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Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 1

Expediente
Revista Brasileira de Psicologia
É a revista semestral do Programa de Pós-graduação em Psicologia (PPGPSI) do Instituto de
Psicologia da Universidade Federal da Bahia – UFBA. São publicados artigos originais sobre
Psicologia e áreas afins.
O título abreviado da revista é Rev. Bras. Psicol., forma que deve ser usada em bibliografias,
notas de rodapé, referências e legendas bibliográficas.

Editor Geral
Dr. Marcos Emanoel Pereira (UFBA)

Comissão editorial
Dra. Ana Cecília de Sousa Bastos (UFBA) Dr. José Carlos Santos Ribeiro (UFBA)
Ms. Avimar Ferreira Junior (UFBA) Dr. Marilena Ristum (UFBA)
Dr. Igor Gomes Menezes (UFBA) Dra. Sonia Maria G. Gondim (UFBA)
Dra Ilka Dias Bichara (UFBA)

Conselho Editorial
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Dra. Ângela Maria de Oliveira Almeida (UNB) Dr. Marcos Eugênio de Oliveira Lima (UFS)
Dra. Ângela Maria Vieira Pinheiro (UFMG) Dra. Maria Angeles Cerezo (Univers. de Valência)
Dr. Antonio Marcos Chaves (UFBA) Dra. Maria de Fátima de Souza Santos (UFPE)
Dr. Antonio Virgílio Bittencourt Bastos (UFBA) Dra. Nádia Maria D. Rocha (Faculd. Ruy Barbosa)
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Dr. Hartmut Gunther (UNB) Dr. Ronaldo Pilatti (UNB)
Dr. Helmuth Kruger (UERJ) Dr. Saulo de Freitas Araújo (UFJF)
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Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 ii


Sumário
Editorial
Marcos Emanoel Pereira ....................................................................................................................1

Apresentação do dossiê “Suicídio: Prevenção no Brasil — Volume I”


Avimar Ferreira Junior & Karina Okajima Fukumitsu ........................................................................3

Suicídio: Uma análise da produção científica brasileira de 2004 a 2013


Karina Okajima Fukumitsu, Attilio Provedel, Maria Julia Kovács & Ana Catarina T. Loureiro ...........5

O comportamento suicida no Brasil e no mundo


Avimar Ferreira Junior ..................................................................................................................... 15

O suicídio, interditos, tabus e consequências nas estratégias de prevenção


Fernanda Cristina Marquetti, Karina Tiemi Kawauchi & Cristiane Pleffken .................................... 29

O suicídio, interditos, tabus e consequências nas estratégias de prevenção


Fernanda Cristina Marquetti, Karina Tiemi Kawauchi & Cristiane Pleffken..................................... 30

O Suicídio no contexto psiquiátrico


Chei Tung Teng & Mariana Bonini Pampanelli ................................................................................ 41

Suicídio à Luz do Caso de Ellen West: uma compreensão a partir da Daseinsanalyse psiquiátrica
Karina Okajima Fukumitsu, Cyntia Helena Ravena Pinheiro & Joana Ingrid Solomon .................... 52

Condutas autolesivas: uma leitura pela Teoria do Apego


Gláucia Mitsuko Ataka da Rocha ..................................................................................................... 62

Suicídio assistido e morte com dignidade: Conflitos éticos


Maria Julia Kovács ........................................................................................................................... 71

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 iii


Editorial

Este terceiro número vem consolidar os esforços do conselho editorial da Revista


Brasileira de Psicologia no sentido de publicar manuscritos originais, subordinados às
diversas vertentes teóricas e moldados em consonância com o métodos consagrados de
estudo e pesquisa na área de conhecimento da psicologia.
O presente número, uma vez mais organizado em duas seções, um dossiê, desta vez
sobre o suicídio, e os artigos regulares, representam um retrato, ora algo sombrio, ora um
um pouco perturbador, sobre a psicologia fomentada e cultivada no nosso país.
O dossiê sobre o suicídio é composto por uma apresentação e sete artigos. O esforço
condutor dos vários artigos, tal como se depreende pela leitura da apresentação, impõe uma
certa estupefação, se considerarmos quantas pessoas desistem de viver e se contentam
com a experiência de procurar, com as próprias forças, dar fim à própria vida. Embora
no nosso país as taxas de suicídio não representem indicadores assombrosos, como os
encontrados em outros países, ainda assim trata-se de um problema que causa preocupação
aos psicólogos e, como tal, o dossiê oferece um retrato daquilo que é objeto de discussões
entre alguns dos nossos nomes mais representativos neste campo de estudos. O trabalho
de Fukumitsu, Provedel, Kovács e Loureiro se dedica a conduzir uma cuidadosa análise
bibliométrica dos artigos publicados nos últimos dez anos em nosso país, o que resulta num
retrato bastante acurado da produção científica sobre o tema em nosso meio, indicando não
apenas as principais tendências bibliográficas, como também um mapa abrangente das
principais redes de pesquisadores que tem se dedicado a estudar de forma mais sistemática
o assunto na última década. A leitura sugere que o número de artigos publicados sobre
o assunto tem crescido substancialmente nos últimos anos, embora lamente que isto não
tenha representado necessariamente a incorporação de um número significativo de novos
pesquisadores no campo de estudos.
O artigo de Ferreira Jr., por sua vez, acena para os fatores econômicos, sociais
e culturais que podem explicar as diferenças das taxas de suicídio e enfatiza a situação
particular do Brasil, que se em geral apresenta indicadores de prevalência não muito altos,
quando consideradas algumas particularidades, especialmente no que se refere aos números
absolutos em algumas regiões e no crescimento consistente na taxa nas últimas décadas em
todas as regiões do país, causa alguma preocupação. Estes indicadores, no entanto, devem
ser considerados cuidadosamente, pois eles podem refletir os efeitos da subnotificação,
bem como ofrem o impacto nada desprezível dos tabus fortemente associados ao assunto,
conforme discutido no artigo de Marquetti, Kawauchi e Pleffken, no qual se acentua as
dificuldades encontradas e a importância da identificação de sinais precoces para uma
melhor estratégia de prevenção do comportamento suicida.
Ainda segunda a perspectiva da prevenção do suicídio, o artigo de Teng e Pampanelli
apresenta algumas reflexões sobre o trabalho na área da psiquiatria e acentua os temores
e a sensação de impotência que se acerca do profissional face ao paciente psiquiátrico que
decide acabar com a própria vida. Esta preocupação está fortemente associada a indicadores
estatísticos de que um diagnóstico de algum quadro psiquiátrico se encontra subjacente a
cerca de noventa por cento dos casos de suicídio. A condição do suicida, em particular sua
situação desamparo existencial é analisada segundo a perspectiva da Daseinsanalyse no
artigo de Fukumitsu, Pinheiro e Solomon, no qual se apresenta um caso no qual o suicídio
pode ser interpretado como a saída que a pessoa encontra para enfrentar o isolamento
existencial. O artigo de Rocha se depara com uma das faces menos discutidas do suicídio,
que é a questão das condutas autolesivas, ou seja, as lesões sistematicamente autoinfligidas
em que o agente pode ou não reconhecer como tentativa de suicídio. No capítulo conclusivo
do dossiê, Kóvacs se debruça sobre a difícil questão do suicídio assistido e da morte com
dignidade, sinalizando o intenso debate sobre o assunto e as consequências pessoais,
sociais e midiáticas relacionadas com as questões bioéticas subordinadas à decisão de

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Editorial

procurar e encontrar uma morte digna.


Além do dossiê sobre o suicídio, este número apresenta quatro artigos em diversas
áreas da psicologia. O artigo de Techio, Costa , Moreira e da Hora discute o tema da identidade
baiana sob a perspectiva da teoria da identidade social. Em consonância com o postulado
na teoria, uma das mais proeminentes no cenário da psicologia social atual, fica evidenciado
uma avaliação positiva do endogrupo, um claro papel do senso de pertencimento e o uso
acentuado de estereótipos positivos na construção da identidade baiana. Adicionalmente
encontramos no texto uma discussão sobre o quanto a mídia reproduz de forma acurada a
realidade e indica o quanto as representações negativas são ofuscadas pela autoafirmação
da identidade positiva e por estratégias destinadas a manter em níveis altos a autoestima
e o autoconceito.
Fundamentando-se nas contribuições de teóricos como Foucault, Deleuze e Ilich, o
texto de Silva e Lima se dedica a discutir as sociedades de controle e disciplinar e denunciar
os efeitos nefastos da institucionalização precoce. O foco de análise destitui o papel
educativo e construtivo das creches e escolas e passa a tratá-las como instituições de
sequestro, destinadas a inibir a criatividade e o desenvolvimento das potencialidades da
criança. Trata-se, como podemos supor, de um argumento controverso e, como tal, sujeito a
discussões. A conclusão do artigo se encaminha no sentido de sugerir novas possibilidades
de utilização da escola, de foma a evitar que ela deixe de contribir com a formação de uma
aprisionada subjetividade capitalística e se transforme num espaço destinado a libertar a
criança.
O artigo de Prado e Abrão, elaborado na vertente da historiografia da psicanálise,
passa em revista a produção nacional de artigos sobre o tema da paternidade. Discute-
se, numa perspectiva próxima a do psicanalista francês Jacques Lacan, o conceito de
paternidade, levando em consideração a denominada metáfora paterna e o papel do pai como
instância interditora da relação imaginária entre a criança e a mãe, mediante a instauração
da lei e da cultura.
O artigo de Barbosa e Carvalho analisa, a partir da clínica das psicoses, o atendimento
oferecido pelos CAPS aos pacientes psicóticos. O artigo acena para as dificuldades
concernentes a sustentação teóricas das atividades práticas e aponta a necessidade de
se implementar equipes de trabalho multidisciplinares para fazer frente ao enorme desafio
de oferecer uma assistência humanitária a pacientes com este tipo de sofrimento psíquico.
Considerados em conjunto, estes artigos refletem um pouco algumas das características
da ciência psicológica conduzida no Brasil. Se temos, por um lado, uma perspectiva orientado
por uma visão empirista, tal como se depreende no artigo subordinado à perspectiva da
cognição social temos, por outro lado, um trabalho de caráter estritamente emancipatório,
como o da institucionalização precoce. Aliado a isso, devemos reconhecer a importância
de uma orientação metacientífica pragmática, que se reflete tanto nos trabalhos de base
psicanalista, que em última instância está voltado para as preocupações com a atividade
clínica, quanto no esforço de prestar uma melhor assistência aos pacientes psicóticos.

Marcos Emanoel Pereira


Editor

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Apresentação
Dossiê “Suicídio: conhecendo o fenômeno, desmistificando o tabu”
Suicídio é um evento que demanda a compreensão de uma complexa gama de fatores
predisponentes e precipitantes e dos sinais de alerta. É, portanto, multifatorial. O elevado
número de suicídios no Brasil é alarmante e o coloca entre os dez países com as taxas mais
elevadas da morte autoinflingida. Assim como a compreensão do suicídio é complexa, sua
prevenção também o é.
O dossiê Suicídio: Prevenção no Brasil da Revista Brasileira de Psicologia, composto
em dois volumes, tem como objetivo a prevenção do suicídio no país, por meio da ampliação
das informações sobre a temática. Sendo o suicídio um problema de saúde pública, acredita-
se que sua prevenção seja possível desde que se propicie o desenvolvimento de políticas
públicas e a capacitação no manejo do comportamento suicida que, por sua vez, envolva
diversos profissionais, como psicólogos, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas
ocupacionais, assistentes sociais, professores; jornalistas; advogados, policiais civis e
militares, líderes religiosos e de comunidades, etc.
Acredita-se que a troca de informações entre os profissionais fornece subsídios
importantes para a elaboração de planos interventivos. Ao se pesquisar a temática do suicídio
e do comportamento suicida de maneira aprofundada, deve-se considerar a prevenção do
suicídio. Por esse motivo, participaram da organização desse projeto, o editor Avimar Ferreira
Junior e a editora convidada Karina Okajima Fukumitsu. O foco do volume I foi o levantamento
das produções científicas brasileiras e as várias compreensões sobre o suicídio, a fim de
se respeitar a complexidade desse fenômeno. Nesse sentido, foi privilegiada a seguinte
questão: O que o suicídio supostamente resolve para aquele que percebe na morte sua
única saída?
O primeiro artigo – intitulado “Suicídio: uma análise da produção científica brasileira
de 2004 a 2013”, de autoria de Karina Okajima Fukumitsu, Attilio Provedel, Maria Júlia Kovács
e Ana Catarina Tavares Loureiro – trata das produções científicas brasileiras sobre o suicídio
no Brasil. Os autores analisaram a produção científica brasileira de 2004 a 2013 sobre
suicídio, por meio de consulta à Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) para documentos do tipo
artigo em português. A partir do interesse pela configuração das pesquisas realizadas sobre
a temática do suicídio nesse período e por meio do estudo métrico e descritivo apresentaram
a identificação da evolução de pesquisas sobre o suicídio e delimitaram uma caracterização
da bibliografia, como também a identificação dos pesquisadores que mais se dedicaram ao
estudo da temática.
O artigo de Avimar Ferreira Junior, “O comportamento suicída no Brasil e no
mundo” amplia a compreensão do problema de saúde brasileiro com o espectro mundial e
incentiva a elaboração de estratégias para o enfrentamento e prevenção do comportamento
autodestrutivo. O artigo aponta que em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento as
mortes por suicídio aumentaram de maneira significante. À luz dos dados obtidos nos OMS,
OECD e mapa da violência, o autor apresenta levantamento estatístico sobre suicídio, das
tentativas de suicídio e de condutas autolesivas no Brasil e no mundo.
Fernanda Cristina Marquetti, Karina Tiemi Kawauchi e Cristiane Pleffken, no artigo
“O tabu em relação ao suicídio e suas implicações nas estratégias de prevenção em
saúde”, discutem sobre as repercussões do tabu relativo ao suicídio. As autoras entrevistaram
seis profissionais de saúde e identificaram que as maneiras como se percebe o suicídio
podem interferir ou até dificultar na percepção dos sinais do comportamento suicida. Além
disso, discutem que a observação dos sinais do comportamento suicida pode auxiliar na
prevenção do suicídio e que, apesar dos sinais manifestos, a comunicação pode se tornar
interdita em algumas situações.
A multifatorialidade do suicídio é apresentada no artigo de Chei Tung Teng e Mariana
Bonini Pampanelli, “Suicídio no contexto psiquiátrico”. Os autores apontam que mais de
90% dos casos de suicídio estão intrinsecamente relacionados a diagnósticos psiquiátricos.
Desse modo, os transtornos mentais devem ser detectados e receber tratamento adequado.

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Dossiê “Suicídio: conhecendo o fenômeno, desmistificando o tabu”

Dados epidemiológicos, neurobiológicos e diagnósticos foram abordados no estudo. Foi


ainda considerado que a intervenção preventiva do suicídio se dá pela identificação dos
fatores de risco. Finalizam este artigo com ilustrações de programas multidisciplinares
implementados em outros países.
Outra maneira possível de compreensão do suicídio é apresentada no artigo “Suicídio
à luz do caso de Ellen West: uma compreensão a partir da Daseinsanalyse psiquiátrica”,
de Karina Okajima Fukumitsu, Cyntia Helena Ravena Pinheiro e Joana Ingrid Solomon.
Nele, as autoras apresentam, a partir do caso de Ellen West de Ludwig Binswanger, uma
compreensão sobre o suicídio segundo o enfoque da Daseinsanalyse psiquiátrica. Elas
tecem considerações a respeito dos ensinamentos de Husserl e seu método fenomenológico;
de Heidegger e sua ontologia-hermenêutica e de Binswanger, que iniciou a Daseinsanalyse
psiquiátrica no campo da psicopatologia. Desenvolvem também a importância de não buscar
explicações para o ato suicida, de não rotular a pessoa como doente, de se respeitar a
história do paciente, voltando-se, sobretudo, para a compreensão da mensagem existencial
do ato suicida.
Gláucia Mitsuko Ataka da Rocha, em seu artigo “Condutas autolesivas: uma leitura
pela Teoria do Apego”, propõe a compreensão das condutas autolesivas, com base em
um modelo integrativo. Discute a imprecisão da nomenclatura para o comportamento
autodestrutivo e utiliza o termo “condutas autolesivas”. Subdivide o suicídio em dois tipos:
comportamento suicida e conduta autolesiva e tece considerações entre o risco de repetição
das condutas autolesivas e o suicídio posterior. Apresenta um modelo proposto por Nock
(2010), que associa as condutas autolesivas à capacidade da pessoa de se regular afetiva,
cognitiva e socialmente.
Em seu artigo “Suicídio assistido e morte com dignidade: conflitos éticos”,
Maria Julia Kovács se propõe a refletir sobre suicídio assistido e a relação com a busca
da morte com dignidade. Diferencia suicídio assistido, eutanásia e morte com dignidade,
delimitando suas especificidades. Aborda os conflitos éticos do suicídio assistido e utiliza
filmes e documentários em que o suicídio assistido e processos de morte com dignidade
são abordados para embasar a temática que, segundo a autora, demanda reflexão bioética.
Ressaltando que não há perfil de pessoas que tentaram ou tentarão o suicídio e que
o ato suicida é imprevisível, este dossiê se propõe a ser mais uma das contribuições na
luta a favor da valorização da vida e da ampliação das possibilidades existenciais. Espera-
se também que esta contribuição, incentive a criação de programas para a prevenção do
suicídio no Brasil, bem como de pesquisas sobre o tema, para que profissionais da saúde
possam se instrumentalizar para o manejo do comportamento suicida.

Avimar Ferreira Junior


Editor Associado

Karina Okajima Fukumitsu


Editora convidada do dossiê Suicídio: Prevenção no Brasil

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Suicídio: Uma análise da produção científica brasileira de 2004 a 2013
Suicide: An Analysis of the Brazilian scientific production from 2004 to 2013

Karina Okajima Fukumitsu1


Attilio Provedel2
Maria Julia Kovács3
Ana Catarina Tavares Loureiro4

Resumo: O suicídio é uma das prioridades da Organização Mundial da Saúde (OMS) e sua prevenção efetivada
a partir da ampliação das informações sobre suicídio. O artigo tem como objetivo analisar a produção científica
brasileira de 2004 a 2013 sobre suicídio pela consulta à Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) para documentos
do tipo artigo em português. Este estudo métrico e descritivo ofereceu a identificação de um crescimento
significativo no número de publicações a partir de 2009 e dois picos expressivos do número de publicações
em 2010 (35 registros) e em 2012 (40 registros) como o ano com maior número de publicações, porém, 3,34
autores por publicação pode indicar a escassez do investimento na pesquisa sobre a temática, provocando o
questionamento sobre o número reduzido de pesquisas sobre suicídio ser reflexo do tabu.

Palavras-chave: suicidologia, prevenção, suicídio.


Abstract: Suicide is one of the priorities of the World Health Organization (WHO) is prevention that can be
made from adding information about suicide. The article aims to analyze the scientific production from 2004 to
2013 about suicide by consulting the Virtual Health Library (VHL) for documents of type article in Portuguese.
The method of metric and descriptive study, which is the elimination of duplicate records and not related theme
offered the identification of a significant growth in the number of publications from 2009 and two significant
peaks in the number of publications in 2010 (35 records) and in 2012 (40 records) as the year with the highest
number of publications, however, the average of 3.34 authors per publication may indicate a shortage of
investment in research on the subject, provoking the question about the small number of studies on suicide be
a reflection of taboo.
Keywords: suicidology, prevention, suicide.

1 Psicóloga e Psicoterapeuta. Bolsista PNPD/CAPES e Pós-doutoranda pelo Programa de Pós-


graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade São Paulo (USP).
karinafukumitsu@gmail.com
2 Professor Associado do Departamento de Arquivologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Coordenador do Núcleo de Estudos em Ciência e Espiritualidade (NECE/UFES). attilio.provedel@ufes.br
3 Professora Livre Docente do Instituto de Psicologia da USP. Coordenadora do Laboratório de Estudos
sobre a Morte. mjkoarag@usp.br
4 Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Especialista e Nefrologia pela Sociedade
Brasileira de Nefrologia. Mestranda no Curso de Políticas Públicas e Desenvolvimento Local pela MESCAM -
Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericordia de Vitória. actloureiro@gmail.com.

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Suicídio: Uma análise da produção científica brasileira de 2004 a 2013
Suicide: An Analysis of the Brazilian scientific production from 2004 to 2013

Karina Okajima Fukumitsu


Attilio Provedel
Maria Julia Kovács
Ana Catarina Tavares Loureiro

Introdução
A informação de que a cada 40 segundos 1 suicídio é consumado e 1 tentativa de
se matar é realizada a cada 3 segundos (WHO, 2008) oferece a constatação de que o
suicídio reflete o problema de saúde pública. Segundo Lovisi et al. (2009), o Brasil ocupa a
67ª posição na classificação mundial dos números de suicídio e “se encontra entre os doze
países do mundo onde há mais mortes por suicídio: 9.206 óbitos apenas no ano de 2008”,
segundo o SIM (Bertolote, 2012, p.59).
Um dos tópicos prioritários da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2008) é a
prevenção do comportamento suicida, sendo que 90% dos suicídios poderiam ser evitados
se houvesse um trabalho preventivo. Concomitantemente, a taxa de suicídios cresce
mundialmente a cada ano e por isso, a prevenção da morte auto infringida deve ser
vinculada diretamente à compreensão dos aspectos sociais, culturais, econômicos, políticos
e individuais envolvidos na atenção integral à saúde. Entretanto, desde o Plano Nacional
de Prevenção do Suicídio no qual as diretrizes brasileiras foram divulgadas em agosto de
2006, em evento realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em
Porto Alegre (Brasil, 2006), nenhum outro programa foi efetivamente realizado e efetivado,
sendo que avanços importantes foram conquistados, tais como a publicação das Diretrizes
Nacionais para Prevenção do Suicídio e o lançamento do Manual de Prevenção do Suicídio
para Profissionais das Equipes de Saúde Mental.
Portanto, acredita-se que ações preventivas, educativas, assistenciais e de pesquisa
sejam necessárias para a sensibilização da valorização da vida, além de atualizar o projeto
iniciado pela equipe capacitada e pioneira sobre a temática.
A saúde pública é um contexto que exige o direcionamento da atenção para resultados
da epidemiologia de mortes por suicídio, a fim de promover um plano de ações e propostas
de atenção básica considerando os aspectos relacionados ao suicídio. Sendo assim, o
presente artigo tem como objetivo analisar a produção científica brasileira de 2004 a 2013
sobre suicídio, por meio de um método do estudo métrico e descritivo. Nesse sentido, a
pesquisa é relevante, pois pretende a partir da análise quantitativa da produção científica
nacional, ampliar a conscientização pública e servir como escopo para o desenvolvimento
de uma estratégia nacional para a prevenção do suicídio.

Desenvolvimento
O suicídio é uma morte violenta e, na maioria das vezes, inesperada. Porém, há de
se considerar, tanto os fatores de risco predisponentes e precipitantes, quanto os sinais de
alerta, por exemplo, mudanças abruptas do comportamento.
Para Bertolote (2012, p. 7), o suicídio “não apenas representa a culminância de
um sofrimento insuportável para o indivíduo, mas também significa uma dor perpétua e
um questionamento torturante, infindável, para os que ficam”, por esse motivo, é preciso
enxergar a vida em sua possibilidade mais plena, abarcando ação e ética. Por ética salienta-
se o cuidado, que significa legitimar o outro em sua condição mais vulnerável e por ação,
configura-se a necessidade de ampliação e divulgação de forma adequada de informações
preventivas. Em contrapartida, se o acesso às informações é difícil, a população pode ser
prejudicada no sentido de se sentir desamparada em seu sofrimento.
Alvarez (1999, p.173) assinala: “Antes, o suicida era considerado sórdido, um

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Karina Okajima Fukumitsu, Attilio Provedel, Maria Júlia Kovács &Ana Catarina Tavares Loureiro

condenado que devia ser rejeitado com o mais puro horror. Agora ele começava, pelo menos,
a parecer humano: ‘É o caso dele; pode também ser o teu’”. A conscientização de que o
sofrimento acomete o humano e que todo ser humano deve acolher e respeitar o sofrimento
alheio, pode servir de base para que a impotência individual se transforme em ação coletiva
no sentido de promover mudanças, inclusive em relação a um dos maiores empecilhos no
manejo terapêutico da pessoa que tenta o suicídio e do sobrevivente que sofre o impacto
da morte por suicídio: o estigma do ato suicida. Explicamos. Muitas vezes, profissionais e
leigos não familiarizados com o tratamento de potenciais suicídios, minimizam o agravo
do comportamento suicida, avaliando-o e julgando como apenas “uma forma de chamar
atenção”. Esse fato acentua o estigma do suicídio e provoca isolamento tanto da pessoa
com comportamento suicida quanto do enlutado por suicídio. Portanto, é preciso possibilitar
ao profissional da saúde capacitação e treinamento para que se coloque a serviço de se
tornar um interlocutor da comunicação entre os envolvidos no cuidado ao paciente com
comportamento suicida. Cabe frisar, que o presente artigo pretende ser um convite para que
mais ações no trabalho e na educação possam ser mobilizadas para acolher o sofrimento
e desenvolver habilidades para lidar com frustrações e adversidades. Além disso, deve-se
atentar para a capacitação de recursos humanos no sentido de vincular mais pessoas aos
serviços como forma de intervenção em saúde, bem como, considerar os fatores de risco
tanto predisponentes quanto precipitantes.

Método
Trata-se de um estudo métrico e descritivo que permite uma análise quantitativa da
produção científica sobre uma determinada temática. Esse tipo de estudo pode evidenciar a
evolução de determinada área de pesquisa e oferecer subsídios para a análise de tendências,
proporcionando uma caracterização de forma integral da bibliografia e a identificação da
estrutura intelectual da área (Ferreira, 2010).
A coleta de dados foi realizada em fevereiro de 2014, por meio de consultas à Biblioteca
Virtual em Saúde (BVS)5. Para realização das consultas à fonte de dados citada foi utilizado
o termo “suicídio”. A consulta à BVS foi realizada a partir de pesquisa de documentos do
tipo artigo, selecionando o idioma português, delimitando o período de 2004 a 2013. Tal
período foi delimitado pelo fato de os pesquisadores terem o interesse pela configuração
das pesquisas realizadas sobre a temática antes do projeto Plano Nacional de Prevenção
do Suicídio e após até o ano de 2013.
Para eliminação dos documentos repetidos, foi utilizado um processamento automático
dos registros capturados seguido de uma revisão manual complementar. Ao final desta etapa,
foram identificados 337 registros distintos. Com o objetivo de gerar subsídios para a análise
da produção científica, além dos recursos matemáticos e estatísticos, foram utilizadas as
tecnologias VOSviewer (Van Eck e Waltman, 2010) e Network Workbench (NWB Team, 2006)
para a representação visual de uma rede colaborativa de pesquisa envolvendo os autores
mais produtivos no período considerado.

Resultados
Analisando o período de 2004 a 2013 estabelecido para a busca, a figura 1 apresenta
o total anual de publicações, nos quais se identifica um crescimento contínuo no número
de publicações de 2007 a 2010 e dois picos expressivos do número de publicações em
2010 com 49 registros e em 2012 com 53 registros, sendo este o ano onde ocorreu o maior
número de publicações.

5 Disponível em http://brasil.bvs.br/pt

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Suicídio: Uma análise da produção científica brasileira de 2004 a 2013

Figura 1: Número de publicações sobre Cuidados de Enfermagem de 1992 a 2012.

As 337 publicações recuperadas estão distribuídas em 112 revistas especializadas,


sendo que apenas 18 englobam 57,27% (193 registros) da produção científica, conforme
mostra a tabela 1. A Revista Ciência e Saúde Coletiva e o Jornal Brasileiro de Psiquiatria
contêm a maior quantidade de publicações (30 artigos cada, 8,9%) sobre o tema.

Tabela 1:
Número de publicações por revista especializada.
# Revista Publicações %
1 Ciência e Saúde coletiva 30 8,90
2 Jornal Brasileiro de Psiquiatria 30 8,90
3 Revista Brasileira Psiquiatria 22 6,53
4 Caderno de Saúde Pública 21 6,23
5 Revista de Psiquiatria clínica. (São Paulo) 17 5,04
6 Revista de Saúde Pública 10 2,97
7 Revista de psiquiatria do Rio Grande do Sul 10 2,97
8 Caderno de saúde coletiva 6 1,78
9 Ciência, Cuidado e Saúde 6 1,78
10 Psicologia Ciência e Profissão 6 1,78
11 Revista Bioética 6 1,78
12 Revista de medicina de Minas Gerais 5 1,48
13 Agora (Rio Janeiro) 4 1,19
14 Escola Anna Nery Revista de Enfermagem 4 1,19
15 Psico-USF 4 1,19
16 Psicologia & Sociedade 4 1,19
17 Revista da Associação Médica Brasileira 4 1,19
18 Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental 4 1,19
19 Outras (94 revistas) 144 1,99

Com relação ao número de autores, foram identificados 867 autores distintos e 1126
autores no total geral, correspondendo a uma média de 3,34 autores por publicação. Embora
tenha sido verificada a ocorrência de pequenas incorreções ortográficas nos nomes de

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Karina Okajima Fukumitsu, Attilio Provedel, Maria Júlia Kovács &Ana Catarina Tavares Loureiro

alguns autores no registro de suas produções científicas, foi possível ser identificada a
produção científica dos autores mais produtivos (com pelo menos 4 publicações sobre o
tema), conforme apresenta a tabela 2.

Tabela 2:
Autores mais produtivos (com pelo menos 4 publicações sobre o tema).
# Autor Publicações
1 Blanca Susana Guevara Werlang 15
2 Fatima Goncalves Cavalcante 11
3 Maria Cecilia de Souza Minayo 11
4 Neury Jose Botega 9
5 Humberto Correa 8
6 Magda Lucia Felix de Oliveira 7
7 Giovanni Marcos Lovisi 6
8 Luiza Jane Eyre de Souza Vieira 6
9 Stela Nazareth Meneghel 6
10 Felipe Filardi da Rocha 5
11 Leticia Fortes Legay 5
12 Lucia Abelha 5
13 Maria da Penha de Lima Coutinho 5
14 Raimunda Matilde do Nascimento Mangas 5
15 Alfredo Cataldo Neto 4
16 Antonio Egidio Nardi 4
17 Kay Francis Leal Vieira 4
18 Liana Wernersbach Pinto 4
19 Luciano Dias de Mattos Souza 4
20 Paulo Dalgalarrondo 4
21 Ricardo Azevedo da Silva 4
22 Ricardo Tavares Pinheiro 4
23 Simone Agadir Santos 4
24 Simone Goncalves de Assis 4
25 Sonia Grubits 4
26 Viviane Franco da Silva 4

Os 26 autores mais produtivos contribuíram para a publicação de 88 publicações.


Verificou-se também que estas 88 publicações contaram com a participação de um total
de 174 autores distintos e que a média de autores por publicação foi de 3,98 para este
quantitativo específico da produção científica. Considerando os três autores mais produtivos,
a tabela 3, a seguir, apresenta a especialidade de cada um dos profissionais.

Tabela 3:
Especialidades dos três autores mais produtivos obtidas em consulta à Plataforma Lattes.
# Autor Especialidade
Graduação em Psicologia; Especialização em Educação
Psicomotora; Especialização em Diagnóstico Psicológico;
1 Blanca Susana Guevara Werlang
Mestrado em Psicologia Social e da Personalidade; Doutorado
em Ciências Médicas/Saúde Mental.
Graduação em Psicologia; Doutorado e Pós-doutorado em
2 Fatima Goncalves Cavalcante
Saúde Pública; Mestrado em Psicologia Social.

Graduação em Sociologia; Graduação em Ciências Sociais;


3 Maria Cecilia de Souza Minayo
Mestrado em Antropologia Social; Doutorado em Saúde Pública.

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 9


Suicídio: Uma análise da produção científica brasileira de 2004 a 2013

Para cada autor mais produtivo, a tabela 4 apresenta o número total de parcerias, o
número total de parcerias distintas e a média de autores por publicação na qual participa.
Nota-se que as publicações de Luciano Dias de Mattos Souza, de Ricardo Tavares Pinheiro e
de Ricardo Azevedo da Silva contaram com a maior média (8,00) de autores por publicação e,
por outro lado, as publicações de Blanca Susana Guevara Werlang (autora mais produtiva),
apresentaram a menor média (2,20) de autores por publicação, o que pode significar que,
além de sua participação na elaboração do plano nacional de prevenção do suicídio em
2006, a autora, considerada um ícone da suicidologia brasileira, continuou colaborando com
suas pesquisas sobre a temática mesmo após a não continuidade do plano pela motivação
pessoal para minimizar as mortes pelo suicídio.

Tabela 4:
Número de parcerias, número de parcerias distintas e média de autores por publicação.
# Autor Total de Total de Parcerias Média de autores
Parcerias Distintas Por publicação
1 Blanca Susana Guevara Werlang 18 10 2,20
2 Maria Cecilia de Souza Minayo 30 15 3,73
3 Fatima Goncalves Cavalcante 30 15 3,73
4 Neury Jose Botega 34 19 4,78
5 Humberto Correa 22 16 3,75
6 Magda Lucia Felix de Oliveira 18 15 3,57
7 Stela Nazareth Meneghel 34 22 6,67
8 Luiza Jane Eyre de Souza Vieira 36 27 7,00
9 Giovanni Marcos Lovisi 19 9 4,17
Raimunda Matilde do
10 26 16 6,20
Nascimento Mangas
11 Felipe Filardi da Rocha 17 11 4,40
12 Leticia Fortes Legay 16 6 4,20
13 Lucia Abelha Lima 16 8 4,20
14 Maria da Penha de Lima Coutinho 10 8 3,00
15 Luciano Dias de Mattos Souza 28 16 8,00
16 Ricardo Tavares Pinheiro 28 16 8,00
17 Ricardo Azevedo da Silva 28 16 8,00
18 Liana Wernersbach Pinto 12 6 4,00
19 Simone Goncalves de Assis 12 6 4,00
20 Sonia Grubits 20 15 6,00
21 Simone Agadir Santos 13 5 4,25
22 Alfredo Cataldo Neto 15 14 4,75
23 Viviane Franco da Silva 22 11 6,50
24 Paulo Dalgalarrondo 15 6 4,75
25 Kay Francis Leal Vieira 8 6 3,00
26 Antonio Egidio Nardi 9 9 2,20

Para visualização da rede colaborativa de pesquisa (ou rede de coautorias) envolvendo


os autores mais produtivos, inicialmente foi necessária a identificação das parcerias de
cada um destes autores. Em seguida, formatando e preparando os dados de acordo com
os requisitos da tecnologia VOSviewer foi obtido o mapa da rede ilustrado na figura 2, no
modo visão de densidade.

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 10


Karina Okajima Fukumitsu, Attilio Provedel, Maria Júlia Kovács &Ana Catarina Tavares Loureiro

Figura 2: Mapa da rede colaborativa de pesquisa (ou rede de coautorias).

Neste mapa, a distância entre dois autores indica o grau do relacionamento entre eles,
sendo que quanto menor a distância, maior é a relação entre tais autores (Eck e Waltman,
2011). Ainda, autores próximos possuem maior similaridade de suas parcerias, como pode
ser exemplificado no caso de Luiza Jane Eyre de Souza Vieira e Stela Nazareth Meneghel. A
figura 3 ilustra um efeito de zoom no mapa apresentado na figura 2, na região de tais autoras.

Figura 3: Zoom no mapa da figura 2, na região das autoras Luiza Jane Eyre de Souza Vieira e Stela Nazareth
Meneghel.

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 11


Suicídio: Uma análise da produção científica brasileira de 2004 a 2013

Nas visualizações das figuras 2 e 3, a intensidade das cores indica a densidade


dos autores, variando do azul (menor densidade) ao vermelho (maior densidade). Quanto
maior o número de autores na vizinhança de um ponto e quanto maior o peso dos autores
próximos ao ponto, maior é a intensidade do vermelho neste ponto e maior é o tamanho da
fonte utilizada para apresentação do nome do autor.
Aplicando um novo zoom no mapa apresentado na figura 3, podemos visualizar na
figura 4 a região da autora Fátima Gonçalves Cavalcante onde identificamos a representação
da autora Maria Cecília de Souza Minayo. Ambas possuem os mesmos quantitativos de
publicações, parcerias e parcerias distintas, conforme apresentado na tabela 3, mas não
constam no mapa inicial da figura 2 visto que em sua região outros autores possuem uma
rede de coautorias mais ampla mesmo com um número menor de publicações.
Nesse sentido, também deve ser validado o fato de Neury Botega ser orientador
da tese de doutorado de Blanca Werlang nos anos de 2007 a 2011, além de Maria Cecilia
Minayo ser orientadora e pesquisadora que tem contribuído proficuamente para o campo
da suicidologia.

Figura 4: Zoom no mapa da figura 3, na região da autora Fátima Gonçalves Cavalcante.

Aplicando um zoom no mapa da figura 2, na região do autor Luciano Dias de Mattos


Souza, observamos a identificação de dois outros autores com os mesmos quantitativos de
publicações, parcerias e parcerias distintas, a saber, Ricardo Pinheiro da Silva e Ricardo
Tavares da Silva, conforme ilustra a figura 5.

Figura 5: Zoom no mapa da figura 2, na região do autor Luciano Dias de Mattos Souza.

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Karina Okajima Fukumitsu, Attilio Provedel, Maria Júlia Kovács &Ana Catarina Tavares Loureiro

Figura 6: Representação do grafo de parcerias dos autores mais produtivos.

Considerando ainda as publicações dos autores mais produtivos, elaborou-se um


6
grafo para visualização das ligações diretas entre estes autores e suas parcerias distintas,
conforme ilustra a figura 6. Na construção deste grafo, foi utilizado o formato GraphML7 para
a adequada preparação dos dados a serem processados com a aplicação da tecnologia
Network Workbench.
A representação do grafo para os 26 autores mais produtivos, dentre os autores mais
produtivos (os 26), identificamos no grafo da figura 6 um total de 9 subredes isoladas de
parcerias. A maior subrede agrega 8 (30,77%) desses 26 autores e três delas são constituídas
por autores isolados. Esse quantitativo de subredes (9 para 26 autores) indica uma média
de 2,88 autores por subrede, o que poderia sugerir um certo grau de dispersão na rede
completa.

Considerações Finais
Suicídio é um evento único, inesperado (às vezes não), violento, porém, que decorre
de um processo que abarca vários eventos. Dessa maneira, acredita-se que o assunto não
pertence somente à saúde pública, mas sim, diz respeito à comunidade como um todo sendo
necessário promover informações, suporte e capacitação para situações de pessoas em
sofrimento existencial.
A maioria das publicações acadêmicas foram escritas em parcerias. Entretanto,
enfatiza-se que no estudo do suicídio, a parceria é condição sine qua non, pois se o suicídio
é um fenômeno multifatorial, a pesquisa científica deverá considerar os fatores psicológicos,
biológicos, sociais, culturais etc.
Blanca Werlang foi uma das responsáveis pelo programa de prevenção de 2006 e
foi ela quem ofereceu a maior contribuição na pesquisa sobre o suicídio, sendo autora de
15 artigos. O Rio Grande do Sul é o lugar que lidera as mortes por suicídio no Brasil, assim
como, foi o local onde mais artigos brasileiros tiveram seu destaque entre o período de 2004
a 2013. Nesse sentido, seria possível associar os artigos mais publicados ao investimento
6 Um grafo é uma representação gráfica de elementos de dados e das conexões entre alguns destes itens.
7 Disponível em http://graphml.graphdrawing.org/

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 13


Suicídio: Uma análise da produção científica brasileira de 2004 a 2013

tanto dos pesquisadores quanto do estado para a pesquisa? Se a resposta for positiva,
nossa próxima indagação se direciona para o levantamento de ideias para se sensibilizar a
população e políticas públicas para incentivo aos pesquisadores e docentes de universidades
para o aprofundamento dos estudos sobre a temática.
Trabalho árduo cuja participação da sociedade é essencial. A fragilidade dos sistemas
de atendimento e o estigma que o suicídio carrega podem ser apontados como aspectos a
serem considerados no trabalho de prevenção ao suicídio. Além do levantamento de artigos
brasileiros e a atenção para os dados epidemiológicos, endossamos o incentivo para uma
estratégia nacional de prevenção do suicídio que envolve o treinamento, instrumentalização e
capacitação de profissionais da saúde que facilitem a prevenção, manejo do comportamento
suicida a partir do incentivo da formação em urgência psiquiátrica e foco em estudos sobre
suicidologia, considerando sua compreensão, bem como, processos de atenção, assistência
e acompanhamento dos familiares impactados pelo suicídio.

Referências
Alvarez, A. (1999). O Deus selvagem: um estudo do suicídio. São Paulo, Companhia das
Letras.
Bertolote, J.M. (2012). O suicídio e sua prevenção. São Paulo, Editora Unesp.
Ferreira, A.G.C. Bibliometria na avaliação de periódicos científicos. Datagramazero, v.11,
n.3, jun.2010. Disponível em: http://www.dgz.org.br/jun10/Art_05.htm
Lovisi GM, Santos SA, Legay L, Abelha Lucia A, Valencia E. (2009). Análise epIdemiológica
do suicídio no Brasil entre 1980 e 2006. Revista Brasileira de psiquiatria, v.31, supl.II,
S86-93.
NWB Team. (2006). Network Workbench Tool. Indiana University, Northeastern University,
and University of Michigan, http://nwb.slis.indiana.edu
Van Eck, N.J., & Waltman,L.(2010). Software survey: VOSviewer, a computer program for
bibliometric mapping. Scientometrics, 84(2), 523-538.
WHO (2008). Preventing Suicide: How to start a survivors group. Geneva, Switzerland, World
Health Organization.

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 14


O comportamento suicida no Brasil e no mundo
The suicidal behavior in Brazil and in the world

Avimar Ferreira Junior1

Resumo: Vários estudos sobre comportamento autodestrutivo afirmam que o suicídio é um grave problema de
saúde pública, complexo, multideterminado e de grande impacto social, econômico e pessoal. Nesse sentido,
o presente artigo objetivou apresentar as estatísticas sobre suicídio, tentativas de suicídio e de autoferimento
no Brasil e no mundo. Para tanto, valho-me principalmente dos dados colhidos pela OMS, OECD e pelo Mapa
da Violência. Segundo a OMS, mais de 800 mil pessoas se suicidam todos os anos, representando uma
morte a cada 40 segundos, podendo chegar a 1,6 milhão de mortes por ano em 2020. Já as tentativas de
suicídio são estimadas em 20 vezes a de suicídios consumados, ou uma tentativa a cada 2 segundos. Desta
forma, a taxa mundial de suicídio é de 11,4 por 100 mil habitantes (15,0 para homens e 8,0 para mulheres),
enquanto no Brasil é de 5,8 (2,5 para mulheres e 9,4 para homens). 75% dos casos de suicídio ocorrem
em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, crescendo principalmente entre os jovens. Os dados
levantados pela OMS, OECD e outros pesquisadores são fundamentais para a elaboração de estratégias para
o enfrentamento e a prevenção do comportamento autodestrutivo junto aos governos nacionais.
Palavras-chave: comportamento suicida; suicídio; tentativa de suicídio; epidemiologia.

Abstract: Several studies on self-destructive behavior state that suicide is a serious public health problem,
besides being complex, multidimensional and entailing highly social, economic and personal impact. In this
sense, this paper aims to present statistics on suicide, suicide attempts and self-injuring in Brazil and worldwide.
Therefore, I rely primarily on data collected by WHO, OECD and the Violence Map. According to WHO, more
than 800,000 people commit suicide each year, representing one death every 40 seconds, reaching 1.6
million deaths per year in 2020. On the other hand the suicide attempts are estimated at 20 times the suicide
accomplished or attempted every 2 seconds. Thus, the global suicide rate is 11.4 per 100 thousand inhabitants
(15.0 for men and 8.0 for women), while in Brazil it is 5.8 (2.5 for women and 9.4 for men). Seventy per cent
of suicide cases occur in underdeveloped or developing countries, growing especially among young people.
The data collected by WHO, OECD and other researchers are fundamental for the development of strategies
to combat and prevent self-destructive behavior with national governments.
Keywords: suicidal behavior; suicide; suicide attempt; epidemiology.

1 Psicólogo, mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás e doutorando em Psicologia pela
Universidade Federal da Bahia, com bolsa de doutorado financiado pelo CNPq. contato@avimarjr.com

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 15


O comportamento suicida no Brasil e no mundo
The suicidal behavior in Brazil and in the world

Avimar Ferreira Junior

Introdução
Vários estudos sobre o comportamento autodestrutivo afirmam que o suicídio é
um grave problema de saúde pública, complexo e multideterminado e de grande impacto
social, econômico e pessoal. Diante da constatação do aumento no número de casos de
suicídio, tentativas de suicídio e lesões autoprovocadas, a Organização Mundial de Saúde
(OMS) tem se esforçado em estabelecer junto aos governos nacionais estratégias para o
enfrentamento e a prevenção do comportamento autodestrutivo, tendo lançado em 2014
seu primeiro relatório com uma ampla pesquisa sobre o tema para subsidiar a construção
das políticas públicas de prevenção do suicídio.
Também preocupada com a questão, a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OECD, sigla em inglês), dedica uma seção ao suicídio em seu
relatório anual sobre a saúde e o sistema de saúde em seus países membros. A organização
considera o fenômeno suicida
como uma evidência, não só de colapso pessoal, mas também de uma deterioração do contexto
social em que um indivíduo vive. O suicídio pode ser o ponto final de um número de diferentes fatores
contribuintes. É mais provável de ocorrer durante os períodos de crise associadas a perturbações de
relações pessoais, por meio de abuso de álcool e drogas, desemprego, depressão clínica e outras
formas de doença mental. Devido a isso, o suicídio é frequentemente utilizado como um indicador
indireto do estado de saúde mental da população (OECD, 2014, tradução minha)

Nesse sentido, o presente artigo objetiva apresentar as estatísticas sobre suicídio,


tentativas de suicídio e de autoferimento no Brasil e no mundo. Para tanto, valho-me dos
dados colhidos pela OMS(2014), OECD (2014) e pelo Mapa da Violência (Waiselfisz, 2014).

As estatísticas globais
A autodestrutividade humana é um fenômeno mundial. Segundo a OMS (2014), mais
de 800 mil pessoas se suicidam todos os anos e esse número deve chegar a 1,6 milhão de
mortes em 2020. Contudo, a própria OMS acredita que esse número esteja subestimado
em 20 vezes por conta da subnotificação ou inexistência de registros de ocorrências,
principalmente em países da África e Oriente Médio, bem como pelo próprio tabu no qual o
tema está envolto em todo o mundo.
Estes dados implicam que o suicídio responderá por 1,5% do total de óbitos no mundo
em 2015, ocorrendo ao menos uma morte a cada 40 segundos. Desta forma, o suicídio é
responsável por mais mortes que as guerras e assassinatos ocorridos no período de um ano.
Ao mesmo tempo, a cada suicídio consumado, ao menos seis pessoas próximas ao falecido
terão suas vidas profundamente afetadas sócio, econômica e emocionalmente.
A taxa mundial de suicídio aferida pela OMS (2014) é de 11,4 óbitos por 100 mil
habitantes (15,0 para homens e 8,0 para mulheres). Observa-se na Figura 1 que as maiores
taxas de óbitos por suicídio encontram-se no leste europeu e as mais baixas na América
Latina. Europa ocidental, Estados Unidos e Oceania presentam taxas intermediárias. Já os
dados dos países africanos são pouco confiáveis ou inexistentes, dificultando a aferição
fidedigna das taxas de suicídio.
Em números absolutos, conforme a Tabela 1, os países com mais mortes por suicídio
são a Índia, China, Estados Unidos, Rússia, Japão, Coreia do Sul, Paquistão e Brasil.
Contudo, quando se olha para as taxas de suicídio, os países que se destacam são Guiana,
Coreia do Sul, Coreia do Norte, Sri Lanka, Lituânia, Suriname, Moçambique e Nepal.

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 16


Avimar Ferreira Junior

Figura 1: Mapa de taxas de suicídio (por 100 000 habitantes), ambos os sexos, 2012. (WHO, 2014)

Países populosos como China, Índia e Brasil, apesar do grande número de casos,
apresentam baixas taxas de suicídio. Por sua vez, a Guiana, com menos de um milhão de
habitantes apresenta a maior taxa mundial, 44,0 por 100 mil habitantes. Vale lembrar que
a taxa de morbidade por suicídio expressa o número de suicídios ocorridos em um país ou
região a cada 100 mil habitantes durante o período de um ano.

Tabela 1:
Países com mais óbitos por suicídio e maiores taxas de suicídio em 2012. (WHO, 2014)
Óbitos por suicídio (mil) Taxa de suicídio (por 100 mil)
País Total País Homem Mulher Todos
Índia 258 Guiana 70,8 22,1 44,2
China 121 Coreia do Sul 41,7 18 28,9
EUA 43 Coreia do Norte 45,4 35,1 38,5
Rússia 31 Sri Lanka 46,4 12,8 28,8
Japão 29 Lituânia 51 8,4 28,2
Coreia do Sul 17 Suriname 44,5 11,9 27,8
Paquistão 13 Moçambique 34,2 21,1 27,4
Brasil 12 Nepal 30,1 20,0 24,9

Outro dado levantado pela OMS é que 75% dos casos de suicídio se dão em países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, apontando para uma correlação entre situação
econômica e taxas de suicídio, ainda que esta não seja infalível. Um exemplo é o aumento
do número de suicídio na Grécia, país que enfrenta uma séria crise econômica, cuja taxa
saltou de 3,4, no ano 2000, para 3,8 em 2012 (WHO, 2014), representando um aumento de
10,5%. Outros estudos (Blasco-Fontecilla et al., 2012; Branas et al., 2015) também relatam
o aumento do suicídio em períodos de crise econômica na Grécia; contudo, o relatório da
OECD (2014) afirma que não parece existir uma relação entre crise econômica e taxas de
suicídio.

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 17


O comportamento suicida no Brasil e no mundo

Figura 2: Variação nas taxas de suicídio entre 1990 e 2010, em alguns países selecionados (OECD, 2014).

Conforme observa-se na Figura 2, as taxas de suicídio aferidas pela OECD (2014) na


Grécia, Espanha e Irlanda flutuaram pouco entre 1990 e 2010, a despeito da crise econômica
que enfrentaram e ainda enfrentam. Essa é uma das discrepâncias entre o relatório da
OECD e o da OMS, ambos publicados em 2014. Por outro lado, o estudo da OECD aponta
para uma relação razoavelmente forte em longo prazo entre insatisfação com a vida e o
comportamento autodestrutivo. Segundo o relatório, a satisfação com a vida varia entre os
países e deteriorou-se em vários países europeus durantes as crises econômicas, assim
como tende a diminuir com o avançar da idade dos indivíduos, conforme a Figura 3.

Figura 3: Satisfação de vida por idade, em 2007 e 2012, em alguns países selecionados (OECD, 2014)

Ainda sobre a relação entre crise econômica e suicídio, um contraexemplo é a


Coréia do Sul, que apesar de ser um dos países mais ricos do mundo e com Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) alto, ainda assim apresenta a segunda maior taxa mundial
de suicídios, que aumentou de 8,8 em 1990 para 33,3 em 2011, conforme indicam as
Figuras 2 e 4. O elemento cultural parece ter grande peso nas Coréias do Sul e do Norte,
uma vez que ambas apresentam altas taxas de suicídio, respectivamente a segunda e a
terceira maior, apesar de viverem regimes políticos e situações econômicas distintas. Nesse
sentido, observando as Figuras 2 e 4, percebe-se que a flutuação nas taxas de suicídio não
é igual entre os países pesquisados, assim como não é igual entre países de uma mesma
região do globo. A diferença nas taxas aponta para a complexidade do fenômeno, em que
fatores econômicos, políticos e culturais influenciam a disposição dos indivíduos para a
autodestrutividade.

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 18


Avimar Ferreira Junior

Figura 4: Porcentagem de mudança na taxa de suicídio entre 2000 e 2011 (OECD, 2014) e entre 2000 e 2012
(WHO, 2014), em alguns países selecionados.

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 19


O comportamento suicida no Brasil e no mundo

No tocante a Figura 4, percebe-se que a flutuação nas taxas de suicídio não é igual
na medição da OMS e OECD. Essas diferenças podem se dever a metodologias de coleta
de dados diferentes, bem como o período de coleta dos dados. Contudo, apesar de no geral
as flutuações na taxa de suicídio apresentarem as mesmas tendências de alta ou baixa, em
alguns casos como o da África do Sul, Portugal e Grécia, as taxas oscilam em tendência
oposta; em outras as diferenças são significativas, como no caso dos Estados Unidos, Japão,
Islândia, Canadá, Eslovênia e Reino Unido, por exemplo.

Idade e sexo
Segundo a OMS (2002), percebe-se uma inversão na distribuição de casos de
suicídios por idade, conforme mostrado na Figura 5: os jovens de 5–44 anos passaram a
se suicidar mais que os adultos com idade acima de 45 anos e essa tendência parece se
manter nos próximos anos, segundo as projeções da própria Organização (WHO, 2013). É
um fato preocupante uma vez que o suicídio já é a segunda causa de morte de jovens entre
15─29 (WHO, 2014), sendo o grupo com maior risco de suicídio em um terço dos países
pesquisados, tanto desenvolvidos como em desenvolvimento.

Figura 5: distribuição de casos de suicídio por idade em 1950 e em 2000 (WHO, 2002) e projeções para 2015
e 2030 (WHO, 2013), em porcentagem.

Tanto a OMS (2014) quanto a OECD (2014) indicam que o suicídio é mais comum
entre homens e a tentativa de suicídio entre as mulheres. Essa é uma tendência histórica,
já percebida no século XIX por Peuchet e Marx (2006) e confirmada por Durkheim (2000).
A Figura 6 mostra que, historicamente, a variação da taxa de suicídio em ambos os sexos
segue a mesma tendência de alta, contudo a variação no grupo masculino é maior que no
feminino.

Figura 6: Taxa global de suicídio desde 1950 e projeção para 2020. (Bertolote & De Leo, 2012)

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 20


Avimar Ferreira Junior

A taxa global de suicídio entre os homens é de 15,0 por 100 mil hab. e entre as
mulheres é de 8,0 (WHO, 2014). Contudo, como observa a OMS (2014), as taxas de suicídio
variam conforme a região, o país e com a idade. Quando computado o total de suicídios, a
razão1 entre a taxa de suicídio de homens e mulheres nos países desenvolvidos é de 3,5 e
nos países em desenvolvimento é de 1,6, conforme sugerido na Figura 7.

Figura 7: razão entre as taxas de suicídio de homens e mulheres, por faixa etária e nível de renda dos países
em 2012. (WHO, 2014)

Regionalmente, a variação da razão entre os suicídios de homens e mulheres também


é enorme, por exemplo, de 0,9 no Pacífico Ocidental e de 4,1 na Europa. Entre os 172
Estados membros com mais de 300 mil habitantes, a razão média é de 3,2 e a mediana é
de 2,8; a razão entre o suicídio de homens e mulheres varia de 0,5 a 12,5, representando
uma diferença de 24 vezes (WHO, 2014). Uma exceção é a China em que a taxa de suicídio,
aferida em 2012, de mulheres foi de 8,7 e de homens de 7,1; entretanto, nas áreas urbanas,
as taxas de suicídios são iguais entre os sexos e na zona rural há um predomínio do suicídio
entre as mulheres (Phillips, Li, & Zhang, 2002; Phillips, Yang, et al., 2002; WHO, 2014).
Como afirma a OMS,
Há muitas razões potenciais para diferentes taxas de suicídio em homens e mulheres: as questões de
igualdade de gênero, diferenças nos métodos socialmente aceitáveis de lidar com o estresse e conflito
para homens e mulheres, disponibilidade e preferência de diferentes meios de suicídio, disponibilidade
e padrões de consumo de álcool e as diferenças nas taxas de procura de cuidados para transtornos
mentais entre homens e mulheres. A enorme variação nas proporções [das taxas de morbidade] entre
sexos para o suicídio sugere que a importância relativa dessas diferentes razões varia enormemente
por país e região. (WHO, 2014, p. 20, tradução minha)

Sobre os métodos utilizados para o suicídio, a OMS (2014) afirma que os dados são
poucos e inconsistentes. Em países de alta renda, os principais métodos para o suicídio são
o enforcamento, utilizado em 50% dos casos, e o uso de armas de fogo, usadas em 18%
dos casos, principalmente nos países de alta renda das Américas, respondendo por 46% dos
suicídios naqueles países, contra 4,5% em outros países de alta renda. Nas zonas rurais e
em países de baixa ou média renda, o uso de pesticida se destaca, responsável por cerca
de 30% dos casos de suicídio no mundo.

1 Razão é usada em matemática para comparar duas grandezas, dividindo uma pela outra. No caso da razão
entre o suicídio de homens e mulheres, divide-se o número de suicídio de homens pelo de mulheres e obtém-
se quantos homens se suicidam a cada suicídio feminino.

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 21


O comportamento suicida no Brasil e no mundo

Tentativas de suicídio e autoferimento


Conforme a OMS (2014), OECD (2014) e outros pesquisadores (Beautrais, 2000;
Bertolote & Fleischmann, 2004; Stinson & Gonsalves, 2013; Teixeira-filho, 2012), a tentativa
de suicídio é um dos principais indicadores de risco de suicídio, contudo as estatísticas sobre
as tentativas de suicídio e de autoagressão são ainda menos confiáveis.
Estima-se que a cada morte por suicídio de adulto ocorram ao menos 20 tentativas
de suicídio, o que representa uma tentativa de suicídio a cada segundo. Já as lesões
autoinfligidas representam 1,8% do montante das doenças notificadas em 1998 e estima-
se que esse número chegará a 2,4% em 2020. Segundo o Cornell Research Program
on Self-Injurious Behavior (CRPSIB), a não ser que estejam em tratamento para outras
clinicas como a da depressão ou ansiedade, é muito difícil identificar autoferidores de perfil
discreto pois muitas vezes esse comportamento ocorre em particular e quando dão entrada
em hospitais gerais para cuidar dos ferimentos, estes são relatados como decorrência de
acidentes (CRPSIB, 2012). Ainda segundo a CRPSIB,
Os poucos estudos que têm sido realizados em amostras comunitárias norte-americanas de
jovens adultos e adolescentes são limitados por pequenas amostras com base em conveniência e
variam em estimativas de prevalência de autolesão de 4% para 38% (Briere & Gil, 1998; Favazza,
1996; Gratz, Conrad & Roemer, 2002; Muehlenkamp & Gutiérrez, 2004). Um estudo representativo
de duas universidades de 2006 mostrou uma taxa de prevalência na vida de 17% com cerca de 11%
indicando repetição autolesão (Whitlock et al., 2006) e estudos recentes sobre as populações do ensino
médio em os EUA e Canadá mostram consistentemente uma taxa de prevalencia de 13 a 24% (Laye-
Gindhu; & Schonert-Reichl , 2005; Muehlenkamp & Gutierrez, 2004; Muehlenkamp & Gutierrez, 2007;
Ross & Health, 2002). Similarmente, os últimos grandes estudos na Grã-Bretanha estimam que cerca
de 10% dos jovens com idades compreendidas entre 11-25 se automutilem. (2012, tradução minha)

As estatísticas brasileiras
Segundo a OMS (2014), em número de ocorrências, o Brasil é um país que apresenta
baixas taxas de suicídio e de tentativa de suicídios. A taxa de suicídio no país aferida pela
OMS (2014) é de 5,8 por 100 mil hab., sendo 2,5 entre as mulheres e 9,4 entre os homens,
conforme a Tabela 2, representando a razão de 3,5 entre o suicídio de homens e mulheres.
Ainda consoante a Tabela 2, entre os anos 2000 e 2012 o crescimento da taxa de suicídio
no Brasil foi de 10.4%. apesar das taxas de suicídio serem consideradas baixas pela OMS,
algumas regiões do país, como o extremo norte e o extremo sul, apresentam taxas tão altas
como as do leste europeu (Waiselfisz, 2014).

Tabela 2:
Distribuição das taxas de suicídio por faixa etário e sexo em 2012, total dos suicídios em números brutos e
em taxas nos anos 2000 e 2012 por sexo e idade, e a variação das taxas de suicídio (%) entre 2000 e 2012
por sexo e idade (WHO, 2014)
Taxa de Taxa de % de variação
Taxas de suicídio por faixa etária (2012) Suicídio suicídio da taxa de
Total de
Sexo (2012) (2000) suicídio
Suicídios Todas 5–14 15–29 30–49 50–69 70+
2000-2012
idades anos anos anos anos anos
Ambos 11.821 6,00 0,40 6,70 8,40 8,00 9,80 5,80 5,30 10,40%

Mulheres 2623 2,60 0,30 2,60 3,70 3,80 3,30 2,50 2,10 17,80%

Homens 9198 9,40 0,40 10,70 13,30 12,70 18,50 9,40 8,70 8,20%

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Avimar Ferreira Junior

No Brasil o suicídio é responsável por 3,7% das mortes entre jovens (sujeitos com
idade entre 15 a 29 anos) e por 0,7% entre os não jovens (sujeitos abaixo de 15 anos ou
acima de 29 anos). De 1980 a 2012, o total de suicídio no período de um ano saltou de
3.896 casos para 10.321, um aumento de 62,5% (Waiselfisz, 2014). Entre 2002 e 2012 o
crescimento da taxa de suicídio foi de 33,6%, superior ao crescimento das taxas de homicídio
(2,1%), de mortalidade nos acidentes de transportes (24,5%) e do crescimento da população
brasileira (11,1%) no mesmo período.
Quanto à distribuição geográfica, no período de 2002 a 2012, segundo Waiselfisz
(2014), a região norte se destaca de forma preocupante, uma vez que os suicídios passaram
de 390 para 693, representando um aumento de 77,7%. Contudo, Acre, Roraima, Tocantins
e Amazonas duplicaram os casos de suicídio.
O nordeste também preocupa já que sua taxa cresceu 51,7% no período, em especial
Paraíba e Bahia, apesar de em números absolutos possuem poucos óbitos por suicídio. As
regiões Centro-Oeste e Sul também tiveram elevação dos casos de suicídio, 16,3% e 15,2%,
respectivamente. Por fim, a região sudeste observou um crescimento de 35,7% de sua taxa
de suicídio, tendo o Rio de Janeiro quase zerado sua taxa de crescimento e Minas Gerais
que teve uma elevação de 58,3% nos óbitos por suicídio.
Como alerta Waiselfisz (2014), as estatísticas podem camuflar verdadeiras tragédias
pontuais ao dissolverem o particular no todo. Afirma o pesquisador que
Mato Grosso do Sul e Amazonas concentravam 81% do total nacional de suicídios indígenas. Segundo
dados da Funai, o Amazonas contava com 83.966 indígenas, pelo que sua taxa de suicídios específica
para essa população seria de 32,2 em 100 mil. Já para o Mato Grosso do Sul, que contava com 32.519
indígenas, a taxa de suicídios seria de 166,1 a cada 100 mil indígenas. Entre os jovens, podemos
estimar para o Amazonas uma taxa de 101 suicídios para 100 mil jovens (registraram-se 17 suicídios
juvenis em 2008) e de 446 para Mato Grosso do Sul, que registrou 29 suicídios juvenis nesse ano.
(Waiselfisz, 2014, pp. 183–184)

Segundo o pesquisador, poucos são os trabalhos que se dedicaram ao suicídio dos


indígenas, não apenas no Mato Grosso do Sul, Amazonas e Pará, mas no país como um
todo. Inclusive, poucos são os estudos sobre o suicídio entre os quilombolas, os sem-tetos,
ou mesmo aqueles que se preocupem em verificar a raça/etnia dos suicidados.

Idade e sexo
Quanto a distribuição das taxas de suicídio em relação ao sexo, o Brasil segue a
tendência mundial em que os homens se suicidam mais que as mulheres, conforme se
observa na Figura 8. O gráfico também demonstra o aumento nos óbitos por suicídio apontado
por Waiselfisz (2014) em todas os grupos etários, menos entre as mulheres jovens. O maior
aumento da taxa de suicídio foi entre os homens jovens, saltando de 5,7 em 1980 para 8,9
em 2012, um incremento de 54,1%. Contudo, como observa Waiselfisz (2014), as taxas de
suicidios entre homens tendem a aumentar enquanto entre as mulheres tendem a cair.
Ao observarmos os dados apresentados na Tabela 3, percebe-se que assim como
ocorre entre o relatório da OMS (2014) e o da OECD(2014), também existe uma diferença
entre os números aferidos pelo ministério da saúde brasileiro e o da OMS e OECD. Diferentes
metodologias de coleta de dados poderiam explicar essas diferenças.
Observa-se também a ocorrência de suicídios de crianças entre 5 e 9 anos (3 casos)
e entre 10 e 14 anos (117 casos) em 2012. O suicídio de crianças com idades abaixo de 12
é um assunto polêmico em que os especialistas não possuem consenso sobre o grau de
consciência da irreversibilidade da morte e, por consequência, do suicídio (Fensterseifer &
Werlang, 2003; Friedrich, 1989; Torres, 1979).

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O comportamento suicida no Brasil e no mundo

Figura 8: Número e taxas de suicídio (por 100 mil) por Sexo. População Total, Jovem e Não Jovem, por sexo.

Constata-se, ainda, na Tabela 3, que o montante de óbitos por suicídio entre os


homens dispara a partir dos 15 anos, atingindo seu pico na faixa etária de 20 39 anos,
quando começa a decrescer, mas se mantem alta até os 69 anos. No tocante as mulheres,
apesar de se observar o aumento dos casos de suicídio a partir dos 15 anos, a curva de
crescimento não é tão íngreme quanto a dos homens.

Tabela 3:
Óbitos por suicídio em 2012. Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM

ignorada
80 anos
10 a 14

15 a 19

20 a 29

30 a 39

40 a 49

50 a 59

60 a 69

70 a 79

e mais

Idade
5a9
anos

anos

anos

anos

anos

anos

anos

anos

anos
Sexo Total

Masc 2 77 477 1835 1768 1450 1091 721 394 221 25 8061
Fem 1 40 198 389 480 449 362 195 98 40 5 2257
Ign - - - 1 - - - - - 1 1 3
Total 3 117 675 2225 2248 1899 1453 916 492 262 31 10321

Quanto aos métodos utilizados para o suicídio faltam informações nos registros oficiais.
Segundo Botega (2014), os meios utilizados variam conforme a cultura e a disponibilidade.
Nesse sentido,
No Brasil, a própria casa é o cenário mais frequente de suicídios (51%), seguida pelos hospitais
(26%). Os principais meios utilizados são enforcamento (47%), armas de fogo (19%) e envenenamento
(14%). Entre os homens predominam enforcamento (58%), arma de fogo (17%) e envenenamento por
pesticidas (5%). Entre as mulheres, enforcamento (49%), seguido de fumaça/fogo (9%), precipitação
de altura (6%), arma de fogo (6%) e envenenamento por pesticidas (5%) (Lovisi et al., 2009). (Botega,
2014, p. 233)

Tentativas de suicídio, ideação suicida e autoferimento


Desafortunadamente, não existem números oficiais sobre tentativas de suicídio,
ideação suicida e autoferimento. Esses comportamentos são difíceis de mensurar, uma vez
que nem sempre chegam a terem atendimento em postos de saúde e hospitais, assim como
em outras vezes são creditados ora como pitis, ora como acidentes, quadro depressivos ou
psicóticos.
Os poucos artigos, no Brasil, que tratam sobre a ideação suicida, fazem-no a partir da

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Avimar Ferreira Junior

delimitação de um grupo em uma dada região (Borges & Werlang, 2006; da Silva et al., 2006;
L. D. de M. Souza et al., 2010; V. dos S. Souza et al., 2011; Werlang, Borges, & Fensterseifer,
2005). Assim, as generalizações das conclusões são sempre limitadas. Contudo, como já
apontamos, a OMS afirma que a cada suicídio de adulto, ocorrem 20 casos de tentativas
de suicídio e, assim sendo, o número de tentativas de suicídios no país pode chegar a casa
de 200 mil casos por ano.

Considerações finais

Como afirmou o relatório da OECD (2014), as taxas de suicídio são importantes


indicadores de qualidade e satisfação de vida pois, ao mesmo tempo, é desfecho de um
processo existencial e da deterioração de seu contexto social. Inclusive por isso, o suicídio
é um fenômeno complexo e multifatorial, que exige atenção as particularidades de cada
país e de cada cidade. Aspectos políticos, econômicos, raciais, de gênero e culturais não
podem ser negligenciados sob pena de se perder mediações importantes para o surgimento
e manutenção do comportamento suicida em uma dada região, como bem lembrou Waiselfisz
(2014).
Deste modo, apesar de sempre questionados, em sua representatividade e
fidedignidade (Botega, 2014; Werlang & Botega, 2004; WHO, 2014), os dados apresentados
pelos relatórios da OMS, OECD e Mapa da Violência, todos publicados em 2014, são
esclarecedores e indicam bons caminhos tanto para novas pesquisas como para o
estabelecimento de políticas de prevenção do suicídio.
Um aspecto interessante a se ressaltar é a ausência de estatísticas sobre o suicídio
de indivíduos LGBTT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Travestis). Apesar da
literatura (Centre for Suicide Prevention, 2012; Grzanka & Mann, 2014; King et al., 2008; Liu
& Mustanski, 2012; Meyer, Teylan, & Schwartz, 2014; Silenzio et al., 2009) apontar os LGBTT
como grupo de risco, a OMS, OECD e Mapa da Violência não especificam esses grupos em
seus relatórios. Isso se deve não à omissão ou negligência por parte dos relatórios, mas
pela inexistencia de notação específica nos atestados de óbitos.
Nesse sentido, a subnotificação dos casos de suicídio, ao mesmo tempo que
dissimulam a dimensão numérica do fenômeno suicida, por outro mascaram aspectos
específicos, como a dos LGBTT, ao dissolvê-los em categorias gerais, como idade e sexo.
Por outro lado, ainda, confirmam o suicídio enquanto tabu social. O suicídio mais que criar
mal-estar, denuncia-o. Como disse Rubem Alves,
A morte do suicida é diferente. Pois ela não é coisa que venha de fora mas gesto que nasce de
dentro. O seu cadáver é o seu último acorde, término de uma melodia que vinha sendo preparada no
silêncio do seu ser.... Mas no corpo do suicida encontra-se uma melodia para ser ouvida. Ele deseja
ser ouvido. Para ele valem as palavras de César Vallejo: “su cadáver estava lleno de mundo”. O seu
silêncio é um pedido para que ouçamos uma história cujo acorde necessário e final é aquele mesmo,
um corpo sem vida. (1991, p. 12)

Felizmente, o suicídio é prevenível e, nesse sentido, a OMS (2014) indica algumas


estratégias de prevenção. Advoga a instituição que se limite o acesso às armas de fogo,
pesticidas e certos medicamentos, que são os métodos mais utilizados para o suicído.
A mesma organização aconselha que sejam tomados especiais cuidados com os
portadores de transtornos mentais, com aqueles que fazem uso nocivo de álcool e outras
drogas e, principalmente, com os sujeitos que já tentaram suicidio. Várias pesquisas (Bennett,
Coggan, & Adams, 2003; Bertolote & Fleischmann, 2004; Costa et al., 2014; Holmes &
Holmes, 2014; Shah, Bhandarkar, & Bhatia, 2010; Silveira, Fidalgo, Di Pietro, Santos Jr, &
Oliveira, 2014) indicam que estes são grupos de risco e, deste modo, a identificação precoce
e o tratamento adequado são fundamentais. A OMS, ainda, recomenda que a prevenção do

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O comportamento suicida no Brasil e no mundo

suicídio seja um dos eixos centrais dos serviços de assistência à saúde.


O suicídio é uma tragédia pessoal e social, cujo sofrimento emocional é incalculável,
não cabendo em números. Contudo, estima-se que a cada suicídio, seis outras pessoas são
impactadas tanto emocional como economicamente. Assim, o impacto do suicídio também se
faz sentir na economia, bem como por ela é influenciada. As crises econômicas elevam os
números de suicídio, lembrando que 75% dos suicídios se dão em países subdesenvolvidos
ou em desenvolvimento, acometendo principalmente os jovens em idade laboral. Segundo
cálculos (CJSF, 2014; Research America, 2010), para cada suicídio não consumado poupa-
se U$ 1.182.559 em custos médicos e em perda de produtividade e o ônus economico dos
suicidios, tentativas de suicídio e lesões auto-inflingidas é estimado em US$ 41 bilhões, só
nos EUA.
Deste modo, o fenômeno suicida é um grave problema de saúde pública, mas também
um grave problema econômico e social, e por tanto político, não podendo sua prevenção
ser abordada apenas pelo viés medicamentoso ou psicoterápico. Como afirma a OMS,
a comunidade é fundamental na prevenção do suicídio ao fornecerem apoio social aos
vulneráveis e aos familiares e amigos das vítimas de suicídio.

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Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 28


O suicídio, interditos, tabus e consequências nas estratégias de
prevenção
The suicide, interdictions, taboos, consequences and prevention strategies

Fernanda Cristina Marquetti1


Karina Tiemi Kawauchi2
Cristiane Pleffken3

Resumo: Este artigo discute como o tabu relativo ao suicídio pode dificultar a observação dos sinais do
percurso suicida e os consequentes problemas advindos para a prevenção. Consideramos como percurso
suicida os rastros, sinais, pegadas que o suicida deixa ao longo de sua trajetória na construção deste ato. O
percurso suicida deixa seus sinais no cotidiano, mas estes são pouco observados e identificados como sinal
de risco por familiares, amigos e, inclusive, pelos próprios profissionais de saúde. Na pesquisa entrevistamos
seis profissionais de saúde e analisamos sua postura referente à morte, ao suicídio e aos interditos envolvidos
e como estes podem impedir a percepção dos sinais do percurso suicida. Concluímos que apesar destes sinais
tornarem-se visíveis, estes não são reconhecidos, pois existe uma recusa para esta comunicação velada da
pessoa que morre por suicídio.
Palavras-chave: suicídio, tabu, prevenção.

Abstract: This article discusses how the taboo on suicide may hinder the observation of signs of suicidal path
and consequent problems arising for prevention. We consider suicidal path traces, signs, footprints that suicide
leaves along its trajectory in the construction of this act. The route leaves her suicidal signs in everyday life, but
these are poorly observed and identified as a sign of risk by family, friends and even by health professionals
themselves. In the survey interviewed six health professionals and analyze your stance on the death, suicide
and prohibitions involved and as these can prevent the perception of the signs of suicidal route. We conclude
that despite these signs become visible, they are not recognized, because there is a refusal to this veiled
suicidal communication.
KeyWords: suicide, taboo, prevention.

1 Professora adjunta da Universidade Federal de São Paulo/BS. femarquetti@uol.com.br


2 Aluna da Universidade Federal de São Paulo/BS. karina_kawauchi@hotmail.com
3 Aluna da Universidade Federal de São Paulo/BS. cris_pleffken@hotmail.com

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O suicídio, interditos, tabus e consequências nas estratégias de
prevenção
The suicide, interdictions, taboos, consequences and prevention strategies

Fernanda Cristina Marquetti


Karina Tiemi Kawauchi
Cristiane Pleffken

Introdução

O suicídio, seus sinais e sua invisibilidade


Segundo o Ministério da Saúde uma das maneiras eficazes para a prevenção de
suicídio é a identificação de sinais comportamentais, que indicariam o risco de uma atitude
suicida (2006). Entretanto, apesar destas inúmeras referências epidemiológicas sobre a
importância de evento e do mapeamento dos sinais comportamentais do risco de suicídio
da WHO (2001) sabe-se como é difícil viabilizar as estratégias de prevenção.
Em pesquisa anterior sobre o percurso suicida efetuamos a observação e análise de
alterações no cotidiano do indivíduo com tentativas de suicídio. Consideramos o suicídio
uma das causas de morte mais complexa e atribuímos importância ao estudo de seus
aspectos delineadores. O enfoque se baseou no pressuposto de que o desejo suicida
suscita mudanças nas atividades cotidianas dos sujeitos com tentativas de suicídio e que
estas transformações podem ser observadas e analisadas para sinalizar a progressividade
da ideia autodestrutiva. E, também, que a identificação da variação das atividades do
cotidiano do suicida pode ser usada como instrumento preventivo ao ato, assim permitindo
que profissionais de saúde e pessoas próximas ao indivíduo ofereçam antecipadamente a
assistência necessária mediante as situações de risco. A principal contribuição deste estudo
foi corroborar a hipótese de que há um longo percurso entre a ideia suicida e a consumação
do ato. Observamos o suicídio como o ato final de um processo, que se fortalece diariamente,
mediante pequenos pensamentos e atitudes discretas. De acordo com pesquisas realizadas
pelo Ministério da Saúde (2006), alguns destes sinais podem ser: mudanças bruscas no
comportamento relacionado aos cuidados com a higiene, distanciamento da família e amigos,
perda do interesse por atividades usuais, diminuição da capacidade de concentração, uso
de drogas lícitas e ilícitas, brincadeiras sobre o suicídio. Observamos que os dados obtidos
nesta pesquisa foram similares com os dados referidos pela literatura pertinente desta área
e também outros sinais não citados foram encontrados e descritos nos eixos do cotidiano.
Categorizar as alterações segundo os eixos do cotidiano facilitou a percepção das mesmas,
pois revelou com maior sutileza estas transformações. O levantamento e a organização
destas informações do cotidiano no percurso suicida geraram um “Mapa de risco de Suicídio”
(Fig. 1) que auxilia no conhecimento das alterações presentes no cotidiano do suicida.
A identificação destes sinais do percurso suicida revelou a importância deste estudo
pelo caráter de prevenção baseando-se no fato de que a identificação antecipada das
alterações observadas no cotidiano sujeito possibilita uma intervenção precoce com o objetivo
de impedir a consumação do ato. Considerar as variações nas atividades cotidianas que
podem se apresentar neste processo é uma habilidade essencial que direcionaria atitudes
fundamentais que podem ser determinantes para o prosseguimento de uma vida.
Entretanto, observamos durante o campo desta pesquisa questões que interferem no
uso destes instrumentos de prevenção. Apesar deste “Percurso Suicida” deixar seus sinais
no cotidiano de forma bastante visível, eles são pouco observados e identificados como sinal
de risco por familiares, amigos e, inclusive, pelos próprios profissionais de saúde. Durante as
entrevistas da pesquisa os sujeitos com tentativas de suicídio na maioria revelaram que as
pessoas ao seu redor não observaram os sinais de alteração no seu cotidiano que sinalizavam
o risco de suicídio, nem mesmo os profissionais de saúde. Ou seja, apesar destes sinais do
percurso suicida se apresentar aos observadores, estes não são reconhecidos. Como se o

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Fernanda Cristina Marquetti; Karina Tiemi Kawauchi & Cristiane Pleffken

observador se recusasse a olhar para esta comunicação velada do suicida. Esta questão
da não visibilidade dos sinais do suicídio é corroborada por outras pesquisas: Suicídio,
testemunhos do adeus em Dias (1999), Suicídio na trama da comunicação de Silva (1992),
A estrutura do discurso suicida, o cálculo que suporta a comunicação do insuportável de
Martinez (2007) e As cerimônias da destruição em Kalina (1984).

Figura 1: Mapa de risco da prevenção ao suicídio

Assim sendo, apesar da utilidade de instrumentos de prevenção, não nos serve a


informação de quais são os sinais do percurso suicida, se eles não são reconhecidos quando
ocorrem próximos ao observador. Das observações deste estudo resultou um novo problema:
Por que os sinais de risco de suicídio não podem ser reconhecidos quando ocorrem próximos
ao observador?
Este detalhe nos pareceu instigante e associado às inúmeras reações de medo,
repulsa, negação e receio ao tema se colocou uma nova questão. O tabu em relação às
mortes voluntárias e suas consequentes reações de esquiva impossibilitam a observação
dos sinais que os suicidas revelam no cotidiano?
Este tema torna-se relevante, pois a área de prevenção ao suicídio apresenta inúmeras
dificuldades, dentre elas, o treinamento dos profissionais de saúde que abordam a população
suscetível ao suicídio. Esta temática é discutida em diversos países, sendo que no Brasil
o Projeto Amigos da Vida /Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio do Ministério da
Saúde (2006) e na Argentina temos trabalhos de pesquisa sobre essas dificuldades na
prevenção ao suicídio de Martinez (2007).
Como interceptar o percurso suicida? Podemos observar que a pessoa que morreu
por suicídio deixou inúmeros rastros durante a elaboração de seu ato. Entretanto, estas
transformações no seu cotidiano são pouco reconhecidas por familiares, amigos e profissionais

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O suicídio, interditos, tabus e consequências nas estratégias de prevenção

de saúde, apesar, dos sinais de risco suicida. Portanto, observamos que conhecer os sinais
deixados pelo indivíduo que se matou é fundamental no processo de prevenção, mas é
apenas o primeiro passo de uma estratégia de prevenção em saúde coletiva. Devemos
nos habilitar para reconhecer o processo de construção do desejo pela morte voluntária
para propor intervenções em saúde adequadas. Mas, esta passagem fundamental entre o
conhecimento dos sinais do percurso suicida e seu reconhecimento quando este processo
se dá nas situações vividas é nosso objeto de interesse. Sendo assim, neste artigo visamos
discutir o tabu em relação ao suicídio e sua interferência nas estratégias de prevenção dos
profissionais de saúde. Ou seja, como tabu em relação à morte por suicídio e seus interditos
podem interferir nas estratégias de prevenção.
Neste trabalho objetivamos uma análise do impacto destas, especificamente os
suicídios, e como estas ocupam um lugar de transgressão em relação ao tabu da morte na
sociedade ocidental. Serão discutidos alguns conceitos que auxiliam na compreensão da
cultura da morte na atualidade e como os suicídios contrapõem este padrão.

O suicídio e seus interditos


Sabe-se que o suicídio é envolvido numa série de tabus relacionados com temas
como a religião e espiritualidade, a justiça e os códigos penais de cada país, a cultura de
cada localidade etc. Nesta discussão, abordaremos apenas um dos aspectos envolvidos
no tabu do suicídio: o seu atributo de transgressão ao padrão de morte contemporânea.
O suicídio como morte voluntária escapa aos interditos das mortes naturais e, assim, este
tipo de morte é colocado ao seu meio sóciocultural sem as intermediações que envolvem a
morte. Ou seja, os óbitos por suicídio não são escamoteados como as mortes naturais com
seus inúmeros rituais de afastamento. As mortes por suicídio se colocam explicitamente no
seu meio e, também, estas mortes escapam ao controle da hospitalar, na medida em que,
o sujeito que morre por suicídio retoma o controle de sua morte e define o dia, o horário, a
forma, o lugar etc.
Os suicídios são eventos que propõem o diálogo sobre a morte e seus interditos.
Um evento repleto de significações, que comporta vários discursos tais como o discurso
médico, o religioso, o jurídico, o psicológico, como também, reações de esquivas, defesas,
negações e racionalizações.
Levantamos alguns aspectos sobre a morte na sociedade ocidental, pois a
representação da morte na sociedade revela como tal evento é um ponto central de
cerceamento, depreciação e negação. Segundo Ariès (1989) a morte na sociedade ocidental
foi tratada ao longo dos séculos de diferentes formas. Sendo que no período contemporâneo
assistimos a uma abordagem da morte pela qual circulam uma série de restrições, proibições
e códigos que a levam cada vez mais longe dos vivos. As modificações culturais em torno
da morte levaram séculos para ocorrer, assim distanciando as lembranças de outra forma
de convivência com a morte. A morte na cultura ocidental foi progressivamente silenciada,
temida e hospitalizada, ou seja, ela raramente escapa às restrições colocadas quanto ao
seu lugar, a sua forma e ao seu momento. Inúmeros rituais a cercam. Este processo resultou
num padrão de morte ocidental.
Entretanto, mortes por causas externas (homicídios, suicídios e acidentes) conforme a
Classificação Internacional das Doenças, OMS (1996) são as únicas que escapam ao padrão
de morte ocidental. Estas formas de morte se subtraem aos ritos e controles estabelecidos
pela cultura diante da morte e expõem a questão da finitude humana sem os subterfúgios
praticados nas mortes naturais.
Ariès (1989) descreve a última fase da história da morte, a morte interdita. Nesta etapa
o autor nos apresenta a época atual e sua relação com a morte. Esta atitude diante da morte
nos interessa particularmente, pois se dá no nosso contexto cultural e na época onde estão
inseridos os sujeitos deste estudo. Trata-se, principalmente, de como a modernidade e a

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sua tecnologia enfrentam a morte e o moribundo. Portanto, vamos gradativamente comparar


algumas reações diante da morte natural e das mortes violentas e veremos como estas
escapam do enquadre técnico dado à morte na modernidade.
Segundo Ariès (1989) a morte interdita, fase do processo que descreve as
transformações sociais em relação à morte ocorreu de forma mais intensa nos últimos trinta
anos. A morte se transformou, gradualmente através dos séculos, de um evento próximo
e familiar para um fenômeno que suscita nojo, vergonha, verdadeiro objeto de interdito
na atualidade. Essa nova atitude diante da morte começa ainda no século XIX, onde o
moribundo é poupado de saber seu estado e quando isto lhe é comunicado, não é mais a
família que faz esta revelação. A verdade sobre a morte começa a manifestar problemas.
A princípio esconder a proximidade da morte, mentir sobre sua chegada era um ato para
poupar o doente. Mas, posteriormente, surge um sentimento diferente, é necessário poupar
à sociedade e ao círculo de relações próximas ao moribundo do: incômodo, da emoção forte
dos transtornos provocados pela agonia, da presença da morte.
A morte não deve atrapalhar a vida, o cotidiano, a felicidade, que deve estar
sempre presente, perspectivas de sentimentos característicos da modernidade. Quando
comparamos esta proposição da vida moderna e suas formas de acercar-se das mortes, no
evento suicida surge à discrepância: o suicídio não pode ser omitido, ele não é anunciado
pela família ou pelos técnicos da morte (médicos e outros). Ele se coloca por si mesmo.
E, fundamentalmente, ele interrompe todo cotidiano, toda harmonia, fazendo um corte na
vida daqueles que a presenciam. A morte se expõe. Outra transformação no processo de
abordagem da morte pela sociedade é fundamental: a transferência do local da morte, da
casa para o hospital.
Segundo Ariès (1989) o hospital ou asilo de miseráveis de épocas anteriores era um
centro médico onde se curava e se lutava contra a morte. A função curativa estava presente,
mas gradativamente além de lugar para a função curativa, passa-se a considerá-lo como
local privilegiado para a morte. Posteriormente, nesta evolução do papel do hospital, vai-se
para o hospital porque os médicos não conseguiram curar o doente. Assim, o doente é levado
para o hospital não para ser curado, e sim para morrer. A morte no hospital é transformada
completamente, é abolido o ritual da morte presidido pelo moribundo em meio aos amigos
e parentes. A morte passa a ser um fenômeno técnico obtido pela parada dos sentidos e
decidido pelo médico. O moribundo, geralmente, já perdeu a consciência, mas a morte é
decomposta, segmentada em várias fases técnicas. Surge a dúvida moderna: a morte ocorre
no momento de perde da consciência ou quando cessa a respiração? A decisão sobre o
momento da morte é técnica e substitui totalmente a ação ritual e dramática em torno da
morte. Na época atual, ninguém mais espera por semanas pelo momento da morte.
A iniciativa sobre a morte passou para o médico e seu hospital, estes decidem o
momento e as circunstâncias da morte, e se esforçam para obter do doente uma morte
aceitável, tolerável para os sobreviventes e sem emoções intensas. Novamente, quando
comparamos esta tecnologia oferecida para as mortes de causas naturais e o suicídio
mostram-se todas as diferenças: os suicídios ocorrem fora do âmbito do hospital, eles se
mostram publicamente, e sem qualquer possibilidade de controle técnico quanto a tempo e
espaço. O suicídio nada tem de aceitável, desencadeando reações intensas e dramáticas.
Outro ponto significativo na cultura tecnológica da morte refere-se ao corpo: as operações
destinadas a fazer o corpo desaparecer rapidamente dos olhos dos outros. No hospital
temos a rápida preparação do corpo pelos técnicos: os parentes se separam do parente
antes da morte, eles não podem assistir à morte no hospital, a família não prepara o seu
morto, os sinais da morte são disfarçados por meios específicos e quando não é possível
mascarar os sinais da morte fecha-se o caixão. Enfim, a eliminação do corpo do morto é
rápida e eficiente. O corpo do morto nos eventos de suicídio é exposto, a morte, muitas
vezes, assistida publicamente, seus vestígios ficam impregnados no local, enfim, a morte
não pode ser escamoteada. Numa morte por suicídio as manifestações em torno da mesma

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O suicídio, interditos, tabus e consequências nas estratégias de prevenção

são inevitáveis, pois não há discrição, o corpo é exposto ao público e a visibilidade da morte
é intensa.
Nesta fase interdita da morte descrita por Àries (1989) encontramos uma morte insípida,
higiênica, sem emoção, controlada no tempo e no espaço, maquiada, rápida, famílias sem
luto, enfim, todos os signos da morte são gradualmente abolidos ou minimizados. Esses
fenômenos constituem um verdadeiro interdito à morte: aquilo que anteriormente era lícito em
relação à morte passa a ser proibido. E, consideramos que, para cada novo interdito, surgem
novas formas de transgressão: entre elas o suicídio. Os suicídios ao escaparem às restrições
impostas pela cultura moderna e tecnológica se colocam como uma forma transgressão.
Neste fenômeno encontramos a morte sem higiene, sem discrição, sem controle no tempo
e espaço, sem disfarces, em locais inadequados e com toda emoção possível. A morte na
nossa sociedade ocorre longe dos olhos das pessoas, quase sempre é tratada como um
evento de domínio médico-hospitalar, ela é controlada no tempo e espaço, a aparência
da morte é oculta com o tratamento estético dado aos mortos, inúmeros rituais fúnebres a
escamoteiam, e muitos outros atos fazem o envoltório que nos afastam da morte.
Os suicídios burlam estes mecanismos de proteção e trazem à cena a morte explícita
e revelam aos olhos do mundo aquilo que é velado, aquilo que é o nãonomeado, aquilo
que é interdito. Esta transgressão do ato suicida em relação ao tabu da morte pode levar
às consequentes reações de esquiva que impossibilitam a observação dos sinais que os
suicidas revelam no cotidiano? Finalizando nosso argumento, propomos neste artigo discutir
a temática do tabu em relação ao suicídio e sua interferência nas estratégias de prevenção
dos profissionais de saúde.

Método
Elaboramos uma pesquisa qualitativa cujo objetivo fundamental foi verificar se
angústias e medos em relação à morte a ao suicídio (óbitos e tentativas) dos profissionais da
saúde do Município de Santos trazem implicações nas estratégias de prevenção ao suicídio.
Na primeira fase desta pesquisa procedemos com um levantamento dos profissionais de
saúde, que abordavam a população estudada no Município de Santos via informações
públicas e informatizadas.
Na segunda fase procedemos com a busca destes profissionais, via os endereços
de trabalho. Os critérios de seleção para a entrevista dos profissionais foram: a abordagem
da população em estudo, o conhecimento de sinais de comportamento suicida, segundo o
manual: Prevenção do Suicídio: Manual dirigido aos profissionais das equipes de saúde mental
do Ministério da Saúde (2006) e a aceitação para participar da pesquisa. Os entrevistados
encontravam-se na faixa etária de 30 a 50 anos e suas profissões eram psicólogo, terapeuta
ocupacional, assistente social e auxiliar de enfermagem e alguns também atuavam como
docentes em universidade.
O Termo de Conhecimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi oferecido aos participantes
da pesquisa e somente após a concordância, sua participação foi efetivada. Nesta pesquisa
os critérios éticos foram respeitados e a mesma foi submetida ao núcleo de Bioética da
UNIFESP e aprovado pelo Comitê de Ética (020/11).
Na última fase realizamos nossas entrevistas semiestruturadas com profissionais de
saúde, sendo que o roteiro de entrevistas foi utilizado como desencadeador de discurso sobre
a morte e o suicídio. Assim sendo, não cerceamos o discurso dos profissionais entrevistados
ou restringimos suas colocações às questões formuladas nas entrevistas. Nossa meta foi
conhecer a postura diante da morte e do suicídio dos profissionais de saúde e como estas
concepções podem influenciar suas práticas de prevenção ao suicídio. Posteriormente,
analisamos os discursos em relação à morte e ao suicídio dos profissionais de saúde e
identificamos os possíveis tabus dos profissionais de saúde em relação ao suicídio.

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Fernanda Cristina Marquetti; Karina Tiemi Kawauchi & Cristiane Pleffken

Resultados e Análise
Nas seis entrevistas realizadas obtivemos conteúdos verbais, gestuais, simbólicos
extensos e dispomos as manifestações apresentadas em conjunto a partir das questões
norteadoras da entrevista. Tal metodologia na abordagem dos resultados foi adotada, pois
consideramos que os discursos reportam uma concepção cultural genérica sobre a morte e
suicídio na sociedade contemporânea, assim sendo, não há uma relevância na identificação
dos discursos e seus sujeitos.
Também, na descrição dos resultados utilizamos como critério a seleção de fragmentos
das entrevistas que diretamente se relacionavam à temática do estudo.
A análise dos discursos foi inspirada numa leitura psicodinâmica do conteúdo das
entrevistas buscando os clássicos mecanismos de defesa utilizados pelos sujeitos diante
da angústia. Em Laplanche (1991, p. 279) encontramos este conceito e citamos alguns
destes possíveis mecanismos: racionalização, negação, anulação, inversão pelo contrário,
dissociação, entre outros.
E, paralelamente, colocamos uma breve sinalização analítica destes discursos
elaborados pelos sujeitos para esquivarem-se da angústia. Assim, nosso objetivo com tais
sinalizações foi apontar e discutir os subterfúgios, afetos e reações, em relação à morte ou
suicídio utilizado pelos entrevistados.
Estes serão identificados no presente estudo por S1 a S6 (sujeito 1 a sujeito 6) e
suas falas em itálico.

1) O que a morte significa para você?


*A morte é uma questão séria. Finalização da vida, término de uma jornada que teve o seu
começo. Sempre penso na morte, pois tenho uma família grande e as pessoas estão enve-
lhecendo, a morte está sempre presente. (S1)

*Eu acho uma perda imensa, pensando na morte das pessoas que eu amo. Acho que eu
tenho dificuldade de lidar com isso, de verdade, eu acho que tenho dificuldade. Em pensar
nas pessoas que eu amo partindo, eu sei que tenho que pensar nisso um dia na vida, mas
eu sei que eu vou ter muita dificuldade. (S2)

*Para mim ela significa o fim mesmo, o fim dessa vida e eu até falo que pra mim não precisa
nem fazer velório. Acho que você tem que ser importante, fazer o que tem que fazer na vida
mesmo. (S3)

*Finitude e transformação. Olha, como profissional, se eu estou enfrentado alguém que está
num processo terminal... eu nunca comento nenhum aspecto de religiosidade em relação a
isso. Então, por isso que eu acho que é finitude, termina um ciclo. E, transformação, porque
é uma questão pessoal de visão de vida, acho que tem que transformar em alguma coisa,
não é possível! Eu não consigo imaginar, não é nem porque eu tenha nenhuma religião,
mas, de que a gente viva tanto, lute tanto, por coisas bonitas, por coisas feias, e de repente
acaba e só vai virar átomo de carbono! Então, eu acho que tem essa energia, tem que virar
alguma coisa. Mas assim, no atendimento como profissional de saúde, quando essa questão
da morte se presenta, eu nunca me coloquei nesse lugar de ficar discutindo filosoficamente,
a menos que, que eles tragam alguma questão. (S4)

*É difícil porque a gente não para muito para pensar, eu acho que a tendência da gente é
fugir um pouco dela né, não enfrentar muito né. Eu associo a morte com sofrimento, com
perda, e considerando a morte de outras pessoas. Em relação a mim, eu só sinto assim que
é um acabar sabe, é um acabar o tempo. E a sensação que dá é que sempre ainda falta
muito, ainda não está na hora, ainda têm muito que fazer. Então, pra mim a morte seria uma

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O suicídio, interditos, tabus e consequências nas estratégias de prevenção

interrupção de um caminho. Mas, sinceramente nunca pensei muito sabe. Eu acho que a
gente foge muito disso. (S5)

*A morte é uma etapa, uma conclusão de uma etapa da vida. Que, pessoa se depara com
tudo aquilo, uma revisão da vida. Então, é como se fosse uma revisão mesmo, de todo um
processo de vida. (S6)

Sinalizações: Nestes fragmentos observamos alguns subterfúgios para abordar a


morte, pois apesar de alguns entrevistados considerarem a morte como o fim da vida, eles
não pensam na sua própria morte e, sim, na morte do outro. Ou seja, não conseguem acercar-
se do tema da sua própria morte. Também, os entrevistados racionalizam ao falar sobre a
morte e um discurso valoriza a vida para menosprezar a morte. Em outro encontramos uma
flagrante cisão, pois o entrevistado ao referir-se à morte dos pacientes terminais considera
finitude, mas para sua morte considera que há uma transformação em algo “tem que virar
alguma coisa”. Talvez, por isso ele evite discutir o tema com pacientes para não resvalar na
sua ambiguidade. Em outros dois discursos observa-se a negação da morte como fim, pois
os entrevistados se reportam a morte como interrupção de um ciclo ou fim de uma etapa.

2) Quais são suas reações diante da morte?


*Luto, choro, tristeza, sente saudade. (S1)

*Eu acho uma perda imensa quando penso na morte das pessoas que eu amo. Acho que
eu tenho dificuldade de lidar com isso, pensar nas pessoas que eu amo partindo, eu sei que
tenho que pensar nisso um dia na vida. (S2)

*Eu não tenho uma reação muito boa porque eu perdi meu pai e minha mãe muito cedo.
Então, eu ainda me lembro do enterro da minha mãe, foi muito difícil pra mim e acho que
depois dela, o único enterro que eu fui foi o da minha sogra. Eu fujo de enterro, não gosto
mesmo. Claro que ninguém gosta, mas se eu puder não ir, evitar, eu não vou mesmo. (S3)

*Depende da morte de quem é, e da circunstância da morte. Se, é uma morte de uma pes-
soa que teve uma vida longa, bem vivida, e a morte vem como o desfecho natural da vida,
tem um processo de aceitação, enfim, obviamente dependendo da proximidade você fica
mais triste, ou só simpático, enfim. Quando é uma experiência pessoal, enfim, vinculado a
uma pessoa mais jovem e tal, aí é de dor, sofrimento, indignação, de não aceitação, de raiva,
revolta. (S4)

A entrevista abaixo revelou muitos artefatos de dissociação, assim para alcançar a inteligi-
bilidade nós procedemos com uma reorganização o texto.

Depende do grau de envolvimento, eu acho que a gente tem a morte de pessoas próximas...
Eu acho que eu... bom, bem a gente não reage, eu acho que assim tem momentos que dá
revolta, não entender muito. Minha vivência de morte, de entes muito próximos queridos é
pequena, muito pequena. Então, eu acho que estas foram bem vividas por mim, eu acho
que assim, eu passei por um luto, por um tempo de luto, eu acho assim, de um pouco de não
aceitar, de não entender, mas percebo que de uma forma consegui, em nenhum momento
acho que foi uma coisa que me tirou totalmente do prumo. A morte sempre gera um pouco de
culpa, a sensação sempre que você podia ter feito alguma coisa, mas eu acho que eu fugi,
me perdi um pouco do que eu estava falando... Daqui a pouco eu volto (risos). (S5)

A gente acaba tendo que se acostumar pelo inesperado. Então, às vezes no início, quando
eu entrei aqui (casa de repouso para idosos) era um pouco difícil, a gente não esperava,
porque era mais fácil a gente pensar que um idoso que já estava doente, com uma doença

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Fernanda Cristina Marquetti; Karina Tiemi Kawauchi & Cristiane Pleffken

crônica, ou em uma internação hospitalar, vir a morrer mais rápido. O que realmente era
brusco, de repente, você sai sexta-feira no final do trabalho, passa o final de semana, você
chega aqui na segunda-feira e teve um óbito no final de semana de uma função muito ines-
perada. Então, isto agride a gente, não ficamos procurando alguns sinais que o idoso dê, a
gente acaba tentando controlar a situação de alguma forma, mas não dá para controlar. (S6)

Sinalizações: Nestes depoimentos sobre as reações diante da morte encontramos


afetos e subterfúgios em relação ao tema: refletir sempre na morte do outro, negação da
morte com fim, raiva, culpa, dissociação entre pensamentos e afetos, sensação de agressão,
tentativa de controle ou de evitar o evento da morte. Observamos nas entrevistas que
esta questão norteadora gerou muita desorganização no discurso dos entrevistados, sendo
assim, houve uma flagrante cisão entre racionalidade e afetos, dicotomia nas considerações
espirituais relativas a morte do outro e a própria morte, expressão de sentimentos eticamente
velados entre profissionais de saúde como raiva, culpa, impotência e angústia.

3) O que você pensa sobre pessoas que voluntariamente buscam a morte?


A pessoa não consegue lidar e busca uma saída muito radical. As situações que passei fi-
zeram com que eu me sentisse triste e culpada por não conseguir ajudar, também, às vezes
senti raiva das pessoas. (S1)

Nossa, eu acho que é um sofrimento psíquico muito profundo. São pessoas que tem muita
coragem e um sofrimento muito grande. Porque tirar a própria vida não deve ser nada fácil.
(S2)

Eu acho que é um ato de desespero, porque as pessoas costumam até falar que quem se
suicida é porque é fraco, eu não penso assim não. Acho que pode até ser uma pessoa forte,
mas aquele desespero ali é crucial. E, assim, nos pacientes também eu vejo muito o fato de-
les ouvirem vozes, de verem vultos e aquilo ficar tudo mexendo muito com ele. Eu acho que
também é um pouco de falta de Deus, porque as pessoas estão se tornando muito isoladas,
muito individualistas e é muito difícil conviver assim, por isso, que eu acho que elas buscam
mais a morte. (S3)

Eu acho que eu fico com raiva, eu pessoa. Se é uma pessoa próxima, eu sei porque tive
uma colega que fez, o meu primeiro sentimento foi de raiva, eu não entendi como um pedido
de ajuda nem nada, achei que ela era uma tremenda de uma babaca, safada, que ainda ia
acabar com o sofrimento dela e deixar a gente na mão... Eu não consegui ter empatia pelo
sofrimento que ela devia estar sentindo por tentar. Mas do ponto de vista mais intelectual,
eu fico imaginando que deve ser um sofrimento tão grande. As vezes eu fico pensando que
as pessoas não querem morrer né, elas querem parar de sofrer. De que não é exatamente o
desejo da morte, mas é o desejo de parar de sofrer, então é muito complexo. (S4)

Eu julgo que são pessoas num sofrimento muito grande, porque eu acho que precisa muita
coragem. Então, eu acho que a pessoa quando chega esse ponto é porque ela está num
sofrimento, num desespero muito grande, que ela não vê saída, ela não consegue enfrentar
o que está passando. A não ser, aquelas que são uma forma de chamar atenção, de atua-
ção que também estão em sofrimento, porque se precisam disso é porque também tem um
sofrimento. Quer assustar o familiar, e às vezes perde a mão e consegue. Mas, a maioria a
que chega estão chamando atenção, ou não estão sabendo lidar com a problemática, mas é
uma coisa que não é naquele ponto ultimo que tenta para morrer, não chega no finalmente,
porque são pessoas que você ainda percebe uma luz no final do túnel”. (S5)

Elas têm uma visão que o suicídio vai solucionar os problemas. Eu entendo que é uma falta

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 37


O suicídio, interditos, tabus e consequências nas estratégias de prevenção

de habilidade emocional, social, de lidar com as dificuldades, de lidar com a dor, lidar com
as perdas. Geralmente, com o idoso a gente é uma fase de muitas perdas, mas também tem
outros ganhos, e socialmente, o que se reforça mais são as perdas, perda de família, perda
da juventude, perda da saúde. Mas existem outros ganhos, que muitas vezes, não são valo-
rizados, e por não sustentar todas estas perdas é que algumas pessoas querem realmente
interromper a vida e partir pra uma coisa que mais fácil, uma solução mais rápida. (S6)

Sinalizações: Destacam-se algumas características atribuídas aos sujeitos suicidas


pelos entrevistados: radicalidade, coragem, desespero, sofrimento psíquico, força, loucura,
ausência de religiosidade, individualismo, safadeza, babaca, egoísmo, falta de consideração
com o outro, incapacidade, simulação, falta de habilidade emocional e social, entre outros.
Estes apontamentos sobre os suicidas dispersos e diversificados nas entrevistas
quando reunidos evidenciam o lugar simbólico que o suicida ocupa na nossa cultura. Lugar
que circula no âmbito depreciativo. Entretanto, algo há de ordinário entre estes adjetivos
atribuídos ao suicida, pois sempre ele é colocado no lugar do incomum, estranho, extra-
humano, podendo ser uma estratégia defensiva, ou seja, uma forma de se apartar do sujeito
suicida e, assim, não permitir nenhuma forma de identidade. O suicídio torna-se algo da
ordem do anormal, antissocial ou imoral.

4) Na sua rotina de trabalho você já observou sinais de risco suicida? Se sim, qual
foi sua atitude frente a esta situação? Se, não, o que você pensa sobre o fato de nunca ter
observado sinais indicativos de suicídio em alguém?
Sim, eu tentei acolher junto da equipe de profissionais, conversar, procurar uma saída junto
com a pessoa, escutar, mostrar que ela não estava sozinha. (S1)

Sim, mas ela tinha outras questões, e eu confesso que chegou um momento em que eu
pensava se era, de fato, uma tentativa de suicídio, ou se era uma forma de chamar atenção
para si, parece até cruel da minha parte falar isso, mas não. *Não, eu acho que é falta de co-
nhecimento mesmo, talvez, na própria graduação deveria ter esse tipo de orientação. Para
gente poder aprender identificar esse tipo de situação. Mas, também acho que tem algo que
vem junto com a negação da morte, eu pelo menos, eu queria tanto viver até os 100 anos e
que todo mundo que estivesse ao meu redor também vivesse até os 100, que eu não quero
pensar muito nisso, eu não quero ver né. (Observação: no final da entrevista ela olhou no-
vamente a lista de sinais, e disse que pensou se ela já não teve contato com pessoas que
demonstraram os sinais e ela não percebeu por causa da negação, e também por causa do
dia-a-dia muito acelerado). (S3)

Sim, inclusive tivemos um paciente que se suicidou, não lá dentro porque ele conseguiu sair
pra rua, ele conseguiu arrebentar o portão e ele correu para praia, ele se afogou na biquinha.
Eu conversei com o médico do paciente para ver medicação e, também, conversei com o pa-
ciente. Mas, acho que medicação é o que funciona, porque quando eles estão mesmo com
ideia de suicídio é muito difícil de não cometerem mesmo. É uma coisa muito física, muito
degradante e vai consumindo. (S4)

Eu não saberia dizer, pois eu tive duas ou três experiências de pessoas internadas vítimas
de tentativas de suicídio, que eu as tratei no hospital em decorrência das tentativas de suici-
do que não foram consumadas. Enfim, pelo menos que não foram consumadas com morte,
então, estavam lá se tratando das sequelas. Até porque tem um tanto de gente que enquan-
to a gente está aqui conversando sobe no 10° andar e pula! Eu penso que todo profissional
da saúde deveria receber na sua formação básica essa formação, eu acho que a questão de
morte e morrer não é abordada na graduação. (S5)

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 38


Fernanda Cristina Marquetti; Karina Tiemi Kawauchi & Cristiane Pleffken

Sim, o risco em si, o ato a gente nunca acompanhou, o que nós observamos em alguns mo-
mentos são ideações, são os pensamentos, a questão da menos valia, é melhor eu morrer
mesmo. As pessoas têm uma crença que o idoso normalmente é deprimido e isso não é ver-
dade. Depressão não é natural em um idoso. A gente tem que tratar, a gente tem que entrar
com uma terapia medicamentosa né, com avaliação de um geriatra, ou de um psiquiatra pra
você melhorar os sintomas. Também, um manejo terapêutico, um suporte emocional para
essa pessoa, nem que a gente tenha que fazer uma abordagem com a família. (S6)

Sinalizações: Nesta questão sobre a percepção dos sinais do percurso suicida e


as formas de conduta dos profissionais tivemos colocações de procedimentos, tais como,
acolher, abordagem da família, prevenção (mas de forma muito vaga e sem especificação
da abordagem) e algumas outras observações como percepção de crueldade em relação
ao sujeito, ausência de conhecimento no tema, negação da morte dificultando o processo,
condutas de medicalização, considerações sobre a inevitabilidade do evento suicida. Estas
colocações demonstram um despreparo profissional nesta área, acrescido das questões
citadas nos outros tópicos vemos que a possibilidade de reconhecimento e abordagem dos
sujeitos quando demonstram sinais do percurso suicida torna-se extremamente prejudicada.

Discussão
No discurso que emergiu das entrevistas com os profissionais buscamos os elementos
relacionados ao tabu do suicídio e sua interferência na prevenção ao evento. Dessa forma,
encontramos os discursos que se manifestaram em torno das mortes e do suicídio e refletimos
para descobrir como mitigam a angústia suscitada pela morte voluntária. Observamos que os
discursos verbais que circularam em torno da morte e do suicídio convêm para racionalizar,
negar, distanciar e controlar este fenômeno que se impõe insistentemente na vida humana.
A atitude perante a morte na cultura contemporânea revela uma aparente indiferença
em relação à morte e aos mortos, mas esse recalcamento do sofrimento em relação
à morte traz prejuízos a todos, sejam profissionais ou os sujeitos suicidas. Também,
observamos algumas vezes como o suicídio, segundo os entrevistados, diz respeito a
sujeitos estranhos, patológicos, incomuns, e assim sempre diferentes do entrevistado.
Um típico processo de defesa por afastamento e projeção.
Sobre as vicissitudes do homem em relação à morte sabemos que a representação
psíquica da morte sempre foi conceito controverso e na perspectiva psicanalítica aponta-
se que não é possível ao homem simbolizar um objeto que ele nunca vivenciou através da
senso-percepção: sua própria morte. A representação psíquica para a teoria psicanalítica é
a forma pela qual o homem toma contato com os objetos do meio externo, os investe com a
pulsão, e finalmente, os registra no seu psiquismo. Vejamos a definição de Laplanche (1991,
p. 455): “Representação ou grupo de representações em que a pulsão se fixa no decurso
da história do sujeito, e por meio da qual se inscreve no psiquismo”.
Como o homem representa sua própria morte? Ou, como o homem a inscreve no
seu psiquismo como parte de sua história? Aqui, começam os dilemas entre o homem e sua
morte, pois a sua própria morte é impossível de ser representada. A lógica do psiquismo
não permite a negatividade do próprio sujeito. Portanto, o homem permanece durante a vida
abordando sua própria morte (e a morte do outro) com subterfúgios e reações defensivas,
que permitem negá-la, distanciá-la, projetá-la, racionalizá-la, enfim, escamotear a morte.
Assim, a morte sempre é revestida de inúmeros véus que permitem recobrir este evento
e evitar a angústia. A morte de si mesmo nunca pode se transformar num símbolo, num
signo, numa representação que permita ao sujeito elaborar a própria morte (ou a morte do
outro) numa cadeia de simbolização. A morte permanece como objeto intransponível, velado,
como um elemento impossível de significação. Esta questão mostrou-se fundamental nas
entrevistas da pesquisa, pois também os profissionais de saúde se esquivaram da questão
da morte.

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 39


O suicídio, interditos, tabus e consequências nas estratégias de prevenção

Observemos as colocações de Freud (1974, p. 327) sobre as questões da morte e


sua representação:
A qualquer um que nos desse ouvidos nos mostrávamos, naturalmente, preparados para sustentar que
a morte era o resultado necessário da vida, que cada um deve à natureza uma morte e deve esperar
pagar a dívida – em suma, que a morte era natural, inegável e inevitável. Na realidade, contudo,
estávamos habituados a nos comportar como se fosse diferente. Revelávamos uma tendência inegável
para pôr a morte de lado, para eliminá-la da vida. Tentávamos silenciá-la; na realidade [...] De fato, é
impossível imaginar nossa própria morte e, sempre que tentamos fazê-lo, podemos perceber que ainda
estamos presentes como espectadores. Por isso, a escola psicanalítica pôde aventurar-se a afirmar
que no fundo ninguém crê em sua própria morte, ou dizendo, a mesma coisa de outra maneira, que
no inconsciente cada um de nós está convencido de sua própria imortalidade.

As mortes carregam consigo uma série de rituais que visam ocultar, afastar, restringir
este fenômeno dos homens. Entretanto, quando um suicídio ocorre tais restrições são
abolidas abruptamente e a morte se expõe.
Nos discursos dos nossos entrevistados observamos como não conseguiram abordar
diretamente o tema da morte, sendo que utilizaram vários mecanismos que indicam sua
negação: negação, racionalização, ambivalência, desorganização, incoerência, medo,
angústia, esquiva, raiva, projeção, entre outros. Estes aspectos tornaram-se presentes e,
talvez, neste processo envolto em angústias e defesas estejam subjacentes às razões para o
não reconhecimento dos sinais deixados pelos suicidas. Observamos que aceitar as mortes
por suicídio é mais difícil, pois somos colocados diante da morte de forma visível e próxima,
sem seus rituais de afastamento. O caráter de transgressão do ato suicida em relação
ao tabu da morte pode levar às consequentes reações de esquiva que impossibilitam a
observação dos sinais que os suicidas revelam no cotidiano. Desta forma, concluímos que
conhecer os sinais deixados pelo suicida é fundamental no processo de prevenção, mas é
apenas o primeiro passo numa estratégia de prevenção. As angústias demonstradas pelos
nossos entrevistados são fundamentos do humano e não podem ser escamoteadas, e assim,
projetar estratégias de formação sobre o tema da morte pode proporcionar subsídios para a
prevenção ao suicídio, mas não basta a informação técnica isolada do contexto psicológico
e cultural para a prevenção deste evento.

Referências
Áriès, P. (1989). História da morte no ocidente. (2th. ed.). Lisboa, Portugal: Teorema.
Dias, M. L. (1991). Suicídio, testemunhos de adeus. São Paulo, SP: Brasiliense.
Freud, S. (1974). Obras completas. Reflexões para um tempo de guerra. Vol. XIV. Rio de
Janeiro, RJ: Imago.
Kalina & Kovadloff, S. (1984). As cerimônias da destruição. Rio de Janeiro, RJ: Francisco
Alves.
Laplanche J. & Pontalis, J. B. (1991). Vocabulário de psicanálise São Paulo, SP: Martins
Fontes.
Martínez, C. (2007). Introdución a la suicidologia. Buenos Aires, Argentina: Lugar editorial.
Ministério da Saúde, OPAS e UNICAMP. (2006). Prevenção do Suicídio: Manual dirigido a
profissionais das equipes de saúde mental. São Paulo: OMS.
Organização Mundial da Saúde/Centro Colaborador da OMS para Classificação de Doenças
em Português (1996). CID-10 (3ª ed.). São Paulo, SP: Universidade de São Paulo.
Silva. M. M. (1992). Suicídio na trama da comunicação. (Dissertação de Mestrado, Pontifícia
da Universidade católica, SP).
World Health Org. (2001). The World health report: 2001: Mental health: new understanding,
new hope. Geneva, WHO.

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 40


O Suicídio no contexto psiquiátrico
Suicide in psychiatric context

Chei Tung Teng1


Mariana Bonini Pampanelli2

Resumo: O comportamento suicida intriga diferentes áreas do conhecimento, englobando em seu estudo
aspectos humanos, sociais, econômicos, culturais, psicológicos, etc. Neste artigo, o descrevemos sob uma
visão da psiquiatria, sendo um desfecho temido por esta especialidade médica. A importância da psiquiatria
no suicídio se dá principalmente pelo fato de que em mais de 90% dos casos de suicídio, encontramos no
indivíduo um diagnóstico psiquiátrico subjacente. Abordamos aqui questões epidemiológicas e diagnósticas,
além dos principais achados neurobiológicos existentes até o momento acerca do tema, tanto como uma
tentativa de intervenção preventiva, como de detecção de fatores de risco. Também sob a perspectiva de
prevenção, citamos brevemente programas multidisciplinares implementados em alguns países com o intuito
de diminuir tal ocorrência.
Palavras-chave: suicídio, psiquiatria, prevenção.

Abstract: Suicidal behavior intrigues different areas of knowledge, so its study encompass aspects of many
sciences: human, social, economic, cultural, psychological, etc. In this article, we describe it under a psychiatric
perspective, where it is a feared outcome. The importance of psychiatry in suicide occurs mainly by the fact that,
in over 90% of suicide cases, we find an underlying psychiatric diagnosis. The approach made here embrace
epidemiological and diagnostic issues, in addition to the main existing neurobiological findings, both as an
attempt to preventive intervention and for the detection of risk factors. Also from the perspective of prevention,
we briefly quoted some multidisciplinary programs implemented in some countries in order to reduce such
occurrence.
Keywords: suicide, psychiatry, prevention.

1 MD, PhD, Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Coordenador dos Serviços de Interconsultas e Pronto Socorro do Instituto de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas da FMUSP (IPq-HC-FMUSP)
2 Médica Residente de Psiquiatria do IPq-HC-FMUSP. mpampanelli@gmail.com

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 41


O Suicídio no contexto psiquiátrico
Suicide in psychiatric context

Chei Tung Teng


Mariana Bonini Pampanelli

Dentro da área de saúde mental, ao contrário de muitas especialidades médicas,


a terapêutica não é construída sob uma perspectiva direta da luta contra a morte, mas
sim partindo do objetivo de proporcionar uma vida funcional e com comportamentos mais
adaptativos. O suicídio configura-se como um perturbador desfecho na prática psiquiátrica,
pois além da morte não estar no cotidiano do profissional, traz consigo muitas vezes um
sentimento de culpa e fracasso, uma vez que os motivos que levam a ele muitas vezes não
são claramente delimitados (Gabbard, 2006) - como por exemplo em um infarto miocárdico,
no qual se pode apontar um conjunto de fatores genéticos e ambientais razoavelmente
bem conhecidos e identificáveis, que proporcionam uma explicação satisfatória ao óbito do
paciente.
Quando falamos de suicídio, apesar de podermos identificar fatores de risco, partimos
antes de questionamentos essencialmente humanos: por que viver, e por que morrer? Trata-
se de uma das maiores questões filosóficas que acompanham a história da humanidade:
qual o sentido da vida, pelo que se deve lutar, o que faz uma vida ser plena? Apesar de
tantas incertezas, vemos que prevalece sempre algo que racionalmente pode-se chamar
de instinto de sobrevivência, que se impõe a estes questionamentos: nem sempre é preciso
ter um motivo claro e definido para querer viver. No entanto, quando falamos em provocar a
própria morte, temos na grande maioria das vezes uma raiz comum: o sofrimento.
Em números, vemos o impacto sócio econômico causado pelo suicídio: é responsável
por pelo menos 870.000 mortes por ano, representando 49% das mortes por causas externas
(Bertolote & Fleishmann, 2002) e representa a 4ª maior causa de morte na faixa entre 10
e 24 anos (Chesney, Goodwin, & Fazel, 2014). No sexo masculino, as tentativas são mais
letais, fazendo com que ocorra três vezes mais mortes em homens (Mello-Santos, Bertolote,
& Wang, 2005), sendo que 62% deles morrem na primeira tentativa, em oposição à 38%
das mulheres – nas quais as tentativas são mais frequentes (Isometsä & Lönnqvist , 1998
). Além da perda social, familiar e econômica representada pelas vítimas letais do suicídio,
as tentativas - 10 a 40 vezes maiores que o número de suicídios (Mello-Santos, Bertolote, &
Wang, 2005) – geram alto custo hospitalar, com serviços de emergência, cirurgias, sequelas
de queimaduras e ingestão de cáusticos, UTI, etc.
Dos pacientes que cometem suicídio, mais de 90% apresentam alguma doença
psiquiátrica, sendo mais comum nos transtornos do humor (depressão unipolar e transtorno
afetivo bipolar), seguido por transtorno por uso de substâncias, esquizofrenia e transtornos
de personalidade (Ernst et al., 2004; Bertolote & Fleishmann, 2002). Traços de agressividade,
impulsividade e raiva são tidos como importantes fatores de risco crônico de suicídio.
Dentre as doenças clínicas, é mais frequente em síndromes dolorosas crônicas, seguido
de epilepsia, lesões neurológicas centrais, HIV e AIDS (especialmente no primeiro ano
após o diagnóstico), alguns tipos de cânceres e delirium. (Mann & Arango, Integration of
neurobiology and psychopathology in a unified model of suicide behavior)
O grupo de pacientes vítimas de suicídio é heterogêneo, e as múltiplas variáveis
envolvidas neste comportamento não são de fácil aferição. As taxas de suicídio diferem
bastante entre diferentes países, sendo mais altas nos povos da antiga União Soviética e
Japão, e menores em alguns países da América Latina. Isso reflete o impacto do contexto
cultural, social e econômico no suicídio (Bertolote & Fleishmann, 2002). Na cultura Japonesa,
por exemplo, existe uma certa glória envolvida no suicídio, herança da cultura dos Samurais,
pelos quais atos como o “Hara Kiri” eram vistos como forma de resgatar a honra. Isso contribui
para que o suicídio seja um grande problema de saúde pública neste país, incitando a
realização de diversas campanhas preventivas, especialmente entre os jovens. As tentativas
para explicar esse fenômeno são muitas, e passam por diferentes áreas do conhecimento,

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 42


Chei Tung Teng & Mariana Bonini Pampanelli

desde a neuroquímica até as ciências humanas, sendo o resultado um mar de informações


que cabe àqueles que prestam assistência a estes pacientes sintetizar e transformá-las em
ferramenta de auxílio a uma tentativa de ajudá-los.
Como dito anteriormente, lidamos aqui não com uma patologia específica, mas sim
com um tipo de comportamento para o qual convergem diferentes perfis de pacientes.
Deste modo, não se pode descrever com precisão um determinado perfil mórbido ou
epidemiológico que deva ser identificado como tendo risco de suicídio. Muitas vezes, o
que se passa é uma atitude ambivalente e flutuante, na qual ao mesmo tempo em que
deseja a morte, procura-se também desesperadamente por ajuda. Dessa maneira, torna-se
uma tarefa difícil a diferenciação das tentativas com intenção real de morrer daquelas sem
esta intenção (como em casos de histeria ou nas quais pode haver ganhos secundários
envolvidos), e também não há uma divisão tão clara e bem delimitada destes grupos. O que
se observa é que, após qualquer tipo de tentativa anterior, a chance de uma nova tentativa
aumenta notavelmente, com tentativas subsequentes de gravidade similar ou maior. Sabe-
se que entre os suicídios com êxito letal, a prevalência de doenças psiquiátricas graves é
maior, ao passo que nas tentativas, aumenta a frequência de transtornos de personalidade
e problemas interpessoais (Departamento e Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP, 2011).
Apesar de não ser uma regra, o comportamento suicida geralmente engloba um continuum,
que parte de traços predisponentes de personalidade, contexto sociocultural e características
biológicas, tendo como desencadeadores eventos estressores e a forma como se lida com
eles, o surgimento da ideação suicida continua e recorrente, o planejamento, culminando
na tentativa, cujo desfecho pode ou não ser o óbito.
Estima-se que de cada 100 pessoas, 17 terão algum tipo de pensamento suicida
durante sua vida; destas, 5 chegarão a planejar, 3 a realizar alguma tentativa, e 1 precisará
de atendimento hospitalar (Botega, et al., 2009). A depressão é uma das patologias mais
associadas ao suicídio, no entanto o risco deste não se correlaciona apenas com a gravidade
dos sintomas, mas depende também de variações no grau de predisposição do indivíduo;
o modelo processual, que tenta explicar a ocorrência de comportamentos relacionados ao
suicídio, descreve os seguintes fatores de risco traço-dependentes: percepção de derrota
frente aos estressores psicossociais (o que está associado a traços de personalidade
gratificação dependente); percepção de estar desamparado e sentimento de desesperança
- que estão relacionados a dificuldade em criar ou ter em perspectiva eventos positivos; e
o sentimento de estar acuado, sem ter o que fazer, o que reflete uma baixa capacidade de
resolução de problemas e uma tendência a hiper generalização na memória autobiográfica,
na qual há uma visão de si mesmo excessivamente pessimista (Departamento e Instituto
de Psiquiatria do HCFMUSP, 2011).

Avaliação do paciente com risco de suicídio


Uma vez diante de um paciente com risco de provocar a própria morte, deve-se
garantir uma avaliação e intervenção psiquiátrica e psicossocial, avaliar a necessidade
de internação e organizar estratégias de tratamento com rede de suporte social. Como a
depressão é a patologia mais associada ao suicídio, deve-se sempre procurar ativamente
nestes pacientes pensamentos sobre morte.
É impossível ter certeza se uma pessoa irá ou não se matar, mas através de uma
entrevista clínica detalhada, pode-se não só identificar pacientes de maior risco, mas também
oferecer um primeiro suporte. Como se trata de um assunto íntimo e de cunho secreto, muitas
vezes motivo de vergonha, o profissional deve se certificar de estabelecer uma boa relação
com o paciente antes de abordar o tema, evitando envolver julgamentos morais, religiosos,
ideológicos ou sentimentais, e pondo-se em uma postura de ajuda, e não de intimidação. É
importante que o paciente sinta-se confortável para falar de seus sentimentos.
Uma avaliação completa deve englobar dados demográficos, antecedentes pessoal e

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 43


O Suicídio no contexto psiquiátrico

familiar de suicídio, diagnósticos clínicos e psiquiátricos, rede de apoio social, características


de personalidade (especialmente traços de impulsividade, agressividade e raiva), aspectos
psicodinâmicos (conflitos, motivações, fantasias relacionadas com a morte), modelos de
identificação (ídolos) e recursos do paciente, tanto materiais como psicológicos: capacidade
de elaboração e de resolução de problemas, renda financeira, moradia, alimentação, acesso
fácil a armas ou métodos letais, suporte familiar e social (instituições, amigos, trabalho).
São fatores de risco não modificáveis: sexo masculino, idosos, história de tentativa
prévia (principal fator isolado), histórico familiar positivo para suicídio, e mudança recente
de status social ou econômico; são fatores de risco potencialmente modificáveis: estado
civil solteiro ou divorciado, desemprego ou insatisfação com o trabalho, transtornos mentais,
acesso a meios letais, doenças orgânicas e isolamento social. (Jobes & Mann, 1999)
(Departamento e Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP, 2011). Preferencialmente, o assunto
deve ser abordado de uma forma gradual, fluindo naturalmente na consulta a partir do
relato de sentimentos negativos que vêm sendo experimentados pelo paciente. Ao longo da
entrevista, deve-se questionar sobre pensamentos frequentes sobre a morte, se lhe ocorre a
ideia de se matar ou que a vida termine (muitas vezes a ideação é frágil, surgindo como um
desejo de dormir para sempre, de desaparecer, de fugir), e se sim, se chegou a planejar algo
neste sentido, e caracterizar o planejamento. Pensamentos com conteúdo de desesperança
(“a vida não tem saída”, “não existe esperança”), acompanhados de sentimento de tristeza
extrema, vazio, solidão e falta de apoio, além de uma postura corporal ansiosa e agitada,
sugerem um maior risco de suicídio.

Neurobiologia do suicídio
Entre as evidências bioquímicas do suicídio, encontramos diversos fatores, cujos
mecanismos ainda não são completamente compreendidos. Sabe-se que há importante
relação com os neurotransmissores monoaminérgicos (serotonina, noradrenalina e
dopamina); também encontramos evidência de fatores genéticos relacionados ao suicídio,
como por exemplo, marcadores relacionados a serotonina.
Foi em meados do século XX que começaram as observações sobre a influência
dos neurotransmissores noradrenérgicos nos transtornos do humor: passaram a observar
que pacientes hipertensos tratados com reserpina – droga depletora de monoaminas –
desenvolviam um estado depressivo; por outro lado, em pacientes tuberculosos com humor
disfórico, o uso do antibiótico IPRONIAZIDA – que é também inibidor do catabolismo das
monoaminas - causava uma elevação e melhora do humor. Assim esboçava-se a hipótese de
que a depressão poderia se originaria de uma deficiência na disponibilidade das monoaminas
cerebrais (noradrenalina, serotonina e dopamina) – e que poderia ser corrigida através da
diminuição do catabolismo destas monoaminas (Bunney & Davis, 1965) (Schildkraut, 1965).
Desde então estudos em animais tem mostrado que drogas que melhoram os sintomas
depressivos em humanos aumentam a disponibilidade das monoaminas nas fendas sinápticas,
de modo que hoje diversas vertentes farmacológicas comprovam os efeitos terapêuticos
tanto da noradrenalina como da serotonina presentes no sistema nervoso central. Apesar
do risco de suicídio não ser claramente relacionado ao uso ou não destas drogas, sabemos
ao certo que a redução dos sintomas depressivos diminui o risco de suicídio – de modo que
acredita-se que o tratamento dos sintomas depressivos através dos antidepressivos diminua
o risco de suicídio. (University of Illions at Chicago, 2012)
A noradrenalina (NE) é um neurotransmissor sintetizado e liberado em determinados
neurônios do cérebro que se comunicam com diferentes tipos de neurônios e estruturas
vasculares. As projeções neuronais noradrenérgicas cerebrais são bem amplas e alcançam
quase todas as regiões cerebrais, mas há uma relação especialmente forte entre a
noradrenalina e determinados comportamentos, inclusive aqueles que se encontram
disfuncionais na depressão. (University of Illions at Chicago, 2012)

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 44


Chei Tung Teng & Mariana Bonini Pampanelli

Recentes achados post-mortem demonstram anormalidades nos neurônios cerebrais


noradrenérgicos e na glia em seu entorno, reforçando o papel da NE na patologia e etiologia
da depressão. Considerando-se a grande prevalência de depressão nos suicidas, é provável
que uma disfunção noradrenérgica contribua para o suicídio – apesar de ser difícil diferenciar
se isso ocorre de uma forma indireta, através da depressão causada por tal disfunção.
Também é sabido que condições de estresse crônico causam uma depleção de NE, o que em
indivíduos com antecedente de transtornos do humor acarreta em episódios depressivos – o
que não é visto em indivíduos previamente hígidos. (University of Illions at Chicago, 2012)
O sistema de neurotransmissão serotoninérgico é também amplamente estudado na
depressão; estes neurônios localizam-se nos núcleos da rafe, e fibras originadas na parte
dorsal destes núcleos (NDR) inervam o córtex pré-frontal. Em achados anatomopatológicos
de pacientes que cometeram suicídio, estes neurônios do NDR apresentam-se menores e
com morfologia alterada. Também há uma menor concentração do metabólito da serotonina
5HIAA no LCR de pacientes deprimidos e suicidas, sendo tal achado um marcador preditor
de suicídio (Asberg et al., 1976). Este é um dos achados mais replicados na psiquiatria,
tendo relação com diferentes transtornos mentais: esquizofrenia, bipolares, transtornos de
personalidade, além de características de impulsividade e violência. Observa-se que quanto
maior a redução de 5-HIAA, maior a letalidade da tentativa de suicídio. (Linnoila & Virkkunen,
1992) (Oquendo & Mann, 2000) (Placidi GP, 2001 ).
Também é encontrado nos suicidas menor expressão do gene transportador da
receptação de serotonina (SERT) e maior expressão de receptores inibitórios 5HT1A
(University of Illions at Chicago, 2012), além de uma maior síntese da enzima TPH, limitante
na síntese de serotonina. (Arango , Huang, Underwood, & Mann, 2003) (Nemeroff, Compton,
& Berger, 2001) (Stockmeier et al., 1998). No córtex pré-frontal destes pacientes, também há
uma diminuição da ligação da proteína transportadora de serotonina (SERT), com um aumento
compensatório de receptores 5-HT1A e 5HT2A; em PET-scan realizados em tentativas de
suicídio violentas e de criminosos também violentos, observa-se uma hipofunção em córtices
pré-frontais ventral, medial e lateral. (Ezzell, 2003) (Arango , Huang, Underwood, & Mann,
2003) (Jobes & Mann, 1999)
A influência genética do suicídio é estudada de diferentes formas. Em estudos com
gêmeos adotivos, observou-se uma taxa de concordância para gêmeos monozigóticos
(MZ) de 12%, e de 2% nos dizigóticos (DZ). Na população de gêmeos discordantes para
suicídio, dentre os sobreviventes no grupo MZ, 38% apresentaram tentativas de suicídio,
e entre os DZ, essa porcentagem foi nula entre os sobreviventes (Kallman, 1953). Em
relação à hereditariedade do suicídio, observa-se que a transmissão deste comportamento
não consegue ser explicada apenas pela hereditariedade dos transtornos psiquiátricos
– aparentemente há um tipo de herança diferente do comportamento suicida e dos
transtornos mentais. Supõem-se no momento que a hereditariedade do suicídio e do
comportamento suicida seja determinada por pelo menos dois componentes: a propensão
genética a transtornos psiquiátricos e suscetibilidade genética a traços de personalidade
de impulsividade e agressividade, de modo que a junção destas características implicaria
em risco de suicídio aumentado. (Bondy, Buettner, & Zill, 2006) Em estudos genéticos de
associação, encontraram-se seis genes envolvendo a serotonina implicados na herança:
TPH, SERT, 5-HT1A, 5-HT1B, 5-HT2A e MAO. Em 2003, um estudo que seguiu 1037 crianças
até os 26 anos, constatou uma maior vulnerabilidade para depressão e suicídio naqueles
com gene alelo curto da Proteína transportadora de serotonina, sendo os homozigotos para
alelos longos os com menor vulnerabilidade aos mesmos eventos, e menor susceptibilidade
a eventos estressores (Collier et al., 1996).
Outro achado biológico que se relaciona com o comportamento suicida é a hiper-
reatividade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenocortical (HPA), cuja presença aumenta o risco
de suicídio em 14 vezes. Estudos neste campo mostram que, em comparação a controles
normais, as vítimas de suicídio possuem glândulas adrenais maiores e mais pesadas (Dumser,

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 45


O Suicídio no contexto psiquiátrico

Barocka , & Schubert, 1998) (Szigethy, Conwell, Forbes, Cox, & Caine, 1994). Como este
sistema hormonal relacionado ao cortisol é o principal efetor da reação ao estresse agudo
e crônico, e a sua hiper-ativação estar associada a uma neurotoxicidade importante, esta
alteração biológica é de grande importância na caracterização de uma parte significativa
dos pacientes suicidas, porém não é habitual a sua avaliação na prática clínica diária, pela
dificuldade de se proceder os exames que definem esta hiperatividade, e também pela
ausência de intervenções realmente eficazes em diminuir esta hiperatividade.
Estudos longitudinais de larga escala sobre o impacto da diminuição sérica de
colesterol na mortalidade chamaram a atenção para o fato de um baixo valor de colesterol
no sangue estar relacionado a um maior risco de suicídio. Apesar da esperada diminuição de
mortes por causas cardiovasculares nos pacientes cujo colesterol encontrava-se em níveis
baixos, não foi constada uma diminuição geral na mortalidade destes pacientes (Muldoon,
Manuck, & Matthews , 1990).
Alguns estudos mostraram um aumento de causas de morte não relacionada a
doenças em pacientes com níveis séricos baixos de colesterol, especulando-se que esta
alteração laboratorial poderia aumentar o risco de comportamento suicida nos pacientes
já predispostos (Boscarino, Erlich, & Hoffman, 2009). Deste modo, outros estudos vêm
corroborando este achado, no entanto ainda é cedo para estabelecer limites de valores ou
usar este parâmetro de uma forma clínica, mas dentre os possíveis marcadores biológicos
para o suicídio, o baixo nível sérico de colesterol vem despontando como objeto de interesse.
Deste modo, ao se pensar em possíveis marcadores biológicos para o suicídio, seriam
potencialmente úteis os receptores 5HT2a e o 5HIAA liquórico, sendo que os elementos
do eixo HPA ainda necessitam de mais estudos para elucidação de sua influência neste
comportamento. Ao tratar-se deste assunto, cabe a discussão sobre a contradição de tentar
estabelecer parâmetros numéricos para um comportamento que sabidamente é de difícil
previsão. No entanto é importante manter em mente o conceito de marcadores de risco como
um indicador de probabilidade, que deve ser sempre contextualizado a outros fatores de
risco, permitindo assim traçar uma estimativa mais acurada, que em alguns cenários clínicos
pode ser de grande utilidade (University of Illions at Chicago, 2012).

Psicofarmacologia do suicídio
A relação entre suicídio e tratamento farmacológico traz até o momento muitas
questões sem respostas definitivas. Como em 90% dos casos de suicídio há uma morbidade
psiquiátrica subjacente, surge o questionamento sobre qual o impacto do tratamento – aqui
dando enfoque ao tratamento medicamentoso – na diminuição do risco de suicídio. O que
se observa é que a maioria dos pacientes, ao cometerem-no, não estão sob tratamento
adequado de sua doença. Os principais motivos são o preconceito do paciente e da família
em relação a um tratamento psiquiátrico prolongado, a irregularidade na aderência a longo
prazo, e a não identificação da patologia por parte dos profissionais de saúde (Bertolote &
Fleishmann, 2002).
Apesar disso, os estudos não permitem estabelecer uma relação clara entre tratamento
farmacológico e risco de suicídio, em grande parte devido à dificuldade existente em
desenhar trabalhos com este fim, esbarrando em questões éticas e de critérios de seleção
da população a ser estudada – uma vez que o comportamento suicida não é claramente uma
patologia em si, mas constitui um grupo heterogêneo de pacientes com múltiplas variáveis
envolvidas. Assim, os dados que se têm hoje sobre este assunto são em sua maioria obtidos
de forma secundária a outros estudos, o que impõem diversos vieses às suas conclusões.
Há uma aparente diminuição do risco de suicídio com o uso de lítio em pacientes
bipolares I ou II em comparação ao uso de Carbamazepina e Divalproato como estabilizadores
de humor (Cipriani, Hawton, Stockton, & Geddes, 2013), sendo até o momento a melhor
evidência de ação profilática farmacológica de suicídio disponível. Este efeito também ocorre

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 46


Chei Tung Teng & Mariana Bonini Pampanelli

em pacientes com depressão unipolar recorrente. Os atuais estudos acerca dos efeitos
protetores do lítio no comportamento suicida sugerem que possa haver efeitos além dos
esperados pela diminuição dos episódios de mania ou depressão – uma vez que este efeito
é conseguido também pelo uso de outras medicações, que por sua vez, não mostraram
um efeito profilático sobre o suicídio como o lítio. Um dos mecanismos propostos para a
ação do lítio, além da estabilização do humor, seria uma melhora na neurotransmissão
serotoninérgica, com consequente diminuição de agressividade e impulsividade; tal efeito
vem sendo reforçado através de diversos estudos, tanto quando usado como estabilizador
do humor, como quando para potencializar tratamento de depressão unipolar, e em estudos
com humanos e animais, o lítio tem mostrado diminuir comportamentos impulsivo e agressivo
(University of Illions at Chicago, 2012) (Cipriani, Hawton, Stockton, & Geddes, 2013). No
entanto, as evidências existentes mostram tais efeitos em uso prolongado do lítio, e não é
possível ainda estabelecer uma dose para tais efeitos.
Em pacientes esquizofrênicos, foi observada a diminuição do suicídio com o uso
da clozapina, o que não ocorre com o uso dos demais antipsicóticos. Um grande estudo
randomizado teve por objetivo comparar a ocorrência de suicídio em pacientes em uso de
olanzapina e clozapina, sendo que no último grupo houve diminuição de
25% no risco de suicídio. O efeito bloqueador dos receptores serotoninérgicos do
tipo 2 A pela clozapina poderia causar uma diminuição na agressividade destes pacientes,
sendo uma das teorias para este achado do estudo (Meltzer, 2005).
Outra questão polêmica referente a este assunto é a observação de alguns estudos
nos quais o uso de antidepressivos, no início do tratamento, poderia induzir um aumento
no risco de suicídio. Em parte isso poderia ser explicado por uma melhora não sincronizada
dos sintomas psicomotores e cognitivos, ou seja, antes que se observe uma melhora do
quadro cognitivo (ideação suicida), há uma melhora da lentificação psicomotora inerente
a quadros depressivos graves, o que geraria um maior risco do paciente de fato tomar a
iniciativa de cometer o ato de matar-se. Há também os efeitos colaterais dos antidepressivos,
que são vistos como uma piora transitória do quadro nas 2 primeiras semanas de uso (mais
especificamente os ISRS) como ansiedade e inquietação, favorecendo uma maior propensão
ao impulso auto destrutivo. O que foi constatado em estudo com jovens americanos é que
as mais altas taxas de suicídio ocorrem dentro do primeiro mês de tratamento – e a partir
do quarto mês caem drasticamente. Outro ponto que deve ser observado é a indução por
antidepressivos de estados mistos (condições com coexistência de sintomas depressivos
e maníacos ao mesmo tempo ou em variações muito rápidas e instáveis) em pacientes
bipolares, especialmente quando ainda não se tem um diagnóstico estabelecido, o que
aumentaria o risco de suicídio (Mann et al., 2006) (Beasley et al., 2007).
Em resumo, apesar do pouco que se pode afirmar categoricamente sobre as relações
de causa e efeito entre tratamento medicamentoso e suicídio, o que parece claro concluir é
que o tratamento e seguimento adequados do paciente psiquiátrico faz com que diminua a
ideação e a tentativa de suicídio.

Prevenção
O suicídio é uma questão de saúde pública e guarda estreita relação com serviços de
saúde, tanto pela alta prevalência de doenças psiquiátricas nos pacientes que o cometem,
como pelo fato de onerarem o sistema de saúde com suas consequências, além da perda de
uma população muitas vezes em idade economicamente ativa. A OMS, assim como alguns
países, desenvolveu estratégias que visam a melhor forma de abordar estes pacientes, e
quais são as condutas que se mostram eficazes na diminuição de sua incidência, englobando
ações de caráter tanto público como individual (Bertolote & Fleishmann, 2002) (Takahashi,
2012).
Entre os pacientes que cometem suicídio, cerca de 50% procuraram serviços de saúde

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 47


O Suicídio no contexto psiquiátrico

entre 1 a 6 meses antes do ato suicida, o que pode ser visto como um comportamento de
busca de ajuda. No entanto, muitas vezes o profissional desconhece a intenção do paciente,
de modo que a procura ativa por pensamentos suicida pode proporcionar uma abertura para
que o paciente relate-os. Ao contrário do que se pode imaginar, o ato de perguntar não tem
um efeito de incitar ideias suicidas no paciente, apenas lhe abre a oportunidade para falar
caso seja um assunto que já lhe tenha ocorrido.
De acordo com a OMS, os passos básicos para a prevenção de suicídio incluem
medidas individuais, principalmente o tratamento de pacientes psiquiátricos, e medidas
públicas: controle de posse de armas de fogo, desintoxicação do gás doméstico e de
automóvel, controle de disponibilidade de substâncias tóxicas e reportagens cuidadosas
na imprensa relacionadas a suicídio (World Health Organization , 1998). Em programa
de prevenção de suicídio realizado pela Força Aérea dos Estados Unidos, em 1996, um
conjunto de estratégias diminuiu o risco de suicídio em um terço. Tal êxito se deu em
grande parte através da preparação dos profissionais de saúde e da criação de uma rede
de apoio: aumentou a conscientização dos serviços de saúde mental sobre o assunto,
incluiu a prevenção de suicídio no treinamento profissional, criou equipes de resposta ao
estresse traumático, permitiu aos profissionais de saúde mental prestar serviços preventivos
comunitários em ambientes não clínicos, encorajou o comportamento de busca de ajuda,
envolveu lideranças no programa, além de realizar pesquisas de saúde comportamental
para ajudar a identificar fatores de risco de suicídio e desenvolveu um sistema central de
pesquisa para detectar auto lesões fatais e não fatais (Knox et al., 2010).
Em publicação americana realizada em 2012 sobre estratégias para prevenção
do suicídio, um modelo sócio ecológico esquematiza alguns fatores de proteção e de
risco, envolvendo desde a esfera social até a individual. Sob a perspectiva social, são
considerados fatores de proteção a disponibilidade para a assistência à saúde física e
mental, e restrições a meios letais de suicídio (por exemplo a legalização ou não do porte
de armas); já a publicação de suicídio na mídia de forma inapropriada é um fator de risco.
Na comunidade, a presença de ambientes comunitários e escolares seguros e capazes de
prestar suporte representam fatores protetores, ao passo que a presença de barreiras ao
acesso a serviços de saúde e a falta de relacionamentos que possam prestar suporte, são
fatores de risco. Nos relacionamentos interpessoais, oferece proteção ao paciente a presença
de laços afetivos positivos com outros indivíduos, familiares, membros da comunidade e
instituições sociais, além da presença de relação de suporte por parte dos provedores
de saúde. Relacionamentos conflituosos e violentos, além de história familiar de suicídio,
indicam um risco maior ao paciente potencialmente suicida. Por fim, na esfera individual são
colocadas como características de proteção a presença de habilidades para resolver e lidar
com problemas, a presença de razões para viver (como presença de crianças em casa) e
objeções morais ao suicídio. Presença de transtorno mental, impulsividade e agressividade,
abuso de substâncias e antecedente pessoal de tentativas de suicídio denotam um paciente
com maior propensão ao ato suicida (Washington (DC): US Department of Health & Human
Services, 2012).
Também na Inglaterra observou-se diminuição das taxas de suicídio após a
implementação de recomendações para a prevenção do suicídio nos setores públicos de
saúde mental. Os serviços que as adotaram apresentaram melhoras progressivas dos
indicadores de morte por suicídio. As recomendações iniciais do programa incluem a criação
de equipes 24-hora para crises, a realização de seguimento dos pacientes durante os 7
primeiros dias após a alta, disponibilização de treinamento regular sobre como lidar com o
risco de suicídio para a equipe clínica geral, compartilhamento de informações com serviço
criminal de justiça, tratamento das doenças subjacentes (transtornos mentais e abuso de
substâncias), e condução de revisões multidisciplinares e compartilhar informações com os
familiares após um suicídio (Office for National Statistics (UK), 2013).
É certo que a realidade dos países acima mencionados difere em muito da brasileira,

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 48


Chei Tung Teng & Mariana Bonini Pampanelli

onde se encontra falta de foco no gerenciamento das políticas de saúde mental, o que
possivelmente inviabiliza a instituição de estratégias potencialmente benéficas - como
criação de um programa nacional de prevenção de suicídio.
Em contextos loco-regionais, dependendo-se da região, os recursos humanos e
materiais podem, no entanto, proporcionar uma abordagem estratégica para estes pacientes.
São exemplos de ações possíveis em níveis regionais o desenvolvimento de programas para
detecção precoce de pacientes com transtornos mentais
(especialmente nas patologias de maior risco – depressão, abuso de drogas e
esquizofrenia), com trabalhos de psicoeducação em escolas, empresas e comunidades,
assim como o desenvolvimento de programas de educação e
intervenção em saúde mental para público leigo em settings não médicos e de relativo
risco, como polícia militar e metrôs.
Num contexto de prevenção nos familiares e na rede social, deve-se prestar cuidado
aos sobreviventes do suicídio, com grupos de apoio, psicoterapia individual e psicoeducação.
Serviços psiquiátricos e psicológicos também podem ter uma maior ação preventiva neste
sentido com a criação de uma estrutura de suporte para crises. A atuação do profissional
de saúde é de grande valor neste contexto, sendo que a realização de cursos de atenção
e aprimoramento, realização de estágios e treinamento, com criação de profissionais
capacitados e o estabelecimento de trabalhos conjuntos com emergências clínicas e
instituições com população de risco são medidas que podem estar ao alcance dos serviços
de saúde.
São ainda necessários muitos estudos para otimizar as estratégias de prevenção
de suicídio, mas os resultados advindos de algumas campanhas com este intuito são
encorajadores, e apontam para a formação profissional e o conhecimento do assunto em sua
totalidade como um dos primeiros passos para abordar este comportamento, que afeta de
modo tão drásticos os pacientes psiquiátricos e todos indivíduos envolvidos em seu cuidado.

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Suicídio à Luz do Caso de Ellen West: uma compreensão a partir da
Daseinsanalyse psiquiátrica
Suicide in the case of Ellen West: an understanding from the Daseinsanalyse psychiatric

Karina Okajima Fukumitsu1


Cyntia Helena Ravena Pinheiro2
Joana Ingrid Solomon3

Resumo: Compreender o suicídio a partir de um olhar da Daseinsanalyse psiquiátrica implica em não aprisionar
o suicídio em apenas uma definição. O objetivo do presente artigo é o de apresentar a compreensão do
suicídio segundo o aporte da Daseinsanlayse Psiquiátrica, utilizando o caso de Ellen West como recurso
para tal compreensão. Nessa perspectiva, a compreensão do suicídio não deve ser refém de um a priori. É
primordial no manejo com o comportamento suicida que o profissional se disponibilize como outro na relação
que se apresenta com interesse e respeito a fim de que a pessoa com comportamento suicida possa se sentir
suficientemente acompanhada para ressignificar a falta de prazer na vida e no viver.
Palavras-chave: suicídio, prevenção do suicídio, suicidologia.

Abstract: Understand the suicide from a look of psychiatric Daseinsanalyse means not to imprison a phenomenon
in only one setting. The objective of this article is to provide a way to understand the suicide according to the
inflow of Psychiatric Daseinsanlayse, using the case of Ellen West as a resource for such understanding. The
suicide cannot be taken as a hostage to an a priori, in which the management of the suicidal behavior by the
professional available as another of the relationship acting with interest and respect so that the person with
suicidal behavior can feel sufficiently accompanied to remaking the lack of pleasure in life and living.
Keywords: suicide, suicide prevention, suicidology.

1 Psicóloga e Psicoterapeuta. Bolsista PNPD/CAPES e Pós-doutoranda pelo Programa de Pós-


graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade São Paulo (USP).
karinafukumitsu@gmail.com
2 Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, e aluna da especialização
em “Orientação Profissional e Carreira” do Instituto Sedes Sapientiae. Formada em Química (Bacharelado
e Licenciatura), pelas Faculdades Oswaldo Cruz, com mestrado e doutorado em geoquímica ambiental pelo
Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo.
3 Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Médica Veterinária (CRMV
- 04 0692).

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 52


Suicídio à Luz do Caso de Ellen West: uma compreensão a partir da
Daseinsanalyse psiquiátrica
Suicide in the case of Ellen West: an understanding from the Daseinsanalyse psychiatric

Karina Okajima Fukumitsu


Cyntia Helena Ravena Pinheiro
Joana Ingrid Solomon

Introdução
A proposta da Daseinsanalyse psiquiátrica acredita que toda e qualquer definição a
priori limita a riqueza da compreensão do suicídio e por esse motivo, convida a sair de uma
atitude natural e direciona para a atitude fenomenológica que valoriza tanto a singularidade
quanto a descrição das vivências.
Em reflexão sobre a influência cartesiana de Descartes, Cavalieri (2009, p.181)
aponta que, “A partir da filosofia cartesiana o suicídio será sempre concebido como um ato
isolado, cujo único responsável é o indivíduo”. Portanto, o que se pretende destacar é que,
ao se criticar a proposta cartesiana, apresenta-se a consideração do mundo sensível e
consequentemente, ressalta-se a importância do ser humano como aquele capaz de acolher
o desamparo existencial.
O objetivo do presente artigo é o de apresentar a compreensão do suicídio segundo
o aporte da Daseinsanlayse Psiquiátrica, utilizando o caso de Ellen West como recurso para
tal compreensão. Procurou-se verificar as aproximações e divergências entre as propostas
de Husserl e Heidegger, entendendo a influência de ambos sobre a clínica fenomenológica
de Jaspers e de Binswanger
As filosofias de Husserl e de Heidegger representam contribuições fundamentais,
sem as quais não se teria chegado à situação proposta da Daseinsanalyse psiquiátrica.
Os psicoterapeutas, psicólogos clínicos ou psiquiatras, deverão transcender a prática
clínica em termos da intersubjetividade, que continua a ser pensada em termos dualistas
de subjetividade x objetividade (interno x externo; corpo x mente; somático x emocional;
consciente x inconsciente).
É a partir de Husserl que se inaugura uma perspectiva fenomenológica, como
uma ciência a priori e universal, que se ocupa exclusivamente das estruturas essenciais.
Moreira (2010) acrescenta que, embora não se possam esquecer outros grandes nomes
da fenomenologia – como Scheler, Jaspers, Stein, Sartre, Beauvoir, Patocha e outros - é
importante ressaltar que a fenomenologia existencial pode ser utilizada com mais sucesso
na clínica, seja na psiquiatria, seja na psicologia. Refere-se mais especificamente à relação
entre homem e mundo, através de dois grandes momentos, com Heidegger e Merleau-Ponty,
apesar de se entender Husserl como o iniciador de todo esse movimento fenomenológico.
Ainda para a autora supracitada, o psicoterapeuta traz à transparência aquilo que se mostrava
e ao mesmo tempo se escondia, ou seja, faz aparecer aquilo que tinha possibilidade de ser,
ajuda o outro a se desembaraçar dos laços da ilusão, a não se deixar perder no impessoal.
Com tantos possíveis “enganos” quando da utilização do pensamento de Heidegger
na psiquiatria, o lembrete de Mattar e Sá (2008) a respeito da diferenciação entre análise e
analítica é importante no sentido de se pensar as tantas vertentes psiquiátricas e psicológicas
na contemporaneidade que se intitulam como clínicas fenomenológicas. Heidegger
considerava complicado unir a Daseinsanalyse heideggeriana com o método psicanalítico,
visto que ele entendia que em seu método não se retrocede, como fazia Freud, os sintomas
aos elementos, mas à sua relação com o ser de modo geral. Binswanger realizou esta junção
de uma forma magistral, apesar de ter distorcido o pensamento de Heidegger e criado outra
vertente (Moreira, 2010).
Husserl propõe a investigação do conhecimento, a ciência eidética de rigor. Definiu
a fenomenologia como um método descritivo que, segundo ele, aplicava-se à relação
entre consciência e experiência, sendo que o conhecimento decorre desse movimento da

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 53


Suicídio à Luz do Caso de Ellen West: uma compreensão a partir da Daseinsanalyse psiquiátrica

consciência para a experiência. Considerava que o método fenomenológico era a arte da


reflexão, pois a reflexão tem o papel de clarificar a experiência para a consciência e a
consciência para ela mesma, por meio das reduções. A consciência só vem a se conhecer
se conseguir desvendar a estrutura transcendental, ou seja, ir além do objeto percebido,
pois toda consciência é consciência de algo. Para a fenomenologia, sujeito e objeto estão
interligados, formam uma estrutura Ego-mundo. Dessa maneira, Husserl buscou através da
redução chegar à base do sujeito cognoscente.
Heidegger aponta para uma mudança de foco, pois tece considerações acerca
do Dasein (Ser-aí), fenômeno de unidade, não excluindo a multiplicidade de momentos
estruturais que a compõem. A compreensão do existir humano depende da temporalidade
enquanto historicidade e finitude. Além disso, recuperou a relação do ser humano consigo
e com o mundo, pois para Heidegger sujeito e mundo são inseparáveis.
O grande distanciamento entre Husserl e Heidegger ocorre em torno das reduções e
das suspensões. Para Heidegger as reduções sucessivas de Husserl convergem para um
idealismo que separa o sujeito do mundo, que para ele são inseparáveis no tempo, no espaço
e nas relações interpessoais. Heidegger substitui as reduções de Husserl pela hermenêutica
(interpretação), como método para a compreensão do humano em situação.
Heidegger descreve em Ser e Tempo, a vida cotidiana do homem, considerada
inautêntica, através de uma análise fenomenológica da existência. Segundo Gomes &
Castro (2010, p.86), Heidegger considera três movimentos na vida cotidiana do homem,
considerada inautêntica: a facticidade, a existencialidade e a ruína. A facticidade “abriga em
si o ser-no-mundo de um ente intramundano” (Heidegger, 2011, p.102), ou seja, seu destino
está ligado ao dos outros homens e com as coisas, com os quais convive neste mundo. A
existencialidade é a relação crítica com o mundo, a superação dos limites. Essa relação
pode assumir duas vertentes: a primeira implica em tirar dos outros os seus problemas, não
se preocupando tanto com o outro, simplesmente “estar junto”, coexistência inautêntica,
entendo como a segunda, a sua forma autêntica, quando se abre aos outros a possibilidade
de encontrarem a si mesmos e realizarem seu próprio ser, verdadeira coexistência. Por
último, segundo Gomes & Castro (2010, p.86), a ruína é o afastamento de si em favor das
preocupações cotidianas.
Outra divergência é a mudança de foco fenomenológico da relação entre consciência
e experiência, para a relação do ser humano com ele mesmo, o Ser-aí. Para Husserl a
experiência constitui a consciência, pois, como citado anteriormente, a consciência é sempre
consciência de algo. Para ele, a consciência não é uma substância (alma), mas uma atividade
constituída por atos (percepção, imaginação, volição, paixão etc.) com os quais se visa a
algo. Para Heidegger a experiência é acrescida do Ser-aí. O que para Husserl seriam as
vivências e os atos intencionais, para ele são as atitudes do Dasein. Heidegger tenta mostrar
no fenômeno uma espécie de encontro e fenomenal acaba sendo tudo o que se faz visível
nesse encontro.
Para Husserl, não interessa o fato de existir, mas o sentido da existência, sua essência
(eidos). Ao contrário, Heidegger valoriza a condição de existir a priori, a existência é o
“ser-aí”, o ontológico (horizonte infinito de possibilidades) e o modo de ser do homem com
as coisas e com os outros. Para ele, a existência é no plano do impessoal, o tempo todo
cuidando das coisas e dos outros. “Todo mundo é o outro e ninguém é si mesmo” (Heidegger,
2011, p.185). Diferentemente de Husserl, Heidegger não concebe o sentido psicológico ou
metafísico da palavra consciência como atitude de reflexão sobre si mesmo ou a respeito
da sua interioridade espiritual (Abbagnano, 1993). Para Husserl, a subjetividade é uma
experiência consciente, depuração da racionalidade na busca do conhecimento. O mundo
se refere à consciência e esta é o resultado da reflexão, enquanto que para Heidegger ela
é intuitiva e a existência é entendida como “relação com o outro”. O homem seria, para
Heidegger, essencialmente um ser na existência, um “ser-no-mundo” (Dasein).
Heidegger (2011) criticava Husserl por ser intelectualista, para quem a fenomenologia

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deveria ser um método, fugir às interpretações ou teorizações. Foi para criticar e refletir sobre
essas teorizações que Husserl propôs a suspensão fenomenológica (epoché), colocando
entre parênteses a existência efetiva do mundo exterior para que a investigação se ocupe
apenas das operações realizadas pela consciência, sem questionar se as coisas existem ou
não. Através da redução, Husserl pretende “suspender” a tese do mundo natural. Heidegger
rejeitou a busca das essências pelo método fenomenológico e abandonou os termos centrais
da fenomenologia de Husserl, consciência e intencionalidade, pois considerava que se
distanciavam da historicidade essencial da natureza humana (Moreira, 2010, p.7267). Seu
conceito de Dasein supera o conceito de consciência de Husserl e inaugura a perspectiva
fenomenológico-existencial, base para o desenvolvimento das vertentes contemporâneas
da psicologia, psiquiatria, psicopatologia e psicoterapia.
Husserl separa o conceito de transcendência do ente em dois: o ser e o objeto
existente e exterior, o transcendente. O transcendental, por outro lado, é o objeto percebido,
interior, uma interpretação individual. Para Heidegger, o transcendente e o transcendental
não se diferem entre si, ou seja, ambos representam o ser-no-mundo (Macedo, 2010).
Ludwig Binswanger (1881-1966) apresentou, em texto escrito em 1958, a análise
experimental como um método de pesquisa fenomenológico psiquiátrico. Portanto, é essa
a origem da vertente psicoterápica, com várias denominações como fenomenológico-
existencial, psicoterapia existencial ou mesmo psicoterapia humanístico-existencial. O
método fenomenológico ganha importância frente às limitações das outras psicoterapias
em aliviar o sofrimento dos pacientes (Moreira, 2010)
Binswanger iniciou o movimento da Daseisanalyse psiquiátrica no campo da
psicopatologia. Utilizou o método fenomenológico para apreender as condições particulares
de existência de um indivíduo singular pelo qual seu método valorizava a relação intersubjetiva
entre o médico e o paciente. A análise existencial abriu à psiquiatria um olhar sobre a
totalidade do homem, com a intenção de reconciliar o homem consigo e com o mundo e, ao
falhar nesse processo de compreender o homem enquanto ser de totalidade, que segundo
Heidegger (2011), levaria o sujeito a uma existência inautêntica.

Desenvolvimento
O Caso Ellen West
O caso de Ellen West é um estudo da fenomenologia clínica a respeito da existência
inautêntica analisada por Ludwig Binswanger à luz da psicopatologia. Sua família era judia,
seu pai foi descrito como alguém muito controlador e rígido, sua mãe como alguém dócil e
amável e entre seus dois irmãos o mais velho era visto como alegre e tranquilo; já o mais
novo enfrentou um conturbado período da adolescência, tendo sido internado aos 17 anos
em uma instituição psiquiátrica por um transtorno mental e ideações suicidas.
Faz-se importante, para contextualizar melhor o caso, destacar que dois de seus
cinco tios paternos cometeram suicídio, dois faleceram de arteriosclerose demencial e um
seguia doutrina rígida de privação. Ellen desde muito nova comia pouco e aos nove meses
de idade recusava-se a tomar leite e em razão disto foi alimentada com caldo de carne. Se
forçada a se alimentar apresentava forte resistência – o que posteriormente ela chamaria
de “renúncia” (Moreira; Cruz; Vasconcelos, 2005).
Era uma garota muito competitiva em qualquer atividade a qual se dedicasse (nos
estudos, no trabalho ou na equitação). Seu lema na adolescência era “tudo ou nada”,
mostrando certo grau de extremismo que está presente em todas as épocas de sua vida. O
trabalho passa a ter um papel de grande importância para ela, considerando-o como garantia
de felicidade e solidez, embora em determinadas épocas em que tinha crises melancólicas
considerava-se incapaz e inútil.
No início da sua vida adulta passou a se alimentar exageradamente e ganhou muito
peso, tornando-se alvo de brincadeiras entre seus amigos. Odiava-se por se sentir obesa

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Suicídio à Luz do Caso de Ellen West: uma compreensão a partir da Daseinsanalyse psiquiátrica

e via na morte a única solução para este problema. Fez dietas rigorosas e perdeu peso
rapidamente. Apresentou uma melhora breve em seus sintomas, mas o conflito entre “o
desejo de poder comer tranquilamente” e o medo de engordar continuou a torturá-la. Aos
24 anos, teve uma melhora considerável: começou a viajar em excursões com as amigas,
e ficou “entusiasmada com sua vida de estudante” (Moreira et al., 2005, p.389). Continuou
fazendo dietas, mas sob o controle médico.
Em uma viagem conheceu e começou a namorar um estudante, tendo sido forçada
pelos pais a terminar o relacionamento, surgindo daí um novo quadro depressivo, no qual
voltou a comer exageradamente – consequentemente a engordar – e passou semanas na
cama. Quando voltou para casa, apresentou considerável aumento de peso. Começou a
tomar laxantes e a fazer rígidas dietas e exercícios físicos. O trabalho envolvendo questões
sociais a ajudou temporariamente a sair do estado melancólico. Mas, um “sentimento de
terror” (Moreira et al., 2005, p. 389) persistiu em seu íntimo.
Aos 28 anos casou-se com o primo na esperança que a união a auxiliasse no
pensamento fixo com seu peso. Sofreu um aborto e o médico que a atendeu atribui,
incorretamente, o fato à má alimentação. A preocupação de Ellen foi direcionada para ter
um filho e, ao mesmo tempo, não engordar. Um segundo médico afirmou que sua esterilidade
não tinha ligação com a sua alimentação e o que se seguiu a isto foi o uso de grandes doses
de laxante e vômitos que a fizeram perder peso gradativamente. Intercalado com esses
acontecimentos Ellen muitas vezes voltava a comer bastante, em seguida, sentia-se culpada
e punia-se severamente.
Com 35 anos consumia entre 60 e 70 comprimidos de laxante diariamente, vomitava
a noite toda e tinha diarreia continuamente. Seu peso nesse momento era de 41 quilos,
o que comprometia sua saúde, sentindo tonturas e apresentando problemas cardíacos.
Foi então que buscou auxílio psiquiátrico. Depois de algumas tentativas de suicídio, Ellen
foi internada no sanatório de Kreuzlingen, onde foi atendida por médicos supervisionados
por Binswanger. Em Kreuzlingen, com a ajuda de medicamentos e dietas, se recuperou
fisicamente. Ao perceber seu ganho de peso no sanatório, sentia-se obesa, fez novas
tentativas de suicídio e foi submetida à vigilância permanente e ainda assim, burlando essa
vigilância, continuou tomando laxantes às escondidas. Sentindo-se triste e não aderindo
ao tratamento satisfatoriamente ela voltou para casa. Três dias após o retorno à sua casa
voltou a comer muito (como há 13 anos não comia) e se dizia “satisfeita”. Fez um passeio
animado com o marido, conversaram sobre filosofia, literatura e poesia. Seu humor estava
radiante e sua doença parecia ter passado. Escreveu cartas para uma amiga do sanatório.
Durante a noite tomou veneno e pela manhã já estava morta, aparentando, como nunca
havia estado na vida, tranquila e feliz.
A rejeição do leite aos 9 meses de idade foi o primeiro comportamento de ruptura com
o mundo e de resistência àqueles que tentavam se opor à sua idiossincrasia. A construção
de seu Eigenwelt, denominado como seu mundo pessoal, incluindo seu corpo, era oposta ao
seu Mitwelt, que seria seu mundo social em relação à família. Por isso, Ellen se sentia vazia.
Seus pais sempre se referiam a ela como provocativa, teimosa, ambiciosa e violenta. Seus
atos eram respostas a eles e rompiam os laços de confiança com o Mitwelt, prejudicando
suas possibilidades existenciais e, possivelmente, levando à sua conduta de “tudo ou nada”.
(Binswanger, 1977, p. 322 apud Moreira et.al., 2005).
Ellen se tornou um eu inautêntico e escravo, pois não se abriu ao mundo e foi
dominada pelos outros, fazendo com que sua existência perdesse a autonomia. Quando
começou a ler as obras de Niels Lyhne, passou a compreender o mundo como opressivo,
sendo influenciada pela ideia de que o sujeito precisava de força e independência para viver
plenamente e transformar o mundo. Nessa época vivenciou uma dificuldade ainda maior com
seu Mitwelt, fortalecendo seu individualismo. Foi quando Ellen começou a escrever poesias
e nelas usava conceitos parecidos com os do autor: seu movimento existencial seria “andar
na terra” (atuação prática), “voar pelos ares” (ideias, desejos) e “rastejar embaixo da terra”

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(opressão). Mas, cada vez mais sua existência se restringia ao “rastejar embaixo da terra”.
Ela escrevia sobre o contraste entre “voar pelos ares”, como uma sensação de liberdade, e
o “rastejar embaixo da terra” como forma de aprisionamento. Tentava ter os “pés no chão”,
mas não conseguia, e se abatia com seus fracassos cada vez mais, em vez de aprender
com eles.
“O corpo representava para Ellen a identidade de sua condição no mundo, uma
tensão extrema relativa ao seu peso” (Moreira et al., 2005, p.392). Era sua única maneira
de se expressar, principalmente com seus pais. Quando terminou seu relacionamento com o
estudante, por exigência de seus pais, mais uma vez a imposição do Mitwelt, a fez vivenciar
outra frustração, ou seja, mais um fracasso, mais sentimentos de angústia, medo e ansiedade.
Ellen considerava sua existência e seu corpo completamente interlaçados, estabelecendo
as associações: magreza com inteligência e beleza, e gordura com envelhecimento e feiura.
Sua angústia era a de ser-no-mundo, pois para ela tudo se tornara ameaçador e só
existia uma salvação: a libertação pela morte. Costumava dizer que “se não posso conservar-
me jovem e magra, então melhor nada” (Moreira et al., 2005, p.393). Como a autoanálise, o
trabalho e a equitação não a auxiliavam mais, sua única fonte de prazer era a comida. Então,
estava sempre entre o impulso de comer e o medo extremo de engordar, o que representa
o choque entre Eingenwelt e Mitwelt. Para ela, a maneira de se acalmar era comer, mas a
cada garfada sua infelicidade duplicava, e ela, que sempre se achou independente de todos,
se via como dependente total da visão dos outros a respeito de sua aparência: “sua vida se
transforma em um inferno sem saída”. (Moreira et al., 2005, p.394).
O caso de Ellen West mostra a importância da harmonia no entrelaçamento do
Eigenwelt, Umwelt e Mitwelt. Ela foi escrava do seu Mitwelt, sempre atendendo ao que sua
família supostamente esperaria dela. Nesse sentido, a morte é compreendida como a única
saída encontrada para lidar com o conflito principal.
Segundo a análise de Loparic (2002), ao estudar esse movimento senoidal existencial-
ontológico de descida aprisionadora e de subida final libertadora, Binswanger não confere
nenhum significado etiológico às cenas da infância de Ellen – por exemplo, ao fato de ela
ter-se recusado a mamar aos 9 meses de idade. Poucas cenas são lembradas e o são tão-
somente para ilustrar o fato de que a teimosia enclausuradora e o sentimento de vazio já se
manifestavam desde o início de sua vida (Loparic, 2002).
Segundo Binswanger, a prática clínica também se constituía no distanciamento
necessário a uma apreensão objetivante (fisiológica) e permanecia na esfera do vivido
corporal. Ou seja, como o sujeito sentia e vivenciava seu corpo, rompendo com a dualidade
interno/externo, refletindo também a experiência espacial e temporal dos estados de ânimo
(tempo e espaço vividos) (Moreira et. al., 2005). Influenciado por Heidegger, a subjetividade
para Bisnwanger se constitui a partir do ser com e pelo outro, “ser-homem-enquanto-ser-
no-mundo”.
Entretanto, Moreira (2010) e Loparic (2002) mencionam o fato de que Heidegger
discordou de Binswanger quanto à maneira como este desenvolveu uma Daseinsanalyse
psiquiátrica, supostamente baseada no conceito de Dasein apresentado em Ser e Tempo,
permanecendo somente no plano do ôntico (do ente, do objeto), aniquilando o que para
Heidegger era fundamental, o ontológico (do “ser”, enquanto verbo), incluindo neste último as
características existenciais: temporalidade, espacialidade, o ser-com-o-outro, a compreensão,
o cuidado, a queda e o ser-para-a morte.
Moreira (2010, p.729) cita ainda uma declaração de Heidegger, de 1968, na qual
enfatiza que há diferença entre o termo analítica do Dasein e a análise do Dasein, sendo
que na primeira não há a desintegração do fenômeno, enquanto a segunda se refere à
decomposição em elementos, ou seja, perde-se a unidade sujeito-objeto:
No fim desta primeira aula precisamos voltar à pergunta da diferença entre analítica do Dasein e análise
do Dasein. Isto sem levar em consideração a “Daseinsanalyse Psiquiátrica” de Ludwig Binswanger. A

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Suicídio à Luz do Caso de Ellen West: uma compreensão a partir da Daseinsanalyse psiquiátrica

fenomenologia de Husserl, que ainda o influencia, a qual permanece fenomenologia da consciência,


impede a visão clara da hermenêutica fenomenológica do Dasein.

Moreira (2010) observa que no conjunto da obra de Binswanger a teorização de sua


clínica fenomenológica não consegue se desprender do conceito de consciência, tal como
ele pretendia, influenciado pela leitura de Ser e Tempo de Heidegger. Ainda que tenha feito
uso do termo Dasein e cite Heidegger em vários de seus livros, Binswanger reconheceu
que seu pensamento permanece mais próximo de Husserl do que de Heidegger. Entretanto,
foi sob a denominação “Análise existencial” que seu trabalho passou a ser divulgado mais
recentemente, com a sua concordância, pois havia rejeitado por muito tempo a designação
“existencial” porque discordava do existencialismo de Jean-Paul Sartre que, em seu livro
O Ser e o Nada, criticava Heidegger por este tomar como seu ponto de partida o Dasein, e
não a consciência (o para-si).
Jaspers (1883-1969) inaugurou a aplicação do método fenomenológico à clínica
médica e introduziu à nova ciência da psicopatologia. A ênfase aos aspectos internos que
determinaram em Ellen West uma existência inautêntica, não tornou menos importante as
influências externas, sociais e culturais de uma época, e de uma dada configuração familiar.
Assegurou que essas influências externas incidem sobre os membros dessas sociedades,
dessas famílias, mas seus efeitos físicos e psicológicos variam de indivíduo para indivíduo e
conforme o tempo. Segundo ele, uma mesma causa pode implicar em diferentes patologias,
nas psicoses ou neuroses, em indivíduos diferentes. Sendo assim, o conteúdo das psicoses
ou neuroses está intimamente relacionado ao que denominou: patrimônio espiritual de um
dado grupo humano no qual emerge um doente. A importância do fenômeno das massas,
verdadeiras epidemias psíquicas que acometem populações inteiras ao longo da história da
humanidade, também foi mencionado por Jaspers. Exemplos não faltam, e esse autor cita
alguns, como as situações vividas por freiras possuídas coletivamente em conventos nos
séculos XVI e XVII, ou a instituição artificial dos estados orgíacos vividos por curandeiros,
bruxos e bruxas, a orgia dos bárbaros, os ritos dionisíacos dos gregos e ainda o ocultismo, a
parapsicologia e o espiritismo, para ele denominadas pseudociências. O contágio ocorreria
pela difusão de atitudes psíquicas, de maneira inconsciente.
Para compreender a constituição psíquica de Ellen West é imperioso conhecer sua
história familiar a partir dos relatos de Binswanger (1957). Nesses verifica-se que, exceto pelo
irmão mais velho, considerado bem humorado e equilibrado, a linhagem paterna apresentou
inúmeros casos de depressão, angústia, crises de melancolia, demência, irritabilidade,
nervosismo excessivos, e suicídio. Podem-se considerar os distúrbios psíquicos de Ellen
West sob o ponto de vista genético, entretanto não se descarta a contribuição externa,
cultural, de uma dada sociedade, em um determinado momento histórico marcado por
extrema severidade e autocracia. As mulheres, particularmente, eram tolhidas nas suas
escolhas e exercício profissional, exercendo a função materna de forma conciliadora e
afável, entrecortada por momentos de depressão, silêncio e nervosismo. Uma tia paterna
adoeceu psiquicamente no dia do seu casamento, provavelmente pelo mesmo motivo que
levou Ellen à compulsão alimentar: escolhas forçadas e de conveniência, em detrimento das
verdadeiras relações de afeto.
Ellen West, inserida nessa sociedade aristocrática alemã, uma mulher culta e
influenciada por esse ambiente espiritual e cultural, pelos valores dominantes, desenvolve
uma maneira de ser-no-mundo. Jaspers (2003) discute o problema da degeneração
psíquica em relação ao mundo moderno, confronta a decadência da cultura ocidental com a
decadência do homem, com um aumento consequente das estatísticas de doentes mentais,
da criminalidade e dos suicídios. Segundo ele, o suicídio, em si, não é sinal de anormalidade
psíquica, embora a maioria das pessoas que tentam o suicídio apresentam-se no mundo
como ser adoecido que são objeto de estudo da psicopatologia, ou sofrem de doenças
tangíveis. É uma manifestação às situações em que a vida torna-se vazia, insuportável, sem
esperança. Evidencia ainda o quanto os componentes culturais e religiosos influenciam o

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aumento de casos de suicídio ao longo da história, como ocorreu no período de 1849 a 1907,
na Prússia, com os judeus, em comparação aos católicos e protestantes.
O autor acrescenta a possível degeneração influenciada pelo ambiente e pela cultura
de famílias de educação superior, devido aos fatores como o amolecimento a esforços,
indolência, vida irregular. Assinala que o estilo de vida, o desenvolvimento da cultura técnica,
que a partir do século XIX acarretou uma aceleração do ritmo, agitação, ansiedade carregada
de maior responsabilidade, falta de aprofundamento meditativo, exigências insuportáveis em
relação ao trabalho, imediatismo, entre outros.
Para Ellen West o insuportável da vida, além das imposições sociais, estaria também
na dificuldade de ser reconhecida por atributos até então considerados masculinos como o
prestígio profissional. Vestia-se como rapaz até os dezesseis anos, dedicou-se à equitação,
aos estudos e buscou o reconhecimento profissional como mulher. Para ela, o trabalho
parecia ser o ópio para seu sofrimento, que, em grande parte, decorria dos velhos planos
e aspirações que nunca se concretizavam e da impossibilidade de agir plenamente num
mundo estritamente patriarcal. Ela perdeu sua potência de transformar o mundo e deixou de
empreender sua energia para sentir-se plena. Impossibilitada de expressar-se concretamente,
recusou-se a viver a inautenticidade. Privada da capacidade de projetar-se no futuro, no
devir, o conflito com as normas e padrões do seu tempo deram origem ao distúrbio alimentar
e às sucessivas tentativas de suicídio.
Jaspers (2003) identifica sensações de sentimentos, tais como sensações corpóreas,
como sentimentos que atuam como momentos de impulso (compulsão alimentar) e conclui
que sensação, sentimento, afeto e impulso constituem um todo. As alterações dos sentimentos
corpóreos alteram os sentimentos, como é frequente nas psicoses e psicopatias. Podem
ocorrer os sentimentos de falta de sentimento, a sensação de vazio, de total desinteresse,
de falta de alegria de viver. O confronto ocorre entre a ação instintiva, que ejeta os instintos
e os põem em movimento e a ação do arbítrio que aciona a vontade e possibilita a decisão.
Resulta que consciência de inibição da vontade, a consciência de impotência da vontade
e o sentimento de falta de força, levam à perda no controle do próprio processo de pensar
e representar. As alterações da consciência da existência ou da execução levam ao
desmoronamento do eu, uma vivência da destruição do mundo.
Tamelini (2013) analisa que Jaspers valoriza o fator temporal na análise dos
fenômenos da consciência, e diverge no quesito particular em relação ao universal, dando
maior ênfase ao primeiro, ao contrário da Psicopatologia Fenomenológica. Esta, ao justificar
a importância das categorias semiológicas, dialoga com o universal. (Jaspers, 2003), apesar
de utilizar uma clara ordem descritiva, diverge da Psicopatologia Fenomenológica proposta
por Binswanger e Minkowski e outros. A autora acrescenta ainda que a desarticulação
das instâncias temporais deixa a consciência num presente inautêntico. O tempo vivido,
o Lebenswelt, seja para o indivíduo doente ou sadio, não é o tempo mensurável, mas é o
tempo imanente ao sujeito, o tempo dele, ou seja, no homem normal o primado do futuro
faz do vivido temporal um vivido de poder – poder de transformar o mundo pela ação, e a
si mesmo pelo alargamento da pessoa. Ellen West esforçou-se para transformar o mundo
por suas ações, mas suas possibilidades existenciais se tornaram restritas. Além disso,
pondera-se o esforço contínuo de Ellen West de viver de forma autêntica, o que gerava seu
desajustamento às normas vigentes, familiares e sociais, forçando-a a forma inautêntica e
a conflitos constantes (Tamelini, 2013).
Albert Camus (2012) utiliza-se do mito de Sísifo, o herói do absurdo, para analisar
a condição humana. Seu desprezo pelos deuses, sua paixão pela vida e o ódio pela morte
valeram-lhe o suplício de empenhar-se em uma tarefa sem sentido, sem fim. Analisar o caso
Ellen West sob essa perspectiva é reconhecer o absurdo que nasce do trágico confronto e
das contradições que há entre o homem e o mundo real, concreto. Esse absurdo, entretanto,
é inerente a ambos. O homem moderno aspira à razão e a felicidade, e o mundo devolve-lhe
o irracional, o silêncio e imposições. O absurdo está em preservar o que oprime, trata-se

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Suicídio à Luz do Caso de Ellen West: uma compreensão a partir da Daseinsanalyse psiquiátrica

de uma luta sem trégua entre dois polos, dialética, que acompanha a vida do início ao fim
e para a qual há duas saídas possíveis: a esperança ou o suicídio, porque um homem sem
esperança, e consciente disso, não pertence mais ao futuro.
Camus revela o universo paradoxal no qual o humano está imerso, ora esplêndido,
ora miserável, entre as atitudes lascivas de uma vida maquinal, mas ao mesmo tempo um
movimento da consciência. A vida, as ações e a obra humana são absurdas, nada mais do
que a constatação lúcida e consciente dos limites. As verdades esmagadoras desaparecem
quando reconhecidas. O homem absurdo reconhece a luta entre as partes, admite o irracional,
vive uma liberdade também absurda, de revoltar-se, de questionar o mundo a cada segundo,
de exigir uma transparência impossível. Essa liberdade que dá valor à vida e restaura a sua
grandeza, que desafia o homem diante de si mesmo, liberdade que também é consciente
de um destino esmagador, mortal, mas sem resignação. Mas, quando o desespero é imenso
e insuportável e a aceitação se dá no seu grau mais elevado, o suicídio surge para dar um
fim ao absurdo da vida.
As incessantes investidas de Ellen West contra a própria vida, ora se recusando a se
alimentar, ora o fazendo em demasia, representaram uma tentativa de destruir seu corpo,
como elo com o absurdo da vida, o que pouco a pouco foi dilacerando sua alma. À renúncia,
a qual ela se referiu quanto à forte resistência em se alimentar quando bebê, se somam os
inúmeros atos de rebeldia, inspirados pelas obras de Niels Lyhne, uma luta constante para
conviver com a vida absurda, sem sentido, da qual nem sempre tinha consciência. Buscou
como saída para o absurdo o caminho da esperança na autoanálise, escrevendo poesias,
o prazer no trabalho envolvendo questões sociais, na equitação, no casamento. Viveu a
inexorável imposição familiar, a opressão, mas tinha dificuldade em reconhecê-las como
parte da vida e sua contínua oscilação entre extremos, paradoxal, irracional e absurda, como
assegura Camus. Mas, o terror, o sofrimento extremo, o sentimento de vazio empurrava
sua vida para a beira do precipício, para a compulsão alimentar e aos repetidos vômitos
provocados, ao uso de laxantes, às tentativas de suicídio e finalmente à sua concretização,
saída última para livrar-se da vida absurda.

Considerações Finais
Entende-se por clínica fenomenológica o atendimento psicoterápico conhecido como
fenomenológico-existencial, com ramificações para uma grande variedade de teorias. A fim
de estudar a relação entre experiência e consciência, tem-se a conjunção de uma filosofia
e de um método, entendidos como fluxo de vivências préreflexivas. Recebeu influência do
método de Husserl nos tratamentos psicológicos para estudar a experiência consciente.
Foi modificado por Martin Heidegger (18891976) e utilizado para a analítica da existência
e articularam-se as visões tanto de Binswanger quanto de Karl Jaspers. Percorreram-se
nesse ensaio, as compreensões de cada autor. Nesse sentido, para que se compreenda o
suicídio, segundo a perspectiva da Daseinsanalyse psiquiátrica, deve-se, de início, investigar
a história de vida do paciente, e, diferentemente de qualquer outro método terapêutico,
não buscando a explicação da história de vida e suas idiossincrasias patológicas, mas
sob o ponto de vista das modificações da estrutura total do Dasein. Considera-se também
importante na clínica, observar como o paciente vivencia o Umwelt (mundo das coisas
circundantes), o Mitwelt (mundo humano e social, suas relações com os outros indivíduos,
com a família, com a comunidade) e o Eigenwelt (mundo próprio e pessoal, o “eu”, incluindo
o corpo). Além disso, deve-se ter a preocupação em compreender como o sujeito vivencia
o tempo e o espaço, enquanto continuação histórica e enquanto finitude.
No caso Ellen West, sua existência fixou-se no tempo, cristalizou-se, impedindo-a de
conquistar maneiras mais fluidas para lidar com seu sofrimento. A estática se fez presente
e suas possibilidades existenciais se tornaram restritas. Ellen West se transformou em
“coisa” e sua existência tornou-se cada vez mais insuportável. Tornou-se coisa para ser algo
representável, representante da morte e da configuração de um ser que se tornou em vida

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Karina Okajima Fukumitsu, Cyntia Helena Ravena Pinheiro & Joana Ingrid Solomon

um morto. Morta viva que se apresenta em forma de tédio e restrição de suas possibilidades.
O suicídio foi visto como uma mensagem existencial de que se salvaria em sua existência
e em seu existir. O suicídio a salvaria de seu aprisionamento existencial.

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Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 61


Condutas autolesivas: uma leitura pela Teoria do Apego
Self-harm and attachment

Gláucia Mitsuko Ataka da Rocha1

Resumo: O campo de estudo das condutas autolesivas é promissor e tem sido de interesse de diferentes
pesquisadores no cenário nacional e internacional. Há muito a definir a fim de que se chegue a um consenso
e se construa um corpo de conhecimento mais organizado. O objetivo deste artigo é propor a compreensão
das condutas autolesivas a partir de um modelo integrativo, associado à perspectiva da formação dos vínculos
afetivos, da Teoria do Apego. Por meio dessa perspectiva é possível articular o risco intra e interpessoais à
vulnerabilidade aos eventos estressores e à resiliência.
Palavras-chave: apego, comportamentos autodestrutivos, autodano.

Abstract: The research field of the self-harm is promising e it has been interesting to many international or
national researchers in different fields. There are many questions to define as a consensual matter. The objective
of this paper is offer a comprehension of the self-harm behavior from an integrative model associated to an
attachment perspective of the Attachment Theory. By this point of view, it is possible to obtain a more detailed
vision of the intrapersonal risk and interpersonal risk, vulnerability to stressors events, and resilience.
Keywords: attachment, self destructive behavior, self injury.

1 Pós doutoranda no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Doutora em Psicologia e Mestre
em Psicologia Clínica, com treinamento no Interpersonal Psychotherapy Institute, EUA. Coordena o Curso
de Formação em Psicoterapias Breves Psicodinâmicas e trabalhou muitos anos na formação de Psicólogos,
especialmente nas áreas de pesquisa e estágios específicos. gmarocha@gmail.com

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Condutas autolesivas: uma leitura pela Teoria do Apego
Self-harm and attachment

Gláucia Mitsuko Ataka da Rocha

O suicídio tem sido tema de destaque tanto no meio acadêmico quanto nas mídias
sociais. Ao mesmo tempo em que na pesquisa científica percebe-se o aumento de estudos
sobre qualidade da vida das pessoas em diversas situações e em diferentes fases da
vida, sofre-se o impacto da morte das pessoas que não encontram na vida um sentido e
experimentam-na como uma dor insuportável.
Segundo relatório publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (Krug,
Dahlberg, Mercy, Zwi & Lozano, 2002), as mortes por suicídio são apenas uma parte do
problema, ou a mais visível, pois há aquelas pessoas que tentam o suicídio e sobrevivem e
ainda outras que apresentam sérias condutas autolesivas. Ao adotar uma perspectiva ampla,
a OMS definiu o suicídio como um ato de violência voltado à própria pessoa e o subdividiu
em dois tipos: comportamento suicida e conduta autolesiva. O primeiro incluiu ideação
suicida, tentativas de suicídio – também chamadas de ‘parasuicídio’ ou ‘prejuízo deliberado’
em alguns países – e o suicídio consumado. A conduta autolesiva, por seu lado, foi resumida
em comportamentos de automutilação, por sua vez definidos por Favazza (1998) como a
destruição ou alteração de partes do corpo, sem consciência da intenção suicida. Apesar
da aparente clareza das definições acima, não há consenso na literatura científica sobre
a terminologia a ser adotada para definir as condutas autolesivas e muito menos como se
posicionar em relação à presença da intenção suicida, consciente ou inconsciente. Há,
no entanto, um esforço no sentido de se delimitar o campo e encontrar definições mais
operacionalizadas que possibilitem o desenvolvimento científico, como se verifica no trabalho
de Claes e Vandereycken (2005).
Com relação à discussão sobre a terminologia adotada e sua descrição considera-se,
neste trabalho, propositalmente, como temas sobre os quais não se debruçará. O objetivo
aqui proposto é o de apresentar uma leitura das condutas autolesivas, contextualizada em um
modelo explicativo amplo e integrativo sob a perspectiva dos vínculos afetivos, fundamentada
na teoria do Apego. Assim sendo, adotou-se a terminologia proposta pela OMS.
Suyemoto (1998), a partir das características descritas na literatura, definiu a
automutilação como um comportamento direto, socialmente inaceitável e repetitivo que causa
de pequenos a moderados danos. Quando a pessoa está se automutilando, ela está em um
estado psicológico perturbado, mas não está tentando suicídio ou agindo como resposta à
necessidade de autoestimulação ou aos comportamentos estereotípicos característicos do
autismo.
Como os estudos são controversos quanto à definição e aplicação do termo
automutilação, há divergências quanto à prevalência. Além disto, Giusti (2013) aponta que
a maioria dos estudos foi realizada com população de adolescentes e adultos jovens e pouco
se sabe sobre a evolução e consequências desse comportamento ao longo do tempo. Nock
(2010) foi mais assertivo ao revisar a literatura e afirma que, comumente, a automutilação
inicia-se na adolescência e é mais prevalente em adolescentes e adultos jovens, o que
justifica os estudos terem como população-alvo estes grupos. Ademais, destaca que é mais
frequente ocorrer em situação privada com a utilização de um objeto afiado para cortar a pele
ou pontiagudo para desenhar ou escrever sobre a superfície do corpo e que há variação tanto
em relação à frequência quanto à severidade da automutilação entre as pessoas estudadas.
Por estas características é possível compreender a dificuldade de se estimar com precisão
a parcela da população que tem este tipo de conduta.
Skegg (2005) apresentou um quadro bem claro dos fatores de risco para a
automutilação e alguns exemplos em cada categoria: a) Características demográficas –
jovem, sexo feminino, desvantagem socioeconômica, orientação homossexual ou bissexual;
b) Meio social e familiar – experiências adversas na infância, dificuldades interpessoais na
adolescência; c) Transtornos psiquiátricos – depressão, uso de substâncias, transtornos

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Condutas autolesivas: uma leitura pela Teoria do Apego

ansiosos, transtorno de personalidade; d) Características psicológicas – impulsividade,


pouca capacidade para solução de problemas, memória autobiográfica pouco detalhada; e)
Aspectos neurobiológicos e genéticos – vulnerabilidade herdada do sistema serotoninérgico;
f) fatores situacionais – eventos de vida adversos, influência da mídia, conhecimento de
que outras pessoas se automutilam, intoxicação; g) Doença física – epilepsia, HIV positivo.
Como fatores protetores, destacou: a) Meio social e familiar – suporte social, atividades
em família, afiliação religiosa e normas culturais; b) Transtornos psiquiátricos – tratamento
com lítio para pessoas com transtorno bipolar; c) Características psicológicas – otimismo.
No entanto, esse quadro não articula esses fatores à ocorrência das condutas autolesivas.
O risco de repetição dessas condutas e o suicídio posterior são altos. Mais de 5%
das pessoas que procuraram hospitais após automutilação suicidam em um período de
até 9 anos (Skegg, 2005). É importante destacar que casos menos severos de conduta
autolesiva não chegam aos hospitais. Cooper et al. (2005) avaliaram e acompanharam
7968 pessoas que deliberadamente se mutilaram durante o período de setembro de 1997
à agosto de 2001. Desses, 15% repetiram o comportamento durante o prazo da pesquisa,
60 consumaram o suicídio, perfazendo uma taxa de 371 por 100.000 habitantes e 18,3%
repetiram a automutilação antes do suicídio. O número de suicídios foi 34 vezes maior no
grupo do que o esperado para a população em geral, 50 vezes maior para as mulheres e 29
vezes maior para os homens. O risco de suicídio no primeiro ano de acompanhamento foi
de 0,5% (95% CI=0.4-0,8). A taxa de suicídio para todas as pessoas do grupo foi maior, nos
primeiros seis meses de acompanhamento (562 por 100.000). Como fatores de risco para o
suicídio, as mais fortes associações encontradas foram a) não viver com um parente próximo;
b) evitar que o comportamento de automutilação fosse descoberto; c) automutilação anterior;
d) uso indevido de álcool; e) distúrbios alimentares; f) presença de problemas legais. Foram
encontradas associações com a utilização do método de cortar-se, tratamento psiquiátrico
anterior, saúde física deteriorada (p<0.1).
Como métodos de automutilação Ross e Heat (2002), ao avaliarem 440 estudantes
do ensino médio, encontraram com mais frequência, cortar-se, beliscar-se, arranhar-se,
bater-se e queimar-se. Lloyd- Richardson, Perrine, Dierker & Kelley (2007) relataram que
46,5% (n=293) dos adolescentes avaliados por eles utilizavam, mais frequentemente, os
métodos de cortar-se, riscar a pele com objeto pontiagudo, bater-se e queimar-se. Segundo
Skegg (2005), a autolesão é comumente utilizada para descrever uma ampla variedade de
comportamentos e intenções que incluem bater-se, envenenar-se impulsivamente e cortar-
se superficialmente, como resposta à tensão intolerável. (Skegg, 2005)
Há diversos modelos explicativos para as funções da automutilação. Em 1998, Suyemoto
fez uma revisão da literatura e levantou diversos deles: ambiental, antissuicida, sexual, de
regulação do afeto, da dissociação e dos limites. Em 2009, Nock (2010) apresentou um
modelo integrativo que foi discutido mais amplamente em trabalho que articula conhecimento
vindo das pesquisas sobre estresse, risco, vulnerabilidade e resiliência, além de propiciar
a incorporação de teorias do desenvolvimento que expliquem a vulnerabilidade de certos
indivíduos diante de situações de estresse e a resposta de automutilação como possibilidade
de regulação afetiva, cognitiva e social.

Modelo Integrativo e a Teoria do Apego


A partir desse ponto, pretende-se apresentar o modelo de Nock (2010) e associar à
visão ampla proposta pelo autor, a teoria do Apego, a partir da qual se pode compreender
como as falhas no processo de regulação afetiva, cognitiva e social ocorrem ao longo do
desenvolvimento infantil.
O modelo de Nock (2010) está fundamentado em três grandes pontos: 1) a
automutilação é repetida, pois funciona como um método de regulação afetiva, cognitiva e
social; 2) o risco de automutilação aumenta em decorrência de fatores que predispõem as

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 64


Gláucia Mitsuko Ataka da Rocha

pessoas a terem dificuldades de regulação afetiva, cognitiva e social, como por exemplo,
hiperativação física em resposta a eventos estressores, habilidades sociais e verbais pobres.
Por sua vez, estes fatores de risco também aumentam a possibilidade de ocorrência de
comportamentos maladaptativos, como por exemplo, abuso de drogas, uso de álcool, que
comumente estão associados à automutilação; 3) o risco de escolha da automutilação, em
vez de outros comportamentos maladaptativos, é feita em função de diversos fatores, como
por exemplo, desejo de autopunição, por aprendizagem social.
O modelo pressupõe a existência de fatores de risco distais (predisposição genética
para alta reatividade emocional e cognitiva, abuso e maus-tratos na infância, desaprovação
e hostilidade familiar). Exposta a estes fatores de risco, a criança estaria vulnerável tanto no
âmbito intrapessoal (emoções e cognições altamente aversivas, baixa tolerância ao estresse)
quanto no interpessoal (déficit nas habilidades de comunicação e capacidade de solução de
problemas). Diante de situações de estresse, estas vulnerabilidades levariam a pessoa a
dar certos tipos de resposta, com excitação excessiva ou muito baixa ou senso de falta de
controle das demandas sociais. Como maneira de regular afetiva, cognitiva e socialmente
essas demandas, a pessoa escolheria um ou mais métodos de automutilação a partir de
experiências diversas: a) por aprendizagem social; b) necessidade de autopunição; c) como
um sinal social; d) por pragmatismo; e) por analgesia à dor; f) por identificação implícita.
Partindo do modelo acima, propõe-se que os fatores distais relativos às condições em
que a criança é cuidada sejam explicados pelo desenvolvimento dos vínculos afetivos entre
ela e o cuidador principal. A Teoria do Apego (Bowlby, 1969/2002, 1973/1993, 1980/2004),
é aplicada, portanto, para explicar a relação entre fatores distais, vulnerabilidade intra e
interpessoal na qual a conduta autolesiva funciona como um meio de regulação afetiva,
cognitiva e social. Farber (2005, 2008) foi uma das autoras a propor a compreensão
da automutilação a partir da teoria do Apego, entendendo que os comportamentos de
automutilação comumente têm origem no vínculo desorganizado que a criança faz com
aquelas pessoas que lhe infligem dor e sofrimento e que, a partir da internalização deste
tipo de vinculação, infligem dor e sofrimento a elas mesmas, por dissociação.
Os estilos de vínculo ou de apego originam-se em experiências precoces, nas quais
os bebês vivenciam as primeiras experiências relacionais com seus cuidadores principais.
Assim que nascem, os bebês desenvolvem comportamentos de ligação que têm por
objetivo alcançar ou manter a proximidade com outro indivíduo diferenciado e preferido
(figura de apego). Para Bowlby (1969/2002), esses comportamentos tornam-se padrões de
relacionamento bastante evidentes nos primeiros anos da infância, caracterizam os seres
humanos durante toda a vida e têm como uma de suas particularidades o envolvimento
emocional (Fraley, Waller & Brennan, 2000; Coan, 2010).
A teoria proposta por Bowlby (1969/2002, 1973/1993, 1980/2004) associou
observações sobre o comportamento de apego de crianças às pesquisas empíricas
realizadas na década de 50 sobre desenvolvimento infantil e etologia e teve forte influência
dos trabalhos de Konrad Lorenz (Obegi & Berant, 2009). A perspectiva etológica desta
teoria derivou do conhecimento de que o comportamento de apego seria característico
dos mamíferos. Segundo esta perspectiva, esses comportamentos são sistemas inatos
em humanos, têm por função garantir a proximidade com outros humanos importantes
em momentos de estresse (Bowlby, 1969/1983), garantem a sobrevivência da criança e o
desenvolvimento ótimo, tanto social quanto emocional e cognitivo (Insel & Young, 2001). A
busca pela proximidade em relação ao cuidador é uma importante característica que será a
responsável pelo desenvolvimento dos vínculos afetivos entre a criança e as demais pessoas
de sua convivência. Uma premissa central da teoria de Bowlby é a de que a seleção natural
favoreceu crianças que se tornaram vinculadas a seus cuidadores, porque estimulavam a
resposta de proteção do cuidador em situação de perigo e diante dos predadores (Rholes
& Simpson, 2004).
Do ponto de vista do desenvolvimento do afeto, Lewis (2008) destaca que dois

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Condutas autolesivas: uma leitura pela Teoria do Apego

estados emocionais básicos são inatos: um negativo e outro positivo. Destes, subsequentes
estados emocionais se diferenciam a partir da interação entre mãe e bebê e o processo
de maturação. Panksepp (2008), com base no conhecimento derivado de estudos com
animais e humanos, defende que todos os processos psicológicos são dependentes de
processos cerebrais biofísicos e trabalham em conjunto com o corpo, o meio e a cultura.
Dessa maneira, a experiência afetiva seria uma função que emerge de complexas redes
neurodinâmicas, intimamente conectadas ao corpo e, por este, ao mundo. Processos afetivos
primários originam-se de complexas redes neuronais que fornecem ferramentas intrínsecas
do cérebro/mente para auxiliar os animais na tarefa de sobrevivência. Evolutivamente, os
organismos competem por recursos que garantam a sua sobrevivência e, se não houvesse
competição, as redes neuronais que geram os afetos provavelmente não existiriam. Com o
aumento das exigências competitivas, novas escolham foram exigidas e os afetos podem
ter sido a possibilidade heurística ideal para a efetiva tomada de decisão. Os cérebros mais
competitivos desenvolveram heurísticas afetivas – que são biológicas, neuronais, mas com
fortes conexões corporais e culturais – para facilitar a tomada de decisão rápida em benefício
do indivíduo e do grupo. Um exemplo é a capacidade de empatia, que pode ter proporcionado
a sobrevivência de grupos (Waal, 2009).
Assim sendo, os afetos são funções cerebrais e sua infraestrutura mais importante
é neuronal. Sentimentos instintivos (ferramentas básicas à sobrevivência) possivelmente
apresentam-se como conhecimento básico para o aparato cognitivo. O aumento de
sentimentos positivos, de diversos tipos, informa ao aparato cognitivo que o organismo
tem grandes chances de ter sua sobrevivência facilitada. Diversos sentimentos negativos
informam ao aparato cognitivo que há, possivelmente, uma ameaça à sobrevivência.
Portanto, a primitiva capacidade de experimentar dor pode ter aberto a possibilidade de
gerar outros sentimentos negativos como, por exemplo, estresse após a separação, os quais
proporcionaram a experiência de luto e solidão (Panksepp, 2008).
Esses sentimentos são diferenciados a partir das primeiras experiências do bebê
com seu próprio corpo e no relacionamento com o cuidador principal. Neste relacionamento,
a criança elabora modelos internalizados de crenças acerca do Eu e das outras pessoas
importantes para elas, dependendo de como as pessoas respondem a ela. Ao longo de sua
vida, as representações mentais resultantes destes primeiros relacionamentos importantes
funcionarão como modelos de funcionamento mental, com base nos quais os indivíduos
se envolverão em outras experiências interpessoais. A este padrão relacional pode-se
denominar estilo de apego. Estas representações têm importante função na maneira como
o indivíduo interpreta e atua em contextos sociais diversos como, por exemplo, com amigos
e com o par romântico, na vida adulta (Fraley, Waller & Brennan, 2000, Fraley, Hefferman,
Vicary & Brumbaugh, 2011).
A partir dos estudos empíricos iniciais realizados por Mary Ainsworth sobre vínculos
afetivos em crianças, foi descrita a primeira tipologia dos estilos de vinculação que
apresentava três padrões distintos de vínculo ou de representação dos relacionamentos:
seguro, ansioso e evitativo, em categorias distintas. Modelos mais recentes (Brennan,
Clark & Shaver, 1998) propuseram que os padrões de vínculos afetivos em adultos sejam
organizados em duas dimensões, a partir das quais são descritos em termos de diferenças
de grau e não de categorias: 1) vínculo ansioso, definido como ausência de segurança em
relação aos vínculos afetivos, forte necessidade de estar próximo das pessoas significativas,
preocupações com os relacionamentos e medo de ser rejeitado; 2) vínculo evitativo, definido
como ausência de segurança em relação aos vínculos afetivos; autoconfiança compulsiva e
preferência por manter distância de outras pessoas. Neste espaço bidimensional, o vínculo
seguro, por exemplo, se encontraria na região em que vínculo ansioso e evitativo são baixos.
Schore e Schore (2008) e Coan (2010) defendem a ideia de que, na leitura
contemporânea da teoria do Apego, é central o entendimento do processo de regulação
do afeto nos relacionamentos interpessoais, baseado nos conhecimentos advindos das

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Gláucia Mitsuko Ataka da Rocha

neurociências. Ao nível mental, o sistema de apego estabelece um relacionamento interpessoal


que ajuda o cérebro imaturo da criança a utilizar as funções maduras dos cérebros dos pais
para organizar os processos regulatórios. As interações face-a-face, tocar, olhar para criança
são especialmente importantes a fim de delinear o córtex frontal orbital direito, envolvido no
desenvolvimento dos vínculos afetivos e na regulação de estados do corpo como a fome,
o sono, os batimentos cardíacos, temperatura e hormônios do crescimento (Farber, 2005,
2008).
Estas interações são a base do desenvolvimento da mentalização, ou seja, a
capacidade de inferir e representar estados mentais de outras pessoas, que é exclusivamente
humana. A função primária da mentalização é possibilitar que as pessoas possam interpretar
e predizer as ações dos outros de maneira rápida e eficiente, em uma variada gama de
situações competitivas e cooperativas. No transtorno de personalidade borderline, por
exemplo, quando a excitação emocional aumenta há uma troca dos sistemas corticais para
os sistemas subcorticais, da mentalização controlada, para a automática. Haveria uma
tendência à superativação do sistema de apego, possivelmente associado a experiências
traumáticas, talvez por um dos caminhos deficitários de mentalização nesses pacientes
(Fonagy et al., 2010).
Quando essas interações são perturbadas, são internalizadas como representações
dos relacionamentos e mais tarde manifestadas como falhas na regulação dos afetos. É
importante notar que esses modelos internalizados têm um caráter afetivo e outro cognitivo
que servirão como leitura para os relacionamentos futuros e em resposta às demandas
sociais. O desenvolvimento de habilidades sociais e de solução de problemas sociais é
comprometido por modelos, que têm em sua estrutura, expectativas negativas em relação aos
outros e à própria pessoa. Além disso, o contato com os afetos, surgidos nos relacionamentos
interpessoais, e no contato consigo mesma, a pessoa experimenta aversão, pois as emoções
e cognições são negativas. Dificuldades no desenvolvimento de um padrão de vínculo seguro
podem reduzir a resiliência em momentos de estresse e contribuir para o desenvolvimento
de problemas emocionais e pobre ajustamento (Mikulincer & Shaver, 2007).
Diversas formas de expressão de dificuldades emocionais e perturbações da
personalidade podem ocorrer no caso de haver experiências traumáticas no estabelecimento
de vínculos importantes no início da vida (Bowlby, 1969/1983). Dozier, Stovall-McClough e
Albus (2008) em revisão da literatura sobre a teoria do apego e psicopatologia, evidenciaram
a ligação entre as estratégias de vinculação na infância à psicopatologia no adulto,
especificamente aos transtornos do humor, transtornos ansiosos, distúrbios alimentares,
esquizofrenia e transtornos de personalidade borderline e antissocial. Nesse sentido,
Eppel (2005) trabalha com a hipótese de que o transtorno de personalidade borderline,
por exemplo, seja um distúrbio psicobiológico de regulação das emoções, determinado por
fatores genéticos e interpessoais - dentre estes o padrão de vínculos estabelecido na infância.
Transtorno no qual as condutas autolesivas são comuns. Para Bateman e Fonagy (2005) o
desenvolvimento do self ocorre no contexto de regulação dos afetos nos relacionamentos
interpessoais e a desorganização do sistema de vinculação resulta da desorganização da
estruturação do self. Pessoas com estilo de vinculação inseguro seriam mais propensas à
depressão que aquelas com estilo evitativo, talvez porque, diante de situações de estresse,
elas tendam a ter percepções e reações comportamentais que precipitem, sustentem ou até
exacerbem os sintomas depressivos (Simpson & Rholes, 2004)
Castilho, Gouveia e Bento (2010) realizaram pesquisa sobre conduta autolesiva
e a contribuição da autodesaprovação e da vergonha interna para a patoplastia com 81
adolescentes, sendo 41 sem psicopatologia e conduta autolesiva, 22 com algum tipo
de psicopatologia e 19 com psicopatologia e comportamento autolesivo. Os resultados
encontrados indicaram que os adolescentes com conduta autolesiva apresentaram índices
elevados de autodesaprovação, vergonha interna e dissociação, estabeleciam com o grupo
social uma vinculação insegura e de pouca proximidade e apresentavam mais sintomatologia

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 67


Condutas autolesivas: uma leitura pela Teoria do Apego

depressiva.
Mello et al. (2010) referem que os estudos de correlação entre trauma na infância e
psicopatologia na vida adulta abrangem uma ampla gama de desfechos, desde dificuldades
no funcionamento psicológico a alterações biológicas. Schoedl et al. (2010) investigaram
a relação entre idade do abuso sexual relatado e o desenvolvimento de estresse pós-
traumático e/ou sintomas depressivos e os resultados indicaram que há dez vezes mais
risco de desenvolvimento de estresse pós-traumático para aqueles que relataram o abuso
após os 12 anos de idade do que os que relataram antes dos 12 anos e maior risco de
depressão entre aqueles que relataram o abuso sexual antes dos 12 anos, indicando que o
abuso sexual relatado em diferentes estágios do desenvolvimento pode levar a diferentes
problemas psiquiátricos.
No entanto, nem sempre as experiências traumáticas levarão a pessoa a desenvolver
algum tipo de psicopatologia e alguma conduta autolesiva. Kobak, Cassidy e Zir (2004)
consideram os processos que interferem na resolução do trauma relacionado à vinculação
e entendem que o contexto interpessoal pode tanto facilitar quanto impedir a habilidade de
o indivíduo resolver o impacto de um evento traumático. Monteiro (2009) em estudo sobre
depressão e apego, refere que a etiologia da depressão é de natureza multifatorial, sendo
que é a combinação entre as histórias das experiências acumuladas na interação com o
mundo e com os contextos atuais de vida que tornam o indivíduo resiliente ou vulnerável à
depressão.
Indivíduos resilientes são capazes de lidar com essas experiências e adaptar-
se às condições adversas. Além disso, há influência das experiências infantis sobre os
relacionamentos adultos, mas aquelas não determinam, invariavelmente, os relacionamentos
na vida adulta; outras experiências ao longo da vida podem melhorar estas disposições,
agravá-las ou minimizar os efeitos dos estilos de vinculação (Obegi & Berant, 2009;
Castonguay & Hill, 2012).

Considerações finais
As condutas autolesivas, por acontecerem em situações mais privadas, muitas vezes
não chegam a constar de relatórios de saúde pública e são, portanto, subnotificadas. No
campo científico há, ainda, que se definir com mais precisão a nomenclatura a ser utilizada e
descrições mais detalhadas dos comportamentos. Além disso, a questão da intenção suicida,
consciente ou não, também necessita de maior clareza, visto que em algumas pesquisas
permanece a dúvida sobre se o comportamento estudado é uma conduta autolesiva com
intenção suicida ou pode ser considerado como tentativa de suicídio. Uma parcela das
pessoas que mantêm condutas autolesivas matam-se, o que sinaliza aos psicólogos, a
necessidade de um olhar cuidadoso, pois este tipo de conduta pode vir a ser relatado apenas
ao psicólogo, em consulta individual por outras queixas.
Um modelo integrativo do problema é importante porque oferece uma visão ampla e
multideterminada, além de oferecer uma visão das possibilidades de intervenção, desde a
prevenção (fatores de risco distais) até o acompanhamento daqueles que sobreviveram à
tentativa de suicídio.
A vertente contemporânea da teoria do Apego pode complementar o modelo proposto
por Nock (2010), por introduzir uma compreensão mais aprofundada e detalhada dos
componentes intra e interpessoal no desenvolvimento das psicopatologias e das condutas
autolesivas como maneiras de regulação afetiva, cognitiva e social diante de situações de
estresse. No entanto, por serem propostas teóricas, necessitam mais evidências empíricas
que as fundamentem.

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Suicídio assistido e morte com dignidade: Conflitos éticos
Assisted Suicide and death with dignity: Ethical conflicts

Maria Julia Kovács1

Resumo: O artigo se propõe a refletir sobre suicídio assistido e a relação com a busca da morte com dignidade.
São apresentadas as diferenças entre eutanásia e suicídio assistido, sendo a principal diferença que no
suicídio assistido a responsabilidade e execução do ato final da indução da morte é da pessoa. O suicídio
assistido ocorre porque o sujeito tem o desejo de terminar sua vida, mas não consegue realizar o ato sozinho
demandando ajuda medicamentosa ou encorajamento psíquico. No estado de Oregon- EUA o suicídio assistido
é legalizado a partir dos trabalhos de Jack Kervokian. São apresentados filmes e documentários em que o
suicídio assistido e processos de morte com dignidade são abordados. Longe de consenso, o tema demanda
reflexão bioética.
Palavras-chave: suicídio assistido, morte, dignidade, bioética

Abstract: The article aims to discuss assisted suicide and its relationship with the desire to a death with
dignity. The differences between euthanasia and assisted suicide are emphasized, being the main difference
the responsibility and execution of the final act of induction of death by the person. The assisted suicide occurs
because the person has the desire to end his life, but is not able to perform the act alone, needing medication
or psychic encouragement. In the state of Oregon – USA, assisted suicide is legalized through the works of
Jack Kervokian. Films and documents are presented in which assisted suicide and death with dignity are the
main issue. Far from consensus the theme requires bioethical reflection.
Keywords: assisted suicide, death, dignity, bioethics

1 Professora Livre Docente do Instituto de Psicologia da USP. Coordenadora do Laboratório de Estudos


sobre a Morte. mjkoarag@usp.br

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 71


Suicídio assistido e morte com dignidade: Conflitos éticos
Assisted Suicide and Death with Dignity: Ethical Conflicts

Maria Julia Kovács

Documentário: Morte assistida em Oregon


Iniciamos este artigo com o documentário “A morte assistida em Oregon” (2011)
dirigido por Peter Richardon, com a duração de 107 minutos apresentado pela rede HBO.
O documentário traz histórias daqueles envolvidos com práticas de suicídio assistido e
morte com dignidade. Apresenta pacientes em estágio terminal da doença, família, amigos
e profissionais de saúde.
Cenas mostram o preparo do remédio que será ingerido, ao mesmo tempo que, há
esclarecimento de que o paciente poderá desistir do suicídio assistido a qualquer momento
na presença da família reunida. Uma vez ingerida medicação a morte ocorrerá entre 6-9
minutos. O paciente agradece ao poder legislativo de Oregon, que lhe permitiu a possibilidade
de morrer com dignidade. As cenas mostram o paciente tomando o remédio na frente de
todos, relata que a cabeça vai ficando mais leve e que ouve vozes de familiares já falecidos.
Os que o acompanham dizem que o processo foi fácil.
O documentário prossegue com voluntários ajudando pacientes e familiares no
processo do suicídio assistido, afirmando que a decisão é sempre tomada pelo paciente,
nunca induzida. O paciente pode ele mesmo comprar o remédio e é quem toma a decisão
sobre a data em que será realizado o procedimento de morte. Os voluntários explicam como
funcionará a medicação, a diferença de preços e o que vai acontecer. As cápsulas do remédio
são esvaziadas e o pó é misturado a algum líquido, pois é muito difícil engolir a quantidade
de cápsulas necessárias.
Um paciente afirma que já está morto, agora só quer sair da vida. Quer ter controle
sobre sua vida. Segue o depoimento de uma pessoa que não conseguia mais cuidar de
si. Pede ajuda para morrer bem. Com doença avançada prefere morrer para terminar o
sofrimento. Pergunta-se por que animais em sofrimento são sacrificados e não se faz o
mesmo com humanos? Segundo seu raciocínio o maior problema é perder o controle. A dor
assalta a pessoa, o que dificulta a vida.
O documentário mostra que alguns pacientes já têm o remédio que os ajudará a
morrer. Assim quando decidirem que chegou a hora, que a vida não vale à pena ser vivida,
já estará tudo preparado.
Em algumas circunstâncias a família participa, como apresentado no início do
documentário. Há depoimento de familiares que a participação no processo de suicídio de
seus familiares é muito difícil e eles pedem para serem acolhidos na sua angústia.
Uma pessoa fala de seu preparo para morrer, quer deixar tudo em ordem. Não
deseja morrer “vazando”, com hemorragias ou órgãos saindo do corpo. A situação fica difícil
quando a dependência, a dor e a incontinência tomam conta, além das mudanças radicais
da aparência. Uma mulher relata o grande sofrimento do marido, que em poucos meses
envelheceu décadas. Por ele, decide lutar pela aprovação da Lei pela Morte com Dignidade
conhecida como I 1000, aprovada no Estado de Washington.
Falando dos nomes presentes na luta da morte com dignidade o documentário
apresenta Derek Humphrey, fundador da Sociedade Hemlock (cuja tradução é cicuta). Este
autor é um dos representantes do movimento pró morte com dignidade, autor dos livros
“Final Exit”, “Jean’s Way” e “Good Life and Good Death”. Sua esposa teve câncer e sofreu
muito no estágio final da doença. Este fato o motivou a escrever sobre o tema da morte com
dignidade e suicídio assistido.
Uma das depoentes trata-se na instituição Comprehensive Cancer Center em Oregon.
Consideramos este título sugestivo sobre esta instituição em que diálogo e comunicação
se apresentam como se observará no decorrer do documentário pelo tratamento que ela
recebe, mas principalmente pela médica que a acompanha durante várias etapas da doença

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 72


Maria Julia Kovács

e no final quando decide pelo planejamento de sua morte.


Ao apresentar as várias histórias que compõem o documentário se apresenta o grupo
Compassion and Choices, que auxilia pessoas no processo do planejamento da morte,
oferecendo voluntários para ajudar as pessoas com as drogas prescritas por médicos. É
também este grupo que lutará para que seja estabelecida a Lei da Morte com Dignidade, já
mencionada. O motivo da aprovação desta lei é a garantia da morte com dignidade, quando
mesmo a medicina paliativa não produz resultados satisfatórios para pessoa com sintomas
refratários e sofrimento intenso. Reitera-se sempre que não se trata de obrigação e sim
permissão para aqueles que gostariam de encerrar a vida diante de sofrimentos intoleráveis.
Há questionamentos sobre seguros de saúde quando há recusa para atendimento
oncológico de doença avançada, como aconteceu com um locutor que necessitava de
quimioterapia mais forte. Quando buscou medicação para cometer suicídio foi contemplado
pelo seguro, depois que foi a público declarando que teve recusado o pagamento de seu
tratamento. Sempre usou a voz, não quis a cirurgia que retiraria as cordas vocais e fez
um depoimento em que agradecia a todos e também aos médicos pelo Seconal (droga de
escolha para o suicídio assistido) em seu poder, para quando chegasse a hora em que o
sofrimento se tornasse intolerável. Acabou morrendo no hospital com a voz intacta e sem
tomar a medicação letal.
O documentário debate que o simples fato de ter a medicação para induzir a morte traz
alívio ao paciente. Vemos uma pessoa que já tem a medicação consigo, mas relata como é
difícil saber qual é o momento em que decidirá tomá-la. Há cenas em que conversa com a
voluntária da Compassion and Choices sobre suas dúvidas. Afirma que está vivendo mais
tempo do que previa. Como tinha doença grave e pouco tempo de vida tentou deixar tudo
organizado, mas o tempo de sua vida se estendeu para além do previsto e agora se encontra
ambivalente entre o desejo de viver e tomar a decisão de interromper a vida. Acredita que a
continuidade de sua vida sobrecarrega a família. Quer cuidar de si. Tem medo de se sentir
covarde na hora do final, mas é confortada pela voluntária que diz que sempre terá ajuda da
associação. A paciente pondera que tem sorte porque sabe quando e como vai morrer, tem
controle sobre o processo. Vemos que a decisão sobre a morte não é fácil, comprar a droga
e tê-la à mão não significa que não haja ambivalência e medo do desconhecido. Corajoso
o debate que este documentário propõe, porque mesmo aprovado no Estado de Oregon o
assunto ainda é polêmico e merece reflexão.
O final do documentário mostra esta paciente com obstrução do fígado e o câncer se
alastrando pelo corpo. Está no hospital, bem mais magra e com dores fortes. A médica do
Comprehensive Cancer Center está sempre presente e explica tudo à paciente e ao marido.
Tiram vários litros de líquido de seu abdome, numa cena muito impactante.
O marido preferia que a morte fosse decorrência da doença sem que se precisasse
recorrer à assistência para o suicídio. A médica os acolhe e explica o que vai acontecer com
o tratamento prescrito e se decidir não segui-lo. Explica também o que acontecerá se tomar
a medicação pró-suicídio até perder consciência. Ela está assustada e o marido desolado.
Em outra cena mostram a paciente no cabeleireiro. Vê-se a ascite presente, como
se “estivesse grávida de nove meses”, nas suas palavras. Tiravam litros de líquido com
freqüência e ela tomava morfina de hora em hora. A família e a médica debatem se a paciente
deve morrer no hospital ou em casa, que teria que ter uma infraestrutura hospitalar para
os cuidados no final da via. Optaram por realizar o procedimento de suicídio assistido em
casa. A médica afirma que a paciente saberá o dia em que tomará o remédio para morrer.
Será em breve, mas ela sabe que seu corpo é forte. Para que possa realizar o ato deve ter
a capacidade de deglutição e não vomitar.
A paciente se despede dos filhos. Quer um “dia feliz”, a cena abre para a voluntária
preparando a medicação, vemos também o marido preparando a bebida com a qual será
tomada.

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 73


Suicídio assistido e morte com dignidade: Conflitos éticos

A partir deste momento o procedimento se passa no interior da casa, com a filmagem


da janela com a cortina cerrada. Só se veem vultos e as vozes “está pronta?” “Estou”. Há
orientação médica para que, apesar do gosto horrível, ela tome a medicação o mais rápido
possível. A médica afirma que todo o procedimento só vai durar uns minutos. Ouve-se a voz
da paciente dizendo que está sonolenta, que tudo gira e “que é tão fácil”
O filme se inicia mostrando um suicídio assistido diretamente com um homem tomando
o remédio diante das câmeras, a família reunida e termina com a cena insinuada através da
janela e cortinas cerradas. Debateremos a questão do suicídio assistido na mídia em outra
parte deste artigo. A seguir, apresentaremos algumas definições e limites entre morte digna,
eutanásia e suicídio assistido.

Suicídio assistido, eutanásia, morte com dignidade: definições e áreas de fronteira.


Suicídio assistido consiste em auxiliar pessoas que não conseguem sozinhos
concretizar o ato. O auxilio pode consistir em prescrever doses letais de medicamentos,
ajudar no processo de ingestão ou vias venosas e também pelo apoio e encorajamento do
ato suicida.
Uma das formas clássicas de suicídio assistido são as seringas, o procedimento
criado por Jack Kervokian, uma delas para o acesso venoso, outra com relaxante muscular
e a terceira com o veneno letal. Kervokian viveu em Oregon e ficou conhecido como
“Doutor Morte”. Contribuiu com dezenas de mortes a pedido de seus pacientes, às vezes,
após apenas um contato. Afirma que suicídio assistido é boa medicina, a partir da ajuda a
pacientes a evitar sofrimento no processo de morrer. Foi condenado várias vezes porque
o seu procedimento foi considerado como assassinato, mesmo com a intenção de evitar
sofrimento e proporcionar morte com dignidade.
Em 2010 a rede HBO lançou o filme “You don’t know Jack. The life and death of Jack
Kervokian” em DVD sob a direção de Barry Levinson. A sinopse na capa (nossa tradução)
diz Em 1990 Jack Kervokian assombrou o mundo ao iniciar os debates sobre o fim da vida
com sua “Maquina da morte” e realizou o seu primeiro suicídio assistido. Com a interpretação
de Al Pacino este filme é a história da obsessão de um homem que desafiou a regras pelas
quais vivemos e morremos e a sua insistência, teimosia e luta heróica ao quebrar as regras.
Também participam Susan Sarandon, Brenda Vaccaro, Danny Huston e John Goodman.
O filme permite conhecer o verdadeiro Jack Kervokian, sua família, amigos e apoiadores,
mostrando cenas de sua vida real.
A partir da década de 1990, o suicídio assistido foi relacionado com a morte com
dignidade, defendida por várias instituições no mundo. Em Oregon o suicídio assistido é
considerado como suicídio, portanto uma decisão consciente e voluntária da pessoa que tem
a ajuda de um médico ou profissional de saúde, que oferece um método letal, para eliminar
o sofrimento. O suicídio assistido é legal em Oregon. O documentário que apresentamos
no início deste artigo apresenta a aprovação da lei I 1000 – a lei da Morte com Dignidade.
No suicídio assistido não há o ato da eutanásia exercido pelo médico e transfere para
o paciente a decisão de encerrar a vida. A diferença entre eutanásia e suicídio assistido tem
a ver com a execução do procedimento e não com o desejo de morrer com dignidade, de
interromper uma vida com sofrimento.
Eutanásia é um procedimento médico nos países em que está legalizada. É crime
naqueles em que ainda é procedimento ilegal. De qualquer forma para que se considere
como eutanásia é preciso haver um pedido do paciente, atestando-se sofrimento intenso,
sem possibilidade de alívio. Há um protocolo a ser seguido em que pacientes pedem e
se confirma o seu pedido várias vezes, médicos atestam e assim o ato da eutanásia é
executado.
Se não houver o pedido reiterado do paciente de forma consciente e intencional o
ato é visto como assassinato, mesmo que por razões humanitárias, como afirmam Floriani

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 74


Maria Julia Kovács

e Schramm (2008). Os autores afirmam que retirada de suporte vital que não traz benefícios
para cura ou controle de sintomas não é eutanásia passiva que por definição não existe,
pois eutanásia implica sempre num ato deliberado. A sedação terminal é um procedimento
de cuidados no final da vida e só pode ser iniciada com consentimento do paciente ou dos
familiares, portanto também não é eutanásia ou suicídio assistido.
O suicídio assistido é relacionado ao suicídio e não à eutanásia, pela condição de
realização do ato. No suicídio assistido a execução do ato final é da pessoa, que precisa de
ajuda, pois não consegue realizar o ato sozinho. O suicídio assistido retira de um terceiro a
responsabilidade pelo ato final.
Ressaltamos que tanto na eutanásia, quanto no suicídio assistido a voluntariedade
é elemento essencial. Nos dois casos se o paciente não é quem decide é considerado
assassinato, mesmo que cometido para aliviar sofrimento ou por outras razões não tão
nobres, como liberação de leitos.
Há instituições que discutem e promovem a morte com dignidade, mas que não se
denominam como instituições em que se promove suicídio assistido. Há uma superposição
entre morte com dignidade e suicídio assistido que ainda necessita debate.
Suicídio assistido e os movimentos pró-morte com dignidade estão muitas vezes
associados, embora não sejam coincidentes. As associações pró-morte com dignidade
como o próprio nome diz estão relacionados com debates, políticas para evitar a obstinação
terapêutica, prolongamento do processo de morrer e sofrimento, mas não estão restritos ao
suicídio assistido. Como afirmam, Floriani e Schramm (2008), em 1990 foi criada na Holanda
a Comissão Rummerlink para estudar as decisões de cuidados no final da vida. A principal
preocupação desta Comissão é evitar o abuso e mortes não justificadas por sofrimento
extremo. A legalização do suicídio assistido ocorreu em 1998 no estado de Oregon, na
Holanda eutanásia e suicídio foram legalizados entre novembro de 2000 e abril de 2001 e
em 2002 na Bélgica, como apontam os autores.
A Clinica Dignitas é sediada em Zurique, Suíça e foi fundada em 1998 pelo advogado
Ludwig Minelli. Dá assistência às pessoas que procuram a clínica, suíços e estrangeiros
principalmente do Reino Unido, França e Alemanha. Nesta instituição não são médicos que
preparam a medicação, o paciente é quem toma a decisão de tomar o remédio, como se
vê no documentário “A morte assistida em Oregon”. Observa-se que a decisão de morrer
não ocorre somente em situação de doença terminal, e sim em várias circunstâncias em
que a pessoa considera que não quer mais viver. Possui atualmente grande número de
associados do mundo todo, e já realizou por volta de 1000 mortes dessa forma. Seus
diretores e o governo da Suíça contestam que estejam transformando a Suíça, conhecida
pelos chocolates e relógios, em local de turismo da morte. A clínica oferece os serviços a
um custo de 4.000 francos, segundo a direção é para cobrir os custos dos procedimentos.
Os suicídios assistidos ocorrem em apartamentos alugados com a administração de dose
letal de pentobarbital de sódio, sem haver a necessidade de prescrição médica.
A Clínica Dignitas não oferece a opção de eutanásia, e se baseia na vontade do
paciente, que deve estar lúcido e consciente de sua decisão, assumindo a responsabilidade
do ato com sua assinatura. Pessoas com depressão ou outros problemas psiquiátricos não
são assumidos pela clinica.
Há Suíça outra instituição denominada Exit, Associação pelo Direito à Morte com
Dignidade na cidade de Lausanne fundada em 1982, cujo presidente é o médico cirurgião
Jerome Sobel, que ofereceu entrevista a Swissinfo. Afirma que na Suíça eutanásia é crime,
mas prestar auxílio a doentes que querem morrer não, desde que o pedido seja sério e
repetido. No caso desta instituição este auxílio será prestado, se for um doente com doença
incurável com sofrimento que torne a existência insuportável. Um dos pontos principais em
questão é ter discernimento e não estar em estado de depressão.
A instituição Exit atende apenas cidadãos suíços ou estrangeiros que residam no país,

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 75


Suicídio assistido e morte com dignidade: Conflitos éticos

porque tem poucos voluntários e que possam ajudar no processo personalizado na hora da
morte. O custo é baixo, os interessados pagam uma anuidade de aproximadamente 20 euros.
Espera-se um tempo entre o primeiro pedido de ajuda do paciente para a sua
morte para que possa pensar com mais calma na decisão e poder finalizar providencias e
despedidas, confirmando-se a decisão da pessoa. Em caso afirmativo é oferecida a solução
letal misturada em suco ou outra bebida de preferência da pessoa, portanto é obrigatório,
como mencionado anteriormente, que o paciente tenha condição de engolir e não vomitar.
Interessante observar, que segundo Sobel, 87% dos suíços concordam com o suicídio
assistido. Procuram a Exit protestantes, católicos e judeus, que entendem que Deus lhes
concede o poder de decisão sobre sua vida.
Sobel acredita que o tema da morte com dignidade e suicídio assistido deve ser
debatido em cursos e que não precisasse ocorrer em instituições especializadas. Lembra
que nenhum dos procedimentos executados é obrigatório, todos são de escolha da pessoa
que é devidamente informada e esclarecida com tempo para sua decisão
Para aprofundar a discussão sobre o tema refere-se ao documentário “Exit- O direito
de morrer” de Fernand Melgar que recebeu o Grande Prêmio do Cinema Suíço.
No Brasil o suicídio assistido é visto como crime. O Código Penal prescreve no artigo
122 a punição a quem auxilia uma pessoa no seu suicídio, neste processo visto então como
assassino.

Suicídio Assistido - Conflitos Éticos


Para Schramm (2002) é nosso dever discutir o direito da pessoa de dispor e dar
sentido à vida, buscando dignidade. É a possibilidade de exercer liberdade e autonomia
para debelar o sofrimento. Nos últimos anos tem se observado a medicalização da morte, o
que leva à interferência no processo de morrer, como é o caso da distanásia, compreendida
como prolongamento do processo de morrer com sofrimento
Em artigo sobre os conflitos éticos evolvendo o suicídio (Kovács, 2013) debatemos a
legitimação do desejo de morrer. Perguntamos, há diferença de julgamento com atenuantes
para o suicídio dependendo do momento vivido pela pessoa? Exemplificando: idosos com
doença em estágio avançado com sofrimento intolerável teriam legitimação para encerrar sua
vida? E se este desejo fosse manifesto por jovem com sofrimento psíquico? Como avaliar
a intensidade do sofrimento? Desrespeitar o pedido de um idoso para finalização de sua
vida não seria uma forma de matar sua individualidade, autonomia e desejo de finalizar a
vida de forma digna? Considerando o reverso oferecer morte sem sofrimento não é respeito
à dignidade humana? A Constituição fala sobre direito à vida, mas observa-se atualmente
pelo exercício da distanásia, uma obrigação de viver, em alguns casos porque médicos não
foram preparados para lidar com a morte
A pessoa é juiz de sua vida. É seu olhar e não dos outros que define o que é sua
dignidade. Será que uma pessoa pode ser obrigada a viver? Uma questão importante para
reflexão: é possível julgar o processo de morrer escolhido pela pessoa? Suicídio não é mais
penalizado do ponto de vista legal, mas ainda se responde como se fosse crime dispor
da própria vida ou sempre como resultado de doença mental. A morte não é ato médico,
mesmo que caiba a este profissional constatar sua ocorrência. A escolha da morte é um
ato da pessoa e solidariedade e compaixão fazem parte do processo. Será que elas valem
também quando se trata de suicídio?
Ramon Sampedro em seu livro “Cartas do Inferno” (2005) promove o debate sobre o
direito de decidir sobre sua vida. Este livro foi base para o filme “Mar Adentro” de Alejandro
Amenabar. No prólogo do livro Sampedro relata o mergulho que resultou na tetraplegia e é
visto por ele como o momento de sua morte. Ser tetraplégico é ser um morto crônico, que
reside no inferno, esta é a motivação para escrever o livro. Viveu 26 anos nesta condição. O
que realmente importa para ele é a liberdade do ser humano frente à vida e à morte. A ciência

Revista Brasileira de Psicologia, 02(01), Salvador, Bahia, 2015 76


Maria Julia Kovács

não podia fornecer esta liberdade após seu acidente. A família e amigos não conseguiam
compreender seu drama e por amor queriam impedir sua morte, mantendo-o no seu inferno
pessoal.
Pelas limitações motoras em virtude da tetraplegia impediram-no de efetuar o ato
suicida sozinho. Buscou a eutanásia como direito pessoal a uma boa morte e ficou perplexo
com o grau de intolerância dos representantes da religião, do estado e da lei. Sampedro
escreve cartas veementes a estas pessoas que, compiladas compõem o livro citado. A
sociedade contemporânea apresenta intensa negação da morte. Para ele a liberdade é valor
máximo, permitindo decisões sobre o final da vida.
Quando ocorreu o mergulho de Sampedro, a batida da cabeça no fundo de areia teria
permitido uma morte suave. Mas, uma pessoa viu o salto e o salvou, aí começou o inferno
nas suas palavras. Propõe que profissionais de saúde aceitem o direito das pessoas de
renunciar a certos estados de degeneração prolongados artificialmente. Tenta provar que
desejar a morte no seu caso não significa estar deprimido, e sim a busca da dignidade no
final da vida. As pessoas que o amam de verdade deveriam tolerar seu desejo de morrer com
dignidade e o legítimo pedido de eutanásia para se libertar do sofrimento. A vida pertence
à pessoa que deve ter o direito de dispor dela. Nas suas palavras
Eu recorri a juízes solicitando o direito e a liberdade pessoais que, no meu entender a Constituição
me garante... ou supõe-se que se tenho direito à vida, devo ter ou deveria ter direito à morte, à minha
dignidade, minha personalidade (p. 204).

Vemos neste impactante discurso de Ramon Sampedro sobre sua história real,
questões importantes a serem discutidas. A finalização de sua vida e sofrimento como última
opção foi o suicídio assistido. Queria o direito à eutanásia, porque não tinha condições de
realizar o suicídio por sua ação, como não conseguiu escolheu outra forma de realizar seu
intento, contando com a assistência de uma amiga para o suicídio, que foi julgada pelo crime,
atenuado pela intencionalidade claramente declarada de Sampedro.
O filme Mar Adentro de Alejandro Amenabar mostra na cena final o suicídio assistido.
O próprio Ramon, representado por Javier Bardem, em atuação fantástica, explica que
com ajuda da amiga toma o veneno que levará à sua morte. Fica claro em sua história,
que procurou a eutanásia em primeiro lugar e a partir da recusa recorrente, acaba optando
pelo suicídio assistido porque não poderia cometer o suicídio sozinho pela falta total de
possibilidade para se jogar pela janela ou para tomar os comprimidos necessários para tirar
sua vida. Ele diz “já estou morto há muito tempo. Esta vida não é vida para mim”.

Suicídio assistido na mídia


Eutanásia e suicídio assistido são temas que merecem reflexão e debate. A questão é
quando são apresentados ao vivo em documentários na TV, no cinema e na Internet. Em nossa
opinião deveria se preservar a intimidade e privacidade do ato de ingestão da medicação ou
por via venosa. O documentário que abre este artigo mostra duas possibilidades de exibição
do ato de suicídio assistido e morte com dignidade. Na primeira parte a ingestão da droga e
a morte são exibidas ao vivo com a câmera focada no paciente e na família. Na parte final o
processo acontece sem imagens de pessoas, pela janela com as cortinas cerradas e a voz
ao vivo toma-se conhecimento do ato suicida.
A rede britânica BBC, em 2011, Choosing to Die, transmitiu o suicídio assistido do
milionário inglês Peter Medley acometido por uma doença neurológica e que recorreu aos
serviços da clínica suíça Dignitas, que já ajudou mais de 1000 pessoas nos últimos 12
anos. O documentário Choosing to Die de Terry Pratchet provocou opiniões veementes
contra a sua exibição. A principal crítica se refere ao fato de que documentários deste tipo
podem incitar as pessoas ao ato suicida. A importância de discutir a morte com dignidade e
a possibilidade de considerar a questão e divulgar um tema ainda tabu é o seu ponto forte.

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Suicídio assistido e morte com dignidade: Conflitos éticos

A Organização inglesa “Dignity in Dying” apóia documentários deste tipo que apesar
de causarem fortes emoções ajudam as pessoas a formarem sua opinião a respeito. Do seu
ponto de vista censurar o tema não ajuda. Exibi-los abre a possibilidade para que pessoas
que estejam sofrendo com uma doença grave e sem possibilidade de recuperação possam
se identificar e buscar ajuda.
Os grupos anti-eutanásia representados pela organização “Care Not Killing Alliance”
entendem este documentário como um libelo a favor do suicídio e não como debate sobre
o tema, tendo efeito de “contágio” que poderia levar a um aumento de suicídios assistidos,
em vez das pessoas buscarem cuidados adequados para a sua situação.
Em nossa opinião o tema deve ser ventilado, tanto nos seus pontos positivos quanto
nos riscos que possam proporcionar. O que é polemico é assistir ao processo de morrer como
é visto no documentário do início deste artigo e no filme “You don’t konow Jack” em que seu
procedimento foi levado ao ar, Kervokian acabou condenando, ficando na prisão 7 anos.
Craig Ewert, vinculado à clínica Exit tinha doença neurológica e pôs fim à sua vida
diante das câmeras da TV, na Sky News, suscitando grande polemica. Questionamos
a necessidade de apresentar esta cena ao vivo. Será que não é possível trazer o seu
depoimento acrescido de reflexão e debate sobre vários pontos de vista.
As mídias, TV, cinema e internet podem incrementar o debate sobre o tema. Do nosso
ponto de vista em vez de apresentar os casos ao vivo poder-se-ia coletar o depoimento, ou
trabalhar com atores o roteiro apresentado pelos pacientes, familiares e profissionais sem
tirar assim a emoção e o envolvimento e sem escancarar um tema tão polêmico, que ainda
necessita de muito debate e reflexão. Acreditamos que apresentar as cenas ao vivo suscita
mais aversão naqueles que têm posições contrárias e pode intimidar aqueles que ainda
estão reticentes.

Referências
Choosing to die. Direção: Charlie Russell. Produção: Charlie Russell. Documentário BBC.
KEO North. United Kingdom, 2011. 1 DVD (59 min), color.
Dignitas. http://www.dignitas.ch
Entrevista a Swissinfo (documentário Exit)- http://www.swissinfo.ch/por/direito-%C3%A0-
morrer--a-su%C3%AD%C3%A7a-d%C3%A1-umali%C3%A7%C3%A3o-de-
vida/893054
Floriani, C. & Schramm, F.R. (2008). Cuidados paliativos interfaces, conflitos e necessidades.
Ciência e Saúde Coletiva, 15 (Sup.). 2123-2132.
Goldim, J.R. Textos sobre suicídio assistido. http://www.bioetica.ufrgs.br
Kovács, M.J. (2013). Revisão crítica sobre conflitos éticos envolvidos na situação de suicídio.
Psicologia: Teoria e Prática, vol. 15, pp. 69-84.
Mar Adentro. Direção: Alejandro Almendábar. Produção: Alejandro Amenábar e Fernando
Bovaira. Intérpretes: Javier Bardem, Belén Rueda, Lola Dueñas, Mabel Rivera, Celso
Bugallo e outros. Roteiro: Mateo Gil. Música: Alejandro Amenábar. Espanha. Itália.
França, 2004. 1 DVD (125 min), color.
Morte assistida em Oregon. How to die in Oregon. Direção: Peter Richardson. Produção:
Peter Richardson. Sundance Filme Festival. HBO. EUA, 2011. 1 DVD (107 min), color.
Sampedro, R. (2005). Cartas do inferno. São Paulo: Editora Planeta do Brasil.
Schramm, F.R. (2002). A questão da definição da morte na eutanásia e no suicídio assistido.
Mundo da Saúde, São Paulo, 26(1), jan/mar, 178-183.
You don´t Know Jack. Direção: Barry Levinson. Produção: Scott Ferguson. HBO. EUA, 2010.
1 DVD (134 min), color.

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