo que um sobrinho veio visitá-la.

1
Psicóloga formada pela USF - Universidade São Francisco de Itatiba/SP.
2
Doutora em Psicologia Clínica, Especialista em Psicologia Hospitalar e Docente na USF, CRP 1338/06.

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A funcionária explica ainda sobre o comportamento da paciente, relata que a mesma nunca foi muito comunicativa e
que atualmente piorou, ou seja, fala algumas palavras e sorri, demonstrando ter o mesmo comportamento de quando
estava hospitalizada, com as companheiras conversa pouco, demonstrando ser uma pessoa fechada.

Através destas informações e da hipótese que existe, surgiu o interesse em pesquisar sobre as diferenças e semelhanças
que existem entre o ambiente asilar e hospitalar, para justificar a hipótese sobre a preferência que a dona D. apresenta
com relação ao ambiente hospitalar.

Assim, para a concretização desta pesquisa fiz uma nova visita à instituição para colher informações sobre a rotina dos
idosos, ou seja, quais as atividades e os serviços que são oferecidos a este público, de modo a comparar com o ambiente
hospitalar.

Quando o idoso vai morar em uma instituição ou casa de repouso, tem que enfrentar o momento de sair de sua casa,
deixar seus pertences, familiares para se adaptar à nova realidade, adaptar à pessoas diferentes e à rotina do novo
ambiente, as quais muitas vezes não oferecem condições favoráveis para uma vida digna. Gerando conseqüentemente
uma perda da sua identidade, isto ocorre devido às normas vigentes e institucionais, todos os aspectos de vida são
realizados sob uma única autoridade e a rotina diária é igual para todos, desconsiderando as diferenças individuais bem
como a história de vida de cada um.

Muitas vezes, acreditam que a mudança para uma instituição ou casa de repouso será a melhor solução. No entanto, as
famílias se esquecem do mais importante, que toda a mudança deve ser discutida e decidida junto aos idosos, cabe a
eles tomar as decisões diante do que for melhor para o seu bem estar. (Neri, 1993).

Esta situação assemelha quando o idoso é hospitalizado, pois é comum o paciente se sentir limitado em seus recursos de
controle da situação, sem autonomia e sem possibilidade de escolhas como a que se relaciona à sua medicação, à
maneira de cuidar do próprio corpo e a muitos outros aspectos, pois se encontra sem poder de decisão e afastado de sua
liberdade de ação, o que conseqüentemente poderá trazer sentimentos de impotência (Coutinho, 1992).

Dentre as diversas diferenças e semelhanças, podemos citar a alimentação. No ambiente asilar não é diferenciada, ou
seja, não considera os cuidados alimentares que cada idoso necessita, desconsiderando a individualidade de cada um.
De acordo com os dados obtidos na entrevista, somente as sobremesas são diferentes.

Através, destas informações evidencia-se que a instituição não considera outros problemas de saúde (por exemplo:
hipertensão), já que este quadro também exige uma dieta alimentar e também é comum nos idosos.

Assim, a alimentação deveria ser balanceada e nutritiva, para manter e conseqüentemente evitar possíveis recaídas e
agravamento dos problemas de saúde que cada um apresenta, considerando que a maioria dos idosos apresentam
algumas limitações nas funções orgânicas.

No ambiente hospitalar a alimentação individualizada é primordial, por ser um dos requisitos essenciais para a
recuperação e, conseqüentemente, a cura do doente, possibilitando que o objetivo da instituição seja atingido.

Em relação ao aspecto físico, no ambiente asilar existem muitos leitos nos quartos, há poucos banheiros, demonstrando
que as acomodações não correspondem ao número de idosos. Sendo necessária uma mudança neste quadro para que os
idosos tenham mais conforto.

Já no ambiente hospitalar, o que diferencia é que o número de leitos corresponde ao tamanho do quarto, não ficando um
ambiente superlotado e cada quarto tem o seu banheiro.

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Quanto à higiene do espaço físico, o ambiente asilar apresenta-se aparentemente limpo e organizado, apesar do cheiro
desagradável que se sente na enfermaria e ao passar na frente dos banheiros. A limpeza inicia de manhã e permanece ao
longo do dia, especialmente no horário da alimentação e do banho, devido às limitações dos idosos.

Outro dado relevante é que a tarefa de limpeza é desempenhada pelas mesmas funcionárias que cuidam dos pacientes,
ou seja, não é separada o tipo de tarefa a ser executada por elas, com exceção das cozinheiras, que cuidam apenas da
preparação dos alimentos. Demonstrando que o número de funcionários é deficiente em relação ao número de idosos,
ocasionando tanto uma confusão de papéis, quanto uma sobrecarga, tornando impossível fazer adequadamente as duas
coisas ao mesmo tempo.

Esta característica diferencia -se em comparação ao hospital, pois as atividades de limpeza e o cuidado ao idoso, são
feito por funcionários diferentes, sendo distribuídas de acordo com a capacidade e o conhecimento que a pessoa dispõe
para desempenhar sua função, mas sempre valorizando a atividade que cada colaborador realiza independente de seu
cargo. E o número de funcionárias (enfermeiras) são distribuídos em igualdade em cada ala, para que o atendimento
possa ser realizado com qualidade.

A limpeza é feita durante todo o dia, de acordo com as emergências e a movimentação de entrada e saída dos pacientes,
considerando as restrições impostas a cada paciente para que a recuperação aconteça. Apesar do hospital ser maior em
comparação ao asilo e o próprio ambiente exigir alguns cuidados para evitar infeções, isto não justifica a falta de
funcionários e a necessidade de limitar a função de cada funcionário no ambiente asilar.

Quanto ao horário de visitas, nas duas instituições ocorrem diariamente, sendo diferente somente o horário: no asilo é 2
vezes por dia (manhã e tarde) e aos finais de semana o dia todo das 9h às 16h. No hospital é uma vez por dia das 14h às
14h 30min, com exceção aos pacientes internados pelo convênio ou particular que tem o direito de receber vis ita no
período noturno das 19h às 19h30min.

Apesar do asilo proporcionar esta exceção no horário de visita nos finais de semana para possibilitar que os parentes dos
idosos que residem em outras cidades possam visitá-los. Percebe-se através das informações fornecidas na entrevista
que esta preocupação não é reconhecida, devido a falta de interesse e da preocupação da família em visitar seu parente
idoso. A funcionária informou ainda na entrevista que os idosos são abandonados no asilo, segundo a mesma, de 91
idosos apenas 20 recebem visitas dos parentes.

Este dado demonstra que os asilos geralmente são um caminho sem volta, porque tanto a família como a comunidade
esquecem dos seus idosos internados.

Bee (1997), analisou as experiências reais dos idosos institucionalizados e encontrou casos mais otimistas e outros
menos. Nos casos nos quais a avaliação é precária, a institucionalização costuma promover maior índice de morte em
idosos num espaço relativamente curto de tempo, entretanto, não significa que o atendimento em uma instituição para
idosos necessariamente encurte a vida de uma pessoa, mas quando um adulto idoso é involuntariamente levado para um
local como estes, há evidências que a própria mudança seja o fator causal para o rápido declínio da saúde seguido de
morte.

Com base nas informações relatadas pela funcionária, a instituição não apresenta nenhum tipo de atividades, recreação
ou festas, estas só acontecem com a colaboração e a doação de voluntários.

Diante da análise descrita acima e da conscientização sobre a diferença que existe entre os objetivos destas duas
instituições, isto não ameniza as críticas do ambiente asilar, mas justifica a preferência que a dona D. apresentou em
relação ao hospital.

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Assim, com base no tratamento que muitos asilos oferecem aos idosos, verifica-se que a pessoa idosa precisa se sentir
confortável e segura no ambiente em que estiver vivendo e este deve ser adaptado aos seus limites e às condições
físicas, ou seja, considerar a individualidade de cada um, para dessa maneira proporcionar uma melhor qualidade de
vida.

Existem poucos asilos que oferecem oportunidade de lazer e atividade, como bailes para contribuir com a socialização,
pois compartilhar atividades grupais com pessoas da própria geração, favorece o bem estar do idoso. Para que o
envelhecer seja bem sucedido na instituição, é preciso que haja bem-estar psicológico, incluindo sentimentos de
felicidade, contentamento e aceitação do novo ambiente. (Paiva,1992).

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

1. BEE, H.. Ciclo Vital. Tradução: Regina Garcez. Porto alegre: Artes Médicas,1997.

2. BOTEGA, N.J. Prática psiquiatra no hospital geral: interconsulta e emergência. Porto Alegre: Artmed, 2002.

3. COUTINHO, M.I.S.T. Aspectos Psicológicos do Paciente Politraumatizado. Revista de Psicologia Hospitalar do


HC. São Paulo, v.1, n.1, 1992.

4. GONÇALVES, C. Autoconceito e qualidade de vida e idosos institucionalizados. 2004. 36f. Trabalho de


Conclusão de curso (graduação em Psicologia) – Curso de Psicologia do centro de Ciências Humanas e Sociais da
Universidade São Francisco, Itatiba.

5. GUIMARÃES, C.A. et al. O ambiente Asilar e a Qualidade de Vida do Idoso. Revista A Terceira Idade.
v.16,n.33, pp 54-71, jun. 2005.

6. NERI, A.L. Qualidade de Vida e Idade Madura. Campinas: Papirus, 1993.

7. PAIVA, V.M.B. A mulher de Meia-Idade: Perda, Solidão e Corpo. Revista A Terceira Idade. ano 4,n.5, pp 05-08,
jun. 1992.

8. SOUZA, T.F.L. Qualidade de Vida em Idosos Institucionalizados.2003. 30f. Trabalho de Conclusão de curso
(graduação em Psicologia) – Curso de Psicologia do centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade São
Francisco, Itatiba.

____________________
Recebido em 07/02/2006
Aprovado em 30/07/2006

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RELATO DE UM ATENDIMENTO - PACIENTE A.L.V.D.
Verônica Trombini Ferreira 1

PACIENTE: A.L.V.D.

IDADE: 07 meses.

INFORMANTE: Mãe.

FILIAÇÃO: Pai, 25 anos, trabalha em uma peixaria e Mãe, 21 anos, do lar.

DATA DA INTERNAÇÃO ATUAL DA CRIANÇA: xx/xx/2004.

MOTIVO DA INTERNAÇÃO: Bronquite asmática.

OUTRAS INTERNAÇÕES: 1ª vez.

No caso descrito abaixo foi realizado anamnese e atendimento psicológico à mãe.

Desde o início do estágio considero este um caso de grande importância para a minha caminhada na psicologia. Através
deste, especialmente, pude estar num contato mais próximo com o atendimento psicológico. Percebi-me fazendo-o de
uma maneira natural, como deve ser, e percebendo um feedback interessante da mãe. Vi, a partir deste atendimento,
como tudo ficou claro para a mesma, e o retorno que recebi foi compensador. Fiz-me a pergunta: o que eu fiz, hoje,
neste atendimento, qualquer um poderia fazer? E vi que a resposta era “não”. Então, me vi ainda mais no caminho certo
para o alcance do meu objetivo: fazer psicologia.

O primeiro contato com a mãe ocorreu sem grandes dificuldades, com uma boa aceitação e uma empatia recíproca.
Percebi, devido ao sorriso aberto que recebi quando cheguei, que a demanda já começara a aparecer ali. Com a criança
de sete meses, a qual está internada, não pude ter tanto contato, devido ao fato da mesma estar dormindo, praticamente,
todo o tempo do atendimento psicológico, acordando apenas quando preenchia o encaminhamento para a mãe e o seu
filho, de dois anos e seis meses, que irei falar no decorrer do relatório.

Considerei este atendimento diferente dos outros porque não foi necessário passar pela anamnese (apesar detê-la feito)
para que eu pudesse perceber a demanda surgindo ali, aos poucos, ao longo do atendimento.

Não constatei qualquer demanda hospitalar por parte da mãe e/ou da família, ao contrário, a demanda era evidentemente
clínica. Por quê? Assim que iniciei a anamnese com a mãe da criança a sua fala já começava a elaborar queixas, como
se precisassem ser expressas, ditas, colocadas para fora naquele momento, de alguma forma. Certamente, pelo relato, a
demanda não era, absolutamente, hospitalar. Mas, me senti disposta e capaz de ouvir e atender aquela mãe naquele
instante.

Segundo o relato, trata-se de uma mãe insatisfeita com o fato de ser mãe. Como percebi isto? Primeiro, através do seu
próprio relato que, de nenhuma maneira, deixava isto subentendido. Segundo, porque as suas queixas foram,
praticamente todas, em virtude dos filhos. A mãe relatou que se hoje pudesse escolher, optaria por não ter tido os filhos,

1
Estudante de psicologia da Puc Minas, Campus São Gabriel, Belo Horizonte/MG.

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colocando que, antes, ela podia sair, se divertir, e hoje, fazer isso se tornava mais difícil, pois segundo sua própria fala,
teria que carregá-los para todos os lugares. Esta é uma queixa.

Percebi uma certa indiferença em relação à segunda filha, a qual estava internada, através do que me foi dito. A mãe
relatou que o primeiro filho, de dois anos e seis meses, foi esperado. Não foi uma gravidez planejada, mas ela o queria.
Já a segunda, nem tanto. Perguntei, devido ao fato de ter dito não querer a segunda filha, se havia tentado tirá-la,
interromper a gravidez, e a resposta foi “não”. Segundo seu relato, ela não ficou feliz em ter a segunda filha, pois seu
filho já estava com dois anos e seis meses, e esta era uma fase que não exigia tanto trabalho, pois a criança já fazia as
coisas, praticamente, sozinha. E então, ao invés de curtir esta fase, se isentando de tanto trabalho, não foi possível ser
como ela gostaria, pois agora teria que cuidar da filha agora, passando por todo o processo de cuidar de uma criança
pequena novamente.

Também ouvi da mãe que a avó materna é muito apegada ao menino e que já havia pedido para criá-lo. Ela respondeu
“não”, me dizendo que achava que o lugar dos filhos era ao lado da mãe. Analiso, através destas falas, a contradição de
algumas delas. Não no sentido próprio da palavra. Explico. A mãe não se sentia feliz com a responsabilidade de cuidar
dos filhos, mas achava que, ainda assim, o lugar deles é ao lado dela, ou seja, ao lado da mãe. Natural, talvez, por se
tratar do instinto maternal. Porém, coloco a possibilidade da mãe ter tido o desejo de dar a criança para que os avós
criassem, mas talvez não o tivesse feito com medo do sentimento de culpa que pudesse surgir a posteriori. Só quem
poderia analisar o real desejo e/ou motivo é o psicólogo que a tratasse na clínica.

A questão também passa pelo real, penso. No sentido de que se trata de uma mãe jovem, que teve que se privar cedo de
algumas coisas que poderia faze r em sua juventude, para poder cuidar de dois filhos pequenos. Trabalhei com ela a
questão da “recompensa”, por assim dizer. Por exemplo, você está privada de algumas coisas agora, mas você pode
fazer as coisas gosta, não é necessário se privar totalmente de tudo e de todos. Porém, fará de uma maneira diferente.
Em um tempo diferente. Os filhos pequenos dão um certo trabalho agora, mas se trata de uma fase. Pode ser
compensador vê-los crescer e praticar a experiência de ser mãe. Você não precisa deixar de estar, de sair com o seu
marido. Terá oportunidades. Tive um feedback legal.

A mãe também relatou ter tido, anteriormente, um caso de depressão, mas apesar do conselho de sua mãe de procurar
um psicólogo, não o fez. Diz se sentir estressada e sem paciência com os filhos, certamente, devido aos fatores que me
descreveu ao longo do atendimento. Tentei trabalhar esta questão da melhor forma possível e clara, na linguagem dela.

Ainda relatou-me sobre a dificuldade fisiológica do filho de dois anos, ou seja, trata-se de uma criança ressecada, que
sentiu muita dor ao evacuar pela primeira vez. A partir deste dia, a criança não o faz mais e chora, mesmo que os outros
expliquem que não irá mais sentir dor, como da primeira vez. Pediu-me um encaminhamento. Não podemos descartar a
possibilidade desta ser a impressão da mãe, projetada na criança. Mesmo assim, achei necessário encaminhá-lo para
uma melhor avaliação.

A mãe nunca tinha estado com um psicólogo antes e não sabia o que é a psicologia nem o que se fazia. Nem de que
maneira poderiam trabalhar com seu filho, de dois anos e seis meses. Expliquei claramente a ela que o psicólogo, para o
qual eu encaminharia os dois, ela e o filho, é que avaliaria a melhor maneira de trabalhar as questões. E que tudo seria
de acordo com o desenvolvimento da criança, de uma maneira que ajudasse, que conseguisse obter resultados. Salientei,
também, a importância da terapia, trabalhando as suas queixas, as questões que a incomodavam, para que ela pudesse
lidar melhor com as situações. Elaborá-las, trabalhá-las melhor.

Mais uma vez e em todos os momentos recebi um feedback legal, engrandecedor para mim.

Estou ciente que não realizei um atendimento hospitalar e sim clínico. Também poderia ter investigado mais as questões
de mo radia, devido ao diagnóstico da criança de sete meses, a qual estava internada. Mas, considerei um atendimento
rico tanto para mim, como estagiária, como para esta paciente. Houve uma transferência e contra-transferência
importantes desde o início, o que nos proporcionou um atendimento significativo, no sentido de que, era necessário de

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ter sido feito naquele momento. Eu considerei importante e fiquei feliz com o retorno que recebi. Percebi, então, que
não era qualquer um que poderia ter feito o que fiz.

____________________
Recebido em 21/03/2005
Aprovado em 18/08/2005

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E-mail: cvpsihospitalar@yahoo.com.br Local: Belo Horizonte / MG
URL: http://br.geocities.com/psicologiahospitalar/
XIII Jornadas de Investigación E-mail: psicologiahospitalar@yahoo.com.br
Segundo Encuentro de Investigadores en Psicología del
Mercosur II Congresso Brasileiro de AIDS
Local: Buenos Aires / Argentina Período: 17 a 20 de setembro de 2006
Período: 10 a 12 de agosto de 2006 Local: Santos / SP
URL: http://ji.psi.uba.ar/xiii/index.html URL: http://www.dstsaopaulo.org.br/congresso/

XIV International AIDS Conference VIII Congresso Brasileiro de Psicologia Hospitalar


Local: Toronto / Canadá Período: 11 a 14 de outubro de 2006
Período: 13 a 18 de agosto de 2006 Local: São Paulo / SP
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X Congresso da Sociedade Brasileira de Transplante de
Medula Óssea X Congreso Nacional de Psiquiatría de Sevilha
Local: Curitiba / PR Período: 16 a 21 de outubro de 2006
Período: 16 a 19 de agosto de 2006 Local: Madrid / Espanha
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V Jornada Sudeste da Associação Brasileira de Psiquiatria
Período: 18 e 19 de agosto de 2006 8th World Congress of Psycho-Oncology
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I Fórum Nacional de Atendimento Escolar Hospitalar II Congresso Internacional de Cuidados Paliativos e Dor
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Local: UNIFESP - Escola Paulista de Medicina / SP Local: Curitiba / PR
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11º. Congresso Mundial de Saúde Pública XXIV Congresso Brasileiro de Psiquiatria


8º. Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva Período: 25 a 28 de outubro de 2006
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Local: Rio de Janeiro / RJ URL: http://www.abpbrasil.org.br/congresso/
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XIV Congresso Internacional da Associação Junquiana do
XVI Congresso do Círculo Brasileiro de Psicanálise Brasil
Período: 31 de agosto a 02 de setembro de 2006 Período: 17 a 19 de novembro de 2006
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II Congresso Brasileiro Psicologia: Ciência & Profissão
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