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Yamamoto
Ana Ludmila F. Costa
(Organizadores)
Natal, 2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
Reitor Editor
José Ivonildo do Rêgo Helton Rubiano de Macedo
Vice-Reitora Capa
Fellipe Coelho-Lima
Ângela Maria Paiva Cruz
ISBN 978-85-7273-668-8
CDD 159.981
RN/UF/BCZM 2010/81 CDU 159.9-051(81)
Foi necessário haver, antes, uma longa preparação. A Fisiologia teve, primeiro,
que se constituir como uma disciplina. O degrau que possibilitou esse avanço
da Fisiologia foi um adiantado conjunto de conhecimentos sobre processos e
fenômenos biológicos. Mas, antes da Biologia, teve que haver um significativo
desenvolvimento da Química e, antes dela, da Física e, ainda antes desta última,
da Matemática. “Parece – salienta o autor – haver um despertador científico.
Cada disciplina tem uma hora histórica para manifestar-se. Hoje – parece! – o
despertador da Ciência anuncia a hora da Psicologia e, talvez, estejamos em uma
era onde se vê nascer um novo esclarecimento (...)”.
O autor prossegue considerando que “sem dúvida alguma, os interesses
explorados pela disciplina que nasce são antigos, mas a acuidade da pesquisa é
nova. Parece haver uma lógica de ferro no domínio das coisas: cada disciplina
tem que aguardar o momento para alcançar sua acuidade específica, até que a
disciplina precedente lhe tenha fornecido os dados e instrumentos para tanto.
Hoje, esta nova acuidade no campo da Psicologia está trazendo concepções que
estão reformando nossa vida”. É em relação a essa afirmação de Overstreet que
parece haver a necessidade de um exame mais demorado: a vida de quem está
sendo reformada em quê?
Sem dúvida, a Psicologia é a disciplina (a área de conhecimento) do
momento. Está na moda, não apenas nas revistas e livros, mas nas verbas de
pesquisa, na proliferação de cursos e escolas e no “milagroso” surgimento de
novidades “clínicas”, “terapêuticas” e outras capazes de fazer “tanto” pelos
“problemas humanos”. No entanto, se perguntarmos o que é feito em Psicologia,
hoje, precisamos examinar do que, efetivamente, se ocupam os psicólogos nas
suas atividades profissionais. Talvez aí encontremos mais precisa e claramente
alguma resposta à pergunta “a quem a Psicologia está servindo?”.
Sylvia Leser de Mello (1975), em uma investigação sobre “Psicologia e
profissão em São Paulo” faz, para nós psicólogos, um primeiro alerta sobre a
direção dos serviços em Psicologia. Em seu trabalho a autora mostra a discrepância
entre quatro grupos de ocupações tradicionais da Psicologia: Clínica, Escola,
Indústria e Ensino da Psicologia. O que a investigação de Mello denuncia é um
perigoso desequilíbrio entre esses quatro campos de aplicação do conhecimento
em Psicologia.
A Quem Nós, Psicólogos, Servimos de Fato? 173
Tabela 1
Preços* de diferentes tipos de serviços de Psicologia em 1977 e estimativa para
o ano de 1978 na cidade de São Paulo.
PREÇOS DOS SERVIÇOS
PREÇOS DOS SERVIÇOS EM 1977
ESTIMADOS PARA 1978
PREÇOS
MÉDIA VARIAÇÃO MÉDIA VARIAÇÃO
TIPOS DE SERVIÇOS
A administração da Psicologia
O último aspecto que foi apresentado como objeto de exame diz
respeito à administração da Psicologia. Não somos apenas psicólogos. Também
administramos os recursos, condições e oportunidades que podem produzir
novos caminhos para as pessoas que estão envolvidas, direta ou indiretamente,
com o trabalho da Psicologia. As oportunidades de trabalho, as verbas de
pesquisa, os tipos de curso ou de estágios que oferecemos, as publicações que
decidimos apresentar à sociedade e as situações profissionais que construímos ou
viabilizamos para nós ou para outros darão uma direção, orientação ou ritmo ao
A Quem Nós, Psicólogos, Servimos de Fato? 191
nossos cursos de Psicologia, sem dúvida. Mas, para que exatamente? E essa é
uma pergunta que exige respostas precisas e que sejam inequivocamente
relacionadas às necessidades das pessoas que constituem o país e não vaidades
racionalizadoras a justificar nossa existência como profissão em qualquer
instância de sua constituição.
À acusação, insinuação ou questionamento sobre a Psicologia ser um
“luxo” na sociedade, talvez seja útil responder com as mesmas questões que
Holland (1973; 1976; 1978) faz em seus artigos: a quem devemos “tratar e mudar”:
o homem que sofre ou as condições que o fazem sofrer ou produziram seu
sofrimento? A segunda alternativa de resposta exige experiência e conhecimento
em perceber, identificar, analisar, produzir conhecimento e tecnologia, denunciar,
administrar e intervir nos fatores que determinam os problemas humanos na
organização, no ambiente social e nos agentes que criam ou produzem esses
fatores mais do que apenas naqueles que sofrem suas influências.
Urge para nós, psicólogos, estabelecer um contato vivo e não apenas
livresco com esses problemas. Urge ter uma experiência real em interferir
sobre tais problemas por meio do manejo de seus determinantes e não apenas
interferir com a ocorrência dos próprios problemas depois de instalados e em
grau avançado de evolução e comprometimento. Será pouco a escola informar
e ajudar a ver, das salas e instâncias acadêmicas, os problemas apenas como
ilustrações de informações que os professores preferem ou escolhem mostrar
aos que vão constituir o futuro e as possibilidades de desenvolvimento,
estagnação ou involução do campo de atuação profissional. Parece necessário
olhar em outras ou em mais direções e arriscar novas formas de trabalho com
os problemas existentes na sociedade. Caminhos ou procedimentos novos
devem existir. Talvez baste procurá-los em todas as instâncias de realização ou
de administração do trabalho com Psicologia. Talvez seja necessário procurá-los
onde ainda não é usual fazê-lo, onde não costumamos “caminhar” ou onde não
procuramos “caminhos” ainda.
Cabe a cada um de nós, estudantes, profissionais, professores ou
administradores da Psicologia, contribuir com alguma transformação. Qual é, a
cada momento, a nossa contribuição? Essa pode ser a pergunta inicial. As crises
194 Escritos sobre a profissão de psicólogo no Brasil
e conflitos que a resposta produzir poderão ser o “caminho” novo a se fazer aos
poucos, ao “caminhar”. Os nossos procedimentos de trabalho também precisam
ser objeto de avaliação, de estudo, de investigação científica. Aí pode estar uma
preciosa fonte de descobertas para a transformação e para o desenvolvimento
da Psicologia, seja como conhecimento, seja como um campo de atuação
profissional.
núcleo definidor em torno das demandas feitas aos psicólogos e das ofertas de
emprego que as empresas apresentam) dominou cada vez mais, tornando muitos
dos psicólogos meros “despachantes de rotinas de serviços”. Estudos sobre o
exercício da profissão de psicólogos realizados por Ana Almeida Carvalho (1982
e 1984) e com Kavano (1982) encontram, claramente, uma consequencia do
ensino superior lesiva para o exercício da profissão: profissionais formados
há cerca de cinco anos identificam instrumentos de trabalho que aprenderam
a usar nos seus cursos, identificam e até caracterizam diferentes “teorias ou
escolas psicológicas”, identificam várias categorias de “problemas psicológicos”,
mas não são capazes de definir minimamente o que constitui um “fenômeno
psicológico”. Com isso, facilmente, “perdem a identidade profissional”, uma vez
que só a conseguem definir pela “periferia” de seus componentes, enfatizados
pela formação acadêmica. No MEC, na década de 1990 e na primeira década
do século XXI, proliferaram currículos que eram cópias de outras instituições
apresentados como projetos de novos cursos de Psicologia. Em um caso, foram
identificados até quatro cópias xerox do mesmo currículo, quando já estava
em exame e debate as diretrizes curriculares para o ensino de graduação em
Psicologia. Infelizmente, ainda há muito por aperfeiçoar no ensino de graduação
em Psicologia. Mormente com o surgimento de uma proposta de inovar esse
ensino por meio de competências apropriadas para o trabalho em um campo
profissional em grande parte ainda inexplorado. Os projetos de curso ainda
não parecem estar em consonância com as possibilidades que as diretrizes
curriculares, mesmo com várias lacunas ou imperfeições, ensejam.
Soares (1997) encontra seus ex-alunos de matemática na graduação,
alguns anos depois de formados, ignorando o que aprenderam em matemática
ao exercitar a profissão de engenheiros, utilizando apenas matemática de
segundo grau e o que lhes indicavam os vendedores de equipamentos para
as empresas nas quais trabalhavam. Stédile (1996) acompanha egressos que
estudaram com ela como definir e realizar o trabalho de “prevenção em saúde”
e encontra, alguns anos depois de formados, que seus alunos, sistematicamente,
abandonaram o que aprenderam na Universidade e adotaram os conceitos, muito
menos elaborados e pouco atualizados, a respeito do que consistia o conceito
196 Escritos sobre a profissão de psicólogo no Brasil
disputa pelo poder para ditar como deve ser a formação dos psicólogos, assim
como multiplicamos a quantidade de publicações, tendendo a cada grupo ter
sua revista quase particular para publicar os trabalhos cada vez em mais revistas
especializadas. Parece que fazer pesquisa e publicar ou ter uma publicação mais
do que serviço transformou-se em status ou poder político ou acesso a verbas
públicas. Será isso o melhor para o País e para o desenvolvimento da Psicologia?
Talvez falte hoje um sistema articulador de todas as agências de trabalho
com a Psicologia, sem haver hegemonia, ou dominância. Um sistema organizador
que aumentasse o acesso e viabilizasse uma participação no trabalho coletivo e não
apenas nas suas “correntes” cada vez mais fundamentalistas. As “contribuições”
de diferentes autores cada vez mais ficam “escolas”, “teorias”, “abordagens” ou
“perspectivas’ excludentes, com todo o arcaísmo que isso possa ter. O alerta de
Fred Keller (19371970) já indicava a necessidade de haver uma sistematização das
múltiplas contribuições da Psicologia para auxiliar na orientação e velocidade de
seu desenvolvimento. Nas palavras do autor, “uma ciência que se está fazendo
não é, na prática, um negócio abstrato e impessoal. Inclui um grupo de seres
humanos não inteiramente cooperador, cada um dos quais tem o seu passado
de conhecimentos e pesquisas, suas próprias capacidades, seus preconceitos e
preferências” (p. 135-136). Embora desacordos e controvérsias sejam inevitáveis
e até instrumentais, ainda estamos longe de um debate que seja voltado para
produzir o conhecimento e não para disputas para alguém “ter razão” ou “poder”
em relação ao núcleo definidor do fenômeno psicológico que pode reunir os
esforços e orientações de milhares de profissionais, pesquisadores, professores,
administradores ou estudantes de Psicologia.
Isso, ainda nas palavras de Keller (1937/1970), “é especialmente verdade
para uma jovem ciência como a nossa – recém libertada da filosofia e não sempre
distinguida, em alguns de seus labores, da fisiologia” (p. 136). “Um sistema é
uma tentativa sincera e cabal de manter a casa da Psicologia em ordem: de repor
esta peça de mobiliário, de reparar aquela; de indicar a aparência fora da moda
de uma sala ou a nudez de outra; acrescentar uma ala aqui ou um andar ali; e, se
necessário, de por a casa abaixo e construir uma nova – sempre de acordo com
a quantidade, a necessidade e as posses de seus ocupantes” (Keller, 1937/1970,
200 Escritos sobre a profissão de psicólogo no Brasil
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