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Revista Brasileira de Psicologia
É a revista semestral do Programa de Pós-graduação em Psicologia (PPGPSI) do Instituto de
Psicologia da Universidade Federal da Bahia – UFBA. São publicados artigos originais sobre
Psicologia e áreas afins.
O título abreviado da revista é Rev. Bras. Psicol., forma que deve ser usada em bibliografias,
notas de rodapé, referências e legendas bibliográficas.
Editor Geral
Dr. Marcos Emanoel Pereira (UFBA)
Comissão editorial
Dra. Ana Cecília de Sousa Bastos (UFBA) Dr. José Carlos Santos Ribeiro (UFBA)
Ms. Avimar Ferreira Junior (UFBA) Dr. Marilena Ristum (UFBA)
Dr. Igor Gomes Menezes (UFBA) Dra. Sonia Maria G. Gondim (UFBA)
Dra Ilka Dias Bichara (UFBA)
Conselho Editorial
Dra. Ana Raquel Rosas Torres (UFPB) Dra. Joseli Bastos da Costa (UFPB)
Dra. Ângela Maria de Oliveira Almeida (UNB) Dr. Marcos Eugênio de Oliveira Lima (UFS)
Dra. Ângela Maria Vieira Pinheiro (UFMG) Dra. Maria Angeles Cerezo (Univers. de Valência)
Dr. Antonio Marcos Chaves (UFBA) Dra. Maria de Fátima de Souza Santos (UFPE)
Dr. Antonio Virgílio Bittencourt Bastos (UFBA) Dra. Nádia Maria D. Rocha (Faculd. Ruy Barbosa)
Dr. Celso Correa de Sá (UERJ) Dr. Neander Abreu (UFBA)
Dr. Cícero Pereira (UFPB) Dr. Roberto Alves Banaco (PUCSP)
Dr. Hartmut Gunther (UNB) Dr. Ronaldo Pilatti (UNB)
Dr. Helmuth Kruger (UERJ) Dr. Saulo de Freitas Araújo (UFJF)
Dra. Isabel Correia (ISCTE/Portugal) Dra. Silvia Rosa da Silva Zanolla (UFG)
Dr. Jesus Canto (Universidad de Málaga) Dra. Sonia Maria Rocha Sampaio (UFBA)
Dr. Jorge Vala (Universidade de Lisboa, Portugal) Dr. Valdiney Veloso (UFPB)
Dr. José Luis Álvaro (UCM, Espanha) Dra. Zeidi Trindade (UFES)
Produção Editorial
MS. Bianca Becker
MS. João Marcos de Oliveira
MS. Taiane Lins
Internet
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contato@revpsi.org
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Suicídio à Luz do Caso de Ellen West: uma compreensão a partir da Daseinsanalyse psiquiátrica
Karina Okajima Fukumitsu, Cyntia Helena Ravena Pinheiro & Joana Ingrid Solomon .................... 52
Resumo: O suicídio é uma das prioridades da Organização Mundial da Saúde (OMS) e sua prevenção efetivada
a partir da ampliação das informações sobre suicídio. O artigo tem como objetivo analisar a produção científica
brasileira de 2004 a 2013 sobre suicídio pela consulta à Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) para documentos
do tipo artigo em português. Este estudo métrico e descritivo ofereceu a identificação de um crescimento
significativo no número de publicações a partir de 2009 e dois picos expressivos do número de publicações
em 2010 (35 registros) e em 2012 (40 registros) como o ano com maior número de publicações, porém, 3,34
autores por publicação pode indicar a escassez do investimento na pesquisa sobre a temática, provocando o
questionamento sobre o número reduzido de pesquisas sobre suicídio ser reflexo do tabu.
Introdução
A informação de que a cada 40 segundos 1 suicídio é consumado e 1 tentativa de
se matar é realizada a cada 3 segundos (WHO, 2008) oferece a constatação de que o
suicídio reflete o problema de saúde pública. Segundo Lovisi et al. (2009), o Brasil ocupa a
67ª posição na classificação mundial dos números de suicídio e “se encontra entre os doze
países do mundo onde há mais mortes por suicídio: 9.206 óbitos apenas no ano de 2008”,
segundo o SIM (Bertolote, 2012, p.59).
Um dos tópicos prioritários da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2008) é a
prevenção do comportamento suicida, sendo que 90% dos suicídios poderiam ser evitados
se houvesse um trabalho preventivo. Concomitantemente, a taxa de suicídios cresce
mundialmente a cada ano e por isso, a prevenção da morte auto infringida deve ser
vinculada diretamente à compreensão dos aspectos sociais, culturais, econômicos, políticos
e individuais envolvidos na atenção integral à saúde. Entretanto, desde o Plano Nacional
de Prevenção do Suicídio no qual as diretrizes brasileiras foram divulgadas em agosto de
2006, em evento realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em
Porto Alegre (Brasil, 2006), nenhum outro programa foi efetivamente realizado e efetivado,
sendo que avanços importantes foram conquistados, tais como a publicação das Diretrizes
Nacionais para Prevenção do Suicídio e o lançamento do Manual de Prevenção do Suicídio
para Profissionais das Equipes de Saúde Mental.
Portanto, acredita-se que ações preventivas, educativas, assistenciais e de pesquisa
sejam necessárias para a sensibilização da valorização da vida, além de atualizar o projeto
iniciado pela equipe capacitada e pioneira sobre a temática.
A saúde pública é um contexto que exige o direcionamento da atenção para resultados
da epidemiologia de mortes por suicídio, a fim de promover um plano de ações e propostas
de atenção básica considerando os aspectos relacionados ao suicídio. Sendo assim, o
presente artigo tem como objetivo analisar a produção científica brasileira de 2004 a 2013
sobre suicídio, por meio de um método do estudo métrico e descritivo. Nesse sentido, a
pesquisa é relevante, pois pretende a partir da análise quantitativa da produção científica
nacional, ampliar a conscientização pública e servir como escopo para o desenvolvimento
de uma estratégia nacional para a prevenção do suicídio.
Desenvolvimento
O suicídio é uma morte violenta e, na maioria das vezes, inesperada. Porém, há de
se considerar, tanto os fatores de risco predisponentes e precipitantes, quanto os sinais de
alerta, por exemplo, mudanças abruptas do comportamento.
Para Bertolote (2012, p. 7), o suicídio “não apenas representa a culminância de
um sofrimento insuportável para o indivíduo, mas também significa uma dor perpétua e
um questionamento torturante, infindável, para os que ficam”, por esse motivo, é preciso
enxergar a vida em sua possibilidade mais plena, abarcando ação e ética. Por ética salienta-
se o cuidado, que significa legitimar o outro em sua condição mais vulnerável e por ação,
configura-se a necessidade de ampliação e divulgação de forma adequada de informações
preventivas. Em contrapartida, se o acesso às informações é difícil, a população pode ser
prejudicada no sentido de se sentir desamparada em seu sofrimento.
Alvarez (1999, p.173) assinala: “Antes, o suicida era considerado sórdido, um
condenado que devia ser rejeitado com o mais puro horror. Agora ele começava, pelo menos,
a parecer humano: ‘É o caso dele; pode também ser o teu’”. A conscientização de que o
sofrimento acomete o humano e que todo ser humano deve acolher e respeitar o sofrimento
alheio, pode servir de base para que a impotência individual se transforme em ação coletiva
no sentido de promover mudanças, inclusive em relação a um dos maiores empecilhos no
manejo terapêutico da pessoa que tenta o suicídio e do sobrevivente que sofre o impacto
da morte por suicídio: o estigma do ato suicida. Explicamos. Muitas vezes, profissionais e
leigos não familiarizados com o tratamento de potenciais suicídios, minimizam o agravo
do comportamento suicida, avaliando-o e julgando como apenas “uma forma de chamar
atenção”. Esse fato acentua o estigma do suicídio e provoca isolamento tanto da pessoa
com comportamento suicida quanto do enlutado por suicídio. Portanto, é preciso possibilitar
ao profissional da saúde capacitação e treinamento para que se coloque a serviço de se
tornar um interlocutor da comunicação entre os envolvidos no cuidado ao paciente com
comportamento suicida. Cabe frisar, que o presente artigo pretende ser um convite para que
mais ações no trabalho e na educação possam ser mobilizadas para acolher o sofrimento
e desenvolver habilidades para lidar com frustrações e adversidades. Além disso, deve-se
atentar para a capacitação de recursos humanos no sentido de vincular mais pessoas aos
serviços como forma de intervenção em saúde, bem como, considerar os fatores de risco
tanto predisponentes quanto precipitantes.
Método
Trata-se de um estudo métrico e descritivo que permite uma análise quantitativa da
produção científica sobre uma determinada temática. Esse tipo de estudo pode evidenciar a
evolução de determinada área de pesquisa e oferecer subsídios para a análise de tendências,
proporcionando uma caracterização de forma integral da bibliografia e a identificação da
estrutura intelectual da área (Ferreira, 2010).
A coleta de dados foi realizada em fevereiro de 2014, por meio de consultas à Biblioteca
Virtual em Saúde (BVS)5. Para realização das consultas à fonte de dados citada foi utilizado
o termo “suicídio”. A consulta à BVS foi realizada a partir de pesquisa de documentos do
tipo artigo, selecionando o idioma português, delimitando o período de 2004 a 2013. Tal
período foi delimitado pelo fato de os pesquisadores terem o interesse pela configuração
das pesquisas realizadas sobre a temática antes do projeto Plano Nacional de Prevenção
do Suicídio e após até o ano de 2013.
Para eliminação dos documentos repetidos, foi utilizado um processamento automático
dos registros capturados seguido de uma revisão manual complementar. Ao final desta etapa,
foram identificados 337 registros distintos. Com o objetivo de gerar subsídios para a análise
da produção científica, além dos recursos matemáticos e estatísticos, foram utilizadas as
tecnologias VOSviewer (Van Eck e Waltman, 2010) e Network Workbench (NWB Team, 2006)
para a representação visual de uma rede colaborativa de pesquisa envolvendo os autores
mais produtivos no período considerado.
Resultados
Analisando o período de 2004 a 2013 estabelecido para a busca, a figura 1 apresenta
o total anual de publicações, nos quais se identifica um crescimento contínuo no número
de publicações de 2007 a 2010 e dois picos expressivos do número de publicações em
2010 com 49 registros e em 2012 com 53 registros, sendo este o ano onde ocorreu o maior
número de publicações.
5 Disponível em http://brasil.bvs.br/pt
Tabela 1:
Número de publicações por revista especializada.
# Revista Publicações %
1 Ciência e Saúde coletiva 30 8,90
2 Jornal Brasileiro de Psiquiatria 30 8,90
3 Revista Brasileira Psiquiatria 22 6,53
4 Caderno de Saúde Pública 21 6,23
5 Revista de Psiquiatria clínica. (São Paulo) 17 5,04
6 Revista de Saúde Pública 10 2,97
7 Revista de psiquiatria do Rio Grande do Sul 10 2,97
8 Caderno de saúde coletiva 6 1,78
9 Ciência, Cuidado e Saúde 6 1,78
10 Psicologia Ciência e Profissão 6 1,78
11 Revista Bioética 6 1,78
12 Revista de medicina de Minas Gerais 5 1,48
13 Agora (Rio Janeiro) 4 1,19
14 Escola Anna Nery Revista de Enfermagem 4 1,19
15 Psico-USF 4 1,19
16 Psicologia & Sociedade 4 1,19
17 Revista da Associação Médica Brasileira 4 1,19
18 Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental 4 1,19
19 Outras (94 revistas) 144 1,99
Com relação ao número de autores, foram identificados 867 autores distintos e 1126
autores no total geral, correspondendo a uma média de 3,34 autores por publicação. Embora
tenha sido verificada a ocorrência de pequenas incorreções ortográficas nos nomes de
alguns autores no registro de suas produções científicas, foi possível ser identificada a
produção científica dos autores mais produtivos (com pelo menos 4 publicações sobre o
tema), conforme apresenta a tabela 2.
Tabela 2:
Autores mais produtivos (com pelo menos 4 publicações sobre o tema).
# Autor Publicações
1 Blanca Susana Guevara Werlang 15
2 Fatima Goncalves Cavalcante 11
3 Maria Cecilia de Souza Minayo 11
4 Neury Jose Botega 9
5 Humberto Correa 8
6 Magda Lucia Felix de Oliveira 7
7 Giovanni Marcos Lovisi 6
8 Luiza Jane Eyre de Souza Vieira 6
9 Stela Nazareth Meneghel 6
10 Felipe Filardi da Rocha 5
11 Leticia Fortes Legay 5
12 Lucia Abelha 5
13 Maria da Penha de Lima Coutinho 5
14 Raimunda Matilde do Nascimento Mangas 5
15 Alfredo Cataldo Neto 4
16 Antonio Egidio Nardi 4
17 Kay Francis Leal Vieira 4
18 Liana Wernersbach Pinto 4
19 Luciano Dias de Mattos Souza 4
20 Paulo Dalgalarrondo 4
21 Ricardo Azevedo da Silva 4
22 Ricardo Tavares Pinheiro 4
23 Simone Agadir Santos 4
24 Simone Goncalves de Assis 4
25 Sonia Grubits 4
26 Viviane Franco da Silva 4
Tabela 3:
Especialidades dos três autores mais produtivos obtidas em consulta à Plataforma Lattes.
# Autor Especialidade
Graduação em Psicologia; Especialização em Educação
Psicomotora; Especialização em Diagnóstico Psicológico;
1 Blanca Susana Guevara Werlang
Mestrado em Psicologia Social e da Personalidade; Doutorado
em Ciências Médicas/Saúde Mental.
Graduação em Psicologia; Doutorado e Pós-doutorado em
2 Fatima Goncalves Cavalcante
Saúde Pública; Mestrado em Psicologia Social.
Para cada autor mais produtivo, a tabela 4 apresenta o número total de parcerias, o
número total de parcerias distintas e a média de autores por publicação na qual participa.
Nota-se que as publicações de Luciano Dias de Mattos Souza, de Ricardo Tavares Pinheiro e
de Ricardo Azevedo da Silva contaram com a maior média (8,00) de autores por publicação e,
por outro lado, as publicações de Blanca Susana Guevara Werlang (autora mais produtiva),
apresentaram a menor média (2,20) de autores por publicação, o que pode significar que,
além de sua participação na elaboração do plano nacional de prevenção do suicídio em
2006, a autora, considerada um ícone da suicidologia brasileira, continuou colaborando com
suas pesquisas sobre a temática mesmo após a não continuidade do plano pela motivação
pessoal para minimizar as mortes pelo suicídio.
Tabela 4:
Número de parcerias, número de parcerias distintas e média de autores por publicação.
# Autor Total de Total de Parcerias Média de autores
Parcerias Distintas Por publicação
1 Blanca Susana Guevara Werlang 18 10 2,20
2 Maria Cecilia de Souza Minayo 30 15 3,73
3 Fatima Goncalves Cavalcante 30 15 3,73
4 Neury Jose Botega 34 19 4,78
5 Humberto Correa 22 16 3,75
6 Magda Lucia Felix de Oliveira 18 15 3,57
7 Stela Nazareth Meneghel 34 22 6,67
8 Luiza Jane Eyre de Souza Vieira 36 27 7,00
9 Giovanni Marcos Lovisi 19 9 4,17
Raimunda Matilde do
10 26 16 6,20
Nascimento Mangas
11 Felipe Filardi da Rocha 17 11 4,40
12 Leticia Fortes Legay 16 6 4,20
13 Lucia Abelha Lima 16 8 4,20
14 Maria da Penha de Lima Coutinho 10 8 3,00
15 Luciano Dias de Mattos Souza 28 16 8,00
16 Ricardo Tavares Pinheiro 28 16 8,00
17 Ricardo Azevedo da Silva 28 16 8,00
18 Liana Wernersbach Pinto 12 6 4,00
19 Simone Goncalves de Assis 12 6 4,00
20 Sonia Grubits 20 15 6,00
21 Simone Agadir Santos 13 5 4,25
22 Alfredo Cataldo Neto 15 14 4,75
23 Viviane Franco da Silva 22 11 6,50
24 Paulo Dalgalarrondo 15 6 4,75
25 Kay Francis Leal Vieira 8 6 3,00
26 Antonio Egidio Nardi 9 9 2,20
Neste mapa, a distância entre dois autores indica o grau do relacionamento entre eles,
sendo que quanto menor a distância, maior é a relação entre tais autores (Eck e Waltman,
2011). Ainda, autores próximos possuem maior similaridade de suas parcerias, como pode
ser exemplificado no caso de Luiza Jane Eyre de Souza Vieira e Stela Nazareth Meneghel. A
figura 3 ilustra um efeito de zoom no mapa apresentado na figura 2, na região de tais autoras.
Figura 3: Zoom no mapa da figura 2, na região das autoras Luiza Jane Eyre de Souza Vieira e Stela Nazareth
Meneghel.
Figura 5: Zoom no mapa da figura 2, na região do autor Luciano Dias de Mattos Souza.
Considerações Finais
Suicídio é um evento único, inesperado (às vezes não), violento, porém, que decorre
de um processo que abarca vários eventos. Dessa maneira, acredita-se que o assunto não
pertence somente à saúde pública, mas sim, diz respeito à comunidade como um todo sendo
necessário promover informações, suporte e capacitação para situações de pessoas em
sofrimento existencial.
A maioria das publicações acadêmicas foram escritas em parcerias. Entretanto,
enfatiza-se que no estudo do suicídio, a parceria é condição sine qua non, pois se o suicídio
é um fenômeno multifatorial, a pesquisa científica deverá considerar os fatores psicológicos,
biológicos, sociais, culturais etc.
Blanca Werlang foi uma das responsáveis pelo programa de prevenção de 2006 e
foi ela quem ofereceu a maior contribuição na pesquisa sobre o suicídio, sendo autora de
15 artigos. O Rio Grande do Sul é o lugar que lidera as mortes por suicídio no Brasil, assim
como, foi o local onde mais artigos brasileiros tiveram seu destaque entre o período de 2004
a 2013. Nesse sentido, seria possível associar os artigos mais publicados ao investimento
6 Um grafo é uma representação gráfica de elementos de dados e das conexões entre alguns destes itens.
7 Disponível em http://graphml.graphdrawing.org/
tanto dos pesquisadores quanto do estado para a pesquisa? Se a resposta for positiva,
nossa próxima indagação se direciona para o levantamento de ideias para se sensibilizar a
população e políticas públicas para incentivo aos pesquisadores e docentes de universidades
para o aprofundamento dos estudos sobre a temática.
Trabalho árduo cuja participação da sociedade é essencial. A fragilidade dos sistemas
de atendimento e o estigma que o suicídio carrega podem ser apontados como aspectos a
serem considerados no trabalho de prevenção ao suicídio. Além do levantamento de artigos
brasileiros e a atenção para os dados epidemiológicos, endossamos o incentivo para uma
estratégia nacional de prevenção do suicídio que envolve o treinamento, instrumentalização e
capacitação de profissionais da saúde que facilitem a prevenção, manejo do comportamento
suicida a partir do incentivo da formação em urgência psiquiátrica e foco em estudos sobre
suicidologia, considerando sua compreensão, bem como, processos de atenção, assistência
e acompanhamento dos familiares impactados pelo suicídio.
Referências
Alvarez, A. (1999). O Deus selvagem: um estudo do suicídio. São Paulo, Companhia das
Letras.
Bertolote, J.M. (2012). O suicídio e sua prevenção. São Paulo, Editora Unesp.
Ferreira, A.G.C. Bibliometria na avaliação de periódicos científicos. Datagramazero, v.11,
n.3, jun.2010. Disponível em: http://www.dgz.org.br/jun10/Art_05.htm
Lovisi GM, Santos SA, Legay L, Abelha Lucia A, Valencia E. (2009). Análise epIdemiológica
do suicídio no Brasil entre 1980 e 2006. Revista Brasileira de psiquiatria, v.31, supl.II,
S86-93.
NWB Team. (2006). Network Workbench Tool. Indiana University, Northeastern University,
and University of Michigan, http://nwb.slis.indiana.edu
Van Eck, N.J., & Waltman,L.(2010). Software survey: VOSviewer, a computer program for
bibliometric mapping. Scientometrics, 84(2), 523-538.
WHO (2008). Preventing Suicide: How to start a survivors group. Geneva, Switzerland, World
Health Organization.
Resumo: Vários estudos sobre comportamento autodestrutivo afirmam que o suicídio é um grave problema de
saúde pública, complexo, multideterminado e de grande impacto social, econômico e pessoal. Nesse sentido,
o presente artigo objetivou apresentar as estatísticas sobre suicídio, tentativas de suicídio e de autoferimento
no Brasil e no mundo. Para tanto, valho-me principalmente dos dados colhidos pela OMS, OECD e pelo Mapa
da Violência. Segundo a OMS, mais de 800 mil pessoas se suicidam todos os anos, representando uma
morte a cada 40 segundos, podendo chegar a 1,6 milhão de mortes por ano em 2020. Já as tentativas de
suicídio são estimadas em 20 vezes a de suicídios consumados, ou uma tentativa a cada 2 segundos. Desta
forma, a taxa mundial de suicídio é de 11,4 por 100 mil habitantes (15,0 para homens e 8,0 para mulheres),
enquanto no Brasil é de 5,8 (2,5 para mulheres e 9,4 para homens). 75% dos casos de suicídio ocorrem
em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, crescendo principalmente entre os jovens. Os dados
levantados pela OMS, OECD e outros pesquisadores são fundamentais para a elaboração de estratégias para
o enfrentamento e a prevenção do comportamento autodestrutivo junto aos governos nacionais.
Palavras-chave: comportamento suicida; suicídio; tentativa de suicídio; epidemiologia.
Abstract: Several studies on self-destructive behavior state that suicide is a serious public health problem,
besides being complex, multidimensional and entailing highly social, economic and personal impact. In this
sense, this paper aims to present statistics on suicide, suicide attempts and self-injuring in Brazil and worldwide.
Therefore, I rely primarily on data collected by WHO, OECD and the Violence Map. According to WHO, more
than 800,000 people commit suicide each year, representing one death every 40 seconds, reaching 1.6
million deaths per year in 2020. On the other hand the suicide attempts are estimated at 20 times the suicide
accomplished or attempted every 2 seconds. Thus, the global suicide rate is 11.4 per 100 thousand inhabitants
(15.0 for men and 8.0 for women), while in Brazil it is 5.8 (2.5 for women and 9.4 for men). Seventy per cent
of suicide cases occur in underdeveloped or developing countries, growing especially among young people.
The data collected by WHO, OECD and other researchers are fundamental for the development of strategies
to combat and prevent self-destructive behavior with national governments.
Keywords: suicidal behavior; suicide; suicide attempt; epidemiology.
1 Psicólogo, mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás e doutorando em Psicologia pela
Universidade Federal da Bahia, com bolsa de doutorado financiado pelo CNPq. contato@avimarjr.com
Introdução
Vários estudos sobre o comportamento autodestrutivo afirmam que o suicídio é
um grave problema de saúde pública, complexo e multideterminado e de grande impacto
social, econômico e pessoal. Diante da constatação do aumento no número de casos de
suicídio, tentativas de suicídio e lesões autoprovocadas, a Organização Mundial de Saúde
(OMS) tem se esforçado em estabelecer junto aos governos nacionais estratégias para o
enfrentamento e a prevenção do comportamento autodestrutivo, tendo lançado em 2014
seu primeiro relatório com uma ampla pesquisa sobre o tema para subsidiar a construção
das políticas públicas de prevenção do suicídio.
Também preocupada com a questão, a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OECD, sigla em inglês), dedica uma seção ao suicídio em seu
relatório anual sobre a saúde e o sistema de saúde em seus países membros. A organização
considera o fenômeno suicida
como uma evidência, não só de colapso pessoal, mas também de uma deterioração do contexto
social em que um indivíduo vive. O suicídio pode ser o ponto final de um número de diferentes fatores
contribuintes. É mais provável de ocorrer durante os períodos de crise associadas a perturbações de
relações pessoais, por meio de abuso de álcool e drogas, desemprego, depressão clínica e outras
formas de doença mental. Devido a isso, o suicídio é frequentemente utilizado como um indicador
indireto do estado de saúde mental da população (OECD, 2014, tradução minha)
As estatísticas globais
A autodestrutividade humana é um fenômeno mundial. Segundo a OMS (2014), mais
de 800 mil pessoas se suicidam todos os anos e esse número deve chegar a 1,6 milhão de
mortes em 2020. Contudo, a própria OMS acredita que esse número esteja subestimado
em 20 vezes por conta da subnotificação ou inexistência de registros de ocorrências,
principalmente em países da África e Oriente Médio, bem como pelo próprio tabu no qual o
tema está envolto em todo o mundo.
Estes dados implicam que o suicídio responderá por 1,5% do total de óbitos no mundo
em 2015, ocorrendo ao menos uma morte a cada 40 segundos. Desta forma, o suicídio é
responsável por mais mortes que as guerras e assassinatos ocorridos no período de um ano.
Ao mesmo tempo, a cada suicídio consumado, ao menos seis pessoas próximas ao falecido
terão suas vidas profundamente afetadas sócio, econômica e emocionalmente.
A taxa mundial de suicídio aferida pela OMS (2014) é de 11,4 óbitos por 100 mil
habitantes (15,0 para homens e 8,0 para mulheres). Observa-se na Figura 1 que as maiores
taxas de óbitos por suicídio encontram-se no leste europeu e as mais baixas na América
Latina. Europa ocidental, Estados Unidos e Oceania presentam taxas intermediárias. Já os
dados dos países africanos são pouco confiáveis ou inexistentes, dificultando a aferição
fidedigna das taxas de suicídio.
Em números absolutos, conforme a Tabela 1, os países com mais mortes por suicídio
são a Índia, China, Estados Unidos, Rússia, Japão, Coreia do Sul, Paquistão e Brasil.
Contudo, quando se olha para as taxas de suicídio, os países que se destacam são Guiana,
Coreia do Sul, Coreia do Norte, Sri Lanka, Lituânia, Suriname, Moçambique e Nepal.
Figura 1: Mapa de taxas de suicídio (por 100 000 habitantes), ambos os sexos, 2012. (WHO, 2014)
Países populosos como China, Índia e Brasil, apesar do grande número de casos,
apresentam baixas taxas de suicídio. Por sua vez, a Guiana, com menos de um milhão de
habitantes apresenta a maior taxa mundial, 44,0 por 100 mil habitantes. Vale lembrar que
a taxa de morbidade por suicídio expressa o número de suicídios ocorridos em um país ou
região a cada 100 mil habitantes durante o período de um ano.
Tabela 1:
Países com mais óbitos por suicídio e maiores taxas de suicídio em 2012. (WHO, 2014)
Óbitos por suicídio (mil) Taxa de suicídio (por 100 mil)
País Total País Homem Mulher Todos
Índia 258 Guiana 70,8 22,1 44,2
China 121 Coreia do Sul 41,7 18 28,9
EUA 43 Coreia do Norte 45,4 35,1 38,5
Rússia 31 Sri Lanka 46,4 12,8 28,8
Japão 29 Lituânia 51 8,4 28,2
Coreia do Sul 17 Suriname 44,5 11,9 27,8
Paquistão 13 Moçambique 34,2 21,1 27,4
Brasil 12 Nepal 30,1 20,0 24,9
Outro dado levantado pela OMS é que 75% dos casos de suicídio se dão em países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, apontando para uma correlação entre situação
econômica e taxas de suicídio, ainda que esta não seja infalível. Um exemplo é o aumento
do número de suicídio na Grécia, país que enfrenta uma séria crise econômica, cuja taxa
saltou de 3,4, no ano 2000, para 3,8 em 2012 (WHO, 2014), representando um aumento de
10,5%. Outros estudos (Blasco-Fontecilla et al., 2012; Branas et al., 2015) também relatam
o aumento do suicídio em períodos de crise econômica na Grécia; contudo, o relatório da
OECD (2014) afirma que não parece existir uma relação entre crise econômica e taxas de
suicídio.
Figura 2: Variação nas taxas de suicídio entre 1990 e 2010, em alguns países selecionados (OECD, 2014).
Figura 3: Satisfação de vida por idade, em 2007 e 2012, em alguns países selecionados (OECD, 2014)
Figura 4: Porcentagem de mudança na taxa de suicídio entre 2000 e 2011 (OECD, 2014) e entre 2000 e 2012
(WHO, 2014), em alguns países selecionados.
No tocante a Figura 4, percebe-se que a flutuação nas taxas de suicídio não é igual
na medição da OMS e OECD. Essas diferenças podem se dever a metodologias de coleta
de dados diferentes, bem como o período de coleta dos dados. Contudo, apesar de no geral
as flutuações na taxa de suicídio apresentarem as mesmas tendências de alta ou baixa, em
alguns casos como o da África do Sul, Portugal e Grécia, as taxas oscilam em tendência
oposta; em outras as diferenças são significativas, como no caso dos Estados Unidos, Japão,
Islândia, Canadá, Eslovênia e Reino Unido, por exemplo.
Idade e sexo
Segundo a OMS (2002), percebe-se uma inversão na distribuição de casos de
suicídios por idade, conforme mostrado na Figura 5: os jovens de 5–44 anos passaram a
se suicidar mais que os adultos com idade acima de 45 anos e essa tendência parece se
manter nos próximos anos, segundo as projeções da própria Organização (WHO, 2013). É
um fato preocupante uma vez que o suicídio já é a segunda causa de morte de jovens entre
15─29 (WHO, 2014), sendo o grupo com maior risco de suicídio em um terço dos países
pesquisados, tanto desenvolvidos como em desenvolvimento.
Figura 5: distribuição de casos de suicídio por idade em 1950 e em 2000 (WHO, 2002) e projeções para 2015
e 2030 (WHO, 2013), em porcentagem.
Tanto a OMS (2014) quanto a OECD (2014) indicam que o suicídio é mais comum
entre homens e a tentativa de suicídio entre as mulheres. Essa é uma tendência histórica,
já percebida no século XIX por Peuchet e Marx (2006) e confirmada por Durkheim (2000).
A Figura 6 mostra que, historicamente, a variação da taxa de suicídio em ambos os sexos
segue a mesma tendência de alta, contudo a variação no grupo masculino é maior que no
feminino.
Figura 6: Taxa global de suicídio desde 1950 e projeção para 2020. (Bertolote & De Leo, 2012)
A taxa global de suicídio entre os homens é de 15,0 por 100 mil hab. e entre as
mulheres é de 8,0 (WHO, 2014). Contudo, como observa a OMS (2014), as taxas de suicídio
variam conforme a região, o país e com a idade. Quando computado o total de suicídios, a
razão1 entre a taxa de suicídio de homens e mulheres nos países desenvolvidos é de 3,5 e
nos países em desenvolvimento é de 1,6, conforme sugerido na Figura 7.
Figura 7: razão entre as taxas de suicídio de homens e mulheres, por faixa etária e nível de renda dos países
em 2012. (WHO, 2014)
Sobre os métodos utilizados para o suicídio, a OMS (2014) afirma que os dados são
poucos e inconsistentes. Em países de alta renda, os principais métodos para o suicídio são
o enforcamento, utilizado em 50% dos casos, e o uso de armas de fogo, usadas em 18%
dos casos, principalmente nos países de alta renda das Américas, respondendo por 46% dos
suicídios naqueles países, contra 4,5% em outros países de alta renda. Nas zonas rurais e
em países de baixa ou média renda, o uso de pesticida se destaca, responsável por cerca
de 30% dos casos de suicídio no mundo.
1 Razão é usada em matemática para comparar duas grandezas, dividindo uma pela outra. No caso da razão
entre o suicídio de homens e mulheres, divide-se o número de suicídio de homens pelo de mulheres e obtém-
se quantos homens se suicidam a cada suicídio feminino.
As estatísticas brasileiras
Segundo a OMS (2014), em número de ocorrências, o Brasil é um país que apresenta
baixas taxas de suicídio e de tentativa de suicídios. A taxa de suicídio no país aferida pela
OMS (2014) é de 5,8 por 100 mil hab., sendo 2,5 entre as mulheres e 9,4 entre os homens,
conforme a Tabela 2, representando a razão de 3,5 entre o suicídio de homens e mulheres.
Ainda consoante a Tabela 2, entre os anos 2000 e 2012 o crescimento da taxa de suicídio
no Brasil foi de 10.4%. apesar das taxas de suicídio serem consideradas baixas pela OMS,
algumas regiões do país, como o extremo norte e o extremo sul, apresentam taxas tão altas
como as do leste europeu (Waiselfisz, 2014).
Tabela 2:
Distribuição das taxas de suicídio por faixa etário e sexo em 2012, total dos suicídios em números brutos e
em taxas nos anos 2000 e 2012 por sexo e idade, e a variação das taxas de suicídio (%) entre 2000 e 2012
por sexo e idade (WHO, 2014)
Taxa de Taxa de % de variação
Taxas de suicídio por faixa etária (2012) Suicídio suicídio da taxa de
Total de
Sexo (2012) (2000) suicídio
Suicídios Todas 5–14 15–29 30–49 50–69 70+
2000-2012
idades anos anos anos anos anos
Ambos 11.821 6,00 0,40 6,70 8,40 8,00 9,80 5,80 5,30 10,40%
Mulheres 2623 2,60 0,30 2,60 3,70 3,80 3,30 2,50 2,10 17,80%
Homens 9198 9,40 0,40 10,70 13,30 12,70 18,50 9,40 8,70 8,20%
No Brasil o suicídio é responsável por 3,7% das mortes entre jovens (sujeitos com
idade entre 15 a 29 anos) e por 0,7% entre os não jovens (sujeitos abaixo de 15 anos ou
acima de 29 anos). De 1980 a 2012, o total de suicídio no período de um ano saltou de
3.896 casos para 10.321, um aumento de 62,5% (Waiselfisz, 2014). Entre 2002 e 2012 o
crescimento da taxa de suicídio foi de 33,6%, superior ao crescimento das taxas de homicídio
(2,1%), de mortalidade nos acidentes de transportes (24,5%) e do crescimento da população
brasileira (11,1%) no mesmo período.
Quanto à distribuição geográfica, no período de 2002 a 2012, segundo Waiselfisz
(2014), a região norte se destaca de forma preocupante, uma vez que os suicídios passaram
de 390 para 693, representando um aumento de 77,7%. Contudo, Acre, Roraima, Tocantins
e Amazonas duplicaram os casos de suicídio.
O nordeste também preocupa já que sua taxa cresceu 51,7% no período, em especial
Paraíba e Bahia, apesar de em números absolutos possuem poucos óbitos por suicídio. As
regiões Centro-Oeste e Sul também tiveram elevação dos casos de suicídio, 16,3% e 15,2%,
respectivamente. Por fim, a região sudeste observou um crescimento de 35,7% de sua taxa
de suicídio, tendo o Rio de Janeiro quase zerado sua taxa de crescimento e Minas Gerais
que teve uma elevação de 58,3% nos óbitos por suicídio.
Como alerta Waiselfisz (2014), as estatísticas podem camuflar verdadeiras tragédias
pontuais ao dissolverem o particular no todo. Afirma o pesquisador que
Mato Grosso do Sul e Amazonas concentravam 81% do total nacional de suicídios indígenas. Segundo
dados da Funai, o Amazonas contava com 83.966 indígenas, pelo que sua taxa de suicídios específica
para essa população seria de 32,2 em 100 mil. Já para o Mato Grosso do Sul, que contava com 32.519
indígenas, a taxa de suicídios seria de 166,1 a cada 100 mil indígenas. Entre os jovens, podemos
estimar para o Amazonas uma taxa de 101 suicídios para 100 mil jovens (registraram-se 17 suicídios
juvenis em 2008) e de 446 para Mato Grosso do Sul, que registrou 29 suicídios juvenis nesse ano.
(Waiselfisz, 2014, pp. 183–184)
Idade e sexo
Quanto a distribuição das taxas de suicídio em relação ao sexo, o Brasil segue a
tendência mundial em que os homens se suicidam mais que as mulheres, conforme se
observa na Figura 8. O gráfico também demonstra o aumento nos óbitos por suicídio apontado
por Waiselfisz (2014) em todas os grupos etários, menos entre as mulheres jovens. O maior
aumento da taxa de suicídio foi entre os homens jovens, saltando de 5,7 em 1980 para 8,9
em 2012, um incremento de 54,1%. Contudo, como observa Waiselfisz (2014), as taxas de
suicidios entre homens tendem a aumentar enquanto entre as mulheres tendem a cair.
Ao observarmos os dados apresentados na Tabela 3, percebe-se que assim como
ocorre entre o relatório da OMS (2014) e o da OECD(2014), também existe uma diferença
entre os números aferidos pelo ministério da saúde brasileiro e o da OMS e OECD. Diferentes
metodologias de coleta de dados poderiam explicar essas diferenças.
Observa-se também a ocorrência de suicídios de crianças entre 5 e 9 anos (3 casos)
e entre 10 e 14 anos (117 casos) em 2012. O suicídio de crianças com idades abaixo de 12
é um assunto polêmico em que os especialistas não possuem consenso sobre o grau de
consciência da irreversibilidade da morte e, por consequência, do suicídio (Fensterseifer &
Werlang, 2003; Friedrich, 1989; Torres, 1979).
Figura 8: Número e taxas de suicídio (por 100 mil) por Sexo. População Total, Jovem e Não Jovem, por sexo.
Tabela 3:
Óbitos por suicídio em 2012. Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM
ignorada
80 anos
10 a 14
15 a 19
20 a 29
30 a 39
40 a 49
50 a 59
60 a 69
70 a 79
e mais
Idade
5a9
anos
anos
anos
anos
anos
anos
anos
anos
anos
Sexo Total
Masc 2 77 477 1835 1768 1450 1091 721 394 221 25 8061
Fem 1 40 198 389 480 449 362 195 98 40 5 2257
Ign - - - 1 - - - - - 1 1 3
Total 3 117 675 2225 2248 1899 1453 916 492 262 31 10321
Quanto aos métodos utilizados para o suicídio faltam informações nos registros oficiais.
Segundo Botega (2014), os meios utilizados variam conforme a cultura e a disponibilidade.
Nesse sentido,
No Brasil, a própria casa é o cenário mais frequente de suicídios (51%), seguida pelos hospitais
(26%). Os principais meios utilizados são enforcamento (47%), armas de fogo (19%) e envenenamento
(14%). Entre os homens predominam enforcamento (58%), arma de fogo (17%) e envenenamento por
pesticidas (5%). Entre as mulheres, enforcamento (49%), seguido de fumaça/fogo (9%), precipitação
de altura (6%), arma de fogo (6%) e envenenamento por pesticidas (5%) (Lovisi et al., 2009). (Botega,
2014, p. 233)
delimitação de um grupo em uma dada região (Borges & Werlang, 2006; da Silva et al., 2006;
L. D. de M. Souza et al., 2010; V. dos S. Souza et al., 2011; Werlang, Borges, & Fensterseifer,
2005). Assim, as generalizações das conclusões são sempre limitadas. Contudo, como já
apontamos, a OMS afirma que a cada suicídio de adulto, ocorrem 20 casos de tentativas
de suicídio e, assim sendo, o número de tentativas de suicídios no país pode chegar a casa
de 200 mil casos por ano.
Considerações finais
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Resumo: Este artigo discute como o tabu relativo ao suicídio pode dificultar a observação dos sinais do
percurso suicida e os consequentes problemas advindos para a prevenção. Consideramos como percurso
suicida os rastros, sinais, pegadas que o suicida deixa ao longo de sua trajetória na construção deste ato. O
percurso suicida deixa seus sinais no cotidiano, mas estes são pouco observados e identificados como sinal
de risco por familiares, amigos e, inclusive, pelos próprios profissionais de saúde. Na pesquisa entrevistamos
seis profissionais de saúde e analisamos sua postura referente à morte, ao suicídio e aos interditos envolvidos
e como estes podem impedir a percepção dos sinais do percurso suicida. Concluímos que apesar destes sinais
tornarem-se visíveis, estes não são reconhecidos, pois existe uma recusa para esta comunicação velada da
pessoa que morre por suicídio.
Palavras-chave: suicídio, tabu, prevenção.
Abstract: This article discusses how the taboo on suicide may hinder the observation of signs of suicidal path
and consequent problems arising for prevention. We consider suicidal path traces, signs, footprints that suicide
leaves along its trajectory in the construction of this act. The route leaves her suicidal signs in everyday life, but
these are poorly observed and identified as a sign of risk by family, friends and even by health professionals
themselves. In the survey interviewed six health professionals and analyze your stance on the death, suicide
and prohibitions involved and as these can prevent the perception of the signs of suicidal route. We conclude
that despite these signs become visible, they are not recognized, because there is a refusal to this veiled
suicidal communication.
KeyWords: suicide, taboo, prevention.
Introdução
observador se recusasse a olhar para esta comunicação velada do suicida. Esta questão
da não visibilidade dos sinais do suicídio é corroborada por outras pesquisas: Suicídio,
testemunhos do adeus em Dias (1999), Suicídio na trama da comunicação de Silva (1992),
A estrutura do discurso suicida, o cálculo que suporta a comunicação do insuportável de
Martinez (2007) e As cerimônias da destruição em Kalina (1984).
de saúde, apesar, dos sinais de risco suicida. Portanto, observamos que conhecer os sinais
deixados pelo indivíduo que se matou é fundamental no processo de prevenção, mas é
apenas o primeiro passo de uma estratégia de prevenção em saúde coletiva. Devemos
nos habilitar para reconhecer o processo de construção do desejo pela morte voluntária
para propor intervenções em saúde adequadas. Mas, esta passagem fundamental entre o
conhecimento dos sinais do percurso suicida e seu reconhecimento quando este processo
se dá nas situações vividas é nosso objeto de interesse. Sendo assim, neste artigo visamos
discutir o tabu em relação ao suicídio e sua interferência nas estratégias de prevenção dos
profissionais de saúde. Ou seja, como tabu em relação à morte por suicídio e seus interditos
podem interferir nas estratégias de prevenção.
Neste trabalho objetivamos uma análise do impacto destas, especificamente os
suicídios, e como estas ocupam um lugar de transgressão em relação ao tabu da morte na
sociedade ocidental. Serão discutidos alguns conceitos que auxiliam na compreensão da
cultura da morte na atualidade e como os suicídios contrapõem este padrão.
são inevitáveis, pois não há discrição, o corpo é exposto ao público e a visibilidade da morte
é intensa.
Nesta fase interdita da morte descrita por Àries (1989) encontramos uma morte insípida,
higiênica, sem emoção, controlada no tempo e no espaço, maquiada, rápida, famílias sem
luto, enfim, todos os signos da morte são gradualmente abolidos ou minimizados. Esses
fenômenos constituem um verdadeiro interdito à morte: aquilo que anteriormente era lícito em
relação à morte passa a ser proibido. E, consideramos que, para cada novo interdito, surgem
novas formas de transgressão: entre elas o suicídio. Os suicídios ao escaparem às restrições
impostas pela cultura moderna e tecnológica se colocam como uma forma transgressão.
Neste fenômeno encontramos a morte sem higiene, sem discrição, sem controle no tempo
e espaço, sem disfarces, em locais inadequados e com toda emoção possível. A morte na
nossa sociedade ocorre longe dos olhos das pessoas, quase sempre é tratada como um
evento de domínio médico-hospitalar, ela é controlada no tempo e espaço, a aparência
da morte é oculta com o tratamento estético dado aos mortos, inúmeros rituais fúnebres a
escamoteiam, e muitos outros atos fazem o envoltório que nos afastam da morte.
Os suicídios burlam estes mecanismos de proteção e trazem à cena a morte explícita
e revelam aos olhos do mundo aquilo que é velado, aquilo que é o nãonomeado, aquilo
que é interdito. Esta transgressão do ato suicida em relação ao tabu da morte pode levar
às consequentes reações de esquiva que impossibilitam a observação dos sinais que os
suicidas revelam no cotidiano? Finalizando nosso argumento, propomos neste artigo discutir
a temática do tabu em relação ao suicídio e sua interferência nas estratégias de prevenção
dos profissionais de saúde.
Método
Elaboramos uma pesquisa qualitativa cujo objetivo fundamental foi verificar se
angústias e medos em relação à morte a ao suicídio (óbitos e tentativas) dos profissionais da
saúde do Município de Santos trazem implicações nas estratégias de prevenção ao suicídio.
Na primeira fase desta pesquisa procedemos com um levantamento dos profissionais de
saúde, que abordavam a população estudada no Município de Santos via informações
públicas e informatizadas.
Na segunda fase procedemos com a busca destes profissionais, via os endereços
de trabalho. Os critérios de seleção para a entrevista dos profissionais foram: a abordagem
da população em estudo, o conhecimento de sinais de comportamento suicida, segundo o
manual: Prevenção do Suicídio: Manual dirigido aos profissionais das equipes de saúde mental
do Ministério da Saúde (2006) e a aceitação para participar da pesquisa. Os entrevistados
encontravam-se na faixa etária de 30 a 50 anos e suas profissões eram psicólogo, terapeuta
ocupacional, assistente social e auxiliar de enfermagem e alguns também atuavam como
docentes em universidade.
O Termo de Conhecimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi oferecido aos participantes
da pesquisa e somente após a concordância, sua participação foi efetivada. Nesta pesquisa
os critérios éticos foram respeitados e a mesma foi submetida ao núcleo de Bioética da
UNIFESP e aprovado pelo Comitê de Ética (020/11).
Na última fase realizamos nossas entrevistas semiestruturadas com profissionais de
saúde, sendo que o roteiro de entrevistas foi utilizado como desencadeador de discurso sobre
a morte e o suicídio. Assim sendo, não cerceamos o discurso dos profissionais entrevistados
ou restringimos suas colocações às questões formuladas nas entrevistas. Nossa meta foi
conhecer a postura diante da morte e do suicídio dos profissionais de saúde e como estas
concepções podem influenciar suas práticas de prevenção ao suicídio. Posteriormente,
analisamos os discursos em relação à morte e ao suicídio dos profissionais de saúde e
identificamos os possíveis tabus dos profissionais de saúde em relação ao suicídio.
Resultados e Análise
Nas seis entrevistas realizadas obtivemos conteúdos verbais, gestuais, simbólicos
extensos e dispomos as manifestações apresentadas em conjunto a partir das questões
norteadoras da entrevista. Tal metodologia na abordagem dos resultados foi adotada, pois
consideramos que os discursos reportam uma concepção cultural genérica sobre a morte e
suicídio na sociedade contemporânea, assim sendo, não há uma relevância na identificação
dos discursos e seus sujeitos.
Também, na descrição dos resultados utilizamos como critério a seleção de fragmentos
das entrevistas que diretamente se relacionavam à temática do estudo.
A análise dos discursos foi inspirada numa leitura psicodinâmica do conteúdo das
entrevistas buscando os clássicos mecanismos de defesa utilizados pelos sujeitos diante
da angústia. Em Laplanche (1991, p. 279) encontramos este conceito e citamos alguns
destes possíveis mecanismos: racionalização, negação, anulação, inversão pelo contrário,
dissociação, entre outros.
E, paralelamente, colocamos uma breve sinalização analítica destes discursos
elaborados pelos sujeitos para esquivarem-se da angústia. Assim, nosso objetivo com tais
sinalizações foi apontar e discutir os subterfúgios, afetos e reações, em relação à morte ou
suicídio utilizado pelos entrevistados.
Estes serão identificados no presente estudo por S1 a S6 (sujeito 1 a sujeito 6) e
suas falas em itálico.
*Eu acho uma perda imensa, pensando na morte das pessoas que eu amo. Acho que eu
tenho dificuldade de lidar com isso, de verdade, eu acho que tenho dificuldade. Em pensar
nas pessoas que eu amo partindo, eu sei que tenho que pensar nisso um dia na vida, mas
eu sei que eu vou ter muita dificuldade. (S2)
*Para mim ela significa o fim mesmo, o fim dessa vida e eu até falo que pra mim não precisa
nem fazer velório. Acho que você tem que ser importante, fazer o que tem que fazer na vida
mesmo. (S3)
*Finitude e transformação. Olha, como profissional, se eu estou enfrentado alguém que está
num processo terminal... eu nunca comento nenhum aspecto de religiosidade em relação a
isso. Então, por isso que eu acho que é finitude, termina um ciclo. E, transformação, porque
é uma questão pessoal de visão de vida, acho que tem que transformar em alguma coisa,
não é possível! Eu não consigo imaginar, não é nem porque eu tenha nenhuma religião,
mas, de que a gente viva tanto, lute tanto, por coisas bonitas, por coisas feias, e de repente
acaba e só vai virar átomo de carbono! Então, eu acho que tem essa energia, tem que virar
alguma coisa. Mas assim, no atendimento como profissional de saúde, quando essa questão
da morte se presenta, eu nunca me coloquei nesse lugar de ficar discutindo filosoficamente,
a menos que, que eles tragam alguma questão. (S4)
*É difícil porque a gente não para muito para pensar, eu acho que a tendência da gente é
fugir um pouco dela né, não enfrentar muito né. Eu associo a morte com sofrimento, com
perda, e considerando a morte de outras pessoas. Em relação a mim, eu só sinto assim que
é um acabar sabe, é um acabar o tempo. E a sensação que dá é que sempre ainda falta
muito, ainda não está na hora, ainda têm muito que fazer. Então, pra mim a morte seria uma
interrupção de um caminho. Mas, sinceramente nunca pensei muito sabe. Eu acho que a
gente foge muito disso. (S5)
*A morte é uma etapa, uma conclusão de uma etapa da vida. Que, pessoa se depara com
tudo aquilo, uma revisão da vida. Então, é como se fosse uma revisão mesmo, de todo um
processo de vida. (S6)
*Eu acho uma perda imensa quando penso na morte das pessoas que eu amo. Acho que
eu tenho dificuldade de lidar com isso, pensar nas pessoas que eu amo partindo, eu sei que
tenho que pensar nisso um dia na vida. (S2)
*Eu não tenho uma reação muito boa porque eu perdi meu pai e minha mãe muito cedo.
Então, eu ainda me lembro do enterro da minha mãe, foi muito difícil pra mim e acho que
depois dela, o único enterro que eu fui foi o da minha sogra. Eu fujo de enterro, não gosto
mesmo. Claro que ninguém gosta, mas se eu puder não ir, evitar, eu não vou mesmo. (S3)
*Depende da morte de quem é, e da circunstância da morte. Se, é uma morte de uma pes-
soa que teve uma vida longa, bem vivida, e a morte vem como o desfecho natural da vida,
tem um processo de aceitação, enfim, obviamente dependendo da proximidade você fica
mais triste, ou só simpático, enfim. Quando é uma experiência pessoal, enfim, vinculado a
uma pessoa mais jovem e tal, aí é de dor, sofrimento, indignação, de não aceitação, de raiva,
revolta. (S4)
A entrevista abaixo revelou muitos artefatos de dissociação, assim para alcançar a inteligi-
bilidade nós procedemos com uma reorganização o texto.
Depende do grau de envolvimento, eu acho que a gente tem a morte de pessoas próximas...
Eu acho que eu... bom, bem a gente não reage, eu acho que assim tem momentos que dá
revolta, não entender muito. Minha vivência de morte, de entes muito próximos queridos é
pequena, muito pequena. Então, eu acho que estas foram bem vividas por mim, eu acho
que assim, eu passei por um luto, por um tempo de luto, eu acho assim, de um pouco de não
aceitar, de não entender, mas percebo que de uma forma consegui, em nenhum momento
acho que foi uma coisa que me tirou totalmente do prumo. A morte sempre gera um pouco de
culpa, a sensação sempre que você podia ter feito alguma coisa, mas eu acho que eu fugi,
me perdi um pouco do que eu estava falando... Daqui a pouco eu volto (risos). (S5)
A gente acaba tendo que se acostumar pelo inesperado. Então, às vezes no início, quando
eu entrei aqui (casa de repouso para idosos) era um pouco difícil, a gente não esperava,
porque era mais fácil a gente pensar que um idoso que já estava doente, com uma doença
crônica, ou em uma internação hospitalar, vir a morrer mais rápido. O que realmente era
brusco, de repente, você sai sexta-feira no final do trabalho, passa o final de semana, você
chega aqui na segunda-feira e teve um óbito no final de semana de uma função muito ines-
perada. Então, isto agride a gente, não ficamos procurando alguns sinais que o idoso dê, a
gente acaba tentando controlar a situação de alguma forma, mas não dá para controlar. (S6)
Nossa, eu acho que é um sofrimento psíquico muito profundo. São pessoas que tem muita
coragem e um sofrimento muito grande. Porque tirar a própria vida não deve ser nada fácil.
(S2)
Eu acho que é um ato de desespero, porque as pessoas costumam até falar que quem se
suicida é porque é fraco, eu não penso assim não. Acho que pode até ser uma pessoa forte,
mas aquele desespero ali é crucial. E, assim, nos pacientes também eu vejo muito o fato de-
les ouvirem vozes, de verem vultos e aquilo ficar tudo mexendo muito com ele. Eu acho que
também é um pouco de falta de Deus, porque as pessoas estão se tornando muito isoladas,
muito individualistas e é muito difícil conviver assim, por isso, que eu acho que elas buscam
mais a morte. (S3)
Eu acho que eu fico com raiva, eu pessoa. Se é uma pessoa próxima, eu sei porque tive
uma colega que fez, o meu primeiro sentimento foi de raiva, eu não entendi como um pedido
de ajuda nem nada, achei que ela era uma tremenda de uma babaca, safada, que ainda ia
acabar com o sofrimento dela e deixar a gente na mão... Eu não consegui ter empatia pelo
sofrimento que ela devia estar sentindo por tentar. Mas do ponto de vista mais intelectual,
eu fico imaginando que deve ser um sofrimento tão grande. As vezes eu fico pensando que
as pessoas não querem morrer né, elas querem parar de sofrer. De que não é exatamente o
desejo da morte, mas é o desejo de parar de sofrer, então é muito complexo. (S4)
Eu julgo que são pessoas num sofrimento muito grande, porque eu acho que precisa muita
coragem. Então, eu acho que a pessoa quando chega esse ponto é porque ela está num
sofrimento, num desespero muito grande, que ela não vê saída, ela não consegue enfrentar
o que está passando. A não ser, aquelas que são uma forma de chamar atenção, de atua-
ção que também estão em sofrimento, porque se precisam disso é porque também tem um
sofrimento. Quer assustar o familiar, e às vezes perde a mão e consegue. Mas, a maioria a
que chega estão chamando atenção, ou não estão sabendo lidar com a problemática, mas é
uma coisa que não é naquele ponto ultimo que tenta para morrer, não chega no finalmente,
porque são pessoas que você ainda percebe uma luz no final do túnel”. (S5)
Elas têm uma visão que o suicídio vai solucionar os problemas. Eu entendo que é uma falta
de habilidade emocional, social, de lidar com as dificuldades, de lidar com a dor, lidar com
as perdas. Geralmente, com o idoso a gente é uma fase de muitas perdas, mas também tem
outros ganhos, e socialmente, o que se reforça mais são as perdas, perda de família, perda
da juventude, perda da saúde. Mas existem outros ganhos, que muitas vezes, não são valo-
rizados, e por não sustentar todas estas perdas é que algumas pessoas querem realmente
interromper a vida e partir pra uma coisa que mais fácil, uma solução mais rápida. (S6)
4) Na sua rotina de trabalho você já observou sinais de risco suicida? Se sim, qual
foi sua atitude frente a esta situação? Se, não, o que você pensa sobre o fato de nunca ter
observado sinais indicativos de suicídio em alguém?
Sim, eu tentei acolher junto da equipe de profissionais, conversar, procurar uma saída junto
com a pessoa, escutar, mostrar que ela não estava sozinha. (S1)
Sim, mas ela tinha outras questões, e eu confesso que chegou um momento em que eu
pensava se era, de fato, uma tentativa de suicídio, ou se era uma forma de chamar atenção
para si, parece até cruel da minha parte falar isso, mas não. *Não, eu acho que é falta de co-
nhecimento mesmo, talvez, na própria graduação deveria ter esse tipo de orientação. Para
gente poder aprender identificar esse tipo de situação. Mas, também acho que tem algo que
vem junto com a negação da morte, eu pelo menos, eu queria tanto viver até os 100 anos e
que todo mundo que estivesse ao meu redor também vivesse até os 100, que eu não quero
pensar muito nisso, eu não quero ver né. (Observação: no final da entrevista ela olhou no-
vamente a lista de sinais, e disse que pensou se ela já não teve contato com pessoas que
demonstraram os sinais e ela não percebeu por causa da negação, e também por causa do
dia-a-dia muito acelerado). (S3)
Sim, inclusive tivemos um paciente que se suicidou, não lá dentro porque ele conseguiu sair
pra rua, ele conseguiu arrebentar o portão e ele correu para praia, ele se afogou na biquinha.
Eu conversei com o médico do paciente para ver medicação e, também, conversei com o pa-
ciente. Mas, acho que medicação é o que funciona, porque quando eles estão mesmo com
ideia de suicídio é muito difícil de não cometerem mesmo. É uma coisa muito física, muito
degradante e vai consumindo. (S4)
Eu não saberia dizer, pois eu tive duas ou três experiências de pessoas internadas vítimas
de tentativas de suicídio, que eu as tratei no hospital em decorrência das tentativas de suici-
do que não foram consumadas. Enfim, pelo menos que não foram consumadas com morte,
então, estavam lá se tratando das sequelas. Até porque tem um tanto de gente que enquan-
to a gente está aqui conversando sobe no 10° andar e pula! Eu penso que todo profissional
da saúde deveria receber na sua formação básica essa formação, eu acho que a questão de
morte e morrer não é abordada na graduação. (S5)
Sim, o risco em si, o ato a gente nunca acompanhou, o que nós observamos em alguns mo-
mentos são ideações, são os pensamentos, a questão da menos valia, é melhor eu morrer
mesmo. As pessoas têm uma crença que o idoso normalmente é deprimido e isso não é ver-
dade. Depressão não é natural em um idoso. A gente tem que tratar, a gente tem que entrar
com uma terapia medicamentosa né, com avaliação de um geriatra, ou de um psiquiatra pra
você melhorar os sintomas. Também, um manejo terapêutico, um suporte emocional para
essa pessoa, nem que a gente tenha que fazer uma abordagem com a família. (S6)
Discussão
No discurso que emergiu das entrevistas com os profissionais buscamos os elementos
relacionados ao tabu do suicídio e sua interferência na prevenção ao evento. Dessa forma,
encontramos os discursos que se manifestaram em torno das mortes e do suicídio e refletimos
para descobrir como mitigam a angústia suscitada pela morte voluntária. Observamos que os
discursos verbais que circularam em torno da morte e do suicídio convêm para racionalizar,
negar, distanciar e controlar este fenômeno que se impõe insistentemente na vida humana.
A atitude perante a morte na cultura contemporânea revela uma aparente indiferença
em relação à morte e aos mortos, mas esse recalcamento do sofrimento em relação
à morte traz prejuízos a todos, sejam profissionais ou os sujeitos suicidas. Também,
observamos algumas vezes como o suicídio, segundo os entrevistados, diz respeito a
sujeitos estranhos, patológicos, incomuns, e assim sempre diferentes do entrevistado.
Um típico processo de defesa por afastamento e projeção.
Sobre as vicissitudes do homem em relação à morte sabemos que a representação
psíquica da morte sempre foi conceito controverso e na perspectiva psicanalítica aponta-
se que não é possível ao homem simbolizar um objeto que ele nunca vivenciou através da
senso-percepção: sua própria morte. A representação psíquica para a teoria psicanalítica é
a forma pela qual o homem toma contato com os objetos do meio externo, os investe com a
pulsão, e finalmente, os registra no seu psiquismo. Vejamos a definição de Laplanche (1991,
p. 455): “Representação ou grupo de representações em que a pulsão se fixa no decurso
da história do sujeito, e por meio da qual se inscreve no psiquismo”.
Como o homem representa sua própria morte? Ou, como o homem a inscreve no
seu psiquismo como parte de sua história? Aqui, começam os dilemas entre o homem e sua
morte, pois a sua própria morte é impossível de ser representada. A lógica do psiquismo
não permite a negatividade do próprio sujeito. Portanto, o homem permanece durante a vida
abordando sua própria morte (e a morte do outro) com subterfúgios e reações defensivas,
que permitem negá-la, distanciá-la, projetá-la, racionalizá-la, enfim, escamotear a morte.
Assim, a morte sempre é revestida de inúmeros véus que permitem recobrir este evento
e evitar a angústia. A morte de si mesmo nunca pode se transformar num símbolo, num
signo, numa representação que permita ao sujeito elaborar a própria morte (ou a morte do
outro) numa cadeia de simbolização. A morte permanece como objeto intransponível, velado,
como um elemento impossível de significação. Esta questão mostrou-se fundamental nas
entrevistas da pesquisa, pois também os profissionais de saúde se esquivaram da questão
da morte.
As mortes carregam consigo uma série de rituais que visam ocultar, afastar, restringir
este fenômeno dos homens. Entretanto, quando um suicídio ocorre tais restrições são
abolidas abruptamente e a morte se expõe.
Nos discursos dos nossos entrevistados observamos como não conseguiram abordar
diretamente o tema da morte, sendo que utilizaram vários mecanismos que indicam sua
negação: negação, racionalização, ambivalência, desorganização, incoerência, medo,
angústia, esquiva, raiva, projeção, entre outros. Estes aspectos tornaram-se presentes e,
talvez, neste processo envolto em angústias e defesas estejam subjacentes às razões para o
não reconhecimento dos sinais deixados pelos suicidas. Observamos que aceitar as mortes
por suicídio é mais difícil, pois somos colocados diante da morte de forma visível e próxima,
sem seus rituais de afastamento. O caráter de transgressão do ato suicida em relação
ao tabu da morte pode levar às consequentes reações de esquiva que impossibilitam a
observação dos sinais que os suicidas revelam no cotidiano. Desta forma, concluímos que
conhecer os sinais deixados pelo suicida é fundamental no processo de prevenção, mas é
apenas o primeiro passo numa estratégia de prevenção. As angústias demonstradas pelos
nossos entrevistados são fundamentos do humano e não podem ser escamoteadas, e assim,
projetar estratégias de formação sobre o tema da morte pode proporcionar subsídios para a
prevenção ao suicídio, mas não basta a informação técnica isolada do contexto psicológico
e cultural para a prevenção deste evento.
Referências
Áriès, P. (1989). História da morte no ocidente. (2th. ed.). Lisboa, Portugal: Teorema.
Dias, M. L. (1991). Suicídio, testemunhos de adeus. São Paulo, SP: Brasiliense.
Freud, S. (1974). Obras completas. Reflexões para um tempo de guerra. Vol. XIV. Rio de
Janeiro, RJ: Imago.
Kalina & Kovadloff, S. (1984). As cerimônias da destruição. Rio de Janeiro, RJ: Francisco
Alves.
Laplanche J. & Pontalis, J. B. (1991). Vocabulário de psicanálise São Paulo, SP: Martins
Fontes.
Martínez, C. (2007). Introdución a la suicidologia. Buenos Aires, Argentina: Lugar editorial.
Ministério da Saúde, OPAS e UNICAMP. (2006). Prevenção do Suicídio: Manual dirigido a
profissionais das equipes de saúde mental. São Paulo: OMS.
Organização Mundial da Saúde/Centro Colaborador da OMS para Classificação de Doenças
em Português (1996). CID-10 (3ª ed.). São Paulo, SP: Universidade de São Paulo.
Silva. M. M. (1992). Suicídio na trama da comunicação. (Dissertação de Mestrado, Pontifícia
da Universidade católica, SP).
World Health Org. (2001). The World health report: 2001: Mental health: new understanding,
new hope. Geneva, WHO.
Resumo: O comportamento suicida intriga diferentes áreas do conhecimento, englobando em seu estudo
aspectos humanos, sociais, econômicos, culturais, psicológicos, etc. Neste artigo, o descrevemos sob uma
visão da psiquiatria, sendo um desfecho temido por esta especialidade médica. A importância da psiquiatria
no suicídio se dá principalmente pelo fato de que em mais de 90% dos casos de suicídio, encontramos no
indivíduo um diagnóstico psiquiátrico subjacente. Abordamos aqui questões epidemiológicas e diagnósticas,
além dos principais achados neurobiológicos existentes até o momento acerca do tema, tanto como uma
tentativa de intervenção preventiva, como de detecção de fatores de risco. Também sob a perspectiva de
prevenção, citamos brevemente programas multidisciplinares implementados em alguns países com o intuito
de diminuir tal ocorrência.
Palavras-chave: suicídio, psiquiatria, prevenção.
Abstract: Suicidal behavior intrigues different areas of knowledge, so its study encompass aspects of many
sciences: human, social, economic, cultural, psychological, etc. In this article, we describe it under a psychiatric
perspective, where it is a feared outcome. The importance of psychiatry in suicide occurs mainly by the fact that,
in over 90% of suicide cases, we find an underlying psychiatric diagnosis. The approach made here embrace
epidemiological and diagnostic issues, in addition to the main existing neurobiological findings, both as an
attempt to preventive intervention and for the detection of risk factors. Also from the perspective of prevention,
we briefly quoted some multidisciplinary programs implemented in some countries in order to reduce such
occurrence.
Keywords: suicide, psychiatry, prevention.
1 MD, PhD, Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Coordenador dos Serviços de Interconsultas e Pronto Socorro do Instituto de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas da FMUSP (IPq-HC-FMUSP)
2 Médica Residente de Psiquiatria do IPq-HC-FMUSP. mpampanelli@gmail.com
Neurobiologia do suicídio
Entre as evidências bioquímicas do suicídio, encontramos diversos fatores, cujos
mecanismos ainda não são completamente compreendidos. Sabe-se que há importante
relação com os neurotransmissores monoaminérgicos (serotonina, noradrenalina e
dopamina); também encontramos evidência de fatores genéticos relacionados ao suicídio,
como por exemplo, marcadores relacionados a serotonina.
Foi em meados do século XX que começaram as observações sobre a influência
dos neurotransmissores noradrenérgicos nos transtornos do humor: passaram a observar
que pacientes hipertensos tratados com reserpina – droga depletora de monoaminas –
desenvolviam um estado depressivo; por outro lado, em pacientes tuberculosos com humor
disfórico, o uso do antibiótico IPRONIAZIDA – que é também inibidor do catabolismo das
monoaminas - causava uma elevação e melhora do humor. Assim esboçava-se a hipótese de
que a depressão poderia se originaria de uma deficiência na disponibilidade das monoaminas
cerebrais (noradrenalina, serotonina e dopamina) – e que poderia ser corrigida através da
diminuição do catabolismo destas monoaminas (Bunney & Davis, 1965) (Schildkraut, 1965).
Desde então estudos em animais tem mostrado que drogas que melhoram os sintomas
depressivos em humanos aumentam a disponibilidade das monoaminas nas fendas sinápticas,
de modo que hoje diversas vertentes farmacológicas comprovam os efeitos terapêuticos
tanto da noradrenalina como da serotonina presentes no sistema nervoso central. Apesar
do risco de suicídio não ser claramente relacionado ao uso ou não destas drogas, sabemos
ao certo que a redução dos sintomas depressivos diminui o risco de suicídio – de modo que
acredita-se que o tratamento dos sintomas depressivos através dos antidepressivos diminua
o risco de suicídio. (University of Illions at Chicago, 2012)
A noradrenalina (NE) é um neurotransmissor sintetizado e liberado em determinados
neurônios do cérebro que se comunicam com diferentes tipos de neurônios e estruturas
vasculares. As projeções neuronais noradrenérgicas cerebrais são bem amplas e alcançam
quase todas as regiões cerebrais, mas há uma relação especialmente forte entre a
noradrenalina e determinados comportamentos, inclusive aqueles que se encontram
disfuncionais na depressão. (University of Illions at Chicago, 2012)
Barocka , & Schubert, 1998) (Szigethy, Conwell, Forbes, Cox, & Caine, 1994). Como este
sistema hormonal relacionado ao cortisol é o principal efetor da reação ao estresse agudo
e crônico, e a sua hiper-ativação estar associada a uma neurotoxicidade importante, esta
alteração biológica é de grande importância na caracterização de uma parte significativa
dos pacientes suicidas, porém não é habitual a sua avaliação na prática clínica diária, pela
dificuldade de se proceder os exames que definem esta hiperatividade, e também pela
ausência de intervenções realmente eficazes em diminuir esta hiperatividade.
Estudos longitudinais de larga escala sobre o impacto da diminuição sérica de
colesterol na mortalidade chamaram a atenção para o fato de um baixo valor de colesterol
no sangue estar relacionado a um maior risco de suicídio. Apesar da esperada diminuição de
mortes por causas cardiovasculares nos pacientes cujo colesterol encontrava-se em níveis
baixos, não foi constada uma diminuição geral na mortalidade destes pacientes (Muldoon,
Manuck, & Matthews , 1990).
Alguns estudos mostraram um aumento de causas de morte não relacionada a
doenças em pacientes com níveis séricos baixos de colesterol, especulando-se que esta
alteração laboratorial poderia aumentar o risco de comportamento suicida nos pacientes
já predispostos (Boscarino, Erlich, & Hoffman, 2009). Deste modo, outros estudos vêm
corroborando este achado, no entanto ainda é cedo para estabelecer limites de valores ou
usar este parâmetro de uma forma clínica, mas dentre os possíveis marcadores biológicos
para o suicídio, o baixo nível sérico de colesterol vem despontando como objeto de interesse.
Deste modo, ao se pensar em possíveis marcadores biológicos para o suicídio, seriam
potencialmente úteis os receptores 5HT2a e o 5HIAA liquórico, sendo que os elementos
do eixo HPA ainda necessitam de mais estudos para elucidação de sua influência neste
comportamento. Ao tratar-se deste assunto, cabe a discussão sobre a contradição de tentar
estabelecer parâmetros numéricos para um comportamento que sabidamente é de difícil
previsão. No entanto é importante manter em mente o conceito de marcadores de risco como
um indicador de probabilidade, que deve ser sempre contextualizado a outros fatores de
risco, permitindo assim traçar uma estimativa mais acurada, que em alguns cenários clínicos
pode ser de grande utilidade (University of Illions at Chicago, 2012).
Psicofarmacologia do suicídio
A relação entre suicídio e tratamento farmacológico traz até o momento muitas
questões sem respostas definitivas. Como em 90% dos casos de suicídio há uma morbidade
psiquiátrica subjacente, surge o questionamento sobre qual o impacto do tratamento – aqui
dando enfoque ao tratamento medicamentoso – na diminuição do risco de suicídio. O que
se observa é que a maioria dos pacientes, ao cometerem-no, não estão sob tratamento
adequado de sua doença. Os principais motivos são o preconceito do paciente e da família
em relação a um tratamento psiquiátrico prolongado, a irregularidade na aderência a longo
prazo, e a não identificação da patologia por parte dos profissionais de saúde (Bertolote &
Fleishmann, 2002).
Apesar disso, os estudos não permitem estabelecer uma relação clara entre tratamento
farmacológico e risco de suicídio, em grande parte devido à dificuldade existente em
desenhar trabalhos com este fim, esbarrando em questões éticas e de critérios de seleção
da população a ser estudada – uma vez que o comportamento suicida não é claramente uma
patologia em si, mas constitui um grupo heterogêneo de pacientes com múltiplas variáveis
envolvidas. Assim, os dados que se têm hoje sobre este assunto são em sua maioria obtidos
de forma secundária a outros estudos, o que impõem diversos vieses às suas conclusões.
Há uma aparente diminuição do risco de suicídio com o uso de lítio em pacientes
bipolares I ou II em comparação ao uso de Carbamazepina e Divalproato como estabilizadores
de humor (Cipriani, Hawton, Stockton, & Geddes, 2013), sendo até o momento a melhor
evidência de ação profilática farmacológica de suicídio disponível. Este efeito também ocorre
em pacientes com depressão unipolar recorrente. Os atuais estudos acerca dos efeitos
protetores do lítio no comportamento suicida sugerem que possa haver efeitos além dos
esperados pela diminuição dos episódios de mania ou depressão – uma vez que este efeito
é conseguido também pelo uso de outras medicações, que por sua vez, não mostraram
um efeito profilático sobre o suicídio como o lítio. Um dos mecanismos propostos para a
ação do lítio, além da estabilização do humor, seria uma melhora na neurotransmissão
serotoninérgica, com consequente diminuição de agressividade e impulsividade; tal efeito
vem sendo reforçado através de diversos estudos, tanto quando usado como estabilizador
do humor, como quando para potencializar tratamento de depressão unipolar, e em estudos
com humanos e animais, o lítio tem mostrado diminuir comportamentos impulsivo e agressivo
(University of Illions at Chicago, 2012) (Cipriani, Hawton, Stockton, & Geddes, 2013). No
entanto, as evidências existentes mostram tais efeitos em uso prolongado do lítio, e não é
possível ainda estabelecer uma dose para tais efeitos.
Em pacientes esquizofrênicos, foi observada a diminuição do suicídio com o uso
da clozapina, o que não ocorre com o uso dos demais antipsicóticos. Um grande estudo
randomizado teve por objetivo comparar a ocorrência de suicídio em pacientes em uso de
olanzapina e clozapina, sendo que no último grupo houve diminuição de
25% no risco de suicídio. O efeito bloqueador dos receptores serotoninérgicos do
tipo 2 A pela clozapina poderia causar uma diminuição na agressividade destes pacientes,
sendo uma das teorias para este achado do estudo (Meltzer, 2005).
Outra questão polêmica referente a este assunto é a observação de alguns estudos
nos quais o uso de antidepressivos, no início do tratamento, poderia induzir um aumento
no risco de suicídio. Em parte isso poderia ser explicado por uma melhora não sincronizada
dos sintomas psicomotores e cognitivos, ou seja, antes que se observe uma melhora do
quadro cognitivo (ideação suicida), há uma melhora da lentificação psicomotora inerente
a quadros depressivos graves, o que geraria um maior risco do paciente de fato tomar a
iniciativa de cometer o ato de matar-se. Há também os efeitos colaterais dos antidepressivos,
que são vistos como uma piora transitória do quadro nas 2 primeiras semanas de uso (mais
especificamente os ISRS) como ansiedade e inquietação, favorecendo uma maior propensão
ao impulso auto destrutivo. O que foi constatado em estudo com jovens americanos é que
as mais altas taxas de suicídio ocorrem dentro do primeiro mês de tratamento – e a partir
do quarto mês caem drasticamente. Outro ponto que deve ser observado é a indução por
antidepressivos de estados mistos (condições com coexistência de sintomas depressivos
e maníacos ao mesmo tempo ou em variações muito rápidas e instáveis) em pacientes
bipolares, especialmente quando ainda não se tem um diagnóstico estabelecido, o que
aumentaria o risco de suicídio (Mann et al., 2006) (Beasley et al., 2007).
Em resumo, apesar do pouco que se pode afirmar categoricamente sobre as relações
de causa e efeito entre tratamento medicamentoso e suicídio, o que parece claro concluir é
que o tratamento e seguimento adequados do paciente psiquiátrico faz com que diminua a
ideação e a tentativa de suicídio.
Prevenção
O suicídio é uma questão de saúde pública e guarda estreita relação com serviços de
saúde, tanto pela alta prevalência de doenças psiquiátricas nos pacientes que o cometem,
como pelo fato de onerarem o sistema de saúde com suas consequências, além da perda de
uma população muitas vezes em idade economicamente ativa. A OMS, assim como alguns
países, desenvolveu estratégias que visam a melhor forma de abordar estes pacientes, e
quais são as condutas que se mostram eficazes na diminuição de sua incidência, englobando
ações de caráter tanto público como individual (Bertolote & Fleishmann, 2002) (Takahashi,
2012).
Entre os pacientes que cometem suicídio, cerca de 50% procuraram serviços de saúde
entre 1 a 6 meses antes do ato suicida, o que pode ser visto como um comportamento de
busca de ajuda. No entanto, muitas vezes o profissional desconhece a intenção do paciente,
de modo que a procura ativa por pensamentos suicida pode proporcionar uma abertura para
que o paciente relate-os. Ao contrário do que se pode imaginar, o ato de perguntar não tem
um efeito de incitar ideias suicidas no paciente, apenas lhe abre a oportunidade para falar
caso seja um assunto que já lhe tenha ocorrido.
De acordo com a OMS, os passos básicos para a prevenção de suicídio incluem
medidas individuais, principalmente o tratamento de pacientes psiquiátricos, e medidas
públicas: controle de posse de armas de fogo, desintoxicação do gás doméstico e de
automóvel, controle de disponibilidade de substâncias tóxicas e reportagens cuidadosas
na imprensa relacionadas a suicídio (World Health Organization , 1998). Em programa
de prevenção de suicídio realizado pela Força Aérea dos Estados Unidos, em 1996, um
conjunto de estratégias diminuiu o risco de suicídio em um terço. Tal êxito se deu em
grande parte através da preparação dos profissionais de saúde e da criação de uma rede
de apoio: aumentou a conscientização dos serviços de saúde mental sobre o assunto,
incluiu a prevenção de suicídio no treinamento profissional, criou equipes de resposta ao
estresse traumático, permitiu aos profissionais de saúde mental prestar serviços preventivos
comunitários em ambientes não clínicos, encorajou o comportamento de busca de ajuda,
envolveu lideranças no programa, além de realizar pesquisas de saúde comportamental
para ajudar a identificar fatores de risco de suicídio e desenvolveu um sistema central de
pesquisa para detectar auto lesões fatais e não fatais (Knox et al., 2010).
Em publicação americana realizada em 2012 sobre estratégias para prevenção
do suicídio, um modelo sócio ecológico esquematiza alguns fatores de proteção e de
risco, envolvendo desde a esfera social até a individual. Sob a perspectiva social, são
considerados fatores de proteção a disponibilidade para a assistência à saúde física e
mental, e restrições a meios letais de suicídio (por exemplo a legalização ou não do porte
de armas); já a publicação de suicídio na mídia de forma inapropriada é um fator de risco.
Na comunidade, a presença de ambientes comunitários e escolares seguros e capazes de
prestar suporte representam fatores protetores, ao passo que a presença de barreiras ao
acesso a serviços de saúde e a falta de relacionamentos que possam prestar suporte, são
fatores de risco. Nos relacionamentos interpessoais, oferece proteção ao paciente a presença
de laços afetivos positivos com outros indivíduos, familiares, membros da comunidade e
instituições sociais, além da presença de relação de suporte por parte dos provedores
de saúde. Relacionamentos conflituosos e violentos, além de história familiar de suicídio,
indicam um risco maior ao paciente potencialmente suicida. Por fim, na esfera individual são
colocadas como características de proteção a presença de habilidades para resolver e lidar
com problemas, a presença de razões para viver (como presença de crianças em casa) e
objeções morais ao suicídio. Presença de transtorno mental, impulsividade e agressividade,
abuso de substâncias e antecedente pessoal de tentativas de suicídio denotam um paciente
com maior propensão ao ato suicida (Washington (DC): US Department of Health & Human
Services, 2012).
Também na Inglaterra observou-se diminuição das taxas de suicídio após a
implementação de recomendações para a prevenção do suicídio nos setores públicos de
saúde mental. Os serviços que as adotaram apresentaram melhoras progressivas dos
indicadores de morte por suicídio. As recomendações iniciais do programa incluem a criação
de equipes 24-hora para crises, a realização de seguimento dos pacientes durante os 7
primeiros dias após a alta, disponibilização de treinamento regular sobre como lidar com o
risco de suicídio para a equipe clínica geral, compartilhamento de informações com serviço
criminal de justiça, tratamento das doenças subjacentes (transtornos mentais e abuso de
substâncias), e condução de revisões multidisciplinares e compartilhar informações com os
familiares após um suicídio (Office for National Statistics (UK), 2013).
É certo que a realidade dos países acima mencionados difere em muito da brasileira,
onde se encontra falta de foco no gerenciamento das políticas de saúde mental, o que
possivelmente inviabiliza a instituição de estratégias potencialmente benéficas - como
criação de um programa nacional de prevenção de suicídio.
Em contextos loco-regionais, dependendo-se da região, os recursos humanos e
materiais podem, no entanto, proporcionar uma abordagem estratégica para estes pacientes.
São exemplos de ações possíveis em níveis regionais o desenvolvimento de programas para
detecção precoce de pacientes com transtornos mentais
(especialmente nas patologias de maior risco – depressão, abuso de drogas e
esquizofrenia), com trabalhos de psicoeducação em escolas, empresas e comunidades,
assim como o desenvolvimento de programas de educação e
intervenção em saúde mental para público leigo em settings não médicos e de relativo
risco, como polícia militar e metrôs.
Num contexto de prevenção nos familiares e na rede social, deve-se prestar cuidado
aos sobreviventes do suicídio, com grupos de apoio, psicoterapia individual e psicoeducação.
Serviços psiquiátricos e psicológicos também podem ter uma maior ação preventiva neste
sentido com a criação de uma estrutura de suporte para crises. A atuação do profissional
de saúde é de grande valor neste contexto, sendo que a realização de cursos de atenção
e aprimoramento, realização de estágios e treinamento, com criação de profissionais
capacitados e o estabelecimento de trabalhos conjuntos com emergências clínicas e
instituições com população de risco são medidas que podem estar ao alcance dos serviços
de saúde.
São ainda necessários muitos estudos para otimizar as estratégias de prevenção
de suicídio, mas os resultados advindos de algumas campanhas com este intuito são
encorajadores, e apontam para a formação profissional e o conhecimento do assunto em sua
totalidade como um dos primeiros passos para abordar este comportamento, que afeta de
modo tão drásticos os pacientes psiquiátricos e todos indivíduos envolvidos em seu cuidado.
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Resumo: Compreender o suicídio a partir de um olhar da Daseinsanalyse psiquiátrica implica em não aprisionar
o suicídio em apenas uma definição. O objetivo do presente artigo é o de apresentar a compreensão do
suicídio segundo o aporte da Daseinsanlayse Psiquiátrica, utilizando o caso de Ellen West como recurso
para tal compreensão. Nessa perspectiva, a compreensão do suicídio não deve ser refém de um a priori. É
primordial no manejo com o comportamento suicida que o profissional se disponibilize como outro na relação
que se apresenta com interesse e respeito a fim de que a pessoa com comportamento suicida possa se sentir
suficientemente acompanhada para ressignificar a falta de prazer na vida e no viver.
Palavras-chave: suicídio, prevenção do suicídio, suicidologia.
Abstract: Understand the suicide from a look of psychiatric Daseinsanalyse means not to imprison a phenomenon
in only one setting. The objective of this article is to provide a way to understand the suicide according to the
inflow of Psychiatric Daseinsanlayse, using the case of Ellen West as a resource for such understanding. The
suicide cannot be taken as a hostage to an a priori, in which the management of the suicidal behavior by the
professional available as another of the relationship acting with interest and respect so that the person with
suicidal behavior can feel sufficiently accompanied to remaking the lack of pleasure in life and living.
Keywords: suicide, suicide prevention, suicidology.
Introdução
A proposta da Daseinsanalyse psiquiátrica acredita que toda e qualquer definição a
priori limita a riqueza da compreensão do suicídio e por esse motivo, convida a sair de uma
atitude natural e direciona para a atitude fenomenológica que valoriza tanto a singularidade
quanto a descrição das vivências.
Em reflexão sobre a influência cartesiana de Descartes, Cavalieri (2009, p.181)
aponta que, “A partir da filosofia cartesiana o suicídio será sempre concebido como um ato
isolado, cujo único responsável é o indivíduo”. Portanto, o que se pretende destacar é que,
ao se criticar a proposta cartesiana, apresenta-se a consideração do mundo sensível e
consequentemente, ressalta-se a importância do ser humano como aquele capaz de acolher
o desamparo existencial.
O objetivo do presente artigo é o de apresentar a compreensão do suicídio segundo
o aporte da Daseinsanlayse Psiquiátrica, utilizando o caso de Ellen West como recurso para
tal compreensão. Procurou-se verificar as aproximações e divergências entre as propostas
de Husserl e Heidegger, entendendo a influência de ambos sobre a clínica fenomenológica
de Jaspers e de Binswanger
As filosofias de Husserl e de Heidegger representam contribuições fundamentais,
sem as quais não se teria chegado à situação proposta da Daseinsanalyse psiquiátrica.
Os psicoterapeutas, psicólogos clínicos ou psiquiatras, deverão transcender a prática
clínica em termos da intersubjetividade, que continua a ser pensada em termos dualistas
de subjetividade x objetividade (interno x externo; corpo x mente; somático x emocional;
consciente x inconsciente).
É a partir de Husserl que se inaugura uma perspectiva fenomenológica, como
uma ciência a priori e universal, que se ocupa exclusivamente das estruturas essenciais.
Moreira (2010) acrescenta que, embora não se possam esquecer outros grandes nomes
da fenomenologia – como Scheler, Jaspers, Stein, Sartre, Beauvoir, Patocha e outros - é
importante ressaltar que a fenomenologia existencial pode ser utilizada com mais sucesso
na clínica, seja na psiquiatria, seja na psicologia. Refere-se mais especificamente à relação
entre homem e mundo, através de dois grandes momentos, com Heidegger e Merleau-Ponty,
apesar de se entender Husserl como o iniciador de todo esse movimento fenomenológico.
Ainda para a autora supracitada, o psicoterapeuta traz à transparência aquilo que se mostrava
e ao mesmo tempo se escondia, ou seja, faz aparecer aquilo que tinha possibilidade de ser,
ajuda o outro a se desembaraçar dos laços da ilusão, a não se deixar perder no impessoal.
Com tantos possíveis “enganos” quando da utilização do pensamento de Heidegger
na psiquiatria, o lembrete de Mattar e Sá (2008) a respeito da diferenciação entre análise e
analítica é importante no sentido de se pensar as tantas vertentes psiquiátricas e psicológicas
na contemporaneidade que se intitulam como clínicas fenomenológicas. Heidegger
considerava complicado unir a Daseinsanalyse heideggeriana com o método psicanalítico,
visto que ele entendia que em seu método não se retrocede, como fazia Freud, os sintomas
aos elementos, mas à sua relação com o ser de modo geral. Binswanger realizou esta junção
de uma forma magistral, apesar de ter distorcido o pensamento de Heidegger e criado outra
vertente (Moreira, 2010).
Husserl propõe a investigação do conhecimento, a ciência eidética de rigor. Definiu
a fenomenologia como um método descritivo que, segundo ele, aplicava-se à relação
entre consciência e experiência, sendo que o conhecimento decorre desse movimento da
deveria ser um método, fugir às interpretações ou teorizações. Foi para criticar e refletir sobre
essas teorizações que Husserl propôs a suspensão fenomenológica (epoché), colocando
entre parênteses a existência efetiva do mundo exterior para que a investigação se ocupe
apenas das operações realizadas pela consciência, sem questionar se as coisas existem ou
não. Através da redução, Husserl pretende “suspender” a tese do mundo natural. Heidegger
rejeitou a busca das essências pelo método fenomenológico e abandonou os termos centrais
da fenomenologia de Husserl, consciência e intencionalidade, pois considerava que se
distanciavam da historicidade essencial da natureza humana (Moreira, 2010, p.7267). Seu
conceito de Dasein supera o conceito de consciência de Husserl e inaugura a perspectiva
fenomenológico-existencial, base para o desenvolvimento das vertentes contemporâneas
da psicologia, psiquiatria, psicopatologia e psicoterapia.
Husserl separa o conceito de transcendência do ente em dois: o ser e o objeto
existente e exterior, o transcendente. O transcendental, por outro lado, é o objeto percebido,
interior, uma interpretação individual. Para Heidegger, o transcendente e o transcendental
não se diferem entre si, ou seja, ambos representam o ser-no-mundo (Macedo, 2010).
Ludwig Binswanger (1881-1966) apresentou, em texto escrito em 1958, a análise
experimental como um método de pesquisa fenomenológico psiquiátrico. Portanto, é essa
a origem da vertente psicoterápica, com várias denominações como fenomenológico-
existencial, psicoterapia existencial ou mesmo psicoterapia humanístico-existencial. O
método fenomenológico ganha importância frente às limitações das outras psicoterapias
em aliviar o sofrimento dos pacientes (Moreira, 2010)
Binswanger iniciou o movimento da Daseisanalyse psiquiátrica no campo da
psicopatologia. Utilizou o método fenomenológico para apreender as condições particulares
de existência de um indivíduo singular pelo qual seu método valorizava a relação intersubjetiva
entre o médico e o paciente. A análise existencial abriu à psiquiatria um olhar sobre a
totalidade do homem, com a intenção de reconciliar o homem consigo e com o mundo e, ao
falhar nesse processo de compreender o homem enquanto ser de totalidade, que segundo
Heidegger (2011), levaria o sujeito a uma existência inautêntica.
Desenvolvimento
O Caso Ellen West
O caso de Ellen West é um estudo da fenomenologia clínica a respeito da existência
inautêntica analisada por Ludwig Binswanger à luz da psicopatologia. Sua família era judia,
seu pai foi descrito como alguém muito controlador e rígido, sua mãe como alguém dócil e
amável e entre seus dois irmãos o mais velho era visto como alegre e tranquilo; já o mais
novo enfrentou um conturbado período da adolescência, tendo sido internado aos 17 anos
em uma instituição psiquiátrica por um transtorno mental e ideações suicidas.
Faz-se importante, para contextualizar melhor o caso, destacar que dois de seus
cinco tios paternos cometeram suicídio, dois faleceram de arteriosclerose demencial e um
seguia doutrina rígida de privação. Ellen desde muito nova comia pouco e aos nove meses
de idade recusava-se a tomar leite e em razão disto foi alimentada com caldo de carne. Se
forçada a se alimentar apresentava forte resistência – o que posteriormente ela chamaria
de “renúncia” (Moreira; Cruz; Vasconcelos, 2005).
Era uma garota muito competitiva em qualquer atividade a qual se dedicasse (nos
estudos, no trabalho ou na equitação). Seu lema na adolescência era “tudo ou nada”,
mostrando certo grau de extremismo que está presente em todas as épocas de sua vida. O
trabalho passa a ter um papel de grande importância para ela, considerando-o como garantia
de felicidade e solidez, embora em determinadas épocas em que tinha crises melancólicas
considerava-se incapaz e inútil.
No início da sua vida adulta passou a se alimentar exageradamente e ganhou muito
peso, tornando-se alvo de brincadeiras entre seus amigos. Odiava-se por se sentir obesa
e via na morte a única solução para este problema. Fez dietas rigorosas e perdeu peso
rapidamente. Apresentou uma melhora breve em seus sintomas, mas o conflito entre “o
desejo de poder comer tranquilamente” e o medo de engordar continuou a torturá-la. Aos
24 anos, teve uma melhora considerável: começou a viajar em excursões com as amigas,
e ficou “entusiasmada com sua vida de estudante” (Moreira et al., 2005, p.389). Continuou
fazendo dietas, mas sob o controle médico.
Em uma viagem conheceu e começou a namorar um estudante, tendo sido forçada
pelos pais a terminar o relacionamento, surgindo daí um novo quadro depressivo, no qual
voltou a comer exageradamente – consequentemente a engordar – e passou semanas na
cama. Quando voltou para casa, apresentou considerável aumento de peso. Começou a
tomar laxantes e a fazer rígidas dietas e exercícios físicos. O trabalho envolvendo questões
sociais a ajudou temporariamente a sair do estado melancólico. Mas, um “sentimento de
terror” (Moreira et al., 2005, p. 389) persistiu em seu íntimo.
Aos 28 anos casou-se com o primo na esperança que a união a auxiliasse no
pensamento fixo com seu peso. Sofreu um aborto e o médico que a atendeu atribui,
incorretamente, o fato à má alimentação. A preocupação de Ellen foi direcionada para ter
um filho e, ao mesmo tempo, não engordar. Um segundo médico afirmou que sua esterilidade
não tinha ligação com a sua alimentação e o que se seguiu a isto foi o uso de grandes doses
de laxante e vômitos que a fizeram perder peso gradativamente. Intercalado com esses
acontecimentos Ellen muitas vezes voltava a comer bastante, em seguida, sentia-se culpada
e punia-se severamente.
Com 35 anos consumia entre 60 e 70 comprimidos de laxante diariamente, vomitava
a noite toda e tinha diarreia continuamente. Seu peso nesse momento era de 41 quilos,
o que comprometia sua saúde, sentindo tonturas e apresentando problemas cardíacos.
Foi então que buscou auxílio psiquiátrico. Depois de algumas tentativas de suicídio, Ellen
foi internada no sanatório de Kreuzlingen, onde foi atendida por médicos supervisionados
por Binswanger. Em Kreuzlingen, com a ajuda de medicamentos e dietas, se recuperou
fisicamente. Ao perceber seu ganho de peso no sanatório, sentia-se obesa, fez novas
tentativas de suicídio e foi submetida à vigilância permanente e ainda assim, burlando essa
vigilância, continuou tomando laxantes às escondidas. Sentindo-se triste e não aderindo
ao tratamento satisfatoriamente ela voltou para casa. Três dias após o retorno à sua casa
voltou a comer muito (como há 13 anos não comia) e se dizia “satisfeita”. Fez um passeio
animado com o marido, conversaram sobre filosofia, literatura e poesia. Seu humor estava
radiante e sua doença parecia ter passado. Escreveu cartas para uma amiga do sanatório.
Durante a noite tomou veneno e pela manhã já estava morta, aparentando, como nunca
havia estado na vida, tranquila e feliz.
A rejeição do leite aos 9 meses de idade foi o primeiro comportamento de ruptura com
o mundo e de resistência àqueles que tentavam se opor à sua idiossincrasia. A construção
de seu Eigenwelt, denominado como seu mundo pessoal, incluindo seu corpo, era oposta ao
seu Mitwelt, que seria seu mundo social em relação à família. Por isso, Ellen se sentia vazia.
Seus pais sempre se referiam a ela como provocativa, teimosa, ambiciosa e violenta. Seus
atos eram respostas a eles e rompiam os laços de confiança com o Mitwelt, prejudicando
suas possibilidades existenciais e, possivelmente, levando à sua conduta de “tudo ou nada”.
(Binswanger, 1977, p. 322 apud Moreira et.al., 2005).
Ellen se tornou um eu inautêntico e escravo, pois não se abriu ao mundo e foi
dominada pelos outros, fazendo com que sua existência perdesse a autonomia. Quando
começou a ler as obras de Niels Lyhne, passou a compreender o mundo como opressivo,
sendo influenciada pela ideia de que o sujeito precisava de força e independência para viver
plenamente e transformar o mundo. Nessa época vivenciou uma dificuldade ainda maior com
seu Mitwelt, fortalecendo seu individualismo. Foi quando Ellen começou a escrever poesias
e nelas usava conceitos parecidos com os do autor: seu movimento existencial seria “andar
na terra” (atuação prática), “voar pelos ares” (ideias, desejos) e “rastejar embaixo da terra”
(opressão). Mas, cada vez mais sua existência se restringia ao “rastejar embaixo da terra”.
Ela escrevia sobre o contraste entre “voar pelos ares”, como uma sensação de liberdade, e
o “rastejar embaixo da terra” como forma de aprisionamento. Tentava ter os “pés no chão”,
mas não conseguia, e se abatia com seus fracassos cada vez mais, em vez de aprender
com eles.
“O corpo representava para Ellen a identidade de sua condição no mundo, uma
tensão extrema relativa ao seu peso” (Moreira et al., 2005, p.392). Era sua única maneira
de se expressar, principalmente com seus pais. Quando terminou seu relacionamento com o
estudante, por exigência de seus pais, mais uma vez a imposição do Mitwelt, a fez vivenciar
outra frustração, ou seja, mais um fracasso, mais sentimentos de angústia, medo e ansiedade.
Ellen considerava sua existência e seu corpo completamente interlaçados, estabelecendo
as associações: magreza com inteligência e beleza, e gordura com envelhecimento e feiura.
Sua angústia era a de ser-no-mundo, pois para ela tudo se tornara ameaçador e só
existia uma salvação: a libertação pela morte. Costumava dizer que “se não posso conservar-
me jovem e magra, então melhor nada” (Moreira et al., 2005, p.393). Como a autoanálise, o
trabalho e a equitação não a auxiliavam mais, sua única fonte de prazer era a comida. Então,
estava sempre entre o impulso de comer e o medo extremo de engordar, o que representa
o choque entre Eingenwelt e Mitwelt. Para ela, a maneira de se acalmar era comer, mas a
cada garfada sua infelicidade duplicava, e ela, que sempre se achou independente de todos,
se via como dependente total da visão dos outros a respeito de sua aparência: “sua vida se
transforma em um inferno sem saída”. (Moreira et al., 2005, p.394).
O caso de Ellen West mostra a importância da harmonia no entrelaçamento do
Eigenwelt, Umwelt e Mitwelt. Ela foi escrava do seu Mitwelt, sempre atendendo ao que sua
família supostamente esperaria dela. Nesse sentido, a morte é compreendida como a única
saída encontrada para lidar com o conflito principal.
Segundo a análise de Loparic (2002), ao estudar esse movimento senoidal existencial-
ontológico de descida aprisionadora e de subida final libertadora, Binswanger não confere
nenhum significado etiológico às cenas da infância de Ellen – por exemplo, ao fato de ela
ter-se recusado a mamar aos 9 meses de idade. Poucas cenas são lembradas e o são tão-
somente para ilustrar o fato de que a teimosia enclausuradora e o sentimento de vazio já se
manifestavam desde o início de sua vida (Loparic, 2002).
Segundo Binswanger, a prática clínica também se constituía no distanciamento
necessário a uma apreensão objetivante (fisiológica) e permanecia na esfera do vivido
corporal. Ou seja, como o sujeito sentia e vivenciava seu corpo, rompendo com a dualidade
interno/externo, refletindo também a experiência espacial e temporal dos estados de ânimo
(tempo e espaço vividos) (Moreira et. al., 2005). Influenciado por Heidegger, a subjetividade
para Bisnwanger se constitui a partir do ser com e pelo outro, “ser-homem-enquanto-ser-
no-mundo”.
Entretanto, Moreira (2010) e Loparic (2002) mencionam o fato de que Heidegger
discordou de Binswanger quanto à maneira como este desenvolveu uma Daseinsanalyse
psiquiátrica, supostamente baseada no conceito de Dasein apresentado em Ser e Tempo,
permanecendo somente no plano do ôntico (do ente, do objeto), aniquilando o que para
Heidegger era fundamental, o ontológico (do “ser”, enquanto verbo), incluindo neste último as
características existenciais: temporalidade, espacialidade, o ser-com-o-outro, a compreensão,
o cuidado, a queda e o ser-para-a morte.
Moreira (2010, p.729) cita ainda uma declaração de Heidegger, de 1968, na qual
enfatiza que há diferença entre o termo analítica do Dasein e a análise do Dasein, sendo
que na primeira não há a desintegração do fenômeno, enquanto a segunda se refere à
decomposição em elementos, ou seja, perde-se a unidade sujeito-objeto:
No fim desta primeira aula precisamos voltar à pergunta da diferença entre analítica do Dasein e análise
do Dasein. Isto sem levar em consideração a “Daseinsanalyse Psiquiátrica” de Ludwig Binswanger. A
aumento de casos de suicídio ao longo da história, como ocorreu no período de 1849 a 1907,
na Prússia, com os judeus, em comparação aos católicos e protestantes.
O autor acrescenta a possível degeneração influenciada pelo ambiente e pela cultura
de famílias de educação superior, devido aos fatores como o amolecimento a esforços,
indolência, vida irregular. Assinala que o estilo de vida, o desenvolvimento da cultura técnica,
que a partir do século XIX acarretou uma aceleração do ritmo, agitação, ansiedade carregada
de maior responsabilidade, falta de aprofundamento meditativo, exigências insuportáveis em
relação ao trabalho, imediatismo, entre outros.
Para Ellen West o insuportável da vida, além das imposições sociais, estaria também
na dificuldade de ser reconhecida por atributos até então considerados masculinos como o
prestígio profissional. Vestia-se como rapaz até os dezesseis anos, dedicou-se à equitação,
aos estudos e buscou o reconhecimento profissional como mulher. Para ela, o trabalho
parecia ser o ópio para seu sofrimento, que, em grande parte, decorria dos velhos planos
e aspirações que nunca se concretizavam e da impossibilidade de agir plenamente num
mundo estritamente patriarcal. Ela perdeu sua potência de transformar o mundo e deixou de
empreender sua energia para sentir-se plena. Impossibilitada de expressar-se concretamente,
recusou-se a viver a inautenticidade. Privada da capacidade de projetar-se no futuro, no
devir, o conflito com as normas e padrões do seu tempo deram origem ao distúrbio alimentar
e às sucessivas tentativas de suicídio.
Jaspers (2003) identifica sensações de sentimentos, tais como sensações corpóreas,
como sentimentos que atuam como momentos de impulso (compulsão alimentar) e conclui
que sensação, sentimento, afeto e impulso constituem um todo. As alterações dos sentimentos
corpóreos alteram os sentimentos, como é frequente nas psicoses e psicopatias. Podem
ocorrer os sentimentos de falta de sentimento, a sensação de vazio, de total desinteresse,
de falta de alegria de viver. O confronto ocorre entre a ação instintiva, que ejeta os instintos
e os põem em movimento e a ação do arbítrio que aciona a vontade e possibilita a decisão.
Resulta que consciência de inibição da vontade, a consciência de impotência da vontade
e o sentimento de falta de força, levam à perda no controle do próprio processo de pensar
e representar. As alterações da consciência da existência ou da execução levam ao
desmoronamento do eu, uma vivência da destruição do mundo.
Tamelini (2013) analisa que Jaspers valoriza o fator temporal na análise dos
fenômenos da consciência, e diverge no quesito particular em relação ao universal, dando
maior ênfase ao primeiro, ao contrário da Psicopatologia Fenomenológica. Esta, ao justificar
a importância das categorias semiológicas, dialoga com o universal. (Jaspers, 2003), apesar
de utilizar uma clara ordem descritiva, diverge da Psicopatologia Fenomenológica proposta
por Binswanger e Minkowski e outros. A autora acrescenta ainda que a desarticulação
das instâncias temporais deixa a consciência num presente inautêntico. O tempo vivido,
o Lebenswelt, seja para o indivíduo doente ou sadio, não é o tempo mensurável, mas é o
tempo imanente ao sujeito, o tempo dele, ou seja, no homem normal o primado do futuro
faz do vivido temporal um vivido de poder – poder de transformar o mundo pela ação, e a
si mesmo pelo alargamento da pessoa. Ellen West esforçou-se para transformar o mundo
por suas ações, mas suas possibilidades existenciais se tornaram restritas. Além disso,
pondera-se o esforço contínuo de Ellen West de viver de forma autêntica, o que gerava seu
desajustamento às normas vigentes, familiares e sociais, forçando-a a forma inautêntica e
a conflitos constantes (Tamelini, 2013).
Albert Camus (2012) utiliza-se do mito de Sísifo, o herói do absurdo, para analisar
a condição humana. Seu desprezo pelos deuses, sua paixão pela vida e o ódio pela morte
valeram-lhe o suplício de empenhar-se em uma tarefa sem sentido, sem fim. Analisar o caso
Ellen West sob essa perspectiva é reconhecer o absurdo que nasce do trágico confronto e
das contradições que há entre o homem e o mundo real, concreto. Esse absurdo, entretanto,
é inerente a ambos. O homem moderno aspira à razão e a felicidade, e o mundo devolve-lhe
o irracional, o silêncio e imposições. O absurdo está em preservar o que oprime, trata-se
de uma luta sem trégua entre dois polos, dialética, que acompanha a vida do início ao fim
e para a qual há duas saídas possíveis: a esperança ou o suicídio, porque um homem sem
esperança, e consciente disso, não pertence mais ao futuro.
Camus revela o universo paradoxal no qual o humano está imerso, ora esplêndido,
ora miserável, entre as atitudes lascivas de uma vida maquinal, mas ao mesmo tempo um
movimento da consciência. A vida, as ações e a obra humana são absurdas, nada mais do
que a constatação lúcida e consciente dos limites. As verdades esmagadoras desaparecem
quando reconhecidas. O homem absurdo reconhece a luta entre as partes, admite o irracional,
vive uma liberdade também absurda, de revoltar-se, de questionar o mundo a cada segundo,
de exigir uma transparência impossível. Essa liberdade que dá valor à vida e restaura a sua
grandeza, que desafia o homem diante de si mesmo, liberdade que também é consciente
de um destino esmagador, mortal, mas sem resignação. Mas, quando o desespero é imenso
e insuportável e a aceitação se dá no seu grau mais elevado, o suicídio surge para dar um
fim ao absurdo da vida.
As incessantes investidas de Ellen West contra a própria vida, ora se recusando a se
alimentar, ora o fazendo em demasia, representaram uma tentativa de destruir seu corpo,
como elo com o absurdo da vida, o que pouco a pouco foi dilacerando sua alma. À renúncia,
a qual ela se referiu quanto à forte resistência em se alimentar quando bebê, se somam os
inúmeros atos de rebeldia, inspirados pelas obras de Niels Lyhne, uma luta constante para
conviver com a vida absurda, sem sentido, da qual nem sempre tinha consciência. Buscou
como saída para o absurdo o caminho da esperança na autoanálise, escrevendo poesias,
o prazer no trabalho envolvendo questões sociais, na equitação, no casamento. Viveu a
inexorável imposição familiar, a opressão, mas tinha dificuldade em reconhecê-las como
parte da vida e sua contínua oscilação entre extremos, paradoxal, irracional e absurda, como
assegura Camus. Mas, o terror, o sofrimento extremo, o sentimento de vazio empurrava
sua vida para a beira do precipício, para a compulsão alimentar e aos repetidos vômitos
provocados, ao uso de laxantes, às tentativas de suicídio e finalmente à sua concretização,
saída última para livrar-se da vida absurda.
Considerações Finais
Entende-se por clínica fenomenológica o atendimento psicoterápico conhecido como
fenomenológico-existencial, com ramificações para uma grande variedade de teorias. A fim
de estudar a relação entre experiência e consciência, tem-se a conjunção de uma filosofia
e de um método, entendidos como fluxo de vivências préreflexivas. Recebeu influência do
método de Husserl nos tratamentos psicológicos para estudar a experiência consciente.
Foi modificado por Martin Heidegger (18891976) e utilizado para a analítica da existência
e articularam-se as visões tanto de Binswanger quanto de Karl Jaspers. Percorreram-se
nesse ensaio, as compreensões de cada autor. Nesse sentido, para que se compreenda o
suicídio, segundo a perspectiva da Daseinsanalyse psiquiátrica, deve-se, de início, investigar
a história de vida do paciente, e, diferentemente de qualquer outro método terapêutico,
não buscando a explicação da história de vida e suas idiossincrasias patológicas, mas
sob o ponto de vista das modificações da estrutura total do Dasein. Considera-se também
importante na clínica, observar como o paciente vivencia o Umwelt (mundo das coisas
circundantes), o Mitwelt (mundo humano e social, suas relações com os outros indivíduos,
com a família, com a comunidade) e o Eigenwelt (mundo próprio e pessoal, o “eu”, incluindo
o corpo). Além disso, deve-se ter a preocupação em compreender como o sujeito vivencia
o tempo e o espaço, enquanto continuação histórica e enquanto finitude.
No caso Ellen West, sua existência fixou-se no tempo, cristalizou-se, impedindo-a de
conquistar maneiras mais fluidas para lidar com seu sofrimento. A estática se fez presente
e suas possibilidades existenciais se tornaram restritas. Ellen West se transformou em
“coisa” e sua existência tornou-se cada vez mais insuportável. Tornou-se coisa para ser algo
representável, representante da morte e da configuração de um ser que se tornou em vida
um morto. Morta viva que se apresenta em forma de tédio e restrição de suas possibilidades.
O suicídio foi visto como uma mensagem existencial de que se salvaria em sua existência
e em seu existir. O suicídio a salvaria de seu aprisionamento existencial.
Referências
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Ed. Presença.
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fenomenologia clínica de uma existência inautêntica. v. 5, n. 2, set. . . Revista Mal-Estar
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Tamelini, M.G. (2013). O processo psíquico sob a ótica fenomenológica. Psicopatologia
Fenomenológica Contemporânea, 2(1), 91-102.
Resumo: O campo de estudo das condutas autolesivas é promissor e tem sido de interesse de diferentes
pesquisadores no cenário nacional e internacional. Há muito a definir a fim de que se chegue a um consenso
e se construa um corpo de conhecimento mais organizado. O objetivo deste artigo é propor a compreensão
das condutas autolesivas a partir de um modelo integrativo, associado à perspectiva da formação dos vínculos
afetivos, da Teoria do Apego. Por meio dessa perspectiva é possível articular o risco intra e interpessoais à
vulnerabilidade aos eventos estressores e à resiliência.
Palavras-chave: apego, comportamentos autodestrutivos, autodano.
Abstract: The research field of the self-harm is promising e it has been interesting to many international or
national researchers in different fields. There are many questions to define as a consensual matter. The objective
of this paper is offer a comprehension of the self-harm behavior from an integrative model associated to an
attachment perspective of the Attachment Theory. By this point of view, it is possible to obtain a more detailed
vision of the intrapersonal risk and interpersonal risk, vulnerability to stressors events, and resilience.
Keywords: attachment, self destructive behavior, self injury.
1 Pós doutoranda no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Doutora em Psicologia e Mestre
em Psicologia Clínica, com treinamento no Interpersonal Psychotherapy Institute, EUA. Coordena o Curso
de Formação em Psicoterapias Breves Psicodinâmicas e trabalhou muitos anos na formação de Psicólogos,
especialmente nas áreas de pesquisa e estágios específicos. gmarocha@gmail.com
O suicídio tem sido tema de destaque tanto no meio acadêmico quanto nas mídias
sociais. Ao mesmo tempo em que na pesquisa científica percebe-se o aumento de estudos
sobre qualidade da vida das pessoas em diversas situações e em diferentes fases da
vida, sofre-se o impacto da morte das pessoas que não encontram na vida um sentido e
experimentam-na como uma dor insuportável.
Segundo relatório publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (Krug,
Dahlberg, Mercy, Zwi & Lozano, 2002), as mortes por suicídio são apenas uma parte do
problema, ou a mais visível, pois há aquelas pessoas que tentam o suicídio e sobrevivem e
ainda outras que apresentam sérias condutas autolesivas. Ao adotar uma perspectiva ampla,
a OMS definiu o suicídio como um ato de violência voltado à própria pessoa e o subdividiu
em dois tipos: comportamento suicida e conduta autolesiva. O primeiro incluiu ideação
suicida, tentativas de suicídio – também chamadas de ‘parasuicídio’ ou ‘prejuízo deliberado’
em alguns países – e o suicídio consumado. A conduta autolesiva, por seu lado, foi resumida
em comportamentos de automutilação, por sua vez definidos por Favazza (1998) como a
destruição ou alteração de partes do corpo, sem consciência da intenção suicida. Apesar
da aparente clareza das definições acima, não há consenso na literatura científica sobre
a terminologia a ser adotada para definir as condutas autolesivas e muito menos como se
posicionar em relação à presença da intenção suicida, consciente ou inconsciente. Há,
no entanto, um esforço no sentido de se delimitar o campo e encontrar definições mais
operacionalizadas que possibilitem o desenvolvimento científico, como se verifica no trabalho
de Claes e Vandereycken (2005).
Com relação à discussão sobre a terminologia adotada e sua descrição considera-se,
neste trabalho, propositalmente, como temas sobre os quais não se debruçará. O objetivo
aqui proposto é o de apresentar uma leitura das condutas autolesivas, contextualizada em um
modelo explicativo amplo e integrativo sob a perspectiva dos vínculos afetivos, fundamentada
na teoria do Apego. Assim sendo, adotou-se a terminologia proposta pela OMS.
Suyemoto (1998), a partir das características descritas na literatura, definiu a
automutilação como um comportamento direto, socialmente inaceitável e repetitivo que causa
de pequenos a moderados danos. Quando a pessoa está se automutilando, ela está em um
estado psicológico perturbado, mas não está tentando suicídio ou agindo como resposta à
necessidade de autoestimulação ou aos comportamentos estereotípicos característicos do
autismo.
Como os estudos são controversos quanto à definição e aplicação do termo
automutilação, há divergências quanto à prevalência. Além disto, Giusti (2013) aponta que
a maioria dos estudos foi realizada com população de adolescentes e adultos jovens e pouco
se sabe sobre a evolução e consequências desse comportamento ao longo do tempo. Nock
(2010) foi mais assertivo ao revisar a literatura e afirma que, comumente, a automutilação
inicia-se na adolescência e é mais prevalente em adolescentes e adultos jovens, o que
justifica os estudos terem como população-alvo estes grupos. Ademais, destaca que é mais
frequente ocorrer em situação privada com a utilização de um objeto afiado para cortar a pele
ou pontiagudo para desenhar ou escrever sobre a superfície do corpo e que há variação tanto
em relação à frequência quanto à severidade da automutilação entre as pessoas estudadas.
Por estas características é possível compreender a dificuldade de se estimar com precisão
a parcela da população que tem este tipo de conduta.
Skegg (2005) apresentou um quadro bem claro dos fatores de risco para a
automutilação e alguns exemplos em cada categoria: a) Características demográficas –
jovem, sexo feminino, desvantagem socioeconômica, orientação homossexual ou bissexual;
b) Meio social e familiar – experiências adversas na infância, dificuldades interpessoais na
adolescência; c) Transtornos psiquiátricos – depressão, uso de substâncias, transtornos
pessoas a terem dificuldades de regulação afetiva, cognitiva e social, como por exemplo,
hiperativação física em resposta a eventos estressores, habilidades sociais e verbais pobres.
Por sua vez, estes fatores de risco também aumentam a possibilidade de ocorrência de
comportamentos maladaptativos, como por exemplo, abuso de drogas, uso de álcool, que
comumente estão associados à automutilação; 3) o risco de escolha da automutilação, em
vez de outros comportamentos maladaptativos, é feita em função de diversos fatores, como
por exemplo, desejo de autopunição, por aprendizagem social.
O modelo pressupõe a existência de fatores de risco distais (predisposição genética
para alta reatividade emocional e cognitiva, abuso e maus-tratos na infância, desaprovação
e hostilidade familiar). Exposta a estes fatores de risco, a criança estaria vulnerável tanto no
âmbito intrapessoal (emoções e cognições altamente aversivas, baixa tolerância ao estresse)
quanto no interpessoal (déficit nas habilidades de comunicação e capacidade de solução de
problemas). Diante de situações de estresse, estas vulnerabilidades levariam a pessoa a
dar certos tipos de resposta, com excitação excessiva ou muito baixa ou senso de falta de
controle das demandas sociais. Como maneira de regular afetiva, cognitiva e socialmente
essas demandas, a pessoa escolheria um ou mais métodos de automutilação a partir de
experiências diversas: a) por aprendizagem social; b) necessidade de autopunição; c) como
um sinal social; d) por pragmatismo; e) por analgesia à dor; f) por identificação implícita.
Partindo do modelo acima, propõe-se que os fatores distais relativos às condições em
que a criança é cuidada sejam explicados pelo desenvolvimento dos vínculos afetivos entre
ela e o cuidador principal. A Teoria do Apego (Bowlby, 1969/2002, 1973/1993, 1980/2004),
é aplicada, portanto, para explicar a relação entre fatores distais, vulnerabilidade intra e
interpessoal na qual a conduta autolesiva funciona como um meio de regulação afetiva,
cognitiva e social. Farber (2005, 2008) foi uma das autoras a propor a compreensão
da automutilação a partir da teoria do Apego, entendendo que os comportamentos de
automutilação comumente têm origem no vínculo desorganizado que a criança faz com
aquelas pessoas que lhe infligem dor e sofrimento e que, a partir da internalização deste
tipo de vinculação, infligem dor e sofrimento a elas mesmas, por dissociação.
Os estilos de vínculo ou de apego originam-se em experiências precoces, nas quais
os bebês vivenciam as primeiras experiências relacionais com seus cuidadores principais.
Assim que nascem, os bebês desenvolvem comportamentos de ligação que têm por
objetivo alcançar ou manter a proximidade com outro indivíduo diferenciado e preferido
(figura de apego). Para Bowlby (1969/2002), esses comportamentos tornam-se padrões de
relacionamento bastante evidentes nos primeiros anos da infância, caracterizam os seres
humanos durante toda a vida e têm como uma de suas particularidades o envolvimento
emocional (Fraley, Waller & Brennan, 2000; Coan, 2010).
A teoria proposta por Bowlby (1969/2002, 1973/1993, 1980/2004) associou
observações sobre o comportamento de apego de crianças às pesquisas empíricas
realizadas na década de 50 sobre desenvolvimento infantil e etologia e teve forte influência
dos trabalhos de Konrad Lorenz (Obegi & Berant, 2009). A perspectiva etológica desta
teoria derivou do conhecimento de que o comportamento de apego seria característico
dos mamíferos. Segundo esta perspectiva, esses comportamentos são sistemas inatos
em humanos, têm por função garantir a proximidade com outros humanos importantes
em momentos de estresse (Bowlby, 1969/1983), garantem a sobrevivência da criança e o
desenvolvimento ótimo, tanto social quanto emocional e cognitivo (Insel & Young, 2001). A
busca pela proximidade em relação ao cuidador é uma importante característica que será a
responsável pelo desenvolvimento dos vínculos afetivos entre a criança e as demais pessoas
de sua convivência. Uma premissa central da teoria de Bowlby é a de que a seleção natural
favoreceu crianças que se tornaram vinculadas a seus cuidadores, porque estimulavam a
resposta de proteção do cuidador em situação de perigo e diante dos predadores (Rholes
& Simpson, 2004).
Do ponto de vista do desenvolvimento do afeto, Lewis (2008) destaca que dois
estados emocionais básicos são inatos: um negativo e outro positivo. Destes, subsequentes
estados emocionais se diferenciam a partir da interação entre mãe e bebê e o processo
de maturação. Panksepp (2008), com base no conhecimento derivado de estudos com
animais e humanos, defende que todos os processos psicológicos são dependentes de
processos cerebrais biofísicos e trabalham em conjunto com o corpo, o meio e a cultura.
Dessa maneira, a experiência afetiva seria uma função que emerge de complexas redes
neurodinâmicas, intimamente conectadas ao corpo e, por este, ao mundo. Processos afetivos
primários originam-se de complexas redes neuronais que fornecem ferramentas intrínsecas
do cérebro/mente para auxiliar os animais na tarefa de sobrevivência. Evolutivamente, os
organismos competem por recursos que garantam a sua sobrevivência e, se não houvesse
competição, as redes neuronais que geram os afetos provavelmente não existiriam. Com o
aumento das exigências competitivas, novas escolham foram exigidas e os afetos podem
ter sido a possibilidade heurística ideal para a efetiva tomada de decisão. Os cérebros mais
competitivos desenvolveram heurísticas afetivas – que são biológicas, neuronais, mas com
fortes conexões corporais e culturais – para facilitar a tomada de decisão rápida em benefício
do indivíduo e do grupo. Um exemplo é a capacidade de empatia, que pode ter proporcionado
a sobrevivência de grupos (Waal, 2009).
Assim sendo, os afetos são funções cerebrais e sua infraestrutura mais importante
é neuronal. Sentimentos instintivos (ferramentas básicas à sobrevivência) possivelmente
apresentam-se como conhecimento básico para o aparato cognitivo. O aumento de
sentimentos positivos, de diversos tipos, informa ao aparato cognitivo que o organismo
tem grandes chances de ter sua sobrevivência facilitada. Diversos sentimentos negativos
informam ao aparato cognitivo que há, possivelmente, uma ameaça à sobrevivência.
Portanto, a primitiva capacidade de experimentar dor pode ter aberto a possibilidade de
gerar outros sentimentos negativos como, por exemplo, estresse após a separação, os quais
proporcionaram a experiência de luto e solidão (Panksepp, 2008).
Esses sentimentos são diferenciados a partir das primeiras experiências do bebê
com seu próprio corpo e no relacionamento com o cuidador principal. Neste relacionamento,
a criança elabora modelos internalizados de crenças acerca do Eu e das outras pessoas
importantes para elas, dependendo de como as pessoas respondem a ela. Ao longo de sua
vida, as representações mentais resultantes destes primeiros relacionamentos importantes
funcionarão como modelos de funcionamento mental, com base nos quais os indivíduos
se envolverão em outras experiências interpessoais. A este padrão relacional pode-se
denominar estilo de apego. Estas representações têm importante função na maneira como
o indivíduo interpreta e atua em contextos sociais diversos como, por exemplo, com amigos
e com o par romântico, na vida adulta (Fraley, Waller & Brennan, 2000, Fraley, Hefferman,
Vicary & Brumbaugh, 2011).
A partir dos estudos empíricos iniciais realizados por Mary Ainsworth sobre vínculos
afetivos em crianças, foi descrita a primeira tipologia dos estilos de vinculação que
apresentava três padrões distintos de vínculo ou de representação dos relacionamentos:
seguro, ansioso e evitativo, em categorias distintas. Modelos mais recentes (Brennan,
Clark & Shaver, 1998) propuseram que os padrões de vínculos afetivos em adultos sejam
organizados em duas dimensões, a partir das quais são descritos em termos de diferenças
de grau e não de categorias: 1) vínculo ansioso, definido como ausência de segurança em
relação aos vínculos afetivos, forte necessidade de estar próximo das pessoas significativas,
preocupações com os relacionamentos e medo de ser rejeitado; 2) vínculo evitativo, definido
como ausência de segurança em relação aos vínculos afetivos; autoconfiança compulsiva e
preferência por manter distância de outras pessoas. Neste espaço bidimensional, o vínculo
seguro, por exemplo, se encontraria na região em que vínculo ansioso e evitativo são baixos.
Schore e Schore (2008) e Coan (2010) defendem a ideia de que, na leitura
contemporânea da teoria do Apego, é central o entendimento do processo de regulação
do afeto nos relacionamentos interpessoais, baseado nos conhecimentos advindos das
depressiva.
Mello et al. (2010) referem que os estudos de correlação entre trauma na infância e
psicopatologia na vida adulta abrangem uma ampla gama de desfechos, desde dificuldades
no funcionamento psicológico a alterações biológicas. Schoedl et al. (2010) investigaram
a relação entre idade do abuso sexual relatado e o desenvolvimento de estresse pós-
traumático e/ou sintomas depressivos e os resultados indicaram que há dez vezes mais
risco de desenvolvimento de estresse pós-traumático para aqueles que relataram o abuso
após os 12 anos de idade do que os que relataram antes dos 12 anos e maior risco de
depressão entre aqueles que relataram o abuso sexual antes dos 12 anos, indicando que o
abuso sexual relatado em diferentes estágios do desenvolvimento pode levar a diferentes
problemas psiquiátricos.
No entanto, nem sempre as experiências traumáticas levarão a pessoa a desenvolver
algum tipo de psicopatologia e alguma conduta autolesiva. Kobak, Cassidy e Zir (2004)
consideram os processos que interferem na resolução do trauma relacionado à vinculação
e entendem que o contexto interpessoal pode tanto facilitar quanto impedir a habilidade de
o indivíduo resolver o impacto de um evento traumático. Monteiro (2009) em estudo sobre
depressão e apego, refere que a etiologia da depressão é de natureza multifatorial, sendo
que é a combinação entre as histórias das experiências acumuladas na interação com o
mundo e com os contextos atuais de vida que tornam o indivíduo resiliente ou vulnerável à
depressão.
Indivíduos resilientes são capazes de lidar com essas experiências e adaptar-
se às condições adversas. Além disso, há influência das experiências infantis sobre os
relacionamentos adultos, mas aquelas não determinam, invariavelmente, os relacionamentos
na vida adulta; outras experiências ao longo da vida podem melhorar estas disposições,
agravá-las ou minimizar os efeitos dos estilos de vinculação (Obegi & Berant, 2009;
Castonguay & Hill, 2012).
Considerações finais
As condutas autolesivas, por acontecerem em situações mais privadas, muitas vezes
não chegam a constar de relatórios de saúde pública e são, portanto, subnotificadas. No
campo científico há, ainda, que se definir com mais precisão a nomenclatura a ser utilizada e
descrições mais detalhadas dos comportamentos. Além disso, a questão da intenção suicida,
consciente ou não, também necessita de maior clareza, visto que em algumas pesquisas
permanece a dúvida sobre se o comportamento estudado é uma conduta autolesiva com
intenção suicida ou pode ser considerado como tentativa de suicídio. Uma parcela das
pessoas que mantêm condutas autolesivas matam-se, o que sinaliza aos psicólogos, a
necessidade de um olhar cuidadoso, pois este tipo de conduta pode vir a ser relatado apenas
ao psicólogo, em consulta individual por outras queixas.
Um modelo integrativo do problema é importante porque oferece uma visão ampla e
multideterminada, além de oferecer uma visão das possibilidades de intervenção, desde a
prevenção (fatores de risco distais) até o acompanhamento daqueles que sobreviveram à
tentativa de suicídio.
A vertente contemporânea da teoria do Apego pode complementar o modelo proposto
por Nock (2010), por introduzir uma compreensão mais aprofundada e detalhada dos
componentes intra e interpessoal no desenvolvimento das psicopatologias e das condutas
autolesivas como maneiras de regulação afetiva, cognitiva e social diante de situações de
estresse. No entanto, por serem propostas teóricas, necessitam mais evidências empíricas
que as fundamentem.
Referências
Bateman, A., & Fonagy,P. (2005). Mentalization-based treatment for borderline disorder.
Resumo: O artigo se propõe a refletir sobre suicídio assistido e a relação com a busca da morte com dignidade.
São apresentadas as diferenças entre eutanásia e suicídio assistido, sendo a principal diferença que no
suicídio assistido a responsabilidade e execução do ato final da indução da morte é da pessoa. O suicídio
assistido ocorre porque o sujeito tem o desejo de terminar sua vida, mas não consegue realizar o ato sozinho
demandando ajuda medicamentosa ou encorajamento psíquico. No estado de Oregon- EUA o suicídio assistido
é legalizado a partir dos trabalhos de Jack Kervokian. São apresentados filmes e documentários em que o
suicídio assistido e processos de morte com dignidade são abordados. Longe de consenso, o tema demanda
reflexão bioética.
Palavras-chave: suicídio assistido, morte, dignidade, bioética
Abstract: The article aims to discuss assisted suicide and its relationship with the desire to a death with
dignity. The differences between euthanasia and assisted suicide are emphasized, being the main difference
the responsibility and execution of the final act of induction of death by the person. The assisted suicide occurs
because the person has the desire to end his life, but is not able to perform the act alone, needing medication
or psychic encouragement. In the state of Oregon – USA, assisted suicide is legalized through the works of
Jack Kervokian. Films and documents are presented in which assisted suicide and death with dignity are the
main issue. Far from consensus the theme requires bioethical reflection.
Keywords: assisted suicide, death, dignity, bioethics
e Schramm (2008). Os autores afirmam que retirada de suporte vital que não traz benefícios
para cura ou controle de sintomas não é eutanásia passiva que por definição não existe,
pois eutanásia implica sempre num ato deliberado. A sedação terminal é um procedimento
de cuidados no final da vida e só pode ser iniciada com consentimento do paciente ou dos
familiares, portanto também não é eutanásia ou suicídio assistido.
O suicídio assistido é relacionado ao suicídio e não à eutanásia, pela condição de
realização do ato. No suicídio assistido a execução do ato final é da pessoa, que precisa de
ajuda, pois não consegue realizar o ato sozinho. O suicídio assistido retira de um terceiro a
responsabilidade pelo ato final.
Ressaltamos que tanto na eutanásia, quanto no suicídio assistido a voluntariedade
é elemento essencial. Nos dois casos se o paciente não é quem decide é considerado
assassinato, mesmo que cometido para aliviar sofrimento ou por outras razões não tão
nobres, como liberação de leitos.
Há instituições que discutem e promovem a morte com dignidade, mas que não se
denominam como instituições em que se promove suicídio assistido. Há uma superposição
entre morte com dignidade e suicídio assistido que ainda necessita debate.
Suicídio assistido e os movimentos pró-morte com dignidade estão muitas vezes
associados, embora não sejam coincidentes. As associações pró-morte com dignidade
como o próprio nome diz estão relacionados com debates, políticas para evitar a obstinação
terapêutica, prolongamento do processo de morrer e sofrimento, mas não estão restritos ao
suicídio assistido. Como afirmam, Floriani e Schramm (2008), em 1990 foi criada na Holanda
a Comissão Rummerlink para estudar as decisões de cuidados no final da vida. A principal
preocupação desta Comissão é evitar o abuso e mortes não justificadas por sofrimento
extremo. A legalização do suicídio assistido ocorreu em 1998 no estado de Oregon, na
Holanda eutanásia e suicídio foram legalizados entre novembro de 2000 e abril de 2001 e
em 2002 na Bélgica, como apontam os autores.
A Clinica Dignitas é sediada em Zurique, Suíça e foi fundada em 1998 pelo advogado
Ludwig Minelli. Dá assistência às pessoas que procuram a clínica, suíços e estrangeiros
principalmente do Reino Unido, França e Alemanha. Nesta instituição não são médicos que
preparam a medicação, o paciente é quem toma a decisão de tomar o remédio, como se
vê no documentário “A morte assistida em Oregon”. Observa-se que a decisão de morrer
não ocorre somente em situação de doença terminal, e sim em várias circunstâncias em
que a pessoa considera que não quer mais viver. Possui atualmente grande número de
associados do mundo todo, e já realizou por volta de 1000 mortes dessa forma. Seus
diretores e o governo da Suíça contestam que estejam transformando a Suíça, conhecida
pelos chocolates e relógios, em local de turismo da morte. A clínica oferece os serviços a
um custo de 4.000 francos, segundo a direção é para cobrir os custos dos procedimentos.
Os suicídios assistidos ocorrem em apartamentos alugados com a administração de dose
letal de pentobarbital de sódio, sem haver a necessidade de prescrição médica.
A Clínica Dignitas não oferece a opção de eutanásia, e se baseia na vontade do
paciente, que deve estar lúcido e consciente de sua decisão, assumindo a responsabilidade
do ato com sua assinatura. Pessoas com depressão ou outros problemas psiquiátricos não
são assumidos pela clinica.
Há Suíça outra instituição denominada Exit, Associação pelo Direito à Morte com
Dignidade na cidade de Lausanne fundada em 1982, cujo presidente é o médico cirurgião
Jerome Sobel, que ofereceu entrevista a Swissinfo. Afirma que na Suíça eutanásia é crime,
mas prestar auxílio a doentes que querem morrer não, desde que o pedido seja sério e
repetido. No caso desta instituição este auxílio será prestado, se for um doente com doença
incurável com sofrimento que torne a existência insuportável. Um dos pontos principais em
questão é ter discernimento e não estar em estado de depressão.
A instituição Exit atende apenas cidadãos suíços ou estrangeiros que residam no país,
porque tem poucos voluntários e que possam ajudar no processo personalizado na hora da
morte. O custo é baixo, os interessados pagam uma anuidade de aproximadamente 20 euros.
Espera-se um tempo entre o primeiro pedido de ajuda do paciente para a sua
morte para que possa pensar com mais calma na decisão e poder finalizar providencias e
despedidas, confirmando-se a decisão da pessoa. Em caso afirmativo é oferecida a solução
letal misturada em suco ou outra bebida de preferência da pessoa, portanto é obrigatório,
como mencionado anteriormente, que o paciente tenha condição de engolir e não vomitar.
Interessante observar, que segundo Sobel, 87% dos suíços concordam com o suicídio
assistido. Procuram a Exit protestantes, católicos e judeus, que entendem que Deus lhes
concede o poder de decisão sobre sua vida.
Sobel acredita que o tema da morte com dignidade e suicídio assistido deve ser
debatido em cursos e que não precisasse ocorrer em instituições especializadas. Lembra
que nenhum dos procedimentos executados é obrigatório, todos são de escolha da pessoa
que é devidamente informada e esclarecida com tempo para sua decisão
Para aprofundar a discussão sobre o tema refere-se ao documentário “Exit- O direito
de morrer” de Fernand Melgar que recebeu o Grande Prêmio do Cinema Suíço.
No Brasil o suicídio assistido é visto como crime. O Código Penal prescreve no artigo
122 a punição a quem auxilia uma pessoa no seu suicídio, neste processo visto então como
assassino.
não podia fornecer esta liberdade após seu acidente. A família e amigos não conseguiam
compreender seu drama e por amor queriam impedir sua morte, mantendo-o no seu inferno
pessoal.
Pelas limitações motoras em virtude da tetraplegia impediram-no de efetuar o ato
suicida sozinho. Buscou a eutanásia como direito pessoal a uma boa morte e ficou perplexo
com o grau de intolerância dos representantes da religião, do estado e da lei. Sampedro
escreve cartas veementes a estas pessoas que, compiladas compõem o livro citado. A
sociedade contemporânea apresenta intensa negação da morte. Para ele a liberdade é valor
máximo, permitindo decisões sobre o final da vida.
Quando ocorreu o mergulho de Sampedro, a batida da cabeça no fundo de areia teria
permitido uma morte suave. Mas, uma pessoa viu o salto e o salvou, aí começou o inferno
nas suas palavras. Propõe que profissionais de saúde aceitem o direito das pessoas de
renunciar a certos estados de degeneração prolongados artificialmente. Tenta provar que
desejar a morte no seu caso não significa estar deprimido, e sim a busca da dignidade no
final da vida. As pessoas que o amam de verdade deveriam tolerar seu desejo de morrer com
dignidade e o legítimo pedido de eutanásia para se libertar do sofrimento. A vida pertence
à pessoa que deve ter o direito de dispor dela. Nas suas palavras
Eu recorri a juízes solicitando o direito e a liberdade pessoais que, no meu entender a Constituição
me garante... ou supõe-se que se tenho direito à vida, devo ter ou deveria ter direito à morte, à minha
dignidade, minha personalidade (p. 204).
Vemos neste impactante discurso de Ramon Sampedro sobre sua história real,
questões importantes a serem discutidas. A finalização de sua vida e sofrimento como última
opção foi o suicídio assistido. Queria o direito à eutanásia, porque não tinha condições de
realizar o suicídio por sua ação, como não conseguiu escolheu outra forma de realizar seu
intento, contando com a assistência de uma amiga para o suicídio, que foi julgada pelo crime,
atenuado pela intencionalidade claramente declarada de Sampedro.
O filme Mar Adentro de Alejandro Amenabar mostra na cena final o suicídio assistido.
O próprio Ramon, representado por Javier Bardem, em atuação fantástica, explica que
com ajuda da amiga toma o veneno que levará à sua morte. Fica claro em sua história,
que procurou a eutanásia em primeiro lugar e a partir da recusa recorrente, acaba optando
pelo suicídio assistido porque não poderia cometer o suicídio sozinho pela falta total de
possibilidade para se jogar pela janela ou para tomar os comprimidos necessários para tirar
sua vida. Ele diz “já estou morto há muito tempo. Esta vida não é vida para mim”.
A Organização inglesa “Dignity in Dying” apóia documentários deste tipo que apesar
de causarem fortes emoções ajudam as pessoas a formarem sua opinião a respeito. Do seu
ponto de vista censurar o tema não ajuda. Exibi-los abre a possibilidade para que pessoas
que estejam sofrendo com uma doença grave e sem possibilidade de recuperação possam
se identificar e buscar ajuda.
Os grupos anti-eutanásia representados pela organização “Care Not Killing Alliance”
entendem este documentário como um libelo a favor do suicídio e não como debate sobre
o tema, tendo efeito de “contágio” que poderia levar a um aumento de suicídios assistidos,
em vez das pessoas buscarem cuidados adequados para a sua situação.
Em nossa opinião o tema deve ser ventilado, tanto nos seus pontos positivos quanto
nos riscos que possam proporcionar. O que é polemico é assistir ao processo de morrer como
é visto no documentário do início deste artigo e no filme “You don’t konow Jack” em que seu
procedimento foi levado ao ar, Kervokian acabou condenando, ficando na prisão 7 anos.
Craig Ewert, vinculado à clínica Exit tinha doença neurológica e pôs fim à sua vida
diante das câmeras da TV, na Sky News, suscitando grande polemica. Questionamos
a necessidade de apresentar esta cena ao vivo. Será que não é possível trazer o seu
depoimento acrescido de reflexão e debate sobre vários pontos de vista.
As mídias, TV, cinema e internet podem incrementar o debate sobre o tema. Do nosso
ponto de vista em vez de apresentar os casos ao vivo poder-se-ia coletar o depoimento, ou
trabalhar com atores o roteiro apresentado pelos pacientes, familiares e profissionais sem
tirar assim a emoção e o envolvimento e sem escancarar um tema tão polêmico, que ainda
necessita de muito debate e reflexão. Acreditamos que apresentar as cenas ao vivo suscita
mais aversão naqueles que têm posições contrárias e pode intimidar aqueles que ainda
estão reticentes.
Referências
Choosing to die. Direção: Charlie Russell. Produção: Charlie Russell. Documentário BBC.
KEO North. United Kingdom, 2011. 1 DVD (59 min), color.
Dignitas. http://www.dignitas.ch
Entrevista a Swissinfo (documentário Exit)- http://www.swissinfo.ch/por/direito-%C3%A0-
morrer--a-su%C3%AD%C3%A7a-d%C3%A1-umali%C3%A7%C3%A3o-de-
vida/893054
Floriani, C. & Schramm, F.R. (2008). Cuidados paliativos interfaces, conflitos e necessidades.
Ciência e Saúde Coletiva, 15 (Sup.). 2123-2132.
Goldim, J.R. Textos sobre suicídio assistido. http://www.bioetica.ufrgs.br
Kovács, M.J. (2013). Revisão crítica sobre conflitos éticos envolvidos na situação de suicídio.
Psicologia: Teoria e Prática, vol. 15, pp. 69-84.
Mar Adentro. Direção: Alejandro Almendábar. Produção: Alejandro Amenábar e Fernando
Bovaira. Intérpretes: Javier Bardem, Belén Rueda, Lola Dueñas, Mabel Rivera, Celso
Bugallo e outros. Roteiro: Mateo Gil. Música: Alejandro Amenábar. Espanha. Itália.
França, 2004. 1 DVD (125 min), color.
Morte assistida em Oregon. How to die in Oregon. Direção: Peter Richardson. Produção:
Peter Richardson. Sundance Filme Festival. HBO. EUA, 2011. 1 DVD (107 min), color.
Sampedro, R. (2005). Cartas do inferno. São Paulo: Editora Planeta do Brasil.
Schramm, F.R. (2002). A questão da definição da morte na eutanásia e no suicídio assistido.
Mundo da Saúde, São Paulo, 26(1), jan/mar, 178-183.
You don´t Know Jack. Direção: Barry Levinson. Produção: Scott Ferguson. HBO. EUA, 2010.
1 DVD (134 min), color.